edição 4 -2015

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Histórias em quadrinhos nacionais têm ganhado cada vez mais espaço e conquistando novos leitores edição 04 | 2015 - atualizada Pág. 9 Inocência aprisionada Novas tecnologias em sala de aula As consequências do assédio moral no trabalho A realidade das mulheres grávidas nas prisões brasileiras e as pers- pectivas para os filhos, que nas- cem encarcerados Cerca de 50% dos brasileiros já so- freu com o problema, que pode le- var ao suicídio O impacto das cotas 10 anos após a implementação do sistema na UFPR, apenas 7% dos alunos entraram por cotas raciais na universidade HQ’s: agora é a vez do Brasil O impacto e os resultados de dis- positivos digitais, como robôs, para o ensino brasileiro Pág. 5 Pág. 7 Pág. 8 Pág. 6

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O impacto das cotas HQ's: agora é a vez do Brasil

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Page 1: Edição 4 -2015

Histórias em quadrinhos nacionais têm ganhado cada vez mais espaço e conquistando novos leitores

edição 04 | 2015 - atualizada

Pág. 9

Inocência aprisionada

Novas tecnologias em sala de aula

As consequências do assédio moral no trabalho

A realidade das mulheres grávidas nas prisões brasileiras e as pers-pectivas para os filhos, que nas-cem encarcerados

Cerca de 50% dos brasileiros já so-freu com o problema, que pode le-var ao suicídio

O impacto das cotas10 anos após a implementaçãodo sistema na UFPR, apenas 7% dos alunos entrarampor cotas raciais na universidade

HQ’s: agora é a vez do BrasilO impacto e os resultados de dis-positivos digitais, como robôs, para o ensino brasileiro

Pág. 5

Pág. 7

Pág. 8

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UFPR - 20152 OPINIÃO

O novo homem-aranha é negro. Sim, o personagem que substitui Peter Parker dos quadrinhos é Miles Morales, um rapaz negro e latino. Entretanto, a representatividade para por aí. Na nova sequência de filmes do Homem Aranha, o ator escolhido é – pela terceira vez seguida – um ator bran-co. A negativa não é em relação ao talento do ator escolhido, mas pelos 15 anos de Aranha nas telas do cinema seguindo o padrão físico de atores: brancos. Existem argumentos que dirão que há super-heróis negros e por isso não é ne-cessário descaracterizar outro. Mas quantos heróis negros listaremos, além do Super Choque e do Lanterna Verde? É um grande descompasso se comparar com a lista dos heróis brancos.

Esse é um dos problemas causados pelo racismo escon-dido nas nossas ações e falas. Racismo não é apenas o ato de agredir física ou verbalmente uma pessoa de minoria étnica, é também colocá-la em segundo plano, como vemos nesses casos. Várias pesquisas já foram feitas nesse campo, mas é importante destacar a principal e umas das mais chocantes, o ‘’Teste da Boneca’’ realizado por Kenneth e Mamie Clark em 1940. O teste mostra que crianças apontam uma boneca branca como mais bonita e bondosa do que a boneca negra. Em 2005, Kiri Davis realizou o estudo novamente e chegou a resultados muito parecidos no documentário ‘’A Girl Like Me’’, em que 15 das 21 crianças preferiam a boneca branca. Isso acontece porque parte do desenvolvimento das crian-ças é observar e aprender com o mundo a sua volta. É uma associação cerebral comum, feita por todos. Porém, isso não torna a mudança desnecessária, pois uma sociedade racista gera crianças racistas e quem formará a próxima geração são essas mesmas crianças.

Na mídia brasileira isso não é diferente. Segundo dados de 2013 do PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras de Do-micílios), mais de 50% da população brasileira é negra e ainda assim a novela ‘’Amor a vida’’ foi ao ar na Globo sem nenhum negro no elenco. Raramente a mídia representa a sociedade de todas as formas e quando tenta o estranha-mento vem em seguida, munido de discursos de ódio, como aconteceu com a jornalista Maju Coutinho que foi vítima de diversos comentários racistas por ter se tornado a moça do tempo do Jornal Nacional.

No final de agosto, a cantora Taylor Swift lançou um novo clipe que foi filmado na África. A história se passa na grava-ção de um filme da década de 1950 em uma localidade não revelada do continente africano e envolve Taylor como atriz principal e outro ator contracenando com ela. Por incrível que pareça, o clipe não tem nenhum negro. Esse fato gerou diversas críticas à cantora pela falta de representatividade. O diretor do filme tentou se explicar dizendo que poderiam ser acusados de “imprecisão histórica”, visto que na época retratada negros não eram representados.

O mundo é mais diversificado em 2015. Posições aceitas décadas atrás não devem ser defendidas sob a bandeira de fidelidade. Um quadrinho ou vídeo, produzidos na década de 60 nos Estados Unidos sem negros elencados, são com-preensíveis pela situação social e histórica do país. Contu-do, é impossível continuarmos pregando as mesmas falas do passado

A batalha é travada aos poucos e com algumas vitórias, como a de Viola Davis, primeira mulher negra a vencer o Emmy e Michael B. Jordan como Tocha-Humana negro. Tam-bém existem derrotas, infelizmente numerosas, como as vistas em jornais, clipes de músicas, filmes e séries. Frente a isso, devemos lutar para que a representatividade dos ne-gros cresça para podermos sonhar com o fim do racismo.

Expediente

Racismo Editorial

Ombudsman

O jornal Comunicação acerta em cheio ao trazer, em sua reporta-gem de capa da edição 3 de 2015, o drama, muitas vezes silencioso, das mulheres vítimas de abuso (físico e psicológico), por parte de seus com-panheiros, mas peca em limitar a abordagem da matéria a uma questão comportamental, e não a um problema social, de uma sociedade machista (como bem lembra o texto em seu penúltimo parágrafo), conservadora e preconceituosa.

Numa sociedade em que vemos um parlamento, composto por ampla maioria de homens, querendo legislar sobre o direito individual da mu-lher, em que achamos natural que mulheres recebem salários menores do que homens e em que, em determinadas comunidades, em pleno século XXI ainda se defende que o papel da mulher é cuidar do marido e da famí-lia e atender às necessidades do homem, em que a cultura do estupro ain-da é presente e a religião se sobrepõe às questões de gênero, é perigoso individualizar essa discussão.

Viva o infográfico!A última edição do Comunicação deixou clara a importância da in-

fografia para o jornalismo. O recurso foi muito bem aplicado em duas matérias, com características bem diferentes, sendo fundamentais para

a melhor compreensão das informações. Na matéria sobre a deep web, o infográfico está, até, mais explicativo que o texto. Foi através da leitura do “quadro” que realmente compreendi o que é essa internet profunda. Bem mais simples, o info da matéria sobre o projeto Curitiba Lê, cumpre com perfeição a função de passar a informação sobre o crescimento do pro-grama ao longo dos anos, que ficaria difícil de ler se apresentada dentro do texto.

TransformaçãoMuito interessante a matéria sobre a transformação que o Campus

do litoral da UFPR proporcionou ao município de Matinhos. E aproveito para deixar, mais uma vez, a provocação: um jornal universitário também é capaz de transformar a comunidade em seu entorno..

Muito além do mal me quer

Opinião

Charge

O Comunicação é um Jornal laboratório produzido por alunos do curso de Jorna-lismo da Universidade Federal do Paraná, nas disciplinas Laboratório de Jornalismo Impresso, Produção e Planejamento Gráfico e Produção e Edição II.

Professores orientadores: Mário Messagi Jr., José Carlos Fernandes e Guilherme Cavalho

Editor-chefe: Lucas PanekProdutores: Karina Fernandes, Lucas Panek

Editores: Ana Clara Tonocchi, Bruna Junskowski, Bruno Vieira, Dayane Farinacio, Kaype Abreu, Julia Kreuz, Júlia Ledur, Luiza Guimarães,

Repórteres: Arthur Henrique Schiochet, Gabriel Dietrich, Giulia Halabi, João Quartie-ro, Júlio Boll, Lisyê Zadorosny, Maria Miqueletto, Monique Portele, Moreno Valério, Plínio Lopes, Valsui Júnior, João Heim, Heloísa Nichele

Foto de capa: Ana Clara Tonocchi

Diretores de Arte: Ana Ribeiro e Rodrigo Ramos Diagramação: Equipe de editores e repórteresImpressão: Gráfica da UFPRTiragem: 1 mil exemplares

Endereço: Rua Bom Jesus, 650- Juvevê - Curitiba-PRTelefone: (41) 3313-2017 Pr

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Existe um medo involuntário que cerca a todas as mulheres. Um te-mor que atenta contra toda e qualquer forma de aproximação. Seja um olhar, uma piscada, um movimento brusco, uma fala amaciada, um grito ou um sussurro, não interessa qual a abordagem, o fato é que: todas as mulheres compartilham entre si um sentimento velado de pavor e de im-potência mediante a todas as possíveis interações que não sejam causa-das por sua livre e espontânea vontade.

Note que só foi usada a expressão “mulheres”. Agora imagine todo esse terror invisível aplicado a uma garota de 12

anos.Para se falar de sexualização infantil é preciso se falar de machismo.

Porque num caso como o da Valentina, a participante do reality show da Band TV que foi alvo de inúmeros comentários abusivos nas redes sociais, a única explicação para o ocorrido é que o comportamento dos agressores não se desvia do padrão, dentro de uma sociedade em que a mulher é objetificada todo o tempo.

Não se desvia do padrão? Sim, isso mesmo que você leu. Somos cul-turalmente educados a julgar as pessoas pela aparência e tratá-las com base num caráter que só existe na nossa mente. “Fulana é isso”, “ciclana é aquilo”, “olha o tamanho dessa saia, ela não se dá ao respeito”, “fechada assim quer morrer virgem, aposto”. Mesmo que disfarçadas, frases como essas são ouvidas diariamente e reproduzidas em quaisquer circunstân-cias, porque esperamos por isso. Há muito tempo estimulamos em nosso meio uma pressão coercitiva onde os outros devem agir como pensamos (e nós mesmos precisamos também estar nos padrões do pensamento a-lheio). Até quando?

Sendo assim, na mente dos agressores, eles não fizeram absoluta-mente nada de errado. Porque se uma pré-adolescente aparece na tele-visão usando roupas “que não deveria” e é bonita dentro dos padrões cul-tuados pela nosso senso comum, ela “está querendo chamar a atenção”.

Ela, uma garota que aparece na mídia, mas que não é diferente das milhões que andam nas ruas, que vão à escola, que passeiam em parques e que frequentam shoppings. Ou que deixam de fazer tudo isso por medo de sofrer o mesmo tipo de ataque que ocorreu à Valentina: a prepotência e a intimidação dos seres machistas da nossa sociedade.

Sabe-se que, pela biologia, os animais considerados “irracionais” reproduzem-se de forma indiscriminada. Não há restrições quanto a laços genéticos ou etários. Satisfazem suas necessidades com os primeiros par-

ceiros que encontram dispostos à cópula.É esse o espelho do ser humano - o “superior”, “racional”, “a espé-

cie mais inteligente”? Então, a partir da justificativa de que “houve um estímulo”, toda a nossa capacidade de discernimento deve ser ignorada, e todas as atribuições morais a que nos estabelecemos devem ser sujeita-das a um suposto “prazer carnal”?

Segundo o pai dela, a menina não sabe o que aconteceu nem tem acesso às mensagens hostis acerca de seu corpo. Tampouco eles repreen-deram seu modo de se vestir e sua participação no reality show, afinal, é um direito dela que não deve ser negado pelo comportamento inadequa-do dos telespectadores que a atacaram. Entretanto, a produtora do pro-grama nitidamente não pensa o mesmo. Na edição seguinte à de estreia, em que ocorreram os assédios, a participante foi “sutilmente” apagada. A própria emissora assumindo de forma velada que a culpada é a menina. Portanto, é mais fácil abafá-la do que estimular discussões acerca dos dis-túrbios mentais que rondam a nossa população.

Outra questão que veio à tona com o caso é o uso proposital de cri-anças para papéis de alta exposição sexual. Vários casos viraram polêmica recentemente, como a vlogueira mirim McMelody. A mídia de massa já antes hipersexualizava seus conteúdos a fim de chamar a atenção do pú-blico adulto; não é de se surpreender que o mesmo aconteça com nossas crianças. Se já eram contestados os casos de meninas que, incentivadas ao uso excessivo de maquiagem e tratamentos estéticos para participarem de concursos de beleza, sofriam com a perda da infância, entramos agora num patamar ainda mais sério.

Expor e propor que alguém, com apenas 8 anos, dance com o intuito de sensualizar, a fim de adquirir fama e sucesso, é uma irresponsabilidade sem tamanho. O que leva de volta aos que, com retorno financeiro, dão suporte a essa prática tão inacreditável: como podem adultos, crescidos, “maduros”, donos de consciência, sentirem-se estimulados sexualmente por alguém que tem idade para ser, no mínimo, sua filha?

Existem casos que não conseguem ser explicados, e situações tão absurdas que não podem ocorrer novamente. Nosso dever por lei é prote-ger e preparar nossos pupilos para o futuro, até mesmo pela questão de preservar e dar continuidade a nossa própria raça. Com a adultização cada vez mais frequente, e em tempos de debates sobre a redução da maiori-dade penal, corremos o risco de cometer um dos mais absurdos crimes da humanidade: tirar das crianças o direito de serem crianças.

Quando a carne ameaça devorar a infânciaBruna Remes

Errata

Esta edição foi atualizada em relação a versão impressa, após a verificação dos seguintes erros:

- Editorial, nesta página, é um artigo de opinião do repórter Plínio Lopes.

- Na página 5, a gravata da reportagem “Novas tecnologias têm impacto ques-tionável na qualidade da educação” estava trocada.

- Na página 8, na entrevista “A negra feminista das pequenas revoluções”, a entre-vistada Emanuella Barth é estu-dante de Direito e não Administração.

- Na página 12, em “Atuando como co-mentarista, Serginho Prestes fala da vida pós-jogador de futebol”, também participou como repórter João Heim e a editora foi Dayane Farinacio e não Lucas Panek.

Pedimos desculpas aos leitores e aos repórteres e editores prejudicados.

Lição

Page 3: Edição 4 -2015

A jovem democracia brasileira atraves-sa um momento turbulento. A insatisfa-ção geral e a falta de representatividade envolvem a população em uma constan-te incerteza e crescente descrença com a política, que se reflete de maneira espe-cial nos jovens. É o que indicam os da-dos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nas cinco maiores legendas (PMDB, PT, PP, PSDB e PDT), de acordo com os nú-meros do TSE, houve retração de 56% no número de jovens filiados entre 16 e 24 anos: de mais de 300 mil em 2009 para 132.292 em 2015.

Arthur Wistuba, 23 anos, estuda Ges-tão Pública na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e é filiado ao PT desde 2012, onde atua em um dos cinco gran-des campos do partido, a Articulação de Esquerda. Apesar de acreditar em uma “crise política de representatividade”, Arthur coloca em xeque quem se bene-ficia com o descrédito na política. “Na política não existe espaço vazio. Se as pessoas que acreditam em uma mudan-ça para melhor não estão ocupando esse espaço, tem gente que está lá para fazer o contrário. São aqueles que já estão no poder e pensam em se manter lá. Se a ju-ventude se empodera desse instrumento que é a política, ela é capaz de mudar a situação”

Já Luis Lellis tem uma opinião di-ferente. Filiado ao PSDB desde 2011, após entrar na faculdade de Economia, conhecer diversos partidos e definir sua ideologia, escolheu o partido por se con-siderar um Social- Democrata. Para ele, o interesse dos jovens por política tem aumentado. “Dois ou três anos atrás a gente que já se envolvia com política, tentava puxar assunto e era ‘o cara chato que fala de política’. Hoje vemos outras pessoas puxando assunto, e aquelas que antes achavam chato procuram conhecer e entender mais”.

O outro lado

Em 2014 o partido brasileiro com maior proporção de jovens entre 16 a 24 anos entre seus filiados era o PSOL, com 11,5%. Ele também foi o único partido que efetivamente aumentou o número de jovens filiados entre 2009 e 2015. Entre os novos partidários está Luiza Baghetto, 25 anos, hoje presidente do partido em Curitiba.

Luiza teve seu primeiro contato com o PSOL no movimento estudantil enquan-to cursava Direito na UFPR e se filiou em 2012. Sempre se considerou uma pessoa “sensível aos problemas sociais”, influen-ciada pela família petista – que hoje não é mais ligada ao partido. Para ela, o prin-

cipal atrativo do PSOL é a base ideoló-gica forte, que o diferencia dos partidos tradicionais e faz com que o partido se estruture de forma diferente. “Não acho que os partidos tradicionais não tenham ideologia, podem até ter em seus estatu-tos, mas isso se perde com a conquista do poder, o jogo de governabilidade e o programa de poder decorrente disso. O projeto de sociedade deles se perde a partir do momento em que os políticos individualmente tem plnos de se mante-rem no poder”.

Caminhos possíveis

A formação cívica é a saída para me-lhorar a situação dos partidos e da po-lítica no Brasil. É o que acredita Vera Giebmeyer, presidente estadual da Ju-ventude do PMDB. Vera começou seu envolvimento com política enquanto cursava Direito na Universidade Tuiuti, participando do centro acadêmico e mili-tando no movimento estudantil. Filiou-se ao PMDB em 2009.

“A formação política precisa ser tra-balhada dentro das escolas para formar cidadãos de verdade. Hoje você não en-sina o que é política para nossas crianças e nossa juventude. Enquanto eles estive-rem à margem disso, não tiverem a cons-ciência cívica, vamos ter muita dificulda-

de em militar e mostrar a importância do meio político para os jovens”, afirma.

Vera cita o curso de formação políti-ca da fundação Ulisses Guimarães como uma forma de conscientização e forma-ção para a juventude. “Nosso curso é aberto à sociedade, não só aos filiados do PMDB. É uma ideologia ampla que tenta conscientizar a sociedade a fazer parte de um partido político. Se for o nosso, que bom”.

Para a professora de Sociologia da UFPR e pesquisadora sobre a juventude desde os anos 90, Ana Sallas, a saída para um maior envolvimento político é criar estratégias de ação política que sejam di-ferentes dos modelos já estabelecidos e desgastados. Ana afirma que a forma de se fazer política se tornou fluída, fugin-do da rigidez das instituições, mas que os partidos ainda estão perdidos, presos à “cultura política clientelista, corrupta e sem clareza no que diz respeito aos in-teresses públicos” da velha fórmula de se fazer política que desconsidera, por exemplo, a mobilização e a capacidade da internet. “É preciso haver uma mudança de mentalidade no sentido de acreditar que o governo vai dar as coisas. Temos que descobrir quais são os nossos inte-resses na condição de seres humanos, e o que nos conecta. Muito mais uma micro política do que essa coisa que existe, que está caindo aos pedaços”.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral indicam que os partidos estão envelhecendo em ritmo acelerado.

A juventude dos partidosEleitores

Vera Giebmeyer

Janeiro de 2019. Uma multidão se aglomera em volta da principal avenida de Brasília. O novo presidente passará por ali em pouco tempo. Parece uma mistura de desfile de escola de samba com jogo do Brasil.

Não demora muito para que a li-musine surja - o novo chefe de Estado está nela. Confesso que, conforme o car-ro se aproxima, um sorriso se abre em meu rosto. É nosso ex-presidente Lula a bordo.

O terno preto, a gravata vermelha, o cabelo ralo e a barba já completamente branca. Está tudo lá. Mas o aceno parece diferente. Não há dúvida que são nove dedos a vista, mas, não sei, os braços se mexem estranhamente. Lulinha está maior. Digo, literalmente.

Agora o carro dobra a esquina. O presidente definitivamente está com o dobro do tamanho do veículo conver-sível que o leva. Olho a minha volta e percebo que as pessoas não parecem se encaixar no perfil de eleitores progres-sistas — principalmente o grupo que se agita convulsivamente no que se asse-melha a uma dancinha “Fora PT”, co-nhecida nas redes sociais.

A limusine está a poucos metros. É nítido: em cima do carro há um boneco inflável de Lula, o Pixuleco. Um homem ao meu lado parece compreender o meu estarrecimento. Ele me explica que esse é o vencedor da última eleição, após uma disputa acirrada com o Lula de verdade.

A história começou quando Pixu-leco ganhou fama em todo o país par-ticipando de sucessivas manifestações a favor do impeachment. Membros da oposição viram a fama do boneco e re-solveram investir. Não demorou muito para ser lançado como pré-candidato.

Segundo o desconhecido, pipoca-ram notícias do boneco inflável. A vida dele se tornou agitada. Em pouco tempo já estampava capas de revista e portais de fofoca. “Pixuleco atravessa uma rua no Leblon” era uma manchete comum pouco antes das eleições.

Nada abalou a imagem de bom moço do inflável, nem mesmo a vida agitada de celebridade, regada a jogati-nas, álcool e cocaína. Era também famo-sa a história do helicóptero de um primo seu, conhecido como Bonecão do Posto, apreendido com 300kg de cocaína.

Durante a campanha, o PT tentou destruir a imagem do Pixuleco. O par-tido divulgou um vídeo com seu irmão, afirmando que ele havia esquecido a família miserável que vivia no Nordeste. Em outro ataque, a ex-mulher falava em um filho cuja paternidade o presiden-ciável nunca quis reconhecer.

Pixuleco venceu e agora o clima é tenso. Já se fala em “terceiro turno nas ruas”. A Central Única dos Trabalha-dores, o PT, o PSOL e outros partidos menores preparam uma manifestação a favor do impeachment do Presidente. Ofereci ajuda e me pediram para confec-cionar um boneco inflável do Pixuleco – sim, um inflável do inflável. A nova militância se faz com muito ar e quilô-metros de plástico.

“A insatisfação geral e a falta de representatividade envolvem a

população em uma constante incerteza e crescente descrença

com a política”

Kaype Abreu

Nova militância

Tubo

UFPR - 2015 3POLÍTICA

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Depois de mais de uma década de reivindicação da comunidade gay, a Ar-gentina retirou as restrições de doação de sangue por homossexuais no último mês. O fato, que já é realidade em países como Portugal, França, Itália e Canadá, recentemente tem sido materializado em diversos países da América Latina, como México, Cuba, Peru, Nicarágua e Chile. No entanto, o Brasil continua a adotar restrições a homossexuais que são considerados em situação de risco por conta da vigência da portaria 2712/2013 na legislação federal. A por-taria restringe a doação de sangue por homossexuais do sexo masculino (HSH) que praticaram alguma relação sexual num período de doze meses.

De acordo com a chefe do departa-mento de hemoterapia de hematologia do Instituto Hemepar, Liana Andrade de Souza, os maiores impedimentos para doação de sangue no país são indivíduos que fizeram tratamento para câncer al-guma vez na vida, que fizeram uso de drogas inaladas e/ou injetáveis, que so-freram estupro ou violência sexual, que estão encarceradas e que têm relações homossexuais sendo co outros homens. Mulheres que têm relação sexual com outras mulheres não são impedidas de doar sangue. Quanto à restrição por ho-mossexuais do sexo masculino, Liana acredita que “houve uma evolução na lei uma vez que a lei anterior já coloca-va como exclusão definitiva. A lei mais anterior ainda colocava os indivíduos bissexuais e homossexuais masculino e

feminino com apenas um caso episódi-co como impedidos categoricamente de doar sangue”.

Para o presidente da organização LGBT Grupo Dignidade, com sede em Curitiba, Toni Reis, ainda há bastante estigma em relação à população ho-mossexual, visto que atualmente ape-nas 7% do grupo se encontra infectado com o vírus HIV. Como um dos funda-dores do projeto Igualdade na Veia, que busca uma regularização mais justa da doação de sangue por homosse- xuais, Toni acredita que é essencial le-vantar essa polêmica para a criação de um senso comum sem discriminação. “O que nós queremos é divulgar que

93% dos homossexuais poderiam doar sangue”, expõe Toni.

Uma das maiores restrições, no entanto, é por conta da janela imu-nológica que ainda tem dificuldades de ser analisada devido aos entraves do exame sorológico. Para Toni, é es-sencial que a comunidade científica desenvolva um teste para verificação não apenas do anti-HIV, mas também do vírus em si. Outro fator que inqui-eta a comunidade científica é que na legislação não há exceções em relação a homossexuais em união estável. “A cada dois ou três anos existe um debate para revisão da portaria e este é um ponto que sempre é colocado. Porém, o Ministério da Saúde e a Anvisa, que regularizam essa questão, não alteram em nada essa regulamentação”, explica Liana de Souza. “Não me interessa sa-ber qual é a orientação sexual do doad-or, o que me interessa é a conduta dele. Um homem que tem relação sexual com um grupo de mulheres é tão in-apto para nós quanto um homossexual com vida sexual ativa”, defende a chefe do Hemepar.

Brasil evita discutir mudanças na legislação referente à doação de sangueNormas ainda restringem doação de sangue por homossexuais. Entrave está na bancada legislativa conservadora

Repórter: Valsui JúniorEditora: Julia Kreuz

POLÍTICA

SOB UMA BANCADACONSERVADORA

A maior parte das pessoas só começa a pensar nesse assunto quando pre-sencia uma situação como essa na sua realidade. Foi o que aconteceu com o mes-trando em Tecnologia da UTFPR e ativista LGBT Jann Sauka, que já testemunhou a situação de um colega ser totalmente impedido de doar sangue a outro amigo apenas por conta da sua orientação sexual. “Isso foi visto de maneira rude por parte dos responsáveis pela coleta, pois mesmo ele comprovando estar apto com todas as outras questões relacionadas à sua saúde, o fato de ele assumir a homossexualidade se tornou um fator decisivo para ter seu sangue negado”, conta Jann.

Para o ativista, é necessário que os profissionais que trabalham com doação de sangue desconstruam o preconceito internalizado por uma sociedade conservadora e opressora e sejam capacitados a atender todos os voluntários a doação de forma igualitária. “Acredito na otimização do procedimento de todos os exames de sangue pós a coleta, sendo assim uma ferramenta capaz de acabar com a seletividade dos doadores”, explica Jann. De acordo com o mestrando, outro fator importante a ser considerado é o cenário político conturbado em meio às bancadas mais conser-vadoras como as “da Bíblia” e da “bala”, onde as pautas relacionadas aos direitos humanos e a comunidade LGBT são completamente apagadas.

“Numa sociedade em que o preconceito se torna evidente em relação às LG-BTs através de ideias rotuladoras e reprodutoras de estigmatização, a comunidade passa a ser mais vulnerável, e, nesse caso, a maior vulnerabilidade se dá em gays, HSH (homens que fazem sexo com homens) e travestis, devido principalmente à prática do sexo anal”, esclarece Jann.

UFPR - 20154

Direitos

Page 5: Edição 4 -2015

Novas tecnologias têm impacto questionável na qualidade da educação

Computadores, tablets e até robôs já fazem parta da realidade das salas de aula brasileiras, mas nem sempre o uso dos dispositivos tem resultados positivos no aprendizado

CIÊNCIA E TECNOLOGIADiversão

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UFPR - 2015 5

Foto

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“As crianças que temos hoje na es-cola não são mais as mesmas de antiga-mente”, explica Carolina Frizon, coorde-nadora geral da Escola Atuação. Em abril deste ano, o colégio tornou-se o primeiro de Curitiba a utilizar o robô humanoide NAO em sala de aula — uma tecnologia francesa cuja primeira versão foi lançada em 2008. Desde então, já existem cerca de 10 mil exemplares espalhados pelo mun-do. O robô conta histórias, canta músi-cas de fixação, faz jogos que relembram conceitos trabalhados, além de explicar novos conteúdos aos alunos da educação infantil e ensino fundamental.

A aquisição está relacionada com a necessidade de despertar o interesse das crianças. “Elas têm em casa velocidade e acesso à informação com muito mais facilidade do que antes. Como podemos considerar que os alunos tenham vontade

e interesse de vir à escola e ouvir o pro-fessor falar durante horas?”, questiona a coordenadora.

Revolução tecnológica nas salas de aula

De acordo com a última Pesquisa So-bre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Escolas Brasileiras (TIC), 71% das escolas públicas localizadas em espaços urbanos possuem acesso à inter-net sem fio, 57,8% a mais do que em 2011. A porcentagem de alunos que trazem seus tablets para o colégio também subiu: em 2011 eram 2%, hoje são 15% nas escolas públicas e 20% nas particulares. Os dados ajudam a sustentar a ideia de revolução tecnológica que o ambiente da sala de aula está vivendo ao longo da última década, em especial no setor privado, que investe em peso nas mídias digitais como forma de atrair o público.

Para a pedagoga Alessandra Furtado,

o uso das novas tecnologias ajuda a tor-nar o processo educacional mais atrativo e próximo das novas gerações, além de impor desafios aos alunos. “Hoje, a neu-rociência comprova que cada vez mais as conexões neurológicas são ativadas de maneira mais eficaz durante atividades que envolvam desafios. E a tecnologia vem para isso: desenvolver o desafio” comenta a pedagoga, que participou do processo de digitalização do ensino de uma escola cu-ritibana.

Resultados

Apesar de ter vantagens, a percepção positiva das novas tecnologias na educa-ção não é unânime. Um estudo feito pela Organização para a Cooperação e Desen-volvimento Econômico (OCDE) divulgado este ano revelou que investir em tecnolo-gia não é sinônimo de melhorar a quali-dade de ensino — dos 70 países pesquisa-dos, os que mais investiram em tecnologia

na educação não alcançaram as melhores notas em testes de matemática, compreen-são escrita e ciências. John Hattie, diretor do Instituto de Pesquisas na Educação de Melbourne, também reforça o caráter negativo das novas mídias ao tratá-las em artigo mais como um fator de distração do que como uma ferramenta essencialmente eficaz. Para o pesquisador, o maior respon-

sável pela educação ainda é o educador.“Ao se inserir um robô no dia a dia da

sala de aula, é preciso muita cautela. Ele pode ser sim um brinquedo ou uma ativi-dade lúdica, mas ele não pode substituir o lado das relações sócio-emocionais ou as relações que as crianças precisam hoje”, analisa Alessandra Furtado. “O lado hu-mano o robô não substitui”.

Page 6: Edição 4 -2015

Muito tem se discutido sobre o sis-tema prisional do país. Recentemente foi votada a redução da maioridade pe-nal e o fim da revista vexatória, o que gerou muito debate entre os brasileiros. Porém, uma grande parte desses encar-cerados é deixada de lado nas discus-sões: as mulheres — e, principalmente, seus filhos.

“É um tema bastante invisibilizado. As pessoas não sabem o que acontece dentro das presidiárias, não sabem que tem crianças vivendo com as mães lá”. Essa é a realidade de muitos presídios brasileiros, como afirma a estudante de Direito Mariana Paris, 21, e foi o tema do evento “Infância Aprisionada: Gravi-dez e Maternidade no Cárcere”, realiza-do no dia 13 de outubro em Curitiba.

O evento foi organizado pelo pro-jeto Mulheres pelas Mulheres, em uma parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OABPR). Mariana, uma das organizadoras, afirma que o evento não é apenas para contar o que acontece nos presídios. “É importante para trazer uma perspectiva crítica, fazer as pes-soas pensarem e debaterem sobre isso”, conta a estudante.

Entre 2005 e 2012 a população car-cerária aumentou 74% no Brasil. Parte desse aumento se deu no encarceramen-to de mulheres, que cresceu 146% nesse período — mais que o dobro do cresci-mento da população masculina presa, de 70%. A idade dos encarcerados, no entanto, diminuiu: a maioria dos presos tem entre 18 e 24 anos. Os dados vie-ram da pesquisa “O Mapa do Encarce-ramento de Jovens no Brasil”, realizada pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A maioria das mulheres é conde-nada por crimes sem violência. Cerca de 60% da população feminina está en-carcerada por tráfico de drogas. Entre 2005 e 2010, sete em cada 10 mulheres que foram presas no Brasil foram con-denadas por tráfico, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacio-nal (DEPEN). “Os comandos do tráfico tendem a querer “comprar” mulheres grávidas que seriam menos sujeitas a fiscalização”, conta Priscilla Placha Sá, 40, presidente da Comissão da Advoca-cia Criminal da OABPR e uma das orga-nizadoras do evento. “A questão mais dramática é de que há um abandono dos companheiros e elas têm que usar o trá-fico como atividade econômica”, com-plementa a advogada.

Gravidez e maternidade encarceradas

As mulheres grávidas condenadas têm direito à pré-natal, pós-parto e acompanhamento médico, que se esten-de também à criança, segundo o artigo 14 da Lei de Execução Penal, em

vigor desde 2009. Os artigos 83 e 89 determinam que os estabelecimen-tos penais femininos devam ter berçá-rios e creches

para que os filhos possam perma-necer com as mães. A creche deve abri-gar crianças com mais de 6 meses e me-

nos de 7 anos. A discussão sobre as mulheres no

cárcere foi justificada também por fa-lhas do nosso sistema prisional. “O pro-cesso penal no direito brasileiro é ape-nas para lembrar para o acusado que ele já está condenado”, afirma José Carlos Cal Garcia, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR, em sua fala no evento. “As medidas públicas não se importam com quem vai sofrer com aquilo”.

Em sua fala no evento, o desembar-gador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Rui Muggiati afirma que a maio-ria dos problemas prisionais vem da su-per lotação nos estabelecimentos penais. O professor e especialista em processo penal Jacinto Nelson de Miranda Cou-tinho enfatiza: “Quando lotam cárceres, eles viram depósitos humanos. E vamos além, nós temos a tendência de achar que aquela gente que está depositada tal-vez não seja nem humana”. Atualmente com a quarta maior população carcerária do mundo, faltam, no Brasil, 244 mil va-gas nas cadeias, segundo levantamento do site G1.

Para a organizadora do evento Ma-riana, é difícil pensar em uma melhora efetiva, pois existe uma estrutura a ser mudada. “É uma mudança de racionali-dade de todo o sistema, de não encarce-rar mais, de mudar essa cultura de pu-nição que aprisiona cada vez mais uma parcela bem específica da população”, afirma a estudante. “Tudo que a gente faz é pra minimizar e trazer um pouco mais de dignidade, mas que não resol-vem”. O evento realizado na OAB arreca-dou fundos pra melhorar a estrutura do Complexo Médico Legal.

“Mamãe, quando vai chegar o nosso alvará?”

Frases como essa, vindas de crian-ças, em geral com menos de 10 anos, são comuns em presídios como a Peniten-ciária Feminina de Piraquara. Em 2013, existiam cerca de 345 crianças vivendo no sistema penitenciário brasileiro, con-forme dados mais recentes do Ministério da Justiça.

A Constituição prevê que em caso de gestação, para presas provisórias, a mãe fique em regime domiciliar enquan-to está com a criança. O artigo 117 da Lei de Execução Penal afirma que as mulhe-res que tem filhos em tenra idade ou em fase de amamentação, independente do regime de cumprimento da pena, podem ficar em prisão domiciliar quando a uni-dade prisional não oferecer as condições necessárias para o cuidado e convivência entre mãe e filho.

Aproximadamente 80% das presas são mães. Como conciliar o cárcere da mãe com o desenvolvimento do filho? É uma questão complexa. Ao mesmo tem-po que, permanecendo no presídio, a criança está pagando por um crime que não cometeu, a ausência da mãe em sua vida também não é o ideal. Nessa discus-são também precisa se levar em conta o artigo 277 da Constituição, o chamado “princípio da prioridade absoluta”, que determina o dever da família, do Estado e da sociedade de assegurar todos os di-reitos da criança com absoluta priorida-de.

Segundo o juiz da 1a vara de exe-cução penal Eduardo Lino Fagundes

Júnior, 42, as crianças devem se desen-volver fora dos estabelecimentos prisio-nais. “Por mais que se tenha uma visão positiva das creches, a criança está den-tro do presídio, de qualquer forma é um local onde ela não deve estar”, enfatiza. Para a estudante de Direito Heloisa Viei-ra Simões, 22, as crianças encarceradas com as mães são um problema muito grave e não vê soluções que possam se aplicar dentro dos presídios. “Lá dentro não tem como ser melhorado, então mi-

nha perspectiva é que essas crianças não fiquem nas penitenciárias, porque não é ambiente pra crianças, muito menos pra mulheres grávidas”.

Não existem creches em unidades prisionais masculinas. Entre os homens condenados não há debate sobre seus fi-lhos ficarem no cárcere junto a eles. “É que a ideia de maternidade é uma ideia de mãe. Tem uma ideia de cuidado”, afir-ma Priscilla. “O Estado acha que isso não é um problema dos homens”.

SOCIEDADE

Infância no cárcere

UFPR - 20156

Page 7: Edição 4 -2015

UFPR

Um relatório a ser divulgado pela UFPR mostra que, nos últimos dez anos, a universidade recebeu 15 mil alunos por cotas — 30% de um total de 48 mil. Desses, 7% foram por cotas raciais e outros 23% por outros crité-rios, como o de déficit socioeconômi-co. O estudo é resultado do trabalho de uma comissão montada especial-mente para analisar o impacto da im-plantação da política na instituição.

A primeira consequência do estudo é a própria mudança no sistema. A partir deste ano, as cotas valem para todo o processo seletivo. Até o ves-tibular de 2014/2015, o estudante que optava por concorrer pelo sistema de cotas, ainda tinha que passar pela concorrência geral na primeira fase.

Integrante da comissão de análise das cotas e professor da UFPR, Em-erson Cervi afirma que o impacto foi menor do que se pretendia, em 2004. “Temos uma universidade mais plural étnica e socialmente do que tínhamos 10 anos atrás”, afirma. “Isso é con-

sequência tanto da política interna, quanto dos condicionantes externos, que permitiram aumento no número de negros e pobres que concluíram o ensino médio”.

O estudante de Engenharia Mecâni-ca e militante do movimento negro, Watena N’tchala (foto), acredita que a situação não é tão otimista. “Dez anos depois, consigo compreender que não houve mudança nesse ambiente, pois a UFPR continua sendo um espaço hostil, onde há violência contra os ne-gros”, diz.

Já Cervi comenta que existe uma necessidade de romper a barreira de entrada. “Como a sociedade nunca colocou isso como um problema, foi necessária a política pública de in-clusão”, afirma. “A política de cotas não é para a atual geração. Seus efei-tos aparecerão na seguinte”.

50 por cento

A UFPR adota desde 2013 o siste-ma de cotas do próprio Ministério da Educação (MEC), que destina 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas — incluindo cotistas raciais.

O relatório completo deve ser di-vulgado até o final do ano no site do núcleo de concursos, segundo a pró-reitoria de graduação da UFPR.

O balanço das

Em 10 anos, apenas 7% dos alunos estraram na UFPR por cotas raciais

cotas

O ponto final do BondeO Diretório Central dos Estudantes

da UFPR (DCE) terá eleições nos dias 25 e 26 de novembro, com três chapas con-correndo à gestão: Abra sua Mente, Rumo Certo e Nós não vamos pagar nada!. Com reunião de posse do Conselho das Enti-dades de Base (CEB) prevista para o dia 8 de dezembro, a atual gestão, Quem está passando é o bonde, se despede do DCE após um ano agitado. A diretoria plena da gestão conversou com o Jornal Comuni-cação para fazer um balanço de tudo que passou em 2015 e apontar quais são as ex-pectativas após as eleições. Confira:

JC: Como vocês veem o ano de 2015 enquanto gestão do DCE? DCE: Foi uma gestão muito difícil por di-versos eventos. O primeiro deles foi o pré-dio do DCE. A gente passou muito tempo discutindo sobre o prédio, e depois que a gente conseguiu findar essa situação, quando houve a desocupação do espaço pela Polícia Federal por decisão do reitor, nós reorganizamos a gestão, mais ou me-

nos em junho. A gente sabia que ainda tinha quatro meses de gestão, mas está-vamos num grupo bem mais reduzido: ba-sicamente a direção executiva de seis pes-soas com o apoio de representantes dos outros campi. Depois entramos no perío-do de férias e já houve o início da greve. Foram 19 dias letivos de greve dos profes-sores com a greve dos discentes junto, que formaram um comando de greve paralelo. O DCE participou desse comando nas pri-meiras reuniões, mas isso foi rompido dev-ido a divergências de metodologia. Após esse rompimento continuamos com as atividades de conselhos e a reorganização de alguns espaços.

JC: Como está a questão do prédio hoje? Foi uma questão que envolveu pró-reito-rias, coletivos à parte da instituição e a antiga gestão. A antiga gestão definiu em reunião do CEB que os coletivos poderiam ocupar o prédio durante algum tempo, mas isso não é previsto nos estatutos ou regimentos da instituição. Quando esses grupos estavam lá, tentamos de diversas formas negociar para livrar o espaço, mas eles ficaram oito meses morando lá, o que

gerou muito desgaste. Tempo que a gente ficou debatendo as possíveis soluções e que houve omissão da instituição e da antiga gestão. Da nossa parte, houve inexperiên-cia em lidar com a situação. Entramos em um conflito direcionado por coletivos políticos que complicaram as transações, até que todas as negociações foram rom-pidas. A gente teve um primeiro acordo, que seria uma reforma de um mês, mas ela nunca aconteceu porque houve descum-primento da parte dos discentes quanto à promessa de sair do prédio. Então o prédio ficou se realocando e agora está na gestão da Superintendência de Infraestrutura (SUINFRA), responsável pela reforma do prédio prevista para ser entregue na re-união de posse do CEB da próxima eleição, dia 8 de dezembro.

JC: Em dado momento, o DCE esteve em fogo cruzado entre a reitoria e os estudantes. Como isso se deu? Acho que em vários momentos a gente fi-cou assim porque a instituição não tomou nenhuma iniciativa. Nós não quisemos tomar a decisão da desocupação do pré-dio, pois a gente entendia as demandas dos coletivos que estavam lá, mas tam-

bém entendia que havia descumprimento das normas adotadas. Houve também a questão de polarização de grupos, que foi criada a título político também. Depois disso teve a questão da ocupação da reito-ria, quando a gente divergiu em metodo-logia com o conselho de greve. Tentamos fazer uma reunião com eles, mas fomos proibidos de entrar no prédio, e então rompemos as negociações do comando de greve, o que deixou que o próprio comando de greve decidisse o que eles queriam re-alizar. Mas, então, eles tomaram várias decisões sem fazer deliberações em assem-bleias, ou houve divergência com as bases estudantis e com os centros acadêmicos. Estivemos ausentes desse processo, pois não conseguíamos conversar com nen-huma das bases ou entrar num acordo por descumprimentos também da instituição, nem acordar nada com a gestão e o coman-do de greve.

JC: Qual seria um balanço geral da gestão? Foi muito difícil ser gestão. A gente aguen-tou hostilização e ataques pessoais que fugiram do aspecto político-ideológico, mas, no geral, a gente acabou conseguindo

manter a gestão até o final para as coor-denações. Destacamos que as conquis-tas desse ano geraram grandes avanços para a política estudantil. As plataformas que a gente criou, os programas contra opressão, essa mobilização dos estudantes de ter representação em todos os campi... É um importante embate para enfrentar as próprias dificuldades que virão.

JC: Quais são as expectativas de vocês daqui pra frente? Em termos de conjuntura, o próximo ano vai ser mais difícil ainda. Os cortes vão refletir em problemas financeiros. Mas a expectativa é de renovação. Só por ter três chapas em disputa já é uma demonstração de que a gente conseguiu mobilizar os es-tudantes.

A gestão “Quem está passando é o bonde” se despede do DCE

MEMBROS DCE

Matheus Fabrício Vieira - Secretario Geral

Jhenifer Baptista - Coord. de Cult., Esp. e Com.;

Felipe Comunello - Coord. Administ.-Financeira;

Andressa Damaceno - Coord. Setoriais e Litoral;

Luanna Bach - Coordenadora de Conselhos;

Catarina R. Vieira - Coord. Ensino, Pesq., Ext e Politica

Eduardo Soczek - Representante da Pós Graduação

Movimento estudantil

UFPR - 2015 7

Igualdade

Foto: Ana Tonocchi

Page 8: Edição 4 -2015

Segundo dados levantados pela Orga-nização Internacional do Trabalho (OIT), 42% dos trabalhadores brasileiros já so-freram algum tipo de assédio moral em seus empregos, seja através de chefes ou até mesmo de colegas. Este alarmante dado acende uma chama de preocupação de diversas áreas, desde o direito até a psi-cologia, que precisam auxiliar as pessoas em meio ao mercado de trabalho.

O grande ponto da questão é que muitas pessoas não sabem sobre o tema. “Como a conceituação é muito recente, o próprio assediado não consegue identifi-car o que é assédio. Ele acredita que pode ser apenas pressão ou injúria”, acredita Eduardo Faria, assessor jurídico do Sindi-cato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR).

A psicóloga Maria Clementina Meng-hini diz que o assédio ocorre por meio de comportamentos com o objetivo de humilhar e até mesmo amedrontar emo-cionalmente os trabalhadores. “Mesmo assim, nem sempre o assédio é intencio-nal. Ele pode acontecer devido ao abuso do poder ou o comportamento narcisista da chefia, e fazer com que o funcionário peça demissão”, detalha.

O mais preocupante são os efeitos nas vítimas de assédio. Além de distúr-bios do sono e descontrole emocional, a gravidade pode gerar um grande efeito cascata na mente da pessoa. “O trabalha-dor humilhado pode sofrer de angustia, entrar em depressão e até mesmo pensar em suicídio”, conta Clementina. Para su-perar isso, o auxílio da família e a ajuda psicológica é fundamental.

Justiça e ações coletivas

Por ser algo de conceito recente, o assédio ainda não possui uma legisla-

ção específica. O trabalhador pode agir de diversas formas (veja o box ao lado) para denunciar, mas a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não possui um item específico para a prática. “A Justiça do Trabalho tem jurisprudência firmada contra o assédio moral, com base em ou-tros dispositivos legais e em construção doutrinária, mas a CLT não diz quase nada. O Código Civil tem dispositivos referentes ao dano moral, que se aplicam subsidiariamente às questões que en-volvem trabalho”, lista o advogado Law-rence Estivalet, co-autor do livro “Estado, Poder e Assédio – relações de trabalho na administração pública”.

Com as devidas avaliações e reen-quadramentos dentro da lei, o trabalha-dor pode ser compensado por ter sofrido. Para evitar este ponto, os sindicatos têm agido. “Criamos palestras sobre o assun-to, sempre com muito público presente, lançamento de livro em parceria com a UFPR e estimulamos criação de comissões internas nas empresas para dar suporte”, finaliza Eduardo Faria.

Quase metade dos trabalhadores brasileiros já sofreram assédio moral

COMPORTAMENTO

“Eu era um ETzinho”Aos 17 anos, Mariana* foi vítima de assédio moral dentro do ambiente de tra-

balho, precisou sair do estágio e auxílio de 5 meses de terapia intensa.Com 6 meses de trabalho em um estúdio de fotografia, Mariana lidava com um

costume pouco profissional do seu chefe: uma vez por semana, cada estagiário era obrigado a tratar todas as imagens do estúdio com a companhia de dois pratos de bateria. Um atraso, e os pratos eram batidos pelo supervisor. Estava entediado? O chefe incomodava o estagiário com cutucadas de uma pena.

Até que os pratos bateram rente aos ouvidos dela. O som entrou em sua mente e demorou para sair. Foram 3 horas de silêncio absoluto após o expediente e um fim de semana trancada em casa. Bastava encostar a cabeça no travesseiro para dormir que o som da batida voltava.

Mariana saiu do estágio e teve que aguentar recados nas redes sociais (“sua fraca, sua chorona”, publicavam). Ela não fez a denúncia e precisou de ajuda profis-sional. “A terapia exigiu muito, eram 3 vezes por semana. Não conseguia ter vida social, nem sair de casa, era um ‘ETzinho’. Se tivesse muito barulho em algum lugar, não demorava para começar a chorar e querer ir embora”, confidencia.

Hoje, aos 25 anos, Mariana está curada, mas relembra o quanto foi complicado. “O que mais me ajudou é perceber que a culpa não era minha, ou que eu fazia algo errado, é sim porque ele é doente e fazia isso com todos”, finaliza.

*Nome fictício

Como denunciar Existem duas formas de se denunciar o assédio moral dentro do ambiente de trabalho:• Ação do sindicato apropriado Contatar o sindicato: O responsável jurídico recebe o assediado, para uma conversa sobre o fato e para verificar a gravidade. Depois disso, há a criação de um documento, retratan-do o ocorrido em que o Sindicato notifica a empresa e solicita uma reunião. O encontro acontece sem apontar o nome da pessoa, para debater a causa e resolver o problema. A empresa pode tomar uma atitude prática, seja demissão ou apenas notificar o funcionário.• Denúncia na Justiça do Trabalho É possível buscar um advogado ou realizar denúncia diretamente na Justiça do Trabalho. O Ministério Público irá verificar a denúncia e dar início ao processo. Após os julgamen-tos, a empresa está sujeita a uma condenação em pagamento de danos morais e multa. Se for uma empresa pública, o caso pode ser enquadrado como improbidade administrativa.

Lucas Panek

Mulher, negra, feminista. A jo-vem curitibana Emanuella Barth, 22, aluna do curso de Direito da Univer-sidade Federal do Paraná (UFPR), teve uma virada na sua vida ideológica ao ser selecionada para participar do In-stituto Bom Aluno do Brasil (IBAB), quando criança, em 2014. O programa atende crianças que não têm condições financeiras para arcar com um ensino privado. O processo seletivo é mais con-corrido que o vestibular de Medicina: mais de mil inscritos passam por etapas como provas, dinâmicas em grupo, visi-tas domiciliares, entrevistas e análise de desempenho escolar. Ao final, ape-nas 56 são selecionados. Essa mudança na vida da estudante lhe trouxe a opor-tunidade de morar na Alemanha, por um ano, e ter contato com as filosofias feministas. Ela revelou ao Jornal Comu-nicação que o seu apego pela cidade de Curitiba faz com que tenha vontade de vê-la se transformar. Crente nas peque-nas revoluções, Emanuella faz dos seus limitados trabalhos voluntários uma maneira de mudar a cidade e transmitir seu conhecimento humano contra as injustiças raciais e de gênero. Confira a entrevista:

Quem é Emanuella Barth em Curi-tiba?

Estudante de Direito da UFPR, aluna do Instituto Bom Aluno do Brasil durante muitos anos. Amante da feira do Largo da Ordem e do quentão da Osório. Revoltada com a falta de metrô numa cidade desse tamanho e a preten-são de dizer que Curitiba é um pedacin-ho da Europa no Brasil, nós precisamos entender que somos brasileiros.

O que é o Programa Bom Aluno? Como ele modificou sua vida?O Bom Aluno é uma ONG fundada pe-los donos da BS Colway Pneus com o objetivo de mudar o Brasil por meio da educação. Eles fazem isso dando opor-tunidade para alunos sem condições financeiras de pagar uma educação privada. Hoje em dia, os alunos do pro-grama são mantidos por outras empre-sas, bem como pelas escolas parceiras. A partir dele tive acesso a uma educação de qualidade e à oportunidade de fazer um intercâmbio no exterior. Grande parte da minha forma-ção humana deve-se a eles.

Fez intercâmbio para onde?Ratingen, perto de Düsseldorf, na Alemanha, por uma bolsa do Rota-ry Club Interna-

tional. Mas acabei viajando por toda a Europa.

Você costuma fazer alguma compa-ração entre as duas cidades?Ao mesmo tempo que critico essa ati-tude, é impossível não fazer compara-ções. A questão da mobilidade urbana; o ensino público que funciona lá, ape-sar das dificuldades; o poder de compra da população; menor desigualdade so-cial que permite acesso a uma série de coisas e quebra outras desigualdades; a questão de infraestrutura, são todos pontos que em Curitiba, uma “cidade modelo”, deveriam ser mais evoluídos.

Qual a sua percepção de ser mulher no mundo?Ao mesmo tempo que temos obras de arte, entre outras coisas, que exaltam a feminilidade, ser mulher, ainda é um de-safio. Apesar de todas as conquistas, ser mulher ainda é ter que provar algo.

Qual o seu desafio? O que você tem que provar enquanto mulher?Existem as diferenças sim, mas tenho que provar que elas vêm pra somar e não para diminuir. Eu sou, sim, capaz e não seria menos por uma questão de gênero. Ser mulher é legal, bonito, mas dá medo. Minha filosofia de vida é o res-peito.

Essa é a sua visão como feminista também?Ser feminista é algo que está em mim. E, como isso se configura na minha luta, parece se reproduzir nas outras mulhe-res também. Além disso, no Brasil ainda parece que, como mulher, você tem que estar em um relacionamento sério, você tem que ser “escolhida” por alguém de bom caráter, você tem que ser feminina. Como feminista, o maior desafio é ser uma mulher aquém dos estereótipos. Eu mostraria meus seios numa Marcha das Vadias em forma de resposta a toda a violência que sofremos.

O Movimento Feminista de Curitiba foi um dos primeiros a ter um grupo voltado para as mulheres negras. Você é uma mulher negra. Sente dis-tinções por conta da cor, também?

Essa é uma questão que eu demorei a ter que enfrentar. Apenas na adolescência, aos 15,16 anos, pela primeira vez me dei conta do racismo que existe. Não lembro de ser diretamente discrimi-nada por isso mas já ouvi comentários maldosos, não sobre mim, mas que me atingiram por ter uma mãe negra, uma família negra. Já vi minha mãe sofrendo preconceito racial, e diante da reação dela, me toquei que aquilo já deveria ter acontecido tantas outras vezes. Eu não sinto diferença por ser mulata, negra, mas pelo que isso representa para os outros. Sempre tive que conviver com o padrão do cabelo liso e até já quis ter cabelo liso, porém a questão da cor da pele não havia sido nada que me preocu-passe ou chamasse atenção. Mas aí você percebe o quanto da história dos negros trazidos ao Brasil é negligenciada, de como parece que você tem que provar que é “negro, mas gente boa e decente”. Passei a entender, inclusive, a história da minha família com outros olhos. Re-comendo esse vídeo: http://www.you-tube.com/watch?v=ZUtLR1ZWtEY

Você faz algo para mudar isso?Eu acho que faço isso no meu posicio-namento do dia a dia. Não me importa a raça, a cor, esse tipo de pergunta eu deixo em branco, mas se tiver que res-ponder eu sou mulata. Como eu me sinto? Mais negra pela minha história de vida do que pela cor da minha pele. Não participo de nenhum movimento de consciência negra, ou algo do tipo. Entretanto, da mesma forma que sei dos possíveis preconceitos que talvez estejam ao meu redor e eu não me dê conta, tento me pôr no lugar de out-ros, pensando no preconceito que eu posso sofrer. Muito do que a gente faz, de como a gente vive é definido por al-guns padrões impostos historicamente. A opressão contra a mulher e contra a negra foi construído historicamente sem levar em conta as faces da vida des-sas pessoas. E daí, quando uma mulher vai às ruas gritar pelos seus direitos hu-manos, ela é vandalizada moralmente por quem a assiste.Você já se envolveu em trabalhos vo-luntários. Conte um pouco sobre a ex-periência.

O que você pretende fazer para mu-dar Curitiba?Estudar, me preparar. Acredito em pequenas revoluções com as pessoas

com quem convivemos. Quero me envolver mais em questões so-ciais, programas de defesa às mulheres e aos negros. Quero,

enfim, me encontrar.

A negra feminista das pequenas revoluções

Violência

Entrevista

UFPR - 20158

Violência

Page 9: Edição 4 -2015

Impulsionado pelo crescente nú-mero de leitores, a produção nacional de histórias em quadrinhos [HQs] en-contra-se no seu melhor momento em anos. O “orgulho nerd”, característico da geração atual e os diversos eventos voltados aos quadrinhos, como a Comic Con Experience e a Gibicon, dão visibili-dade aos quadrinistas do país e às suas obras.

A Graphic MSP, projeto da Maurício de Sousa Produções, é uma das iniciati-

vas que mais estimulam o crescimento do ramo de HQs no Brasil. Criado em 2009, o selo Graphic MSP reúne diver-sos artistas para fazer releituras dos clássicos personagens da Turma da Mô-nica, com direito a uma grande liberda-de criativa. Cada um ganha sua própria graphic novel - histórias mais longas, normalmente beirando 70 páginas.

Sidney Gusman, editor-chefe da Maurício de Sousa Produções e co-res-ponsável pela criação da Graphic MSP, sente-se orgulhoso. “A ideia de fazer graphic novels sobre a Turma da Mô-nica surgiu depois do MSP 50 [come-moração dos 50 anos da carreira de

Maurício de Sousa]”, conta. “Nós espe-rávamos que a Graphic MSP fizesse su-cesso como o projeto anterior e fez”. O que deixa o editor-chefe mais feliz, no entanto, é o retorno que esta iniciati-va dá aos quadrinistas convidados, que acabam ganhando mais visibilidade.

Sobre o cenário atual das HQs no país, Gusman se mostra otimista. “Es-tamos na melhor situação do mercado nacional de histórias em quadrinhos. Estamos num processo artístico muito grande. Há muitas novas ideias, novas histórias”, analisa. “As pessoas têm mais interesse em HQs e os artistas estão con-seguindo aproveitar isso”.

Novas possibilidades de narrativa

Para Rodrigo Scama, professor e doutor em História que estuda os qua-drinhos há mais de 10 anos, o este-reótipo de homem nerd que gosta de quadrinhos e só lê os super-heróis está acabando. “Ao analisarmos a Gibicon, que aconteceu aqui em Curitiba, tinha mulheres, meninas, idosos e nerds len-do as HQs. É uma forma legítima de lei-tura”, conta.

No processo evolutivo dos quadri-nhos, a narrativa e a linguagem – e todas as possibilidades que elas envol-vem – têm lugar de destaque. Muito além dos super-heróis, o universo dos quadrinhos procura sempre inovar. O quadrinista Marcello Quintanilha ex-plica que não existem necessariamente novas narrativas, mas sim mudanças e adaptações. “A narrativa do quadrinho é muito padronizada. É impossível que tudo tenha sido feito no campo da arte, é impossível que tudo tenha sido feito no campo das linguagens”, diz.

Em seu processo criativo, Quin-tanilha procura sempre mexer com a narrativa. “Gosto de usar coisas pouco utilizadas do ponto de vista narrativo, como os flashforwards [recurso nar-rativo para mostrar eventos futuros]. Vejo muito o uso de flashbacks, mas os flashforwards são raros”, aponta. Ao deixar os personagens crescerem e con-tarem as histórias, Quintanilha desvia das fórmulas e padrões mais comuns. ‘’Sempre parto de coisas reais, coisas que eu vivi para criar minha história.

Depois disso, deixo que os personagens dêem o rumo para ela’’, conta.

As quadrinistas e a busca por visibilidade

Esse ambiente, bastante voltado ao público masculino desde seu início, hoje vem sofrendo mudanças. Segun-do pesquisa do ComicsBeat, cerca de 50% do público de quadrinhos nos Es-tados Unidos é feminino, mas elas não se sentem representadas. Por isso mui-tas quadrinistas estão engajadas para acabar com a ideia de que HQs são pro-duzidas por homens e para homens, quebrando a representação estereoti-pada e hipersexualizada das mulheres nessa mídia.

Mas ter a mesma visibilidade que eles ainda é um desafio. A ilustradora Etiene Pellizzari enfatiza os esforços que estão sendo realizados. “As mu-lheres não estão paradas esperando que olhem por elas”, diz. “Existem vá-rios coletivos de mulheres que buscam publicar e mostrar seus trabalhos de maneira independente. Essa união é importante.”

Exemplo disso é o portal Lady’s Comics, fundado pela jornalista Ma-riamma Fonseca, que busca divulgar trabalhos produzidos por mulheres no universo dos quadrinhos. Com o aumento dos acessos, o portal criou o Encontro Lady’s Comics e o BAMQ! (Banco de Dados de Mulheres Qua-drinistas). Mariamma enfatiza a im-portância do Lady’s para as próprias quadrinistas e ilustradoras: “Hoje per-cebemos que, além de um site, somos também uma rede de apoio para as au-toras de quadrinhos”.

Mesmo com iniciativas como essa, ainda há desafios a serem vencidos. Se-gundo a quadrinista Bianca Pinheiro, as produções das mulheres ainda sofrem certo preconceito. “Já li frases do tipo ‘é feminino, mas é bom’ em resenhas so-bre meus quadrinhos”, comenta.

“Muitas pessoas acreditam que au-toras mulheres tendem a fazer quadri-nhos mais delicados e com temas que envolvam o ‘universo feminino’”, acres-centa Mariamma. “É necessário ter mu-lheres produzindo para que elas possam cooperar nessas mudanças.”

Curitiba é um dos pólos de HQs do país

Curitiba já figura entre os pólos de quadrinhos no país, junto com São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Ho rizonte. Alguns projetos ajudam a fomentar a produção e a divulgação das HQs na cidade, como a Convenção Internacional de Quadrinhos (GibiCon), que chegou a reunir mais de 20 mil pessoas em sua última edição, em 2014; e a Cena HQ, projeto que promove a leitura dramática de quadrinhos há 4 anos no teatro da Caixa.

Os efeitos dessas iniciativas já são sentidos pelos artistas locais. O qua-drinista Ibraim Roberson, que trabalha para grandes editoras, como a Marvel e a DC Comics, afirma que a GibiCon ajudou a consolidar o quadrinho como parte da cultura curitibana. “Assim como tem o Festival de Teatro, o Festival de Gastro-nomia, o Festival de Quadrinhos, que é a GibiCon, entrou na agenda local”.

Mesmo com um cenário promissor, quadrinistas como Ibraim e Guilherme Caldas apontam dificuldades, como a falta de incentivo do governo, a ausência de editoras para publicar HQs locais e de lojas que comercializem essa produção.

“O fato de Curitiba ser um centro me-nor é um obstáculo. Nem tudo pode ser suprido pela internet e suas modalidades de comunicação digital”, afirma Caldas. “Em São Paulo ou Rio você tem campos de venda um pouco maiores. Mas eu não vejo uma dificuldade gigantesca, acho que é uma deficiência na questão de pú-blico proporcional às cidades grandes”, adiciona Ibraim Roberson.

As grandes editoras da cidade são voltadas à publicação de livros didáticos. Por isso a cena local dos quadrinhos se produz e se promove de modo indepen-dente, por meio de projetos de financia-mento coletivo e de editoras menores, como a Quadrinhofilia e a Quadrinhó-pole.

Apesar das dificuldades, o cenário atual é otimista, como sintetiza Ibraim: “Independentemente de qualquer tipo de dificuldade que os quadrinistas te-nham por ser uma mídia um pouco mais marginal, eles dão um jeito sozinhos, aqui em Curitiba, de produzir os seus quadrinhos, de fazer suas histórias in-dependentes, de trocar suas ideias”.

CULTURA

Além do gibi

UFPR - 2015 9

Igualdade

Page 10: Edição 4 -2015

Luz i

nteri

orAs obras tratam de

espiritualidade, magia e do universo pessoal

dos artistas

Reportagem: Giulia HalabiEdição: Ana Clara Tonocchi

ENSAIO FOTOGRÁFICOViolência

UFPR - 201510

Page 11: Edição 4 -2015

Integrante do circuito da Bienal Internacional de Curitiba, o Museu Mu-nicipal de Arte (Muma) recebe obras em quatro salas expositivas. Todas

elas falam sobre a “luz interior”, recorte do tema da Bienal em 2015, que é

“Luz do Mundo”.As exposições colocam o

observador frente à frente com o universo pessoal

de cada artista. O sincre-tismo religioso e a magia exercem forte influência

nas obras. O destaque fica para o Café Bueno, hom-

enagem à santa curitibana Maria Bueno.

Museu Municipal de Arte (Muma) - Curitiba/PR

Exposições da Bienal 2015ENSAIO FOTOGRÁFICOUFPR - 2015 11

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Como foi a transição do futebol para outras atividades?Sempre tive comigo, enquanto jogador, que só continuaria jogando depois dos 30, 32 anos se eu tivesse ganhando muito dinheiro ou se tivesse precisando tra-balhar. Parei no América de Natal com 32 anos porque não aguentava a distância da família e sofria com algumas lesões mus-culares. Em 98 comecei a trabalhar na rá-dio B2. No ano seguinte o Paraná Clube me convidou para trabalhar nas catego-rias de base e passei a trabalhar direta-mente com o futebol.

Porque não seguiu a carreira de trei-nador?Eu trabalhei na categoria de base do Paraná, mas por alguns problemas fiquei lá três, quatro meses e saí. Logo depois recebi o convite para trabalhar como trei-nador na base do Coritiba. Também fui auxiliar do Caio Júnior no Cianorte e no Gama. O Caio teve uns problemas pes-soais e ficou um tempo em Curitiba. Eu

como auxiliar dele fiquei também espe-rando, mas senti que realmente não que-ria trabalhar como treinador no futebol. Montamos uma empresa de agenciamen-to de atletas, que durou uns dois, três anos, mas não vingou. Aí defini que que-ria trabalhar na imprensa esportiva. Não que eu não goste da profissão de técnico, mas acho que o ambiente do futebol pro-priamente dito me cansou. Prefiro vivê lo do lado de fora.

Quais os lados bons e ruins de ser um comentarista ex-jogador?Falando especificamente do comentário, agrega muito porque você trabalhou a vida inteira com isso, com muitos trei-nadores, e você tem essa vivência pra en-tender exatamente aquilo que está sendo colocado em prática.Em contrapartida, o jornalista que tem a formação acadêmica tem a questão técni-ca, sabe como se portar e como se expres-sar. A formação acadêmica para o comen-tarista dá essa segurança em frente uma câmera, microfone e principalmente na escrita.

Quem são suas referências na área jornalística?Minhas referências vêm desde menino. Sempre fui um fã incondicional do Lom-bardi Júnior, que é um ícone do nosso rádio esportivo. Hoje temos grandes narradores. Para mim o meu colega de Banda B Marcelo Ortiz é o grande nome dessa geração. Na minha função, o maior deles pra mim não foi um ex-atleta: é o Silvio de Tarso, recentemente falecido. Trabalhamos juntos na Clube. Era uma pessoa maravilhosa, que me passou esse entendimento do lado do jornalista. Dos ex-atletas, gosto do Júnior. Acho que ele é um comentarista direto, sereno e que tem muito conheci-

mento do futebol.

Como era sua relação com os jornalis-tas quando atleta?Eu tenho vários amigos da época, princi-palmente os repórteres, que estão mais no dia a dia. Era muito mais transparente. O repórter entrava no vestiário, falava com os jogadores que não terminaram de tomar banho às vezes e fazia as pergun-tas que queria. A gente quebrava o pau no vestiário e dez minutos depois estávamos lá respondendo os jornalistas. Muitos atletas e treinadores imaginavam que na imprensa todo mundo era traíra. Nunca encarei assim, creio que existem bons e maus profissionais em todas as áreas e acho que o repórter está lá para criticar ou informar.

E o Serginho comentarista com os jogadores?É uma relação diferente. Talvez eu encon-tre poucos Serginhos hoje. Relação trans-parente e mais próxima. Mudou muito a maneira de ser do jogador. Por ter sido jogador eu não enxergo no atleta um ser de outro planeta. Se eu estiver sentado

Atuando como comentarista, Serginho Prestes fala da vida pós-jogador de futebolEx-jogador relata as atividades desde a aposentadoria e conta as mudanças na transição do atleta para o comentarista de futebol

Com meio século de vida, o ex - atleta já passou pelos três clubes da capital, onde foi campeão pelo Paraná Clube e pelo Coritiba, jogou no Grêmio, futebol português e nos rivais ABC e América de Natal. Na contramão da maioria dos atletas, hoje não segue a carreira de treinador, sendo comentarista esportivo na rádio Banda B e no canal E Paraná - além de colunas ocasionais na Gazeta do Povo. Mesmo com todo esse currículo, a ber-muda e as sandálias marcam o jeito simpático e humilde de Serginho Prestes. Confira a entrevista completa:

junto com o Alex ou com um jogador que está começando agora, pra mim é igual, a gente tem as afinidades maiores, mas pra mim tem a mesma importância em rela-ção ao ser humano.

O Serginho fora do mundo esportivo se dedica a alguma coisa?Eu sou músico de banheiro e de final de semana. Tenho um programa chamado Batuque de Bamba que é o meu xodó. Ele segue o mesmo estilo do Sangue bom, que era apresentado pelo inesquecível Dionga (Dionísio Filho, falecido esse ano). É um mix de música e esporte, com um convi-dado de cada área.

Já que você gosta de música, qual a trilha sonora que você escolhe para sua trajetória?(risos). Difícil, porque eu sou de todas as tribos: da MPB, do samba, do rap… Mas vamos de Paulinho da Viola. Ele esteve há alguns anos na Virada Cultural e, quando você tem um ídolo, imagina que ele é sa-grado. Mas depois do show tomei uma cerveja com o Luis Rolim, que tocou com ele, e perguntei como o Paulinho era no trato com as outras pessoas. O Luis me re-spondeu: “o Paulinho é um anjo”. Por isso sou fã dele.

Sua trajetória em uma frase?A realização de um sonho de criança.

ESPORTECarreira

UFPR - 201512