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26 ESPECIAL extra.globo.com Domingo, 29 de março de 2015 B As marcas de bala no muro do condomínio Vista Alegre, no bairro Mundel, em São Gonça- lo, não deixam dúvidas: a área é conflagrada. Moradores lem- bram bem da época em que os tiros atingiram o conjunto, maio de 2014 — um mês após a inauguração, com a presença da presidente Dilma Rousseff. — Quem fez isso foi o tráfi- co, dois homens numa moto. Ficaram insatisfeitos com um grupo de moradores que esta- va montando uma milícia e fa- zendo serviço de segurança — explica um morador. A disputa durou pouco. Se- gundo agentes da 74ª DP (Alcântara), após expulsarem pelo menos dois moradores, tra- ficantes se instalaram em apar- tamentos e, hoje, vendem dro- gas no condomínio. Em novem- bro do ano passado, Patrick de Oliveira Rocha, de 20 anos, foi preso quando entrava no con- junto. Ele tinha um mandado de prisão por tráfico e era aponta- do como chefe da quadrilha que atua no local. Quando foi deti- do, Patrick tentou subornar os policiais com mil reais. Hoje, graças a uma decisão da Justiça, ele está de volta às ruas. s t Prisão dentro do condomínio ..................................................................................... AMANHÃ Para especialistas, estado repete velhos erros. RADIOGRAFIA DOS CONJUNTOS Fontes: Caixa Econômica Federal, Disque-Denúncia, Ministério das Cidades, Ministério Público do Rio, Polícia Civil e Secretaria municipal de Habitação Legenda Disque-Denúncia Denúncias à Secretaria Municipal de Habitação Relatos de moradores ouvidos pelo EXTRA Paciência 1.225 R$ 62.473.474 Julho de 2012 3 Residenciais Zaragoza, Sevilha e Toledo BAIRRO PROBLEMAS APARTAMENTOS FAMÍLIAS CUSTO DA OBRA INAUGURAÇÃO CONDOMÍNIOS 1.225 R$ 19.584.000 Abril de 2013 1 Vivendas Recanto da Natureza BAIRRO PROBLEMAS APARTAMENTOS FAMÍLIAS CUSTO DA OBRA INAUGURAÇÃO CONDOMÍNIOS 384 383 Campo Grande Campo Grande R$ 9.060.446 Dezembro de 2010 1 Condomínio Oiti BAIRRO PROBLEMAS APARTAMENTOS FAMÍLIAS CUSTO DA OBRA INAUGURAÇÃO CONDOMÍNIOS 178 162 M M M M M M M M Mi i i i i i i i i i i i il l l l l l l l l l l lí í í í í í í íc c c c c c c c c c c c c c c c ci i i i i i i i i i i i i i i i i ia a a a a a a a a a a a a a a a a a M M M M M M M Mi i i i i i i i i il l l l l l l l l l l lí í í í í í í í í í í í íc c c c c c c c c c c ci i i i i i i i i i i ia a a a a a a a a a a a a a Tráfico e milícia disputam espaço à bala em conjuntos de São Gonçalo e da Baixada 18h de 10 de março deste ano. Um ônibus escolar estaciona na entrada do Parque Valdariosa 2, empreendimento do “Minha casa, minha vida” em Queima- dos, na Baixada Fluminense. Enquanto as crianças saem em direção ao parquinho, o grito preocupado das mães, cha- mando os filhos para dentro de casa, abafa o som dos risos dos pequenos: dois meses antes, dois jovens haviam sido assassinados na área de re- creação. No oitavo capítu- lo da série “Minha casa, minha sina”, o EXTRA mostra que, além de es- tar presente em todos os 64 condomínios do Rio, o crime organizado também disputa espaço à bala em condomínios da Baixada e de São Gonçalo. Em 18 de janeiro, dois ho- mens saltaram de um Gol branco na porta do condomí- nio e atiraram contra Romário Guilherme Gonçalves da Cos- ta, de 20 anos, e Jefferson Monte da Silva, de 18. Romá- rio morreu na hora. Jefferson foi levado para a UPA de Quei- mados, mas não resistiu aos ferimentos. Um menino de 4 o “A casa dá duas coisas que eu acho importantes: dignidade e tranquilidade” Presidente Dilma Rousseff Na inauguração do condomínio Vista Alegre, em São Gonçalo “Da última vez que uma moradora foi expulsa, Incendiaram todos os móveis da casa dela” Luiz (nome fictício) Morador do condomínio Vista Alegre FALTA DE SEGURANÇA Um estudo feito por três organizações de pesquisa — o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o Metrópole Projetos Urbanos (MUP) e o Instituto Brasileiro de Análise e Planejamento (Ibase) — com 700 moradores do Parque Valdariosa revelou que, no ranking de problemas do condomínio, o mais citado é a falta de segurança pública. Ao todo, 37% dos entrevistados lembraram da insegurança. GRUPOS CRIMINOSOS Já 63% das pessoas ouvidas afirmaram que não se sentem seguras ao circular pelo conjunto de dia ou à noite. Perguntados sobre os motivos da falta de segurança, 20% dos moradores disseram que já viram grupos criminosos circulando pelo Valdariosa. Sobre a presença do tráfico dentro do condomínio, 39% dos entrevistados afirmaram já ter visto a venda de drogas no local. ARMAS DE FOGO Além disso, 16% dos moradores afirmam que já viram pessoas que não eram policiais circulando com armas de fogo pelo condomínio. O relatório conclui que “a ausência tanto de uma institucionalidade local quanto do poder público no Valdariosa leva a um vazio político no território, preenchido por grupos clandestinos ou ilegais como milícias, quadrilhas de traficantes e outros”. CRIMINALIDADE EM NÚMEROS anos que brincava no parqui- nho foi baleado de raspão. As mortes são o ápice de uma guerra entre traficantes e milici- anos pelo controle do condomí- nio. Em depoimento à Divisão de Homicídios da Baixada Flu- minense (DHBF), uma teste- munha contou que Romário costumava “praticar roubos” no local. Moradores ouvidos pelo EXTRA afirmaram que os para- militares estariam contrariados com a venda de drogas. A presença dos dois gru- pos no con- junto é de co- nhecimento das autorida- des. A 55ª DP (Queimados) tem dois inquéri- tos diferentes para investigar tráfico e milícia no local. Um deles foi aberto a partir de de- núncias enviadas ao Ministério Público, que relatavam a práti- ca de “agiotagem e pagamento de propina” por parte de PMs do 24º BPM (Queimados). O outro investiga o transporte de drogas por mototaxistas para dentro do condomínio. — É difícil viver com a violên- cia à sua porta. Não consegui suportar — conta uma mulher que decidiu abandonar o con- junto no fim do ano passado. É difícil ter a violência à su a porta. Não deu para suportar” REPRODUÇÃO FOTOS DE RAFAEL SOARES A área de recreação do Parque Valdariosa, em Queimados: local foi palco de dois homicídios A marca de bala no Vista Alegre e Patrick: preso e depois solto

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Page 1: Domingo, 29 de março de 2015 · 26 〉 ESPECIAL extra.globo.com Domingo, 29 de março de 2015 B As marcas de bala no muro do condomínio Vista Alegre, no bairro Mundel, em São Gonça-lo,

26 ⟩ ESPECIAL extra.globo.com Domingo, 29 de março de 2015

B As marcas de bala no muro docondomínio Vista Alegre, nobairro Mundel, em São Gonça-lo, não deixam dúvidas: a áreaé conflagrada. Moradores lem-bram bem da época em que ostiros atingiram o conjunto,maio de 2014 — um mês após ainauguração, com a presençada presidente Dilma Rousseff.

— Quem fez isso foi o tráfi-co, dois homens numa moto.Ficaram insatisfeitos com um

grupo de moradores que esta-va montando uma milícia e fa-zendo serviço de segurança —explica um morador.

A disputa durou pouco. Se-gundo agentes da 74ª DP(Alcântara), após expulsarempelo menos dois moradores, tra-ficantes se instalaram em apar-tamentos e, hoje, vendem dro-gas no condomínio. Em novem-bro do ano passado, Patrick deOliveira Rocha, de 20 anos, foi

preso quando entrava no con-junto. Ele tinha um mandado deprisão por tráfico e era aponta-do como chefe da quadrilha queatua no local. Quando foi deti-do, Patrick tentou subornar ospoliciais com mil reais. Hoje,graças a uma decisão da Justiça,ele está de volta às ruas. s

t

Prisão dentro do condomínio

.....................................................................................

AMANHÃPara especialistas, estadorepete velhos erros.

RADIOGRAFIA DOS CONJUNTOS

Fontes: Caixa Econômica Federal, Disque-Denúncia, Ministério das Cidades, Ministério Público do Rio, Polícia Civil e Secretaria municipal de Habitação

Legenda

Disque-Denúncia Denúncias à SecretariaMunicipal de Habitação

Relatos de moradoresouvidos pelo EXTRA

Paciência

1.225

R$ 62.473.474

Julho de 20123

Residenciais Zaragoza, Sevilha e ToledoBAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOSFAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

1.225

R$ 19.584.000Abril de 2013

1

Vivendas Recanto da NaturezaBAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOSFAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

384383

Campo Grande

Campo Grande

R$ 9.060.446

Dezembro de 2010

1

Condomínio Oiti

BAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOS

FAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

178162

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Tráfico e milícia disputamespaço à bala em conjuntosde São Gonçalo e da Baixada

18h de 10 demarço deste ano.

Um ônibus escolar estaciona naentrada do Parque Valdariosa2, empreendimento do “Minhacasa, minha vida” em Queima-dos, na Baixada Fluminense.Enquanto as crianças saem emdireção ao parquinho, o gritopreocupado das mães, cha-mando os filhos para dentro decasa, abafa o som dos risos dospequenos: dois meses antes,dois jovenshaviam sidoassassinadosna área de re-creação. Nooitavo capítu-lo da série“Minha casa,minha sina”, oEXTRA mostra que, além de es-tar presente em todos os 64condomínios do Rio, o crimeorganizado também disputaespaço à bala em condomíniosda Baixada e de São Gonçalo.

Em 18 de janeiro, dois ho-mens saltaram de um Golbranco na porta do condomí-nio e atiraram contra RomárioGuilherme Gonçalves da Cos-ta, de 20 anos, e JeffersonMonte da Silva, de 18. Romá-rio morreu na hora. Jeffersonfoi levado para a UPA de Quei-mados, mas não resistiu aosferimentos. Um menino de 4

são

“A casa dá duas coisas que eu acho importantes: dignidade e tranquilidade”Presidente Dilma RousseffNa inauguração do condomínio Vista Alegre, em São Gonçalo

“Da última vez que uma moradora foi expulsa, Incendiaram todos os móveis da casa dela”Luiz (nome fictício)Morador do condomínio Vista Alegre

FALTA DE SEGURANÇAUm estudo feito por trêsorganizações de pesquisa — oInstituto de Estudos doTrabalho e Sociedade (Iets), oMetrópole Projetos Urbanos(MUP) e o Instituto Brasileiro deAnálise e Planejamento (Ibase)— com 700 moradores doParque Valdariosa revelou que,no ranking de problemas docondomínio, o mais citado é afalta de segurança pública. Aotodo, 37% dos entrevistadoslembraram da insegurança.

GRUPOS CRIMINOSOSJá 63% das pessoas ouvidasafirmaram que não se sentemseguras ao circular peloconjunto de dia ou à noite.Perguntados sobre os motivosda falta de segurança, 20% dosmoradores disseram que jáviram grupos criminososcirculando pelo Valdariosa.Sobre a presença do tráficodentro do condomínio, 39% dos entrevistadosafirmaram já ter visto a vendade drogas no local.

ARMAS DE FOGOAlém disso, 16% dosmoradores afirmam que jáviram pessoas que não erampoliciais circulando com armasde fogo pelo condomínio. Orelatório conclui que “aausência tanto de umainstitucionalidade local quantodo poder público no Valdariosaleva a um vazio político noterritório, preenchido porgrupos clandestinos ou ilegaiscomo milícias, quadrilhas detraficantes e outros”.

CRIMINALIDADE EM NÚMEROS

anos que brincava no parqui-nho foi baleado de raspão.

As mortes são o ápice de umaguerra entre traficantes e milici-anos pelo controle do condomí-nio. Em depoimento à Divisãode Homicídios da Baixada Flu-minense (DHBF), uma teste-munha contou que Romáriocostumava “praticar roubos” nolocal. Moradores ouvidos peloEXTRA afirmaram que os para-militares estariam contrariados

com a vendade drogas.

A presençados dois gru-pos no con-junto é de co-nhecimentodas autorida-des. A 55ª DP

(Queimados) tem dois inquéri-tos diferentes para investigartráfico e milícia no local. Umdeles foi aberto a partir de de-núncias enviadas ao MinistérioPúblico, que relatavam a práti-ca de “agiotagem e pagamentode propina” por parte de PMsdo 24º BPM (Queimados). Ooutro investiga o transporte dedrogas por mototaxistas paradentro do condomínio.

—É difícil viver com a violên-cia à sua porta. Não conseguisuportar — conta uma mulherque decidiu abandonar o con-junto no fim do ano passado.

“É difícil ter a violência à suaporta. Não deu para suportar”

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FOTOS DE RAFAEL SOARES

A área de recreação do Parque Valdariosa, em Queimados: local foi palco de dois homicídios

A marca de bala no Vista Alegre e Patrick: preso e depois solto