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“Lean” significa enxuto em inglês, mas, no dicionário empresarial, remete a uma filosofia nascida nas fábricas da Toyota dos anos 1950.Apoia-se em dois pilares: no kaizen, que é a filosofia de melhoria contínua para eliminar lacunas que vão dinamicamente surgindo na produção, e no empowerment dos operários de linha de montagem. Isso torna a empresa mais adaptável. Hoje, contudo, a complacência sabota esses pilares, assim como a incerteza e fenômenos do tipo “big data” vêm ampliando a complexidade gerencial. Por isso, o lean dissemina-se com mais força, invadindo novas fronteiras, como reporta este Dossiê, sejam outros setores de atividade, como serviços, sejam diferentes funções de uma empresa, como inovação, empreendedorismo, gestão e liderança.Tudo sem desperdícios, como a arte do pintor Piet Mondrian. 40 Próximas fronteiras do lean Estudo McKinsey (com Vicente Falconi e José Roberto Ferro) 48 Inovação e empreendedorismo lean Entrevista com Eric Ries 54 A gestão lean e o valor duradouro Por David Jacquemont dossiê LEAN

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“Lean” significa enxuto em inglês, mas, no dicionário empresarial, remete a uma filosofia nascida nas fábricas da Toyota dos anos 1950. Apoia-se em dois pilares: no kaizen, que é a filosofia de melhoria contínua para eliminar lacunas que vão dinamicamente surgindo na produção, e no empowerment dos operários de linha de montagem. Isso torna a empresa mais adaptável.

Hoje, contudo, a complacência sabota esses pilares, assim como a incerteza e fenômenos do tipo “big data” vêm ampliando a complexidade gerencial. Por isso, o lean dissemina-se com mais força, invadindo novas fronteiras, como reporta este Dossiê, sejam outros setores de atividade, como serviços, sejam diferentes funções de uma empresa, como inovação, empreendedorismo, gestão e liderança. Tudo sem desperdícios, como a arte do pintor Piet Mondrian.

40 Próximas fronteiras do leanEstudo McKinsey (com Vicente Falconi e José Roberto Ferro)

48 Inovação e empreendedorismo lean Entrevista com Eric Ries

54 A gestão lean e o valor duradouro Por David Jacquemont

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O estudo é de Ewan Duncan e Ron Ritter,respectivamente diretor do escritório da McKinsey em Seattle e diretor do escritório em Miami.

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HHá 50 anos, quase todo mundo na alta gestão acreditava que as operações industriais tinham chegado à perfeição. A grande inovação de Henry Ford, a linha de montagem, havia sido refinada ao longo das cinco décadas anteriores, servira como arsenal da democracia durante a Segunda Guer-ra Mundial e em meados dos anos 1960 operava com eficiência, em grande escala, em uma ampla gama de setores industriais mundo afora.

Silenciosamente, porém, em Nagoya, Japão, Taiichi Ohno e seus colegas engenheiros da To-yota estavam aperfeiçoando o que eles depois chamariam de “sistema de produção Toyota” e que hoje conhecemos como produção “lean” [en-xuta]. Inicialmente, o lean se disseminou mais no Ocidente por suas ferramentas, por exemplo: as reuniões “kaizen”, nas quais funcionários da li-nha de frente resolvem problemas espinhosos; o “kanban”, o sistema de cronograma para a pro-dução just-in-time; e o “andon cord”, o cordão que, quando puxado por outro funcionário, faz a linha de produção parar.

Em anos mais recentes, essa compreensão ini-cial –e, em geral, superficial– do lean evoluiu para uma apreciação mais rica do poder das disciplinas de gestão incluídas na filosofia: colocar os clien-

Próximas fronteiras do leanAS TécnIcAS De ProDução LeAn revoLucIonArAM A InDúSTrIA Por 50 AnoS. AvAnçoS eM TecnoLogIA, PSIcoLogIA e ProceSSAMenTo De DADoS PoDeM TornAr SeuS PróxIMoS 50 AnoS AInDA MAIS AnIMADoreS eM ToDAS AS áreAS, Por conTA Do enTenDIMenTo Do que oS conSuMIDoreS vALorIzAM

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tes em primeiro lugar ao realmente entender de que precisam e então atendê-los com eficiência; permitir aos funcionários que contribuam com todo o seu potencial; procurar constantemente melhores formas de trabalhar; e dar sentido ao trabalho ao conectar a estratégia da companhia e suas metas de maneira clara e coerente em toda a organização.

O sistema lean é uma das maiores ideias de ges-tão dos últimos 50 anos. Não menos importante do que a linha de montagem original de Ford, é claro, mas transformou o modo como as em-presas líderes pensam em produção –começando nas montadoras de veículos e em outros ambien-tes industriais e deslocando-se mais recentemen-te para serviços que vão de varejo e assistência à saúde a serviços financeiros e construção civil, tecnologia da informação e até área pública.

O sistema esgotou seu potencial? Acreditamos que não. Conforme os executivos seniores estão tendo mais contato com iniciativas lean e com-preendendo melhor seus princípios e disciplinas, mais tentam extrair valor dele.

As oportunidades disponíveis para isso são consideráveis e podemos citar algumas:

• Empresas líderes de serviços, como a Amazon, ampliam ainda mais o valor do lean em áreas que vão muito além da produção industrial.

• A solução de problemas sofisticados ainda na linha de frente fica cada dia mais possível, com-binando novas fontes poderosas de dados, o “big data”, com ferramentas analíticas.

• Empresas de ponta descobrem que o lean as ajuda com insights sobre eficiência energética.

• É possível trazer a opinião do consumidor mais diretamente às fábricas; a própria Toyota está fazendo isso, repensando a arte do possível em mudanças na linha de produção.

Em suma, é cada vez mais factível, e com mais precisão do que nunca, aprender o que real-mente é valorizado pelos consumidores, com novas tecnologias, novas ferramentas analíticas e novas formas de olhar para eles.

Como uma das principais restrições à capaci-dade de criar um sistema lean perfeito, em qual-quer ambiente operacional, sempre foi o desafio de entender seu valor para o consumidor, as im-plicações desse avanço são profundas.

Neste estudo, destacamos os avanços do lean que podem tornar possível traduzir o que os consumidores valorizam em melhorias adicio-nais e que ajudam a preencher as antigas lacu-nas de produção, marketing e desenvolvimento de produtos, setores que historicamente ocupa-vam silos separados.

fRontEiRas EstEnDiDas: o lEan E os sERviços

O exemplo mais gritante da evolução do lean tem a ver com sua aplicação a serviços, já que sua origem é industrial. Então, revisitamos arti-gos da McKinsey Quarterly em busca de princípios do lean aplicados a setores de serviços que têm características industriais, mas não o sabiam, e encontramos uma série de casos paradigmáticos:

Banco de varejo – 1998“como envolve um processo físico não muito diferente de uma linha de montagem, lidar com cheques de papel e boletos de cartão de crédi-to se presta muito bem a técnicas de produção

o sistema de produção da Toyota aperfeiçoou, e substituiu em muitos casos, a linha de montagem da Ford, na foto acima

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Como o lean elimina atrasosTempo de turnaround entre voos

MInuToS e SegunDoS Por PASSo PArA uMA AeronAve AIrbuS A320 De MéDIo PorTe, coM uM correDor cenTrAL

RETIRADA DE BAGAGENS

6:14 4:38 1:36Técnicas de lean: controles mais estritos de bagagem de mão, menos passageiros movendo-se pelo corredor para encontrar a mala

ESPERA PELA EQUIPE DE LIMPEZA SUBIR NA AERONAVE

0:24 0:18 0:06Técnica de lean: equipe de limpeza a postos com antecedência

LIMPEZA 11:48 9:40 2:08Técnicas de lean: work flow, timing e métodos padronizados, como produtos de limpeza em kits pré-organizados

ESPERA PELA TRANSMISSãO AO PORTãO PARA APROVAçãO DA TRIPULAçãO PARA EMBARcAR2

4:11 0 4:11Técnica de lean: sinal visual da tripulação para o agente quando o avião está pronto para embarque –por exemplo, luz piscando no alto da rampa

ESPERA PELO EMBARQUE DO PRIMEIRO PASSAGEIRO

4:06 0 4:06

Técnica de lean: gestão ativa dos compartimentos internos de bagagem pelos comissários de bordo

AcOMODAçãO DAS BAGAGENS 1:58 0:13 1:45

ESPERA PELA LISTA DE INfORMAçõES DOS PASSAGEIROS

0:57 0:09 0:48Técnica de lean: lista de informações de passageiros entregue por agente logo em seguida ao último a embarcar

fEchAMENTO DE PORTAS 1:39 0:43 0:56Técnica de lean: agente de prontidão na aeronave para fechar a porta2

TEMPO TOTAL 52:18 33:11 19:07incluindo passos iniciais2

1. Considera a aplicação rudimentar de técnicas de lean: reduções ainda maiores podem ser possíveis. 2. Tempo para os passos iniciais (conexão da rampa de embarque, abertura da porta da aeronave e espera pelos primeiros passageiros desembarcarem) não pode ser significativamente reduzido.

Técnica de lean: sinal visual da tripulação

MéDIA MELhOR PRáTIcA POTENcIAL DE REDUçãO1

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Também no brasil, o sistema lean vem despertando o interesse de novos setores de atividade além do industrial, como o de serviços, e de outros departamentos das empresas além da manufatura. compras, engenharia, comercial e logística são áreas que começam a adotar ferramentas lean para aprimorar seu funcionamento.

Falta ainda a liderança adotar a filosofia lean como parte da estratégia do negócio, contudo, e que esta seja, a partir daí, disseminada para toda a organização. essa é a opinião de José roberto Ferro, fundador e presidente do Lean Institute brasil, sem fins lucrativos. “Adotar técnicas e ferramentas que aumentam a produtividade é fácil. Difícil é mudar o estilo de liderança, mudando o foco para a agregação de valor e entendendo realmente o que é desperdício”, explica. em síntese, o lean prega que tudo o que o consumidor não reconhece como valor é desperdício, e a liderança ainda se recusa a pensar simples assim, na maioria dos casos, conforme Ferro.

o lean quase se opõe ao discurso da complexidade, na visão do Lean Institute brasil. “em vez de o líder preparar-se para comandar um negócio em um contexto de complexidade, ele deveria focar em reconhecer os fluxos de valor e estar a serviço das pessoas que desenvolvem os produtos e soluções, pensando sempre nas necessidades do cliente”, argumenta Ferro.

Ao que tudo indica, a realidade do pensamento enxuto no brasil não é muito diferente da de outros países, até mesmo dos estados unidos. “Das 100 maiores empresas industriais do País, 80 têm algum tipo de iniciativa lean –algumas em estágio mais avançado, outras em projetos piloto. As multinacionais costumam estar mais familiarizadas com o assunto, mas grandes empresas brasileiras, como votorantim cimentos, brFoods, Itaú e outras, também já começaram seu caminho”, diz Ferro.

no brASIL, o Foco ATuAL Do LeAn InSTITuTe é nA LIDerAnçA coM PenSAMenTo enxuTo

Por uma liderança lean

Financeiro Transporte Alimentação etc.

Liderança

Administração

compras

Desenvolvimento de produto

Logística

FábricaALcANcE

PROfUNDIDADE

A maioria dos setores de atividade do brasil também já deu seus primeiros passos, segundo ele. Até mesmo o setor de óleo e gás, atrasado nessa matéria, vem despertando para o lean. “Isso se deve ao fato de que a Petrobras começa a pressionar seus fornecedores para que sejam competitivos, com a exploração do pré-sal.”

no entanto, Ferro afirma que ainda há muito espaço de crescimento para os conceitos lean em setores e dentro de empresas [veja gráfico abaixo]. “nosso grande sonho é que as iniciativas lean cheguem aos governos, como aconteceu nas últimas eleições nos estados unidos, em que candidatos rivais do governo do estado de Washington tinham como plataforma ‘gastar menos e fazer mais’, que basicamente é a ideia do lean.”

Ferro integrou a pesquisa pioneira desenvolvida por James Warwick no Massachusetts Institute of Technology (MI) na década de 1980, que deu origem ao icônico livro A Máquina que Mudou o Mundo. A pesquisa identificou o papel da montadora japonesa Toyota na criação de um sistema produtivo eficiente e enxuto, o que ficaria então conhecido como sistema lean. com a repercussão causada pelo livro, Warwick fundou nos estados unidos o Lean Institute, em 1997, para disseminar o conceito, e, um ano depois, Ferro trouxe a ideia ao brasil, segundo país a implantar um instituto similar. Até hoje, mais de 380 empresas e cerca de 30 mil pessoas já participaram das atividades, eventos e processos de consultoria do instituto.

A evolução do pensamento lean passa por dois eixos: o alcance e o aprofundamento, respectivamente nos setores e na empresa.

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lean. e seu impacto pode ser drástico: quanto mais rápido um banco passa os cheques por seu sistema, mais cedo pode recuperar seus fundos e melhor é o retorno sobre o capital investido.” Devereaux A. Clifford, Anthony R. Go-land e John Hall, “First national Toyota”

Hospitais – 2001“obviamente, um hospital não é uma fá-brica de automóveis e as pessoas, especial-mente as doentes, são menos previsíveis do que autopeças. no entanto, hospitais, que geralmente têm estágios bem menos específicos com que se preocupar do que a maioria dos fabricantes, com frequência po-dem reduzir em boa medida sua variabilida-de.” Paul D. Mango e Louis A. Shapiro, “Hospitals get serious about operations”

Companhias aéreas – 2003“Aeronaves que valem uS$ 100 milhões ou mais ficam ociosas nos aeroportos rotineira-mente. o tempo médio entre os voos tipica-mente varia mais de 30%. As técnicas de lean reduzem horas a minutos com um novo pro-cesso.” Stephen J. Doig, Adam Howar e Ronald C. Ritter, “The hidden value in arline operations”

Restaurantes – 2005“Técnicas de lean tentam melhorar a qua-lidade de produtos e serviços e ao mesmo tempo reduzem os custos de lixo e mão de obra. Para operadores de serviços de alimen-tação, o truque adicional é unir essas melho-rias à lealdade do cliente.” John R. McPherson e Adrian V. Mitchell, “Lean cuisine”

Em anos mais recentes, observamos a apli-cação bem-sucedida do lean ao financiamen-to imobiliário na Índia, melhorias na expe-riência do cliente em um fundo de pensão na Colômbia, processamento melhor e mais rápido de pedidos de asilo político na Suécia e dinamização dos serviços corporativos de tecnologia nos Emirados Árabes Unidos.

Um grupo de empresas de

equipamentos aeroespaciais e industriais tem acesso direto à experiência dos

clientes com seus produtos por

meio de máquinas

o fatoR “Big Data”A adoção da filosofia lean por empresas

de serviços é, na verdade, resultado do alar-gamento de fronteiras. O que causou isso? Ao que tudo indica, o cada vez maior volu-me de informações sobre os consumidores [que permite saber o que eles consideram desperdício e eliminar isso]. Portanto, com o fenômento do big data, empresas tanto de serviços como de produtos tenderão a usar o lean; serão cada vez mais capazes de eli-minar desperdícios e atingir suas metas de longo prazo estabelecendo contato direta-mente com os consumidores durante o todo ciclo de relacionamento.

Um exemplo desse futuro já no presente são os pequenos sensores de dados que mo-nitoram equipamentos instalados em cam-po e dão às empresas ideias de como e onde os produtos são usados, como funcionam, as condições a que estão submetidos e como e por que quebram. Um grupo de empresas de equipamentos aeroespaciais e industriais começa a trabalhar com as informações ob-tidas por esses sensores, aprendendo –dire-

um grupo de empresas de

equipamentos aeroespaciais e industriais tem acesso

direto à experiência dos clientes com seus produtos

por meio de máquinas

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tamente com os clientes e a experiência deles com os produtos– sobre questões como a confiabilida-de de máquinas submarinas gigantes e equipa-mentos de mineração ou a eficiência de combus-tível de caminhões em diferentes climas.

O próximo passo será reconectar essas infor-mações com o design de produtos e o marke-ting –por exemplo, customizando variações em produtos voltadas para as condições ambientais exatas nas quais os consumidores as usam. Assim, elas apresentarão aos clientes necessidades não atendidas das quais eles nem têm consciência e eliminarão funções inúteis em produtos e serviços.

Aplicar técnicas de lean aos insights que sur-gem na interface entre mercado, desenvolvimen-to de produto e operações deve capacitar as em-presas a novos avanços para encantar seus clientes e aumentar a produtividade.

Importante: as informações sobre os consumi-dores não virão apenas de sensores e bancos de dados. A compreensão do que mobiliza as pes-soas aumenta drasticamente também com o uso da psicologia na operação do dia a dia.

A Disney, por exemplo, entendeu que os visi-tantes de alguns parques temáticos respondem de maneira distinta a estímulos emocionais em horá-rios diferentes do dia e aproveita essa informação com precisão. Se, pela manhã, seus funcionários são encorajados a se comunicar de maneira mais inspiradora (quando as famílias estão ansiosas para começar a se divertir), no fim da tarde, eles usam um estilo de comunicação mais calmo e atencioso (quando as crianças estão cansadas e os nervos ficam à flor da pele).

A integração dos insights psicológicos com a filosofia operacional permite à Disney eliminar outro tipo de desperdício: o comportamento do funcionário não desejado pelos clientes.

Também o analytics –as ferramentas analíticas que dão insights sobre mercado e consumidores– está criando uma visão bem próxima do tempo real daquilo que os consumidores valorizam.

É só o ComEço? A maior disseminação do lean por conta do big

data pode estar apenas começando. Conjuntos de dados mais bem integrados aos diferentes canais e

eliminar o inútil

lempresas inteligentes vão usar os dados para apresentar

aos clientes necessidades não atendidas das quais eles nem têm consciência e para eliminar desperdícios, como funcionalidades inúteis em

produtos e serviços

pontos de contato estão rapida-mente permitindo às empresas ter visões muito mais completas de todas as interações com os consumidores durante o per-curso de avaliar, comprar, con-sumir e buscar assistência para produtos e serviços.

Isso deve resultar em:

• Muito mais insights científicos sobre como os atributos de produtos e serviços propor-cionam valor ao consumidor.

• Novas formas de olhar para o que funciona melhor para as variáveis do lean clássico, co-

mo lead time, custo, qualidade, velocidade de resposta, flexi-bilidade e confiabilidade.

• Novas oportunidades para a solução de problemas entre funções para eliminar tudo o que se desvia do valor defini-do pelo consumidor.

Fica claro que o futuro do lean é estimulante. Suas fer-ramentas para eliminar des-perdícios e aumentar o valor entregue ao consumidor serão tremendamente alavancadas pelo big data, o que dará novo significado à máxima do lean: “aprender para ver”.

Segundo o consultor e professor vicente Falconi, ainda são poucas as empresas brasileiras que realmente precisam do método dinâmico do lean

hsm management

© McKinsey Quarterly Reproduzido com autorização. Todos os direitos reservados (www.mckinseyquarterly.com).

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no brasil, quando se pensa em gestão à moda japonesa e em PDcA (o método planejar-executar-verificar-agir, na sigla em inglês), pensa-se em vicente Falconi, um de nossos mais requisitados consultores de gestão. ele elogia a gestão japonesa e da Toyota de fato, mas não crê que a solução lean seja adequada para todos os casos, como alerta nesta entrevista a Hsm management.

Por que o sr. elogia a simplicidade japonesa? A simplicidade que aprendemos trabalhando com os

consultores japoneses (inclusive com técnicos da Toyota) por 15 anos no brasil e várias vezes no Japão baseia-se no reconhecimento de que as empresas são diferentes, estão em estágios diferentes de desenvolvimento gerencial, e que, portanto, devemos usar, para cada uma, somente aquilo que lhe é necessário. eu não devo ensinar cálculo diferencial para um aluno do ensino fundamental, certo?

Aprendemos com os japoneses que não adianta ficar dando muita aula ou fazendo apresentações, pois as pessoas da empresa aprendem é fazendo e constatando a utilidade do que estão fazendo pelos resultados alcançados. não adianta também ficar falando em modismos, pois a moda da vez pode ser um remédio desnecessário para muitas empresas, dependendo de seu estágio de desenvolvimento.

Simplicidade é saber usar o mais fácil e simples a cada passo. Até porque nós, seres humanos, aprendemos um pouco a cada dia, não muito; há limites para a capacidade de aprendizado.

nossas empresas precisam do simples? Sim. no brasil, como em qualquer país, temos empresas

em todo o espectro de desenvolvimento gerencial, desde empresas –e governos– na “idade da pedra” até empresas avançadas de sucesso global. ora, se um consultor vai trabalhar nessas empresas, tem de, antes, avaliar a situação e propor o método e o recurso ferramental certos. gerenciar é resolver problemas ou atingir metas, o que é o mesmo.

Para estabelecer metas, você precisa conhecer as lacunas (oportunidades de ganhos). As lacunas são determinadas de forma estática (mais fácil) ou dinâmica (mais difícil). você, na vasta maioria das vezes, pode determinar lacunas gigantescas de maneira estática somente por benchmarking interno –ou, quando muito, externo.

Agora, quando você tem uma empresa que já vem capturando essas lacunas há muito tempo e vai ficando difícil achar outras, aí, sim, utiliza o método dinâmico, que pode envolver até mesmo modelos matemáticos de processos complexos. o método dinâmico é o lean.

considero falta de conhecimento, ou maldade, usar expressões da moda sem falar a verdade com o cliente.

seus clientes adotam o lean? Digo que são pouquíssimas as empresas brasileiras que

precisam determinar suas lacunas pelo método dinâmico, onde originalmente foi usada a expressão “lean”. o que adotamos em todos os nossos clientes é a prática de levantar lacunas e estabelecer metas e planos de ação adequados. usamos recursos mais poderosos para levantar lacunas quando temos de usá-los.

Todas as empresas precisam conhecer suas lacunas e capturá-las. gerenciamento nada mais é do que levantar e preencher lacunas.

o fato de uma empresa como a amazon adotar a filosofia lean não é interessante?

não conheço a Amazon como consultor, somente como usuário. Pelo que vejo, parece-me uma excelente empresa em um país avançado e imagino que, realmente, deva precisar de métodos dinâmicos para levantar suas lacunas. o resto do que eles fazem é gestão convencional.

Acho que modismos como o nome “lean” dificultam o aprendizado. Devemos batalhar a gestão, que já não é fácil e da qual o País precisa tanto, de maneira consciente e usando sempre as mesmas palavras.

o ContraPonto de falconi

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A entrevista é dePaul Michelman,colaborador da revista strategy+business.

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Eric riEs foi pionEiro ao abrir Essas duas frontEiras para o pEnsamEnto Enxuto E vê quE isso gEra a nEcEssidadE dE transformar a gEstão, para quE usE a lógica do portfólio

EEric Ries está chegando aos 30 anos com um dos portfólios de negócios mais variados do Vale do Silício e como empreendedor--residente da Harvard Business School –lá suas ideias se tornaram a base de uma disciplina obrigatória no currículo do MBA. O que o levou a esse caminho? O lean. Cerca de três anos atrás, ele trans-portou, por meio de um livro, a filosofia lean para o mundo do empreendedorismo e da inovação. Se alguém estendeu as frontei-ras do conceito da Toyota de modo pioneiro, foi Ries, com ideias como a do “produto minimamente viável”, que se refere a criar produtos rapidamente (às vezes protótipos que mal funcionam) e colocá-los nas mãos dos consumidores para que estes identifiquem seu valor, evitando desperdícios.

Ries diz ter feito, com o lean, uma interessante descoberta: em-preendedorismo e inovação não se opõem à gestão como intui-tivamente alguns pensam; eles se complementam. “O que real-mente precisamos é de uma nova teoria geral da gestão”, diz ele, embora essas não sejam as palavras que se espera de um fanático do empreendedorismo.

aplicar princípios de um processo fabril de 60 anos poderia ter feito ferver o sangue de aspirantes a empreendedores inovadores. por que você usou o lean em startups?

Nossa sociedade faz filmes sobre empreendedores visionários bri-lhantes, mas uma startup é uma instituição humana, não a criação de um indivíduo heroico. É um sistema de indivíduos trabalhando juntos para atingir uma meta comum, como em uma linha de pro-dução. Empreender é, fundamentalmente, organizar pessoas para realizar algo; tudo o mais é efeito colateral.

inovação e empreendedorismo lean

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Saiba mais sobre Eric Ries

Quem é: investidor de venture capital (VC), blogueiro, escritor, consultor regular de outros empreendedores e empreendedor-residente da Harvard Business School. Trajetória: criou sua primeira startup na faculdade e a segunda, a There, aos 24 anos, em 2001, que fracassou. Em 2004, cofundou a IMVU. Em 2011, lançou The Lean Startup.Negócios: IMVU, uma arena de entretenimento social na qual as pessoas se comunicam e jogam, representadas por avatares em computação gráfica 3D; uma conferência anual sobre lean startup; e consultoria a companhias estabelecidas, como General Electric, Intuit etc.

deve-se aplicar uma gestão sem desperdícios a um con-texto resistente à gestão...

Eu não poria as coisas desse modo, porque quero que cha-memos para nós a palavra “ges-tão” e afastemos sua associação com burocracia e maneiras rí-gidas de pensar.

Eu diria que, como a incerte-za é cada vez maior em geral, e para startups em particular, precisamos mais do que nun-ca de gestão. Vemos a gestão [lean] dos processos industriais, mas ela também tem de ser aplicada à inovação, mesmo se for para causar ruptura.

você não está colocando um ca-bresto no empreendedor apai-xonado e soltando as rédeas da empresa estabelecida?

Já não fui bem-vindo em ne-nhuma dessas tribos. Para mui-tos empreendedores, se falo so-

tor sênior um exemplo de pro-cesso stage-gate que funcionou bem, ele cita um produto novo bem-sucedido que acabou de ser lançado. Então, quando en-trevisto a equipe de desenvolvi-mento de produto –estou sem-pre procurando novos estudos de caso–, a conversa é mais ou menos assim:

– Seguiram o stage-gate?– Claro que não.– O diretor acha que sim...– Bem, foi o que dissemos a

ele... Você é demitido se não preencher os quadrinhos. Nós estabelecemos um processo pa-ralelo para criar o produto, tra-balhando fora dos registros, e depois retroativamente aplica-mos o processo stage-gate para descrever o que aconteceu.

Na primeira vez em que ouvi isso, pensei: “Eles cometeram uma fraude e deviam ser de-mitidos”. No entanto, pelo que apurei, ninguém na empresa acha que o processo oficial fun-ciona; o trabalho real de desen-volver novos produtos e negó-cios ocorre na surdina.

Ou seja, há muita ineficiên-cia e desperdício na inovação da grande empresa, porque o pessoal faz essas manobras para fingir que segue a regra. Mas o que eles fazem é tentar encaixar um círculo em um quadrado.

quanto sua metodologia de inovação lean é diferente?

A diferença começa por al-guns princípios. Primeiro, os empreendedores estão em toda parte em que a incerteza está sendo enfrentada, não só em

bre gestão, pareço chato. Para muitos membros de organiza-ções tradicionais, se falo sobre empreendedorismo e inovação lean, pareço maluco. Mas gran-des empresas foram feitas por empreendedores um dia...

E, igualmente, os empreende-dores de hoje talvez sejam em-presas estabelecidas um dia... como deve ser o processo de inovação da grande empresa?

A maioria dessas empresas tem alguma versão do processo de desenvolvimento stage-gate [em fases] para novos produtos. É um processo linear, rigoroso, baseado em checklists, com uma série de decisões vai/não vai. E todas essas empresas já têm a experiência de lançar novos pro-dutos com sucesso, mesmo que não tão frequentemente.

Só que percebi um fenômeno estranho. Se eu peço a um dire-

Os processos stage-gate não são utilizados de verdade

para inovar na maioria das

empresas; eles são usados

para descrever a inovação. Isso é um fator de desperdício

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defeitos aceitos

pode-se testar um produto minimamente viável com dez ou cem pessoas; a experiência

mostra que quem realmente se interessar

por seus benefícios aceitará seus defeitos

uma garagem. Segundo, o empreendedorismo é um sistema de gestão. Terceiro, há a ideia de aprendizado validado.

o que é isso? O problema mais difícil do empreendedorismo

é que você não consegue saber se está progredin-do. Meu maior medo como empreendedor é ir dormir à noite inseguro do que realizei. Sei que gastei dinheiro, mantive muita gente ocupada, criei recursos e atingi metas. Mas, se estou cons-truindo algo que ninguém quer, eu deveria me or-gulhar de fazê-lo no prazo e no orçamento?

Para pessoas acostumadas a uma gestão “nor-mal”, essa é uma ideia estranha. Então, elas ten-tam usar as mesmas métricas do restante da or-ganização nas inovações, e o resultado são essas startups desimportantes. O plano de negócios diz que em tal data o produto será lançado e certo tempo depois haverá tal quantidade de clientes e tanta receita. Há sempre um belo apêndice com planilhas e gráficos, e estes mostram alguns meses de uma linha horizontal e depois uma reta ascen-dente radical.

Mas não é bem assim na vida real, é? Participei de startups em que lançamos nossos produtos e, apesar de seguirmos o plano rigorosamente, seis meses depois continuávamos na horizontal, quase sem clientes, sem receita. Estávamos no prazo, no orçamento, no cronograma, tínhamos feito tudo o que dissemos que faríamos. Levei um tempo pa-ra entender a questão fundamental: é impossível fazer previsão precisa em startup. A solução é o aprendizado validado.

Você tem de ir provando, passo por passo, que sabe como construir um negócio sustentável. E aí entra o conceito de produto minimamente viável. Em vez de construir um produto inteiro ao longo de muitos anos e despachá-lo todo de uma vez, você faz a versão experimental do produto mais simples que puder lançar, para obter feedback.

O aprendizado é a unidade de progresso do empreendedorismo, a métrica-chave. É mais importante do que ganhar dinheiro, conquistar clientes, desenvolver recursos ou criar qualidade técnica. Eu me refiro a aprender sobre o que cria valor e sobre o que cria desperdício.

mais detalhes, por favor...Na lean startup, partimos do

princípio de que não sabemos nada, nem quem é nosso con-sumidor; temos só uma hipóte-se. Nós a usamos para conduzir experimentos tão rapidamente quanto possível e fazê-los che-gar às mãos dos potenciais con-sumidores, com a meta de ma-ximizar o aprendizado e elimi-nar o desperdício.

O desperdício, no caso, é tu-do o que não ajuda a aprender.

E o produto?Nosso primeiro objetivo é

construir um produto minima-mente viável, ou seja, um pro-tótipo funcional que chegue às mãos dos potenciais clientes. Pulamos a pesquisa de merca-do tradicional e vamos direto para a venda, evitando os ca-nais de distribuição tradicio-nais. Nós mesmos vendemos, e apenas uma quantidade limita-da de peças –digamos, cem ou mesmo dez.

Só que não importa se é o produto de uma startup ou de uma P&G, importa? A chance de não funcionar da primeira vez é a mesma em ambas.

isso é como estar vendendo em uma feira de 1935...

Exato, é low-tech! Muitas pessoas não vão comprar um produto do qual não ouviram falar, mas aquelas com uma necessidade real atendida pelo produto aceitam comprar com defeitos na embalagem, no de-sign e na usabilidade, porque desejam muito os benefícios. Nesse experimento, aprende-mos quais consumidores valo-rizam o produto e esperamos saber por quê. Também apren-demos o que os consumidores estão dispostos a pagar. E co-meçamos a aprender como dis-tribuir. Assim, podemos tomar decisões com conhecimento.

isso não é só uma mudança na prática atual de desenvolvi-mento de produto, é?

Não, muda a relação das pessoas com o aprendizado, o modo como assumem respon-sabilidades. Aprender ainda é um tabu na maioria das empre-sas: se tem de aprender algo, você fracassou naquilo que se propôs fazer, é um gestor ruim.

como o diretor-financeiro mede o progresso do em-preendimento?

Adoro fazer piada com di-retores-financeiros que cance-lam projetos promissores pou-co antes de eles se pagarem. Isso ocorre porque as métricas

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como assim?Você não poria um sujeito

que administra ações à fren-te de um fundo de renda fixa, certo? E vice-versa. Da mesma forma, seus funcionários em-preendedores de alto impacto –alto risco e alta recompensa– precisam ser gerenciados de maneira distinta da aplicada aos executivos convencionais, com um conjunto de métricas e um sistema diferentes.

Só que, se em finanças títulos de renda variável nunca se tor-narão títulos de renda fixa, pro-dutos empreendedores bem--sucedidos podem se tornar produtos estabelecidos. Então, na gestão antiga, as pessoas que lançam um produto tendem a migrar com ele. Isso provo-ca muitos problemas, porque as habilidades que tornam os empreendedores eficazes não necessariamente criam gestores eficazes das operações normais.

lei de peter...Acredito que uma nova teo-

ria geral da gestão já esteja surgindo. Ela tem de ajudar as

de contabilidade tradicionais –lucratividade, retorno sobre o investimento ou o patrimô-nio– mostram zero nos está-gios iniciais mesmo que você seja o próximo Twitter. Não é culpa do diretor-financeiro; é culpa do paradigma. Como alguém pode ter paciência para investir por anos ou dé-cadas se seu ROI nesse perío-do será negativo?

Se medíssemos o progres-so de outro modo, seria pos-sível sustentar essa aposta. A lean startup é nossa forma de quantificar o aprendizado validado, para aprender obje-tivamente quem está progre-dindo e quem não está. É a ação de curto prazo com visão de longo prazo.

você propõe a lean startup como métrica, certo? como usar essa abordagem em uma organização global?

Primeiro, precisamos de uma nova teoria geral da ges-tão. Ela reconheceria que o que costumamos chamar de administração e o que temos chamado de gestão empreen-dedora são casos específicos.

Uma nova teoria geral abrangeria ambas as formas de gestão, que as empresas contemporâneas deveriam seguir. Considero isso um im-perativo existencial, porque, se uma empresa não é ino-vadora, será substituída por uma que é.

Acho que a gestão contem-porânea vai ser muito pareci-da com a gestão de portfólio de investimentos.

Entre os pontos que uma nova

teoria geral da gestão precisa abordar

está como incorporar

experiências na estratégia central de

uma empresa

DEIxE qUE AS EqUIPES SE AUTO- -ORGANIzEM EM TORNO DE UMA NOVA fORMA DE

CRIAR NEGóCIOS”

pessoas a entender quatro coi-sas: (1) como ter uma ideia, co-mo começar e como gerenciar as pessoas que atuam bem nisso; (2) como incorporar experiên-cias em sua estratégia central; (3) como medir uma coisa nova que foi bem-sucedida em suas operações gerais e transformar isso em um produto maduro; (4) como gerenciar o fim da vida de um produto, em que terceirizar e reduzir custos.

você muda o modo como as pessoas assumem responsabili-dade, muda as métricas, e a cul-tura corporativa não muda?

Sim! Deixe que as equipes se auto-organizem em torno dessa nova forma de criar negócios, e elas produzirão uma cultura mais inovadora. Você não tem de mudar a cultura toda, só re-conhecer que a cultura se mani-festa de maneiras diferentes em diferentes partes do portfólio. Já é uma enorme mudança.

hsm management

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A AplicAção dos princípios leAn à gestão, por meio de quAtro disciplinAs, AjudA grAndes orgAnizAções A repensAr suA formA de trAbAlho, A criAr vAlor e A ser mAis AdAptáveis, como AfirmA o especiAlistA dAvid jAcquemont

A gestão leAn e o valor duradouro

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O estudo é deDavid Jacquemont,consultor da McKinsey sediado na França.

dossiê

EEm uma instituição financeira, os executi-vos precisam combater a complacência ao verem a concorrência ameaçar seu produto mais importante, aquele que sempre foi o carro-chefe. Como conseguirão isso?

Uma companhia de logística, por sua vez, vê seu lucro cair depois de anos de cortes de custos. Os gerentes de vendas agora conso-mem boa parte da receita em terceirização. Reter talentos e manter a qualidade signifi-cam que os locais de “baixo custo” já não são de tão baixo custo assim. E só atualizar tecnologia da informação já representa uma luta orçamentária constante. Como essa companhia pode tirar mais proveito de seu esforço de redução de custos?

Uma agência do governo tem demandas mais elevadas do que nunca, mas seu orça-mento é fixo e ela recentemente impôs um congelamento nas contratações. É preciso controlar o fluxo de oferta e demanda e, ao mesmo tempo, os padrões de qualidade têm de ser mantidos sem sobrecarregar os funcio-nários altamente treinados. Como essa agên-cia pode fazer isso?

Com que frequência você en-frenta problemas similares a esses três e se faz as mesmas pergun-tas? Com que frequência você ouve falar desses problemas?

as razões Essas perguntas desafiam o

funcionamento das grandes or-ganizações atualmente, mas são quase tão antigas quanto a pró-pria gestão. Só que vêm surgin-do com cada vez mais constân-cia e força. Por quê?

A primeira razão é o au-mento generalizado do senso de urgência e, como as grandes organizações já reconhecem, as pressões enfrentadas nesse sen-tido dificilmente diminuirão em curto prazo, independentemen-te da localização ou setor.

Em mercados maduros, a urgência tem a ver com cresci-mento lento, encargos de dívida prolongados e envelhecimento da mão de obra.

Em países de crescimento rápido, a urgência remete à

expansão e à urbanização ace-leradas, que superam a capaci-dade da infraestrutura local e esgotam os bancos de talentos.

Em todo lugar, as incompa-tibilidades entre as habilidades dos funcionários e os postos dis-poníveis estão crescendo, mes-mo quando o desemprego atin-ge novos picos, especialmente entre os mais jovens –e profissio-nais que encontram empregos relatam alto nível de estresse e baixo comprometimento.

Para enfrentar tudo isso, as empresas precisam de uma nova capacitação e de mais energia, coisas que estão em falta, absor-vidas pela complexidade interna.

Assim, embora as questões práticas possam ser diferentes nos casos relatados, os temas es-senciais são os mesmos: as orga-nizações têm de repensar sua for-ma de trabalho para que a escala mais uma vez se torne um ativo e não um passivo.

E isso precisa vir de dentro, porque as condições externas –as

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marés de crescimento econômico que anteriormen-te ergueram muitos barcos, sem levar em considera-ção se eles remariam bem ou mal– provavelmente não voltarão tão cedo.

A segunda razão para as questões é que algu-mas companhias estão se transformando de fato, encontrando novos valores, tornando-se mais re-silientes, eficazes e eficientes a fim de continuar se fortalecendo ao longo do tempo. Essas organiza-ções alcançam um estado que é tão valioso quan-to raro: o da melhoria contínua. Seu desempenho melhora no curto e no longo prazos, enquanto o pessoal técnico gera uma nova cultura, centrada em encontrar formas de fazer as coisas de modo melhor. E os líderes de outras organizações as ad-miram (e invejam).

Entretanto, esses líderes também sabem que imi-tar as melhores práticas das organizações admira-das raramente é um meio confiável para replicar seu sucesso. Não basta tomar emprestado um checklist.

Então, esses líderes se torturam com a pergunta: o que torna essas empresas excepcionais tão excepcio-nais e o que as mantém assim?

Quatro Disciplinas Da empresa lean, aDaptável

No trabalho da McKinsey & Co. com grandes companhias, percebemos que as mais admiráveis pro-curam executar excepcionalmente bem quatro disci-plinas de gestão essenciais. Todas as organizações já seguem essas disciplinas de uma forma ou outra, mas, quando os líderes projetam sistemas que as reforçam de maneira efetiva, as disciplinas se reforçam mutua-mente para criar exatamente o que o pensamento lean prevê: uma empresa adaptável, que gera o maior valor possível para todos os stakeholders por meio de todos os recursos que podem ser mobilizados.

Essas disciplinas também se correlacionam com habilidades e formas de trabalho tangíveis, que pessoas e organizações podem aprender. Quanto mais a companhia aprender sobre as quatro disci-plinas, a nosso ver, mais conseguirá realizar e mais rápido aprenderá e se aperfeiçoará.

1. Entregar valor de maneira eficiente ao clien-te. A empresa precisa começar entendendo o que os consumidores realmente valorizam –e também

onde, quando, como e por quê. Ela tem de ajustar seu funcio-namento para conseguir entre-gar exatamente esse valor, nem mais nem menos, com a menor quantidade de recursos possí-vel, melhorando a coordena-ção, eliminando a redundância e construindo qualidade em cada processo. O ciclo de ouvir e res-ponder nunca acaba, assim como as crescentes necessidades dos consumidores revelam novas oportunidades de cortar gastos, gerar novos valores e construir vantagem competitiva.

2. Capacitar as pessoas para li-derar e contribuir com todo o seu potencial. As organizações que extraem o máximo de seus

profissionais oferecem a eles mecanismos de apoio para que possam realmente dominar seu trabalho, tanto na linha de fren-te como na diretoria. Um espa-ço físico renovado estimula a colaboração; técnicas de geren-ciamento visual fazem com que todos vejam o que é necessário ser feito; treinamento direciona-do constrói habilidades; e recur-sos informativos à disposição de todos reforçam padrões. Essas e outras mudanças permitem que os funcionários assumam o pró-prio desenvolvimento, sem que precisem entender sozinhos tu-do o que devem fazer.

3. Descobrir melhores for-mas de trabalhar. Conforme os

4 disciplinas integradaselAs se reforçAm mutuAmente pArA criAr A empresA AdAptável e que gerA o mAior vAlor possível previsto pelo leAn

conectar estratégias,

metas e propósito significativo

Descobrir melhores formas

De trabalhar

entregar valor

De maneira eficiente ao

cliente

capacitar as pessoas para

liDerar e contribuir com toDo o seu

potencial

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dossiê

Marv Adams é diretor de operações da TD Ameritrade, uma das maiores corretoras de valores dos Estados Unidos, de atuação varejista e muito forte online, que administra mais de US$ 524 bilhões em contas de clientes, executando uma média de quase 400 mil operações por dia.

A Ameritrade pratica a gestão lean em suas operações e, nesta entrevista, Adams fala sobre como isso não só aumentou a receita, como melhorou a motivação dos mais de 3 mil funcionários.

por que vocês adotaram a gestão lean? No início, nosso CEO simplesmente queria que a

organização fosse melhor. Ele evitava falar em “ser o melhor”, para não estabelecer um limite ao que a organização poderia virar, e dizia “melhorar”. Era a ideia de melhoria contínua, e esta o conduziu até o conceito de gestão lean. Nosso CEO também reconheceu que os desafios persistentes da área financeira provavelmente não mudariam sem uma intervenção grande. Ele queria reduzir custos, mas sem mutilar a empresa.

por onde vocês começaram?Começamos com várias linhas-chave, como a

abertura de novas contas de varejo, os call centers, a construção do relacionamento com o cliente e os serviço de corretagem compartilhados.

A escala proporcionou melhorias que tiveram um efeito substancial na organização, tanto financeira como psicologicamente. Por exemplo, a abertura de novas contas podia ser frustrante para os clientes, porque envolve várias funções com exigências importantes

de compliance. Nossas melhorias foram muito visíveis para os clientes. Eu estimaria que cerca de metade dos benefícios registrados veio de redução de custos com melhorias de produtividade e eficiência. Porém a outra metade veio do crescimento de receita, como clientes abrindo novas contas e call centers perseguindo mais qualidade, e isso é o mais importante no longo prazo.

Mais importante ainda é que, ao mudar a forma como 3 mil pessoas trabalham em todas as nossas filiais, nossa transformação elevou o nível de engajamento dos funcionários a um novo patamar. Nosso parceiro de pesquisa nos diz que estamos agora entre as empresas de melhor desempenho de todas as de serviços financeiros [nos EUA]. É isso o que torna possíveis melhorias futuras.

como foi a comunicação do lean? A mudança mais importante foi que a comunicação

se tornou mais de baixo para cima. As pessoas estão reportando suas conquistas à sede, postando em nossas newsletters online. As métricas mais importantes melhoraram –satisfação do cliente, taxas de erro, controles, até receita. Alguns de nossos clientes institucionais até estão nos perguntando como a gestão lean pode ajudá-los em seus negócios.

Quais os próximos passos?Começamos a implantar o sistema na área de

tecnologia da informação. Esperamos poder liberar cerca de 30% de nossa capacidade de desenvolvimento de soluções e de infraestrutura com isso, mas ainda não decidimos em que vamos reinvestir essa capacidade.

o cAse dA corretora

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consumidores, a concorrência e o contexto eco-nômico e social mais amplo mudam, a empresa toda deve pensar continuamente sobre como as formas de trabalho e gerenciamento do presente podem melhorar. Para guiar a pesquisa, as pessoas vão precisar de uma noção clara do que significa “melhor” –o ideal que a organização está buscan-do–, assim como de uma visão sem retoques das condições atuais e da capacidade de trabalhar com outros para preencher lacunas sem medo de re-presálias. A identificação de problemas e soluções deve se tornar atribuição de todos, apoiada em es-truturas que garantam que os problemas cheguem às pessoas mais aptas a solucioná-los.

4. Conectar estratégias, metas e propósito signi-ficativo. É o que fazem as organizações que se obri-gam a manter uma direção clara –uma visão dos

objetivos da empresa, que, por sua vez, molda suas estratégias e objetivos de modo a dar senti-do ao trabalho diário. Em todos os níveis, começando pelo CEO, os líderes articulam a estratégia e os objetivos de maneira que seu pessoal possa compreender e amparar. O passo final alinha metas individuais à estratégia e à visão, e o resultado é que as pes-soas entendem completamente seu papel na organização e por que isso importa.

As quatro disciplinas se apoiam. Por exemplo, para de-senvolver novos produtos que ofereçam maior valor aos con-sumidores, a instituição finan-ceira citada no começo do texto vai precisar convencer seus fun-cionários de que suas ideias im-portam, encorajá-los a encontrar novos modos de responder aos clientes e esclarecer os propósitos da companhia.

Para ajudar seu pessoal a admi-nistrar o aumento de demandas, a agência do governo terá de ava-liar o que interessa aos eleitores, reavaliar como o trabalho é feito e certificar-se de que sua estraté-gia é coerente com sua missão.

Ainda que o foco de uma orga-nização possa, naturalmente, en-fatizar diferentes disciplinas em momentos distintos, ela vai preci-sar das quatro para se manter em renovação. Juntas, elas formam a gestão lean.

Em 2011, o McKinsey Global Institute estimou que, para o crescimento do PIB dos Estados Unidos corresponder ao aumento do padrão de vida ao qual os norte-americanos estão acostumados, a produtividade do país teria de aumentar 34%, índice não registrado desde a década de 1960.

Um ano depois, um estudo separado sugeriu que o envelhecimento rápido de economias avançadas, como Alemanha e Japão, enfrenta um desafio ainda mais desencorajador: esses países vão precisar aumentar o ritmo de seus ganhos de produtividade em cerca de 60% a fim de atingir um crescimento histórico do PIB.

Ocorre que a rotina e o trabalho de execução orientada, que historicamente geraram empregos para 10 milhões de pessoas menos educadas, vão desaparecer. Em 2020, as economias avançadas vão encarar um excesso de 32 milhões a 35 milhões de profissionais somente com educação secundária e um déficit de 16 milhões a 18 milhões de colegas com curso superior. As organizações precisarão, então, aprender como aumentar sua produtividade a despeito da escassez de pessoas altamente capacitadas –e esse é o tipo de restrição que a filosofia de gestão enxuta contorna.

o leAn e o ApAgão de mão de obraA gestão enxutA pode AjudAr A contornAr A escAssez de tAlentos, AumentAndo A produtividAde de cAdA um

hsm management

© McKinsey QuarterlyReproduzido com autorização. Todos os direitos reservados. (www.mckinsey.com)

é olíder!

lO que torna as organizações excepcionais são quatro

disciplinas da gestão enxuta, que estão presentes em

quase todas as empresas, mas geralmente não são muito reforçadas pela liderança

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LIVROS PAPERS ACADÊMICOS VÍDEOS nA IMPREnSA

• Taiichi Ohno. O Sistema Toyota de Produção: Além da Produção em Larga Escala. Ed. Bookman, 2011.

Escrito pelo “pai” do sistema lean, mostra quais foram os problemas detectados por ele na indústria automobilística e suas soluções para eliminá-los. Também conta um pouco qual o contexto histórico que levou à criação do lean e como as mudanças foram sendo implementadas.

• Shimokawa Koichi e Takahiro Fujimoto. O Nascimento do Lean. Ed. Bookman, 2011.

Descreve a evolução de ideias que culminou com a criação do processo lean. Por meio de entrevistas, o leitor conhece os inovadores e seu papel na criação desse sistema.

• Joe Murli. Trabalho padrão do líder: uma das chaves para sustentar os ganhos de desempenho. hsm.link/?xrdCqfx.

O artigo mostra quais competências um líder deve ter para potencializar os ganhos em um sistema de pensamento enxuto e evitar desperdícios. Lean Institute Brasil.

• Luiz Henrique Pantaleão. Avaliação da aprendizagem organizacional a respeito do sistema Toyota de produção/lean production system em empresas brasileiras: uma proposição metodológica. hsm.link/?rm9zlar.

O objetivo do artigo é desenvolver uma metodologia para mensurar quanto as empresas de fato aprendem quando implantam o método do lean thinking.

• Jacob Isaac-Lowry. Lean Philosophy Section 01: Introduction to Lean Thinking.hsm.link/?sn0ymbs.

O engenheiro mecânico Jacob Isaac-Lowry faz uma série de vídeos explicando de maneira simples como funciona o sistema lean. Nesse vídeo, ele explora especialmente os principais conceitos. Os outros podem ser encontrados em: hsm.link/?upbAodu.• Steve Bell. Systems Thinking: Can We Change the World?. hsm.link/?pk7vj9p.

Steve Bell, criador da Lean4NGO, mostra como o lean thinking pode auxiliar na superação de problemas sociais como a pobreza.

• Michael Ballé e Daniel Jones. The 5 biggest mistakes managers make that hinder a lean startup. Fast Company. hsm.link/?PKxVJyP.

A reportagem mostra os cinco grandes erros que as lean startups cometem, entre eles focar demais o custo.

• Kelly K. Spors. Manufacturer thinks ‘lean’ to cut waste, boost efficiency. Entrepreneur.hsm.link/?ytfEshy.

A reportagem faz parte de uma série de estudos de caso publicados pela revista norte-americana Entrepreneur.

Inglês

Português

Todos os links citados foram acessados em 28 de março de 2014.

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Mergulhe no teMa:

estudiosos do assunto no Brasil: idioMas:José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute Brasil

Alberto Wunderler Ramos, coordenador dos cursos sobre lean da Fundação Vanzolini, de São Paulo

Flavio Augusto Picchi, professor da Unicamp e membro do Lean Institute

Comece hoje: O especialista em lean John Shook sugere responder à pergunta “Que problema situacional temos de enfrentar?” e, depois, mais quatro questões: “De que comportamento de liderança e sistema de gestão precisamos para isso?”, “Qual é nossa cultura?”, “Como melhorar o trabalho?”, “Como desenvolver as pessoas?”. Essas respostas devem ser relacionadas umas com as outras. Mais na frente, haverá o PDCA.