edição 03 revista espaço acadêmico janeiro a junho de 2011
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ESPAÇO ACADÊMICO
Faculdade Capixaba da Serra - Serravix v. 02 n. 03 Janeiro a Junho de 2011 - Semestral Diretor Geral Tadeu Antônio de Oliveira Penina Coordenadora Acadêmica Eliene Maria Gava Ferrão Coordenador Financeiro Fábio Oniz Carloni Coordenadores de Curso Ciência Política; História; Letras e Pedagogia Carina Sabadim Veloso Administração; Ciências Contábeis;Matemática e Secretariado Executivo Michelle Oliveira Menezes Moreira Engenharia Civil; Engenharia de Controle e Automação Christiany Loss Rigo Serviço Social Aline Fardin Pandolfi Bibliotecária Luciana Henrique Fernandes Presidente da Comissão Editorial Eliene Maria Gava Ferrão Comissão Editorial Eliene Maria Gava Ferrão Carina Sabadim Veloso Michelle Oliveira Menezes Moreira Oscar Omar Carrasco Delgado Endereço para correspondência Coordenação Acadêmica Avenida Desembargador Mário da Silva Nunes, nº 1000 – Jardim Limoeiro 29164-240 – Serra – ES e-mail: [email protected] Capa Alex Cavalini Pereira
Espaço Acadêmico / Faculdade Capixaba da Serra / – Serra: (jan/jun. 2011). Semestral ISSN 2178-3829 1. Produção científica – Faculdade Capixaba da Serra. II. Título
ESPAÇO ACADÊMICO
SUMÁRIO A R T I G O S A Contribuição do Dicionário no Ensino da Língua Portuguesa no Ensino Fundamental..................................................................................................................05 José Alfredo de Souza Bispo A Gramática e o Ensino................................................................................................14 Fabiane Caldeira Domingos Roziméry Baptista Fontana A Linguística e a Colonização do Espírito Santo: as Influências Sofridas pelos Colonizadores e o Inevitável Aculturamento Língüístico..........................................20 Josiane Pereira Rodrigues A Relação entre Preconceito Linguístico e o Ensino de Língua Materna: Um Olhar Sociolinguístico.....................................................................................................31 Marcos Roberto da Costa A Pronúncia Perfeita. Será que ela existe?..................................................................44 Diana Rodrigues Sarcinelli dos Santos Marcela Nascimento Neto Mariana Dionizio dos Santos A Transição Política no Brasil e a Historiografia.......................................................55 Luiz Carlos de Sousa
Língua, Letras e Liberdade (Três L’S e uns Desejos, dentre os quais: o Triunfo do
Indivíduo)..............................................................................................................78
Carlos Poleze de Andrade
Adoniran Barbosa: Um Tiro ao “Álvaro” no Preconceito Linguístico....................88
Flávia Rigo Bravim
A Evolução da Escrita.............................................................................................96
Ana Claúdia Alves Rigo
Genêros e Tipos Textuais: Porque os produzimos e como diferenciá-los..............114
Gislaine de Oliveira
ISSN 2178-3829
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A CONTRIBUIÇÃO DO DICIONÁRIO NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL
José Alfredo de Souza Bispo ¹
RESUMO
Este artigo visa refletir sobre a utilização de dicionários no ensino da língua portuguesa durante o ensino fundamental. A distribuição deste instrumento pelo MEC feita aos alunos da rede pública pressupõe a sua importância para a compreensão de textos e a ampliação do léxico. No entanto, constatado um posicionamento contrário em relação a esta contribuição por parte de alguns especialistas da educação em relação ao aprendizado, estabelece-se a necessidade de uma avaliação sobre a utilização desta ferramenta, para encontrar, no contexto escolar, a sua melhor aplicação nas aulas de produção e compreensão de textos.
PALAVRAS-CHAVE: Uso do dicionário; Lexicografia; Percepção.
ABSTRACT
This article aims to reflect on dictionaries in regard to the Portuguese teaching on the course of “ensino fundamental”. The MEC supplies of these implements among students of public school imply that they are useful to comprehension and enlargement of lexical knowledge. However, as many educational experts don’t agree with their contribution to learning, an appraisal concerned to them come a demand in the scholar context, as to find the best way of applying this tool to work with comprehension and production activities in literary classes.
KEY WORDS: Dictionary use. Lexicography. Perception
1 INTRODUÇÃO
A ideia, deste artigo, surgiu da minha dificuldade de compreensão de alguns gêneros apresentados no início da minha graduação em Letras. Destacando-se entre eles, os textos literários, por conter diversas palavras com sentido adverso em _______________________________
¹ Graduando em Letras Português/Inglês pela Faculdade Capixaba da Serra - Serravix, Serra - ES
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relação aos seus léxicos, as relações de metáfora; aliado à presença de unidades
linguísticas em desuso, resultado da dinâmica da língua. Esta extinção do vocábulo
aumentou a minha apreciação deste acervo lingüístico que constitui o dicionário. Por
outro lado, aquela alternância promoveu um questionamento acerca de sua utilidade,
uma reflexão seguida de uma investigação restringida ao âmbito escolar, ou seja, aos
dicionários gerais da língua, que descrevem as várias acepções ou significados, além de
informações gramaticais. No entanto, como toda pesquisa se caracteriza pelo processo,
negando-se, afirmando-se ou produzindo-se novos aspectos, este artigo contempla a
história do dicionário e as várias opiniões a respeito de sua utilização sob a visão
político pedagógico que influencia as práticas de ensino, para revelar novos elementos
relacionados a esta questão.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DICIONÁRIO
Os primeiros dicionários surgiram na Antiguidade Clássica, na Grécia, durante o século
I, mas as palavras não eram ordenadas alfabeticamente, correspondiam apenas à
conteúdos linguísticos e literários. Entretanto, a palavra dicionário origina-se do latim
“dici”, dicere (dizer), daí dictione(m): Ação de dizer + ário (sufixo de lugar). Como o
conhecemos hoje, o “Oxford English Dictionary” foi a primeira obra publicada,
resultado da colaboração de diversos britânicos que enviavam palavras e significados
extraídos dos livros para os editores.
Na língua portuguesa, o padre inglês Rafael Bluteau foi o primeiro pesquisador que
reuniu um vocabulário Português e Latino em oito volumes, impresso em 1721.
Posteriormente, em 1789, o “Dicionário de Língua Portuguesa” de Antônio Moraes
Silva, publicado em Lisboa, ganha destaque. Todo esse esforço para a criação e
organização de dicionários, denominado lexicografia, está presente em vários países
ocidentais, e reflete a tentativa de sistematização, que até o fim da Idade Média, existia
apenas na língua latina. Este idioma perdera a sua hegemonia em razão do
desenvolvimento da imprensa, sendo anteriormente a única língua usada nas relações
internacionais e na transmissão de conhecimentos científicos restritos ao clero. Nesse
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contexto de democratização da importância das línguas, evoluíram também os
dicionários bilíngües e plurilíngües, que apresentam uma equivalência entre os
vocábulos estrangeiros e nativos. Cabe ressaltar a distinção entre vocabulário e
dicionário. Cavalieri (apud SOUSA, Alexandre Melo, 2009, p. 5)
[...] está em que, embora sejam ambos um elenco de palavras, restringe-se o segundo a um dado fator lingüístico, que eventualmente poderá delimitar a quantidade de itens lexicais referidos. Um dicionário relaciona todos os substantivos da língua, mas um vocabulário da obra de machado de Assis, por exemplo, só relacionará aqueles tantos substantivos [...].
De acordo com o autor supracitado, o glossário estaria em posição anterior ao
vocabulário, uma vez que se aplicaria a um elenco de palavras extraídas de uma única
obra, e não de um conjunto de obras.
Ainda ilustrando o desenvolvimento do dicionário, a descoberta de uma origem em
comum das línguas indo-europeias provocou o surgimento de uma nova ciência, a
liguistica histórica, proporcionando a produção de dicionários etimológicos, que
apresentam a relação diacrônica. Concomitantemente ao desdobramento dos saberes,
surgiram os dicionários temáticos, que organizam os temas – palavras utilizadas nos
textos dos diversos ramos do conhecimento humano, como: a medicina, a mitologia, a
arte, etc. Nos últimos anos, com o desenvolvimento de novas tecnologias eletrônicas,
disseminam-se os dicionários eletrônicos, que fazem uso do meio digital e podem ser
divididos em dicionários off-line (em CD’s) e dicionários online (usados na própria rede
em tempo real) disponíveis nos celulares de última geração.
3 ESTRUTURA DE UM DICIONÁRIO
Conhecer a organização de um dicionário é fundamental para se tirar o máximo proveito
das informações apresentadas. No Ensino Fundamental enfatiza-se a necessidade de os
professores conhecerem os dicionários, além disso, várias matérias de revistas
educacionais, como “Língua Portuguesa”, e livros didáticos trazem atividades voltadas
para atingir este domínio. A estrutura de um dicionário é a divisão de suas informações.
As partes que o constituem são:
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Megaestutura
De acordo com Pontes (apud Sousa, Alexandre Melo, 2009, p. 7) “a Megaestrutura é
constituída de três partes: as partes iniciais, a nomenclatura (ou corpo) e as páginas
finais”. As primeiras abrangem o prólogo, a introdução, as normas para o uso da obra, a
lista dos colaboradores e as abreviaturas. O corpo são as apresentações dos verbetes e as
páginas finais são compostas pelos anexos, apêndices, bibliografia, etc.
Microestrutura
Ainda segundo Pontes (apud SOUSA, Alexandre Melo, 2009, p. 8), “compreende a
organização horizontal, formando o verbete (o texto de uma palavra-entrada, inclusive
ela própria), com as seguintes informações: palavra-entrada + informações gramaticais,
definição, exemplos de uso, marcas de uso e remissivas” (ato de remeter o leitor a
outros verbetes). Além deste último termo, há ainda: a abonação (frase ou enunciado,
extraído de um autor, que está sendo definida); a acepção (cada um dos sentidos ou
significados de uma palavra polissêmica); cognato (palavra que tem a mesma raiz de
outra); entrada (cada uma das palavras que está sendo explicada) e léxico (conjunto de
palavras de uma língua).
4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Desde 1920, o Governo Federal se dedicando a distribuir material didático, paradidático
e dicionários às escolas estaduais, federais e municipais e do Distrito Federal. Esta
política é legislada pelo Instituto Nacional do Livro (INL) que estabeleceu as
classificações dos dicionários pelo modelo espanhol segundo os seguintes parâmetros: o
dicionário tipo 01 possui de mil a três mil entradas e deve ser dirigido ao alfabetizandos;
o dicionário tipo 02 contêm entre três mil e quinhentos e dez mil verbetes, o tipo 03
engloba um mínimo de dezenove mil verbetes e máximo de trinta e cinco mil, suprindo
as necessidades dos alunos da série final do Ensino Fundamental.
Na verdade, a quantidade de verbetes destinada a um dicionário cabe ao Lexicógrafo
pareado com a postura da editora em relação ao dicionário que se quer produzir.
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Biderman (apud MORAES, Adriana Cardoso de, 2007, p. 23) faz a seguinte distinção:
Dicionário infantil e/ou básico é composto de mil a três mil verbetes; um dicionário escolar e/ou médio apresenta dez mil, doze mil, até trinta mil verbetes; um dicionário padrão possui cerca de cinquenta mil verbetes; e um “thesaurus” é constituído de cem mil a quinhentos mil verbetes.
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), criado em 1985 pelo Ministério da
Educação do Brasil, é uma iniciativa de amplo impacto na educação, pois objetiva
escolha, aquisição e distribuição gratuita de livros didáticos para os alunos das escolas
públicas do Ensino Fundamental. [...] Desde 2001, o Programa passou a contemplar a
lexicografia, selecionando e adquirindo dicionários para os alunos dessa etapa de ensino
(Krieger 2006, p. 236).
A política de distribuição de dicionários reflete as relações conflituosas entre a
Lingüística Brasileira e a Gramática. Enquanto autores como Alves (1990/2007), Kehdi
(1997), Basílio (1980, 1998, 2004) Marques (1996) enfatizam a necessidade de um
melhor conhecimento do léxico português, outros, como Antunes (1996), Ilari / Geraldi
(1985), Ilari (2001, 2002) e Viaro (2004) ambicionam o ensino do vocabulário e da
Semântica pela leitura. É contraditória a atitude do governo brasileiro em face às novas
tendências das Propostas Curriculares, que valorizam a linguagem e a língua falada,
com a ênfase nos dicionários.
Certamente, este instrumento é importante para saber o sentido exato das palavras, mas
não é a melhor forma de melhorar o desempenho lexical dos alunos, pois o léxico
dissociado de situações reais não tem grande proveito. Além disso, nesta fase, o aluno
não apresenta discernimento para avaliar as acepções apresentadas no dicionário, muito
menos conhecimento para compreender as informações gramaticais. Há uma proposta
para uma nova linha de associação no processo de ensino-aprendizagem, que propõe a
utilização de debates em sala de aula para desenvolver a capacidade de articulação
lingüística (Castilho, 1998/2004; Bagno, 1999). Esta sugestão coincidiu com a decisão
do Ministério da Educação e Cultura, apoiado pelas pesquisas nas universidades, de
privilegiar a conversação nas aulas de Português, publicado antes e depois da edição dos
Parâmetros: Marcuschi (1983/2009, 2001), Travaglia (1996b) Ramos (1997), Castilho
(1998a/2004).
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5 O QUE FAZER COM O DICIONÁRIO?
Muitos professores não utilizam o dicionário com os alunos que ainda não têm
proficiência; alegam que o sentido da palavra deve ser decodificado mediante pistas
contextuais, consideram a capacidade inata que todo falante de uma língua possui para
compreender novos significantes.
Este processo é análogo à capacidade matemática de concluir operações com algarismos
novos. Entretanto, o aluno, ao chegar à escola, traz consigo um repertório vocabular,
que se demonstra insuficiente quando exposto aos textos mais eruditos. Estabelece-se,
então, um entrave, pois ele não tem condições de corresponder à demanda dos textos
escritos, o que será exigido num ambiente formal para assegura-lhe um lugar de
destaque social. Recorre-se ao professor para corrigir esta inadequação, que por sua vez
indica um dicionário para corrigir esta falha.
O dicionário, como foi citado anteriormente, não é fonte de aprendizagem, mas de
consulta, para aqueles indivíduos que já estabeleceram uma relação íntima com as obras
enciclopédicas. O corpo docente alega a dificuldade de encontrar livros que estimulem
esta prática, que apresentem uma proposta de aumento gradual do conhecimento léxico.
Os livros, segundos os professores, privilegiam os exercícios gramaticais em detrimento
desta proposta, que poderia ser alcançado com o auxílio das editoras em conjunto com
lexicógrafos, lingüistas e psicólogos. A este último, caberia a adequação do material às
diversas faixas etárias, visando seus interesses e a maturidade intelectual. O ensino da
Gramática, assim como a utilização do dicionário, deveria ser uma exigência para os
níveis mais elevados do processo de educação formal. O domínio da norma padrão culta
deveria ser alcançado pela prática, pela conversação, sob a supervisão de professores,
até que esta habilidade se torne “um senso comum”. Tomando-se como exemplo este
conhecimento adquirido, que envolvem as boas práticas para a conservação da saúde, as
corretas noções de higiene, a boa administração financeira, etc., percebe-se que estas
capacidades não dependem de saber como foram formuladas, são desenvolvidas pelo
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convívio, pela prática diária. Cabe, portanto, àqueles que pretendem difundi-las, o
conhecimento profundo sobre o processo em que foram constituídos estes
conhecimentos, para conservá-los e/ou aprimorá-los.
6 UMA ALUSÃO A JEAN PIAGET
O desenvolvimento do hábito da leitura, primordial para extensão do conhecimento
léxico, deve ser iniciado, preferencialmente, no início da infância. Na fase escolar, a
escolha dos diferentes dicionários infantis para acompanhar a compreensão dos textos
apresenta várias dificuldades. Sobretudo, na acepção de palavras nos diversos gêneros
textuais.
Nas séries mais avançadas do ensino fundamental, as atividades de retextualização
exigem um conhecimento abstrato, uma capacidade de encontrar equivalências lexicais
ou de conteúdo. Segundo Piaget, esta capacidade inicia-se na adolescência, por volta
dos 12 anos. Entretanto, esta divisão cronológica não é exata, difere segundo os
diferentes tipos de inteligência do aluno. Portanto, a eficácia desta atividade cabe ao
professor. Ele é o principal intermediador para compreensão do significado no conteúdo
textual e da adequação a uma equivalência semântica nas atividades em sala de aula.
Neste aspecto, o enfoque dos profissionais de ensino que privilegiam a prática da
oralidade para o desenvolvimento da capacidade da abstração linguística, em detrimento
de uma busca por sinônimos no dicionário, vai ao encontro das considerações deste
filósofo. Quanto às séries iniciais, os alunos de 7 a 12 anos, seguindo o conceito e a
classificação de divisão etária de Piaget, o dicionário pode ser utilizado com o objetivo
de desenvolver a capacidade de ordenação alfabética, além de criar uma relação íntima
com essa valiosa ferramenta de pesquisa. Nesta fase, denominada “período das
operações concretas”, a criança apresenta:
[...] Capacidade para realizar uma ação física ou mental dirigida para um fim (objetivo) e revertê-la para o seu início. Num jogo de quebra-cabeça, próprio para a idade... Outra característica desse período é que a criança consegue exercer suas habilidades e capacidades a partir de objetos reais, concretos. Portanto, mesmo a capacidade de reflexão que se inicia – pensar antes de agir, considerar os vários pontos de vista simultaneamente [...] (Piaget apud BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. p. 122).
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Por esse pressuposto, a utilização do dicionário para atividades como: a busca de
variadas acepções lexicais, ou a análise de definições polemicas do ponto de vista
ideológico, devem ser ministradas respeitando-se um critério fundamental: a maturidade
intelectual do aluno, a sua preparação para exercer uma função investigadora. Essa
circunstância deve ser avaliada atentamente pelo professor. À medida que o aluno
apresenta condições de lidar com conceitos e criar hipóteses, estará pronto para
caminhar por si mesmo. É nesse momento que a relação com o dicionário poderá ser
muito mais abrangente, que toda a sua riqueza poderá ser explorada, conforme as
observações de Matheus (1955 apud WELKER, Helbert Andreas. p. 3).
Dicionários são instrumentos – muito mais complicados e com muito mais usos do que os estudantes imaginam. Nós todos sabemos que os alunos precisam de estímulo e de orientação no uso de dicionários, e talvez haja poucos professores de redação dedicando uma parte de seu programa a ajudar os estudantes a formarem o hábito de consultar dicionários.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que a fala antecede a escrita e que a criação de texto exige um maior respeito
aos padrões ideais da língua. Para alcançar esse objetivo, considerando a pouca
experiência de vida dos jovens do ensino fundamental, é necessário criar debates,
sugerindo temas e estimulando o senso crítico, para que tenham a matéria prima de suas
produções textuais.
A instauração de um ambiente inquisidor tornará propícia a utilização do dicionário. Ele
poderá corresponder à necessidade dos alunos de se municiarem de novas palavras,
consultando o seu uso no momento em que estiverem exercendo a escrita, isolados por
essa atividade. Mas, é fundamental que este instrumento esteja acessível, presente em
profusão na sala de aula. Dessa maneira, ele se tornará, gradualmente, pela proximidade
física, uma fonte de pesquisa e comparação.
É oportuno lembrar que esse material didático não auxilia apenas as atividades de língua
portuguesa. Ele também deve estar presente em todas as outras disciplinas. Todos os
professores devem cultivar o seu uso. Restringir o dicionário às aulas de português
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equivale dizer ao aluno que a capacidade de interpretar e produzir textos só são
aplicáveis a esta disciplina.
8 REFERÊNCIAS
1. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes
Trassi. Psicologias: Uma introdução ao estudo de psicologia. 14º Edição. São Paulo; Saraiva, 2009.
2. CARVALHO, José Augusto. O descompasso do verbete. Revista Língua, São
Paulo, ano 4, n. 46, p. 42-45. 2009
3. CASTILHO, Ataliba T. de. Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo; Ed. Contexto, p. 99-102. 2010.
4. HILGERT, Mariana. A lipoaspiração dos dicionários. Revista Língua, São Paulo, ano 4, n. 48, p. 26-29. 2009.
5. Machado, Josué. A insustentável leveza do verbo. Revista Língua, São Paulo, ano 4, . 56, p. 26-27. 2010.
6. MORAES, Adriana Cardoso de. A contribuição do dicionário de língua portuguesa em sala de aula de ensino fundamental: Dissertação (Mestrado em Estudos linguísticos). São Paulo; Universidade Estadual Paulista, 2007. Disponível em: <http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/brp/33004153069P5/2007/moraes_ac_me_sjrp.pdf>. Acesso em: 21 Ago 2010.
7. SOUSA, Alexandre Melo de. O uso do dicionário em sala de aula: documento
de trabalho. Acre; UFAC, 2009. Disponível em: <http://www.myebook.com/ebook_viewer.php?ebookId=4661>. Acesso em: 20 ago.2010.
8. TORRÃO, João Manoel Nunes. A aquisição de vocabulário e o uso do
dicionário. II Colóquio Clássico – Actas, Universidade de Aveiro, 1997, pp. 175-187. Disponível em: < http://www2.dlc.ua.pt/classicos/Dicionario.pdf>. Acesso em 21 Ago 2010.
9. WELKER, Helbert Andreas. Sobre o uso de dicionários. Brasília; Unb, 2008.
Disponível em: < http://www.let.unb.br/hawelker/CELSUL8.pdf>. Acesso em 30 Ago 2010.
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A GRAMÁTICA E O ENSINO
Fabiane Caldeira Domingos² Roziméry Baptista Fontana³
RESUMO
Muito se tem pesquisado com relação ao ensino de gramática e seus avanços como ciência da linguagem. Questionamentos são feitos, e entre eles, se deve-se ensiná-la ou não e como ela deve ser aplicada em sala de aula. Um dos pontos abordados é com relação ao ensino por meio de palavras isoladas. Não há um único modelo a ser seguido por todos, mas se faz necessário mostrar como o professor pode explorar esses conhecimentos para ensinar gramática. Neste artigo, pretendemos trazer alguns conceitos sobre gramática e sua aplicabilidade em sala de aula, e as dificuldades decorrentes da complexidade do tema abordado.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de gramática; Conceitos; Palavra; Questionamentos;
Professor.
ABSTRACT
Much has been searched with regard to the education of grammar, and its advances as science of the language. Questionings are facts, and between them, if we must teach it or not and as it must be applied in classroom. One of the boarded points is with regard to education by means of isolated words. It does not have an only model to be followed by all, but if it makes necessary to show as the professor can explore these knowledge to teach grammar. In this article, we intend to bring, some concepts on grammar and its applicability in classroom, and the decurrent difficulties of the complexity of the boarded subject.
KEY WORDS: Education of grammar; Concepts; Words; Questionings; Teacher.
_______________________________________________________________ Graduanda² do Curso de Letras Português/Espanhol da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix, Serra – ES. Graduanda³ do Curso de Letras Português/Inglês da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix, Serra – ES.
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1 INTRODUÇÃO
Todas as abordagens apresentadas têm por finalidade apresentar a gramática com
relação a seus conceitos e como se dá a utilização deles na realidade escolar. Por
exemplo: uma pessoa adulta e capaz saberá relatar com precisão um acontecimento ou
um objeto que conheça, mesmo que essa determinada pessoa seja analfabeto funcional,
conseguirá fazer uso da gramática e de suas variantes para se comunicar, pois este
usuário utiliza seu conhecimento de mundo.
Os professores nem sempre têm consciência disso, pois trata-se de um aspecto de nosso
conhecimento implícito dos mecanismos da nossa língua; somos capazes de tomar
decisões e fazer julgamentos de aceitabilidade, baseando-nos em um tipo de
conhecimento que manejamos com facilidade, pois todo falante nasce com a capacidade
de formular sentenças e se comunicar por meio delas, manifestando sua liberdade de
expressão, tornando-se um poliglota em sua própria língua, sendo capaz de decodificar
outras modalidades linguísticas com as quais entra em contato. Cabe à escola ensinar os
vários níveis de uso da língua, desde a forma mais coloquial até o mais formal,
observando as características do interlocutor, tais como idade, sexo, posição social,
possibilitando ao aluno a forma mais adequada para cada tipo de situação. Então, por
que ensinar gramática?
Primeiro, vamos conceituá-la.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA GRAMÁTICA
Há muito já se discutia sobre a estrutura de gramática pautada nas carências de
entendimento linguístico da população brasileira. Com o passar dos anos ficou clara a
necessidade de uma re-elaboração da gramática levando em conta a realidade de nossa
sociedade. Fala-se muito sobre gramática e como se dá essa estrutura, mas o que é a
gramática? Há várias definições, tais como a de Celso Pedro Luft.
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O que capacita o falante a construir ou interpretar quaisquer frases da língua é a gramática, sistema limitado de regras que gera frases ilimitadas – em número e extensão -, todas as frases bem formadas da língua, nem mais nem menos, ligando sentido e som, e aliando às frases geradas uma descrição estrutural. Toda gramática deve ser um esforço no sentido de explicitar esse sistema gerador de frases interiorizado pelos falantes. (Luft, 2002, p- 22).
Segundo Bechara (1989, p. 12), a gramática é um conjunto de sistemas que apresentam
coincidências e diferenças entre si. Para o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa,
gramática é uma exposição metódica e documentada das regras da língua. Já para
Possenti4, uma gramática é a reunião de um conjunto de regras que devem ser seguidas
para falar e escrever corretamente, utilizando-se de regras ortográficas, morfológicas e
sintáticas. E ainda, como um conjunto de conceitos e análises, destinados não ao ensino
do uso da língua, mas a produzir certo saber da estrutura da língua, como a classificação
de sons e palavras, a análise morfológica e sintática, e tópicos de semântica.
Em nossas gramáticas, há uma diversidade tal de conceituação a respeito dos fatos
gramaticais, que nos leva a uma multiplicidade de análise com relação ao objetivo,
estrutura e funcionamento da língua e ainda elabora definições de vários pontos de vista
e da tônica contraditória que nelas predomina.
3 O QUE DEVE-SE ENSINAR EM SALA DE AULA.
Segundo Bagno (2001, pg.), deve-se ensinar a norma-padrão, pois só pode-se ensinar o
que o aluno ainda não sabe, haja vista que essa norma não é língua materna, nem dialeto
e tão pouco variante.
Ensinar o padrão se justificaria pelo fato dele ter valores que não podem ser negados – em sua estreita associação com a escrita, ele é o repositório dos conhecimentos acumulados ao longo da história. Esses conhecimentos, assim armazenados, constituiriam a cultura mais valorizada e prestigiada, de que todos os falantes devem se apoderar para se integrar de pleno direito na produção/condução/transformação da sociedade de que fazemos parte. Também não quer dizer simplesmente levar o aluno a conhecer todas as regras padronizadas, a familiarizar-se com elas, para saber aplicá-las com precisão e adequação. (apud Bagno, 2001, p – 59).
___________________________________________________________________ 4POSSENTI, Sírio. As Faces da Gramática. Revista Língua Portuguesa. Ed. Segmento. Nº 59, ano 5, pág. 37, Setembro 2010.
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Nossa intenção não é dizer como se estabelecem tais normas, e as relações de poder que
estão por trás delas. O que queremos ressaltar é que atualmente, o ensino de gramática
se faz necessário, para munir os alunos de conhecimento no uso da linguagem adequada
as mais diversas situações comunicativas em que eles estiverem inseridos, que vão além
das situações escolares, estendendo-se para quaisquer situações de sua vivência no meio
social de forma mais efetiva e eficaz.
O ensino de gramática não deve ser explicado e exercitado com palavras e frases
isoladas, utilizando somente a regra pela regra. Não deve-se utilizar textos apenas com o
intuito de retirar deles palavras ou frases, continuando com um ensino meramente
normativo e classificatório. É necessário que esse ensino mais sistematizado da
gramática seja visto em uso e para o uso, constatando sua funcionalidade e procurando
inseri-lo em situações reais ou que se aproximem o máximo possível dessa realidade.
A escola deve trabalhar para que seus alunos tornem-se capazes de ler e escrever na
língua padrão, textos de formas variadas. E não se consegue isso somente por
exercícios, mas por meio de práticas significativas. Entretanto, é necessário fazer uma
distinção entre o que é saber gramática, a capacidade de fazer análises linguísticas e a
aplicabilidade no falar, escrever, e constituir-se num usuário eficaz da língua.
Ensinar gramática é ensinar a língua em toda a sua variedade de usos, e ensinar regras é ensinar o domínio do uso. Por mais que isso possa parecer paradoxal é o conhecimento da língua que faz com que compreendamos aquilo que os compêndios gramaticais dizem a seu respeito e é eventualmente a falta de domínio de determinada estrutura que faz com que os alunos apresentem dificuldades na análise. (Possenti, 1996 p. 86).
Não se pode tratar da gramática sem considerar o sistema em que ela está inserida. Tem
que haver um cuidado especial para que os alunos não se tornem meros repetidores. É
só refletindo sobre a língua que se pode chegar com clareza ao sistema que a regula.
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3.1 QUAL O OBJETIVO DO ENSINO DE GRAMÁTICA E O QUE É ENSINADO?
Muitos consideram o ensino de gramática como base indicativa para uma melhor
articulação linguística, ou seja, falar e escrever bem, e como bom desempenho social e
profissional. Diante disso, vem a indagação: o quê e para que ensinar? As respostas nem
sempre são satisfatórias, visto que, o professor muitas vezes não sabe como aplicar as
normas à realidade de seus alunos, que a vêem como regras prontas de uma língua
morta. Porém a sociedade exige um ensino de gramática normativa como ideal de
aprendizado.
Para Celso Luft (1985, p. 93). Quem sabe, o único objetivo da teoria gramatical na
escola talvez seja simplesmente cumprir programas, manter uma tradição multissecular.
Afinal, não é assim que sempre se fez?
E o professor, se não tivesse sintaxes e concordâncias, regências e colocações de
pronomes, morfologias e fonéticas a ensinar, o que faria em sala de aula?
Cláudio Cavalcanti5 responde: A gramática normativa tem seu valor positivo por
apresentar amplos registros sobre a língua que podem servir de saber para estudos de
fenômenos não citados oficialmente, mas que estão em pleno uso. É o caso do
hipertexto, atualmente tão presente na sociedade, principalmente depois do advento
globalizante da internet, que permite um uso não-linear e multissemiótico. Contudo, não
pode ser tomada como verdade absoluta e incontestável.
Porém, é por meio do ensino de gramática que aluno amplia e desenvolve o raciocínio e
a capacidade de analisar e refletir sobre a sua língua. Com o decorrer do aprendizado, o
aluno passa a usar suas habilidades linguísticas de forma mais consciente, permitindo-
lhe uma melhor interpretação do que lê, de como se comunica e utiliza seus
conhecimentos gramaticais aliados ao seu conhecimento de mundo.
___________________________________________________________________
5CAVALCANTI, Cláudio. A Gramática e o Ensino de Língua Portuguesa. Revista
Língua Portuguesa. Ed. Escala Educacional. Nº 18, pág. 32.
19
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises feitas mostraram a importância da reflexão sobre o tema abordado e como
deve ser apresentada a gramática aos alunos. Deve-se sim ensinar a gramática
normativa, mas não de forma absoluta e incontestável, levando em consideração o
conhecimento de mundo internalizado no aluno, para que ele possa por meio de sua
intersubjetividade desenvolver sua habilidade de percepção, reflexão e como aplicará o
seu aprendizado. Cabe ao professor promover a renovação dos métodos de
ensino/aprendizagem da língua e à escola desenvolver objetivos específicos, culturais e
projetos sócio educacionais bem estruturados para que haja mais clareza e
funcionalidade nos programas e métodos de ensino.
5 REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Português ou Brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo:
Parábola Editorial, 2ª Ed, 2001.
BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ed.
Ática, 4ª Ed, 1989.
CAVALCANTI, Cláudio. A Gramática e o ensino de Língua Portuguesa. Revista
Língua Portuguesa. Ed. Escala Educacional. Nº 18, pág. 32, (?).
LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade. Por uma nova concepção da língua materna.
Rio Grande do Sul: 1985.
PERINI, Mário A. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ed. Ática, 1997.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo: Mercado de
Letras, 2008.
________. As Faces da gramática. Revista Língua Portuguesa. Ed. Segmento. Nº 59
ano 5, pág. 37, Setembro 2010.
20
A LINGUISTICA E A COLONIZAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO:
AS INFLUÊNCIAS SOFRIDAS PELOS COLONIZADOS E O INEVITÁVEL
ACULTURAMENTO LINGUÍSTICO.
Josiane Pereira Rodrigues6
RESUMO
O presente artigo fala sobre a Colonização do Espírito Santo, bem como as influências sofridas pelo nosso estado, quando da posse do Brasil por parte dos portugueses, chegando até o Espírito Santo. Descreve como o nosso estado sofreu e sofre até os dias de hoje, por ser caracterizado como um estado sem identidade cultural e, principalmente, linguística. Ao longo deste artigo será possível perceber que o Capixaba possui, sim, uma subjetividade cultural e lingüística.
PALAVRAS – CHAVE: Espírito Santo; colonização; herança; influências; disseminação
cultural.
ABSTRACT
This article talks about the colonization of the Espírito Santo, as well as the influences experienced by our state, when the inauguration of Brazil by the Portuguese, came to the Espírito Santo. Describes how our state has suffered and suffers until the present day, being characterized as a state without cultural identity and primarily linguistic. Throughout this article you will see that the Capixaba has rather a cultural identity and language itself.
KEY WORDS: Espírito Santo; colonization; inheritance; influence; dissemination
cultural.
6 Graduanda do Curso de Letras – Português e Espanhol (SERRAVIX) e professora de língua portuguesa do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Médio Clóvis Borges Miguel.
21
1 INTRODUÇÃO
1.1 O QUE É LINGUISTICA?
Segundo Mario Eduardo Martelotta7, no livro Manual de Linguistica8 cuja organização
foi feita pelo próprio Mário, o linguista pergunta o que se entende por linguagem, já que
a denominação é pouco clara e utilizada tão erroneamente, descrevendo então, que a
linguistica é definida como uma disciplina que estuda cientificamente a linguagem.
(2009, p.15).
Ele define como linguagem o processo de comunicação, o ato de comunicar-se, pura e
simplesmente, descrevendo que todos os seres (humanos e animais) comunicam-se
através da linguagem, seja ela corporal, através das artes, sinalização, linguagem escrita
ou qualquer outra que faça com que as pessoas nos entendam e se entendam.
A língua, por sua vez, nada mais é que o conjunto de signos utilizados como meio de
comunicação entre os integrantes de grupos sociais.
Tendo conhecimento de que a língua utilizada por determinado grupo social é a sua
identidade, conheceremos um pouco da identidade do Espírito Santo e como a
colonização sofrida por este Estado foi fator crucial na definição de sua identidade
linguística.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 QUEM HABITAVA O ESPÍRITO SANTO ANTES DA COLONIZAÇÃO E DA
CHEGADA DO PORTUGUÊS VASCO FERNANDES COUTINHO?
De acordo com livro História e Geografia – Espírito Santo, dos autores Thais Helena
Moreira e Adriano Perrone, as terras do Espírito Santo eram utilizadas por todos os
7Doutor em Linguistica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenador geral do Grupo
de Estudos Discurso & Gramática. Membro do Projeto para a história do português brasileiro é organizador e co-autor de diversos livros de destaque na área. 8MARTELOTTA, Mário. (Org.) Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2009
22
Tupinikins (grupos aldeados somente no Espírito Santo atualmente), nas quais era
permitido colher, plantar e fazer atividades de extração. Não existia um dono.
Outros grupos são o dos Temiminós, que foram aliados dos portugueses defendendo a
capitania de Vasco (atualmente não existem no Espírito Santo); os Guaranis, que
vieram do sul do país e se estabeleceram em Aracruz e o grupo dos Botocudos,
formados por índios de várias tribos, como crenaques, pancas, aimorés, goitacazes e
outros.
No que concerne às famílias linguísticas ainda existentes no Espírito Santo, é possível
encontrar a dos Maxacalis, que é um conjunto de vários outros grupos e a família dos
Puris, que atualmente são famílias isoladas e que vivem hoje em Conceição do Castelo,
Muniz Freira e Iúna, sem uma identidade cultural, sem assistência da FUNAI e em
processo de miscigenação.
2.2 O PROCESSO HISTÓRICO DE COLONIZAÇÃO DO SOLO ESPÍRITO
SANTENSE
A Colonização do Espírito Santo foi iniciada durante a Colonização do nosso país.
Cristóvão Jacques, o guarda-costas, líder da Expedição Guarda-costas, ocorrida entre
1516 e 1526, no processo de Colonização do Brasil, informou ao rei de Portugal que a
única forma de livrar-se dos contrabandistas e garantir a posse das terras era
desenvolver a colonização através da ocupação e povoamento.
Com o objetivo de combater os franceses, explorar o litoral e iniciar efetivamente a
colonização da terra, Martim Afonso veio para o Brasil com sua expedição, já em São
Vicente (região de Bertioga, em São Paulo e Paraná), em 1532 e recebe uma carta do rei
de Portugal, D. João III, na qual lhe informa que o território brasileiro seria dividido em
faixas extensas de terra, as quais seriam denominadas Capitanias Hereditárias. Sem
dinheiro para investir no processo de colonização, essa tarefa foi transferida para as
mãos da iniciativa particular (o que hoje chamamos de privatização).
23
Em 1534, o rei de Portugal divide em quinze lotes (as chamadas capitanias) e os entrega
às pessoas de boas condições financeiras, chamadas de donatários. Com a morte do
donatário, a administração passaria para seus descendentes, justificando-se, assim, o
nome Capitanias Hereditárias.
Dentre as quinze Capitanias, está a Capitania do Espírito Santo, cujo donatário foi
Vasco Fernandes Coutinho.
A chegada do então donatário às terras do Espírito Santo, em 23 de maio de 1535,
exatamente ao pé do Morro do Moreno (Prainha), não foi nem um pouco amistosa. Os
índios – grupo de tupis – foram vistos na praia, tentando impedir o desembarque.
Disparos foram efetuados para afugentar os índios. Os europeus, finalmente,
desembarcaram e batizaram de Vila do Espírito Santo, nome recebido, devido ao dia em
que o fato ocorreu, um domingo de Pentecostes.
Deu-se inicio o processo de povoamento de Vitória. O povoamento ocorreu devido à
ausência de Vasco Fernandes Coutinho, que se afastou por sete anos para angariar
recursos e ajuda humana.
Alguns portugueses, liderados por Duarte Lemos fugiram para a ilha de Vitória, após
sofrerem com os ataques dos Aimorés e Goitacazes. Duarte Lemos recebeu a carta de
doação da Ilha de Santo Antônio, hoje a capital Vitória.
A primeira obra missionária realizada pela Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de
Loyola Brandão, foi no Espírito Santo, através do jesuíta Afonso Brás. Seu objetivo era
a conversão do gentio ao catolicismo.
José de Anchieta, jesuíta conhecido por suas andanças e por sua contribuição no
processo de evangelização dos índios, passou pelo Espírito Santo e aqui morreu, aos 63
anos, dando origem a peregrinação denominada “Os passos de Anchieta9”, que se
tornou tradição no Estado Espírito Santo, cuja ideia é refazer a rota do denominado
primeiro andarilho brasileiro.
Os Passos de Anchieta é o nome do roteiro que reconstitui a trilha habitualmente percorrida pelo Padre Anchieta nos seus deslocamentos da
9 ABAPA - Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta – ES – Brasil – www.abapa.org.br
24
Vila de Rerigtiba , atual cidade de Anchieta, á Vila de Nossa Senhora da Vitória onde cuidava do Colégio de São Tiago, em caminhadas quinzenais que ele empreendia nos últimos anos de sua vida quando preferiu recolher-se à vila indígena nas costas do Espírito Santo que tanto lhe evocava a sua San Cristoban de Laguna, em Tenerife, nas Ilhas Canárias, onde nasceu.( ABAPA - Associação Brasileira do Amigos dos Passos de Anchieta – ES – Brasil – www.abapa.org.br).
O Espírito Santo sofreu ataques estrangeiros, como o dos franceses, ingleses e
holandeses. Já no período do Império Brasileiro, recebe forte imigração europeia, isso
porque era necessária mão de obra braçal para a lavoura cafeeira. Com isso se deu
origem a diversos Núcleos Coloniais, tais como o de Santa Leopoldina, que abrigou
suíços, alemães, portugueses, holandeses, pomeranos, italianos e belgas, havendo forte
predomínio de Pomeranos no Espírito Santo.
O ensino do pomerano acontece a partir da quinta série do ensino fundamental, já o
português só é praticado no espaço escolar, uma vez, já que a grande maioria dos
falantes das cidades com população inteiramente pomerana tem o dialeto como língua
materna.
2.3 AS HERANÇAS LINGUÍSTICAS DEIXADAS PELOS COLONIZADOS, PELOS
COLONIZADORES E IMIGRANTES.
Quando se fala em Colonização, fala-se em agrupamento e disseminação de cultura,
costumes, comida e, principalmente língua. E foi exatamente isso que aconteceu com o
Espírito Santo. Com a Colonização realizada pelos portugueses, vários foram os grupos
étnicos que para cá vieram.
Para começar, é de suma importância conhecer a origem do termo Capixaba,
denominação dada para as pessoas que nascem no Estado Espírito Santo.
O termo capixaba, de acordo com alguns estudiosos da língua tupi, língua predominante
dos grupos que aqui viviam, capixaba significa roça, roçado, terra limpa para plantação.
Os índios habitantes no estado chamavam de capixaba sua plantação de milho e
mandioca. Com isso, os índios passaram a ser chamados de capixabas, posteriormente a
denominação foi estendida às pessoas que nasciam no Espírito Santo.
25
Alguns estudiosos levantam uma questão muito importante no que concerne à
população capixaba. O Espírito Santo e seus capixabas têm uma identidade? Muitos
historiadores defendem a ideia de que os capixabas possuem, sim, uma identidade,
cultural, social, econômica e, principalmente, linguística.
Há quem diga que o Espírito Santo se esconde atrás da identidade carioca, paulista e,
em especial da mineira. Ledo engano.
O Espírito Santo foi sim a porta isoladora de maus feitores contrabandistas que queriam
se valer das jazidas de minas descobertas no então Estado de Minas Gerais, tendo os
capixabas como o empecilho para tal ação. O povo capixaba possui uma identidade e
um subjetivismo que não pode ser, em hipótese alguma negado.
O professor e escritor capixaba Francisco Aurélio10 descreve que, em 1998 (2001, p.
66), houve um Congresso Nacional de Antropologia, na Universidade Federal do
Espírito Santo, no qual a professora Antonia Colbari, levanta a pergunta: “Existe uma
identidade Capixaba?”
Segundo os presentes, participantes da mesa redonda e a professora, o Capixaba possui
uma identidade e tem como marca a discrição, não se fazendo perceber diante dos
estardalhaços feitos pelos mineiros, cariocas, gaúchos e baianos.
Para ela, a famosa moqueca não faz diferença no cardápio daqueles que foram criados à
base de frango com quiabo ou tutu à mineira. Nem o nosso Convento é tão significativo,
já que as igrejas são um marco da construção histórica do país.
Analisemos a linguística, ou melhor, a língua capixaba.
Se o carioca puxa o s, fazendo um som estridente no final das palavras, o paulista
enfatiza o r, o mineiro faz contrações das palavras, fazendo uso dos metaplasmos, tais
como “procê” em vez de “para você”, “ocês” em vez de “você”, os gaúchos fazem uso
10
AURÉLIO, Francisco, co-autor do livro Identidade Capixaba, Escritos de Vitória.
26
do formal tu, herança tipicamente portuguesa, os capixabas também possuem suas
particularidade linguísticas.
De acordo com a professora Antônia, o morador da ilha de Vitória tem seu próprio
linguajar como ditongando, por exemplo, certas palavras, as quais não devem ser
ditongadas, tais como “carangueijo” em vez de (“caranguejo”), “bandeija” em vez de
(“bandeja”).
Nosso vocabulário tem suas particularidades, tais como o verbo “pocar”; o capixaba
quando tem sucesso em alguma empreitada, diz que “pocou”, ou simplesmente se
“poça” de rir de uma piada.
É possível encontrar em sites de relacionamento várias comunidades dedicadas ao
Estado do Espírito Santo, tais como “Ser Capixaba”, “Capixabês”, “O Espírito Santo
também é estado”: as duas primeiras, descrevendo o jeito de falar do nativo desse
estado; a terceira, fazendo uma crítica aos meios midiáticos que excluem o Espírito
Santo ao pensar em um lugar para ser cenário de uma novela, ao não mencionar o
estado ao falar da previsão do tempo, ao dar ênfase às más notícias oriundas do Estado,
sem valorizar o que há de bom no território capixaba.
Na comunidade “Ser Capixaba”, há uma série de palavras cujos significados são os
mesmos das palavras “usuais”, todavia, estas são utilizadas de maneira singular pelo
capixaba. Diz a Comunidade:
Ser capixaba é ser capaz de conjugar o verbo pocar, (eu poco, tu pocas, ele poca);
E ainda, em qualquer lugar do Brasil a bola estoura, para o capixaba ela "poca";
ele não bate na cara de alguém, ele “poca a cara”;
capixaba não vai embora, capixaba "poca fora";
capixaba não abre um coco, ele “poca o coco”;
capixaba não vê lagartixa; vê "taruíra";
capixaba não desembarca do ônibus; "salta";
capixaba não liga o pisca; "dá seta";
capixaba não para no semáforo; para no "sinal";
capixaba não come pão francês; come "pão de sal";
capixaba não acha sem graça; acha "palha";
27
capixaba não sente agonia; sente "gastura";
capixaba não acha legal; acha "massa";
capixaba não se estressa; fica "injuriadu";
capixaba chama a farinha de "mandioca", mas o bolinho é de "aipim";
capixaba não vai dormir, vai "deitar”.
É uma das pequenas amostras da língua do Espírito Santo.
O único lugar onde se come “moqueca” é no Espírito Sant; em outros lugares come-se
“peixada”. Há, inclusive, segundo o escritor e psicólogo Oscar Gama Filho11 (2001, p.
157), um projeto para que seja adotado o termo muqueca, que é o mais adequado devido
a sua etimologia, que deriva do quimbundo mu’keka, que significa “caldeirada de
peixe”, palavra de origem africana e que não tem relação com a palavra “moqueca”, que
vem da palavra indígena “moquém” e que se refere à grelha de varas, para assar ou
secar a carne ou peixe.
A moqueca capixaba é feita, normalmente, nas tão famosas panelas de barro, artesanato
internacionalmente conhecido, de fabricação capixaba, através das mãos das paneleiras
de Vitória. Também é na panela de barro que é feita a famosa torta capixaba, prato
típico do Estado Espírito Santo, servido, tradicionalmente, na Semana Santa, quando,
biblicamente, não se pode comer carne vermelha. Em estados como Minas Gerais, por
exemplo, come-se bacalhoada.
Outra particularidade do capixaba é a sua música, o Congo, ritmo de origem folclórica e
religiosa que está ganhando cada vez mais visibilidade, através das bandas capixabas,
como a banda Casaca.
E se não for suficiente dizer todas estas peculiaridades da cultura capixaba, do seu
particular linguajar e do seu subjetivismo linguístico, cabe mencionar certas falas
capixabas que circulam por todo o estado, particular de alguns dos 78 municípios do
11
FILHO, Oscar Gama, escritor e psicólogo, co-autor do livro Identidade Capixaba, Escritos de Vitória.
28
Estado Espírito Santo. Dentre algumas expressões e provérbios capixabas já
publicados12, estão:
a) Quem sabe do tempero da panela é a colher: ouvido em Vitória e significando
que ninguém saberá melhor sobre um indivíduo do que alguém de sua maior
intimidade ou convivência. Equivalendo também a outra expressão “Eu é que sei
onde o sapato me aperta”.
b) Se está com pressa, calce as botas: do muncipio de Anchieta, aos afobados
hesitantes para que logo se ponham a caminho ou façam o que têm de fazer sem
importunar os outros.
c) Cara: entre o povo, só se emprega referindo-se a animais. Senão replica logo:
cara é de cavalo, gente tem é rosto.
d) Ponga: o mesmo que carona, passagem “filada” ou oferecida pelo dono do
carro. Acrescido do verbo pongar, que significa também tomar um veículo em
movimento. Velho conhecido ainda em todo o Espírito Santo.
e) Lugar grande, morar nele; lugar pequeno, passar por ele: este ditado ouvimos
em Alfredo Chaves do cidadão Chico Pinto, verdadeiro andarilho, sempre de
branco e que, furando tresléguas a pé, varava todo o Espírito Santo.
12
FRAGA, Cristiano Ferreira. “Falares Capixabas”. www.jangadabrasil.com.br As expressões foram retiradas exatamente como descritas no site, preservando a forma como são faladas, independente dos erros existentes. As expressões foram retiradas exatamente como descritas no site, preservando a forma como são faladas, independente dos erros existentes.
29
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das inúmeras discussões, ainda pairam muitas dúvidas em nossas mentes sobre a
existência ou não da identidade cultural e linguística do capixaba.
Podemos ser definidos, apenas, como o povo que serviu de guarda-costas para evitar as
invasões às Minas Gerais ou como o povo que mescla entre os falares mineiro, carioca,
paulista e baiano, fazendo empréstimos linguísticos por não possuir linguagem própria.
Na verdade possuímos uma identidade peculiar que de tão discreta, é imperceptível aos
olhos de nossos vizinhos de região, como disse a Professora Antonia Colbari, no
Congresso de 98, da UFES – Universidade Federal do Espírito Santo.
Porém, a própria população capixaba não tem instrução de que é detentora de uma
cultura e uma linguística própria, isso porque foram convencionalmente induzidos a
acreditar que o Espírito Santo nada mais é do que um estado que herdou dos estados
vizinhos sua cultura, seu linguajar, seus modos, entre tantas outras coisas.
Diante das exposições feitas permanece a incógnita acerca da identidade linguística e
cultural capixaba, que deve ser minuciosamente estudada, defendida e divulgada, para
que deixemos de ser a sombra dos demais estados que firmaram e expuseram sua
identidade.
Diante dessa convenção, na qual o capixaba assume erroneamente que de fato não
possui suas particularidades, é possível encontrar em um site de relacionamentos uma
comunidade denominada “Identidade Capixaba”, que diz: “Congo, panela de barro,
beija-flor, cultura pomerana?
O capixaba não é uma caricatura viva como os mineiros, paulistas e cariocas, somos
alguma outra coisa, muito mais sutil, mas que ainda nos resta definir”.
30
4 REFERÊNCIAS
MARTELOTTA, Mário. Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2009.
MOREIRA, Thais Helena.; PERRONE Adriano. História e geografia. Espírito Santo.
Vitória, ______,2008
_____. Identidade capixaba. Escritos de Vitória. Vitória. Prefeitura Municipal de
Vitória, 2001.
COTRIM, Gilberto. História e consciência do Brasil. Saraiva. 1999
31
RELAÇÕES ENTRE PRECONCEITO LINGUÍSTICO E ENSINO DE LÍNGUA
MATERNA: UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO
Marcos Roberto da Costa13
“Para dizerem milho, dizem mio
Para melhor, dizem mió Para pior, pió
Para telha, dizem teia Para telhado, dizem teiado
E vão fazendo telhados.” Oswald de Andrade
RESUMO
Este trabalho concentra-se na relação entre preconceito linguístico e ensino de português como língua materna. Parte-se do pressuposto de que o preconceito linguístico está ligado à manutenção de crenças equivocadas a respeito do conceito de língua e ensino de gramática. Sob a perspectiva sociolinguística, objetiva-se não só uma reflexão a respeito do preconceito linguístico e de seu impacto no ensino de português como também a apresentação de alternativas na luta a favor da erradicação do preconceito linguístico e de um ensino de língua materna que proporcione ao aluno o desenvolvimento efetivo de competências linguísticas e discursivas. PALAVRAS – CHAVE: Preconceito lingüístico; Gramática; Ensino de língua materna;
Sociolinguística.
ABSTRACT
This study focuses on the relationship between linguistic prejudice and the teaching of Portuguese as a first language. It is assumed that linguistic prejudice is closely connected with mistaken concepts of language and proper approaches to grammar. From the sociolinguistic perspective, the assumptions made throughout this study are centered on the refection on linguistic prejudice and its impact on the teaching of Portuguese as well as suggestions concerning the fight against linguistic prejudice and the struggle for the teaching of Portuguese that can provide students with the effective development of discourse and linguistic competence.
KEY WORDS: Linguistic prejudice; Grammar; Portuguese language teaching;
Sociolinguistics.
13 Mestre em Linguística Aplicada ao Ensino e Aprendizagem de LE, UFF, professor da Faculdade Capixaba da Serra - Serravix e do CCAA.
32
1 INTRODUÇÃO
O preconceito linguístico e a abordagem tradicional de gramática no ensino de
português são isoladamente assuntos que geram inúmeras considerações. No entanto, o
trabalho que aqui se delineia tem como foco fazer uma reflexão crítica e construtiva a
respeito dos problemas provenientes da relação entre preconceito linguístico e ensino de
português e, por conseguinte, apresentar considerações a respeito de alternativas que
possam contribuir para a superação do preconceito linguístico e para o desenvolvimento
de um ensino de língua materna mais relevante e comprometido com as necessidades
reais do aluno.
Em função de a língua ser uma realização eminentemente social, as considerações feitas
ao longo deste trabalho partem de uma perspectiva sociolinguística, uma vez que a
sociolinguística é uma disciplina da linguística que se concentra na investigação dos
aspectos resultantes da íntima relação que existe entre língua e sociedade.
Parte-se da premissa de que a escola e, mais especificamente, o ensino de português à
luz da gramática normativa atuam na aquisição das formas socialmente prestigiadas e na
erradicação das formas estigmatizadas, na medida em que estas são registradas “[...]
como vício ou erro nas gramáticas escolares e nos manuais de descrição, estudo e
ensino da língua, sobretudo nos níveis fundamental e médio” (VOTRE, 2007, p. 52).
Portanto, no decorrer deste trabalho cabe primeiramente uma reflexão a respeito do
preconceito linguístico e de crenças equivocadas que alimentam a discriminação das
formas socialmente desprestigiadas. Em segundo lugar, faz-se necessária não apenas a
observação da prática de ensino da língua portuguesa e, sobretudo, da ênfase na
aquisição das regras da gramática normativa como também da contribuição dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN) que representam avanços
significativos em termos linguísticos e pedagógicos. Finalmente, são apresentadas as
considerações finais a respeito da discussão em torno do tema e de possíveis
contribuições que o trabalho que hora se inicia possa trazer.
33
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 PRECONCEITO LINGUÍSTICO
O preconceito linguístico é, em grande medida, fruto do desconhecimento de fenômenos
naturais que ocorrem na língua viva, ou seja, aquela que é utiliza pelos falantes nativos
em suas interações sociais. O que é diferente normalmente é visto como estranho ou até
mesmo feio, pois
[é] comum depararmos com pessoas expressando seu pensamento sobre os
usos lingüísticos de outras comunidades, muitas vezes até fazendo
julgamento de valor do tipo “não gosto do jeito como os cariocas pronunciam
o – r ...”; “a maneira como os paulistas pronunciam o – r é feia” (BELINE,
2008, p. 129, grifo do autor).
Dentre inúmeros fatores, o preconceito linguístico surge como consequência do
conceito equivocado de “certo” e “errado” prescrito pela norma-padrão que não leva em
consideração fenômenos linguísticos que têm justificativa científica para a sua
existência. Além disso, existe o fato da língua não-padrão ser estigmatizada por
questões de natureza social, econômica e história embora apresente características
lógicas e coerentes. Na realidade, do ponto de vista da linguística não há língua melhor
ou pior do que a outra, pois todo sistema linguístico cumpre o seu propósito
comunicativo adequadamente em cada comunidade discursiva. Portanto, a intolerância a
qualquer variedade linguística não tem qualquer fundamento linguístico, histórico ou
sociológico. Para Possenti (1996, p. 77),
[ ]como o dialeto padrão é apenas uma das variedades de uma língua, as gramáticas normativas dão conta apenas de um subconjunto dos fatos de uma língua. Não é surpresa que, em conseqüências dos privilégios que sempre recebeu por parte de escritores e gramáticos, e por causa de sua veemente e cara defesa, feita às vezes às custas da crítica a outras formas, essa variedade nos pareça “melhor”, mais versátil e menos rude; entretanto, essa impressão não justifica a crença preconceituosa, infelizmente muito difundida na nossa sociedade, de que outras variedades são linguisticamente inferiores, erradas e incapazes de expressar o pensamento (grifo do autor).
Pode-se afirmar que com um pouco de observação, análise e argumentação bem
fundamentada, chega-se à conclusão de que o preconceito em relação às variedades
linguísticas, tomando como parâmetro apenas a norma-padrão, nada mais é do que o
34
desconhecimento de fenômenos freqüentes que ocorrem nas variedades do português
falado em nosso país. Sendo assim, analisar a língua falada no Brasil a partir da norma-
padrão apenas, é fazer um juízo de valor sob uma única perspectiva, ou seja, aquela
estabelecida como padrão a ser seguido. Assim, surge o preconceito.
Ademais, o preconceito linguístico, apesar de muitas vezes parecer invisível ou pouco
perceptível, é perpetuado por uma série de crenças equivocadas em relação à língua, a
sua realização em contextos autênticos de uso e ao seu estudo.
2.2 FALSAS NOÇÕES
O interesse pela linguagem é bastante antigo. No entanto, é apenas a partir do início do
século XX, com a divulgação dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, que a línguística
passou a ser reconhecida como ciência da linguagem. Essa mudança ocorreu em função
do caráter científico que os estudos e observação dos fatos de linguagem passaram a ter
(SAUSSURE, 2006; PETTER, 2008). A sociolinguística, uma das subáreas da
línguística, estuda a língua tendo como base aspectos linguísticos, sociais e de uso real,
uma vez que a língua é uma realização eminentemente social. Sendo assim,
[o]s estudos sociolingüísticos oferecem valiosa contribuição no sentido de destruir preconceitos lingüísticos e de relativizar a noção de erro, ao buscar descrever o padrão real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir como expressão linguística natural e legítima (MOLLICA, 2007, p. 13).
Em função do seu objeto principal de estudo, a saber, a variação linguística, a
sociolinguística se fundamenta em argumentos e evidências científicas, na medida em
que entende que a variação é um princípio geral e universal influenciada por fatores
fundamentais e sociais e, além disso, passível de ser analisada sistematicamente. Sendo
assim, sob a perspectiva socilinguística, a estigmatização linguística ocorre em função
do desconhecimento de fenômenos linguísticos que ocorrem nas línguas e de crenças
equivocadas que fomentam o preconceito linguístico.
Primeiramente, existe a confusão entre língua e gramática normativa, pois normalmente
acredita-se que alguém que domina as regras gramaticais também tem domínio da
língua. No entanto, “[...] a língua é, antes de tudo, instrumento de interação social,
35
usado para estabelecer relações comunicativas entre os usuários” (PETTER, 2008, p.
22). Por outro lado, desde sua origem a gramática tradicional assumiu um caráter
prescritivo e normativo em relação à língua, estabelecendo o que é certo ou errado,
como deve ser a língua e, assim, impondo uma única forma de uso. Segundo Petter
(2008, p. 19), “[...] é esse uso o único que vai ser estudado e difundido pela escola, em
detrimento de um conhecimento mais amplo da diversidade e variedade dos usos
linguísticos”. A partir desse ponto de vista, todas as outras variedades linguísticas são
desvalorizadas, pois em função das relações de poder, de autoridade e de prestígio
social, a norma-padrão é estabelecida como modelo de bem falar e escrever.
Nesse sentido, seria interessante, porém, apresentar o que Antunes (2007) define como
norma culta ideal e norma culta real. Para a autora, a norma culta ideal, como o próprio
nome sugere, é uma hipótese idealizada do que deveria ser a língua. A norma culta ideal
é baseada na tradição literária, não em princípios estritamente linguísticos, mas
decorrente de pressões políticas e socioeconômicas e, por isso, se distancia dos usos
linguísticos do dia a dia. Já a norma culta real
[...] corresponde àqueles usos que são fato, ocorrência; isto é, aqueles que podem ser atestados como concretamente realizados, em diferentes suportes em que se expressam cientistas, escritores, repórteres, cronistas, editorialistas, comentaristas, articulistas, legistas e outros “istas” da comunidade encarregada da informação pública e formal (ANTUNES, 2007, p. 93, grifo do autor).
Sendo assim, a autora sugere que a norma culta real deveria ser estabelecida como
parâmetro de identificação da norma prestigiada, na medida em que reflete as
ocorrências mais freqüentes e representativas da língua em interações orais, escritas e
formais ao contrário da norma culta ideal que estabelece um padrão inalcançável até
mesmo pelos falantes das variedades de maior prestígio.
Igualmente equivocado, o mito de unidade linguística é uma das crenças mais sérias que
compõem a mitologia do preconceito linguístico em nosso país segundo Bagno (2009).
É um grande equívoco considerar a língua como algo homogêneo, imutável, pois “[...] a
língua nunca está pronta. Ela é sempre algo por refazer. A cada geração, ou mesmo em
cada situação de fala, cada falante recria a língua” (CHAGAS, 2008). Uma breve
observação das variedades do português falado em diferentes regiões do Brasil já é
36
suficiente para corroborar o princípio de que nenhuma língua permanece homogênea,
uniforme. Para exemplificar uma situação bem simples, ao compararmos o português
falado na cidade de São Paulo com o português falado na cidade do Rio de Janeiro,
detectamos facilmente diferenças entre os dois falares.
À luz da perspectiva sociolinguística variacionista, podemos afirmar que as variedades
linguísticas são atribuídas às variáveis internas e externas à língua que produzem
diferenças na fala das pessoas. Fatores fono-morfo-sintáticos, semânticos, discursivos e
lexicais representam variáveis internas à língua. Por outro lado, fatores geográficos, de
faixa etária, de sexo, de etnia, de classe social, de escolarização, entre outros, são
externos à língua. A socionlinguística tem como objeto principal de estudo a variação
linguística por se tratar de uma característica inerente a qualquer língua e passível de
análise sistemática. De fato,
[...] o preconceito lingüístico tem sido um ponto muito debatido na área, pois ainda predominam as práticas pedagógicas assentadas em diretrizes maniqueístas do tipo certo/errado, tomando-se como referência o padrão culto (MOLLICA, 2007, p. 13).
Sob o mesmo ponto de vista, Bagno (2009, p. 27) afirma que a noção equivocada de
imutabilidade e unidade linguística é muito prejudicial à educação no contexto
brasileiro, uma vez que a escola em geral não reconhece como legítimas as variedades
do português falado no Brasil e, por conseguinte, impõe uma norma-padrão que se
distancia da forma efetiva como a língua se realiza nos diferentes contextos de fala e,
portanto, não leva em consideração aspectos sociais, culturais, regionais, de faixa etária
etc.
De maneira idêntica, a falsa noção de que o brasileiro não se expressa bem, de que o
português falado em Portugal é melhor, de que o brasileiro não conhece as regras
gramaticais etc, serve apenas para aumentar a estigmatização linguística, “[...] pois o
uso da língua que se afasta da norma culta é considerado português de morro, rude,
inferior, tosco, estropiado, corrompido, entre outras qualificações menos edificantes”
(ANTUNES, 2007, p. 90, grifo do autor). Na realidade, como a tradição do ensino de
língua portuguesa no Brasil se baseia na tradição literária portuguesa, as regras
gramaticais que aprendemos correspondem a um modelo idealizado e diferente daquele
37
que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Portanto, como a norma-padrão é um
modelo do que a língua deveria ser, as variedades linguísticas que ocorrem no Brasil são
julgadas a partir desse parâmetro ideal de língua e, assim, a diferença línguística é
considerada um erro. Segundo Possenti (1996, p. 29), “[...] se abríssemos os ouvidos, se
encarássemos os fatos, eles nos mostrariam uma coisa óbvia: que todos os que falam
sabem falar” (grifo do autor).
Outro ponto não menos controverso quando se trata de preconceito linguístico é a noção
de erro. Do ponto de vista da gramática tradicional ou normativa, tudo que não está em
consonância com as regras da norma-padrão é erro. No entanto, a linguística tem uma
visão distinta no que tange à noção de erro, pois o que é considerado um desvio da
norma-padrão pode ser explicado cientificamente como fenômenos linguísticos que
ocorrem naturalmente. Portanto, através do estudo mais aprofundado dos fenômenos
naturais que ocorrem em nossa língua, fica claro que
[...] aquilo que parece “errado” ou “estranho” no português não-padrão é, na verdade, resultado da ação de tendências muito antigas na língua, que são freadas, reprimidas pela educação formal, pelas regras da linguagem literária, oficial, escrita, mas que encontram livre curso na boca do povo (BAGNO, 2008, p. 113, grifo do autor).
No livro Emília no País da Gramática, Monteiro Lobato (2009) nos leva, juntamente
com a turma do Sítio do Picapau Amarelo, a uma aventura no País da Gramática,
apresentando conceitos gramaticais de forma lúdica e prazerosa. No capítulo Os Vícios
de Linguagem, o autor nos apresenta de forma bem-humorada aspectos do preconceito
linguístico, uma vez que os supostos vícios de linguagem eram mantidos em jaulas,
como “feras perigosas” pela Dona Sintaxe por fazerem “mal” à língua. Na cadeia onde
esses “perigosos elementos” eram excluídos do convívio social do País da Gramática,
os personagens do Sítio do Picapau Amarelo começam sua visita aos malfeitores
Barbarismo, Arcaísmo, Neologismo, Provincianismo, entre outros. No entanto,
contrariada com o autoritarismo da Dona Sintaxe, Emília questiona o fato desses
“indivíduos” estarem segregados e, de forma ousada como lhe é peculiar, liberta alguns
como o Neologismo e o Provincianismo, devolvendo-os ao convívio com as outras
palavras por não considerá-los um risco à língua. Brilhantemente, Lobato explicita a
questão do preconceito linguístico e, através da personagem Emília, faz uma crítica à
38
gramática normativa que exclui qualquer forma que não esteja em consonância com a
norma-padrão estabelecida.
Conforme exposto acima, o conceito de erro vai variar de acordo com a perspectiva
gramatical e linguística adotada. Do ponto de vista da gramática normativa, por
exemplo, será erro tudo aquilo que divergir da norma-padrão estabelecida. No entanto,
para a gramática descritiva o erro ocorre quando se trata de uma construção agramatical,
ou seja, formas ou construções que não ocorrem sistematicamente em nenhuma das
variedades de uma determinada língua. Em outras palavras, seria considerado erro uma
ocorrência como “a livro”, ou “eu ser”, na medida em que tais enunciados não seriam
produzidos por um falante nativo de português, pelo menos em situações regulares do
ato comunicativo.
A noção de erro também passa pela percepção do que é aceitável socialmente, ou seja,
daqueles erros que chocam e daqueles que não chocam mais. Segundo Possenti (2009,
43),
[...] se alguém diz vô saí (sem o ditongo de “vou” e sem o “r” de “sair”), nós praticamente não percebemos que houve um “erro”. Mas, se alguém disser “nós foi”, esse “erro” é percebido. É que uma dessas formas já não distingue falantes, já que falantes de todos os grupos sociais a utilizam. A outra forma distingue falantes, porque certos grupos a utilizam e outros, não (grifo do autor).
A esta altura pode surgir o seguinte questionamento: então do ponto de vista da
linguística vale tudo? Certamente, não. Como exposto acima, a linguística admite o erro
quando uma determinada construção ou forma adotada é agramatical, ou seja, não
ocorre em nenhuma das variedades da língua. Portanto, conforme aponta Antunes
(2007, p. 99),
[e]m nenhum momento, no entanto, pretendo alimentar o simplismo demagógico de que qualquer jeito de falar serve para qualquer situação, pois “tudo comunica, e isso é o que basta”. Nem sempre basta comunicar, refuto. Pelo contrário, quase sempre, ser eficiente vai além de apenas se fazer entender. Para qualquer situação vale o jeito de falar que é adequado a essa situação (grifo do autor).
Enfim, vale ressaltar que uma das lições que podemos tirar da discussão sobre a
dicotomia entre língua padrão e não-padrão é que devemos corrigir o que está
39
inadequado, ambíguo ou confuso. Sendo assim, a escrita deve ser corrigida, na medida
em que há necessidade de um padrão ortográfico para que todos possam ler e
compreender o que está escrito. No entanto, as manifestações espontâneas, naturais e
harmoniosas da língua falada não devem ser consideradas como erro. Acima de tudo, a
escola deve ensinar, sim, o padrão valorizado, a norma culta real expressa, por exemplo,
pela imprensa, produção científica e literária e, assim, proporcionar ao aluno
oportunidades de dominar o falar e o escrever prestigiados.
2.3 ENSINO DE GRAMÁTICA
No que tange à política oficial de educação no Brasil, os PCN representaram um avanço
significativo em relação à quebra de paradigmas discriminatórios e em relação à luta
contra o preconceito linguístico ao apresentar uma proposta pedagógica inclusiva do
ensino da língua portuguesa. Portanto,
[p]ara cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma “correta” de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de outras, o de que a fala “correta” é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas crenças insustentáveis produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a fala que identifica o aluno, a sua comunidade, como se esta fosse formada de incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde a nenhuma de suas variedades, por mais prestígio que uma delas possa ter (BRASIL, 1998, p. 31).
A tradição e o senso comum perpetuam a ideia de que o estudo de uma língua é o
estudo de sua gramática. Existe a crença de que para dominar efetivamente a língua é
necessário também dominar as regras gramaticais. No entanto, a reflexão desenvolvida
até aqui nos leva a crer que o ensino de língua materna vai muito além do
reconhecimento de categorias gramaticais ou de funções sintáticas dos termos e das
orações.
Na realidade, os PCN, ao introduzirem o conceito de letramento, preconizam que a
educação deve priorizar a formação do aluno como indivíduo crítico, com pensamento
40
independente, que questione e reflita sobre o conhecimento adquirido ao invés de ser
simples depositário de conhecimentos estanques. Portanto, a premissa básica é que a
gramática deve ser ensinada, mas não apenas a gramática, pois ela deve ter apenas uma
função complementar no desenvolvimento das competências necessárias para o efetivo
domínio da língua falada e escrita.
Posto isto, vale ressaltar que embora haja várias considerações a respeito da forma como
a norma-padrão tem sido entendida e abordada nas aulas de língua portuguesa sob a
perspectiva tradicional ao longo deste trabalho, isso não impede que reconheçamos e
defendamos que a norma-padrão deve ser ensinada na escola. Aliás, seria ingênuo achar
que poderia ser diferente. Não há nenhuma justificativa para privar os alunos, menos
favorecidos ou não, do conhecimento da norma-padrão prestigiada. De fato, Cunha,
Costa e Martelotta (2009, p. 26), afirmam que “[o]s linguistas têm plena consciência da
importância da norma-padrão para o ensino do português no desenvolvimento
sociocultural dos indivíduos”. No entanto, o mais importante é ter consciência do que é
realmente relevante os alunos dominarem, é adotar uma postura flexível e admitir a
necessidade da incorporação de alterações que surgirem como parte fundamental da
natureza mutável de qualquer língua. Além disso, é de vital importância não adotar uma
postura conservadora ao admitir como erradas outras formas de expressão que se
distanciam da gramática normativa e, acima de tudo, não assumir qualquer atitude de
discriminação ou desprezo por variações linguísticas que não estejam de acordo com o
padrão socialmente prestigiado ou ainda considerar a norma-padrão como único dialeto
válido.
Em suma, o ensino de português, segundo Antunes (2007, p. 147) deve “[...] objetivar a
ampliação de todas as competências que a atividade verbal prevê” (grifo do autor), isto
é, o desenvolvimento de capacidades que proporcionem ao aluno a oportunidade de
desenvolver a leitura e sua capacidade de compreensão textual, sua fluência verbal em
contextos formais como falante e ouvinte, sua competência em se expressar através da
escrita de forma clara, coesa e coerente e desenvolver o gosto pelas produções literárias
ao invés de haver dedicação quase exclusiva às lições de nomenclaturas, de análise
sintática, morfológica e reconhecimento de categorias gramaticais. Resumidamente,
poderíamos dizer que o relevante seria proporcionar aos alunos oportunidades de
41
viabilizar o desenvolvimento da leitura e escrita em que a gramática tivesse função
apenas suplementar.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar esta reflexão a respeito dos temas discutidos em torno do preconceito
linguístico, seus desdobramentos e impactos, principalmente, no que tange ao ensino de
português, seria relevante a apresentação da síntese de toda discussão ocorrida ao longo
deste trabalho e, consequentemente, das considerações finais a respeito da aplicação dos
pressupostos aqui levantados em situações práticas como, por exemplo, no contexto de
ensino da língua portuguesa.
Primeiramente, seria apropriado considerar que ficou claro que não há fundamentação
para a manutenção do preconceito linguístico, uma vez que a discriminação é fruto do
desconhecimento de normas lógicas que regem qualquer língua. Na realidade,
observamos que o que é considerado errado pela gramática prescritiva pode ser
explicado através de fenômenos linguísticos que ocorrem regularmente.
Outro fato bastante relevante diz respeito à perspectiva da linguística que entende que
não existe língua ou variedade melhor ou pior do que a outra. Toda forma de
comunicação é legítima, uma vez que atende efetivamente aos propósitos de seus
usuários, ou seja, os falantes. Sendo assim, a noção de certo e errado não tem
relevância, na medida em que esses conceitos são estabelecidos por uma norma-padrão
que dita regras que devem ser respeitadas. Regras essas que são fundamentadas em
função de parâmetros influenciados por questões relacionadas a poder, prestígio social,
imposição de padrões que muitas vezes estão distantes da forma como a maioria dos
falantes se comunica.
Finalmente, é relevante ressaltar a importância que a discussão sobre o preconceito
linguístico tem em função da abordagem e dos conteúdos no ensino e aprendizagem da
língua portuguesa. Obviamente que toda esta reflexão a respeito de um tema tão
controverso leve a conclusões a respeito da situação do ensino do português,
principalmente, no que diz respeito à abordagem gramatical que deve ser utilizada em
42
sala de aula. Sendo assim, a conclusão é que a norma-padrão não deve ser excluída do
currículo escolar. Na realidade, a ideia é não privar o aluno de ter conhecimento das
variedades que gozam de prestígio em nossa sociedade, mas que ao se apropriarem
desse conhecimento, tenham consciência da importância de dominarem a norma-padrão
e ao mesmo tempo valorizarem as demais variedades como formas legítimas de
comunicação. Vejamos o que Bagno (2008, p. 188) afirma a este respeito:
[...] sou a favor do ensino da norma-padrão, mas de um ensino crítico da norma-padrão, de um ensino que mostre que essa norma-padrão não tem, linguisticamente, nada de mais bonito, de mais lógico, de mais coerente que as variedades usadas pelos falantes menos cultos ou analfabetos. E, ao mesmo tempo, proponho a valorização dos usos lingüísticos não-padrão, sobretudo porque a língua que uma pessoa fala, a língua que ela aprendeu com sua família e com sua comunidade, a língua que ela usa para falar consigo mesma, para pensar, para expressar seus sentimentos, suas crenças e emoções, faz parte da identidade dessa pessoa, é como se a língua fosse a pessoa mesma ... (grifo do autor).
Em suma, as considerações aqui apresentadas tiveram como objetivo maior defender a
valorização das variedades linguísticas existentes em nosso país, apresentar de forma
fundamentada que há uma explicação lógica do ponto de vista linguístico, sociológico,
psicológico e histórico para fenômenos que ocorrem naturalmente nas variedades
consideradas não-padrão. Ademais, não podemos esquecer sobre a importância que essa
discussão tem para a tomada de decisão em relação à forma de ensinar e aos conteúdos a
serem ensinados nas aulas de língua portuguesa.
4 REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras
no cominho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 52. ed. São Paulo:
Edições Loyola, 1999.
______. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 16. ed. São Paulo: Contexto,
2008.
43
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
terceiro e quartos ciclos do Ensino Fundamental: língua portuguesa. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
CHAGAS, Paulo. A mudança lingüística. In: FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à
linguistica. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
CUNHA, Angélica Furtado da; COSTA, Marcos Antonio; MARTELOTTA, Mário
Eduardo. Linguística. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de
lingüística. São Paulo: Contexto, 2009.
FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à linguistica. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. 2. ed. São Paulo: Globo, 2009.
MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de lingüística. São Paulo: Contexto,
2009.
MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luiza (orgs.). Introdução à
Sociolinguística: o tratamento da variação. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de
Letras, 1996.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix,
2006.
44
A PRONÚNCIA PERFEITA. SERÁ QUE ELA EXISTE?
Diana Rodrigues Sarcinelli dos Santos14 Marcela Nascimento Neto15
Mariana Dionizio dos Santos16
RESUMO
Há muito, a busca utópica por uma pronúncia perfeita está cada vez mais freqüente. Muitos brasileiros pensam que esta perfeição de pronúncia é um modelo a ser seguido para ascenderem socialmente. Muitos pensam que as regras impostas pela gramática normativa, que é restrita ao estudo das variedades escritas da língua, também devem ser aplicadas na língua falada, pensando que assim estariam falando perfeitamente, porém há de se ter em vista que a linguagem humana é heterogênea, portanto todos os falantes articulam a linguagem de maneira particular e isso prova que uma linguagem homogênea, a pronúncia perfeita, não existe. Embasado em estudos fonético-fonológicos, este artigo teve como objetivo analisar algumas falas consideradas “erradas” a partir de fenômenos lingüísticos denominados metaplasmos para deixar claro que a variação lingüística está presente no nosso dia a dia e que muitas pessoas são ridicularizadas por fazerem o uso de um vocábulo característico, surgindo assim o preconceito lingüístico.
PALAVRAS-CHAVE: Pronúncia perfeita. Preconceito liguístico. Metaplasmos.
ABSTRACT
Long ago, the utopian quest for a perfect pronunciation is increasingly more frequent. Many Brazilians think that this perfection of pronunciation is a role model to ascend socially. Many think that the rules imposed by the normative grammar, which is restricted to the study of varieties of written language, should also be applied in spoken language, thinking they were talking perfectly, but one has to bear in mind that human language is heterogeneous, so all the speakers articulate the language of a particular way and it proves that a homogeneous language, the perfect accent, does not exist. Based upon studies in phonological, this article aims to examine some statements considered "wrong" from the linguistic phenomena called metaplasms to make clear that linguistic variation is present in our daily lives and many people are ridiculed for making use characteristic of a term, thus resulting in the language prejudice.
KEY WORDS: Perfect pronunciation. Language prejudice. Metaplasms.
14 Graduanda do curso de Letras Português/Inglês, da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix,
Serra-ES. 15
Graduanda do curso de Letras Português/Inglês, da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix, Serra-ES. 16 Graduanda do curso de Letras Português/Inglês, da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix, Serra-ES.
45
1 INTRODUÇÃO
Este artigo pretende discutir algumas questões que abrangem o preconceito linguístico,
no que diz respeito à fonética e à fonologia, sofrido no Brasil, por quem não se enquadra
no padrão imposto por uma concepção conservadora, sobretudo elitista, excluindo,
assim, milhares de usuários da língua.
Avaliando as discussões realizadas ao longo dos estudos lingüísticos, percebeu-se a
relevância desse tema, posto o alto índice de variabilidade linguística do país e apenas
um padrão a ser seguido. E os milhões de brasileiros que não tem acesso a esse padrão?
Elas fazem uso de uma gramática particular, porém não é aceita, “não é reconhecida
como válida, é desprestigiada, ridicularizada, alvo de chacota e de escárnio”
(BAGNO,2001,P.16 e17).
No que se refere à fonética e à fonologia, leva-se em consideração a pronúncia para
identificação das variações linguísticas em contextos sociais diferentes que podem gerar
preconceito linguístico. Logo, desmitifica o que parece existir: “A pronúncia perfeita”.
Abordaremos os fenômenos lingüísticos que ocorrem com freqüência no dia a dia, no
diálogo entre pessoas de diversas origens sociais, econômicas, regionais, etc. e mostrar
que esses fenômenos contribuem significativamente para o preconceito linguístico.
Ratificaremos nossas afirmações e descobertas com conceitos de metaplasmos
aplicando suas divisões nas diferentes falas consideradas “erradas” pelo ponto de vista
dos gramáticos normativos e por muitas pessoas alienadas a tais gramáticas.
46
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 PRONÚNCIA PERFEITA
Esse mito inicia-se com o surgimento da gramática que se deu quando estudiosos da
literatura clássica, na escola de Alexandria há dois séculos antes da era cristã, se
empenharam em descrever as formas e estruturas gramaticais utilizadas pelos grandes
autores clássicos da literatura grega, com a finalidade de se conservar a “pureza” da
língua grega que estava sendo “contaminada” pelos bárbaros.
É possível observar que desde os primórdios já havia uma não aceitação das novas
formas de linguagem que se desenvolvia entre a população e houve então uma escolha
arbitrária do padrão a ser seguido.
Quando o estudo da gramática surgiu, no entanto, na antiguidade clássica, seu objetivo declarado era investigar as regras da língua escrita para poder preservar as formas consideradas mais “corretas” e “elegantes” da língua literária. Aliás, a palavra gramática, em grego, significa exatamente “a arte de escrever” (Bagno. 1999 p.56).
Com o advento do estruturalismo por meio de Ferdinand Saussure, ocorreu a dicotomia:
Langue e Parole que faz uma separação categórica dos estudos da língua e fala, uma
vez que acontecem em ambientes diferentes chegou-se à conclusão de que não devem
ser estudadas como iguais, conforme fazem os gramáticos da atualidade.
Com o surgimento da corrente lingüística funcionalista tornou-se notório que a língua
em uso, impreterivelmente, sofreria mudanças em níveis morfológicos, sintáticos,
semânticos e fonológicos.
Não é necessária a consulta aos livros históricos para observar que a língua evolui
rapidamente, mesmo sendo arbitrária, quando está sob o domínio do falante, certamente,
sofrerá modificações fonéticas que se denominam metaplasmos.
47
Esses metaplasmos podem ocorrer pela transformação, que como exemplo se pode citar
a passagem do latim para a formação da língua portuguesa, como também metaplasmos
por transposição, que são as mudanças que ocorrem dentro da própria língua em que se
busca uma maior praticidade na articulação dos sons.
No caso especificamente do Brasil, os falantes perpetram os metaplasmos por aumento,
supressão, transposição e transformação, e a partir destes são criadas novas formas de
vocábulos. Contudo, não são aceitos pelos gramáticos normativos que usam a gramática
com régua (BAGNO. 2005 p.17), para medir todo e qualquer uso oral ou escrito de uma
língua, não aceitando nenhuma forma que se diferencia daquela estabelecida por eles.
É de grande valia a observação que as palavras que são consagradas e estão presentes
em dicionários e estabelecidas como padrão, perde em muitos casos sua forma lexical17
inicial, tendo em vista o próprio usuário da língua e suas influências que podem ser: sua
origem social, econômica, regional, dentre outras.
2.2 IDENTIFICAÇÃO DOS FENÔMENOS LINGUÍSTICOS
Analisaremos a letra da música Asa Branca que marca bem a fala do sertão do Brasil de
acordo com os tipos de metaplasmos ocorrentes em cada uma delas. Em seguida,
algumas das formações atuais que fazem parte apenas de nosso discurso oral, como a
fala do Presidente Lula, do personagem Cebolinha e de alguns jogadores de futebol
ratificarão a existência latente do preconceito linguístico.
Analisemos agora a música Asa Branca, interpretada por Gonzaguinha e composta por
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira:
Quando oiei a terra ardendo
com a fogueira de São João
Eu perguntei, a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação(2x)
17
O termo léxico, como grande parte dos termos de cunho científico, provém do grego, mais
especificamente da forma lexikón e designa o conjunto - teoricamente infinito - de itens lexicais de
um idioma.
48
Hoje longe muitas légua
Numa triste solidão
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por falta d'água perdi meu gado
morreu de sede meu alazão(2x)
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração(2x)
Espero a chuva cair de novo
Para mim vortá pro meu sertão(2x)
Quando o verde dos teus olhos
Se espalhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração(2x)
Na música acima temos as palavras oiei, com, fornaia, prantação, inté, entonce,
légua, vortá e pro. Podemos considerá- las metaplasmos, pois é um resultado de uma
transformação fonética da língua.
Com a análise destas variantes percebemos as seguintes mudanças fonéticas:
- oiei → percebemos que o vocábulo “olhei” se transformou. Ocorreu aí um metaplasmo
por permuta ou transformação, sofreu vocalização. Houve a troca de um fonema
consonantal, o / / , por um fonema vocálico, o /i/.
- com → notamos que o vocábulo “como” se transformou em “com”. Ocorreu um
metaplasmo por supressão, sofreu apócope, ou seja, houve a perda de um fonema do
final da palavra.
49
- fornaia → novamente temos um metaplasmo por transformação. Este vocábulo sofreu
vocalização, pois houve a troca de um fonema consonantal, o / / , por um fonema
vocálico, o /i/.
- prantação → o vocábulo “plantação” sofreu rotacismo, um metaplasmo por
transformação. Isso se dá quando ocorre a troca do /l/ pelo /r/.
- Inté → percebemos que o vocábulo “até” sofreu um processo de chamado nasalização.
Este metaplasmo por transformação faz com que o fonema inicial do vocábulo, que é
oral, se transforme em nasal.
- entonce → ocorreu um aumento fonêmico no final do vocábulo, que chamamos de
paragoge, um dos metaplasmos por acréscimo. Acrescentou-se o prefixo ce = /s/ + /e/.
- légua → a supressão do fonema /s/, que marca, neste caso, pluralidade no final do
vocábulo indica que este sofreu apócope.
- vortá → temos duas mudanças fonológicas, um metaplasmo por transformação, o
rotacismo, que é a troca do fonema /l/ pelo /r/ e um metaplasmo por supressão, neste
caso, apócope, onde houve a queda do /r/ no final do vocábulo.
- pro→ neste caso houve uma junção da preposição “para” mais o artigo definido
masculino singular “o”, que pode ser considerado, na fala, um metaplasmo por
aumento denominado prótese.
50
Observe esta tirinha da turma da Mônica:
Analisando somente a fala de Cebolinha, temos as seguintes palavras inadequadas de
acordo com a gramática normativa veja: “plimeilo”, “plometido”, “pla”, “tulma”.
Observamos que na fala deste personagem ocorre o lambdacismo, que é uma subdivisão
do fenômeno linguístico conhecido como metaplasmo por transformação.
Muitas vezes isso é motivo de chacota quando articulado por algum falante brasileiro
dentro de um determinado contexto.
A falta de concordância numa construção frasal, da conjugação incorreta de alguns
verbos, de acordo com a gramática normativa, também são motivos de chacota ou
escárnio. Observe as falas de alguns jogadores, do presidente Lula e de falantes de
diferentes regiões brasileiras que sofrem preconceitos linguísticos devido à insistência
de a maioria das pessoas acreditarem que existe a pronúncia perfeita.
"HAJA O QUE HAJAR, O CORINTHIANS VAI SER CAMPEÃO."
(Vicente Matheus)
"A BOLA IA INDO, INDO, INDO... E IU !!!"
(Paulo Nunes, comentando um gol que marcou quando jogava no Palmeiras)
51
"QUANDO O JOGO ESTÁ A MIL, MINHA NAFTALINA SOBE"
(Jardel, ex-atacante do Vasco, Grêmio e da Seleção, hoje no Porto de Portugal)
Esta fala é do presidente Lula durante uma campanha presidencial de 1989 em um
programa de TV:
“Silvio primeiru eu queria cumprimentá você segundu eu queria cumprimentá o auditóriu
e cumprimentá o telespectadores purque eu achu muintu importanti o momentu políticu qui estamus vivendu.
é um momentu qui por mais qui as pessoas não goste di política dipois di trinta anus essi é o momentu mais rico
qui nossu está vivendu e é importanti que as pessoas saibam tirar proveitu dissu
analisandu cada candidatu”.
Percebemos que o presidente Lula, assim como os outros brasileiros não foge dos
fenômenos linguísticos. É perceptível uma grande variação no seu falar principalmente
no que diz respeito à substituição do fonema /o/ pelo /u/ no final de vocábulos.
A população brasileira é pura diversidade. Diversidade essa que faz com que falemos
diferentemente uns dos outros. Dependendo do contexto social em que nos inserimos ou
somos inseridos mudamos a nossa maneira de falar, isso devido ao receio latente de
sermos criticados pela maneira que falamos, pelo receio de sermos vítimas do
preconceito lingüístico.
É importante frisar que todos poderemos ser vítimas de tal preconceito, uma vez que
este é o resultado dessa mitologia que ainda insiste em dizer que há uma pronúncia
perfeita.
Levando em consideração a diversidade cultural, o nível econômico, entre outros fatores
presentes no cotidiano dos milhares de brasileiros, é preciso deixar claro que essas
variações e fenômenos linguísticos não prejudicam o entendimento do ouvinte e que
continuam agindo para a transformação da Língua Portuguesa do Brasil.
52
2.3 O PRECONCEITO
Acreditamos que a pronúncia perfeita, nunca existiu, nem existirá, pois vivemos em um
país com cerca de 200 milhões de falantes do português-brasileiro, com uma grande
extensão territorial e uma variedade cultural singular em todas as regiões brasileiras.
Isso sem considerar os falantes do português existentes nas demais localidades do
mundo.
Para que tivéssemos uma unidade na pronúncia, todos os falantes da língua teriam que
ter a mesma base educacional, cercados de um ótimo acompanhamento fonético e
fonológico. Assim os regionalismos talvez seriam “extintos” e talvez teríamos um país
com uma “pronúncia perfeita”.
Porém o problema se encontra, como enfatiza Marcos Bagno em grande parte dos seus
livros “Preconceito Linguístico” e “A Norma Oculta”, que os fatores que enaltecem este
preconceito são os fatores econômicos e sociais, estigmatizada pelas classes favorecidas
e denominada culta, em relação às classes menos favorecidas sócio-economicamente
falando.
Aquela que não leva em consideração em nenhum momento à condição do falante e sim
as regras gramaticais estabelecidas pela norma-padrão e que se acha digna e passível de
qualquer “erro” de pronúncia ou de escrita por deter o conhecimento, o que já não
acontece quando o mesmo ocorre com o individuo da classe menos favorecida, que
passa a ser motivo de escárnio.
É preciso entender que não há uma unidade de falantes do português, pois nada é igual,
muito pelo contrário, tudo é bem distinto, assim como a língua também, e é
importantíssimo respeitar a nossa variedade linguística e concomitantemente cultural
que é de grande valia para nosso país.
53
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas análises feitas a partir do fenômeno fonético metaplasmo, entendemos
que não é apropriada a expressão “Pronúncia perfeita”, tendo em vista toda intolerância
estigmatizada por essa nomenclatura.
Ratificamos ao decorrer desse artigo questões de extrema relevância social no que se
refere ao preconceito linguístico existente no nosso país, uma vez que ocorre devido à
inobservância da grande variabilidade linguística existentes dentro, especificamente, da
língua portuguesa falada no Brasil.
Comumente, ouvimos expressões como estas, todavia frisamos que “pronúncia perfeita”
só existe na mente de quem ainda não consegue enxergar com respeito todos os falantes
da nossa língua e os exclui com terminologias inadequadas que menosprezam quem em
muitos casos não teve as mesmas oportunidades sociais ou econômicas de ingressarem
em uma educação digna, que é direito de todos.
4 REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Muito além da Gramática: Por um ensino sem pedras no
caminho. São Paulo, 2007.
BAGNO, Marcos. A Norma Oculta: língua & poder na sociedade brasileira. São
Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: O que é, como se faz. São Paulo: Ed.
Loyola, 1999.
BOBEIRAS. Curiosidades: frases ditas por jogadores de futebol. Disponível em:
<http://www.bobeiras.com.br/curiosidades/futebol.html>. Acesso em 19 nov. 2010.
54
BOTELHO, José Mario; LEITE, Isabelle Lins. Metaplasmos contemporâneos - Um
estudo acerca das atuais transformações fonéticas da Língua Portuguesa. Disponível em
<http://www.filologia.org.br/cluerj-sg/anais/ii/completos/comunicacoes/
isabellelinsleite.pdf>. Acesso em: 02 set. 2010.
CAMACHO, Roberto Gomes. A variação Linguística. São Paulo, 1988, VI 53-9,
Pg.29-41.
LETRAS.MUS.BR. Gonzaguinha: Asa branca. Disponível em:<http://letras. terra.
com.br/gonzaguinha/490928/ >. Acesso em 19 nov. 2010.
SIMM, Juliana Fogaça Sanches; STORTO, Letícia Jovelina. LULA: As variações e o
preconceito linguísticos que o cercam. Disponível em: < http: // www. letramagna.
com/lulavariacao.pdf>. Acesso em 02 nov. 2010.
TURMA DA MÔNICA. Quadrinhos: Cebolinha. Disponível em: <http:// www.
monica.com.br/comics/tirinhas/tira219.htm>. Acesso em 19 nov. 2010.
55
A TRANSIÇÃO POLÍTICA NO BRASIL E A HISTORIOGRAFIA
Luiz Carlos de Sousa18
RESUMO
O processo de transição política no Brasil foi alvo das atenções de diferentes pesquisadores, fossem historiadores ou cientistas políticos. O interesse de encontrar explicações para o fenômeno varia, pois diferentes questões teórico-metodológicas procuraram analisar os fatores que conduziram à redemocratização. As análises também devem ser compreendidas em sua historicidade, pois é a partir dessa percepção que podemos entender a emergência ou “esquecimento” de alguns fatores. Essa mesma historicidade permite analisar os atores envolvidos no processo, militares, empresários, partidos políticos e sociedade civil. Como também analisar a influência de fatores econômicos externos e internos no processo.
ABSTRACT
The process of political transition in Brazil has been the subject of attention of different researchers, historians and political scientists. The interest of finding explanations for the phenomenon changing, because different theoretical and methodological issues sought to analyze the factors that led to democratization. The analysis should also be understood in its historical, as it is from this perception that we can understand the emergence or "forgetting" certain factors. This same story can analyze the actors involved, soldiers, businessmen, political parties and civil society. As well as examining the influence of external and internal economic factors in the process.
1 INTRODUÇÃO
Por que muitos estudos foram realizados para compreender os processos de transição
política na América Latina? Essa primeira pergunta deveria ser antecedida por esta: Por
que diversos intelectuais, de diferentes correntes teórico-metodológicas se debruçaram
sobre os golpes de Estado que fizeram parte da rotina dos países latino-americanos?
Esses estudos foram desenvolvidos para compreender os mecanismos que tornavam a
democracia na América Latina tão frágil, principalmente se comparada aos demais
países do Ocidente. A busca por explicações teóricas e metodológicas estão lado a lado
18 Graduando do curso de História da Faculdade Capixaba da Serra – SERRAVIX , Serra – ES.
56
com o entendimento sobre o papel desempenhado pelas profundas desigualdades que
afetam o continente, e o tornam passível de enfrentar processos de derrubada dos
governos através de golpes de Estado. Avaliam também o papel desempenhado pelas
elites políticas e econômicas nesse cenário. E chegam, quase sempre a uma mesma
conclusão: o autoritarismo possui profundas raízes históricas, originadas nos processos
de colonização e independência. Daí os processos de transição política cumpriram os
estágios marcados pelos governos militares, fenômeno esse muito específico da
realidade brasileira.
A compreensão dos fenômenos históricos permite a visualização dos eventos passados
com muito mais clareza. Apesar da aparente redundância na frase inicial, podemos
perceber que ainda falta muita coisa para entender a própria historiografia e seu papel
político e social. Acreditava-se numa espécie de “isenção” dos historiadores ao relatar
os fatos históricos. Porém, na contramão dessa tendência, os historiadores perceberam
que podem abandonar o distanciamento em relação ao objeto e “determinar” como
devem abordar os fatos históricos. Como afirmou Adam Schaff19, “nem todo fato é um
fato histórico”.2 Isso ocorre por dois motivos principais: esse evento desencadeia outros
eventos igualmente relevantes e que de alguma maneira mudam o curso da vida política,
social e econômica; ou os eventos são escolhidos de forma arbitrária pelo historiador,
que privilegia este ou aquele aspecto da história e que mereça ser contada. Embora neste
caso, mantendo critérios que possam considerar um evento como histórico.
Pode-se incluir também outra perspectiva da própria historiografia em suas múltiplas
especializações. Se os fatos sociais têm prevalência sobre os fatos econômicos, e vice-
versa; se os fatos políticos determinam os outros dois campos. E mais, com a presença
decisiva de historiadores culturais e seus diálogos com as outras ciências sociais, temos
perspectivas de resgate da história a partir da ótica da longa duração.
Neste artigo, nossa preocupação é analisar como o processo de transição política,
ocorrido entre meados da década de 1970 e meados da década de 1980, foram estudados
pela historiografia brasileira e estrangeira, e apontar questões político-sociais envolvidas
nesses estudos. Assim, delimitamos o nosso espaço temporal entre os primeiros
19 SCHAFF, Adam. História e verdade. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, pp. 210-211.
57
movimentos do governo para devolver o poder aos civis, ainda no governo Médici
(1969-1974) e Geisel (1974-1979), culminando com a eleição de Tancredo Neves e a
posse de José Sarney, em 1985.
Inicialmente identifica-se alguns interessantes posicionamentos da historiografia sobre a
sequência de eventos que tiveram seu auge na inauguração da “Nova República”, em
1985. O regime militar enfrentava problemas de legitimidade desde a crise que marcou
o fim do Milagre Econômico brasileiro, em 1973. Crise essa originada na escassez de
crédito externo e no paradoxo do modelo de crescimento econômico e “estabilidade
política” conseguida através da sistemática repressão contra os opositores do regime. Os
anos que se seguiram ao fim do modelo econômico, indicam problemas institucionais e
a falta de controle do governo sobre os sistemas de repressão e informações.
A morte de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, no DOI-CODI, em 1975 e 1976, e
dos dirigentes comunistas João Baptista Franco, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, em São
Paulo, em 1976, revelaram a vontade dos agentes da repressão de se manter em
atividade e radicalizar o regime. Nessa mesma linha, os atentados contra a sede da
OAB, no centro do Rio de Janeiro, em 1980, e ao Rio Centro, também no Rio de
Janeiro, em maio de 1981, apontam para as dificuldades de uma transição mais pacífica.
Os momentos são divididos em três. Não havendo, entretanto, uma ordem cronológica,
para efeito de citação, das análises. Uma análise deposita nos movimentos sociais o
papel de protagonistas do processo de resistência e redemocratização, momento
verificado com a aproximação das primeiras eleições diretas para presidente, em 1989.
Um segundo momento, que denominamos de “partidário-institucional”, os movimentos
sociais organizados e aglutinados em torno de instituições políticas, como o
MDB – Movimento Democrático Brasileiro – e setores da Igreja católica, ou seja,
desconstruindo a visão “espontaneísta” do processo. E, um terceiro momento, onde os
militares aparecem como atores que definem o processo de transição, mantendo o
controle sobre as ações até a entrega do poder aos civis.
Cronologicamente, os últimos seis anos do regime militar foram marcados por
transformações nos diferentes cenários: no político, econômico e social. A Abertura
Política, ou redemocratização, demonstra a necessidade dos militares e seus aliados,
58
além de setores da oposição “legal”, de devolver de forma controlada e gradual o poder
aos civis. Essa preocupação surgiu com o contínuo declínio do apoio político aos
militares, principalmente após a crise do petróleo e, consequentemente, do Milagre
Econômico Brasileiro. Entretanto, uma parcela considerável da população brasileira, em
virtude da repressão e da censura, não sabia, embora sentissem, que o modelo
econômico aliado à política de repressão, já não funcionava mais. Como também não
sabia das movimentações em direção à política de distensão.
Inserido no contexto de liberalização política, a decretação da Anistia, em 1979, e a
extinção do Ato Institucional no. 5 trouxeram mais certezas sobre a vontade de controlar
o processo de redemocratização. É importante observar que o projeto de anistia isentava
de condenação todos os envolvidos em “crimes de sangue”, ou seja, os envolvidos nas
ações guerrilheiras e os envolvidos na repressão e tortura dos prisioneiros políticos. Isso
foi condição indispensável para a saída dos militares do governo.
No campo da economia, como mencionamos brevemente acima, o fim do Milagre
Econômico mostrou ao Brasil uma dura realidade. Não seria possível manter elevadas
taxas de crescimento com o modelo adotado, ou seja, pouco investimento estatal e
privado nacional, além da supressão do mercado consumidor através de mecanismos de
concentração de renda, que ampliou ainda mais o fosso entre ricos e pobres.20 O sucesso
do Milagre estava atrelado às condições externas favoráveis como, por exemplo, crédito
externo farto e barato. Nesse período, chocavam-se teorias econômicas divergentes. De
um lado estavam os “produtivistas”, que entendiam ser necessário um processo de
acumulação de capitais, robusto o suficiente, para garantir as constantes taxas de
crescimento econômico.21 Essa acumulação de capitais seria possível com a recepção de
massivos investimentos estrangeiros, em associação com o capital nacional. Para tanto,
as condições econômicas e políticas – aqui retomamos o primeiro ponto – internas
deveriam ser favoráveis. Dentre as políticas adotadas listamos duas: achatamento
salarial e aumento da taxa de juros.22 Do outro estavam os “distributivistas” que
20 Sobre o período e a crise do “Milagre”, cf. Maria Helena Moreira Alves. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 5ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1989, pp. 145-155. 21 Idem, 148. 22 A política de achatamento salarial tornou-se possível com a repressão aos sindicatos e outras formas de organização dos trabalhadores. A criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 1967, contribuiu para a “domesticação” dos trabalhadores, visto que o seu recebimento somente ocorreria com a aposentadoria ou demissão sem justa causa.
59
encaravam como urgente um amplo processo de redistribuição de renda através do
crescimento econômico. Esses poderiam, em tese, ser identificados com os princípios
do nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960.
Os fatores sociais podem ser vislumbrados da seguinte maneira, a classe média
incorporava, através de financiamentos de longo prazo, bens de consumo duráveis. E o
atendimento dessas necessidades materiais e de status social contribuiu para o apoio
dessa classe ao regime. Por outro lado, as classes mais baixas eram duramente atingidas
pela inexistência de projetos governamentais que atendessem às demandas por saúde e
educação. Porém, com a sistemática repressão, os movimentos sociais tinham seu raio
de ação muito limitado, podendo se expressar somente através dos canais “legitimados”
pelo governo: o MDB e a Igreja católica.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O DISCURSO HISTORIOGRÁFICO SOBRE A TRANSIÇÃO POLÍTICA.
2.1.1 MODELOS E ANÁLISES
Os processos de transição política costumam ser observados a partir de posições
ideológicas, e que influenciam nas análises históricas, bem distintas. Isso não quer dizer
que não haja um equilíbrio nas análises. Mas aponta para importantes variantes no
próprio processo de análise.
A transição política no Brasil, ou “processo de redemocratização”, foi o mais controlado
e menos “traumático” dentre as ditaduras militares na América Latina. Ela se inicia com
as primeiras conversas no interior do governo, procurando caminhos para a devolução
do poder aos civis. E, ao mesmo tempo, os militares se articulavam para continuar com
a “partitura” da política nacional. A existência de uma oposição formal, porém, pouco
ativa, facilitaria tal processo. As lideranças mais moderadas, ou mesmo conservadoras,
do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), também desejavam uma transição mais
60
tranquila. Embora, o contexto no qual se desenvolveram as primeiras conversas, ainda
fosse bastante favorável aos militares.
Esse momento pode ser identificado com a existência de várias ditaduras no continente
e o apoio consensual por parte do governo norte-americano.23Internamente, a oposição
armada ao regime perdera sua capacidade de enfrentamento com a utilização maciça da
repressão político-policial e a morte de muitos de seus militantes. Além do apoio das
camadas médias da população brasileira, de forte tradição conservadora. Outro
mecanismo de apoio aos militares foi o bom momento vivido pela economia Brasileira,
pelo menos até 1973, com a crise do petróleo.
Externamente, nenhuma das demais ditaduras latino-americanas havia sido tirada do
poder. O que mostrou, em parte, o sucesso das políticas de repressão aliadas ao
crescimento econômico e ampla propaganda, além do silêncio de setores importantes da
sociedade civil como, por exemplo, Imprensa e Igreja.3 Os movimentos sociais
populares estavam quase todos na ilegalidade, portanto, sem espaço de manobra para
qualquer processo de conscientização do povo.
As análises sobre a transição parecem, também, acompanhar as mudanças políticas
ocorridas nos últimos anos. Nos anos que se seguiram imediatamente ao fim do regime,
surgiu uma literatura que estudava o processo a partir de modelos macro-estruturais, ora
dando ênfase aos movimentos sociais ou aliando-os às questões de caráter econômico.
Essa literatura tem forte influência marxista e está em sintonia com o processo de
reestruturação dos movimentos sociais e políticos no Brasil nas décadas de 1970, em
seu final, na década de 1980. Esse corpo de análise se manifesta de forma claramente
ideológica, ou seja, explicita sua posição no momento das análises. Esse
posicionamento, é claro, não afeta a análise em si. Exatamente por escolher um viés
específico para o entendimento do processo. É importante observar que, apesar das
tentativas de enquadrá-la num modelo mecanicista-econômico, ou mesmo determinista,
essas análises se apóiam no conflito de interesses e classes no interior da sociedade
brasileira.
23 No Brasil, a Igreja somente se manifestou quando a repressão começou a fazer mais vítimas que o aceitável. Tanto que, somente em 1975, é que a Igreja começa a se empenhar formalmente numa oposição ao regime.
61
Outra abordagem marxista, de vertente gramsciana, escolheu como ponto de partida as
disputas hegemônicas internas e externas ao Estado. Esse conflito pela hegemonia se
manifesta, por exemplo, nas disputas entre a extrema-direita militar – Sílvio Frota e
Médici – e o grupo da Sorbonne, identificados na facção de Golbery do Couto e Silva e
Ernesto Geisel. Soma-se a essas disputas internas, a presença de outros atores políticos
como a Igreja, MDB e os poucos movimentos sociais “sobreviventes”, além dos grupos
de apoio aos militares.
Essas disputas ocorrem no basicamente no campo ideológico, onde as forças em disputa
defendem concepções distintas sobre o modo como o Estado deve agir. Para a extrema-
direita, o Estado deve manter o aparato de repressão política e a devolução do poder aos
civis estaria fora dos planos. Para os militares da “Sorbonne”, a devolução do poder
passa por regras e processos controlados pelo governo. O golpe teria como função
“limpar” o Estado dos elementos subversivos e depois devolver o poder aos civis.24
Para o MDB e a Igreja, o processo de liberalização política deveria passar pelas
instituições políticas, tendo o MDB como principal ator. A democracia seria formal,
com a realização de eleições periódicas, entretanto, não está claro como seria a relação
do partido com os outros grupos políticos. A Igreja também defendia maior
liberalização política, mas não estaria aberta à presença dos grupos políticos mais à
esquerda. Já os movimentos sociais esperavam que o Estado atendesse as demandas
sociais sem, no entanto, modificar radicalmente as estruturas sociais existentes.
As análises marxistas “perderam” importância com a ascensão de outras abordagens que
privilegiavam diferentes enfoques como questões internas ou micro-estruturais e os
aspectos puramente políticos. O declínio das abordagens marxistas também resultou da
“falência” do socialismo real. Assim, questões referentes às disputas de classe perderam
espaço. Não pela inviabilidade teórico-metodológica, mas por questões de opção
política. As críticas são feitas exatamente pelo fato das análises marxistas privilegiarem
24 O marechal Castello Branco defendia uma ação “pretoriana”, ou seja, o objetivo dos militares era defender o Estado e a “democracia” do comunismo. Após esse processo, os militares retornariam aos quartéis.
62
os aspectos macroestruturais, onde os atores políticos participam, mas não determinam
individualmente o curso dos eventos. Acusam, indevidamente, os marxistas de adotarem
uma perspectiva mecanicista para analisar as transformações históricas (inevitabilidade
histórica). A nosso ver, o mérito dessa análise repousa na capacidade de vislumbrar uma
multiplicidade de fatores que contribuem para tais transformações. Pois, não devemos
esquecer que os atores políticos são influenciados por importantes aspectos ideológicos
que os conduzem na tomada de decisões. O próprio processo de transição apresenta essa
faceta pela permanência dos valores conservadores que orientaram o próprio golpe, ou
seja, pouca abertura para os movimentos sociais e um corpo de decisões tomadas pelo
alto.
A recuperação da história política, e de seus atores, em contraste com aquelas que
privilegiavam as questões sociais e/ou estruturais, está na esteira dos escritos de René
Remond, que defende uma história política diferente daquela identificada com o
positivismo ou escola metódica francesa, e duramente combatida pelos Annales.25 Esse
resgate aparece na proposta de uma história que abandonaria os “grandes homens”, e
nesse caso, a figura dos generais-presidentes, e incorporaria um número maior de atores
envolvidos no processo. Outro aspecto interessante dessa nova “metodologia política”
está na inserção de temporalidades distintas, isto é, analisar os fenômenos políticos em
perspectivas de média e curta duração – a história política metódica somente se
interessava pela curta duração. Ao incorporar uma média duração no campo analítico,
podemos perceber a formação e a existência de uma “cultura política” que caracterizaria
a sociedade brasileira e a maneira como a transição foi conduzida.
Assim, é possível identificar uma nova abordagem onde os atores políticos são mais
importantes que as questões estruturais ou econômicas. Parte dessa análise encontra-se
no interior do próprio marxismo, que infere aos atores algumas atribuições próprias. A
base dessa abordagem defende o chamado individualismo metodológico, e está presente
na obra de Erik O. Wright, Andrew Levine e Elliot Sober. O individualismo
metodológico analisaria as transformações sociais deslocando o foco das questões
macroestruturais para as questões micro estruturais. Dessa maneira, a análise sobre o
processo de transição repousaria numa “vontade” dos militares em empreender uma
25 REMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora da Ufrj, 1996.
63
política e de abertura e transição política independente das questões internas ao sistema
como, por exemplo, dissidências entre formas de governar e políticas de repressão e
segurança do Estado.26
2.2 AS ANÁLISES SOBRE A TRANSIÇÃO
O discurso histórico aponta para as influências do historiador e seu tempo. As análises
sobre o processo de transição política trazem diferentes abordagens sobre o fenômeno.
O próprio processo de transição, por si só, aparece como um “grande acordo” para
garantir a estabilidade necessária para manter a continuidade e evitar rupturas que,
porventura, conduzissem à presidência da república candidatos identificados com o
nacional-desenvolvimentismo do governo Goulart. Nesse sentido, a principal “ameaça”
ao processo de abertura controlada e gradual era Leonel Brizola.
Thomas Skidmore e Peter H. Smith apontam para a crise do Milagre Econômico uma
das principais causas que provocaram o processo de transição política. O fim do milagre
tornou a manutenção do aparato repressivo e da Doutrina de Segurança Nacional um
paradoxo difícil de ser resolvido. Outro problema enfrentado pelo governo Geisel foi a
resistência da linha-dura em aceitar a transferência do poder aos civis. Os autores
analisaram dessa maneira o processo:
Quando o general Ernesto Geisel assumiu a presidência em 1974, ele retomou as esperanças iniciais dos moderados em retornar para o regime democrático e ao domínio da lei. O principal obstáculo foi o aparato de segurança, incluindo as unidades militares e civis, as quais conquistaram grande influência no interior do governo.27
O que pode-se perceber na citação dos autores norte-americanos que a iniciativa para a
transição política resultou de uma vontade e planejamento por parte dos militares,
preocupados com o declínio do apoio político e consequente perda de legitimidade junto
26 Erik O. Wright, Andrew Levine e Elliot Sober. Reconstruindo o marxismo – ensaios sobre a explicação e teoria da história. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 195-198. 27 Do original: When General Ernesto Geisel assumed the presidency in 1974, he repeated the earlier moderates’ hopes of a return to democracy and the rule of law. A major obstacle was the security apparatus, including both army and civilian units, which gained great influence within the government. SKIDMORE, Thomas e SMITH, Peter H. Modern Latin America. 4th ed. New York: Oxford University Press, 1997, p. 184.
64
aos setores políticos e econômicos da sociedade brasileira. Nesse sentido, a opinião
pública não era considerada como importante. A visão dos brasilianistas não considera,
por exemplo, a participação dos movimentos sociais no processo de redemocratização.
Assim, poderíamos identificar a análise dos autores como aquela que considera os
militares como “atores políticos privilegiados”. Esse posicionamento
Há também uma quarta possibilidade de explicação do processo de transição política.
Aquela que privilegia os fatores externos. A abordagem foi feita por Francisco Carlos
Teixeira no texto publicado na coleção “Brasil republicano”. Para Teixeira, a transição
resultou das pressões promovidas pelo governo norte-americano, especialmente a partir
de 1976, com a ascensão de Jimmy Carter à presidência dos Estados Unidos e sua forte
determinação em defender os direitos humanos.
A tese apontada por Teixeira não foi considerada, por exemplo, por Skidmore e Smith.
Isso se explica por duas razões principais. A primeira, pode ser entendida a partir de
questões conjunturais, ou seja, o processo de abertura política, que teve seu auge em
1979, começou com as discussões durante a passagem de comando entre Médici e
Geisel, em 1974, antes da chegada de Carter à presidência. Dessa maneira, o presidente
norte-americano não teria condições de influir no início das conversações. Por outro
lado, a visão de Teixeira escapa de uma visão puramente econômica, como vemos em
diversas análises e desloca, ou pelo menos associa com o econômico, para o político-
social. Essa análise é confirmada pela seguinte passagem:
No caso latino-americano, o processo de luta pela democracia e a crise das ditaduras já haviam, em verdade, iniciado bem antes, pelo menos desde 1974, a partir de dois pontos distintos de ação: de um lado, a formulação clara de um processo de inserir o Brasil num Estado de Direito, conforme o Projeto Geisel-Golbery e, de outro, a formidável vitória eleitoral do MDB em 1974, o único partido de oposição permitido pelo regime.28
A política de defesa dos direitos humanos de Jimmy Carter não afetou apenas o Brasil,
mas também as demais ditaduras latino-americanas, que a partir daquele momento
foram obrigadas a adotar medidas de liberalização política, visto que a manutenção dos
acordos militares e vantagens comerciais estavam condicionadas ao processo de
28 TEIXEIRA, Francisco Carlos. “Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucila de Almeida Neves. O Brasil republicano: o tempo da ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 247.
65
democratização. De maneira indireta, Francisco Teixeira fornece uma pista interessante
sobre o processo de transição. Podemos identificar nas variações de intensidade da
Guerra Fria, as movimentações para aberturas políticas ou recrudescimentos dos
governos militares. O contexto do processo de abertura no Brasil, coincide com o
período de distensão no cenário internacional entre as superpotências, e essa política
acabou por influenciar os rumos tomados pelos governos militares.
O período dos golpes de Estado que conduziram os militares ao poder, em diversos
países latino-americanos, coincide com um momento de intensas atividades
revolucionários na África e Ásia. Guerras de independência estavam levando ao poder
movimentos sócio-políticos afinados ideologicamente com a União Soviética, China e
Cuba. Na América Latina, o perigo era representado pelo sucesso da Revolução Cubana
e o poder de influência sobre os movimentos sociais no continente. No Brasil, as
desigualdades sociais e os primeiros conflitos, com suporte ideológico, entre capital e
trabalho, deixaram as elites preocupadas com a possibilidade de uma revolução. As
articulações entre civis e militares contemplavam a possibilidade de golpe contra o
governo João Goulart, acusado pelos mais conservadores de ser “comunista”. Esses
eventos estão inseridos no contexto de Guerra Fria definido como Contenção.29
Dessa maneira, podemos perceber, a partir dessas indicações analisadas a partir do
contexto externo, ou seja, a mudança no campo externo no qual a Guerra Fria passou da
Contenção para a Distensão, que o clima político no Brasil começou a ficar mais
ameno, possibilitando um maior diálogo entre governo e oposição. Porém, sempre
mantendo a iniciativa do processo de redemocratização nas mãos dos militares. Esse
diálogo contribuiu decisivamente para o clima de “normalidade” política que culminou
na abertura. Essa é a visão de Chonchol e Cheresky, que enquadram a transição política
numa “trajetória mais longa”, ou seja, esses autores também defendem a ideia de que o
processo foi, a todo o momento, controlado pelos militares. Assim, Chonchol e
Cheresky analisaram todo o desenvolvimento e desfecho da transição política:
29 A Contenção, do inglês Containment, tinha por objetivo principal evitar a ampliação da área de influência soviética. Ela teve reflexos mais decisivos nas Guerras da Coréia e do Vietnam e no apoio aos golpes de Estado que tomaram curso na América Latina. Cf. HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos – o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
66
A abertura é um fenômeno do fim da década passada e começo da atual. Ao mesmo tempo, inscreve-se em uma história mais longa, como desdobramento do processo de liberalização, sem dúvida limitado, concebido nos momentos de maior rigidez do regime e posto em prática durante o governo de Geisel.30
Isso demonstra que a maior preocupação dos militares, e seus aliados civis, eram de
como conduzir o processo de transição sem, no entanto, permitir que “elementos
indesejáveis” pelo regime ganhassem espaço político. Naquele momento, o diálogo com
as forças políticas de oposição mais moderada, como aparecia no MDB, garantiria a
continuidade do regime, só que através de outros meios. Tal objetivo tornou-se
realidade com a escolha e posterior eleição da chapa Tancredo Neves e José Sarney para
a presidência da República, em 1985.
O que a análise de Chonchol e Cheresky confirma é a inexistência de aspectos
espontâneos no processo de transição, ou seja, os autores abandonam, ou rejeitam a
idéia de que os movimentos populares tiveram participação crucial na decisão dos
militares. Isso se coloca de forma mais evidente na seguinte passagem:
[...] pelo fato de ser um processo de transformação gradual, proposto e conduzido pela elite militar do regime, uma abertura de acordo com as condições brasileiras excluía, pouco menos que por definição, uma ideia de alternância.31
Ou seja, os movimentos sociais não teriam participação no grande acordo construído
entre os diferentes atores para a transição política. Sua participação seria franqueada
pelo MDB ou pela Igreja, que canalizariam algumas de suas demandas e procurariam
convertê-las em algo concreto. Esse aspecto impede o estabelecimento de uma
verdadeira democracia no Brasil, visto que os movimentos sociais devem ser tutelados,
ora por partidos políticos, ora por organizações sociais integradas ao sistema.
Externamente, pelo menos entre 1970 e 1976, não existiam pressões para um processo
de transição política. O governo conseguiu manter uma fachada democrática através de
mecanismos inexistentes em outros países latino-americanos. Aqui, a presença de dois
partidos políticos – Arena e MDB – possibilitava a realização de eleições periódicas,
mesmo que importantes cargos do executivo não estivessem abertos à disputa. A divisão
30 CHONCHOL, Jacques e CHERESKY, Isidoro. Crise e transformação dos regimes autoritários. São Paulo: Editora Ícone, 1986, p.37. 31 Idem, p. 37.
67
de poderes continuava, embora o controle do executivo sobre o legislativo e judiciário
impedissem qualquer ação independente. Dessa maneira, e com a imprensa sob censura,
havia no Brasil, um clima de aparente normalidade.32
Outra importante análise sobre o processo de transição foi desenvolvida por um grupo
ao redor do cientista político Guillermo O’Donnell, que se debruçaram sobre os regimes
autoritário latino-americanos estudando sua gênese e declínio. Um dos artigos
publicados no livro “Transições do regime autoritário”, organizado por O’Donnell, foi
escrito por Luciano Martins e se dedica a analisar o processo de transição no Brasil.33
Assim, iniciamos com a seguinte passagem:
[...] a transformação de regimes autoritários não é alcançada, necessariamente, através de sua derrubada; ela pode resultar também de processos evolutivos de mudança.34
Essa hipótese, levantada por Luciano Martins, é a que mais se aproxima do caso
brasileiro. Mais uma vez, temos aqui a percepção de que os militares controlam o
processo.
Isso se verifica com o processo de abertura, longa e gradual, com o intuito d evitar uma
transição, de alguma maneira, traumática ou que possa trazer resultados inesperados. O
artigo de Martins é interessante, pois aborda questões de ordem teórico-metodológicas,
embora ele esteja mais interessante, justamente, numa metodologia que permita
compreender o fenômeno brasileiro. Isso se torna evidente ao longo do artigo, visto que
em determinado momento, o autor aponta para as dificuldades de análise, em virtude da
proximidade temporal (o artigo foi escrito em 1988), ou da ausência de um
32 Podemos citar três importantes obras sobre a censura contra a imprensa no Brasil. São elas: SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado – o consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000; AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, imprensa e Estado autoritário (1968-1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência – OESP e O Movimento. Bauru: Edusc, 1999; e, KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda – jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo, 2004. 33 MARTINS, Luciano. A “liberalização” do regime autoritário no Brasil. In: O’DONNELL, Guillermo, SCHMITTER, Phillipe e WHITEHEAD, Laurence (org.). Transições do regime autoritário: América Latina. São Paulo: Vértice, 1988, pp. 108-139. 34 Idem, p. 108.
68
distanciamento que permitisse avaliar todas as variantes possíveis como resultado da
transição.35
O artigo também se apóia numa crítica as teorias que se referem às transformações
ocorridas como resultado de pressões sociais. Entretanto, não há uma tendência ao
abandono das explicações de caráter marxista, ou seja, macro-estruturais ou de
problemas econômicos, nas análises sobre o processo de transição. Tal proposição
torna-se mais evidente quando observamos atentamente este trecho:
[...] que as situações de crise que podem provocar a transformação de um regime tendem a se manifestar, quando diminui a capacidade do regime de lidar com problemas “internos” ou sistêmicos, criando-se um estado de equilíbrio instável.36
Aqui, percebemos questões importantes para a análise do fenômeno de transição. O
primeiro ponto, e talvez o mais importante, é que o regime militar inicia o processo de
transição quando não possui mais capacidade de autorreprodução, ou seja, se esgotem
todas as possibilidades de produzir as condições necessárias à sua manutenção. É claro
que essa análise estrutural não pode desconsiderar a existência de fatores externos ao
próprio sistema.
Nesse caso específico, e numa sequência cronológica, listamos como fatores externos a
Crise do Petróleo, em 1973, que minou de maneira decisiva as bases do Milagre
Econômico brasileiro, fenômeno este que produziu uma série contradição ou paradoxo.
O Estado de
Segurança perdeu sua força e/ou legitimidade no momento o qual as condições
econômicas tornaram-se desfavoráveis.
Outro fenômeno, de ordem externa, foi à pressão exercida pelo governo norte-
americano, durante a administração Carter (1977-1981) que, como dissemos
anteriormente, condicionou a continuidade da ajuda econômico-militar a uma política
de liberalização e promoção de defesa dos direitos humanos. Essa atitude do governo
dos Estados Unidos criou uma série de embaraços para a cúpula do regime. Pois muitos
35 “[…] não poderia ser de outra forma: em primeiro lugar, porque nos falta a perspective de tempo necessária à apreensão da tendência histórica subjacente tanto à emergência quanto ao declínio dos regimes autoritários contemporâneos”. Idem, p. 108. 36 MARTINS, Luciano, op. cit., p. 109.
69
militares e civis defendiam a manutenção do aparato de repressão e segurança e,
devemos lembrar que no governo Geisel, tivemos algumas das ações mais violentas do
regime.37
Destaca-se também a existência desse equilíbrio instável, citado pelo autor. Esse
resultaria da presença de forças contrárias, não somente no interior do governo – grupo
linha-dura e grupo dos moderados – e fora do governo – conservadores e progressistas.
O equilíbrio instável resulta também da disputa pela hegemonia no interior do bloco
histórico, representado pelo Estado brasileiro. Essa disputa estiva restrita a alguns atores
político-sociais, sendo excluídos do processo, os movimentos sociais não-organizados
ou, como resultado da repressão, as organizações políticas de esquerda.
Assim, embora não possa ser considerada como uma teoria marxista para o processo de
transição, a análise de Martins incorpora muitos elementos dessa teoria. E mais, ela
incorpora uma perspectiva analítica de ordem gramsciana que, no nosso entendimento,
apresenta grandes possibilidades de explicação do processo de transição. O que importa
é perceber que a transição política no Brasil se desenvolveu, segundo essa análise, num
quadro de continuidade, embora existam “coalizões políticas limitadas e uma série de
fases sucessivas e contraditórias entre impulsos de mudança e de conservação”.38
O reforço a essa análise, de abordagem gramsciana, está presente na seguinte citação:
[...] como Gramsci sugeriu, a hegemonia não está necessariamente vinculada à existência de uma classe (ou fração de classe) “hegemônica” particular, mas à hegemonia social do capitalismo como modo de produção.39
É muito importante avaliar que o grande problema do regime militar, e a consequente
passagem do poder aos civis, foi manter o nível de hegemonia nos patamares alcançados
logo após o golpe e durante o Milagre Econômico brasileiro. A diminuição do nível de
hegemonia dos militares tornou-se mais perceptível à medida que o grau de repressão
aumentava. E, curiosamente, os níveis de repressão política no segundo ano do governo
Geisel foram tão elevados quando no governo Médici, conhecido como “Anos de
Chumbo”. E na mesma proporção que o nível de repressão, nos anos Geisel, de alguma 37 No início falamos sobre alguns dos desaparecidos políticos mais importantes. Nesse contexto, governo Geisel, foram registradas as mortes de Vladimir Herzog, Manoel Fiel Filho, Pedro Pomar, Ângelo Arryo, e João Baptista Franco. 38 MARTINS, Luciano, op. cit., p. 110. 39 Idem, p. 117.
70
maneira se elevava, a oposição formal ao regime também aumentava seus espaços de
atuação político-social.
Martins, como outros autores, defende a importância do aspecto institucional como um
dos fatores que culminaram na transição política. E esse se manifestou através das
primeiras eleições mais livres para a composição de parte do Senado e da Câmara dos
Deputados, em 1974, onde a vitória do MDB, levou o governo a tomar algumas
decisões de caráter casuístico para garantir a vitória eleitoral no pleito municipal que
seria realizado dois anos depois.40
Ainda na análise dos fenômenos que contribuíram para o processo de transição, Alfred
Stepan fornece algumas importantes contribuições sobre o tema. Stepan identifica em
questões majoritariamente internas, as razões que levaram os militares a pensar mais
seriamente numa forma de transição política. O processo de transição não resultou, e
nisso estamos em pleno acordo, numa derrocada do regime militar como aquele
verificado na Argentina, em 1983.41 Embora sua base de apoio fosse sistematicamente
ruindo pelos problemas políticos e econômicos, a existência de “elementos perigosos”
ainda mantinham o nível de controle do poder político pelos militares em patamares
considerados seguros.
Inicia-se essa parte com uma frase de Alain Rouquié, “o regime militar é sempre visto a
partir de seu futuro”.42 Para Rouquié, os governos militares existiriam para abrir
caminho para governos civis interessados e/ou preocupados em manter os mesmos
valores e status social de dominação. Assim, percebemos que todo o controle sobre o
processo de transição política e a posterior eleição de Tancredo Neves e José Sarney,
serviram apenas para consolidar o modo capitalista de produção. Dessa maneira,
Rouquié segue numa direção não muito diferente dos outros autores, entretanto, ele
40 Todos são unânimes em afirmar que a divisão do poder político estava dividido da seguinte maneira. Centros urbanos e centros industriais, nas mãos do MDB, onde o processo de clientelismo político não funcionava plenamente. Enquanto nas regiões mais atrasadas, ou economicamente menos importantes, permaneciam nas mãos da Arena. 41 A transição política argentina ocorreu como conseqüência de uma conjunção de fatores. Para isso podemos listar três principais. A primeira, de caráter interno, foi à perda de hegemonia e legitimidade com o crescimento da política de repressão aos dissidentes políticos; a segunda, de caráter externo, está associada à derrota nas Guerra das Malvinas, em 1982; e a terceira, paralela a segunda, a “retirada” do apoio norte-americano ao governo argentino durante a guerra. Os Estados Unidos optaram por apoiar a Grã-Bretanha, importante aliado no contexto de Guerra Fria. 42 ROUQUIÉ, Alain. O Estado militar na América Latina. São Paulo: Alfa-Ômega, 1984, p. 406.
71
incrementa o debate com a importante análise sobre o governo militar, quando afirma
que os golpes já trariam em seu interior o desejo de devolução do poder aos civis.
Isso pode se verificado com a visão do primeiro presidente do regime militar, Castello
Branco, que afirmava a existência de um projeto dos militares de devolver o poder aos
civis, assim que a situação tivesse voltado à normalidade. Esse ponto já apresentamos
anteriormente, e reforça uma percepção institucionalizada dos fenômenos, golpe e
transição política. E para que o processo seja possível de ser concretizado, a transição e
o governo que sucederá os militares no poder deverá ser conservador. Fenômeno
observado no Brasil. Isso se confirma na seguinte citação.
[...] não parece que a liberalização política deva ser acompanhada por uma abertura social, embora as reivindicações por muito reprimidas e comprimidas nascem quase que espontaneamente. A repressão das grandes greves de abril-maio de 1980 e do sindicalismo livre parece indicar que o regime não tem a intenção de modificar os poderes de controle sobre as “classes perigosas.”43
Parece que a visão apresentada por Rouquié se confirma em outros autores. Alessandra
Carvalho segue o mesmo caminho ao afirmar que a composição partidária entre o
PMDB e dissidentes do PDS para as eleições pelo Colégio Eleitoral de 1985 “confere
um novo encaminhamento à transição brasileira, acentuando seu caráter conservador”.44
O conservadorismo que marcou o processo de transição no Brasil demonstra claramente
dois fenômenos principais, e que estão inseridos na nossa análise. O primeiro, e
retomamos esse elemento agora, está na não-participação dos movimentos populares no
decorrer do processo. Isso se torna ainda mais evidente, e também já exploramos
anteriormente, que as demandas sociais não foram atendidas, isto é, a democracia
brasileira manteve tudo do jeito que está.
O segundo ponto é a confirmação do controle dos militares sobre o processo. Marcando
seu ritmo, mantendo-o bem lento, e definindo os participantes do jogo político. A
imposição de novas regras eleitorais, prontamente aceitas pelo partido de oposição. Essa
aceitação das regras do jogo pelo MDB demonstra a sua disposição em concordar com
43 Idem, p. 420. 44 CARVALHO, Alessandra. Características da transição no Brasil. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História geral do Brasil. 9ª edição. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000, p. 379.
72
os militares quanto a forma como o processo de transição deveria ser conduzido. O
grande temor de ambos, militares e emedebistas era a ascensão de lideranças políticas
mais à esquerda do espectro político. Esses temores se concretizaram com a criação de
dois partidos mais afinados com reformas mais profundas no sistema: o Partido
Democrático Trabalhista (PDT), de Leonel Brizola, e o Partido dos Trabalhadores (PT),
de Luís Inácio Lula da Silva.
Ao longo do nosso artigo, estamos tratando do processo de transição. Entretanto, esse
processo somente se tornou possível com um período denominado de “distensão”, ou
seja, um afrouxamento das tensões políticas existentes. Mas que não significou que o
governo tenha diminuído o nível ou a intensidade do controle coercitivo sobre a
sociedade, como ficou evidente nas ações contra dirigentes comunistas ou a morte de
Vladimir Herzog. Nossa atenção está na obra de Suzeley Kalil Mathias sobre a
distensão política no Brasil.45
Para a autora, como também para os demais autores aqui analisados, o processo de
transição política obedecera a uma lógica interna, ou seja, os militares e seus apoiadores
civis vislumbraram a possibilidade de manter a legitimidade do regime, imprimindo-lhe
um verniz democrático, buscando formas de devolver o poder aos “políticos” (neste
sentido, recuperamos o pensamento de Rouquié sobre o papel desempenhado pelos
militares). Essa ação completaria o objetivo da “revolução” que seria reconduzir o país à
sua normalidade democrática. Entretanto, em virtude de alguns acontecimentos e seus
desdobramentos, como a crise econômica e o crescimento da insatisfação de setores da
sociedade, os militares imprimiram forte controle sobre o processo e ditaram um ritmo
extremamente longo, o que, para a autora, foi fundamental para a manutenção do
modelo sócio-econômico.
Nas análises sobre os fenômenos históricos necessitamos de marcos temporais que
possibilitam identificar uma genealogia. Dessa maneira, Mathias determina como marco
inaugural do processo de transição política, os resultados eleitorais de 1974, quando a
oposição conquistou a maioria na Câmara e no Senado. É claro que o resultado eleitoral
tenha “acelerado” o processo, mas ele em si não foi determinante para a proposta de
45 MATHIAS, Suzeley Kalil. Distensão no Brasil: o projeto militar (1973-1979). Campinas: Papirus, 1995.
73
institucionalização buscada pelo regime. Os governos militares procuraram, desde o
golpe de 1964, fazer transparecer a existência de uma normalidade político-democrática,
com o funcionamento do sistema partidário, mesmo sob intenso controle de suas ações,
como também do legislativo e do judiciário.
Mathias apresenta-nos uma visão a partir de uma perspectiva liberal-democrática, visão
que se contrapõe a uma abordagem marxista, para explicar a distensão política e,
consequentemente, o processo de transição política. Optamos por reproduzir
integralmente o texto em questão para, depois, analisá-lo detalhadamente. Eis o que se
segue:
Na vertente liberal-democrática, não é a crise, mas o êxito econômico que explica a erosão do regime. Assim, o modelo de desenvolvimento adotado gerou transformações que ampliaram o espectro das demandas da sociedade civil; o governo que, diante da falta de um sistema legitimador no plano político, procura legitimar-se através do desempenho econômico produz o efeito inverso, ou seja, a fonte de legitimação torna-se deslegitimadora, fazendo-se necessária a reorganização do regime.46
Diversos pontos, ou aspectos, apresentam a “origem” da análise. Essa visão privilegiaria
certa característica da classe média, que se colocaria como defensora da democracia e
das instituições democráticas. Entretanto, essa concepção apresenta uma contradição na
origem. Pois, foi essa mesma classe média que se aliou aos militares para a
configuração e conflagração do golpe. Portanto, é impossível imaginar a existência de
aspirações verdadeiramente democráticas. Outro aspecto não considerado e que está
presente no início de nossa crítica está, exatamente, no posicionamento político-social
da classe média brasileira que não pode ser comparada às classes médias dos países
ocidentais mais desenvolvidos, ou seja, possuidora de atributos revolucionários como
aqueles verificados, em especial, na Revolução Francesa. Esse posicionamento é
marcado por um forte conservadorismo, portanto, sua maior preocupação é com a
ascensão das camadas populares e a subseqüente “quebra” da hierarquia social
existente. Foi esse o “fantasma comunista” que a levou a apoiar o golpe de 1964.
Deve-se mencionar também, que a análise liberal-democrática considera que o processo
de redemocratização no Brasil, resultou do desenvolvimento ou crescimento do modo
46 MATHIAS, Suzeley Kalil. Distensão no Brasil: o projeto militar (1973-1979). Campinas: Papirus, 1995, p. 41.
74
capitalista de produção. Ela recupera uma ideia recorrente sobre o papel desempenhado
pelo capitalismo para a derrubada do absolutismo monárquico. Porém, duas situações
devem ser aqui consideradas. A primeira, é que o absolutismo possuía uma política
econômica antagônica ao liberalismo econômico, e isso não se aplica aos governos
militares que, em muitos aspectos, contribuiu para a consolidação do capitalismo e
proteção à propriedade privada (base do modo de produção capitalista). Dessa maneira,
devemos observar o processo de repressão e supressão dos sindicatos e associações de
trabalhadores, levadas a cabo após a consolidação do golpe de Estado. Ação essa
importantíssima para a resolução do conflito capital-trabalho. Assim, o
desenvolvimento do capitalismo não está dissociado dos governos autoritários, como
também não é uma consequência natural da democracia.
E o último ponto é a fonte de legitimação do governo militar.47 A fonte de legitimação
estava na conjunção favorável de diferentes elementos políticos, econômicos e sociais.
No campo político, a manutenção de diversos componentes da democracia formal
afastaria os militares da acusação de terem instalado uma ditadura no Brasil. E como as
críticas partiam de setores da sociedade marginalizados politicamente, o governo
sempre respondia ora com repressão político-policial, ora respondia com propaganda de
forte impacto no imaginário da sociedade brasileira, sempre ressaltando os valores
democráticos ou anticomunistas.
Essas ações explorariam questões culturais sólidas como, por exemplo, a permanência
de uma tradição autoritária e hierárquica da sociedade.48
Dessa forma, as análises de Mathias seguem, em primeiro lugar, uma exposição de
diferentes teorias explicativas e suas limitações, pois privilegiariam este ou aquele
ponto. Entretanto, concorda com os outros autores analisados com o caráter conservador
da transição e o controle exercido pelos militares em todo o processo. O resultado?
Nenhuma transformação social mais significativa; a manutenção de uma democracia
47 Sem dúvida, a legitimidade dos governos militares tem sido alvo de importantes estudos por acadêmicos latino-americanos. Esses estudos podem se apoiar no instrumental teórico-metodológico gramsciano, que analisa as articulações políticas e suas fundamentações sócio-culturais. E que define os sinais de perda da legitimidade a partir do momento que a repressão ou violência política se tornam mais intensos. 48 A censura à imprensa desempenhou importante papel no processo de controle das informações.
75
formal e do modelo econômico marcado pela intervenção estatal e sua associação com o
capital.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos diferentes autores, foi possível concluir que o processo de
redemocratização no Brasil ocorreu por problemas internos ao governo como, por
exemplo, a perda da legitimidade resultante da crise econômica que afetou o país a
partir de 1973. Situação essa que apontamos no desenvolvimento do trabalho, visto que
a crise tornou inconsistente a existência do Estado de Segurança Nacional e a Doutrina
de Segurança Nacional. O antigo binômio segurança – crescimento econômico, fator de
legitimação do governo durante os primeiros anos da década de 1970, e que aliava um
discurso afinado com os objetivos dos setores mais conservadores da sociedade
brasileira, discurso marcado pelo anticomunismo. Outras questões também fazem parte
dessa análise. Não conseguimos identificar nos diversos trabalhos, referências sobre a
pressão exercida pelos movimentos populares. Ao contrário, esses movimentos
ampliaram sua atuação nos espaços surgidos pela “crise” que afetou o regime. Para
localizar temporalmente essa observação, vemos que os primeiros movimentos de greve
verificados no Brasil, desde 1964, ocorreram em 1977. Essas greves, como também já
abordamos anteriormente, contribuíram para manter a aliança, mesmo que abalada,
entre os setores médios e empresários com o governo. No contexto externo, as maiores
pressões sofridas pelo regime se originaram do governo norte-americano,
principalmente no governo Carter, e sua defesa dos direitos humanos. Foi possível
concluir que o projeto correu da maneira planejada pelos militares, o que podemos
afirmar que houve uma continuidade e sem rupturas no processo de transição e
redemocratização.
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4 REFERÊNCIAS
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77
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78
LÍNGUA, LETRAS E LIBERDADE (TRÊS L’S E UNS DESEJOS, DENTRE OS
QUAIS: O TRIUNFO DO INDIVÍDUO)
Carlos Poleze de Andrade49
RESUMO
Este texto, nômade em concepção e em agudos aspectos, apresenta inquietações a partir da reforma ortográfica de Qorpo Santo. As linhas de pensamento apresentadas buscam expor dois (não somente) aspectos da língua, a liberdade que o individuo tem para com ela e a mutabilidade que esta, por sua vez, sofre com o passar dos tempos, não esquecendo suas múltiplas referências estóricas. Estes traços nos mostram que o uso da reforma fora encarado como um pretexto para discutir e demonstrar aspectos em pró da língua, concebida como uma entidade em constante movimento, viva, nômade, e que o individuo, independentemente de como dela uso faz, é uma voz ativa no processo. PALAVRAS-CHAVE: Reforma; Pensamento; Liberdade; Língua.
ABSTRACT
This text, nomadic in conception and deep in some aspects, presents some concerns taking into consideration the spelling reform of Qorpo Santo. The lines of thought presented in this piece of work seek to show two (not only) aspects of the language, that is, freedom and mutability, not to mention that the language itself has multiple historical references. These features lead us to perceive that the author used this spelling reform to discuss and demostrate that this “pro language”, conceived as an entity in Constant motion, is vivid, nomadic, and that man when using it to communicate, regardless of the way he does it, is free and an active voice in the process.
KEY-WORDS: Reform; Thought; Freedom, Language.
49 Graduando em Letras Português/Inglês da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix; Serra-ES.
79
1 INTRODUÇÃO
“a missão do didatismo é encorajar o autodidatismo,
despertando, provocando, favorecendo a autonomia do espírito”50
Entrelaçando perspectivas4 critico meditativas a partir da inquietação presente na
reforma ortográfica proposta por Qorpo Santo (1829-1883), pretende-se aproximar
pensamentos visando problematizar - não somente - a questão aguda do individuo e seus
fantasmas, sem dissociar, o manifestar-se através da língua e a questão da liberdade para
tal, que esse, por sua vez, se desamedrontado, tem por ordem de natureza o direito, em
instâncias escolares e não: para a vida, acima de tudo, que é um sopro.
Dos onze tópicos propostos em seu frontispício exporemos quatro; os respectivos: 1º,
5º, 7º, 11º, datados em 23 de outubro de 1868. Em linhas e autores, que no processo, no
fluir dos devenires, da metamorfose por vir, também os sobressaltos, pretende-se, assim,
chegar a um dialogar intuitivo51, aberto – fluxos de fluxos - abrangendo as
complexidades, que se interpretadas, tornar-se-ão, quiçá, simples.
O entrelace de vozes que cobrem a textura, dentre ‘n’ intuitos, ecoara em nós
reverberantes insights, entre autores cuja tentativa foi como a de um abraço consensual
em torno de temas arraigados: temas fundidos num entrechoque de afetos. Com
efeito,‘‘deve-se compreender que existem condições biantropológicas (as aptidões do
cérebro/mente humana), condições socioculturais (a cultura aberta, que permite diálogos
e troca de ideias) e condições noológicas (as teorias abertas) que permitem verdadeiras
interrogações, isto é, interrogações fundamentais sobre o mundo, sobre o homem e
sobre o próprio conhecimento”52. A saber, é o que poderíamos associar às intuições
50 (MORIN, 2003, p. 11) 4 Indissociáveis. “Indissolúvel entre a unidade e a diversidade de tudo que é humano” (MORIN, 2003, p. 15) 51 À ciência intuitiva espinosista. 52 Cf. Os sete saberes necessários para educação do futuro. (MORIN, 2000, p. 31).
80
como quando entrechocam-se, num caminhar, os corpos, que nos trazem questões,
questões que cavam na existência absurda caminhos alhures53, que formam arapucas,
que se movem e abrem horizontes em meio ao sufocante ar da axiomática mortuária que
nos ronda. Agora pouco falamos dos afetos; pois então.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 LÍNGUA E UTOPIA: AÇÃO.
Se pensarmos a concepção de utopia enquanto modelo ideal, na proposta deste pequeno
devoro, determinado olhar restringe, em partes, em busca de uma totalidade – ou
fechamento do fluxo - que, por trás do aparente opaco da textura é múltipla, não
admitindo totalidades54. Portanto, a proposta de uma reforma não deve ser interpretada
como uma tentativa de unificação de nada. Nada por quais motivos? Tendo em vista
que língua mais linguagens mais estória juntas caminham (não somente), peguemos,
para começar, um pensamento de Bechara54 para sustentação do que vem e será exposto
nas colocações presentes na textura, e melhor ilustram a somatória exposta duas linhas
acima, onde a língua, por mestra, não deve ser refletida sobre uma luz unificante:
...uma língua histórica não é um sistema homogêneo e unitário, mas um diassistema, que abarca diversas realidades diatópicas (isto é, a diversidade de dialetos regionais), diastráticas (isto é, a diversidade de nível social) e diafásicas (isto é, a diversidade de estilos de língua), e que cada porção de comunidade lingüística realmente possui de direito sua língua funcional, que resulta de uma técnica histórica55...
Dando continuidade a caminhada labiríntica. Devemos salientar que o sentido utópico, a
pouco tratado, portanto, não estagna no modelo – aspas - ideal, mas, à Fourier56 “como
ação e paixão revolucionárias”.57 E por quê? Mediante o que nos foi exposto no recorte
dado acima à textura de Bechara, como não se conceber um não se inquietar quando a
53 Busca por novas possibilidades. Vontade de busca. 54 Há uma totalidade a considerarmos, a dos acontecimentos e conhecimentos mundanos, mas estes por sua vez originam-se das particularidades de cada indivíduo e os gestos, carregada com enorme (por vezes encubada) potência. Uma busca semiótica se for o caso, fitará para compreender, o todo a partir de suas partes. 55 (BECHARA, 2001, p. 15). 56 (apud DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 89; 90) 57 ...dada importância pensar por esse viés.
81
realidade é desenhada de forma oposta? Eis o mote utópico. Eis a língua e sua situação.
Eis, entre tantas, a problemática; e o indivíduo que a ela sentido dá, ou poderia.
A proposta utópica em Qorpo Santo dar-se-á no projetar anseios e ações quanto ao
modo de escrever à progressão do conhecer desamedrontado do ser, em fluxos que
transpingam arte58, - a visão de um léxico gordo, por suposto, faminto de mundos -
fazendo da oralidade o peso sobre a escrita; suprimindo o que não altera no ressoar
fonético de algumas palavras grafadas, se isso for importante. O que constatamos lendo
a reforma de Qorpo Santo, dialogando com o fora, o externo de um delírio que são
mundos, onde o mesmo constatou em anos lecionando e percebendo barreiras na
transmissão, troca subjetiva, entrechoque de espíritos, e assimilação de suma
importância para expansão de conhecimento, desenvoltura dentro de métodos novos que
conduzindo passam na vida do ser pelo modo prático e que este domine; que efetue sua
natureza, sua manifestação natural e segura através da língua. A barbárie na reforma é a
sacudidela a dar no mundo.
Para ilustrar nossos conceitos em torno do sonho de legar às gerações vindouras, os
estudos de Qorpo Santo o consumiram durante toda a vida59. O anseio-ação é notório
em várias passagens de seus escritos, “Estou dando a este mundo os frutos dos meus
estudos, trabalho e experiência: estimarei que seus habitantes deles aproveitem-se!”
Qorpo Santo (2003, p. 94 – grifos nossos). Em outra passagem, o desamedrontar que o
inquietava é a estima de outra ação-anseio que o pensamento e a pena60 articulam em
58 Luft (1921-1995) nos mostra, em seu livrinho, como ele mesmo o trata, uma bela definição do que vem a ser a concepção de arte em linguagem ao tratá-la para além do comunicar “prosaico e trivial”, que entra no ‘’terreno do imprevisível’’, surpreende pela criatividade e pelo cunho inédito; “ilumina recantos da vida normalmente obscuros, inacessíveis ao gasto linguajar comum”, sabendo ser “jocosa e sarcástica”; divertida – tocante quanto a sensibilidade, liberando no leitor emoções que de uma outra forma é incerto dizer se manifestariam (LUFT, 1998, p. 18; 19). Em linhas espinosistas, encontramos – ao pensar a produção de indivíduos livres, em soma aguçada infinita, além das marcas e constantes significações derradeiras: “também a arte torna fáceis muitas coisas que são difíceis e com ela podemos ganhar muito tempo e comodidade na vida” – Espinosa (2004, p. 12) 59 Referência às palavras de - Denise Espírito – Santo (2003, p. 9), em notas introdutórias, sobre a edição onde encontramos compilados alguns dos trabalhos de Qorpo Santo, intitulada: “Miscelânea Quriosa”: Obra analisada para confecção do presente artigo. Os dizeres são: [...] “o sonho de legar às futuras gerações algo das suas inúmeras composições, representou para Qorpo-Santo uma tarefa que o consumiu durante toda a sua vida”. 60 Pena alude, ludicamente, (também) a uma passagem presente na mesma edição da obra qorposantiana (2003, p.9), em notas sobre a edição publicada.
82
sua obra: “Suprimo letras com a intenção de suprirem-se coisas prejudiciais ou inúteis.
Nunca pratiquei ação – sem útil fim e boa intenção”. 61
A boa intenção se faz arte, que é saber, melhor que intenção, e facilita o passar pela
vida. O conceito arte que há pouco fora tratado. Fazendo com que a vida seja dirigida a
partir da vontade de agir e desenhar a existência para além do absurdo.
3 O QUE SEM U, E OUTRAS TRÊS ASPIRAÇÕES – “PRA” QUE SERVEM AS
LETRAS.
Fazer da fala, do peso da oralidade a escrita mediante a idéia de múltiplos entrelaces.
Onde cada falante, por naturaleza, é agente ativo, modificador da língua, imprimindo
particularidades geradas mediante novas e bem quistas situações com que se depara,
muitas vezes após o entrechoque de dois ou mais corpos, o que pode surpreender -
numerar é um trabalho sem fim.
Sendo as letras sons na escrita, gritos, gestos, sopros, vida ou sangue; não sendo o
“código” escrito outra coisa senão um equivalente visível do “código” oral62 fomente
um sujeito cuja existência é presente, viva, um campo de força peculiar. Livre de
paranóias, diriam, num potencial homérico? Em expansão cogno-constante?
comunicando-fomentando, sujeitando – o tempo é puro - intuindo e inventando pela
palavra sem o medo opressivo do ‘erro’, reinventando, construindo. Para respirar.
Língua gorda, salgada e multicor, temperada com particularidades bem quistas e fartas.
Que é montada desdobrada e remontada e inventada através de seu sistema
combinatório. A reforma é um pretexto que instiga. Para tal, nos é proposto de início, a
supressão do U, em todas as palavras onde o som da letra suprimida inexista: eis, assim,
o tópico primeiro da pantagruélica reforma qorposantiana a ser tocado.
61 Qorpo Santo (2003, p. 35)
62 Bechara (2001, p. 10). Aspas nossas.
83
Entende-se com isso que, suprimindo o U em palavras com QUE- (ex. queijo, querer,
carqueja) disponibilizaríamos de um enxuto QE (qeijo, qerer, qarqeja) afinal, como
salienta o autor para justificar63 “o que se pode fazer com menos, não se deve fazer com
mais!”64.
Dos exemplos dado acima, retemos a palavra carqueja, reescrito qarqeja. Além do U da
segunda sílaba ter sido suprimido, o C, assim como na alcunha adotada pelo autor,
transmuta-se em Q, pelo som similar que produz. Vês o lúdico prático?
O quinto tópico de sua reforma fantástica que analisaremos nos dirá respeito à
supressão do H em palavras que seu som inexista, menos ainda servirá para alguma
distinção: (ex. hipopótamo, haste, horta, humilhar...) – as palavras do parêntese
desnudar-se-iam em umilhar aste (a) orta (do) ipopótamo.
O sétimo tópico diz - “Uso do S em todas as palavras que se pode dispensar o C
cedilhado. Esta letra eu suprimo, pois para soar Q65 temos esta, e para soar S, temos
também esta” 66. Assim, teríamos: palhaso, pasoca, cortiso em vigor pleno saltando nos
e dos catataus pelo símile sonora do S, como o que sai do aparelho fonador, facilitando
à escrita do corpo e espírito.
O décimo primeiro ponto dos tópicos propostos é incisivo: “O Y por inútil deve
desaparecer do Alfabeto como aconteceu ao desusado W”67. Com o aumento de
palavras estrangeiras agregadas ao falar do, dando rosto ao momento, brasileiro, tal
proposta seria talvez repensada pelo autor, entretanto, saltando no tempo espaço,
entende-se que, por serem letras que não vigoravam no linguajar da época, suprimi-las
seria questão de descomplicar e expandir, novamente, sem medo, o saber andante.
63 Podemos pensar a partir da tangível máxima do menos, que é criada para facilitar o entendimento, para ampliar a um infinito mais; simplificar para expandir. 64Coruja (apud QORPO SANTO, p. 119) 65 Ou seja, o C-cedilhado. 66 (QORPO SANTO, 2003, p. 120) 67 (QORPO SANTO, 2003, p. 121)
84
O que nos absorve por instantes é o por detrás, o ato de inquietude por detrás do
aparente barbarismo. Desvendado o acontecimento bárbaro: nenhum pavor psicológico
para com o escrever seguindo os sobressaltos da consciência em ação além do estático
enfado dos decoros; que afunila o desenvolver de mentes em potencia – contrapartida?
Travadas. Que a liberdade além das crises68 respire pelos próprios pulmões.
O trans é o ultrapassar do mesmo feito. Romper, numa olhadela concreta para com a
palavra, crises castram. Levar o indivíduo ao seu liame potencial de flutuar, pela
vontade de um possível, re-moldar se for o caso, mas principalmente inventar dentro da
língua, que é múltipla, e vida. Com efeito, a liberdade de que tanto viemos tratando, a
liberdade não nos tira, antes implica a necessidade de agir69.
4 CONSIDERAÇÕE FINAIS
Em linhas finais, no momento, pois nosso léxico não está longe de se esgotar70,
concluímos a partir do que foi exposto até então que entender os múltiplos não se dá em
uma atitude de tolerância, mas de entendimento das naturezas que permeiam as vidas
que movem a língua, suas singularidades e condições – a imagem de entrechoques de
corpos infinitas vezes, a imagem do pensamento. Ignorar riquezas que nos cercam,
manifestadas em linguagens e silêncio, é fechar-se no casulo em pró do umbigo71, e
ensimesmado como um molusco72 permanece-se então...
68 O peso problemático à palavra crise são direcionados (não só, mas também) ao s parágrafos pontuados por Bechara (2001, p.5; 6; 7). É preciso salientar que estamos fazendo uma releitura atemporal e temporal dos escritos de Qorpo Santo. Entrando e saindo, territorializando/desterritorializando. Nos confins da fronteira ou para além. A saber, as datas servem como brando suporte estórico. Como o recorte de um fluxo para situar. 69 (ESPINOSA, 2009, p. 18) 70 Referimo-nos aqui, a uma passagem pela “Farmácia de Platão”, de Derrida, onde se lê: “Nosso léxico, em todo caso, não está longe de se esgotar” (2005, p. 9) 71 Desinteresse, caminho da prosperidade: “Eternos são o céu e a terra,/ Porque não são auto-existentes, / Porque radicam em algo/ Além deles mesmos. / Esta é a razão de sua eternidade./ Assim é o sábio, / Quando não se interessa por si mesmo. / É por isso que se realiza. / Não cuida do seu ego, / E por isto o seu eu prospera. / É esta a reta ordem cósmica: / Somente o desinteressado se auto realiza. (TSÉ, 2003, p.40) 72 Cf. “As Multidões”, de Baudelaire (2006, p. 69)
85
Lincando à Morin73: os pontos colocados por ele quanto às dificuldades de compreensão
para com o outro está, entre outros dois ismos, o egocentrismo. Os outros dois, não
somente: o etnocentrismo e o sociocentrismo, cujo traço comum é o de se situar no
centro do mundo e considerar secundário, quando não insignificante, tudo o que é
distante ou estranho. Por isso, vale fazer presente um saque bem popular, nem tudo que
parece é, não vale esquecer a ideia do por detrás, uma possibilidade, uma causa ativa.
Visualizemos, assim, as multiplicidades no realizar de entrelaçadas vias, na confluência,
no entrechoque e no caldeamento74 de corpos e vozes que entrecruzam para emanação
do diafásico, o diastrático, o diatópico. Novamente lançando indícios, dando rosto ao
instante.
Deliremos as forças interiores75 refletidas na oralidade caindo sobre a escritura, em
qorpo. O individuo manifesta, neste ponto, sua natureza, sua vontade de buscar o novo,
a busca vindo por ele mesmo, às linhas por vir: tocaias, no processo do de dentro para
fora ao ser, o ser não mais joguete de forças exteriores, refletindo assim, do mais salutar
modo, nas línguas dentro da Língua o novo. Vozes tantas dentro de uma língua vasta
banhada em várias línguas.
Um traço da multiplicidade são as singularidades; de forma que, uma descolonização76
da língua, pelas singularidades, que são forças impulsionadoras constituintes nas, e para,
as multiplicidades, pensa-se - alguém. Levar a cabo tal sentença. Que há olhadelas
gastas como a do certo e errado, sendo que o que há, há porque é adequação, entender o
aparente opaco, o não rosto, o por detrás, apenas.
Recuperemos nesse ponto a visão do léxico engordando através dos múltiplos, movendo
a busca pela palavra e suas funções em sujeitar. Novos modos de vida operando, de
73 (2000, p. 96). 74 Referencia a introdução dos estudos em Ribeiro (2006, p. 17) 75 Interior, no ponto em questão, não tem a ver com intimismo. É o reverso. 76 Entre outras palavras prefixadas com des.
86
supetão larapiamos uma estética, “em cuja produção cada ser humano é um artista
consumado”77, convertendo-se... Metamorfoses... rios de linguagem, e... e....78 -
Sobressaltos, sobressaltos pois há poder de metamorfose onde relações em potência
atuam uma sobre outras, uma soma infinita de acontecimentos.
De fato, se de acordo com o que fora lido em Morin79, onde este nos fala quanto ao
armarmos as mentes no vital combate rumo à lucidez. Lucidez possível. De modos que,
na doida, é preciso abrir as ventas quanto ao fato. Em linhas espinosistas, necessita-se
um ultrapassar da consciência quadrada, da mera vaga que nos banha, e entender pela
visão de um não rosto os campos de força por trás da consciência limite. Para caminhar
no alhures de um não um limite, uma fronteira para trás. O ser e língua mundos.
E se ainda tratamos, como tratamos, de educação, sem fechamento na semântica,
sustentando de repente, “é necessário introduzir e desenvolver na educação o estudo das
características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus
processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o
conduzem ao erro ou à ilusão”80.
Afunilando a escrita errática e o meditar no processo que viemos até aqui seguindo,
escreve-se conforme os sobressaltos da mente em ginástica a partir do que se capta pela
oralidade, linguagem dos corpos, o silêncio, mas não só. Leituras de mundo, ideia de
múltiplo. A função da reforma qorposantiana é como a função da arte na produção do
novo: o intuito inventor, um método, uma inquietude mediante um problema constatado
por ele, que em vida, fora vários.
5 REFERÊNCIAS
77 Cf. (NIETZSCHE, 2007, p.25). Neste ponto retoma-se, na articulação com um pensamento alhures, novamente a, dentre as de um leque infinito, a de um transpirar arte, o homem e a natureza, por exemplo. 78 Ideia de acréscimo infinito, antropofagia, devoro, soma... 79 (2000, p.14) 80 Cf. Morin (2000, p.14)
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1 BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. Tradução de Gilson Maurity Ramos. Record, Rio de Janeiro, 2006 2 BECHARA, Evanildo. Ensino de gramática. Opressão? Liberdade? Editora Ática, São Paulo, 2001. 3 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo. Tradução de Luiz B.L.Orlandi. Editora 34, São Paulo, 2010.
4 DERRIDA, Jacques. A Farmácia de Platão. 3ª edição, Iluminuras, São Paulo, 2005.
5 ESPINOSA, Baruch de. Tratado Político. Editora WMF - Martins Fontes, São Paulo, 2009.
6 ESPINOSA, Baruch de. Tratado da Reforma da Inteligência. Martins Fontes, São Paulo, 2004.
7 LUFT, Celso. Língua e Liberdade. Editora Ática, São Paulo, 1998.
8 MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2003. 9 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. 2ª ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000. 10 MORIN, Edgar. Educar na era planetária. São Paulo: Cortez Editora, 2003.
11 NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. Tradução, notas e posfácio J. Guinsburg - São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
12 RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
13 SANTO, Qorpo. Miscelânea Quriosa. Organização, apresentação e notas: Denise Espírito Santo. Casa da Palavra: Rio de Janeiro, 2003.
14 TSÉ, Lao. Tao Te Ching. Martin Claret, São Paulo, 2003.
88
ADONIRAN BARBOSA: UM TIRO AO “ÁLVARO” NO PRECONCEITO LINGUÍSTICO.
Flávia Rigo Bravim81
“Adoniran Barbosa teve grande importância na música popular, pois era
um perfeito repórter, o repórter dos bairros pobres de São Paulo”.
Mário Lago
RESUMO
Este trabalho relatou brevemente a vida e a obra de Adoniran Barbosa destacando sua importância no combate ao preconceito lingüístico. Dizer que o autor foi magnífico em suas obras é muito pouco, ele foi de uma sensibilidade ímpar ao colocar o linguajar popular em suas músicas, demonstrando a realidade que vivia na periferia paulista. Destacou a importância de reconhecer a influência que a cultura exerce sobre a língua e foi duramente criticado por isso. Polêmico, engraçado e muito inteligente, cometia os “erros gramaticais” com muita sabedoria e consciência, foi reconhecido por diversos meios de comunicação como o precursor do combate ao preconceito linguístico. Utilizou-se a metodologia de pesquisa bibliográfica, onde foram analisados livros e artigos sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: preconceito linguístico, diversidade cultural e italianês.
ABSTRACT
This paper reported briefly the life and work of Adoniran Barbosa highlighting its importance in combating prejudice language. Say that the author was magnificent in his works is very little, he was a unique sensitivity to put the nasty in their popular music, demonstrating the reality of living on the outskirts of Sao Paulo. He stressed the importance of recognizing the influence that culture has on language and was harshly criticized for it. Controversial, funny and very intelligent, committed the "grammar mistakes" with much wisdom and awareness, was recognized by several media outlets as the forerunner of anti-bias language. We used the methodology of literature review, which examined books and articles on the topic.
KEY WORDS: linguistic bias, cultural diversity and Italian
81 Graduanda do curso de Letras Português/Inglês da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix – Serra/ES.
89
1 INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva reconhecer a importância social do cantor, compositor, humorista e
ator Adoniran Barbosa. Dono de uma simplicidade singular ele valorizou a oralidade do
povo e criou expressões que lhe conferiam um caráter cômico, mas que representou um
marco no combate ao preconceito linguístico.
O artista representa o símbolo máximo da defesa da pluralidade cultural e combate ao
preconceito linguístico, mesmo que involuntariamente. Analisando a leitura inicial
realizada ao longo do semestre, percebe-se que, ao cantar e escrever conforme fala a
maioria dos brasileiros, ele levantou uma bandeira do respeito à diversidade linguística.
Deixou um legado de obras que ainda hoje é referência para cantores e compositores.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A VIDA DE ADONIRAN BARBOSA
Adoniran Barbosa nasceu em 1910, no município de Valinhos82, com o nome de João
Rubinato. Filho de imigrantes italianos teve uma infância difícil, pois os pais viviam
migrando pelo estado de São Paulo em busca de melhores condições de trabalho,
somente fixando residência na capital paulista em 1834.
Abandonou os estudos cedo e trabalhou em diversos empregos sem significância na
área de prestação de serviços.
Na capital paulista ele se envolveu com rádio a e foi premiado diversas vezes com o
Troféu Roquete Pinto83. Embora tivesse interesse em Artes nas suas mais diversas
formas, foi através de suas composições que retratavam o cotidiano da comunidade a
que pertencia (Bairro da Mooca) foi que ele se consagrou.
82 Município do interior de São Paulo, localizado na região metropolitana de Campinas. 83 O Troféu Roquete Pinto é a mais antiga premiação da televisão brasileira. Criado em 1950, foi
idealizado pelo apresentador, locutor e produtor de TV Blota Júnior e inicialmente destinado aos
destaques das rádios de São Paulo, passando a ser entregue a partir de 1952. A premiação teve, ao todo,
26 edições. Sua última edição foi em 1982.
90
Enfim, tendo de trabalhar desde cedo, talvez Adoniran inconscientemente desejasse mudar seu passado e apagar as dificuldades que amargou a infância, e por isso vivia reinventando a história de seus verdes anos, a cada vez dando novas datas, nomes e fatos. Mas, no fim da vida ao perceber que mesmo consagrado como ator e sambista, não chegou a conhecer a riqueza (embora bem acima da linha de pobreza) sua única arma para enfrentar a realidade seria das mais eficazes: o bom humor. Assim mesmo ele se definiu em 1978: Eu sou um cara triste sabe, eu faço piada, mas é tudo por fora (MUGNAINI, 2002)
O artista foi casado duas vezes, a segunda mulher, Matilde, foi companheira nos
momentos mais difíceis. Em uma época em que a rádio encantava os ouvintes, a maioria
dos artistas morria na pobreza e no ostracismo. Perseverante Adoniran trabalhava,
construindo personagens cômicos para trazer o sustento da família.
Seu estilo de samba contrariava os sambistas da época, que procuravam dignificar sua
origem humilde. Adoniran aproveitava-se da linguagem popular paulistana, com grande
influência italiana, retratando a linguagem e como ela determina o discurso nas mais
diversas situações vividas pelo povo. Abandono social, despejo, o homem solitário, são
temas encontrados nas composições de Adoniran, sempre com uma boa dose de humor,
característica marcante de sua obra.
Adoniran faleceu em 1982, aos 72 anos de idade. Mesmo não tendo concluído os
estudos foi diplomado Professor Emérito pelo Instituto de Música de São Paulo e
Jornalista Honorário.
2.2 A OBRA DE ADONIRAN BARBOSA E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO.
A obra de Adoniran Barbosa trabalhava em sentido contrário aos sambistas da época.
Enquanto eles procuravam “elevar” o nível de sua obra, Adoniran buscava uma maior
proximidade com o povo. Residente do bairro da Mooca ele observava as diferenças no
linguajar entre os italianos pobres e compunha expressões consideradas erradas
gramaticalmente. Ele defendia a variação linguística, reproduzindo em suas músicas o
que ele presenciava na periferia de São Paulo.
Embora sempre tenha ressaltado o lado cômico de sua carreira, ele foi reconhecido por
vários órgãos e artistas pela sua contribuição musical e para o estudo da língua
brasileira.
91
Ao longo de sua carreira ele sempre foi duramente criticado e consequentemente vítima
de preconceito. Mugnaini Jr. (2002, p. 80) relata um episódio em que certa gravadora ao
receber uma música de Adoniran Barbosa para que o grupo Demônios da Garoa
gravassem, considerou um “insulto e uma vergonha para a música brasileira por conter
tantos erros gramaticais”.
O preconceito lingüístico está ligado em boa medida à confusão que foi criada no curso da história entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua (BAGNO, 1999, p. 9).
O que Adoniran fez foi destacar a variação linguística existente em nosso linguajar, isso
é matéria estudada pela Linguística, embora a nossa língua seja regida pela gramática
normativa, ela depara-se com diversos fatores que conferem a ela uma variedade de
termos e expressões que não se aplicam as normas da língua escrita.
A variação linguística comprova que como a língua falada é diferente da escrita, não
tem como considerar “erradas” expressões utilizadas por Adoniran como revórver,
automovér, dentre outras. Não existe unidade na língua falada, como também não
existe a pronúncia perfeita.
Entre as expressões imortalizadas pelo compositor, estão "tiro ao álvaro", "adifício",
"homes", "cobertô", "truxe", "táuba", "frechada", "ponhado", "revórver", "lâmpida" e os
versos de Samba do Arnesto: "O Arnesto nos convidô prum samba, ele mora no Brás /
Nóis fumo e não encontremo ninguém / Nóis vortemo cuma baita duma reiva / Da outra
veiz nóis num vai mais" (BRYAN, 2010).
2.3 ADONIRANÊS
A expressão Adoniranês caracterizava a descrição da fala da comunidade ítalo-
paulistana realizada por Adoniran Barbosa. Mugnanini (2002, p.100) que embora o
compositor tivesse uma preocupação com a compreensão que suas composições
alcançavam com o povo, muitas de suas obras foram criticadas por justamente não
conseguirem entender a diversidade cultural expressada nas músicas, ele tão somente
usava uma variação do português.
92
O seu objetivo não era o de escrever errado, ao contrário. Certa vez ele declarou: “Não é
fácil escrever errado como eu escrevo, pois tem que parecer bem real. Se não souber
dizer as coisas não diz nada...” (MUGNAINI, 2002, p. 9)
Através dessa citação observa-se a seriedade com que o autor tratava suas composições,
não eram palavras sem sentido, ao contrário, existia um rigor de cuidados em suas
colocações, ele utilizava com propriedade o seu direito de falante, de trabalhar a língua
como melhor lhe aprouver, arraigando-a a todo um processo cultural por ele vivido na
época.
Adoniran abriu caminho para pesquisas e constatações importantes para a linguistica.
Embora os conceitos já fossem conhecidos, nem todos aceitam que existem variações
lingüísticas na língua falada, fatores como cultura e regionalismos têm que ser levado
em conta no momento de uma análise da língua.
O Brasil é um país tão vasto, cheio de culturas resultantes de processos imigratórios e
migratórios que não tem como fechar os olhos a toda essa pluralidade, ignorando as
diferentes estruturas sociais existentes.
É através da linguagem que uma sociedade se comunica e retrata o conhecimento e
entendimento de si própria e do mundo que a cerca. É na linguagem que se refletem a
identificação e a diferenciação de cada comunidade e também a inserção do indivíduo
em diferentes agrupamentos, estratos sociais, faixas etárias, gêneros, graus de
escolaridade (LEITE, 2002).
2.4 PLURALIDADE CULTURAL
A pluralidade cultural implica em desprezo por parte da maioria por aquilo que não
consideram parte do padrão e das normas apresentados pela sociedade vigente. Ser um
“caldeirão cultural” como o Brasil não é fácil em muitos aspectos. Em se tratando da
língua, o preconceito surge como uma forma de rejeição aquilo que a gramática
desconsidera, mesmo tendo consciência que a mistura cultural existente no Brasil
implica em diferenciações lingüísticas.
93
Os imigrantes trouxeram a cultura italiana no modo de se vestir, na religiosidade, na
língua e nos dialetos com os quais se comunicavam. Os italianismos provenientes desse
contato entraram para a nossa língua principalmente por intermédio da forma oral, de
pais para filhos, entre vizinhos, de empregado para patrão, etc., e, como estão há muito
tempo no léxico, adaptaram-se ou desapareceram. Algumas das unidades lexicais, no
entanto, ainda são sentidas como italianismos, apesar da total adaptação fonética, caso
de "espaguete", "nhoque" e "lasanha" O resultado de todo esse processo é que, muitos
italianismos acabaram dicionarizados, caso de "adaggio", "allegro" e "andante", no
campo musical; "arlequim", "colombina" e "vedeta", no teatro; "afresco", "aquarela" e
"caricatura", nas artes plásticas; e "amainar", "escolta" e "piloto", na navegação. Outras
palavras que têm a mesma origem são "bandido", "canhão", "baderna", "gelatina",
"ágio" e "capricho". Assim como esses vocábulos, tão bem adaptados ao português que
nem parecem ter vindo de outro idioma, os ítalo-brasileiros também já fazem parte da
paisagem multicultural brasileira (BRYAN, 2010).
Aceitar a diversidade linguistica é uma forma de combate ao preconceito da fala. O
preconceito lingüístico nada mais é do que a intransigência entre as diferentes formas de
expressão da língua existentes no Brasil. Ao rejeitar a pluralidade linguística, estão
desprezando também todo o processo cultural existente por trás daquele modo de falar,
menosprezando talvez até a sua própria história.
Adoniran não fazia nada além de retratar culturalmente um povo, em destaque os
italianos. Bagno (2002, p.26) explica que: Na língua, nada é por acaso: tudo tem uma
explicação. Ninguém fala errado porque é burro ou preguiçoso: as pessoas falam
diferente porque empregam regras gramaticais diferentes.
Muitas das críticas que sofreu partiam de pessoas que não conheciam ou
desconsideravam as diversas gramáticas existentes dentro de uma mesma língua.
Adoniran Barbosa era polemico em suas composições.
Suas obras eram e são até hoje analisadas em sala de aula, demonstrando-se que falar é
diferente de escrever, talvez até nem soubesse da importância social de suas obras
desenvolviam involuntariamente. Ao reconhecer, cantar discutir e criticar suas obras as
pessoas involuntariamente estavam combatendo o preconceito linguístico.
94
O autor Marcos Bagno, talvez seja quem mais abordou o tema com tanta clareza e
propriedade de discussão.
E a primeira campanha a ser feita, por todos na sociedade, é a favor da mudança de atitude. Cada um de nós, professor ou não, precisa elevar o grau da sua própria auto-estima lingüística : recusar com veemência os velhos argumentos que visem menosprezar o saber lingüístico individual de cada um de nós. Temos de nos impor como falantes competentes de nossa língua materna. Parar de acreditar que brasileiro não sabe português, que português é muito difícil, que os habita. Acionar o nosso senso crítico toda vez que nos deparamos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações deixando de lado (e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e intolerantes (BAGNO, 1999, p. 115)
O autor também sugere aquilo que considera uma “solução” para o combate ao
preconceito. Na visão de Bagno (1999) é preciso um processo de reeducação e
conscientização para que as pessoas possam conhecer a contribuição da diversidade
cultural na língua e em outras partes do nosso cotidiano. Aprender a se aceitar, e aceitar
nossas origens é um caminho para o reconhecimento da diversidade cultural na vida e
consequentemente na fala.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
João Rubinato ou Adoniran Barbosa viveu 72 anos acompanhando as principais
evoluções sociais existentes na época. Viu surgir a energia elétrica em São Paulo,
através da Light, a primeira transmissão na rádio e o surgimento de filmes de longa
metragem.
Sua bagagem cultural e sua visão de vida e de mundo foram destacados em suas obras e
nem sempre compreendidos. Adoniran (provavelmente sem saber) contribuiu para que
dentre outras coisas, houvesse discussão acerca da pluralidade cultural existente em
nosso país, das contribuições que os imigrantes (principalmente os italianos da periferia
paulista) trouxeram para a nossa língua, da existência de várias gramáticas existentes na
Língua Portuguesa quando falada, da aceitação social de classes mais inferiores que se
identificavam nas composições de Adoniran, e da necessidade de uma educação e
conscientização para que esse habito de depreciação cultural seja erradicado de nossa
sociedade.
95
Não era burro nem desrespeitoso com a língua, ao contrário, um autor consciente do que
estava fazendo, embora não tivesse dimensão de sua importância.
4 REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
––––––. Português ou brasileiro? um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2002.
BRYAN, GUILHERME. A linguagem ítalo-brasileira. O centenário de Adoniran Barbosa reacende o debate sobre a influência italiana na fala brasileira. Revista Língua Portuguesa. Edição 61. Disponível em http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12097. Acesso em outubro de 2010.
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96
A EVOLUÇÃO DA ESCRITA
Ana Cláudia Alves Rodrigues84
RESUMO
O desenvolvimento, deste artigo, almeja identificar como a escrita permitiu que o conhecimento vencesse a barreira do tempo e que a mensagem pudesse existir mesmo com o distanciamento de um emissor, podendo ser recebida a qualquer momento por qualquer pessoa, desde que esta soubesse decifrar o código. Veremos ainda que a escrita proporcionou reviver as diferentes civilizações, informando-nos sobre o cotidiano, religião, história, ciência, literatura, e nos possibilitando a organização correta do pensamento, base da inteligência e cultura dos séculos seguintes. A escrita também esteve intimamente ligada com a transmissão e desenvolvimento da cultura dos povos; e a cultura com o desenvolvimento da sociedade e da vida social. Enfim, conforme observaremos neste artigo, a escrita nos deixa o legado de um patrimônio cultural das civilizações já desaparecidas. E por elas, compreendemos como a escrita atual foi desenvolvida.
PALAVRAS-CHAVE: Linguagem; Escrita; Conhecimento; Cultura; Evolução.
ABSTRACT
The development of this paper aims to identify how the writing enabled knowledge to win the test of time and that the message could exist even with the distance of a transmitter and can be received at any time by anyone, provided that it knew to decipher the code. We will see that writing has brought to relive the different civilizations, informing us about everyday life, religion, history, science, literature, and enabling the correct organization of thought, the basis of intelligence and culture of the following centuries. The writing was also closely linked with the transmission of culture and development of people, and culture with the development of society and social life. Finally, as we observe in this article, the writing leaves us a legacy of the cultural heritage of civilizations have long vanished. And for them, we understand how to write current was developed.
KEY WORDS: Language; Writing; Knowledge; Culture; Evolution.
84 Graduanda do curso de Letras Espanhol/Inglês do 6º período, da Escola Superior de Ensino Anísio Teixeira – Faculdade CESAT.
97
1 INTRODUÇÃO
“As letras podem não representar ideias, mas se combinam entre si como as ideias, e as ideias se atam e se desatam como as letras do alfabeto” (FOUCAULT, 1966).
“Letras são como abelhas”, relata Carlos M. Horcades85. Esse pequeno animal sozinho
é apenas um inseto irracional. Mas, quando observamos uma colméia com seu
complexo funcionamento, vemos que esses insetos desempenham funções
determinadas. A abelha não possui inteligência individual, mas a colméia possui
inteligência coletiva.
Isso acontece também com as letras. Sozinha, uma letra não tem valor. Mas letras juntas
formam palavras, e palavras são pensamento, ou seja, registros de ideias. Haveria muito
que dizer sobre o termo letra, que, até o início do século XIX, constituía “a unidade
abstrata da forma da expressão linguística que está por trás do fato fônico e do fato
gráfico e que os reúne na síntese necessária” (HJELMSLEV, 195786) e que hoje é
conhecida como grafema. Mas, neste artigo, vamos analisar que todos os estilos
inventados pelo homem – classicismo, gótico, renascentismo, modernismo,
construtivismo, e assim por diante – são repletos de características culturais e estilísticas
dos estilos a que pertencem. Observaremos, também, o desenvolvimento da escrita
desde os tempos primitivos e que as letras são, sem dúvida, a maior invenção do
homem.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A INVENÇÃO DA ESCRITA
Para você, aprender a ler e a escrever foi uma tarefa fácil? Já parou, então, para pensar
em como isso aconteceu para toda a humanidade? Dificilmente nos lembramos da 85 Carlos M. Horcades, carioca de Recife, é formado em Desenho Industrial pela Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro (Esdi), 1973, e tem mestrado em Design Gráfico pelo Central School of Art Design de Londres, 1977. É professor titular de Tipologia e diretor do Instituto de Artes Visuais (IAV) da Universidade do Rio de Janeiro. 86 Linguista dinamarquês, (1899-1965).
98
primeira coisa que dissemos ao acordar esta manhã. Mais difícil ainda seria nos
recordarmos daquela reunião que tivemos há dois dias na empresa em que trabalhamos
ou da aula de ontem no colégio.
Mas há uma diferença entre estas duas situações que faz com que a segunda fique em
vantagem. Pode-se consultar nossas anotações ou o nosso caderno, não é mesmo? Ainda
bem que existe a escrita!
Para ajudar a memória ou para nos comunicarmos com outros, deixamos registros.
Registros esses que podem, até mesmo, ser lidos por gerações futuras. Durante muitos
anos, os homens sentiram a necessidade de registrar de forma gráfica o que apenas lhes
era transmitido oralmente ou por meio de desenhos. Só a palavra falada já não era
suficiente. Mas, embora a escrita tenha sido desenvolvida inicialmente para guardar os
registros de contas e trocas comerciais, ela tornou-se um instrumento de valor
inestimável para a disseminação de ideias e informações, sendo a representação do
pensamento e da linguagem humana por meio de símbolos.
Quanto a mim, estimo que, salvo exceção sancionada pelo uso, deve-se escrever conforme o que é pronunciado. O papel das letras é, de fato, o de conservar os sons e restituí-los aos leitores, como um depósito; elas devem, portanto, representar o que tivermos a dizer (QUINTILIANO, 35-95 dC.87)
2.2 CONHECENDO O PASSADO
A escrita é, sem dúvida, uma das maiores realizações do homem e uma invenção
decisiva para a sua história. Ela possibilitou o acúmulo do conhecimento humano, visto
que antes dela, tudo o que o homem aprendia morria com ele. Depois da invenção da
escrita, o conhecimento passou a se acumular e não se perder. Assim, por meio de
escritas realizadas há milhares de anos, hoje é possível sabermos como era a vida e a
organização social de muitos povos que viveram antes de nós, bem como suas
experiências e descobertas. É importante ressaltarmos que a escrita não surgiu por
acaso, mas como resultado de mudanças que ocorreram nas sociedades com o
87 Professor de Retórica, na Roma Antiga, (35-95).
99
surgimento das primeiras civilizações urbanas.
Estas civilizações eram formadas por pequenas comunidades e estavam sob a autoridade
de um senhor, um soberano, e diante da constante necessidade de controle
administrativo, surgiram os primeiros registros relacionados com quantidades de sacos
de grãos, de gados, e assim por diante.
De acordo com a história, pelo menos quatro sistemas de escrita88 foram inventados em
épocas distintas por quatro povos diferentes que viviam na Mesopotâmia, Egito, China e
América Central.
Os mais antigos escritos encontrados são provenientes da região entre os rios Tigre e
Eufrates, na Mesopotâmia (atual Iraque). Os sumérios, que habitavam a Mesopotâmia,
desenvolveram a escrita cuneiforme.
88 Estes sistemas foram: o cuneiforme, a escrita hieroglífica, a ideográfica e a pictografia.
100
Escrita cuneiforme89.
Os alfabetos cuneiformes tinham um grande número de sinais para representar sílabas e
palavras e, em alguns casos, misturavam também pictogramas90 ou ilustrações. É
interessante que esse termo “cuneiforme” vem de cunha, que era uma ferramenta
pequena de entalhe; poderíamos dizer que era a “caneta” daquela época que grafava
símbolos em placas de cerâmica. Por meio desta ferramenta, nem era preciso ser um
desenhista para compor os caracteres. Utilizavam-se também para escrever: objetos de
metal, osso e marfim, largos e pontiagudos em uma das extremidades e de outra, plano.
Não muito tempo depois, os egípcios criaram os hieróglifos, ou seja, a escrita das
pirâmides que também podia ser grafada em relevo em materiais duros ou em barro
mole; a palavra hieróglifo91 vem do grego e significa gravar textos sagrados.
Os alfabetos, nessa época, tinham um número muito grande de caracteres, que
geralmente, eram difíceis de escrever, e isso restringia a leitura e a escrita a um número
89 Imagens extraídas respectivamente dos sites http://resistir.info/financas/dinheiro.html e http://cienciadacriacao.blogspot.com/2008.html. Acesso: em 09 set. 2010. 90 Desenho ou signo de uma escrita pictográfica. / Desenho esquemático normalizado, destinado a significar, especialmente, em locais públicos, certas indicações simples (p. ex., direção da saída, interdição de fumar, localização dos banheiros públicos etc.). Fonte: http:// www.dicionariodeportugues.com/.Acesso em: 22 nov.2010. 91 Tipo de escrita pictórica. A palavra geralmente se refere à antiga escrita do Egito, mas é também usada para designar a escrita dos astecas e de outros grupos indígenas primitivos americanos. A palavra grega hieróglifo significa entalhe sagrado ou sacerdotal. Os gregos acreditavam que apenas os sacerdotes egípcios compreendiam e valiam-se desse sistema de escrita. Pensavam que os hieróglifos representavam alguma sabedoria secreta, mágica e que se precisava compreender o seu significado mágico para entender a escrita que o representava. Fonte: http:// www.dicionariodeportugues.com/.Acesso em: 22 nov.2010.
101
limitado de pessoas, geralmente nobres, sacerdotes ou escribas. Eles ocupavam uma
posição privilegiada, visto que eram o elo entre o faraó e o povo. No entanto, quando a
imprensa foi criada, em 1450, as pessoas comuns ainda não sabiam ler e escrever. A
ideia de que todas as crianças e adultos deviam aprender a ler e a escrever só foi
difundida no século XIX.
Como vimos, existiam diferentes estilos. O mais desenhado, como o presente nas
pirâmides, é chamado de hieroglífico.
Escrita hieroglífica egípcia92.
Em papiro, uma espécie de papel mais fibroso, e em outros documentos, presenciamos o
estilo chamado hierático, mais cursivo, quer dizer, mais fácil de traçar. Ainda existe um
estilo mais popular, o demótico. Por milhares de anos, a escrita dos povos antigos
permaneceu de maneira misteriosa. Para termos uma ideia, os hieróglifos só foram
decifrados no século XIX pelo estudioso francês Jean-François Champollion.
O mais extraordinário das primeiras escritas é que muitas delas puderam adaptar-se a
outras línguas: suméria, acádia, hitita e persa. Sendo assim, durante o terceiro e primeiro
milênio aC. a escrita cuneiforme extendeu-se até o sul da Palestina e o norte da
Armênia.
92 Imagem extraída do site http://www.inana.com.br/. Acesso: em 05 set. 2010.
102
Na América Central, quando os europeus conquistaram a região, povos como os maias e
os astecas já possuíam seus próprios sistemas de escrita, porém uma grande parte dos
seus documentos escritos foi destruída. Por exemplo, de acordo com historiadores,
ficamos sabendo que a escrita nahuatl surgiu por volta do século XIII, mas ela ainda
não foi totalmente decifrada pelos estudiosos.
Outra potência que teve um sistema original criado a mais de 3 mil anos, foi a China. Os
chineses foram os responsáveis pela invenção do papel.
Antes disso, muitos outros materiais foram utilizados para a escrita. Imagine só, os
livros que estamos acostumados a manusear facilmente já foram feitos, um dia, de
placas de barro, madeira, metal, osso e até bambu. Também eram comuns Escrituras em
tecidos, couro, cascas de árvore e em papiro, enroladas ou dobradas.
Outro material muito comum foi o pergaminho, que era obtido a partir do couro curtido,
formando rolos. Podia ser lavado ou lixado para que outra mensagem pudesse ser
Pergaminho93
93 Imagem extraída do site http://www.uesb.br/. Acesso em 05 set. 2010.
103
escrita por cima.
2.3 DA IMAGEM AO SOM
Até em nossos dias, existem diferentes tipos de escrita, isso se dá porque suas
origens são diferentes. A escrita teve sua evolução a partir do desenho. No início, cada
figura representava um objeto. Desenhar um macaco para querer dizer macaco, ou a
representação de um pé, significando andar ou viajar é o que conhecemos como
pictografia. O significado deriva diretamente da imagem que o representa, por isso
podemos dizer que é um sistema figurativo.
Se quiséssemos expressar a ideia de água em um símbolo, será que todos nós faríamos
desenhos iguais? Certamente não. Por isso, a criatividade dos inúmeros inventores da
escrita tem efeitos até hoje, levando à existência de diversos sistemas. Falando ainda
sobre a água, a ideia dela era representada pelos egípcios como uma onda; os chineses
desenhavam curvinhas que lembravam a correnteza de um rio; e pelos astecas, a água
era representada pela cor azul dentro do desenho de uma vasilha.
Sistema figurativo94
A partir da escrita realizada por meio de figuras, a pictográfica, os traços foram sendo
simplificados e o desenho já não parecia mais com o objeto que representava.
Embora essas figuras ou caracteres, segundo sua primeira instituição, imediatamente apenas sons, os homens com freqüência levam seus pensamentos dos caracteres à própria coisa significada pelos sons. Isso faz
94 Imagem extraída do site http://www.invivo.fiocruz.br/. Acesso: em 07 set. 2010.
104
com que os caracteres possam ser considerados dessas duas maneiras, seja significando apenas o som, seja ajudando-nos a conceber o que o som significa (Grammaire générale et raisonnée, 166095).
Dessa forma, quando temos um sistema de escrita que possui um símbolo para cada
objeto ou coisa, como os chineses fazem mesmo em nossos dias, chamamos de sistema
ideográfico. O sistema ideográfico parece complexo para nós, porque é essencial
conhecer um número grande de símbolos (mais de 2 mil!) para conseguir ler um texto
simples, de um jornal, por exemplo. No entanto, isso não acontece com o alfabeto,
porque conseguimos ler qualquer palavra desde que conheçamos umas poucas dezenas
de símbolos.
Finalmente, o sistema pictográfico evoluiu para uma forma escrita totalmente abstrata,
composta de uma série de marcas na forma de cunhas e com um número muito menor
de caracteres. Conforme já mencionado, esta forma de escrita ficou conhecida como
cuneiforme e era escrita em tabletes de argila úmida. Quando as placas de argila
endureciam, estava pronto um meio quase indestrutível de armazenar as informações.
Evolução da Escrita96
Os pictogramas eram, de fato, difíceis de aprender, mas, embora o método cuneiforme
fosse muito mais fácil, a escrita daquela época continuava sendo exclusiva de escribas
95 Gramática Geral e Fundamentada de Antoine Arnauld que foi padre, teólogo, filósofo, matemático e lógico francês (1612-1694). 96 Imagem extraída do site http://www.invivo.fiocruz.br/. Acesso: em 07 set. 2010.
105
profissionais. E ainda existia um selo que era usado para determinar a posse de algo.
Esses selos primitivos constavam, simplesmente, de um desenho personalizado
referente ao proprietário. Entretanto, mais tarde, uma inscrição por escrito, seria
também incluída.
A escrita cuneiforme teve muito sucesso. Anos mais tarde, milhares de tabletes de argila
foram desenterrados e continham registros de transações comerciais e impostos de
cidades da Mesopotâmia, de modo que a escrita cuneiforme foi usada para escrever a
língua da Suméria, a da Assíria e a de Babilônia. Embora a escrita cuneiforme fosse
pouco adaptada a estas línguas, a escrita foi amplamente usada no Oriente Médio numa
diversidade grande de documentos, desde registros comerciais até cartas de reis. O êxito
da escrita cuneiforme foi parcialmente devido ao fato de que suas matrizes em forma de
cunha eram bastante adequadas para o meio em que se escrevia - o tablete de argila.
Enfim, última consequência que se estende sem dúvida até nós: a teoria binária do signo, aquela que fundamenta, desde o século XVIII, toda a ciência geral do signo, está ligada por uma relação fundamental a uma teoria geral da representação. Era necessário que a teoria clássica do signo tivesse como base e justificativa filosófica uma “ideologia”, isto é, uma análise geral de todas as formas de representação desde a sensação elementar até a ideia abstrata e complexa (Foucault, 1966, p. 8197).
2.4 A IDADE MEDIA
Já durante a Idade Média, a procura por livros menores e portáteis fez com que a largura
das letras diminuísse gradualmente. Alguns acreditam que essa ideia de se produzirem
livros menores em tamanho partiu da necessidade de a Igreja confeccionar bíblias de
bolso para uma difusão da doutrina católica. Aparece, então, a letra gótica, com seu
desenho solene e severo, trazendo o formalismo da Idade Média.
A arte mais importante da Idade Média foi a arquitetura gótica, que chamava a atenção
pelo tamanho de suas construções. A posição do homem no mundo também era
diferente. A vida do homem era mais importante após a morte do que durante a vida.
97 Importante filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamentos do Collège de France desde 1970 a 1984.
106
Tudo isso reflete na letra solene, escura e severa, como a Inquisição Católica.
Ainda na Idade Média, os livros eram escritos à mão. Em nossa era, não conseguimos
nem mesmo imaginar o trabalho penoso, que requeria paciência e dedicação dos
monges copistas daquela época, visto que faziam parte da pequena classe privilegiada
que possuíam a leitura e a escrita. Você pode não acreditar, mas sem saber o que
aconteceria em nossa era digital, eles já simplificavam o trabalho substituindo letras,
palavras e nomes próprios por símbolos, abreviaturas e sinais; sem dúvida, poderíamos
até dizer que eles foram os percursores da estenografia (arte de escrever por
abreviaturas) e da maneira moderna que escrevemos na internet, maneira essa tão
criticada por muitos hoje em dia.
Alfabeto gótico98
Porém, no nosso caso, essa abreviação acontece por causa da lei do menor esforço e ao
tempo escasso, no entanto, no caso dos monges, os motivos eram econômicos, haja
vista que a tinta e o papel eram raros e caríssimos. Por esta razão, surgiu o til para
substituir uma letra que anasalava a vogal anterior. Um exemplo disso, podemos ver no
espanhol o nome “phrancisco” foi abreviado “phco” ou “Pco”, daí temos o famoso
apelido Paco. Não era diferente com os santos. Para identificá-los os copistas usavam
um feito importante de suas vidas e adotavam abreviatura para seus nomes.
98 Imagem extraída do site www.tatuajesblog.com. Acesso: em 09 set. 2010.
107
Foi nesse viés que os monges criaram o símbolo @ para ficar no lugar do ad, que tinha
o sentido de “em casa de”. O mundo evoluiu, foram-se os copistas, veio a imprensa,
mas continuaram os símbolos. O @ aparecia como representante da unidade de
mercadoria e o preço; o símbolo & denominava sociedade comercial. Em 1874,
começou a ser comercializada, nos Estados Unidos, a máquina de escrever, que tinha,
no teclado, o símbolo @; e foi passado aos computadores. Já em 1972, Ray Tomlinson99
criou o primeiro programa de correio eletrônico e aproveitou o @, que até então
pertencia ao teclado, para usá-lo entre o nome do usuário e o nome do provedor,
significando o destino da mensagem, pois @, em inglês, é traduzido como “at”. É como
dizia o Príncipe de Lampedusa100, autor de “O Leopardo”, “é preciso que tudo mude
para que as coisas continuem na mesma” (LAMPEDUSA, 1963, p.263).
2.5 A RENASCENÇA
O século XV traz a Renascença, que foi o movimento mais fértil e criativo da história
humana. Os ganhos das classes altas e da nobreza possibilitaram o aparecimento de uma
nova classe média. O homem reavaliou o seu papel no mundo e abandonou a servisão
da Idade Média, para se valorizar e repensar a sociedade com todos os outros valores,
como moral, estética, arte, filosofia, e religião. Durante essa época, o papel do homem
no mundo recebeu maior destaque.
Na tipologia, os artistas da letra desenvolveram tipos mais arredondados, mais leves e
legíveis. Utilizou-se mais o espacejamento entre as palavras. Pela primeira vez, fizeram-
se alfabetos completos, todos dentro do mesmo estilo. As maiúsculas foram resgatadas
do século I, em Roma, e as minúsculas inspiradas na Minúscula Carolíngia, época do
reinado de Carlos Magno, no século VIII.
99 Programador americano que implementou um sistema de correio eletrônico na ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network) do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em 1971. 100 Escritor italiano (1896-1957). Entre suas obras, está o romance O Leopardo, que conta sobre a decadência da aristocracia siciliana durante o movimento italiano que buscou, entre 1815 e 1870, unificar o país, conhecido em português como Ressurgimento.
108
As novas letras da Renascença coincidem também com a introdução da perspectiva nos
desenhos, o descobrimento da luz e da sombra na pintura e a transformação da
arquitetura em espaços mais claros e amplos, com vãos maiores, janelas mais largas e
muita luz clareando os ambientes. Como consequência, a letra da Renascença era mais
espaçosa e legível, como os ambientes da nova arquitetura. A página dessa época difere
muito da gótica que, como já vimos, era escura e triste.
2.6 A NOVA LETRA
No fim do século XVIII, chegou a tendência para se racionalizar tudo, inclusive o
desenho acompanhando a pré-revolução industrial. Começou-se a desenhar letras com
larguras iguais e a padronizar as curvas, os ângulos, as espessuras e as dimensões dos
novos alfabetos. Os impressores e criadores mais importantes foram Giambattista
Bodono101 (1740-1813), de Parma, na Itália e Francois Didot102 (1689-1757), de Paris,
França.
O livro mais importante de Bodoni é o Manuale tipografico, que continha os alfabetos
grego, hebraico, fenício, rúnico, georgiano, tibetano, hindu, cirílico (línguas que Bodoni
conheceu quando trabalhou na gráfico do Vaticano) e tipos em 142 tamanhos diferentes.
2.7 O SÉCULO XIX
O século XIX transcorreu com a invenção das famílias sem serifa e um movimento
libertário em relação ao formato das letras. Começou-se a usar a tipografia
comercialmente, e sem nenhum controle estético, sendo assim, a aparência das letras
deteriorou-se. Faziam-se letras obesas, ilegíveis, páginas desalinhadas, margens
desproporcionais aos textos, etc.
Durante a estagnação tipográfica do século XIX, a indústria da impressão continuou
prosperando. As fábricas de papel desenvolveram novos moinhos com capacidade para
101 Tipógrafo e impressor italiano. 102 Impressor parisiense.
109
fabricar até seis mil metros por dia. As novas impressoras trabalhavam em maior
velocidade e as primeiras máquinas de composição de tipos foram inventadas.
2.8 ESTILOS TIPOGRÁFICOS E MESTRES DA TIPOGRAFIA
2.8.1 .Art Nouveau
O movimento Art Nouveau103, com sua superabundância de formas curvas, forneceu-
nos exemplos de tipologia que fizeram parte de todas as características que os objetos,
as ilustrações e as arquiteturas trouxeram a partir de 1890. As letras eram usadas com
fartura na publicidade, em revistas, jornais e pôsteres. O estilo art nouveau difere
ligeiramente de acordo com o país onde foi criado. Inglaterra, Escócia, França, Bélgica
e Espanha tinham seus próprios subestilos.
2.8.2 O novo grafismo
No fim do século XIX, os grafistas russos, suíços, austríacos e alemães também
começam a apresentar seu estilo, introduzindo os novos conceitos de programação
visual que norteariam a evolução do design gráfico e da tipografia a partir de então.
2.8.3 Dadaísmo
O movimento dadaísta, no começo do século XX, trouxe novos ingredientes à tipografia
no que se refere à diagramação e à quebra de vários dogmas, como misturar famílias,
caixa-alta e caixa-baixa, alinhamentos, espaços brancos e capitulares.
A filosofia dadaísta parte do questionamento e da negação dos preceitos incorporados
pelo pensamento humano em relação à arte e a outros valores subjetivos.
103 “Arte nova”, em francês, foi um estilo estético essencialmente de design e arquitetura que também influenciou as artes plásticas nas últimas décadas do século XXI e primeiras do século XX.
110
2.8.4 Bauhaus
Nos anos de 1920, a Bauhaus104 revolucionou os conceitos que regiam a tipografia
tradicional. As letras vindas da Bauhaus eram geométricas, construídas racionalmente.
Nesse momento, pensaram em abolir a caixa-alta, a serifa, e em usar letras em diagonal
para “quebrar” a normalidade da página e criar tensão visual. A página assumiu nova
feição e o design de letras, a arquitetura e a arte caminharam juntos à sombra do
construtivismo.
2.8.5 Art Déco
A tipografia art déco105 também acompanhou o geometrismo do estilo que teve seu
apogeu nos anos de 1930. Os pontos altos nesse estilo estão nos geomentrismos, na
ilustração e na arquiterura com tantos exemplos presentes até hoje.
2.9 EVOLUÇÃO PERMANENTE
Na verdade, a escrita, assim como as línguas, está em permanente processo de evolução.
Ela reflete e acompanha a maneira como as sociedades vivem, seus hábitos, tecnologias
e peculiaridades. Por isso, textos que foram escritos há apenas cem anos, muitas vezes,
já possuem palavras que caíram em desuso.
Outro exemplo da evolução da forma de escrever é que, em nossos dias, já não achamos
importante ter uma letra bonita no caderno, porque o acesso a computadores torna mais
fácil a produção da escrita em letra de forma, ou seja, digitada.
E vemos, nos e-mails e nas trocas de mensagens escritas simultâneas pela Internet – os
famosos chats –, uma variação da linguagem, produzida pela pressa em digitar.
Percebemos isto nitidamente quando, por exemplo, escrevemos vc e tb, no lugar das
palavras você e também. A utilização de símbolos gráficos – os emoticons, como ; > )
(um rostinho sorrindo e piscando um olho) – tenta imitar as expressões faciais que
104 Escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda, que funcionou entre 1919 e 1933 na Alemanha. Foi uma das maiores e mais importantes expressões do Modernismo no design e na arquitetura, sendo a primeira escola de design do mundo. 105 Movimento popular internacional de design de 1925 a 1939, que afetou as artes decorativas, inclusive as artes gráficas.
111
acompanham a linguagem oral.
Com os símbolos do computador imitamos as expressões
faciais106.
No entanto, conforme adverte Orlandi107 (2000, p.101) o locutor precisa estar atento ao
emprego de uma escrita adequada, uma vez que “Não é só quem escreve que significa;
quem lê também produz sentidos”. Com base em análises e estudos realizados,
evidenciamos que os termos e/ou as expressões que são veiculadas na internet já estão
incorporados na linguagem cotidiana das pessoas. Contudo, para alguns, ainda se trata
de uma linguagem difícil, principalmente para quem não sabe o inglês, visto que muitos
termos são de origem inglesa.
Entretanto, isso não quer dizer que as mensagens não sejam compreendidas. A
linguagem, como vimos até aqui, mostrou-se essencialmente funcional, no sentido de
construir sentidos através das escolhas de palavras.
O que ocorre, na verdade, é que as pessoas usam e incorporam tal linguagem para se
interagirem socialmente umas com as outras, talvez por uma questão de necessidade ou
até de imposição social.
Neste sentido, ao contrário do que muitos pensam, a interação e a persuasão também são
aspectos presentes na linguagem da internet, do mesmo modo que em outros meios de
comunicação. A linguagem da internet que, consequentemente, se associa diretamente
106 Imagem extraída do site http://www.invivo.fiocruz.br/. Acesso: em 21 set. 2010. 107 Doutora em linguistica e coordenadora do Laboratório de Estudos Urbanos da Unicamp.
112
com a escrita, constrói-se a partir da língua comum de um povo, porém se adapta, em
grande parte, a vocábulos emprestados da língua inglesa.
Desse modo, talvez possamos afirmar que o fenômeno de globalização linguística, a
favor da língua inglesa, parece uma realidade inevitável neste início de século,
sobretudo com a chegada cada vez mais intensa das novas tecnologias da informação e
da estruturação de uma economia aberta.
Com base nesta questão, afirma Bagno108 (2001 p.19), não há como impedir a
disseminação dos termos ingleses na área da informática, pois isso impediria a entrada,
no país, de tudo que se refere à área (equipamentos, programas, computadores e toda a
tecnologia à qual tais termos estão relacionados).
Isso tudo nos mostra como a escrita é um processo vivo e ativo, inventado e reinventado
por toda a humanidade todos os dias, e, na era digital, ela se modifica ainda com maior
velocidade.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dominar a escrita, para além do prestígio e posição social que conferia, significava
também adentrar em um terreno cada vez mais vasto: o conhecimento humano (um
clássico exemplo na própria Antiguidade foi a célebre Biblioteca de Alexandria).
Mas nem todas as civilizações encararam de igual modo quem sabia ler e escrever. Por
exemplo, entre os Romanos, aos escribas – indispensáveis para o funcionamento
administrativo do grande império –, não era reconhecido o estatuto que detinham entre
os Egípcios ou entre os povos mesopotâmicos, sendo muitos deles escravos de origem
grega.
E assim aconteceria daí em diante, através da História. O domínio da escrita nem
sempre foi devidamente apreciado. Algumas vezes exaltado, outras temido ou até 108 Professor, linguista e escritor brasileiro.
113
mesmo reverenciado, porém foi também desprezado e considerado uma tarefa destinada
aos subalternos. Vários exemplos disso poderiam aqui ser enumerados, mesmo em
séculos bem recentes e entre povos considerados desenvolvidos.
No entanto, saber ler e escrever também permitia o acesso a outras formas de pensar e
sentir, aos ensinamentos e experiências alheias, ao saber de outros povos, ao
conhecimento de outros indivíduos, abrindo assim o caminho para a evolução (e
algumas vezes, revolução) das ideias e mentalidades. Precisamente por esse motivo, ao
longo da história, não surpreende a existência de alguns livros considerados proibidos.
Sem dúvida uma das maiores conquistas da Humanidade, a escrita acabaria assim por
converter-se num instrumento de valor inestimável na partilha e preservação da cultura
e da disseminação do conhecimento.
4 REFERENCIAS
HORCADES, Carlos M.; A evolução da escrita: História Ilustrada. Rio de Janeiro: SENAC, 2004. CATACH, Nina; Para uma teoria da língua escrita.São Paulo: Ática, 1996. BAGNO, Carlos; Gramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. São Paulo: Loyola, 2000. Disponível em<http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/>.Acesso em: 21 set. 2010. Disponível em<http://www.10emtudo.com.br/artigos>.Acesso em: 09 set. 2010. De Elba na Mesopotâmia – à virtualidade: uma trajetória para a preservação da imagem do mundo. Apresentado no VI Ciclo de Estudos em Ciência da Informação/CECI. Rio de Janeiro, out., 1998. Disponível em<http://www.artigonal.com/cronicas-artigos/a-evolucao-da-escrita-607621.html>.Acesso em: 05 set. 2010. Disponível em<http://www.academialetrasbrasil.org.br/histescrita.htm>.Acesso em: 25 ago. 2010.
114
GENEROS E TIPOS TEXTUAIS: PORQUE OS PRODUZIMOS E
COMO DIFERENCIÁ-LOS
109Gislaine de Oliveira
RESUMO
Este artigo apresenta alguns dos critérios utilizados para identificar e classificar os
gêneros e tipos textuais, sob a perspectiva da linguística do discurso. Reiterando
relevância dos gêneros e tipos para a atividade linguística, a razão pela qual os
produzimos, e a importância de dominá-los.
PALAVRAS - CHAVE: Gêneros, tipos, discurso.
ABSTRACT
This article presents some of criteria used to identify and classify the genres and text
types, under the perspective of linguistic discourse. Reaffirming the relevance of genres
and types to linguistic activity, the reason for which we produce and the importance of
mastering them.
KEY WORDS: Genre, type, discourse
109 Graduanda do curso de Letras Português/Inglês da Faculdade Capixaba da Serra –
SERRAVIX – Serra/ES.
115
1 INTRODUÇÃO
Há muitas perspectivas de estudos dos gêneros e tipos textuais. Se por um lado todos
esses estudos fortalecem os mais variados campos de análise, por outro lado, essas
diversas perspectivas, e não raro diferentes nomenclaturas para um mesmo fenômeno
linguístico, concomitante com a natureza não estática do gênero, resultam num
emaranhado de dúvidas para os iniciantes nos estudos acerca do assunto. Há também o
uso inadequado da palavra gênero para designar tipos textuais, ou o uso do termo tipo
para falar de algum gênero, ou ainda, a ideia de que gêneros e tipos são contrários um
ao outro.
Considerando o exposto, optei neste primeiro trabalho pautar a temática gênero
essencialmente nos estudos desenvolvidos por Luiz Antônio Marcuschi, cujas pesquisas
são desenvolvidas em uma perspectiva socio-histórica, com análises bem atuais.
Na temática tipa, foram expostas considerações de Marcuschi, como também, sem
preocupar-me a priori com a perspectiva de estudos, paralelos com estudos de outros
autores mais voltados para o discurso propriamente, mas cujos conceitos, podem
contribuir para o entendimento da tipologia.
A motivação pela escolha desta temática partiu do notório avanço de estudos
linguísticos relacionados ao discurso e, consecutivamente, maior espaço destinado ao
assunto nos manuais didáticos. Acredito, pois, que mesmo em uma abordagem breve,
este trabalho possa ser de alguma valia para os que , como eu, estudante de Letras e
futuros professores de língua.
116
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 OS GÊNEROS E A LINGUÍSTICA DO DISCURSO
Os gêneros do discurso são modelos textuais flexíveis de caráter eminentemente social,
constituídos mediante a história e cultura de cada povo, dos quais fazemos uso,
escolhendo-os baseado em sua função e os moldando ao nosso enunciado. Os gêneros
são fundamentais para a atividade comunicativa. Como afirma Bakhtin (2000, p.302):
“Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de
criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de
nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível.”
Há, portanto, uma infinidade de gêneros para atender aos mais diversos enunciados.
Basta refletir sobre as atividades comunicativas que se desenrolam neste momento.
Pensemos nos anúncios, recados, poemas, notícias, e-mails, telefonemas, provérbios,
piadas, charges, monografia, reportagens, dentre tantos outros gêneros que estão sendo
produzidos nas interações face a face, veículados em diversas emissoras de rádio e
televisão, pelos telefones, internet, jornais, revistas, livros, muros, tatuagens, roupas
etc., e cuja variedade impede que sejam enumerados nessa página.
Cada uma desses gêneros desempenha um papel, que Marcuschi chama de “ação
social”. São instrumentos de ação-controle nas relações de poder da sociedade
“civilizada" que se dão essencialmente por meio do discurso, ou seja, da língua utilizada
com um propósito, em uma situação comunicativa, realizando-se em um algum gênero
textual.
Os primeiros estudos dos gêneros textuais tiveram origem com Platão, mas foi
Aristóteles quem desenvolveu e registrou um estudo sistemático sobre os gêneros e a
natureza do discurso. Aristóteles os dividia em gênero judiciário, cujo objetivo era
acusar ou defender e baseava-se em fatos passados; gêneros epídico, baseava-se no
117
presente e louvava ou censurava; e gênero deliberativo que objetivava aconselhar e
apontava para fatos futuros (MARCUSCHI, 2008). Nesse estudo, os critérios utilizados
para categorização dos gêneros já estavam ligados a sua funcionalidade.
Mais tarde, a expressão gênero foi vinculada aos textos literários. Desde então os
gêneros vem sendo estudados, e, libertos do caráter literário exclusivista, ganham novo
vigor com o avanços das pesquisas na área da linguística do discurso, abrangendo
textos produzidos em todas esferas da atividade comunicativa.
A linguística do discurso compreende a língua não apenas no sentido estrito do léxico
ou de sua organização sintática, mas em observância a toda sequência textual e a
situação comunicativa na qual o discurso acontece. Os avanços de estudos nessa área
devem-se principalmente ao fato de algumas palavras não serem entendidas senão
quando vinculadas a um contexto. Isso se dá porque não nos comunicamos por meio de
palavras ou sentenças isoladas. Comunicamos-nos por meio de textos, ou seja, do
discurso que se concretiza no gênero.
Os Gêneros textuais são para Marcuschi (2008) entidades dinâmicas e fluídas,
corporificadas na linguagem. Modelos de textos não estanques, cuja função é a
“legitimação discursiva.” Condicionados socialmente de acordo com aspectos
históricos, sociais e culturais de cada comunidade discursiva, os gêneros tem sua
escolha motivada pelo desejo de dizer do falante (informar, convencer, seduzir,
aconselhar, dentre outras.), que por meio destes modelos textuais, busca alcançar
objetivos linguísticos específicos.
[...] pois há aí (nos gêneros) ações de ordem comunicativa com
estratégias convencionais para atingir determinados objetivos. Por
exemplo, uma monografia é produzida para obter uma nota, uma
publicidade para promover a venda de um produto, uma receita
culinária orienta na confecção de uma comida etc. ( Marcuschi, 2008,
p. 150)
118
A citação acima culmina no entendimento que a função comunicativa do gênero é o
critério essencial que determina sua escolha e sua esfera de circulação. Marcuschi
(2008) denomina as esferas de circulação como “domínio discursivo”. E com o
objetivo de reafirmar o caráter funcional do gênero que o liga ao meio social, assim
como exemplificar a variedade de gêneros existentes, aproveitamos parcialmente o
quadro110 apresentada pelo referido autor, relacionando alguns dos gêneros textuais
mais comuns a cada discurso.
DOMÍNIOS
DISCURSIVOS
GÊNEROS
MODALIDADE ESCRITA
GÊNEROS
MODALIDADE ORAL
CIENTÍFICO artigo científico, teses, resumos, resenhas,
monografias, prova de vestibular,
certificados.
debates, aulas expositivas,
seminários, conferências, exames
orais.
JORNALÍSTICO editoriais, notícias, reportagens, artigos de
opinião, palavras cruzadas, classificados,
enquete, cartas do leitor, boletim do tempo.
discussões, debates, reportagens ao
vivo, apresentações, boletim do
tempo, entrevistas, comentários.
RELIGIOSO orações, homilias, cânticos religiosos,
missal, penitências, catecismo.
orações, sermões, confissões,
cantorias, benzeções.
SAÚDE receita médica, bula de remédio, receitas
caseiras.
consulta, conselho médico.
COMERCIAL classificados, publicidade, nota de venda,
fatura, bilhete de ônibus, bilhete de avião,
certificado de garantia, lista de espera,
comprovante de pagamento, logomarca,
nota promissória.
venda de rua, publicidades (TV,
rádio, feira).
INDUSTRIAL instruções de montagem, controle de
estoque, manuais de instrução.
ordens.
JURÍDICO contratos, leis, regimentos, estatutos,
certidões, editais, alvarás, sentença de
condenação, mandado, decreto-lei, auto de
tomada de depoimento, arguição,
inquéritos, ordem de prisão.
110 Quadro apresentado por Marcuschi (2008, p. 194-196), aqui mostrado parcialmente.
119
penhora.
PUBLICITÁRIO propagandas, publicidades, anúncios,
cartazes, folhetos, logomarcas, placas,
outdoors.
publicidades (TV, rádio)
LAZER piadas, jogos, adivinhas, histórias em
quadrinhos, horóscopo, palavra cruzada.
jogos teatrais, fofocas, adivinhas,
piadas.
INTERPESSOAL cartas ( pessoal, oficial, comercial),
agradecimento, convites, aviso fúnebre, lista
de compras, bilhetes.
recados, advertência, ameaças,
provérbios, telefonemas.
MILITAR memorandos, ordem do dia. ordem do dia.
FICCIONAL poemas, contos, mito, peça de teatro, lenda,
romances, roteiro de filmes.
fábulas, contos, lendas,
declamações.
Os gêneros distinguem-se de acordo com funções, propósitos, ações e conteúdos. No
entanto, basta saber que tais critérios não serão sempre aplicáveis a todos os gêneros,
para entendermos porque os gêneros não são modelos estanques, e quais aspectos que
impedem classificações duradouras.
2.2 INTERGENERICIDADE
Intergenericidade111 são os gêneros que em virtude de propósitos comunicativos
diversos, assumem a forma de outro gênero. São gêneros mutantes, presentes em vários
domínios discursivos, mas que no discurso publicitário, fazem-se tão comuns que
passam despercebidos sem que notemos o caráter transgressor do gênero.
Na figura 1, o gênero anúncio, publicado pela revista Capricho, assumiu a forma do
gênero emergente room-chat . Além do aspecto estrutural, o gênero anúncio fez uso
também de outras característica do gênero emergente como os “emotions”, linguagem
coloquial e abreviações.
111 Nomenclatura utilizada por Marcuschi.
120
A intergenericidade foi o recurso utilizado no discurso publicitário para criar um estado
de “empatia”, e consequentemente melhor alcançar o função comunicativa a que se
destina o gênero anúncio, a venda do produto Clean&Clear Advantage.
A forma do gênero room-chat foi escolhido em virtude de este ser muito utilizado pelo
público a que se destina a revista, adolescentes do sexo feminino.
O segundo exemplo do gênero anúncio foi publicado pela revista Superinteressante.
Desta vez sob a forma do gênero prova de vestibular. Desconsiderando questões de
ordem semântica contidas na mensagem, para uma análise mais dirigida à forma do
gênero prova de vestibular. Observemos a relação que se estabelece entre a forma
estrutural do gênero prova, e o público a que se destina a revista Superinteressante. Este,
bem diverso do público da revista Capricho, e que o discurso publicitário buscava
atingir via um mesmo gênero, o anúncio. O recurso utilizado em ambos os casos foi a
intergenericidade.
O objetivo de exemplificar a intergenericidade com um gênero idêntico (anúncio),
mesclando-se a dois gêneros diferentes ( room-chat e prova de vestibular), é reafirmar
os gênero textuais como “formas de ação social”, como modelos estáveis, facilitadores
da atividade comunicativa, mas também dinâmicos, porque permitem mudanças que
melhor adequem-se a ação que o falante deseja alcançar via o gênero.
Cabe mencionar que dos critérios utilizados para diferenciar os gêneros textuais,
observa-se sempre o predomínio da função do gênero em relação a forma adquirida por
este. E é importante que não se confunda os casos de intergenericidade, gêneros que
apresentam a forma de outro gênero, com os casos de heterogeneidade tipológica, os
vários tipos textuais presentes em um único gênero. Sendo o último caso, melhor
exposto adiante.
121
2.3 SUPORTE
Suporte é definido como uma superfície física ou virtual, de formato específico, que
mostra-veicula o gênero. Os suportes são classificados como convencionais que são os
livros, revistas, rádio, televisão, telefone, encarte, folder, luminosos, faixa, internet. E
acidentais como as embalagens, roupas, para-lamas e para-choques de caminhão,
paredes-muros, corpo humano. Os suportes acidentais são aqueles que veiculam
gêneros, mas não são destinados a esse fim.
A questão mais emblemática quanto aos suportes dos gêneros é a divergência entre
alguns estudiosos quanto a classificação de suportes que outros classificam como
gêneros. São exemplos, o jornal que é suporte para outros tantos gêneros, mas há quem
o diferencie como gênero por possuir características de ordem estrutural, composicional
e temática próprias. O mesmo acontece com os suportes outdoor e quadro de avisos. Há
ainda quem classifique o gênero dicionário como suporte.
Assim como os gêneros estão vinculados ao meio social, o suporte, em algum ponto
também acompanha as mudanças sociais:
“Um dia só transmitíamos os textos oralmente; depois passamos a
fazê-lo por escrito; mais tarde, por telefone; e então pelo rádio,
televisão e recentemente pela internet. Esses mídiuns são ao mesmo
tempo modos de transporte e de fixação, mas interferem no discurso.
(...) Ele (suporte) é imprescindível para que o gênero circule e deve
ter alguma influência na natureza do gênero suportado.” (Marcuschi,
2008, p.174)
As considerações de Marcuschi fazem-se necessárias para compreensão da influência
que o suporte exerce sobre o gênero que veicula, pois uma mesma mensagem pode ser
considerada como diferentes gêneros, se modificado o suporte.
122
O suporte é o meio pelo qual o gênero atinge a sociedade, e assim como alguns gêneros
circulam preferencialmente em alguns domínios discursivos, alguns suportes veiculam
preferencialmente alguns gêneros. “A ideia central é que o suporte não é neutro e o
gênero não fica indiferente a ele” ( Marcuschi, 2008, p. 174) .
2.4 GÊNEROS EMERGENTES
Em decorrência da profunda ligação do gênero com a sociedade, e a influência dos
avanços tecnológicos na comunicação humana, surgiram novos gêneros suportados
pela mídia virtual. Os gêneros emergentes derivaram de gêneros já existentes ou
originaram gêneros completamente novos. São gêneros em franca expansão, cujos
estudos estão em fase inicial.
Crystal (apud Marcuschi 2008, p. 199) cita algumas características fundamentais dos
novos gêneros. Do ponto de vista linguístico, Crystal observou o uso de pontuação
minimalista, ortografia bizarra, estrutura frasais pouco ortodoxas e escrita
semialfabética. E do ponto de vista da enunciação, o amplo uso de recursos semióticos,
tais como os “emotions.”
Os gêneros emergentes desenvolvem-se majoritariamente na modalidade escrita. São
gêneros emergentes o e-mail, chats (privado, agendado, em aberto, aula chat), video
conferência, lista de discussões, weblog, dentre outros.
A grande inovação nos gêneros do discurso eletrônico, é que se antigamente as
conversações só eram possíveis nas interações face a face, hoje elas são possíveis na
internet. Então, quais as mudanças que o uso destes novos gêneros podem ocasionar no
uso da língua, a longo prazo, ainda não se sabe ao certo.
123
3 TIPOS TEXTUAIS
A tipologia textual é o modo como o texto é construído, em observância a regras fixas,
dentro do gênero. Conforme conceitua Marcuschi (2002), “Usamos a expressão tipo
textual para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza
linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações
lógicas).” É essa natureza composicional dos tipos que os diferencia como descritivo,
narrativo, argumentativo, expositivo e injuntivo112.
Acordante com o autor, as características referentes a cada um dos tipos são
apresentadas em um paralelo com as análises de outros estudiosos do campo de
linguística textual, como Kaufman & Rodríguez, e também com os estudos de
Charaudeau, cujas definições acerca do discurso auxiliam o entendimento sobre
construções teóricas realizadas nos tipos textuais.
3.1 TIPO DESCRITIVO
As construções teóricas no tipo descritivo, estruturam-se de maneira a caracterizar um
ser-objeto do ponto de vista do observador. Portanto, esse tipo textual apresenta muitos
substantivos, afim de classificar ou mencionar objetos, como também adjetivos, para
acrescentar-lhe características distintivas e advérbios de lugar, para localizá-los. As
orações do tipo descritivo são nominais, pois o tipo utiliza verbos de estado no presente
do indicativo ou pretérito imperfeito. O resultado dessa construção tipológica é tornar o
ser descrito parte de um todo (o médico, a costureira), ou singularizá-lo. Pois, o ato de
descrever, comete o uso dos sentidos, e reflete o imaginário individual e/ou coletivo,
podendo ser objetivo (passível de ser comprovado por outro sujeito que não o falante),
112 Classificação apresentada por Marcuschi, baseada nos estudos de Werlic ( 1973).
124
ou subjetivo (reflete uma visão própria, que pode modificar de acordo com os conceitos
de quem observa).
O tipo descritivo, organiza-se com certa liberdade, daí o uso de orações coordenadas ou
justapostas. Sendo atemporal, o discurso resultando deste tipo textual não obedece
necessariamente a uma sequência específica (começo- meio- fim). E presente em vários
gêneros, mesmo aqueles em que não é a tipologia dominante, como no romance, é
muito importante para construção narrativa. Há ainda gêneros constituídos
essencialmente pelo tipo descritivo, como os documentos de identidade (nome,
naturalidade, data de expedição, data de nascimento, filiação, órgão expeditor).
3.2 TIPO NARRATIVO
O tipo narrativo é constituído por verbos de ação no passado, pois o ato de narrar é
sempre posterior ao fato, ainda que este seja fictício. Também utiliza dos advérbios de
lugar, porque este tipo textual constrói um discurso que se localiza no tempo e em um
espaço determinado, obedecendo a uma sequência de fatos, que hierarquizados,
relacionam-se uns aos outros e dirigem-se para um fim. Como afirma Charaudeau
(2008, p. 157), “O narrativo, ao contrário (descritivo), leva-nos a descobrir um mundo
que é construído no desenrolar de uma sucessão de ações que influenciam umas as
outras e se transforma num encadeamento progressivo.” (grifo meu).
3.3 TIPO ARGUMENTATIVO
O tipo argumentativo apresenta o verbo no presente e um complemento, geralmente um
adjetivo. É o tipo textual que por meio de exposições, abertamente busca convencer o
leitor da validade de seus posicionamentos, compartilhando uma verdade única. A
ordem persuasiva segue a priori a exposição de um dado, uma tomada de posição e uma
conclusão. Há o emprego de estruturas subordinativas e conectores para o
estabelecimento das relações de restrição, causalidade, finalidade, oposição,
125
consequência e finalidade. É muito comum que nesse tipo textual, o autor “afaste-se”
do discurso por meio de orações impessoais: “convém dizer, é lógico que." Contudo, há
autores que implicam-se pessoalmente, com objetivo da defender sua posição.
3.4 TIPO EXPOSITIVO
O tipo expositivo está muito presente nos gêneros ligados ao discurso científico. Sua
organização sintática obedecem a ordem sujeito-verbo-predicado, com linguagem muito
clara e precisa. Constrói diferentes saberes por meio da exposição de conhecimentos, do
uso de verbos como “ter, contém, consiste, compreende”, dentre outros. Conforme
Marcuschi (2002), “Os textos expositivos apresentam o predomínio de sequências
analíticas ou então explicitamente explicativas."
3.5 TIPO INJUNTIVO
Incita alguma ação, regula comportamentos. Uso do imperativo e do verbo “deve.” Esse
tipo textual é predominante em gêneros como as receitas médicas e manuais de
instrução.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vive-se o tempo em que o ensino da língua toma novos rumos. Os avanços na
comunicação, a necessidade de falar várias línguas, de ter uma leitura crítica e a escrita
apurada. Cada vez mais se reconhece a importância do discurso nas relações em
sociedade, e consecutivamente, o ensino tende a voltar-se para o estudo da língua em
situações reais de uso. Mas não há como estudar a língua em situações de uso, sem ao
menos pensar nos gêneros e tipos textuais que são o arquebouço e a sustentação do
discurso. Bakthin, já defendia o ensino da língua baseado nos gêneros do discurso. E
hoje algumas escolas já atentam a essas mudanças, seja em virtude da nova dimensão do
126
estudo da língua pelos PCNs e-ou pelo caráter prioritariamente textual das provas do
ENEM.
A verdade é que vivemos em uma época de mudanças, e que a papel primordial do
ensino de línguas na escola torna-se indiscutívelmente preparar o aluno para
“manipular”, os mais variados conhecimentos linguísticos, nas diversas esferas
comunicativas.
Se nas considerações finais, começo falando sobre o ensino dos gêneros e tipos textuais
na escola, é porque percebo essa nova vertente nos trabalhos como estagiária. No
entanto, parece-me que mesmo com todos os avanços, o trabalho de leitura e
compreensão dos gêneros é realizado de maneira pouco sistemática, e ainda ocupa um
lugar de menor destaque com relação a gramática. Os alunos são motivados a fazerem
suas próprias interpretações, mas faltam aulas de análise aos gêneros e tipos textuais,
propriamente destacando as características distintivas básicas de cada um. Quando
ocorre um trabalho orientado, tais características distintivas podem ser percebidas pelos
alunos, o que seria de grande auxílio no processo de leitura e compreensão textual.
Sendo o então apresentado, a motivação para este artigo, espero que tenha alcançado o
objetivo de diferenciar os tipos textuais como construções teóricas e os gêneros como
modelos estáveis, mas flexíveis e dinâmicos. E que através deste gênero artigo
científico, o objetivo de compreender alguns conceitos e promover um debate acerca do
assunto no ambiente acadêmico, possa ser alcançado.
5 REFERÊNCIAS
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Contexto, 2008.
127
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KARWOSKI, A. M.; GAYDECZAKA, B.; BRITO, K.S. Gêneros Textuais: reflexões
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KAUFMAN, A. M.; RODRÍGUEZ, M. H. Escola, leitura e produção de textos. Porto
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 3
ed. São Paulo: Parábola. 2009.