doenÇas cardiovasculares autoimunes doenças ...sociedades.cardiol.br/co/pdfs/doenca.pdf ·...

6

Click here to load reader

Upload: vuongnga

Post on 07-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças ...sociedades.cardiol.br/co/pdfs/doenca.pdf · DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças Cardiovasculares Autoimunes Dr. João Joaquim

RECOC- 36 -

Revista Centro-Oeste de Cardiologia Vol.8 nº 2 - 2000

DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES

Dr. João Joaquim de Oliveira, Dra. Sandra Regina A. S. SilvaD

oenç

as C

ardi

ovas

cula

res

Aut

oim

unes Serviço de Cardiologia

Hospital das Clínicas Faculdade Medicina - UFG goiânia GoEndereço para Correspondência:

Rua R-4 Qd R-6 Lote 10 - Setor Oeste - Goiânia Go - 74125-060

RESUMO

Muitas das doenças cardiovasculares autoimunes são secundárias a varias doenças autoimunessistêmicas. Diversos tipos de autoanticorpos são produzidos durante miocardites e outras injúriasmiocárdicas, representando resposta imunológica cruzada a patógenos e miocárdio lesado, e,g;anticorpos antisarcolema, antimiolema,antiendocárdio. Estudos recentes sugerem que em indivíduosgeneticamente susceptíveis certos autoanticorpos podem causar cardiomiopatia crônica. Por isso,torna-se importante que nós continuemos a investigar e estudar os diversos eventos imunológicoshumoral e celular afetando o sistema cardiovascular buscando soluções para imunoterapia específi-ca.

Palavras-chave: cardiopatia autoimune, miocardite, cardiomiopatia, autoanticorpos

SUMMARY

Most of the autoimmune cardiovascular diseases are secondary manifestations of various systemicautoimune diseases. Various types of myocardial autoautibodies are produced during myocarditisand others types of myocardial injury, represeting crossreactive immunologic response to pathogensand damaged myocardium, e, g: antisarcolemma, antimyolemma and anti-endocardium autoautibodies.

Recent studies suggest that in genetically susceptible individuals, certain myocardial autoautibodiescan cause of chronic cardiomyopaty. It is important that we continue to study and investigate thevarious humoral, cellular and cytokine-mediated immunologic events affecting the cardiovascularsystems, for provide potential avenues for specific immunotherapy.

Key-words: autoimune myocardial disease, autoantibodies, myocarditis , myocardiopaty

SISTEMA IMUNOLÓGICO E AUTOAN-TICORPOS NAS DOENÇAS CARDIOVAS-CULARES

Cerca de 50% de pessoas que procuram aten-dimento médico em clínicas e hospitais pade-cem de várias formas de doenças cardiovas-culares num espectro que varia de doença arteri-al coronária isquêmica, hipertensão arterial,cardiomiopatia idiopática ou de causa definida(chagásica, hipertensiva, isquêmica), arritmias,valvulopatia reumática até doença cardiovascularmediada por autoimunidade. Muitas dessas le-sões cardiovasculares autoimunes são conse-qüências de autoanticorpos de doençassistêmicas. Diversos tipos de autoanticorpos(AAC) miocárdicos circulantes por reação cru-zada ou não lesam estruturas do miocárdio como

sarcolema, miolema, proteínas mitocondriais esistema de condução. Estas lesões são encon-tradas em 30%-90% dos pacientes com doen-ças por autoanticorpos1. Embora um elo causaldireto entre esses autoanticorpos e várias for-mas de cardiomiopatias não tem sido bem defini-do, já existem diversos estudos indicando quemuitos autoanticorpos miocárdicos são cardio-patogênicos causando lesões cardíacas de di-versas expressões clínicas. Um exemplo clássi-co de doença cardíaca por autoimunidade é a fe-bre reumática, cujos anticorpos contra osantígenos estreptocócicos, agridem também ossarcômeros de válvulas cardíacas (pela semelhan-ça antigênica). Este trabalho versará sobre: 1-doenças cardiovasculares autoimunes secundá-rias a doenças autoimunes sistêmicas; 2- tiposde autoanticorpos miocárdicos sintetizados na vi-

Page 2: DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças ...sociedades.cardiol.br/co/pdfs/doenca.pdf · DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças Cardiovasculares Autoimunes Dr. João Joaquim

RECOC- 37 -

Revista Centro-Oeste de Cardiologia Vol.8 nº 2 - 2000

gência e seguindo lesões miocárdicas; 3-autoanticorpo miocárdico específico causador decardiomiopatia dilatada e distúrbios de condu-ção cardíaca; 4- o papel de autoanticorpo anti-oXLDL na doença aterosclerótica; 5- exames di-agnósticos por autoanticorpos e biópsiaendomiocárdica; 6- terapia imunossupressora1-2.

DOENÇAS CARDIOVASCULARES SECUN-DÁRIAS A DOENÇAS SISTÊMICAS AUTOIMU-NES

Os principais fatores etiopatogênicos das le-sões sistêmicas autoimunes são autoanticorpos,imunecomplexos, células ativadas citolíticas emediadores pro-inflamatórios como citocinas li-beradas por células ativadas. As citocinas emgeral, determinam a extensão e grau de danotecidual.

Das cininas estimuladoras podemos citarinterleucina 1 (IL-1), IL-2, fator de necrose tumorala (TNF) etc. Dentre as citocinas quimiotóxicas epro-inflamatórias temos as IL-3, IL-5 e IL-8 quepodem recrutar células efetoras ativadasautoimunes do sangue periférico para vários síti-os, podendo serem citotóxicas para miócitos ecélulas endoteliais. Exemplos clássicos dessaslesões são o bloqueio átrioventricular induzido porautoanticorpos anti-SS-A/Ro, distúrbios de con-dução cardíaca secundário a polimiositeautoimune, miocardite e endocardite associadascom lupus eritematoso sistêmico, lesõescoronárias associadas com artrite reumatóide ouesclerodermia, aortite e arterite coronária na do-ença de Takayasu, aneurisma coronário naSíndrome de Kawasaki, fibroelastose endomiocár-dica, reação eosinofílica granulomatosa naSíndrome de Churg-Straus3-4.

BLOQUEIO ÁTRIO-VENTRICULAR CONGÊ-NITO ASSOCIADO COM LES MATERNO

Diversos estudos demonstram associaçãoentre recém-natos com lupus neonatal e BAVcongênito nascidos de mães com lupuseritematoso sistêmico (LES) e autoanticorpo anti-SS-A/Ro. Tudo parece depender de reação cru-zada entre autoanticorpo tipo IgG anti-SS-A/Romaternal transplacentário e antígenos do siste-ma de condução cardíaca do feto. Estas reaçõescruzadas ativam o complemento com lesãotecidual. No exame anatomopatológico o nóduloátrioventricular (NAV) de recém-natos com blo-queio átrioventricular apresenta processo inflama-tório, fibrose e calcificação, além de vasculitelúpica em miócitos cardíacos7-8.

BLOQUEIO DE RAMO DO FEIXE DE HIS NAPOLIMIOSITE AUTOIMUNE

Distúrbios de condução dos ramos do feixede His são encontrados em muitos pacientes compolimiosite autoimune. As manifestações cardía-cas podem ser tormentuosas desde arritmias,insuficiência cardíaca exigindo terapêuticaimunossupressora e citolítica para alívio sintomá-tico. Cerca de 30%-70% dos pacientes afetadosapresentam autoanticorpotipo anti-SRP, anti-SS-A/Ro e complexo ribonuclear citoplásmico comreação inflamatória tipo miosite (miocardite).

Os autoanticorpos mencionados têm sido im-plicados na causa de doença miocárdica e dis-túrbios de condução mediados por fatoresimunológicos.

DOENÇAS CARDIOVASCULARES ASSOCI-ADAS COM LES

Das doenças vasculares do colágeno o lupuseritematoso sistêmico é a mais comum, afetan-do mais as mulheres, com maior incidência nassegunda e terceira décadas de vida. De etiologiadesconhecida, parece ser uma doença porhipersensibilidade ou auto-imune. Acomete prati-camente todos os sistemas , mas principalmen-te a pele , rins, articulações, cérebro , membra-nas serosas , vasos e coração. Nos exames sub-sidiários é comum a elevação sérica dasgamaglobulinas e crioproteínas além de fatoresantinucleares e anticitoplasmáticos. O LES pro-duz uma pericardite com envolvimento inclusivede coronárias. A pericardite com derrame é a maisfreqüente das lesões cardíacas. O derrame que éde natureza fibrinosa contém leucócitos mononu-cleares e às vezes, célula LE, podendo tornar-sepurulento, especialmente em pacientes debilita-dos e em uso de imunossupressores. Aendocardite verrucosa ou de Libman-Sacks aco-mete mais as valvas esquerda com preferênciapela mitral. São verrugas muito semelhantes àendocardite trombótica não bacteriana ou marân-tica que acomete pacientes debilitados ou termi-nais com neoplasias de estômago e pâncreas. Amiocardite caracterizada por necrose celular efibrose substutiva é uma complicação mais rarado LES. O envolvimento coronária pode se darem decorrência de necrose fibrinóide ou oclusãotromboembólica. Arterites intramiocárdicas emesmo no sistema de condução podem causararritmias e distúrbios de condução.

Endocardite com vegetações valvaresassépticas tipo Libman-Sacks ocorre em cercade 40% de pacientes lúpicos. As vegetaçõesvalvares são mais comuns em valva mitral. Noexame histopatológico existe necrose fibrinóide

Page 3: DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças ...sociedades.cardiol.br/co/pdfs/doenca.pdf · DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças Cardiovasculares Autoimunes Dr. João Joaquim

RECOC- 38 -

Revista Centro-Oeste de Cardiologia Vol.8 nº 2 - 2000

com infiltrado linfoplasmocitário e tardiamentefibrose valvular com calcificação. Os AAC maiscomuns são anti-dsDNA e anti-SS-A/Ro6.

DOENÇA CARDIOVASCULAR NA ARTRITEREUMATÓIDE E ESCLERODERMIA

A artrite reumatóide raramente afeta o cora-ção, pode comprometer endo, mio e pericárdio,artérias coronárias e seus ramos. A pericarditefibrofibrinosa difusa pode ser leve , assintomáticaaté mais grave com derrames volumosos e ne-cessitando tratamento cirúrgico (pericardiocen-tese de alívio). Outras estruturas cardíacas comovalvas e sistema de condução podem ser afeta-dos com incidência de 1%-4% em estudos pós-mortem. Os mecanismos etiopatogênicos envol-vem imunocomplexos, fator reumatóide (FR) eoutros autoanticorpos.

ESCLEROSE SITÊMICA PROGRESSIVA

As esclerose sitêmica progressiva(ESP) ouesclerodermia se caracteriza por um espessa-mento fibrinoso de pele e alterações fibrótico-degenerativas de dedos e vísceras como esôfago,rins, pulmões e coração. Nos vasos coronáriosas lesões mais comuns são espessamentoesclerótico intimal concêntrico e estenosecoronária com isquemia miocárdica. O mecanis-mo destas lesões envolvem injúria citotóxica ecitolítica por AAC , interleucina-1 e TNF contracélulas endoteliais7 O miocárdio pode ser afeta-do com degeneração miofibrilar ou necrose dasbandas de contração. O fenômeno de Raynaud(hiperreatividade vascular) pode ocorrer em qual-quer víscera. As manifestações clínicas deacomentimento cardiovascular são: insuficiên-cia cardíaca congestiva, arritmias, IAM, angina emorte súbita. Pericardite fibrosa ou fibrinosa podeocorrer com derrames pericárdicos pequenos ouvolumosos, necessitando, às vezes de tratamentocirúrgico. As valvas cardíacas quase nunca sãoafetadas. A ESP pode causar hipertensão pul-monar, tendo como componentes característicosvasoespasmo arterial, hiperreatividade vascularcom fenômeno de Raynaud, lesões plexiformese arterites necrotizantes. O prognóstico destascomplicações é ruim e quase sempre leva à rápi-da deterioração cardiorrespiratória e morte súbi-ta.

ARTRITE E ARTERITE CORONÁRIA NADOENÇA DE TAKAYASU

A doença de Takayasu se caracteriza porvasculite crônica com lesão tecidual destrutivaenvolvendo endotélio e adventícia de aorta e

coronárias .O quadro clínico inclui claudificaçãode membros superiores, dor muscular e hiperten-são arterial renovascular. No histopatológico háarterite granulomatosa com fibrose intimal variá-vel, fibrose de camada media, infiltrado inflamató-rio transmural e obstrução luminal. O mecanismodestas lesões engloba hiperprodução de citocinaspor leucócitos ativados, lesões citolíticas, reaçãopor imunecomplexos. O tratamento comcorticóides e imunossupressores melhora a evo-lução clínica, mas a HA pode ser de difícil contro-le5.

TABELA IAutoanticorpos nas doenças cardiovasculares

tipo e % de positividade

Indivíduos sadiosMiocarditesPericarditesPós-pericardiotomiaDACIAMCardiomiopatia dilatadaRejeição transplantecardíaco

Nº p

2003325140961011070

ASA

3170809036502585

AMLA

3575809038502185

AEA

1770307319502989

AANTA

000000150

ASA = AC antisarcolema, AMLA = AC antimiolema, AEA = ACantiendocárdio, AANTA = AC anti-translocador adenina nucleóide

(Refs 4,19) p=pacientes

ANEURISMAS CORONÁRIOS E ARTERITENECROTIZANTE NA SÍNDROME DE KAWA-SAKI

A Síndrome linfomucocutânea de Kawasaki éuma doença auto-imune possivelmentedesencadeada por toxinas estafilocócicas e/oude yersina mitogens. Clinicamente se apresentacom conjuntivite, “rash” cutâneo, edema facial,microadenopatia cervical, poliarterite necrotizante,lesões vasculares nodosas com tropismo espe-cial para vasos coronários. No quadro clínico asmanifestações mais dramáticas podem ser infartodo miocárdio, insuficiência cardíaca e morte sú-bita. Aneurismas coronários e fibrose miocárdicasão complicações tardias da doença. O início dadoença é usualmente precedido por infecçãoestafilocócica e/ou yersínica. O mecanismo des-tas lesões compreende produção de citocinasimunoestimulatória por leutócitos T ativados le-vando a dano vascular inflamatório, crioglobulinase autoanticorpos anti-endotelial. O tratamentomais efetivo é associação de agentes antinfla-matórios (corticóides) e imunogamaglobulinaintravenosa9.

FIBROELASTOSE ENDOMIOCÁRDICA

Trata-se de CMP restritiva associada comhipereosinofilia. Os danos endomiocárdicos são

Page 4: DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças ...sociedades.cardiol.br/co/pdfs/doenca.pdf · DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças Cardiovasculares Autoimunes Dr. João Joaquim

RECOC- 39 -

Revista Centro-Oeste de Cardiologia Vol.8 nº 2 - 2000

tanto necrótico e trombótico com grânuloseosinofílicos e fibroelastótico com fibrose doendotélio valvular. Em países ocidentais afibroelastose endomiocárdica (FEM) comumenteocorre em pacientes com doença linfoproliferativa,linfoma de células T e atopias sistêmicas seve-ras. Em outras regiões tropicais a FEM usual-mente está associado com parasitismo tipofilariose ou helmintíase. O início da doença ge-ralmente é insidioso com mais de 80% dos paci-entes apresentando disfunção e/ou insuficiênciacardíaca por tempo prolongado após a hipereo-sinofilia. Trombólise profilática ou trombectomiapode ser salvador de vida durante os estágiosiniciais da doença. A substituição das valvascardíacas fibróticas pode ser necessária em in-suficiência cardíaca por disfunção valvar severa10.

ANGEÍTE EOSINOFÍLICA GRANULOMATO-SA NA SÍNDROME DE CHURG-STRAUSS

Constitui uma doença sistêmica caracteriza-da por eosinofilia tecidual e sanguínea afetandopulmões, pele, coração, nervos periféricos, cére-bro, trato gastrointestinal e rins. Os vasos san-guíneos dos órgãos envolvidos são permeadospor eosinófilos, histiócitos e neutrófilos. No exa-me histopatológico as lesões características sãonecrose fibrinóide e destruição granulomatosa daparede vascular. As manifestações clínicas po-dem ser leves a severas como pericardite, infartomiocárdico e hipertensão arterial severa. A IgEsérica está elevada na maioria dos casos comhiperprodução de interleucinas 3 e 5 por ativaçãode linfócitos T com lesão endocárdica e vascular.A doença pode ocorrer em pacientes com asma,alergias sistêmicas e outras afecções que cur-sam com eosinofilia de causa idiopática. Com-plicações renal, respiratória e cardíaca são co-muns. Os quadros de vasculite hemorrágica di-gestiva e encefálica podem ser fatais. Terapia comcorticóides e outros imunossupressores costu-ma melhorar a evolução da doença. Mais recen-temente tem sido empregados como terapia desuporte e remissiva da doença os inibidores es-pecíficos das citocinas e anticorpos monoclonaispara interleucinas .

POLIARTERITE NODOSA

A poliarterite nodosa(PN) é uma váculo-colagenosa sistêmica que se caracteriza por in-flamação necrosante de artérias de médio e pe-queno calibre, inclusive coronárias e seus ramos.Os principais diagnósticos diferenciais seriamarterite de células gigantes, angiíte porhipersensibilidade, arterite temporal e arterite deaorta e seus ramos. Nas coronárias a PN se ca-

racteriza por trombose e dilatações aneurismáti-cas fatais por necrose vascular e formaçõesnodulares. É comum o infarto do miocárdio, ocomprometimento vascular do sistema de condu-ção, principalmente nódulos sinusal e átrio-ventricular com distúrbios de condução e arritmias.A cardiomegalia e hipertrofia ventricular esquerdasão mais comuns em pacientes com hipertensãoarterial (presente em 90% dos casos) pornefropatia.

CARDIOMIOPATIA DILATADA E AUTOANTI-CORPO

O diagnóstico de cardiomiopatia dilatadaidiopática até então é feito quando se tem insufi-ciência cardíaca congestiva com cardiomegaliaem pacientes sem outra doença cardíaca, hiper-tensão arterial ou doença sistêmica como fatoretiológico de descompensação cardíaca. A inci-dência da doença é em torno de 80 casos/106 depessoas. O quadro clínico se assemelha acardiomiopatia periparto e outras formas de insu-ficiência cardíaca congestiva. Cerca de 25% dospacientes têm anticorpos antivirus coxsackie B eo RNA deste agente pode ser detectado em maisde 20% dos exames histopatológicos. Mais de50% dos pacientes têm autoanticorpo antisar-colema e antimiolema com ação citolítica “in vitro”.Parece existir uma susceptibilidade genética, umavez que 30% - 48% dos pacientes com miocarditedessa natureza são HLA-DR4 e/ou B17 positivos13.

DISTÚRBIOS DE CONDUÇÃO CARDÍACASECUNDÁRIOS A AUTOANTICORPOSMIOCÁRDICOS

O mecanismo destas lesões no sistema decondução parece depender de autoanticorpos anti-nodulo sinusal e anti-nodulo AV presentes em maisde 30% destes pacientes. A maioria tem históriade doença reumática. Os sintomas principais sãoangina pectoris, palpitações, insuficiência cardí-aca, síncope e eventualmente complicaçõesembólicas. Áreas irregulares de infiltrados delinfócitos e fibrose são visibilizadas no tecido nodalafetado. Os autoanticorpos mencionados não sãodetectados em indivíduos sadios e vários estu-dos têm mostrado como fatores prognóstico osdistúrbios de condução em pacientes com doen-ça reumática14.

AUTOANTICORPO E ATEROGÊNESE

Várias formas de lipoproteínas de baixa den-sidade oxidada (oxLDL) são aterogênicas. IgMnativa tipo autoanticorpo anti-oxLDL pode ser de-tectada em indivíduos sadios sendo os títulos de

Page 5: DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças ...sociedades.cardiol.br/co/pdfs/doenca.pdf · DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças Cardiovasculares Autoimunes Dr. João Joaquim

RECOC- 40 -

Revista Centro-Oeste de Cardiologia Vol.8 nº 2 - 2000

colesterol influenciado por dieta, estilo de vida,atividade física e determinantes genéticos. Osautoanticorpos anti-oxLDL constituíndo imuno-complexos podem ser encontrados circulantesou em placas de ateroma em indivíduos comdoença miocárdica isquêmica, estenosecorotídea e hipertensão arterial15.

Estes complexos imunes oxLDL-anti-oxLDLsão capazes de causar acúmulo de colesterolem macrófagos e fibroblastos; induzirem a ex-pressão do receptor para LDL-colesterol; ativa-rem células imunoefetoras para produção decitocinas inflamatória, imunoestimuladora equimiotóxica como IL-1, TNF-a, IL-3, IL-5; exer-cendo efeito citotóxico direto sobre endotélio emiócitos de vasos sanguíneos.

Os autoanticorpos para oxLDL podem iniciare manter inflamação por resposta imune, lesãode célula endotelial e proliferação intimal promo-vendo lesão aterosclerótica. Processo similar temsido implicado na gênese de vasculopatiaaterotrombótica em várias vásculo-colagenosascomo LES e outras doenças sistêmicas comodiabetes, toxemia gravídica e insuficiência renalcrônica.

Em que pese as limitações e dificuldades nainterpretação de dados comparativos, há concor-dância no que concerne às seguintes proprieda-des patogênicas da oxLDL e anti-oxLDL: 1- Aoxidação da LDL pode ocorrer nas célulasendoteliais, nos miócitos e macrófagos; 2- AoxLDL pode promover oxidação adicional de LDL,inibir a motilidade macrofágica e induzir a libera-ção de citocinas inflamatórias e quimiotóxicas;3- Os imunocomplexos formados por oxLDL-anti-oxLDL são capazes de iniciar a aterogênese; 4-Estes complexos imunes têm sido identificadosem placas de ateroma de coronárias, de carótidase outros vasos de indivíduos com hipertensãoarterial e/ou cardiopatia isquêmica15-16.

OUTROS AUTOANTICORPOS E DOENÇASCARDIOVASCULARES

Muitos autoanticorpos miocárdicos são encon-

trados em cardiomiopatias dilatadas, miocarditesvirais e distúrbios de condução. O mecanismo dalesão celular é uma resposta imunológica celularpor alteração antigênica provocada por agentesinfecciosos como estreptococos, virus coxsackieB ou mesmo dano miocárdico como trauma ouinfarto. Estes autoanticorpos certamente refletemuma resposta imune fisiológica para eliminarantígenos degradados ou restos catabólicos.Muitos desses pacientes não desenvolvem lesõescardiovasculares crônicas. Determinadosautoanticorpos(anti-sinusal e anti-nódulo átrio-ventricular), como têm demonstrado pesquisasmais recentes, são capazes de seqüelas perma-nentes a exemplo da cardiomiopatia dilatada pós-miocardite e distúrbios de condução por doençareumática17-18.

EXAMES COMPLEMENTARES NAS DOEN-ÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES

Diversos exames por radioimunoensaio podemser feitos para doenças autoimunes sistêmicas.Inicialmente os autoanticorpos mais importantesseriam anti-dsDNA, anti-SS-A/Ro, anti-SRP, fa-tor reumatóide e fator antinuclear. Testes porimunofluorescência indireta (IFI) são examessemiquantitativos úteis na detecção de autoanti-corpos miocárdicos como anti-sarcolema, anti-miolema, anti-endocárdio (ASA, AMLA, AEA). Osautoanticorpos anti-nódulo sinusal e anti-nóduloátrio-ventricular (ASV, AAVN) podem ser titula-dos usando como substrato o próprio tecido decondução cardíaca humano. Agentes infecciososcomo virus Epstein-Bar (EBV), hepatopatias crô-nicas ou pós-operatório de cirurgia cardíaca po-dem falsear resultados (falso-positivos). Nestascircunstâncias exames como “western blotting”(eletroforese , nitrocelulose) e ELISA utilizandoextratos de tecido cardíaco como fonte antigênicaservem para confirmar ou não os epitopesantigênicos específicos como sarcolema, miolemae outros tecidos cardíacos. Os autoanticorpospara LDL oxidada são feitos pelo método ELISA19.

Distúrbio de condução Anticorpo(AC) e positividade (%)Nº. P ASNA AAVNA AMLA ASA Anti-SS-A/Ro

Doença NSA 45 29 18 44 29 0BAV 55 24 22 69 60 0 0BAV congênito 48 0 0 0 0 92BR isquêmico 102 0 0 0 0 0BR na polimiosite 14 0 0 0 0 50-80BR na fibrose pulmonar 56 0 0 0 0 0

TABELA II - Autoanticorpos presentes nos distúrbios de condução cardíacaAnticorpo(AC) e positividade (%)

ASNA=AC anti-nódulo AS, AAVNA=AC anti-nódulo AV, AMLA=AC anti-míolema, ASA =AC antisarcolema, anti-SS-A/Ro=AC associa-do com Síndrome de Sjogren e LES P= pacientes

Page 6: DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças ...sociedades.cardiol.br/co/pdfs/doenca.pdf · DOENÇAS CARDIOVASCULARES AUTOIMUNES Doenças Cardiovasculares Autoimunes Dr. João Joaquim

RECOC- 41 -

Revista Centro-Oeste de Cardiologia Vol.8 nº 2 - 2000

BIÓPSIA ENDOMIOCÁRDICA

Utilizando a classificação e os critérios morfo-lógicos do grupo de Dallas a biópsia endomiocár-dica torna-se útil no diagnóstico e classificaçãoda miocardite aguda, subaguda ou crônica ecardiomiopatias. Nem sempre há correlação en-tre natureza histológica da biópsia, severidadeda doença , prognóstico e resposta terapêutica.A sensibilidade da biópsia é melhorada com vári-as amostras de sítios diferentes e é feita emventrículo direito. Além das indicações mencio-nadas ela mostra-se útil em receptores de trans-plantes cardíacos e usuários de medicamentoscom potencial cardiotóxico como quimioterápicosanti-neoplásicos19-20.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Maisch B. Ritrospective and perspective inthe immunology of cardiac diseases. Springer SeminImmunopathol 1989;11:479-482.

2. Fenoglio JJ, Marboe CC. Endomyocardialbiopsy, in Stemberg SS (ed): Diagnostic SurgicalPathology. New York, Raven Press 1989, pp 877-895.

3. Maisch B. Autoreactivity to the cardiacmyocyte, connective tissue, and the extracelularmatrix in heart disease and postcardiac injury.Springer Semin Immunopathol 1989;11:369-395.

4. DeScheerder I, DeBuyzereb M, Algoed L, etal. Characteristic antiheart-antibody pattern inpostcardiac injury syndrome, endocarditis, andmyocarditis. Eur Heart J 1987;8:suppl J.

5. Lee LA, Coulter S, Erner S, et al. Cardiacimmunoglobulin deposition in congenital heart blokassociated with maternal anti-Ro autoantibodies. AmJ Med 1987;83:793-797.

6. Wolff SM. The Vasculitic Syndromes, in CecilTextbook of Medicine, 19th ed. Philadelphia W. B.Saunders, 1992, pp 1535-1537.

7. Behan WMH, Behan PO, Gairus J. Cardiacdamage in polymyositis associated with auto-antibodies to tissue ribonucleoproteins anti-SS-A/Ro. Br Heart J 1987;57:176-180.

8. Stevens MB. Systemic lupus erythematosusand the cardiovascular system: The heart, in LahitaRG (ed): Systemic Lupus Erythematosus. New York,Churchill Livingstone, 1992.

9. Love LA, Leff RL, Fraser DD, et al. A newapproach to the classification of idiopathicinflammatory myopathy: Myositis-specificautoantibodies define useful homogeneous patientsgroups. Medicine 1991;70:360-374.

10. Spry CJ. Eosinophils and endomyocardialfibrosis: a review of clinical and experimental studies1980-1986, in Kawai C, Abelmann WA (eds):Pathogenesis of myocarditis and cardiomyo-pathy:Recent clinical and experimental studies, vol. 1Cardiomyopathy Update. Tokyo, University of TokyoPress 1987; pp 293-310.

11. Lanham JG, Churg J. Churg-Strausssyndrome, in Churg A, Churg J (eds): SystemicVasculitides. New York, Igaku-Shoin 1991; pp101-120.

12. Lanham JG, Elkon KB, Pusey CD, et al.Systemic vasculitis with eosinophilia and asthma. Aclinical approach to the Churg-Straus syndrome.Medicine 1984;63:65-81.

13. Muir P, Tilzey AJ, English TAH, et al. Chronicrelapsing pericarditis and dilated cardiomyopathy:Serological evidence of persistent enterovirusinfection. Lancet 1989;1:804-807.

14. Lotze U, Maisch B. Humoral Immuneresponse to cardiac-conducting tissue. SpringerSemin Immunopathol 1989;11:409-422.

15. Steinberg D. Modified forms of LDL andatherosclerosis. J Intern Med 1993;233:227-232.

16. Fofelman AM, Schechter I, Seager J, et al.Malondialdehyde alteration of LDL leads tocholesterol ester accumulation in human monocyte-macrophages. Proc Natl Acad Sci ;USA1980;77:2214-2218.

17. Schultheiss HP, Bolte HD. Immunologicalanalysis of autoantobidies against the adeninenucleotide translocator in dilated cardiomyopathy. JMol Cell Cardiol 1985;17:603-617.

18. Maisch B. Immunologic regulator and effectorfunctions in pericarditis, postmyocarditic heartmuscle disease and dilated cardiomyopathy. BasRes Cardiol 1986;8(suppl):217-241.

19. Towmey SL, Bernett GE. Immunofluores-cence Method for detecting anti-myocardialantibodies, and its use in diagnosing heart disease.Clinical Chemistry 1975;21(13):1903-1906.

20. Craig WY, Poulin SE, Nelson CP, et al. AnELISA method for the detection and quantition ofIgG antibody against LDL: The effect of blockingbuffer and the method of data expression on experi-mental findings. Clin Chem 1994;40:882-888.