livro estranha bahia_apresentação

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Ricardo Santos é um soteropolitano que não gosta muito de tomar sol. Adora confundir a cabeça das pessoas com suas mentiras. Curte ficção científica, fantasia e terror porque são os sonhos e os pesadelos que o mantêm acordado. Em 2008, publicou o livro de viagens Homem com Mochila. Participou da antologia de contos de terror The King, em homenagem a Stephen King (Editora Multifoco, 2013). Em 2014, participou da antologia de poesias e contos do 1º Concurso Literário do Servidor Público, promovido pelo Governo do Estado da Bahia. Em 2015, lançou Um Jardim de Maravilhas e Pesadelos, seu primeiro romance. Blog: ricardoescreve.wordpress.com.

RICARDO SANTOSRICARDO SANTOS

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Início da gravação 8-B, 23 de outubro de 20... 22:19

gente ficou de se encontrar na Avenida Sete, na Praça da Piedade. Era um dia quente dos infernos. Eu rezava pro infeliz do Lupo não se atrasar demais. Eu corria contra o relógio. Gosto de ser pontual em meus compromissos. O pessoal do DP diz que essa é mais uma das minhas esquisitices.

Falam coisas sobre mim, na minha cara. Mas as ofensas de verdade só pelas minhas costas. Fico sabendo de algo, mais cedo ou mais tarde. Carlão é o único que fala o que realmente pensa, olhando no meu olho. Ele me odeia. Qualquer dia desses, ele pode armar uma pro meu lado. Talvez até armar uma treta fortíssima e me dar um tiro na nuca... Que porra fiz ao cara? Não faço ideia, sério...

Senti sede.Fui até um carrinho de água de coco, perto do gradil que cerca

a Praça.“O que vai ser, chefe?”, disse o vendedor. Um sujeito franzino,

com uma expressão esperta, mas cauteloso.“Um copinho bem gelado.”Ele tinha sacado que eu era polícia?Eu não usava óculos escuros. Vestia uma camisa de flanela

folgada e jeans. Minha arma estava escondida na cintura.Não costumo passar pela região a pé.O vendedor me entregou um copo plástico gelado.O rosto dele me pareceu familiar. Pensando bem, será eu já

tinha prendido aquele infeliz? Ele tinha cara de ladrãozinho.Uma garota de traços orientais, talvez coreana, talvez chinesa,

passou por mim, me encarou. Ela vestia roupas coloridas e curtas, seu cabelo também era colorido. Parecia uma bonequinha de marmanjo, daquelas que os caras pagam não sei quantas prestações para adquirir as esposas mais obedientes e taradas do mercado... Seus olhos eram púrpura. Ela era um eladiano. E com orgulho. Alien Power!

Ela não usava lentes de contato... Ou seria mais um daqueles idiotas que imitam os transparentes, quero dizer os eladianos, usando lentes púrpura?

Eu ainda não tinha bebido uma gota da minha água de coco.Virei o copo de vez.

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Isabelle Neves nasceu em Salvador, mas hoje mora em uma cidadezinha do interior da Bahia, onde divide seu tempo entre os estudos, a música e a escrita. Começou a escrever ficção aos seis anos e possui uma pilha de manuscritos em casa, entre eles o primeiro livro de uma quadrilogia fantástica (Anjos da Escuridão). Está com um projeto de uma história dramática, cuja ambientação é feita no Brasil entre as décadas de 50 e 80, denominada Canção de Morte de Lorenzo. Além da prosa, aventura-se a rabiscar alguns poemas e algumas estrofes musicais e pretende, em um futuro próximo, publicar um livro ilustrado de poesias.

ISABELLE NEVESISABELLE NEVES

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o chão, marcas da Guerra. Valas abertas abrigavam ossos de jagunços, fiéis e animais, todos aglomerados, empilhados uns em cima dos outros. Era possível ver projéteis e cartuchos utilizados pelos soldados. Bentinho distinguia as trincheiras por onde passava e brincava de ser guerreiro, com sua arma de fogo imaginária, atirando nos demônios da República, como

seu avô costumava chamar.O garoto chegou às margens do açude, molhou os pés sujos

na água barrenta e caminhou em direção às ruínas da Igreja, praticamente debaixo d’água. Para Bentinho, que aprendera a nadar logo cedo, o trajeto fora fácil, embora o nível do reservatório estivesse baixo. Escalando os destroços com destreza, já que era bastante magro, ele sentou na pedra mais alta, observando a paisagem árida. Os cabelos negros raramente balançavam com a brisa quente. Os olhos castanho-escuros brilhavam. Bento tinha ouvido seu avô contar que aquele fora um campo de batalha, onde pessoas mataram umas às outras por ideais mal-interpretados. O garoto imaginou as pessoas correndo, as casas queimando, as mulheres gritando e os soldados rindo. Ele imitou os sons que as armas faziam quando o gatilho era acionado e o grito do fiel seguidor de Antônio Conselheiro que acabara de ser baleado. Apontou os polegares e os indicadores para o céu, gesticulando o gatilho, e riu abertamente.

Naquele dia, enquanto se divertia com sua imaginação fértil, assustou-se ao perceber um vulto na água. A princípio, pensou que pudesse haver uma carniça por perto e urubus estavam rondando a área. A figura sumia e aparecia esporadicamente, ora mais perto, ora mais longe de Bento. O garoto começou a se assustar, podia sentir seu coração jovem bater mais rápido e arregalou bem os olhos quando o vulto finalmente parou de se mexer. Estava rente às águas, como se flutuasse. Trazia um cajado à mão, que não servia de apoio, pois não havia onde se escorar. Estava coberto dos pés à cabeça por um manto negro, mas transparente o bastante para que Bentinho pudesse ver seus ossos, sem pele ou músculos. O rosto da criatura estava escondido pela sombra do capuz, então aos poucos foi se revelando. O crânio exposto trazia rachaduras profundas. Onde deveriam existir olhos, havia sangue, cuja cor vibrante manchava os tons amarelados dos ossos da face. Mexeu a mandíbula devagar. As frias palavras naquele dia quente ecoaram medonhas, como se a voz estivesse dentro da cabeça de Bentinho.

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