editorial português español - antropologia crítica - … partes da américa latina e dialogar com...

4
Español Português Boletim do Grupo de Estudos em Antropologia Crítica (GEAC) – No. 03. Buenos Aires Porto Alegre, 2013 Tiragem 500 exemplares. 1 Editorial Na primavera de 2011, estudantes de mestrado em antropologia social da cidade de Porto Alegre (Brasil), paralisaram suas atividades acadêmicas para criticar o produtivismo e as genealogias institucionais estabelecidas, propondo uma reflexão mais acurada sobre as condições vigentes de produção do conhecimento. Um ano depois, e como fruto político desse "evento crítico", o antropólogo colombiano Eduardo Restrepo viajou ao Sul do Brasil à convite daqueles mesmos estudantes para realizar a conferência de abertura do evento "Ensaios, críticas e leituras antropológicas sobre o neoliberalismo". Sua exposição intitulouse "Geopolíticas do conhecimento". Esta atividade, que En la primavera de 2011, estudiantes de la maestría en antropología social de la ciudad de Porto Alegre (Brasil) paralizaron sus actividades académicas con el objetivo de criticar el productivismo y las genealogías institucionales establecidas. A través de esta paralización, los estudiantes de esta maestría proponían una reflexión más precisa y esmerada de las condiciones vigentes de producción del conocimiento. Un año después, y como fruto político de aquel “evento crítico”, el antropólogo colombiano Eduardo Restrepo viajó al Sur de Brasil, por invitación de estos mismos estudiantes, para realizar la conferencia de apertura al evento: “Ensayos, Críticas y Lecturas Antropológicas sobre el Neoliberalismo”. La ponencia de Eduardo Restrepo para la mencionada ocasión llevó recebeu apoio organizativo do GEAC e contou com apoio logístico de instâncias universitárias, também contemplou intervenções da antropóloga Patrice Schuch e de diversos discentes que atuaram como debatedores dos conferencistas convidados e tiveram a oportunidade de expor suas próprias reflexões sobre a temática em pauta. A respeito da estrutura e das características do evento, Eduardo Restrepo articulou o seguinte comentário: "eu acho muito valioso o exercício de vocês de trazer professores de diferentes partes da América Latina e dialogar com eles. Esta é uma iniciativa muito estranha porque, em geral, nós investimos os recursos em trazer professores da França ou dos Estados Unidos, o que tampouco está mal. Mas fazer somente isso nos leva a reforçar esse tipo de ato de leitura que posiciona certas pessoas e deixa de posicionar outras". Tais colocações antecipam, de alguma maneira, as problemáticas sobre as quais o GEAC se debruça este ano. No transcurso de 2013 o Grupo de Estudos em Antropologia Crítica se propõe a problematizar discursos e práticas que extravasam as fronteiras acadêmicoinstitucionais e disciplinares, constituindose, nos termos do próprio Restrepo, como "dissidências". Tendo este norte (ou seria este sul?) por referência, o GEAC pretende formular uma metodologia capaz de confrontar as estruturas disciplinarizantes com sua contracara "indisciplinada", ou seja, com outros modos de fazer antropologia, cuja existência tenciona os corporativismos, produtivismos e disciplinarismos imperantes em determinados espaços institucionais. Estamos falando de espaços de poder onde certas antropologias hegemônicas, respaldadas por políticas de governo neoliberalizantes, promovem a supressão ativa daquelas manifestações do conhecimento que se recusam a assimilar o "mal necessário" representado pelos imperativos da quantificação (ou seja, da indeterminação quantitativa de toda a qualidade), da internacionalização e do silenciamento ideológico Ao visibilizar e promover a articulação e o conhecimento mútuo entre "antropologias de outra forma", nosso objetivo não consiste somente em potencializar práticas criativas de intervenção, coprodução e crítica social levadas a cabo a partir de diferentes lugares; queremos, também, evidenciar (e, por que não, denunciar) o papel ortopedizante, desmobilizador e ausentista de determinadas antropologias quando se trata de abordar as contradições e dilemas que hoje caracterizam a vida democrática em distintas partes da América Latina. Tratase, portanto, de assumir um distanciamento crítico com relação às antropologias epistemologicamente autoreferenciais e institucionalmente autoritárias, demonstrando como elas são capazes de frustrar gerações inteiras de intelectuais formados, digase de passagem, com recursos públicos extraídos de populações empobrecidas , conclamandoos a permanecerem ausentes dos espaços de ação, conflito e debate promovidos pelos sujeitos com quem investigam. Tudo se passa como se o envolvimento político e a escolha de lugares de enunciação e lealdades sociais concretas não constituíssem uma condição epistemológica fundamental para o desenvolvimento de análises sólidas, coerentes, ricas em significado e com potencial emancipatório. Neste ano de 2013, a atividade de cartografar, visibilizar e articular dissidências será promovida em um âmbito ampliado de interlocução: desde o mês de maio o GEAC encontrase, também, articulado na cidade Buenos Aires. O GEAC de Buenos Aires incorpora os eixos de discussão sinalizados anteriormente e se propõe a enriquecêlos a partir da sua própria singularidade organizativa e dos desafios e alternativas políticas vigentes no seu contexto de emergência. como título: “Geopolíticas del Conocimiento”. Esta actividad, que contó con el apoyo organizativo del GEAC y con el logístico de instancias universitarias, también contempló la intervención de la antropóloga Patrice Schuch y de diversos estudiantes que actuaron como comentaristas de los conferencistas invitados, exponiendo así sus propias reflexiones en el debate. Al respecto de la estructura y de las características del evento, Eduardo Restrepo articuló el siguiente comentario: “me parece muy valioso el ejercicio que ustedes hacen de traer a profesores de diferentes partes de América Latina y dialogar con ellos. Esta es una iniciativa bastante rara, puesto que, en general, se invierten los recursos en traer profesores de Francia o Estados Unidos, lo que tampoco esta mal. Pero hacer solamente esto nos lleva a reforzar un tipo de lectura que posiciona a ciertas personas y deja de posicionar a otras”. Esta reflexión, de cierto modo, anticipa las problemáticas sobre las cuales el GEAC se centra este año. En el transcurso del 2013 el GEAC se propone a problematizar discursos y prácticas que desbordan las fronteras académico institucionalesdisciplinares, constituyendo espacios de “disidencias” término acuñado del propio Restrepo. Navegando por ese sur, el GEAC pretende formular una metodología capaz de confrontar las estructuras disciplinarizantes con su contracara ´indisciplinada´, con otros modos de hacer antropología, cuya simple existencia tensiona los corporativismos y disciplinarismos imperantes en determinados espacios institucionales. A lo que nos referimos son a aquellos espacios de poder donde ciertas antropologías hegemónicas, respaldadas por políticas de gobiernos neoliberalizantes, promueven la supresión activa de aquellas manifestaciones del conocimiento que se rehúsan a asimilarse en la lógica del ´mal necesario´ promovido por los imperativos de cuantificación (ó sea, de indeterminación cuantitativa de toda calidad), de internacionalización y de silenciamiento ideológico. Al visibilizar y promover articulaciones y conocimiento mutuo entre “antropologías de otra forma”, nuestro objetivo consiste no solo en potencializar prácticas creativas de intervención, coproducción y crítica desde diferentes lugares, sino también evidenciar (y denunciar) el papel ortopedizante, desmovilizador y ausentista de determinadas antropologías cuando se trata de abordar las contradicciones y dilemas que hoy caracterizan la vida democrática en distintas partes de América Latina. Se trata, por lo tanto, de asumir un distanciamiento crítico frente a antropologías epistemológicamente autoreferenciadas e institucionalmente autoritarias; queremos demostrar que tales antropologías son capaces de frustrar generaciones enteras de intelectuales – formados, dicho sea de paso, con recursos públicos extraídos de poblaciones empobrecidas, instándolos a permanecer ausentes de los espacios de acción, conflicto y debate promovidos por los sujetos con quienes ellos investigan. Pareciera como si se ignorara el hecho de que el envolvimiento político, la elección de lugares de enunciación y lealtades sociales concretas son los ejes que constituyen la condición epistemológica fundamental para la formulación de análisis sólidos, coherentes, ricos en significados y con potencial emancipador. Por último, durante el transcurso de este periodo, la actividad de cartografiar, visibilizar y articular disidencias será promovida en un ámbito ampliado de interlocución. A partir de mayo de 2013 se ha venido trabajando en la consolidación del GEAC en su versión Buenos Aires que, al igual que en Porto Alegre, se articula a la problemática de “antropologías disidentes” pero a partir de su propia singularidad organizativa y sus propias preocupaciones contextuales.

Upload: dangtuong

Post on 26-Sep-2018

213 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Editorial Português Español - Antropologia Crítica - … partes da América Latina e dialogar com eles. Esta é uma iniciativa muito estranha porque, em geral, nós investimos os

EspañolPortuguês

Boletim do Grupo de Estudos em Antropologia Crítica (GEAC) – No. 03. Buenos Aires ­ Porto Alegre, 2013 ­ Tiragem 500 exemplares.

1

Editorial

Na primavera de 2011, estudantesde mestrado em antropologia social dacidade de Porto Alegre (Brasil),paralisaram suas atividades acadêmicaspara criticar o produtivismo e asgenealogias institucionais estabelecidas,propondo uma reflexão mais acuradasobre as condições vigentes de produçãodo conhecimento. Um ano depois, ecomo fruto político desse "eventocrítico", o antropólogo colombianoEduardo Restrepo viajou ao Sul doBrasil à convite daqueles mesmosestudantes para realizar a conferência deabertura do evento "Ensaios, críticas eleituras antropológicas sobre oneoliberalismo". Sua exposiçãointitulou­se "Geopolíticas doconhecimento". Esta atividade, que

En la primavera de 2011, estudiantesde la maestría en antropología social de laciudad de Porto Alegre (Brasil) paralizaronsus actividades académicas con el objetivode criticar el productivismo y lasgenealogías institucionales establecidas. Através de esta paralización, los estudiantesde esta maestría proponían una reflexiónmás precisa y esmerada de las condicionesvigentes de producción del conocimiento.Un año después, y como fruto político deaquel “evento crítico”, el antropólogocolombiano Eduardo Restrepo viajó al Surde Brasil, por invitación de estos mismosestudiantes, para realizar la conferencia deapertura al evento: “Ensayos, Críticas yLecturas Antropológicas sobre elNeoliberalismo”. La ponencia de EduardoRestrepo para la mencionada ocasión llevó

recebeu apoio organizativo do GEAC e contou com apoio logístico deinstâncias universitárias, também contemplou intervenções da antropólogaPatrice Schuch e de diversos discentes que atuaram como debatedores dosconferencistas convidados e tiveram a oportunidade de expor suas própriasreflexões sobre a temática em pauta. A respeito da estrutura e dascaracterísticas do evento, Eduardo Restrepo articulou o seguinte comentário:"eu acho muito valioso o exercício de vocês de trazer professores dediferentes partes da América Latina e dialogar com eles. Esta é umainiciativa muito estranha porque, em geral, nós investimos os recursos emtrazer professores da França ou dos Estados Unidos, o que tampouco estámal. Mas fazer somente isso nos leva a reforçar esse tipo de ato de leituraque posiciona certas pessoas e deixa de posicionar outras". Tais colocaçõesantecipam, de alguma maneira, as problemáticas sobre as quais o GEAC sedebruça este ano.

No transcurso de 2013 o Grupo de Estudos em Antropologia Críticase propõe a problematizar discursos e práticas que extravasam as fronteirasacadêmico­institucionais e disciplinares, constituindo­se, nos termos dopróprio Restrepo, como "dissidências". Tendo este norte (ou seria este sul?)por referência, o GEAC pretende formular uma metodologia capaz deconfrontar as estruturas disciplinarizantes com sua contra­cara"indisciplinada", ou seja, com outros modos de fazer antropologia, cujaexistência tenciona os corporativismos, produtivismos e disciplinarismosimperantes em determinados espaços institucionais. Estamos falando deespaços de poder onde certas antropologias hegemônicas, respaldadas porpolíticas de governo neoliberalizantes, promovem a supressão ativa daquelasmanifestações do conhecimento que se recusam a assimilar o "malnecessário" representado pelos imperativos da quantificação (ou seja, daindeterminação quantitativa de toda a qualidade), da internacionalização edo silenciamento ideológico

Ao visibilizar e promover a articulação e o conhecimento mútuo entre"antropologias de outra forma", nosso objetivo não consiste somente empotencializar práticas criativas de intervenção, co­produção e crítica sociallevadas a cabo a partir de diferentes lugares; queremos, também, evidenciar(e, por que não, denunciar) o papel ortopedizante, desmobilizador eausentista de determinadas antropologias quando se trata de abordar ascontradições e dilemas que hoje caracterizam a vida democrática emdistintas partes da América Latina. Trata­se, portanto, de assumir umdistanciamento crítico com relação às antropologias epistemologicamenteauto­referenciais e institucionalmente autoritárias, demonstrando como elassão capazes de frustrar gerações inteiras de intelectuais ­­ formados, diga­sede passagem, com recursos públicos extraídos de populações empobrecidas­­, conclamando­os a permanecerem ausentes dos espaços de ação, conflito edebate promovidos pelos sujeitos com quem investigam. Tudo se passacomo se o envolvimento político e a escolha de lugares de enunciação elealdades sociais concretas não constituíssem uma condição epistemológicafundamental para o desenvolvimento de análises sólidas, coerentes, ricas emsignificado e com potencial emancipatório.

Neste ano de 2013, a atividade de cartografar, visibilizar e articulardissidências será promovida em um âmbito ampliado de interlocução: desdeo mês de maio o GEAC encontra­se, também, articulado na cidade BuenosAires. O GEAC de Buenos Aires incorpora os eixos de discussão sinalizadosanteriormente e se propõe a enriquecê­los a partir da sua própriasingularidade organizativa e dos desafios e alternativas políticas vigentes noseu contexto de emergência.

como título: “Geopolíticas del Conocimiento”. Esta actividad, que contócon el apoyo organizativo del GEAC y con el logístico de instanciasuniversitarias, también contempló la intervención de la antropóloga PatriceSchuch y de diversos estudiantes que actuaron como comentaristas de losconferencistas invitados, exponiendo así sus propias reflexiones en eldebate. Al respecto de la estructura y de las características del evento,Eduardo Restrepo articuló el siguiente comentario: “me parece muy valiosoel ejercicio que ustedes hacen de traer a profesores de diferentes partes deAmérica Latina y dialogar con ellos. Esta es una iniciativa bastante rara,puesto que, en general, se invierten los recursos en traer profesores deFrancia o Estados Unidos, lo que tampoco esta mal. Pero hacer solamenteesto nos lleva a reforzar un tipo de lectura que posiciona a ciertas personasy deja de posicionar a otras”. Esta reflexión, de cierto modo, anticipa lasproblemáticas sobre las cuales el GEAC se centra este año.

En el transcurso del 2013 el GEAC se propone a problematizardiscursos y prácticas que desbordan las fronteras académico­institucionales­disciplinares, constituyendo espacios de “disidencias” –término acuñado del propio Restrepo. Navegando por ese sur, el GEACpretende formular una metodología capaz de confrontar las estructurasdisciplinarizantes con su contra­cara ´indisciplinada´, con otros modos dehacer antropología, cuya simple existencia tensiona los corporativismos ydisciplinarismos imperantes en determinados espacios institucionales. A loque nos referimos son a aquellos espacios de poder donde ciertasantropologías hegemónicas, respaldadas por políticas de gobiernosneoliberalizantes, promueven la supresión activa de aquellasmanifestaciones del conocimiento que se rehúsan a asimilarse en la lógicadel ´mal necesario´ promovido por los imperativos de cuantificación (ó sea,de indeterminación cuantitativa de toda calidad), de internacionalización yde silenciamiento ideológico.

Al visibilizar y promover articulaciones y conocimiento mutuo entre“antropologías de otra forma”, nuestro objetivo consiste no solo enpotencializar prácticas creativas de intervención, co­producción y críticadesde diferentes lugares, sino también evidenciar (y denunciar) el papelortopedizante, desmovilizador y ausentista de determinadas antropologíascuando se trata de abordar las contradicciones y dilemas que hoycaracterizan la vida democrática en distintas partes de América Latina. Setrata, por lo tanto, de asumir un distanciamiento crítico frente aantropologías epistemológicamente auto­referenciadas e institucionalmenteautoritarias; queremos demostrar que tales antropologías son capaces defrustrar generaciones enteras de intelectuales – formados, dicho sea de paso,con recursos públicos extraídos de poblaciones empobrecidas­, instándolosa permanecer ausentes de los espacios de acción, conflicto y debatepromovidos por los sujetos con quienes ellos investigan. Pareciera como sise ignorara el hecho de que el envolvimiento político, la elección de lugaresde enunciación y lealtades sociales concretas son los ejes que constituyenla condición epistemológica fundamental para la formulación de análisissólidos, coherentes, ricos en significados y con potencial emancipador.

Por último, durante el transcurso de este periodo, la actividad decartografiar, visibilizar y articular disidencias será promovida en un ámbitoampliado de interlocución. A partir de mayo de 2013 se ha venidotrabajando en la consolidación del GEAC en su versión Buenos Aires que,al igual que en Porto Alegre, se articula a la problemática de “antropologíasdisidentes” pero a partir de su propia singularidad organizativa y suspropias preocupaciones contextuales.

Page 2: Editorial Português Español - Antropologia Crítica - … partes da América Latina e dialogar com eles. Esta é uma iniciativa muito estranha porque, em geral, nós investimos os

2

Verónica Trpin é doutora em Antropologia Social, investigadora de CONICET, Integrante doGrupo de Estudios Sociales Agrarios (GESA) e da Red de Investigadores/as Argentinos/as sobreMigraciones Internacionales Contemporáneas. Desde sua dissertação de mestrado (Aprender a serchilenos. Identidad, trabajo y residencia de migrantes en el Alto valle de Rio Negro, 2004), elavem se dedicando ao estudo dos circuitos migratórios vinculados com a atividade produtivafrutícola na região patagônica. Suas pesquisas abordam desde os processos de socialização decrianças imigrantes chilenas nas rotinas e hierarquias do trabalho agrícola até a análise dossistemas de recrutamento de força de trabalho e seu impacto sobre a configuração local dasrelações de classe. Ainda no ano de 2012, de visita a Porto Alegre, Verónica participou de umadas reuniões do GEAC. Naquele encontro, refletimos sobre o uso do conceito de classe ediscutimos a respeito da possibilidade de participação política dos/das antropólogos/as junto aossujeitos que colaboram com suas investigações. Na entrevista que segue, Verónica Trpin retomaalguma dessas preocupações e procura contextualizá­las levando em conta as realidadesacadêmicas do seu país.

Tinta Crítica: ¿Cuál es la trayectoria de laantropología argentina en lo que se refiere alestudio de las experiencias laborales?VVeerróónniiccaa TTrrppiinn:: Las relaciones laborales, tal comosucede en otros países latinoamericanos, no ha sido elcentro de atención de la antropología. Este ha sido uncampo dominado más bien por la sociología,especialmente refiero a los estudios sobre trabajoindustrial y sobre el sindicalismo obrero. Consideroque las lecturas de por ejemplo los historiadoresmarxistas­culturalistas ingleses como E. P. Thompsono P. Willis, también las influencias de J. Scott sonimportantes para aquellos/as que trabajamos enespacios rurales. Estos autores abrieron la posibilidadde desentrañar los procesos de constitución yconflictividad de las clases sociales, atendiendo a loscruces entre clase social y cultura, campo de análisispoco explorado. Los actuales aportes de la teoría de ladecolonialidad nos obligan a pensar en otros crucesposibles para visibilizar la complejidad de lasdesigualdades, y las relaciones laborales creo que sonun objeto privilegiado para investigaciones interesadasen poner de relieve la acción de los/as sujetos/as, susidentidades, y sus posibilidades estratégicas dereproducción y resistencia.TC: ¿Podría decirse que, hoy en día, existe enargentina una antropología del trabajo? ¿Quéautores dialogan, actualmente, con esa temática?VVTT:: No podría afirmar que en la Argentina haya una"Antropología del Trabajo", en los términos en que síse presenta como un campo específico la "Sociologíadel Trabajo". Los estudios sobre desigualdades (unareferencia será un proyecto en la UNSAM que dirigeAlejandro Grimson) o sectores subalternos comienzana perfilarse como una alternativa con muchaspotencialidades. Los/as que trabajamos sobremigraciones y trabajo (junto a Cynthia Pizarro, porejemplo) comenzamos a interesarnos más por lasrelaciones laborales. Por otro lado, recientemente conAndrea Mastrangelo compilamos un libro que intentareconstruir desde la etnografía circuitos laborales enproducciones agrarias de la Argentina, centrándonosen trabajo y territorio desde la perspectiva multi­situada. Los aportes son variados y la tendencia es eltrabajo interdisciplinar, lo que dificulta lasposibilidades de sostener un campo de estudiodelimitado como exclusivo de la antropología.Personalmente realizo investigaciones junto ageógrafas/os, asistentes sociales, sociológos/as, lo cualalienta identificarnos más con problemas deinvestigación que con disciplinas.TC: De qué forma tus investigaciones junto a lostrabajadores inmigrantes en la Patagoniaaportaron al debate que actualmente desarrollas entorno a las nociones de clase social, etnicidad,nacionalidad y ciudadanía?VVTT:: Creo que más allá de mi investigación enparticular, la etnografía en sí aporta perspectivas deanálisis que no aparecen en otros tipos de estudios. Laposibilidad de describir a partir de la observación de

primera mano, mirar la complejidad social que noaparecería en una encuesta tipificada alienta seguirproduciendo conocimiento etnográfico. En relación aestos aportes creo que la investigación a la que serefieren en la pregunta permitió justamente dar cuentade por qué las desigualdades no se dirimían sólo entérminos de clase social, a pesar de haber centrado elestudio en trabajadores rurales. En esa investigaciónlos trabajadores rurales y sus hijos eran chilenos ohijos de chilenos, y no visibilizar esa particularidadhubiera echado por tierra mi interés en abrir losanálisis centrados en la clase a las pertenencias étnico­nacionales. Creo que una deuda en ese estudio es eltrabajo sobre las mujeres. En un campo laboralmasculinizado como es el trabajo en la fruticultura nofui capaz de romper con esa masculinización deltrabajo, a pesar de que la mayoría de mis informanteseran mujeres.TC: ¿Crees que la consolidación del Mercosurinfluyó de alguna manera en el sistema y laestructura de reclutamiento de trabajadoresagrícolas en el sur de Argentina?VVTT:: No, no creo que haya influido, la circulación detrabajadores en las fronteras ha sido anterior alMercosur e incluso anterior a la conformación de losEstados pensados como nación. Los aportes de laantropología en el tema de las fronteras sí creo quehan sido centrales para identificar procesos decirculación de las poblaciones en territorios quetrascienden las barreras políticas de los Estados. Larelación entre mercados de trabajo y movilidad de laspoblaciones es un campo de investigación que debeexplorarse mucho más.TC: ¿Y la ley Patria Grande tuvo algún impactosobre esos procesos?VVTT:: En general el trabajo informal en las produccionesagrarias se sostiene sobre los hombros de lostrabajadores extranjeros que permanecen en el país sinla regularización correspondiente, sin embargo, laprecariedad laboral en el agro se replica tanto enextranjeros como en nativos. Es decir, la política deformalización en la permanencia en la Argentinadebería acompañarse con políticas que mejorentambién las condiciones laborales. Con la ley PatriaGrande se focalizó el problema a medias, tener unDocumento Nacional de Identidad de Extranjero no esel único problema de un migrante extranjero en laArgentina, el problema es ser un extranjero y untrabajador precarizado. Sin embargo, hay quereconocer que formalizar la residencia contribuyenecesariamente a acceder a derechos laborales, de esono tengo dudas. Pero en las producciones agrarias,insisto, los derechos laborales muchas veces se venlimitados tanto para nativos como para extranjeros.TC: ¿De qué forma te relacionaste, en tantoetnógrafa, con la experiencia de lucha sindical detus interlocutores?VVTT:: Observar y describir las prácticas sindicales y deresistencia de los trabajadores rurales de la fruticulturaforma parte de mis inquietudes al considerar a los

trabajadores como sujetos activos quepermanentemente, a través de diferentes mecanismos,expresan sus descontentos con las patronales. Acontrapelo de investigaciones sobre trabajadoresagrarios que enfatizan su pasividad y resignación, mehe encontrado con trabajadores movilizados o que meexpresaban sus diferencias en relación a susempleadores. Considero que la permanencia enespacios como los sindicatos o los predios productivosme ha permitido registrar acciones colectivas o actosde resistencia que quedarían solapadas porinvestigaciones macro sociales. Cómo se constituyendiscursos hegemónicos desde los sindicatos yprofundizar las propias tensiones en lasrepresentaciones que se presentan como únicas yreconocidas es un tema que continúa movilizándomepreguntas; qué sucede con la mujeres en un sindicatomayoritariamente masculino, cómo se resuelve larepresentación con los trabajadores migrantes, cuálesson las estrategias de negociación salarial condiferentes tipos de patronales son algunas puntas aseguir trabajando.TC: ¿De qué forma los/las antropólogos/asargentinos/as participan en los debates nacionalessobre la cuestión migratoria? ¿Desde las esferasgubernamentales se tiene en cuenta los aportes dela antropología a la problematización del tema?VVTT:: Sé que durante los debates previos a la sanción dela última Ley Migratoria las antropólogas CorinaCurtis y María Ines Pacceca participaron en mesas dedebate junto a legisladores y funcionarios de las áreasinvolucradas, pero no podría constatar los aportes.En la última década comenzaron a aparecer colegas enlos medios de comunicación invitados a programasque abordan "las migraciones" luego de algún hechoque conmocione a la opinión pública, pero creo quefalta mucho para que las investigacionesantropológicas sean bases de formación de opinión ode gestión pública.TC: ¿Crees que la idea de una "antropologíacrítica" mantiene su vigor político hoy en día?VVTT:: Estoy convencida de que una antropologíapensada como crítica tiene vigor en tanto hayainvestigadores/as que permanezcan realizandopreguntas que inquieten/cuestionen un supuesto"orden". Los movimientos sociales, lasreivindicaciones identitarias, las preocupaciones pordecolonizar el pensamiento, que ponen en evidencia lano desaparición de diferentes desigualdades nos obligaa preguntarnos permanentemente cómo se reproduceny qué estrategias generan los/as sujetos/as paratensionarlas, visibilizarlas y pensar nuevasalternativas. Como campo de estudio hay mucho porindagar, el trabajo de campo, la escucha atenta, lamirada que no sea indiferente son necesariamente elsoporte desde el cual comprender las desigualdades enLatinoamérica. Una antropología crítica y abocada aldiálogo colectivo e interdisciplinar puede convivir conla lógica disciplinarizante y profesionalizante queparece caracterizar ciertas antropologías hegemónicasen América del Sur? No, no podría, lo primero esdecolonizar nuestra mirada sobre los/as otros/as. Si lasadjetivaciones se sobre­imponen a los sujetos ¿cómocaptar la complejidad de las desigualdades? si el otroes hablado desde las categorizaciones hegemónicas¿cómo sostener aportes que no fetichicen a lossujetos? Los desafíos son enormes, pero noimposibles, lo cual alienta a realizar trabajo de campodespojándonos de pre­nociones que estructuran:primero describir, luego conceptualizar. Si el otro espensado como vulnerable, excluido, marginado,resaltando una victimización, imponemos un sentidode dominio en nombrarlo e inmovilizarlo. Lasadjetivaciones solucionan, pero no abren preguntas, laantropología crítica debe permanentemente alentarpreguntas que interroguen a los propios cuadrosdisciplinares.TC: ¿Tendrías otros comentarios que hacer sobrelo anteriormente dicho?VVTT:: El grupo que han conformado es un gran aporte ala antropología, ya que se proyectan desde lainsatisfacción de lo escrito, animarse a seguirpreguntando­se es un ejercicio necesario para avanzaren la producción de conocimiento. Partiendo delsupuesto de que el mismo no es neutral es un desafíoreflexionar para quiénes producimos nuestrasinvestigaciones, con qué fines, con qué proyecciones.Es un gusto poner acompañarlos en ese desafío.

“...la antropología crítica debepermanentemente alentar preguntas queinterroguen a los propios cuadros disciplinares”Entrevista com Verónica Trpin

Page 3: Editorial Português Español - Antropologia Crítica - … partes da América Latina e dialogar com eles. Esta é uma iniciativa muito estranha porque, em geral, nós investimos os

3

Las palabras crisis y crítica tienen el mismoorigen, el verbo griego krinein, que significa, entre otrascosas, separar o decidir. Mientras la crisis tiene que vercon momentos de decisión, no necesariamente negativos,la crítica apunta a la decisión correcta a través deldiscernimiento. Ambos sentidos han sido desvirtuadoscon el paso del tiempo, a veces incluso oponiéndolos—como si, por ejemplo, el sentido crítico fuera uno delos elementos que precipita la crisis o, incluso, quecontribuye a solucionarla. Crisis ha venido a significar unmomento de desorden, desequilibrio, aporía, mientrascrítica se ha asociado a juicios que impugnan el ordenestablecido. La genealogía de esos dos sentidospervertidos (pervertere: trastornar, voltear) hay quebuscarla en el siglo XIX, el siglo de la traición burguesa ala razón histórica de la modernidad. En ese siglo el ordenburgués se sintió genuinamente amenazado por elmovimiento obrero. El desequilibrio producido en laorganización de la sociedad (la crisis) fue enfrentado conmedidas de fuerza que restauraron un equilibrio precarioy violento que dura hasta hoy. Las propuestas y accionespara resolver el enfrentamiento (la crítica) mostraron loslímites de la modernidad y asumieron el papel denémesis del orden establecido. Desde entonces crisis ycrítica formaron parte central del devenir del mundomoderno, una como síntoma de que algo estabaocurriendo y la otra como salida terapéutica—generalmente estigmatizada, cuando no castigada. Sinembargo, lo que estaba ocurriendo (la explosión de lasdesigualdades, el genocidio colonial, el deterioro de lanaturaleza) fue ocultado recurriendo a la mejor arma quela burguesía encontró a mano: la desaparición (aparente)del sentido histórico. El énfasis en función y estructurapasó a dominar el pensamiento social. Lo que eradevenir, acontecimiento, fue congelado por la visiónsincrónica de los sistemas sociales.

Después de las revoluciones del siglo XIX,localizadas y controladas, ocurrió la primera revoluciónanti­burguesa triunfante. Las burguesías nacionalessupieron que la historia traicionada no era suficiente paradetener lo que parecía indetenible. Se movieron conrapidez y aplastaron los focos de insurrección. Pasado esemomento de crisis, el orden volvió a su lugar y la críticafue aún más estigmatizada como origen de las ideas quealimentaron la utopía revolucionaria. Las décadas de1920 y 1930 fueron relativamente tranquilas. Despuésvino el desastre de la guerra; cuando terminó, laburguesía se sintió triunfante y se permitió, incluso,coquetear con un sentido histórico resucitado (es la épocaneo­evolucionista). No por mucho tiempo. Las décadas

de 1950 a 1970 presenciaron las guerras anti­colonialesen África, los movimientos de derechos civiles (mujeres,afrodescendientes, homosexuales) en las democraciasindustrializadas y las luchas étnicas en los países delviejo Tercer Mundo. La crisis asomó la cara otra vez, enbuena medida provocada por las voces que impugnabanel orden moderno­colonial (voces críticas, entonces). Denuevo, la burguesía se movió con rapidez: ahora puso afuncionar una combinación de represión (crecimiento delos aparatos de seguridad, controles crecientes a losderechos civiles conquistados) y de retórica. La crisis dela modernidad fue jugada en escenarios particulares yfragmentados (las crisis de las disciplinas, por ejemplo,solucionadas por cada una de ellas a su manera),haciendo desaparecer su carácter sistémico y volviéndolaespectral. La crisis que es la modernidad (que vive en susentrañas, que alimenta su expansión) fue exteriorizada,como si residiese fuera de ella y, por lo tanto, pudiera sersuprimida sin comprometer su proyecto. También jugóun papel importante la marcación. Lo diferente (étnico,de género, de clase) fue marcado, y vigilado, como lugarpotencial de origen de crisis precipitadas por su sentidocrítico. La ideología multicultural, asentada en laadministración de la diversidad (que, supone, al mismotiempo, la neutralización de la diferencia), reemplazó, enpoco tiempo, el modelo nacional de organización social ycondujo a la diferencia insurreccionada por los caminosplácidos de la diversidad promovida. Así la crisis fue,aparentemente, superada. ¿Y la crítica? Ah, bueno, lacrítica fue apropiada, hecha parte del canon de lo decible,parte de la corrección política, parte del arsenal regularde la academia. La crítica se volvió un añadido común enlas disciplinas pero no un elemento que condujera alcuestionamiento (por no hablar de la superación) de suentramado filosófico.

La suma de crisis suspendida y críticaneutralizada produjo un estado normal de cosas, unproceso generalizado y extendido de naturalización. Senaturalizaron las jerarquías (políticas, sociales, raciales,económicas, académicas), las desigualdades (unasecularización del orden cristiano, un reciclaje modernodel orden aristotélico), las soberbias modernas (desde ellogocentrismo hasta los irrespetos contra los derechos dela naturaleza), la temporalidad evolucionista, el triunfoindividual en desmedro de la solidaridad colectiva. Loque debería escandalizar pasó a ser parte de un estadonormal de cosas. Lo escandaloso fue normalizado.

¿Cómo lograr que crisis y crítica recuperen sufuerza perdida? ¿Cómo hacer para que vuelvan a serconceptos capaces de iluminar alternativas al orden

contemporáneo, capaces de retomar el camino de latransformación? Quizás la respuesta esté en el viaje a laraíz, en la entrada órfica al mundo subterráneo dondeestá, juiciosamente preservado, el núcleo estable de lamodernidad, allí donde nadie lo toca, nadie lo cuestiona;allí donde vive una vida plácida sin alteraciones, allídesde donde mira (con cierta ironía y con mucho placer)cómo la crítica sólo impugna lo que está a la vista, no loque se esconde con tanto celo. Quizás la respuesta esté envolver radical tanto la crisis como la crítica. No accionescosméticas sino propuestas de transformación quecomiencen desde la raíz. ¿Qué significa eso en el terrenode la antropología? Tocar su núcleo metafísico yontológico más estable, es decir, su núcleo moderno, sumisión moderna de gobierno y administración de ladiferencia. Tocar ese núcleo que han dejado sin tocar las“salidas” a la “crisis” de la antropología, centradas en loscuestionamientos a la autoridad etnográfica peroincapaces de reconocer que el entramado filosóficodisciplinar no ha abandonado los aposentos coloniales.Una crítica radical en antropología empezaría por alterarsu relación de distancia (temporal) con lo diferente,distancia que le permite objetivarlo, medirlo yadministrarlo. Empezaría por enfrentar, desde unpensamiento contestatario y situado, la plataformaepistémica desde la cual piensa la disciplina; empezaríapor reunir saber y poder, separados por el positivismodesde hace más de un siglo (es decir, volverconscientemente políticas las intervencionesdisciplinarias); empezaría por ir más allá de los límites dela academia y buscaría la transformación de lasrelaciones sociales; empezaría por abandonar la idea, tangeneralizada, de que las representaciones antropológicasson meros epifenómenos de algo (las relacionesintersubjetivas que ocurren en el encuentro etnográfico)que, usualmente, se pasa por alto.

Una tarea semejante parece titánica pero, enrealidad, es de una simpleza desconcertante. Requiere,eso sí, abandonar los privilegios que hacen de losantropólogos miembros de una minoría cognitiva.Requiere apostar por un mundo plural, horizontal yabierto que signifique más que el inocuo (y distanciado)pluralismo relativista. Una crítica radical de laantropología también supone, cómo no, la radicalizaciónde la diferencia, la liberación de su fuerza contenida porlas redes de la diversidad cultural. Acompañando esosmundos radicalizados (esos mundos alternativos) quizáspodamos predicar una antropología radical de ladiferencia. Allí, entonces, tendremos la oportunidad devolver cierto el sentido radical de crisis y de crítica.

Pretende­se nestas breves linhas uma reflexão sobre ouso da noção de individuação – à luz das noções de forma einformação – de Gilbert Simondon, para conectar a pessoa deMauss, enquanto forma (memória), com os usos políticos datecnologia, enquanto informação (fluxo), fazendo da açãopolítica da coisa individuada o modo de existência de suapessoa.

Se para Mauss “o corpo é o primeiro objeto técnicodo homem”, esse homem não “é” o corpo, ele o “tem”. Esseme pareceu um bom indício para pensar a constituição dahumanidade como imaterial e carecendo, portanto, deintermediação técnica material para se projetar o desejo emconexão com o mundo e com o meio. Então me perguntei se,ao contrário, esse homem imaterial é o objeto técnico docorpo. Quem “tem” quem ou, quem é objeto/sujeito de quem?Bom, esse homem de Mauss também tem uma máscara, que éuma espécie de objeto técnico simbólico que “evolui” parauma forma de indivíduo que ele chama de pessoa de direito, eque lhe dá o poder de falar e ser ouvido como um igual, deevocar seu direito de expor seus desejos e projetos diante dosoutros da/na polis.

Hoje em dia, na era da informação e da tecnologia,vemos a revolução na variedade e complexidade de acessoa/uso de objetos técnicos para lidar com o mundo. Para

Habermas “os novos meio de comunicação são técnicas deconseqüências intrinsecamente ambivalentes. E quanto maiscomplexos se tornam os sistemas necessitados de controle,tanto maiores as probabilidades de efeitos colateraisdisfuncionais” (grifos meus). É notável aqui o compromissocom o controle colonial e automatismo, isto é, existência semdesvio de finalidade. Por outro lado, a informação, enquantoobjeto técnico de estrutura metaestável que agencia conexõescom outros objetos e também por isso é sujeito, “tem” hoje apossibilidade de falar de igual para igual na polis e não sofrercensura. Whistleblowers e WikiLeaks são exemplos de “ágorascompulsórias” que promovem denúncias públicas de todasorte de informações colhidas de Estados e Corporações e asexpõem ao mundo todo. A esfera pública habermasiana deprotocolos ordenados implodiu; as “regras” aqui vêm doimperativo do agenciamento técnico, isto é, de seu uso – outécnica em operação, nas palavras de Norbert Wiener.

Para o movimento Cypherpunk, tal simetrização deforças é possível pelo princípio de “privacidade para os fracose transparência para os fortes”, através de um robusto sistemade criptografia que permita o anonimato a quem exerça asimetrização; esta, compulsória pela técnica. É (re)vestindo aantiga máscara que a cidadania vem se restituindo ehorizontalizando as relações. Os fracos, aqui, vestem amáscara da personalidade comum: Anonymous. A crise debem­estar social (enquanto crise de justiça erepresentatividade) promoveu não o esgotamento das energiasutópicas, mas novas utopias. Se supunham­se só os fortescomo a grande fonte de agenciamento, de tomada de decisãopolítica através do controle da “informação de bastidores”,agora, como reza a máxima hacker, “a informação quer serlivre”. Principalmente a de bastidores.

Neste regime de transparência compulsória ainformação, aquele objeto individuado pelas conexões

simbólicas e materiais que são partes constitutivas do seu self,usa a internet e a si mesma em sua própria defesa, comoobservou Jacob Appelbaum. Faz deste uso a constituição desua individualidade pessoal na defesa de sua existência e livrecirculação, de seu direito de ir e vir, contra o ordenamento docontrole e da censura, ou alheio a eles, pois “fomos nós quemprimeiramente introduzimos a noção de finalidade e deengano, assim como a moral na natureza”, como comentouOswaldo Giacoia sobre Nietzsche.

Como observou Simondon, primeiro há a relação e,depois, os seres: as linhas precedem os pontos. Então oindivíduo não é um “ser” (ontos) que detém existência antesde suas relações com o mundo, mas um ato no qual se tornasujeito, fazendo­se sujeito antes por “ter” do que por “ser”,isto é, por usar, em ato, aquilo que “tem” em conexão com omundo. A técnica em Simondon é a transcendência danatureza, numa relação calcada na reciprocidade donde, então,a possibilidade de individuação. Uma espécie de revoluçãocopernicana ao contrário, diz Viveiros de Castro sobreSimondon: é o sujeito em torno do objeto ao invés do objetoem torno do sujeito. O que ocorre aí é um afastamento doantropocentrismo.

O uso da internet pela informação, enquanto corpo eobjeto técnico de sua existência imaterial, para corroborar, porhora, com Mauss, constitui a ágora na qual exerce suacidadania. Que novas pessoas de direito estão surgindo nessemar de informação, conexão e interação? A que regimes deescravidão por utilitarismo estamos e/ou estaremos sujeitos nocontexto de controle colonial da informação? Que máscaraterá a informação se a considerarmos pessoa no parlamento daigualdade? A do Golem ou a de Guy Fawkes?

Bons tempos aqueles em que o mundo era só umbarril de pólvora.

Tracking Millôr, naturalmente.

Sobre crítica y crisis Cristóbal GneccoUniversidad del Cauca

Page 4: Editorial Português Español - Antropologia Crítica - … partes da América Latina e dialogar com eles. Esta é uma iniciativa muito estranha porque, em geral, nós investimos os

4

Não foi por acaso que o GEAC (Grupo deEstudos em Antropologia Crítica)1 se somou e esteveenvolvido desde o começo nos esforços para organizaro Fórum pela Paz na Colômbia. De fato, alguns dosmembros participaram a fundo na gestação destegrande encontro que se realizou em Porto Alegre nosdias 24, 25 e 26 de maio – trazendo delegações erepresentantes dos mais diversos movimentos sociais,partidos e entidades políticas de quase todos os paíseslatinoamericanos (além de uma deputada do paísBasco) para discutir os caminhos do processo de pazna Colômbia. A participação de companheiroscolombianos no GEAC sempre foi uma constante,desde a fundação do grupo. O contato entre relatos derealidades nacionais – incluímos aí Brasil, Argentina,Uruguai e Colômbia – tão parecidas e, ao mesmotempo, tão diferentes nos levava frequentemente aoexercício de pensar em que pontos essas experiênciaseram compartilhadas e em que pontos não. Comocoloca o antropólogo Homi Bhabha, trata­se deencarar o problema do nós­enquanto­outros e dosoutros­enquanto­nós, antes de absolutizar a alteridadecomo algo externo e distante. Logo, que uma brasileiraescreva sobre o processo colombiano pode serprodutivo para realçar alguns aspectos importantessem reforçar a “diferença nacional” e o mito de quecada um deve falar somente sobre seu respectivo“quintal” (seu próprio país).

Voltando no tempo, nos colocávamos algumasquestões, por exemplo: Será que a militarização naColômbia e a perseguição e eliminação da oposiçãopolítica ao regime se parece com o que passamos aquicom as ditaduras dos anos 60, 70 e 80? O tratamentode questões sociais como questão policial, por acaso,não se parece com a forma como nossa polícia trata osgrupos mais pauperizados aqui no Brasil,criminalizando­os? Será que só a Colômbia, emfunção do conflito armado, vive um “permanenteestado de exceção” ou ele vige em todos os nossospaíses e não terminou com o fim das ditaduras cívico­militares? Se sim, o que significa o “estado deexceção” nesta região que chamamos América Latina?Não é verdade que a Colômbia (entre outros países)ainda funciona como uma espécie de “laboratório” depolíticas neoliberais e de práticas de militarização quesão “exportadas” para outros Estados da região?

Se sim, concluímos, dividimos muitascaracterísticas como nações, mas fundamentalmentecomo região que sofreu com os mesmos projetoscoloniais e imperialistas, com a instauração de regimesditatoriais e reformas neoliberais que compartilhavamuma mesma matriz... o que, então, nos diferencia?Como explicar que a Colômbia viva tal realidade,enquanto aparentemente outros países dão passosimportantes na garantia por soberania, democracia emudanças nas estruturas econômicas e sociais? O quesignifica saber, por exemplo, que jovens colombianoscom a mesma idade de muitos de nós, são hojerefugiados políticos e não podem exercer atividadespolíticas no seu próprio país? Que o Brasil abriga hojemais de 500 destes refugiados, que no total chegam amilhares? Que a Colômbia é o país mais perigoso domundo para exercer atividade sindical, porque seuslíderes são assassinados frequentemente, o que setraduz em uma baixíssima taxa de trabalhadoressindicalizados? Que a Colômbia é o país que maismanda militares para serem treinados na Escola dasAméricas? Que a manutenção da guerra sustenta oterceiro país mais desigual do mundo, com um modeloeconômico extremamente excludente e violento, esustenta igualmente a expulsão sistemática decamponeses e indígenas de suas terras para arealização de grandes projetos de mineração eagricultura extensiva para exportação, totalizandomais de 5 milhões de deslocados internos? Que onarco­paramilitarismo que toma a frente dessasexpulsões tem representação importante no própriogoverno (de Álvaro Uribe e, agora de Manuel Santos),

e em diferentes instâncias do poder estatal, locais eregionais, executivas e parlamentares? Como podemosimaginar, comparativamente com o Brasil ao menos,que nos anos 80 tenham sido assassinados em torno decinco mil integrantes de um partido de oposição(poderíamos dizer de esquerda, frente aos partidosliberais e conservador) chamado União Patriótica, emfunção de um alegado “fracasso” nas negociações depaz com as guerrilhas insurgentes que acabou porjustificar um verdadeiro massacre dessa alternativapolítica que se construía? Imaginemos, por fim, queboa parte dos discursos de oposição sofrem umaneutralização violenta através de um “dispositivo”específico de um Estado que declarou guerra àinsurgência armada: acusá­los de ligação com aguerrilha, o que permite que sejam cassados osdireitos da pessoa a concorrer a cargos políticos, comoaconteceu com a Senadora Piedad Córdoba que estáenvolvida com as recentes negociações de paz.

Embora sejam bastante evidentes algunscontrastes no que se refere à força e a densidade daviolência, tanto dos grupos paramilitares quanto doEstado na Colômbia, aos poucos fomos abandonandoaquela sensação de confusão inicial conduzida pelapergunta muito equivocada que afasta totalmente oproblema de nós: mas que tipo de tragédia horríveldeve ter se abatido sobre esse país? Para nós, aexplicação não está nem no próprio conflito nem naprópria Colômbia – e o esforço de construção de umFórum de solidariedade latinoamericana em PortoAlegre também parte desse princípio. A atitude deisolar o Outro, de buscar uma explicação encerrada nasua própria história ou na sua própria cultura (como seambos existissem) resultaria, na verdade, em discutir oconflito nos seus próprios termos – por exemplo, deque uma violência inicial desencadeou outras numacadeia infinita, ou de que a dinâmica “nacional” teriatraços “culturais” ou “políticos” que levaram aorecurso das armas, como gostaria um bom culturalista.E, assim, deixaríamos de procurar as condições da suapossibilidade e de sua reprodução – estas sim,condições compartilhadas por todos os países daregião que se materializam de diferentes formas emcada Estado­nação. Muito se falou no Fórum –especialmente David Florez, porta­voz da MarchaPatriótica 2 – sobre “para quê” serve o conflito hoje:para manter um sistema político excludente dasmaiorias, um estado mínimo para os direitos sociais,para levar adiante a implantação de um modeloextrativista e agroexportador, para justificar efortalecer a presença militar dos Estados Unidos, paramanter os tratados de livre­comércio. A explicaçãopara a existência e a continuidade do conflito não está,portanto, numa “origem histórica”, remota e“autenticamente” colombiana, que explicaria o pesode seu arraigo nas estruturas sociais, econômicas,políticas e culturais do país. Ela está, sim, no seucontexto de produção e reprodução constante. Que osefeitos do conflito sejam também, coincidentemente,suas causas (falta de participação política,desigualdade social e militarização do Estado) nãodeve espantar. É por isso que no Fórum, movimentossociais, partidos, representantes de governos e demaisparticipantes, propuseram atacar as causas do conflitopara alcançar uma paz verdadeira, das gentes e não dasoligarquias, da vida e não dos cemitérios, dademocracia e não do silêncio. “Paz com justiça social,soberania e democracia”, como diz a consigna doFórum.

Mas e, afinal, estas causas/efeitos/condições de(re)produção do conflito colombiano não se mostrampresentes, de alguma forma, no Brasil e nos outrospaíses da América Latina? Ou, pelo menos, esteselementos estavam mais explicitamente atuantes háalguns anos e começam agora, com muito esforço emalguns países, a serem combatidos e substituídos poroutras matrizes de produção das realidades nacionais.Muito provavelmente, a resposta é sim, eles são

compartilhados, posto que esses elementos formamum modelo de Estado­nação que, sem dúvidas, aindapaira sobre a região e ainda não foi completamenteextirpado do “código genético” de formação de nossosestados modernos/coloniais. Um código baseado naviolência, na exploração, no racismo e na exclusãopolítica.

A questão dos problemas das naçõeslatinoamericanas, assim, tem muito a ver com o fatode a ideologia burguesa do individualismo – com seusdesdobramentos como o atomismo – ser um tremendoequívoco para pensar e atuar nessas terras. A opçãopor isolar­se não pode levar a boas análises, nemgrandes resultados. Existem processos históricos quesão compartilhados, logo existem mudanças e rupturasdesejadas que não conseguiremos levar adiantesozinhos. O que um não consegue, logo doisconseguirão. O que dois não conseguem, logoconseguirão três, quatro, cem, milhares, milhões.Assim funciona também para os países de NossaAmérica. A paz que sonham as colombianas ecolombianos é uma que só acontecerá com o apoio e oaporte de todas as pessoas, coletivos e forçasinteressadas na democratização radical dos processospolíticos na região. Se tantas bandeiras, sonhos,projetos e anseios podem caber na palavra “paz”, essapalavra tem de ser reinventada entre todos.“Inventemos ou erremos”, disse Simon Rodriguez,mestre de Simon Bolívar, numa frase pichada emalgum muro de Caracas. E isso já vem acontecendo:hoje paz na América Latina significa justiça para ospovos originários, combate ao racismo e reparaçãohistórica ao despojo e exploração das populaçõesafroamericanas, direito à identidade e à alteridade,significa pensar­se a partir desta alteridade (de gênero,de raça, de classe) despojada pelo projeto moderno­colonial, significa direitos iguais independente degênero e opção sexual, significa que a mulher tome asoberania sobre seu corpo e sua vida, significa acessoà terra e o fim das desigualdades sociais e daexploração vil do trabalho. A paz na América Latina éanti­imperialista, anti­colonial (ou descolonial) e anti­neoliberal. Sobre isso se disse algo muito importanteno Fórum: não pode haver paz na América Latina senão há paz na Colômbia. Assim como não haverájustiça pelas vidas cobradas nos crimes de Estado naArgentina e no Uruguai, se não houver punição aosresponsáveis no Brasil, e vice­versa – vide aarticulação entre ditaduras durante o Plano Condor. Ostrabalhadores não estarão protegidos enquanto não seestenderem direitos aos trabalhadores de fronteira emigrantes. Não se pode excluir da demarcação deterras indígenas os guaranis que vem do Paraguai – jáque se não brasileiros, tampouco são paraguaios.

Demasiado utópico o desejo de uma pazverdadeira e compartilhada? Talvez, mas não deve serpor acaso que muitos teóricos na América Latinadiziam que a integração regional e o caminho aosocialismo são, para nós, uma “necessidadeexistencial”. Se até o governo colombiano reconhece oimpasse do conflito e a realidade profundamentedesigual do país, é nosso o trabalho de imaginar o queainda não existe, nem cá nem lá. Parafraseando ofilósofo Slavoj Zizek, esta inexistência que, semembargo, nos move: a verdadeira paz com justiçasocial, democracia e soberania para todos os povos deNossa América. Mais que imaginar, criar e construir.Como disse Paulo Freire: “criar o que não existe aindadeve ser a pretensão de todo sujeito que está vivo”.

­­­­­1 http://antropologiacritica.wordpress.com/2 A Marcha Patriótica é um movimento social epolítico que reúne diversas entidades, organizações,partidos, grupos e pessoas e pretende inserir essesgrupos da sociedade civil no debate sobre asnegociações de paz, que se dão atualmente entregoverno e FARC­EP em Havana­Cuba.