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IZABEL LIVISKI Ë CONES RELIGIOSOS, USOS E FUNES SOCIAIS NO IMAGINÈ RIO URBANO: UMA REVISITA ¬ S CAPELINHAS CURITIBA 2004

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IZABEL LIVISKI

CONES RELIGIOSOS, USOS E FUN ES SOCIAIS

NO IMAGIN RIO URBANO: UMA REVISITA S CAPELINHAS

CURITIBA2004

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IZABEL LIVISKI

CONES RELIGIOSOS, USOS E FUN ES SOCIAIS

NO IMAGIN RIO URBANO: UMA REVISITA S CAPELINHAS

Monografia apresentada disciplina de Orienta oMonogr fica II, como Requisito parcial paraconclus o do Curso de Ci ncias Sociais, Setor deCi ncias Humanas, Letras e Artes, UniversidadeFederal do Paran

Orientadora: Prof . Dr . Ana Luisa F. Sallas

CURITIBA2004

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agrade o a Deus pela d diva da vida e por me permitir a realiza o do sonho de retornar

UFPR e concluir o curso de Ci ncias Sociais. Aos meus pais Pedro Ladislau (in memorian), e Anna que me

ensinaram o valor da f . Agrade o a todos os professores principalmente aqueles que al m do conhecimento,

concederam o privil gio de sua amizade, surgindo s vezes como figuras de anjos.

minha orientadora, Prof .Ana Luisa, que encontrou tempo em sua agenda para me incentivar, indicar

caminhos, al m de puxar as orelhas. Ao professor Mauro Koury, que mesmo dist ncia, me deu suporte te rico e

apoio. s secret rias do Departamento Miriam e Marilene, pela paci ncia e compreens o.

Aos colegas que propiciaram a troca de id ias e experi ncias, al m de livros e textos ao longo desses anos,

em especial a C lia Jede, Julio Ponciano e Judit Camilo. Um agradecimento muito carinhoso ao Nestor Teixeira,

pelo seu companheirismo constante.

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A consci ncia de Deus autoconsci ncia,o conhecimento de Deus autoconhecimento.A religi o o solene desvelar dos tesourosocultos do homem, a revela o dos seuspensamentos ntimos, a confiss o aberta

dos seus segredos de amor .

(Ludwig Feuerbach)

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SUM RIO

NDICE DE ILUSTRA ES v

RESUMO 01

INTRODU O 021 A RELIGI O E A REPRESENTA O NA PESQUISA SOCIAL 07

1.1 A RELIGI O NA REPRESENTA O FOTOGR FICA 17 1.2 AIMAG STICA E A RELIGIOSIDADE 20

2 POR MARIA, COM MARIA, SEMPRE MARIA 242.1 PERFIL DE UMA MENSAGEIRA 26

3 HIST RICO DO MOVIMENTO DAS CAPELINHAS 323.1 MODELO FAMILIAR MARIANO 343.2 MARIA, A CHANCE QUE AS MULHERES PERDERAM 39

CONCLUS O 46

REFER NCIAS BIBLIOGR FICAS 52

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NDICE DE ILUSTRA ES

FIGURA 1 Ep grafe

FIGURA 2 Capelinha da Par quia Cristo-Rei com a imagem de N.Sra.do Perp tuo

Socorro----------------------------------------------------------------------------------------------- 04

FIGURA 3 Santinho impresso com a imagem do Sagrado Cora o de Jesus---06

FIGURA 4 Adesivo e imagem do Sagrado Cora o de Maria em carro-------------14

FIGURA 5 Casa com nicho de santo na fachada----------------------------------------- 17

FIGURA 6 Vendedor ambulante com imagem de Maria--------------------------------- 23

FIGURA 7 Motorista de t xi carrega imagem de N.Sra. Aparecida no

painel do carro-------------------------------------------------------------------------------------- 26

FIGURA 8 Adesivo em janela de apartamento--------------------------------------------- 31

FIGURA 9 Ros rio pendurado no espelho de autom vel------------------------------- 39

FIGURA 10 Imagem de N.Sra. Desatadora dos N s------------------------------------- 45

Fotos: Izabel Liviski e reprodu es.

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo apresentar o movimento das capelinhas em uma problem tica contextualizada no meio urbano

considerando-se os elementos de individualidade e de sociabilidade. O sentido atribu do religi o, bem como o campo espec fico da

sociologia da religi o colaboram para delinear a representa o social e os cones religiosos em seus usos e fun es sociais. A inser o da

trama fotogr fica ilustra o s mbolo frente do movimento das capelinhas: A imagem de Maria como s mbolo de mulher dentro do

catolicismo problematizada paralelamente s discuss es de outras representa es do feminino.

Palavras chave a) religi o b) representa o c) feminino d) imag stica

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INTRODU O

As capelinhas podem ser definidas como pequenas capelas, min sculos templos, diminutos orat rios,

micro-altares que pelas suas pequenas dimens es, n o podem receber os fi is no seu interior e, assim, v o as suas

casas para ali serem recebidas.

A escolha do tema das capelinhas - orat rios com imagens de Nossa Senhora dentro de uma caixa de madeira que

lembra uma casa estilizada - foi feita em fun o de uma lembran a remota de inf ncia, onde todos os meses, nossos

pais, tias, av s se reuniam para rezar em torno dela. Era recebida com respeito solene, ora es e todo um aparato

ritual. No dizer da soci loga Gl ria Di genes ao relatar a dif cil decis o quanto ao tema de sua pesquisa para o curso

de doutorado, nossas escolhas traduzem demandas de natureza simb lica. Investigamos temas que est o

mobilizando processos internos, investigamo-nos (DI GENES,1998,p14)

Os santos cat licos suscitam-me imagens vindas da inf ncia e adolesc ncia. O altar dom stico da minha m e,

com santos de v rios tamanhos e proced ncias, as velas acesas, o incenso enchendo o ar de aromas ex ticos. O

calend rio do ano, quase sempre com a imagem do Sagrado Cora o de Jesus, os santinhos do meu pai ao lado de

fotos de Jo o Paulo II, o papa polon s. Lembro-me quando ia Igreja do bairro em tardes que n o havia missa.

Ficava sozinha olhando interrogativamente para aquelas imagens est ticas que me intrigavam, me fascinavam.

Uma experi ncia em particular - acontecida na Ilha do Mehl no litoral do Paran - foi marcante, quando entrei

em uma pequena igreja nativa toda feita de madeira, local aonde os pescadores e a comunidade assistiam a missa

realizada mensalmente. Nesse dia a igrejinha estava vazia e pude observar atentamente o altar repleto de santos: o

que mais chamava a aten o era a express o nos rostos e corpos das imagens, neles estava inscrito repetidamente

um estado de mart rio e sofrimento, em especial na imagem de S o Sebasti o, com o corpo cravejado de flechas.

Transportei-me para aquela atmosfera m stica sentindo-me como uma moradora da ilha, uma perfeita nativa. Com

uma vassoura de pia aba que estava no local, comecei a varrer e a arrumar a igrejinha solenemente.

Esse fato surpreendente, em fun o de que nunca fui religiosa no sentido estrito do termo. O que desperta a

minha curiosidade sociol gica s o os fen menos da f , as diversas representa es do divino, e especificamente a

iconografia cat lica, a forma como os santos s o plasticamente representados - seus trajes,a combina o de cores, os

adere os simb licos, a express o que assumem - e a rela o dos fi is com os mesmos.

Al m das quest es subjetivas mencionadas, uma forma metodol gica de exercitar o trabalho de campo

tamb m foi se moldando e consolidando, atrav s de uma reflex o no mbito da Sociologia da Religi o, combinada a

teorias interdisciplinares e a um di logo permanente com a Antropologia e a Hist ria. Buscou-se, neste proceder,

tamb m, teorias interpretativas do significado da religi o nos autores cl ssicos da Sociologia, - desenhando um

panorama desse fen meno no pensamento marxista, weberiano e durkheimiano.

O catolicismo foi tomado como espa o privilegiado da an lise, tendo em vista que foi sobretudo em torno dele

que se produziram as negocia es de sentido, por seu papel de institui o que dominou o campo religioso por s culos

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no Brasil, perdendo sua hegemonia pouco a pouco nos ltimos anos. Apesar disso, seus valores permanecem

enraizados na cultura brasileira de tal forma que ainda est o presentes no ethos dessa sociedade. Sendo assim, este

estudo se ap ia em certa medida, na perspectiva de Pierre Bourdieu, que ao elaborar os conceitos de campo e de

habitus , procurou da conta da realidade social em seus dois planos - o institucional e o das representa es ao

considerar que ambos interferem no mbito das id ias coletivas, bem como das pr ticas sociais.

Considerando-se que a reflex o sobre a pr tica da sociabilidade entre vizinhos, atrav s do circuito das

capelinhas particularmente novo e inexplorado, constitui-se tamb m em um interessante objeto de estudo para a

Antropologia Visual ou Sociologia da Imagem, j que a fotografia pode ser usada como dado prim rio e documento

antropol gico - n o como uma r plica da realidade, mas como representa o que necessita de leitura cr tica e

interpreta o (GIDLEY 1985; p.39).

Fig.2- Capelinha da Par quia Cristo-Rei com a imagem de

N.Sra.do Perp tuo Socorro.

A proposta que os autores t m feito a do uso da fotografia de um modo cr tico e reflexivo, que possa

contextualizar as imagens para que estas ajudem na reconstru o de culturas e pr ticas. Os retratos s o vistos como

algo feminino, enganador e irracional quando comparados s palavras, que s o masculinas, verdadeiras e racionais

(KRIEGER, 1979, p.253). Nessa afirma o o autor enfatiza que a diferen a de valor entre o visual e o escrito, est

enraizada em diferen as b sicas de cogni o entre os sexos. No o que se pode desmistificar, ao integrar textos e

imagens na compreens o do objeto de pesquisa. O uso de imagens que se fez particularmente neste trabalho, foi

meramente o de documenta o e ilustra o, longe portanto ainda, de uma antropologia visual.

Na problem tica deste trabalho est o colocados alguns questionamentos tais como: Qual o significado desse

ritual mantido h tantos anos? Por que dentro do cristianismo, uma religi o notadamente patriarcal, uma imagem

feminina, a da m e, que ocupa o lugar central do culto? Qual o significado de Maria dentro da cosmologia cat lica? De

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que maneira a peregrina o da capelinha pelas casas, contribui para a manuten o das formas de sociabilidade no

meio urbano?

Tais quest es orientaram a busca por respostas ao longo da pesquisa, al m da constata o de que h uma

mudan a no sentido original dos fi is se dirigirem ao local do sagrado, no caso o Templo, a Igreja. N o por acaso,

chamado de Movimento das Capelinhas, - o que por si s j sugere uma din mica, um deslocamento - o sagrado

que se dirige casa dos fi is, invertendo as fun es dos espa os p blico e privado como locus da pr tica da

religiosidade.

A pesquisa de campo realizada para este estudo baseou-se em entrevistas feitas com pessoas atuantes no

universo das capelinhas. Por se tratar de dados p blicos, que n o exp e nenhuma particularidade do entrevistado,

foram mantidos os nomes ver dicos, assim como os fatos declarados. A preocupa o dessa pesquisa foi no sentido

qualitativo e n o quantitativo dos informantes, privilegiando-se os depoimentos de fatos extraordin rios, tidos como

milagres , e tamb m o relacionamento entre a comunidade onde as capelinhas circulam, para a prospec o do

sentido de sociabilidade que as mesmas promovem.

Segundo Haguette (1995, p.86), a entrevista pode ser definida como um processo de intera o social entre

duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obten o de informa es por parte do outro, o

entrevistado. De acordo com Cervo (2002, p. 46), a entrevista uma conversa orientada com o objetivo de recolher,

por meio do interrogat rio do informante, dados para a pesquisa. A entrevista foi planejada para extrair os dados que

ajudaram a elucidar e completar os questionamentos te ricos.

O primeiro cap tulo tratar de alguns sentidos do religioso, bem como do campo da sociologia da religi o em sua

distin o e caracter sticas peculiares. Para acentuar a nfase na religi o enquanto objeto de estudo sociol gico, a

representa o e o sentido de representa o, incluindo a representa o imag tica, elaborados pelos atores sociais s o

em consider vel import ncia abordados.

No segundo cap tulo, delineia-se o movimento das capelinhas em sua principal representa o na imagem de

Maria. O catolicismo enfocado em algumas concep es e alguns depoimentos colaboram para o entendimento do

movimento das capelinhas em seus m ltiplos sentidos.

No terceiro cap tulo o movimento das capelinhas, analisado em mbito sociol gico, se baseia na concep o de

sociabilidade e de comunidade vistos pelo prisma da an lise contempor nea do meio urbano em sua constitui o

particular de rela es. Algumas representa es de Maria agregadas aos sentidos dados estas representa es

pelo movimento das capelinhas concluem o trabalho.

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Fig.3- Santinho impresso com a imagem do

Sagrado Cora o de Jesus.

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1. A RELIGI O E A REPRESENTA O NA PESQUISA SOCIAL

Antes de entrar propriamente no objeto de estudo, necess rio abordar o significado da religi o:

A palavra religio significa algo realizado com uma aten o minuciosa ou escrupulosa para o detalhe, este uso passou a designar o que seentende por religi o, devido ao modo como se fazia os sacrif cios nos tempos antigos. A palavra pode derivar de um verbo, religare,significando juntar duas coisas pr ximas uma da outra, o que revela algo muito mais importante sobre religi es (BOWKER,1997, p.76)

Para Geertz (1989, p.108) uma religi o um sistema de s mbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e

duradouras disposi es e motiva es nos homens atrav s da formula o de conceitos de uma ordem de exist ncia

geral e vestindo essas concep es com tal aura de fatualidade que as disposi es e motiva es parecem

singularmente realistas.

Para Fran ois Houtart (1994), o pensamento, as teorias e os estudos sociol gicos podem ser utilizados de

maneira muito frut fera para a a o. A sociologia n o uma disciplina alheia pr xis, pelo contr rio. No entanto, para

ser realmente til precisa respeitar suas pr prias linhas e exig ncias. E por isso necess rio afirmar com for a os

limites da sociologia como disciplina e sustentar que ela n o filosofia, nem teologia, nem tampouco psicologia ou

hist ria.

Houtard (1994, p.45) enfatiza que ao definir a sociologia a partir desta perspectiva e a sociologia da religi o em

particular, colabora o fato de que esta ltima estuda a religi o ou as religi es como fatos sociais. Significa tamb m

que, do ponto de vista metodol gico o objeto de estudo se reduz, o que caracteriza toda a disciplina em quest o. A

psicologia reduz seu objeto ao estudo dos indiv duos ou caso se trate de psicologia social, dos indiv duos em grupos. A

sociologia n o pode estudar seu objeto se ele n o um objeto social ou se n o se encontra colocado nestas

propor es. Para isto a realidade reduzida metodologicamente em sua dimens o social. Por ser um fato psicol gico,

a religi o pode ser estudada do ponto de vista filos fico, por m, ela tamb m um fato social, e como tal, tem todas as

caracter sticas de um objeto de estudo para a sociologia.

Ainda segundo esse autor, a sociologia estuda a religi o como fato social. Seria uma atitude redutora da

realidade recusar o estudo da religi o dessa perspectiva. Sabe-se que do ponto de vista metodol gico deve-se reduzir

o objeto de estudo e que este inapreens vel em sua totalidade pelo m todo sociol gico.

verdade que existe a necessidade de um pensamento global e uma dimens o filos fica do estudo da

realidade humana. No entanto, cada disciplina deve ser rigorosa e n o deve misturar-se com outras. Por isso

necess rio definir bem o campo da sociologia, para n o cair numa confus o disciplinar, nem tampouco desvi -la por

raz es extra-sociol gicas.

Houtard (1994), ao fazer refer ncia ao papel da religi o na sociedade, levanta as seguintes quest es: como a

religi o ou as religi es contribuem para a reprodu o da sociedade? Para a sociologia, que uma disciplina do

concreto, a pergunta : como a religi o pode ser, nestas sociedades, em circunst ncias hist ricas precisas, com

estruturas sociais particulares, um fator de reprodu o social? Como a sociologia estuda as l gicas internas

fundamentais da sociedade, na concretude das sociedades hist ricas, ela pode buscar a g nese social dos

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fen menos. Neste sentido, o que est em pauta o dinamismo hist rico e dial tico das sociedades, n o como

entidades em si mesmas, mas como produtos dos atores sociais. O que leva ao estudo do homem como ator, como

produtor da sociedade. o homem como ator social quem produz as estruturas de uma determinada sociedade,

embora evidentemente ele acabe sendo condicionado em sua produ o por pertencer a determinada classe ou grupo

social.

O papel da sociologia precisamente o de transportar ao n vel da consci ncia coletiva e individual o fato de que

a sociedade constru da pelos atores, nessas condi es que foram acima descritas.

Estudar a religi o do ponto de vista sociol gico sup e duas dimens es. Em primeiro lugar, a religi o faz parte

das idealiza es, ou seja, das representa es que os seres humanos fazem de seu mundo e de si mesmos. Tais

representa es s o a maneira de construir a realidade na mente. Esse n o um fato puramente autom tico, n o

apenas um reflexo, como o de um espelho que somente pode apreender a realidade tal como ela , mas sim que a

mente humana sempre est realizando um trabalho intelectual sobre a realidade para interpret -la. N o existe na

mente humana nem tampouco na cultura de um grupo humano uma representa o que n o seja fruto de um trabalho

da mente. verdade que esse trabalho n o se faz sobre um vazio social e cultural. As representa es sempre se

constroem dentro das condi es concretas e hist ricas dos atores sociais.

Neste sentido, do ponto de vista sociol gico, a religi o uma das representa es que os homens fazem do

mundo e de si mesmos.Especificamente, a representa o que faz refer ncia ao sobrenatural.

Numerosos soci logos da religi o n o aceitam as refer ncias a um conte do, e definem a religi o mais por

suas fun es. Isso provoca problemas muito concretos, tanto para a pesquisa como para a reflex o te rica. De fato, se

a religi o se define apenas com rela o a suas fun es psicol gicas ou sociais, como t m feito ultimamente alguns

autores, torna-se necess rio definir como religiosos muitos aspectos da cultura contempor nea que carecem desse

car ter, pois n o se referem a um sobrenatural . Se apenas as fun es s o consideradas como refer ncia, seria o

caso de definir como religioso: a exalta o do sexo, as experi ncias psicol gicas de v rias origens, incluindo a droga,

ou tamb m certos movimentos sociais. O resultado confuso e n o contribui para o entendimento.

Evidentemente, quando se fala da refer ncia ao sobrenatural, isso n o significa que o soci logo chegue a definir o que sejasobrenatural . Faz -lo n o cai no terreno de sua compet ncia. Ele apenas pode observar que existem grupos humanos que tem

representa es da realidade que fazem refer ncia ao sobrenatural. Assim, deixa aos grupos humanos que est estudando a tarefa dedefinirem eles mesmos o que chamam de sobrenatural. Pode ser um Deus nico ou um pante o de deuses; pode ser um mundo deesp ritos ou dem nios etc. H muitas formas, mas de toda forma, uma refer ncia ao sobrenatural ou, se preferirmos, umsobre-social (HOUTARD, 1994, p.26).

Isso coloca um problema epistemol gico delicado. Poderia argumentar-se que esse tipo de divis o, de separa o

da realidade atrav s de disciplinas artificial, porque na concretude da vida hist rica das coletividades as coisas

n o acontecem dessa forma.

A segunda considera o a levar em conta no que diz respeito sociologia da religi o que a religi o, como

parte das representa es, tamb m um produto do ator social humano. Isso perfeitamente compreens vel porque

toda realidade cultural, toda realidade ideal, um produto social.

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A sociologia da religi o procura estudar aquelas formas de representa o produzidas pelos atores que s o

formas religiosas. Pode ser o discurso religioso em seus aspectos particulares ou o discurso produzido por grupos

sociais ou um discurso mais elaborado, do tipo teol gico, onde interv m mais a institui o; ou tamb m pode ser a

religi o como forma de consci ncia em diferentes tipos de sociedade, de acordo com o modo de produ o, ou os

efeitos sociais positivos ou negativos da religi o diante de certos tipos de objetivos sociais, pol ticos ou econ micos.

As religi es tamb m podem ser estudadas, sempre como produtos dos atores sociais, enquanto organiza es.

As Igrejas ou as Sangha budistas s o organiza es sociais institucionalizadas que podem ser observadas e estudadas

do ponto de vista da sociologia. (HOUTARD, 1994, p.28).

Para o soci logo, o que interessa, como e por que raz o nascem, se dissolvem ou se transformam as formas

religiosas na consci ncia. Isso n o pode ser resolvido sem que se fa a refer ncia totalidade da vida dos atores

sociais, ou seja, sem estudar a realidade social total, sem a qual n o podemos obter a explica o da g nese dessas

formas religiosas, de seu funcionamento; esse precisamente o papel da sociologia da religi o. Outra preocupa o

tamb m saber como e porque raz o nascem, se dissolvem e se transformam as representa es religiosas da rela o

com a natureza.

primeira vista, a express o produ o da sociedade cont m alguns aspectos que preciso diferenciar. Por

um lado, n o poss vel falar das sociedades como se elas fossem totalmente alheias aos atores sociais, porque elas

n o s o entidades em si mesmas, mas sim produ es sociais; por m, n o correto pensar que os atores sociais

criam as sociedades de maneira totalmente aut noma, voluntarista, sem condicionamentos. Nisso consiste o aspecto

dial tico da constru o social, onde se considera que as sociedades s o frutos da a o dos atores sociais e que ao

mesmo tempo esses atores sociais s o condicionados em sua produ o pelo lugar que ocupam na estrutura social e

tamb m s o transformados pela constru o social que realizam. Para que isso aconte a n o necess rio que os

atores sociais sejam conscientes das fun es de suas pr prias produ es.

Existe, portanto, uma diferen a entre a consci ncia imediata do ator social que se sabe atuante e a consci ncia

social, que pode ou n o estar presente no ator, no sentido de ser consciente do fato de que por sua atua o imediata

constr i estruturas sociais, as reproduz ou eventualmente as transforma. Uma grande parte dos atores sociais n o

consciente desta dimens o de sua atua o.

A produ o de representa es, id ias ou esquemas culturais uma realidade humana fundamental. uma

caracter stica do ser humano de at edificar um mundo de representa es, um mundo constru do pelos seres

humanos e que lhes permite situar-se no contexto natural e social.

A mesma realidade n o est representada da mesma maneira em todas as classes, diferente em fun o do

contexto social ao qual pertencem os atores. O mesmo se pode dizer para aquelas representa es que se referem ao

sobrenatural, ou seja, a religi o. As representa es possuem um car ter dial tico, ou seja, elas s o produzidas e

institu das, mas tamb m s o instituintes pois s o um produto dos grupos humanos, da mente individual e coletiva, ao

mesmo tempo em que criam uma situa o que influi sobre as pr ticas dos atores sociais.

A consci ncia coletiva de acordo com a defini o de Lucien Seve (SEVE citado por HOUTART, 1994, p.31,32),

o conjunto das formas de apropria o subjetiva da realidade objetiva . Isso sup e que sempre se olha para os seres

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humanos de maneira muito concreta nas condi es hist ricas e sociais de sua exist ncia. N o se pode falar do

homem, da consci ncia, de maneira abstrata, mas sim em fun o das condi es hist ricas concretas.

Acrescente-se a isso que n o se pode enfocar unicamente o aspecto cognitivo da consci ncia, mas tamb m a

dimens o afetiva, ou tudo o que se relacione com a legitima o das estruturas existentes ou a edificar, assim como a

motiva o para a a o.

Como bem apontava Marx na Contribui o para a cr tica da economia pol tica (MARX citado por HOUTART, 1994,

p.38), os seres humanos s o atores e agentes das transforma es hist ricas, porque os atores sociais contribuem

com seu trabalho, suas pr ticas e suas id ias, para a reprodu o ou a modifica o do funcionamento da sociedade.

Disso decorre que a subjetividade expressa em forma de consci ncia social desempenhe tamb m um papel

importante nas transforma es hist ricas.

As representa es religiosas coincidem com situa es de grande vulnerabilidade do homem diante da

natureza. Em situa es onde a contradi o vida-morte muito aguda, tanto porque os seres humanos s o muito

dependentes dos ciclos da natureza para sua alimenta o como pelo estado f sico pessoal, ou seja, as doen as,

observa-se uma utiliza o quase exclusiva dos c digos religiosos para representar a rela o com a natureza.

Por exemplo, tanto nas sociedades maias como nas astecas, a representa o religiosa do milho era central:

existiam as divindades do milho e a representa o da cria o do homem a partir do milho e do sangue.

Como o milho o centro de sua vida material, deve ser tamb m a origem de sua esp cie. A produ o do milho

tamb m est vinculada ao ciclo da natureza, chuva. A chuva por sua vez, fonte de vida, e est relacionada com a

lua, divindade feminina vinculada fertilidade. Assim se constr i um mundo de explica es, um grande mito de uma

l gica extraordin ria, porque todos os elementos est o relacionados entre si.

Por outro lado, algumas religi es se concentram na volta para si e na descoberta da verdade interior, atrav s da

ilumina o, da paz, do vazio, da natureza do Buda etc. A explora o que o fil sofo Thoreau chamou de oceano

particular, os mares e correntezas da natureza interior , levou a religi es como o Budismo.

Existem algumas caracter sticas sociol gicas que definem a sociedade contempor nea em seus elementos

particulares, os quais colaboram para o entendimento das rela es tamb m peculiares que se constituem entre os

indiv duos na atualidade. Falar do contempor neo inclui principalmente discuss es sobre as rela es que se

fundam sobre o moderno com base no mercado.

A modernidade se constituiu principalmente com o desenvolvimento das cidades. Com a aglomera o urbana,

modos novos de relacionamentos se introduziram nas rela es entre os indiv duos. O desenvolvimento da t cnica e

dos novos modos de viver, a individualiza o cada vez maior, os ritmos acelerados do cotidiano. De acordo com

Wirth (1967) todas as caracter sticas do urbano contribuem para a origem da solid o e como forma de organiza o

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social, o urbanismo tem sido descrito pela substitui o dos contatos prim rios por contatos secund rios, no

enfraquecimento dos la os de parentesco e no decl nio do significado social da fam lia, no desaparecimento da

vizinhan a e na corros o da base tradicional da solidariedade social. Como os la os familiares tendem a perder sua

import ncia, criam-se grupos fict cios de parentesco, com base nas afinidades entre os indiv duos, criam-se as

unidades de interesse.

Simmel (1967) em seu texto a metr pole e a vida mental, busca responder ao questionamento: como a

personalidade se acomoda nos ajustamentos s for as externas? . O homem, segundo este autor, estimulado pela

diferen a, e atrav s dela que ele assume suas impress es. A metr pole propicia - pelo seu modo de vida

multivariado, condi es que criam uma consci ncia diferente do que a consci ncia do meio rural. Esta ltima produz

uma consci ncia mais sentimental ao passo que no homem urbano estrat gia usar o racional, ao inv s do

emocional, o que serve para proteg -lo das influ ncias externas que desenraizam sua vida subjetiva.

Em torno de um ambiente agressivo, para se preservar, o homem metropolitano assume uma atitude de

reserva, por isso acaba sendo visto como frio e desalmado. Essa reserva confere ao homem metropolitano, maior

qualidade e quantidade de liberdade pessoal. A comunica o e as formas elementares de socializa o est o

baseadas em um conjunto de simpatias, indiferen as e avers es. Assim, a reserva e a frieza do homem

metropolitano, s o rec procas ao seu ambiente, pois em nenhum lugar o ser humano se sente t o solit rio e perdido

quanto em uma multid o metropolitana. Na rea metropolitana, os contatos inter humanos se d o com brevidade e

escassez, ao contr rio do interc mbio social na cidade pequena.

Segundo Simmel (1967), com a objetividade gerada constantemente na cidade, o lado emocional do indiv duo

constantemente reprimido e o racional se sobrep e e a atitude de reserva diante dos acontecimentos e sensa es

predominante. Segundo este autor, a comunica o e as formas elementares de socializa o est o baseadas em um

conjunto de simpatias, indiferen as e avers es. A causa da individualidade na metr pole a cultura moderna que

caracterizada pelo esp rito objetivo sobre o esp rito subjetivo , isto faz com que o indiv duo se afaste da delicadeza e

da emo o, ainda mais quando a divis o do trabalho exige um aperfei oamento unilateral (objetiva) o que para o

indiv duo significa a morte da sua personalidade. para preservar esta personalidade que o indiv duo se isola e se

particulariza.

1660

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Fig.4- Adesivo e imagem do Sagrado Cora o de Maria em carro.

Algumas religi es como o judaismo, o cristianismo e o islamismo, encontram sua verdade e valor no modo como

os indiv duos se relacionam uns com os outros e com um poder superior . Nestas religi es esse poder superior

reconhecido como Deus e como fonte suprema de toda vida e toda a cria o, que continuar a existir,

independentemente da perman ncia deste ou de outro universo (Bowker,1997,p.06). Segundo este mesmo autor,

essas explora es produziram as pr ticas caracter sticas das religi es, tais como o culto, a prece, a medita o,

al m da reprodu o de imagens de santos, cria o de mitos e, por conseguinte, de suas imagens e

representa es, de s mbolos religiosos, dentre outros. Tudo isso est relacionado a cren as que, por sua vez, criam

imagens do que a vida humana e de como o mundo ou universo. Esses mundos s o animados por deuses e

esp ritos, cheios de poder e presen a, para o bem e para o mal, que entram em contato com os seres humanos

atrav s de suas representa es ou imagens.

Por milhares de anos as pessoas t m buscado o sentido e a verdade de sua pr pria natureza e do universo; as religi es, que lidamcom a totalidade da vida e morte humanas, resultam dessa busca. Mesmo as ci ncias naturais eram originalmente religiosas;somente nos ltimos trezentos anos regi o e ci ncia se separaram como caminhos diversos de conhecimento (BOWKER, 1997, p.25).

V em-se as religi es hoje como comunidades de pessoas que compartilham pr ticas e cren as geralmente em

um Deus ou deuses, que se re nem em constru es especiais para o culto ou medita o e que vivenciam o mundo de

maneira especial. E justamente por vivenciarem o mundo de maneira especial que as religi es diferenciam-se

entre si tamb m: a diferen a n o est em porque fazer, j que o objetivo parecido, mas sim em como fazer, por

meio de ritos e cren as diferenciados, quando fazer, atrav s das datas comemorativas, finalmente onde fazer: em

1760

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mesquitas, templos, igrejas e outros locais. Sabe-se que mais de tr s quartos da popula o mundial considera-se

pertencente a uma religi o, independentemente do pouco ou muito que a pratiquem.

O que todas as religi es t m em comum que elas protegem as informa es que capacitam as pessoas a

estabelecer objetivos de significa o e valor, tanto nesta vida (objetivos pr ximos) como ap s a morte (objetivos

finais). Toda essa informa o deve ser organizada, protegida e compartilhada. Grande parte da informa o religiosa

n o colocada em palavras; ela se expressa em signos (Bowker,1997,p.36). Alguma coisa funciona como signo

quando tem o poder de representar uma outra coisa, ou seja, seu objeto. Esta representatividade tem uma for a

enorme quando se trata de religi es. Os hindus podem colocar a totalidade do universo em um diagrama do

tamanho de um prato, e os crist os colocam Deus em um peda o de p o pequeno como uma moeda no caso da

h stia, por exemplo. Santaella (1999), em sua defini o do que semi tica, mostra que na arte, na decora o, nos

gestos e muitas vezes, no sil ncio, h as presen as simb licas, iconogr ficas e indexadoras.

Assim, os s mbolos ao definidos como portadores de uma lei que, por conven o ou pacto coletivo, determina que

o s mbolo represente seu objeto. O objeto representado pelo s mbolo t o gen rico quanto o pr prio s mbolo. A

cruz e a estrela de Davi, dentre outros, s o s mbolos religiosos do cristianismo. J os cones s o signos que

segundo produzem na mente do interpretante um sentimento vago, uma contempla o. Representam apenas

formas e sentimentos (visuais, sonoros, t teis etc), e por isso mesmo possuem alto poder de sugest o. Cores,

texturas e formas, que comp e a decora o dos ambientes sagrados, as vestimentas dos religiosos e a arquitetura

dos templos, igrejas e afins s o exemplos de cones. Finalmente, o ndice, indica uma outra coisa com o qual est

factualmente ligado. O mais proeminente nele seu car ter f sico-existencial, apontando para uma outra coisa (seu

objeto) do qual faz parte. Rastros, pegadas, res duos, reminisc ncias s o todos ndices de alguma coisa que por l

passou deixando suas marcas. Se considerarmos o santo sud rio, por exemplo, ele se constitui em um ndex para

os cat licos, pois aponta, comprova pode-se dizer, a passagem de Cristo pela terra.

O pressuposto de Freud (1980), para entender a religiosidade como parte do acervo ps quico da civiliza o, o

de que esta ltima foi constru da sobre a coa o e a repress o dos impulsos. Portanto, as massas t m de ser movidas

no sentido das atividades do trabalho e no das ren ncias, que umas e outras asseguram a estabilidade social. Por

outro lado, a satisfa o de um certo n mero de indiv duos pressup e a opress o sobre outros, talvez a maioria, que

desenvolvem contra as normas sociais uma hostilidade intensa. Na marcha dessa evolu o, as coa es externas s o

pouco a pouco interiorizadas, havendo uma inst ncia ps quica especial, o Super-Ego humano, que as incorpora entre

os seus mandamentos. Esse fortalecimento do Super-Ego uma aquisi o psicol gica altamente valiosa para a

1860

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humanidade e sua vida em comum.

A soma de interioriza o das normas culturais, considerado um bem ps quico por Freud, ao lado de ideais e de

satisfa es que a vida em sociedade oferece - como, por exemplo, as cria es art sticas - t m nas representa es

religiosas a parte mais significativa do invent rio ps quico de uma civiliza o.

Assim, considera Freud que tanto para o conjunto da humanidade, como tamb m para o indiv duo a vida dura

de ser suportada: uma parte de priva o de gozos lhe imposta pela civiliza o de que ele participa; uma por o de

sofrimentos lhe preparada pelos outros homens, quer a despeito das normas culturais, quer em conseq ncia da

imperfei o da pr pria Cultura. A isso se ajunta o que de preju zo lhe causa a natureza indomada - ao que ele chama

destino (FREUD, 1980, p.19).

Em face dessas amea as, o homem sente o desamparo, e com ele, o anseio por um pai e pelos deuses .

Estes desempenham um tr plice papel: o de eliminar os pavores da natureza, de operar a concilia o com a crueldade

do destino, principalmente no que diz respeito morte, e o de compensar ao homem os sofrimentos e priva es

advindas da vida coletiva. Assim se forma um conjunto de representa es nascidas da necessidade de tornar

suport vel o desamparo humano e constru das do material de reminisc ncias do desamparo da inf ncia individual e

da inf ncia da esp cie.

As representa es religiosas sofreram naturalmente longa evolu o e se ligaram a fases diferentes em cada

uma das civiliza es. Freud escolhe uma nica fase desse desenvolvimento, a que corresponde forma final da

civiliza o branca e crist . Assim para Freud, chamamos a uma f uma ilus o, por isso que na sua motiva o h

recalcada a satisfa o de um desejo, h a abstra o das rela es com a verdade e, tal como na ilus o, a ren ncia

comprova o. (1980, p.36)

Fig.5- Casa com nicho de santo na fachada.

1.1 A RELIGI O NA REPRESENTA O FOTOGR FICA

1960

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Os antigos cultos ou rituais celebrados em honra aos deuses e deusas constitu am-se em atividades

importantes para as comunidades, porque proporcionavam uma cultura comum na qual s mbolos e hist rias,

aprova o e desaprova o coletivos eram compartilhados. As palavras cultura ' e culto ' prov m da mesma palavra

latina cultus ', que significa adora o aos deuses ou a um ser supremo, podendo-se afirmar inclusive que cultos e

cren as embora diversificados constituem o fundamento da cultura. Segundo Aguillar (1998, p.55), a cultura

protetora, e as religi es, com seus diferentes padr es de cren a e pr tica, s o os mais primitivos sistemas culturais de

que se tem not cia .

Toda festa religiosa tem a fun o de tornar novamente presente um tempo passado, assim como a fotografia.

Corpus Cristi, Finados e outras celebra es religiosas remetem n o s comemora o, mas principalmente

rememora o. Participar de um culto, missa ou qualquer outra comemora o religiosa transportar-se ao passado

(Bowker, 1997 p.41).

Ao ir missa ou ao culto, o crist o deixa de lado o seu cotidiano por vezes massacrante, e vai em busca de

uma atividade especial, sagrada. Por isso as festas se repetem regularmente, de tempos em tempos. Elas trazem de

volta a mem ria do passado, tornando-se vis vel a dimens o c clica do tempo passado. Esta volta ao passado

tamb m ocorre com a fotografia, que visa recordar e restabelecer simbolicamente a continuidade ou o progressivo

desaparecimento de algo, da decorre um certo paralelismo entre a religi o e a fotografia como bem aponta Susan

Sontag (1986) em seu livro Ensaios sobre a Fotografia.

Nesta obra, Sontag (1986, p.53), diz que As fotografias s o marcas fantasm ticas que permitem a presen a

simb lica de algo ou algu m, e proporcionam a posse imagin ria de um passado irreal . Ali s, ela n o s remete o

expectador ao passado como tem a capacidade m gica de fazer do presente um tempo passado, j que o que

importa o momento, o instant neo.

Existem duas origens do nome fotografia. A primeira vem da Gr cia, usada nos pa ses ocidentais, e surgiu na

Fran a: foto=luz; grafia=escrita. Atrav s desse nome a fotografia a arte de escrever com a luz, o que a define como

uma escrita. A segunda forma de origem oriental. No Jap o fotografia se diz sha-shin, que quer dizer reflexo da

realidade. Essa dualidade, j no nome, remete com facilidade sua dupla condi o de linguagem e forma de

express o pessoal. A fotografia representa uma parcela consider vel das imagens vistas, Sontag (1986, p. 85) escreve

que Mallarm , segundo ela, o mais l gico dos estetas do s culo XIX disse na poca que tudo que existe no mundo,

existe para vir a acabar em um livro . Ao que Sontag (1986, p.87) parafraseia: Hoje em dia, tudo o que existe, existe

para vir a acabar numa fotografia .

A fotografia, assim como as imagens, materializam o sagrado para o mundo dos homens. O divino lembrado

e imortalizado pela imagem. A imagem fotogr fica sempre uma representa o em seus m ltiplos recortes. Segundo

Kossoy (2002, p.44), a realidade apresentada em uma fotografia n o corresponde necessariamente a uma verdade

hist rica incontest vel, mas ela um registro sujeito a diferentes leituras elaboradas no imagin rio de seus receptores

de acordo com seus repert rios culturais, conhecimentos, concep es ideol gicas, est ticas, convic es morais,

ticas, religiosas, econ micas, profissionais e mitol gicas. O registro fotogr fico cont m em si uma fra o

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temporal/espacial eternizada, a qual elege uma s rie de signos a serem repassados e recebidos pelas particularidades

culturais dos diferentes receptores.

Assim como a religiosidade, a fotografia possui tamb m um car ter subjetivo. Ainda segundo Sontag, (1986,

p.53), a fotografia tem a desagrad vel e falsa reputa o de ser a mais realista, e por isso a mais f cil das artes

mim ticas . Ela se assemelha com a realidade, mas n o a realidade; ela mais que representa o, recria o da

realidade. Chega-se a um ponto da discuss o em que o pr prio real j n o mais suficiente. O resultado mais

significativo da atividade fotogr fica repassar a sensa o de que a cabe a pode conter todo o mundo - como uma

antologia de imagens. E imagens nada mais s o que objetos. S o imagens da verdade e n o a pr pria verdade. At

porque a verdade, ou a realidade possui v rios aspectos e v rias faces.

Diane Arbus (Arbus citada por Sontag,1986), fot grafa de moda americana, em seu ensaio pessoal sobre

desajustados f sicos e mentais, mostrou atrav s de um ponto de vista dissociado que existe um outro mundo . Cada

indiv duo possui a sua verdade e a sua realidade. Na verdade, o que o fot grafo apreende ent o em sua m quina s o

apar ncias da realidade, s o experi ncias capturadas .

Sontag (1986), a esse respeito escreve sobre o verdadeiro significado que a imagem fotogr fica deveria ter:

Aqui est a superf cie. Agora pensem, ou antes, sintam, intuam o que est por detr s, como deve ser a realidade se

esta a sua apar ncia. A fotografia implica que conhecemos o mundo se o aceitarmos como a c mara o registra. Mas

isto o oposto da compreens o, que se inicia justamente por n o se aceitar o mundo como parece ser (SONTAG,

1986, p.30).

Ent o a fotografia, - como toda forma de linguagem - nada mais que a interpreta o do mundo atrav s da

realidade do fot grafo, do seu olhar, que subjetivo. Portanto a fotografia n o a c pia da realidade, e sim o modo

como a vemos. Cabe ao fot grafo inclusive, descobrir e investigar novas realidades. A fotografia, atrav s da c mara

fotogr fica, foi capaz de revelar-nos estruturas e materiais, atrav s do foco aproximado, de ngulos, atrav s das

objetivas, at ent o invis veis para a vis o normal dos olhos. Segundo Antonio Arcari (1980), professor italiano:

A fotografia pode propor-nos uma vis o nova, original, em todo caso diferente e fora do que habitual no objeto, portanto, da pr priarealidade, mesmo permanecendo sempre fiel a esta e definitivamente sem qualquer arb trio da fantasia e da inven o, cujainterven o estar toda na descoberta das infinitas possibilidades que a realidade oferece a quem desejar conhece-la atrav s daquelerelativamente simples e objetivo instrumento de medi o tica que a m quina fotogr fica (ARCARI, 1980, p.110).

A discuss o sobre a realidade fotogr fica chegou ao ponto que n o se discute mais o real e sim o surreal. O

real foi abandonado, e a maioria dos fot grafos americanos e europeus adotou consciente ou inconscientemente o

modelo do surrealismo. A insist ncia do fot grafo em que tudo real, implica tamb m que real j n o mais

suficiente. Na vis o de Arnheim (1996, p.96), o surrealismo, ao proclamar um descontentamento fundamental em

rela o realidade, anuncia uma situa o de aliena o que se tornou hoje em dia uma atitude generalizada nas zonas

do mundo politicamente poderosas, industrializadas e que dominam as imagens . Que outro motivo haveria para que a

realidade seja sempre considerada insuficiente, uniforme, excessivamente ordenada e superficialmente racional?

No passado, o descontentamento com a realidade exprimia-se atrav s do desejo de outro mundo. Na

sociedade moderna, o descontentamento da realidade exprime-se energicamente atrav s do desejo de reproduzir

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este mundo (SONTAG, 1986, p.34) como se apenas por olhar a realidade como um objeto - mediante a fixa o da

fotografia - esta se tornasse realmente real, ou seja, surreal.

1.2 A imag stica e a religiosidade

Em um estudo realizado por Marcio Pizarro Noronha (2004) aponta-se um caminho na dire o do pensamento

simb lico e do modo como este aparece na Arte, dando aten o a um conjunto de autores, que estabelecem as

liga es hist ricas e culturais da produ o da imagem e de uma cultura imag tica com a religiosidade, em suas

dimens es da cultura m gica e da cultura religiosa propriamente dita.

Jean Pierre Vernant (VERNANT citado por NORONHA, 2004), estudioso da cultura da Antiguidade cl ssica,

identifica na cultura grega a forma o dos dolos como o elemento de manifesta o de uma ordem simb lica. Em

todas as civiliza es e culturas, a ordem divina e transcendental se organiza sob formas simb licas. Estas formas

podem ou n o possuir um car ter material ou ainda serem reconhecidas com parte integrante e produtora de uma

cultura pl stica. A cultura pl stica da civiliza o grega antiga encontrou na forma o dos dolos o momento de

produ o de um repert rio de imagens que passariam a ser utilizadas por consenso social - aceita o das imagens

(VERNANT citado por NORONHA, 2004, p.119).

Este repert rio forma uma linguagem imag tica visual e que acaba por configurar um determinado imagin rio

cultural-social. Com isto, Vernant indica a passagem do s mbolo condi o de imagem visual e a sua presentifica o

no campo das rela es sociais, como momento permanente de atualiza o da produ o simb lica.

Este momento espec fico, o da regulariza o da tarefa da produ o dos cones e suas t cnicas de feitura - de

reprodu o cultural -, o momento em que o artista desenha ou esculpe e faz existir um campo art stico. Assim, as

sociedades ocidentais constituem o espa o do fazer art stico numa duplicidade entre a realidade simb lica /

transcendental e a realidade imagin ria / e o conjunto de t cnicas da decorrentes.

A arte estaria assim originalmente vinculada ao dom nio da religiosidade propriamente dita e sua tarefa inicial

teria sido a da imaginariza o socialmente determinada, ou seja, a produ o da imagem visual e da realiza o t cnica

dentro do campo do imagin rio. A ordem simb lica presentifica-se num procedimento de imaginariza o. Na cultura

ocidental, esta imaginariza o tomou algumas formas visuais e pl sticas. A autonomiza o e a separa o da vida

simb lica em rela o a seu repert rio vieram a constituir o dom nio da arte, uma esp cie de zona privatizada e agora

reunida em torno da cultura dos signos. Quando o dolo passa a cone ele torna-se elemento a-simbolizado. E isto

teria deixado a arte livre de sua (sobre-) determina o de car ter m gico-religioso (VERNANT citado por NORONHA

2004, p.120).

Benjamin (1989), ao enfatizar a quest o da reprodutibilidade t cnica, rev os conceitos da est tica cl ssica

diante das t cnicas suscitadas pelo capitalismo no sentido de reprodu o das obras de arte. O advento dessa

possibilidade acaba roubando arte aquilo que a assemelhava a uma experi ncia religiosa, constitu da pelos

elementos de aura, valor cultual e autenticidade. Ao buscar rever esses conceitos, Benjamin procura a especificidade

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do discurso da arte, e determinar o caminho que leva revela o de sua estrutura. Sabe-se que as mais antigas

obras de arte nasceram a servi o de um ritual, inicialmente m gico, depois religioso. Ora, um fato de import ncia

decisiva a obra de arte perder necessariamente sua aura a partir do momento em que n o mais possua nenhum tra o

de sua fun o ritual .(BENJAMIN, 1989,p.214). Esse mesmo autor faz uma an lise da fotografia, ao enfatizar que a

imagem como a obra de arte associa estreitamente sua unicidade e dura o, enquanto que a fotografia associa duas

caracter sticas opostas, ou seja, as de uma realidade fugidia, mas que ao mesmo tempo se pode reproduzir

indefinidamente.

Para Noronha (2004), deve-se levar em conta que, grande parte dos produtos art sticos, tanto id ias como

artefatos culturalmente situados em nossa contemporaneidade, s o obedientes a l gicas semi tico-semiol gicas, do

signo, e a l gicas da economia pol tica do signo como aponta Baudrillard ou da economia simb lica, no sentido

restrito, da sociologia do campo art stico de Bourdieu.

Quando se pensa nas figura es do divino se est diretamente falando dos produtos que dizem respeito a

imaginariza es do transcendente, em seu car ter hist rico-cultural e em seu car ter arquetipal e simb lico. Isto

significa dizer que n o se est privilegiando um conceito de figura o que seja de car ter ilustrativo, no sentido

reduzido da express o.

Figurar, aqui, n o diz respeito apenas produ o de imagens visuais do tipo figurativo. Figurar constitui-se na

a o propriamente dita de materializa o e de repertoriza o simb lica. O signo religioso encontra-se explicitamente

presente nos produtos da arte sacra, seja em Igrejas, na arte tumular, e em diferentes manifesta es da arte popular.

O s mbolo religioso n o est necessariamente aprisionado a este registro cultural-art stico. O s mbolo m gico-religioso

est presentificado em toda a manifesta o art stica que se quer predominantemente usu ria e manifestante de

l gicas simb licas e n o de l gicas semi ticas.

Desse modo, muitos dos produtos art sticos a serem investigados est o fora desta rede convencional das

religi es e acionando o imagin rio religioso em suas tradi es imag ticas na cultura brasileira. O repert rio deve ser

traduzido enquanto mentalidade e esta deve ser capaz de tornar vis vel, os regimes de imagens enquanto tradu es

culturais visuais das ordena es do simb lico. A produ o art stica dever ser observada do ponto de vista dos

imagin rios religiosos, presentificando na simb lica da obra um determinado imagin rio, ou o cruzamento de diversos

imagin rios.

Do imagin rio hist rico e social passamos para a percep o do que chamamos de imagin rio simb lico/ordemsimb lica/ordem/arquetipol gica. Nesta segunda inst ncia, a busca do pesquisador a de encontrar e/ou perceber a presen a/aus ncia em sua idea o e/ ou materializa o daquilo que uma cultura seleciona para si enquanto parte integrante do seu n cleoconstituinte e instituinte, do que foi fixado, dentro de uma cultura, das rela es sociais e individuais com o ambiente cosmol gico esocial; e mais ainda, do que foi projetado, por meio do equipamento biops quico, por meio da estrutura o da subjetividade humana,no produto, seja ele uma id ia ou um artefato,demonstrando os modos do vivido,da alegria e do sofrimento humanos, nossostestemunhos individuais e da esp cie (NORONHA, 2004; p. 120).

Assim, para esse autor, as imagens do divino s o uma nova procura pelo momento da forma o dos dolos,

antes da sua transi o para a l gica do dolo. E a permanente reinstaura o do senso imagin rio, enquanto sintoma e

enquanto terap utica, da esp cie humana.

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Fig. 6- Vendedor ambulante com imagem de Maria.

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2. POR MARIA, COM MARIA, SEMPRE MARIA

Esse o lema encontrado nas ora es que acompanham as capelinhas.E aqui mais uma vez o que se ressalta

o culto Maria e com ela a valoriza o da figura da M e de Deus, em detrimento da figura de Jesus, que central nas

religi es advindas da Reforma Protestante. Assim na contemporaneidade a imagem de Nossa Senhora ganha uma

for a nova e torna-se um dos s mbolos mais importantes na constru o do catolicismo atual. Em pocas recentes, o

lugar da Virgem Maria na doutrina da Igreja vem se definindo com mais precis o. Durante os ltimos cento e

cinq enta anos, os papas anunciaram que ela livre de pecado original (Imaculada Concei o), e que seu corpo e sua

alma foram levados para o c u (Assun o).

Encontra-se na Ladainha de Nossa Senhora , os mais elevados adjetivos e atributos dirigidos a ela. Assim,

Santa Maria : a santa m e de Deus, a santa virgem das virgens, a m e de Jesus Cristo, a m e da divina gra a, a

m e pur ssima, a m e cast ssima, imaculada, intacta, am vel, admir vel, m e do bom conselho, m e do Criador, do

Salvador, virgem prudent ssima, vener vel, louv vel, poderosa, benigna, fiel, espelho de justi a, sede da sabedoria, da

alegria, vaso espiritual, honor fico e insigne de devo o, rosa m stica, torre de Davi, torre de marfim, casa de ouro,

arca da alian a, porta do c u, estrela da manh , sa de dos enfermos, ref gio dos pecadores, consoladora dos aflitos,

al m de rainha: dos anjos, dos patriarcas, dos profetas, dos m rtires, das virgens, de todos os santos, do sant ssimo

ros rio e da paz.

Dentre todas essas representa es de Maria no imagin rio cat lico, encontra-se uma das principais: Ela m e

e como tal tem ascend ncia sobre seu filho: m e caridosa e filho obediente. E aqui se tem representado o modelo

ideal cat lico da m e (e conseq entemente da mulher, j que no catolicismo ser m e um ideal feminino):

compassiva, terna, carinhosa, protetora, organizadora do lar, submissa. por essa submiss o que ela pede a Jesus: a

Virgem Maria , sobretudo, intermediadora e intercessora entre Jesus e os homens, e, portanto tamb m ela fica a

depender de uma vontade superior, mas ao mesmo tempo ela tem um poder de interferir no resultado porque m e

de Deus, e este como filho perfeito, obedece ao seu pedido. N o -toa que existe um adesivo nos carros que diz:

Pe a m e que o filho atende . A Virgem cuida, ajuda, protege e em troca ela pede devo o e investimento na sua

miss o.

Para a antrop loga M sia Reesink (2000), as imagens de Nossa Senhora (quer nas formas tradicionais ou em

um adesivo no carro, por exemplo), carregam com elas o mana da sacralidade e da prote o: a pr pria imagem

que protege por contato. E atrav s dela, pois ela ainda canal de comunica o entre os fi is e a Virgem, que esses

se aproximam desta, implicando em um refor o da prote o, pois sacraliza tudo o que toca ou olha .

Nesse sentido a Imagem de Nossa Senhora carrega uma dupla ambig idade, pois e ao mesmo n o a

Virgem, sendo muito mais uma extens o dela. Resultado desta primeira ambig idade uma outra que incorpora a

disputa entre uma racionalidade e magia : a imagem possui este poder, mas ao mesmo tempo n o se deve

ador -la, pois n o passa de uma imagem: ao mesmo tempo vida e representa o.

Para Rubem C sar Fernandes (1994,p.65), quando distingue o catolicismo popular do erudito ou oficial, diz que

os padres tamb m usam o modelo familiar em seu discurso, e Maria, a M e, uma met fora preferida para

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caracterizar a Igreja. Maria tem sido o elo de liga o que torna poss vel comunicar-se por sobre a dupla significa o .

Contudo, h muitas Marias, como diria Jo o Gilberto...h para al m de uma centena de nomes de Maria invocados na

devo o dos brasileiros, cada um deles com uma data particular, um lugar, associa es e fun es pr prias.

Para abstrair a varia o e recuperar o problema que est posto entre imagens oficiais e populares de Maria implicam relacion -la figura de Cristo. Na doutrina da Igreja, Cristo, o Mediador, est acima de Maria, pois que filho de Deus. Pela media o de Cristo, aIgreja obt m n o apenas uma m e carinhosa, como tamb m um pai soberano. Esse tri ngulo traz consigo conota es muito amplasna cultura ocidental. Mas o importante aqui evoc -lo para sugerir uma diferen a fundamental entre a representa o eclesi stica e aque se encontra na devo o popular. Nesta ltima, Deus, o Pai, uma figura distante; Cristo, o Filho, , sobretudo uma figura decrian a nos bra os maternos; Maria, a M e, destaca-se solit ria, em sua maternidade, sobre a fam lia dos santos (Fernandes,1994p.70).

Fig.7- Motorista de t xi carrega imagem de N.Sra. Aparecida no painel do carro.

2.1 PERFIL DE UMA MENSAGEIRA

A zeladora, ou mensageira da capelinha dever reunir algumas qualidades para o desempenho de sua fun o,

s o elas:

Crist - Dever ser batizada e defensora da Igreja e suas normas.

Cat lica- N o se compreende uma mensageira que n o o seja.

Aut ntica- Deve ser aut ntica na f , no seu modo de agir,transparente.

Interessada- Deve visitar as fam lias para ajud -las se h problemas.

Amiga- Deve evitar ao m ximo as inimizades na comunidade.

Humildade- Procurar trabalhar em equipe, sem centralizar as atividades.

Ass dua- Dever participar sempre das reuni es mensais.

F - N o pode ser supersticiosa, isto , crer em hor scopos, sortistas etc.

Convicta- Foi batizada na f cat lica, e cat lica permanecer at o fim.

Eucaristia- Dever estar sempre unida a Maria e a Eucaristia.

Uni o- Deve procurar a uni o das fam lias entre si e na Comunidade.

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Ora o- Promover a ora o e reflex o com as fam lias de sua capelinha.

Missa- Levar as fam lias a descobrirem a import ncia da Missa dominical

Zelo- Conscientizar as pessoas a cuidarem e preservarem a capelinha.

Anjos da Paz- Deve ter desprendimento, aceita o e respeito pelo outro.

Pastoral- Estar atenta e a par da programa o pastoral da Igreja.

Elo- Promover a uni o entre as fam lias, o movimento, e a par quia.

Nazira Hessel, 79 anos, zeladora de uma das capelinhas pertencentes Par quia da Igreja do Cristo Rei, h

44 anos. A imagem contida na capelinha a de Nossa Senhora do Perp tuo Socorro. H outras, como N.S.Concei o,

N.S.Aparecida e outras, mas todas s o ligadas figura de Maria. A fun o de uma zeladora cuidar e manter as

capelas, colocar flores, recolher o dinheiro que ofertado nas mesmas e repass -las Igreja que destina as ofertas

para a assist ncia social - ela relata que houve uma poca em que o dinheiro era tamb m destinado aos ndios, -

assim como localizar e organizar as casas que s o visitadas pela capela. Para ela, a finalidade dessas visita es o

da manuten o da religi o, de fazer com que as pessoas estejam permanentemente em contato com a Igreja.

A agenda da capela que dona Nazira cuida tem 22 casas para serem visitadas, sendo que a regra a de chegar

s 18 horas de um dia e sair antes das 18 horas do dia seguinte, regra nem sempre respeitada, pois h pessoas que

desejam ficar mais tempo com a imagem, principalmente os mais idosos. A faixa et ria das pessoas que recebem a

visita o varia entre 50 e 80 anos mais ou menos e o roteiro de visita o em torno de 3 a 4 quarteir es. N o h um

ritual espec fico, mas em geral as pessoas quando recebem a capela, acendem velas, colocam flores e rezam o ter o.

H ainda o h bito, embora muito raro nos dias atuais, de se reunirem v rias fam lias em uma mesma casa para

rezarem e depois servido docinhos ou salgadinhos pelo anfitri o. Nesses 44 anos, dona Nazira j mudou v rias

vezes a lista dos paroquianos visitados, devido morte dos mesmos ou mudan a de endere o. Algumas vezes as

capelinhas precisam de reparos ou pequenas reformas, por exemplo, quando alguma pessoa, geralmente idosa,

esquece de apagar as velinhas votivas, e acaba queimando partes da capela que em geral feita de madeira. J

houve situa es em que a capela foi derrubada e partes da imagem foram quebradas. Sua filha, que artista pl stica,

consertou a imagem e foi feita uma reforma completa na capelinha. Essa tamb m uma das fun es da zeladora.

Ela acha que essa tradi o veio de Portugal, ainda por ocasi o da coloniza o e catequiza o dos ndios.

Conclui que a capela acaba substituindo a pr pria ida Igreja, s missas, principalmente por pessoas j com idade

avan ada ou que t m problemas de sa de.

Para Margareth Hessel, 50 anos, filha de dona Nazira, que ajuda a m e nas fun es de zeladora, as capelas

t m o significado de prote o, de uma ncora na fam lia: voc projeta a f na imagem e ela retorna para voc , e

compara as capelas com a imagem de Buda - mantido sobre o piano antigo na sala -, que representa a sabedoria e

que foi um avatar assim como Jesus Cristo, segundo ela. Compara tamb m a capelinha aos elementos do

Feng-Shui - que a jornalista Cl udia Boechat (2004, p.7), define como uma filosofia oriental que prop e a integra o

do homem com o cosmo, trabalhando na capta o de boas vibra es e utilizando-as como instrumento para emanar

bem-estar e equil brio . Esse sincretismo religioso remete ao que Fl vio Pierucci, soci logo da Religi o - ouvido em

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uma palestra recente na UFPR - fala da tend ncia ao mix religioso, uma privatiza o atual da religi o, onde ( Do it

yourself your religion ) cada um faz sua pr pria religi o, realizando uma bricolage de suas prefer ncias particulares, e

at mesmo dispensando o profissional ou especialista religioso.

interessante observar a converg ncia de simbolismos entre as capelinhas e o Feng Shui por estarem

centrados na rela o com a casa, pois o Feng Shui pode ser o ponto de partida de importantes transforma es na

vida de seus habitantes, uma vez que a casa simboliza o mundo interior, com sonhos e esperan as. Trata-se do porto

seguro, do aconchego e do ninho de amor (BOECHAT, 2004;p.6).

Tamb m para Reesink (2000), o olhar de Maria atrav s da imagem envia prote o e, portanto, uma sensa o

de paz e tranq ilidade, ou seja, conforto e seguran a. Tudo isto implica em uma busca de seguran a diante de um

mundo moderno que se apresenta ca tico e desequilibrado.

A imagem de Maria implica em uma introdu o de equil brio, de ordenamento, de agenciamento desta

realidade. Portanto, a nfase na prote o, que se pode pensar enquanto seguran a e equil brio, e na percep o de

uma paz e tranq ilidade que est incorporado ao simbolismo mariano, j que a Virgem ordem e ordem implica em

equil brio. claro que o equil brio nem sempre quer dizer felicidade, mas ao menos um ajustamento e uma

organiza o que possibilita uma sensa o de seguran a.Todo in cio de m s, Maria de Lourdes Ulrich cumpre o mesmo ritual: por volta das 18 horas, depois de fazer suaora o a Nossa Senhora Aparecida, leva uma capelinha com a imagem da santa at a casa de sua vizinha, nobairro Cap o Raso, em Curitiba. No dia seguinte, a vizinha cumpre o mesmo procedimento, levando a imagem ata casa seguinte. Depois de trinta dias, a capelinha ir voltar casa de dona Lourdes, completando o ciclo, sendoassim, um dos principais meios de aproxima o entre os moradores de uma regi o. Juvenal Carvalho, primeirozelador de capelinha em Curitiba, conta que, antigamente, todos os integrantes do grupo de uma capelinha seencontravam noite, na casa onde a imagem da santa iria pernoitar. N o havia televis o, nem essa correria dehoje. As pessoas se encontravam e conversavam muito mais , conta. Atualmente, os encontros entre as fam liasque participam das capelinhas da Par quia S o Jos acontecem na Igreja, a cada 15 dias.

Maria Teresa Dall 'Stella, 61 anos, a presidente das zeladoras - ou mensageiras como elas preferem ser

chamadas - das capelinhas da Igreja Cristo-Rei. Ela est nesta fun o h mais de 20 anos, e come ou tamb m como

zeladora. Sua fun o coordenar todas as capelinhas da Par quia, atenta s fam lias que as recebem, e sempre que

poss vel dar apoio psicol gico e espiritual s mesmas. Nos casos mais graves, o padre quem faz a visita para

confiss o, comunh o ou extrema-un o. Ela tamb m cuida para que os roteiros sejam cumpridos e n o atrasem. Ela

considera sua fun o como uma miss o designada pela pr pria santa.

A par quia possui 40 capelinhas no total, quase todas deriva es do culto Maria: N.Sra. das Gra as, do

Perp tuo Socorro, Aparecida, de F tima, da Concei o, Auxiliadora, Sagrado Cora o de Maria, de Guadalupe etc.

Exce es regra, s o as capelinhas de S o Judas Tadeu e do Menino Jesus de Praga, esta ltima j extinta. Em

geral cada uma percorre de 10 a 25 fam lias.

O movimento das capelinhas possui uma hierarquia que come a no Arcebispado, passando pela presidente,

vice, secret rias, tesoureiras, coordenadoras de setor e mensageiras. De todo dinheiro arrecadado nos cofres das

capelinhas, 10% ficam para a manuten o das mesmas e o restante vai para os Semin rios, onde auxilia a

manuten o para a forma o dos seminaristas, a maioria estudantes de Teologia em faculdades particulares.

Para Maria Teresa, a quest o da sociabilidade ainda mantida nos bairros da periferia e no interior do estado,

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onde as pessoas ainda mant m rela es de maior proximidade e vizinhan a. J em alguns bairros e no centro, ocorre

de vizinhos que n o se d o ou seja, que possuem diverg ncias, e, portanto n o querem levar a capela para o vizinho

desafeto.

Um fato ocorrido ao longo desses vinte anos na fun o de zeladora marcou e refor ou a f de Maria Teresa em

Nossa Senhora: um casal idoso recebeu a capelinha, e como parte do ritual, acenderam velas votivas. Ap s isso,

foram para outro aposento da casa e a capelinha permaneceu sozinha. As velas queimaram parte do orat rio que de

madeira e se espalharam pelas cortinas que estavam pr ximas. O acidente s n o teve conseq ncias mais graves,

porque Nossa Senhora n o permitiu que o inc ndio se alastrasse pela casa .

Ainda segundo Reesink (2000), a imagem de Nossa Senhora, como ficou evidente na fala da informante acima,

tamb m s mbolo distintivo, marca de um espa o cat lico, onde se encontra o fiel, que o diferencia de outros

espa os; pois este se torna sacro. A sacraliza o est diretamente relacionada com a prote o, pois a prote o se

efetua porque h uma sacraliza o do espa o e da pessoa. A id ia que a pr pria imagem carrega um poder

sacralizante que livra e protege do profano, ao sagrar o espa o que toca. O profano , nesta concep o, o mal, e tudo

o que ele acarreta. Assim com uma imagem o sagrado entra neste locus profano e o santifica: ele est a salvo. Isto

ocorre porque o sagrado superior e engloba o profano, modificando-o.

Maria In s Mathias dos Santos, coordenadora da rea central, que abrange 32 par quias, algumas capelas e

cerca de 22.640 fam lias. Est a 17 anos nessa fun o que ela define como um trabalho tipo formiguinha e relata que

n o presenciou ou soube de eventos extraordin rios pela interven o da capelinha, mas sim de pequenos milagres

atrav s da f dos devotos, como aconteceu a uma prima - e ela se emociona ao contar- que estava para se separar

do marido, e na mesma hora em que ia ter a conversa definitiva, num final de domingo, chegou a capelinha. Detalhe

que esta chegou com um dia de anteced ncia quando o mais comum o atraso na entrega. Ela interpretou o fato

como uma mensagem da santa que n o queria a separa o do casal, e que assim permaneceu junto at hoje.

Segundo as palavras da informante, o sacrif cio da esposa beneficiou a uni o de toda a fam lia . Do que se deduz que

o desejo verdadeiro da esposa era o de se separar, talvez porque tivesse raz o para isso. Mas no interesse da pr pria

fam lia, em especial os filhos, renunciou aos seus motivos pessoais.

Para Dirce Kuzma, a capelinha um h bito que ajuda a promover a integra o entre os membros de uma

par quia, nos momentos de alegria ou de tristeza . H alguns tempos atr s, a fam lia Kuzma p de sentir a for a da

solidariedade das pessoas que recebem a capelinha. Muitas delas foram casa de Helena Kuzma para confort -la

pela perda do marido, com quem viveu 64 anos de casamento. Dona Helena foi uma das primeiras mensageiras da

par quia - pessoa respons vel pela coordena o de cada capelinha. Ela conta que, antigamente, como as casas eram

distantes, muitas vezes tinha que fazer uma caminhada grande para entregar a capelinha para a pr xima da lista.

Hoje, as 30 fam lias do grupo moram, no m ximo, a duas ou tr s quadras uma das outras.

A par quia S o Jos tem hoje 137 capelinhas e 149 mensageiros, passando por 3.3464 casas e atingindo

13.856 pessoas. De acordo com Yara Fran a Schwarz, coordenadora da pastoral das capelinhas em Curitiba, a cidade

tem hoje mais de 8.000 capelinhas que visitam cerca de 24 mil fam lias. No total, ela calcula que mais de 700 mil

pessoas cultivam o h bito na cidade, sendo que a primeira capelinha de Curitiba, est no Museu de Arte Sacra da

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Arquidiocese de Curitiba. Este h bito mostra a devo o que o povo brasileiro dedica a Maria .

Para Clifford Geertz (1978) a quest o religiosa n o a de evitar o sofrimento, mas paradoxalmente de como

sofrer , como tornar - a dor f sica, a perda pessoal, a derrota frente ao mundo ou mesmo a contempla o do

sofrimento do outro, - algo toler vel, suport vel. Como a religi o ancora o poder de nossos recursos simb licos para a

formula o de id ias anal ticas, de um lado, na concep o autorit ria da forma total da realidade, da mesma forma ela

ancora, no outro lado, o poder dos nossos recursos simb licos, de expressar emo es, disposi es, sentimentos,

paix es, afei es, sensa es etc. Para os que forem capazes de adot -los, os s mbolos religiosos oferecem uma

garantia c smica n o apenas para sua capacidade de compreender o mundo, mas tamb m para que,

compreendendo-o, d em precis o a seu sentimento, uma defini o s suas emo es que lhes permita suport -lo,

soturna ou alegremente... (GEERTZ, 1978, p.119-120).

Fig. 8- Adesivo em janela de apartamento.

3. HIST RICO DO MOVIMENTO DAS CAPELINHAS

A hist ria do catolicismo atribui a origem do movimento como um meio para relembrar a visita que Maria faz

sua prima Isabel na cidade de Ain-Karim, para anunciar a vinda de Cristo, como Lucas relata, ...saiu s pressas pelas

montanhas e foi visitar Isabel... (Lc.1,27) ela descreve sua parente, que ...o Senhor fez em mim

maravilhas... (Lc.1,49). Assim pela tradi o, Maria a anunciadora do Filho, a primeira evangelizadora dos povos, e

recebe de Isabel o t tulo que os seus devotos relembram at os dias de hoje: ...bendita s tu entre todas as

mulheres... (Lc.1,42).

Segundo ainda os cronistas cat licos, suas apari es no mundo tiveram continuidade nos s culos seguintes,

dando origem aos nomes atribu dos Maria: em 1717 no Brasil, recebendo o nome de Nossa Senhora Aparecida, em

Paris (1830), em La Salette (1846), em Lourdes (1854), em F tima (1917) e mais recentemente na Iugosl via (1981).

O movimento propriamente dito das Capelinhas se inicia no Equador, na cidade de Guayaquil no dia 26 de

Agosto de 1888, pela iniciativa do C nego Jos Maria Santistevan, da Congrega o dos Mission rios Cordimarianos

ou Claretianos, que vendo as dificuldades das fam lias de sua par quia, o materialismo a que se entregava a

sociedade, o ate smo que se infiltrava entre os jovens e a sua preocupa o pastoral, chegou conclus o que somente

a visita e conviv ncia com a M e de Jesus poderia levar toda a sua par quia a dias de ben os e gra as divinas

(DALL'AGNOL,1993, p.28)

E assim, ao anoitecer, na hora do Angelus , a cidade de Guayaquil teve uma movimentada prociss o luminosa,

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saindo da Igreja Matriz dirigiu-se para a casa da primeira fam lia que recebia a visita da Capelinha de Nossa Senhora

que come ava a circular por toda a cidade, recebendo o nome de Visita Circulante do Imaculado Cora o de Maria .

A partir da , o movimento ultrapassou as fronteiras e foi para o Chile, Argentina, Peru, Bol via, Col mbia, Uruguai,

Panam , Cuba e Estados Unidos. Estendeu-se depois para a Espanha, onde em 1913, na cidade de Aranda de Duero

o mission rio cordimariano, Pe.Jan riz iniciou a primeira visita domiciliar e 600 fam lias aderiram ao movimento

inscrevendo suas casas para a visita o das capelas.

Da Espanha o movimento espalhou-se pela Fran a, It lia, Alemanha, Inglaterra, Portugal e da Europa foi levado

para a frica, sia e Oceania.

Em plena primeira Guerra Mundial, o movimento das capelinhas chega ao Brasil, na cidade de Belo Horizonte

(MG) em 1914. Desta cidade o movimento expandiu-se por v rias dioceses brasileiras, pois a Igreja percebeu que

esse novo meio de evangeliza o familiar era eficaz.

At 1936 em toda Arquidiocese de Curitiba s existiam 22 par quias, sendo que vinte e uma delas se

localizavam no interior do Estado. Na capital, s havia a Par quia-M e , a Catedral, dedicada a Nossa Senhora da

Luz dos Pinhais. A partir desse ano, s o criadas v rias novas par quias, sendo a do Cristo-Rei criada em 1937,

mesmo ano em que se inicia o movimento das capelinhas oficialmente em Curitiba. A primeira capelinha que circulou,

encontra-se exposta no Museu de Arte Sacra da Arquidiocese de Curitiba.

O movimento come ou com a iniciativa do Pe. Roberto Peres, respons vel pela Par quia do Imaculado

Cora o de Maria que a dirigiu de 1937 at 1942. Conhecedor do xito do movimento na Espanha e em outras

cidades do Brasil pensou que seria um meio eficaz para conhecer as fam lias a ele confiadas e faz -las assumir a

miss o como leigos engajados na Igreja e na sociedade . Foi de casa em casa, expondo seus objetivos e depois de

muitas visitas conseguiu que duas fam lias se prontificassem a serem as coordenadoras do movimento: Alceb ades e

Sofia Dall'Stella, Aurora Buzatto e esposo. Meio caminho j estava andado, por m faltavam os instrumentos materiais,

isto , as capelinhas e imagens. Ele ent o manda vir de S o Paulo dois exemplares com as imagens do Imaculado

Cora o de Maria.

No in cio, o movimento era restrito s par quias, que elegiam sua pr pria diretoria, at que em 1967 foi

nomeada uma diretoria Central que formaria a Diretoria Arquidiocesana do Movimento das Capelinhas, por iniciativa

do Arcebispo Dom Manuel da Silveira D'Elboux, que na Igreja do Bom Jesus realizou a primeira reuni o, denominando

o movimento como Apostolado das Capelinhas .

De acordo com o Livro Ata do Movimento, a diretoria inicial foi assim constitu da:

D.Pedro Fedalto - Diretor

Pe. Jos Antonio Ca ivaro - Asistente Eclesi stico

Edy Caprilhone - Presidente

Ana Justa Juzewicz - Secret ria

Apesar do movimento das Capelinhas estar intrinsecamente ligado Igreja oficial e submetido diretamente ao

Arcebispado - rg o maior da Igreja local - encontramos uma interessante afirma o na Internet de que a devo o

popular da Capelinha de Nossa Senhora, tem um papel importante no resgate da teologia da pequena comunidade,

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oposta Igreja Imperial que veio depois da Igreja das comunidades, aprisionando a f nas grandes bas licas ou Casas

do Rei . Assim como em Israel a Arca da Alian a foi aprisionada no templo em detrimento da comunidade menor, que

eram representadas pelas tribos .

A afirma o feita acima, nos remete ao que diz Bourdieu a respeito:

Da monopoliza o da gest o dos bens de salva o por um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como osdetentores exclusivos da compet ncia espec fica necess ria produ o ou reprodu o de um corpus' deliberadamente organizadode conhecimentos secretos (e portanto raros). A constitui o de um campo religioso acompanha a desapropria o objetiva daquelesque dele s o exclu dos e que se transformam por esta raz o em leigos (ou profanos, no duplo sentido do termo) destitu dos do capitalreligioso (enquanto trabalho simb lico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta desapropria o pelo simples fato de que adesconhecem enquanto tal (BOURDIEU, 1974, p.54).

Essa desapropria o do leigo, e monopoliza o por uma elite que domina os conhecimentos e det m portanto o

capital religioso, verificou-se tamb m no caso das capelinhas, mesmo tendo apar ncia em contr rio. Apesar da

circula o na comunidade e da pr tica ser coordenada por volunt rios leigos, tudo determinado por uma hierarquia

r gida e centralizada que delega pequenos poderes ao grupo que coordena o circuito e todos os ritos j est o

previamente institu dos e incorporados ao habitus da comunidade.

3.1 MODELO FAMILIAR MARIANO

No manual religioso que acompanha as capelinhas, de autoria do Pe. lio Dall 'Agnol (1993) encontra-se a

explica o de que a visita da capelinha domiciliar ou da imagem de Nossa Senhora de casa em casa um meio que

a Igreja usa para as fam lias se encontrarem e unidas rezarem M e de Deus. Tamb m um alegre encontro entre

vizinhos, ocasionando assim, um aumento de amizade e ajuda m tua (1993, p.42). Ser assim na pr tica do

cotidiano?

E prossegue a explica o: Quando a capelinha ou a imagem chega na casa, todos se re nem para rezar a

ora o da recep o. Al m disso, pode-se rezar a primeira ora o do m s. Mas, pode-se tamb m deixar esta ora o

para a noite, na hora em que mais gente se encontra em casa. Ent o, diante da capelinha reza-se a primeira ora o,

se ainda n o foi rezada. Em seguida, debate-se por algum tempo sobre a pergunta sugerida na p gina. Reza-se o

ter o ou alguma dezena do mesmo. Conclui-se com a segunda ora o, debatendo-se novamente, sobre a pergunta

final. Para os que quiserem rezar algo mais, poder o recitar as ladainhas ou outras ora es em honra de Nossa

Senhora, que est o no fim do livro. Antes da capelinha ou imagem de Nossa Senhora ser levada para o vizinho,

reza-se a ora o da despedida . Ser que as fam lias ainda se re nem para rezarem em frente imagem da

capelinha?

Assim por exemplo, o mesmo livro, dedica o m s de janeiro ao tema da fam lia e come a com o trecho b blico

onde cita que Sime o, no templo, aben oou Jesus, Maria e Jos . (cf.Lc 2,34). Colocando uma quest o: O que

sugere para tornar as fam lias mais felizes? e a ora o que se segue toda em fun o do tema do m s:

M e de Deus, ao redor de n s aumentam sempre mais as fam lias sem compreens o e respeito, sem paz e

ora o. Por coisas banais, h desentendimentos, palavr es, brigas. N o se dialoga. Fala-se aos gritos, sem respeitar a

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opini o dos outros, ainda que justa e certa .

Os pais n o acompanham os filhos. Os filhos n o valorizam e nem obedecem aos pais. Os irm os n o se

entendem entre si. E as fam lias deixam de ser um ninho onde todos deveriam se sentir bem.

Vossa fam lia, Maria, permaneceu unida porque todos se respeitavam, compreendiam, dialogavam e

rezavam juntos. Sim, M e, transformastes vossa fam lia num lugar acolhedor onde reinava o amor.

Fazei que nossos lares sejam semelhantes ao vosso, a fim de que todos possam ser felizes. Assim seja. (Reza-se

o ter o ou parte do mesmo) . (Dall' Alagnol, 1993)

E os temas se sucedem a cada m s: os filhos, os pobres, o trabalho, os esposos, as pessoas idosas, os

pecadores, a morte, o servi o aos outros, etc. Um tema em particular, nos chamou a aten o: no m s de setembro, o

tema A Televis o e o R dio . A frase b blica que abre a p gina, diz que sucedeu que Maria e Jos ouviram um

decreto de C sar e foram se recensear em Bel m . (cf. Lc 2,1) E a ora o que se segue em fun o do tema

proposto:

M e de Deus, vemos com tristeza que a televis o colabora para desunir as fam lias. Todos sentam em

frente do aparelho e deixam de dialogar entre si. D -se mais aten o ao programa do que pessoa que senta ao lado.

D -se mais valor novela, ao r dio ou ao jornal do que aos familiares .

V s, Maria, n o fostes assim. Colocastes sempre em primeiro lugar as pessoas. Principalmente, as da

fam lia. Jesus e Jos eram mais importantes que qualquer outro objeto ou programa. Por isso, mereciam sempre toda

a vossa aten o.

M e, fazei com que as fam lias usem a televis o e o r dio apenas para se instruir, se divertir sadiamente e para

conhecer a verdade e seus deveres. E que os pais ajudem a seus filhos a selecionarem os melhores programas.

Depois dialoguem com eles, a fim de descobrir os pontos positivos e negativos de cada um. Assim seja . E a pergunta

sugerida para o debate : Ocupamos mais tempo com a TV e o R dio ou com as pessoas? Por que? (Reza-se o

ter o ou parte do mesmo).

Assim vemos a grande nfase que a Igreja d fam lia - definida como o eixo da sociedade; a fonte e o

ambiente essencial para o crescimento da pessoa humana e o modo fundamental para viver e realizar os valores

pessoais e eclesiais - a preocupa o demonstrada em rela o mudan a de valores e comportamentos e

introdu o maci a nos lares dos modernos meios de comunica o de massa.

Esse manual n o faz cita o da Internet, mas como nos aponta o antrop logo Sidney Antonio da Silva (2001),

com o advento desse meio, temos um fen meno novo de pr ticas religiosas, ou seja, a divulga o de mensagens

ganhou liberdade e rapidez maiores, escapando, assim, do controle da Igreja. Os relatos das apari es da Virgem, por

exemplo, e outras mensagens semelhantes como esta: Nossa Senhora passou pela minha casa e levou todos meus

problemas confirmam tal fen meno. E continua o autor, no dia da padroeira do Brasil, 12 de outubro, havia uma

proposta na rede nos seguintes termos: Participe da romaria virtual a Aparecida. Todos esses exemplos indicam uma

tend ncia cada vez mais presente nas pr ticas religiosas atuais, ou seja, a do seu marcante individualismo,

desvinculado de qualquer institui o religiosa e com matizes nitidamente m gicos .(Silva, 2001, p.45).

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A discuss o que se coloca aqui a afirma o do autor, em aparente contradi o com a tese impl cita no

trabalho, ou seja, a da tend ncia ao individualismo, uma vez que a vis o que se tem das capelinhas o da promo o

da sociabilidade. Esclare a-se que, a tend ncia geral da sociedade o da individualiza o, da particulariza o, da

privatiza o das formas culturais. E a religi o como uma das express es dessas formas, tamb m passa por esse

processo. No entanto, a proposta das Capelinhas representa um movimento oposto, no sentido de reuni o, de

harmonia social, de converg ncia para a fam lia nuclear.Tendo o pai como chefe de fam lia, e a m e, o pilar da

fam lia como ordenadora, pacificadora, mediadora de conflitos, seja de gera es,de vizinhan a, ou conjugais. Este

seria o tipo ideal, usando o conceito de Weber, da representa o do modelo ocidental cat lico, da mulher.

Para receber e entregar a capelinha existe nos manuais, uma s rie de normas e obriga es quanto aos

procedimentos para realizar esses atos e para organizar o circuito por onde ela dever passar. Por exemplo, segundo

o manual, nunca se deve receber a capelinha por cima do muro ou atrav s da janela; ela deve ser recebida pela porta

principal da casa , tamb m caso uma fam lia n o queira entreg -la na casa vizinha por motivo de briga, esses ter o

antes de fazer as pazes, e se esta reconcilia o n o acontecer, ambas perder o a visita da capelinha at que voltem

amizade . No t pico quem poder receber a capelinha, encontramos que se a fam lia freq enta regular e

conscientemente outras religi es ou seitas n o poder receber a visita da mesma , e ainda PROIBIDA (com

mai sculas) a visita da capelinha nas casas onde se realizam sess es esp ritas '. interessante notar tamb m que

para uma fam lia receber a visita da capelinha, os esposos devem ser casados no religioso.

Percebemos que o movimento todo centrado na quest o da fam lia, sua integra o e preserva o, e os

pr prios manuais enfatizam que um dos principais objetivos do Movimento das Capelinhas, a santifica o da

fam lia , pois esta foi a primeira sociedade institu da pelo pr prio Criador, que por m, j passou por muitas

modifica es no decorrer da hist ria . Em continuidade, o mesmo manual fundamenta dois tipos de fam lia com suas

transforma es, seus aspectos positivos e negativos segundo estudos sociol gicos:

1. Fam lia rural-patriarcal- Nela prevalece a autoridade paterna, tendo como atividade principal a agricultura.

Aspectos Positivos - Solidariedade entre os membros da pr pria fam lia; um sentido forte dos membros de

pertencerem ao grupo; um vivo sentido dos valores tradicionais; seguran a social, estabilidade e aceita o m tua.

Aspectos Negativos - Falta de espa o para as atividades, a iniciativa e a criatividade individual; d -se grande

import ncia ao grupo, esquecendo-se do indiv duo; car ter passivo e greg rio; dif cil adapta o s transforma es

sociais; forte solidariedade com o grupo pr prio e fechamento acentuado para com os outros.

2. Fam lia em fase de transi o ou nuclear - O desenvolvimento da ci ncia e da t cnica produziu o fen meno da

industrializa o; como conseq ncia, notamos uma veloz urbaniza o, ritmo acelerado na transforma o dos

costumes, criando mudan as irrevers veis.

Tudo isso repercutiu na sociedade e na fam lia. Presenciamos o desaparecimento das sociedades rurais, faltam

as novas formas de vida social, criam-se novas necessidades e novas possibilidades de vida, antes inconceb veis,

dispers o dos membros da fam lia, criando problemas no campo afetivo, educativo e social; a fam lia n o mais

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c lula produtiva e passa a ser c lula de consumo.

Nesse tipo de fam lia nuclear, observamos duas formas de empobrecimento: o primeiro quanto ao n mero de

filhos, ela composta de pais e filhos, mas em n mero reduzido, um ou dois filhos; exclus o dos anci os que passam

a ser marginalizados pela fam lia e pela sociedade. Tamb m o enfraquecimento estrutural da pr pria fam lia, que

deixa de ser uma institui o s lida, tornando-se sempre mais um grupo legado a interesses de consumo.

Esta situa o da fam lia espelha a situa o geral da sociedade que se encontra numa profunda fase de

transforma o, onde domina o conceito do relativismo, de provisoriedade e as mais variadas ideologias a manipulam.

(DALL'AGNOL, 1993,p.16)

Diante da situa o da fam lia e da sociedade, podemos dizer que a fam lia se encontra numa encruzilhada. Sua

estabilidade institucional est debilitada; o relacionamento e seus ligames que a sustentavam est o desaparecendo; a

autoridade est em crise; suas fun es se reduzem; a problem tica interna, com seus conflitos, se torna mais aguda.

Alguns fil sofos, como Marx, Engels e outros, sustentam que a fam lia deveria desaparecer e a sociedade

deveria tomar o seu lugar, segundo eles, a fam lia n o tem justifica o numa sociedade industrializada porque sua

estabilidade m nima e sua fun o secund ria. Nesse sentido, a R ssia e Israel fizeram a experi ncia dos

chamados kibbutz' mas segundo a opini o da maior parte dos soci logos foi uma tentativa falida'.

Diante de tudo isso fica a pergunta: que tipo de fam lia sobreviver ?

N o negamos que a fam lia tenha necessidade de encarar as transforma es de hoje e fazer seu aggiornamento' mas

ser ela mesma o agente de sua hist ria e n o objeto manipulado por interesses consumistas.

Segundo ainda o manual do pe. Dall'Agnol (1993) a fam lia dever levar a s rio sua miss o de assegurar aos

seus membros um equil brio psicol gico e uma abertura real para a sociedade. O elemento crist o de

comunidade-comunh o' assume aqui um papel importante: ele oferece um ambiente de crescimento, conte do dos

valores, de empenho e esperan a . (1993,p.46)

Fig.9- Ros rio pendurado no espelho de autom vel.

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3.2 MARIA: A CHANCE QUE AS MULHERES PERDERAM

Segundo a an lise da soci loga Maria das Dores Machado (1996), o modelo familiar brasileiro vem se

transformando.

Os estudos sobre a fam lia no Brasil destacam as mudan as ocorridas nas ltimas d cadas e sugerem uma crise do padr o defam lia nuclear dominante entre n s: o modelo patriarcal. Fatores como o crescimento da chefia feminina das fam lias, a queda dastaxas de fecundidade, o aumento do n mero de separa es, o incremento do n vel educacional das mulheres, sua maior participa oem atividades remuneradas, s o freq entemente apontados como express o da redefini o dos pap is de g nero e do surgimento denovos arranjos familiares (MACHADO, 1996, p.87).

Por outro lado, estudos na rea da Sociologia da Religi o t m assinalado as diferentes conseq ncias das

doutrinas cat licas e protestantes para as rela es de g nero na Am rica Latina: enquanto a ideologia cat lica

(sobretudo com o marianismo) ajudava a delinear e reproduzir a configura o feminina correspondente ao machismo

da cultura local, os padr es ticos protestantes e a doutrina pentecostal incentivavam uma redefini o de pap is na

esfera privada.

Neste sentido, seria interessante pontuar algumas das conseq ncias desse culto Virgem Maria para o sistema de g neros e paraas mulheres em particular. Em primeiro lugar, bom lembrar que a cr tica e a rejei o protestante ao culto mariano cat lico existedesde a Reforma, mas ineg vel que a figura de Maria constituiu um paradigma para a mulher crist ocidental (MACHADO, 1996, p.92).

Existe uma ambig idade das representa es em rela o s mulheres na doutrina crist , sobretudo a dualidade

simb lica de Eva e Maria, onde se destaca a forte influ ncia do modelo mariano de castidade, pureza e bondade na

constru o do g nero feminino no Ocidente. O marianismo interpretado como um tipo especial de poder ou de

contrapoder das mulheres. Assim, na doutrina cat lica, a mulher reificada e apresentada ora como objeto sexual e

sedutora imagem de Eva, ora como serva e/ou salvadora do sujeito sexual, imagem de Maria, a m e. A nfase na

maternidade virginal cria condi es para que Maria seja vista como um ser assexuado, e nesta condi o que a

natureza inferior feminina adquire um car ter benigno e a mulher uma superioridade moral.

Na comuna de Hai Von, no Vietn , onde o soci logo Fran ois Houtart trabalhou durante anos, ele diz ter

encontrado um documento muito interessante, assinado pelo secret rio do partido, o padre da par quia e o

representante dos budistas. Seu objetivo era lutar contra as supersti es e as crendices populares relativas natureza.

Havia uma lista de supersti es' dentro do budismo e do catolicismo. No budismo se tratava, por exemplo, da cren a

no Buda feminino, que n o uma cren a ortodoxa dentro dessa religi o; na realidade a antiga deusa terra, anterior

ao budismo, das tribos de sociedades de linhagem. a deusa qual os ind genas da Am rica chamam de Pacha

Mama, a terra como m e, como fonte de fertilidade. E isso havia se representado na forma de um Buda feminino.

Tamb m haviam feito uma lista das supersti es' cat licas, entre elas, a cren a de que se pode curar um doente com

gua benta (Houtart, 1994, p.46).

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Para a psicanalista Regina Navarro Lins (1997), desde o fim do per odo paleol tico at o in cio da idade do

bronze, os cultos estavam ligados Deusa-M e.

Durante esse longo reinado, foram encontradas no sudeste da Europa aproximadamente trinta mil estatuetas representandopersonagens femininas. Suas caracter sticas f sicas assemelham-se V nus do per odo paleol tico: ancas largas, seios volumosos eventre saliente. Como s mbolo da fertilidade, era associada, sobretudo, serpente, significando regenera o e metamorfose. Mastarde, ela vai sendo substitu da por divindades masculinas que encarnam o principio f lico. Por exemplo, na mitologia grega, asdeusas Hera, Atena e Dem ter dominavam o pante o. Zeus as colocou sob suas ordens e passou a manter todas as divindades sob oseu poder. Num determinado momento da hist ria, os princ pios masculino e feminino se separaram (LINS, 1997, p.50).

Isto se desenvolveu paralelamente ao patriarcado, organiza o social que predominou durante muitos s culos.

Na arte, na religi o e na vida, o principio f lico, ideologia da supremacia do homem, condicionou o modo de viver da

humanidade (LINS, 1997, p.50).

Segundo ainda a mesma autora ressurge com o cristianismo a figura da m e, que havia desaparecido,

juntamente com a import ncia antes dada a terra na procria o. A m e se torna novamente objeto de culto. Se a

sociedade patriarcal suprimiu a Deusa-M e, substituindo-a, s vezes for a, por um Deus-Pai, guerreiro e ciumento

de sua superioridade, a mentalidade popular a recriou sob os tra os da M e de Deus e dos homens, constantemente

invocada, constantemente presente, sempre triunfante (LINS, 1997, p.57). Da mesma forma que antes da descoberta

da paternidade se acreditava que a crian a era inserida no ventre da m e, Maria fecundada como uma Deusa-M e

por um esp rito que se insinua nela.

Campbell (1999) em seu livro, O Poder do Mito, cita que sempre houve sistemas religiosos em que a m e tinha

o papel principal, porque representava a fonte. Por estar mais pr xima que o pai, j que o beb nasce da m e e o

primeiro contato que ele experimenta. Assim segundo Campell (1999,p.176), a id ia da Deusa se relaciona ao fato de

que voc nasceu de sua m e e seu pai pode ser desconhecido para voc , ou ter morrido. Nas

epop ias,freq entemente, quando o her i nasce, o pai j morreu ou est em algum outro lugar, ent o o her i tem de

partir procura do pai . Assim, na hist ria de Jesus, seu pai representa o Pai do C u em termos de simbologia. E

quando pregado na cruz, ele est a caminho do pai, deixando a m e. A pr pria cruz simboliza a terra e dessa forma

a m e- j que a m e est associada primordialmente agricultura e a terra, nas sociedades primitivas - para quem ele

deixa o seu corpo, e de quem o havia adquirido. E vai para o pai, que a suprema fonte transcendente do mist rio .

(Campbell, 1999 p.176). Assim a Deusa, foi uma figura poderosa na cultura helen stica do Mediterr neo, e ressurgiu

na figura da Virgem, na tradi o cat lica romana. Com a invas o dos povos semitas e seu ethos' guerreiro, se imp s a

figura do princ pio masculino. Nos tempos b blicos, os hebreus, quando chegavam literalmente punham abaixo a

deusa. O termo empregado para a deusa de Cana , no Velho Testamento, a Abomina o . (Campbell, 1999,p.182).

O que se v na tradi o cat lica de hoje, a fus o da id ia hebraica,- patriarcal, monote stica, do Messias,

como aquele que poderia unir os poderes espiritual e temporal (pai e m e) - e da id ia cl ssica, helen stica do

Salvador, como o filho da Grande Deusa, morto e ressuscitado atrav s do nascimento virginal (Campbell, 1999,

p.190). Este autor ainda enfatiza que na Igreja Cat lica, Maria poderia ser chamada de co-salvador. Em resumo,

dentro de uma vis o mitol gica, o elemento feminino representa o amor intr nseco pelos filhos, enquanto o pai

disciplinador. a figura associada ordem social e ao car ter social. Portanto, a m e propiciaria a natureza do

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individuo, e o pai o seu car ter social, a maneira como o individuo funciona.

No culto da Virgem Maria poderia ter sido recuperado o prest gio da mulher em todos os seus aspectos,

devolvendo m e a sua import ncia. Se o culto da Virgem Maria constituiu de in cio uma revolu o no meio

paternalista, uma tentativa para devolver m e seu papel verdadeiro, a Igreja oficial vai logo esvaziar o conte do de

toda sua significa o. Ela far da Virgem um ser cuja caracter stica feminina s ser atestada pelo aspecto da m e

sofredora, sacrificada, passiva e escrava do filho (LINS, 1997, p.52).

Para Bessi re (1993), a vida das mulheres em Israel n o era de escravid o, que muitas vezes propagada,

mas sua desqualifica o religiosa separava-as dos homens no Templo e na Sinagoga. Os nascimentos e a

menstrua o colocavam-nas regularmente em estado de impureza, logo, margem da lei. O direito matrimonial

judaico as desfavorecia mais do que o direito romano: n o podiam, por exemplo, pedir div rcio. Sua situa o, no

s culo I, se deteriorou em rela o ao antigo Testamento, e nos rabinos, ao lado do elogio m e, sobrevivia uma

desconfian a enraizada para com as mulheres.

A liberdade de Jesus em rela o s mulheres est registrada pela freq ncia de encontros atestados nos Evangelhos, como apecadora em casa de Sim o (Lc 7,36-50), a mulher ad ltera que queriam lapidar (Jo 8,3-11) Marta e Maria (Lc10,38-42), ser tocadopela mulher que vertia sangue n o o repugnava. (Mc 5, 25-34) (BESSI RE, 1993, p.40).

Todos esses ind cios revelam que Jesus n o partilhava da discrimina o s mulheres, corrente entre seus

contempor neos; seu desinteresse pelas quest es de pureza facilitava naturalmente essa abertura' (BESSI RE, 1993,

p.160-161).

Ren Laurentin (Laurentin citado por Bessi re,1993), enfatiza ainda mais essa postura, dizendo que a atitude

das primeiras comunidades crist s em rela o s mulheres foi uma verdadeira revolu o':

Os Evangelhos atestam uma atitude nova de Jesus para com as mulheres. Ele acolhe igualmente homens e mulheres, estabeleceuma igualdade pessoal entre eles, uma identidade de estatuto expressa no uso de batizar identicamente, da mesma maneira, semdistin o de sexo (apenas o rito judaico da circuncis o era exclusivamente masculino)... Assim elas tiveram acesso, em p deigualdade, ao batismo no Esp rito Santo, ao batismo de gua e mesa Eucar stica, exatamente como os homens (BESSI RE, 1993,p.160).

Nenhuma formula o expressa de tal revolu o se encontra nas palavras de Cristo que nos foram transmitidas.

Por m, tal revolu o atestada atrav s de suas atitudes, sua pr xis, e as caracter sticas pr prias do Reino que ele

inaugura: mulheres e homens ali s o recebidos como membros de uma mesma humanidade. Tal inova o da

mensagem de Cristo tornou-se um esc ndalo: chocou, confundiu seus inimigos, e at mesmo seus disc pulos. Mas

as preocupa es apolog ticas dos disc pulos encobriram esse aspecto da revolu o crist . Os dois ltimos

Evangelhos, livres de tal dificuldade, manifestam melhor o fato, dando-lhe um alcance antropol gico, fortemente

inscrito na estrutura mesma do Evangelho de Jo o . (BESSI RE, 1993, p.161-162).

Para Lins (1997, p.65), a mensagem de Cristo em rela o s mulheres foi, na verdade, desviada por seus

ap stolos, e foram abafados os germes da revolu o. Nesse ponto, vencera a religi o do pai, e por muito tempo. A

press o do meio patriarcal era exageradamente forte para que fosse introduzida a menor mudan a na condi o

feminina, e apenas admitida uma melhora na imagem da mulher. O Deus dos patriarcas continuava a triunfar frente

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queles mesmos que tinham seguido Cristo. A lenda de Eva, ainda por muito tempo, ia ocultar a exemplar Maria.

Os pais da Igreja encarregam-se de fazer com que Maria seja completamente distante das outras mulheres e

dessa forma marcam a semelhan a destas com Eva. Santo Agostinho definia a mulher como: um animal que n o

firme, nem est vel, odi vel, nutridor de maldade (...) apesar de que Maria passa a ser o maior s mbolo de bondade e

altru smo, as mulheres em geral continuaram a serem vistas sob essa tica.

Tamb m Weber (Weber citado por Freund, 1980), se preocupou com essa quest o e com as tens es existentes

entre religi o e sexualidade. Sendo uma das for as mais irracionais da vida, a sexualidade ocupa lugar de import ncia

nas explica es sociol gicas desse autor. No plano da magia, pode-se observar uma afinidade profunda entre esses

dois dom nios, pois a sexualidade est na origem de numerosas manifesta es simb licas de certos cultos (f licos,

b quicos e outros).

H tamb m deuses e deusas do amor, al m disso, o amor m stico ao criador , por vezes, a sublima o da

sexualidade. Entretanto, o ascetismo religioso fundamentalmente oposto ao erotismo e faz da ren ncia uma

condi o do dom nio de si mesmo. E n o foi s o catolicismo que rebaixou a sexualidade impondo, por exemplo, o

celibato aos padres, pois a ren ncia s rela es sexuais tamb m uma caracter stica do budismo; e vai tamb m ao

confucionismo que condena o erotismo irregular. Do ponto de vista sociol gico, tudo isso tem influ ncia sobre a

posi o da mulher no seio da sociedade (WEBER citado por Freund,1980,p.110)

Nesse sentido encontramos na descri o do antrop logo Sidney Antonio da Silva (2001, p.45), de que um dos

exemplos mais recentes da nova devo o mariana introduzida no Brasil, a de Nossa Senhora Desatadora dos N s,

surgida em 1700, em Augsburgo, Alemanha. Seu quadro foi pintado por Johann Schmittdner, o qual se inspirou numa

passagem descrita por Santo Irineu, que diz: Eva, por sua desobedi ncia atou o n da desgra a para o g nero

humano, Maria por sua obedi ncia, o desatou .

Assim, no quadro desse pintor a Virgem aparece entre o c u e a terra desatando uma fita cheia de n s

segurada por dois anjos, um de cada lado, representando os problemas humanos. Aos seus p s a serpente, s mbolo

do mal, e uma meia lua, uma alus o passagem do livro do Apocalipse, em que Ela aparece divinizada, ou seja,

pertencente esfera do sagrado. Sobre a sua cabe a aparece a pomba, s mbolo do Esp rito Santo que a fecundou, e

doze estrelas representando as doze tribos de Israel e os ap stolos, fundamentos da Igreja.

A emerg ncia de novas devo es marianas nos permite dizer que a figura de Maria tem sido emblem tica para o catolicismo emraz o de sua polissemia. Para o catolicismo popular, ela a m e que sofreu a morte violenta de seu nico filho, padeceu o ex lio, apobreza e a rejei o dos parentes. Por isso, para seus devotos, s a Virgem pode compreender os dramas humanos vividos por eles,porque tamb m os viveu, e, assim, interceder junto a seu filho Jesus. Isso porque para eles, Maria a media o maternal entre omundo dos degredados filhos de Eva' e a esfera do sagrado, porque foi introduzida nele de corpo e alma, de acordo com o dogma desua Assun o (SILVA, 2001, p.141).

Para a Igreja oficial, segundo o mesmo autor, ela tem sido a media o que viabiliza a evangeliza o, ou seja, a

ades o doutrina cat lica e s normas institucionais, pois a M e da Igreja peregrina, uma vez que teve participa o

no seu nascimento, e o s mbolo da Igreja triunfante sobre as for as do mal.

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Fig. 10- Imagem de N.Sra. Desatadora dos N s.

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CONCLUS O

Na rela o religi o e cidade, entendida como as formas de express o religiosa no meio urbano, e sua

pluralidade, encontramos a afirma o de Bourdieu de que o maior m rito de Weber foi o de enfatizar que o fen meno

da urbaniza o, com as transforma es que provoca, contribuiu para a racionaliza o ' e para a moraliza o ' da

religi o, na medida em que a religi o favorece o desenvolvimento de um corpo de especialistas incumbidos da gest o

dos bens de salva o '. Ou seja, que o desenvolvimento do trabalho industrial, na medida em que um processo

racionalizador' tamb m paralelo introdu o de crit rios e imperativos ticos, onde os deuses recompensam o bem'

e punem o mal ', e tamb m a manuten o do sentimento do pecado ' e o desejo de reden o ', quase sempre em

rela o direta com o desenvolvimento urbano.

Na obra de Mike Fetherstone (1995), Cultura de consumo e p s-modernismo, ele aponta para uma das

caracter sticas da sociologia a partir da d cada de 80 que foi o de integrar a sociologia da cultura de uma posi o

antes marginal para o centro do campo sociol gico, e o recuo da sociologia da religi o para um campo mais isolado.

Pode-se relativizar esse coment rio do autor, em vista de que j estamos no s culo 21 e de que a religi o, n o mais

no sentido ortodoxo, por assim dizer, mas em seu sentido mais atualizado, ou seja, bricolado, matizado por influ ncias

de diversas origens, no sentido do mix j apontado anteriormente por Fl vio Pierucci est em plena ordem do dia.

Tamb m Featherstone (1995, p.157), aponta para o desaparecimento progressivo das influ ncias da religi o na vida

social e associa esse fen meno aos processos de industrializa o, racionaliza o, urbaniza o e diferencia o do

social que provocaram uma crise de sentido especificamente moderna, ou melhor, uma crise na efic cia do v nculo

social, que s poderia ser aliviada pela cria o ou surgimento de algum complexo novo de significados ou morale.

Assim, acredita-se muitas vezes que o decl nio da religi o e a corros o de suas bases institucionais na sociedade

teriam deixado um v cuo atr s de si, com efeitos nocivos tanto para o individuo como para a sociedade.

Para alguns autores, por m, a dissipa o da religi o em in meros complexos significativos quase-religiosos e

n o religiosos , que oferecem s pessoas uma ajuda para enfrentar as quest es existenciais relativas ao sentido

ltimo da vida, o sagrado, o nascimento, a morte, a sexualidade e assim por diante, tornou a religi o invis vel. A

famosa met fora de Weber (WEBER citado por Featherstone, 1995, p.158), em A tica protestante da religi o

fechando a porta do monast rio atr s de si e descendo ao terreno das quest es mundanas, foi posteriormente

transformada na sociedade moderna, na qual a religi o se aloja comodamente no mercado de consumo, ao lado de

outros complexos significativos(...) sendo os indiv duos capazes de selecionar dentre uma pluralidade de corpos de

conhecimento convenientemente embalados no supermercado dos estilos de vida . (FEATHERSTONE, 1995, p.158).

Assim, as no es de realiza o, felicidade e o sentido ltimo da vida est o situados na esfera privada, na qual o

individuo pode escolher livremente o que fazer com o seu tempo, seu lar, seu corpo e inclusive seus deuses.

Rubem Alves (1994), busca entender a origem do fen meno religioso e a diferen a entre f e ci ncia. Ele nos

diz, por exemplo, que uma das marcas do saber cient fico o seu rigoroso ate smo metodol gico: um bi logo n o

invoca maus esp ritos para explicar epidemias, nem um economista os poderes do inferno para dar contas da infla o,

da mesma forma como a astronomia moderna, distante de Kepler, n o busca ouvir harmonias musicais divinas nas

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regularidades matem ticas dos astros.

Permanece a experi ncia religiosa, mas fora do mundo da ci ncia, das f bricas, das usinas, das armas, do

dinheiro, dos bancos, da propaganda, da venda, da compra, do lucro. compreens vel que, diferentemente do que

ocorria em passado n o muito distante, poucos pais sonhem com a carreira sacerdotal para seus filhos...

No mundo sagrado, a experi ncia religiosa era parte integrante de cada um, da mesma forma como o sexo, a

cor da pele, a linguagem. Uma pessoa sem religi o era uma anomalia. No mundo dessacralizado as coisas se

inverteram. Menos entre os homens comuns, externos aos c rculos acad micos, mas de forma intensa entre aqueles

que pretendem j haver passado pela ilumina o cientifica, o embara o frente experi ncia religiosa pessoal

ineg vel. Por raz es bvias. Confessar-se religioso equivale a confessar-se como habitante do mundo encantado e

m gico do passado, ainda que parcialmente. E o embara o vai crescendo na medida em que nos aproximamos das

ci ncias humanas, justamente aquelas que estudam a religi o.

Nenhum fato, coisa ou gesto, encontrado j com as marcas do sagrado. O sagrado n o uma efic cia

inerente s coisas. Ao contr rio, coisas e gestos se tornam religiosos quando os homens os batizam como tais. A

religi o nasce com o poder que os homens t m de dar nomes s coisas, fazendo uma discrimina o entre coisas de

import ncia secund ria e coisas nas quais seu destino, sua vida e sua morte, por assim dizer, se dependuram.

E esta a raz o por que, fazendo uma abstra o dos sentimentos e experi ncias pessoais que acompanham o

encontro com o sagrado, a religi o se nos apresenta como um certo tipo de fala, um discurso, uma rede de s mbolos.

Com estes s mbolos os homens discriminam objetos, tempos e espa os, construindo, com o seu auxilio, uma

ab bada sagrada com que recobrem o seu mundo. Por qu ? Talvez porque, sem ela, o mundo seja por demais frio e

escuro. Com seus s mbolos sagrados o homem exorciza o medo e constr i diques contra o caos.

E, assim, coisas inertes - pedras, plantas, fontes - e gestos, em si vulgares, passam a ser os sinais vis veis

desta teia invis vel de significa es, que vem a existir pelo poder humano de dar nomes s coisas, atribuindo-lhes um

valor. N o foi sem raz o que se referiu religi o como a mais fant stica e pretensiosa tentativa de transubstanciar a

natureza . De fato, objetos e gestos, em si insens veis e indiferentes ao destino humano, s o magicamente a ele

integrados.

Camus (Camus citado por Alves,1994), observou que curioso que ningu m esteja disposto a morrer por verdades

cientificas. Que diferen a faz se o sol gira em torno da terra ou se a terra gira em torno do sol? que as verdades

cientificas se referem aos objetos na sua mais radical e deliberada indiferen a vida e morte, felicidade e

infelicidade das pessoas. H verdades que s o frias e inertes. Nelas n o se dependura o nosso destino. Quando, ao

contr rio, tocamos nos s mbolos em que nos dependuramos, o corpo inteiro estremece. E este estremecer a

marca emocional/existencial da experi ncia do sagrado, e o sagrado se instaura gra as ao poder do invis vel. E ao

invis vel que a linguagem religiosa se refere ao mencionar as profundezas da alma, as alturas dos c us, o

desespero do inferno, os fluidos e influ ncias que curam, o para so, as bem-aventuran as eternas e o pr prio Deus.

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Quem, jamais, viu qualquer uma destas entidades?

Uma pedra n o imagin ria, mas vis vel, concreta. Como tal nada tem de religioso. Mas no momento em que

algu m lhe d o nome de altar, ela passa a ser circundada de uma aura misteriosa, e os olhos da f podem vislumbrar

conex es invis veis que a ligam ao mundo da gra a divina. E ali se fazem ora es e se oferecem sacrif cios. O

discurso religioso transforma as coisas de entidades brutas e vazias, em portadoras de sentido, de tal maneira que

elas passem a fazer parte do mundo humano, como se fossem extens es de n s mesmos.

No entanto para a religi o, continua Alves, n o importam os fatos e as presen as que os sentidos podem

apreender. Importam os objetos que a fantasia e a imagina o podem construir. Segundo Sartre (Citado por

Alves,1994), fatos n o s o valores: presen as que n o valem o amor. O amor se dirige para coisas que ainda n o

nasceram, ausentes. Vive do desejo e da espera. E justamente a que surgem a imagina o e a fantasia,

encanta es destinadas a produzir a coisa que se deseja . O autor conclui assim, com honestidade, que as entidades

religiosas s o entidades imagin rias .

No entanto, continua o mesmo autor (1994 p.83), n o estou dizendo que a religi o apenas imagina o,

apenas fantasia. Ao contr rio, estou sugerindo que ela tem o poder, o amor e a dignidade do imagin rio. Onde estava

a flauta antes de ser inventada? E o jardim? E as dan as, os quadros? Foi necess rio que a imagina o ficasse

gr vida para que o mundo da cultura nascesse .

Mais adiante, ele diz que

O que est em jogo a ordem. Mas n o qualquer ordem que atende s exig ncias humanas. O que se busca como esperan a eutopia, como projeto inconsciente do ego, um mundo que traga as marcas do desejo e que corresponda s aspira es do amor.Mas o fato que tal realidade n o existe, como algo presente. E a religi o aparece como a grande hip tese e aposta que o universointeiro possui uma face humana. E o homem, diz a religi o, este universo simb lico que proclama que toda a realidade portadora deum sentido humano e invoca o cosmos inteiro para significar a validade da exist ncia humana (BERGER & LUCKMANN, citado porAlves, 1994)

A religi o, assim, atende a um tipo espec fico de necessidade: a necessidade de viver num mundo que fa a

sentido.

verdade que os homens n o vivem somente de p o - ( Nem s de p o viver o homem, mas de tudo o que

procede da boca do Senhor - Deuteron mio 8:3) - Vivem tamb m de s mbolos, porque sem eles n o haveria ordem,

nem sentido para a vida, e nem vontade de viver. Podemos concordar com a afirma o de Durkheim de que aqueles

que habitam um mundo ordenado e carregado de sentido gozam de um senso de ordem interna, integra o, unidade,

dire o e se sentem efetivamente mais fortes para viver. E a est a chave para a descoberta da efetividade e o poder

dos s mbolos e podemos vislumbrar a maneira pela qual a imagina o tem contribu do para a sobreviv ncia dos

homens.

Como complemento Geertz enfatiza:

A religi o ajusta as a es humanas a uma ordem c smica imaginada e projeta imagens da ordem c smica no plano da experi nciahumana, assim pode-se dizer que, qualquer que seja o papel que a interven o divina possa ou n o exercer na cria o da f - e n ocompete ao cientista manifestar-se sobre tais assuntos, de uma forma ou de outra - ele est , pelo menos basicamente, fora docontexto dos atos concretos de observ ncia religiosa que a convic o religiosa faz emergir no plano humano (GEERTZ, 1978,p.104).

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Nietzche disse certa vez que, ao inv s de se mostrarem altura da insustent vel solid o da sua condi o, os

homens continuam procura do seu Deus despeda ado e por Ele amar o at as serpentes que moram em meio de

Suas ru nas . (Citado por Alves,1994) Nessa emblem tica frase de Nietzche, pr pria dos pensadores do s culo XIX,

alguns identificam um homem desesperado, que n o soube dar nomes a seus deuses. Por m muitos pensadores do

pr prio s culo XIX, entenderam a ci ncia e a religi o como esferas diferentes do humano, at porque o sagrado n o

um c rculo de saber, mas um c rculo de poder , e a ess ncia da religi o n o a id ia, mas a for a. Segundo Durkheim

(1982, p. 55) o fiel que entrou em comunh o com o seu Deus n o meramente um homem que v novas verdades

que o descrente ignora. Ele se tornou mais forte .

Tamb m Weber, em sua sociologia da religi o, (Weber citado por Freund,1980, p.150) diz que quanto f , ela

tamb m um saber, por m de car ter muito particular e peculiar essencialmente s religi es soteriol gicas (de

salva o). Ela n o da ordem do saber demonstrativo ou puramente racional. Al m do mais, ela confere ao crente um

poder, no sentido em que se diz que pode mover montanhas... tem um toque pessoal, que faz dela mais do que um

saber: uma confian a nas promessas de Deus no sentido da f plena de Abra o. Em certa medida, a f se deixa

caracterizar pela conhecida frase de Santo Agostinho: credo non quod, sed quia absurdum est , creio porque

absurdo .

Ao concluir-se a pesquisa tentando responder aos questionamentos iniciais, v -se que o v u ainda n o se

descortinou completamente e as quest es continuam envolvidas em brumas, at porque este trabalho n o pretendia

esgotar todas as quest es mas apontar uma problem tica e exercitar uma reflex o, que aparentemente simples de

in cio, revelou-se multifacetada e complexa, mas suficientemente apaixonante para uma continuidade, onde a

maturidade do pensamento te rico e a amplia o do trabalho de campo, poder o trazer conclus es bastante frut feras

para o campo das ci ncias sociais.

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