ecoturismo e seu desenvolvimento: um estudo de … · ilustração 6 – processos de mudanças...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO SIEGRID GUILLAUMON DECHANDT ECOTURISMO E SEU DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO DE CASO COMPARADO ENTRE CHAPADA DIAMANTINA – BA E BONITO – MS. Salvador – Bahia 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

SIEGRID GUILLAUMON DECHANDT

ECOTURISMO E SEU DESENVOLVIMENTO:

UM ESTUDO DE CASO COMPARADO ENTRE CHAPADA DIAMANTINA – BA

E BONITO – MS.

Salvador – Bahia 2007

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II

SIEGRID GUILLAUMON DECHANDT

ECOTURISMO E SEU DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO DE CASO COMPARADO ENTRE CHAPADA

DIAMANTINA – BA e BONITO - MS.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Administração da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de MESTRE em Administração Orientador: Prof. Dr. Marcus Alban Suarez

Salvador – Bahia 2007

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III

Ao Poeta das entrelinhas. Presente, e ausente.

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IV

AGRADECIMENTOS

À minha Mãe, Deusa da sabedoria. À minha Mentora, Profa. Dra. Tania Casado, linda presença etérea. Ao meu Orientador, Prof. Dr. Marcus Alban, que contém seu tranqüilo sorriso no olhar. Ao companheiro Dodô, dos sonhos, o Herói. Aos meus irmãos amigos, e amigos irmãos, que se vestem de saudades, e brilham. À FAPESB, fada do quinto dia útil, quando espalha aos ventos o pó dourado.

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V

RREESSUUMM OO

Nas últimas décadas, acompanhando a sinalização do Governo do Estado em favor da descentralização do turismo do recôncavo baiano, esta atividade se interioriza na Bahia, alcançando sua porção central, a região da Chapada Diamantina. Ancorado na criação do Parque Nacional, o tipo de turismo que se fez presente nesta região foi o ecoturismo. Passadas duas décadas, observou-se que esta atividade teve um desenvolvimento limitado na região, quando comparado ao de outros destinos de ecoturismo no Brasil, e quando consideradas as premissas da sustentabilidade que regem o ecoturismo. Diante desta percepção, e a partir de um estudo comparativo com o destino de Bonito – MS, o presente trabalho procura explicar por que esta limitação ocorreu, tendo como objetivo compreender os diversos fatores que explicam a diferença do desenvolvimento e do desempenho da atividade em ambos destinos. Foram adotadas distintas vertentes de análise como: o cenário histórico-econômico em que se conformou o ecoturismo; a presença e adequação de arranjos institucionais criados para ordenar a atividade; e a diferença na natureza dos atrativos visitados, constituídos por bens públicos e privados. O campo teórico da economia neo-institucional ajudou a explicar a disparidade da atividade entre os destinos estudados. Acrescentaram-se aportes teóricos sobre bens públicos, e valores sociais inspirados na antropologia e na psicologia social, em acordo, e reforçando a interdisciplinaridade do campo teórico adotado. O trabalho conclui que a ausência de arranjos institucionais / estruturas de governança adequados para dar conta: da complexidade da cadeia ecoturística; das características particulares dos bens públicos; e de um contexto em que prevalecem valores de competição em detrimento de cooperação; explicam, em grande medida, a limitação do desenvolvimento do ecoturismo na Chapada Diamantina, frente às premissas da sustentabilidade. Palavras-chave: desenvolvimento do ecoturismo, estruturas de governança, Chapada Diamantina, Bonito.

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VI

AABBSSTTRRAACCTT

In the last decades, following the paths of the government in favor of the decentralization of the tourism of the Recôncavo Baiano, this activity reached the inland of Bahia, the region of Chapada Diamantina. Attached to the creation of a National Park, the kind of tourism that was presented over there, was the ecotourism. Passed two decades, it was observed that this activity experienced a limited development in the region, especially when compared to other ecotourism destinies in Brazil, and when the sustainability premises are considered. Facing this perception, and trough a comparative case study with the destiny of Bonito – MS, this research tries to explain why this limitation occurred. It´s goal consists in comprehending the many factors that explain the difference of the development and performance of the activity in both destinies. Therefore, the study selects some different analysis streams as: the historic-economic scenery in which the ecotourism was conformed; the presence and adequacy of governance structures created to organize the activity; the difference of the kind of attractive visited, being public or private goods. The theoretical field of the new institutional economy helps to explain the disparity of the activity between both destinies studied. Some concepts of the typology of goods and social values inspired in the anthropology and social psychology were added, according, and empowering the interdisciplinary characteristic of the theoretical field that was chosen. This work concludes that the absence of proper institutional arrangements / governance structures that should consider: the complexity of the ecotouristic chain; the particular characteristics of the public goods; and a prevalent context of competition instead of cooperation values, explain, in big measures, the limitation of the development of the ecotourism in Chapada Diamantina, in face of the sustainability premises. Key-words: Ecotourism development, governance, Chapada Diamantina destiny, Bonito destiny.

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VII

LLii ss tt aa ddee ii ll uuss tt rr aaçç õõeess

Ilustração 1 – Localização dos destinos de Bonito e Chapada Diamantina no Brasil................2

Ilustração 2 – Localização da Região da Chapada Diamantina no Estado da Bahia................34

Ilustração 3 – O destino da Chapada Diamantina e seus atrativos. ..........................................55

Ilustração 4 – Localização de Bonito no Mato Grosso do Sul. ................................................70

Ilustração 5 – O destino de Bonito e seus atrativos..................................................................85

Ilustração 6 – Processos de Mudanças Institucionais.............................................................103

Ilustração 7 – Esquema da indução das estruturas de governança. ........................................107

Ilustração 8 – Linha do tempo comparativa: evolução do ecoturismo nos destinos da Chapada

Diamantina e de Bonito, 1985 a 2005. ...........................................................................114

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VIII

LLii ss tt aa ddee ttaabbee ll aass

Tabela 1 – Dados do fluxo receptivo internacional no mundo de 1996 – 2005. 11

Tabela 2 – Fluxo de Turistas Internacionais no Brasil de 1980 a 1990 em mil turistas 20

Tabela 3 – Evolução do Turismo Internacional Mundial - em US$ bilhões 21

Tabela 4 – Dados do Turismo no Brasil em comparação com turismo mundial de 1996 a 2005.

22

Tabela 5 – Evolução histórica da legislação brasileira sobre parques nacionais. 29

Tabela 6 – Quantidade de Parques Nacionais criados por década, de 1930 a 2006. 30

Tabela 7 – População residente nos municípios da Chapada Diamantina - 1980, 1991, 2000.39

Tabela 8 – Distribuição dos investimentos do PRODETUR no Estado da Bahia. 44

Tabela 9 – Investimentos do PRODETUR previstos para a Chapada Diamantina no período de

1994 – 2000 46

Tabela 10 – Principais estabelecimentos comerciais associados às atividades turísticas em

Lençóis, em 2005. 48

Tabela 11 – Fluxo de turismo em Lençóis de 1991 a 2004. 66

Tabela 12 – Vendas de roteiros combinados para a Chapada Diamantina. 66

Tabela 13 – Receita gerada pelo turismo de Lençóis de 1991 a 2004. 67

Tabela 14 – Embarque e desembarque de passageiros no aeroporto de Lençóis. 68

Tabela 15 – População residente no município de Bonito. 76

Tabela 16 – Tipos de Atrativos Turísticos em Bonito. 87

Tabela 17 – Crescimento da atividade turística entre 1993 e 1999. 90

Tabela 18 – Fluxo de Turistas Comparativo: Mato Grosso do Sul e Bonito, 1994 à 2000. 91

Tabela 19 – Matriz de tipos de bens. 110

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IX

LLii ss tt aa ddee AAbbrr ee vv iiaa tt uurr aass ee SS ii gg llaass

ABAETUR Associação Bonitense de Agências de Ecoturismo

ABH Associação Bonitense de Hotéis

ACVL Associação de Condutores de Visitantes de Lençóis

ACVVC Associação de Condutores de Visitantes do Vale do Capão

AGTB Associação de Guias de Turismo de Bonito/MS

APA Área de Proteção Ambiental

ASSET Associação de Empreendedores do Turismo de Lençóis

ATRATUR Associação dos Proprietários de Atrativos Turísticos de

Bonito e Região

BACEN Banco Central do Brasil

BAHIATURSA Empresa de Turismo da Bahia S/A

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento

BOH Boletim de Ocupação Hoteleira

COMTUR Conselho Municipal de Turismo de Bonito

CONPARNA-CD Conselho Consultivo do Parque Nacional da Chapada

Diamantina

COOPERBON Cooperativa de Transportes de Bonito/MS

CRA Centro de Recursos Ambientais

ECT Economia dos Custos de Transação

EMBRATUR Empresa Brasileira de Turismo

EMTUR Empreendimentos Turísticos da Bahia S/A

FNRH Fichas Nacionais de Registro de Hóspedes

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNDATUR Fudação de Turismo de Mato Grosso do Sul

FUNGETUR Fundo Geral de Turismo

GAP Grupo Ambientalista de Palmeiras

GTZ Gesellschaft Technische Zusammenarbeit

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

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X

Naturais Renováveis

IEB Instituto de Ecoturismo Brasileiro

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MBTC Movimento Brasil de Turismo e Cultura

MICT Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo

MMA Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da

Amazônia Legal

NEI Nova Economia Institucional

NPPN-CD Núcleo Pró-Parque Nacional da Chapada Diamantina

OMT Organização Mundial do Turismo

PARNA-CD Parque Nacional da Chapada Diamantina

PDITS Planos Integrados de Desenvolvimento Turístico

Sustentável

PLANTUR Plano Nacional de Turismo

PN Parque Nacional

PNCD Parque Nacional da Chapada Diamantina

PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo

SCT Secretaria de Cultura e Turismo

UCE-MS Unidade de Coordenação Estadual – Mato Grosso do Sul

UH Unidade de Hospedagem

UICN União Internacional para Conservação da Natureza

WWF World Wildlife Fund

ZOPP Planejamento de Projetos Orientados por Objetivos

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XI

Sumário

RESUMO V ABSTRACT VI Lista de ilustrações VII Lista de tabelas VIII Lista de Abreviaturas e Siglas IX 1 Introdução 1 2 Do Turismo ao Ecoturismo 9

2.1 O turismo e sua relevância sócio-econômica 9 2.2 O advento do ecoturismo 14

2.2.1 As décadas da conscientização ambiental 14 2.2.2 Turismo e ecoturismo no mundo 17

2.3 Turismo e ecoturismo no Brasil 19 2.3.1 Turismo no Brasil 19 2.3.2 Surgimento do ecoturismo no Brasil 24 2.3.3 Políticas ambientais e Unidades de Conservação – Os Parques Nacionais 26 2.3.4 Os diversos destinos ecoturísticos Brasileiros 30

3 O Problemático Ecoturismo da Chapada Diamantina - BA 33 3.1 A Região da Chapada Diamantina e sua formação histórica 33

3.1.1 Características físicas da região 33 3.1.2 Formação social da Chapada Diamantina e o garimpo de diamantes 35 3.1.3 Decadência do garimpo e novas conformações sociais e econômicas 38

3.2 O surgimento do turismo 40 3.2.1 Nasce o trade turístico da Chapada Diamantina 40

3.3 A difícil consolidação do ecoturismo na Chapada Diamantina 42 3.3.1 O PRODETUR I: 1995 - 2001 43 3.3.2 O PRODETUR na Chapada Diamantina 45 3.3.3 A implantação do aeroporto e o crescimento do trade. 47

3.4 A estrutura atual, física e institucional, e seu desempenho 49 3.4.1 O Trade turístico da Chapada Diamantina: os novos garimpeiros e lapidadores 49 3.4.2 Os atrativos turísticos: os diamantes. 53 3.4.3 O Parque Nacional da Chapada Diamantina e a estrutura institucional do destino 58 3.4.4 O poder local 63 3.4.5 O baixo desempenho do destino 64

4 O Bem Sucedido Complexo Ecoturístico de Bonito - MS 70

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XII

4.1 A Região e sua formação histórica 70 4.1.1 Conformação histórica da região da Bodoquena 71 4.1.2 O sul pastoril influenciando a formação social matogrossense 73 4.1.3 Os índios Kadiwéus 74

4.2 O ecoturismo em Bonito 76 4.2.1 Surgimento do turismo em Bonito 76

4.3 A bem sucedida consolidação 78 4.3.1 O PRODETUR / Sul 2001-2005 81 4.3.2 O Parque Nacional da Serra da Bodoquena 83

4.4 Estrutura atual, física e institucional, e seu desempenho 84 4.4.1 Estrutura turística física de Bonito 84 4.4.2 Estrutura turística institucional de Bonito e o desempenho do destino 88

5 A Questão Institucional e a Disparidade de Desempenhos 94 5.1 A importância de boas estruturas de governança 94

5.1.1 A visão institucionalista 94 5.1.2 A Nova Economia Institucional - NEI 95 5.1.3 Vertente das estruturas de governança 96 5.1.4 Vertente do ambiente institucional 101

5.2 O problema dos bens públicos 108 5.3 Entendendo a disparidade de desempenhos 111

6 Conclusões 123 7 Referências 128 8 Apêndice 135 APÊNDICE A – Caracterização dos Entrevistados 135 APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas 137 9 Anexos 139 Anexo A – Dados comparativos dos principais municípios receptivos de ecoturismo de cada um dos destinos tratados neste estudo. 139 Anexo B: Árvore de Problemas Simplificada – Bonito, MS (PRODETUR SUL, 2006)141

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11 II nnttrr oodduuçç ããoo

Desde as sociedades antigas, o fascínio do homem pelos territórios além do alcance da visão

traduz a motivação humana para o ato de se deslocar rumo ao desconhecido. Em sua origem,

as viagens eram atribuídas à ocupação do tempo atualmente entendido como ocioso, passando

futuramente para as motivações religiosas, de ampliação cultural, diversão, complementação

educacional e contemplação da natureza. Enquanto o homem interage e modifica seu mundo,

novos propósitos de viagem fazem sentido – o turismo adquire ao longo de sua história

diferentes configurações e crescente importância.

Se a acumulação histórica de todas as motivações constitui a essência das diversas formas de

turismo que se fazem presentes nas sociedades, a crescente importância econômica que a

atividade adquire lhe serve como condecoração nos últimos 30 anos. O turismo passa a ser

entendido como atividade fomentadora do desenvolvimento regional, quando não adquire o

exagerado status de redentora das comunidades marginalizadas, resultantes do crescimento

econômico desigual ao longo dos últimos séculos.

Paralelamente, na década de 1980, grandes catástrofes ambientais suscitam a conscientização

da finitude dos recursos naturais do planeta, permitindo o adensamento do conceito de

sustentabilidade. O turismo, inspirando-se no contexto social em que se insere, embebe-se nas

idéias da sustentabilidade, adquirindo vestimentas de ecoturismo. Cambaleando entre os

objetivos do turismo de massa, e as premissas do paradigma emergente, ganha dinamismo

territorial, e consolida-se como indústria amplamente geradora de empregos.

Portador da insígnia da sustentabilidade, o ecoturismo encontra no Brasil um campo de

atuação tão vasto quanto seu território de proporções continentais, quanto a extensão de seu

litoral, quanto a sua diversidade paisagística, e ainda sua riqueza cultural. A ampliação de seu

campo se associa à criação de unidades de conservação ambiental por todo país, unidades

estas que surgem da expectativa de conceder à preservação ambiental uma importância mais

equiparada com a econômica no processo de desenvolvimento.

O Governo Federal, reconhecendo o rico campo para o desenvolvimento do turismo no país, e

otimista com as perspectivas da atividade por se configurar como grande alocadora de força

de trabalho, aprova programas que disponibilizam, nesta mesma época, fartos recursos para

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fomentar o turismo e suas diversas formas de ordenação. Estes programas partem do

entendimento de que o turismo é uma rota de desenvolvimento natural para o Brasil, ante seus

atributos físicos, e pressupõem que viabilizando infra-estruturas de acesso para os diversos

destinos, a atividade facilmente se desenvolveria.

No âmbito dos programas para fomento do turismo, têm destaque os incentivos recebidos pela

Região Nordeste do Brasil, e pelo eixo Pantanal – Foz do Iguaçu. Dois destinos adquirem

visibilidade nestas regiões: o destino da Chapada Diamantina, localizado na porção central do

Estado da Bahia, e o destino de Bonito, localizado no sudoeste do Estado do Mato Grosso do

Sul.

Excluindo-se os destinos conhecidos como de “sol e praia”, tanto a Chapada Diamantina

como Bonito ganham expressividade no cenário ecoturístico brasileiro, vez que passam a ser

muito procurados dentre os pacotes oferecidos pelas operadoras de ecoturismo. Além da

grande procura por destinos alternativos ao litoral, o tipo de turismo que se fez presente nestes

destinos a partir da década de 1980 – o ecoturismo – reafirmou, ainda que

desnecessariamente, que ambos possuem riquezas paisagísticas naturais impressionantes,

atraindo um grande número de visitantes.

Ilustração 1 – Localização dos destinos de Bonito e Chapada Diamantina no Brasil.

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Contudo, passadas duas décadas após a orientação de ambos destinos para as atividades

ecoturísticas, observam-se, em diagnósticos iniciais, diferenças substanciais no

desenvolvimento da atividade nestes destinos. Enquanto em Bonito – MS, o ecoturismo

obteve resultados positivos pautados nas premissas da sustentabilidade, na Chapada

Diamantina – BA, o Parque Nacional está vivenciando um perigoso processo de degradação

ambiental, o trade local está fragilizado com a retração da atividade, e as comunidades locais

parecem excluídas da cadeia ecoturística.

Frente a esta percepção, o presente estudo partiu da questão: por que o ecoturismo se

desenvolveu de forma limitada na Chapada Diamantina, em comparação com Bonito, se

ambos possuem riquezas naturais equivalentes, estão entre os mais procurados no Brasil, são

contemporâneos no processo de conscientização ambiental, e receberam expressivos

incentivos governamentais.

Durante a década de 1990, a Chapada Diamantina foi priorizada dentre outros destinos

turísticos para receber os investimentos do Programa de Desenvolvimento do Turismo na

Bahia (PRODETUR/BA), o que se aderia aos objetivos de descentralizar o turismo baiano do

litoral. A implementação do aeroporto na região constituiu sua realização mais expressiva –

entretanto, o turismo não se desenvolveu como era esperado, evidenciando que esforços

governamentais direcionados apenas para a implementação de infra-estruturas de acesso

podem não ser suficientes para promover o desenvolvimento da atividade, como pressupõem

os programas de fomento.

A importância deste estudo consiste na pertinência da compreensão das limitações, para que

os amplos esforços / investimentos públicos no sentido de dinamizar o ecoturismo possam ser

reavaliados, tornando-se mais efetivos numa perspectiva sustentável. A identificação de

algumas causas do fraco desempenho turístico na Chapada Diamantina pretende trazer novos

elementos e perspectivas de análise para os atores envolvidos nesta atividade, além de

contribuir para a reformulação de estratégias de desenvolvimento turístico no Estado da

Bahia.

A comparação entre os destinos da Chapada Diamantina e de Bonito procurou facilitar a

identificação dos fatores favoráveis e fatores limitantes do desenvolvimento do ecoturismo, e

também permitiu investigar possíveis relações causais. A possibilidade de comparação se

pautou em duas considerações:

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- A primeira considerou que era possível comparar sem o receio de estar tratando de casos tão

particulares que não tivessem semelhanças. As semelhanças identificadas foram as riquezas

naturais equivalentes, a prática de ecoturismo, sua contemporaneidade no desenvolvimento do

turismo com orientação para sustentabilidade, e os representativos investimentos

governamentais direcionados a ambos.

- A segunda entendeu que a comparação permitiria a adoção de uma de uma referência

analítica válida para elucidar relações complexas entre os fatores que vêm favorecendo ou

limitando o desenvolvimento do ecoturismo nos destinos.

Através da comparação com Bonito, este estudo pretende contribuir para a formulação de uma

tecnologia de gestão para ambientes de grande complexidade institucional, como os que

caracterizam os destinos de ecoturismo, além de permitir a compreensão das limitações que

têm freado o desenvolvimento do turismo na região da Chapada Diamantina.

O objetivo geral do trabalho que se apresenta, foi o de compreender os diversos fatores que

explicam a diferença do ecoturismo que se desenvolveu nos dois destinos estudados. Para

tanto, resgatou-se inicialmente a conformação desta atividade em cada um dos contextos

histórico-econômicos. Ainda foi pertinente entender tanto os mecanismos de gestão pública e

privada da atividade (de forma comparativa), como também a complexidade e a

especificidade da cadeia produtiva do ecoturismo. Um último objetivo específico foi o de

identificar os fatores que limitaram / favoreceram o desenvolvimento do ecoturismo na

Chapada Diamantina e em Bonito.

Alguns pressupostos foram elaborados para orientar o estudo. Por se tratar de um estudo de

caso, estes pressupostos têm a importância de direcionar a atenção a alguns elementos

relevantes dentro do escopo estabelecido. Assim, ao contrário das hipóteses, não existe um

compromisso a priori em se corroborá-los ou refutá-los, mas, seu papel se resume tão

somente a direcionar o estudo (YIN, 2005). Pesquisas exploratórias realizadas permitiram a

elaboração de três pressupostos para auxiliar na busca da compreensão dos diversos fatores

que contribuem para a diferença de desempenhos do ecoturismo nos destinos de Bonito e

Chapada Diamantina.

Um primeiro pressuposto que se apresentou, refere-se à complexidade da cadeia produtiva do

turismo. Por suas características particulares, esta cadeia exige arranjos institucionais

adequados para estabelecer normas de funcionamento, fortalecer o trade e direcionar toda a

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atividade para a sustentabilidade. Na Chapada estes arranjos aparentemente são precários, ao

contrário de Bonito, trazendo conseqüências para o desempenho ecoturístico diante das

premissas da sustentabilidade.

O segundo pressuposto se fundamentou na percepção dos diferentes contextos sócio-culturais

em que o ecoturismo se inseriu. Assim, entende-se que os diferentes percursos históricos

moldaram contextos culturais / institucionais diversos, cujos valores de cooperação /

competição trazem implicações para o ecoturismo desde sua implementação nos destinos

estudados.

Por fim, o último diz respeito à natureza dos atrativos visitados nestes destinos de ecoturismo.

Pressupôs-se que existem diferenças substanciais na forma de gestão dos atrativos naturais

dos dois destinos, já que na região de Bonito, embora exista o Parque Nacional da

Bodoquena, a maioria dos atrativos está localizada em fazendas particulares, e, na Chapada,

grande parte dos atrativos está localizado em um extenso Parque Nacional. Assim, a diferença

na natureza dos atrativos, e sua gestão pública / privada, estariam incorrendo na diferença de

desempenho ecoturístico nas duas regiões.

Para compreender o desenvolvimento do ecoturismo nos destinos de Bonito e Chapada

Diamantina, adotou-se como estratégia de pesquisa o estudo de caso comparativo.

O estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos. A investigação de estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, e como resultado, baseia-se em várias fontes de evidência com os dados precisando convergir em formato de triângulo, e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e análise de dados (YIN, 2005, p.32-33).

Segundo Yin (2005), o estudo de caso surge como possibilidade de estratégia de pesquisa

quando existe a necessidade de se compreender fenômenos sociais complexos, seja nos

campos de estudo da psicologia, sociologia, ciência política, e mesmo na economia de uma

determinada indústria ou região. É a este último campo de estudo que se adere este trabalho.

O estudo de caso permite “que se preservem características holísticas e significativas dos

acontecimentos da vida real” (YIN, 2005, p.20) como ciclos de vida, processos

organizacionais e maturação de setores econômicos.

Dentre os três tipos de estudo de caso ressaltados por Yin, os estudos exploratórios,

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descritivos e explanatórios, é este último que tem como principal questão motivadora àquela

do tipo: “por que”. Assim, quando se pretendeu compreender por que o ecoturismo se

desenvolveu de forma diferente nos dois casos tratados, a natureza do trabalho a que se

propôs levou à adoção do estudo de caso explanatório, pois tratou de ligações (causais)

traçadas ao longo do tempo, e que não se configuraram como meras repetições temporais.

A importância do percurso histórico para este estudo poderia motivar a adoção de uma

estratégia de pesquisa historiográfica. Ainda que se ponderasse a adequação desta estratégia

para o trabalho, é, como distingue Yin, a abrangência do controle sobre os eventos

comportamentais que definiu o estudo de caso como estratégia adequada. Isto se deve a dois

fatos: o de que não se tratará do estudo de um passado “morto”, mas existe sim, a

possibilidade de acesso a fontes vivas que esclareçam, mesmo que em retrospectiva, o que

aconteceu; e de que os comportamentos relevantes não podem ser manipulados. Tendo isto

em vista, o presente estudo de caso adotou como uma de suas técnicas de pesquisa a histórica,

mas incluiu, além desta, a observação direta, participante, realização de entrevistas, e

pesquisas em fontes secundárias e documentais. Foi possível assim, lidar com uma ampla

variedade de evidências, o que não é encontrado nos estudos históricos convencionais,

conforme evidencia Yin (2005, p.27).

Além da característica de estudo de caso explanatório, este trabalho se configura em um

estudo multicaso comparativo, em que são analisados dois destinos de ecoturismo no Brasil –

Chapada Diamantina e Bonito. Assim, almeja-se chegar a resultados suficientemente

explicativos, ou ao menos suficientemente robustos, o que pode ser considerado, segundo Yin

(2005) uma das vantagens da escolha de casos múltiplos. Entretanto, é pertinente pontuar que

não se trata de mera replicação de investigações e interpretações, quanto menos da seleção de

uma amostra quantitativamente representativa dentre os diversos destinos de ecoturismo no

Brasil, mas sim, de se analisar resultados contrastantes, possivelmente previsíveis através de

uma replicação teórica (e não literal) (YIN, 2005, p.69). Evidenciar-se-á neste estudo, um

pequeno desequilíbrio no que tange o preciosismo das investigações de cada um dos casos

selecionados – Chapada Diamantina e Bonito. Este fato está associado à gênese do trabalho de

pesquisa, que primordialmente pretendeu compreender as limitações do ecoturismo no destino

da Chapada Diamantina, e, para tanto, adotou como estratégia de pesquisa, a comparação com

outro caso de estudo. A comparação teve o intuito de evidenciar a existência de limitações no

ecoturismo da Chapada Diamantina a partir da comparação com uma referência válida, o caso

de Bonito, procurando, frente a isto, explicar esta limitação. Ainda que este leve desequilíbrio

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se dê no âmbito da riqueza de detalhes dos dados obtidos, este pequeno desequilíbrio em nada

interfere nas análises e conclusões do estudo.

Para explicar a diferença de desempenhos do ecoturismo nos dois casos selecionados para

estudo, as análises realizadas neste trabalho detiveram seu foco na cadeia produtiva do

ecoturismo, mais especificamente, na articulação entre os diversos atores que compõem esta

cadeia. Assim, embora se fizesse necessário descrever seus componentes, foram exatamente

os elos da cadeia que constituíram a unidade de análise deste estudo.

Os dados primários da pesquisa realizada foram obtidos através de entrevistas de

profundidade utilizando roteiros semi-estruturados, visitas de campo e observação

participante. Conforme combinado previamente com os entrevistados, suas identidades foram

mantidas em sigilo. Os dados secundários tiveram sua fonte em registros documentais e bases

de dados quantitativos.

Utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo para analisar os dados primários obtidos através

de entrevistas. Trata-se de um conjunto de procedimentos de análise que visa obter

conhecimentos relativos ao conteúdo de mensagens, através de procedimentos sistemáticos e

objetivos. “Este método tem suas raízes no uso consciente dos símbolos e da linguagem pelo

homem” e se constitui numa técnica que possibilita fazer inferências válidas e replicáveis

sobre as informações e os dados qualitativos obtidos dentro de um mesmo contexto. A análise

dos dados secundários se deu através da elaboração de grades de leitura. (KRIPPENDORFF,

1998; CASADO, 1998; BARDIN, 2002).

Entendeu-se como apropriado para este estudo, dadas suas características intrínsecas, e seu

objetivo, analisar a presença do ecoturismo nos destinos da Chapada Diamantina e Bonito

desde sua aurora, no ano de 1985. Foram observados com maior profundidade os dados

relativos às duas primeiras décadas do desenvolvimento da atividade em ambos destinos,

chegando-se ao ano de 2005. Este recorte temporal foi pertinente por englobar praticamente

toda a história da presença do ecoturismo nas regiões, bem como os principais eventos que

tiveram implicações para seu desenvolvimento. Embora se tenham enfatizado as duas

primeiras décadas da presença do ecoturismo, também foi importante remontar, numa

perspectiva histórica, a conformação social de cada um dos destinos, o que, naturalmente,

implicou em uma ampliação do recorte temporal para além de dois séculos.

O estudo que se apresenta está dividido em 6 capítulos, incluindo este capítulo introdutório. O

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capítulo dois apresenta os conceitos de turismo e de ecoturismo, e, a partir de uma perspectiva

histórica, aponta o desenvolvimento da atividade e sua relevância sócio-econômica no Brasil e

no mundo. O terceiro capítulo apresenta o primeiro caso estudado: a região da Chapada

Diamantina. Serão abordados sua formação social, seu percurso histórico até a chegada do

ecoturismo, seu desenvolvimento, e a difícil consolidação da atividade, bem como seu

desempenho atual. O capítulo quatro apresentará, seguindo a mesma lógica do capítulo

anterior, o segundo caso estudado: o destino de Bonito. Realizados os estudos necessários

para a compreensão do ecoturismo que se verifica em ambos destinos, o quinto capítulo tem

caráter teórico / analítico, trazendo aportes teóricos que permitem a compreensão e a

explicação da disparidade de desempenhos encontrada nos destinos estudados. Finalmente, o

capítulo seis, ao retomar análises anteriores, consolida os principais achados da pesquisa,

elaborando ainda, algumas ressalvas e recomendações para o planejamento da atividade

ecoturística.

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22 DDoo TTuurr ii ssmm oo aaoo EEccoo tt uurr ii ssmm oo

2.1 O turismo e sua relevância sócio-econômica

As viagens, se forem consideradas de maneira geral, como o simples ato humano de se

deslocar ao longo de diferentes territórios geográficos, têm marcado as diversas sociedades

humanas, mesmo que de forma não institucional, desde os tempos mais remotos. É o que

ocorria tanto na Grécia como na Roma antigas (COHEN, 1981 apud BRITO, 2005, p.21).

Na Grécia, viajar era uma atividade exclusiva das classes dominantes, que dedicavam o ócio à

cultura e à diversão, já que o trabalho era uma ocupação atribuída aos escravos. As

motivações das viagens eram, então, a participação em festivais, competições esportivas como

as Olimpíadas, visitação de centros religiosos, e consulta de oráculos. Já entre os romanos, a

viagem era considerada parte da educação, quando seus filhos eram enviados para cidades

como Atenas e Rodes, a fim de freqüentar centros acadêmicos, aprender a língua, literatura, e

conhecer centros histórico-culturais.

Dos séculos XI ao XIV, as peregrinações a Roma, Meca, Santiago de Compostela, e outras

cidades, foram as grandes responsáveis pelo deslocamento de populações, incentivando a

criação de hospedarias e estalagens. Mais tarde, no século XV, as grandes expedições pelos

mares despertaram o desejo coletivo das sociedades desta época de conhecer novas terras

(BRITO, 2005, p. 23). Ao longo do século XVI, é a classe dominante inglesa que passa a

cultivar o hábito de estimular seus filhos a viagens com duração de alguns anos ao continente

europeu, para que o aprendizado de vida dos jovens fosse complementado por estudos e o

conhecimento do cotidiano e da cultura de outros países (BRITO, 2005, p. 24). Inspirado no

modo de viagem romana, o deslocamento com estes propósitos ficou conhecido como o

Grand Tour, e ensejou a proliferação de hospedarias, dos livros de orientação de viagens, e o

direcionamento do que Brito denomina o ‘olhar’ turístico, definido por um lado pela

veneração da antiguidade, e por outro, pela admiração da natureza. Este autor entende que, à

medida que a sociedade européia se urbaniza, fato que ocasiona uma piora na qualidade de

vida, as viagens de contemplação à natureza contam com mais adeptos, já que o ‘olhar’ para

as montanhas antes vistas como arriscadas e desagradáveis, adquire um caráter de bucolismo

nostálgico (BRITO, 2005, p.26).

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O final do século XVIII foi marcado pela revolução industrial e pelas inovações tecnológicas

que, aplicadas aos meios de comunicação, transportes ferroviários, marítimos, rodoviários e

aéreos, tornaram o turismo acessível a um grande número de pessoas. A isto, aliaram-se as

conquistas dos trabalhadores por jornadas de trabalho menores, e o direito de férias

remuneradas. O ócio passa assim a ser traduzido em práticas de esporte, viagens e recreação

(SERRANO, BRUHNS, LUCHIARI, 2004; BRITO, 2005).

A partir desta perspectiva histórica percebe-se que a conjugação de alguns fatores foi

responsável pela instituição do turismo como importante prática social, dentre eles: as novas

formas de enxergar o mundo, o lento desenvolvimento de uma rede de serviços, a prática do

Grand Tour dos séculos XVII e XVIII, transformações nas relações sociais somados à

redução da jornada de trabalho e ao direito de férias remuneradas, e o desenvolvimento de

tecnologias de comunicação e meios de transporte mais sofisticados.

Atualmente, o turismo é um fenômeno social que abrange, do ponto de vista geográfico, o

mundo inteiro, pois o processo de globalização da economia e da cultura, aliado aos meios de

transportes e comunicação, permite a visita de turistas a praticamente todos os lugares, mesmo

os mais remotos. Abrange também praticamente todas as camadas e grupos sociais porque, se

por um lado todos podem ser turistas em potencial, por outro, mesmo quem não pratica o

turismo é atingido de forma direta ou indireta pelo fenômeno (BARRETO, 2004, p.18). Isto

ocorre porque o turismo é uma atividade com uma cadeia produtiva fortemente marcada pela

prestação de serviços, como hospedagens, fretes, serviços de condução de visitantes - e ainda

fomenta o comércio local de artesanatos, alimentos e os mais diversos produtos de consumo.

Para Labate (2004, p. 56) a viagem não se reduz ao fenômeno do turismo, mas esta atividade

constitui, na atualidade, seu principal paradigma social, por ser a forma predominante de

viagem nas sociedades modernas e pós-modernas. O tipo de deslocamento envolvido pelo

turismo traz implicações sociais, econômicas, espaciais e culturais de diversas naturezas,

tornando-se objeto de estudo mais sistemático apenas quando o turismo se transforma em

elemento de consumo de massa, quando se enfatizam aspectos técnicos, operacionais e

econômicos deste campo.

Principalmente na década de 90, o interesse pela temática do turismo reacende gerando

grande número de publicações e a incorporação do tema a discussões mais amplas. A

complexidade do turismo consiste em se atingir o esclarecimento do nexo entre esta prática e

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a vida social em sentido mais amplo, já que os estudos mais recentes recorrentemente se

direcionam para aspectos ambientais como os impactos biofísicos, representações da natureza,

planejamento e políticas públicas, implicações sobre o meio natural e social. (SERRANO,

BRUHNS, LUCHIARI, 2004, p.8).

Uma das características mais significativas do turismo, e que pode ter originado a ampliação

do seu campo de estudos, é a importância econômica mundial que a atividade adquiriu (ver

Tabela 1), já que trata-se da segunda maior indústria em termos de empregos gerados e em

termos de proporção de comércio mundial, fazendo parte do processo de globalização em

curso (URRY, 1990; LASH E URRY, 1994 apud LABATE, 2004, p.56).

Tabela 1 – Dados do fluxo receptivo internacional no mundo de 1996 – 2005.

Número de

turistas

(milhões)

Crescimento

do número de

turistas (%)

Receita

cambial (US$

Bilhões)

Crescimento

da receita

cambial (%)

1996 596,5 - 435,6 -

1997 610,8 2,39 436,0 0,09

1998 626,6 2,58 442,5 1,49

1999 650,2 3,79 445,0 0,56

2000 689,2 5,99 482,9 8,51

2001 688,5 -0,10 471,6 -2,34

2002 708,9 2,96 486,9 3,24

2003 696,6 -1,74 532,8 9,42

2004 765,5 9,89 632,7 18,75

2005 808,4 5,60 681,5 7,7

Fonte: EMBRATUR, Organização Mundial do Turismo (OMT), e Banco Central do Brasil (BACEN).

Diante da importância adquirida, Silveira (2006) sistematiza o corpo teórico-conceitual que

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tem sido aplicado aos processos de planejamento regional do turismo, ponderando que esta

atividade, nas últimas décadas, se fez cada vez mais presente na formulação de políticas de

desenvolvimento, sobretudo pela necessidade imposta aos governos nacionais (e sub-

nacionais) de desenvolver vantagens comparativas dos territórios, tornando-os espaços mais

integrados e competitivos (SILVEIRA, 2006, p. 01). Assim, diversos países se valem do

turismo como estratégia para combate de disparidades regionais e desigualdades sociais

presentes nestes territórios. Esta estratégia, segundo Silveira, é criticada por diversos autores

como Pearce(1990), Williams e Shaw (1991), Brohman (1996), Cazes (1996), Rodrigues

(1996), Cruz (1999), Silveira (2002), dentre outros, que analisam as relações entre turismo e

desenvolvimento. Para estes autores, o turismo deve ser entendido como uma atividade que

pode trazer novas formas de valorização econômica, entretanto, não deve ser visto como:

uma panacéia que vem resolver todos os problemas decorrentes de um modelo de desenvolvimento regional marcado por desigualdades, e que se caracteriza pela falta de complementaridade entre as regiões,(...) é preciso reconhecer a grande capacidade do turismo de transformar os territórios aonde é implantado, mas daí até achar que o incremento da atividade por si só é capaz de eliminar as iniqüidades decorrentes de um modelo de desenvolvimento econômico socialmente excludente e gerador de desigualdades regionais, existe uma grande distância (SILVEIRA, 2006, p.2).

Citando Cruz (1999, p.25), Silveira (2006) pontua ainda que, como todas as demais atividades

econômicas, o turismo não pode ser sinônimo de desenvolvimento, pois não contempla todas

as dimensões da vida social. Além disto, as diferenças existentes entre as regiões, seus

equipamentos turísticos, e seus atrativos, dificilmente permitem que estratégias de

desenvolvimento possam ser transferidas de uma região para outra, ou seja, replicadas. (p.3).

Tendo em vista estas diferenças locais, nota-se a conformação de variados produtos turísticos,

cuja principal característica comum, é o fato de que só podem ser consumidos in loco, não

podendo ser transportados ou armazenados para serem consumidos em outros locais, a não ser

através de imagens e representações mentais (BENI, 1998; LAGE, MILONE, 2000, apud

SILVEIRA, 2006, p.4). Esta característica, segundo o autor, ocasiona a facilidade de

substituição dos diversos destinos por outros, na medida em que deixam de ser competitivos,

perdem seu poder de atração, tanto em decorrência da degradação ambiental, como da

variação nas preferências de consumo.

O consumo físico in loco dos produtos turísticos não pode se reduzir a um elemento único, e

definidor da complexidade do turismo. Deve adquirir a importância de atributo fundamental

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que diferencia a cadeia produtiva do turismo de todas as outras. O que ocorre na maioria das

cadeias produtivas é que a matéria prima armazenada é transportada e processada ao longo da

cadeia, até chegar ao consumidor na sua forma acabada. A particularidade da cadeia turística

reside justamente na impossibilidade de transportar os insumos (atrativos turísticos),

incorrendo na necessidade de deslocamento do consumidor até a matéria prima como única

forma de viabilizar o consumo do produto. Esta especificidade da cadeia turística terá

implicações das mais diversas, já que uma rede de serviços e ativos específicos deve ser

acionada para viabilizar o deslocamento do mercado consumidor até o produto a ser

consumido. Como é o turista que se desloca, ao visitar o atrativo ele consome todo seu

contexto social, gera lixo e degradação. Estas particularidades configuram a complexidade do

segmento econômico sob estudo.

Outros atributos do turismo devem ser considerados para o estudo de seu desenvolvimento,

conforme apontado no estudo de Silveira (2006). São eles: seu dinamismo espacial, ao se

apropriar, transformar e produzir espaços; a dominação dos protagonistas do que se nomeia de

sistema turístico; a natureza, procedência e finalidade dos investimentos realizados nas

cadeias produtivas locais; e sua sujeição aos processos de reestruturação econômica nacional

e internacional, e às conjunturas sociais e políticas (SILVEIRA, 2006, p.5). Neste ponto, a

diferença entre desenvolvimento turístico e desenvolvimento do turismo deve ficar nítida, já

que o primeiro trata do desenvolvimento de uma região, um território, enquanto o segundo

considera o desenvolvimento da atividade econômica. Esta segunda abordagem é a que

receberá maior ênfase neste trabalho.

Diante da expressividade econômica e social que a atividade turística adquiriu, especialmente

ao longo dos dois últimos séculos, e, considerando a diversidade de espaços e produtos

turísticos apresentados, observa-se que variadas práticas turísticas se desenvolveram. Os

diferentes segmentos turísticos se estabeleceram ao acompanharem a diversificação dos

objetivos das viagens empreendidas. Citam-se assim, de maneira geral, o turismo de negócios,

de lazer, de aventura, ecoturismo, turismo rural, de sol e praia, de base comunitária, entre

outros. As cadeias produtivas foram se conformando para atender as demandas,

especificidades e expectativas de cada um destes segmentos. O segmento que receberá

especial atenção neste trabalho, por seu destaque em termos de crescimento comparativo com

o crescimento do turismo como um todo, pela importância e complexidade do paradigma que

em que se cunhou, e por ser o tipo de turismo praticado nos destinos que compõem os casos

estudados por este trabalho, é o ecoturismo.

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2.2 O advento do ecoturismo

2.2.1 As décadas da conscientização ambiental

Se por um lado, como vimos, o ecoturismo surge e se desenvolve pela busca de novos

segmentos turísticos que caracterizaram a expansão da atividade, por outro, se conforma e

consolida à luz do paradigma da sustentabilidade, que ganha importância nos últimos 50

anos. A partir de um breve histórico do surgimento do paradigma da sustentabilidade verifica-

se como o ecoturismo pode nele ter se inspirado. Em seguida, define-se o conceito de

ecoturismo, e exploram-se ambigüidades e limitações de seu conceito.

Os problemas imbricados no modo de produção urbano-industrial integram a causa ambiental

às análises sobre a vida social desde a década de 1960 (SERRANO, BRUHNS, LUCHIARI,

2004, p.8). A aproximação entre os estudos ambientais e os econômicos, iniciada por volta de

1970, deu origem a diferentes correntes, que se alinharam com a perspectiva da

sustentabilidade1. É o caso da “Tese dos limites do Crescimento” de 1966, em que são

estudadas as ações para se obter equilíbrio global; das convicções difundidas na Conferência

de Estocolmo, em 1972, de que uma política de desenvolvimento com a preocupação

ambiental física, social e humana deveria ser elaborada de forma a atender aspirações do

presente sem comprometer as do futuro; e da Conferência de Brundtland em 1982, cujas

principais idéias apresentam-se a seguir (PIRES, 2004).

Na década de 1980, sob a perspectiva ambiental, ficavam extremamente evidentes os sinais de

que o planeta não detinha mais capacidade de regeneração suficiente para suportar a

degradação que sofria por conseqüência do aumento populacional e industrial – a natureza

dava sinais de fadiga. Surgem problemas como o aquecimento global, o desaparecimento da

camada de ozônio, a desertificação e a chuva ácida – além de catástrofes como

derramamentos de petróleo nos mares, vazamento de produtos químicos e de radiação.

Diante destes problemas, e da conscientização da finitude dos recursos naturais no planeta, é

criada pela ONU, em dezembro de 1983, a Comissão de Brundtland, que tinha a finalidade de

realizar um levantamento do cenário ambiental e propor uma agenda global para capacitar a

humanidade a enfrentar os principais problemas que se anteviam. A gestão ambiental evolui

1 Brüseke (2001) apresenta as contribuições de diferentes estações/estágios à criação do conceito da sustentabilidade, desde o Clube de Roma (Tese dos Limites do Crescimento, 1972), passando pela Declaração de Cocoyok (1974), Relatório de Dag-Hammarskjöld (1975) até a Comissão de Brundtland (1982) (BRÜSEKE, 2001, p. 29-34).

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para a gestão sustentável, fazendo emergir a expressão “desenvolvimento sustentável”: é

aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações

futuras de satisfazerem as suas. A construção do conceito recorreu à noção de capital

ambiental, apontando que a realização das ambições humanas são insustentáveis, e levam à

insolvência de uma “conta de recursos ambientais” já descoberta (ALMEIDA, 2002, p.54).

Os trabalhos da Comissão de Brundtland culminaram na convocação da II Conferência

Internacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro: a

‘Rio 92’. Nesta conferência foi estabelecida uma agenda de cooperação – a Agenda 21 – para

por em prática o desenvolvimento sustentável ao longo do século XXI.

Ao longo das décadas que seguiram, motivados pelos trabalhos iniciados pela Comissão de

Brundtland, uma série de estudos vêm tentando tornar o conceito de desenvolvimento

sustentável mais preciso, agregando a ele diversos aspectos. Buarque (1994 apud BRITO,

2005, p.59) define o conceito de desenvolvimento sustentável como um processo de mudança

social e de elevação de oportunidades da sociedade em que se compatibilizam no tempo o

crescimento econômico, a conservação ambiental, a qualidade de vida e a equidade social,

partindo de um compromisso com o futuro e da solidariedade entre as gerações. A partir

destas diretrizes iniciais, o conceito adquire, para os diversos autores, mais precisão

prescritiva.

Para Böer (2002, apud QUEIROZ, 2005), desenvolvimento sustentável é um processo de

ações concatenadas, em que ocorre ampla participação de agentes – como governos,

investidores, empresários, organizações não-governamentais, universidades e comunidade

local – em todas as etapas do processo. Visa-se assim alcançar uma racionalidade na

utilização de recursos que deve ser socialmente justa, economicamente viável,

ambientalmente zelosa, e culturalmente compatível, através da conscientização e do

compromisso. Este processo deve ser capaz de garantir que as gerações futuras possam

usufruir destes recursos sob condições semelhantes. Ao conceito inicial, Böer agrega as idéias

de uma participação mais ampla no processo de mudança social e crescimento econômico,

bem como de uma racionalidade capaz de orientar o comportamento humano às praticas

sustentáveis.

Segundo Almeida, neste novo paradigma o mundo passa a ser tripolar, representado pelo

governo, sociedade e empresas, todos permeados pela gestão sustentável. Surge ainda o

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conceito de ecoeficiência, em que a poluição representa os recursos que se evadiram do

sistema de produção, sendo uma “anomalia” econômica (p.62). Portanto, passa a pertencer ao

interesse do sistema produtivo evitá-la: o controle ambiental adquire caráter estratégico – de

vantagem competitiva. Este autor identifica que a emergência deste novo paradigma

proporcionou a entrada de novos atores no cenário ambiental: ONG´s como o WWF, o

Greenpeace e a UICN (ALMEIDA, 2002, p.57).

Brito (2005), citando Bordieu (1989) chama a atenção para o fato que:

O conceito de desenvolvimento sustentável expressa algum consenso em torno da idéia geral de compatibilização entre a qualidade ambiental e o desenvolvimento socioeconômico e muito dissenso prático traduzido no conflito de interesses entre os atores sociais participantes do campo político, que utilizando as mais variadas estratégias, buscam alcançar uma posição de hegemonia e a partir daí orientar o processo de desenvolvimento segundo seus interesses (BRITO, 2005, p. 59).

Bellen, (2005) apresenta numerosas definições para o termo desenvolvimento sustentável

como as de Goldsmith (1972), Constanza (1991), Pearce (1993), Fearnside (1997), Hardi e

Zdan (1997), Dahl (1997), Sachs (1997), Bossel (1998 e 1999), apenas para citar alguns.

Assim, o termo pode ser entendido como uma palavra chave desta época. Devido a esta

grande quantidade de definições, não se sabe exatamente o que desenvolvimento sustentável

significa (BELLEN, 2005, p. 24). Para este autor, as duas definições mais amplamente aceitas

são as do Relatório Brundtland, e do documento conhecido como Agenda 21, que trazem

questões de gerações futuras e possibilidades, necessidades, e a idéia de limitação.

Neste estudo o paradigma da sustentabilidade não será discutido exaustivamente, não

havendo, escopo para abordar as diversas vertentes de estudo deste corpo teórico. Basta

apenas enfatizar que, como a perspectiva adotada no estudo é da cadeia produtiva do

ecoturismo, quando se fala em sustentabilidade, refere-se principalmente à sustentabilidade da

cadeia, diante da sustentabilidade ambiental. Tem-se a profunda crença de que ambas estão,

no caso do ecoturismo, em relação de forte interdependência, já que a sustentabilidade

ambiental implica na sustentabilidade econômica para esta cadeia, sendo o contrário também

válido. Portanto, não existe o esforço em traçar os limites de dissociação de cada um destes

campos. De forma complementar, inspirando-se em Dahl, entende-se que o desenvolvimento

sustentável é um termo carregado de valores, “e existe uma forte relação entre os princípios, a

ética, as crenças e os valores que fundamentam uma sociedade e sua concepção de

sustentabilidade” (DAHL, 1997 apud BELLEN, 2005 p. 27).

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2.2.2 Turismo e ecoturismo no mundo

Considerando a latência que as questões associadas à sustentabilidade adquiriram na década

de 80, ficam também explícitas as relações entre turismo, turismo de massa, e meio ambiente,

dado que a atividade passa a atingir comunidades e etnias que antes ainda mantinham pouco

contato com a “‘sociedade ocidental’, gerando conflitos e despertando a preocupação de

antropólogos e outros cientistas sociais em relação a esta ‘troca’ entre culturas” (SERRANO;

BRUHNS; LUCHIARI, 2004, p.9). Tendo em vista os estragos causados pelo turismo em

massa, alguns estudiosos passam a estabelecer uma aproximação entre esta atividade e o

almejado desenvolvimento sustentável.

A Conferência de Zakapone, realizada em 1989 na Polônia, promovida pela Academia

Internacional para o Estudo do Turismo e patrocinada pela Organização Mundial do Turismo

(OMT), discute, então, o conceito de turismo alternativo como uma reação à exploração e à

depredação do turismo de massa no terceiro mundo. Analisando criticamente o termo, os

participantes do evento consideram o conceito esvaziado de valor científico, quando se

consideram as variadas formas de turismo existentes, substituindo o termo pela expressão:

formas alternativas de turismo (BRITO, 2005, p. 60). O termo passa a ser associado a

expressões como turismo limpo, justo, responsável, rural, e por fim, ecoturismo, mudando o

foco dos estudos de turismo das questões técnico-administrativas para o estudo dos impactos

sócio-ambientais e culturais (SERRANO, BRUHNS e LUCHIARI, 2004; BRITO, 2005).

Da necessidade de reflexão sobre o turismo, surge na indústria turística, sob o nome de

‘ecoturismo’ um segmento que engloba uma série de modalidades de visita e fruição de

espaços naturais. As atividades que engloba podem variar de caminhadas simples,

experiências místicas, esportes radicais, convivência com rotinas do mundo rural ou mesmo

estudos científicos. De fato, “este novo tipo de turismo apresenta taxas de crescimento

significativamente maiores do que as relativas às formas e aos destinos convencionais das

viagens de lazer” (SERRANO; BRUHNS; LUCHIARI, 2004, p.9).

O estudo destas autoras aponta que a indústria turística mundial emprega 10% da população

economicamente ativa e seu produto bruto atingiu US$ 7,9 trilhões em 2005 – o que

representou um crescimento de 4 a 5% ao ano, enquanto o segmento de ecoturismo cresceu no

mesmo período cerca de 20% (p.10).

O ecoturismo, além de se conformar como uma busca por novos segmentos de turismo, fato

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reforçado pelas cifras que movimenta, surge, então, como uma possível alternativa econômica

para as comunidades com atividades em decadência, ou de subsistência, além de estar

alinhada com a perspectiva da sustentabilidade, valorizando a adoção de práticas que

interferem da menor forma possível no desgaste de recursos ambientais (MINISTÉRIO DO

TURISMO, 2003).

Uma das definições pioneiras do ecoturismo, cunhada por Ceballos-Lascuráin, e popularizada

por Boo (1987; 1990, apud BRITO, 2005) traz elementos fundamentais que serão adotados

por outras definições de ecoturismo, como a idéia de viagens responsáveis com relação à

natureza e à cultura local; a minimização do impacto ao ecossistema ocasionado pelo usufruto

da natureza pelos turistas; e o atendimento das expectativas das populações hóspedes e dos

visitantes (BRITO, 2005, p. 69).

A OMT (2003, p.87) adota como foco da definição do ecoturismo o ambiente físico. Sendo

assim, o ecoturismo proporciona uma experiência direta com relação a um determinado lugar,

que implica em uma experiência educacional, desenvolvendo nos visitantes a compreensão e

apreciação do local visitado, promovendo comportamentos adequados e uma ética

preservacionista. Além disto é ambientalmente responsável, utilizando estratégias para

minimizar os impactos negativos, e maximizar os retornos econômicos para as comunidades

do lugar. As atividades ecoturísticas visam proporcionar o acesso a ambientes naturais

remotos, raros e espetaculares, concentrando as observações à vida selvagem. O Ecoturismo

ainda pode ser entendido como o turismo sustentável para ambientes naturais, possuindo

potencial para o desenvolvimento de um turismo convencional, mas sustentável (OMT, 2003,

p.88).

A OMT reconhece que o conceito de sustentabilidade surgiu da conscientização de que os

recursos do planeta eram limitados, e que as abordagens atuais de desenvolvimento não

estavam sendo eficazes para reduzir a pobreza ou elevar padrões de vida nos diversos países

(OMT, 2003, p.171). Segundo a OMT, o desenvolvimento sustentável tem sido apresentado

como uma nova abordagem para a forma como as comunidades pensam sobre seu padrão de

vida, igualdade social e manutenção de recursos naturais. Assim, a sustentabilidade deve focar

seus princípios nas dimensões ecológica, social /cultural e econômica.

Isto se reflete no turismo sustentável, cuja principal motivação é a melhora da qualidade de

vida das comunidades anfitriãs, a preservação do meio ambiente através de manutenção da

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diversidade biológica e dos sistemas ecológicos, a garantia da integridade cultural e a coesão

social das comunidades, além de proporcionar uma experiência de alta qualidade aos

visitantes, segundo a OMT (p. 173).

O estudo elaborado pela OMT apresenta os princípios a serem seguidos para a implementação

do ecoturismo. Embora apresente também casos de sucesso em diversos países, não detém seu

foco em apontar como estes princípios serão atingidos, ou analisar as limitações que o

planejamento e a implementação do ecoturismo enfrentam nas diferentes regiões do planeta.

Brito (2005), critica as diferentes concepções do ecoturismo, entendendo que expressam um

otimismo extremo e uma filosofia prescritiva, e não o que esta prática reflete na realidade.

Critica principalmente o conceito formulado pela OMT, que tenta:

fazer do ecoturismo o representante de todas as formas de turismo, inclusive aquelas mais prejudiciais aos ambientes naturais, sem perder de vista a mercantilização da natureza, admitindo neste processo a geração de impacto mínimo sobre o ambiente natural e sobre o patrimônio cultural, cujo significado para as populações e localidades atingidas pode, até mesmo, adquirir contornos de extrema gravidade (BRITO, 2005, P. 70).

Embora hajam divergências de ordem conceitual, e sejam escassos os estudos empíricos

propositivos, que recorram a corpos teóricos complementares ao estudo estritamente físico do

setor, o ecoturismo parece ser um fenômeno em expansão, ávido por soluções criativas e

inovadoras no sentido de auxiliar seu pleno alinhamento com as premissas da

sustentabilidade.

2.3 Turismo e ecoturismo no Brasil

2.3.1 Turismo no Brasil2

O Brasil vivencia o turismo em sua conformação mais recente, quando se torna uma prática

social mais ampla (pós Grand Tour). Embora seja praticado no Brasil há algum tempo, até

meados do século XX era praticado de forma incipiente, tendo seu fluxo resumido a

temporadas de veraneio em residências secundárias próximas aos grandes centros. Os hotéis,

ainda em números reduzidos, quando não eram voltados para hóspedes em viagem de

negócios, se localizavam em estâncias hidrominerais atendendo a objetivos tanto de lazer

como de saúde. 2 O trecho sobre a conformação histórica do turismo no Brasil está embasado nos estudos de Alban (2004).

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Segundo Alban (2004), é a partir dos anos 50 que este quadro se transforma, tendo suas

causas ligadas ao avanço da industrialização, da urbanização, e da modernização da infra-

estrutura de transportes. Cresce a demanda por entretenimento, levando o turismo a

acompanhar também esta vertente, se diversificando nas várias regiões do país. Nesta época

surgem os hotéis voltados para o lazer tanto em municípios costeiros, como nos centros

urbanos.

Na década seguinte, marcada pela instauração dos governos militares, o turismo brasileiro

ganha uma série de incentivos governamentais, deixando de ser uma atividade exclusivamente

privada. Com a criação da Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR) em 1966, o turismo

se desenvolve através dos financiamentos e participação acionária na expansão da rede

hoteleira e na implantação de centros de convenção. Este financiamento se dá através de

recursos do Fundo Geral de Turismo (FUNGETUR), criado ainda na década de 1960 e

administrado pela EMBRATUR a partir de 1971. Conforme observa Prosérpio (apud

ALBAN, 2004), o segmento de turismo não foge à estratégia de política econômica vigente,

em que o setor público é o principal incentivador de novos setores econômicos, oferecendo

facilidades à entrada de capitais, e determinando a expansão de redes de hospedagem locais e

internacionais.

Nos anos 1980 toda a economia brasileira vivencia grandes oscilações, e o turismo não desvia

da rota de turbulências geradas pela crise fiscal do estado, pelos surtos inflacionários e planos

de congelamento de preços. A crise fiscal ocasiona uma grande restrição ao FUNGETUR,

iniciando um período de estagnação dos investimentos no segmento hoteleiro. Além disto, o

fluxo de turismo ao final desta década, após vivenciar picos e quedas vertiginosas, é

equivalente a apenas 67% do fluxo alcançado no início da mesma (conforme Tabela 2).

Tabela 2 – Fluxo de Turistas Internacionais no Brasil de 1980 a 1990 em mil turistas

Ano 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990

Fluxo 1625 1358 1147 1420 1596 1736 1934 1929 1743 1403 1091

Evolução 100 83,6 70,6 87,4 98,2 106,8 119,0 118,7 107,3 86,3 67,1

Cresc. % - -16,4 -15,5 23,8 12,4 8,8 11,4 -0,3 -9,6 -19,5 -22,2

Fonte: EMBRATUR; ALBAN (2004).

O cenário turístico passa por novas transformações radicais com a implementação do Plano

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Real na década de 1990. Além da estabilização dos preços conseguida pelo plano, a

sobrevalorização do Real traz impactos diretos no turismo emissivo internacional, que

acumula um expressivo déficit até o final da década. Esta época ainda é marcada por reformas

no Aparelho de Estado, ocasionando processos de desestatização em diversos setores,

praticamente eliminando a participação direta do Estado na economia. No turismo, isto

implicou na privatização de hotéis até então estatais. A EMBRATUR abandona a política de

participação acionária direta, e a construção de equipamentos turísticos3.

Caberia assim ao Estado coordenar o processo de expansão do setor turístico, bem como

pensar e implementar as estratégias de marketing institucional, suprir a infra-estrutura de

transporte e energia, e de apoio urbano, mantendo-se através de bancos de fomento como

financiador de longo prazo. Enquanto isto, o setor privado garantiria a expansão da

capacidade hoteleira e toda a estrutura correlata de centros de convenções, entretenimento e

lazer.

É durante as décadas de 80 e 90 que o turismo vive no mundo um grande apogeu, com um

crescimento nas receitas turísticas próximas de 8% ao ano, conforme se observa na Tabela 3:

Tabela 3 – Evolução do Turismo Internacional Mundial - em US$ bilhões

1980 1985 1990 1995 2000 Tx Cresc 00/81

Tx.Cresc. Médio

Turistas em milhões 286 327 458 565 689 144,06 4,56

Exportações globais 1921,8 1887,8 3438,6 5123,2 6340,5 229,93 6,15

Receitas Turísticas 105,3 118,1 268,9 405,1 482,9 353,85 7,86

Participação % 5,48 6,26 7,82 7,91 7,54 - -

Fonte: International Financial Statistics (2002) e OMT.

Diante deste cenário, e acompanhando a percepção dos organismos internacionais, que

passam a ver o turismo como um importante aliado para o processo de desenvolvimento

sustentável, principalmente de países e regiões periféricas, o Brasil também passa a entender,

nesta época, o turismo como um setor economicamente ideal. Acreditava-se que, da mesma

3 Na Chapada Diamantina, em ambos circuitos, do ouro e do diamante, temos, nesta época, o caso da privatização dos primeiros hotéis implementados na região neste contexto: A Pousada de Lençóis, e o Hotel Rio de Contas.

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forma que o setor detinha um grande potencial para geração de emprego, renda e divisas, o

Brasil possuía condições geográficas ideais para a prática do turismo, com sua vasta extensão

litorânea, climas tropicais e subtropicais, diversidade de paisagens naturais, e riquezas

culturais.

Alban pontua que:

Em outras palavras, pode se dizer que a partir de meados dos anos 1990 o turismo passou a ser entendido, por todos, como uma rota natural e fácil para o rápido e equilibrado desenvolvimento sustentável do país. Assim, se por um lado, com as reformas empreendidas, o governo deixava de atuar diretamente na expansão da rede hoteleira e de equipamentos, por outro ele passa a potencializar ativamente essa expansão, garantindo o financiamento estatal e implantando e expandindo a infra-estrutura de transportes, energia e apoio urbano. Paralelamente, e sempre com o apoio de organismos internacionais, o governo atuará também na recuperação de vários sítios e centros históricos, bem como na implantação de inúmeros equipamentos culturais (2004).

Assim, o turismo adquire um novo status tanto no governo federal, como na maioria dos

governos estaduais, transformando-se numa pasta própria. Este fato facilitou as negociações

com organismos financiadores internacionais como o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

(BIRD), que viriam a financiar, em conjunto com os governos estaduais e federal, a expansão

da infra-estrutura para o turismo. Partia-se do pressuposto que através da expansão da infra-

estrutura, investidores privados e empreendedores dos diversos serviços complementares ao

turismo naturalmente chegariam, fomentando o desenvolvimento do turismo em novas regiões

do país.

Tabela 4 – Dados do Turismo no Brasil em comparação com turismo mundial de 1996 a 2005.

Número de turistas (milhões) Receita cambial (US$ bilhões)

Brasil

Mundo

Participação

(%) do

Brasil no

Mundo

Brasil

Mundo

Participação

(%) do

Brasil no

Mundo

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Número de turistas (milhões) Receita cambial (US$ bilhões)

Brasil

Mundo

Participação

(%) do

Brasil no

Mundo

Brasil

Mundo

Participação

(%) do

Brasil no

Mundo

1996 2,7 596,5 0,45 0,8 435,6 0,18

1997 2,8 610,8 0,46 1,1 436,0 0,25

1998 4,8 626,6 0,77 1,6 442,5 0,36

1999 5,1 650,2 0,78 1,6 445,0 0,36

2000 5,3 689,2 0,77 1,8 482,9 0,37

2001 4,8 688,5 0,70 1,7 471,6 0,36

2002 3,8 708,9 0,54 2,0 486,9 0,41

2003 4,1 696,6 0,59 2,5 532,8 0,47

2004 4,8 765,5 0,63 3,2 632,7 0,51

2005 5,4 808,4 0,67 3,9 681,5 0,57

Fonte: EMBRATUR, OMT, Banco Central do Brasil.

Além da importância que o turismo adquire ao longo das décadas de 80 e 90 no Brasil (ver

Tabela 4), esta época ainda é bastante marcada pelo fortalecimento do paradigma da

sustentabilidade, como vimos anteriormente. Não só no mundo, como também no Brasil, este

paradigma vem se tornar o contexto no qual é cunhado o conceito de ecoturismo. Além de se

tornar um dos segmentos do turismo de maior crescimento comparativo, o ecoturismo volta

para si, assim, os holofotes tanto dos principais empreendedores em busca de novos

mercados, como dos destinos brasileiros em busca de proteção ambiental e ampliação de

empregos e divisas, e ainda programas de turismo em busca de fomento e ordenamento da

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atividade. A seguir apresenta-se sua conformação neste país.

2.3.2 Surgimento do ecoturismo no Brasil

No Brasil, o ecoturismo vem sendo discutido desde a década de 80. Em 1987 foi criada a

Comissão Técnica Nacional, que contava com técnicos do Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e da EMBRATUR, e tinha o

objetivo de ordenar o ecoturismo no país, monitorar o Projeto de Turismo Ecológico e as

práticas sustentáveis, ainda pouco organizadas, vigentes na época (BRASIL, 1994 apud

BRITO, 2005).

O não cumprimento dos objetivos propostos motivou a formalização um grupo de trabalho

que integrava representantes do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT),

do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), do

IBAMA e da EMBRATUR que elaborou em 1994 o documento ‘Diretrizes para uma Política

Nacional de Ecoturismo’. Este documento adota como definição do ecoturismo:

Segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas (EMBRATUR, 2002).

A EMBRATUR (2002) considera ainda, que o ecoturismo representa uma nova tendência

turística, menos convencional, e que permite contato com belezas naturais, seja para simples

contemplação, seja para desenvolver atividades de interação. Para tanto, tem como objetivos:

- aumentar a receita gerada nas diversas áreas conservadas, possibilitando-lhes recursos para a

manutenção destas e das comunidades locais;

- fomentar a visita ordenada;

- preservar os recursos naturais florísticos, faunísticos e as paisagens cênicas locais;

- promover a utilização racional do patrimônio natural.

Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2004), para que a

prática do ecoturismo tenha êxito, a formação de uma consciência ambiental deve ser um

interesse compartilhado por todos agentes envolvidos, o que não é algo trivial, já que exige

que os próprios ecoturistas tenham uma formação ambientalmente consciente.

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A EMBRATUR (2002) entende que o Brasil é um dos países mais completos para a prática de

atividades ligadas ao ecoturismo, pois possui atrativos para todos os perfis de ecoturistas e

condições inigualáveis para a prática de todas suas modalidades, exceto as que exigem neve.

O território brasileiro contém desertos, cavernas, rios, lagoas, corredeiras, cascatas, florestas,

montanhas, cânions, pântanos, 7.400km de litoral, ilhas, planaltos e planícies, com toda sua

biodiversidade, além de atrações folclóricas, étnicas, musicais e culturais diferenciadas. É

considerado, assim, um país de mega-diversidade, ao lado dos Estados Unidos, Austrália,

México, África do Sul e Índia.

O referido estudo traz números do Instituto de Ecoturismo do Brasil (IEB) que apontam a

atratividade deste “novo negócio no Brasil”: em 1994 o ecoturismo movimentou R$ 2,2

bilhões, que em apenas um ano aumentou para ordem de R$ 3 bilhões, um crescimento de

36%, algo acima da média mundial de 20%, número de destaque em qualquer segmento de

negócios. Estimava-se no ano de 2000, que em cinco anos as cifras movimentadas girariam

em torno de U$$ 10,8 bilhões no Brasil (EMBRATUR, 2002, p. 4).

Uma das formas de fomento do ecoturismo no Brasil, adotada mais recentemente, se dá

através da parceria entre a EMBRATUR e o IBAMA, que empreendem esforços conjuntos

através do ‘Programa de Uso Público e Ecoturismo em Parques Nacionais – Oportunidade de

Negócios’. Os objetivos primordiais deste programa são a atualização nos padrões de uso das

unidades de conservação sob administração federal, com vistas a viabilizar suas finalidades

básicas de preservação dos ecossistemas naturais, intensificando paralelamente o

aproveitamento do patrimônio natural e cultural do país. Reconhece, desta forma, a mudança

de valores sociais ligados à preservação ambiental nas últimas décadas, pretendendo

responder à demanda crescente da sociedade por um contato mais direto com a natureza.

(EMBRATUR, 2002).

Parte do pressuposto que a renovação e melhoria da infra-estrutura de atendimento ao

turismo, através de investimentos de capital privado, representa a forma mais adequada de

conservação dos ecossistemas, frente à inexistência de recursos públicos suficientes. As

expectativas do programa são de que além de um melhor aproveitamento turístico, e maior

conservação dos Parques Nacionais, serão gerados mais empregos, reduzidos gastos públicos,

haverá aumento na arrecadação do Governo e, portanto, criação de condições para retomada

da educação e pesquisa ambientais.

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Sobre este programa, Brito (2005) explicita a existência da contradição entre a preservação

ambiental, que o plano pressupõe, e o estímulo ao aumento do número de turistas como forma

de aumentar receitas para garantir auto-sustentação, que põe em risco a fauna e flora em

proveito do uso turístico. Aponta que este programa parte do pressuposto de que a

administração pública é incapaz de gerir com agilidade os Parque Nacionais, propondo a

implantação de um sistema de concessão de operação, o que se traduz na terceirização destas

unidades de conservação.

Argumenta que em 2001, o Governo Federal lança um edital para terceirizar os serviços de 16

Parques Nacionais, privatizando, desta forma, estas unidades de conservação, através da

exploração por parte da iniciativa privada de passeios, restaurantes, e transportes, incorrendo

em degradação ambiental através da supervisitação como fonte de receita para viabilizar a

administração do parque. Por fim, observa que:

enquanto o governo planeja escancarar os Parques Nacionais à visitação turística e aos capitais privados,(...) por outro continua mantendo o propósito de expulsar destas unidades de conservação as populações que habitam seu interior (BRITO, 2005, p.189).

Este capítulo evidencia como o ecoturismo é uma atividade imbricada, e contraditória, com as

unidades de conservação ambiental, por serem os ambientes que mais atendem tanto aos

objetivos de consumo de espaços naturais dos ecoturistas, como das comunidades periféricas

que povoam os entornos dos parques, e depositam no ecoturismo suas expectativas de

mudança social e econômica, ao mesmo tempo em que podem ser excluídos de todo processo.

Propõe-se assim, um estudo mais detalhado das Unidades de Conservação Brasileiras.

2.3.3 Políticas ambientais e Unidades de Conservação – Os Parques Nacionais

Ao empreender um breve mergulho histórico na busca do surgimento da idéia de conservação

ambiental através da determinação de áreas resguardadas, chega-se ao século 700 a.C.,

quando, na Pérsia, surgiam as primeiras leis de proteção às planícies úmidas do nordeste da

China, e, na Assíria, se encontra o registro mais antigo de proteção aos animais de caça. Em

IV a.C, surgiam as primeiras iniciativas de proibição de atividades extrativistas nas florestas

consideradas sagradas na Índia. Na Europa, medidas semelhantes vão se apresentar apenas

nos séculos XI, na Bretanha e na Rússia, onde áreas protegidas como bosques eram criadas,

ficando proibidas as atividades de caça, pesca, derrubada de árvores, e até mesmo a simples

presença humana. (DAVENPORT E RAO, 2002 apud PIRES, 2004).

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Com o fortalecimento do cristianismo por volta do século XIII, as florestas são dissociadas de

seus poderes mágicos, e a expansão agrícola incentiva a regulamentação da exploração das

reservas, que deixam de ser de uso coletivo para pertencer aos senhores, limitando o direito

dos camponeses de usufruí-las. Isto determina, segundo Riera-Melis (apud PIRES, 2004),

tanto um novo instrumento de dominação, como novos costumes de lazer da nobreza

medieval, a exemplo da caça em reservas particulares.

Com a Revolução Industrial, o enfraquecimento da posse de terra como indicador de riqueza e

a conseqüente valorização do trabalho e do lucro gerado através da produção, além da

necessidade crescente de insumos, as florestas naturais passam a sofrer intenso processo

predatório. Este processo se acentua ainda mais com a exploração mineral, a expansão urbana,

e a valorização do consumo promovido pelo capitalismo.

Ainda que de forma muito incipiente, no século XIX surgem iniciativas de reação à alteração

brutal de paisagens naturais pelos processos industriais, principalmente nos países com

industrialização acelerada, o que culmina com a aprovação em 1872 da primeira Unidade de

Conservação do mundo moderno – O Yellowstone National Park, nos Estados Unidos.

Seja pela necessidade de estabelecer fronteiras (HARROY 1974 apud PIRES, 2004), seja pela

restauração do orgulho nacional ferido pelo impasse internacional criado com a venda das

Cataratas do Niágara, (DAVENPORT E RAO, 2002, apud PIRES, 2004), o fato é que a

criação das primeiras unidades de preservação americanas estabeleceu um modelo para outras

nações com vistas à preservação ambiental. Este modelo consiste na preservação de áreas

naturais intocadas pela ação humana, obedecendo a uma visão antropocêntrica de

beneficiamento das populações urbanas e da valorização estética das belezas naturais. Esta

visão nega, segundo Rodman (1973, apud DIEGUES, 2001), o valor intrínseco das paisagens

naturais para o funcionamento dos ecossistemas, privilegiando áreas apelativas do ponto de

vista estético, que obedece a valores ocidentais de determinada época.

Países como Austrália, Canadá, Nova Zelândia, África do Sul e México foram os pioneiros

em adotar o modelo americano de parques nacionais objetivando a conservação da natureza,

ainda no século XIX. O Brasil se insere na iniciativa de criação de Parques Nacionais que

margeia o contexto da Segunda Guerra Mundial, quando o modelo inicial de natureza

intocável e ausência total de interferência humana já vinha sendo questionado. Passou-se a

considerar que a presença humana em pequena escala e a preservação ambiental estavam

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fortemente vinculadas, e, assim, a conservação do meio ambiente deveria contemplar também

o bem-estar humano, já que ele é parte do sistema natural. Esta mentalidade é transversal aos

modelos de desenvolvimento da época, apresentados no Relatório de Brundtland.

Em 23 de Janeiro de 1934 é instaurado o Primeiro Código Florestal Brasileiro através do

Decreto no 23.793. Isto permitiu a criação do primeiro parque nacional brasileiro, em 1937, o

Parque Nacional de Itatiaia, localizado no Rio de Janeiro e com finalidades de caráter

científico, englobando perspectivas do turismo (PIRES, 2004). Diversas alterações ocorrem

na legislação brasileira com relação às áreas de conservação, cujos pontos principais para o

estudo dos parques nacionais está sistematizado na Tabela 5. O Parque nacional da Chapada

Diamantina4 se conformou no âmbito do Novo Código Florestal criado em 15 de Setembro de

1965, através da Lei no 4.771, que estabelece que as florestas, e demais revestimentos vegetais

de utilidade às terras que revestem, são de interesse comum a todos os habitantes do país, e

cujos direitos de propriedade são limitados pela referida lei.

A EMBRATUR (2002), conceitua como ambiente natural conservado:

os espaços territoriais com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo poder público, com objetivos de conservação e com limites definidos, sob regime especial de administração, às quais se aplicam garantias adequadas de proteção, para manter os recursos naturais em seu estado original.

A finalidade das Áreas Protegidas é de manter e proteger a diversidade das espécies, manter a

capacidade produtiva dos ecossistemas, preservar aspectos naturais e históricos, resguardar

habitats críticos, proteger paisagens e a vida silvestre, e propiciar pesquisa científica,

educação e treinamento, recreação e turismo (EMBRATUR, 2002).

4 A criação deste parque nacional será tratada com maior minúcia no próximo capítulo, quando se estabelecem as relações com o turismo que se desenvolveu nesta região.

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Tabela 5 – Evolução histórica da legislação brasileira sobre parques nacionais. Primeiro Código Florestal Brasileiro: Decreto nº. 23.793, de 23 de janeiro de 1934

Constituição de 1937, Art. 134:

Convenção sobre Proteção da Flora, da Fauna, e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, assinada em 1940. 1948: regulamentação através do Decreto Legislativo nº. 3, artigo 1º:

São estabelecidos os primeiros conceitos para Parques Nacionais, Florestas Nacionais e Florestas Protetoras. Já a Constituição do mesmo ano, rezava em seu Art. 10, III, que competia concorrentemente à União e aos Estados proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte.

Determina que os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.

Estabelece 4 tipos de áreas de proteção: 1 - Parques Nacionais: São as regiões estabelecidas para a proteção e conservação das belezas cênicas naturais e da flora e fauna de importância nacional das quais o público pode aproveitar-se melhor ao serem postos sob a superintendência oficial. 2 - Reservas Nacionais: São as regiões estabelecidas para a conservação e utilização, sob a vigilância oficial, das riquezas naturais, nas quais se protegerá a flora e a fauna tanto quanto compatível com os fins para os quais estas reservas são criadas. 3 - Monumentos Naturais: São as regiões, os objetos, ou as espécies vivas de animais ou plantas de interesse estético ou valor histórico ou científico, aos quais é dada proteção absoluta, com o fim de conservar um objeto específico ou uma espécie determinada de flora ou fauna, declarando uma região, um objeto ou uma espécie isolada monumento natural inviolável, exceto para a realização de investigações científicas devidamente autorizadas ou inspeções oficiais. 4 - Reservas de Regiões Virgens: É uma região administrada pelos poderes públicos, onde existem condições primitivas naturais de flora, fauna habitação e transportes, com ausência de caminhos para o tráfico de veículos e é proibida toda exploração comercial.

Constituição de 1946, Art. 175,

1965 : É criado o Novo Código florestal através da Lei Nº. 4.771, de 15 de setembro (em substituição ao de 1934). Esta Lei sofreu mudanças posteriores através da Lei Nº. 7.803, de 18 de julho de 1989.

A regulamentação dos incisos do artigo 225, da Lei No. 7.803, de 1989 ocorre pela Lei Nº. 9.985, de 18 de julho de 2000

Estabelece que as obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza ficam sob a proteção do Poder Público.

Art. 1º, estabelece que: as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidades às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo - se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. Os Art. 2º e 3º, especificam os casos e as áreas de preservação permanente. Art. 5º, atribui ao Poder Público a criação de: a) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a finalidade de guardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais, com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos; b) Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, com fins econômicos, técnicos ou sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir aquele fim. § único - Fica proibida qualquer forma de exploração dos recursos naturais nos Parques Nacionais, Estaduais e Municipais. Art. 225: é único do capítulo VI da Constituição de 1988, especifico ao meio ambiente, dentro do princípio da sustentabilidade, apresenta, no preâmbulo e parágrafo 1º, incisos I, II, III e VII, o seguinte: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a pressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

O Capítulo III categoriza e descreve as Unidades de Conservação. Esta categorização divide as Unidades em dois grandes grupos: 1. de proteção integral, que abarca estação ecológica, reserva biológica, parque nacional ou estaduais ou municipais, conforme a unidade da federação que os criou e mantém , monumento natural e refúgio da vida silvestre; 2. de Uso sustentável, abarcando área de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico, floresta nacional ou estadual, ou municipal , reservas extrativista, da fauna, de desenvolvimento sustentável e do patrimônio natural. Dentro da classificação da legislação atual, o Brasil possui 250 Unidades de Conservação Federais, sendo 110 de proteção integral e 140 de uso sustentável, não consideradas as Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

Fonte: Pires, 2004.

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30

2.3.4 Os diversos destinos ecoturísticos Brasileiros

Tendo em vista os diferentes estágios de transformação da legislação brasileira no que toca a

preservação ambiental através da constituição de diferentes tipos de unidades de conservação,

verificamos no Brasil a criação, a partir de 1937, de diversas unidades ao longo das décadas

que seguiram a criação do Parque de Itatiaia. A maior parte dos parques nacionais

(aproximadamente 96% - ver Tabela 6) foram constituídos no âmbito do Novo Código

Florestal instituído em 1965, e 74% deles a partir da década de 80, que como vimos, é

também a década em que se acentua a conscientização em torno das questões ambientais

semeadas por volta de 1960.

Tabela 6 – Quantidade de Parques Nacionais criados por década, de 1930 a 2006.

Década Quantidade de Parques

Nacionais

Percentual (%)

1930 1 1,8

1940 0 0

1950 1 1,8

1960 7 12,3

1970 6 10,5

1980 18 31,5

1990 10 17,5

2000 14 24,6

Total 57 100,00

Fonte: IBAMA, 2006.

Atualmente, a legislação classifica as Unidades de Conservação em dois grupos: os de

proteção integral e os de uso sustentável. Os primeiros englobam as estações ecológicas,

reservas biológicas, parques nacionais ou municipais, monumentos naturais e refúgios da vida

silvestre. Já as unidades de uso sustentável abarcam as áreas de proteção ambiental, áreas de

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relevante interesse ecológico, florestas nacionais, estaduais e municipais, reservas

extrativistas da fauna, de desenvolvimento sustentável e do patrimônio natural (PIRES, 2004;

IBAMA, 2006).

Dentro desta classificação o Brasil possui 309 Unidades de Conservação Federais, sendo que

130 são áreas de proteção integral e 179 de uso sustentável sem considerar a categoria de

Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), que somam 429 unidades (IBAMA, 2006).

As áreas de proteção integral, que englobam os Parques Nacionais (57), representam, em

quantidade, aproximadamente 18% do total das unidades de conservação federais, e em área,

2,78% do território Nacional. Ao todo, considerando as áreas de proteção integral e de uso

sustentável, apenas 6,30% do território brasileiro está nelas abrangido, percentual inferior ao

de 10% recomendado pelo Programa da Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)

(DIÉGUES, 1998, p.17 apud BRITO, 2005, p. 186).

Se por um lado, um pequeno percentual territorial do Brasil é destinado à constituição das

unidades de conservação, por outro, a grande quantidade de unidades espalhadas por todo país

explicita a diversidade de ecossistemas existentes neste território, e o porte da estrutura

administrativa que a federação deve criar para contemplar as especificidades geográficas e

ambientais, históricas, culturais, e a complexidade gerencial que cada uma destas áreas

demanda.

Toledo (2004, p.8), ao analisar a criação de Parques Nacionais por todo país, observa que a

própria condição de Parque Nacional já favorece a associação de uma determinada região

geográfica à atividade ecoturística. Contudo, uma questão recorrente que apresenta é: em que

medida a população local é protagonista da criação e regulamentação destas áreas de

proteção, quando se entende que o ser humano é parte do ecossistema protegido? Citando

Seabra (1998, p.216), levanta a problemática de que assim como no mundo, em áreas

protegidas do Brasil, agricultores e habitantes dos entornos deveriam ter assegurada a sua

participação na gestão ambiental e fiscalização do uso dos recursos naturais das unidades de

conservação.

Em lugar da expulsão do homem da terra, em nome da preservação ambiental e do turismo ecológico, o reconhecimento de sua história, cultura e experiência de vida, pode traduzir-se na execução de programas de desenvolvimento integrado, permitindo o uso racional dos recursos naturais e a valorização das comunidades locais (SEABRA,1998, p.216 apud TOLEDO, 2005, p.3).

os critérios de definição de quem pode e quem não pode permanecer vivendo no

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interior das unidades de conservação tem por referencial o grau de interferência que a população ocasiona na natureza, e/ou, de maneira utilitária, a existência de etnoconhecimento, que poderia auxiliar no plano de manejo e na conservação da área, sendo uma população cuja relação com a natureza é considerada ‘harmônica’ (VIANNA, 1996,100 apud TOLEDO, 2004, p.6).

A questão que se apresenta é pertinente em ambos destinos de ecoturismo que este trabalho se

propõe a estudar, já que no Parque Nacional da Chapada Diamantina ainda existem

comunidades que habitam o interior da área de conservação, e que se estabeleceram nestas

áreas antes mesmo de sua criação e delimitação. No Parque Nacional da Bodoquena, a mesma

questão toca as comunidades indígenas que se originaram em tempos imemoriais. Contudo, o

escopo deste trabalho, que pretende compreender o desenvolvimento do ecoturismo em

ambos destinos, detendo seu foco nos aspectos da cadeia produtiva da atividade, não

abrangerá esta problemática com a minúcia que merece, embora reconhecidamente se

apresente como importante questão para estudos futuros. A presença e o papel das

comunidades locais serão abordados, apenas, na medida em que interagem com os diversos

atores do ecoturismo nestes destinos.

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33 OO PPrr oobbll eemm áátt ii cc oo EEccoo tt uurr ii ssmm oo ddaa CChhaappaaddaa DDiiaamm aanntt ii nnaa -- BBAA

3.1 A Região da Chapada Diamantina e sua formação histórica

3.1.1 Características físicas da região

“Diamante significa

inconquistável, indomável”

A Chapada Diamantina está localizada na Serra do Sincorá, uma fração da Serra do Espinhaço

que prolonga-se até o Estado de Minas Gerais. Sua formação geográfica abrange

aproximadamente 50 municípios. Dentre eles, apenas alguns compõem os dois circuitos

turísticos, que remontam os diferentes períodos extrativos da região: o Circuito do Ouro,

constituído pela Serra dos Barbados, e o do Diamante, Constituído pela Serra do Sincorá5.

Nestas Serras são encontradas altitudes entre 300m e 1400m acima do mar. Esta amplitude de

altitude determina a formação de relevos acidentados que desenham montanhas, canyons,

chapadões, planícies e planaltos de agressiva beleza. Na região ainda se encontram inúmeras

nascentes e uma notável capacidade de armazenamento pluvial, o que ocasiona a formação da

Bacia do Paraguaçu, uma das maiores bacias fluviais do Estado da Bahia. Os diversos rios, ao

percorrerem este relevo tão acidentado, se atiram abaixo, formado inúmeras cachoeiras,

perenes ou não, que podem chegar até a 385m de altura, como é o caso da mais famosa delas

– a Cachoeira da Fumaça.

Toda a diversidade geográfica e hidrográfica só poderiam ser enriquecidas com variadas

coberturas vegetais – que variam desde mata atlântica até cerrados, e vegetações típicas de

altitudes e penhascos –, e fauna farta, contando com aproximadamente 80 espécies diferentes

de mamíferos até médio porte, o que torna a região merecedora de contemplação (IBAMA,

2006).

As principais atividades econômicas da região atualmente são a pecuária, agricultura e

agricultura extensiva, extração de tipos minerais preciosos, como esmeraldas e diamantes, ou

não, como pedras para construção, e o ecoturismo. Este estudo volta seu foco à investigação

5 Divisão já realizada pelo PRODETUR em seus primeiros levantamentos no início da década de 1990.

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da atividade ecoturística no Circuito do Diamante, onde se encontram duas áreas de proteção

ambiental – o Parque Nacional da Chapada Diamantina e a Área de Proteção Ambiental

(APA) Marimbus-Iraquara. O Parque Nacional possui uma área de 1520 km2, e está inserido

em seis municípios: Andaraí, Ibicoara, Iraquara, Lençóis, Mucugê e Palmeiras. Na visitação a

esta unidade de proteção ambiental percorrem-se trilhas que foram abertas pelos antigos

garimpeiros, e que passaram a ser utilizadas para as atividades de trekking6.

Ilustração 2 – Localização da Região da Chapada Diamantina no Estado da Bahia.

A diversidade de relevos originada na sua formação geológica de milhões de anos, e as

demais características físicas apresentadas, fazem da Chapada Diamantina um banquete para

o voraz ecoturismo e seus apreciadores, por proporcionar um rico cardápio de atrativos

associados às diferentes práticas de esporte e contemplação. O levantamento realizado pela

BAHIATURSA (BRITO, p. 302) aponta que o circuito do diamante possui 182 atrativos

turísticos, dos quais 66% são compostos por atrativos naturais7, 18% por manifestações

6 Uma das atividades esportivas englobadas pelo ecoturismo. 7 Cachoeiras, canyons, cavernas, mirantes. 35 atrativos ainda são considerados atrativos potenciais.

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culturais, 13% por atrativos histórico-culturais, e 3% por acontecimentos programados. Os

empreendedores de ecoturismo, ao perceber a grande quantidade de atrativos da região,

celebram a existência de passeios diferentes para ocupar mais de 40 dias visitação na região,

somente no circuito do diamante (Entrevistado A).

Antes de descrever a conformação do turismo na Chapada Diamantina, diante de tão fértil

campo para inserção desta atividade econômica, e com o intuito de entender de forma mais

completa o seu desenvolvimento, é interessante para este estudo, remontar brevemente os

últimos séculos vivenciados pelas “montanhas de cristal”, e a sociedade que delas se apossou.

3.1.2 Formação social da Chapada Diamantina e o garimpo de diamantes

Uma imersão histórica no estudo da formação social da região, nos permite descobrir que o

processo de ocupação da Chapada Diamantina teve início com a descoberta de jazidas de ouro

na região do atual município de Rio de Contas, ao sul, e de ouro e esmeraldas mais ao norte,

na região de Jacobina, por volta do século XVII. À procura de novos veios auríferos,

contingentes de exploradores adentraram o relevo que chamaram de Novas Serras, mais ao

leste, região que hoje abrange o Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Serra do

Sincorá, encontrando ao invés de ouro, diamantes.

Instaladas ao longo da cadeia de montanhas, as cidades e toda a sociedade da região originou-

se entre o fim do século XVIII e início do XIX de aventureiros e de garimpeiros que fugiam

das lavras de extração de ouro de Minas Gerais à procura de gemas brutas de diamante e de

carbonados8. Além destes, também chegavam ricos comerciantes que vinham explorar os

crescentes mercados consumidores, trazendo seus escravos (SENNA, 1998, p.45). As

atividades extrativas de diamante eram muito rentáveis – durante o século XIX, o Brasil se

tornou o primeiro produtor mundial deste minério. Este fato ficou conhecido na região como

O ciclo do Diamante, e vivenciou seu auge na década de 1870. A região da Chapada tornou-

se tão importante que o Governo da Província cogitou transferir a capital do Estado para a

cidade de Lençóis, onde também já havia se instalado um vice-consulado francês.

(FERREIRA E CHAUVEL, 2003, p.4)9.

O minério encontrado na Chapada Diamantina é de origem aluviônica: este fato influencia

8 Minério muito resistente utilizado na perfuração de túneis. 9 Brito (2005) afirma não ter encontrado documentos de que realmente tenha havido um consulado francês na cidade de Lençóis.

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grandemente as formas e métodos extrativos do diamante, pois não existem veios pelos quais

o garimpeiro possa rastrear de forma lógica as melhores áreas de mineração. Sendo assim, as

gemas só podem ser garimpadas (forma aleatória, e mais incerta) e não mineradas (forma

lógica). Este é um forte componente na formação da crença na “sorte” de encontrar

diamantes, que deve ser invocada pelo garimpeiro, como afirma Senna (1998). O garimpo é

realizado separando-se uma quantidade de cascalho que deve ser lavado com a ajuda de

bateias, é através da catação que se separa os diamantes encontrados no meio do cascalho

escolhido para garimpar.

O acúmulo de riquezas pela garimpagem possibilitava aos aventureiros, no início do ciclo

extrativo, competirem com os senhores de escravos pelas serras, até que toda a região fosse

ocupada. A concorrência ficou tão forte que permitiu o surgimento de uma classe

intermediária, a dos capangueiros10: pessoas com capacidade de mobilidade rápida, e que não

disputavam as propriedades. Enquanto os capangueiros acumulavam enormes riquezas

percorrendo os garimpos, comprando as gemas e vendendo para as lapidações, restava aos

garimpeiros independentes que trabalhavam arduamente atrás da ‘grande gema’ invocar uma

sorte extraordinária, o bambúrrio11, única forma de se alcançar as desejáveis fortunas. É a

invocação do bambúrrio que vai definir a relação precisa entre o garimpo de pedras preciosas,

e o tipo de candomblé de caboclo que atua neste ambiente – o Jarê (SENNA, 1998, p.37),

formado a partir de elementos do candomblé do Recôncavo Baiano, da Umbanda Mineira, e

adaptado ao contexto da mineração de diamantes. Os curadores de Jarê eram procurados para

retirar o ‘encosto’ quando um garimpeiro passava longas temporadas sem encontrar pedras

valiosas, atribuindo sua má sorte a um ente ou a um ‘trabalho’realizado por algum outro

garimpeiro.

Os garimpeiros têm um comportamento nômade, pois passam tempos prolongados nos leitos

de rios, nos baixios ou nas grunas12 à procura das gemas13, e migram para novas regiões

quando as pedras e os rendimentos se tornam insuficientes. (SENNA, 1998, 55). Embora o

convívio de diversos garimpeiros facilitasse sua sobrevivência nas serras hostis e distantes,

gerava também uma situação em que cada indivíduo conhecia e almejava o êxito extrativista

10 Capangueiro - Comerciante de diamantes que carregava uma capanga contendo piquás (pequeno vaso onde se guarda os diamantes, originalmente feito de cipó). 11 Bambúrrio – sorte no achado de uma pedra de grande valor. Apropriadamente, a Casa Lotérica de Lençóis se chama Lotérica Bambúrrio. 12 Grunas – pequenas grutas que se originam da retirada de cascalho de baixo de grandes rochas. 13 Nomenclatura que designa os grandes diamantes em sua forma bruta. Os pequenos são denominados mosquitos.

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dos seus concorrentes, os outros garimpeiros. Assim, ao mesmo tempo em que os garimpeiros

eram companheiros ao enfrentar as dificuldades ambientais, eram competidores na busca

constante dos maiores diamantes. Isto favorecia constantes roubos nas áreas de garimpo e

disputas pelas grunas mais produtivas, já que, ao chegar na cidade, não importava ao

comprador a procedência ilícita das pedras. Cada garimpeiro trabalhava de forma individual,

pagando ao dono da terra o quinto14, e ficando com o restante dos rendimentos.

A dificuldade de sobrevivência na mata, os perigos de doenças, constantes desmoronamentos

e a ansiedade pelo enriquecimento fácil criavam um ambiente propício para afrontas pessoais,

brigas, emboscadas15. Existe uma expressão popular que caracteriza bem o tipo de lógica

competitiva que se dá nas lavras: “garimpo bom é o garimpo em que está morrendo gente”.16

As distantes regiões, que ofereciam mais rendimentos eram tão disputadas que as leis civis lá

não chegavam – cada garimpeiro estabelecia a forma de justiça vigente em seu território de

garimpagem. Através da força física ou de seu suprimento de armas defendia a própria vida e

seus diamantes. A garimpagem é, portanto, uma atividade fortemente marcada pela

individualidade (GUILLAUMON E CASADO, 2006).

Quanto ao ciclo econômico extrativista, Senna (1998) avalia que o processo migratório de

povoamento das lavras fatalmente cria uma região economicamente decadente no futuro, “a

não ser que esta economia, oriunda do garimpo, dê lugar a outra de características mais

permanentes” (SENNA, 1998, p.42). Mas ao contrário do que acreditava, a decadência da

garimpagem nas serras da Chapada Diamantina não deu lugar a atividades mais permanentes

tais como a agricultura ou criação de gado, como se pensava. A atividade que veio trazer

novas esperanças de rendimentos para a região, quase um século depois, e ancorada na

criação do Parque Nacional, foi o ecoturismo.

O autor complementa que o garimpo como construção social não cumpre o ciclo vital de

nascer, crescer e morrer, mas já nasce no apogeu e depois cai, moldando com muita ênfase

quadros sócio-culturais cristalizados que se desintegram “criando uma mentalidade

retrógrada, tanto nos que sobreviveram, como nos descendentes daqueles que viveram dias

mais movimentados”. (SENNA, 1998, p.43). O presente é uma lamentação constante do

14 corresponde à 20% da extração de diamantes. 15 A concorrência entre os garimpeiros é latente, porém não explícita, já que a dificuldade de sobrevivência nas matas exigia certo grau de convivência. 16 Observou-se o mesmo tipo de comportamento, e a mesma expressão, nos garimpos de ouro no oeste do Pará (visita de campo, 2002).

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sentimento de perda do passado, e o futuro é algo fugidio, ausente como projeto.

3.1.3 Decadência do garimpo e novas conformações sociais e econômicas

“Chapada Diamantina:

REGIÃO INDOMÁVEL!”

Com a descoberta de jazidas de diamantes na África do Sul, mais próximas da Europa, e o

esgotamento natural da produção na Chapada, a região só não entrou em colapso completo

porque, nessa região, também podiam ser encontrados depósitos de carbonatos. Os carbonatos

são um tipo de pedregulho preto ignorado pelo garimpo até o ano de 1871, e que passou a ser

valorizado com sua utilização crescente na fabricação de brocas de perfuração na Europa e na

abertura do Canal do Panamá em 1880 (BRITO, 2005, p. 89).

Já no início do século XX o carbonato perdeu sua importância e a cata de diamantes deixou de

ser lucrativa, resultando na decadência das cidades outrora ricas. Para agravar, tiveram início

as disputas territoriais entre coronéis, e em 1930, a região já não tinha liderança política,

estava economicamente arrasada e experimentava um enorme êxodo humano.

A mineração, em crise, passa a conviver, na década de 1920, com a extração de madeira das

matas que ocupavam as planícies da região. A construção da ferrovia que ligava o recôncavo

baiano à Chapada Diamantina, planejada para facilitar o escoamento de pedras preciosas,

desempenhou um importante papel para esta atividade, servindo para escoar a madeira

retirada de áreas até então intocadas. Com a derrubada da mata amplia-se o espaço ocupado

pela agricultura e pecuária. A partir da década de 1950 a extração de madeira também entra

em declínio, deixando grandes prejuízos ambientais na região (BRITO, 2005, P. 91-92).

É neste período que grandes contingentes populacionais deixam a Chapada Diamantina à

procura de outras atividades em áreas urbanas da própria Bahia, São Paulo, Paraná, e também

os garimpos de Mato Grosso deixando em seu rastro:

cidades fantasmas cujas características histórico-culturais evocavam um passado recente consubstanciado numa atividade econômica que deixava de existir, ou melhor, continuava em reduzida escala como caricatura de si própria e como testemunho da inadaptação inicial e da teimosia sonhadora daqueles atores sociais historicamente envolvidos com a mineração (BRITO, 2005, p.93).

Ainda segundo Brito, na década de 1970, quando os municípios da Chapada estavam em

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profunda crise, técnicos do Instituto Brasileiro do Café (IBC), reconhecendo as condições

edafo-climáticas da região propícias ao cultivo do café, vêem o fomento desta atividade como

alternativa econômica para a população dos municípios da região. Isto incentiva então a

dedicação daqueles proprietários de terras, herdeiros de falecidos coronéis, após um primeiro

momento de resistência à nova atividade, e também outros grupos empresariais ligados a

grupos políticos de Salvador que chegam em seguida, a adotar as atividades cafeicultoras, de

horticultura irrigada e bovinocultura, principalmente no município de Mucugê. Futuramente,

outras atividades econômicas incentivadas por projetos governamentais foram adotadas, como

o caso do turismo (BRITO, 2005, p.95).

Ainda na mesma década, com a implantação de rodovias federais como a BR 24217, e

estaduais, já na década de 90, as atividades produtivas passam por um processo de

modernização (ex: irrigação em pivôs) e adquirem escalas industriais. Isto acaba promovendo

novas conformações sociais nos diversos municípios da Chapada Diamantina (BRITO, 2005,

p. 95). Uma das transformações sociais comum à maioria das cidades do entorno do Parque

Nacional é o crescimento da população urbana, acompanhado pelo decrescimento da

população rural, conforme Tabela 7. Este elemento da conformação social da Chapada

Diamantina é também o cenário no qual o ecoturismo se conformou como atividade

econômica na região.

Tabela 7 – População residente nos municípios da Chapada Diamantina - 1980, 1991, 2000.

Municípios 1980 1991 2000

Urbana Rural Urbana rural urbana rural

Andaraí 4.151 17.849 5.825 8.460 7.166 6.718

Lençóis 2.604 3.036 3.481 4.103 6.395 2.525

Mucugê 1.325 5.219 2.230 8.104 3.317 10.365

Palmeiras 2.656 3.965 3.600 3.542 3.999 3.519

Total 69.563 300.542 130.874 348.605 182.999 321.541

Fonte: Censo Demográfico, Brito, 2005. 17 A BR 242 é uma importante via rodoviária que conecta a Chapada Diamantina com o oeste baiano e o planalto central do país.

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3.2 O surgimento do turismo

O Parque Nacional da Chapada Diamantina foi criado através do Decreto Federal No. 91.655,

em Setembro de 1985 com o objetivo de proteger o ecossistema da Serra do Sincorá,

assegurando a preservação dos recursos naturais, proporcionando oportunidades para seu uso

público, para educação, pesquisa científica, bem como “preservando sítios e estruturas de

interesse histórico-culturais existentes na área” (BRASIL apud BRITO, 2005, p.165). O

Parque Nacional é administrado pelo Governo Federal, através do IBAMA, constituindo um

Bem da União destinado ao uso público.

Com a criação do Parque Nacional, a atividade de garimpo que vicejara durante dois séculos

na região foi proibida em 1985, porém, estendeu-se por mais uma década em sua versão

mecanizada18 no entorno do Parque, ao longo dos rios que constituem a Bacia do Paraguaçu,

causando grandes prejuízos ambientais. O garimpo mecanizado, outrora saudado com

entusiasmo pelos poderes municipais e pela população local, foi desaprovado, pois trazia

novas ameaças de invasão na área do Parque para garimpagem, o que geraria ainda danos aos

recursos hídricos. A desaprovação se fortaleceu com a adesão dos ainda poucos empresários

de turismo aos segmentos ligados à defesa do meio-ambiente.

Assim, foi preciso o fortalecimento dos movimentos ambientalistas para que os governos

estadual e federal intervissem de maneira mais efetiva através do Centro de Recursos

Ambientais (CRA), do IBAMA e da Polícia Federal, embargando em 1996 toda a atividade de

garimpo na região, por tempo indeterminado “numa operação conjunta que culminou com o

fechamento de 103 dragas” (BRITO, 2005). Com a concretização deste processo, e a

conscientização em torno da questão ambiental, a região passou a depositar expectativas no

desenvolvimento das atividades de turismo, dado o seu potencial ecológico. Conforme

mencionado anteriormente, a própria condição de Parque Nacional já tornava a região

propensa à atividade ecoturística. A cidade de Lençóis se destaca neste novo contexto.

3.2.1 Nasce o trade19 turístico da Chapada Diamantina

No ano de 1961 o turismo já despontava como uma alternativa econômica à decadência da

atividade de extração mineral, depois de tentativas fracassadas com a agricultura. Neste ano

18 Garimpo de dragas. 19 A denominação ‘trade’ será utilizada, neste estudo, para designar o conjunto de atores ligados à cadeia produtiva do ecoturismo, como as operadoras e agências de turismo, hotéis, restaurantes, atrativos turísticos, assim como pelos prestadores de serviços complementares ao turismo (lavanderias, fretamentos etc.).

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foi criado o Conselho Municipal de Turismo de Lençóis, ainda como uma proposta muito

adiantada para a época, visto que a principal via de acesso, a BR 242 ainda não existia.

A partir de 1974 o Governo do Estado sinaliza a descentralização do turismo do recôncavo

baiano, deslocando para a Chapada Diamantina uma equipe técnica ligada à Empresa de

Turismo da Bahia S/A (BAHIATURSA) para realizar um levantamento do potencial turístico

dos municípios de Lençóis, Mucugê e Andaraí, analisando as principais atividades

econômicas, e fazendo um levantamento do artesanato, das manifestações culturais e dos

principais casarões destes municípios (BRITO, 2005, p.124). Estes estudos subsidiaram a

aquisição pelo Governo do Estado de um casarão para a construção do primeiro

empreendimento hoteleiro da região, a Pousada de Lençóis, inaugurada em 1979. Prevista

inicialmente para as margens da BR 242, foi transferida para o centro de Lençóis graças à

intervenção do Prefeito junto à EMTUR20. O fato de o setor público participar diretamente na

expansão da rede hoteleira no interior da Bahia, como com a compra do casarão em Lençóis21,

se adere ao contexto do turismo no Brasil ao longo das décadas de 60 e 70, tratado em

capítulo anterior, em que o Estado financia e detém participação acionária em novos

segmentos econômicos, que deixam de ser atividades exclusivamente privadas.

Posteriormente, na década de 1990, num novo contexto, o Estado vende propriedades como

esta. Na época desta aquisição estatal, a cidade de Lençóis contava ainda com apenas duas

pensões.

O tombamento arquitetônico da cidade de Lençóis ainda na década anterior, em 1973,

também contribuiu para a implantação do turismo. Mais tarde, os relatos de visitantes; as

veiculações em meios de comunicação em massa; e ações governamentais para dotar a região

de infra-estrutura turística “promovem a intensificação desta atividade na Chapada

Diamantina que passa a se constituir num destino procurado por turistas de todo Brasil e, em

menor medida, também pelos estrangeiros” (BRITO, 2005, p.130).

Temos assim, ao final da década de 1980, uma cidade que desperta para o turismo

enfrentando ainda comportamentos reativos tanto das famílias locais, habituadas a mandar há

várias gerações, como de habitantes tradicionalmente ligados ao garimpo, ainda pouco

familiarizados com a nova atividade econômica. (BRITO, 2005, p.126).

20 Empreendimentos Turísticos da Bahia S.A. - Órgão de apoio à BAHIATURSA criado em 1976 incumbido da implementação do processo de interiorização do turismo na Bahia. 21 Em Rio de Contas, outro casarão, que se tornou a Pousada Rio de Contas, também é adquirido pelo Estado, neste mesmo momento histórico.

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3.3 A difícil consolidação do ecoturismo na Chapada Diamantina

O diamante é o símbolo

da longevidade:

LONGEVIDADE INCONQUISTÁVEL!”

Com o crescimento da consciência em torno da questão ambiental, a criação do Parque

Nacional, e o tombamento arquitetônico de algumas cidades, a região Diamantina, dado o seu

potencial, inicia a década de 90 depositando grandes expectativas no desenvolvimento das

atividades de ecoturismo. Também é nesta década que o turismo assume o status de atividade

econômica prioritária na Bahia. Essa nova importância dada ao setor decorrerá de estudos

realizados entre 1995 e 1999 que apontavam um fluxo de 1,8 milhões de turistas para a região

Nordeste, sendo aproximadamente 95% de origem doméstica, e 51,7% da própria região.

Além disto, a participação do Brasil no mercado de turismo internacional era percebida como

muito pequena, em torno de 0,3% do total no ano de 1998 evidenciando a existência de um

vasto mercado ainda a ser conquistado (ALBAN e GUILLAUMON, 2006).

Para a realização deste potencial turístico do Estado, em 1995 cria-se através da Lei no.

6.812/1995 no aparato governamental a Secretaria de Cultura e Turismo (SCT), com a

“finalidade de executar a política governamental destinada a apoiar a cultura, preservar a

memória e o patrimônio cultural do Estado e promover o desenvolvimento do turismo e do

lazer” (SCT, 2005). Esta instituição passa a desenvolver uma série de estudos e planos para o

setor, identificando nos diagnósticos do turismo baiano, tanto o aquecimento da demanda por

roteiros na Chapada Diamantina, quanto a precariedade da infra-estrutura rodoviária de acesso

a essa região.

Frente a esse quadro, e principalmente considerando a existência de grandes mercados

potenciais externos à Bahia, pareceu evidente a SCT que a implantação de um aeroporto na

Chapada Diamantina, replicando o que ocorria em outros destinos da Bahia e do Nordeste

Brasileiro, seria o caminho natural para o desenvolvimento do turismo na região. Assim, para

evidenciar as dificuldades enfrentadas na consolidação do turismo a partir das medidas

adotadas ao longo da década de 1990 na Chapada Diamantina, e suas atuais implicações para

o ecoturismo, apresenta-se o PRODETUR I, programa federal em cujo âmbito realizaram-se

expressivos investimentos públicos neste destino.

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3.3.1 O PRODETUR I: 1995 - 2001

Ao início da década de 1990, quando o Brasil se encontrava em meio a uma forte crise, a

experiência de outros países apontava a atividade do turismo como uma possível solução para

enfrentar as desigualdades sociais e a retração econômica, impulsionando o desenvolvimento

de regiões como o nordeste brasileiro. Em 1994 foi assinado pelo Presidente da República e

do BID o acordo que instituía o Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste

(PRODETUR/NE), prevendo um aporte de recursos equivalentes a US$ 1,5 bilhão. Segundo

Queiroz:

O programa tinha como diretriz estratégica criar ou consolidar pólos e corredores turísticos, nos quais os investimentos públicos em infra-estrutura atuariam como propulsores das inversões privadas em equipamentos e serviços (QUEIROZ, 2005, p.407-408).

O projeto se dividiu em duas etapas, e previa recursos por volta de US$ 800 milhões e US$

700 milhões em cada uma, respectivamente, promovendo uma reestruturação da economia

turística da região nordestina. Dadas as dificuldades conjunturais mencionadas, e os requisitos

estabelecidos pelo agente financiador, apenas nos últimos anos da década de 1990 é que todos

os estados da região conseguiram finalizar a elaboração de seus planos de desenvolvimento

turístico, incorporando-se finalmente ao PRODETUR.

Na Bahia, o Programa de Desenvolvimento Turístico foi desenvolvido pelo Governo do

Estado, que contratou para tanto, através de licitação pública, duas empresas de consultoria

que ficaram sob responsabilidade da BAHIATURSA. (QUEIROZ, 2005, p.409). O Plano da

Bahia, concluído em 1992, adotava a estratégia da criação de Centros Turísticos Integrados,

que englobariam tanto o litoral baiano, como o interior, onde fosse constatado alto potencial

de recursos naturais, e qualidades cênicas com capacidade de atração do turismo internacional

(SCT, 2005).

Segundo Rodrigues (2001, p.151 apud QUEIROZ, 2005, p.410), embora não tenha se

vinculado ao plano federal, o PRODETUR seguiu fielmente as diretrizes do Plano Nacional

de Turismo (PLANTUR)22, o que consistiu na divisão do estado em zonas turísticas, e nas

seguintes considerações:

22 O PLANTUR foi desenvolvido pela EMBRATUR para vigorar entre 1992 e 1994, com objetivo de ordenar as ações do setor público e ser referencial para o setor privado. Recomendou que se canalizassem esforços para identificação de pólos turísticos que teriam prioridade de investimentos e concentrariam a oferta de serviços.

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em linhas gerais, o PRODETUR parte do pressuposto de que o turismo é uma espécie de vocação natural, não só do Nordeste como de todo o Brasil, dadas as grandes riquezas naturais e culturais do país. Neste sentido, bastaria desenvolver a infra-estrutura de transportes e apoio urbano para que o setor se desenvolvesse, atraindo empresários e turistas de outras regiões (ALBAN e GUILLAUMON, 2006).

Rodrigues (2001, p.151 apud QUEIROZ, 2005) critica a falta de coerência interna do

programa, e sua desarticulação com outros setores econômicos, não havendo ainda a

preocupação com a ordenação e gestão do território, e não tendo identificado um interesse

pela estruturação de formas e ações em nível espacial. Esta crítica é ressonância da

perspectiva que o campo teórico da geografia adota sobre o turismo, que, como visto

anteriormente, trata do desenvolvimento turístico, e não do desenvolvimento do turismo como

atividade econômica.

Tabela 8 – Distribuição dos investimentos do PRODETUR no Estado da Bahia.

Natureza do investimento Valor em US$ milhões

Implantação e melhoria de Aeroportos 122,8

Implantação e melhoria de estradas 51,5

Redes de saneamento 46,5

Recuperação de patrimônio histórico 10,3

Preservação do meio ambiente 5,9

Total 237,0

Fonte: PRODETUR

Prosseguindo com a apresentação do PRODETUR, temos que em sua primeira fase, este

programa investiu de fato cerca de US$ 630 milhões no nordeste. Os projetos contemplados

no Estado da Bahia representaram aproximadamente 37% dos recursos disponibilizados para

toda região Nordeste, e foram repassados através do Banco do Nordeste. Por possuir uma

aguerrida estrutura de planejamento voltada para o setor, e também por ser o maior estado da

região, a Bahia acabou ficando com a maior parcela dos recursos do PRODETUR. Como se

observa na Tabela 8, entre 1991 e 1999 foram realizados cerca de US$ 237 milhões em

investimentos de infra-estrutura de apoio ao turismo. Desse total, 51,8%, foram destinados à

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implantação e melhoria dos aeroportos23 (ALBAN e GUILLAUMON, 2006).

A partir de 1996 o programa ganhou dinamismo, pois passou a integrar o elenco de projetos

prioritários do Governo Federal. “Outro fator relevante foi a entrada do BNDES aportando

recursos para contrapartida dos estados e municípios nos financiamentos”, cuja participação

no programa foi da ordem de R$ 110 milhões (PRODETUR, 2005). Dentre os projetos

incluídos no PRODETUR/BA, o mais expressivo nesta primeira fase foi o Complexo

Turístico de Sauípe (BANCO DO NORDESTE, 2005).

3.3.2 O PRODETUR na Chapada Diamantina

Como o potencial turístico da Chapada já despertava os interesses do Governo do Estado,

antes mesmo de sua inclusão entre os destinos prioritários do PRODETUR, já haviam sido

investidos entre 1991 e 1994 aproximadamente R$ 12 milhões no destino através de fontes de

financiamento como o BNDES, Governo Federal, Caixa Econômica Federal, Banco Mundial,

e Fundo Geral de Turismo – FUNGETUR (SCT, 2005).

Diversos diagnósticos favoreciam a crença no potencial turístico da Chapada Diamantina, o

que levou a inclusão deste destino no PRODETUR/BA. Os estudos que indicavam a

existência de um mercado internacional a ser atraído para o Nordeste, apontaram também que,

conseqüentemente, este fluxo traria visitantes para os diversos pólos turísticos da Bahia. Além

deste mercado a ser conquistado, foi identificado na Chapada um aumento na utilização de

casas de moradores como forma de alojamento, já que existiam somente duas pousadas em

Lençóis, e poucas outras nos municípios em torno do Parque Nacional. Este fato foi

interpretado como um indicador de escassez de meios de hospedagem e aquecimento da

demanda pelo destino. O PRODETUR considerou também que:

para estimular o crescimento do turismo, é necessário que o custo de transporte e hospedagem seja compatível com o poder aquisitivo do público-alvo do programa. No caso do nosso país, devido à distância continental, é nítida a vantagem do transporte aéreo para o deslocamento dos visitantes (PRODETUR, 1999).

No caso da Chapada Diamantina, localizada na porção central da Bahia, esta idéia reforçava a

percepção da necessidade de investimentos em infra-estrutura de acesso. As longas distâncias

que separam a Chapada Diamantina do litoral pareciam intransponíveis pela precariedade em

que as estradas de acesso se apresentaram. Articulada ao litoral através da BR 242, que 23 É nesse volume de recursos que se insere o Aeroporto Coronel Horácio de Matos, localizado no município de Lençóis, na Chapada Diamantina.

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interliga Salvador a Brasília, a Chapada Diamantina, sofria os dissabores do intenso tráfego

do escoamento dos grãos produzidos no oeste do estado, comportando um grande fluxo de

veículos pesados, para o qual não tinha e ainda não tem uma estrutura adequada, quanto mais

manutenção, deteriorando-se rapidamente.

Por fim, no final da década de 1990, tanto as operadoras locais como as principais operadoras

sediadas em grandes centros emissores, como São Paulo, comemoravam o crescimento de

vendas de roteiros combinados pela Chapada Diamantina. Auxiliadas pela situação cambial

de 1999, o mercado de turismo retomou o crescimento, sobretudo nos segmentos doméstico e

regional (BANCO DO NORDESTE, 2005).

Frente a um aquecimento de mercado, à precariedade das vias de acesso, aos estudos que

apontavam uma escassez de meios de hospedagem, ao potencial de demanda internacional, e

aos pressupostos do PRODETUR de que o turismo é uma vocação natural do país, pareceu,

então, óbvio que a Chapada Diamantina deveria receber investimentos do programa, e

comportar um aeroporto. O PRODETUR inicia assim, no ano de 1995, suas atividades neste

destino, (ver Tabela 9) com o objetivo de desenvolver e consolidar a atividade garantindo

alternativas de sustentabilidade através de macro-estratégias de atuação previamente definidas

(BNDES, 1999).

Tabela 9 – Investimentos do PRODETUR previstos para a Chapada Diamantina no período de 1994 – 2000

Natureza do investimento Valor em US$ milhões

Transportes 31,0

Saneamento e infra-estrutura 8,4

Meio ambiente 2,3

Urbanização e equipamentos urbanos 1,5

Energia elétrica 1,0

Telecomunicações 0,23

Total 44,43

Fonte: BRITO (2005, p.150)

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Dos recursos alocados para a Chapada Diamantina nesta fase, os investimentos mais

expressivos do PRODETUR incidiram na construção do aeroporto de Lençóis

(BAHIAINVEST, 2005). Segundo Brito (2005, p.150), o PRODETUR investiu efetivamente

na região da Chapada US$ 7.538.635,88, o que equivale a 17% dos US$ 44 milhões previstos

para a Chapada, o que se justificou pela canalização prioritária dos recursos para a Costa do

Descobrimento. Sobre este ponto, Queiroz (2005) elucida que o BID reagiu contra uma

possível pulverização dos recursos públicos com a definição de zonas turísticas, defendendo

uma maior concentração dos recursos em uma única região. Como a Costa do Descobrimento

já tinha um fluxo turístico mais expressivo, altos índices de crescimento, e uma série de

carências infra-estruturais, pareceu mais coerente canalizar recursos para esta área

preservando assim o valioso patrimônio natural, do que em localidades pouco exploradas

turisticamente (QUEIROZ, 2005, p.413). Esta decisão se tornou ainda mais legítima com a

aproximação das comemorações dos 500 anos de descobrimento, que possibilitava

repercussões do programa na mídia nacional e internacional.

3.3.3 A implantação do aeroporto e o crescimento do trade.

Como visto, a implantação do Aeroporto na Chapada Diamantina não foi um processo

isolado. Ao contrário, ela se insere no conjunto de uma série de projetos que compõem o

Programa de Infra-estrutura para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste: o

PRODETUR/NE (ALBAN e GUILLAUMON, 2006). Seu mais expressivo investimento na

Chapada Diamantina se concretizou com um montante de R$ 8.489.823 no aeroporto Coronel

Horácio de Matos, finalizado em 1998. Este aeroporto possui uma estrutura moderna que

permite o pouso e decolagem de aeronaves tipo Boeing 737, possibilitando, dessa maneira,

tanto o estabelecimento de vôos comerciais regulares quanto de vôos charters de grande

porte. Assim, com o aeroporto tornava-se possível acessar os grandes mercados de turistas e

ecoturistas de maior poder aquisitivo de todo o mundo.

Passada a década de 1990, e com a implementação do Aeroporto, vários novos empresários

foram atraídos para a região. Ocorreu assim, uma rápida ampliação no trade turístico nos

últimos três anos desta década: a cidade de Lençóis, que originalmente contava apenas com

duas pousadas bem estruturadas e algumas pensões, passa a apresentar um expressivo trade

turístico marcado por grandes empreendimentos hoteleiros de alto padrão. Ao todo, a

Chapada Diamantina termina esta década contando com sete hotéis, 45 pousadas e 18

agências de turismo, apenas no município de Lençóis, que recebeu o impacto direto da

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chegada do aeroporto, e já era o portal de entrada do turismo na região desde o início desta

década. Incluindo-se as hospedagens alternativas,24 foram criados cerca de 3500 novos leitos.

Além disto, a cidade atraiu pequenos empreendedores de outras regiões do Brasil:

aumentavam, além das opções de hospedagem, os restaurantes, as operadoras de turismo, e

prestadores de serviços variados, como se observa na Tabela 10.

Tabela 10 – Principais estabelecimentos comerciais associados às atividades turísticas em Lençóis, em 2005.

Estabelecimentos comerciais Número

Bares 57

Meios de hospedagem (hotéis e pousadas) 52

Restaurantes, Lanchonetes, Docerias e Sorveterias 32

Agências de turismo 18

Casas de Massagem terapêutica 04

Campings 04

Lavanderias 02

Locadora de veículos 01

Fonte: Guia de Produtos e Serviços de Lençóis, 2000; BRITO, 2005.

Sem dúvida, conforme previsto pelo PRODETUR, com o aeroporto houve uma forte

expansão na capacidade de oferta turística da região. Como vimos, é ao longo da década de

1990 que o ecoturismo, que surgia ainda na década anterior atrelado à formação do Parque

Nacional, estrutura-se e consolida-se através dos incentivos recebidos pelo PRODETUR/BA,

tornando a Chapada Diamantina um dos destinos de ecoturismo mais promissores no Estado,

fato acentuado por ser um turismo alternativo ao de sol e praia, mais disseminado no mercado

turístico baiano.

24 Consistem em casas recuperadas ou construídas para aluguel e quartos disponibilizados em casas de famílias.

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3.4 A estrutura atual, física e institucional, e seu desempenho

“Existe o mito da trindade

DIAMANTE, HOMEM, ESTRELA”

Chegado o ano de 2000, e ao longo dos cinco anos que se seguiram, o trade turístico que

havia se consolidado na década anterior adquire características particulares. É neste novo

período, marcado por mudanças contextuais no segmento turístico, como a nova

desvalorização do dólar aquecendo o mercado para destinos internacionais em detrimento dos

nacionais (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2003), que o ecoturismo na Chapada Diamantina

transparece fragilidades25. Para compreender estas fragilidades apresentam-se alguns

elementos que caracterizam a atividade de ecoturismo na região. Inicialmente aborda-se o

trade turístico e sua dinâmica de funcionamento, para em seguida entender a especificidade

da operação ecoturística no destino, e por fim sua interação com os diversos atrativos,

pri7ncipalmente o Parque Nacional.

3.4.1 O Trade turístico da Chapada Diamantina: os novos garimpeiros e lapidadores

O município de Lençóis concentra a maior parte do trade turístico da Chapada Diamantina,

quando comparado aos outros cinco municípios que fazem fronteiras com o Parque Nacional,

possuindo uma estrutura receptiva ampla e diversificada. Está localizado a apenas 22km do

aeroporto local e possui acesso rodoviário até seu centro urbano. Embora se localize na

porção mais ao norte do parque, o que torna o acesso à maioria dos atrativos em longos

percursos, é nesta cidade que são oferecidas as mais diversas opções de roteiros turísticos, e

dela eflue a grande maioria dos passeios.

Outras cidades que despertaram para o turismo, embora como uma atividade complementar,

ao contrário de Lençóis, e apresentam uma estrutura ecoturística mais incipiente são: Andaraí

(onde se localiza a vila de Igatú), Mucugê (que abrange o Guiné), Ibicoara, e Iraquara. Na

cidade de Palmeiras, onde se encontra a cachoeira mais visitada, a da Fumaça, inexistem

pousadas e agências. Entretanto, é a ela que pertence o distrito do Vale do Capão, localizado a

aproximadamente 20 km, com percurso obrigatório por uma estrada não pavimentada

partindo do centro urbano de Palmeiras. O Vale do Capão é uma das vilas mais visitadas da

25 O trecho que segue está fortemente embasado em pesquisas de campo realizadas ao longo de 2005 e 2006.

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Chapada e possui uma ampla estrutura receptiva, com diversas formas de hospedagens e

serviços de guias. Semelhante à Palmeiras, o município de Itaetê, onde se localiza o Poço

Encantado, outro ícone da Chapada, não se voltou para o turismo, sendo que para a visita do

atrativo nem sequer é necessário adentrar sua área urbana.

Assim, como é realmente Lençóis a cidade que mais se voltou para o ecoturismo como

principal atividade econômica, é por ela que o visitante procura como ponto de partida ao

pretender conhecer a região. A primazia de Lençóis no cenário ecoturístico da Chapada

Diamantina se deve em grande medida às reduzidas possibilidades de atividades econômicas

alternativas ao garimpo, ao contrário do que aconteceu nas outras cidades no entorno do

Parque, onde a agricultura foi uma atividade substituta mais imediata à decadência do

garimpo. Além disto, foi na cidade de Lençóis que tiveram origem os grupos ambientalistas e

onde se fortaleceram os movimentos em favor da criação do parque nacional.

Chegando em Lençóis, o ecoturista rapidamente se depara com uma diversidade de agências,

meios de hospedagem, e opções de alimentação. Na percepção de grande parte dos visitantes,

os Lençoenses, e todas as pessoas com quem interage durante sua viagem, são receptivos,

atenciosos e profundos conhecedores da região, além de possuidores de sorte grande por

habitarem lugar tão maravilhoso. Embora esta percepção reflita aspectos verdadeiros, tratam-

se apenas de algumas das características que descrevem o conjunto de atores que fazem parte

da rede de prestadores de serviços turísticos na região. As outras, destoam levemente da

percepção dos ecoturistas embriagados com tanta beleza natural.

Se o número de estabelecimentos comerciais ligados ao turismo cresceu com a

implementação do aeroporto, e já era significativo no fim da década passada, este número

aumenta ainda mais durante os anos que seguiram26. O porte que o trade adquiriu ao longo

dos últimos anos resultou no acirramento da concorrência dos seus diversos atores pelos

consumidores, os ecoturistas. A região, assim como o turismo de maneira geral, está

submetida à sazonalidade da atividade, e os atores do ecoturismo contam apenas com curtos

períodos de alta estação para trabalhar com capacidade máxima. Durante todo os outros meses

do ano, são em menor número os visitantes que chegam à região, e, portanto, a grande

quantidade de ofertantes de serviços turísticos entra em uma forte competição para otimizar

suas vendas.

26 Em 2005 haviam 66 meios de hospedagem e 22 operadoras locais de ecoturismo (Pesquisa de campo, entrevistado D).

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Neste processo evidenciam-se dois tipos de mercado. O primeiro deles engloba as operadoras

de ecoturismo e os meios de hospedagem que se restringem ao mercado local. Este mercado é

composto por turistas que viajam de forma independente, e chegam à região sem

agendamento prévio de passeios ou hospedagens. A maioria destes visitantes chega de ônibus

ou carros particulares, e procura os serviços turísticos de acordo com a disponibilidade

momentânea. Quanto às operadoras que se inserem nesta primeira dinâmica, o entrevistado D

comenta que “não há empresas, há garimpeiros do turismo”, estabelecendo uma analogia

entre a competição acirrada que existia no garimpo extrativo de Diamantes e a competição

entre as agências locais, “e, com o impacto das baixas estações, o risco de fechamento de

agências e demais empreendimentos da cadeia se torna iminente. Muitas já abriram e

fecharam portas por aqui” (entrevistado D).

Já numa dinâmica de mercado diferente, estão aquelas operadoras locais que trabalham em

parcerias com operadoras localizadas nos grandes pólos emissivos, como São Paulo e Rio de

Janeiro27. Estas são as agências que recebem prioritariamente grupos de pessoas que reservam

pacotes combinados de passeios e hospedagens com antecedência. Assim, não competem

diretamente com as agências que dependem exclusivamente dos turistas independentes, pois

tem suas atividades garantidas pelas vendas das operadoras maiores.

Nesta segunda dinâmica haviam, no ano 2000, três operadoras locais que trabalhavam

exclusivamente ou prioritariamente para operadoras do sudeste Brasileiro: A Terra Chapada

(agência local) que recebia os passageiros da Venturas & Aventuras (agência paulista); a

Explorer que recebia os passageiros da Multistar (fusão da Multitravel com a Starshine); e a

Pé de Trilha, parceira da Freeway (operadora paulista). A Venturas & Aventuras, em conjunto

com a Multistar, realizaram a partir de 2000 o fretamento de aeronaves da Pantanal para

operar vôos diretos de São Paulo à Lençóis. Por volta de 2002, a Ecotrekking passou a receber

os turistas da CVC, e a Luck Adventure (operadora nordestina com forte atuação em

Fernando de Noronha) criou um receptivo local próprio.

O principal objetivo destas parcerias era de assegurar a qualidade na operação dos roteiros

vendidos, já que têm uma duração aproximada de uma semana e envolvem uma complexa

dinâmica que engloba fretes específicos, lanches de trilha, guias qualificados, pagamento de

taxas, manutenção e segurança nas trilhas, hospedagens em variadas cidades, deslocamento 27 Estes são pólos emissivos bastante representativos, entretanto, Belo Horizonte, Curitiba, dentre outras capitais brasileiras também estão aumentando sua participação como pólos emissivos no cenário nacional de ecoturismo (entrevistados B e C).

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aéreo etc.; bem como reduzir os riscos de não encontrar disponibilidade de todos estes

serviços durante as altas estações, na qualidade esperada.

Por volta do ano 2000 começam a surgir desavenças de diversas naturezas nestas parcerias. O

entrevistado B, sócio de uma das operadoras de ecoturismo sediadas em SP, aponta um dos

problemas enfrentados em sua parceria: a agência receptiva de Lençóis se recusava a dividir o

risco de vendas com o parceiro, ou seja, cobrava preços variáveis de acordo com o número de

passageiros enviados em cada grupo, nunca incorrendo em prejuízos operacionais locais.

Acontece que durante os períodos de baixa estação, quando o número de passageiros não

atingia o mínimo para se obter lucro operacional28, todo o prejuízo ficava com a matriz de São

Paulo, o que desmotivava o direcionamento das vendas de pacotes para este destino, já que

era mais vantajoso direcionar as vendas de pacotes combinados para outros destinos

brasileiros em que já haviam se formado grupos maiores. Este não foi um caso isolado de

apenas uma destas operadoras.

Entre o ano de 2001 e 2006, todas as operadoras citadas acima romperam suas parcerias

iniciais, ocasionando uma reorganização no cenário de operadoras de ecoturismo na Chapada

Diamantina. Excluindo-se as operadoras locais que saíram do mercado, as outras, que antes

recebiam grupos exclusivos, passaram para a lógica de competição no mercado local, descrito

na primeira dinâmica apresentada. Em 2004 extingue-se também o fretamento compartilhado

dos vôos da Pantanal.

Algumas novas iniciativas de coordenação do grande trade turístico surgiram nos últimos

anos. Uma delas foi a criação da Associação de Empreendedores do Turismo – ASSET.

Atualmente, contudo, como o pagamento de uma contribuição mensal é condição necessária

para a participação na ASSET, ela conta com apenas 3 associados, justamente os

componentes do conselho administrativo, o que inviabiliza totalmente a possibilidade da

associação atuar para realização de seus objetivos.

Outra tentativa de articulação entre os diversos atores do trade turístico foi a criação mais

recente do grupo que se autodenominou G-11, por ter sido constituído inicialmente por onze

agências de turismo locais. Estas, ao perceberem as grandes dificuldades que a atividade

turística enfrentava, principalmente a escassez de visitantes na baixa estação, decidem se

articular em uma cooperativa no ano de 2005. Todas as agências foram convidadas a fazer 28 Isto se deve ao sistema de preços adotado pelas operadoras turísticas, em que se adotam bases medias de passageiros para estimar custos e estabelecer preços de mercado.

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parte da cooperativa, mas apenas 11 aderiram ao projeto inicialmente. Como os turistas eram

poucos, e ainda se dividiam entre as agências competidoras, implicando em saídas de carros

quase vazios para os passeios, a rentabilidade das agências ficava comprometida. Assim,

decidem criar uma central de vendas para agrupar os diversos ecoturistas que compram

pacotes em cada uma das agências cooperadas. Evitava-se parcialmente a dispersão dos

poucos visitantes. Além disto, a cooperativa organizou um revezamento de carros, e estipulou

um rateio de custos e lucros. Aquelas agências que desrespeitaram as regras estabelecidas

pelo grupo foram banidas, e logo ensaiaram a formação de um novo grupo competidor. O

entrevistado E satiriza que “o G11 atualmente já se tornou G7, e pelo andamento que tomou,

logo será G1”. Tem-se aqui mais um exemplo da falta de coesão do trade turístico de Lençóis.

O evento mais recente ocorrido no ano de 2007, foi a visita do Secretário de Turismo Estadual

à Lençóis - o primeiro compromisso assumido em seu mandato, após escolher a visita a esta

cidade entre 167 solicitações de visita a outros municípios. Na tentativa de operacionalizar um

vôo ligando Salvador ao aeroporto de Lençóis, e pleiteando desta vez o apoio de órgãos

públicos, o trade organiza um encontro com seus representantes, representantes do poder

público, e o secretário estadual. No dia do encontro, o prefeito da cidade, o secretário de

turismo do município, e alguns atores do trade fortemente ligados ao partido da situação,

simplesmente não comparecem para receber o secretário estadual, por discordarem do apoio

estadual à organizações privadas que tentavam implementar o vôo já suspenso há mais de seis

meses. Vexame que veio reforçar, como se houvesse necessidade, a falta de articulação

interna entre trade e poder público, e dentro do próprio trade.

3.4.2 Os atrativos turísticos: os diamantes.

Se um dos elementos da cadeia produtiva do turismo é constituído pelo trade turístico, outro

elemento é composto pelos atrativos – uma analogia aos insumos de outras cadeias

produtivas. A maioria dos atrativos está localizada dentro do Parque Nacional da Chapada

Diamantina. É o caso da Cachoeira do Sossego, Ribeirão do Meio e Rio Serrano (a partir de

Lençóis), Cachoeira do Ramalho (Andaraí), Rampa do Caim (Igatú), Cachoeira da Fumaça

(Palmeiras) – todos estes com visitação praticável em um dia.

Os trekkings com duração de mais de um dia tem grande procura nesta unidade de

conservação, com seu principal “diamante” representado pelo Vale do Pati: um percurso de 3

a 6 dias, com opção de acampamento ou hospedagem em casas de nativos que habitam o vale

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desde tempos remotos. A observação da fauna e flora, e das formações geológicas são

abrilhantadas com a grande surpresa deste trekking, que é a possibilidade de conviver com as

famílias que habitam o interior do parque, e que ainda não vivenciaram a presença de energia

elétrica ou água encanada no vale, levando os visitantes a relativizar a atribulada rotina das

cidades. Segundo Brito, (2005, p. 205) se por um lado a falta de energia elétrica reforça o

“primitivismo”, por outro restringe as opções noturnas, condicionando moradores e andarilhos

a dormirem pouco depois das 20hs, e acordarem “com as galinhas”. Obviamente, no caso dos

andarilhos, os longos percursos diários, às vezes com mais de 15 km, e em terrenos

acidentados, é que os obrigam ao sono antecipado.

Os moradores do Vale do Pati revertem os ganhos obtidos com o ecoturismo na melhoria das

estruturas de acomodação em suas próprias casas para acolher os turistas. Trazem colchões e

camas, – tudo no lombo das mulas, único meio de transporte possível dentro do vale –, e

constroem fossas sanitárias. Cumpridos os extensos trechos de trekking, os caminhantes,

famintos, são recebidos pelos patizeiros com aquela galinha caipira no fogão à lenha, carne de

sol e “Feijão Tropeiro” – refeições que vão embalar os sonhos dos que se presenteiam com

esta árdua caminhada.

As famílias que habitam o parque, antes dedicadas à plantação de subsistência, vão trocar as

queimadas para preparação de roças, o desmatamento e a caça às onças, por atividades

correlatas ao turismo, estruturando suas casas para acolher os hóspedes, encontrando uma

nova forma de obter renda, já que as atividades anteriores foram proibidas. Estas famílias

encontram-se em situação irregular dentro do parque nacional, vez que o Plano de Manejo

ainda não foi finalizado (até o ano de 2006).

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Ilustração 3 – O destino da Chapada Diamantina e seus atrativos.

Outra grande preciosidade no Vale do Pati, para os que têm fôlego, é a escalada ao Morro do

castelo, com pernoite na gigantesca gruta que se localiza perto do topo do morro. A vista de lá

de cima é uma dádiva. Contudo, a constante freqüentação a este frágil ambiente, tem trazido

graves problemas de degradação. Ocorre que após a caminhada, o banho na pequena nascente

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da gruta, e única fonte de água lá no alto, gera grande impacto ambiental. Além disto, a

necessidade de se fazer fogueiras para cozinhar e aquecer a noite, tem implicado no corte de

árvores e arbustos do topo do morro, já que nem sempre se encontram galhos secos pelo chão,

aumentando ainda mais a degradação ambiental. Segundo relato dos entrevistados B e G, a

virada do ano na gruta é uma grande pedida turística, e já levou mais de 100 pessoas para o

local, número que naturalmente fez com que a natureza lá, tivesse que tomar novo fôlego. A

visitação a este atrativo, assim como a todos outros do parque, não está regulamentada, e não

tem fiscalização do IBAMA.

A trilha para visitação da Cachoeira da Fumaça por baixo, com duração mínima de 3 dias,

sofre os mesmos dissabores enfrentados pelo Vale do Pati: uma forte degradação ambiental

originada no grande número de visitantes. Isto se agrava com o percurso da trilha sem

acompanhamento de guias especializados, e sem a adoção de práticas de redução de impactos

ambientais.

No entorno do parque, em propriedades particulares, se desenvolveram os atrativos mais

estruturados, ao menos em termos de acesso para veículos, estruturas de alimentação e

existência de sanitários. É o caso do Poço Encantado, do Poço Azul, Grutas da Pratinha,

Torrinha, Rio Mucugezinho, Cachoeira do Buracão e Morro do Pai Inácio. A maioria destes

roteiros são passíveis de visitação, a partir de Lençóis, em apenas um dia (exceção ao

Buracão, para onde se parte habitualmente de Mucugê). Nestes casos, as agências têm a opção

de incluir em seus pacotes os serviços de guias, taxas de visitação, fretes e lanches de trilha.

A entrada nestes atrativos ocorre mediante o pagamento de uma taxa de visitação, com

exceção ao Morro do Pai Inácio, onde a taxa é facultativa, arrecadada pelo Grupo

Ambientalista de Palmeiras (GAP). Neste caso, muitas agências, e turistas, optam por não

realizar a contribuição que origina fundos para o grupo que mantém iniciativas principalmente

de combate a incêndios, reflorestamento, limpeza de trilhas e reciclagem.

De maneira geral, os roteiros podem ser classificados por duração: roteiros de um dia, ou mais

dias, com pernoites em Lençóis ou outras cidades; ou por categorias: roteiros de trekking, ou

estruturados com apoio de veículos para os deslocamentos até os atrativos. Há também os

roteiros com a prática de atividades esportivas específicas como: rapel, tirolesa, mergulho,

visitação de cavernas, e até, esporadicamente, balonismo.

A maioria das agências de Lençóis oferecem roteiros muito semelhantes, que são também os

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mais vendidos: aqueles com duração de um dia. O visitante dificilmente consegue avaliar

qualitativamente o roteiro que escolhe. A dificuldade se apresenta na percepção do grau de

dificuldade que cada uma das trilhas a serem percorridas apresenta, e dos riscos associados a

cada uma das opções de passeio, que variam ainda de acordo com as épocas do ano, já que em

tempos de chuva os rios ficam mais caudalosos, e há riscos de trombas d’água. Também é

difícil estabelecer uma comparação entre os diversos passeios, pois, segundo o entrevistado A

“para quem ainda não conhece nada da Chapada, uma cachoeira de 20 metros já é muito

impressionante, principalmente se o turista não vier a conhecer aquelas com mais de 100

metros de altura”.

Com a necessidade de se formar grupos e otimizar as operações, as agências não se

diferenciam nos roteiros de um dia que são oferecidos – em geral há quatro opções de

passeios: Fumaça; Grutas; Poços e Serrano. As grandes distâncias que precisam ser

percorridas entre alguns dos principais atrativos da Chapada e a cidade de Lençóis, somadas

aos longos trechos de estradas não pavimentadas, geram altos custos de manutenção e

abastecimento de veículos, transpostos aos custos dos passeios. A estes se adicionam ainda os

custos dos guias, e custos variáveis como taxas de entrada e alimentação. Considerando a

necessidade de utilização de carros traçados, ou vans, e a complexidade da operação dos

roteiros, a rentabilidade desejada só é garantida através da formação de grupos com mais de

dez passageiros (entrevistado E).

Tantos detalhes operacionais implicam em uma sofisticada elaboração de planilhas de preços

para embasar todo planejamento organizacional das operadoras locais. Entretanto, até 2006

nenhum curso de capacitação administrativa tinha sido levado à região. Desta forma, as

operadoras, sem conseguir obter ou processar informações necessárias para compreender seus

negócios, reduzem aleatoriamente os preços dos roteiros para atrair mais (ou os poucos)

turistas da cidade. A mesma lógica permeia outros empreendimentos que têm nas atividades

turísticas sua sustentação, como os meios de hospedagem, a oferta de fretes, e de alimentação

(entrevistados D e E).

Este sub-capítulo apresentou em linhas gerais alguns atrativos da Chapada Diamantina,

pretendendo deter-se, além da caracterização dos atrativos, também, na complexidade

operacional necessária para viabilizar a visitação deles. Além disto, ficam explícitas suas

singularidades, como a possibilidade de vivência em casas de habitantes locais e contato com

a cultura do garimpo, e ainda, as implicações da prática de ecoturismo para o meio ambiente.

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Como a maioria dos atrativos naturais estão localizados no interior do Parque Nacional da

Chapada Diamantina aprofunda-se a investigação desta unidade de conservação.

3.4.3 O Parque Nacional da Chapada Diamantina e a estrutura institucional do destino

O Parque Nacional da Chapada Diamantina, como já tratado anteriormente, é uma unidade de

conservação federal, administrada pelo IBAMA. A sede do IBAMA está situada na cidade de

Palmeiras, na porção norte do parque. Embora tenha sido criado em 1985, apenas no ultimo

ano, passados vinte anos, é que se tem trabalhado de forma mais expressiva na elaboração do

plano de manejo do parque, que estima-se finalizar até o final de 200729 (entrevistado D).

Além da falta de um plano de manejo, sua situação fundiária ainda está pendente, e não há

recursos financeiros e humanos suficientes para dar continuidade ao trabalho de educação

ambiental implementado pelas Comissões de Meio Ambiente junto às populações residentes

no interior e no entorno desta unidade. Os problemas de degradação enfrentados pelo parque

decorrem, em grande medida, da falta de regulamentação, ainda que passadas mais de duas

décadas desde sua criação, fato comemorado com lamento anualmente na região.

Em 2000, foi formado o Núcleo Pró-Parque Nacional da Chapada Diamantina – NPPN-CD,

com o objetivo de pensar ações e fortalecer instituições ambientalistas já existentes, e de

implantar e gerir o Parque Nacional mediante credenciamento no Ministério do Meio

Ambiente. Era integrado por ONGs ambientalistas de âmbito local, regional, estadual e

nacional, representantes da Associação de Condutores de Visitantes de Lençóis (ACVL), da

comunidade do Capão, agências de ecoturismo e pela Promotoria de Lençóis (BRITO, 2005,

p. 180). Este núcleo, de fato, foi uma continuidade dos movimentos ambientalistas que

constituíram o Parque Nacional na década de 1980, e foi também o grupo que defendeu a

formação do Conselho Consultivo do Parque Nacional – CONPARNA, criado no final de

2001.

As atribuições do CONPARNA-CD compreendem a formulação de propostas para gestão do

parque, discussão e sugestão ações prioritárias, proposição e supervisão da aplicação de

recursos financeiros, emissão de pareceres, e fiscalização da execução do Plano de Manejo

(BRITO, 2005, p.199). Para que conseguisse cumprir suas atribuições de forma planejada,

foram criadas três câmaras técnicas, de acordo com os problemas pendentes: Câmara de

Regularização Fundiária, do Plano de Manejo e de Ecoturismo. Se por um lado a criação do 29 No Brasil, apenas seis Parques Nacionais tem Plano de Manejo, dos quais nenhum se localiza na região Nordeste.

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CONPARNA é celebrada por entusiastas ambientalistas como um marco na gestão do parque,

por aproximar entidades governamentais e não-governamentais, de fato, como veremos em

seguida, em cinco anos ainda não conseguiu resultados animadores quanto à regularização, ao

ordenamento e fiscalização das atividades no PARNA-CD.

A visitação ao parque nacional pode se dar através da entrada por cada um dos seis

municípios com que a unidade de conservação faz fronteira. Atualmente não existe nenhuma

forma de controle de entrada para visitação ao parque em nenhuma das cidades mencionadas,

com exceção feita à trilha da Cachoeira da Fumaça, que é monitorada pela Associação de

Condutores de Visitantes do Vale do Capão (ACVVC). Como visto, esta recolhe uma taxa

facultativa para ordenamento e manutenção deste trecho, e que, por ser facultativa, não conta

com a contribuição de todos.

A existência de várias trilhas de acesso ao parque, a partir de diferentes municípios, vai de

encontro ao modelo adotado pelo Parque Yellowstone30, inspirador dos parques nacionais do

Brasil, e do mundo, já que neste, apenas uma entrada e uma saída permitem um amplo

monitoramento do fluxo de visitantes. No parque da Chapada Diamantina, além de existirem

varias entradas, sua dispersão pelos diversos municípios praticamente inviabiliza o

monitoramento da visitação, já que implica em altos custos para o IBAMA.

A dimensão do parque, e as lacunas deixadas pela complexidade de sua gestão, parecem criar

condições favoráveis à degradação ambiental desta área de conservação. Nela presenciam-se

tanto a prática indevida do ecoturismo, como a presença de garimpos clandestinos em média

escala, ou ainda a presença indevida de rebanhos de gado e surgimento de queimadas

criminosas31.

Brito (2005, p.189) apresenta de forma bastante apropriada o distanciamento entre o que está

estabelecido pelo regulamento do parque e o que efetivamente é praticado, embasando-se no

Decreto-lei no 84.017 que integra o regulamento deste parque nacional. Acrescentam-se

algumas informações no que tange o ecoturismo.

1. artigo 10: é expressamente proibida a coleta de frutos, sementes, raízes ou outros produtos

dentro da área do Parque Nacional.

30 Nota sobre as duas correntes de unidades de conservação: a Yellowstone, que não aceita a presença humana, e outras, que entendem ser o humano como parte do ambiente (BRITO, 2005) 31 Pesquisa de campo realizada em 2005. Em 2006, a área queimada foi inferior e houveram sanções realizadas pelo IBAMA, que prendeu em flagrante alguns responsáveis pelo ateamento de fogo na mata.

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A prática de coleta de plantas nativas, como avencas, orquídeas e sempre-vivas, possui raízes

no declínio e na crise do garimpo, quando a venda principalmente de sempre-vivas passou a

ser uma alternativa rentável, que ocupava 70% da mão de obra local na década de 70. Este

fato gerou a criação do Parque Municipal da Sempre Viva, em Mucugê, que trabalhando em

conjunto com universidades, promovia o replantio e multiplicação de espécies que se

extinguiam. Além da coleta realizada por moradores, são responsáveis por esta, que é uma das

mais freqüentes infrações, também pesquisadores, bio-piratas e turistas.

2. artigo 13: é expressamente proibida a prática de qualquer ato de perseguição, apanha,

coleta, aprisionamento e abate de exemplares da fauna do Parque Nacional, bem como

quaisquer atividades que venham a afetar a vida animal em seu meio natural.

Para coibir a caça à fauna nativa, representada principalmente por aprisionamento de aves

para contrabando, e abate de tatus, mocós, e pacas, que compõem a culinária nativa, o

IBAMA tem adotado medidas em conjunto com a Polícia Civil e Militar, apreendendo os

animais vivos e devolvendo à vida nativa, e indiciando os infratores. Contudo, com uma

extensão tão vasta, e com precários recursos financeiros e humanos, tais medidas ainda não

conseguem coibir esta prática em sua totalidade. Além disto, como bem pontuado por Brito

(2005), há uma diferença na caça para subsistência e na caça para contrabando. Adotar a

mesma postura institucional quanto a isto tem criminalizado determinados setores da

sociedade que acabam se posicionando contra a proteção ambiental.

3. artigo 22: é vedado o abandono de lixo, detritos, ou outros materiais, que maculem a

integridade paisagística, sanitária ou cênica do Parque Nacional.

O turismo é o principal responsável por este tipo de degradação ambiental. O lixo e a falta de

saneamento acabam se fazendo bastante presentes nos atrativos turísticos. Segundo o Grupo

Ambientalista de Palmeiras – GAP (apud BRITO, 2005), que realiza coleta seletiva do lixo do

Vale do Capão, a quantidade de lixo triplicou com o desenvolvimento do turismo. Quando os

grupos são acompanhados por guias, o abandono de lixo nas trilhas pode ser inibido, se o guia

estiver consciente do impacto ambiental que o lixo ocasiona, e da regulamentação que rege o

parque. Entretanto, como o adentramento do parque não é monitorado, muitos grupos não são

acompanhados de guias, e não se sabe o destino do lixo.

4. artigo 23: é expressamente proibida a prática de qualquer ato que possa provocar a

ocorrência de incêndios na área do Parque Nacional.

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Os incêndios que devastam grandes áreas do PN possuem diferentes origens. Podem ser

ocasionados por combustão espontânea nos longos períodos de seca; por posseiros e roceiros

que utilizam esta prática para desmatar áreas de plantio; por criadores de gado que objetivam

a rebrota de pasto e o controle de carrapatos; por garimpeiros que, assim, limpam as áreas

para garimpo; pelos coletores de sempre-viva, pelos caçadores; pelos contrários à criação do

parque; e pelos turistas e guias que ascendem fogueiras na trilha para preparar refeições. Esta

é uma prática bastante comum naqueles roteiros mais longos e com pernoites na trilha. Neste

caso, ocorre a dupla infração, já que além da fogueira, são coletados galhos e arbustos secos, e

na falta deles, os vivos mesmo, para preparar a fogueira.

5. artigo 38: são proibidos o ingresso e a permanência no Parque Nacional de visitas portando

armas, materiais ou instrumentos destinados a corte, caça, pesca, ou quaisquer atividades

prejudiciais à fauna e à flora.

Os principais infratores deste ponto são os próprios habitantes do interior do parque, que

precisam destes instrumentos para sua sobrevivência e para garantir sua defesa de animais.

Antes do tratamento destas atividades como contravenção, é necessário regularizar a situação

das famílias que moram no interior do parque. Entretanto, vale ressaltar que os grupos de

turistas que pernoitam no parque habitualmente também infringem este artigo, pelos motivos

já tratados – necessidade destes instrumentos para corte de galhos e para preparo de

alimentos.

5. artigo 34: as atividades desenvolvidas ao ar livre, os passeios, caminhadas, escaladas,

contemplação, filmagem, fotografias, pinturas, piqueniques, acampamentos e similares devem

ser permitidos e incentivados, desde que se realizem sem perturbar o ambiente natural e sem

desvirtuar as finalidades do Parque Nacional.

A falta de regulamentação da visitação permite que muitos visitantes optem por adentrar o

parque de forma independente, sem o acompanhamento de guias competentes. Sem a devida

orientação e fiscalização para a preservação das trilhas, este tipo de visitação tem gerado a

degradação das principais trilhas. Como não há áreas delimitadas para acampamentos, os

turistas acabam ocupando, e poluindo nascentes de rios, cortando lenha, e deixando lixo

dentro do parque. Naturalmente isto não é uma prática que se possa inferir a respeito de todos

caminhantes, ao mesmo tempo que é impossível se pensar que todos tem uma consciência e

um comportamento preservacionista absolutamente adequado. A própria falta de orientação

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por parte do IBAMA, seja pela ausência de uma estrutura adequada para estes fins, seja pela

impossibilidade de monitorar as diversas entradas do parque, acabam acentuando as

conseqüências do comportamento indevido dos visitantes do parque, e até a superlotação dos

atrativos.

Sobre a preservação do parque e as condições das trilhas, o entrevistado G afirma que na

trilha da Cachoeira da Fumaça por Baixo (duração de três dias), “a toca do Capivara está

terrível”, pois como é uma toca muito grande, e comporta muitas pessoas, (já chegou a abrigar

mais de 20 grupos), têm-se acumulado muito lixo no local. Denuncia que nem todos os guias

orientam seus turistas quanto à preservação ambiental e recolhimento do lixo. Cada um dos

grupos, ao prepararem seu jantar, muitas vezes jogam as sobras de alimento no entorno da

área de acampamento, atraindo ratos e sariguês. Além disto lava-se a ‘louça’ no rio, usando

detergentes. A própria superlotação da área, e o congestionamento de turistas no percurso,

traz sérios problemas de degradação ambiental, associados a práticas abordadas nos outros

artigos.

O IBAMA espera que com a regulamentação do parque, possam ser definidas: as trilhas com

permissão para visitação e trânsito, as capacidades de carga e limites de visitação, áreas

específicas de acampamento, e de prática de esportes radicais.

Brito menciona o sucesso de uma medida adotada pelo IBAMA, que foi saudada pelos

ambientalistas: a do fechamento da trilha ‘da fenda’, para descida da Cachoeira da Fumaça, já

que é uma trilha perigosa e indicada apenas para emergência ou para os guias mais

experientes (BRITO, 2005, p.195). Já o entrevistado A satiriza que, antes da proibição do

IBAMA, somente os guias mais qualificados, nativos, realizavam a descida desta trilha, e

ainda assim com pequenos grupos, muito esporadicamente. Poucos guias conheciam este

trecho pois a entrada da fenda não era visível, e a flora local dificultava seu achamento e

percurso. Com uma baixa visitação, pouco era degrado e havia tempo suficiente para

recuperação natural da flora. Quando o IBAMA proíbe esta trilha, coloca “uma placa enorme

localizando o início da trilha, e proibindo o acesso”. Assim, mesmo aqueles guias e turistas

que não desciam a fenda por não conhecerem sua entrada, passaram a freqüentar este trecho,

aumentando a visitação desta área. Interessante como, neste caso, a medida do IBAMA

favoreceu uma maior degradação ambiental, já que não há fiscalização.

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3.4.4 O poder local

A descentralização promovida pela Constituição de 1988 fez com que as prefeituras

municipais concentrassem as pressões e demandas da população, tendo responsabilidade,

então, pela saúde, educação, geração de emprego e renda, habitação, ocupação do solo, meio

ambiente, etc. Ainda que buscando adaptar-se às novas atribuições,

os prefeitos continuam pautando-se pela ação tradicional, implementando medidas de cunho clientelístico ligadas ao fornecimento de alimentos, remédios, ambulâncias, alistamento nas frentes de serviços, complementadas com obras de calçamento, construção de prédios públicos, serviçoes de limpeza e iluminação etc (BRITO, 2005, p. 182).

Isto se associa à fragilidade do aparelho público municipal, principalmente no que tange sua

capacidade financeira, dependente das receitas de transferência da União através do Fundo de

Participação dos Municípios. Coloca-se assim, para as prefeituras, o desafio de gerar receitas

próprias através de impostos municipais, e da modernização de sua capacidade administrativa.

Contudo, no caso de Lençóis, que tem no ecoturismo sua principal atividade, é constante a

sonegação dos impostos devidos pelas agências e demais atores do trade. Para o entrevistado

D, o problema estrutural que a prefeitura atualmente enfrenta é a troca substancial da equipe a

cada nova eleição, já que a maioria dos funcionários são indicados pelos prefeitos, e não tem

estabilidade de emprego (entrevistado D). Isto impossibilita a criação de uma memória

administrativa: a maioria dos documentos se perdem a cada 4 anos; os funcionários indicados

são pouco qualificados; e os gestores públicos são escolhidos por carisma e não por

competências.

Quanto à arrecadação do ISS, grande parte das empresas estão em situação de inadimplência

há anos, ou não tem alvará de funcionamento, mas como não existem arquivos confiáveis do

pagamento dos impostos, é praticamente impossível recuperar esta verba. A prefeitura, sem a

arrecadação, não tem condições de contratar fiscais. Segundo o entrevistado D, é preciso

melhorar o mecanismo de arrecadação urgentemente. Uma das poucas medidas adotadas pela

prefeitura para contornar a situação de inadimplência foi a aprovação de um novo código

tributário municipal, em 2005, que reduziu o ISS de 5% para 3%, e a elaboração de um

manual tributário, além de organizar reuniões com o trade para incentivar os empresários a

pagarem seus impostos. Avalia que em 8 meses nada mudou.

O entrevistado D elucida que o orçamento do município é um orçamento pró-forma: explica

que a Câmara de Vereadores apenas assina o documento, ele não existe de fato, não é

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aplicável. Desta forma, o prefeito assume características de ‘prefeito faraó’, segundo o

entrevistado. Outro problema é a inexistência de sistemas administrativos, ausência de

Internet e redes, e ausência de uma cultura de navegação e compartilhamento de informações,

o que dificulta a articulação de medidas cooperadas, e o acompanhamento de processos de

participação em programas de financiamento federais. Acrescenta, por fim, que o município

esteve praticamente uma década sem administração pública, e a única herança benéfica da

última gestão foi a inclusão de Lençóis no Projeto BID-Monumenta, que tem o objetivo de

restaurar edifícios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(IPHAN).

Na alçada da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, mesmo diante de tantos problemas

financeiros, segundo o entrevistado F, a Prefeitura contratou em 2005 bandas para a Festa do

Padroeiro da cidade. Sua preocupação é que sem dinheiro, os contratos viram processos, ou

então vão consumir todo o orçamento dos próximos meses. “Mas a festa é boa, movimentada”

(entrevistado F).32

As diversas cidades no entorno do Parque possuem suas Secretarias de Turismo. Contudo,

estas não têm uma atuação articulada em conjunto com o IBAMA, e nem entre si. Além disto,

possuem uma limitada capacidade de planejamento e de coordenação da atividade turística, o

que implica na ineficiência em elaborar projetos competitivos para recorrer a recursos

governamentais disponíveis para o fomento do ecoturismo, e para as demais esferas sociais

que com esta atividade fazem interface.

3.4.5 O baixo desempenho do destino

Neste capítulo, em que se caracterizou o destino de ecoturismo da Chapada Diamantina,

foram descritas as últimas duas décadas da presença da atividade ecoturística na região, que

teve como marco inicial a criação do Parque Nacional em 1985, se fortaleceu a partir de 32 A Festa do Senhor dos Passos, padroeiro dos garimpeiros, tem a duração de 11 dias. Inicia com a Lavagem da Igreja em 23 de janeiro e termina com a festa do Clube no dia 02 de fevereiro. A maioria dos festeiros são das áreas rurais e dos municípios vizinhos. A festa traz diversas bandas, organiza uma estrutura de barracas na rua e recebe um parque de diversões. A cada dia um tema homenageia os diferentes segmentos sociais: tem a noite dos garimpeiros, dos comerciantes, dos funcionários públicos, das baianas, das lavadeiras, dos bombeiros, das crianças,... são realizadas missas, e a Imagem de Senhor dos Passos percorre a cidade em procissão desde a Igreja do Senhor dos Passos até a do Rosário. Todos os dias, ao alvorecer, a banda filarmônica (Lyra) da cidade percorre o centro histórico tocando “fanfarra” acordando os que dormem, e mandando pra casa aqueles que amanheceram na festa. Esta festa até hoje não perdeu seu caráter local, é pouco freqüentada pelos turistas, embora aconteça no período de alta estação, evidenciando a resistência à aceitação do turismo como objetivo único da cidade. Já existiram planos de tornar a festa mais folclórica, com apresentações de Marujadas e Reizados para atender a curiosidade dos turistas, mas os freqüentadores locais gostam mesmo é da presença de bandas cover dos sucessos das grandes cidades, ao invés da cultura tradicional já cotidiana.

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incentivos governamentais ao longo da década de 90, culminando com a inauguração do

Aeroporto Coronel Horácio de Matos em Lençóis no ano de 1998. Conforme apresentado, a

atratividade para o ecoturismo se dá, em grande medida, pelas riquezas geográficas naturais

que dotam a região de apreciadas paisagens cênicas, cachoeiras, canyons, montanhas e vales.

Além de sua formação geológica privilegiada, a Chapada Diamantina, como delata o próprio

nome, possui um percurso histórico cujo brilho se refletiu na extração da pedra preciosa, e que

ensejou a criação de diversas cidades em que predomina a arquitetura colonial. Nelas, a

cultura diamantífera ativa a sensibilidade dos visitantes para o glamour de tempos antigos,

tangenciados também nos livros de história.

Superadas as dificuldades de acesso rodoviário, tantos elementos de deleite atraíram também

novos empreendedores do ecoturismo, que na expectativa dos fluxos gerados pela

implementação do aeroporto e outros incentivos governamentais, povoaram a região com

empreendimentos de serviços turísticos não tão diferenciados, quanto são os atrativos

naturais.

Contudo, passada mais de uma década, o sucesso das medidas previstas no PRODETUR/BA

para incentivar o desenvolvimento do ecoturismo na Chapada Diamantina parece ter se

resumido à expansão da oferta de serviços de ecoturismo. O brilho dos diamantes

ecoturísticos se ofusca pela degradação ambiental que é observada nos diversos atrativos da

região. Os movimentos ambientalistas que culminaram na criação do Parque Nacional, agora

enfraquecidos, ainda não conseguiram dar o tom ecologicamente responsável ao turismo que

se fez presente. Assim, o Parque, que não ganhou nome de Coronel, também não ganhou

imponência, e sofre um perigoso processo de degradação ambiental.

Aqueles que acreditam que as mazelas ambientais estão sendo causadas pelo fortalecimento

da atividade ecoturística, devem ter certa cautela com as conclusões apressadas. Ao contrário

do que se esperava, a construção do aeroporto parece não ter ocasionado um impacto positivo

direto sobre a evolução do fluxo turístico na Chapada Diamantina (como se observa na

Tabela 11). Embora em valores absolutos se observe um crescimento no fluxo de visitantes,

as taxas médias de crescimento entre os períodos de 1991 – 1997 e 1998 – 2004 apontam que

ocorreu uma redução de 11,15% no período antes da implementação do aeroporto, para 4,86%

no período que já conta com esta estrutura, período este em que se ampliava o trade turístico.

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Tabela 11 – Fluxo de turismo em Lençóis de 1991 a 2004. 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

No de turistas (em 1000) 41,1 40,97 49,1 53,9 54,3 65,8 68,6 75,8 81,6 86,6 82,73 88,6 94,2 97,9

Taxas de crescimento (%) -0,27 19,89 9,65 0,76 21,30 4,16 10,60 7,56 6,19 -4,49 7,05 6,33 4,00

Taxas médias de crescimento por

período (%) 11,15 4,86

Fonte: SCT Bahia, 2006.

Se o fluxo turístico não apresentou uma melhora quantitativa, do ponto de vista qualitativo a

situação aparentemente não foi diferente. Considerando que os turistas com maior consciência

ambiental são aqueles que optam por a visitar a Chapada através de operadoras que praticam

as melhores formas de ecoturismo33, e assim, estão dispostos a desembolsar valores

condizentes com as estruturas que atendam a todos estes aspectos, e também se comportar

dentro dos critérios postulados pelo ecoturismo em sua essência34, observa-se a evolução do

fluxo deste tipo de visitante desde a implementação do aeroporto na região. Para tanto,

tomam-se os dados de vendas das principais operadoras de ecoturismo para avaliar uma

possível melhora qualitativa de visitação, ainda que diante de uma redução quantitativa

percentual (ver Tabela 12).

Tabela 12 – Vendas de roteiros combinados para a Chapada Diamantina.

Ano Número de passageiros Evolução Percentual

1999 1853 100,0

2000 1145 61,8

2001 1022 55,2

2002 1126 60,8

2003 971 52,4

2004 634 34,2

2005 406 21,9

2006 505 27,3 Fonte: Pesquisa de campo junto a uma das principais operadoras de ecoturismo do destino.

33 Aquelas operadoras que, de maneira geral, acordam com as premissas da sustentabilidade, promovendo trabalhos de inserção da comunidade local nas atividades ecoturísticas, sendo ambientalmente zelosas, respeitando a cultura local e fomentando uma sensibilização para a preservação ambiental. Ainda que dificilmente se possa identificar as operadoras de ecoturismo que realmente atendam a todas as premissas da sustentabilidade, tomam-se as principais operadoras que se autodenominam de ecoturismo, pois seriam as que mais se aproximam destes objetivos. 34 Este seria um tipo ideal de ecoturista.

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Ocorre que, surpreendentemente, como apontam os dados, o que aconteceu foi justamente o

contrário do que esperavam os programas governamentais de incentivo ao turismo na região.

A queda, ano a ano, do número de pacotes combinados vendidos – trecho aéreo, hospedagem

e passeios – pelas operadoras de ecoturismo para a região evidencia um desaquecimento das

vendas mais qualificadas ao longo dos anos posteriores à implementação do aeroporto.

Tendo em vista a combinação de um baixo crescimento do fluxo com a queda da qualidade

dos turistas, e degradação do ambiente visitado, ficam evidentes as implicações negativas na

receita turística gerada na região. Conforme se observa na Tabela 13, a receita turística de

Lençóis, que em 1996 atinge a marca de quatorze milhões de dólares, desde então passa a

decrescer até o ano de 2001. Em 2002, retoma-se o crescimento, mas em 2004, após três anos

de crescimento, a receita ainda permanece abaixo da marca de 1996.

Tabela 13 – Receita gerada pelo turismo de Lençóis de 1991 a 2004. 199

1 1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001 2002

2003

2004

Receita Total (US$ Milhões)

4,37

5,55

6,37

8,2

12,2

14,0

13,6

12,8

11,3

11,9

10,55

11,5

13

13,7

Fonte: SCT Bahia, 2006.

Esse limitado desempenho do setor reflete, naturalmente, em um baixo desempenho do

próprio aeroporto. Inaugurado com grande pompa, e vivendo um breve auge nos seus

primórdios, o Aeroporto de Lençóis jamais apresentou um bom desempenho turístico. Ocorre

que grande parte do número de vôos nele realizados (ver Tabela 14) correspondia na verdade,

e ainda corresponde a “malotes” do Banco do Brasil e dos Correios, bem como a vôos

particulares dos fazendeiros da região. Os charters e vôos comerciais que realmente trazem

turistas para a região, salvo nos picos da alta estação35, apresentaram sempre uma

regularidade muito baixa.

Importante observar que os vôos comerciais, mesmo com baixa regularidade, nunca se

mostraram um bom negócio. Nesse sentido, a partir de 2000 foi constante, não só a queda do

número de embarques e desembarques (ver Tabela 14), como a troca de companhias aéreas

que operavam o destino. De fato, desde a inauguração, em 1998, o aeroporto de Lençóis já foi

operado pela TAM, Passaredo, Pantanal, Nordeste, Rio-Sul, e finalmente a Ocean Air, de uma

35 Períodos que correspondem aos meses de Janeiro, Fevereiro e Julho.

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maneira geral, cada companhia aérea vinha substituir a anterior, havendo sempre no máximo

dois vôos por semana.

Tabela 14 – Embarque e desembarque de passageiros no aeroporto de Lençóis.

Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Número de

vôos

722 974 2432 – – – –

Número de

passageiros

1.053

3.850

9.052

7.459

7.667

6.110

5.323

Fonte: SINART, 2004; BAHIATURSA, 2005, BNDES, 2005.

Em apenas um momento o destino veio a ser operado simultaneamente por duas companhias.

Isso se deu quando a Rio - Sul operava o destino a partir de Salvador, ao passo que a Pantanal

fazia vôos a partir de São Paulo. Em tese, isso deveria ter fortalecido o destino, entretanto,

não foi o que aconteceu. Ocorre que a Rio-Sul, oferecendo a opção de passagens a partir de

qualquer ponto do país, obtidas através do programa milhagens da Varig, inviabilizou

completamente a Pantanal. A Rio-Sul, por sua vez, com a crise da Varig também não se

sustentou e ambas acabaram sendo substituídas pela Ocean Air. No ano de 2006, o aeroporto

só recebeu vôos turísticos fretados durante os meses de alta estação. Nenhuma companhia

aérea teve interesses em operar vôos regulares para a Chapada Diamantina, a não ser através

de fretamentos, em que o risco para a companhia aérea é nulo.

Este capítulo apresentou o desenvolvimento do ecoturismo no destino da Chapada

Diamantina, considerando que, tanto do ponto de vista cênico, como do potencial

mercadológico, e ainda da infra-estrutura de acesso, trata-se de um destino com grande

potencial para ocupar lugar de destaque no ecoturismo da Bahia e do Brasil. Ainda que

passados 20 anos desde a criação do Parque Nacional e da chegada do ecoturismo, o

desenvolvimento da atividade apresenta limitações no que tange o ordenamento da atividade e

a articulação de toda cadeia produtiva. Mas este não é o caso de todos destinos de ecoturismo

no Brasil. De forma bastante distinta, Bonito, que se voltou para a atividade ecoturística na

mesma década, e possui riquezas naturais equivalentes, pode comemorar a adoção de algumas

medidas de ordenamento da atividade que orientaram o destino para uma prática turística

efetivamente alinhada com o ideário da sustentabilidade. No capítulo que segue, apresenta-se

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o desenvolvimento do ecoturismo no destino de Bonito.

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44 OO BBee mm SSuucc ee ddii ddoo CCoomm ppll eexxoo EEcc oott uurr íí ss tt ii ccoo ddee BBoonnii tt oo -- MM SS

4.1 A Região e sua formação histórica

O destino ecoturístico de Bonito está localizado no Estado do Mato Grosso do Sul, um dos

estados que compõe a região Centro-Oeste do Brasil. Nele se encontra a maior extensão de

florestas naturais preservadas que compreendem os ecossistemas de floresta estacional

decidual e semidecidual nas escarpas do planalto, e de cerrado, no planalto.

Ilustração 4 – Localização de Bonito no Mato Grosso do Sul.

O Pantanal Matogrossense é uma das regiões brasileiras que mais se destacam pelo elevado

potencial turístico, ao lado da Amazônia. O município de Bonito se tornou, atualmente, em

uma das principais portas de acesso ao pantanal Sul-matogrossense. Está localizado na

microregião geográfica do Planalto da Bodoquena, e este engloba também os municípios de

Bodoquena e Jardim. Sua extensão é de 200km por 30km de largura, possui altitudes que

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variam entre 450m e 650m, e fica situado na Bacia do Rio Paraguai. A estrutura geológica

predominante é composta por rochas carbonáticas puras, pelas quais as águas infiltradas

ressurgem planície abaixo, formando olhos d’água e rios límpidos e transparentes. Por sua

singularidade, Bonito é considerado o “Reino das Águas Cristalinas”, e exibe aos visitantes

seus tesouros: sua belíssima fauna e flora aquáticas, além de toda a exótica fauna terrestre

típica do pantanal. Nesta região ainda são encontradas cavernas com piscinas naturais que

variam do tom azul a esverdeado, cachoeiras, barragens naturais, dolinas36, sumidouros,

ressurgências, e grutas de beleza cênica impressionante (PRODETUR SUL, 2004;

IPEA,2005).

As principais atividades econômicas da região são a pecuária, a agricultura, mineração de

calcário e o turismo. Inicia-se o estudo deste destino ecoturístico a partir de uma perspectiva

histórica da região, para que se entenda a conformação, a presença, e o desenvolvimento das

atividades econômicas da região, principalmente do ecoturismo, e também, se recupere sua

formação social e cultural – contexto em que o ecoturismo se inseriu.

4.1.1 Conformação histórica da região da Bodoquena

A expansão espanhola na região do Vale do Rio Paraguai se deu ao longo do século XVI,

quando o povoado de Miranda servia de apoio às expedições que pretendiam alcançar as

minas de ouro peruanas. Com a descoberta de ouro em Cuiabá, a Coroa Portuguesa expulsa os

Espanhóis do Vale de Paraguai fundando o Presídio de Nossa Senhora do Carmo do Rio

Miranda em 1778, em torno do qual começa a se desenvolver um povoado que é elevado à

categoria de Vila em 1857 (COMTUR DE BONITO, 2003).

No inicio do século XVII bandeirantes e missionários penetravam a região do Mato Grosso,

sobretudo pela via fluvial, à procura de índios e ouro, dando início ao processo de ocupação

humana desta região. Conforme descreve Diégues Jr. (1960, p.274), os bandeirantes que

haviam saído à procura de índios tornaram-se eles próprios mineradores, construindo ranchos

e plantando lavouras de subsistência ao longo dos rios.

As minas de ouro atraíram, como se fossem terras prometidas, grandes contingentes de gente

de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Porém, segundo o autor, o deslocamento

humano se deu às custas de grandes sacrifícios, martírios e mortes, de um lado causados pela

fome, de outro, pela reação indígena: surgiam as minas de Mato Grosso “sob o signo da 36 Crateras que surgem com o afundamento de grandes porções de terra.

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tragédia” (DIÉGUES JR., 1960, p. 275).

Como as minas se esgotavam rapidamente, a sedentariedade mais demorada não foi

permitida, e a ocupação humana começa a espraiar-se em busca de novos veios auríferos,

cruzando os campos e cerrados, adentrando a floresta nativa. Ao contrário de Minas Gerais, a

ocupação não foi permanente, devassou-se o território, ficaram os vestígios de povoamento,

disseminaram-se os arraiais, mas a população não cresceu.

A decadência da mineração foi tão rápida como havia sido o encontro dos veios auríferos, e, com este, o surto de uma riqueza que logo se mostrou transitória. Isto ocorre já no final do século XVII, devido ao despreparo técnico, e às condições desfavoráveis da própria região (DIÉGUES JR., 1960, p. 277).

A partir da decadência do ouro, surgem, numa tentativa de diversificação, outras atividades

econômicas, como a pecuária, o cultivo de erva-mate e a extração de poaia37, marcando a

ocupação humana do Centro-Oeste. O gado se adaptou facilmente na região do Pantanal.

Algumas observações interessantes acerca da criação de gado no Mato Grosso neste época,

são de que constituíam a principal atividade econômica das grandes fazendas, por não exigir

grande trabalho do dono, sob o qual ainda pesava a sombra da mineração que fazia com que a

gente mais rica não trabalhasse38 (DIÉGUES JR., 1960, p. 289). Bastava comprar o gado e

largar solto na propriedade. Porém, a ganância do lucro fácil, que, segundo este autor, reflete

a mentalidade formada sob os imperativos da mineração, fez com que os campos rapidamente

se despovoassem de gado, pois utilizava-se o couro em negócios de altos lucros.

O extrativismo vegetal também atraía as populações que vivenciaram a decadência do ouro -

era o caso da erva-mate, cujo uso foi revelado ao homem branco pelo indígena paraguaio. No

começo do século XIX a erva passa a ser exportada para países platinos, tornando-se, na

segunda metade do século, objeto de comércio mais amplo. As técnicas de extração da erva

foram trazidas pelos paraguaios, e a atividade abrangia as áreas do sul do Mato-Grosso, o sul

e oeste paranaense, e o oeste catarinense. Já no Rio Grande do Sul, o mate era cultivado nas

regiões das estâncias, marcando expressivamente a cultura gaúcha pelo uso do chimarrão (p.

290).

Segundo Diégues, em Mato Grosso encontram-se núcleos bastante apegados às tradições, seja

37 Cephaelis Ipecacuanha - chamada popularmente de Poaia, planta rampante que cresce na sombra de matas úmidas e sua raiz é utilizada para fazer chá e remédios.Essa já foi uma planta abundante no Mato Grosso do Sul. 38 Este mesmo momento de decadência da mineração foi vivenciado na região da Chapada Diamantina, pouco menos de um século mais tarde.

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em técnicas de trabalhos, seja nos costumes. As principais atividades regionais são a criação

de gado no Pantanal, a mineração nas margens dos rios, e os ervais no sul e sudoeste do Mato

Grosso, onde se encontra a região estudada, a de Bonito.

O modo de vida do ervateiro tem características bem específicas. Ainda de madrugada

começa suas atividades, preparando sua alimentação com base no milho cozido, e reunindo

seus apetrechos de trabalho para o corte das árvores. A extração concentra-se nos meses de

julho a outubro, nos outros meses o ervateiro se dedica às pequenas lavouras. Um dos

elementos básicos da organização da produção ervateira são os ranchos, agrupamentos de

produtores para coordenar o processamento da erva mate, conferindo um caráter cooperativo

às relações humanas que se conformam nesta atividade econômica.

A pecuária, embora em menor medida, também se fez presente marcando profundamente

aspectos sociais da região. A criação de gado formou-se em grandes fazendas, ocupando

vastas extensões de terra, onde as relações entre proprietários e seus trabalhadores são,

segundo o autor, geralmente boas. Nas grandes fazendas faz-se o pagamento por salários, nas

pequenas, aparece o trabalho familiar e a parceria. “De modo geral, predominam as

influências de organização da estância gaúcha na criação do gado no sul-matogrossense;

mantém-se os traços culturais gaúchos na vida humana ligada ao criatório” (DIÉGUES, 1960,

p.293). São os mesmos costumes e hábitos, assim como instrumentos de trabalho utilizados,

as ocupações, as práticas usuais, as formas de transporte. Vejamos brevemente, como Diégues

caracteriza a cultura do que denomina “extremo sul pastoril” em sua obra sobre as regiões

culturais do Brasil, para compreender sua influência na conformação social do Mato Grosso

do Sul.

4.1.2 O sul pastoril influenciando a formação social matogrossense

Segundo este autor, foi através do gado que a obra missioneira dos Sete Povos, localizada no

extremo sul, se integrou ao território brasileiro, região onde surgem as estâncias como centro

de atividade econômica da pecuária, na segunda metade do século XVII. A estância é a

unidade social da organização desta região, sendo do ponto de vista econômico um latifúndio

pela extensão e pela atividade que abarca, por outro lado, quanto à formação social, é a célula

onde atuam os líderes. Os estancieiros representavam os dirigentes da sociedade, eram os

senhores de poder político influente (DIÉGUES, 1960, p.313). Obter uma estância traduzia-se

como um acesso à hierarquia social gaúcha. Eram concedidas aos que procuravam fixar-se

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definitivamente no território, sendo um fator de sedentariedade daquelas populações instáveis

que haviam penetrado com a criação de gado.

Os valores culturais que marcam a região são originados dentro das estâncias, que como

latifúndio “assemelha-se a outros núcleos sociais do Brasil, exerce influência dominadora na

região, quer centralizando as atividades, quer tornando-se núcleos de relações étnicas e de

cultura” (DIÉGUES, 1960, p. 314). A estância é aglutinante, condensa a formação social

gaúcha, apresentando dois aspectos essenciais: o povoamento é lento e demorado, e dadas as

grandes distâncias entre as estâncias, os fazendeiros vivem na solidão.

Entretanto, a solidão é quebrada pela vida interna das fazendas, caracterizado pela alegria: os

rodeios, as conversas no galpão, as corridas de cavalo. Este espírito de alegria e sociabilidade

é atribuído à vida econômica ligada à base pastoril.

O gênero de vida criado nas estâncias quebra as distâncias sociais; os proprietários descem aos peões, participam dos mesmos costumes, do mesmo chimarrão, ou do mesmo churrasco. O sentido de igualdade que o ambiente proporciona, decorrente do próprio gênero de vida desfrutado, é ainda mais estreitado pelas lutas militares em que o homem da região se viu cercado, desde a aurora de sua existência. A unidade entre as classes sociais diferentes tornou-se uma necessidade de defesa e de preservação (DIÉGUES, 1960, p. 315).

A estância constitui o núcleo onde se forjou a unidade da formação do gaúcho, quebrando

distâncias sociais na necessidade de defesa comum. Na estância também se formavam os

voluntariados e os batalhões comandados por estancieiros, com características de tropas

irregulares.

Segundo o autor, a estância é uma unidade social num sentido amplo: econômico, político,

demográfico, formador dos valores culturais dos homens que nela se criam. Além disto foi

foco de miscigenações étnicas, principalmente entre brancos e indígenas, e, mais tarde,

negros, paulistas e açorianos.

Estas são as características culturais do sul brasileiro que permearam o sul matogrossense,

dada a predominância de sua forma de ocupação. Entretanto, a formação social da região

ainda teve fundamentais contribuições das tribos indígenas que já habitavam a região de

Bonito em tempos imemoriais, e que merecem destaque.

4.1.3 Os índios Kadiwéus

Os índios Kadiwéus, que se autodenominam Ejiwajigi vivem hoje em território localizado no

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estado do Mato Grosso do Sul, próximos à fronteira do Paraguai, tendo terras localizadas, em

parte, no Pantanal matogrossense. Atualmente sua população é de aproximadamente 1500

índios, e a língua que falam é da família Guaicurú. Os espanhóis colonizadores chamaram de

Mbayá (termo provavelmente de origem Tupi) aos Guaikurú (também de origem Tupi) dos

quais descendem os Kadiwéu. Com origem no lado ocidental do rio Paraguai, parte dos

Mbayá atravessou, no século XVII, para a banda oriental. Com a pressão das frentes

colonizadoras, deslocaram-se mais para o norte e os que ainda não tinham migrado para leste

do rio o fizeram no final do século XVIII. Nessa época, o seu território estendia-se das serras

que separam os rios Paraná e Paraguai até mais além (BONITO, 2005).

Os Kadiwéu são conhecidos como ‘os índios cavaleiros’ por serem possuidores de um vasto

rebanho eqüino e demonstrarem ‘admirável destreza na montaria’. A primeira notícia que se

tem dos Guaikurú data do século XVI, proveniente de uma expedição européia que adentrou a

região chaquenha à procura de metais preciosos no interior do continente. Muitos grupos

Mbayá estiveram sob a influência de reduções missionárias a partir do século XVIII. No

mesmo século e no início do seguinte, o contato com as frentes colonizadoras se intensificou

com o estabelecimento de fortes militares estabelecidos pelo curso do rio Paraguai, seja de

portugueses ou espanhóis, que lutavam pela definição de fronteiras. As cidades fundadas na

região fizeram parte do cenário de conflito, e também de acordos, como o celebrado em 1779

entre os Mbayá e os espanhóis, e o firmado em 1791, com os portugueses.

A participação dos índios Kadiwéu na Guerra do Paraguai é recordada com orgulho pelas

tribos, já que têm importantes valores associados ao ideal do guerreiro que se sobressai por

sua coragem e força física. Existem ainda narrativas históricas e rituais que retratam a própria

guerra do Paraguai - o Ritual do Navio. A recompensa por sua aliança com os brasileiros

nesta guerra foi o território que habitam atualmente, e que é constantemente ameaçado por

pecuaristas arrendatários.

O Navio é um longo ritual que faz referência à Guerra do Paraguai, considerado pelos

Kadiwéu como maior expressão de sua legitimidade: “são índios mesmo”! (BONITO, 2005).

Na ultima vez que foi realizado, em 1992, tinha a intenção de mostrar aos brancos sua

identidade, pressionando por uma resolução das questões litigiosas de demarcação de terras e

expulsão dos arrendatários das terras conseguidas através da participação na guerra.

Tanto os acordos estabelecidos em 1779 e 1791, como a aliança com os brasileiros na Guerra

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do Paraguai, são fatos que pontuam tentativas históricas de acomodação de interesses

conflitantes e estabelecimentos de acordos na região matogrossense, ao contrário do curso

histórico da Chapada Diamantina, marcada por disputas políticas e econômicas incessantes.

Os Kadiwéu, para manter sua memória identitária, distinguem pelo menos duas classes de

narrativas em seu rico repertório: a uma delas chamam de ‘histórias de admirar’, ou ‘histórias

que fazem milagres’, ‘histórias sagradas’, mais próximas da categoria de mitos propriamente

ditos. Outra classe seria a das ‘histórias que aconteceram mesmo’, que se apresentam como

‘descrição histórica’ de eventos tais como as guerras do passado.

Durante a primeira metade deste século, os Kadiwéu viram estabelecerem-se em sua área os

postos indígenas do SPI e, na década de 1970, os da FUNAI. Os Postos Indígenas dentro da

Terra Indígena Kadiwéu atualmente são chefiados por índios.

Tendo em vista a formação social e econômica apresentada, a região chega à metade do

século XX com uma população predominantemente rural ligada à pecuária e ao extrativismo

vegetal e mineral. Contudo, é na década de 80 que o município de Bonito, até então

representante de outros muitos municípios do interior do Brasil dos quais nunca se havia

falado, se destaca na região da Bodoquena, como será tratado a seguir.

4.2 O ecoturismo em Bonito

4.2.1 Surgimento do turismo em Bonito

O município de Bonito foi criado em 1948, e apresentou até o início da década de 1980 uma

estrutura rural (ver Tabela 15). Com a decadência da agricultura e o posterior incremento das

atividades turísticas, se tornou rapidamente um município de população predominantemente

urbana. (IPEA, 2005).

Tabela 15 – População residente no município de Bonito.

Município 1960 1970 1980 1990 2000 rural urbana rural urbana rural urbana rural urbana rural urbanaBonito 4.929 863 6.350 1.563 5.904 5.110 4.088 11.164 4.028 12.928Total 5.792 7.913 11.014 15.252 16.956 Fonte: IBGE, IPEA, 2005, Muninet, 2007.

Ao traçar um panorama histórico do turismo na região, os estudos do COMTUR (2003) e do

IPEA (2005) consideram que até a década de 1970, os recursos hídricos da região serviam

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quase exclusivamente ao lazer dos habitantes e amantes da pesca, inclusive de arpão. O

destino começa a ser divulgado quando parentes e amigos dos habitantes, de férias, visitavam

a região, difundindo informalmente as riquezas cênicas da região. Este crescimento discreto

do destino ocorreu até meados de 1980, quando ainda não havia a preocupação com a

exploração profissional da atividade que surgia – o turismo.

Durante a década de 1980, o aumento na procura pela visitação ao Aquário Natural, um

balneário de águas cristalinas localizado nas proximidades de cidade, levaram ao decreto no

076/85, de 14/04/1985, que autorizava a desapropriação da área para transformação em um

Balneário Municipal com intuito de atender principalmente a comunidade local (COMTUR,

2006). Percebe-se assim, que o surgimento de uma demanda turística, ainda que incipiente e

local, ocorre associada ao interesse do poder público em estimular a prática do turismo,

criando espaços públicos de entretenimento, com infra-estrutura apropriada para visitação e

preservação ambiental.

No ano de 1986, os proprietários das fazendas onde estavam localizados os rios mais visitados

despertaram para a viabilidade econômica da atividade turística e passaram a cobrar uma taxa

de ingresso por visitante, levantando recursos para a abertura de trilhas e deck´s de acesso aos

rios. Disciplinavam assim a visitação, e, de acordo com os interesses do poder público

municipal, protegiam o meio ambiente. Nesta época se constituíram iniciativas conjuntas

entre empresários e a prefeitura, abrindo, em parceria, vias cercadas para proteger os

visitantes dos animais e melhorar o acesso aos atrativos (IPEA, 2005; COMTUR, 2006).

Um aumento expressivo do fluxo de turistas foi notado em 1993, quando um documentário

sobre a Gruta do Lago Azul, sucedida de outras matérias sobre a região, foram veiculadas na

televisão, em canal de ampla audiência. Neste mesmo ano o Sebrae, em parceria com a

Prefeitura Municipal de Bonito, e através da coordenação da Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul, patrocina o primeiro Curso de Formação de Guias de Turismo, o que foi um

importante marco inicial para a profissionalização do turismo na região. Isto se aderia também

às idéias difundidas no contexto II Conferência Internacional de Meio Ambiente e

Desenvolvimento - a ‘Rio 92’, que evidenciou a importância da questão ambiental, e criou um

cenário favorável para as iniciativas com intuito de disciplinar passeios, e elaborar

procedimentos institucionais (como a limitação de visitação) no destino de Bonito. Este

processo de conscientização se confrontou com aquele comportamento despreocupado das

questões ambientais, que marcava as atividades primárias (pecuária e extrativismo)

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predominantes até então.

4.3 A bem sucedida consolidação

Ainda na década de 90 é criado o Corredor Ecoturístico, que resultou de uma articulação entre

os estados do Pará, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, e as províncias que

englobam desde Iguaçu até a Patagônia. A criação desse corredor turístico, em 1992,

constituído com personalidade jurídica própria, teve por objetivo desenvolver mecanismos de

adequação do produto, identificação de mercados alvo, e coordenação das iniciativas voltadas

principalmente para a promoção conjunta do ecoturismo (CORREDOR ECOTURÍSTICO,

2007).

O Sebrae realizou, a partir de então, diversos outros cursos de capacitação da comunidade

local para as atividades ligadas à cadeia turística, dentre eles os de: capacitação empresarial,

guia em roteiro ecológico, guia em turismo local, guia especializado em atrativos turísticos

naturais, qualidade voltada para o turismo, planejamento de trilhas e avaliação de impacto

ambiental, oficina de guias de pesca amadora, salvamento aquático e primeiro socorros,

enfoque turístico para a polícia militar, treinamento gerencial rural, capacitação rural,

recepção e telefonia.

Em 1995, a Lei Municipal no. 689/95 tornou obrigatório o acompanhamento de guias nos

passeios turísticos locais. O credenciamento destes guias pela EMBRATUR garantiria a

segurança dos visitantes e o acesso a uma variedade de informações sobre o local visitado, ao

mesmo tempo em que o guia se tornava um fiscal do meio ambiente. A estruturação da

atividade foi complementada pela Lei Municipal no. 695/95, de 21 de Julho de 1995, que

instituía o COMTUR (Conselho Municipal de Turismo) integrado por quatro representantes

escolhidos pelo chefe do Executivo municipal, e por seis representantes dos segmentos

ligados ao trade local. Simultaneamente foi instituído o Fumtur (Fundo Municipal de

Turismo) (BRASÍLIA, 2000).

O principal objetivo do COMTUR é de fomentar o turismo de maneira organizada e

sustentável no município através de medidas de divulgação do destino, e de apoio ao trade e à

comunidade local, através de parcerias para projetos de cunho social (COMTUR, 2005). O

artigo 1º. Do Decreto 033/95 define que:

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O Conselho Municipal de Turismo de Bonito, criado pela Lei Municipal 695/95, de 21 de junho de 1995, tem por objetivo principal formular a política municipal de turismo, visando criar condições para o incremento e o desenvolvimento da atividade turística no município de Bonito-MS.

Além de fomentar a atividade turística, o COMTUR tem a missão de normatizar a atividade

de forma integrada e sustentável, visando o desenvolvimento social e econômico da

comunidade em que se insere, “através da excelência na qualidade dos serviços ofertados”

(COMTUR, 2007).

As atribuições do COMTUR definidas no artigo 8o da Lei 695/95 são:

I - formular as diretrizes básicas a serem obedecidas na política municipal de turismo;

II - propor resoluções, atos ou instruções regulamentares necessários ao pleno exercício de

suas funções, bem como modificações ou supressões de exigências administrativas ou

regulamentares que dificultem as atividades de turismo;

III - opinar na esfera do Poder Executivo quando solicitado, do Poder Legislativo, sobre

Projetos de Lei que se relacionem com o turismo ou adotem medidas que neste possam ter

implicações;

IV - desenvolver programas e projetos de interesse turístico visando incrementar o fluxo de

turistas à cidade de Bonito - MS, não servindo em hipótese alguma, a algum interesse político

partidário ou pessoal seja a que título for, ou mesmo notoriedade política;

V - estabelecer diretrizes para um trabalho coordenado entre os serviços públicos municipais e

os prestados pela iniciativa privada, com o objetivo de promover a infra-estrutura adequada à

implantação do turismo;

VI - estudar de forma sistemática e permanente o mercado turístico do município, a fim de

contar com os dados necessários para um adequado controle técnico;

VII - programar e executar amplos debates sobre temas de interesse turístico;

VIII - manter cadastro de informações turísticas de interesse do município;

IX - promover e divulgar as atividades ligadas ao turismo;

X - apoiar, em nome da Prefeitura Municipal de Bonito - MS, a realização de congressos,

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seminários e convenções, de relevante interesse para o implemento turístico do município;

XI - implementar convênios com órgãos, entidades e instituições, públicas ou privadas,

nacionais e internacionais de turismo, com o objetivo de proceder a intercâmbios de interesse

turístico;

XII - propor planos de financiamentos e Convênios com instituições financeiras, públicas ou

privadas;

XIII - emitir parecer relativo a financiamentos de iniciativas, planos, programas e projetos que

visem ao desenvolvimento da industria turística, na forma que for estabelecida na

regulamentação desta Lei;

XIV - examinar, julgar e aprovar as contas que lhe forem apresentadas referentes aos planos e

programas de trabalho executados;

XV - fiscalizar a captação, o repasse e a destinação dos recursos que lhe forem destinados;

XVI - decidir sobre a destinação e aplicação dos recursos financeiros;

XVII - organizar seu Regimento Interno.

Conforme apresentado, o COMTUR possui amplas atribuições de ordenamento da atividade

turística em Bonito. As propostas apresentadas ao COMTUR são discutidas em sessões

abertas, votadas e registradas em ata. Os conselheiros do COMTUR são eleitos por voto

direto, e representam as associações de classe do município, o IBAMA, e poder executivo

municipal. Além de seu corpo de representação, este conselho conta ainda com diversas

parcerias que apóiam direta ou indiretamente os projetos realizados. Os parceiros diretos do

COMTUR são: a Prefeitura Municipal de Bonito/MS, Câmara Municipal de Vereadores,

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA), Associação

Comercial e Industrial, Associação de Bares, Restaurantes e Similares de Bonito/MS,

Cooperativa de Transportes de Bonito/MS (COOPERBON), Associação Bonitense de Hotéis

(ABH), Associação Bonitense de Agências de Ecoturismo (ABAETUR), Associação dos

Proprietários de Atrativos Turísticos de Bonito e Região (ATRATUR), Associação de Guias

de Turismo de Bonito/MS (AGTB), Sindicato Rural de Bonito/MS, e a Associação de

Operadores de Bote de Bonito/MS.

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Na década de 1990, sensibilizado pela fragilidade ambiental das formações calcáreas dos

atrativos da região, e percebendo o risco que a presença desordenada da atividade turística

causava em termos de degradação ambiental, o COMTUR decreta a Instrução Normativa no

001/95, de 14 de novembro de 1995, que regulamentou a utilização do Voucher Único. A

dinâmica de funcionamento deste instrumento será tratada a seguir.

Além do Voucher Único, vale observar que a resolução normativa No 001/95, através de seu

artigo 6º, institui uma taxa de manutenção no valor de R$ 5, a ser paga por todos turistas na

visitação da Gruta do Lago Azul39. Esta gruta se localiza dentro dos limites do Parque

Nacional da Bodoquena, e portanto é um atrativo público, pertencente à Federação. Contudo,

as receitas provenientes desta taxa são direcionadas ao Fundo Municipal de Turismo

(FUMTUR) vinculado à Secretaria Municipal de Turismo, Indústria e Comercio, um órgão de

instância municipal, evidenciando a articulação de diferentes instâncias públicas. O

direcionamento destas receitas para a composição do FUMTUR foi estabelecido pelo Artigo

11, do Decreto 033/95.

4.3.1 O PRODETUR / Sul 2001-2005

Ao final da década de 1990, em reconhecimento ao potencial ecoturístico da região, o Mato

Grosso do Sul, bem como outros estados da região sul do país, são inseridos no PRODETUR,

em sua fase de expansão. Como abordado anteriormente, o PRODETUR/Sul, em consonância

com o PRODETUR Nacional e com o PLANTUR, mas já em uma nova fase, “tem como

propósito o desenvolvimento sustentável da atividade turística, gerando e economizando

reservas internacionais, melhorando a qualidade dos serviços prestados ao turista e criando

novos empregos” (PRODETUR SUL, 2006). Considerando as vocações turísticas dos estados

de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, e Mato grosso do Sul, o programa visava

promover o planejamento integrado da atividade turística, a melhoria da infra-estrutura, e o

desenvolvimento institucional dos municípios, pretendendo assim, uma melhora da qualidade

de vida das populações envolvidas e a proteção dos recursos ambientais.

O PRODETUR/Sul visava financiar as ações consolidadas nos Planos Integrados de

Desenvolvimento Turístico Sustentável (PDITS), que resultaram de um processo participativo

de planejamento que contemplava a identificação de aspectos ambientais referentes ao

desenvolvimento do turismo, bem como a correção de impactos negativos resultantes das

39 Atualmente o valor pago para visitação de gruta é de R$ 25,00. (ATRATUR, 2007)

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atividades turísticas nestas áreas prioritárias (PRODETUR/SUL, 2006). Com o intuito de

antecipar conseqüências socioambientais indesejadas, e outros impactos decorrentes de

atividades humanas induzidas pelo desenvolvimento turístico, o Ministério do Turismo

implementa em conjunto com o BID um processo de ‘avaliação ambiental programática’. Este

processo envolveu num primeiro momento a avaliação socioambiental dos PDITS, e foi

elaborada pelo Ministério do Turismo em conjunto com cada um dos estados envolvidos. A

partir da identificação dos impactos ambientais e sociais do Programa, foram propostas

medidas destinadas a preveni-los e controlá-los, estabelecendo meios de verificação e

diretrizes de acompanhamento da implementação do Programa. Assim, o PRODETUR/Sul se

fundamentou em dados contidos nos PDITS, nas avaliações programáticas, e também nas

experiências anteriores de implementação de outros programas de desenvolvimento.

A definição das áreas prioritárias do PRODETUR/Sul se deu através de estudos que

apontavam a importância dos recursos naturais e culturais e existência de fluxos turísticos em

estagnação ou aceleração. No Mato Grosso do Sul, o Programa abrange a Serra da

Bodoquena, compreendendo os municípios de Bonito, Bodoquena e Jardim, que recebem

fluxos expressivos tanto de países fronteiriços, como de outras regiões do país, ainda longe de

seu pleno aproveitamento econômico em um paradigma de turismo sustentável – o ecoturismo

(PRODETUR SUL, 2006).

Uma das principais contribuições do PRODETUR/Sul ao destino, foi o exaustivo

levantamento de dados realizado ao longo dos anos de 2000 e 2001, para o estabelecimento de

estratégias40 para o desenvolvimento do ecoturismo na região, através de uma lógica de

integração dos três municípios. Estes estudos apontaram para a necessidade de:

organizar políticas públicas, envolver a comunidade com a atividade do turismo, fortalecer e integrar as pequenas e médias empresas do setor e promover ações que proporcionem um maior aproveitamento qualitativo deste potencial, atualmente já explorado, principalmente no município de Bonito, para que o destino não seja massificado, considerando sua fragilidade ambiental, e não entre, em pouco tempo, no seu estágio de declínio ( PRODETUR SUL, 2006).

Em outubro de 2001 realizaram-se oficinas para o planejamento do que este estudo chamou

de ‘marco lógico’. Estas oficinas contaram com a participação de representantes dos três

municípios, e adotou como metodologia o Planejamento de Projetos Orientados por Objetivos

(ZOPP), simplificando alguns de seus instrumentos dadas limitações de tempo (PRODETUR 40 Estas estratégias foram desenvolvidas pela empresa de consultoria alemã GTZ - Gesellschaft Technische Zusammenarbeit (PRODETUR SUL 2006).

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SUL, 2006). Os participantes elaboraram uma lista de pontos fortes e fracos relacionados ao

ecoturismo, dividindo-os em 8 temas: atrativos ambientais; históricos e culturais; serviços;

atuação do poder público; gestão do turismo; infra-estrutura pública; promoção e divulgação;

atividades produtivas; gestão ambiental. Com a conclusão do diagnóstico, foi construída pela

GTZ (ver nota de rodapé 40) em conjunto com a equipe técnica da Unidade de Coordenação

Estadual - UCE-MS, uma árvore de problemas (anexo B). Esta árvore teve o objetivo de

manter em vista o diagnóstico realizado, pautando as etapas que se seguiram: identificação

dos componentes necessários para alcançar o objetivo do programa e contribuir para o

objetivo superior; definição dos indicadores e suas respectivas fontes de verificação;

identificação dos fatores externos importantes para o sucesso do programa; identificação de

ações para garantir a efetividade dos componentes e promover o turismo sustentável na região

– o ecoturismo (PRODETUR SUL, 2006).

O tipo de planejamento que o PRODETUR incentivou na região, a partir de uma visão

integrada entre os municípios, e através de processos participativos, talvez tenha se

constituído numa das principais contribuições do programa à região, já que promoveu um

ordenamento ainda mais consistente da atividade de ecoturismo, e um novo espaço de

diagnósticos e debates sobre a atividade no início do século XXI.

4.3.2 O Parque Nacional da Serra da Bodoquena

No ano de 2000, quando o ecoturismo em Bonito já estava em estágio de consolidação, é

criado o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, no âmbito da Lei No 9.985, que

regulamentava os incisos de artigo 225 da Lei 7.803 de 1989. Definiam-se assim dois grandes

grupos de unidades de conservação no Brasil: As unidades de Proteção Integral (onde se

incluem os parque nacionais) e as Unidades de Uso Sustentável. As primeiras recomendações

para a criação de um parque se dão ainda na década de 1980, quando a região foi definida

como prioritária para conservação da biodiversidade do cerrado e do pantanal. Embora alguns

segmentos da sociedade Bonitense preferissem a criação de uma Área de Proteção Ambiental

(APA), a decisão pela criação de um parque nacional se fundamentou em estudos técnicos

realizados pelo IBAMA e em audiências públicas que envolveram a comunidade local.

O objetivo definido pelo IBAMA para esta unidade de 77.232 ha é o de preservação dos

ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a

realização de pesquisas científicas, de atividades de educação ambiental e de turismo

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ecológico (PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BODOQUENA, 2007). Como vemos, as

Unidades criadas no âmbito desta nova lei levam em consideração a imbricação da atividade

de ecoturismo nos parques nacionais.

Segundo o IBAMA (2006), dentre os benefícios da criação do Parque Nacional da Serra da

Bodoquena para seu entorno, podem-se citar as ações de proteção que beneficiam também as

fazendas, e o aumento da renda gerada pela visitação ao parque para as comunidades vizinhas.

Além disto, as terras próximas ao parque se valorizam para eventual venda, e as pesquisas

geradas pelo plano de manejo podem ajudar os fazendeiros na utilização mais adequada do

solo. Atualmente, este parque ainda não tem sua situação fundiária regularizada, e nem um

plano de manejo estabelecido, a exemplo da maioria dos parques nacionais brasileiros.

4.4 Estrutura atual, física e institucional, e seu desempenho

4.4.1 Estrutura turística física de Bonito

Segundo o COMTUR (2006), em toda região da Bodoquena existem mais de trinta sítios

turísticos constituídos por ecossistema frágeis, como nascentes e rios de águas cristalinas,

cavernas, cachoeiras. A maioria dos atrativos está localizada num raio de 50km do centro

urbano de Bonito, e grande parte deles, em fazendas particulares, que possuem infra-

estruturas adequadas41 para receber os visitantes. Estes dividem sua temporada entre passeios

de cachoeira com caminhadas e banhos de rio; flutuação, com caminhadas e contemplação de

nascentes e rios cristalinos; cavalgadas; balneários; mergulhos autônomos em rios e cavernas;

rapel; e passeios de bote, todos abrilhantados com a observação da fauna local (pantaneira).

As fazendas ainda oferecem refeições que trazem pratos típicos da região, e, para conquistar

definitivamente a simpatia dos turistas, possuem redários (galpões com muitas redes) que

acolhem a soneca dos visitantes após sua farta refeição.

41 Estacionamento, restaurante, banheiros, deck´s para acesso aos rios, sistema de segurança nas trilhas, roupas de mergulho, centros de informação ao visitante.

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Ilustração 5 – O destino de Bonito e seus atrativos.

Os atrativos turísticos em Bonito estão divididos, conforme apresentado na Tabela 16, em

quatro categorias: atrativos de entretenimento; de aventura; de ecoturismo; e de turismo

cultural (COMTUR, 2006). A maioria dos atrativos de entretenimento se localizam em

balneários às margens dos diversos rios da região de Bonito. Nestes balneários, além do

mergulho, que permite a observação de diversas espécies de peixes como piraputangas,

curimbas e dourados, estes atrativos contam com áreas de camping, quadras esportivas de

diversas modalidades, cavalos para passeios mais longos, lanchonetes, restaurantes e espaços

com churrasqueiras individuais para que os próprios visitantes preparem suas refeições.

Também disponibilizam equipamentos de entretenimento na água, como carretilhas, tirolesas,

botes, caiaques e cama elástica. Na maioria destes balneários não é necessário o

acompanhamento de guias de turismo.

Já os atrativos categorizados como de aventura pelo COMTUR, são aqueles que possibilitam

a realização de atividades esportivas radicais, como rapel, mergulho autônomo em caverna ou

ao longo dos rios cristalinos, passeios em quadriciclos por trilhas nas fazendas, bóia-cross, e

rafting. Grande parte dos atrativos de aventura, também se inserem na categoria de atrativos

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de ecoturismo, contudo, este último é definido pela ênfase na sensibilização ambiental, tendo

caminhadas mais longas pelas matas ciliares - para apreciação de fauna e flora locais-,

visitação de cachoeiras, percursos nos rios realizando snorkeling, e, claro, apreciação da

cultura local ligadas à atividade pecuária, ou à cultura indígena. Os atrativos de ecoturismo

estão localizados, na sua maioria, a distâncias maiores do centro do município de Bonito, em

comparação com os atrativos de entretenimento, podendo se aproximar até as bordas da

reserva indígena da Bodoquena.

Dentre os atrativos de ecoturismo, tem destaque a Gruta do Lago Azul, que se localiza no

Parque Nacional da Bodoquena, e é considerada um monumento natural por possuir

impressionantes espeleotemas, e um espelho d´agua com mais de 80m de profundidade. É

proibida a natação na gruta, para que a água cristalina não se turve com o levantamento da

poeira calcárea sedimentada no fundo do lago, e para que as formações espeleológicas não

sejam danificadas. Outro atrativo ímpar, é o Buraco das Araras no município de Jardim,

constituído por uma dolina de 124m de profundidade e 500m de diâmetro. Trata-se se um raro

lugar com ecossistema próprio, já que no fundo desta dolina existe um lago, e vegetação

particulares, isoladas do ambiente externo à dolina. O entardecer neste local presenteia os

visitantes com a revoada estrondosa das araras-vermelhas.

Por fim, há por hora apenas um atrativo cultural aberto a visitação, (de acordo com a

categorização do COMTUR) – O Projeto Jibóia –, que apresenta o “trabalho de

desmistificação das serpentes”. Percebendo que os atrativos culturais poderiam se configurar

em novos produtos turísticos, alternativos aos de aventura e de ecoturismo, o Instituto

Hospitalidade, no âmbito do Movimento Brasil de Turismo e Cultura (MBTC), realizou ao

longo de 2006 estudos visando o fomento de aspectos culturais no processo de

desenvolvimento turístico de Bonito. Este projeto, de cunho participativo, aponta em

relatórios preliminares que existe uma real preocupação com o resgate e a valorização da

cultura local, e com sua adequação para o ecoturismo. Assim, foi realizado um levantamento

de possíveis pontos de interesse cultural, como oficinas de artesanato, museus históricos e

capelas – que são também cenário do folclore local.

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Tabela 16 – Tipos de Atrativos Turísticos em Bonito.

Tipo de atrativo Número de atrativos

em propriedades

particulares

Número de atrativos

públicos

Total

Entretenimento 1 7 8

Aventura 5 0 5

Ecoturismo 13 2 15

Cultura 1 0 1

Total 20 9 29

Fonte: COMTUR, 2006.

A preocupação com o resgate da cultura local não é preocupação apenas da comunidade local

em busca do fortalecimento de sua identidade, mas também do trade turístico. Segundo o

entrevistado B, as tendências de mercado apontam para um turismo que valoriza cada vez

mais a qualidade da experiência de viagem – a vivência em viagem. Complementa que a

prestação de serviços de excelência continua sendo essencial, contudo, os novos produtos

turísticos devem proporcionar lembranças memoráveis de viagem. Em sintonia com esta

tendência, o mercado de ecoturismo (entrevistado B), está buscando a maior diferenciação de

seus produtos no sentido da vivência cultural, sendo esta, um novo indicador do grau de

especialização das operadoras. Assim, a criação de mecanismos para que o trade agregue

aspectos culturais aos seus produtos já marcados como de natureza, é considerado apropriado

para o ecoturismo de Bonito (MBTC, 2006), além de estar em consonância com uma das

premissas da sustentabilidade, a que considera o ambiente cultural do destino.

Como vimos, o ecoturismo que se faz presente no destino de Bonito conta com uma ampla

variedade de atrativos, e parece estar inserido em uma dinâmica de expansão, através da

constante preocupação do trade com o desenvolvimento de novos produtos turísticos, fato

impulsionado pelas inúmeras pesquisas realizadas na região. Mas a estrutura turística de

Bonito não é notável apenas pela quantidade e diversidade de atrativos. Além deles, e para

eles, se desenvolveu todo um aparato institucional específico, que merece destaque.

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4.4.2 Estrutura turística institucional de Bonito e o desempenho do destino

O visitante que planeja apreciar os atrativos de Bonito, deve inserir-se obrigatoriamente na

dinâmica local de organização da cadeia do ecoturismo. Isto ocorre pois é necessário agendar

previamente, com uma agência de turismo, um dos roteiros de visitação oferecidos, e adquirir

um Voucher de visitação. As agências, mediante uma consulta de disponibilidade do passeio

junto à Secretaria de Turismo que respeita as limitações ambientais estabelecidas para cada

tipo de atrativo, emitem o Voucher de visitação, sem o qual é impossível / proibida a visita

aos diversos atrativos.

De acordo com a resolução normativa que regulamenta a expedição do Voucher Único, o uso

deste é obrigatório para os turistas na visitação de todos os atrativos naturais, e todas as

agências de turismo são obrigadas a requisitar junto à Secretaria Municipal de Turismo e

Desenvolvimento Econômico, blocos de Voucher numerados, que são distribuídos

gratuitamente. Assim, o Voucher é emitido e controlado pela Secretaria do Turismo e de Meio

Ambiente de Bonito, e comercializado pelas agências de turismo do município.

Mesmo nos períodos de maior movimento turístico, os limites de visitação estabelecidos pela

Secretaria de Turismo são respeitados e fiscalizados. Nestes períodos, algumas operadoras

compram da Secretaria de Turismo, com antecedência, os Vouchers dos atrativos mais

procurados, para garantir a seus visitantes a inclusão destes atrativos, como o da Gruta Azul,

em seus pacotes combinados. Não é possível fazer reservas de Vouchers junto à secretaria, o

que exclui a possibilidade de barganhas de preços entre as operadoras e este órgão público na

compra de grandes quantidades de Vouchers.

A mesma resolução estabelece ainda valores fixos para os passeios vendidos, e para as taxas

de visitação a serem cobradas pelos proprietários dos atrativos. Determina ainda que o

recolhimento dos tributos a serem pagos pelos proprietários e pelos guias de turismo está sob

responsabilidade de cada uma das agências – estes montantes devem ser descontados

diretamente do pagamento das agências para seus fornecedores (guias e proprietários). As

agências também devem repassar semanalmente as frações da arrecadação da venda dos

ingressos aos proprietários das fazendas, e aos guias, encaminhando à Prefeitura os Vouchers

junto com o valor de ISS42 de todos prestadores de serviço já recolhido.

Assim, fica obrigatória a prestação de contas semanal por parte das agências, o que possibilita

42 Imposto Sobre Serviços.

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ao departamento de tributação da Prefeitura Municipal, recolher devidamente o tributo. Os

proprietários de locais de visitação turística também estão obrigados a exigir o Voucher

padronizado. Desta forma a Prefeitura Municipal centraliza o controle do número de pessoas

por passeio mediante um sistema informatizado, que é consultado pelas agências antes da

realização da venda, para liberação da visita, conforme o limite máximo de visitantes

estabelecido para cada atrativo, considerando sua fragilidade ambiental.

Como vimos, com a implementação do Voucher único, do estabelecimento de uma série de

leis de regulamentação da atividade turística, da presença do PRODETUR/Sul, e da

instituição do COMTUR, o destino de Bonito parece ter encontrado uma forma de ordenação

da atividade turística coerente com a perspectiva da sustentabilidade, prezando pela

preservação ambiental, inserção da comunidade local e valorização da cultura. Interessante

que estas medidas foram sendo adotadas ao longo do desenvolvimento do turismo na região,

favorecidas pelo surgimento de parcerias público-privadas, e pela articulação e

compartilhamento de uma visão de longo prazo entre os diversos atores, ainda na aurora do

turismo, na década de 1980.

Atualmente, não é apenas a visão de longo prazo que o trade turístico compartilha. Seus

atores, com o intuito de dinamizar a troca de informações, determinaram a criação de alguns

sites institucionais, dos quais dois têm destaque: o site institucional do COMTUR e o do

Destino de Bonito.

Ambos os sites são mantidos com recursos disponibilizados pelo COMTUR, e determinados

no planejamento estratégico anual. O site do COMTUR disponibiliza em sua página inicial,

links para artigos sobre Bonito veiculados na mídia, informativos, atas das três ultimas

reuniões, e novas convocações de reuniões do Conselho. Tem duas seções principais: a

primeira sobre o COMTUR (o que é COMTUR, missão, conselheiros, legislação,

planejamento, calendário, convocações, atas, ações, parceiros e contatos), em que se destaca

o compartilhamento de documentos sobre a legislação vigente no município e no estado; a

segunda sobre o destino de Bonito, com conteúdo equivalente ao site institucional de Bonito.

O site de Bonito ‘uma viagem virtual pelo paraíso ecológico’ (BONITO, 2006) tem o objetivo

de divulgar o destino nacional- e internacionalmente. Nele são disponibilizadas informações

gerais sobre a cidade de Bonito (guia da cidade, como chegar, mapas, fotos, previsão do

tempo), sobre a região (história, cultura local, culinária), e também links para reportagens

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sobre Bonito, para projetos, enquetes, publicidade, fóruns de discussão, e artigos de

colunistas. A principal ferramenta do site disponibiliza um sistema de contato direto para

reserva de hospedagens e passeios. Encontra-se nele ainda uma lista com todas opções de

hospedagem, alimentação e passeios, com telefones para contato.

Esta prestimosidade na organização de toda cadeia produtiva, somada às criativas iniciativas

em coordenar as diversas instâncias do poder público, através de uma articulação local forte,

implicou, naturalmente, em um aumento expressivo tanto da oferta qualificada de serviços

turísticos como da demanda pelo destino.

A conjugação destes fatores proporcionaram um crescimento acelerado da atividade turística

em Bonito (ver Tabela 17). Além da dinamização da economia local, segundo o IPEA (2005),

este crescimento ainda contribuiu para uma melhoria sensível na infra-estrutura turística tanto

na qualidade das instalações, como na qualidade da prestação de serviços.

Tabela 17 – Crescimento da atividade turística entre 1993 e 1999.

1993 1999

Número de leitos na

hotelaria

300 unidades Superior a 3000

unidades

Empregos diretos em

atividades turísticas

180 postos de

trabalho

865 postos de

trabalho

Número de agências

de turismo

6 estabelecimentos 24 estabelecimentos

Fonte: IPEA, 2005, COMTUR, 2006.

Sem dúvida, a expansão do trade turístico de Bonito acompanhou o expressivo aumento do

fluxo turístico que se observou ao longo da década de 1990. Conforme se observa na Tabela

18, a região que, no início da década, recebia em torno de 12.000 turistas por ano, passa a

receber ao final desta mais de 60.000 turistas, o que representa um aumento da ordem de

385,37% no fluxo, gerando múltiplos benefícios para a economia local (PRODETUR SUL,

2006).

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Tabela 18 – Fluxo de Turistas Comparativo: Mato Grosso do Sul e Bonito, 1994 à 2000.

Ano Total de Turistas no Estado do Mato Grosso do Sul

% crescimento Estimativa do total de turistas na região de Bonito

% crescimento

1994 315.876 12.365 1995 407.205 28,92 16.584 34,12 1996 507.100 24,53 20.993 26,58 1997 613.717 21,02 24.652 17,42 1998 862.870 40,59 35.719 44,89 1999 1.147.300 32,96 46.138 29,16 2000 1.473.840 28,46 60.016 30,07 Crescimento acumulado

366,59 385,37

Fonte: Fudação de Turismo de Mato Grosso do Sul (FUNDATUR), 2000.

Ao lado do Pantanal sul-mato-grossense, a região da Serra da Bodoquena constitui um dos

destinos mais representativos do estado. Os números apresentados se referem à visitação dos

três municípios, Bonito, Jardim e Bodoquena.

O segmento do ecoturismo detém, segundo dados do IPEA (2005), a responsabilidade por

mais de 50% dos empregos diretos na região. Dados coletados no Boletim de Ocupação

Hoteleira (BOH) ou nas Fichas Nacionais de Registro de Hóspedes (FNRH) da EMBRATUR,

apontam que 20% dos visitantes de Bonito são estrangeiros, enquanto 80% representam os

turistas nacionais. Embora a visitação seja predominantemente doméstica, os ecoturistas

estrangeiros apresentam um gasto médio por dia de R$ 142,16, o que é superior ao gasto

médio dos brasileiros, equivalente a R$ 83,25 (PRDETUR SUL, 2004; IPEA,2005).

Dados divulgados mais recentemente pelo Departamento de Informações e Estatística da

Fundação de Turismo do Mato Grosso do Sul, afirmam que o Estado do mato grosso do Sul

percebeu um aumento de 23,9% no fluxo turístico de 2005, com relação ao ano anterior.

Embora este índice signifique uma queda no fluxo turístico dos últimos anos, foi maior do que

a média nacional de 15%, e muito superior à media mundial, que segundo a OMT é da ordem

de 5% ao ano (MARACAJUNEWS, 2006; AGORAMS, 2006).

* * * *

Reconhecido o potencial natural da região, a diversidade de atrativos que se formaram, e as

estruturas institucionais que direcionam o destino de ecoturismo ante as premissas da

sustentabilidade, é necessário que algumas ressalvas sejam consideradas com relação às

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limitações do modelo produtivo de ecoturismo que se implementou em Bonito. Seja a partir

da percepção dos visitantes - embora a percepção dos visitantes não seja um elemento central

às análises deste estudo -, seja a partir da percepção das operadoras de ecoturismo localizadas

fora do destino, o ecoturismo em Bonito recebe algumas críticas que merecem constar, já que

tratam-se de elementos da cadeia produtiva, e sua ordenação.

O entrevistado B conhece bem o tipo de feed-back que seus clientes trazem: na percepção dos

ecoturistas, Bonito “é um atrativo engessado”. Explica que o ecoturista, ao adquirir um pacote

combinado para este destino, pretende abandonar suas rotinas de trabalho e estilo de vida das

grandes cidades. Ao chegar em Bonito, depara-se com horários rígidos de visitação, listas de

espera para adquirir os Vouchers dos principais atrativos, e regras excessivas determinam o

que levar, o que não levar, quando tomar banho no rio, por quanto tempo, quando sair do rio,

quando almoçar, quando chegar, quando partir, quando descansar, quando interagir, quando

comprar, onde andar etc. Assim, o ecoturista encontra no destino exatamente aquilo de que

pretendia se livrar no momento de lazer. O entrevistado entende que toda a regulamentação

em função da preservação ambiental, embora digna de grandes méritos, acaba por roubar dos

turistas a possibilidade de uma vivência mais intensa, e conseqüente sensibilização pelo meio

ambiente e pela cultura local. Os roteiros são pasteurizados, engessados, há um rigor na

visitação e regras demais, que em nada agradam aos turistas.

Além da percepção dos turistas sobre a pasteurização dos roteiros em Bonito, outro aspecto

nada róseo para as operadoras dos grandes pólos emissivos é a falta de envolvimento de todos

atores na cadeia de turismo de Bonito. O entrevistado B menciona que os pacotes são caros, e

não nem sempre comissionam as operadoras emissivas. Desta forma, o ecoturista que compra

pacotes nas operadoras de centros emissivos, paga preços iguais aos que pagaria comprando

roteiros no próprio destino. Os atores emissivos ficam excluídos da lógica da cadeia produtiva

local do turismo em Bonito – que se torna ‘hermeticamente fechada’.

Quanto a este ponto, o entrevistado C acrescenta que o número de passageiros que compram

pacotes combinados está diminuindo ao longo dos últimos anos. Para ele, isto acontece devido

à falta de percepção do turista com relação à qualidade da prestação de serviços nos atrativos

locais. Como os preços de passeios são tabelados, praticamente não há margens para

diferenciação de produtos.

Feitas estas ressalvas, o entrevistado C reconhece o sucesso da organização do turismo em

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Bonito para o incremento de seu fluxo turístico, a promoção da preservação ambiental e

inclusão da comunidade local, e menciona outro fato interessante: para os fazendeiros

concessionários da maioria dos atrativos de ecoturismo, as receitas geradas pelo ecoturismo

representam 10% de suas receitas totais; os outros 90% advém das atividades da pecuária e

agricultura. Assim, o turismo não constitui, para estes atores da cadeia, sua única fonte de

rendimentos, e nem a mais importante, na visão deste entrevistado. Quanto ao grande número

de agências, este mesmo entrevistado observa pertinentemente, que apenas três delas são

agências de fato – agências de rua, operadoras de ecoturismo. Todas as outras são agências

pertencentes aos meios de hospedagem para que detenham a operacionalização dos passeios

de seus próprios hóspedes.

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55 AA QQ uuee ss tt ããoo II nnss tt ii tt uucc ii oonnaa ll ee aa DDii ss ppaarr ii ddaaddee ddee DDeessee mm ppee nnhhooss

5.1 A importância de boas estruturas de governança

5.1.1 A visão institucionalista

Na perspectiva institucionalista, a sociedade é uma rede, um tecido de instituições,

organizações, estabelecimentos, agentes e práticas. Nela, as instituições interpenetram-se e

articulam-se para regular a produção e a reprodução humana (BAREMBLIT, 1998 apud

BASTOS et al. 2004). O conceito de instituição é basilar nesta abordagem, e equivale às

árvores de decisão lógica que regulam as atividades humanas indicando o que é válido para as

diferentes sociedades, e se traduzem em leis, normas ou pautas. Schvarstein (apud BASTOS,

2004) apresenta a seguinte diferenciação entre instituições e organizações: para ele, as

instituições são “corpos normativos de natureza jurídica e cultural integrados por idéias,

valores, crenças, e leis que determinam as formas de intercâmbio social”. Trata-se de um nível

da realidade social que define o conjunto de normas e valores estabelecido que sustenta

determinada ordem social. Enquanto as instituições são abstrações, as organizações são seu

suporte material, o lugar em que elas se materializam e exercem seus efeitos sobre os

indivíduos. A relação entre instituições e organizações não é unidirecional, mas sim,

recíproca, tendo suas barreiras fluidas (SCHVARSTEIN apud BASTOS, 2004, p. 77).

A abordagem institucionalista tem relevância pautada na sua difusão por diversos campos de

estudo, como a economia, administração, psicologia social, antropologia e ciências políticas

(BASTOS e outros, 2004). Segundo estes autores, as diversas correntes do institucionalismo

podem ser divididas em dois pólos: o das análises sociológicas (designadas neo-

institucionalismo), e o das análises econômicas (que compõem o corpo teórico da Nova

Economia Institucional).

Este trabalho adota a perspectiva institucionalista para analisar a cadeia produtiva do

ecoturismo com o intuito de compreender e explicar, a partir deste olhar, as diferenças de

desempenho entre os dois destinos sob análise, mantendo em vista a aderência desta atividade

econômica com as premissas da sustentabilidade. Esta abordagem insere-se, assim, no pólo

das análises econômicas.

Uma das principais características da perspectiva institucional ponderada para adoção desta

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perspectiva, é a possibilidade de articulação de diversos elementos explicativos pertencentes a

diferentes campos de estudo, considerando a interdisciplinaridade que embebe esta

perspectiva, e que será tratada em seguida. Isto se justifica pela pretensão holística na

compreensão do fenômeno tratado neste estudo de caso comparado – o desenvolvimento do

ecoturismo. Apresentam-se inicialmente alguns conceitos e linhas mestras da abordagem

econômica na perspectiva institucional, que irão fundamentar as análises realizadas neste

trabalho.

5.1.2 A Nova Economia Institucional - NEI

A Nova Economia Institucional (NEI) emerge, dentre outras abordagens como um

instrumental analítico para o estudo do desenvolvimento econômico. É um movimento

teórico-metodológico que articula os níveis macro e micro da análise social (CABRAL,

2005).

O campo de estudos da NEI compreende segundo Zilbersztajn, Lazzarini e Chaddad (1998

apud BASTOS et al. 2004, p. 82) e Alban (2006), duas vertentes principais: a primeira estuda

as estruturas de governança, e tem embasamento na Teoria dos Direitos de Propriedade e na

Economia dos Custos de Transação – é a vertente das estruturas de governança; a segunda

estuda as instituições de forma ampla, enfatizando aspectos históricos e ligações com outros

campos das ciências sociais – a vertente do ambiente institucional. Para a NEI, as instituições

são elementos chave da dinâmica econômica, e cumprem o papel de reduzir incertezas e

estabilizar a conduta humana tornando-as minimamente previsíveis, ou seja,

institucionalizadas (BASTOS e outros, 2004, p. 82). Assim, as instituições têm o papel de

estabelecer limites para que os indivíduos estruturem sua própria interação, compreendendo

parâmetros formais (regras, leis, constituições) e informais (convenções, valores, códigos de

comportamento). Estes autores apontam que uma das principais características do pensamento

institucionalista é o entendimento de que “as mudanças sociais ocorrem, necessariamente, de

forma gradual, lenta e cumulativa, na maior parte das vezes” (BASTOS e outros, 2004, p. 82).

Para a NEI, o conceito de instituição corresponde às “regras do jogo”, o que implica na

capacidade reguladora enquanto agências legitimadoras de papéis, normas e valores. As

instituições tornam mais previsíveis os comportamentos dos atores envolvidos em transações

(BASTOS e outros, 2004, p. 82).

O termo “neo-institucionalismo” pode ter diferentes raízes epistemológicas, que segundo Hall

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e Taylor (1996, p.950, apud CABRAL, 2005) se dividem em três grandes vertentes:

sociológica, histórica ou racionalista. É nesta última vertente que a NEI se insere, ao lado das

teorias norte-americanas da escolha racional. Para estes autores, todas estas vertentes foram

influenciadas pelos chamados “velhos institucionalistas”, representados por Thorstein Veblen,

que desenvolveu o conceito de instituições, e John Commons, primeiro a reconhecer a

transação como unidade de análise. Estes autores, ao não incorporarem pressupostos da

ortodoxia econômica43, passaram a constituir a denominada heterodoxia econômica.

Já Zilbersztajn (1995), citando Williamson, (1993, p. 3) afirma que a corrente institucionalista

tradicional pouco tem a ver com a NEI, sendo que suas principais críticas se referem ao

enfoque descritivo, historicamente específico e não cumulativo, “negando portanto, qualquer

relação de antecedência teórica entre o institucionalismo tradicional e a nova economia das

instituições” (ZILBERSZTAJN, 1995, p. 13).

5.1.3 Vertente das estruturas de governança

As contribuições mais expressivas para o corpo teórico da NEI, embora aceitas tardiamente

pela comunidade econômica, foram formuladas por Ronald Coase em 1937. Este autor

entendia que a firma44, ao poder realizar as mesmas funções do mercado, se constituiria numa

forma alternativa a este para coordenação da atividade econômica (WILLIAMSON, 1985,

apud CABRAL, 2005). Assim, o objetivo fundamental da NEI é o de estudar os custos de

transação como indutores dos modos alternativos de organização da produção (Zilberstajn,

1995, p. 15), reconhecendo a transação como unidade de análise.

Os custos de transação, segundo Coase, é que constituiriam o elemento definidor da estrutura

de coordenação econômica mais adequada (este ponto será retomado adiante). Estes custos se

distinguem dos custos de produção, e podem ter duas naturezas: os custos de coleta de

informações e os custos de estabelecimento de contrato, e estão relacionados com o ato de

selecionar, negociar, definir e salvaguardar acordos e contratos (BASTOS e outros, 2004;

CABRAL, 2005).

Para reconhecer as transações, e os custos de transação implicados na cadeia produtiva do

turismo, é valido retomar sua singularidade, determinada pelo deslocamento do mercado

43 “A análise neo-clássica ocorre em um ambiente estéril, onde assume-se a inexistência de custos associados ao funcionamento da economia, superestimando o papel do preço como alocador dos recursos e negligenciando os fatores isntitucionais” (ZILBERSZTAJN, 1995, p.14). 44 para esta vertente teórica, o conceito de firma é equivalente a um complexo de contratos.

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consumidor (os turistas) até o produto (os atrativos turísticos), e sua implicação. O

deslocamento do turista requer transações de compra, venda e estabelecimento de contratos

próprios, já que este deverá articular meios de transporte, meios de hospedagem, e meios de

fruição do espaço que pretende visitar. Pode estabelecer estas transações de forma

independente, ou por meio da compra de pacotes combinados de operadoras especializadas.

Em ambos os casos, as transações envolvem a compra e consumo de uma série de bens e

serviços privados (como vôos, hospedagens e refeições) e bens e serviços públicos (como

estradas, saneamento, segurança e a própria natureza). Os custos de transação, agora

apropriados para o estudo do ecoturismo, são aqueles relacionados à coleta de informações e

estabelecimento de contratos que promovem a articulação de toda a cadeia produtiva do

ecoturismo, possibilitando ao turista a visitação do destino ecoturístico.

Além dos custos de transação, outro conceito central à NEI é o de estrutura de governança,

que corresponde ao arcabouço institucional no qual a transação se realiza, abarcando o

conjunto de instituições e agentes diretos na transação e na garantia de sua execução

(BASTOS e outros, 2004, p. 83). Com base nestes dois conceitos centrais, entende-se que as

organizações existentes em dado momento histórico refletem as oportunidades oferecidas pela

matriz institucional vigente. A matriz institucional se define pela composição entre arranjos

institucionais e o ambiente institucional (NORTH, 1994; BASTOS e outros, 2004; CABRAL,

2005).

Ao compreender as estruturas de governança que se desenvolvem nos diferentes destinos de

turismo, e de ecoturismo, torna-se possível inferir como se dá a articulação entre os agentes

envolvidos na cadeia turística, dada sua complexidade, bem como o conjunto de regras que

rege esta articulação para a realização das transações necessárias à promoção da visitação do

atrativo. No caso específico do ecoturismo, esta estrutura de governança deve contemplar a

preservação ambiental como elemento chave na implementação da sustentabilidade em suas

diversas dimensões, considerando as características específicas de cada atrativo como, por

exemplo, extensão, fragilidade e diversidade ambiental, bem como características culturais e

históricas.

A partir dos conceitos apresentados, o de custos de transação e de estrutura de governança, é

possível entender os dois pressupostos fundamentais adotados pela perspectiva teórica da

NEI. O primeiro surge da percepção de que existem custos tanto na utilização do sistema de

preços, como na utilização de contratos intra-firmas (estruturas de governança). O segundo

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surge do entendimento que as transações ocorrem em ambientes institucionais estruturados, e

que as instituições interferem nos custos de transação (Zilbersztajn, p.16).

A Economia dos Custos de Transação (ECT), consolidada a partir dos trabalhos de

Williamson (1985), também se adere ao arcabouço teórico da NEI. Nesta abordagem, a

transação é tomada como unidade de análise em um contexto de racionalidade limitada, de

incerteza, e de informação imperfeita45. O intuito de minimização destes custos é que

explicará a conformação de arranjos institucionais apropriados para coordenar as transações

de maneira eficiente (FARINA e Outros, 1997, apud CABRAL, 2005).

Para compreender como a escolha de estruturas de governança é explicitada pela ECT (ver

Ilustração 7), retomam-se questões centrais à sua construção teórica: por que existem firmas?

Como escolher entre hierarquia e mercado? Por que o mercado não é eliminado produzindo-se

tudo numa única firma? Coase (1937) lançou as bases para que se reconhecesse que, recorrer

ao mercado nas etapas produtivas de um bem ou serviço implicava em custos significativos, e,

que as firmas surgiam no intuito de minorar estes custos.

Os agentes produtivos encontram-se diante de duas opções: produzir seus próprios insumos

ou adquirí-los no mercado de fornecedores independentes. No ecoturismo, a escolha, por parte

das agências, envolve questões do tipo: deter a operação do destino ou contratar serviços de

operadoras locais; ser proprietária dos meios de transporte ou realizar fretamentos; formar

uma equipe de guias de ecoturismo ou contratar guias especializados locais; ser proprietária

de meios de hospedagem, estabelecer parcerias com meios já existentes obtendo vantagens de

preços, ou ainda, depender da disponibilidade de hospedagem a cada novo pacote vendido e

operacionalizado.

Para a NEI, “a melhor opção implica em avaliar as vantagens da firma sobre o mercado, e do

mercado sobre a firma. O que dinamiza esta escolha são os custos de transação” (BASTOS e

outros, 2004, p. 83). À medida que os custos das transações realizadas no mercado aumentam,

substitui-se a estrutura de governança ‘mercado’ pela estrutura ‘hierárquica’. O contrário

também é válido. Os custos de transação são determinados tanto pelas características dos

atores envolvidos, como das características das transações.

45 Neste sentido, ao longo de sua consolidação, a NEI incorpora em seu arcabouço teórico contribuições de outras esferas do conhecimento: da psicologia adota o conceito de racionalidade limitada, postulado por Simon, e a noção de comportamento oportunista; e do direito, as teorias do direito de propriedade. Assim, se conforma como um corpo teórico intrinsecamente interdisciplinar (CABRAL, 2005).

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Quanto aos atores envolvidos na transação, a ECT se inspira nos conceitos de racionalidade

limitada, e de comportamento oportunista postulados no campo da psicologia social para

tornar mais tangível o conceito de custo de transação. A racionalidade limitada surge da

percepção de que existem limites cognitivos naturais no processo de apreender e estocar

informações. Isto ocorre devido aos diferentes modelos mentais que se processam em cada

indivíduo, e que interferem na forma de se descrever, explicar e dar sentido ao mundo para si

mesmos. Assim, ao contrário do que pressupõe a ortodoxia econômica, a racionalidade na

tomada de decisões, e, também na elaboração de contratos, não é plena, e sim, limitada,

incorrendo em custos46 (BASTOS e outros, 2004; ALBAN, 2006).

O comportamento oportunista implica na defesa do interesse próprio com astúcia, segundo

Bastos e outros (2004), incluindo práticas com intuito de enganar, ofuscar e confundir. Assim,

quando uma organização assina um contrato de fretamento que sabe que não pode cumprir, ou

quando um fornecedor de hospedagem reduz a qualidade do serviço prestado para reduzir

custos, já que não pode influenciar no preço a seu favor, têm-se exemplos de comportamento

oportunista.

Relembrando que os custos de transação se definem pelos custos de coleta de informações e

de elaboração de contratos, temos que, em transações mais complexas, a racionalidade

limitada implica na impossibilidade de se captar informações precisas ou de se prever todas as

contingências, o que resulta em contratos intrinsecamente incompletos. Além disto, diante da

possibilidade de comportamentos oportunistas, a limitação dos contratos pode implicar em

dificuldades de renegociação e perdas para alguma das partes (ALBAN, 2006). As

características comportamentais dos atores envolvidos na transação, associadas à incerteza

ambiental e à complexidade das transações, naturalmente criam condições para elevados

custos de transação.

Em função das críticas à intangibilidade que caracterizava os custos de transação, e sua difícil

mensuração, Williamson (1985) passa a atribuir três dimensões objetivas e observáveis às

transações, que auxiliam a ECT a explicitar a escolha entre as estruturas de governança mais

adequadas: especificidade de ativos, freqüência, e incerteza.

46 os custos ex-ante são aqueles que se têm ao esboçar, negociar e salvaguardar um acordo. Os custos ex-post são aqueles decorrentes de problemas de adaptação dos contratos, que surgem quando sua execução é comprometida por atrasos, erros ou omissões que surgem após seu estabelecimento (AZEVEDO, 1996, p.220, apud CABRAL, 2006).

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Na dimensão da especificidade de ativos subscrevem-se os ativos que proporcionam alta

produtividade, porém, não podem ser reempregados de outra forma, a não ser com sacrifício

de seu valor produtivo e de mercado.47 São ativos voltados para fins específicos,

potencialmente valiosos. A existência de ativos específicos reforça a dependência entre

agentes produtivos. Os custos de transação dimanam desta articulação para garantia da

adequada utilização dos ativos específicos (BASTOS e outros, 2004; ALBAN, 2006). Toma-

se como exemplo o caso de meios de hospedagem, seja de grande porte, com serviços

específicos, ou ainda presentes em distantes localidades. Este tipo de ativo só pode ser

adquirido no destino ecoturístico em que se localiza, e só pode ser utilizado como meio de

hospedagem. Além disto, suas unidades habitacionais não podem ser estocadas caso não

sejam ocupadas, tendo uma grande perecibilidade. Portanto, este tipo de meio de hospedagem

pode ser considerado um ativo específico. Outros exemplos de ativos específicos encontrados

na cadeia turística são os aeroportos regionais, ou serviços de transporte e condução de

visitação de alta qualidade.

A segunda dimensão é aquela que possibilita a diluição dos custos de transação por unidade

de transação: a freqüência. De fato, quanto mais freqüentes as transações, menor será o custo

dos mecanismos criados para assegurar sua realização e garantir sua execução. A freqüência

também pode levar estes custos à níveis quase nulos, ou nulos, fato observado na presença de

mecanismos de retaliação que inibem o comportamento oportunístico na transação, ou no

desenvolvimento de reputação de marcas (ALBAN, 2006). A implicação desta dimensão no

ecoturismo é que os ecoturistas dificilmente visitam o mesmo lugar mais de uma vez, e assim,

não conseguem realizar uma avaliação comparativa da qualidade dos serviços oferecidos no

destino. Incapazes de avaliar a qualidade, acabam fazendo opções por roteiros pautados

exclusivamente na comparação de preços, o que acaba incentivando processos de seleção

adversa48 em todo destino.

A incerteza, a terceira dimensão, afeta os custos de transação na medida que dificulta a

distinção e definição de riscos, as probabilidades das ocorrências que podem afetar a

transação. Um ambiente de incerteza favorece a ocorrência de comportamentos oportunistas, e

acentua as conseqüências da limitação da racionalidade. 47 Pode-se citar como exemplo ilustrativo de outra indústria, o caso de equipamentos que produzem um tipo específico de borracha para uma montadora. Se a montadora suspende a compra deste tipo de borracha, seus fornecedores podem ter a viabilidade de seu negócio comprometida. 48 Entende-se por seleção adversa a incapacidade dos ofertantes de tornar evidente a diferenciação dos seus produtos em termos de qualidade. Assim sobrevivem apenas os ofertantes de qualidade mais baixa (AKERLOFF, 1970).

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Embora a caracterização das transações através de três dimensões mensuráveis tenha efeito

didático e analítico importantes, é preciso manter em mente que estas dimensões não existem

isoladamente, e sim, atuam interativamente nas transações, implicando em diferentes

estruturas de governança (ALBAN, 2006). Através das contribuições de Williamson, os

custos poderiam, então, ser inferidos a partir de seus diferentes tipos, o que conferiu certo

grau de predição aos fenômenos analisados sob a ótica da ECT, principalmente a escolha de

estruturas de governança mais eficientes para os diversos arranjos contratuais (CABRAL,

2005).

Apropriando-se das três dimensões que caracterizam as transações segundo Williamson,

pode-se verificar que a cadeia turística tende a incitar altos custos de transação, exigindo

portanto estruturas de governança complexas para dar conta da organização desta cadeia.

Segundo Alban (2006), em linhas gerais pode-se entender que, dado um determinado

ambiente institucional, se especificidade de ativos, freqüência e incerteza são baixos, tende-se

a uma estrutura de mercado. Se tanto a especificidade de ativos, como a incerteza, são

elevadas, e não existe freqüência, ou ela não pode ser garantida, tende-se para hierarquias

administrativas internas. Os casos intermediários adotariam estruturas híbridas com base em

contratos.

Bastos e outros (2004), ainda apresentam uma possibilidade de estrutura de governança, a que

denomina trilateral (híbrida na nomenclatura anterior). Esta ocorre quando há uma

participação ex-ante de uma terceira parte com a finalidade de avaliar a transação, e

solucionar eventuais litígios (ex-post). Aplica-se quando as transações são eventuais, e

envolvem ativos específicos.

Caracterizado o primeiro nível analítico da NEI - abordagem microanalítica que ficou

conhecida como corrente das Estruturas de Governança -, pode-se utilizar o mesmo

instrumental da ECT em análises macro-institucionais, conforme pontua Cabral (2005),

conformando a segunda corrente dentro da NEI, a do Ambiente Institucional.

5.1.4 Vertente do ambiente institucional

A vertente do ambiente institucional encontra em Douglass North seu principal representante.

North estabeleceu, em análises que lhe renderam o Prêmio Nobel em 1993, as relações entre

instituições e desenvolvimento econômico. Aprofundou-se no estudo da evolução das

instituições e seus impactos no desenvolvimento econômico por meio de métodos

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quantitativos, o que permitiu sua ampla aceitação acadêmica, segundo Cabral (2005). Este

autor combina teorias sobre comportamento humano com as teorias de custos de transação,

permitindo a compreensão da razão da existência das instituições, e qual seu papel no

desempenho das sociedades em que atuam, reduzindo incertezas, definindo ou limitando

escolhas individuais, e determinando, em conjunto com as tecnologias empregadas, os custos

de produção e transação.

Instituições são, para este autor, as restrições impostas pelos indivíduos para condicionar e

estruturar as interações sociais. “Também podem ser entendidas como mecanismos de

controle da ação coletiva sobre as ações individuais, ou ainda, os caminhos comportamentais

para um grupo” (NEALE, 1994 apud CABRAL, 2006). As instituições emergem a partir da

evolução das sociedades e da interação dos seus indivíduos, realizando papel de imposição de

restrições das condutas individuais, ou de outras instituições. Estas restrições podem ser de

caráter formal ou informal.

North percebe a coexistência destes dois tipos de instituições nos diversos grupos sociais: as

instituições formais são concebidas para atender os interesses políticos de seus idealizadores;

as informais tem raízes nos sistemas de crenças sociais, que influenciam efetivamente o

comportamento individual. Ao contrário das instituições formais, estas não podem se

construir, ou mudar em um pequeno espaço temporal (ver Ilustração 6), e dependem das

diferentes trajetórias sociais e das escolhas institucionais empreendidas anteriormente

(CABRAL, 2005).

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Ilustração 6 – Processos de Mudanças Institucionais. Fonte: Williamson, (2000)

Quanto às instituições formais, existem, segundo Shirley e Ménard (2002 apud CABRAL,

2006) quatro conjuntos: instituições reguladoras, judiciais, políticas e externas. As instituições

reguladoras estão ligadas ao poder público, e são responsáveis pelo estabelecimento e

cumprimento das regras estabelecidas em contratos firmados entre governos e atores privados.

Podem atuar definindo políticas de preços, e mediação de litígios, e são susceptíveis às

pressões de grupos interessados nos resultados de suas ações.

As instituições judiciais incluem leis que asseguram direitos de propriedade e suportam

contratos. Os atores que interagem com estas instituições são juízes, membros do ministério

público, desembargadores, defensores públicos, dentre outros. Já as instituições políticas

respondem em primeira instância, aos interesses sociais de forma ampla, ficando sujeita ao

poder de influência de diferentes grupos de interesses. Por fim, entende-se por instituições

externas, aquelas que influenciam reformas na administração pública, como o Banco

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Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), Banco Mundial e Fundo Monetário (FMI), que

procuram estimular a credibilidade dos governos locais frente a investidores estrangeiros,

impondo restrições à ações arbitrárias por parte dos agentes públicos locais.

Embora as instituições formais não se limitem aos quatro conjuntos apresentados, esta

categorização é suficiente para a compreensão das instituições formais relevantes na provisão

de bens e serviços públicos, que é o caso da maioria dos atrativos naturais. Permite ainda a

compreensão da interação dos diversos atores da cadeia ecoturística, e das regras que regem

os acordos / contratos que se estabelecem entre os mesmos, ante as premissas da

sustentabilidade.

Em contraposição às instituições formais descritas acima, a vertente do ambiente institucional

da NEI incorpora em suas análises as instituições informais. Estas procuram entender a

relação entre o comportamento individual e sua parcial conformação no sistema de valores

sociais. O fato das instituições informais serem influenciadas por, e influenciarem a trajetória

de determinada sociedade através das instituições formais que se desenvolvem, evidencia a

aproximação da NEI com as esferas da antropologia e da psicologia social, o que reforça

novamente o caráter interdisciplinar deste corpo teórico.

É válido expandir a compreensão das instituições informais (tradição, cultura, crenças, valores

culturais) de que trata a NEI, adotando alguns conceitos da sociologia, antropologia e

psicologia social, para que se evidencie como estas regras informais permeiam o

comportamento individual, afetando, em última instância, toda a matriz institucional

considerada pela NEI na indução das diversas estruturas de governança.

Rabuske (1995), ao estudar a antropologia filosófica para compreender “o que é o Homem

numa perspectiva cultural”, retoma alguns conceitos de cultura, particularmente, o que foi

formulado por Jean Ladrière, para quem a cultura trata das instituições consideradas sob

aspectos tanto normativos como funcionais, “nas quais se exprime certa totalidade social e

que representam, para os indivíduos pertencentes a esta totalidade, o quadro obrigatório que

modela sua personalidade, prescreve-lhes suas possibilidades”, impondo certo estilo de

existência. (RABUSKE, 1995, p. 48). Longe de se afirmar um determinismo sociológico, o

autor enfatiza apenas que o indivíduo é, em parte, condicionado pelo meio, não perdendo,

entretanto, a liberdade individual de seu comportamento. Este autor acrescenta que o conceito

de valor “é aquilo que faz um ente ser desejável, ser objeto de uma tendência”, é sinônimo de

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‘bem’, de qualidade positiva” (1995, p. 178). Para ele, o valor implica em um momento

subjetivo da avaliação humana, e outro objetivo, onde o real satisfaz uma expectativa do

sujeito.

Os valores culturais, são elementos de profundidade intermediaria em determinada cultura49,

nos quais se cunham modelos mentais. Estão relacionados a preferências de sentido

emocional e a padrões de validade (KEESING, 1961, p. 651). Os valores culturais

pressupõem que a cultura “denota um padrão de significado transmitido historicamente que é

incorporado em símbolos”, é um sistema de concepções herdadas “por meio das quais os

homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em

relação à vida”. (GEERTZ, 1989, p. 103).

Segundo Casado (2005):

os valores culturais são fruto da história, e os grupos, ao compartilharem a história, também compartilham valores. Alguns comportamentos têm natureza eminentemente individual, como os traços estruturais de personalidade; outros possuem sua etiologia no convívio social, são a introjeção dos valores e normas sociais e são passados para as gerações seguintes como pressupostos de vida que avaliam e regulam as formas corretas e aceitáveis de proceder e sentir.

Os valores culturais, por se relacionarem a preferências de sentido emocional, possuem

componentes cognitivos, afetivos e comportamentais que definem a forma como as pessoas

agem e interagem (ALLPORT apud CASADO, 2005). São relativamente estáveis: caso

fossem completamente estáveis, a mudança individual e social seria impossível. Por outro

lado, se fossem instáveis, a continuidade da personalidade individual e da sociedade seria

impossível. (SMITH, PETERSON e SCHWARTZ, 2002, apud CASADO, 2005). A NEI

adota este entendimento, ao perceber que as mudanças institucionais / sociais ocorrem de

maneira gradativa, lenta e cumulativa.

Adeptos da NEI entendem que os sistemas de crenças e normas culturais das sociedades

podem influenciar na implementação de mudanças institucionais, à medida que interferem,

através das gerações, na mudança das concepções que estruturam as formas como as

diferentes sociedades percebem o mundo. Entender o percurso histórico dos grupos sociais,

ajuda a compreender as mudanças institucionais que se processam nas diferentes sociedades, e

que interferem na organização das cadeias produtivas. Schein (1989, p.19 apud CASADO, 49 A cultura pode ser analisada em diferentes níveis: no nível superficial, têm-se os artefatos visíveis; no intermediário, valores culturais; e no mais profundo, os pressupostos básicos de determinada sociedade (SILVA E ZANELLI, 2004, p. 411).

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2005) aponta o caminho para entender as crenças básicas que operam inconscientemente nos

indivíduos:

O modo mais simples de pensar sobre a cultura de qualquer grupo ou unidade social é pensar sobre isso como o total da aprendizagem coletiva ou compartilhada [...] enquanto desenvolvia sua capacidade de sobreviver a seu ambiente externo e de administrar suas questões internas. Cultura é a solução dos problemas externos e internos que funcionou consistentemente para o grupo e que, portanto, passou a ser ensinada aos novos membros como o modo correto de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas [...] passou a ser entendida como algo natural (taken for granted) e deixou de ser consciente.

A partir da expansão conceitual que se realizou para uma melhor compreensão da

complexidade das instituições informais que compõem a matriz institucional apresentada pela

NEI, a forma como permeia modelos mentais, e como é compartilhada entre os indivíduos,

evidencia-se, agora, a pertinência da apropriação destes conceitos para o entendimento da

cadeia produtiva do ecoturismo. Tanto o turismo, como o ecoturismo, se constituem no

principal paradigma das viagens da atualidade, conforme tratado em capítulo anterior. O

ecoturismo se insere em sociedades que se conformaram no predomínio de diferentes

atividades econômicas, como é o caso das comunidades de pescadores do litoral, dos

garimpos de ouro e diamantes do interior brasileiro, da extração de borracha nos seringais da

Amazônia, a pecuária no extremo sul, etc. Esta atividade surge ainda, em muitos casos, como

alternativa econômica para regiões distantes e em desenvolvimento. A chegada do

ecoturismo, coloca em confronto instituições informais elaboradas em contextos sócio-

econômicos diferentes, o que necessariamente traz implicações (ver Ilustração 7) para as

estruturas de governança que se estabelecem. O entendimento destes ambientes institucionais

contribui para a elucidação das estruturas de governança que se apresentam nos diversos

destinos de ecoturismo.

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Ilustração 7 – Esquema da indução das estruturas de governança.

Segundo Cabral (2006), parte significativa das pesquisas realizadas através da análise

institucional tem sido conduzidas, por meio de testes econométricos tipo cross-country, cujas

regressões tem evidenciado correlações positivas entre existência de instituições e

desenvolvimento econômico. Contudo, citando Shirley (2003, p. 19), este mesmo autor

aponta que a limitação neste tipo de análise consiste no fato de que muitas das variáveis

utilizadas para medir o impacto das instituições no desenvolvimento, são na verdade produtos

institucionais, e não instituições, condições sócio-econômicas, ou resultados de políticas

econômicas. Além disto, principalmente variáveis ligadas aos sistemas de crenças são

extremamente difíceis de serem medidas, na visão de Shirley. Este trabalho questiona o

intuito de se medir estas variáveis de características intangíveis, entendendo que sua

importância se configura, absolutamente, na compreensão da densidade do contexto

institucional informal que envolve determinadas realidades e fenômenos, e não na sua

mensuração para comprovação de relações de causa e conseqüência, o que implicaria em

‘navegar por mares’ de perigosos determinismos.

Se por um lado celebra-se a natureza interdisciplinar e evolucionária do corpo teórico da NEI,

Características das transações:

especificidades, freqüência e

incerteza.

Ambiente institucional:

regras formais e informais.

Regras contratuais

Pressupostos comportamentais:

oportunismo, racionalidade

limitada.

Estruturas de governança resultantes

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bem como a riqueza de suas categorias de análise, por outro, uma das principais limitações

reconhecida pelo próprio Williamson é que “o conceito de oportunismo não explica todas as

motivações dos agentes envolvidos em transações específicas”50 (1993 apud, BASTOS et al.

2004, p.85).

O corpo teórico da NEI, através de um movimento indutivo, pareceu adequado para embasar

as análises deste estudo de caso comparado, por suas características intrínsecas: permite um

entendimento apropriado da cadeia ecoturística como um tecido de instituições, organizações,

estabelecimentos, agentes e práticas; considera características dos atores e dos ativos

envolvidos nas transações para explicar o desempenho do segmento ecoturístico; e não é

indiferente às variáveis ambientais que podem interferir na organização de toda atividade.

Estas características estão em consonância com dois dos três pressupostos elaborados para

orientar este estudo: o primeiro que diz respeito à complexidade da cadeia turística e

conseqüente necessidade de arranjos institucionais adequados para fortalecer a cadeia

produtiva; o segundo, que investiga a implicação dos contextos sócio-culturais em que estas

cadeias se inserem. Para tratar do terceiro pressuposto, quanto aos atrativos, amplia-se o

corpo teórico deste trabalho para o campo dos tipos de bens.

5.2 O problema dos bens públicos

As idéias centrais da NEI, em suas duas vertentes analíticas, por agruparem diversos

conhecimentos acumulados nas ciências sociais, constituem um arcabouço teórico útil para

entender, através das estruturas de governança, a organização da produção de diversos bens e

serviços, incluindo-se os não privados. Ao retomar a complexidade da cadeia produtiva do

turismo, tem-se que o turista, ao se deslocar até o destino turístico, aciona e consome uma

série de bens e serviços públicos e privados. Considerações realizadas anteriormente, apontam

que o ecoturismo se desenvolve associado, em grande parte dos casos, à presença de áreas de

preservação do tipo Parques Nacionais, e, portanto, o tipo de bem que se consome, são,

também, bens públicos. Estes caracterizam a grande maioria dos atrativos naturais. Assim, é

preciso compreender o conceito deste tipo de bem, e suas implicações para a cadeia

ecoturística.

50 As formas de transação entre os indivíduos também podem ser compreendidas através das teorias da dádiva. Para compreender melhor este paradigma, ver: O Espírito da Dádiva (GODBOUT e CAILLÉ, 1999); O Enigma do Dom (GODELIER, 2001); Antropologia do Dom - O Terceiro Paradigma (CAILLÉ, 2002).

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O conceito de bem público aqui adotado é o mesmo trabalhado por Ostrom e Ostrom (1977).

Segundo esses autores, dois atributos essenciais embasam a classificação dos tipos de bens e

serviços possíveis: potencial de exclusão e rivalidade de consumo.

Entende-se por potencial de exclusão a capacidade de privar indivíduos de usufruírem os

benefícios de determinado bem, ou seja, a capacidade do vendedor, ou produtor de excluir

consumidores que não atendam as condições exigidas. O nível de exclusão pode ser elevado,

baixo, ou até inexistir, em determinadas condições técnicas ou econômicas. Podem ocorrer

casos em que a exclusão é tecnicamente viável, entretanto, implica em custos muito altos. Há

outros, em que a exclusão é impossível, como um concerto ao ar livre, em que os indivíduos

pagaram por ingressos. Pessoas que não pagaram pelo ingresso podem, naturalmente, ouvir a

música. Este evento é denominado ‘efeito carona’.

Quanto maior a possibilidade de existência do efeito carona, mais difícil se torna convencer as

pessoas a pagarem pelo bem, fato este acentuado pelo pressuposto do comportamento

oportunista abordado anteriormente. No caso dos parques nacionais, ecossistemas frágeis, o

efeito carona pode implicar em degradação ambiental, já que a fiscalização de órgãos

competentes decorre da cobrança de taxas de visitação, nem sempre pagas, principalmente

naquelas unidades de grande extensão e difícil monitoramento de entradas.

A rivalidade de consumo também pode ser apreendida em níveis, altos ou baixos, e se refere à

possibilidade de consumo concomitante por mais de um indivíduo. A alta rivalidade de

consumo esgota o bem, impedindo-o de ser consumido por outra pessoa. Uma baixa

rivalidade possibilita que várias pessoas consumam o bem simultaneamente, como é o caso do

consumo de uma praia, ou de uma unidade de conservação federal. A possibilidade de

consumo concomitante por diversos indivíduos também pode gerar degradação ambiental, já

que a interferência humana em ecossistemas extremamente frágeis causa danos ambientais.

Ostrom e Ostrom (1977) estabelecem categorias de bens através da análise conjunta destes

dois atributos, conforme se observa na Tabela 19.

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Tabela 19 – Matriz de tipos de bens.

alta rivalidade de consumo baixa rivalidade de consumo alto potencial de exclusão

1. Bens privados: pão, sapato, assento no vôo, unidade de hospedagem.

2. Bens simultâneos: teatro, serviço de telefonia, eletricidade, festival de música, atrativos em áreas particulares.

baixo potencial de exclusão

3. Bens partilhados: Pesca de peixe no oceano, extração de óleo, água de fonte, diamantes garimpados.

4. Bem publico: paz, segurança, combate a incêndio, áreas públicas de preservação ambiental, cultura.

Fonte: Ostrom e Ostrom (1977). Elaboração própria.

No primeiro quadrante se situam aqueles bens caracterizados por alto potencial de exclusão, e

alta rivalidade de consumo – os bens privados. Estes bens tendem a ser supridos e

organizados pelo mercado, engendrando estruturas de governança do tipo mercado.

No quadrante oposto, temos os bens públicos, que, por conseqüência, são aqueles em que o

consumo não pode se dar de maneira individual ou exclusiva. Assim, existe a propensão ao

uso deste tipo de bem sem a contrapartida do esforço individual para seu suprimento. Nesta

categoria de bens se enquadram os parques nacionais não vigiados, pois os indivíduos não

podem ser excluídos do consumo, e o consumo de um indivíduo não implica na

indisponibilidade do bem para consumo de outra pessoa. Contudo, é interessante observar

que, ainda que o consumo concomitante seja possível, isto gera degradação ambiental, que, se

tomar grandes proporções, implica sim, em inviabilidade de consumo, ao menos na mesma

qualidade, por outros. Nestes casos, o mercado não funciona como bom gerenciador e

alocador de recursos, tornando-se necessária a sua substituição, ou complementação, por

outras estruturas de governança. Para tornar mais claras as dificuldades geradas pelos bens

não privados tome-se, por exemplo, o atrativo de uma bela praia, recém tornada acessível.

Dentro de determinados limites, o fato de um turista consumir uma bela praia não impede que outros também o façam. Assim, tem-se a possibilidade de um consumo conjunto e, como se trata de um bem natural (não produzido), não existe, a priori, a possibilidade de exclusão de consumidores. A praia é, portanto, um bem não privado e, enquanto o número de usuários for relativamente pequeno, tudo funciona bem. Se a praia, entretanto, se transforma numa praia da moda, recebendo, via sinalizações de mercado, mais e mais investimentos em hotelaria e, logo, mais e mais usuários, a praia fica super lotada, e, claro, deixa de ser bela e atrativa. Se isso acontece, engendra-se naturalmente uma crise de degradação sucessiva de difícil reversão (ALBAN e GUILLAUMON, 2006).

Essa dinâmica é muito semelhante com o que pode acontecer com outros atrativos turísticos

naturais como, cachoeiras, canyons e florestas, ou atrativos culturais como centros históricos e

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festas populares. São todos bens não privados, que não podem ser gerenciados diretamente

pelo mercado. Assim, por mais belos e interessantes que sejam os atrativos de uma dada

região, não basta viabilizar a exploração turística dos mesmos. É preciso construir, também,

adequadas estruturas de governança, complementares ou substitutas aos mercados, para

viabilizar a exploração sustentável dos respectivos atrativos.

As características próprias dos bens públicos, resultam em particularidades de coordenação,

pois se os indivíduos, ao terem a oportunidade de adotar um comportamento carona - e não

pagar pelo bem - e, no limite, ninguém vier a pagar pelo bem, não há incentivos para sua

produção (ou manutenção no caso dos atrativos naturais). Isto explica o fato de os bens

públicos serem supridos mais comumente pelos governos, mediante arrecadações coletivas na

forma de taxas e impostos, que requerem diferentes graus de coerção para sua efetivação

(CABRAL, 2006). As unidades de conservação federais, por constituírem bens públicos,

serão analisadas sob esta ótica. Esta particularidade requer, muitas vezes, a formação de

instituições complementares às governamentais, capazes de desencorajar este tipo de conduta

por meio de ação coletiva, já que os governos não conseguem garantir plenamente a oferta /

manutenção destes bens públicos. Este fato traz conseqüências para a preservação ambiental,

ameaçando tanto a sustentabilidade ambiental como de toda cadeia produtiva, gerando

implicações para as comunidades locais envolvidas no ecoturismo.

5.3 Entendendo a disparidade de desempenhos

Os aportes teóricos condensados na perspectiva analítica da NEI, em suas duas vertentes de

análise, bem como o entendimento das principais questões que envolvem os bens públicos,

iluminam a compreensão da disparidade de desempenhos que se verificou entre os dois

destinos de ecoturismo estudados. Recupera-se brevemente as dimensões da sustentabilidade

que evidenciam a disparidade de desempenhos dos destinos a que se refere51.

Tomando-se inicialmente a dimensão ambiental / ecológica da sustentabilidade, o que se

verifica é um gritante contraste entre as práticas de ecoturismo realizadas na Chapada

Diamantina e em Bonito. Esta dimensão envolve a preservação do potencial de renovação dos

recursos naturais, limitação do uso de recursos não renováveis, e respeito à capacidade de

51 Esta análise está pautada em alguns dos critérios de sustentabilidade (social, cultural, ecológico, ambiental, econômico) elaborados por Sachs (2002). Não aprofundou as análises dos critérios: territorial, política nacional, política internacional.

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autodepuração de ecossistemas naturais. Enquanto é observada em Bonito uma intensa

preocupação com os impactos ambientais na visitação dos atrativos, que através da limitação

do número de visitantes e do acompanhamento obrigatório de guias resulta em uma

preservação ambiental relativamente efetiva, na Chapada Diamantina este resultado parece

ainda distante. De fato, o que se observa por estas serras, é a insurgência de um perigoso

processo de degradação ambiental seja no interior do Parque Nacional, seja nos atrativos

particulares situados no entorno do parque, conseqüência da visitação desordenada.

Na dimensão social, que objetiva o alcance de um patamar razoável de homogeneidade social,

uma distribuição de renda justa, emprego pleno com qualidade de vida, e igualdade no acesso

a recursos e serviços sociais, o que se observa entre os destinos é um contraste semelhante. O

ecoturismo que se implementou em Bonito priorizou desde seu início a capacitação da força

de trabalho local para sua inserção na cadeia ecoturística. Além disto, o ecoturismo é

atualmente responsável pelo emprego de 56% da força de trabalho local disponível, o que

significa que as receitas geradas pelo ecoturismo são, em parte, apropriadas pela comunidade

local. Já na Chapada Diamantina, a quase inexistência de investimentos na capacitação da

força de trabalho local gera uma ampla redução da possibilidade de inserção das populações

locais na cadeia de ecoturismo. Isto fica evidente na descrença dos moradores locais no

ecoturismo como alternativa econômica, já que o garimpo empregava grandes contingentes

populacionais (entrevistados H, J, K, L).

No que toca os critérios culturais, definidos pelo respeito à tradição e à inovação (mudanças

no interior da continuidade); capacidade de autonomia para elaboração de projetos integrados

endógenos (e não cópias servis de modelos alienígenas); e autoconfiança combinada com a

abertura para o mundo; observamos a recente preocupação no resgate e valorização da

identidade cultural local de Bonito, e na preocupação latente de orientar o ecoturismo para o

reconhecimento e valorização destes aspectos, através dos estudos realizados pelo MBTC.

Embora na Chapada Diamantina estes esforços não sejam tão amplos, a riqueza da cultura

associada ao garimpo se faz, por si mesma, fortemente presente no ecoturismo, desde as

trilhas de trekking, abertas e percorridas anteriormente por garimpeiros, até o casario em estilo

colonial que revela a opulência daquela época. A cultura local se impõe e se opõe ao novo.

Diante de tantos contrastes nas demais dimensões, dificilmente seria a dimensão econômica a

única exceção. Os critérios sob esta dimensão pressupõem o desenvolvimento setorial

equilibrado, proporcionando segurança alimentar e capacidade de modernização dos

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instrumentos de produção contínua. De fato, a cadeia econômica de ecoturismo em Bonito

possui várias características notáveis, dentre elas, sua forte articulação e coesão,

demonstrando saúde operacional e financeira, sempre em renovação, apresentado, assim,

expectativas de longevidade. Quanto ao destino da Chapada Diamantina, observou-se a

presença de uma cadeia desarticulada, e com dificuldades de articulação. Enfrenta limitados

resultados operacionais, conseqüência do desaquecimento de vendas, da concorrência

acirrada, e dos altos custos operacionais. Ao longo dos últimos anos, o trade vem enfrentado

dificuldades de sobrevivência, refletida na obsolescência do aeroporto.

Algumas das dimensões da sustentabilidade são suficientes para destacar as diferenças de

desempenhos entre os destinos, lembrando que este paradigma está sendo considerado como

referência válida para avaliar o desempenho do ecoturismo que se faz presente nos destinos

estudados. De posse dos aportes teóricos da NEI, antes apresentados de maneira mais abstrata,

e considerando a singularidade da cadeia de ecoturismo, é possível elucidar fatores que

favoreceram ou limitaram o desempenho da atividade de ecoturismo a partir do entendimento

das estruturas de governança que se conformaram nos dois destinos.

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Ilustração 8 – Linha do tempo comparativa: evolução do ecoturismo nos destinos da Chapada

Diamantina e de Bonito, 1985 a 2005.

Os principais eventos que delinearam a estruturação do ecoturismo nos destinos da Chapada

Diamantina e de Bonito, organizados comparativamente em uma linha temporal (ver

Ilustração 8), evidenciam diferenças substanciais na organização da atividade, desde seus

primórdios. Observando que o ponto de partida, em Bonito, foi a criação do Balneário

Municipal, e, na Chapada, a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina, ambos em

1985, temos nos dois destinos o surgimento do ecoturismo associado à visitação de áreas

públicas de preservação ambiental.

A partir disto, ao longo das décadas de 1980 e 1990, em Bonito criou-se toda uma estrutura de

governança para ordenar a atividade ecoturística, dada a consciência da fragilidade ambiental

em que se inseria. Percebendo um aumento expressivo no fluxo turístico no início dos anos

90, é criado em 1995 o Conselho Municipal de Turismo para discutir e implementar medidas

de ordenamento do ecoturismo, de forma participativa. Neste mesmo ano, institui-se o

Voucher Único como mecanismo de controle da atividade administrado pela Secretaria de

CHAPADA DIAMANTINA

BONITO

Prodetur Sul

Prodetur II

suspensão dos vôos diretos

veiculação do destino na mídia

criação do Parque Nacional

da Serra da Bodoquena

Fundação da Atratur

investimentos do Prodetur/BA fase I

formação do Núcleo-Pró-

Parque

formação do Conselho do

Parque (CONPARNA)

Fundação do COMTUR

Lei 689/95

finalização do Plano Bahia

para inserção no Prodetur/NE

Assinatura do Prodetur/NE

Instituição do Funtur

aportes financeiros do BNDES, Fungetur e

Caixa Econômica (1992 a 1994)

fechamento definitivo do

Garimpo

expansão expressiva do trade turístico

Criação SCT /BA

inauguração do aeroporto

Coronel Horácio de Matos

criação do Balneário

Municipal de Bonito

implantação de rodovais federais

criação do corredor

ecoturístico

1995

obrigatoriedade do acompanhamento

de guias especializados

1985 1990 2000 2005

proibição da atividade de

garimpo

criação do Parque Nacional

da Chapada Diamantina

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115

Cultura e Turismo, e o FUMTUR, com objetivo de levantar fundos para financiamento do

COMTUR. Acompanhando o aquecimento da atividade, torna-se obrigatório o

acompanhamento de guias na visitação dos atrativos, e são levados ao município, cursos de

capacitação para este tipo de trabalho. Todo o crescimento do trade turístico se deu dentro de

um arcabouço institucional voltado para as premissas da sustentabilidade. A pavimentação de

vias de acesso (2003) e a implementação do aeroporto (1999) são posteriores à criação de

arranjos institucionais de ordenamento do ecoturismo.

Enquanto isto, na Chapada Diamantina, o final da década de 1980 e os anos 1990 são

marcados pela prioridade na implementação de infra-estruturas de acesso tanto rodoviário

(1990), como aeroviário (1998) – este último no âmbito do PRODETUR/BA. Ao mesmo

passo que o trade turístico cresce, acompanhando o aquecimento da procura pelo destino, se

fortalece o garimpo de dragas nas águas do Paraguaçu, gerando conflito na convivência das

duas atividades, já que o ecoturismo pressupõe a preservação ambiental, enquanto o garimpo

mecanizado gera grande degradação. Este conflito marcou os 10 primeiros anos da atividade

ecoturística na Chapada. A criação de instituições para ordenamento da atividade só ocorre no

novo século, através do Núcleo Pró-Parque (2000) e do Conselho do Parque – CONPARNA

(2001), quando o ecoturismo já se fazia presente há mais de 15 anos. Verifica-se assim, uma

inversão nas prioridades atribuídas ao fomento do ecoturismo, em comparação com Bonito, já

que neste, a criação do aparato institucional de ordenamento da atividade ocorreu antes

mesmo da melhora das vias de acesso rodoviário e aeroviário.

Através de análise do ambiente institucional presente em Bonito, percebemos a ocorrência de

uma série de normas que ordenam a forma de exploração dos atrativos. São estabelecidos

limites de visitação, normas preventivas de segurança, e obrigatoriedade do acompanhamento

de guias de ecoturismo. Estas regras formais são definidas pelo COMTUR, através do

envolvimento de representantes das diversas associações do segmento turístico, e da

sociedade civil. Assim, defendem-se interesses coletivos e compartilham-se objetivos de

longo prazo para o ecoturismo.

A adoção de um site institucional como ferramenta para divulgação de atas das reuniões do

COMTUR, bem como dados da evolução do setor, e legislação vigente, dinamiza a troca de

informações entre os diversos atores da cadeia. Outro mecanismo adotado é a utilização do

Voucher emitido pela Secretaria Municipal de Turismo, no acesso a todos os atrativos.

Através deste instrumento são controlados os fluxos de turistas nos diversos atrativos, de

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acordo com os limites de visitação estabelecidos. Estes dois instrumentos têm como

conseqüência a redução da assimetria de informações e dos efeitos do comportamento

oportunista e da racionalidade limitada.

Ainda na esfera de arranjos institucionais, se destaca a criação do Fumtur, que tem o objetivo

de gerar fundos para o COMTUR. Isto se dá através da cobrança de taxas de visitação na

Gruta Azul, atrativo que atualmente pertence ao parque Nacional da Bodoquena. Os gastos do

COMTUR são previstos em planejamentos estratégicos, e deliberados pelo conselho.

Articulam-se, assim, instâncias de poder federal e municipal na ordenação do ecoturismo.

O arranjo institucional que se desenvolveu em Bonito favorece o ecoturismo na medida que

promove o ordenamento dos atores em torno da cadeia produtiva, envolvendo o poder

público, e gerando conseqüências positivas para preservação ambiental52. Em Bonito,

conformou-se assim, uma estrutura de governança híbrida, que consegue reduzir os custos de

transação envolvidos na cadeia ecoturística. Contempla ainda a preservação ambiental e

considera as particularidades do destino, alinhando toda atividade com a perspectiva da

sustentabilidade em suas diversas dimensões.

Ainda nesta vertente de análise, é possível iniciar algumas reflexões sobre a existência de

instituições informais relacionadas à cultura local, que teve sua conformação social atrelada às

atividades pecuaristas e de plantio e extração de erva-mate. Conforme abordado

anteriormente, as rotinas destas atividades exigiam um alto grau de cooperação, tanto na lida

com o gado, como na forma encadeada de processar a erva-mate. As formas cooperativas do

trabalho rural são entendidas pelos indivíduos como padrões de validade que ajudam a

adaptação ao ambiente externo – das fazendas - sendo associado a uma qualidade positiva.

Passa a ser compartilhado pelos grupos que tiveram suas formações associadas a este modo de

produção.

Outro valor que pode estar associado ao modo de produção das fazendas é o valor da visão de

longo prazo53. Brito, recolhe um depoimento interessante que permite o entendimento da raíz

52 As sanções são empreendidas pela promotoria publica, órgão responsável pela punição ao desrespeito às normas estabelecidas. 53 Este conceito, postulado por Hofstede (1980) contempla os diferentes horizontes de tempo que se desenham para determinadas sociedades, bem como a importância que atribuem ao seu passado, presente e futuro. Segundo Hofstede, as diferentes sociedades desenvolvem a seu modo diferentes capacidades de planejamento para o futuro a partir do exame do passado, como tentativa de realinhar seu curso histórico. A visão de futuro para o qual se trabalha e prospera, quando compartilhada pelos diversos indivíduos, orienta, de acordo com a importância que este valor adquire nas diversas comunidades, o esforço e comprometimento com os cenários que

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deste valor: “meu pai dizia: roça, roça é coisa de gente sem descortino; fazenda, o nome já diz

tudo, fazendo a vida inteira...” (BRITO, 2005, p. 94)54.

Valores de visão de longo prazo parecem bastante apropriados e alinhados com a perspectiva

da sustentabilidade, já que esta requer o entendimento da importância de se garantir as

possibilidades das gerações futuras de se manterem. Valores de cooperação facilitam a

articulação de atores da cadeia produtiva para a conquista de objetivos comuns. A infiltração

destes valores no ecoturismo que se desenvolveu em Bonito se transparece na formação de

muitas associações para representar os diversos atores da cadeia55, na grande freqüência de

seus representantes às reuniões do conselho, (entrevistado C) e no surgimento de arranjos

institucionais com vistas à preservação ambiental ainda na gênese do ecoturismo na região.

Analisando o ecoturismo de Bonito através da vertente das estruturas de governança, observa-

se que as estruturas resultantes são minimizadoras de custos de transação. Como nas demais

cadeias turísticas, a cadeia de ecoturismo em Bonito teria seus altos custos de transação

associados às três dimensões sistematizadas por Williamson (1985):

De fato, na dimensão da especificidade de ativos encontram-se em Bonito diversos Hotéis-

Fazenda de grande porte, com difícil acesso (estradas de terra). Na dimensão da freqüência, a

sazonalidade do turismo, e o fato de que dificilmente os turistas voltam ao mesmo destino são

elementos que tornam a freqüência das transações baixa ou imprevisível. Já na dimensão da

incerteza, a possibilidade dos proprietários dos atrativos desrespeitarem os limites de

visitação, degradando o ecossistema, ou das agências cobrarem valores excessivos pela

visitação, superiores aos das outras agências, são exemplos de possibilidades de ocorrência de

comportamento oportunístico. A conjunção destes fatores, de alta especificidade de ativos,

grande incerteza, e freqüência inexistente implicariam em altos custos de transação.

se almeja alcançar a longo prazo. Sociedades orientadas para o longo prazo tendem a valorizar a confiança e a perseverança, enquanto sociedades orientadas a curto prazo tendem a prezar pelo respeito às tradições, e a reciprocidade. 54 Holanda (1995) já apresentava os contrastes do que denominou o tipo aventureiro e trabalhador. O trabalhador é aquele que visa adquirir riquezas através de sua persistência na transformação de força em produto, como atividade rotineira que deve ser realizada com regularidade durante algum tempo, e concede ao final um ganho previsível para o trabalhador. O espaço é limitado e a vida passa a ser planejada. O trabalhador enxerga primeiro a dificuldade a ser vencida, em seguida trabalha esta dificuldade. Já o aventureiro ignora fronteiras, idealiza colher o fruto sem plantar a árvore, admite riscos e "sabe transformar obstáculos em trampolim". É próprio dele a audácia, a imprevidência, instabilidade, e alguma parcela de "irresponsabilidade e vagabundagem". 55 Associação Comercial e Industrial, Associação de Bares, Restaurantes e Similares de Bonito/MS, Cooperativa de Transportes de Bonito/MS, Associação Bonitense de Hotéis, Associação Bonitense de Agências de Ecoturismo, Associação dos Proprietários de Atrativos Turísticos de Bonito e Região, Associação de Guias de Turismo de Bonito/MS, Sindicato Rural de Bonito/MS, e a Associação de Operadores de Bote de Bonito/MS.

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Contudo, como abordado anteriormente, “se tanto a especificidade de ativos, como a

incerteza, são elevadas, e não existe freqüência, ou ela não pode ser garantida, tende-se para

hierarquias administrativas internas” (ALBAN, 2006). É exatamente o que ocorre em Bonito.

Neste destino, observa-se que, na maioria dos atrativos, o proprietário da fazenda que detém a

concessão da exploração do atrativo, é também o proprietário do meio de hospedagem (hotel-

fazenda), do restaurante, e ainda da agência de ecoturismo, para poder adquirir os Vouchers

(entrevistado C). Esta verticalização da cadeia é a estrutura de governança resultante

minimizadora dos custos de transação associados àquelas três dimensões mencionadas

anteriormente.

Como a estrutura é permeada pelas instituições formais que se criaram, responsáveis pela

própria utilização do Voucher, e pelo tabelamento dos preços dos atrativos, ambos inibidores

de comportamentos oportunistas, e ainda pelas medidas cooperadas de divulgação do destino

(adotadas pelo COMTUR no intuito de aumentar a freqüência reduzindo a sazonalidade do

ecoturismo), entende-se a redução dos custos de transação a partir da modelo analítico

proposto pela NEI.

* * *

A comparação dos arranjos institucionais que se desenvolveram em Bonito, com as precárias

estruturas de governança observadas na Chapada Diamantina, permite explicação da

disparidade de desempenhos verificada.

Uma instauração tardia de instituições responsáveis pelo ordenamento do ecoturismo deixou

em seu rastro um quadro de degradação ambiental, exclusão da comunidade local, e a

presença de processos de seleção adversa em toda cadeia. Ainda no ano de 2006, conforme

mencionado anteriormente, o Plano de Manejo do Parque estava inacabado, e assim, a

visitação do parque sempre se deu de forma aleatória, por vezes com guias, outras sem. A

ausência de regras formais, associada à incapacidade de sanção do poder público, dada a

extensão do Parque Nacional e sua inserção em diversos municípios, cria um ambiente

propício para a ocorrência de comportamento oportunista na fruição dos atrativos. Isto ocorre

tanto no interior do parque, como naqueles atrativos em áreas particulares, já que os

proprietários, visando maiores receitas, permitem a visitação de grandes contingentes de

turistas, pouco se importando com a degradação ambiental que isto possa gerar.

A falta de instituições para o ordenamento da atividade, para mediação das diversas instâncias

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de poder público (já o parque é um bem público federal inserido em seis municípios) ou para

o compartilhamento de informações relevantes ao destino ecoturístico, implica na fragilidade

da articulação entre os diversos atores da cadeia. Na ausência destes arranjos institucionais

para parametrizar as transações, ou resolver possíveis descumprimentos de contratos

estabelecidos, acentua-se também, o efeito da limitação da racionalidade.

Prosseguindo as reflexões a respeito da possibilidade de interferência dos valores sociais no

desenvolvimento do ecoturismo, e conferindo a devida importância às instituições informais

da Chapada Diamantina, relembramos que esta sociedade se originou na extração de

diamantes, atividade que marcou presença durante mais de 200 anos na região, e chegou a se

conflitar com o ecoturismo. Em capítulo anterior apresentaram-se algumas características

deste modo de produção associadas a valores de individualismo e competição, já que a

sobrevivência dos garimpeiros nas serras dependia destas práticas. Outro valor compartilhado

por estas sociedades é o da visão de curto prazo 56 (GUILLAUMON e CASADO, 2006).

Os valores de individualismo e visão de curto prazo parecem confrontar com os valores

sociais condizentes com a perspectiva da sustentabilidade. Acrescenta-se que a forte

competição entre atores não cria um ambiente favorável à articulação harmônica da cadeia

ecoturística, fato este observado no destino da Chapada Diamantina. Isso se transparece no

pouco sucesso da ASSET, e nas dificuldades de se estabelecerem e manterem formas

cooperativas de visitação dos atrativos. A falta de uma visão de longo prazo dificulta o

entendimento da importância de se manter possibilidades, ambientais e econômicas, para as

gerações futuras. Com uma cadeia desarticulada, em que predominam os valores

mencionados, e na ausência de instituições adequadas, é de se esperar que o ecoturismo

vivencie dificuldades de desenvolvimento.

Naturalmente vale frisar que os valores sociais, ou o contexto cultural da Chapada Diamantina

jamais podem ser entendidos como adequados ou inadequados nestas análises. Ao contrário,

trata-se de um bom exemplo de resistência aos modelos “de fora”, e da sobrevivência de uma

cultura conformada em séculos, tão valiosa quanto seus diamantes. A percepção dos valores

culturais / instituições informais pretende apenas explicitar que o ecoturismo não é uma

atividade neutra em relação ao ambiente em que se insere, e como estas instituições trazem

implicações para a formação da cadeia, estruturando interações sociais, e definindo escolhas 56 “o garimpeiro não ia para agricultura porque não sabia esperar a planta crescer, ele prefere levar dez anos sem pegar nada para um dia pegar uma pedra valiosa e pagar todas suas dívidas” (BRITO, 2005, p. 94).

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individuais.

Encerradas as análises de ambiente institucional, torna-se à análise micro, da vertente das

estruturas de governança. Observa-se que na Chapada Diamantina, a estrutura prevalente é a

de mercado, cuja cadeia ecoturística é marcada pela alta especificidade de ativos, freqüência

não garantida, e alta incerteza. Esta incerteza tem efeito ampliado com a ausência de

instituições de ordenamento da atividade, o que reforça o fato da cadeia dimanar altos custos

de transação. Como se constata, a estrutura de governança presente não é a ideal para a

minimização destes custos, nem para dar conta da complexidade implicada na cadeia. De fato,

o trade vivencia os efeitos do processo de concorrência predatória e seleção adversa. Entre

2001 e 2006, as poucas estruturas hierárquicas que haviam se conformado, entre operadoras

dos grandes centros emissivos e operadoras locais, acabaram por se desarticular. Os raros

casos em que se presencia certa hierarquia são ainda muito pontuais: um ou outro atrativo em

propriedades particulares que também oferece refeição, ou possibilidade de pernoite, seja em

acampamento, seja na casa dos próprios nativos.

A prioridade de investimentos em infra-estrutura de acesso, em detrimento da organização de

estruturas de governança / arranjos institucionais adequados à complexidade do destino não

estão conduzindo o destino a resultados condizentes com as premissas da sustentabilidade. De

fato, a falta de uma articulação mais forte do trade ainda trouxe implicações para a

inviabilização de medidas cooperadas de divulgação ou para a garantia do vôo. Perderam-se

assim, as possibilidades de redução de incertezas e aumento da freqüência, a tempo adequado

para fortalecimento da cadeia. A ausência do poder público local em todo este processo, que

na maioria das vezes, mais parece contrario à atividade, dificulta ainda mais a conformação de

estruturas adequadas para o ecoturismo.

Diante de todo este percurso, não era de se esperar que o ecoturismo na Chapada tivesse um

desempenho diferente do que se apresenta. Um destino que vivencia o risco de entrar em

irreversíveis processos de degradação ambiental, com uma cadeia econômica desarticulada e

enfraquecida, socialmente excludente. Neste sentido, bem cabe relembrar o saudosismo das

comunidades locais ao lembrar “os velhos bons tempos do garimpo”.

* * * *

As análises anteriores permitiram o entendimento das diferenças na conformação histórica do

ecoturismo que se desenvolveu nos destinos da Chapada Diamantina e de Bonito, bem como a

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compreensão dos arranjos institucionais / estruturas governança que se estabeleceram. Em

acordo com os pressupostos que orientam este estudo, resta pontuar, ainda que brevemente, a

diferença substancial encontrada no tipo de atrativos visitados em ambos destinos.

Enquanto na Chapada Diamantina a maioria dos atrativos visitados pertence ao Parque

Nacional, e, portanto, são bens públicos, em Bonito a grande maioria destes atrativos estão

localizados em propriedades particulares. Em ambos os destinos existem parques nacionais,

contudo, na Chapada Diamantina o parque é um atrativo fundamental, associado à gênese do

ecoturismo na região. Já em Bonito, o Parque foi criado apenas no ano de 2000, e não é o

principal atrativo da região, tendo visitação aberta apenas a um atrativo – a Gruta Azul.

Assim, para complementar o diagnóstico do ecoturismo presente na Chapada, tem-se uma

atividade ancorada em uma unidade pública de conservação, com baixo potencial de exclusão

e baixa rivalidade de consumo, e, portanto, vulnerável ao “comportamento carona”. Conforme

apresentado pelos entrevistados G, K, M, de fato o comportamento oportunístico do tipo

“carona” é uma prática freqüente, e evidentemente está gerando degradação ambiental, visto

que grupos em número excessivo de integrantes visitam frágeis atrativos sem guias. A

ausência de instituições para ordenar a visitação do parque, e por suas características de vasta

extensão, e inserção em diversos municípios, permite o adentramento do parque por várias

vias de acesso. Além da degradação, a sustentabilidade de toda cadeia é comprometida. Ao

invés de pagar por um roteiro de visitação com acompanhamento de um guia especializado, e

que zele pelo meio ambiente, o turista pode simplesmente percorrer uma das trilhas e chegar

ao atrativo sem pagar nada. Perde a comunidade local que deixa de ter a possibilidade de

prestar serviços de ecoturismo, perde o município que deixa de arrecadar impostos, mas fica

com o lixo trazido. No caso de um acidente, não tão raros na região (entrevistado M), o

Estado tem dispêndios ao acionar um resgate, e o destino, tendo sua imagem associada a

grandes tragédias deixa de ser procurado. Todo este processo engendrado pela característica

de bem público reforçam a necessidade de arranjos institucionais complexos, que contemplem

todos os aspectos da sustentabilidade econômica e ambiental do destino. Na Chapada

Diamantina, inexistem arranjos desta complexidade.

Em Bonito, embora tenha sido criado o Parque Nacional, os atrativos mais procurados são

aqueles situados em propriedades particulares. Com a instituição do Voucher, o ecoturista

obrigatoriamente aciona toda a cadeia produtiva local para viabilizar sua visitação, deixando

para a região, além do ônus, as contribuições que esta atividade econômica sustentável

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presume deixar. Vale ressaltar que o ecoturismo, para a maioria dos proprietários de atrativos,

representa uma pequena parcela de suas receitas, em torno de 10%, já que a pecuária é a

grande geradora de receitas (entrevistado C). Assim, o fazendeiro, interessado nos estudos

ambientais de melhoria de solos e impactos de clima realizados pelas instituições

ambientalistas ligadas ao processo de implantação do parque, tem poucos incentivos para

desrespeitar as regras estabelecidas para o ordenamento da cadeia. A adoção de

comportamentos carona fica inibida no destino de Bonito, implicando na preservação

ambiental e na saúde da toda cadeia produtiva.

Como vimos, a diferença no tipo de bens que constituem os atrativos em ambos destinos,

também é um fator, até agora, limitante do desenvolvimento do ecoturismo na Chapada

Diamantina. O bem público, se não estiver associado às estruturas de governança adequadas,

que contemplem a minoração dos efeitos gerados pelas características de baixa rivalidade de

consumo e baixo potencial de exclusão, incorre no risco de engendrar perigosos processos de

degradação ambiental, e fragilização de toda cadeia ecoturística, inviabilizando, em caso

extremo, a possibilidade de se atingir as premissas da sustentabilidade.

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123

66 CCoonncc ll uussõõee ss

O estudo que se apresentou partiu do entendimento de que o ecoturismo é uma das formas de

turismo bastante valorizada na atualidade, por sua aderência ao paradigma da

sustentabilidade, pela importância econômica que adquiriu ao longo dos últimos anos no

mundo, e pelo vasto campo de atuação que encontra no Brasil, dadas suas características

geográficas. O grande número de unidades de conservação instituídas no país, na década em

que se ampliava a conscientização em torno das questões ambientais e da fragilidade do

planeta, apontou as grandes possibilidades de desenvolvimento do ecoturismo nestas regiões

em que se fizeram presentes estas unidades.

Na Bahia, ao longo da década de 1990, a atividade turística recebe status de atividade

prioritária no Estado, recebendo grandes investimentos governamentais através do

PRODETUR/NE. Neste cenário, a Chapada Diamantina desponta como um pólo turístico

promissor, em que o tipo de turismo praticado, o ecoturismo, estaria em acordo com o que se

entendia como “turismo bom”. Pareceu óbvio então, que este pólo deveria receber

investimentos do programa através da melhoria das vias de acesso para um mercado

consumidor ecoturístico.

Duas décadas após a criação do Parque Nacional, e quase uma década após a consolidação

dos investimentos públicos no aeroporto local, a Chapada Diamantina apresentava um

desempenho ecoturístico bastante aquém do que se esperava. As unidades de proteção

ambiental evidenciavam, e ainda evidenciam paulatina degradação ambiental, e o trade

ecoturístico transparece sérias dificuldades de se sustentar.

As limitações do ecoturismo que se desenvolveu na Chapada ficam ainda mais latentes

quando este destino é comparado a outros destinos de ecoturismo, como o de Bonito, que, ao

lado de Fernando de Noronha, no senso comum, são os destinos brasileiros em que o

ecoturismo teve resultados mais efetivos, no que tange a implementação do ideário da

sustentabilidade. Tornou-se pertinente, então, compreender e explicar por que o ecoturismo na

Chapada Diamantina se deu de forma tão limitada, em comparação a Bonito, se ambos

possuem riquezas naturais equivalentes, estão entre os destinos mais procurados no Brasil, são

contemporâneos no processo de conscientização ambiental, e receberam expressivos

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incentivos governamentais.

Para compreender os diversos fatores que explicam a diferença do ecoturismo que se

desenvolveu nos dois destinos, o estudo partiu de três pressupostos, que orientaram todo o

trabalho.

O primeiro pressuposto se referia à complexidade da cadeia turística, e a necessidade de se

desenvolverem arranjos institucionais adequados para esta complexidade. Neste sentido,

através dos aportes teóricos da NEI, foi possível compreender como as estruturas de

governança adequadas resultam da minoração de custos de transação. Comparando-se os dois

destinos, constatou-se que na Chapada Diamantina, a ausência de estruturas adequadas é um

dos fatores limitantes do desenvolvimento da atividade de ecoturismo. As iniciativas tardias

de se criar arranjos institucionais colocaram o destino de Chapada na rota da degradação

ambiental, da exclusão das comunidades locais, e da fragilização das articulações da cadeia

ecoturística. Ao contrário, em Bonito, estruturas adequadas para o ecoturismo conseguiram

engendrar processos de preservação ambiental rigorosos, fortalecimento de toda cadeia

produtiva e constantes preocupações com a inserção da força de trabalho local nas atividades

do ecoturismo.

Análises mais refinadas, a partir da recuperação de todo percurso histórico das regiões em

estudo, revelaram, em acordo com o segundo pressuposto, que os contextos culturais em que

se inseriu a atividade ecoturística moldaram instituições informais que trazem implicações

para o desenvolvimento do ecoturismo. Ao comparar os dois destinos, encontramos valores de

cooperação e visão de longo prazo no destino de Bonito, e de competição e visão de curto

prazo no destino da Chapada Diamantina. Estes valores, enraizados no modo de vida dos

indivíduos, e influenciando modelos mentais, permeiam toda a articulação da cadeia

ecoturística. Vale lembrar das características de relativa estabilidade dos valores culturais, que

ao mesmo tempo que reforçam a identidade social, permitem a mudança gradativa dela

mesma. Assim, é de se esperar que a ampliação do entendimento da sustentabilidade na

Chapada Diamantina irá requerer, além de tempo para mudança de padrões de validade,

esforços muito específicos, atrelados possivelmente à educação básica, a ao envolvimento da

comunidade em processos coletivos de tomada de decisão.

A idéia de ecoturismo ainda não foi construída coletivamente na região chapadense, fato

evidenciado nas palavras dos nativos que esperavam do ecoturismo lucros tão grandes e fáceis

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como os adquiridos com os diamantes. Neste sentido, é necessário começar a trilhar um longo

caminho na articulação do atores locais de ecoturismo. Um fato curioso que reforça esta idéia

é que os empreendedores locais de ecoturismo investiram nesta atividade suas reservas

financeiras adquiridas através da mineração, pouco antes do fechamento definitivo. Neste

cenário, os empreendedores competiam por pedras preciosas em nível de rivalidade acirrada,

e pessoal. Difícil esperar que estes mesmos atores em poucos anos estarão convencidos a

cooperar para atingir objetivos tão abstratos, associados à idéia da sustentabilidade, trazida de

fora, na forma de uma atividade que não gerou os lucros que eram esperados.

Por fim, a comparação da natureza dos atrativos que compõem os destinos estudados também

trouxe elucidações quanto ao desenvolvimento do ecoturismo. De fato, as características de

baixa rivalidade de consumo associada ao baixo potencial de exclusão gera um contexto

favorável às práticas “carona”. No caso da Chapada Diamantina isto vem a reforçar a

necessidade de arranjos institucionais apropriados para dar conta desta particularidade.

Embora o IBAMA seja a instituição a que se atribui a responsabilidade de coordenar a

visitação das unidades públicas de conservação ambiental, não é novidade que a insuficiência

de recursos financeiros e humanos dificulta muito a atuação desta instituição. Ainda mais no

Parque Nacional da Chapada Diamantina, que tem uma grande extensão, e faz fronteira com

diversos municípios. Vale ressaltar que o modelo de parque instaurado no Brasil seguiu o

modelo americano “Yellowstone”, e parece inapropriado neste caso por dois motivos: o

modelo americano pressupõe uma entrada e uma saída para visitação nas unidades de

conservação, o que facilita o controle do acesso, e não é o caso da Chapada; este modelo

pressupõe ainda a ausência total de interferência humana no parque, realidade bem distante, já

que a unidade de conservação, antes mesmo de virar parque, já era habitada e explorada.

De maneira geral, pode-se concluir que a ausência de boas estruturas de governança / arranjos

institucionais, que considerem tantas particularidades da própria cadeia (complexidade da

cadeia e características dos bens públicos), e da região em que se inseriu, trouxe limitações no

desenvolvimento do ecoturismo na Chapada, ante as premissas da sustentabilidade.

Duas ressalvas bastante pertinentes devem fazer parte das conclusões que se tecem. A

primeira delas diz respeito às estruturas do tipo hierarquia. Embora em Bonito, a

verticalização da cadeia tenha trazido resultados favoráveis ao ecoturismo, isto não pode ser

entendido como uma crença universal. A observação desta conformação estrutural deve ser

compreendida como resultado de uma série de elementos presentes no destino de Bonito que

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favoreceram esta estrutura em detrimento de outras. A verticalização da cadeia não é uma

idéia que pretenda ser replicada como solução ideal para o apropriado desenvolvimento do

ecoturismo.

A segunda ressalva tange a possibilidade de replicação de modelos de ecoturismo. A análise

comparada a que este estudo se propôs, não tem de forma alguma, o intuito de incentivar a

adoção de um modelo ideal para todos destinos de ecoturismo. A comparação, neste caso,

objetivou apenas incitar a reflexão sobre alguns dos elementos que podem estar favorecendo

ou limitando o desenvolvimento do ecoturismo na região da Chapada Diamantina, reflexão

que, esta sim, pode ser incentivada para treinar o olhar analítico em outros destinos de

ecoturismo. O modelo de ecoturismo observado em Bonito deve ser entendido como

apropriado para o contexto daquele destino. Se existem medidas que tiveram bons resultados

lá, e isto pode inspirar melhorias em outros modelos de ecoturismo, ótimo, desde que se

ponderem características e objetivos particulares a cada caso. Como antecipava Yin (2005),

este estudo comparado trata da replicação teórica do modelo analítico proposto pela NEI, em

que algumas análises e reflexões motivadas por este modelo foram mais, ou menos

aprofundadas. Assim, o estudo exclui completamente a possibilidade de replicação do modelo

de ecoturismo observado em Bonito de suas proposições.

As contribuições de ordem propositiva neste estudo, direcionam-se sim, para um profundo

questionamento a respeito da crença em que as prioridades dos investimentos governamentais

devam voltar-se simplesmente para infra-estruturas de acesso, como forma de fomentar a

atividade de ecoturismo nos diversos destinos. Este pressuposto permeia tanto os estudos do

PLANTUR, como do PRODETUR em sua primeira fase. O estudo revela que, sem arranjos

institucionais adequados, a simples melhoria do acesso aos destinos pouco acrescenta à

organização do ecoturismo. Pautado na expectativa pelo aumento do fluxo de visitantes que a

melhoria de infra-estruturas de acesso pode gerar, o estímulo à expansão da oferta de serviços

ecoturísticos promove um rompimento do equilíbrio entre oferta e demanda do destino. Este

rompimento, desacompanhado de estruturas institucionais adequadas, agrava ainda mais a

dificuldade de ordenamento da atividade, como apontado neste estudo.

Assim, vale a pena ponderar a possibilidade de direcionar os investimentos na criação destes

arranjos, de forma prioritária, o que exige esforços humanos de complexidade maior, quando

comparados aos esforços empreendidos no planejamento e na construção de infra-estruturas

de acesso. No caso da Chapada Diamantina, parece urgente o dispêndio de energia na

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estruturação institucional, que deve ainda contemplar a reversão dos prejuízos (sociais e

ambientais) já vivenciados.

Uma implicação direta desta proposição, e que adquire neste trabalho caráter de sugestão para

futuros estudos, é o surgimento imediato de duas novas questões atreladas a esta que se

pretendeu responder: se o que explica a diferença de desempenhos é a existência / inexistência

de estruturas de governança / arranjos institucionais apropriados, por que estas estruturas não

se desenvolveram, e como desenvolver estas estruturas de forma a contemplar as premissas da

sustentabilidade. Imagina-se que a elucidação destas questões deva encontrar elementos de

inspiração nos campos de estudo das Teorias de Ação Coletiva, dos processos participativos

de tomada de decisão, no campo da política, ou mesmo no aprofundamento dos conceitos do

campo da psicologia social, e da sociologia.

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88 AAppêê nnddii ccee

APÊNDICE A – Caracterização dos Entrevistados

Entrevistado A

Data da entrevista: - 10/02/2005; 18/07/2006;

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: proprietário de operadora local de ecoturismo em Lençóis

Naturalidade: Baiano

Faixa etária: 40-50

Entrevistado B

Data da entrevista: - 25/08/2005; 04/01/2007

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: proprietário de operadora de ecoturismo em São Paulo.

Naturalidade: paulista

Faixa etária: 30-40

Entrevistado C

Data da entrevista: - 04/01/2007

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: proprietário de operadora de ecoturismo em São Paulo.

Naturalidade: Paulista

Faixa etária: 40-50

Entrevistado D

Data da entrevista: - 20/09/2006; 13/12/2006

Naturalidade: Baiano

Faixa etária: 30-40

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: membro da ASSET.

Entrevistado E

Data da entrevista: - 13/12/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: proprietário de operadora de ecoturismo local em Lençóis.

Naturalidade: baiano

Faixa etária: 30-40

Entrevistado F

Data da entrevista: - 20/04/2005

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: vereador do município de Lençóis.

Naturalidade: Baiano

Faixa etária: 40-50

Entrevistado G

Data da entrevista: - 08/03/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: guia de ecoturismo e proprietário de agência de ecoturismo no Vale do Capão

Naturalidade: paulista

Faixa etária: 30-40

Entrevistado H

Data da entrevista: - 14/02/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: prestador de serviço de frete em Lençóis.

Naturalidade: Baiano

Faixa etária: 50-60 anos

Observações: Filho de dono de garimpo, já possuiu draga de mineração. Proprietário de uma área de extração de pedras em cidade vizinha.

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Entrevistado I

Data da entrevista: 14/02/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: proprietário de bar em Lençóis.

Naturalidade: Baiano

Faixa etária: 20-30 anos

Entrevistado J

Data da entrevista: 14/02/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: membro Associação de Condutores de Visitantes de Lençóis.

Naturalidade: baiano

Faixa etária: 30-40

Entrevistado K

Data da entrevista: 15/02/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: vereador do município de Lençóis.

Naturalidade: carioca

Faixa etária: 30-40

Observações: morador de Lençóis há 22 anos. Trabalha em atividade social voluntária numa escola de apoio educacional esportivo e artístico, e como guia turístico.

Entrevistado L

Data da entrevista: 15/02/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: atendente em agência de ecoturismo em Lençóis.

Naturalidade: baiano

Faixa etária: 40-50

Entrevistado M

Data da entrevista: 16/02/2006

Papel na cadeia produtiva do ecoturismo: funcionário público do segmento de segurança.

Naturalidade: Baiano

Faixa etária: 30-40

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APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas

1. Informações Gerais: Nome: Estado Civil: Filhos? Família com quem mora? Idade: Onde viveu os 15 primeiros anos de vida? Qual é sua atividade atual (atividades)? Como foi sua trajetória? (aqui cabe como chegou no local, que atividades teve, se foi empregado, patrão...) Qual seu rendimento mensal médio? Há quanto tempo mora na região? Fale sobre o garimpo / pecuária e agricultura. Vivenciou ou trabalhou no garimpo / pecuária e agricultura? Como foi? Que lembranças tem? 2. Sobre o ambiente (exploração): O que você acha da Chapada / de Bonito?

Lembretes para a entrevistadora: O que você acha sobre a região de maneira geral – sobre as possibilidades de trabalho, de crescimento pessoal e profissional, sobre as dificuldades enfrentadas, a qualidade de vida, etc....

Comparações com épocas anteriores. O que você acha das possibilidades de emprego e rendimento na Chapada / Bonito. Como as pessoas agem para enfrentar os problemas que surgem? Exemplos, se possível. E você? Exemplos, se possível. Há alguma coisa que você tenha feito para melhorar sua própria vida? Quais são seus planos? Como você vê o futuro da região?

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3. Sobre o ecoturismo: O que você acha do ecoturismo na Chapada / Bonito (atrativos, possibilidades de trabalho, preservação ambiental) Como você vê a situação da cidade e dos moradores que vivem do turismo? (Facilitadores e dificultadores) Como é a organização do ecoturismo aqui (como funcionam as agências, quais são as dificuldades enfrentadas, o que vai bem, o que vai mal).

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99 AAnnee xxooss

Anexo A – Dados comparativos dos principais municípios receptivos de ecoturismo de cada um dos destinos tratados neste estudo.

Município de Lençóis – Chapada Diamantina, BA.

IDH Unidade Territorial Geocódigo Ordem IDH

1991 2000

Brasil 0 1 0,696 0,766

Nordeste 2 2 0,586 0,685

Bahia 29 3 0,590 0,688

Lençóis/BA 2919306 4 0,510 0,614

PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

MuniNet - Rede Brasileira para o Desenvolvimento Municipal

IDesigualdade

Unidade Territorial Geocódigo Ordem IDesigualdade

1960 1980 2000

Brasil 0 1 0,352 0,503 0,242

Nordeste 2 2 (-) (-) (-)

Bahia 29 3 0,132 0,207 0,057

Lençóis/BA 2919306 4 (-) (-) 0,056

(-) Dado não disponível

Atlas da Exclusão Social / Cortez Editora

MuniNet - Rede Brasileira para o Desenvolvimento Municipal

Município de Bonito – Bonito, MS.

IDH Unidade Territorial Geocódigo Ordem IDH

1991 2000

Brasil 0 1 0,696 0,766

Centro-Oeste 5 2 0,719 0,791

Mato Grosso do Sul 50 3 0,716 0,778

Bonito/MS 5002209 4 0,675 0,767

PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

MuniNet - Rede Brasileira para o Desenvolvimento Municipal

IDesigualdade

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Unidade Territorial Geocódigo Ordem IDesigualdade

1960 1980 2000

Brasil 0 1 0,352 0,503 0,242

Centro-Oeste 5 2 (-) (-) (-)

Mato Grosso do Sul 50 3 (-) (-) 0,201

Bonito/MS 5002209 4 (-) (-) 0,106

(-) Dado não disponível

Atlas da Exclusão Social / Cortez Editora

MuniNet - Rede Brasileira para o Desenvolvimento Municipal

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Anexo B: Árvore de Problemas Simplificada – Bonito, MS (PRODETUR SUL, 2006)

Atrativos ambientais, históricos e

culturais pouco ordenados

Atividade

s

produtiva

s

Gestão incipiente do turismo

Serviços precários

Qualidade dos produtos e serviços turísticos regionais pouco consolidada

Pequena renda turística regional

Grande Exclusão Renda Regional

Baixa participação da produção local - artesanato e alimentos- no

Direcionamento do marketing já não

atende a necessidade

Gestão ambiental

frágil

Turismo não se desenvolve de maneira

Deficiência na infra-estrutura pública

básica para o turismo