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ALFABETIZAÇÃO, ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA E INCLUSÃO DIGITAL: UMA PRÁTICA ETNOMATEMÁTICA. 07786228861 26942586897 07691831234 10612225607 05015795670 06746706630 APOIO: FAPEMIG Eixo temático: 4. Etnomatemática e educação para inclusão. Resumo Apresentamos aqui resultados parciais de uma investigação vinculada ao “Projeto Rede de Educação Popular” do Grupo de Pesquisa em Educação e Culturas Populares – GPECPOP, desenvolvida pelos membros do Subgrupo Matemática e Leitura GML. A pesquisa foi iniciada em agosto de 2011 com término previsto para dezembro de 2012 e desenvolvida junto às trabalhadoras de algumas unidades produtivas da Ong Ação Moradia localizada no Bairro Morumbi da cidade de Uberlândia-MG. A investigação qualitativa do tipo pesquisa-ação (IBIAPINA, 2008; FRANCO, 2005) buscou compreender as dificuldades e as necessidades formativas das trabalhadoras no que diz respeito à utilização do computador e da internet; e, também, implementar processos de alfabetização, de alfabetização matemática e de inclusão digital, de modo crítico. Como referencial teórico ancoramo-nos nas elaborações do programa de pesquisa etnomatemática (D´AMBROSIO, 1993, 2001) e nas contribuições de Freire (1967, 1983, 1986, 1987). Podemos inferir, mesmo que parcialmente, que as atividades desenvolvidas contribuíram significativamente para a compreensão e ressignificação/desmistificação do uso do computador e da internet pelas trabalhadoras, assim como já observamos avanços significativos em termos da alfabetização, alfabetização digital e matemática junto a este grupo. Palavras-chave: alfabetização; alfabetização matemática; inclusão digital; educação popular; etnomatemática.

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ALFABETIZAÇÃO, ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA E

INCLUSÃO DIGITAL: UMA PRÁTICA ETNOMATEMÁTICA.

07786228861

26942586897

07691831234

10612225607

05015795670

06746706630

APOIO: FAPEMIG

Eixo temático: 4. Etnomatemática e educação para inclusão.

Resumo

Apresentamos aqui resultados parciais de uma investigação vinculada ao “Projeto Rede

de Educação Popular” do Grupo de Pesquisa em Educação e Culturas Populares –

GPECPOP, desenvolvida pelos membros do Subgrupo Matemática e Leitura – GML. A

pesquisa foi iniciada em agosto de 2011 com término previsto para dezembro de 2012 e

desenvolvida junto às trabalhadoras de algumas unidades produtivas da Ong Ação

Moradia localizada no Bairro Morumbi da cidade de Uberlândia-MG. A investigação

qualitativa do tipo pesquisa-ação (IBIAPINA, 2008; FRANCO, 2005) buscou

compreender as dificuldades e as necessidades formativas das trabalhadoras no que diz

respeito à utilização do computador e da internet; e, também, implementar processos de

alfabetização, de alfabetização matemática e de inclusão digital, de modo crítico. Como

referencial teórico ancoramo-nos nas elaborações do programa de pesquisa

etnomatemática (D´AMBROSIO, 1993, 2001) e nas contribuições de Freire (1967,

1983, 1986, 1987). Podemos inferir, mesmo que parcialmente, que as atividades

desenvolvidas contribuíram significativamente para a compreensão e

ressignificação/desmistificação do uso do computador e da internet pelas trabalhadoras,

assim como já observamos avanços significativos em termos da alfabetização,

alfabetização digital e matemática junto a este grupo.

Palavras-chave: alfabetização; alfabetização matemática; inclusão digital; educação

popular; etnomatemática.

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Introdução

Nasci em tempos rudes

Aceitei contradições lutas e pedras

como lições de vida e delas me sirvo.

Aprendi a viver.

(Cora Coralina)

O Grupo de Pesquisa em Educação e Culturas Populares - GPECPOP, vinculado

ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia é

constituído por vários subgrupos que buscam construir coletivamente conhecimentos

com vistas a contribuir com o aprimoramento teórico e metodológico no campo de

intervenção, a partir da investigação de processos de educação e culturas populares

ligados às práticas escolares formais e não formais de ensino. Nessa direção, o grupo

desenvolve pesquisas em várias frentes: matemática, violência, questões de gênero, nos

processos de produção de bens culturais, materiais e imateriais, entre outras.

Desde o final de 2009 os diversos subgrupos vinculados ao GPECPOP

desenvolvem pesquisas e ações vinculadas ao “Projeto Rede de Educação Popular”, na

Ong Ação Moradia, localizada no Bairro Morumbi, na cidade de Uberlândia-MG1. O

subgrupo Matemática e Leitura – GML vem desenvolvendo pesquisas na Ong

relacionadas à investigação e compreensão das atividades desenvolvidas nas Unidades

Produtivas-UPs, assim como, às necessidades formativas das trabalhadoras no que diz

respeito à matemática e leitura.

Algumas atividades da pesquisa desenvolvidas na Ong, junto às trabalhadoras,

nos levaram a compreender que os computadores e a rede mundial de computadores

ainda eram vistos com certas ressalvas, cuidados e medos pelas trabalhadoras.

Em resumo, foi possível identificar, também, que o grupo de trabalhadoras como

um todo apresentava três modos diferentes de compreender/agir frente às ferramentas

digitais: 1) algumas apresentavam pouco domínio na utilização do computador, 2)

outras não utilizavam ou não conheciam essa ferramenta digital; 3) e, algumas

trabalhadoras, não usavam esse recurso tecnológico por desconhecerem o código da

escrita e da leitura. O fato é que sabíamos que algumas das trabalhadoras não eram

1 A Ong Ação Moradia tem por objetivo “Promover a melhoria da qualidade de vida de famílias em

situação de risco social por meio da construção de moradias com tijolos ecológicos, fomento a

empreendimentos comunitários solidários, projetos de segurança alimentar e cidadania responsável”

(fonte: www.acaomoradia.org.br).

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alfabetizadas, outras apresentavam alguma dificuldade com a escrita e leitura e, a

maioria delas não apresentava experiências anteriores com o uso de computadores e da

internet.

A partir das constatações que refletiam os diferentes modos de atuação das

trabalhadoras no uso dos computadores, verificamos que esta etapa do nosso trabalho

deveria relacionar-se à atuação formativa para atender tais demandas. Assim, a pesquisa

foi iniciada em agosto de 2011, com término previsto para dezembro de 2012, tendo

como questões norteadoras: a) como incluir digitalmente mulheres que sofreram

privações e restrições no que se refere ao ensino-aprendizagem escolar?; b) é possível

desenvolver atividades de leitura crítica, de alfabetização, de alfabetização matemática e

promover, concomitantemente a inclusão digital das trabalhadoras não alfabetizadas das

UPs?

Isso posto, debruçamo-nos particularmente nas reflexões e propostas que

objetivavam contribuir na formação das trabalhadoras no sentido de superar a questão

do analfabetismo, isto é, a alfabetizar as trabalhadoras consideradas analfabetas,

digitalmente como da leitura e da escrita, numa perspectiva freireana (FREIRE, 1967,

1983, 1986, 1987) e a construir ambientes de aprendizagem relacionados à inclusão

digital (SILVEIRA, 1996) das trabalhadoras. Para isso, em concordância com as

trabalhadoras e com a coordenação da Ong, organizamos encontros realizados às terças-

feiras das 9 horas às 11 horas, no laboratório de informática da Ong.

Desse modo, o trabalho com a inclusão digital em processos e de alfabetização,

sob a perspectiva da educação libertadora freireana (FREIRE, 1967, 1987), despertou no

GML a necessidade da ação-reflexão-ação sobre teoria e prática formativa. Optamos por

trabalharmos com temas geradores (FREIRE, 1967), relevando as questões

socioculturais, as compreensões e conhecimentos prévios do grupo de trabalhadoras das

UPs, em conformidade com o programa de pesquisa etnomatemático (D´AMBROSIO,

1993, 2001).

Inspirados na metodologia de rodas de conversa (SILVA E BERNARDO, 2007;

WARSCHAUER, 2001), os encontros semanais no laboratório de informática são

divididos em três momentos distintos: primeiro uma roda de conversa de abertura e de

sensibilização, apresentação/discussão das atividades do dia; segundo, as atividades das

mulheres e interação com as suas especificidades e o último momento de avaliação por

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meio de diálogo sobre o encontro realizado, quando são apontados avanços, superações

e necessidades, seguido pelo planejamento para o próximo encontro.

Referencial Teórico

As atividades desenvolvidas pelo GML na Ong Ação Moradia têm em suas

bases aproximações com os princípios da Educação Popular freireana e nos constructos

teóricos/práticos do programa de pesquisa etnomatemática (D´AMBROSIO, 1993,

2001).

Buscamos, ainda, em Silveira (1996) contribuições teórico/práticas relativas à

exclusão digital. O processo social que tem gerado uma nova modalidade de

analfabetismo - o digital.

Metodologia

A investigação, de abordagem qualitativa do tipo pesquisa-ação (IBIAPINA,

2008, FRANCO, 2005), tem por objetivos: compreender os limites e necessidades

formativas, no que diz respeito à utilização do computador e da internet e, também,

implementar processos de alfabetização, de alfabetização matemática e de inclusão

digital, de modo crítico, junto às trabalhadoras das UPs.

Como escolha de instrumentos e procedimentos de coleta de dados utilizamos as

entrevistas abertas e a observação participante. Enquanto técnica ou recurso optamos

pelo uso dos registros fotográficos, filmagens, postagens em websites e registros

escritos na forma de notas de campo.

Desenvolvimento

Pautados nas contribuições da etnomatemática, não poderíamos iniciar um

trabalho com o grupo de trabalhadoras sem conhecer os seus desejos e dificuldades no

que diz respeito ao uso do computador. Assim, descartamos a ideia de implementar

cursos prontos, ou atividades prontas. Segundo D’Ambrosio (2001) não seria possível

que as pessoas em contextos distintos tivessem as mesmas indagações a respeito de seus

saberes/fazeres. Nesse sentido, a etnomatemática busca reconhecer e valorizar os

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processos de produção e divulgação de conhecimentos dos diferentes grupos sociais. Ou

seja, “além desse caráter antropológico, a etnomatemática tem um indiscutível foco

político. A etnomatemática é embebida de ética, focalizada na recuperação da dignidade

cultural do ser humano” (D’AMBROSIO, 2001, p. 9).

Mesmo cientes das limitações, já pontuadas, do grupo de trabalhadoras, partimos

da hipótese que, em termos da informática, “se aprende fazendo”. Isso é, as

trabalhadoras aprenderiam a manusear e a utilizar o computador fazendo uso desta

ferramenta midiática de um modo amplo, aprendendo cada função e recurso na medida

em que necessitassem dela/dele.

Da mesma forma, construímos um contrato didático entre nós e elas, no qual a

presença não seria controlada e, muito menos, obrigatória. Ou seja, nosso principio

baseava-se na autonomia de cada trabalhadora para escolher e participar, assim como a

autogestão de horários (organização da agenda de compromissos pessoais, profissionais

e formativos). Em outras palavras, participariam do projeto somente às mulheres que

tivessem interesse.

Numa primeira reunião, marcada com o grupo de trabalhadoras e com a

coordenação da Ong, na qual estabelecemos os nossos objetivos enquanto grupo de

pesquisadores e pesquisadoras, ficou evidente que os medos das trabalhadoras eram

menores do que o desejo por compreender e utilizar os computadores e, principalmente,

a internet. De fato, como nos adverte Silveira (1996, p. 23), de um modo geral, mesmo

nas extremas periferias das grandes cidades, as pessoas distantes deste universo

tecnológico, ou como diz o autor, “apartadas da sociedade da informação”, cada vez

mais compreendem a importância da inclusão digital. Adicionalmente a esta questão,

cabe enfatizarmos, a demanda pela utilização dos computadores/internet partiu do

próprio grupo de trabalhadoras.

Sabendo da heterogeneidade do público, entendemos que as atividades deveriam

respeitar os seus limites, possibilidades e desejos. Frente a isso, optamos por trabalhar

com o tema gerador “identidade”, e os eixos norteadores da pesquisa, “onde nasci”;

“onde moro”; e, “o que faço”.

Tema gerador: Identidade

Eixos norteadores: onde nasci; onde moro; e, o que faço.

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Constatamos após levantamento de dados, que o primeiro eixo do nosso trabalho

- “onde nasci” -, refletia a diversidade cultural das trabalhadoras no que diz respeito às

suas origens. Desse modo, sugerimos que a primeira pesquisa a ser realizada por elas,

seria sobre “suas cidades natais”.

As diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero, enfim, a

diversidade humana está sendo cada vez mais desvelada e destacada e

é condição imprescindível para entender como aprendemos, e como

percebemos o mundo e nós mesmos. (...) As interfaces e conexões que

se formam entre saberes outrora isolados e partidos e os encontros da

subjetividade humana com o cotidiano, o social, o cultural apontam

para um paradigma de conhecimento que emerge de redes cada vez

mais complexas de relações, geradas pela velocidade das

comunicações e informações (MANTOAN, 2006, p. 189).

Concordando com a autora acima mencionada, partimos do pressuposto que a

junção entre diferenças culturais, ampliação do conhecimento de si mesmo e do outro,

interfaces e relações entre a vivência passada e o momento vivido, assim como olhar o

“conhecido” de modo ampliado (o que revelam as pesquisas sobre as cidades natais das

trabalhadoras? Elas reconhecem nas telas do computador suas próprias cidades e

características?) são elementos que constituem múltiplas aprendizagens.

Desse modo, a equipe de pesquisadores/as foi dividida entre as trabalhadoras.

Estas, utilizando a ferramenta de busca “Google”, pesquisaram informações sobre suas

cidades natais, como: - área; população; densidade demográfica; renda per capita; as

distâncias entre as cidades e Uberlândia; e outras. As mulheres que encontram-se em

processo de alfabetização, também fizeram a pesquisa, em parceria com um/a

pesquisador/a.

Figura 1: Mapa das cidades de origens das Mulheres Trabalhadoras da Ação Moradia.

Fonte: Grupo de Matemática e Leitura, laboratório de Informática – 22/05/2012.

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Figura 2: Mapa das cidades de origens das Mulheres Trabalhadoras da Ação Moradia. Fonte: Editoração e

colaboração de André Luiz Sabino (Professor Titular da Escola de Educação Básica – ESEBA/UFU) –

10/05/2012.

Nesse momento da investigação foi possível realizar um breve diagnóstico

inicial e assim compreender, junto às mulheres em processo de alfabetização, quais

eram as suas hipóteses de leitura e de escrita2. Este diagnóstico inicial foi muito

significativo para pensarmos posteriormente, sobre as atividades que desenvolveríamos

e intervenções que faríamos.

Outra etapa importante foi percebermos que havia bloqueio em algumas

trabalhadoras em querer aprender a ler e escrever ou envergonhadas em assumir seu

analfabetismo visto que muitas estão marcadas emocionalmente pelo fracasso escolar e

pela forma como foram ensinadas neste processo, sem sucesso. Por isso, abordaremos a

alfabetização numa perspectiva que não a limite a decodificar e codificar.

De acordo com a Psicogênese da Língua Escrita (FERREIRO, TEBEROSKY,

1986) o aprendizado do sistema de escrita não se reduz ao domínio de correspondências

grafo-fonêmicas (a decodificação e a codificação), mas se caracteriza como um

processo ativo no qual o sujeito, desde seus primeiros contatos com a escrita, constrói e

reconstrói hipóteses sobre a sua natureza e o seu funcionamento.

Barbosa (1991, p.27) compartilha de tais apontamentos, e critica a concepção

tradicional de ensino, que desconsidera tal processo de ressignificação da leitura e

escrita, limitando-a as técnicas de memorização passiva, “não se alfabetiza fazendo

2 De modo superficial, devido às limitações de espaço deste trabalho, as hipóteses de escrita mencionadas

referem-se às hipóteses pré-silábicas, silábicas sem valor sonoro, silábica com valor sonoro, silábica-

alfabética e alfabética. Optamos somente por mencioná-las, pois consideramos que para compreender

estas teorizações assim como as regras do nosso sistema de escrita, é preciso um processo sistemático de

reflexão sobre suas características e seu funcionamento - um conteúdo conceitual complexo, que para ser

aprendido requer a construção de interpretações sucessivas.

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apenas juntarem as letras. Há uma alfabetização cultural sem a qual a letra pouco

significa” assim como, para Freire (1993, p. 17), “a leitura de um texto, tomado como

pura descrição de um objeto e feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura, nem

dela portanto, resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala”.

Ainda, para Freire (1967), esse processo é composto por três etapas: etapa de

investigação, que busca verificar palavras e temas que fazem significado na vida

cotidiana do indivíduo; a tematização, que é a tomada de consciência do mundo, o que

significa essas palavras ou temas e a problematização, onde desafia o indivíduo superar

a visão mágica e acrítica do mundo para uma postura conscientizada.

Reafirmamos, portanto, que a proposição desta pesquisa inicial (a cidade natal)

tem como concepção a compreensão de que, a leitura e a escrita, como objetos de

ensino, não se separam da pratica social que se quer comunicar, e por isso é

imprescindível representar, ou reapresentar, os diversos usos que ela tem na vida social.

Neste contexto, alguns teoricos como Castellar (2000) e Callai (2000, 2005)

explicitam que realizar uma leitura e escrita do espaço vivido e concebido é uma das

alternativas possíveis para despertar e ampliar o proprio repertório cultural – no caso

desta pesquisa, das trabalhadoras - as suas compreensões acerca da leitura de imagens,

palavras e mundo.

Ensinar a ler o mundo é um processo que se inicia quando a criança

reconhece os lugares, conseguindo identificar as paisagens. Portanto,

observar, registrar e analisar são processos que estão relacionados com

o significado de ler e de entender, desde os lugares de vivência até

aqueles que são concebidos por quem lê, dando significados às

paisagens observadas, pois na leitura se atribui sentido ao que está

escrito (CASTELLAR, 2000, p.243).

Nesta perspectiva, buscamos ao longo das atividades, que tanto os trabalhos de

inclusão digital como os de alfabetização ocorressem conjuntamente, visto que o

processo de conhecer a realidade das trabalhadoras a princípio e posteriormente da

comunidade que estão inseridas contribuem para a efetivação do respeito e da

valorização étnica, racional e sociocultural. “É preciso assegurar à população o

conhecimento básico da informática e incentivar o processo permanente de auto-

aprendizagem” (SILVEIRA, 1996, p. 29).

Isso posto, compreendemos a alfabetização e nosso trabalho de inclusão digital

mais como processo do que como produto. Buscamos ainda organizar a nossa prática

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pedagógica por meio do planejamento de situações de ensino e aprendizagem adequadas

às necessidades e possibilidades de aprendizagem do público alvo.

Enfim, dando prosseguimento ao relato da atividade desenvolvida junto às

trabalhadoras, consideramos que esta etapa inicial - o resgate das origens das

trabalhadoras, assim como os motivos que as levaram a deixar as suas terras natais e a

se mudar para Uberlândia - foi de extrema importância para a criação de vínculos entre

pesquisadores e trabalhadoras e para o desencadeamento de ações e atividades

reflexivas.

Presenciamos vários relatos carregados de emoção e (in)certezas acerca das

qualidades e belezas de suas cidades natais. Essas emoções, relacionadas às memórias

de infâncias tornaram-se mais efetivas quando, por meio do programa “Google Earth”,

as trabalhadoras puderam “ver” as cidades, casas, ruas, cachoeiras, parques, lagos, etc.

onde viveram, moraram e passearam.. Muitas emocionalmente diziam: “como minha

cidade é linda, porque saí de lá?".

Figura 3: Painel “O Lugar é ...” cidades de origem de 4 trabalhadoras.

Fonte: Grupo de Matemática e Leitura, laboratório de Informática – 05/06/2012.

Figura 4: Painel “O Lugar é ...” cidades de origem de 4 trabalhadoras.

Fonte: Grupo de Matemática e Leitura, laboratório de Informática – 05/06/2012.

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As informações que as trabalhadoras pesquisavam sobre suas cidades e que

consideravam significativas, eram copiadas para uma planilha do Excel ou um arquivo

“.doc”, com o objetivo de documentar e registrar, para posteriormente narrar, lembrar e

refletir.

Nesse processo inicial elas aprenderam a pesquisar na internet utilizando o

Google, e consequentemente, aprenderam a copiar, colar, abrir um arquivo, salvar

arquivos e a utilizar as teclas e funções necessárias à execução destas tarefas.

Após este momento, que foi também de diagnóstico, foi possível ao grupo de

pesquisadores/as delinear coletivamente as linhas de ações e, bem como, as tarefas de

cada um/uma. Assim, uma das pesquisadoras atuaria apenas com três trabalhadoras não

alfabetizadas; outra, com as trabalhadoras que apresentaram maior dificuldade em

manusear o mouse e a utilizar a internet e o restante da equipe de

pesquisadores/formadores assessoraria as demais integrantes do grupo.

Em continuidade ao tema/eixo “onde nasci”, o grupo de trabalhadoras passou a

investigar sobre as músicas regionais de suas cidades e as comidas típicas. E, da mesma

forma, todas as informações coletadas eram armazenadas em arquivos “.xlx” ou “.doc”.

Consentimos, portanto, que a partir das pesquisas realizadas, as próprias

trabalhadoras estabeleceram relações importantes sobre espaço geográfico (paisagem,

território, lugar) e cultura.

Numa compreensão ampla acerca de significados e buscando outros temas que

apresentariam oportunidades de conhecimento e de exploração de nossos objetivos, de

interações sobre o contexto social e histórico do grupo de trabalhadoras, surgiu a

questão das músicas regionais.

Trabalhar com músicas regionais nos apresentou novas possibilidades de

pesquisas a serem desenvolvidas pelas trabalhadoras e de desvelamentos de concepções,

possibilidades de vincularmos alfabetização digital com a leitura e escrita, por meio das

letras das músicas. Esse tema gerou diversos desdobramentos, mas que ainda não foram

analisados.

Eixo temático: “Onde moro”

A segunda etapa do trabalho foi aprofundar o olhar sobre o espaço atual onde

residem. Assim, as trabalhadoras passaram a pesquisar sobre a cidade de Uberlândia (as

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ruas onde moram, os pontos turísticos, as cachoeiras, os campi da UFU, os pratos

típicos da culinária, as músicas e grupos regionais).

O objetivo desta etapa é realizar uma leitura e escrita do espaço onde vivem

atualmente, estabelecendo uma relação com o espaço vivido, para consequentemente

ressignificarmos esse espaço e possivelmente, transformá-lo, pois como menciona

Carrai (2000, p. 243),

Reconhecer, enfim, a sua identidade e o seu pertencimento é

fundamental para qualquer um entender-se como sujeito que pode ter,

em suas mãos, a definição dos caminhos da sua vida, percebendo os

limites que lhe são postos pelo mundo e as possibilidades de produzir

as condições para sua vida.

Como esta pesquisa ainda está em andamento, não chegamos ainda ao terceiro

tema/eixo “o que faço”. Entretanto, neste ponto, pretendemos desenvolver pesquisas e

ações que tenham por base as atividades desenvolvidas por cada trabalhadora nas UPs.

Dito de outro modo, faremos pesquisas sobre atividades correlatas às que elas

desenvolvem buscando ressignificar, compreender seus modos de produção (MARX,

2005).

À guisa de uma conclusão

Como pontuamos, esta investigação ainda encontra-se em andamento. Porém,

tendo por base o que já foi construído com o grupo de trabalhadoras, podemos inferir

que as atividades desenvolvidas contribuíram para as trabalhadoras compreenderem e

ressignificarem o uso dos computadores e a internet. Os medos iniciais foram

paulatinamente sendo superados. Muitas trabalhadoras já veem o computador como

uma ferramenta necessária às suas atividades diárias e novas demandas tem surgido.

No mais, o que nos fortalece e nos aproxima é a possibilidade de implementar

uma educação com significado e com vida que possibilite, a cada uma, ler

verdadeiramente e com sentido: letras, números, palavras, imagens, livros, mapas,

gestos, olhares, enfim... o mundo.

Referências bibliográficas

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