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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES Ana Sara Castaman 1 , FAI 2 RESUMO: O presente texto propõe-se, especialmente, fazer uma reflexão sobre o lugar e o sentido do conhecimento produzido por alunos do Curso de Pedagogia, regime especial, no componente curricular Oficina Pedagógica II – Educação Inclusiva, da Unijuí, acerca da inclusão de alunos com necessidades educativas especiais na classe regular. As reflexões apresentadas produziram-se a partir da análise da compreensão que as (os) discentes têm sobre sua formação e as práticas pedagógicas de ensino. O artigo é organizado em torno de três categorias essenciais: relação teoria/prática, conhecimento/ação e formação de professores inclusivos. As discussões se encontram no viés da atuação/formação/pesquisa, visando promover uma mobilidade na dinâmica de saberes e assentada em práticas concretas que poderão vir a sustentar um plano educacional compartilhado revelando novas competências e (re) posicionamentos sociais, éticos e políticos coerentes e factíveis. O fundamento teórico que permite a produção textual parte, principalmente, de Marques (2000) dentre outras leituras que argumentam e articulam as temáticas deste artigo. PALAVRAS – CHAVE: Formação docente; Relação teoria e prática, Relação conhecimento/ação. 1 Psicóloga. Mestre em Educação nas Ciências. 2 Faculdade de Itapiranga/SC.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Ana Sara Castaman1, FAI2

RESUMO: O presente texto propõe-se, especialmente, fazer uma reflexão

sobre o lugar e o sentido do conhecimento produzido por alunos do Curso de Pedagogia, regime especial, no componente curricular Oficina Pedagógica II – Educação Inclusiva, da Unijuí, acerca da inclusão de alunos com necessidades educativas especiais na classe regular. As reflexões apresentadas produziram-se a partir da análise da compreensão que as (os) discentes têm sobre sua formação e as práticas pedagógicas de ensino. O artigo é organizado em torno de três categorias essenciais: relação teoria/prática, conhecimento/ação e formação de professores inclusivos. As discussões se encontram no viés da atuação/formação/pesquisa, visando promover uma mobilidade na dinâmica de saberes e assentada em práticas concretas que poderão vir a sustentar um plano educacional compartilhado revelando novas competências e (re) posicionamentos sociais, éticos e políticos coerentes e factíveis. O fundamento teórico que permite a produção textual parte, principalmente, de Marques (2000) dentre outras leituras que argumentam e articulam as temáticas deste artigo.

PALAVRAS – CHAVE: Formação docente; Relação teoria e prática, Relação conhecimento/ação.

The present text is considered, especially, to make a reflection on the place and the direction of the knowledge produced for pupils of the course of Pedagogia, special regimen, in the curricular component Pedagogical workshop II – Inclusive education, of the Unijuí, concerning the inclusion of pupils with educative necessities special in the regular classroom. The presented reflections had been produced from the analysis of the understanding that (the) learning ones have of education. The article is organized around three essential categories: relation practical/theory, knowledge/action and formation of inclusive teachers.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Eu educo hoje, com os valores que eu recebi ontem, para as pessoas que são o amanhã. Os valores de ontem, os conheço. Os de hoje, percebo alguns. Dos de amanhã, não sei. Se só uso os de hoje, não educo:

1 Psicóloga. Mestre em Educação nas Ciências.2 Faculdade de Itapiranga/SC.

Page 2: EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES inclusiva e a forma__o de...  · Web viewO fundamento teórico que permite a produção textual parte, principalmente, de Marques

complico. Se só uso os de ontem, não educo: condiciono. Se só uso os de amanhã, não educo: faço experiências às custas das crianças. Por isso,

educar é perder sempre sem perder-se. Educa quem for capaz de fundir ontens, hoje e amanhãs, transformando-os num presente onde o amor e o

livre arbítrio sejam as bases (Educar em três tempos – Arthur da Távola).

O estágio de docência na graduação realizou-se no componente curricular Oficina Pedagógica II – Educação Inclusiva, que integra o sétimo semestre do curso de pedagogia, da UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, no regime de férias. A disciplina referida contempla questões sobre a escolarização inclusiva: trajetória histórica; visão integrada do processo de educação inclusiva na diversidade de seus enfoques teóricos e legais, entendendo-o como imprescindível ao desenvolvimento dos sujeitos que apresentam necessidades especiais, como seres unificados, em suas formas de sentir, pensar e agir.

Meu interesse no estágio de docência por este componente do curso de pedagogia delineou-se em torno das muitas inquietações que me acompanham na pesquisa da minha dissertação que tem como tema Educação Inclusiva de Crianças com Deficiência Mental: possibilidades e limites. Desde o início da minha investigação, vi-me confrontada com a desafiadora proposta de examinar a temática da inclusão, assegurada pela LDB 9.394/96 e por um conjunto de leis, diretrizes e orientações oficiais que compõem a reforma da educação e os contornos que a circundam, as relações entre os seres humanos, os contextos culturais, sociais, educacionais e onde essas relações têm movimento. Diante das dificuldades implicadas neste processo e principalmente com a pressão do imperativo discurso da inclusão, percebi a importância e a emergência significativa deste tema no contexto social atual.

Este tópico é de grande pertinência social, uma vez que é um movimento mundial, uma jornada com um propósito que impulsiona atualmente as políticas educacionais no interesse de ofertar escolas em que todos tenham as mesmas oportunidades, recusando desse modo os

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processos de exclusão, segregação e ampliando espaços educativos que assistam alunos com diferentes ritmos, capacidades e necessidades, exercendo plenamente a cidadania, através do acesso e da qualidade.

As escolas inclusivas devem fomentar o respeito mútuo, reconhecendo e respondendo às diversas dificuldades de seus alunos, acomodando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, assegurando e provendo uma educação de qualidade para todos, mediante currículos apropriados, modificações organizacionais, estratégias de ensino, recursos e parcerias com suas comunidades. Isso implica, ainda, um esforço para a atualização e reestruturação das condições atuais, para que o ensino seja adaptado à diversidade e às ações pedagógicas dos aprendizes.

A atenção à diversidade deve se concretizar em medidas que levam em conta não só as capacidades intelectuais e os conhecimentos dos alunos, mas também seus interesses e suas motivações. A escola, nesta perspectiva, visa à melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem, bem como ao desenvolvimento e à socialização dos alunos. A educação das crianças com deficiência mental requer ações especializadas da escola, simultâneas ao emprego de alternativas e de procedimentos pedagógicos variados que permeiam os diversos modos de organização do sistema educacional.

Sendo assim, após as discussões feitas durante o estágio, entendemos que o aluno com deficiência mental poderá, a partir do desenvolvimento de suas potencialidades, apreender conteúdos e melhorar seu relacionamento interpessoal com o social e que o atendimento destes educandos deverá ser contínuo visando a conhecer as potencialidades, as limitações e as necessidades educacionais especiais das crianças com deficiência mental.

O estágio revelou, nas discussões, que: o(a)s professore(a)s estão despreparados para lidar com a diversidade e o desnível de aprendizagem do(a)s aluno(a)s, inclusive dos que possuem necessidades educacionais especiais; o(a)s professore(a)s utilizam um currículo inflexível, ou seja, um currículo que não está adaptado para atender as necessidades

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educacionais dos seus aluno(a)s, para que o(a)s mesmo(a)s alcancem o sucesso escolar; o(a)s professore(a)s costumam dar menos feedback aos aluno(a)s com necessidades educacionais especiais, ou seja ele(a)s fazem menos perguntas a esse(a)s aluno(a)s ou esperam menos tempo por suas respostas.

Com base nessa experiência de estágio, vislumbramos que o cerne da reflexão na disciplina centrou-se na temática da formação de professores, de uma orientação inclusiva em educação e da preparação destes para acolher crianças com deficiência mental na escola de classe normal. É notório e fundamental que, nesse processo, haja o comprometimento efetivo dos docentes.

Examinamos sobre a formação de professores que a atual dinâmica social determina um desenvolvimento profissional diferenciado e pluriforme ao exercício das profissões, na qual se sintetizam e generalizam a abertura para competências comunicativas e habilidades cognitivas e instrumentais. A necessidade vigente de capacitação profissional edifica-se no arcabouço estruturante do ensino. É uma prática que precisa ser criada, visto não haver um “pacote” pronto. Cabe, então, à educação organizar espaços e tempos para uma formação plena, calcada nos valores teórico-práticos e mediada pelas vozes reflexivas e coletivas do mundo da vida. Importa neste momento histórico se fazer ao fazer-se na formação e que o professor se comprometa com sua função social de viabilizar a transformação do real. “Na formação revela-se e se potencia o movimento real do mundo vivido, da cultura, das ciências, das artes, na reconstrução desse patrimônio comum em novas circunstâncias e por outros atores e na ampliação de seus horizontes teóricos, práticos-operativos e emancipatórios” (MARQUES, 2000, p. 53).

Nesse viés, a temática das políticas públicas encontra-se em voga, já que esses são conceitos fundamentais e servem como vetores que afetam diretamente a organização do movimento educacional. À política é “à vida em comum, às regras de organização dessa vida, aos objetivos da comunidade e às decisões sobre todos os pontos” (DALLARI, 1984, p. 08).

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Desse modo, política refere-se a “arte e ciência do governo; é arte sendo prática de se conseguir a concordância de muitos e promover o bem comum; é ciência que estuda a vida humana em sociedade, a tomada de decisões e, daí, estuda o poder e as relações Estado-Sociedade” (Grifo do autor) (LUCE, 2005, p. 13). Nesse caso a política educacional se resume a conjugação de ações, valores, objetivos e regras entre os seres, os quais vão organizando a vida mundana educacional a partir das necessidades de convivência e do bem comum.

E, é nesta ambiência que se insere a formação de professores, a qual encontra-se intimamente ligada aos moldes impostos pelo poder público, contribuindo, geralmente, com políticas públicas ilegítimas, de caráter tecnocrático e de pouca qualidade de acesso, fragmentada, incoerente e distante da teoria e da prática, causando uma certa insatisfação por parte da maioria dos professores e “grandes ausências”, as quais se configuram como “lacunas referentes aos valores éticos da educação, às questões políticas amplas da sociedade brasileira, às discussões epistemológicas, ao exercício da pesquisa/investigação/experimentação pedagógicas” (MARQUES, 2000, p. 29-30). Perguntas como: “ O que é educação? O que ensinar? Como vou fazer para ensinar estas crianças? O que aproxima a escola e a formação do professor com a prática que deve ser desempenhada? Que professor o modelo inclusivista prevê? Qual a importância que a educação inclusiva ocupa nos cursos de formação de professores? Quais são as ações inclusivas transformadas em práticas pedagógicas? Há alguma lei ou formação que nos sustente? Como (re) pensar e (re) estruturar as práticas pedagógicas? Como atender a essa diversidade? Qual a educação que queremos?”-, são freqüentes e ecoam nos mais diversos lugares em consonância com a falta de estrutura organizacional escolar, com a resistência que encontram ao se depararem com a deterioração das condições de trabalho dos educadores e com a proposta da inclusão. Percebemos portanto, a partir das questões supracitadas, que o empobrecimento e a desarticulação não está somente no interior dos

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processos de ensino e na formação dos professores, mas também na atuação político/educacional dos profissionais no seio da sua profissão.

Os educadores encontram-se em meio a um emaranhado, no qual a própria profissão os envolve, obstruindo assim a afirmação de uma identidade, de assumir com autonomia e competência o comando do seu trabalho, de “manter-se aberto ao outro, às alteridades distintivas e às possibilidades múltiplas, a pontos de vista distintos e gerais, que abarquem outros possíveis pontos de vista” (MARQUES, 2000, p. 41). Assim, para que isso não advenha, torna-se necessário questionar, avaliar, (re) significar a relação formação/prática, na qual o espaço pedagógico da escola possa cada vez mais ser significado por aqueles que nela atuam.

É urgente que se tenha uma educação mais identificada com um projeto de sociedade de forma a melhor compreender os novos desafios postos ao processo educacional [...] um projeto de sociedade que deve ter, como intencionalidade básica, o homem, a sua intersubjetividade, dificuldade e valoração (FRIZZO, 2003, p. 82).

Marques (2000, p. 207) ressalta a necessidade de “possibilitar a articulação entre a atuação do professor na sala de aula e o espaço para a reflexão coletiva e o aperfeiçoamento constante das práticas pedagógicas”, ou seja, evoca-se a oportunidade de ancoragem a uma base comum e ao mesmo tempo construída por muitas vozes, eclodindo assim um esclarecimento mais pleno quanto a postura profissional, política e epistemológica da docência

[...] a partir de conteúdos específicos articulados e historicamente referenciados na perspectiva da construção de uma nova ordem social igualitária. Como forma de criar espaços coletivos de discussão, propõe-se a idéia de ‘eixos curriculares’, como propostas coletivas para serem desenvolvidas em equipe e como seleção e articulação dos conteúdos essenciais. Tudo isso implica em rever a atual estrutura fragmentária das instituições de ensino, garantindo-se maior interdisciplinariedade e trabalho coletivo (MARQUES, 2000, p. 38).

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A escola se constitui numa organização capaz de abrigar contradições e conflitos. A introdução de novas idéias e a criação persistente dos atores acerca de seus projetos podem abrir um espaço para a mudança acontecer. Numa escola inclusiva o repertório de cada professor é considerado um recurso rico para trocas de experiências com o objetivo de aperfeiçoamento da prática docente de todos os envolvidos. Dessa forma, as atividades de planejamento deveriam se constituir um momento de compartilhamento de experiências docentes e reflexão sobre a prática com vistas a responder à diversidade existente nas salas de aula.

Nesse encontro de discussões emerge a educação inclusiva exigindo uma formação continuada, repleta de atuação/formação/pesquisa, visando a uma fundamentação teórica necessária, móbil em sua dinâmica de saberes e assentada em práticas concretas, densas e embasada em um plano educacional compartilhado que provoque e revele novas competências e (re) posicionamentos sociais, éticos e políticos coerentes e factíveis. Conforme estabelece o Plano Nacional de Educação, no capítulo que refere à Educação Especial, a educação inclusiva compõe uma nova prática educativa que necessita ser disseminada, pois se apresenta como uma alternativa pertinente à construção da cidadania, segundo preceito constitucional.

Apesar da sua obrigatoriedade legal, o atendimento inclusivo ainda encontra-se em fase embrionária. Pesquisas apontam como principal causa da insipiência da educação inclusiva a falta de preparo dos sistemas, das escolas e, em especial, dos professores para o seu desenvolvimento, por ocasião do seu estabelecimento legal.

Ercolin (2003) descreve a situação da Educação Inclusiva no Brasil:

Escolas e espaços deveriam ser adaptados, professores capacitados e este processo vêm se desenvolvendo lentamente. Dados do Censo 2000 mostram que 24,7% dos alunos portadores de deficiência freqüentam classe comum em escolas regulares e 75,3% em escolas especiais e classes especiais. A lei é importante no sentido de garantir um direito, porém o trabalho com professores no sentido de se informarem, capacitarem-se e acolherem a todos os alunos é fundamental (p. 01).

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Observa-se a partir do delineamento do panorama acima exposto que a dificuldade crucial de se estabelecer a eficácia da Educação Inclusiva ocorre em virtude do despreparo da comunidade escolar em acolher as diferenças e atender a diversidade, principalmente, no caso do professor, que alinhavado na sua formação carrega a escassez de informações estruturadas sobre a área inclusiva e a ação de ser professor para todos. A formação dos educadores está “na base de qualquer tentativa de construção de um projeto nacional de educação e é, sobretudo, condição radical para a implantação de medidas que se imponham” (MARQUES, 2000, p.10).

A questão da formação de professores inclusivos tem sido alvo de inúmeras preocupações e pesquisas quanto ao delineamento dos seus pressupostos teórico-metodológicos e ainda, por postular um aprofundamento da análise de seu real significado e das suas exigências. A relevância da questão da formação profissional do educador inclusivo está atravessada por discussões complexas, incertas, singulares e desafiadoras. De acordo com Sá-Chaves (2001) à formação do educador inclusivo está ligada

[...] à reflexão pessoal e coletiva, enquanto processo e instrumento de conscientização progressiva, de desenvolvimento continuado e partilhado, de persistência na investigação constante, enquanto fonte de novos informes, de crenças, de algum modo sublime, na hipótese de o homem vir a descobrir-se e a encontrar-se com a sua própria humanidade (p. 89).

O contexto social em transformação e com movimentos contraditórios nos quais múltiplos saberes, culturas e relações se cruzam, atribuem novas obrigações à escola enquanto formadora de cidadãos, o que demanda novas produções em educação para que contribuam essencialmente na formação de um novo tipo de professor e, conseqüentemente, na sua prática. Sendo assim, para além da implementação da educação inclusiva, faz-se necessário um redimensionamento do papel do professor. Assim, tanto a formação inicial

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quanto a continuada demandam rigorosos estudos com o escopo de reelaborar e, até mesmo, construir processos de formação docente compatíveis com os novos tempos. Este novo olhar transcende as bases pedagógicas de ensino admitidas, cristalizadas pela escola tradicional e convocam o professor a se questionar, problematizar a sua realidade, a sua prática pedagógica, sendo, além de um protagonista, também o diretor e autor de sua atuação, filtrando, interpretando as propostas de mudanças, implementando-as do seu jeito, dentro das condições possíveis e aumentando, por sua vez, a sua capacidade de envolvimento, de visão e de dúvida epistemológica, instrumentos estes angulares para a alteração do real.

Caumo (1997) acredita que os professores deixam[...] de simplesmente repetir ou de reproduzir conhecimentos que não lhes pertencem, para realizar possibilidades contidas na utopia. Saltam da ação de manejo de conhecimento para a construção de finalidades, ativando a capacidade de pensar enquanto aprendem a fazer (p. 102).

A valorização da atitude investigativa contínua fundamentada em pressupostos pedagógicos, éticos e políticos por parte dos professores, atrelada ao compromisso de modificação qualitativa do projeto político pedagógico da escola, beneficia o plano de uma “educação para todos”. “Ao (re) significar sua prática pedagógica para a diversidade, o professor estará comprometido com os princípios da Educação Inclusiva e de seu papel como profissional da educação” (BURIGO, 2002, p. 08).

Sob este prisma os educadores são convidados a comparecer e a assumir a educação para a diversidade, desde que tenham uma formação primária e continuada adequada. O professor precisa reconhecer em sua formação uma perspectiva de referência, de sustentação para a sua atuação e o seu transitar com a/na diversidade. Sabemos que o cotidiano profissional retrata as mais inesperadas situações e são estes fatos, ou seja, os “esteios empíricos” (MARQUES, 2000, p. 11) que devem instigar também a reflexão sobre um reposicionamento ético e a buscar alternativas constantes junto ao novo, às experiências e à formação. Em

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resumo, significa estar disposto e aberto ao aprender sempre, a partir do encadeamento interativo dos sucessivos momentos de formação e de trabalho.

Tanto a educação quanto a ciência da educação não podem mais preparar apenas para uma determinada função, mas devem munir o profissional de referências e de forças intelectuais que lhe permitam atuar, mediar a produção/reprodução de sujeitos e conhecer o mundo que os rodeia, como que em um processo dialético, no qual nos conhecemos e depois nos abrimos para conhecer o outro, construindo em reciprocidade uma práxis coletiva concreta e cotidiana. Torna-se, pois, essencial criar um espaço favorável ao atendimento do ser em sua totalidade, valorizando todas as dimensões do indivíduo - física, profissional, familiar, econômica, política, epistêmico-hermenêutica-, propiciando condições para o estabelecimento das (inter) relações, as quais servirão de pilares para o estabelecimento da confiança, da alteridade. A formação caracteriza-se por um processo dinâmico, integrador e, sobretudo, dialógico. A arte da formação encontra-se na ação educativa, na reciprocidade e na co-propriedade das informações e conhecimentos entre os diversos atores envolvidos no processo dialógico.

Segundo Mercado (1999), a formação necessária de um professor demanda:

Busca por novos conhecimentos utilizando-se de recursos tecnológicos nas atividades educacionais;

Formação continuada; Valorização da interação e da aprendizagem colaborativa; Reflexão crítica e elaboração de pensamento autônomo; Valorização da prática pedagógica docente como fonte de

reflexões, de pesquisa e de conhecimento (p. 100).

Em nota aos requisitos elencados, encontram-se as categorias de troca de experiências e informações entre os professores argüidas por Sandholtz et al (1997, p. 109): “apoio emocional, auxílio técnico, troca de informações/experiências instrucionais e ensino em equipe”. A formação do professor e a partilha, a aquisição de conhecimentos se dá como uma teia de idéias interligadas que se correlacionam e perpassam vários

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domínios. Nóvoa (1995, p.05) recomenda a “formação de redes de autoformação participada, que permitam a compreensão da globalidade do sujeito e na qual a formação é assumida como um processo interativo e dinâmico”, consolidando um espaço de formação mútua, já que nessas situações cada professor é, simultaneamente, formador e formado. O professor deve estar aberto às mudanças, assim como facilitando o processo de ensino aprendizagem a partir da produção do seu conhecimento, caracterizando-se por um sujeito ativo, em constante ‘navegação’ pelo mundo, no qual os processos de descoberta, de intuição e de criatividade representam elementos privilegiados desta construção.

Sobre o papel do professor inclusivo, Soares (1995) escreve:

o papel ativo do sujeito na construção do conhecimento se assenta na concepção de que todos os seres humanos são organismos proativos, com planos e orientados por objetivos, que através de suas interações com os contextos de vida, criam e transformam as suas realidades pessoais e interpessoais (p. 139).

Coloca-se, nesta dinâmica discursiva, a tarefa dos sujeitos em construírem o entendimento sobre as concepções de educação e de educador a partir do diálogo e da pretensão política do coletivo. Marques (2000) enfatiza sobre a interlocução e a consensualidade do conhecimento entre os sujeitos salientando que é “na processualidade do discurso argumentativo, em que se empenham, por igual, os interessados em entenderem-se sobre a questão política dos valores da vida humana em sociedade, consensualmente construídos” (p. 63).

O diálogo poderá consolidar/integrar saberes, sensibilidade e intencionalidade que emergem da prática profissional, bem como valorizar a própria profissão, estabelecendo relações de autonomia com o conhecimento, afirmando–a em suas propostas de intervenção e oportunizando a interação, a comunicação e a cooperação.

Vemos traçados neste artigo a idealidade da construção do novo, de novas perspectivas para a educação, a formação de professores inclusivos. No entanto, verificamos que, na grande maioria das escolas e

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das formações de professores, tanto inicial quanto continuada, os educadores têm uma visão restrita e jocosa do ensino, ou seja, tudo o que surge de novo tende a ser rejeitado, mesmo que fora atualizado com a participação de todos, pois se acredita que essa inovação poderá vir a abalar identidade profissional e a posição adquirida em uma certa estrutura de ensino, provocando atentados contra a experiência, os conhecimentos e o empenho que fizeram para conquistá-los, assim como rescindir com o traço de trabalho prático que aprenderam a aplicar ao longo dos anos em suas salas de aulas. Esta tendência aborta a atuação profissional, que é regida por uma metodologia essencialmente instrucional. Assim, na formação inclusiva esperam aprender uma prática que lhes possibilite introjetar e aplicar planos de trabalho pré-definidos às suas salas de aula, o que viria a garantir o “fazer”, a especialização, a convalidade para todos os tipos de alunos, níveis de desempenho escolar e, claro, o sucesso educacional na efetiva capacitação de incluir a todos os alunos nas classes normais.

Os educadores e gestores de ensino consideram como sua grande estratégia a pretensão de obter nos cursos uma “receita pronta” em métodos e técnicas específicas para atuarem na inclusão ou ao menos apreenderem conhecimentos que digam das causas, da conceituação, da etiologia e dos prognósticos das deficiências.

  As Diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001, p. 06) promulgam que os programas de formação de professores devem estar voltados para atender às necessidades educacionais especiais nas escolas:

Os programas de formação inicial deverão incutir em todos os professores da educação básica uma orientação positiva sobre a deficiência que permita entender o que se pode conseguir nas escolas com serviços locais de apoio. Os conhecimentos e as aptidões requeridos são basicamente os mesmos de uma boa pedagogia, isto é, a capacidade de avaliar as necessidades especiais, de adaptar o conteúdo do programa de estudos, de recorrer á ajuda da tecnologia, de individualizar os procedimentos pedagógicos para atender a uma maior número de aptidões. [...] Atenção especial deverá ser dispensada à preparação de todos os

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professores para que exerçam sua autonomia e apliquem suas competências na adaptação de programas de estudos e da pedagogia, a fim de atender às necessidades dos alunos e para que colaborem com especialistas e com os pais. A capacitação de professores especializados deverá ser reexaminada com vista a lhes permitir o trabalho em diferentes contextos e o desempenho de um papel-chave nos programas relativos às necessidades educacionais especiais. Seu núcleo comum deve ser um método geral que todos os tipos de deficiências, antes de se especializar numa ou várias categorias particulares de deficiências. [...] uma pedagogia centralizada na criança, respeitando tanto a dignidade como as diferenças de todos os alunos.

Ainda no âmbito técnico-científico, evidenciamos que o inciso III do artigo 59 da LDBEN refere-se a dois perfis de professores para atuar com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais: o professor da classe comum capacitado e o professor especializado em educação especial.

Por professor capacitado entende-se aquele que atua em classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais e que comprove que em sua formação, de nível médio ou superior, teve conteúdos ou disciplinas sobre educação especial e desenvolvidas competências para:

I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos;

II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas do conhecimento;

III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo;

IV – atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial.

O professor especializado em educação especial é aquele que desenvolveu competências para identificar as necessidades educacionais especiais, definir e implementar respostas educativas a essas necessidades, apoiar o professor da classe comum, agir nos processos de

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desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, ampliando estratégias de flexibilização, adaptação curricular e práticas pedagógicas alternativas, entre outras, e que possa comprovar:

i. formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental; e

ii. complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.

Aos professores que já estão atuando no magistério devem ser oportunizadas uma formação continuada, até mesmo em nível de especialização, pelas instâncias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Compete a todos, especialmente às Universidades, contribuírem com estudos e pesquisas na busca de melhores recursos para auxiliar/ampliar a habilidade das pessoas com necessidades educacionais especiais de se comunicar, de se locomover e de participar de modo cada vez mais autônomo no mundo da vida, exercendo, assim, de maneira plena a sua cidadania.

Diante dessas circunstâncias e para que se possa alcançar o desígnio de formar professores para uma escola de qualidade para todos, o que se almeja, segundo Sassaki (2003, p. 01), é reconhecer os princípios educacionais inclusivos, os quais se pautam na colaboração e cooperação, na autonomia intelectual e social, na aprendizagem ativa, no senso de pertencer, no padrão de excelência, em novos papéis e responsabilidades, entre outros. Dessa forma, a formação vai além dos aspectos instrumentais, pois há o exercício constante de reflexão, do

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questionamento da própria prática em busca de caminhos pedagógicos da inclusão e, ainda, de compartilhamento de idéias, sentimentos, ações das experiências concretas que são a matéria prima para a mudança, o pensar entre os participantes desta empreitada.

O tipo de formação que a inclusão implica remete a firmar parcerias entre a comunidade escolar, para que se possa cultivar ativa uma frente reflexiva e investigativa às inúmeras solicitações de alternativas que essa modalidade de trabalho exige. A inclusão escolar provoca, na escola, a revelação de questões de estrutura e de funcionamento, as quais subvertem seus paradigmas e sugerem o compromisso em se redimensionar o papel escolar.

Bergo (2002) admite que a formação continuada pode ser uma alternativa ao (re) posicionamento do olhar do professor inclusivo e das suas práticas cotidianas:

a educação continuada apresenta-se como alternativa para a (re) construção cotidiana do ser humano, em todas as suas dimensões, no contexto de uma sociedade cada dia mais complexa, caracterizada pela globalização e pelas mudanças aceleradas, tornando-se essencial para possibilitar a ampliação da consciência, a melhoria da qualidade de vida e assegurar às condições às pessoas e ao próprio país [...] (p. 34).

A criação de espaços para a formação contínua do professor no seu cotidiano escolar, por meio do diálogo, discussão e debate do conhecimento acadêmico explícito e do conhecimento tácito que os atores internos e externos desenvolvem no espaço escolar e fora dele podem ser uma possibilidade, um foco irradiador para a reconstrução do projeto político-pedagógico da escola e da educação, da construção de uma escola aberta para todos e ainda, da restauração, segundo Franchi (1995, p.79), da “significação social da atividade dos professores”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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BERGO, Heliane Maria. Modelo de aprendizagem mediada pela universidade corporativa; uma proposta de quebra de paradigma. 2002. Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) – Programa de Mestrado em Engenharia da Produção, UFSC, Florianópolis.

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