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JorNAL UNIVersITárIo de coImbrA a cabra 13 de dezembro de 2011 ANo XXI N.º 238 QUINzeNAL GrATUITo dIreTor cAmILo soLdAdo • edITores-eXecUTIVos INês AmAdo dA sILVA e João GAspAr No último Encontro Nacional de Di- reções Associativas (ENDA), no pas- sado dia 9, foi aprovada por unanimidade, uma moção intitulada de “Natal Negro no Ensino Superior” que define um leque de ações a de- senvolver pelo movimento associa- tivo ainda antes do final de 2011. As ações estão agendadas para os dias 20, 21 e 22 deste mês e são uma forma de contestar os atrasos no pro- cesso de atribuição de bolsas de ação social escolar, mas também a insufi- ciência do regulamento de atribuição de bolsas. Os protestes têm como ob- jetivo pressionar o Ministério da Edu- cação e Ciência no que concerne a estes assuntos. enda Dirigentes definem ações concertadas As cadeiras do poder executivo estão a ser ocupadas por personalidades que tentam mediar a ocorrência da atua- lidade conjetural de crise. “Indivíduos de formação essencialmente técnica”, estes, empreendem de forma resoluta a decisão do imperativo de ajuda fi- nanceira europeia. Perspetivar a téc- nica a par e passo com a política é o paradigma que estes governos en- frentam. A preservação do debate pú- blico em confronto com a crescente racionalidade tecnicista anuncia-se primordial aquando da interposição da técnica na humanização do estado social. Aplicar a austeridade é pre- mente. A tecnocracia pode surgir como solução. TecnOcracia Ressurgir da técnica como possível solução Na década de 70, é assinado por Marcelo Caetano um acordo secreto com a África do Sul e a Rodésia (atual Zimbabué), onde constava quem e que interesses estariam ver- dadeiramente por detrás da política colonial portuguesa. A multirraciali- dade e a pluricontinentalidade de- fendidas por Portugal são embaraçadas pela aliança com o apartheid. O documento, agora finalmente di- vulgado, foi o tema de discussão le- vado à Conferência Alcora – Novas Perspetivas da Guerra Colonial. acOrdO alcOra Uma aliança secreta na África Austral Mais informação em acabra. net @ Pág. 5 Pág. 16 Pág. 17 Grande reportaGem: Só reSta a memória ao alentejo Os levantados do chão. José saramago assim os apelidou, quando fez desse povo as palavras que contaram o caminho contra a miséria. esses mesmos fomos visitar, no alto alentejo, onde da pobreza e do esforço vimos mais do que de gente erguida. Pág. 11 a 14 “Gastaremos grande parte dos recursos no apoio social, porque as pessoas estão a passar dificuldades” JOÃO PAULO BARBOSA DE MELO Págs. 2 e 3 Barbosa de Melo completa, este mês, um ano na presidência da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). A sua tomada de posse foi atípica - sucedeu a Carlos Encar- nação quando este se demitiu. Em jeito de balanço, o presidente con- sidera o ano que passou um pe- ríodo de aposta na continuidade dos projetos já anunciados. A nível de iniciativas futuras, e devido à atual conjuntura económico-fi- nanceira do país, Barbosa de Melo considera que “não é hora” de novos investimentos. Ainda assim, o presidente da CMC ressalva a necessidade de a câmara investir grande parte dos recursos na ação social. “Monstro Meu” pelo CITAC 14 a 19 dezembro Pág. 6

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Jornal Universitário de Coimbra A CABRA. Edição nº 238

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Page 1: Edição 238

JorNAL UNIVersITárIo de coImbrA

acabra13 de dezembro de 2011 • ANo XXI • N.º 238 • QUINzeNAL GrATUITo

dIreTor cAmILo soLdAdo • edITores-eXecUTIVos INês AmAdo dA sILVA e João GAspAr

No último Encontro Nacional de Di-reções Associativas (ENDA), no pas-sado dia 9, foi aprovada porunanimidade, uma moção intituladade “Natal Negro no Ensino Superior”que define um leque de ações a de-senvolver pelo movimento associa-tivo ainda antes do final de 2011. Asações estão agendadas para os dias20, 21 e 22 deste mês e são umaforma de contestar os atrasos no pro-cesso de atribuição de bolsas de açãosocial escolar, mas também a insufi-ciência do regulamento de atribuiçãode bolsas. Os protestes têm como ob-jetivo pressionar o Ministério da Edu-cação e Ciência no que concerne aestes assuntos.

enda

Dirigentes definemações concertadas

As cadeiras do poder executivo estão aser ocupadas por personalidades quetentam mediar a ocorrência da atua-lidade conjetural de crise. “Indivíduosde formação essencialmente técnica”,estes, empreendem de forma resolutaa decisão do imperativo de ajuda fi-nanceira europeia. Perspetivar a téc-nica a par e passo com a política é oparadigma que estes governos en-frentam. A preservação do debate pú-blico em confronto com a crescenteracionalidade tecnicista anuncia-seprimordial aquando da interposiçãoda técnica na humanização do estadosocial. Aplicar a austeridade é pre-mente. A tecnocracia pode surgircomo solução.

TecnOcracia

Ressurgir da técnicacomo possível solução

Na década de 70, é assinado porMarcelo Caetano um acordo secretocom a África do Sul e a Rodésia(atual Zimbabué), onde constavaquem e que interesses estariam ver-dadeiramente por detrás da políticacolonial portuguesa. A multirraciali-dade e a pluricontinentalidade de-fendidas por Portugal sãoembaraçadas pela aliança com oapartheid. O documento, agora finalmente di-vulgado, foi o tema de discussão le-vado à Conferência Alcora – NovasPerspetivas da Guerra Colonial.

acOrdO alcOra

Uma aliança secretana África Austral

Mais informação em

acabra.net@Pág. 5 Pág. 16

Pág. 17

Grande reportaGem: Só reSta a memória ao alentejoOs levantados do chão. José saramago assim os apelidou, quando fez desse povo as palavras que contaram o caminho contra amiséria. esses mesmos fomos visitar, no alto alentejo, onde da pobreza e do esforço vimos mais do que de gente erguida. Pág. 11 a 14

“Gastaremos grande parte dos recursos

no apoio social, porque as pessoas

estão a passar dificuldades”

JOÃO PAULOBARBOSA DE MELO

Págs. 2 e 3

Barbosa de Melo completa, estemês, um ano na presidência daCâmara Municipal de Coimbra(CMC). A sua tomada de posse foiatípica - sucedeu a Carlos Encar-nação quando este se demitiu. Emjeito de balanço, o presidente con-sidera o ano que passou um pe-ríodo de aposta na continuidadedos projetos já anunciados. A nível

de iniciativas futuras, e devido àatual conjuntura económico-fi-nanceira do país, Barbosa de Meloconsidera que “não é hora” denovos investimentos. Ainda assim,o presidente da CMC ressalva anecessidade de a câmara investirgrande parte dos recursos na açãosocial.

“Monstro Meu”pelo CITAC

14 a 19 dezembroPág. 6

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2 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | terça-feira

destaqueJoão Paulo BarBosa de Melo • Presidente da câMara MuniciPal de coiMBra

“Não é tempo para mais projetos grandiosos e novos”

Barbosa de Melo substituiu Carlos Encarnação na presidência da CMC em dezembro de 2010. Hoje, afirma, “mudou o governo e mudaram para pior as circunstâncias económicas”.

João Paulo Barbosa de Meloestá à frente da Câmara Mu-nicipal de Coimbra (CMC)desde dezembro do ano pas-sado e, em entrevista ao Jor-nal A Cabra, mostrou-sesatisfeito com o primeiroano de mandato cumprido.Numa altura em que cadavez mais se fala de cortes or-çamentais e medidas de aus-teridade, Barbosa de Melodiz que Coimbra não é exce-ção e revela as prioridadesda sua gestão. O presidentemostra-se ainda preocupadocom o setor social, mas aprioridade é concluir os pro-jetos em curso. Em relaçãoao futuro, o autarca consi-dera que “não é tempo” paramais investimentos.

Como foi o seu percurso polí-

tico até ingressar na CMC?

Fui deputado municipal durante oitoanos e a minha entrada, do ponto devista partidário, foi em 2005, no Par-tido Social Democrata. Fui, durantesete anos, presidente do Centro deEstudos e Formação Autárquica.

De que forma recebeu influên-

cias do seu pai, António Bar-

bosa de Melo, presidente da As-

sembleia da República entre

1991 e 1995?

Todos nós recebemos influências dosnossos pais. Recebi influências domeu pai e da minha mãe, cada um àsua maneira. A minha formação estámuito enquadrada naquilo que eu re-cebi em casa.

A sua tomada de posse foi atí-

pica. Quando, em dezembro de

2010, Carlos Encarnação se de-

mite, o presidente cessante ale-

gou “incompatibilidade com o

governo”. Essa incompatibili-

dade ainda existe?

Fui eleito por uma lista encabeçadapor Carlos Encarnação e eu era o nú-mero dois. Quem aceita ser o nú-mero dois numa lista autárquicasabe que pode ser chamado a de-sempenhar as funções de quem está

à frente. Desde esse momento,mudou muita coisa, mudou o go-verno e mudaram para pior as cir-cunstâncias económico-financeirasdo país. Isso condiciona fortementeo que uma autarquia pode fazer. Asrelações que temos hoje com o go-verno são relações institucionais nor-mais, mas é claro que há opiniõesdivergentes e isso é normal em de-mocracia.

Pegando em questões penden-

tes: a CMC ainda continua a

lutar contra a co-incineração

em Souselas?

Isso é uma guerra que Coimbra travae continua a travar. Se é para esco-lher cimenteiras para queimar resí-duos perigosos, que se escolhamcimenteiras em locais onde não vivemuita gente. Souselas é a Norte deCoimbra, e quando os ventos sopramde Souselas para Coimbra, mostraque fazer co-incineração em Souse-las é a mesma coisa que fazer co-in-cineração em Coimbra.

Dois projetos e trinta anos de-

pois, como se encontra a situa-

ção do Campus da Justiça?

Essa é uma decisão em que a CMCpouco mais pode fazer do que ofere-cer o terreno e incentivar os sucessi-vos governos a avançar com as

soluções. Aquilo que é evidente é queas instalações atuais não têm condi-ções mínimas para funcionar. Houvejá dois grandes projetos nos últimos30 anos, mas não temos indicação seestá na lista das prioridades que estegoverno tem para o país. Eu diria queno próximo ano não está, mas é umaquestão que tem que ser resolvida.

A empresa municipal da Tu-

rismo de Coimbra (TC) tinha há

poucos meses um futuro in-

certo. Como se encontra agora?

A empresa municipal TC continua aexistir. Tem todo o sentido que umacidade com a dimensão de Coimbratenha espaço para uma empresa quetrate só de a promover. Foi com essesentido que a TC foi criada. Para nós,havendo condições jurídicas para elacontinuar, parece-nos que é uma boaaposta. A CMC com uma empresamunicipal consegue fazer mais com

menos dinheiro.

De que forma é que o eventual

fim da Sociedade de Reabilita-

ção Urbana (SRU) pode afetar o

trabalho desenvolvido na

Baixa?

Tanto quanto sei a SRU não acaba. ASRU não é uma sociedade só cama-rária, é uma parceria entre o Estadoe a autarquia. Depois de alguns anosem que não se viu trabalho feito, nosúltimos meses notou-se uma evolu-ção positiva com o lançamento doprimeiro fundo de investimento imo-biliário para a zona em frente à CMC,e que nos próximos três anos vai per-mitir reabilitar um conjunto de quar-teirões por inteiro. Estamos numbom caminho, mas o trabalho da rea-bilitação urbana é um trabalho com-plexo e demorado. São tarefas parauma geração e se andámos três gera-ções a abandonar a Baixa, vamos veragora se recuperamos numa aquiloque em três não foi feito.

De que forma é que a CMC

apoia a candidatura da Univer-

sidade de Coimbra a patrimó-

nio da UNESCO?

A candidatura não se destina apenasa classificar edifícios; é, sim, paraclassificar o património da Universi-dade de Coimbra (UC), que é mate-

“Depois de anossem trabalho feito, nota-se uma evolução positiva nareabilitação urbana”

“Temos que ter juízona maneira como usamos dinheiro quenão é nosso, mas simdos contribuintes.”

Ana Morais

DaviD Barata

Page 3: Edição 238

13 de dezembro de 2011 | terça-feira | a cabra | 3

destaque

rial mas também imaterial. A candi-datura é sobre todo esse patrimónioimaterial, não é só sobre ruas e edifí-cios. Há uma consequência prática:o território da Alta, da Baixa e da Ruada Sofia é alvo do ponto de vista ma-terial dessa candidatura. Na próximasessão da CMC vai ser apresentado oregulamento que vai vigorar na cons-trução e recuperação de casas nestazona central. Este processo está acorrer muitíssimo bem, a câmaraestá muito empenhada. Isto é umprojeto tanto da CMC como da UC.

Com o aumento já anunciado

dos passes sociais, os SMTUC

vão também subir os preços, ao

contrário do que vêm fazendo?

Não. O que estamos a fazer é umexercício difícil, que é tentar nãoatualizar os preços, como já foi anun-ciado a nível nacional. É um esforço

difícil porque estamos numa alturaem que o gasóleo e a eletricidadeestão a subir vertiginosamente. Nosúltimos três anos não subimos ospreços, mas este ano vamos ter quefazer um ajuste para cima, mas queé muito inferior ao que vai acontecerno país. Sentimos que este é um mo-mento difícil para as pessoas, esta-mos a levar ao limite aquilo quepodemos fazer para não subir tantoos preços.

Quais os principais projetos da

CMC para a cultura?

A cultura é uma área muita vasta eCoimbra tem muitas instituições cul-turais. A maior parte do trabalho dacâmara não passa por substituiressas instituições, mas sim dar-lhesapoio e procurar que elas funcionemmelhor juntas. Há outros projetos,por exemplo, o projeto do arquivomunicipal, que vai avançar já para oano e que é uma velha necessidadede Coimbra. Mas o principal traba-lho da CMC é coordenar e trabalharcom a diversidade cultural e riquezada cidade.

Como considera que está o as-

sociativismo em Coimbra?

Há uma crise generalizada do movi-mento associativo em todo o país. Oassociativismo baseia-se numa ideiagenerosa de haver pessoas que semetem em projetos sem esperarmuitas recompensas. É importanteque este movimento não morra, paraque possa renascer. As instituiçõesque se juntaram para ajudar a pen-sar a cidade, infelizmente, tambémtêm sido vítimas desta doença queataca o espírito associativo em Por-tugal.

Numa altura em que se fala de

voltar a apostar no setor pri-

mário, a CMC também pensa

apostar na agricultura?

No meio urbano, não estamos à es-pera de ver grandes plantações demilho ou trigo. Há pequenas expe-riências com hortas urbanas, pertodos bairros sociais. A CMC tem vindoa atribuir pequenas parcelas de ter-reno a pessoas que querem cultivá-las. É neste sentido de incentivo àhorta urbana que vamos continuar atrabalhar, não no sentido de grandesexplorações agrícolas na cidade.

A nível industrial, não lhe pa-

rece que Coimbra tem perdido

um pouco da sua expressão?

Não. Ou melhor, há um certo tipo deindústria que Coimbra tinha há 20ou 30 anos e que desapareceu. O queestá em curso em Coimbra agora éuma mudança do paradigma de umaindústria tradicional para atividadestecnológicas diferentes. Não me pa-rece que isso seja mau, acho que éum bom caminho que Coimbra está apercorrer. Não devemos esperar quea indústria seja só de alta tecnologia,mas é necessário apostar nesse papelmotor que as indústrias tecnológicastêm.

O número de pedidos de habi-

tação social já tinha ultrapas-

sado, no mês passado, os

pedidos de 2010, cerca de 600.

Como é que a CMC está a dar

resposta aos pedidos?

A CMC tem um parque habitacionalgrande e vai procurando atribuir ashabitações às pessoas que mais pre-cisam. É uma área em que a câmara,sozinha, não pode resolver o pro-blema, é demasiado caro e implicarecursos para além daqueles que aCMC tem. O que tem sido feito emPortugal nos últimos anos são parce-rias entre municípios e a administra-ção central para minimizar esseproblema. É possível que, se o cená-rio económico se agravar, os pedidosaumentem e que a nossa rede deixede poder resolver os problemas de

todas as pessoas.

De que forma é que os cortes do

Orçamento do Estado para

2012 vão influenciar os investi-

mentos da CMC?

Influenciam porque representammenos recursos para a CMC numaaltura em que temos muitas obras aserem feitas. Menos recursos repre-sentam mais dificuldades. Vamosadiar algumas coisas que não pode-mos fazer já. É uma situação que nãoé dramática, mas que é muito séria.Temos que ter muito juízo na ma-neira como usamos o dinheiro quenão é nosso, mas sim dos contri-buintes.

Quais os setores prioritários

em que a CMC vai apostar?

A primeira prioridade são as obrasco-financiadas por fundos comunitá-rios, que se não forem feitas agorapodem não vir a ser feitas. Depoistem que haver uma repartição dadespesa. Não podemos deixar deapoiar instituições da cultura e dodesporto, porque elas não sobrevive-riam e isso seria uma hecatombe. Es-tamos preparados para gastar umagrande parte dos nossos recursos noapoio social, porque as pessoas estãoa passar mais dificuldades.

De que forma é que a reestrutu-

ração da administração local

pode vir a afetar a gestão da

CMC?

Para já, em nada. Não sabemos o queaí vem. Até lá, aguardamos para vero que acontece e só nessa altura po-demos reformular o que houver parareformular.

Qual é que considera o mo-

mento mais marcante do seu

mandato?

Os projetos fundamentais do man-dato são o Coimbra iParque e o Con-vento de São Francisco, que sãoessenciais para a cidade ter um fu-turo mais risonho. No próximo anode restrições orçamentais, o princi-pal desafio é concluir estes dois pro-jetos que dependem exclusivamenteda CMC.

Quais os novos projetos e novas

perspetivas que pensa imple-

mentar em Coimbra?

O próximo ano é de consolidação da-quilo que este ano já foi feito e paraque, daqui a uns meses, se possa verresultados do investimento. Investirem muitos mais projetos grandiosose novos, não é tempo para isso.

Pensa recandidatar-se em

2013?

É uma decisão que será tomada atempo.

“Não podemos deixar de apoiar instituições da cultura e do desporto”, assevera Barbosa de Melo.

“Nos últimosanos não subimosos preços dospasses, mas esteano vamos fazerum ajuste paracima. porém, é inferior ao que vaiacontecer noresto do país”

prOjETOs EsTrUTUrANTEs

CONGrEssOs só EM 2013

“O Centro de Convenções de sãoFrancisco vem colmatar uma dificul-dade grande da cidade - o facto denão ter capacidade para receber certotipo de convenções, devido à falta deinfra-estruturas com a dimensão ne-cessária. passamos a poder organizarcongressos com mais de 1000 pessoas,coisa que até agora não existia. isto vaiabrir uma frente nova na economia deCoimbra e vai representar uma mais-valia urbanística na zona. É uma obrade 30 milhões de euros. A obra vaiestar pronta no primeiro trimestre de2013, mas a estrutura começará a fun-cionar no verão de 2013”.

ipArqUE “A TODO O VApOr”

“Apesar da conjuntura, já temos qua-tro empresas a construir no iparque. Oedifício central de serviços já está emobras e o edifício seguinte também jáestá a andar. É um projeto que tam-bém é estruturante para Coimbra. Oiparque permite-nos ter um espaçopara empresas tecnológicas na área dasaúde e não só, o que contribui paramudar a economia da cidade. O ipar-que está a todo o vapor, tendo emconta as circunstâncias difíceis que asempresas vivem. se neste momento háempresas a investir 20 milhões deeuros no iparque é porque as coisasestão a correr bem”.

sMM, prOjETO “AbrANDADO”

“O sistema de Mobilidade do Mon-dego (sMM) é um projeto estruturantepara Coimbra, é algo em que a CMCestá empenhada há 20 anos. O sMMfoi iniciado do ponto de vista de obras,depois foi abrandado pelo governoanterior. Até ao momento, há 140 mi-lhões de euros que estão gastos. Oque a CMC entende por unanimidadeé que é fundamental que o sMM nãopare, tentando obter junto dos fundoscomunitários o financiamento que faltapara o concluir. O ritmo a que vai con-tinuar depende das condições queneste momento ainda não temos a cer-teza de quais são”.

“O CHUC EsTá CriADO NO pApEl, NãO NA práTiCA”

“O Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) é um projeto que re-sulta de uma fusão anunciada, sem sequer ser estudada. Neste momento, oCHUC está criado no papel mas na prática ainda não foi feito. Vamos trabalharna base da sua existência, mas sobretudo o que a cidade exige ao ministério dasaúde e a quem venha assumir a administração do CHUC é que sejam feitos es-tudos credíveis sobre a fusão dos dois hospitais. Esta fusão resulta de uma deci-são tomada pelo anterior Governo, mas nela há qualquer coisa de estranho. Aanterior ministra da saúde entendeu que era preciso juntar sem ter realizadoqualquer estudo. A CMC contesta isso em absoluto. As decisões políticas nãose tomam dessa maneira. Eu não sei se a solução de juntar hospitais ou juntar ser-viços em Coimbra é ou não é boa. Haverá situações em que faz sentido juntar ser-viços e evitar algumas redundâncias, mas há outras em que isso não se justifica.Aquilo que a CMC se baterá sempre para que aconteça é que as decisões defusão sejam devidamente estudadas. Agora, decidir fundir e continuar sem estu-dar o que acontece é absolutamente inaceitável. Acabar com a concentração demeios ligados à saúde em Coimbra é muito perigoso para a cidade”.

DaviD Barata

Page 4: Edição 238

4 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

Ensino sUpERioR

Cacique garante votos nas eleiçõesda AAC, considera Elísio Estanque

Diretor da FLUC explica

que não é pela falta de

docentes que o segundo

ciclo de Arqueologia não

está a funcionar, apesar

de admitir uma carência

de professor na faculdade

Um dos cursos que mais sofre

atualmente com a falta de docentes é

o de Arqueologia e História da Fa-

culdade de Letras da Universidade

de Coimbra (FLUC), nomeadamente

o segundo ciclo, que não abriu este

ano devido à falta de professores.

Porém, o diretor da FLUC, Carlos

André, explica que o facto do se-

gundo ciclo de arqueologia não estar

a funcionar “não teve que ver com a

falta dos mesmos”, mas sim com

uma “decisão dos próprios docentes

de arqueologia”. Ainda assim, o di-

retor reconhece que “há professores,

mas não em número suficiente”.

O estudante membro do conselho

pedagógico, Daniel Nunes, garante

que a situação dos alunos de Ar-

queologia já foi exposta em conselho

pedagógico da faculdade. “O que o

diretor nos garantiu é que faria os

possíveis para que o mestrado vol-

tasse a reabrir no próximo ano le-

tivo”, afirma. Contudo, Carlos André

resalva que a situação não depende

apenas de si, mas que “passa pela

proposta da secção de arqueologia”

para o próximo ano letivo.

Carlos André explica ainda que o

caso de Arqueologia é muito con-

creto, uma vez que o “desenho do

mestrado foi feito em função de uma

área muito específica, que era diri-

gida por um professor francês con-

vidado que deixou de colaborar com

a faculdade”.

Apesar do diretor da FLUC admi-

tir que existem problemas sérios, a

nível de docentes, em várias áreas da

faculdade, garante que “a qualidade

do ensino não está posta em causa”.

Carlos André explica também que

uma das causas que contribui para o

número insuficiente de professores

prende-se com o facto “da aposenta-

ção de muitos da faculdade”. “As

condições da UC e da FLUC, mas

também as regras da administração

pública, não consentiram a substi-

tuição destes docentes através da

contratação”, clarifica o diretor.

Se na Faculdade de Letras não há

condições para a contratação de

novos professores, o mesmo não se

passa em outras faculdades da UC.

Exemplo é a Faculdade de Economia

da UC (FEUC). Segundo o diretor,

José Reis, a FEUC “vai abrir breve-

mente concurso para a contratação

de docentes na área de Relações In-

ternacionais (RI)”, de modo a cons-

tituir um corpo docente mais

especializado.

O presidente do núcleo de estu-

dantes de Relações Internacionais

da Faculdade de Economia (NE-

RIFE), Gustavo Alves, explica que o

curso apresenta, neste momento,

uma “falta de professores especiali-

zados, o que compromete as maté-

rias lecionadas”. “Os recursos

humanos existentes na faculdade

têm que se adaptar às cadeiras que

lecionam”, explica o estudante.

Gustavo Alves conta, ainda, que a

falta de docentes especializados

compromete a escolha de algumas

cadeiras opcionais no curso de RI.

“Temos um grande leque de cadeiras

opcionais mas, na realidade, na falta

de vertentes especializadas, elas aca-

bam por não abrir”. Contudo, o dire-

tor da FEUC não vê este aspeto como

um real problema: “as cadeiras op-

cionais são para os estudantes de

uma determinada área complemen-

tarem a formação com outras áreas

de saber, e o curso de RI é pautado

pela interdisciplinaridade”, explica

José Reis. Gustavo Alves adianta que

o diretor da FEUC propôs uma solu-

ção para colmatar o problema das

cadeiras opcionais. “No próximo ano

vai ser criada uma lista de 25 cadei-

ras opcionais e todas elas vão ser

reais”, clarifica. Até ao fecho da edi-

ção os estudantes de Arqueologia

não se mostraram disponíveis para

prestar declarações, esclarecendo

que se encontram num processo de

diálogo para tentar resolver o pro-

blema.

Mestrado depende da decisão de docentes

aNa morais

Inês Balreira

iNês balreira

Redes de fiabilidade e

oferta de cargos são

fatores que aumentam a

participação dos

estudantes no ato

eleitoral, aponta ainda o

sociólogo

No passado dia 6, ficou conhe-

cido o novo presidente da Associa-

ção Académica de Coimbra (AAC).

Eleito com 4155 votos, Ricardo

Morgado derrotou André Costa, da

lista C, com uma vantagem de 413

votos. Ainda que na segunda volta

tenham votado menos estudantes

– na primeira volta votaram 9285

estudantes e na segunda 8511 –

estas eleições para os corpos diri-

gentes da AAC foram as mais par-

ticipadas dos últimos anos.

De acordo com o docente da Fa-

culdade de Economia da UC e in-

vestigador do Centro de Estudos

Sociais (CES), Elísio Estanque, um

dos factores para o aumento da

participação dos estudantes no ato

eleitoral, e o que “o que fez a dife-

rença entre a lista L e a C”, foi a

“capacidade que ambas as listas ti-

veram de edificar toda uma rede de

fidelidade e de comprometimento

de natureza pessoal ou através da

oferta de cargos”. “Este tipo de pro-

gramas é mais orientado pela fide-

lidade e pelo caciquismo, coisa que

se fala nos bastidores e que contou

para um maior número de votan-

tes”, assegura. Ricardo Morgado

refuta este argumento, afirmando

que “nenhuma lista tem meios

para obrigar nove mil pessoas a ir

votar”. “Se por cacique se pode en-

tender o simples facto de pergun-

tar a um colega se já votou, acho

que não é por aí que votam nove

mil e tal pessoas numa eleição”. Já

André Costa não nega a existência

do cacique: “todos sabemos que há

muitas pessoas que na altura de

eleições se dirigem aos seus cole-

gas apenas para irem votar”,

afirma. O estudante revela, con-

tudo, que o projeto da lista C

“nunca se pautou por essa via”.

No entanto, Elísio Estanque vai

mais longe no que toca a críticas às

duas listas. “São candidatos do sis-

tema”, afirma o docente. O soció-

logo explica que ambas as

candidaturas presentes na segunda

volta “tinham ligações com estru-

turas dirigentes anteriores”. André

Costa contrapõe, reafirmando que

a candidatura da lista C “foi, desde

o primeiro momento, um projeto

de mudança, e não existe nada que

se afaste mais do sistema” do que

o projeto que liderava. “O próprio

sistema reagiu à existência do

nosso projeto e isso demonstra que

não fazíamos parte dele”, acres-

centa. Quanto à continuidade do

projeto “Desperta a Academia” en-

quanto movimento, o estudante

afirma não saber ainda se “vai con-

tinuar ou não de forma estrutu-

rada”. Por sua vez, Ricardo

Morgado explica que “as duas lis-

tas se destacavam” e tinham posi-

ções “muito mais moderadas em

relação à AAC e à política educativa

do que as outras três listas”. O can-

didato eleito assevera ainda que

este aspeto não é motivo para se

afirmar que as duas listas – C e L –

são iguais. “Não percebo bem o que

é o sistema”, acrescenta Ricardo

Morgado.

Níveis de abstenção significativosApesar da maior participação estu-

dantil na primeira e segunda volta,

o nível de abstenção continua, no

entanto, bastante significativo,

considerando os perto de 22 mil

estudantes inscritos nos cadernos

eleitorais. Na primeira volta a abs-

tenção foi de aproximadamente 58

por cento, sendo que na segunda

de 61 por cento.

Para o investigador do CES um

dos fatores que contribui para os

níveis significativos de abstenção

prende-se com o grau de fiabili-

dade que os estudantes veem nos

dirigentes estudantis. “O estudante

comum tem dificuldade em se

rever nas estruturas dirigentes en-

quanto defensoras dos seus inte-

resses”, aponta Elísio Estanque. O

docente clarifica que “uma maioria

dos estudantes mostra uma des-

confiança em relação às intenções

dos dirigentes estudantis”, que

muitas vezes se revelam “mais

preocupados com o protagonismo

e ambição pessoal do que com a

defesa dos interesses dos estudan-

tes”.

Elísio Estanque aponta ainda

outro motivo para a abstenção, que

se prende com a progressiva regio-

nalização dos estudantes. O soció-

logo explica que, com a

regionalização, “os estudantes

estão mais perto das suas casas e

deslocam-se mais vezes à sua resi-

dência de origem”. Este fator,

ainda de acordo com Elísio Estan-

que, “reduz o grau de envolvimento

por parte dos estudantes àquilo

que são os espaços e contextos de

sociabilidade de Coimbra, ficando

assim circunscritos ao mundo da

universidade e dos seus cursos”.

Inês Balreira

Na segunda volta, a abstenção atingiu os 61 por cento

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13 de dezembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 5

Ensino sUpERioR

6Ricardo Morgado

Eleito à segunda volta com4155 votos, Ricardo Mor-gado é novo presidente dadireção-geral da Associa-ção Académica de Coimbra(DG/AAC). A ligação aos es-tudantes e uma política deproximidade são os pilaresdo seu projeto.

Que balanço fazes destas elei-

ções?

Foram umas eleições disputadas

como já não havia há alguns anos. A

primeira volta ultrapassou os nove

mil votantes e a segunda os oito mil e

quinhentos, o que dá muito mais le-

gitimidade a quem vai agora assumir

os cargos na DG/AAC e nos outros

órgãos da AAC. Foi um processo ex-

tremamente saudável para a acade-

mia, onde todas as listas se portaram

de forma exemplar e se

discutiram ideias.

Ganhaste à segunda volta

com uma vantagem de 4.95 por

cento em relação à lista C. Con-

sideras que vais lidar com uma

academia dividida?

Não. Agora já não há listas. Neste

momento há uma direcção-geral de

todos os estudantes. Deixa de haver

“Liga-te”, “On’s” e “Despertadores”.

Quando tomares posse,

quais vão ser as tuas primeiras

linhas de acção?

Queremos começar já a trabalhar a

partir desta semana, não só na pas-

sagem de dossiers, como na criação

de uma metodologia de trabalho para

o próximo ano. A primeira coisa que

irei fazer sinceramente ainda não sei.

Poderá passar pela comunicação e

pela imagem una da AAC. Não nos

podemos esquecer que vem aí 2012,

o ano mais difícil que a nossa geração

já enfrentou por isso temos de pen-

sar, desde já, na acção social e no fi-

nanciamento do ensino superior.

Queremos, de uma vez por todas,

passar uma imagem forte da acadé-

mica, com uma reivindicação forte

que temos que ter e vamos tê-la.

Já tens como experiência a

coordenação de um pelouro na

DG/AAC 2010 e conheces a

linha de atuação da atual dire-

ção geral. O que pensas mudar

no teu mandato?

AQueremos ter uma equipa a traba-

lhar de forma coesa, mas queremos

principalmente fazer aquilo que o

nosso slogan diz e o que defendemos

desde o início. Queremos criar uma

política de proximidade entre a

DG/AAC e os restantes organismos

da casa muito mais efectiva. A ligação

entre a académica e os estudantes e a

política de proximidade são o pilar

deste projecto.

Vais tentar concertar esfor-

ços ou trocar ideias com os ele-

mentos dos projectos

derrotados?

Sim, sem dúvida. Há questões nas

quais temos opiniões diferentes mas

questões comuns e eu quero voltar a

ouvi-los e tê-los como uma opinião.

Nunca os vou negligenciar. Eu já

disse ao André Costa, assim como

disse aos outros candidatos, que

conto com todos para o melhor da

AAC. Não vou deixar ninguém de

parte, quero ouvir toda a gente e con-

tar com todos para o mandato.

Como pensas ver a AAC no

final do teu mandato?

Espero que os estudantes olhem para

a AAC e se revejam de outra forma.

Quando se falar na AAC que se possa

voltar a pensar naquilo que ela sem-

pre foi capaz de ser: a ousadia, a dife-

rença, a irreverência, a cultura, o

desporto a juventude. Uma acadé-

mica forte. Uma AAC moderna, vi-

rada para o futuro mas que respeite o

seu passado e realmente faça a di-

frença no ano que aí vem.

Inês Balreira

“Queremos, de uma vez por todas, passaruma imagem forte da académica ”

Presidente eleito da direção-geral da Associação

Académica de Coimbra

ENDA define ações de fim de anoDirigentes associativos

decidiram unanimemente

levar a cabo o “natal

negro no Ensino superior”,

um conjunto de ações

concertadas para

pressionar a tutela

No passado Encontro Nacional de

Direções Associativas (ENDA), que

decorreu no dia nove de dezembro

em Braga, foi votada, por unanimi-

dade, a moção “Natal Negro no En-

sino Superior” que define o conjunto

de ações concertadas a levar a cabo

pelo movimento associativo no final

do ano civil de 2011.

Com a ação social escolar (ASE)

como principal ponto de discussão,

os dirigentes, reunidos no Minho,

apontam os protestos para os dias

20, 21 e 22 deste mês como forma de

pressionar a tutela a ouvir os estu-

dantes. No primeiro dia as associa-

ções académicas vão lançar a

imagem do plano de ações para os

meios de comunicação e internet, no

segundo haverá ações simbólicas a

nível local por todo o país e no ter-

ceiro vai ter lugar uma conferência

de imprensa e entregarão um mani-

festo pela ASE na Assembleia da Re-

pública (AR), para onde está

marcada uma vigília noturna no

mesmo dia (ver caixa).

Segundo os dirigentes reunidos

no encontro, o protesto avançou

para contestar os atrasos nos pro-

cessos de atribuição de bolsas de

ASE e contra o que dizem ser a in-

suficiência do regulamento da atri-

buição de bolsas em responder às

reais necessidades do país. Esta de-

cisão foi também tomada porque a

opinião dos dirigentes académicos –

segundo a qual o governo não tem

ouvido as reivindicações dos estu-

dantes – converge no que toca à

postura adotada pelo Ministério da

Educação e Ciência (MEC).

Na quarta feira passada, dia sete,

várias associações académicas do

país, das quais se conta a de Coim-

bra, reuniram-se com o Secretário

de Estado do Ensino Superior, João

Queiró. O presidente da direção

geral da Associação Académica de

Coimbra (DG/AAC), Eduardo Melo

alinha pelo mesmo tom e mostra-se

crítico: “a única coisa que posso

dizer desta reunião é que continua-

mos bastante apreensivos e sem res-

postas em relação aos problemas

concretos dos estudantes”. O presi-

dente da Associação Académica da

Universidade de Aveiro, Tiago

Alves, aponta, igualmente, que a

falta de diálogo é “um dos graves

problemas deste ministério”.

Na altura em que começam a ser

conhecidos os primeiros dados

sobre o processo de atribuição de

bolsas, Eduardo Melo considera que

“esta é uma forma também de pres-

sionar para que haja maior proximi-

dade entre a secretaria de estado e

MEC, que esse diálogo seja mais

produtivo”.

Quanto às ações estipuladas pelo

ENDA para os dias 21 e 22, a moção

não prevê a mobilização de estu-

dantes. Tiago Alves afirma que o

grande objetivo é que “as ações

sejam levadas a cabo ao nível dos di-

rigentes estudantis” mas não fe-

chará portas a “quem queira parti-

cipar”. Eduardo Melo lembra a

especificidade das datas, nas quais a

maioria dos estudantes está a estu-

dar para os exames, justificando

assim a ausência de uma grande

mobilização, mas também pelo ca-

rácter “mais mediático das ações

para ter mais espaço na opinião pú-

blica”.

O vice presidente da Associação

Académica da Universidade de Trás

os Montes e Alto Douro, Sérgio Mar-

tinho, faz um balanço “bastante po-

sitivo” deste ENDA extraordinário

pela “união das académicas que

houve” e acredita que este é “o iní-

cio de uma conversação com a tutela

que se deverá alongar no princípio

do próximo ano”.

Camilo Soldado

dia 22 os dirigentes associativos vão entregar um manifesto pela ase na assembleia da república, seguido de uma vigília noturna

d.r.

A VOZ DAS SECÇÕES

20 de dezembro- Lançamento nacional da imagem

corporativa do plano de ações

21 de dezembro- Ações simbólicas a nível local

como a criação de árvores de natal ne-gras e faixas negras em locais icónicos

22 de dezembro- Conferência de imprensa na As-

sembleia da República (AR) e entregade um manifesto pela ação social noensino superior

- Vigília noturna na AR

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CulTurA6 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

cápor

15DEZ

músicA

sé velhA

21h30 • s/iNfOrmAçãO

cultura

20DEZ

ciNemA

mscAv • 21h30eNTrAdA livre

cONversA iNfOrmAl

ceNTrO de ArTes visuAis

18h00 • eNTrAdA livre

deBATe

cAsA dAs ArTes • 21h30eNTrAdA livre

15DEZ

ArTesANATO

cAsA muNicipAl dA culTurA

TOdO O diA • eNTrAdA livre

Por Rafaela Carvalho

músicA

váriOs lOcAis

váriOs hOráriOs • eNTrAdA livre

14DEZ

TeATrO

TcsB • váriOs hOráriOs

6 A 10 eurOs

ciNemA

fNAc • 21h30eNTrAdA livre

lANçAmeNTO de livrO

sAlA 1 dO ces 17h30 • eNTrAdA livre

MusIC PorTrAITurE – foTogrAfIA E MúsICA

dANçA

TAgv •14h00/20h0010 eurOs (suJeiTO A iNscriçãO)

“JuVENTuDE EM MArChA”DE PEDro CosTA

7JAN

“luzEs E soNs DE NATAl”

ANIMAIs NoCTurNos

CoNCErTo DE NATAl

Do Coro DA oCC

“o MENINo JEsus

NA Mão DA ArTE”

“A ÁrVorE DA VIDA” DE TErrENCE MAlICk

“ETNogrAfIA E INTErVENção

soCIAl Por uMA PrAxIs rEflExIVA”

ofICINA CoM ANToN skryPICIEl

CoNVErsAs sobrE CINEMA

Até

18DEZ

Até

14DEZ

15 e 16DEZ

15 a 29JANDEZ

28DEZ

NOTA: AlguNs dOs eveNTOs referidOs sãO suspeNsOs durANTe

épOcA fesTivA e reTOmAdOs em JANeirO de 2012

O CITAC mostra o monstro

Estamos prontos?”, perguntao encenador Rodrigo Santos

aos atores, que, por detrás dospanos negros do estúdio do Círculode Iniciação Teatral da Academiade Coimbra (CITAC), se iam pre-parando, e ultimando os últimosretoques para começar o ensaio.“Monstro Meu” é a peça a estreardia 14 de dezembro, ficando por láaté ao dia 19.A sala encontra-se às escuras e oensaio começa. “É provável que eumande bitaites, mas divirtam-se”,avisa Rodrigo Santos. E os atoresdivertiram-se. A empatia entre oencenador e os membros doCITAC é notável, apesar de ser aprimeira vez que trabalham juntos.No palco, surge uma criatura quenos faz lembrar o pequeno robô dofilme “Wall-E”. Depois, o conflitode uma atriz que acordou do pesa-delo de ter tratado o texto por você– e não por tu. A peça continuacom uma desconstrução de con-ceitos: o conceito dramatúrgico e ode conteúdo. O encenador traba-lhou na aposta de fornecer forma-ção aos atores, pois sabe que estáa lidar com “ um grupo de pessoasde passagem” e não com atoresprofissionais. “Eu quero que osatores fiquem com noção do que éconstruir um espetáculo”, afirmaRodrigo Santos, daí o grupo dosatores do CITAC ter acompanhadoo processo tanto de criação de tex-tos originais, como de citações. Eassim, “o texto foi-se construindo”,completa Viviane Andrade, mem-bro do CITAC.O público é convidado a intervir eé revelada a verdadeira essência doCITAC: a atitude arrojada, críticae interventiva. A encenação de Ro-drigo Santos ajuda neste exemplo

de caráter: “Monstro Meu” aliciaaté ao mais distraído dos espeta-dores a uma postura cada vez maiscívica, mais social e mais crítica.O trabalho da produção tem sidoum misto entre o tranquilo e o fre-nético. “Eu venho de uma compa-nhia que está habituada atrabalhar em cima do joelho, comprazos curtos e ideias originais, etentei fazer isto no CITAC”, explicao encenador. Deste modo, ele tentaque o grupo de atores tenha anoção de como um espetáculo éfeito do início até ao fim, sem es-quecer a economia de custos e detempo. Anabela Ribeiro, membrodo CITAC, apelida este trabalho de“montanha-russa”: “é a cena das

emoções, do que é que é o textonos dá para termos a persona-gem”. Isto, em pouco tempo.“Monstro Meu” relaciona váriaspersonagens com vários contextos,mas com uma linha organizada. “Apeça, no geral, tem uma espinhadorsal para chegar às emoções, àlinguagem de espetáculo”, explicaViviane Andrade. Ao público, épossível passar por vários estadosde emoções através das represen-tações dos atores. “Mexemos emcoisas da infância, como é criar osnossos próprios monstros. Coloca-mos isso na nossa linguagem e es-peramos que as pessoas fiquemtocadas, de uma forma ou deoutra, com isso” acrescenta Vi-

viane.O objetivo essencial desta peça,qual limbo temporal onde se cru-zam diferentes conceitos como in-fância, democracia e até oreferendo grego, será provocarreação no público. Mas não umareação qualquer. “Quero que o pú-blico tenha tomates. Se não gostarda peça, abandona a sala”, afirmaRodrigo Santos. Não quer com istodizer que as expetativas para a es-treia não são boas, de todo. “É umapeça que tem o tempo certo para otipo de comédia que é e humor quetem”. Por isso, “as expetativas sãoboas e eu estou contente”, revela oencenador.Com Mariana Santos Mendes

No dia sete, a Arte àParte celebrou o seu aniversário, com um concerto de José Valente,onde se promoveu um diferente tipo de solidariedade e partilhacultural

No palco estão poucas coisas, nãohá luxos. No centro uma mesa, ro-deada de uma cadeira e dois can-deeiros. À parte de objectoseletrónicos básicos, alguns instru-mentos de percussão completameste cenário quase vazio. As crian-ças e jovens na plateia começam a

ficar irrequietos, o concerto já erapara ter começado há largos minu-tos. Eis que José Valente surge decima com o seu violino e inicia umdesfile até ao palco enquanto toca einterage com os espetadores.

É o convidado para o habitualconcerto de aniversário da Associa-ção Cultural de Música e TeatroArte à Parte, realizado no dia setede dezembro, no auditório do Ins-tituto Português da Juventude. Aassociação, instituída em 2007, ce-lebra agora o seu quarto aniversá-rio. Segundo Adélia Pinto,presidente da mesa da assembleiada associação Arte à Parte, “o pro-jecto teve as suas origens numaideia chamada Ópera «Bichus»,que, na altura, integrava as come-morações do centenário do nasci-mento de Miguel Torga”.Atualmente, conta com um número

de sócios entre os 60 e os 70 ele-mentos. A comemoração do aniver-sário contou com a presença deinstituições de caridade que aco-lhem crianças órfãs e carenciadas,uma ideia que já tinha sido concre-tizada o ano passado e que este anofoi acolhida no IPJ de forma a rece-ber uma maior quantidade de jo-vens.

O incentivo à partilha cultural,mais do que económica ou mate-rial, foi o mote para esta celebração.Questionado sobre o grande déficecultural que se assiste no país e nacidade de Coimbra, o músico dizque é “difícil manter um equilíbrioentre sobreviver e a perceção deque se é um cidadão e se tem res-ponsabilidades na sociedade”.

A ideia de trabalhar com José Va-lente partiu do próprio, “ele entrouem contacto connosco, houve ali al-

guma empatia” diz ainda AdéliaPinto. O músico confessa que “a in-tenção é criar uma tradição”, reve-lando assim um desejo de repetir ainiciativa nos anos que se seguem.O concerto surge como alternativapara aqueles que não têm possibi-lidades económicas para frequentaroutro tipo de eventos culturais.José Valente diz que “até podemnão gostar nada, mas há aqui umaalternativa”. A fuga às típicas açõesde solidariedade foi outra preocu-pação do artista, que afirma quererafastar-se dessa relação de cari-dade. “Eu sou músico, não precisona realidade de ajudar alguém acomprar qualquer coisa. Posso sersolidário oferecendo música”,acrescenta ainda. Nas palavras deAdélia Pinto, o desejo é que “o es-pírito de solidariedade e colabora-ção continue”.

Uma alternativa ao materialismo cultural

AnA duArTe

A peça é fruto do projeto apresentado para o concurso de encenação lançado pelo CITAC

João Valadão

Entre 14 e 19 de dezembro, o CITAC lança um convite à intervenção crítica, com apeça “Monstro Meu”. De uma forma pouco convencional, o público vê-se diantede um limbo temporal, onde as emoções se cruzam com o humor. Por Ana Duarte

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CulTurA

(N)o imaginário eclético de Paula RegoA decorrer desde 20 de novembro a 19 de fevereiro, na Casa dasCaldeiras, está a exposição “My Choice”,de Paula rego, que jápassou por Cascais e pelo Porto

“Escolhi apenas aquilo de quegostei. Não escolhi imagens porcausa do nome do artista ou porserem consideradas historicamenterelevantes”. É assim que a pintoraPaula Rego descreve a exposição“My Choice”, agora presente naCasa das Caldeiras, onde são exibi-das obras da coleção do BritishCouncil – uma organização inter-nacional que tem como intuito pro-mover a inovação tanto nas artes,como nas ciências e, sobretudo, nalíngua -, escolhidas pela própria. Aexibição começou por ter lugar na

Casa das Histórias, em Cascais, edepois seguiu para o Porto, para aFundação EDP.

Já em Coimbra, a Sala do Carvãofoi o “gabinete de curiosidades” es-colhido para acolher as obras sele-cionadas por Paula Rego. E o termo“gabinete de curiosidades” não vemao acaso. Um dos curadores da ex-posição em Coimbra e professor doColégio das Artes, João Maçãs deCarvalho, afirma que “é uma salacom uma tradição de exposiçõesmuito grande, com os Encontros deFotografia em Coimbra”. Com eleestá António Olaio, também cura-dor e professor do mesmo departa-mento: “imaginámos logo que aliseria o sítio indicado”. Também oarquiteto João Mendes Ribeiro, quetraçou a reabilitação do edifício, é– curiosamente – um participanteativo na conceção da exposição.“Apesar de ser um espaço multidis-ciplinar, é muito importante e inte-ressante que se inaugure a Sala doCarvão como sala de exposições,ainda para mais com uma coleçãonotável da escolha de Paula Rego”,refere o arquiteto.

A logística desta atividade coube

não só aos curadores, mas tambémà reitoria da Universidade de Coim-bra (UC). A vice-reitora para a Cul-tura e Comunicação, Clara AlmeidaSantos, explica que era interessanteter “ uma componente ligada à uni-versidade”, o que distingue a expo-sição em Coimbra dos outros locais.Para isso, foi feito um workshopcom alunos de Arquitectura, Designe Multimédia e Estudos Artísticosda UC e uma master class com umtécnico de Londres (da BritishCouncil) e com o primeiro galeristada Paula Rego, Robert McPher-son.

A singularidade da exposição em Coimbra A exposição “My Choice” tomouum novo rumo em Coimbra, dife-rindo bastante das montagens emCascais e no Porto e tendo, porideia de base, a criação de um am-biente de ligação direta entre obrase público. António Olaio explicaque, juntamente com José Maçãsde Carvalho, procurou montar uma“instalação de relação entre aspeças, que fosse tão ou mais im-portante que a sua identificação”. E

o resultado traduz-se num am-biente de “sala de estar” , onde adisposição das várias pinturas, fo-tografias e desenhos remonta a umqualquer espaço doméstico preen-chido com aquilo que de melhor oBritish Council possui, selecionadoquase instintivamente pela pintoraportuguesa. Também para JoãoMendes Ribeiro, a opção da mon-tagem se revela “familiar”: “pareceuma espécie de espaço doméstico,tal como temos as imagens, as figu-ras e fotografias na nossa casa”.Clara Almeida Santos reitera a par-ticularidade da montagem emCoimbra – o tal “gabinete de curio-sidades”: pelo facto de a Sala doCarvão ser negra, a vice-reitora sa-lienta a atmosfera envolvente, pro-vocada por um“sentimentopurificado, onde desfilam as perso-nagens escolhidas por Paula Rego”.

Também as opções da pintoraforam comentadas. João Maçãs deCarvalho considera esta exposiçãocomo “uma escolha muito mais in-tuitiva do que propriamente cura-torial” e afirma que a artista “nãose preocupou em fazer uma exposi-ção coerente” mas sim “uma expo-

sição que correspondesse ao seupróprio imaginário”. António Olaiopartilha dessa opinião e acrescentaque estamos perante “novas leitu-ras sobre as obras, profundamentemarcadas pelo seu olhar forte”.

“A escolha da escolha”A exposição é acompanhada de ses-sões de debate, onde vários convi-dados das mais diferentes áreastêm a oportunidade de escolheruma obra e discuti-la com o pú-blico. A primeira teve lugar no dia30 de novembro, com o arquitetoJoão Mendes Ribeiro como convi-dado. A próxima realiza-se a 11 dejaneiro e a última a 15 de fevereiro.Estas tertúlias pretendem fomentaro interesse que a exposição faz sus-citar nas pessoas que se deslocam àCasa das Caldeiras: “é muito inte-ressante ver o que é que motiva asnossas escolhas e leva a uma refle-xão sobre isso”, comenta Clara Al-meida Santos, deixando ainda oconvite para a participação ativaneste tipo de debates e, sem esque-cer, a visita à seleção de obras deuma das mais célebres artistas por-tuguesas.

olgA juskIewICz

Das 68 obras expostas, encontram-se duas da autoria do falecido marido da artista, o pintor inglês Victor Willing

Ana Duarte

Margarida Fidalgo Pais

nos corredores do Ins-tituto Botânico da Uni-versidade de Coimbraque tudo começa. Os

“bichos” são apresentados, fa-zendo-se acompanhar por umamúsica tipicamente tradicional. Ainteração das personagens paracom o público é imediata, carac-terística principal desta peça quenada tem de convencional. Aqui,são expostas em forma as maisvariadas superstições e crençasque aparecem nas fábulas e estó-rias antigas, que se vieram atransmitir oralmente de geraçãoem geração.

A “viagem” começa, pessoas ca-minham para as mais variadas

cenas, onde lhes é apresentado omundo do fantástico e do mira-bolante, encenado pelos atores doGrupo de Etnografia e Folclore daAcademia de Coimbra (GEFAC),que, em pequenas cenas demons-tram, talvez, os medos e os pres-ságios que ainda se encontramenraizados na sociedade. Porvezes, são representados na formade animais, desde a aranha ao lo-bisomem. Mas também há as cu-randeiras, que tentam extorquir omal instaurado através de rituaisantigos, rituais estes que sãoexemplificados diretamente nopúblico.

“Bichos, Gentes e outros Que-brantos”, sendo uma peça que

não é de todo natural aos olhos doincauto público que se habituou aum “teatro-tipo”- onde se sentame assistem ao mesmo -, vem reve-lar não só a possibilidade de amesma ser adaptada a diversos sí-tios e lugares, bem como se traduznuma maneira de explorar a lite-ratura tradicional, no papel deanimais, onde o diálogo nãoexiste.

O GEFAC traz-nos esta “pará-bola”, que exprime a mistura doreal com o imaginário, realidadeesta que se manifesta nas vozesdos atores. A proximidade do pú-blico com o próprio elenco é cons-tante e, inicialmente, um poucoestranha, mas à medida que se co-

nhece melhor este mundo do so-brenatural, o “convite” a entrartorna-se natural.

Desta forma, este tipo de espe-táculos vem não só dinamizar a 6ªarte, como confere uma essencia-lidade e originalidade de assistirteatro. Consequentemente a pes-soa deixa-se envolver, chegando asentir-se como parte integrantedo mesmo e não um mero espeta-dor, que chegou, senta-se, e nadamais cria com a peça do que asensação audiovisual. Em “Bi-chos, Gentes e outros Quebran-tos”, as emoções são impossíveisde não aparecer.

Por Mariana Santos Mendes

Em Palco • À noite, entre bichos e superstições

É

AnA duArTe

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DeSPoRTo8 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

Com o princípio utilizador-pagador perto do início, é tempo de secções desportivas da AAC,como a de Badminton,preverem os danos quetal medida poderá causar

Dentro da secção de Badmintonda AAC, a medida de passar a pagarpela utilização do estádio não évista com bons olhos, ainda paramais quando as dificuldades finan-ceiras tanto se fazem sentir. Se asecção, como nos conta o presi-dente Nuno Baía, “não possuiapoios praticamente nenhuns”,torna-se complicado pagar a refe-rida verba pelo Estádio Universitá-rio.

Nuno Baía afirma que não há,nem nas piores previsões, o perigode fechar portas. Todavia, existeum risco grande de perda da com-petitividade da modalidade dentrodo desporto universitário de Coim-bra. Em causa está a séria possibi-lidade de “redução do número deatletas”, apesar de estes, porven-tura, poderem passar a ser os fi-nanciadores do funcionamento dasecção. “Ainda não se percebeu seos estudantes universitários vão terque pagar para representar a pró-pria associação, o que seria algo es-tranho”, afirma Nuno Baía. Estadeverá ser, no entanto, uma deci-são que caberá às secções da acade-mia.

O que, segundo o presidente, pa-rece ser certo, é a não participaçãodo badminton da academia em al-gumas competições nas quais temvindo a fazer figura em anos ante-riores. Apesar do bom desempenho

que tem vindo a ser revelado pelamodalidade, lamenta o presidenteque “os treinos devam passar a sermenos”, de maneira que, conse-quentemente, “não faz sentido par-ticipar em torneios universitáriosem preparação”.

Falta de reconhecimentoNa verdade, o presidente fala,numa altura em que a secção debadminton honrou o nome da aca-demia com um primeiro, um se-gundo, um quarto e um quintolugar nos campeonatos universitá-rios que decorreram em Coimbrano início do mês de dezembro, em“falta de reconhecimento”. “Digni-ficámos, mais uma vez, a AAC”,congratula-se. Ficaram, pelo meio,palavras elogiosas de agradeci-mento a Ailton Rita, coordenador-geral do desporto da AAC, sem oqual “nada disto teria sido possí-vel”.

O basquetebol ficou mais pobre

ntigo treinador da sec-ção de basquetebol daAcadémica, Alfredo

Jorge Robalo dos Santos é lem-brado por todos os que trabalha-ram consigo no seio daAssociação Académica de Coim-bra (AAC). Miguel Portugal, ex-presidente da associação, deixouuma mensagem de condolênciaaos familiares, aproveitando paramostrar a “tristeza com quesoube da notícia”. Nas palavrasdo antigo dirigente, “o basquete-bol e toda a Académica ficammais pobres”. Facilmente secompreende, se olharmos para oseu vasto currículo dentro da As-sociação e do desporto, nomea-damente enquanto responsávelpor este pelouro, e enquanto trei-nador das equipas de basquete-bol universitário feminino emasculino. É também por issoque o ex-dirigente associativoprefere olhar “com alegria paratudo o que o professor conseguiufazer pela Académica” porque,embora seja “um momentomuito triste”, deixou a academiaem muito melhor estado do queestava quando a encontrou.

Com efeito, o professor chegouà Académica no início da época1977/78, para as funções de trei-nador. Rafael Ferreira, ex-coor-denador geral do desporto da

AAC, realça o ano em que teve aoportunidade de trabalhar com oprofessor. “Vi que tinha umgrande amor à casa e aprendiimenso com ele”, afirma. Fa-lando sobre o homem e profis-sional, salienta a “a maneiraapaixonada como trabalhavatodos os dias em prol das causasdo desporto”. Em 2009, foi dis-tinguido com o prémio dedica-ção, na III Gala do Desporto deCoimbra.

Tendo estado à frente das equi-pas universitárias de basquete-bol, feminina e masculina, daAAC, alcançou os títulos nacio-nais universitários. Em 2008, avitória pela equipa femininavaleu-lhe mesmo a obtenção doprémio FADU na categoria demelhor treinador. Também em2010 venceria a competição mas,desta feita, ao leme da equipamasculina. O igualmente ex-trei-nador de equipas como o OlivaisCoimbra e o Sampaense foiainda, ao longo da sua carreira,reconhecido por variadas vezes,como demonstra o prémio Sal-gado Zenha, na categoria de car-reira.

Lado PessoalFátima Valente, antiga membrodo Conselho Desportivo da Asso-ciação Académica de Coimbra,

destaca a personalidade do pro-fessor, dizendo “que era alguémespetacular, uma grande perdapara a cidade”.

Numa vertente mais humana,Carmo Rebelo conheceu bem Al-fredo Robalo, pois foi sua colegano basquetebol, com catorzeanos e, mais tarde, sua jogadora.Por isso, a agora chefe de secçãoda Académica/OAF, que jogoupela equipa feminina de basque-tebol da Académica, afirma tersido com ela “que o professor foipara o clube”. “Era uma pessoaque adorava a modalidade”,acrescenta. E, como pessoa pró-xima, a comoção das suas pala-vras é grande, quando diz que era“um amigo do coração”. A ex-co-lega de Alfredo Robalo aprovei-tou para enviar as condolências àfamília do treinador. “Era umapessoa que levava tudo muito asério”, lembra ainda. No entanto,o também antigo coordenadorgeral do desporto, João Almeida,recorda “a alegria imensa do trei-nador”. “Todos ficaram a admi-rar esta pessoa que tinha umaenergia fantástica para viver”,acrescenta.

Vítima de cancro de pulmão,Alfredo Jorge Robalo dos Santosnão resistiu à doença e faleceu,aos 56 anos, no passado dia 11 dedezembro.

Após a modalidade artística tersido reconstituída no passado mêsde novembro, a secção de patinagemda Associação Académica de Coim-bra (AAC) faz um balanço muito po-sitivo dos primeiros tempos dadisciplina. Afastada de qualquer ati-vidade há já quatro anos, a secçãode patinagem voltou a abrir portas,pelo que conta já com treze atletasfemininas, mais doze do que no úl-timo ano em que funcionou. No en-tanto, embora esteja a haver vastaadesão, pelo menos a comparar comos anos anteriores, o facto de este serum ano introdutório faz com que acompetição não seja, para já, fator alevar em linha de conta. Nas pala-vras de João Rodrigues, presidenteda secção, essa é uma “meta para, se

tudo correr bem, o próximo ano”,apesar de, no fim de semana pas-sado, ter já ocorrido uma demons-tração no Atrium Solum.

Para esta reativação, conta o pre-sidente, muito contribuiu a “possibi-lidade de haver pavilhão” disponívelpara o efeito, assim como a vontadeda nova monitora, Inês Almeida.

João Rodrigues acautela, todavia,que, mesmo que a modalidade vin-gue dentro da academia, é precisoter atenção ao “acréscimo de des-pesa” que ela acarretará, já a contarcom o princípio do utilizador-paga-dor do Estádio Universitário deCoimbra. Nesse sentido, será neces-sária uma abordagem ao cresci-mento sustentável, na medida emque esse aumento deverá significar,consequentemente, um elevar dasreceitas.

Patinagem artística voltaa ganhar força

Badminton pode sofrer quebra

Pessoas de toda a Associação Académica de Coimbra (AAC), do desporto da academia, do basquetebol,da cidade, lamentam o falecimento de Alfredo Robalo. Com um passado imenso no basquete, o treinadordeixa memórias de amizade e respeito. Aos 56 anos, Robalo foi vítima de cancro. Por Fernando Sá Pessoa

A

Fernando Sá Pessoa

Fernando Sá Pessoa

futSAlAAC/oAf x loures16h • Pavilhão engenheiroJorge Anjinho

AndebolAAC x batalha AC17h • estádio universitárionº 3

14DEZ

17DEZ

18DEZ

17DEZ

a g e n d a d e s p o r t i v a

bASqueteestádio universitário Sampaense basket x AcadémicaIPavilhão Serafim Marques

futebolAcadémica-Sf x Gândara18h • estádio universitário

D.R:

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DeSPoRTo13 de dezembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 9

a entrada até ao “palco”,curto, vão dois palmos, nãomais. E o ambiente que serespira na sala, antes de

mais um treino de boxe, é de descon-tração. Percebem-se brincadeiras eprovocações amigáveis, o relaxa-mento normal antes do início. “Oboxe é golpes de punhos e nadamais”, afirma o instrutor Bruno Cor-deiro. ”Já o kickboxing envolve tam-bém as pernas”, acrescenta.

O aquecimento é feito com relativoà-vontade, devido ao muito espaçodisponível. Mas fora da sala, poisclaro. À volta do campo onde crian-ças praticam hóquei no Estádio Uni-versitário, seis elementos – entre osquais duas são raparigas -, preparam-se para o treino com uma corrida apasso lento. Já no seu decorrer, osânimos elevam-se um pouco e os trei-nadores parecem ser os mais empe-nhados. A gestão de recursos obriga aque dois combates entre instrutorese alunos se desenrolem ao mesmotempo, enquanto os outros esperamde fora. No balouçar das cordas queroçam a parede, cai um dos forman-dos, após golpe de pé do tutor. “Istoaqui não é futebol”, brinca FranciscoRodrigues, praticante de ju jitsu queassiste, de fora. Tudo normal. A des-contração dá lugar à seriedade que,envolvida em suor, começa a pesar.

Os ânimos são fortes e não há lugarpara desconcentrações. Em contrastecom a luz, o fumegar das costas dosatletas comprova-o.

Desportos competitivosNo caso da secção de boxe, não é fácilde alcançar resultados competitivos.Apesar do balanço muito positivo doúltimo ano, tanto o instrutor como oseu homólogo Paulo Nogueira são ex-peditos em concluir que é difícil as-segurar regularidade contínua,quando a maioria dos praticantes sãoestudantes. “De trinta atletas, apro-veitam-se cinco ou seis para a com-petição”, afirma Bruno Cordeiro.

Noutra secção da academia, o judo,os valores são nobres. Cultiva-se,num dos maiores clubes da modali-dade que existem no país, “o respeito,a amizade e o ajudar o próximo”.Quem o diz é Nuno Silva, orientadorda secção. E, não obstante o facto, onível competitivo mantém-se alto.

Já na secção de lutas agarradas,onde a greco-romana e a luta livretêm maior dimensão, o treinador Mi-guel Silva é realista ao admitir a faltade competitividade. No entanto, res-salva-se com o bem-estar físico emental que é trabalhado nos prati-cantes. “Ensinamo-los a ter hábitosde disciplina e espírito de sacrifício”,adianta.

Preconceitos à parteUm outro aluno acaba um dos com-bates, ainda durante o treino, comuma mazela na testa. O “confronto”com o professor torna-se vigoroso eambos acabam abraçados, como querefreando os acalorares. Porém, nãose iludam os céticos, porque as van-tagens veem-se também nestas situa-ções. Garante Paulo Nogueira que oaumento do autocontrolo e a descidado stress, associada aos benefícioscardiovasculares são importantes

proveitos deste tipo de modalidades.A verdade, sorri ao dizê-lo, é que“muitos dos alunos entram com osníveis de agressividade altos e saemcomo cordeirinhos”.

No caso das lutas, o treinador olhacom alguma tristeza para a confusãoque as pessoas fazem entre a lutalivre e o wrestling. “É uma palhaçadacontra a regra, que vai contra os prin-

cípios que nós defendemos aqui”,acusa. Porque, segundo o mesmo, asconsequências físicas que advêm daprática das lutas só existem na altacompetição. “É como no futebol”,compara, onde “os jogadores tam-bém acabam com os joelhos desfei-tos”.

“Há bolas de hóquei no ta-pete”Enquanto a sala, limitada, acolhe otreino de boxe, cá fora, na extremi-dade oposta do pavilhão, decorre umtreino de taekwondo. Os uniformesbrancos fazem a sua harmonia con-trastar com a loucura que o campo dehóquei, com crianças trajadas depreto, alberga. Queixando-se de nãoter casa própria, a instrutora AnaSantos afirma que, “por vezes, asbolas de hóquei vêm ter ao tapete, en-quanto pessoas passam por cimadeles”.

Nisso, as secções de boxe e de lutasestão melhor. No seu cubículo - duasmáquinas de pesos e um ringue en-trincheirado -, Bruno Cordeiro re-signa-se: “é o que temos e estamossatisfeitos aqui no cantinho”. Apesardisso, a expressão de conformaçãonão deixa de contrastar com o ins-trutor de judo, que se congratula com“uma das melhores salas do país”.

Com Fábio Santos

Nos recônditos do pavilhão número um do estádio Universitário, bem lá no fundo,existe uma sala. Apertada, com um projeto de ginásio ocultado por colchões que a dividem em dois, cabe nela um ringue, mesmo à medida. É ali que, durante a semana,várias secções de lutas da academia se reúnem para treinar. Por Fernando Sá Pessoa

A luta nos ringues não se faz só do confronto físico

OlgA juskiewiCz

O boxe da AAC continua a obter bons resultados, apesar das limitações da secção.

SecçõeS de lutaS e arteS marciaiS

D

“Muitos alunos

entram com níveis de

agressividade altos e

saem como

cordeirinhos”

Prolongamento

futSAl

A A c a d é -m i c a / O A FFutsal venceuo Operário dosAçores e vin-

gou-se assimdo resultado da primeira volta.Em deslocação às ilhas, a Briosaconseguiu chegar ao nono lugar,estando com 19 pontos. No re-gresso à primeira divisão nacio-nal, a equipa de Tó Coelhoprossegue a sua prestação posi-tiva, estando apenas a dois pon-tos fora da zona do play out.Terá, no próximo dia 14, hipótesede se aproximar desse feito, seconseguir vencer o penúltimoclassificado Loures.

RuGbY

A equipa derâguebi dasecção da AACfoi alcançar, a

Lisboa, umaimportante vitória sobre a CDUL,por 14-8. Com este triunfo contrao segundo lugar do CampeonatoSuperbock, os estudantes podem,praticamente, festejar a presençana final four. A Académica segueno terceiro lugar, cada vez maissolidificado.

futebol

A secção defutebol da As-sociação Aca-démica de

Coimbra foi aocampo do Vigor e Mocidadeobter um difícil ponto, após em-pate a duas bolas. À jornada 12, apermanência está, por enquanto,garantida, quando os 16 pontosestão bem distantes dos sete dolugar do Touring, equipa que estáno lugar imediatamente abaixo(11º posto). Sem grandes motivosde emoção, a Académica estálonge de poder pensar noutrosvoos, tal é a distância que a se-para dos lugares cimeiros.

Andebol

Na primeirafase da zonacentro da ter-ceira divisãodo campeo-

nato nacional, asecção de andebol da AAC conti-nua na luta pela subida. Apesardisso, a equipa dos estudantesperdeu por um ponto na últimapartida, na deslocação ao terrenodo AD Albicastrense (30-29). À18ª jornada, a Briosa segue emterceiro lugar, mas apenas doispontos separam a turma acade-mista do líder Académico deViseu.

Por Fernando Sá Pessoa

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CIDADE10 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

Fio a fio, vai-se fazendo a tradiçãoDistantes do centro urbano de Coimbra, há pessoas que lutam para manter vivas tradições seculares. É esse o caso das tecedeiras de Almalaguês que, através da técnica única de tecelagem que exercem,constituem o maior centro de tecelagem manual da Europa. Por Ana Morais e Inês Amado da Silva

lmalaguês será, muitoprovavelmente, umnome desconhecido

para muitos habitantes de Coim-bra. A localidade, situada a uns es-cassos 12 quilómetros da cidade,algo deslocada do eixo urbano e dedifícil acesso para os que não co-nhecerem os percursos mais ru-rais, parece remetida para umoutro tempo. Um tempo do qual seherdaram as tradições que distin-guem a aldeia e que o próprionome deixa antever. “Começar afalar da tecelagem de Almala-guês”, explica o presidente dajunta, Victor Costa, “obriga-nos arecuar à colonização árabe da Pe-nínsula Ibérica”. O facto de a zonaser marcadamente rural e depouca emigração contribuiu paraque as pessoas “se tenham fechadoem si próprias”, como verifica opresidente: Almalaguês tornou-se,“ao longo do último século, umaaldeia muito isolada de Coimbra”.Desvantagem? O que é certo é quea tradição da tecelagem, ponto demaior interesse da aldeia, “man-tém rigorosamente aquilo que co-nhecemos dos teares árabes e falardo tecer almalaguês é falar do queos árabes introduziram na penín-sula”, explica Victor Costa. A tra-

dição faz parte do dia-a-dia destasgentes, que continuam hoje a tecerconforme o modelo árabe, ao con-trário do que aconteceu noutrasregiões. Em tempos, a tradiçãoterá sido bem mais acentuada – otear servia não só para tecer, masera lá também que os rapazes iamnamorar as raparigas, que canta-vam enquanto teciam.

Os mais velhos recordam aque-les tempos com alguma nostalgia,porque associados a este tipo de

artesanato está uma cultura popu-lar muito singular. O fundador daSede e Museu Etnográfico e Fol-clórico “As Tecedeiras de Almala-guês”, Joaquim Isidoro, conta que,antigamente, “tinha uma tia quetinha mais de 30 mulheres a tra-balhar para ela todos os dias, por-que ia à feira de Montemor de 15em 15 dias”. Recorda também a se-meadura de linho que se estendia

até Penacova - “tínhamos um lagarpara fabricar o linho, mas foi mor-rendo, morrendo”, lamenta.

Maior centro manual detecelagem da EuropaTão singular como a cultura emtorno desta arte é a especificidadede técnicas e materiais. “O tecidofeito no tear de Almalaguês é dife-rente do tecido de outros tipos detear”, garante a presidente da As-sociação Herança do Passado,Emília Pereira, para explicar que atécnica utilizada na freguesia éúnica no país. Maria de LurdesFerreira, de 64 anos, faz parte dadireção d’ “As Tecedeiras de Al-malaguês” e também ela é tece-deira. Enquanto demonstratrabalho no tear, domina eximia-mente um rol infinito de termosdesconhecidos de quem nãoexerce esta arte, como por exem-plo: cabestilhos, tempereiros elançadeiras, objetos indispensá-veis ao trabalho no tear.Victor Costa revela que, em toda afreguesia, se encontram 127 tearesativos, considerando ativo aqueleque tenha uma tecelã a trabalharpelo menos duas vezes por se-mana. Este número contribui paraque Almalaguês possa ser consi-

derado o maior centro manual detecelagem da Europa. Victor Costasalvaguarda ainda que “foi a medoque não se afirmou ser o maiorcentro manual do mundo”, devidoao desconhecimento total da con-centração de teares ativos nos paí-ses orientais.São várias as ameaças que esta tra-dição enfrenta nestes dias: se, porum lado, uma delas parece vir doOriente, como acredita LurdesFerreira, no entanto, a maior pa-

rece surgir no seio da própria lo-calidade. Desde o 25 de Abril quese vem verificando “uma quebraenorme” da produção: com a me-lhoria das acessibilidades e daqualidade de ensino origina-seuma espécie de “êxodo das senho-ras”, como diz Victor Costa. “Nosúltimos anos, tem sido uma neces-sidade imperiosa recuperar e rea-vivar a tecelagem”, alerta o

presidente, perante a ameaça dodesinteresse das novas gerações.Cristina Fachada é um exemploraro no panorama atual da ativi-dade: tem 44 anos, está a tecer há32 e diz nunca ter procurado outraprofissão “porque era isto que gos-tava de fazer”. Antes de trabalharpor conta própria, trabalhou tam-bém em oficinas, mas quis termais possibilidade de criação.Hoje, diz ter já “outro tipo de pu-blicidade”, inclusive um site ondedivulga o seu trabalho, tentando“atalhar por outros caminhos”: “émais prático para os mais jovens”,revela. No entanto, a tecedeira va-ticina um futuro pouco risonhopara a atividade: “para cima dos25/30 anos, essas moças aindasabem tecer, mas para os 20 jánão”. “Neste momento”, lamentaCristina Fachada, “as casas têm otear na mesma, mas não está afuncionar e os jovens não apren-dem”. A tecedeira afirma a suavontade de continuar, mas não es-conde a descrença: “depois daminha geração, acho que [a tradi-ção] vai desaparecer”.

Países nórdicos são pos-sibilidade de mercadoTambém Emília Pereira comentaeste facto, e considera que o negó-cio não foge ao panorama atual -“está em crise”. Ainda assim, a ar-tesã sublinha a necessidade de serepensar o comércio da tecelagemde Almalaguês, mostrando a preo-cupação de se insistir na aprendi-zagem da técnica pelas geraçõesvindouras. É nessa linha que atuaa Associação Herança do Passado,que se apresenta como “um localde formação”, com a realização desucessivos ateliers e workshops.Victor Costa conta, até, que a juntaorganizou uma formação comuma professora vinda de Lisboaque “não foi muito bem recebidapelas tecedeiras”, pois considera-ram a situação como “umaafronta”.

Neste momento, todos concor-dam que o produto terá que seadaptar ao mercado. Emília Pe-reira afirma que os produtos ga-nham um contorno mais visívelnas feiras e exposições de artesa-nato, e afirma que “é preciso ir aoencontro dos clientes”, posiçãoque Cristina Fachada reitera. Vic-tor Costa antevê que o negócioganhe um “futuro a nível interna-cional, nomeadamente nos paísesnórdicos”, e Emília Pereira vaimais longe, assegurando que “a te-celagem de Almalaguês se adaptaa tudo, portanto tudo podemosfazer”. E sugere ainda: “dêem-nosas ideias que nós fazemos”.

A

A tecedeira lurdes Ferreira, de Almalaguês, mostra grande mestria no manuseamento do tear.

“Falar da tecelagem

de Almalaguês

obriga-nos a recuar à

colonização árabe”,

diz Victor Costa

Tecelagem de almalaguês

AnA MorAisinês AMAdo dA silvAinês AMAdo dA silvA

AnA MorAis

“A tecelagem de

Almalaguês

adapta-se a tudo,

portanto tudo

podemos fazer”

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Hoje, verga-se o corpo doAlentejo

LevanTados do chão13 de dezembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 11

Saramago escreveu, em 1980, o livro“Levantado do Chão”. Nele retrata ocaminho que a população de Lavre

tomou para se insurgir contra a miséria rural. Fomos ao Alto Alentejover se esta é ainda a terra de um povolevantado do chão. Reportagem por

João Gaspar e Félix Ribeiro. Fotografia por João Gaspar

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LevanTados do chão12 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

á nesta terra algo que nosfaz pensar, mal a vemos,que já estamos a entrar

no Alentejo. O Homem parece quefugiu daqui. E fugiu, fugiu aos pou-cos. Cercas de arame guardamcampos sem fim à vista, onde ascasas nem sempre existem, equando existem, ou estão sozinhasou se fazem de poucas visitas. Ossobreiros que se plantam aos olhosde quem vê toda esta terra são acara do Alentejo. Árvores cansa-das, de copa pesada e triste, que, aose curvarem, fazem sombra naterra abandonada.

Na verdade, não esperávamosnada de diferente. Os vinte e pou-cos anos não nos trazem outrasmemórias. Nem de lutas de en-xada, nem de trabalho de sol a sol,nem da porrada dos capatazes,nem da terra tomada por quem acultivou. Isso ensinou-nos Sara-mago.

“Durante toda a sua vida não fezmais do que ganhar o pão, e nãotodos os dias (...), que venha umhomem ao mundo sem ter pedido,que passe frio e fome infantil maisdo que a conta, se conta podehaver, que chegando a crescidotenha a fome de redobrar comocastigo por ter sido o corpo capazde aguentar tanto, e depois de mal-tratado por patrões e feitores (...)vai preso como gado...”, diz o nar-rador do livro Levantado do Chão,retratando a vida de João Mau-Tempo, personagem inspirada emJoão Serra, nascido e criado emLavre, e que lá morreu antes depoder ver a sua gente levantar-sedo chão. E como Lavre continua nomesmo sítio, à beira de Montemor-o-Novo, resolvemos ver se era ainocência da nossa idade que nosdizia que já não havia gente levan-tada.

Os corvos, os javalis e abuletaAinda antes de chegarmos a Lavrenos apercebemos de que se, defacto, alguma vez o povo se levan-tou do chão, pouco tempo se man-teve de pé. Em plena

planície, um aglomerado de casascorta com as herdades entreguesao baldio – Foros de Vale de Fi-gueira. Cultivo, até agora, nem vê-lo. Milhares de hectares depois, oúnico terreno que vemos cultivadoé a horta do Ti Joaquim. Do altodos seus 83 anos, a horta é de umhomem que viveu para além do Es-tado Novo, do 25 de Abril e da Re-forma Agrária. E, na hora delevantar o dedo, é ao presente queaponta: “olha, na dele, os bichospassam fome”. A dele? É uma daslargas terras que a poucos perten-cem: os latifúndios. A terra nin-guém a trata, do gado também não.Sem pasto, esse morre de fome e asua carcaça, sem servir para nadamais, vira alimento de corvos, quese fazem ouvir todos os dias na pe-quena aldeia. Já os javalis, à faltade fartura, galgam cercas e vegeta-ção para entrar nas hortas de quemjá tão pouco tem. Ainda que aban-donados, os terrenos quase invo-

luntariamente produzem. Ossobreiros, azinheiras e oliveirasque se prostram pelas planícies emontes alentejanos dão fruto queé esquecido, como o terreno, e sedeixa ficar no chão, sem que nin-guém o possa apanhar.

“Há buleta à farta, mas murtam-nos se a apanharmos”, lamenta TiJoaquim. Se a GNR, e não estamosaqui a duvidar do cumprimento doseu dever, não hesita em puni-lo,José Saramago absolve-o. “Apa-nhar a bolota do chão não é roubar,e que fosse, a fome é uma boa razãopara roubo, quem rouba por preci-são tem cem anos de perdão, bemsei que o ditado não é assim, masdevia ser, se eu sou ladrão por ir

roubar bolota, ladrão é também odono dela, que nem fabricou aterra nem plantou a árvore e apodou e a limpou”, reza assim Sa-ramago em seu livro.

Por sorte do acaso, parou o carrode Custódio Gingão enquanto con-versávamos com Ti Joaquim. De-putado parlamentar pelo PCP nosanos de 1976 a 85, conta-nos os nú-meros que fazem a memória queaqui toda a gente se orgulha emter: a Reforma Agrária - a terra to-mada por quem a trabalhava. 4000ovelhas, 400 vacas de ventre, 300cabris, 70 toneladas de azeitona.“Disto, desapareceu tudo”, senten-cia o antigo deputado. “A reformaagrária acaba, tomam-nos as ter-ras. Depois, os donos ficaram coma terra e deixaram de produzir. De1170 habitantes, 300 foram para aSuíça”. São ainda menos agora, di-vididos entre pensionistas, desem-pregados e funcionários do lar deidosos. “Isto é uma vergonha, voutentando sobreviver”, como tentamos corvos e os javalis. Ti Joaquim,abalado e de olhos molhados, so-brevivente ainda, condena: “isto ésempre o que os homens querem”.

Isto não é o Estado Novo; dessestempos, Idalina Matias e AlbertinaCanelas, que entretanto se junta-ram à conversa, lembram a traves-sia que suas mães tomavam nostempos do sol a sol, atravessandoribeiras apoiadas em cajados, por-que o corpo moído quase não eradelas, mas do trabalho, duro e in-grato, e nem esse agora existe.

Idalina, na altura gaiata mas já afazer trabalho de mulher, viu a in-justiça do latifúndio, viveu a far-tura da Reforma Agrária e agora,com 265 euros por mês, mal da co-luna e das mãos, a dever na farmá-cia e a dever no supermercado, dizque a sua tiroide come mais do queela, mas, mesmo assim, preocupa-se mais connosco: “isto para vocêsestá pior”. Ti Joaquim também nosavisa: “não chegam à minha idade,mas Deus queira que cheguem”. Éele, como que um pai para Idalina,que lhe põe o pão na arca quando,

calculamos nós, a tiroide assim opede.

As vizinhas abalaram, o ex-de-putado também, ficamos nova-mente sós com Ti Joaquim, diantede sua casa, que se mantém de péhá 40 anos, construída com as suaspróprias mãos e com a generosi-dade do velho Cunhal, seu antigopatrão que lhe emprestou “as má-quinas todas” e que ainda lhe que-ria oferecer a madeira: “fossemtodos os ricos assim”. Foi tambémo velho Cunhal que, no dia 23 deJunho de 1958, se abeirou peranteos seus trabalhadores, entre eles TiJoaquim, e informou: “olha, mata-ram um camarada nosso lá emMontemor”. Fora José Adelino dosSantos, assassinado a tiro pelaGNR numa manifestação emfrente à câmara. Pobre coitado,pedia apenas trabalho, como os deagora. E voltemos a Saramago, queem seu livro transcreve as palavrasdos 700 que estavam ao lado da-quele que mais tarde sairia de lácadáver: “queremos trabalho, que-remos trabalho, que mundo estehaver quem de descansar faça ofí-cio e quem trabalho não tenha,mesmo pedindo”.

Mais de 50 anos se passaram,mas o tempo passou ao lado dapertinência das palavras. Provadisso, são as que Ti Joaquim usapara retratar um passado recente,depois de acabada a Reforma Agrá-ria, devolvidas as terras aos antigosproprietários e ainda a entrada dossubsídios da Política AgrícolaComum com Portugal na Comuni-dade Económica Europeia (CEE):“gastaram dinheiro em casas e car-ros. Era uma coisa doida. Pagarpara não produzir – a maior vergo-nha do mundo”.

O que mais há na terra épaisagemFeitas as despedidas, rumamos aLavre, espaço principal do ro-mance de Saramago. Até lá, apenasgado e a mesma terra sem cultivo.No cimo de um monte afiguram-se-nos as típicas casas

brancas alentejanas, e, de lá, ga-nham forma as palavras com queSaramago começa o seu livro: “oque mais há na terra, é paisagem”.Em passos calmos, que se fazem dacompanhia de uma bengala, Ade-lino Matias, a um dos 90, encostaa sua velhice a uma parede paranos dizer que antes do 25 de Abrilganhava pouco, é certo, mas “haviatrabalho com fartura. Agora nãohá”. Viridiana Lopes, sentada aolado, também ela a fazer uso da sua

bengala, concorda com Adelino.“Antes havia muita miséria. Andá-vamos a martirizar o corpo, maspelo menos havia trabalho”. Pa-rece-nos difícil pensar que hou-vesse algo de positivo nesse tempocruel. A palavra cruel não é usadaaqui ao desbarato. Viridiana,quando ia trabalhar, via-se forçadaa guardar os filhos num caixotepara que estes ficassem protegidosda chuva. No verão, outros filhosde outras mulheres, conta-nos ela,apenas com meses de vida, eramdeixados debaixo da sombra dossobreiros, enquanto os pais se en-tregavam ao lavor da terra. Azara-dos alguns, que não chegavam atempo. O Sol avançava, a sombramudava de lugar. Foi assim que vá-rios filhos se perderam com a inso-lação. Adelino, de olhos muitoazuis, lembra, por sua vez, que porqualquer coisa “era logo umasova”. “Éramos escravizados. Eupassei por isso tudo”. Para além dotrabalho feito de pancada, a co-mida também era pouca: “comía-mos o que havia, até ervas paraencher a barriga”, comoas carrasquinhas(talos de

Os javalis,

à falta de fartura,

galgam cercas e

vegetação para

entrar nas hortas

Viridiana via-se

forçada a guardar os

filhos num caixote

para que ficassem

protegidos da chuva

H

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13 de dezembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 13

LevanTados do chão

cardos selvagens). Já não estamosno Estado Novo, Viridiana já nãotem que comer ervas para encher abarriga, o seu almoço, e que vaitambém ser seu jantar, é “um pratode arroz com um ovo lá dentro”.Grande mudança. Para Adelino, écada vez pior, resta-lhe o desejo deque mesmo “esse poucochinhoDeus queira que não acabe”.

É a fome que leva ao fiado, já noscontava Saramago: “andou JoãoMau-Tempo a curtir a vergonha dedever e não poder pagar (…), eagora é ele quem vai de loja em lojaa dizer o recado, e quando é mal re-cebido, faz de conta que não sente,o padecer tornou-lhe rija a pele, anecessidade que o leva não é ape-nas sua. Senhora Graniza, o pes-soal está em luta pelas oito horasde trabalho e os patrões não que-rem vir ao acordo, por isso estamosem greve, venho pedir que esperetrês ou quatro semanas”. SenhoraGraniza, que foi na verdade MariaSaraiva, mãe de Elvira, que servenuma taberna perto do coreto deLavre. “As pessoas estão outra veza pedir fiado como antes do 25 deAbril”, lamenta. Ainda antes de Sa-ramago passar serões em sua casa,entrevistando sua mãe, Elvira re-corda, impressionada, de quandogaiata, na loja da “Senhora Gra-niza”, via como se alimentavam asfamílias dos camponeses: “era tãopouco, tão pouco, fazia-me confu-são ver como conseguiam comercom tão pouco”.

A herança comunistaManuel José, na taberna, entra naconversa, alvitrando o que nos foisendo comum ouvir ao longo danossa visita: “o Alentejo perdeumuito com o capitalismo”. “A maltaapertou, mas os capitalistas aguen-taram-se”, diz, recordando-se doque para muitos é o seu maior mo-tivo de orgulho – a Reforma Agrá-ria. “A gente tem umas saudades

desse tempo”, diz Elvira aCaracol, o

que suscita neste um desabafo sen-tido: “porra!”. E depois do saudo-sismo logo surgem as críticas aopresente e aos subsídios de apoio àcriação de gado dados pelo Minis-tério da Agricultura. “Eles [latifun-diários] só querem os animais parao subsídio”, acusa Elvira. FernandoJosé do Rosário, ou como toda agente o chama, Caracol, ataca nãosó esse subsídio como todos os ou-tros, como por exemplo o incentivoà não produção ou à plantação deoliveiras: “não haviam de recebersubsídio nenhum, esse devia serpara a gente”. Mas, como o própriodiz, “contra a força não há resis-tência” e Caracol resignou-se aaceitar que as terras, que na Re-forma Agrária foram tomadas pelopovo que as queria trabalhar, vol-tassem aos antigos proprietários.Isto pode explicar a aversão quevimos ao capitalismo. Ainda antesde falarmos com Caracol pela pri-meira vez, um seu amigo apontou-lhe o dedo e gracejou: “fostesempre um lacaio dos capitalistas”.

Aqui não há amigos nem de Ca-vaco Silva nem de António Barreto,pelo papel que lhes apontam no re-trocesso da Reforma Agrária. El-vira, assim que refere a sua opiniãosobre Cavaco, meio a medo, dá umpasso atrás: “eu aqui a falar mal doCavaco e vocês se calhar gostamdele”.

Esta gente aqui veste-se de ver-melho. Desde as primeiras autár-quicas, em 1976, que a CâmaraMunicipal de Montemor-o-Novo égovernada pelo Partido ComunistaPortuguês, sozinho,

Depois de Saramago, está o povo levantado do chão?

“Que o primeiro-ministro venha cá ver se estamos levantados”Marcolino Ferreira

“Há que ler o livro do Saramago para não querermos voltar a esse tempo.As pessoas têm que ter algo para se levantar e se fixar neste chão. Precisa-mos de pessoas que olhem para este chão”

Ângela Catarino

“Perdemos tudo pelo que lutámos. Temos que nos levantar novamente dochão”

António Joaquim

“Agora forma-se inveja, ódio que nesse tempo não havia. Isto já está quaseno tempo da PIDE, só com denúncias, piquices e mesquinhices. Viver, traba-lhar, ajudar – tudo isso era o levantado do chão. Já não se vê isso”

Daniel Dias

“A memória é o que lhes resta. Aproveitaram para ter talvez o seu único ver-dadeiro momento de democracia para entrarem para a História, e que aHistória entrasse neles adentro”

Paula Godinho

“A dinâmica social e a imaginação criativa que houve naquele período dedois anos não morreu, e em certos contextos pode-se revelar mais facil-mente”

Pedro Hespanha

“Levantámo-nos, mas estamos outra vez a cair”

António Joaquim de Alponedro

“Traduzo a ideia do levantado do chão como um povo que foi construindoa sua consciência de classes e de começar a procurar os seus próprios

caminhos. Hoje não temos a possibilidade de encontrar o nosso caminho”Carlos Pinto de Sá

Em Lavre,

não há amigos nem

de Cavaco Silva

nem de António

Barreto

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LevanTados do chão14 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

ou em coligação. É óbvio o orgulhocom que António Joaquim de Al-ponedro recorda as visitas deVasco Gonçalves a José Saramago,na freguesia de Lavre, durante asquais seguia em frente da comitiva,na sua bicicleta, tal qual um bate-dor, de forma a garantir a segu-rança dos ditosos visitantes, nosagitados tempos do verão quentede 1975. Não obstante os serviçosprestados a Vasco Gonçalves e aoNobel português, António Alpone-dro recebe apenas 300 euros pormês, vai-se governando com oapoio do lar de idosos, onde lhelavam a roupa e o alimentam porapenas um euro e meio. A rendanão a tem pago: “há aí uma se-nhora muito rica que eu acho queme paga a renda. Ela diz que não,mas eu vou à Casa do Povo e estápaga”.

A UCP Boa EsperançaApesar de este ato anónimo de al-truísmo a António Alponedro, Da-niel Dias, o presidente da UnidadeColectiva de Produção (UCP) BoaEsperança, uma das poucas queainda subsistem, pegada da Re-forma Agrária, considera que haviauma união entre as pessoas quenão há agora: “a reforma trouxe fe-licidade”. As diferenças não se es-tancam no comportamento dapopulação. A ver: quando a UCP seformou chegou a ter 374 funcioná-rios, produziu duas mil toneladasde cereais em 76 e 77 e possuía seismil hectares de terra. Hoje, a BoaEsperança emprega seis pessoas,detém apenas 20 hectares, commais 300 arrendados, já quase nãoproduz cereais e mantém-se à basede gado e serviços a proprietários.

Daniel Dias encontra justiça nomote da reforma: “a terra a quema trabalha”. Não que seja necessa-riamente contra a entrega de terrasaos latifundiários, mas “injusto é oproprietário não produzir nada”.Dos investimentos feitos nas terrasque mais tarde foram obrigados adevolver – gado, maternidadespara porcos, vacais, instalações –não viram um tostão e, ainda paramais, nas terras onde antes, comodiz, recebiam das próprias mãos,viram ser plantados hectares de pi-nhal, subsidiados pela CEE.“[Antes] as pessoas ganhavam parao que produziam e achavam queestava bem. Sabiam que tinhamtrabalho, e disso, tenho saudades”,desabafa.

“Trigo, cevada, tabaco, milho,tomate, vacas leiteiras, ovelhas…”,enumera António Joaquim, tesou-reiro da Boa Esperança, lembrandoos tempos áureos da UCP que re-presenta. Como primeira macha-dada, António Joaquim apontapara a chamada Lei Barreto, quevinha, em 1977, impor limites à Re-forma Agrária, com desocupaçõesde terras, termo das UCP’s e aindaa atribuição de indemnizações aosantigos proprietários. “Quantasmarchas até a Lisboa? Quantasmarchas a trator? Quantas mani-festações em Évora e Montemor?Ouvidos moucos, até em tribunal.Nunca nos foi devolvida terra ne-

nhuma”.

Um povo curvadoÂngela Catarino, nascida em Évora(mas só para nascer), está no seusegundo mandato como Presidenteda Junta de Freguesia de Lavre.Nascida já depois da apoteose daReforma Agrária, Ângela, com osseus 33 anos, do pouco que se lem-bra, recorda que todos os pais dosseus colegas trabalhavam na agri-cultura. Agora não é assim, “ti-rando os postos de trabalho noturismo, no lar e na valência deidosos, não existe trabalho na Fre-guesia de Lavre”. Os terrenos àvolta de Lavre, pertencem, na suagrande maioria, “apenas a duaspessoas”, conta-nos. Para a presi-dente da junta, a política do incen-tivo à não produção “tem sido umdesastre”. “O abandono das pes-soas está ligado ao abandono da re-forma [agrária]”, o que sentencia oseu trabalho: “é um ato de coragemser-se presidente de junta no Alen-tejo – as pessoas tudo perdemaqui”.

E, segundo Saramago, antes nemchegaram a ter: “Ai minha santamãe, que um homem vai rebentarde tanta fome, e os filhos, que doueu aos filhos, Põem-nos a traba-lhar, E se não há trabalho, Não

faças tantos”. O Nobel português inscreveu nas

suas páginas a magia da humani-dade feita num único movimento –o levantar do chão. Contra a opres-são e a miséria, este foi um povoque encontrou e fez o seu própriocaminho. Todavia, na nossa via-gem, lamentamos ver o mesmopovo, ainda de pé, pela força da ob-rigação, mas certamente curvado,demasiado próximo do chão.

“Do chão sabemos que se levan-tam as searas e as árvores, levan-tam-se os animais que correm oscampos ou voam por cima deles,levantam-se os homens e as suasesperanças. Também no chão podelevantar-se um livro, como uma es-piga de trigo ou uma flor brava. Ouuma ave. Ou uma bandeira. Enfim,cá estou outra vez a sonhar. Comoos homens a quem me dirijo”.

Recordemos novamente AntónioJoaquim de Alponedro, o mesmoque, de bicicleta, abria caminho eprotegia Saramago de eventuaisinimigos. “Eu acho que se ele viessecá, morria de desgosto”. José Sara-mago morreu há pouco mais de umano, mas duvidamos de quem nosseja capaz de dizer, em boa ver-dade, que vendo o povo curvado,um homem não possa morrer duasvezes.

A 29 de julho de 1975 sai o pri-meiro decreto-lei, 406-A/75, que vemenquadrar legalmente as ocupaçõesde terras que já estavam a ser em-preendidas por parte dos trabalhado-res rurais, logo a seguir à revolução,sob o mote “a terra a quem a traba-lha”. O mesmo vem determinar a ex-propriação de todos os terrenospertencentes “a pessoas singulares,sociedades ou pessoas coletivas de di-reito privado (…), se verifique corres-ponderem a mais de 50 mil pontosou, independentemente desse requi-sito, ultrapassem os 700 hectares”. Alei, segundo o sociólogo Pedro Hes-panha, surgiu como “um processo dejustificação da legalidade da ocupa-ção”, sendo que as primeiras tomasde terra foram despoletadas pelanoção de uma legitimidade ética pre-sente nos trabalhadores.

O aclamar de justiça remete-nospara o funcionamento do latifúndio,sistema agrário mais comum noAlentejo do pré-25 de abril. Estasgrandes extensões de terreno funcio-navam sob os moldes de uma culturaextensiva, em que o proprietário, nãoquerendo investir em adubos ou es-trumações, deixava a terra em longosperíodos de pousio, o que remetia aum emprego sazonal. Não só as áreasde cultivo não tinham grande inves-timento, como se praticava tambémo montado – plantação de árvorescomo o sobreiro – e a reserva de caça.

O gesto do pelicano“Havia terrenos que estavam aban-donados, que não produziam, e haviagente que precisava de trabalhar, pre-cisava de viver”, explica-nos PedroHespanha, também antigo diretor doCentro da Reforma Agrária de Porta-legre, acrescentando que dramáticaseram as situações de falta de traba-lho. Situações essas que se espelhamno pedido que alguns proprietáriosfaziam à população, segundo nosconta a antropóloga Paula Godinho,que investiga a resistência rural:“imitem o gesto do pelicano” – tirardo corpo para dar de comer aos fi-lhos.

Segundo Paula Godinho, com achegada da democracia, o emprego

todo o ano assume-se como a grandereivindicação dos trabalhadores ru-rais, restituindo-se, também, “a fun-ção social da terra - alimentar umapopulação”. Para a investigadora, foium processo de mudança social ruralacelerado; só depois veio a legislação,antes já as populações tinham ocu-pado as herdades depois de lhesverem negada a exigência de em-prego junto dos proprietários.

Em 1975, são aplicados os váriosdecretos-lei que vieram legalizar oprocesso de ocupações. Pedro Hespa-nha considera que surge, em 1976, “oprimeiro resvalar da Reforma Agrá-ria”. Foi suspenso nesse ano o CréditoAgrícola de Emergência – que garan-tia o fundo de maneio para salários einvestimento agrícola – às UnidadesColetivas de Produção (UCP) e coo-perativas que não apresentassem umrelatório de contas completo.

“A segunda ofensiva foi no tempode António Barreto”, enquanto esteera ministro da Agricultura e Pescasno I Governo Constitucional. A ofen-siva veio alterar os 50 mil pontos ex-propriáveis da antiga lei [50 hectaresde terras médias de regadio e 500hectares de terras de sequeiro], para70 mil pontos, e outorgava a possibi-lidade dos proprietários de determi-nar qual a área a ser a readquirida.Isto possibilitou a inutilização de

áreas cruciais para a produção no res-tante terreno, ainda nas mãos deUCP’s e cooperativas. O cariz vinga-tivo das classes sociais afetadas pelaReforma Agrária esteve sempre pre-sente no processo de reaquisição dasterras, como nos expõe Paula Godi-nho: “foi um regresso ao passado mascom revanche – não queriam contra-tar trabalhadores locais porque ti-nham na memória todo o processo”.

O exemplo de Montemor Nas palavras do presidente da Câ-mara Municipal de Montemor-o-Novo, Carlos Pinto de Sá, a situaçãodo seu município é “absolutamentedramática, porque desde a entrada dePortugal na União Europeia ficámossujeitos à Política Agrícola Comum(PAC)”. É esta política europeia queincentiva à não produção através desubsídios. Sobre a PAC, o presidenteda câmara é da opinião de que “o go-verno deveria fazer pressão para queestas políticas de pagar para não pro-duzir fossem alteradas”.

Durante a Reforma Agrária, doisfenómenos ocorreram em Monte-mor-o-Novo. De acordo com CarlosPinto de Sá, a partir do 25 de abril eaté à década de 80, Montemor cres-ceu a uma velocidade superior àmédia nacional: nove por cento aoano. Para além do crescimento de-mográfico, a Reforma Agrária veiotrazer mais quatro mil postos de tra-balho, depois desta se esmorecer, trêsmil se perderam. A demografia noconcelho também esmorece – em1981 eram 20 210 habitantes. NosCensos 2011, contam-se 17 437.

Para Carlos Pinto de Sá ainda é vá-lida a exigência da terra por quem atrabalha, e tece considerações sobreo fim da reforma: “a Reforma Agrá-ria não desaparece por questões eco-nómicas. Existiram mais de 550UCP’s na Zona de Intervenção da Re-forma Agrária. Conheço mais de umacentena e não sei de nenhuma que, aoencerrar as portas, não estivesse a darlucro”. “Foi um processo político”,acusa.

Para os intervenientes no processoda toma de terras, a memória da re-forma é uma da qual se orgulhamprofundamente, como nos contaPaula Godinho: “as pessoas sentiamque podiam fazer alguma coisa”. Eparafraseia as mulheres do Couço,com quem conviveu: “os nossos bra-ços contavam”. Não há lugar para aReforma Agrária hoje. Pelo menos éesta a opinião de Carlos Pinto de Sá:“qualquer iniciativa desse tipo seriatotalmente reprimida e as pessoas se-riam acusadas de não respeitar a pro-priedade privada”.

A engrenagem rural

“Quantas marchas a

trator? Quantas

manifestações?

Ouvidos moucos,

até em tribunal ”

A situação em

Montemor-o-Novo é

“absolutamente

dramática”, afirma

Carlos Pinto de Sá

Fotorreportagem em

acabra.net@

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CIênCIA & teCnOlOgIA

De um gás que provoca efeito de estufa, a Universidade de Coimbra está a criar mecanismos de conversão em compostosaproveitáveis pelasempresas. O ambienteagradece

Os dados são claros. De acordocom os últimos relatórios da Agên-cia Europeia do Ambiente (EEA) e aAgência de Proteção Ambiental dosEstados Unidos (EPA), a quantidadede dióxido de carbono (CO2) emitidapara a atmosfera é já superior à es-perada para o biénio 2011-2012. Im-porta, portanto, sequestrar aqueleque é um dos principais gases res-ponsáveis pelo efeito de estufa. Abí-lio Sobral, investigador noLaboratório de Química Orgânica,do Departamento de Química da Fa-culdade de Ciências e Tecnologia daUniversidade de Coimbra (FCTUC),esclarece que há várias formas dereter o dióxido de carbono que é li-bertado: “basta plantar árvores ouprivilegiar o crescimento de algas”.No entanto, estes são processosmuito lentos e, nos últimos anos,“têm-se usado materiais multiporo-sos inorgânicos para que o processode sequestro de CO2 seja conden-sado logo no emissor, evitando-se aemissão atmosférica”.

Todavia, não é só em retenção dedióxido de carbono que se pensa noDepartamento de Química. “Proje-tos de captação de CO2 já existem. Oque se está aqui a falar é de conver-

ter CO2”, continua Abílio Sobral,concluindo que “a base do estudo éa transformação do dióxido de car-bono”.

Há já quinze anos que as porfiri-nas, presentes no grupo hemo (en-contrado em proteínas como ahemoglobina) e na clorofila, são uti-lizadas em química medicinal. O in-vestigador da UC confirma que “háum trabalho enormíssimo feito comesse tipo de moléculas, dado que sãocompostos fundamentais na cha-mada terapia fotodinâmica do can-cro, que é uma metodologia nãoinvasiva de tratamento”. Em anosrecentes, têm-se descoberto impor-tantes novas aplicações para estasmoléculas, como demonstra o do-cente ao referir que as porfirinas, noestado sólido, “formam estruturastridimensionais multiporosas”. Abí-lio Sobral refere ainda que é “a van-tagem de terem canais dentro dasestruturas cristalinas e a relaçãoárea-superfície em termos de vo-lume que faz com que ganhem im-portância no domínio da químicaambiental”. No fundo, “são compos-tos que podem ser depositados sobrepolímeros, tintas, esponjas ou espu-mas”, explica.

Binómio oferta/procuraAtualmente, ninguém fica indife-rente à problemática da emissão degases com efeito de estufa, sendo oCO2 o mais conhecido pelo públicoem geral. Abílio Sobral entende que“este é um momento muito propício,devido à relação entre a oferta e aprocura”. O investigador consideraque, quando há uma grande procuraaos produtos que podem ser geradosa partir da transformação do dióxidode carbono, “existem enormes opor-tunidades de negócio”. Compostoscomo o metanol, o formaldeído e oácido fórmico são os resultados es-

perados da transformação do CO2 eque, segundo o investigador, “estãoentre os materiais mais consumidospela indústria química. O metanol éum importante combustível e sol-vente industrial, enquanto o formal-deído e o ácido fórmico são agentesde preparação de polímeros e mate-

riais resinosos”.Perceber a lógica desta ideia é re-

lativamente simples. “É como terlixo no quintal e alguém pagar parase dar autorização para levarem olixo. Por exemplo, uma empresa pro-duz 50 toneladas de CO2 por dia econsegue converter, dessas 50, 40

em metanol”, aclara o investigador.Aqui entra a poupança económicasubjacente: “se essa mesma empresaconsumir 40 toneladas de metanolpor dia, deixa de necessitar de sercompradora deste produto. E, aomesmo tempo, paga menos taxas eimpostos sobre a emissão de dióxidode carbono porque, obviamente,deixa de o emitir”, explica Abílio So-bral.

Balanço otimista do projetoNum projeto estabelecido temporal-mente para três anos, o investigadornão deixa de fazer um percurso po-sitivo. “Para o primeiro ano, que estáa decorrer, tínhamos planeado o iní-cio dos estudos e a verificação da ca-pacidade de aprovisionamento deCO2”, objetivos esses que foramcumpridos na totalidade. Outro dospontos cruciais era a abertura debolsas de investigação, “essenciaispara o emprego jovem e científico”sendo que, neste momento, AbílioSobral conta com uma equipa, entreinvestigadores e bolseiros, que já as-cende a 15 pessoas. Toda a universi-dade sai a ganhar, confirma AbílioSobral: “foi adquirido um espetró-metro de massa, aparelho que per-mite identificar os diferentes átomosque compõem uma substância, emcarência no Departamento, e quetambém estava previsto no projeto”.O investigador garante ainda que ospróximos dois anos apresentam de-safios igualmente aliciantes: “o pro-jeto da Fundação para a Ciência eTecnologia (FCT) já está delineado ehá que o seguir. Mas é no terceiroano que surgirá a parte mais forte doprojeto, com as experiências detransformação de CO2 nos compos-tos, como é o caso do metanol, eigualmente com os testes no terreno,com os parceiros industriais”.

O Modelo de Avaliaçãoe Intervenção Familiar Integrado permite maiorautonomia das famílias e melhores soluções para crianças e jovensnegligenciados

Um novo modelo de avaliação eintervenção em famílias com crian-ças em situação de risco foi desen-volvido na Universidade deCoimbra (UC). O Modelo de Avalia-ção e Intervenção Familiar Inte-grado (MAIFI) é uma ferramenta deapoio a Comissões de Proteção deCrianças e Jovens (CPCJ) e a tribu-nais nas decisões a tomar acerca dofuturo desses menores, garantindoapoio às respetivas suas famílias.

Ana Teixeira de Melo, investiga-dora da Faculdade de Psicologia eCiências da Educação da UC

(FPCEUC), é a responsável pelo de-senvolvimento desta nova ferra-menta de intervenção social que foicriada para “apoiar o processo demudança de famílias «multidesa-fiadas», ou seja, que experimentamvárias dificuldades, vários desafiose que têm vidas muito difíceis”.

O novo modelo de intervenção foiavaliado ao longo de quatro anos,em sete concelhos do país, atravésde Centros de Apoio Familiar eAconselhamento Parental e respeti-vos parceiros locais. A investigaçãoresulta de uma tentativa de otimi-zar recursos humanos das equipasinterdisciplinares compostas porpsicólogos, assistentes sociais eeducadores sociais, que medeiamessas problemáticas.

A principal caraterística doMAIFI é a de ser “um modelo cola-borativo, centrado nas forças”, ondea intervenção é feita com a família,a partir das suas competências e re-cursos, sublinha a investigadora. Háque “perceber se a criança está se-gura” e avaliar quais as formas de

ajudar os pais “ para melhor cum-prirem com as suas funções.”

Os elementos das equipas quetrabalham com esses agregados fa-miliares, fazem-no “numa relaçãode parceria”, aponta Ana Teixeirade Melo. “Presta-se atenção a cadaum dos indivíduos da família, aosdesafios que cada pessoa tem delidar, mas também às condições dafamília, as condições ambientais esociais de vida, a ligação que temcom a comunidade e aos constran-gimentos que aquelas que vivemnuma situação de pobreza têm queenfrentar”, acrescenta a responsá-vel pela investigação.

Nos modelos tradicionais as fa-mílias são acompanhadas por di-versos especialistas e por váriasinstituições. Isto dificulta o pro-cesso para a família que “às tantasestá perdida no meio de tantos pro-fissionais”, com projetos diferentes.Segundo a investigadora, o MAIFI é“um modelo no qual a família ganhamaior poder sobre a sua realidade”,isto é, “tem um papel mais autó-

nomo”. O MAIFI é um modelo terapêu-

tico que “procura reforçar e revalo-rizar as relações dentro da família”,é “um modelo social, porque háuma preocupação em ajudar a fa-mília a alterar as suas circunstân-cias sociais e ambientais ”, é um

modelo educativo “na medida emque se procura ajudar a família adesenvolver competências para cui-dar melhor das crianças” e um mo-delo forense que garanteorientações específicas para garan-tir apoio ao sistema de proteção demenores.

Novo modelo de intervenção apoia crianças em perigo

Filipe Furtado

CO2 possível de se reutilizar

Paulo Sérgio Santos

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Espetrómetro de massa custou 120 mil euros

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PAís

Emergência dos tecnocratas não desculpa rompimento com a democracia

mais do que isto/ ÉJesus Cristo, / Que nãosabia nada de finan-ças”. O politólogo, José

Adelino Maltez, relembra FernandoPessoa para distinguir aqueles quesão tecnocratas daqueles que sãopolíticos. A tecnocracia, entendidacomo uma “alternativa à democra-cia e ao totalitarismo”, segundo opolitólogo, teve já expressão nosanos trinta, no período entre asduas grandes guerras. Consistianuma abordagem mais técnica dosproblemas, despida de qualquerideologia política. A definição vul-garmente utilizada para designar“um indivíduo de formação essen-cialmente técnica que ocupa umaposição de poder” é vista como umapossibilidade de resposta aos pro-blemas financeiros dos países emcrise.No entanto, ainda que este grupo detécnicos imiscuídos na classe exe-cutiva dos estados soberanos seapresentem como mediadores naincidência da crise, promovem o di-vórcio entre governos e população.Em momentos de necessidade “é aempatia política que pode sensibili-zar as pessoas para os sacrifícios”,adianta o professor de economia doISCTE-IUL (Instituto Universitáriode Lisboa), Luís Francisco de Car-valho. Para este, a democracia re-presentativa, onde a populaçãodelega nos que elege o poder deatuar para o bem social, “no fundo,toma decisões em prol da economiado estado”. Assim, os tecnocratasusam uma visão instrumental doconhecimento com vista à eficácia.Fazem uso da racionalidade técnicapara privilegiar os fins em detri-mento dos meios. De acordo com o sociólogo EduardoVítor Rodrigues, a excessiva técnicatorna-se um confronto à continui-dade da humanização da política euma ameaça para o debate público.O mesmo considera também que arepercussão da ação tecnocratatransmite aos cidadãos a ideia deque é possível decidir fora do qua-dro das opções políticas do país.“Isso vai fragilizar o debate públicoe facilitar a emergência de movi-mentos radicais, sobretudo neolibe-rais”, antevê Vítor Rodrigues. Nãodesvalorizando as decisões do su-porte técnico, este explica que tudoo que signifique “amputar as deci-sões sobre desenvolvimento e qua-lidade de vida de contexto político eideológico implica a fragilização dademocracia”.

EurocraciaNo plano europeu, a aplicação das

medidas de austeridade está sujeitaà avaliação prévia das especificida-des económicas de cada membro daunião europeia, que variam. Existeuma legitimação da tecnocracia,que é recebida com “grande passi-vidade pelo povo que passa a ser go-vernado por alguém que não foieleito, mas que lhes é imposto comoqualificado para resolver os proble-mas”, explana o sociólogo. NumaEuropa periférica constata-se aemergência da base tecnocrata noslugares de chefia do governo, como

é o caso da Grécia, com Lucas Pa-pademus, ex-presidente do BancoCentral Europeu e atual PrimeiroMinistro, e da Itália, com o ex-co-missário europeu Mário Monti.

“Um ataque à democra-cia pela geofinança”Para o economista Luís Franciscode Carvalho existe a possibilidadede substituição do “governo dos ho-mens pelo governo das coisas”, jáque são agentes provenientes deáreas do saber como o direito, eco-

nomia e finanças, contudo carecemde formação política. O professor deDireito e Sociedade da Faculdade deDireito da Universidade Nova deLisboa, Armando Marques Guedes,contrapõe a opinião do economista,já que “as decisões técnicas são de-cisões políticas encriptadas”. “Nãofaria uma contraposição tão claraentre o técnico e o político”. Eles“interpenetram-se”, acrescenta.Encara-se a atuação destes técnicoscomo premente na geopolítica eu-ropeia numa altura em que se veri-

fica “um ataque à democracia pelageofinança”, defende José AdelinoMaltez. “Trata-se de uma operaçãode guerra, hoje”, enfatiza. Não obs-tante, a partir do momento em quese põe em causa o debate público ese suspende a democracia, “deixa deser aceitável” a tecnocracia. “Alongo prazo, espero que a técnicanão seja mais eficaz do que a polí-tica”, teme Francisco de Carvalho,atestando que a estratégia econó-mica nem sempre pressupõe a hu-manização das medidas adotadas.

Os primeiros-ministros grego e italiano, Lucas Papademus e Mário Monti respetivamente, são considerados eurocratas

A figura do tecnocrata surge associada à resolução pragmática dos problemas conjunturais das economiasperiféricas da Europa. Não são políticos, evocam a técnica como solução, e distanciam-se da visão humanistado estado social. Aplicar medidas austéras é prioridade face à política. Por Liliana Cunha e Catarina Gomes

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“E

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em portugal, perfilar Vítor gaspar como tecnocrata já não é novidade. Ohomem escolhido por pedro passos Coelho para orientar o ministério das fi-nanças apresenta uma trajetória académica muito próxima daquilo que se podeconsiderar o “indivíduo de formação essencialmente técnica que ocupa umaposição de poder”. escolhendo a economia como a área de conhecimentoem que se quis graduar, doutora-se nesta no fim da década de 80 pela uni-versidade Nova de lisboa. Chega em 1994 ao Banco de portugal para chefiaro Departamento de estudos económicos. Quatro anos mais tarde viria a ocu-par o cargo homónimo, desta feita no Banco responsável pela preservação damoeda única europeia - o Banco Central europeu. a posição europeia alcançafrutos catapultando-o em 2007 como diretor do gabinete de conselheiros depolítica europeia da comissão europeia. Conhecedor dos contornos políticos,económicos e estratégicos da união europeia, assume assim uma posição dedestaque aquando da escolha para ministro do xIx governo constitucional deportugal, o qual alcança em junho de 2011. poder-se-á apelidar de tecnocratapois provém de um domínio da ciência social que estuda a administração, con-dição necessária para resolver os desígnios paradigmáticos atuais da crise.

O exemplO pOrtuguês: VítOr gaspar

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MuNdo

ra até agora oficial, dado“como história assente”,que durante o Estado Novo

“o regime que governava as coló-nias” se autoproclamava“multirra-cial, pluricontinental e comcapacidades para determinar a suapolítica colonial”. Tal facto é con-tradito e desacreditado pela divul-gação de um acordo secretoassinado por Marcelo Caetano nadécada de 70. Quem o diz é o Coro-nel Matos Comes, presente na Con-ferência Alcora – Novas Perspetivasda Guerra Colonial (Alianças Secre-tas e Mapas Imaginados) realizadano Centro de Estudos Sociais (CES)no passado dia 29 de novembro.O então denominado Exercício Al-cora, assinado por Marcelo Cae-tano, “revela que em vez de apolítica colonial portuguesa ser de-terminada por Lisboa, como sesempre entendeu, era sim determi-nada em boa parte pelos interessesestratégicos, políticos e económicosda África do Sul”, afirma MatosGomes. Deste modo, Portugal inte-grava-se “na política da África doSul e dos interesses do apartheid”,sendo que os mesmos iriam “con-duzir à ação política, militar e eco-nómica de Portugal nas suas antigascolónias”.De uma forma genérica, “a África doSul e os seus interesses” foram “o

piloto da política colonial portu-guesa”. Matos Gomes vai maislonge ao defender que Portugal“nunca teve uma política colonialautónoma, mas antes dependente esobretudo determinada pelo exte-rior. Primeiro por parte dos ingle-ses, e depois por parte dossul-africanos”.“Quando se trata a Guerra Colonial,normalmente trata-se apenas a ver-são branca, portuguesa, como umproblema unicamente portuguêsque algures atua em África”, afirmauma das coordenadoras do projetodo CES que deu lugar à ConferênciaAlcora, Maria Paula Meneses. Noentanto, “aquilo que Portugal faz éintegrar-se na política colonial dasgrandes potências que estiveramsempre a dirigir os seus interessesem África”, completa Matos Gomes.

Uma tríplice aliança comobjetivos comuns Ainda assim, o Acordo Alcora nãofoi um tratado exclusivamente bila-teral. Nesta aliança, cabe ainda umterceiro elemento da África Austral:a Rodésia (atual Zimbabué). A jus-tificação para a inclusão do país, naaltura liderado pelo britânico Clif-ford Dupont, advém da também su-premacia branca instalada nogoverno deste estado, à semelhançado que acontecia com Angola e Mo-

çambique com o poder local aí exer-cido.“Com este acordo, os poderes insta-lados na África Austral pretendiam,no fundo, prolongar os seus regi-mes, os seus sistemas, e pretendiamprolongá-los pela conjugação de es-forços”, assevera o Tenente-CoronelAniceto Afonso, outro dos oradorespresentes na Conferência Alcora,acerca desta tríplice aliança. Tam-bém um estudioso da matéria, Ani-ceto Afonso desvenda o realobjetivo do tratado como sendo um

“combate ao nacionalismo afri-cano”, que era então encoberto pelaluta contra o “alastramento do co-munismo na África Austral”. O ora-dor comenta ainda que esta era umaaliança que seria “evidentemente denatureza política mas que tinha es-sencialmente repressões militares,sendo na prática, uma aliança mili-tar”. Contra os movimentos de libertação

que insurgiram, tanto em Angolacomo em Moçambique, o acordo vi-sava então um reunir de esforçospara evitar a expulsão dos regimesbrancos do poder. “Há uma luta delibertação: Angola e Moçambique.E o que eles entendem dessa luta éque esta expulsava o branco”, referea investigadora do projeto presentena conferência Amélia Souto.Portugal, África do Sul e Rodésiaeram, então, estados que encara-vam as lutas de libertação como“ações terroristas contra a sobera-nia exercida pelos respetivos gover-nos” e que “todos aqueles que seopunham à administração normaleram tidos como terroristas”. Ani-ceto Afonso explica que, mesmo de-pois do 25 de Abril de 1974,“continuaram a desenrolar-se reu-niões Alcora” e “depois do 25 deAbril houve um curto período decontradições internas até se resol-ver a questão da autonomia e da in-dependência das colónias e doreconhecimento dos movimentosde libertação”, remata. Contradi-ções estas que “só se vieram a supe-rar-se no final de Julho, quandofinalmente a lei reconhece essesmovimentos”. O general chama,assim, a atenção para um “prolon-gamento de ideias da continuidadede uma política que já não tinharazão de ser depois do 25 de Abril”.

O secretismoO Exercício Alcora seria umaaliança apenas conhecida, na época,por um grupo reduzido que nelaparticipava. Neste seguimento, a di-vulgação do documento desvenda,refere o Tenente-Coronel, que as“ações concretas de cooperação deforças militares” dos três países queatuavam no terreno, e que passa-vam até agora apenas por um“apoio informal de uns países aosoutros, tinha por detrás esse acordo,secreto mesmo nessa altura”.E porquê o secretismo? AnicetoAfonso responde: “o secretismo eraevidentemente necessário para Por-tugal, visto que o país se afirmavamultirracial. E o facto de ter umaaliança com um país [África do Sul]que era oficialmente racial, num re-gime de apartheid, iria ter grandesrepercussões na sua posição no con-texto internacional”. LembrandoPortugal como um país da NATO,Amélia Souto alerta para o interesseem se procurar saber “que implica-ções [a divulgação do documento]poderá ter e até que ponto esta or-ganização discutiu o assunto”.Questionado sobre se se está a rees-crever a história, Matos Gomes dis-corda. “Não é uma reescrita mas érecolocarmo-nos, portugueses, nonosso papel na história europeia eno chamado colonialismo”.

Portugal e a aliança com o apartheid A análise do Acordo Alcora vem contrariar muitos dos dados que, até hoje, se tinham por adquiridos sobre a política colonial portuguesa.

Nos anos 70, e num ambiente de secretismo, era assinado um acordo entre Portugal, Rodésia e África do sul,que mudaria a concepção da política colonial portuguesa. É, agora, divulgado o Acordo Alcora, que revela osinteresses que realmente estiveram por detrás da sua política de ação. Por Carolina Caetano e Maria Garrido

“O secretismo eranecessário para portugal, visto que opaís se afirmava multirracial”

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AlcorA: UmA AliAnçA coloniAlistA

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artes18 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | terça-feira

ão estamos habituadosa encontrar David cro-nenberg no contexto do

cinema de época, mas se analisar-mos bem o último trabalho dorealizador, a diferença não é tãonotória como poderíamos estar àespera. cronenberg sempre semoveu por vários quadros tempo-rais, o presente e vários futuros,mas o que está aqui em causa, e semantém, é a temática. longe vãoos tempos dominados pela fobiacausada pela mutação do corpohumano que encontrámos em Vi-deorome, crash e existenz. otema que aqui persiste é o sexo etodo o tipo de violência a ele asso-ciado.

apesar do que nos é apresen-tado na sinopse oficial, onde nosdizem que o filme gira em tornodo nascimento da psicanálise apartir da relação tensa entre carlJung e sigmund freud, não é aíque reside a verdadeira naturezada obra. “Um Método Perigoso” éum filme de conflito pessoal, onde

assistimos ao tortuoso percursode carl Jung que, durante a con-vivência com alguns dos seus pa-cientes, começa a duvidar, elepróprio, do conforto oferecidopela exactidão da ciência. entre ospacientes está sabina spielrein,uma jovem russa com comporta-mentos sadomasoquistas e ottoGross, também ele um psicana-lista, mas com tendências anarcase uma visão nada abonatória damonogamia. são aliás estas duaspersonagens que catalisam toda ainteracção que Jung tem comfreud e que levam à crescentetensão entre estes dois homens.

o filme é construído por frag-mentos cujo único fio condutorsão os momentos decisivos navida do personagem principal.cronenberg não tem qualquertipo de problemas em avançar al-guns anos na narrativa, se du-rante esse tempo não há nada derelevante para a história que quercontar.

esta marca a terceira colabora-

ção consecutiva do realizador comViggo Mortensen, desta vez numpapel mais reduzido, como sig-mund freud, mas com um pesodominante. Michael fassbenderoferece-nos uma interpretaçãocontida, mas esmagadoramenteexpressiva, tal já não se pode dizerde Keira Knightley, que parecenão estar segura do seu valor epreferiu enveredar por uma inter-pretação absurdamente exage-rada e quase constrangedora.

“Um Método Perigoso” é umfilme sobre relações pessoais,amorosas ou de simples amizade,mas onde o sexo tem sempre umapalavra a dizer e parece ser a forçadominante sobre todas as outras.coloca dúvidas e não oferece res-postas, talvez por isso seja maisestimulante. David cronenbergnão mudou, apenas a percepçãoque o público passou a ter dele.continua visualmente agressivo esem amarras artísticas. a muta-ção física deu lugar à mutação damente.

Método Perigoso

Cin

em

a

Mudam-se os tempos, permanecem as vontadesCrítiCa de josé santiago

de

DaviD Cronenberg

Com

Keira Knightley

MiChael FassbenDer

sarah gaDon

2011

uem lá esteve e dequem não se ouvefalar. É o ponto departida para enten-

dermos uma temática que, comoa própria guerra, se vai desvane-cendo na mente dos portugueses.a realizadora, Marta Pessoa, trazao de cima o velho e cansadotema da guerra colonial. Mas nãoé desta guerra que pretendefalar, denuncia uma guerra sen-tida por aquelas que viram gentepartir, uma guerra de isola-mento.

o filme desenrola-se comuma série de entrevistas a mu-lheres que, de forma directa ouindirecta, desempenharam umpapel no conflito. são retratos in-dividuais que remetem para umuniverso de mulheres desprovi-das de liberdade própria, trava-

das nos seus sonhos. Num tempoem que a emancipação femininapouco se afirmava, a nação lusi-tana vivia às cegas, não haviauma consciência da irracionali-dade de todo o conflito. É umatransparência óbvia nas vozesdessas mulheres, o povo era in-génuo. Pouco ou nada se sabia,tudo era controlado. a guerra eralá longe, uma espécie de mitopara a maioria, que terminavaquando o amigo era mobilizado.

a batalha feminina, menos bé-lica mas igualmente penosa,fazia-se no apoio ao próximo. lu-tava-se contra um prepotentemachismo, figurado pelo marido,ao mesmo tempo que se respei-tava e obedecia. a luta diáriacontra os horrores dos traumasde guerra e o apoio a um compa-nheiro que muitas vezes não res-

pondia na mesma moeda fazemdestas mulheres combatentes debatalhas muito pessoais. as his-tórias são intercaladas com inú-meras fotos, cartas e vídeos doultramar ou da família esperan-çosa em Portugal.

No entanto, a abordagem terásido demasiado abrangente. oenfadonho sucede-se com a nar-ração de histórias, que apesar deterem a intenção de dar um re-trato da sociedade portuguesados anos 60, pouco interesse sus-citará no público em geral. os ce-nários querem-se sombrios, masem conjunto com discursospouco eloquentes afastam o es-pectador que não se identifiquecom o tema. fica o registo deuma luta de uma geração queainda hoje subsiste.

Porque quemfica, tambémsofre

Quem vai à guerra ”

joão Valadão

“ N

Q

ve

r

artigo disponível na:

filme

De

Marta Pessoa

eDitora

real ficção

2011

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Feitas13 de dezembro de 2011 | terça-feira | a cabra | 19

som é mais privilegiadodo que as palavras. otexto está repleto das pa-

lavras que usamos todos os dias,para explicar, descrever, argu-mentar, estimular, dizer a verdadeou mentir. o pensamento trans-forma-se em palavras que concor-rem constantemente com aspalavras que temos na cabeça, masa música tem à sua disposição umcampo muito mais vasto de asso-ciações porque está simultanea-mente dentro do mundo e foradele.Prova disto é este último projectode rodrigo leão, ele que a cadaálbum consegue arrancar-nos maissensações. Hoje, fá-lo através daspalavras, cheiros e recordações.Uma conjugação entre memóriasde infância com a realidade ilus-tradas em canções que não procu-ram muito mais do que uma purasimplicidade. consegue provar quea música é, afinal de contas, umasimples sequência de belos sons.

No seguimento de “a mãe” (2009) e da reedicção do álbum de es-treia “ave Mundi luminar” (2010) surge “a Montanha Mágica”,uma compilação de 12 temas onde rodrigo leão deixa bem claroa presença de antigas melodias, embora com novos arranjos. Mu-danças que nos continuam a transmitir algum conforto e segurançaa que nos habituou, mesmo sem os cinema ensemble.Por um lado desenlaces, mas também um regresso às origens. emtemas como “o baloiço” ou “a revolta” vemos rodrigo leão dei-xar o sintetizador para retomar o Baixo e a guitarra deixados comos sétima legião. os elementos indispensáveis continuam juntos;o trio de cordas Viviena tupikova, Bruno silva e carlos tonyGomes, ao qual se junta celina da Piedade, no acordeão e metalo-fone. Mas não estaríamos a falar de um trabalho de rodrigo leãose não se falasse de colaborações. as vozes são de Miguel filipecom “o Hibernauta”, o australiano scott Matthew na interpretaçãode “terrible Dawn” e o brasileiro thiago Pethit em “o fio da Vida”.Na vida, como na música, só podemos falar das reacções e percep-ções pessoais e esta montanha mágica é um belo exemplo de comoé possível conjugar a relação entre o conteúdo inexprimível da mú-sica e o conteúdo inexprimível da vida.

sabel allende deposita nas suaspalavras o ardor e a beleza comque imaginamos as povoações

hispano-americanas. cada obra assi-nada pela escritora chilena é garan-tia de sucesso. caderno de Maya nãoserá exceção. com uma narrativafluida, torna-se demasiado difícil nãoescorregar para dentro da história.sem darmos conta, entramos numciclo vicioso de drogas, numa intrigacom membros da máfia, ou simples-mente mergulhamos na segurança deuma ilha, na tranquilidade de chiloé

a escritora parece nutrir de umapredilecção pela narração de histó-rias acerca de mulheres. Maya é aeleita nesta obra, ou melhor, no seucaderno. começa por revelar a suahistória com timidez, mas depoisabre por completo a sua alma, deixade se esconder, e mostra-se sem ocul-tar os pormenores da sua vida queacabaram por a guiar até ao chile.

a morte do seu Popo marca o iní-cio da decadência de Maya. as lágri-mas que não derramoutransformam-se em sementes de ódioque fazem crescer sentimentos de re-volta no espírito da jovem. o esque-cer momentâneo provocado peloálcool ou as ilusões de felicidade aque permitem as drogas, são a pana-ceia encontrada por Maya para curara sua dor. tratamentos psicológicosapenas a atormentam, e a fuga de

uma clínica acaba por se mostrar mo-rosa quando, sem o saber, é apa-nhada no meio de uma rede de tráficode droga e de dinheiro falso. De sú-bito encontramos Maya nas ruas,doente, a prostituir-se por um copode álcool.

chiloé é o refúgio que devolve al-guma paz ao espírito de jovem. a suaavó entrega-a aos cuidados de Ma-nuel, homem assaltado durante anoite por memórias de tempos detortura. a relação entre os dois, numacasa onde as portas estão ausentes, écomplicada. a desconfiança de Ma-nuel pela gringuita acaba por ser que-brada quando se apercebe que asgarrafas de vinho não desaparecemda sua prateleira. aos poucos, Mayaafeiçoa-se ao seu novo companheiro edesenvolve uma curiosidade pelo seupassado que a levarão a descobrir umelo inquebrável que existe entre osdois. É também nesta terra que ajovem se depara com histórias demagia e somos envolvidos pela auramística já típica nas histórias da au-tora.

“apercebera-me de que, na litera-tura, a felicidade não serve para nada– sem sofrimento não há história”.caderno de Maya é a prova de que al-lende tem a inaudita capacidade decriar obras-primas, capazes de mar-car a história da literatura.

impossível não reparar nadistinção que “el shaddai”apresenta face aos pares.Desde logo, na escolha de

tema: trata-se afinal de uma adapta-ção do livro de enoche, texto apó-crifo dos manuscritos do Mar Mortoque narra a queda dos anjos e a suaexpulsão pela mão do profeta que dánome ao título. Pasme-se, não é umatentativa artificial de recuperar umtexto de relevância cultural comoforma de enaltecer o ‘ethos’ de umproduto comercial banal e de méritoartístico nulo como “Dante’s in-ferno”. aqui, a inspiração é traduzidade forma honesta, desde logo porquetakeyasu sawaki (realizador) pro-cura transpor a letra do texto paraum esplendor visual que convida àcontemplação solene intimamenteassociada à arte sacra. soutarou Hori(director artístico) foi assim à arte –do ideal de beleza clássico, às com-posições abstractas de Kandinsky, àfantasia nipónica do estúdio Ghibli –em busca de referências formais quedepois replica numa estilização ex-travagante, moderna e ecléctica. oresultado é uma estonteante pinturadigital que, qual visão profética deBlake, nos hipnotiza e envolve nummar de simbolismo que busca expri-

mir a natureza última do transcen-dente, do divino (“el shaddai” é‘Deus todo poderoso’ em hebraico).a sua riqueza plástica é de um vir-tuosismo tal forma avassalador queapenas encontra par, em tempos re-centes, na obra-prima de Mizuguchi,“rez”. só que ao invés deste, sawakinunca consegue imiscuir o jogo noquadro - limita-se a colar em cimasecções de plataformas “Mario” in-tercaladas com refrões rítmicos docombate de Hideki Kamiya (comquem já trabalhou). este pecado re-dunda num ciclo de repetição lúdicode intensidade elevada, que acabapor não só barrar uma relação maisprofunda com a ficção que narra,como também prejudicar a fruiçãoda sua beleza, que ganharia com umritmo pausado, quiçá mesmo umatotal ausência de dimensão lúdica(heresia!). falhado esse desígniomaior, resta apreciar “el shaddai”pela sua singular contribuição no do-mínio estético, de tal forma refinadae trabalhada que atinge patamaresde autenticidade e vanguardismoinauditos, assim figurando como umdos poucos videojogos dos últimos 5anos que fizeram algo de genuínopara fazer avançar o meio.

oUvir

de

isabel allenDe

editora

Porto eDitora

2011

de

roDrigo leão

editora

sony MusiC

2011

a montanha mágica”

lígia anjos

artigos disponíveis na:

iCaderno de maya”

rUi CraVeirinHa

niCole ináCio

el shaddai, ascension of the metatron”

JoGar

em busca do divino

GUerra DaS CaBraS

a evitar

fraco

Podia ser pior

Vale a pena

a cabra aconselha

a cabra d’ouro

ler

som efémero nestaplanície nossa

É

a Maya de allende

Plataforma

XboX 360 e Ps3

editora

ignition entertainMent

2011

o

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soltAs20 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | terça-feira

umA ideiA PArA o ensino suPerior

um Grande deBate naCIonal Para deCIdIr o Futuro

mário nogueirA • ProFessor; CoordenAdor do sPrC; seCretário-gerAl dA FenProF

Nos tempos que corremnão há grande espaçopara ideias inovadoras,

quer para o ensino superior, querpara os demais níveis e graus deensino. O tempo é de corte e re-dução e inovador seria, ainda

que num tempo destes, per-

ceber a importância estraté-

gica da qualificação e

formação superiores, bem

como da ciência para o fu-

turo do país e, percebendo,

investir no setor.

Inovador seria que, em tempo decrise, os governos não procuras-sem sempre o caminho mais sim-ples e mais à mão: cortar e pôr emcausa os serviços públicos e, entreestes, a Educação. É sempre assimque, sem olhar a consequências,os governantes procuram aumen-tar receitas e reduzir despesaspara equilibrar défices e pagar dí-vidas que a sua incompetência e aganância de especuladores ajuda-ram a criar. Inovador seria, destavez, fazer de forma diferente. Seria necessário questionar

Bolonha nos seus custos, in-

cluindo os não financeiros:

perda de qualidade, afasta-

mento de estudantes, organi-

zação dos cursos e impacto

nas próprias instituições.

Seria necessário questionar o

regime de financiamento do

ensino superior e o impacto

negativo que tem nos estu-

dantes e nas famílias o ele-

vado custo da frequência.

Seria necessário questionar as

condições de trabalho no En-

sino Superior, desde as físicas emateriais às que se colocam aosque nele exercem atividade pro-fissional (docentes, não docentese investigadores), nomeadamenteem relação à sua estabilidade,questão fundamental para a esta-bilidade do sistema. Seria necessário refletir sobre

as condições em que se rea-

liza a investigação e se pro-

duz ciência, na certeza de

que a precariedade crescente

destas atividades levará, a

curto prazo, ao seu colapso.

Seria indispensável

rever o regime de

gestão das insti-

tuições, demo-cratizando-a egarantindo umap a r t i c i p a ç ã omaior de todosos membros dacomunidade edu-cativa. Portanto, antes

de qualquer

outra inovação, a

principal de todas efundamental nestemomento, seria dei-

xar de navegar ao

sabor dos

ven-

tos e realizar um grande de-

bate nacional, com carácter

de urgência, para apurar o

diagnóstico e definir o que é

preciso fazer para o futuro.

Um debate que deverá ser amplo,envolvendo a sociedade e não seresumindo ao plano político ou aoestrito nicho setorial. No tempo

que corre, seria claramente

inovadora uma alteração

profunda do comportamento

político dos governantes, as-sumindo, com humildade demo-

crática, que a verdadenão é abso-

luta nemr e s i d eapenasn a ss u a sc a b e -ças.

ei-lo, PArA APrAzer o goto

Para o palato esta foi a última degustação do ano na cantina dosserviços sociais da universidade de Coimbra. Embora a ementa es-tivesse já pré-determinada no início do semestre, a verdade é queo hambúrguer com batatas fritas sempre caiu no bom goto. Chegarcedo é condição, já que o prato principal é sem exceção à regra oprimeiro a ir. Em boa hora se encontra uma cantina quase vazia, aesperar por saciar os estômagos ávidos de quem procura um fast-food mais acessível. As amarelas são o destino social por excelência.Para começar o pão com sementes serve as hostes, e a maçãzinhaverde para diminuir a falta de vitaminas é levantada. Há que tercuidado para não chocar defronte de uma pequena anomalia nofruto, por ventura já um pouco amadurecido.

Ei-lo. O hambúrguer que transpira um odor a carne grelhada eapetecível. Tudo o resto são acompanhamentos: o arroz, que aspiraa ser de tomate mas que apenas adquire o tom alaranjado; as bata-

tas de corpulência forte mas em menor número; e o bendito do ovo que co-muta a falta do molho cocktail, e que se faz parceiro inseparável do pão. Háque ressaltar o sabor da carne. Não, não é esplêndido visto que um excesso deóleo peca na sua cobertura, misturando-o com o carbonizado da carne de vaca.Atenção, nada que não se resolva – cubramos a carne com o ovo e tudo se ca-mufla. Em boa verdade tudo deve ser comido, os resquícios já não são destetempo, e durante a tarde se compreende que com um almoço bem compostoo trabalho rende.

Enfim, o que remanesce é a sensação de satisfação, quase fartura. O óleoperturba a degustação e, compromete-a a certo ponto, mas as batatas e o arroztambém não podem ser esquecidos tal como o belo do pãozinho que sem se-mentes seria sem sal.

Por Liliana Cunha

tom

Ai e

Co

mei

AnA FRAncisco

Arte.Ponto

ntramos no Pátio da Inqui-sição, viramos à esquerdapara o Centro de Artes Vi-

suais (CAV) e subimos ao primeiropiso. Oito atos em oito fotografias,interpretados por um homem e umamulher, sucedem-se nos recantosdas paredes. A exposição “ForeverYours”, da autoria de Pedro Medei-ros, inclui-se na obra fotográfica queeste tem vindo a fazer no projeto dePaulo Furtado, The Legendary Ti-german. A obra foi criada paraacompanhar o álbum “Masque-rade”, mas apresenta-se aqui deforma autónoma para permitir umaleitura descontextualizada domesmo.

O conjunto de imagens encenadastêm por base a taxidermia humana- a paragem do tempo embate no es-petador. As oito fotografias repre-sentam um ritual alegórico na qualo cadáver da mulher sofre váriasoperações, para no final se apresen-tar como uma peça de museu.

A exposição remete também parao caráter da sexualidade, um voyeu-

rismo que “surge em todo o rito deenfatização escultórica e erotizaçãodo corpo feminino”, nas palavras doautor. Surge então o desejo de pre-servar o corpo, guardar para sempreum ideal de beleza, imortalizar apaixão. É uma obsessão incons-ciente que faz lembrar o psicóticoNorman Bates, do universo cinema-tográfico de Hitchcock.

A fotografia, aqui, apresenta-senum paralelismo com a taxidermia,com o fim comum de tornar algoeterno, de ir além da morte.

No rés-do-chão do CAV, em con-junto com a exposição de Pedro Me-deiros, encontramos “O Senhor dosAflitos”. É uma mostra realizada apartir de um espólio de uma tipo-grafia centenária da cidade do Porto.Na parede, o relógio marcou a horade saída e nela o trabalhador deixouas luvas penduradas. Releva-se opercurso decadente de uma em-presa, agora reduzida a um únicotrabalhador, onde noutros temposmais de uma centena de pessoas láganhavam a vida. A vida diária deste

homem, intercalada com diversosmomentos monótonos, é mostradaao visitante através do vídeo China.O trabalho, ainda manual, é interca-lado com pausas repletas de melan-colia. Essa paralisia realça-se com osom ambiente de uma bengala quebate imparavelmente no chão. Peloscorredores, espalha-se o material detrabalho tipográfico, desatualizadopelo tempo. Material inútil, vendidoa sucateiros para prolongar umpouco mais a vida da tipografia.Noutra parte da exposição surgemfotografias, criminosos comuns,acompanhados de citações de umjornal popular do século XIX e de-senhos simples que apelam à súplicaou ao castigo.

Um fracasso económico generali-zado - o abatimento que se deu nasclasses mais baixas da sociedade e adecadência urbana em que caiu opaís e a cidade do Porto, em especí-fico, é como fica o retrato que PedroMedeiros nos deixa em “O Senhordos Aflitos”.

Por João Valadão

ImortalIzar, teImosIa de uma mente

“Forever Yours” e “senhor dos AFlitos” • CAv • Até 26 de Fevereiro

D.R.

E

d.r.

Page 21: Edição 238

m 1918, Mertingër saiu decasa pela manhã, e era do-mingo. Apesar do frio cer-

rado havia sol, o que dava àsárvores e às folhas um tom enter-necedor.

Se entrou no bar e pediu umchá bem quente que tomou combolachas, ou se nesse bar encon-trou Melän – sua amiga, é coisaque se não sabe.

Como o cemitério ainda estavafechado, pegou na câmara foto-gráfica e fotografou o exterior docemitério, os seus três enormesportões, um corvo que passou de-vagar e a parte visível de algunsjazigos altos. Era estranho que ocemitério ainda não estivesseaberto. Atirou uma pedrinha aocorvo e tirou uma fotografia –onde até hoje consta o início dovoo do corvo nesse domingo de1918.

Do bolso, retirou duas bolachas– uma comeu, outra atirou-a aocorvo. O sol estava alto e visívelporque as nuvens entretanto ha-viam-se afastado. Guardou a câ-mara fotográfica; arrumou-a nosaco onde estavam dois livros cin-zentos de poesia. Viu a árvore. Le-vantou-se e pôs-se do outro ladodela, onde fez chichi. Sentiu-sealiviado.

Às quatro da tarde, em plenosol e ainda na distante companhiado corvo, estranhou que o coveironão abrisse a porta. Estranhouigualmente que mais ninguém es-tivesse ali, sendo domingo.

Caminhou devagar até encon-trar a pessoa que queria, o que foidifícil porque a vila estava um

pouco deserta. Então disse: des-confio que algo se tenha passadocom o coveiro. Ao que se sentouconfortavelmente, ajeitando osaco sobre o seu colo. De facto,

disseram-lhe, o coveiro faleceu. Efoi hoje o seu enterro.

Mertingër percebeu então que oenterro se havia dado, por algumarazão, em outro cemitério que não

o do corvo. O que nunca chegou aentender foi o silêncio dos sinos.

É que também o tocador desinos…

soltAs13 de dezembro de 2011 | terça-feira | a cabra | 21

1918: num domingoPor ondjaki miCro-Conto

reter: esta não começaquando delibera a Comis-são Eleitoral. Começa naQueima, em crescendo até

à Latada, com picos por altura dosconvívios, a velocidade de cru-zeiro durante as duas semanas le-gais, e com a energia cinéticaacumulada, espraia-se no dia dereflexão e do acto eleitoral.Quem assume este encargo fulcralé um ideólogo que tenha criadotantos anti-corpos que cada vezque mostra a cara fora da sedeperdes 50 votos, mas conhece osmeandros da questão, um ex-vice-presidente, ex-política edu-cativa ou ex-qualquer coisa naqueima das fitas.Alguns conceitos centrais:Autocolante: o sufixo “auto” é fa-lacioso. Deveria ser heteroauto-colante. É para colar em todo olado e em toda a gente. Coloridode preferência, surge antes dacampanha oficial, com mensa-gens insidiosas que remeterãopara o teu futuro lema.Blogs: arena onde se digladiam osegos e se denunciam os podres.

De pouca expressão junto da co-munidade estudantil servemprincipalmente para se apalparterreno lançando boatos.Convites pontuais/gerais: são arecompensa de um trabalho elei-toral bem feito. Podem servir dealiciante para gente de lealdadesdivididas.Debates: ninguém vê nem ouve.Provavelmente será um dos es-querdistas a ganhar. Bebe doisbeirões antes e verás que o tempopassa mais depressa.Informar: é a tua resposta cadavez que te perguntam quais são astuas propostas para a AAC.Jota: they will make you offersyou can’t refuse.Lema: também não interessa. Sótem de ter “AAC” lá pelo meio. Senão fores muito criativo tenta ins-pirar-te em lemas de outras cam-panhas.Merchandising: só interessa queseja muito e variado, mesmo quede utilidade duvidosa. Paga-secom futuros contratos de impres-sões, bilhéticas e materiais oficiaisdiversos – este é o teu verdadeiro

plafond, se ganhares…Organigrama: colecção de fotosdo facebook, de gente que podeou não saber que faz parte de umprojecto, que serve para vincularos representados a votar numadeterminada lista.Plafond: não te deixes enganar!Isto é dinheiro que a AAC dá paraaquelas listas dos esquerdistasconseguirem ir a eleições! Finges

que vais lá imprimir flyers e saisde lá com a sebenta de Direito Ro-mano debaixo do braço.Programa eleitoral: só interessaque seja de um papel bonito.Sede: o covil da besta. Os SASUCarranjam umas salas jeitosas, masé preciso jogar na antecipação. Seos espaços mais interessantes es-tiverem ocupados vais ter de re-correr a um conhecido que te

arranje poiso numa das avenidascentrais da cidade.Senhas de cerveja: são dos teusmelhores aliados, o rácio detransferência cerveja-voto é bas-tante elevado. Procura angariar edistribuir o maior número aocusto mais reduzido, em eventosrecatados ou nas festividades aca-démicas, com pagamento em ta-chos.SMS: a derradeira arma. A usarno dia das eleições, aparente-mente não constituem uma formade campanha.Ventania: fenómeno de origemmeteorológica que parece incidirespecialmente sobre propagandaexterior (faixas, pendões, etc) re-sultando invariavelmente na suadestruição. Agora a sério, é amalta que as arranca e depoisadopta designações da hierarquiamilitar para se gabar (tipo: Coro-nel Nortada ou Major Tufão).Continua no próximo fascículo.

monumentAis PAnAdos soCiAisPor doutorando Paulo Fernando • facebook.com/paulofernandophd

Ainês bAlReiRA

CAdernos eleitorAis – lição n.º2: A CAmPAnhA

É Onjaki, mas também é ndalu dealmeida, nome com que nasce em1977, em Luanda. depois de se mara-vilhar com Tintim por volta dos 14,Ondjaki descobre o escritor brasileiroGraciliano ramos. O autor de “Vidassecas” agarra-o e mostra-lhe a coisabonita que são os livros, onde antes sóvia chatice. segue-se a tríplice Luan-dino Vieira, Mia Couto e Manoel deBarros que o chocalham com as pos-sibilidades que a literatura albergava.

Procura uma voz e lança-se na re-construção de mundos, em prosa ouem poesia, muitas vezes imiscuídas. E énesses mundos refeitos que Ondjakiencontra a sua infância, fonte do olharpara o passado que faz questão de re-visitar de forma constante.

não se refugia em pretensões literá-rias e parece que tudo o que diz lhevem com uma simplicidade natural.dos livros que publicou, guarda umcarinho por “Bom dia Camaradas”, seuprimeiro romance e que lhe sai aosabor da memória. Outros podem ficarguardados pelos prémios que o ajuda-ram a plantar nome na literatura de ex-pressão portuguesa, como o livro decontos “Os da minha rua”, que lhevaleu o Grande Prémio de Conto Ca-milo Castelo Branco em 2007.

João Gaspar

Ondjaki, 34 anOs

E

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opinião22 | a cabra | 13 de dezembro de 2011 | Terça-feira

Cartas ao diretorpodem ser

enviadas para

[email protected]

Quando em 1972 o Grupo CIM-POR se instalou em Souselas, umavoz da Universidade de Coimbra er-gueu-se, chamando a atenção para ograve perigo que representava o fun-cionamento de uma unidade produ-tora de cimento a 5 quilómetros emlinha recta do centro de uma cidadeuniversitária.

O padre Sebastião Cruz, professorde Direito Romano, orador exímio,dotado de um invulgar sentido dehumor e de uma admirável força pe-dagógica, foi o Homem destemidoque enfrentou “o touro” em tempode ditadura, ao contrário do que fezem Burgos quando teve que saltar asbarreiras (como ele próprio contava)quando passeava tranquilamentecom um outro ilustre romanista e sedeu conta que toda aquela multidãoque ladeava a estrada não estava alipara saudar a passagem dos confe-rencistas, mas sim para festejar umalargada de touros.

Os factos deram razão a umHomem, pequeno de estatura, masgrande em dignidade e coragem, quecostumava dizer a propósito da pa-lavra “jus” (direito): “tudo o que épequeno é poderoso, mas não digoisto em defesa própria”.

A existência de um vizinho polui-dor que durante 30 anos pintou debranco os telhados e as couves deSouselas, e agora procede à queimade resíduos perigosos às portas dacidade, é algo que tem de merecer anossa reacção e não a nossa compla-

cência.Apesar de os filtros de mangas, co-

locados em 2002, terem passado areter o pó de cimento em maior es-cala, não evitam a libertação dos Po-luentes Orgânicos Persistentes(POP), entre os quais se incluem asdioxinas e os furanos que são subs-tâncias altamente cancerígenas, pro-duzidas durante a combustão deresíduos perigosos.

Despertei para o problema da co-incineração quando um dia o pro-fessor Fernando Rebelo me levou atéjunto da janela do seu gabinete, naReitoria, e, apontando para o te-lhado em frente, me disse: “Ó Casta-nheira Barros, já reparou que aqueleanjo perdeu a asa do lado es-querdo?”.

Assim era, atribuindo o entãomagnífico reitor e geógrafo essefacto à poluição proveniente de No-roeste que fez com que o anjo depedra ficasse sem a asa esquerda, emantivesse a direita bem conser-vada. Então pensei: se a poluiçãopode fazer isto à pedra que fará aosnossos pulmões!

Quando saí da audiência na reito-ria, com o parecer do professorNuno Ganho debaixo do braço, es-tava pronto para a luta.

Esse brilhante estudo explicacomo se movimentam as substânciaspoluentes entre Souselas e Coimbraem função do quadrante de que so-pram os ventos, identificando aszonas mais afectadas da cidade,

cujas características geográficas po-tenciam a concentração das subs-tâncias poluentes, sobretudodurante a noite e a madrugada.

Temos que estar atentos às nuvensde cor avermelhada que pairam comfrequência sobre as nossas cabeçasdurante a noite, não sendo difícil de-tectar a sua proveniência.

A brigada do ambiente na GuardaNacional Republicana, apesar de su-cessivamente alertada, não consegueobstar à intolerável poluição noc-turna de Coimbra, tal como o seu de-partamento de trânsito nuncalevantou qualquer contra-ordenaçãopela violação dos sinais de trânsitoque proíbem o transporte de resí-duos perigosos na estada municipalde acesso à cimenteira da CIMPOR.

Temos, pois, que fazer valer aforça da nossa cidadania, numa ci-dade adormecida e acomodada queé cobardemente atacada enquantodormimos.

Com o apoio de 8 professores ca-tedráticos de várias áreas do conhe-cimento, sendo 7 da Universidade deCoimbra e um do Instituto SuperiorTécnico de Lisboa, venho desde2001 lutando sem tréguas contra aco-incineração de resíduos perigo-sos, apontando desde a primeirahora a pirólise como o método ade-quado para o tratamento dos resí-duos que não possam ser reciclados.

Houve o cuidado de dar passos se-guros de um ponto de vista técnico-científico na frente de combate

judicial que iniciei há dez anos.Aconteça o que acontecer uma

coisa é certa: conseguiu-se evitar aco-incineração em Souselas-Coim-bra durante cerca de nove anos, ouseja, desde o despacho de José Só-crates em Abril de 2001, que deter-minou a opção por Souselas e Outão,até Fevereiro de 2010, data do Acór-dão do Supremo Tribunal Adminis-trativo que revogou as decisões de 1ªe 2ª instâncias que tinham suspen-dido a eficácia das licenças concedi-das à CIMPOR para a co-incineraçãode resíduos industriais perigosos.

Face a grosseiras e intoleráveisanomalias em acções cautelares jáfindas, cometidas ao longo dos últi-mos seis anos pelos tribunais admi-nistrativos, principalmente peloSupremo Tribunal Administrativo,foi decidido solicitar audiência con-junta ao primeiro-ministro e à mi-nistra do Ambiente na procura deuma solução política para o pro-blema, sem abdicar da continuidadeda luta judicial, uma vez que estãopendentes cinco acções popularessob a forma de acções administrati-vas especiais, sendo três respeitan-tes a Souselas e duas ao Outão .

Nós vamos continuar a lutar.Qual vai ser o seu contributo?

*Advogado

a poluição provenientede noroeste fez comque o anjo de pedra ficasse sem a asa esquerda e mantivessea direita bem conservada. então pensei (...) que fará aosnossos pulmões!

a Universidade e a co-incineração

castanheira barros*

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D.R.

A Cabra errou: Na edição 237, acrítica de jogo, intitulada “Dias deRaiva”, foi, erroneamente, atribuídaa Rui Craveirinha, quando, na ver-dade, foi escrita por Rafael Pinto.Pelo sucedido, o nosso pedido dedesculpas.

Page 23: Edição 238

opinião13 de dezembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 23

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Diretor Camilo Soldado Editores-Executivos Inês Amado da Silva, João Gaspar Editoras-Executivas MultimédiaAna Francisco, Catarina Gomes Editores Inês Balreira (Ensino Superior), Ana Duarte (Cultura), Fernando Sá Pessoa (De-sporto), Ana Morais (Cidade), Filipe Furtado (Ciência & Tecnologia), Liliana Cunha (País), Maria Garrido (Mundo) Secretáriade Redação Nicole Inácio Paginação Inês Amado da Silva, João Miranda, Rafaela Carvalho Redação Daniel Silva, DianaTeixeira, Fábio Santos, Félix Ribeiro, Joana de Castro, Mariana Santos Mendes, Paulo Sérgio Santos Fotografia Ana Duarte,Ana Francisco, Ana Morais, David Barata, Inês Amado da Silva, Inês Balreira, João Gaspar, Olga Juskiewicz, Rafaela CarvalhoIlustração Ana Granado, Ana Beatriz Marques, Tiago Dinis Colaborou nesta edição Carolina Caetano, Margarida FidalgoPais Colaboradores Permanentes Carlos Braz, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, João Valadão, José AfonsoBiscaia, José Miguel Pereira, José Santiago, Lígia Anjos, Luís Luzio, Pedro Madureira, Pedro Nunes, Rafael Pinto, Rui Craveir-inha Publicidade João Gaspar 239821554; 917011120 Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922,Fax: 239 499 981, e-mail: [email protected] Tiragem 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académicade Coimbra Propriedade Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra, MárioNogueira, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Ondjaki

editorial

É uma ferrovia com mais de cemanos. Só no percurso Coimbra-Ser-pins, esta infra-estrutura transpor-tava, por ano, mais de um milhão depassageiros. Durante décadas foramlançadas ideias para a sua moderni-zação, electrificação e alargamento aGóis ou a Tomar.

No final da década de 80 foianunciada a construção do túnel nabaixa de Coimbra, permitindo a li-gação ferroviária do Parque da Ci-dade à Estação Velha, sem conflitosde espaço entre o trânsito rodoviá-rio de superfície e o sistema ferro-viário. O túnel não foi construídopor oposição da Câmara de Coimbraque defendeu uma solução de “eléc-tricos ligeiros”.

O Metro Mondego é um projectocom quase 20 anos de avanços e re-cuos, que nasceu desta oposição aotúnel e defesa dos eléctricos de su-perfície. Em Janeiro de 2010, aspessoas deixaram de poder usar oRamal da Lousã porque o Governodecidira avançar com as obras parao Metro Mondego.

Poucos meses depois surgiram no-tícias indicando que o Governo sepreparava para suspender as obras eque pretendia substituir o MetroMondego por autocarros ou “metrobus”. Perante esta irresponsabili-dade, as populações e os autarcasmais interessados lançaram váriasiniciativas: marcha lenta na Auto-es-trada, a 31 de Dezembro de 2010, emanifestações em Lisboa, junto à re-sidência oficial do primeiro-ministroe à Assembleia da Republica.

O Movimento Cívico, integrandopessoas e autarcas de Góis, Lousã,Miranda e Coimbra, pretende garan-tir a continuação das obras no Ramalda Lousã ou Metro Mondego, demodo a garantir a existência de umsistema de transporte público de pas-sageiros, sobre carris, de preferênciaeléctrico, entre Serpins e Coimbra.

Perante as circunstâncias econó-micas, aceita-se que as novas linhasdentro da cidade de Coimbra possamser adiadas até haver uma melhoria

das condições financeiras. O Ramalda Lousã ou Metro não deve ser con-fundido com novas obras megalóma-nas, como o aeroporto na margem suldo Tejo, terceira ponte em Lisboa eTGV para Madrid, uma vez que setrata de uma infra-estrutura commais de cem anos e que transportavacerca de 2 milhões de passageiros porano.

Este movimento não defende umadeterminada solução técnica, quecabe aos especialistas, nem um mo-delo de gestão, que é competência doGoverno. E ao Governo cabe escolhera melhor solução, sem desperdícios,tendo em conta as disponibilidadesfinanceiras. Defendemos a solução detracção eléctrica por questões am-bientais, e de poupança futura, ga-rantindo uma maior

sustentabilidade. Independente-mente de todo o contexto financeiro,salienta-se que o presidente da repú-blica e o primeiro-ministro assumi-ram publicamente que se vaiencontrar uma solução para o trans-porte, sobre carris, entre Serpins eCoimbra.

Em 2010 todos os partidos na As-sembleia da Republica assumiram ocompromisso de o Estado concretizaruma ligação ferroviária, sobre carris,nos troços Serpins-Coimbra. A ido-neidade dos mais altos dignitários doregime é garantia de que este pro-cesso - Ramal da Lousã/Metro - vaiter uma solução satisfatória para apopulação da região. A dignidade daspessoas de Coimbra exige que todoshonrem a palavra dada.

*Médico e Presidente do Movi-mento de Defesa do Ramal daLousã

ramal da

loUsã/metro

mondego

Jaime ramos*

independentementede todo o contexto financeiro, salienta-seque o presidente darepública e o primeiro-ministro assumirampublicamente que sevai encontrar umasolução

o bom fUncionamento da realpolitik na aacFindado mais um período eleitoral, relativo ao sufrágio para oscorpos gerentes da Associação Académica de Coimbra (AAC), re-vela-se importante fazer uma análise da quadra politicamente

mais animada da academia.Por ser passível de interpretações ambíguas, a novidade mais rele-

vante e interessante saída destas eleições – quando comparada com osanos anteriores – está no aumento exponencial do número de votantes.Seria desejável que o conhecimento dos projetos por parte dos estu-dantes fosse o principal fator que levasse a uma tal afluência às urnas.

Quem esteve atento nos dias em que decorreu o ato eleitoral, pôdeobservar elementos das duas listas análogas, no que toca à capacidadede mobilização de votos, a circundar as várias mesas de voto. Desde asimples abordagem nas faculdades e departamentos a apelar ao votoem determinada lista, passando pelo envio de mensagens e emails au-xiliados por cadernos e documentos de excel onde figuram nomes depotenciais “votos”, juntando tudo isto com o controlo apertado do nú-mero de votantes de hora em hora, contam-se de entre as inúmeras téc-nicas que apodrecem a democracia na AAC.

É pena que, uma vez mais, se encare o cacique como um problemamenor e normal ou mesmo como uma questão cultural e não sejam to-madas medidas efetivas que punam de forma exemplar as listas cujosmembros façam uso desta prática que tem feito escola na academia deCoimbra.

Mais uma vez a questão do financiamento da campanha prova serfundamental para um bom resultado eleitoral. Enquanto não se estan-dardizar o montante disponível para a campanha de cada lista, limi-tando-a a esse valor, haverá sempre projetos em clara vantagem.

Por último, não deixa de ser repugnante o facto de haver estudantescom a fotografia e o nome nos organigramas das listas sem sequer teremtido conhecimento prévio nem terem dado a autorização para a utili-zação da sua imagem para tais efeitos.

Do Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA) que serealizou em Braga na passada sexta-feira, nove, saiu uma moçãoaprovada por unanimidade pelos dirigentes. O conjunto de

ações intitulado “Natal Negro no Ensino Superior” pretende esboçaruma reação do movimento associativo nacional ao já previsível atrasono processo de atribuição de bolsas. Não deixa de ser uma evoluçãotendo em conta que este órgão é conhecido por posições mais conser-vadoras que opta, na maioria das vezes, pelo diálogo com a tutela,mesmo quando este se revela infrutífero. A ação é simbólica, mas podeser o começo de um processo de reivindicação que se quer mais robusto.Estas medidas deveriam ter sido aprovadas logo depois de ter sido ana-lisado o regulamento de atribuição de bolsas. Mais uma vez, as deci-sões tomadas em ENDA pelos dirigentes estudantis a nível nacionalpecam por muito suaves e muito tardias.

Por Camilo Soldado

É pena que, uma vez mais, se encareo cacique como um problema menor

e normal ou mesmo como uma questão cul-tural e não sejam tomadas medidas“

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Page 24: Edição 238

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Caminhos da vida por AnA FilipA SilvA 200

x 100Quando me dizem que a vida

é cíclica, vou tentar acreditar deforma menos cética, porquecada vez mais reparo que ela éisso mesmo: um verdadeirociclo. Começamos num ponto,como uma estação de comboio,e seguimos sempre em frente,porque para a frente é que é ocaminho. E, quando finalmentedamos por nós, já voltámos aoponto de partida, seja por puraironia ou pelo simples facto de omundo ser redondo. Por isso,por mais longa que seja a nossacaminhada ou por mais adversi-dades que ela tenha e nos façamudar, nunca devemos esque-cer de onde somos e de ondevimos.

Abílio Sobral, investigador daFCTUC, trabalha novos usos para odióxido de carbono. O primeiro passoé a retenção dessas emissões, evitandoque cheguem à atmosfera. As possibi-lidades de negócio são elevadas natransformação do CO2 em metanol,formaldeído ou ácido fórmico, algunsdos compostos mais consumidos pelaindústria química. Reduzir emissõesdo gás e reconvertê-lo nestes compos-tos permite poluir menos e pouparmuito mais. A investigação segue umrumo que pode colocar Portugal navanguarda das tecnologias verdes e re-solver uma das batalhas deste século:o aquecimento global.

F.F

Badminton FCTUC Barbosa de Melo

A secção de badminton da AAC vol-tou a trazer o título de campeões na-cionais universitários de badmintonpara Coimbra. A 1 de dezembro, osatletas da casa conseguiram a revali-dação do título. Para além do pri-meiro lugar, a AAC ainda arrecadouo segundo, quarto e quinto lugares nocampeonato universitário que decor-reu em Coimbra. Apesar do sucessodesportivo, o presidente fala em faltade reconhecimento e avizinha temposdifíceis com o princípio de pagador-utilizador, podendo este custar aperda de competitividade. É entãonecessário demonstrar a excelênciado desporto da AAC, mesmo que essaesteja ameaçada. J.G.

Um ano à frente da CMC nãotrouxe mais do que iniciativas ante-riores para a dinâmica da cidade. Os“projetos estruturantes” que Bar-bosa de Melo faz questão de salien-tar são já projetos que vêm deoutros tempos. Nos projetos que de-pendem “exclusivamente” da CMC,há que concluir a obra. Já os que re-sultam de decisões tomadas pela ad-ministração central, só podemosesperar pela “pressão” da câmara.Será que até 2013 estes projetosserão mais do que isso e estarão efe-tivamente concretizados? Para umamaior afirmação de Coimbra no pa-norama nacional, é bom que sim.

A.M.

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Jornal Universitário de Coimbra

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