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A proteção do consumidor na era da globalização
Cristiano Chaves de FariasPromotor de Justiça – BAHIA
Professor do curso de Direito da UNIFACS – Universidade Salvador; da Faculdade de Direito da UCSal. – Universidade Católica do Salvador;
do JusPODIVM – Centro Preparatório para a carreira jurídica; e da FESMIP – Fundação Escola Superior do MP/BA.
Pós-graduando em Direitos Difusos pela PUC/SP e FESMIP/BAMembro do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Sumário:
1. Um novo tempo e uma nova concepção jurídica: a cidadania
como elemento fundamental da ordem jurídica; 2. A idéia da
proteção consumerista como consectário dessa nova era de
direitos; 3. O sistema de defesa do consumidor no direito
brasileiro; 4. A globalização como fenômeno do mundo
moderno; 5. A (re)afirmação da proteção do consumidor em
face da globalização; 6. Notas conclusivas. Bibliografia.
“Ode ao consumidor
Consome a dor da triste soberania enquanto o dominador
contempla a mística do mercado (de norte a sul, de leste a
oeste...) e exclama extasiado: ‘consummatun est’.” (Newton de
Lucca)
1. Um novo tempo e uma nova concepção jurídica: a cidadania como elemento fundamental da ordem jurídica.
É imperativo reconhecer que as grandes transformações, de
diferentes matizes e origens, diuturnamente impostas nos mais diversos setores
da sociedade são decorrência da própria natureza humana. O homem é animal
teleológico, que atua em função das finalidades projetadas no futuro. Daí a
assertiva de KANT de que o gênero humano está em constante progresso para o
melhor1.
1 Cf. Scritti politici e di filosofia della storia e del diritto, cit., p.219 e ss..
Essa atuação humana em direção a um novo tempo traz a marca
registrada de uma nova realidade, imposta por meio de suas descobertas de
ordem tecnológica, científica, cultural, etc..
Novos tempos, mais do que logicamente, exigem uma nova
concepção jus-filosófica sobre a Ciência do Direito. Um direito poroso, aberto,
sensível aos avanços que a tecnologia e a capacidade intelectual do homem
impuserem e eficaz para regular novos conflitos que se descortinam.
Esse novo direito há de se coadunar com a reconhecida e
incontestável sociedade da informação, superando a idéia de que o “jurista
sempre foi um ser inteiramente refratário às inovações”, como salientou NEWTON
DE LUCCA2.
Ora, o direito não serve senão para se realizar, pacificando conflitos
de interesses estabelecidos dentro da sociedade. Como dizia IHERING, “não lhe
basta uma ‘pretensão normativa’, é preciso que se lhe dê ‘efetividade social’”,
logo, o direito que não é consentâneo e conexo com a sociedade que lhe incumbe
regular de nada servirá. Será uma mera abstração, sem interesse concreto. É
preciso um nexo claro, uma via de mão e contramão bem estabelecida, entre o
direito e a sociedade, estando bem adequados um com o outro, de modo a que
aquele seja o porto seguro para os conflitos estabelecidos nesta.
Com efeito, a força dos fatos e, nesse passo, o avanço imposto pela
inteligência humana, não pode ser elemento estranho à Ciência Jurídica, pena de
estabelecer um profundo hiato entre a realidade fenomenológica da vida e as
normas jurídicas3. Para tanto, é preciso que esteja o direito aberto, sensível e em
sintonia com os avanços da sociedade.
2 Cf. Títulos e Contratos Eletrônicos, in LUCCA, Newton de & SIMÃO Filho, Adalberto (coordenadores), Direito e Internet – Aspectos jurídicos relevantes, cit., p.23.3 O mestre baiano ORLANDO GOMES já de há muito reconhecia uma fratura do direito exposta na “esterilização dos conceitos e no desmoronamento de construções que pareciam inabaláveis” (cf. Introdução ao Direito Civil, cit., p. 7).
ORLANDO GOMES era contundente: “não seria possível interpretar
e aplicar uma lei com desconhecimento ou desprezo de sua finalidade social”4.
Como alerta o eminente LUIZ EDSON FACHIN, “a tendência social
revela aos titulares dos direitos subjetivos sensível horizonte diverso. Trata-se do
exercício da solidariedade social, a esta – como bem disse o Professor
ORLANDO DE CARVALHO – ‘não se capta com esquemas jurídicos: constrói-se
na vida social e econômica”5.
Desse grande avanço tecnológico e científico decorrem,
naturalmente, alterações nas concepções jurídicas vigentes no sistema. Vê-se,
desse modo, uma passagem aberta para uma outra dimensão jurídica, na qual o
direito deve ser um elemento de garantia do homem na força de sua propulsão ao
futuro.
E, por conseguinte, reconhecida a necessária incidência desse
avanço tecnológico, científico e cultural, advém uma eliminação de fronteiras
arquitetadas pelo sistema jurídico clássico, abrindo espaço para um direito
contemporâneo, susceptível às influências da nova sociedade, que traz consigo
necessidades universais, independentemente de línguas ou territórios.
Há de se ter na tela da imaginação, nesse panorama, que o
problema a se descortinar em nossos olhos (muitos ainda atônitos pela
velocidade com que se operam os avanços da tecnologia e da evolução
comunitária humana) não é mais o de fundamentar as novas relações jurídicas,
mas sim, protegê-las6. Não se trata mais de conceber a existência, ou não, de
novas relações jurídicas originadas desses avanços tecnológicos, científicos,
culturais e (por que não?) humanos concretamente existentes. Sua existência e
visibilidade são uma realidade inexorável. Negá-las, seria fechar os olhos a uma
realidade concreta e presente e, assim, por via oblíqua, negar a própria
inteligência e capacidade humanas.
4 Cf. Introdução ao Direito Civil, cit., p. 26.5 Cf. Teoria Crítica do Direito Civil, cit., p.331.6 Nesse sentido, com o raciocínio voltado para os novos “ramos” do Direito, BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, cit., p.25 e ss..
A grande questão que toca ao jurista do novo tempo é a proteção a
ser conferida aos cidadãos (rectius, aos entes dotados de personalidade como um
todo, para que não se exclua parcela de interessados) perante essas novas
relações jurídicas. É de se buscar a maneira mais segura para garantir os direitos
fundamentais nesse novo quadro de relações sociais, econômicas e jurídicas,
impedindo sua violação.
E reconheça-se que o ponto de partida para tanto deve estar,
sempre, no conceito de cidadania7. Isso porque a cidadania, concebida como
elemento essencial, concreto e real, para servir de centro nevrálgico das
mudanças paradigmáticas da Ciência Jurídica, será a ponte, o elo de ligação, com
o porvir, com os avanços de todas as naturezas, com as conquistas do homem
que se consolidam, permitindo um Direito mais sensível, aberto e poroso aos
novos elementos que se descortinem na sociedade. Um Direito mais real, humano
e, por conseguinte, justo.
Nenhum reflexo de novos temas ou avanços no Direito poderá colidir
ou afrontar a idéia de cidadania, que se constitui marco fundamental, pedra
angular, dessas novas relações jurídicas, como, inclusive, ressaltado pelo Art. 1º,
inciso III, da Lex Fundamentallis, que estabelece como princípio fundamental da
República brasileira a dignidade da pessoa humana. Esse o ponto de partida.
2. A idéia da proteção consumerista como consectário dessa nova era de direitos.
A proteção do consumidor é meta, busca incessante, dessa nova era
e representa verdadeiro desafio da fase contemporânea do Direito, pela sua
singular importância.
É que a sociedade contemporânea, desde o século XX, se
organizou a partir do fenômeno mundial das relações de consumo (mass
7 FACHIN, com habitual proficiência, leciona que o “conceito de cidadania pode ser o continente que irá abrigar a dimensão fortificada da pessoa no plano de seus valores e direitos fundamentais. Não mais, porém, como um sujeito de direitos virtuais, abstratos ou atomizados para servir mais à noção de objeto ou mercadoria”, cf. Teoria Crítica do Direito Civil, cit., p.330.
consumption society ou Konsumgesellschaft), massificada pelo crescente
aumento de oferta de produtos e serviços, pelo império e crescimento do
marketing e pela propagação do crédito como elemento propulsor do
desenvolvimento econômico8. É o fenômeno denominado consumerismo,
originado etimologicamente da expressão consumerism, terminologia criada para
definir o movimento dos consumidores norte-americanos9 contra a produção e a
comunicação de massa, os abusos das técnicas de marketing e propaganda, a
periculosidade, qualidade e a confiabilidade dos produtos e serviços postos no
mercado, as informações fornecidas pelos fabricantes e distribuidores, etc..
É nesse panorama da “revolução das massas”10 que surge a
necessidade de equilibrar as relações sociais, marcadas por um desnível natural
imposto pelas diferentes posições e interesses das partes envolvidas no
fenômeno consumerista: de um lado o poderio econômico e a idéia do lucro, do
outro a necessidade de consumir para o desenvolvimento de praticamente todas
as atividades humanas.
Surge de forma intuitiva, então, a exigência de mecanismos
eficientes, ágeis e de fácil acesso para a população em geral, tutelando o
hipossuficiente da relação consumerista. Aliás, é o próprio mercado sócio-
econômico que vem a exigir tais mecanismos de controle para superar a
vulnerabilidade do consumidor11.
8 Com o fortalecimento da sociedade capitalista e a idéia do lucro inspirando maior produção e oferta, criando o mercado da força de trabalho e de bens de consumo, surgiram as primeiras manifestações organizadas de consumidores, nos estertores do Século XIX. Em seguida, por força da internacionalização da economia e de grandes fusões empresariais, houve rápido crescimento das organizações de consumidores na Inglaterra, Suécia, Holanda, Alemanha, França, Austrália, Japão, entre outros. Sobre o aspecto histórico da proteção do consumidor, vide LEONIR BATISTI, Direito do Consumidor para o MERCOSUL, cit., p.45 e ss.. 9 SÔNIA MARIA VIEIRA DE MELLO, cf. O Direito do Consumidor na era da globalização: a descoberta da cidadania, cit., p.11, aponta que os precursores do Direito Consumerista foram, de fato, os norte-americanos, na década de 60, a partir de quando se deu a evolução da matéria. 10 Cf. EDUARDO ARRUDA ALVIM et alli, cf. Código do Consumidor Comentado, cit., p.11, vislumbrando, ainda, que o consumerismo “é visível hodiernamente quer nas sociedades industrializadas como nas economias em desenvolvimento, aonde freqüentemente se persegue a satisfação de necessidades muitas vezes irreais ou incorretamente hierarquizadas”. 11 Assim, ADA PELLEGRINI GRINOVER e ANTONIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIM, cf. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, cit., p.6.
Vê-se, assim, que a legislação consumerista é conquista de um novo
tempo12, é o reconhecimento de uma era de novos valores, fundados na
personalidade humana, abandonando o nítido caráter individual e patrimonialista,
até então prestigiado na legislação brasileira. O homem deixa de ser objeto e
passa a ser, de uma vez por todas, sujeito de direito.
Máxime com a Lex Mater que, logo em seu art. 1º, inciso III, impõe a
dignidade da pessoa humana como princípio vetor do Ordenamento brasileiro13.
Como salienta, com proficiência, EDUARDO GABRIEL SAAD, “o
individualismo impregnou todo o direito ao mesmo tempo que a realidade social já
pedia novas regras jurídicas para regular fatos e situações completamente
ignoradas no passado”.14
Com a legislação protetiva do consumidor ganhou força a ordem e
os novos valores emanados da Constituição da República, como a solidariedade
social (CR, art. 3º, I), o valor social da livre iniciativa (CR, art. 1º, IV), a igualdade
substancial15 (CR, art. 3º, III, e 5º, caput e I) e, é claro, a dignidade da pessoa
humana (CR, art. 1º, III), significando, em última análise, a vitória da própria
cidadania.
Averbe-se, destarte, que a proteção do consumidor, numa sociedade
massificada, globalizada e com francas desigualdades como a nossa, é um dos
mais importantes aspectos da garantia do exercício da cidadania plena, em razão
das circunstâncias de vulnerabilidade e hipossuficiência que marcam as relações
consumeristas.
12 Não é difícil estabelecer um paralelo, como o faz NEWTON DE LUCCA, entre o direito do consumidor e o direito comercial. Ambos têm matizes históricas bem definidas, surgindo este para aplacar as necessidades da sociedade burguesa e na busca de expansão mercadológica, enquanto aquele prende-se ao fenômeno da sociedade de massa, buscando dar guarida à proteção humana, cf. Direito do Consumidor – Aspectos práticos, cit., p.103. No mesmo sentido, TULIO ASCARELLI, cf. Corso di Diritto Commerciale, Milano : Giuffrè, 1962, p.4.13 Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e seus reflexos no direito brasileiro, vide, por todos, a lição de GUSTAVO TEPEDINO, cf. Temas de Direito Civil, cit., p.1 e ss.. 14 Cf. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p.26. 15 Na doutrina espanhola, MARIA TERESA QUINTELA GONÇALVEZ, lembrada por EDUARDO ARRUDA ALVIM et alli , cf. Código do Consumidor Comentado, cit., p.12, afirma com lucidez que “los derechos de los consumidores son una consecuencia direta de la reivindicación de una igualdad real, del reconocimiento del derecho a la participación de todos los ciudadanos y del modelo del Estado social de Derecho”.
Com JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO, em última análise, a
proteção do consumidor significa verdadeiro “exercício de cidadania, ou seja, a
qualidade de todo ser humano como destinatário final do bem comum de qualquer
Estado, que o habilita a ver reconhecida toda a gama de seus direitos individuais
e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à sua disposição pelos
organismos institucionalizados”.16
Com efeito, o sistema de proteção ao consumidor procura
resguardar a vida, a saúde e a segurança do consumidor contra riscos
decorrentes do fornecimento de bens e de serviços perigosos ou nocivos, além de
tender à preservação de seus interesses econômicos, assegurando-lhe
contratação justa e adequada, minorando o desnível.17
A proteção do consumidor exige, portanto, não apenas uma nova lei,
mas uma nova filosofia18, uma nova mentalidade de atuação.
É que de nada valerá a criação de um novo sistema se o operador
do direito continuar preso a paragens de um passado distante, perdido em idéias
ultrapassadas e dissonantes da nova realidade social. O Direito – e, por óbvio, o
seu intérprete – devem estar sintonizados com a sociedade que lhe incumbe
pacificar, atento aos novos valores e princípios que inspiram o seu tempo e com
os olhos voltados para o amanhã.
3. O sistema de defesa do consumidor no direito brasileiro.
A proteção ao consumidor exige – e não poderia ser diferente –
maior interferência do Estado nas relações privadas. É o intervencionismo estatal
como forma de superação da vulnerabilidade do consumidor.
16 Cf. Manual de Direitos do Consumidor, cit., p.27. 17 Nesse sentido, CARLOS ALBERTO BITTAR, cf. Direitos do Consumidor, p.7. 18 Essa a idéia de FILOMENO, cf. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p.17.
Esse dirigismo contratual, como já antevia o visionário ORLANDO
GOMES, somente se pode tornar concreto com a adoção de modelos jurídicos e
políticas de proteção às relações de consumo efetivos, impondo condutas
negativas aos fornecedores para que sejam garantidos direitos ao hipossuficiente.
Assim, era necessário alçar à altitude constitucional a proteção ao
consumidor no direito brasileiro, importando em nítido deslocamento do eixo
fundamental dos direitos de cidadania. Era preciso que a Magna Charta
chamasse para si a responsabilidade de traçar as garantias básicas para o
perfeito exercício de cidadania, elencando, dentre elas, a proteção às relações de
consumo.
A tutela do consumidor, revelando-se, é de se repetir, como
importante aspecto da proteção à própria pessoa humana, rompeu com a unidade
sistemática do Código Civil (fruto do próprio movimento de descodificação,
inspirador da criação de microsistemas jurídicos19), estando assentada em
princípios e normas próprias, dotada de autonomia científica e dogmática.
Como bem percebeu TEPEDINO, a proteção do consumidor reflete
“princípios autônomos, setoriais, ora conflitantes com o Código Civil, ora
simplesmente peculiares, traduzidos por técnicas legislativas e de linguagem
específicas, e pela busca de uma nova completude. O monossistema se desfaz
através deste processo de fragmentação normativa, dando lugar a um
polissistema, isto é, um sistema de direito privado formado por inúmeros
microssistemas, dentre os quais se inclui o Código do Consumidor”.20
Equivale a dizer, a tutela do consumidor foi estruturada a partir da
tábua axiológica de valores prevalentes unificados no Texto Constitucional,
fazendo avultar a garantia do estado social de direito, afastando-se do eixo da
autonomia privada prestigiada pelo Código Civil.
19 Acerca da questão, consulte-se ORLANDO GOMES, cf. A caminho dos micro-sistemas. Novos temas de Direito Civil, Rio : Forense, 1983, p.40-50. No mesmo sentido, NATALINO IRTI, L’etá della descodificazione, Milano : Giuffrè, 1979.20 Cf. Temas de Direito Civil, cit., p.248.
Nesse passo, os comandos dos arts. 5º, XXXII, 24, 150, §5º, e 170,
V, da Lex Legum, estabelecem de forma indelével o domicílio constitucional da
defesa do consumidor, abrindo espaço para que se demonstre a quebra do elo
com o sistema jurídico individual e patrimonialista, do início do século passado,
prestigiando princípios humanitários e a personalidade humana (o que é reforçado
pelos arts. 1º, III, e 3º, III da CR).
O constituinte brasileiro, assim, traçou a base sólida, a viga de
sustentação, para a edificação da tutela do consumidor, não podendo a legislação
infraconstitucional se afastar de um plano mais amplo que é a tutela da própria
pessoa humana.
Assim, com olhos fixos nos valores esculpidos na Constituição, a
legislação consumerista construiu um sistema próprio, com princípios vetores21
(CDC, art. 4º) e regras fundamentais de ordem pública (CDC, art. 1º). Estampou
rígidas normas contratuais22, mitigando a ilimitada autonomia da vontade de
tempos longínquos, obstando, e.g., a presença de cláusulas abusivas, as quais
declarou nulas de pleno direito (CDC, art. 51). Submeteu o fornecedor às regras
da responsabilidade civil objetiva por danos causados por fato ou vício do produto
ou do serviço23 (CDC, arts. 12, 17, 18 e 25), superando a dogmática da
responsabilidade com base no elemento subjetivo, a culpa. Estabeleceu,
outrossim, solidariedade entre aqueles que participam do fornecimento de
produtos ou serviços, desde a produção até a comercialização24 (CDC, arts. 12,
21 Ao analisar os princípios do CDC, CARLOS ALBERTO BITTAR, após lista-los, afirmando que o primeiro deles é o da proteção da vida, da saúde e da segurança do consumidor (contra vícios existentes em produtos ou em serviços, ou outros abusos na circulação de bens) , verbera que com o reconhecimento de tais princípios “tolhem-se, ou inibem-se, práticas abusivas por parte das empresas produtoras, prestadoras de serviços ou intermediárias, nas relações de consumo, instrumentando-se, de outro lado, consumidores e suas entidades”, cf. Direitos do Consumidor, cit., p.7.22 A respeito dos contratos no Direito do Consumidor, consulte-se a notável obra de CLÁUDIA LIMA MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo : RT, 3ªed., 1999.23 Sobre a responsabilidade civil objetiva nas relações de consumo, consulte-se MÁRCIO MELLO CASADO, cf. Responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor – Justificativas, precedentes e análise do sistema nacional, in Revista de Direito Privado, São Paulo : RT, vol.3, julho/setembro de 2000, p.157.24 Veja-se interessante precedente jurisprudencial acerca da matéria: “... A responsabilidade solidária da administradora (de consórcio) configura-se no fato de a concessionária permitir a modificação do pedido, com suporte na marca do grupo econômico Volkswagen, conduzindo o negócio sob a confiança do consumidor. Inteligência do art. 34 do CDC. Hipótese concreta em que a relação jurídica consortil reclama abordagem sob a égide das regras de consumo, em face da nova realidade denominada de ‘pós-moderna’, reflexiva da globalização e acumulação de riquezas e bens intangíveis...” (TJ/RS, EI 599.178.050, Ac. 9ªGr. Câms. Cíveis, j.17.9.99, rel. Des.
13 e 18). Fixou, ainda, novas regras e prazos, novo sistema, para os vícios
redibitórios (CDC, arts. 18 e 20), dentre inúmeras outras regras protetivas.
Não foi apenas. O legislador incorporou diversos avanços
doutrinários e jurisprudenciais – tais como a garantia da reparação dos eventuais
danos morais, nulidade das cláusulas abusivas, inversão do ônus da prova em
favor do consumidor, entre outros – e, com isso, posicionou-se ao lado dos mais
avançados Ordenamentos mundiais.
Tratando-se de verdadeira garantia constitucional a proteção do
consumidor, sobreleva concluir que está fulminada de morte, inquinada de
inconstitucionalidade, qualquer norma ou situação jurídica que viole ou mesmo
que apenas tenha a possibilidade de consistir óbice à defesa do consumidor25.
Em outras palavras, o sistema de tutela do consumidor no direito
brasileiro tem como base o próprio Texto Constitucional. Logo, todas as normas
que compõem o Ordenamento e, naturalmente, lhe devem obediência – inclusive
aquelas oriundas de tratados e convenções internacionais, que ingressam em
nosso Ordenamento com sede infraconstitucional – têm de estar consentâneas
com a proteção da parte vulnerável, garantindo correta interpretação e aplicação
do conjunto normativo.
4. A globalização como fenômeno do mundo moderno.
Esse sistema de proteção do consumidor ganha, agora, cores ainda
mais nítidas com o fenômeno da globalização, que nos defronta com a
mundialização das economias e do próprio consumo e predominância do capital
financeiro e, via de conseqüência, faz descortinar novos e prementes desafios
para o direito.
Fernando Braf Henning Jr., in Revista de Direito Privado 3:308).25 Corretamente, já se decidiu: “O contrato de seguro-saúde, por ser um contrato de adesão, deve ser interpretado em favor do aderente quando gere qualquer dúvida, como a exclusão de cobertura para determinada doença, pois não se pode mantê-lo submetido a uma situação de incerteza e, conforme interpretação do art. 170, IV e V, da CF, tais cláusulas devem ser aplicadas em detrimento da parte mais forte.” (TJ/SP, ApCív.275.091-2/3, Ac.unân.4ªCâm.Dir.Privado, j.8.5.97, rel. Des. Aguilar Cortez, in Revista de Direito Privado 1:236).
Daí a advertência de ARNOLDO WALD de que “a grande ruptura do
terceiro milênio consiste na criação, reconhecimento e na generalização, no
mundo inteiro, da nova economia, baseada no desenvolvimento tecnológico e na
competição, mas também na globalização e na desmaterialização parcial da
riqueza. E esta nova concepção da economia tem reflexos em todos os aspectos
da sociedade e inclusive no direito”.26
A globalização apresenta-se, pois, com uma noção imprecisa, mas
de relevo para o Direito, especialmente para o Direito do Consumidor.
Genericamente, se pode afirmar que é a designação dada ao conjunto de
transformações de ordem política, social e econômica verificadas nos últimos
tempos em quase todos os estados democráticos de direito, tendentes à
integração dos mercados, possibilitando maior circulação de riquezas. É, enfim, a
integração acelerada dos mercados nacionais.
Sem dúvida, “o mercado de câmbio se transformou no primeiro
compartimento dos mercados financeiros a entrar na globalização e é partir dele
que se desenvolve o mercado de derivados ou de securitização com relação à
variação de moedas e juros”, como salienta o Professor JOSÉ LUÍS FIORI27,
destacando que o elemento principal desse fenômeno mundializante é,
efetivamente, o capital financeiro.
Ora, esse processo de mundialização do capital, tende a fomentar o
consumo como forma de alcançar o lucro, que é o próprio resultado almejado.
Nesse passo, é imperioso reconhecer como consectários desse fenômeno a
hegemonia do capital financeiro, o crescimento de empresas transnacionais, a
internacionalização da produção, a liberalização do comércio e o maior
oferecimento de produtos e serviços, mudança nas práticas contratuais, com
repercussões claras na sociedade organizada.
26 Cf. Um novo direito para a nova economia: os contratos eletrônicos e o Código Civil, in Direito e Internet – Relações jurídicas na sociedade informatizada, cit., p.9.27 Cf. Globalização, hegemonia e império, in Poder e dinheiro – uma economia política da globalização, cit., p.91.
“Mercados abertos, liberdade alfandegária, fim da idéia de
soberania, eliminação do xenofobismo, linhas de produção mundiais, capitais
flutuantes e de extrema volatidade freqüentando mercados financeiros sem limites
de fronteira, esses os traços característicos do processo de maximização da
rentabilidade econômica, responsáveis pela mais drástica alteração estrutural no
modo de produção capitalista dos últimos anos”, como reconhece o Prof.
FERNANDO HERREN AGUILLAR, concluindo, coerentemente, que é “em matéria
de Direito Econômico, esses efeitos são particularmente sentidos”.28
Daí, então, a grande importância do fenômeno globalização para o
Direito do Consumidor.
Não que a globalização venha a ser responsável por tudo o que se
impõe ao Direito, nem que todas as novidades jurídicas sejam fruto de sua
atuação na sociedade. É preciso abrandar esse impulso cego, essa tendência a
aumentar a importância desse processo.
O que se quer afirmar é que a globalização reflete no Direito,
especialmente na proteção das relações de consumo, merecendo, por isso,
análise valorativa para a formação do conhecimento jurídico. É que, como
afirmado anteriormente, o direito e a sociedade devem estar de mãos dadas,
numa via de mão e contramão, retratando o direito os valores sociais do seu
tempo.
Ou seja, novas soluções e tratamento jurídico se impõem para uma
nova realidade social.
Até porque é o Direito a ciência que “opera a transformação das
tendências democraticamente definidas pelo parlamento eleito em valores”,
referências concretas, em algo real, palpável pela população, como preleciona
CALIXTO SALOMÃO FILHO.29
28 Cf. Direito Econômico e globalização, in SUNDFELD, Carlos Ari & VIEIRA, Oscar Vilhena (coordenadores), Direito Global, cit., p.269.29 Cf. Globalização e teoria jurídica do conhecimento econômico, in SUNDFELD, Carlos Ari & VIEIRA, Oscar Vilhena (coordenadores), Direito Global, cit., p.267.
Desse modo, impõe-se à Ciência Jurídica acompanhar e adaptar as
mudanças paradigmáticas na estrutura do mercado de consumo, com a crescente
expansão do capital, para não deixar órfã a sociedade que lhe incumbe tutelar,
especialmente pelo intervencionismo característico da matéria30.
5. A (re)afirmação da proteção do consumidor em face da globalização.
Ao contrário do que se pode imaginar, o papel intervencionista do
Estado nas relações de consumo, diante da nova realidade da sociedade
globalizada, há de ser ressaltado em face da necessidade de proteção das
economias nacionais e da inolvidável promoção do bem estar social e individual,
garantida pelo Texto Maior, como, aliás, ressaltado alhures31.
Em outras palavras, a globalização gera a necessidade de
fortalecimento da atuação estatal na proteção da sociedade e do indivíduo,
principalmente no que se refere às relações consumeristas (e à própria regulação
do mercado), com vistas a garantir sua dignidade imposta constitucionalmente. A
globalização não pode, pois, violar ou atingir o sistema protecionista interno32.
Tenha-se na mente que o desenvolvimento de atividades mercantis
globalizada exige uma responsabilidade também globalizada dos fabricantes e
30 Idêntico é o pensamento de RONALDO PORTO MACEDO Jr., para quem “à medida que a sociedade de consumo de serviços apresenta novos problemas ela demanda soluções inovadoras. A existência de agências reguladoras fortes, a uniformização do direito no Mercosul e uma nova compreensão da natureza do processo de contratação moderno constituem capítulos do desafio consumerista atual”, cf. Globalização e Direito do Consumidor, in SUNDFELD, Carlos Ari & VIEIRA, Oscar Vilhena (coordenadores), Direito Global, cit., p.239.31 Recente decisão da Eg. 4ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº63.981, veio a reconhecer que as mercadorias adquiridas no exterior têm a garantia válida no Brasil, desde que a empresa que trabalhe com a mesma marca no nosso país, seja coligada, representante, filial ou subsidiária do fabricante. Com base no fenômeno da globalização, o eminente Min. CÉSAR ÁSFOR ROCHA afirmou que “as grandes corporações perderam a marca da nacionalidade para tornarem-se empresas mundiais”, devendo a globalização beneficiar também ao consumidor e não apenas aos fornecedores.32 A respeito da noção de soberania e sua compatibilização com a globalização, consulte-se PASCUAL CAIELLA, Cf. Problemas relativos a la compatibilización de los derechos constitucionales y el derecho comunitario, in SUNDFELD, Carlos Ari & VIEIRA, Oscar Vilhena (coordenadores), Direito Global, cit., p.51. Chega mesmo a dizer o Professor da Universidad Nacional de La Plata, na Argentina, que “la propia Constitución, en uso de su supremacia, decide por império Del constituyente, ubicarse en un vértice distinto de la pirâmide. Pero seguirá siendo suprema para el resto de su ordenamento jurídico nacional”.
demais participantes do fornecimento. Ou seja, ao invés de importar em
enfraquecimento da proteção do consumidor, a globalização exige uma defesa
ainda mais ampla e segura, eis que os riscos de lesões às relações
consumeristas aumentam nitidamente.
Nessa trilha, não é possível qualquer restrição ao nosso eficaz
sistema de proteção ao consumidor. Ao revés, deve se tentar ampliar a proteção
consumerista, coadunando-se com a própria diretriz constitucional.
Aliás, é certo e incontroverso que como corolário do conceito de
soberania nacional, presente nos estados democráticos de direito, apresenta-se a
supremacia constitucional.
E é a partir dessa induvidosa supremacia da ordem constitucional
que até mesmo convenções e tratados internacionais devem se compatibilizar
com a ordem (constitucional) interna para que possam ter aplicabilidade33. É que
têm os tratados e convenções internacionais, assim como quaisquer instrumentos
normativos externos que pretenda ingressar em nosso Ordenamento, altitude
infraconstitucional, devendo obediência hierárquica ao Texto Máter.
Daí MAURÍCIO ANDREIUOLO RODRIGUES afirmar com
propriedade que, “ao menos no Brasil, o tratado internacional não pode
ultrapassar os limites impostos pela Constituição da República. E a razão para
tanto está na natureza estável do texto constitucional. A leitura dos arts. 59 e
seguintes deixa ver que se trata de uma Constituição rígida. E como tal, os seus
preceitos revestem-se de situação hierárquica mais elevada. Porque se trata de
conflito de normas de diferentes hierarquias – uma, constitucional, e a outra, de
natureza internacional, logo infraconstitucional – não tem valor a regra do
monismo moderado, ordinariamente utilizada, e de acordo com a qual ‘lex
posterior derrogat lex priori’.”34
33 Nesse sentido, TEPEDINO, cf. Temas de Direito Civil, cit., p.264. Também no direito argentino vige esse entendimento, como ressalta TOMÁS HUTCHINSON Y JULIÁN PEÑA, cf. “El Tratado de Assunción y la Constitución Nacional”, in Revista de Derecho Privado Y Comunitario, vol.5, Santa Fé : Rubinzal-Culzoni Editores, 1994, 453 e ss..34 Cf. Teoria dos direitos fundamentais, in TORRES, Ricardo Lobo (org.), Rio : Renovar, 1999, p.160.
É bem verdade que o ideal seria a criação de ordens jurídicas
comuns (direito comunitário), integrando as sociedades globalizadas sob o prisma
jurídico35. Todavia, as dificuldades para tanto são incontáveis.
Veja-se que a própria Comunidade Econômica Européia – CEE, que
de há muito formou um direito de cunho supranacional, visando à adequada
proteção dos consumidores dos países signatários, ainda não conseguiu
harmonizar de forma completa essa defesa consumerista.
Entre nós, a tentativa de regulamentação protetiva comunitária dos
consumidores vem se dando através do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL,
pretendendo colocá-los a salvo dos processos de integração econômica36. Vale
lembrar que o comitê técnico (denominado CT-7), responsável pelas questões
que envolvem a proteção do consumidor, vem tentando promover a harmonização
das normas componentes dos mercados37.
Como adverte DE LUCCA, “a conseqüência de um mercado comum
deveria ser a de que passaríamos a ter um ‘consumidor latino-americano’, com
direitos iguais nas relações de consumo estabelecidas em tal âmbito, e não mais
apenas um consumidor nacional de cada país, com atribuição de direitos
distintos”.38
As dificuldades práticas de implementação de uma situação jurídica
dessa envergadura são cristalinas. Primo, não há um sistema legislativo comum.
35 Salienta SÔNIA MARIA VIEIRA DE MELLO que apesar das legislações internas representarem significativos avanços é seria necessária“a harmonização destas legislações para que o consumidor regional do MERCOSUL tenha os mesmos direitos e proteções no âmbito das operações de consumo ocorridas no Mercado Comum, o que efetivamente só será possível com a criação de legislação harmonizada, com Tribunais Supranacionais competentes para agir nesta esfera com a devida legalidade e legitimidade”. Mais adiante, no entanto, ressalva que “a harmonização jurídica deve atentar-se para os princípios e objetivos básicos da integração econômica, garantindo perfeita e livre circulação de bnes, pessoas e capitais”, cf. O Direito do Consumidor na era da globalização: a descoberta da cidadania, cit., p.157.36 O Protocolo de Ouro Preto, em seu art. 34, declara o MERCOSUL com personalidade jurídica de direito internacional. Todavia, como alerta LEONIR BATISTI, não se trata de “entidade supranacional, mas sim intergovernamental”, cf. Direito do Consumidor para o MERCOSUL, cit., p.415.37 CLÁUDIA LIMA MARQUES, cf. Direitos do consumidor no MERCOSUL, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo : RT, vol.32, outubro/dezembro de 1999, p.21, propõe a solução dessa harmonização através da adoção de solução similar à da Comunidade Européia, ou seja, a harmonização fragmentada.38 Cf. Direito do consumidor – Aspectos práticos, cit., p.110.
Secundo, as diferenças na proteção do consumidor nos ordenamentos internos
são gritantes, praticamente impedindo uma uniformização da legislação
defensiva.
A título ilustrativo pode ser lembrado que a Lei de Defesa do
Consumidor da Argentina não incluiu expressamente no seu âmbito de alcance os
direitos básicos do consumidor previstos no CDC brasileiro (art. 6º).39
É preciso partir, então, da insuperável premissa de que a criação de
um sistema protetivo comum não se pode significar retrocesso em relação aos
avanços impostos e reconhecidos pelo Texto Constitucional de 1988, que se
constitui na mola propulsora do sistema jurídico nacional, e consolidados em
diploma legais posteriores (como o CDC).
Importa asseverar, nesta linha de intelecção, que apesar de
desejável a regulação do mercado comum (sul-americano e, até mesmo,
mundial), não poderá importar em adesão cega às regras oriundas do direito
comunitário. Estas devem obediência aos princípios constitucionais internos que
não podem ser subvertidos.
Com TEPEDINO, “a harmonização, com efeito, não poderá jamais
significar a recepção acrítica e servil às normas comunitárias, mormente quadno
estas contrariem a tábua axiológica que define a ordem pública interna”.40
De forma mais clara: não se pode querer liberar os mercados
comuns econômicos, quebrando barreiras para facilitar a circulação de produtos e
serviços, ampliando o fenômeno consumerista, sem o respeito às garantias de
proteção do consumidor (que constitui em última ratio verdadeira proteção da
39 Situação contrária se detecta na Europa, onde os ordenamentos jurídicos internos terminam tendo de ser alterados para incorporar as normas de proteção do consumidor oriundas da CEE. CLÁUDIA LIMA MARQUES, em excelente estudo comparativo, cf. Normas de Proteção do consumidor (especialmente, no comércio eletrônico) oriundas da União Européia e o exemplo de sua sistematização no Código Civil alemão de 1896 – Notícias sobre as profundas modificações no BGB para incluir a figura do consumidor, in Revista de Direito Privado, São Paulo : RT, vol.4, outubro/dezembro de 2000, p.50 e ss., aponta que enquanto a Itália optou por modificações pontuais em seu Codice Civile, a Alemanha não só modificou profundamente suas normas contratuais da parte especial do BGB, mas igualmente optou por incluir nele os conceitos de consumidor e fornecedor.40 Cf. Temas de Direito Civil, cit., p.264-5.
própria cidadania), reconhecidas constitucionalmente e disciplinadas na Lei
nº8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor.
6. Notas conclusivas.
A nova realidade social traz consigo o reconhecimento de novos
valores inspiradores do sistema jurídico, formando, efetivamente, um novo direito,
fundado em valores humanitários, reconhecidos constitucionalmente.
Impõe-se, assim, uma mudança de concepções jus-filosóficas. É
necessário que a cidadania seja a pedra de toque do sistema jurídico, devendo
ser exercida em sua plenitude, inclusive no que respeita à proteção do
consumidor.
Não podem, pois, nem mesmo as novas relações de mercado e a
formação de blocos comunitários violar as garantias básicas traçadas pelo
constituinte como nova tábua de valores do ordenamento jurídico brasileiro,
garantindo a cidadania como ponto de partida para a estruturação jurídica, social
e econômica do país.
Não que se deva descartar a formação de uma grande instituição
(agência) de defesa dos consumidores em grupos comunitários, como o próprio
MERCOSUL. Ao revés, é desejável até mesmo para maior aproveitamento das
potencialidades de cada país e facilitação da circulação de riquezas. Apenas
existem limites legislativos internos que não permitem diminuição ou negação da
proteção integral da dignidade do homem moderno.
Ademais, é fundamental repisar que se deve pretender a formação
de um verdadeiro sistema jurídico comum e não apenas normas específicas para
as relações de compra e venda. Espera-se, deste modo, numa eventual disciplina
normativa globalizada o advento de normas que transcendam o direito material
para tratar de questões de índole processual e, até mesmo, sobre a criação de
um Tribunal Comunitário (nos moldes da CEE), além de regular sistemas
extraprocessuais de solução rápida e ágil, como os juízos arbitrais41.
Certo é, via de conseqüência, que as regras protetivas da pessoa
humana – e dentro desse panorama do consumidor – não podem ser afastadas
nem mesmo através de processo de integração econômica.
É que os valores humanos se sobrepujam aos elementos
patrimoniais, devendo se lembrar que o Direito existe para o homem, incumbindo-
lhe, precipuamente, garantir sua proteção integral.
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