educação e a teoria da complexidade

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  • 7/23/2019 Educao e a teoria da complexidade

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    Prof. Dr. Paulo Gomes Lima Faculdade de Educao Universidade Federal da Grande Dourados 1

    EDUCAO E TEORIA DA COMPLEXIDADE:ENCAMINHAMENTOS PARA A EDUCAO CONTEMPORNEA

    Paulo Gomes LimaProfessor Adjunto da Faculdade de Educao

    Universidade Federal da Grande Dourados [email protected]

    Introduo

    O tema escolhido acerca da educao e teoria da complexidade, a despeito de

    algum tempo de discusso na academia, tornou-se um objeto de estudo muito

    atual, uma vez que reorienta a possibilidade de se pensar o conhecimento e ao

    mesmo tempo problematizar a educao historicamente situada no como

    objeto determinado, mas em construo, da a nossa opo por desenvolver atemtica. Diferentemente do paradigma positivista, o paradigma da

    complexidade centra o seu objeto de investigao no que chamamos de

    objetividade-subjetividade, dado que uma no existe sem a outra devido ao

    carter multidimensional do pensamento epistemolgico complexo (proposto

    por Edgar Morin) que considera o conhecimento parcelar como limtrofe e

    insuficiente. Da proposta de Morin, construmos uma indagao que orientou o

    desenvolvimento deste pequeno artigo, a saber: Quais so as bases

    epistemolgicas do paradigma da complexidade e sua respectiva importncia

    para a rea educacional, tomando como ponto de discusso a superao do

    saber parcelar ? O objetivo geral desta pesquisa centrou-se em analisar as

    bases do paradigma da complexidade, bem como suas contribuies para a

    educao contempornea. A partir deste objetivo desdobramos trs outros

    objetivos especficos para assegurar uma resposta ao problema levantado: a)

    Descrever os pontos e contrapontos entre os paradigmas positivista e o da

    complexidade; b) problematizar a educao escolar luz do paradigma da

    complexidade e c) tecer encaminhamentos sobre a possibilidade de uma

    educao luz da teoria da complexidade. Partimos da perspectiva do mtodo

    materialista histrico-dialtico, uma vez que toma o objeto de estudo como

    elemento dinmico na passagem do quantitativo para o qualitativo e na

    superao e luta dos contrrios. Necessrio se faz enfatizar que Marx e Engels

    concebiam a matria ou o materialismo como todos os fenmenos, coisas e

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    processos que existem fora e independentemente da conscincia do homem

    (KOPNIN, 1978, p.60); essa assero compreende, portanto, que o

    pensamento necessita sempre de algum apoio em seu movimento. E esse

    apoio lgico criado precisamente pela experincia antecedente do

    conhecimento, que a que se fixa nas categorias1

    da dialtica materialista..Vale ressaltar que o nosso referencial terico centrado na Teoria da

    Complexidade, ter como fio condutor as obras de Edgar Morin (1987a; 1987b,

    1995a; 1995b, 1996a; 1996b, 1989, 1998 e 1999). Esperamos que este

    trabalho possa contribuir significativamente para alunos e pesquisadores do

    fenmeno educacional.

    1. Pontos e contrapontos entre os paradigmas positivista e o

    da complexidadeA sociologia emergente do sculo XIX comparava a sociedade um

    organismo2 vivo e como tal era constitudo de partes integradas e coesas e

    que funcionavam harmonicamente, segundo um modelo fsico ou mecnico;

    por isso o positivismo foi chamado tambm de organicismo (COSTA, 1987,

    p.43). A filosofia positivista bsica de Comte era centralizada na lei dos trs

    estados3, a saber, o teolgico, o metafsico e o positivo relacionando-a ao

    desenvolvimento do organismo humano, ou seja, o teolgico correspondia a

    infncia (o estado em que o conhecimento humano comeava a dar os

    primeiros passos), a metafsica correspondia a adolescncia (depois da

    primeira fase, o equilbrio cognoscente e gnoseolgico se expande, mas ainda

    no em sua plenitude) e o positivo, a maturidade (caracterizado pela lucidez e

    amadurecimento para o todo do conhecimento ) e todo povo, toda sociedade,

    1 Mas o que entende-se como categorias na dialtica materialista ? KOPNIN (1978, p.108) explica queso elementos que constituem o dispositivo lgico do pensamento cientfico terico, que um meio desntese de criao de novas teorias e movimento de um conceito a outro que interpreta com mais

    profundidade o objeto, em outras palavras seriam snteses de mltiplas determinaes . O mesmo autoracrescenta que elas s assumem importncia medida que so objetivas por contedo, resultantes, porsua vez, da evoluo do conhecimento como base da construo do sistema de categorias... (p. 119).

    2 Este conceito foi introduzido na sociologia na sua formao e desenvolvimento por Durkheim, que naobra La division du travail social faz uma analogia da sociedade como um ser vivo, justificando que assimcomo um corpo composto por um sistema de rgos diferentes mas que funcionam para uma nicafinalidade, assim a sociedade composta de vrios setores, mas assim como um corpo funcionanaturalmente, importa que a sociedade se desenvolva natural, funcional e inevitavelmente (LWY, 1988,p.27).

    3 Para informaes complementares ver ABBAGNANO & VISALBERGHI, (1995, p.537).

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    cada indivduo passava inquestionavelmente por esses trs estados, dada a

    sua natureza inalienvel. A partir da orientao das cincias naturais este

    paradigma passou a ser o standard referencial das demais cincias, mesmo

    quelas emergentes.

    TRIVIOS (1987, p.36-39) de forma geral, seleciona doze caractersticasfundamentais do positivismo que do sustentao essa concepo filosfica:

    1) a realidade composta por partes isoladas, cada parte, embora

    complementasse o organismo social, era separada, no transformando a

    posterior por causa de sua fixidez; 2) no existe outra realidade4 a no ser a

    dos fatos, e esses sempre passveis de observao; 3) Somente atravs dos

    fatos observveis que as relaes entre as coisas podem se efetuar,

    inexistindo o porqu, mas estabelecendo-se o como, as relaes entre os fatos

    so produzidas, a cincia deve ser objetiva; 4) o conhecimento cientfico deveser neutro, a influncia humana no pode, nem deve alter-lo; 5) o positivismo

    rejeita tudo que est alm do fsico, portanto, o investigador positivista no

    aceita o conhecimento metafsico; 6) o princpio da verificao deve ser o

    agente norteador da investigao cientfica, ser aceito como verdadeiro o que

    empiricamente verificvel; 7) os mesmos mtodos que eram utilizados no

    estudo das cincias naturais, deveriam ser empregados para o estudo das

    cincias sociais (unidade metodolgica); 8) emprego do termo varivel

    possibilitando a quantificao5 dos dados (mensurabilidade das relaes entre

    os fenmenos, teste de hipteses, estabelecimento de generalizaes, etc.); 9)

    toda a produo

    cientfica deveria ser expressa na linguagem da fsica, sendo essa considerada

    uma linguagem nica (fisicalismo), a no utilizao dessa, no era digna de

    confiabilidade; 10) discordncia do postulado kantiano do conhecimento a

    priori, aceitam como fidedigno somente o conhecimento a posteriori, advindo

    da percepo sensorial; 11) os fatos eram objeto de estudo da cincia, mas os

    4 relevante considerarmos aqui a posio de BRUYNE (s.d, p.136) quanto ao quadro positivista relativoa esta assertiva, uma vez que para ele a posio epistemolgica de base do positivismo a recusa daapreenso imediata da realidade, da compreenso subjetiva dos fenmenos, da pesquisa intuitiva desuas essncias..., determina-se os fenmenos que ocorrem no todo pelas propriedades caractersticas dotodo, o complexo pelo complexo, os fatos sociais pela sociedade...

    5 BRUYNE, (s.d., p.83) afirma que a quantificao no modelo positivista deveria permitir obter umamedida fiel (permanecendo constante), discriminante (distino entre os indicadores, dados brutos) evlida (em vias de testes os resultados no poderiam ser alterados)

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    valores no o poderiam ser, pois eram apenas expresses culturais,

    impossveis de serem mensuradas e 12) h somente dois tipos de

    conhecimentos autnticos e fidedignos: o emprico (achados e experimentados

    pela cincia natural) e o lgico (representados pela lgica e a matemtica).

    interessante destacar que este paradigma viria a influenciar tambm aorganizao educacional, mais proximamente por conta das perspectivas

    behavioristas e empiristas (Comportamentalismo e experincia) e tambm da

    transposio das idias de Taylor e Fayol (controle de tempos e movimentos)

    para a rea educacional. Disto resultou aquilo que Paulo Freire (1980) chamou

    de educao bancria. Observa-se, na orientao da educao bancria que:

    a) o professor ensina, os alunos so ensinados; b) o professor sabe tudo, os

    alunos nada sabem; c) o professor pensa para si e para os estudantes; d) o

    professor fala e os alunos escutam; e) o professor estabelece a disciplina e osalunos so disciplinados; f) o professor escolhe, impe sua opo, os alunos

    submetem-se; g) o professor atua e os alunos tm a iluso de atuar graas

    ao do professor; h) o professor escolhe o contedo do programa e os alunos

    que no foram consultados adaptam-se; i) o professor confunde a

    autoridade do conhecimento com sua prpria autoridade profissional, que ele

    ope liberdade dos alunos e j) o professor sujeito do processo de formao,

    enquanto que os alunos so simples objetos dele. A teoria da educao para a

    complexidade em Edgar Morin prope a superao deste olhar fragmentado

    (simplificador). De maneira anloga, vale comparar as duas perspectivas de

    forma sinptica.

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    QUADRO 1ANALOGIA ENTRE O PARADIGMA DA SIMPLIFICAO E

    O PARADIGMA DA COMPLEXIDADEPARADIGMA DA SIMPLIFICAO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

    1. Princpio de universalidade: s h cincia geral. Expulso do local e do singular como

    contingentes ou residuais.

    1. Validade, mas insuficincia do princpio de universalidade. Princpio complementar e

    inseparvel de inteligibilidade a partir do local e do singular.

    2. Eliminao da irreversibilidade temporal, e, mais amplamente, de tudo que eventual

    e histrico.

    2. Princpio de reconhecimento e de integrao da irreversibilidade do tempo na fsica

    (2 princpio da termodinmica, termodinmica dos fenmenos irreversveis) na

    biologia (ontognese, filognese, evoluo) e em toda problemtica organizacional

    (s se pode conhecer um sistema complexo referindo s ua histria e ao seu percurso

    Prigogine). Necessidade inelutvel de fazer intervirem a histria e o acontecimento

    em todas as descries e ex plicaes.

    3. Princpio que reduz o conhecimento das organizaes aos princpios de ordem (leis,

    invarincias, constncias etc.)

    3. Princpio da incontornabilidade da problemtica da organizao e no que diz

    respeito a certos seres fsicos (astros), os seres biolgicos e as entidades

    antropossociais da auto-organizao.

    4. Princpio de causalidade linear, superior e exterior aos objetos. 4. Princpio da causalidade complexa, comportando causalidade mtua inter-

    relacionada (Maruyama), inter-retroaes, atrasos, interferncias, sinergias, desvios,

    reorientaes. Princpio da endo-exocausalidade para os fenmenos de auto-

    organizao.

    5. Soberania explicativa absoluta da ordem, ou seja, determinismo universal e

    impecvel: as aleatoriedades so aparncias devidas nossa ignorncia. Assim, em

    funo dos princpios 1, 2, 3, 4 e 5, a inteligibilidade de um fenmeno ou objeto

    complexo reduz-se ao conhecimento das leis gerais e necessrias que governam as

    unidades elementares do que constitudo.

    5. Princpio de considerao dos fenmenos segundo uma dialgica

    Ordem desordem interaes organizao.

    Integrao, por conseguinte, no s da problemtica da organizao, mas tambm dos

    acontecimentos aleatrios na busca da i nteligibilidade.

    6. Princpio de isolamento/separao do objeto em relao ao seu ambiente. 6. Princpio de distino, mas no de separao, entre o objeto ou o ser e seu

    ambiente. O conhecimento de toda organizao biolgica exige o conhecimento de

    suas interaes com seu ecossistema.

    7. Princpio de separao absoluta entre o objeto e o sujeito que o percebe/conhece. A

    verificao por observadores/experimentadores diversos suficiente no s para atingir

    a objetividade, mas tambm para excluir o sujeito conhecente.

    7. Princpio de relao entre o observador/concebedor e o objeto

    observado/concebido. Princpio de introduo do dispositivo de observao ou de

    experimentao aparelho, recorte, grade (MugurTachter) e, por isso, do

    observador/concebedor em toda observao ou experimentao fsica. Necessidade

    de introduzir o sujeito humano situado e datado cultural, sociolgica, historicamente

    em estudo antropolgico ou sociolgico.

    8. Ergo: eliminao de toda a problemtica do sujeito no conhecimento cientfico. 8. Possibilidade e necessidade de uma teoria cientfica do sujeito.

    9. Eliminao do ser e da existncia por meio da quantificao e da formalizao. 9. Possibilidade, a partir de uma teoria da autoproduo e da auto-organizao, de

    introduzir e de reconhecer fsica e biologicamente (e sobretudo, antropologicamente)

    as categorias do ser e da existncia.

    10. A autonomia no concebvel. 10. Possibilidade, a partir de uma teoria da autoproduo e da auto-organizao, de

    reconhecer cientificamente a noo de autonomia.

    11. Princpio de confiabilidade absoluta da lgica para estabelecer a verdade intrnseca

    das teorias. Toda contradio aparece necessariamente como erro.

    11. Problemtica das limitaes da lgica. Reconhecimento dos limites da

    demonstrao lgica nos sistemas formais complexos (Gdel, Tarski). Considerao

    eventual das contradies ou aporias impostas pela observao/ experimentao

    como indcios de domnio desconhecido ou profundo da realidade (Withehead, Bohr,

    Lupasco, Gunther). Princpio discursivo complexo, comportando a associao de

    noes complementares, concorrentes e antagnicas.

    12. Pensa-se inscrevendo idias claras e distintas num discurso monolgico. 12. H que pensar de maneira dialgica e por macroconceitos, ligando de maneira

    complementar noes eventualmente antagnicas.

    13. Princpio que reduz o conhecimento dos conjuntos ou sistemas ao conhecimento das

    partes simples ou unidades elementares que os constituem.

    13. Reconhecimento da impossibilidade de isolar unidades elementares simples na

    base do universo fsico. Princpio que une a necessidade de ligar o conhecimento dos

    elementos ou partes dos conjuntos ou sistemas que elas constituem. Julgo impossvel

    conhecer as partes sem conhecer o todo, como conhecer o todo sem conhecer

    particularmente as partes (Pascal).

    FONTE: Morin (1996 a, p. 330-334).

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    2. A educao escolar luz do paradigma da complexidade

    Ao mesmo tempo que a cincia criou o paradigma da certeza das coisas

    verificveis, mostrou-se ao mesmo tempo incapaz de problematizar outras

    dimenses to importantes quanto. Mas, mesmo em relao s suas

    descobertas como ponto acabado e invarivel, hoje so relativizadas tomandocomo parmetro a sua incompletude frente s inquietaes que se

    mostram num mundo em constante mudana. Assim a construo de uma

    educao que solidifica uma cincia pura e centrada na certeza por meio das

    disciplinas estudadas na escola , no mnimo, incoerente, pois o conhecimento

    produzido sofre variaes e demanda solicitaes diferenciadas medida que

    so tecidas algumas descobertas que ampliam o olhar do prprio homem. A

    escola contempornea, portanto, caber a misso de clarificar ao que

    conhecimento humano um aprender a aprender, envolvendo relativizaes

    histrico-culturais, bio-antropolgicas e incertezas em relao a uma cincia

    que est em processo. A maior empreitada da educao em relao a

    complexidade prestar contas das articulaes despedaadas pelos cortes

    entre disciplinas, entre categorias e entre tipos de conhecimento, tendendo

    para o conhecimento multidimensional, isto , estudar e respeitar as diversas

    dimenses de um fenmeno, uma vez que o homem um ser biolgico

    sciocultural e que os fenmenos sociais surgem e so, ao mesmo tempo, do

    contexto econmico, psicolgico, cultural, etc (MORIN, 1995a; 1995b, 1989,

    1998).

    Conseqentemente, o pensamento complexo em sua multidimensionalidade,

    comporta em seu interior um princpio de incompletude e incerteza (Morin,

    1996 a, p. 177). Nestes termos, defende Morin que o objetivo do conhecimento

    no fornecer uma resposta absoluta e completa em si como ltima palavra,

    mas abrir o dilogo e no enclausur-lo, no s arrancando desse universo o

    que pode ser determinado claramente, com preciso e exatido, como as leis

    da natureza, mas, tambm, entrar no jogo do claro-escuro que o da

    complexidade (Ibid., p. 191). A partir da a epistemologia complexa ter como

    utilidade e funo a tomada de conscincia dos limites do conhecimento

    favorecendo, desta forma, o conhecimento do nosso conhecimento e, portanto,

    o seu progresso em novos espaos e momentos mediante a confrontao com

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    a indizibilidade e a indecidibilidade do real (MORIN,1996 b, p. 32). Isto

    significa que esta (...) epistemologia no dever ser encarada como uma

    espcie de catlogo onde se acumulariam, por justaposio, todos os

    conhecimentos cerebrais, biolgicos, psicolgicos, psicanalticos, lgicos, etc.

    No, dever ser considerada como um princpio de complexificao da nossaconscincia, que introduz, em toda a conscincia, a conscincia das condies

    bio-antropolgicas, socioculturais e noolgicas6 do conhecimento(Ibid., p. 33).

    3. Encaminhamentos sobre a possibilidade de uma educao luz da teoria da complexidade

    A epistemologia complexa no imbui-se da ambio de destruir os princpios

    cientficos e suas competncias, mas e principalmente, com o desenvolvimento

    suficiente e necessrio da articulao com outras competncias que, atravs

    de um encadeamento formam um anel onde no delimita onde comea ou

    termina a construo do conhecimento do homem (MORIN, 1987a; 1987b) . A

    prpria mudana no mundo da cincia aponta para uma nova necessidade do

    homem conhecer e aprender a lidar com relativizaes, isto , com as

    incertezas por meio do que ainda est se elaborando, do j elaborado e de

    projetos de descobertas. Considerar a construo do conhecimento como um

    objeto que se prope a considerar todas as elaboraes das produes

    humanas o caminho mais coerente em relao ao posicionamento: o homem

    no , est em processo contnuo de construes e reconstrues entre as

    rupturas e permanncias dos conhecimentos historicamente produzidos. Nessa

    diretriz, lembrando MORIN (1999, p. 73), h uma necessidade imprescindvel

    de articulao dos saberes, pois a constituio de um objeto ao mesmo tempo

    interdisciplinar, polidisciplinar e transdisciplinar, permite, muito bem, criar a

    troca, a cooperao e a policompetncia, assim, o dilogo com a realidade

    estar pautado pela tica do conhecimento e ao mesmo tempo pela tica da

    responsabilidade, fazendo com que as produes e contribuies humanas

    sejam consideradas em sua totalidade complexa e processual. O termo

    6 Morin (1996 b, p. 30) define a noologia como uma cincia nova, uma cincia das coisas do esprito, dasentidades mitolgicas e dos sistemas de idias concebidos na sua organizao e no seu modo de serespecfico.

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    complexidade7 surgiu na obra de Morin somente a partir do final da dcada de

    60, proveniente da ciberntica, da teoria dos sistemas e do conceito de auto-

    organizao, desprendendo-se, como ele mesmo atesta, do sentido banal

    (complicao, confuso) para ligar em si a ordem, a desordem e a organizao

    e, no seio da organizao, o uno e o diverso... MORIN (1995 a, p. 7). Somentena dcada de 80, entretanto, que suas obras comearam a ser traduzidas

    consideravelmente em outras lnguas, inclusive para o portugus de Portugal e

    a posteriori para o do Brasil. Dessa forma, paulatinamente sua proposio

    transdisciplinar vem influenciando a literatura cientfica no Brasil desde ento.

    Na perspectiva transdisciplinar de Morin, a cincia tornou-se de tal forma

    burocratizada e cega que resiste e rejeita quaisquer questionamentos,

    caracterizando-os como no cientficos se no corresponderem ao modelo

    convencionalmente estabelecido, nisto reside sua incapacidade de controlar,de prever, e mesmo de conceber o seu papel social, ... sua incapacidade de

    integrar, de articular, de reflectir(sic) os seus prprios conhecimentos (Ibidem,

    p. 76). Por isso uma idia simplista, disjuntiva e reducionista de cincia, como o

    modelo convencional

    preconiza, traz implcita em si uma viso fragmentada e fragmentria do

    mundo. Nesse contexto, Morin apregoa que h que se considerar a incerteza e

    tambm o acaso na cincia, pois assim como o prprio pensamento, essa

    apresenta considerveis tramas de complexidade, conseqentemente, a

    verdade da cincia no est unicamente na capitalizao das verdades

    adquiridas, na verificao das teorias conhecidas, mas no carter aberto da

    aventura que... hoje exige a contestao das suas prprias estruturas de

    pensamento (MORIN, 1996a, p. 26).

    Assim, somente a transdisplinaridade pautada pelo paradigma da

    complexidade poderia reorientar a educao dando-lhe um forte suporte na

    construo do conhecimento multidimensional (Unitas Multiplex). A

    transciplinaridade, conseqentemente definida como a transpenetrao de

    7 Na definio de PETRAGLIA (1995, p. 48) complexidade a qualidade do que complexo. O termovem do latim: complexus, o que significa o que abrange muitos elementos ou vrias partes. um conjuntode circunstncias, ou coisas interdependentes, ou seja, que apresentam ligao entre si. Trata-se dacongregao de elementos que so membros e partcipes do todo. O todo uma unidade complexa. E otodo no se reduz mera soma dos elementos que constituem as partes. mais do que isto, pois cadaparte apresenta sua especificidade e, em contato com as outras, modificam-se as partes e tambm otodo.

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    conhecimentos, promovendo articulaes, transformaes e processos

    polirrelacionais, onde cada elemento liga-se e religa-se conforme o respeito e a

    observncia da unidade na diversidade.

    CONSIDERAES FINAISA Teoria da Complexidade tem como ponto de partida a articulao dos

    saberes numa proposta transdisciplinar. Portanto, sua base epistemolgica

    centra-se na considerao das totalidades, unindo os saberes disjuntos,

    promovidos pela excessiva especializao e fragmentao de uma educao

    tradicional. Neste sentido, no mbito da educao escolar, a

    transdisciplinaridade poder favorecer as junes necessrias da unidade na

    diversidade. Para Morin (1987a; 1987b, 1995a; 1995b, 1996a; 1996b,

    1989, 1998 e 1999) a transdisciplinaridade zela pela construo de um saberuno concebido na diversidade, onde o todo e as partes se interpenetram e se

    transpenetram, se ligam e religam sem parcelar o conhecimento. Da mesma

    maneira deve ocorrer nas escolas um processo de tomada de conscincia,

    onde a organizao educacional estabelea um compromisso transdisciplinar,

    sem amarras ao desenvolvimento do conhecimento, nessa direo, preciso

    encontrar o caminho de um pensamento multidimensional que une e liberta

    dos grilhes redutores, simplificadores e unidimensionais e esse caminho real

    segue a via do paradigma da complexidade (MORIN, 1996 a, p. 189). Numapluralidade de paradigmas existentes com concepes diferenciadas a respeito

    da cincia, da epistemologia e da prpria educao escolar, h que se resgatar

    os nexos necessrios entre esses trs elementos bsicos, sem os quais, todo

    trabalho epistemolgico ficaria a merc de ummundo programado e cerceador

    do movimento e criatividade humana.

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    Referncias

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    prtica metodolgica. Ruth. 3 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, s/d.

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    pensamento de Paulo Freire. 3 ed. So Paulo: Moraes, 1980.KOPNIN, P. V. A dialtica como lgica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 1978.MORIN, Edgar. Cincia com conscincia. Ed. revista e modificada pelo autor. Riode Janeiro: Bertrand Brasil, 1996 a.

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