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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INFANTIL Raiolanda Magalhães Pereira de Camargo RECONSTRUINDO O ESPAÇO ESCOLAR: UM NOVO OLHAR SOBRE A CRIANÇA MANAUS 2007 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Raiolanda Magalhães Pereira de Camargo

RECONSTRUINDO O ESPAÇO ESCOLAR: UM NOVO OLHAR SOBRE A CRIANÇA

MANAUS 2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INFANTIL

RAIOLANDA MAGALHÃES PEREIRA DE CAMARGO

RECONSTRUINDO O ESPAÇO ESCOLAR: UM NOVO OLHAR SOBRE A CRIANÇA

Trabalho de conclusão do Curso de Pós-

Graduação em Educação Infantil e Desenvolvimento sob a orientação da Profa. Maria Esther de Araújo Oliveira.

MANAUS 2007

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DEDICATÓRIA

A todas as crianças que passaram pelas minhas mãos nos meus dezessete anos de educadora e que despertaram em mim a paixão pela educação infantil

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Jesus, luz da minha vida, aos meus pais Guilherme e Iacy que souberam conduzir minha vida pelo caminho do bem e que tornaram possível ser o que sou hoje. Ao meu amado marido Álvaro, presente em todos os momentos da minha vida. A minha adorada filha Renata, meu maior amor.

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R E S U M O

O presente trabalho tem por objetivo chamar atenção dos professores da

Educação Infantil para a necessidade de reconstrução do espaço escolar e de um novo

olhar sobre a criança.

Um novo olhar a partir do sujeito que aprende, considerando suas expectativas,

interesses, sua história, hipóteses, forma de pensar, aprender e se relacionar

Esse novo olhar será construído, tomando como base as teorias de Piaget, Emilia

Ferreiro, Vygotsky e Gardner que trazem significativas contribuições para a prática

escolar.

Esta pesquisa não objetiva discutir os pontos de divergências entre as teorias, mas

sim, buscar as idéias centrais e convergí-las no sentido de propor alternativas

pedagógicas para o desenvolvimento da ação de Educação Infantil.

Reconstruir o espaço escolar é parafraseando o tíulo do livro de Francisco

Tonucci, olhar as crianças com olhos de criança e percebê-las como sujeito ativo e

interativo no processo de aprendizagem.

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METODOLOGIA

O presente estudo teve como metodologia, a pesquisa bibliográfica,

desenvolvida a partir da leitura e análise dos estágios cognitivos de Piaget, mas

especificamente o estágio pré-operatório – característico das crianças da educação

infantil, o conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, os níveis

conceituais de leitura e escrita descritos por Emília Ferreiro e as inteligências múltiplas

de Gardner.

Com base nessa análise, foram levantados os pontos de convergência entre as

teorias, buscando numa abordagem construtivista-sócio interacionista, propor algumas

intervenções pedagógicas a partir dos pressupostos teóricos estudados.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7

1. ABORDAGEM INATISTA E AMBIENTALISTA E SUAS IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS..........................................................................................................................9 2. TEORIA CONSTRUTIVISTA DE PIAGET........................................................................12 2.1 Fontes de conhecimento .................................................................................................... 13

2.2. Estágios de desenvolvimento cognitivo ........................................................................ 14

2.3 A criança pré-operatória: Principais características ...................................................... 16

2.4 Contribuições da teoria de Piaget no processo educativo........................................21 3. ALFABETIZAÇÃO COMO PROCESSO COGNITIVO–CONTRIBUIÇÕES DE EMILIA

FERREIRO ..................................................................................................................... 23

3.1 Níveis conceituais de leitura e escrita ............................................................................. 26

3.2 A importância de um ambiente alfabetizador............................................................31 4. CONCEPÇÃO SÓCIO-INTERACIONISTA DE VYGOTSKY ..................................... 35

4.1Conceito de zona de desenvolvimento proximal ............................................................. 36

4.2 O papel do professor ................................................................................................38 5. TEORIA DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS DE GARDNER .................................. 41

5.1 Implicações educacionais..........................................................................................44 CONCLUSÃO...............................................................................................................................47 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................48 ANEXOS.......................................................................................................................................49

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INTRODUÇÃO

A educação infantil, etapa significativa da educação básica tem sido

desenvolvida pela maioria dos professores, com práticas de ensino tradicionais,

segundo as quais o conhecimento ocorre sempre de fora para dentro, traduzindo-

se em atividades mecanicistas, com conteúdos fragmentados, os famosos

exercícios de prontidão para alfabetização e em “olhares” cuja criança é sempre

vista de cima, como alguém que nada sabe, olhares que negam sua história, sua

cultura, sua inserção social e sua forma de pensar e aprender. Olhares que vão

cerceando todo o potencial cognitivo e criativo desses pequenos.

As contribuições das teorias de Piaget, Emília Ferreiro, Vygotsky e Gardner,

no âmbito da educação infantil, envolvem uma nova concepção de criança, vista

como sujeito histórico-cultural, que produz cultura e são nela produzidos, alguém

de natureza singular que pensa e sente o mundo de um jeito próprio, que constrói

conhecimentos a partir das relações que estabelece com o meio.

Pensar na educação infantil à luz das teorias desses estudiosos, implica em

um novo paradigma de educação requer um novo olhar sobre a criança,

considerando-a como sujeito ativo no processo de aprendizagem, aprendizagens

que serão consolidadas em um espaço que favoreça o diálogo, as diferenças, a

criatividade, a reflexão e a construção de aprendizagens significativas.

Nesta perspectiva, o tema em questão será relevante para a prática

educativa, pois possibilitará aos educadores uma reflexão mais profunda sobre

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quais os processos envolvidos no desenvolvimento da inteligência e quais os

caminhos que a criança percorre até chegar à construção do conhecimento.

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1. ABORDAGEM INATISTA E AMBIENTALISTA E SUAS IMPLICAÇÕES

EDUCACIONAIS.

Objetivando compreender os princípios que pautam as diversas práticas

pedagógicas dos professores, será feito neste capítulo uma análise das

abordagens inatista e ambientalista.

É necessário antes de nos determos a analisar as implicações das teorias de

Piaget, Vygotsky, Emília Ferreiro e Gardner no âmbito da educação infantil, que

examinamos brevemente as teorias já formuladas sobre o conhecimento, posto

que essas abordagens revelam diferentes concepções e modos de explicar a

forma pela qual o sujeito aprende e se desenvolve e mais especificamente as

possibilidades da ação educativa.

A abordagem Inatista, também conhecida por Racionalismo, parte do

princípio de que as capacidades básicas de cada ser humano (personalidades,

valores, formas de pensar e aprender) são inatas, potencialmente determinadas.

O desenvolvimento da inteligência é determinado pelo indivíduo e não pelo

meio, portanto de dentro para fora. Exclui as interações sócio-culturais na

formação das estruturas comportamentais e cognitivas.

Segundo esta teoria, a lógica, por exemplo, está relacionada a uma

capacidade inata do homem. As percepções dependem das capacidades que são

“inerentes” ao indivíduo.

Essa abordagem traz consigo uma série de implicações na ação educativa,

pois desprivilegia as intervenções do espaço escolar. As aprendizagens só

ocorrerão quando a criança estiver pronta, a prática escolar não desafia, esse

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paradigma, gera, como diz Rego (1995), um imobilismo e resignação provocados

pela convicção de que as diferenças não serão superáveis pela educação.

As conseqüências desses postulados são graves no sentido de que os

professores acabam por atribuir as características comportamentais como inatas,

sem chance de se modificarem, servindo ainda para justificar práticas

espontaneístas, pouco desafiadoras, considerando que o sucesso ou fracasso

escolar depende de sua capacidade ou dom. A responsabilidade passa a ser de

da criança e de sua família e não da relação com o contexto social e das

intervenções que a escola venha a fazer.

Por outro lado, a concepção ambientalista, conhecida por empirismo, parte

do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelo meio

ambiente e não pelo sujeito, portanto de fora para dentro. Defende a idéia de que

o ser humano não nasce inteligente, mas é passivamente submetido às forças do

meio que provocam suas reações. Privilegia a experiência como fonte de

conhecimento e de formação de hábitos de comportamentos.

O desenvolvimento intelectual é totalmente modelado de fora, pois as forças

que o determinam se encontram nos estímulos externos e não no indivíduo.

Esses postulados servem para legitimar e justificar diferentes práticas como

assistencialismo, diretivismo, tecnicismo e o espontaneísmo. A escola tem o

“poder” de transformar o indivíduo e de corrigir os problemas sociais.

A partir dessa premissa, há uma supervalorização do papel da escola, o

aluno é visto como um receptáculo vazio, alguém que nada sabe, os conteúdos

não têm nenhuma relação com o contexto do aluno.

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A valorização do trabalho individual e a concentração são colocadas em

primeiro plano, a interação entre os pares é vista como dispersão, bagunça e

indisciplina.

O centro do processo está na figura do professor e por ser elemento principal

é o único detentor do saber, cabe a ele corrigir e avaliar. Delimita-se ao resultado,

os conhecimentos prévios são desconsideradas, as hipóteses das crianças não

são valorizadas e o erro deve ser eliminado.

A aprendizagem é vista como memorização de conteúdos desarticulados da

realidade do aluno e fruto da repetição mecânica, o método é baseado na

exposição verbal por parte exclusivamente do professor, que nega ao aluno sua

história, suas expectativas e seu saber.

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2. TEORIA CONSTRUTIVISTA DE PIAGET

Construtivismo é a aplicação pedagógica dos estudos de Jean Piaget –

Psicólogo e Biólogo suíço que dedicou a vida a estudar as engrenagens da

inteligência, do nascimento à maturidade do ser humano.

Suas descobertas sobre o desenvolvimento cognitivo da criança refletem-se

diretamente no campo pedagógico e servem para orientar o processo educativo.

Esta concepção tem como premissa básica, que o desenvolvimento da inteligência

é determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio.

A idéia é que o homem não nasce inteligente, mas também não é passivo sob

influência do meio, ao contrário, responde aos estímulos externos, agindo sobre

eles para construir e organizar o seu próprio conhecimento.

Piaget enfatiza o papel ativo desempenhado pela criança em seu próprio

desenvolvimento. Através de um esforço contínuo, a criança desenvolve maneiras

mais aprimoradas de explorar o ambiente, pensando sobre suas experiências e

respondendo as exigências que lhe são feitas. Um sujeito intelectualmente ativo

não é aquele que “faz muitas coisas” (...) é aquele que compara, exclui, ordena,

categoriza, reformula, comprova, reorganiza... (FERREIRO E TEBEROSKY, 1999,

P.32)

De acordo com sua teoria, o desenvolvimento é estimulado pelo impulso

inerente aos seres humanos de reduzir as incertezas com as quais se confrontam

e assim se adaptarem a seu ambiente.

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A função da adaptação será constante em todo o processo de

desenvolvimento humano, no entanto, os mecanismos usados para a adaptação

vão se modificando no decorrer das interações com o meio.

A estrutura psicológica que irá mediar esse processo de desenvolvimento

humano é chamada de esquema, para Piaget um esquema é um sistema

organizado de ações. Os esquemas possuídos pelos indivíduos compõem a base

para o entendimento do mundo com o qual as crianças estão em contato e

também para novas experiências.

Dois processos permitem que ocorra essa adaptação – na assimilação, a

criança usa as estruturas ou esquemas que já possui para incorporar a

experiência, no entanto, algumas vezes, a experiência não é compatível com o

entendimento atual, é preciso reestruturar seu sistema de entender o mundo, a

isso Piaget chamou de acomodação, um processo que leva a criança a

desenvolver novos esquemas mais adaptativos.

Dessa forma, a criança constrói e reconstrói sucessivamente as estruturas

que a tornam mais apta ao equilíbrio.

2.1 Fontes de Conhecimento

Piaget é um interacionista-relativista que acreditava na construção do

conhecimento por parte do sujeito que aprende, estudou o desenvolvimento das

crianças, porque estava convencido que era o melhor caminho para responder

questões sobre a natureza do conhecimento em adultos.

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A posição relativista de Piaget é uma síntese do empirismo e racionalismo,

reconhece fontes internas e externas. O conhecimento dos objetos e pessoas tem

fontes essencialmente externas, mas o conhecimento lógico-matemático tem fonte

interna.

O conhecimento físico diz respeito às propriedades físicas do objeto, é

descoberto através das ações sobre os objetos que são a fonte do conhecimento;

tamanho, cor forma, textura, sabor são exemplos. A única maneira de a criança

encontrar as propriedades físicas dos objetos é agindo sobre eles e descobrindo

como eles reagem em suas interações. (KAMII E DEURIES, 1991, p. 13).

O conhecimento social é feito pelas pessoas, é obtido a partir das ações e

das interações com as mesmas; linguagem , regras morais, valores,cultura,

sistema de símbolos, estão relacionados a esse conhecimento.

O conhecimento lógico matemático, por sua vez, é um conhecimento

abstrato, sua fonte provém do indivíduo, mas as estruturas matemáticas não são

inatas, são construídas pela própria atividade mental da criança, noções de

número, massa, classe, ordem, espaço, tempo, volume, e peso constituem esse

conhecimento.

2.2. Estágios de Desenvolvimento Cognitivo

De acordo com Piaget, as experiências de uma criança e sua tentativa de

adaptar seu entendimento do mundo resultam em progresso sistemático através

de quatro estágios de desenvolvimento cognitivo.

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O progresso que ocorre em cada estágio, reflete-se não apenas no

funcionamento intelectual da criança, como também em suas capacidades de

linguagem e no desenvolvimento social e emocional.

Conforme esta teoria, existe uma relação paralela entre desenvolvimento

cognitivo e afetividade, assim, as situações que estimulam a inteligência

repercutem também na afetividade e nas relações sociais. As ações, a motivação

e a cooperação social estão diretamente ligadas às funções cognitivas.

Baseado nessa premissa, um progresso intelectual resultará em modificação

ao nível de afetividade e relações sociais.

Os quatro estágios descritos por Piaget são:

1. Estágio sensório-motor (0 a 2 anos) – O entendimento do mundo está

totalmente contido em suas interações sensoriais e motoras. A

inteligência é prática, o contato com o meio é direto e imediato, sem

representação.

2. Estágio Pré-operatório (2 a 7 anos) – A criança pode simbolizar esquemas

sensorimotores e ao fazê-lo, pode pensar a respeito deles sem na

realidade se empenhar em atividade sensorimotora. A criança é capaz de

representar mentalmente pessoas e situações.

3. Estágio Operatório-concreto (7 a 11 anos) – As operações cognitivas se

desenvolvem para permitir pensamento lógico acerca de experiências que

estão ocorrendo aqui e agora, ou seja, não se limita a uma representação

imediata, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à

abstração.

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4. Estágio Lógico-formal (12 anos em diante) – Desenvolve as operações

cognitivas que permitem ao indivíduo pensar a respeito de problemas

abstratos, é capaz de pensar em todas as relações possíveis logicamente.

2.3 A Criança Pré-operatória; Principais Características

Considerando o que interessa de maneira especial neste trabalho, será

explicado mais detalhadamente o estágio pré´-operatório, característico desse

objeto de estudo.

Por volta dos dois anos, emerge na criança, uma nova ferramenta para

pensar que marca a entrada das crianças no estágio pré-operatório de

desenvolvimento cognitivo. Esta ferramenta é a capacidade das crianças de

utilizarem suas representações de pensamento simbólico de objetos e eventos,

em lugar de dependerem do contato sensório-motor.

Esta capacidade permite às crianças pensarem a respeito de objetos e

eventos que na realidade não estão presentes.

A primeira manifestação da função simbólica, é a imitação diferida. A criança

torna-se capaz de emitir gestos ou comportamentos na ausência do modelo.

Outra manifestação é o jogo simbólico ou brincadeira de faz-de-conta. Nessa

situação a criança usa os objetos disponíveis para representar qualquer coisa que

ela imagina; um bloco pode ser o carrinho, ou pedras podem servir de comida.

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O jogo simbólico é um meio que a criança dispõe para satisfazer suas

necessidades intelectuais e afetivas e conseqüentemente manter seu equilíbrio.

Ao brincar de faz-de-conta, imagina situações que não existem sanções e coações

e nas quais conflitos são compensados.

(...) sua função consiste em satisfazer o eu por meio de uma transformação do real em função dos desejos: a criança que brinca de boneca refaz sua própria vida, corrigindo-a à sua maneira e revive todos os prazeres ou conflitos, resolvendo-os, compensando-os, ou seja, completando a realidade através da ficção. (PIAGET, 1993, P.29).

As crianças de 2 a 6 anos de idade pensam qualitativamente diferente de

crianças com mais idade ou de adultos. Uma característica mais evidente do

pensar pré-operatório é sua concreção, embora as capacidades de

representação simbólica por fim permitem que se pensem em conceitos abstratos,

a criança dessa idade não atingiu esse estágio de desenvolvimento.

Na visão da criança pré-operatória tudo é real, esta característica se acha

intimamente associada à concreção de seu pensar, para ela, é difícil diferenciar

entre um sonho ou fantasia e realidade.

Estas crianças consideram o mundo somente através de seus olhos, pois seu

pensar reflete uma posição autocentrada e elas não conseguem ver uma situação

do ponto de vista do outro. Sustentei que o pensamento da criança é egocêntrico,

não no sentido da hipertrofia do eu, mas no de centralização do pensamento sobre

o ponto de vista próprio (PIAGET, 1993, p. 75).

Este pensamento egocêntrico dificulta a atividade cooperativa, pois

somente quando as estruturas lógicas (operatórias) estão construídas, é que se

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verifica as trocas intelectuais propriamente ditas. As estruturas do pensamento

pré-operatório tendem a excluir as relações sociais de cooperação.

Em conseqüência desse egocentrismo, elas não conseguem entender como

suas ações podem afetar outras pessoas.

Associada à característica egocêntrica do pensar pré-operatório, é

encontrada nessa criança uma visão animista, a tendência de dotar todos os

objetos com as mesmas qualidades animadas possuídas pela criança, assim uma

árvore, uma boneca, podem ver, ter sentimentos e pensar do mesmo modo que

ela.

Tipicamente, a criança pré-operatória se concentra ou responde unicamente

a um só aspecto de uma situação. Esta centração pode ser física, como dar

atenção a um aspecto físico de um objeto ou evento, ou pode ser temporal,como

prestar atenção somente a um momento do tempo.

Essa tendência simplifica o mundo com o qual a criança tem de interagir, mas

também elimina a capacidade para resolver problemas que solicitam a

consideração simultânea de mais de um aspecto da situação.

Uma outra característica presente nas crianças está relacionada ao fato de

pensarem as situações como são agora e, até certo ponto, como eram ou como

poderiam ser, mas não focalizam o pensamento em como ocorrem as transições

de um estado para o outro.

As crianças pré-operatórias podem pensar no que está acontecendo agora e

também como eles chegarão à próxima meta, porém tem falta de capacidade de

pensar como chegaram no estado presente, ou seja, não conseguem voltar atrás

e perceber como uma situação se formou.

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Esta deficiência é chamada de irreversibilidade. O pensar reversível começa

a surgir no quinto ou sexto ano e significa a transição para níveis superiores de

pensamento.

No que se refere às classificações, entre dois e seis anos, ocorrem

mudanças significativas na capacidade da criança para classificar objetos. As

crianças dessa idade demonstram uma forma simples de classificação em que as

classes são definidas por atributos únicos – os sistemas de classificação se

caracterizam por uma inconfiabilidade, posto que a propriedade que define uma

classe de objetos pode mudar rapidamente.

Com quatro anos de idade, uma criança pode colocar objetos em classes

claramente definidas, mas ainda deixam de fora elementos que deveriam ser

incluídos.

Somente com cinco ou seis anos, pode demonstrar o uso de classificação

sistemática, em que os objetos são definidos por um atributo que partilham em

comum.

Embora a criança pré-operatória não consiga formar classes usando o critério

de inclusão, Piaget afirma que essa incapacidade não é resultado de uma

incapacidade para responder simultaneamente a dois atributos de um objeto, mas

sim de sua tendência em atentar somente para um único atributo.

Os conceitos de tempo, espaço e número representam também uma das

muitas propriedades do universo que a criança precisa compreender para chegar

ao mundo cognitivo dos adultos.

A criança pré-operatória possui um rudimentar conhecimento de cada

conceito que é definido pelas características de seu pensar – egocentrismo,

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centração e irreversibilidade de pensamento. Essas limitações são observáveis

quando a criança se confronta com um problema que exige um esquema

conceitual desenvolvido.

Os adultos definem um conjunto de objetos como maior do que o outro,

porque este tem mais elementos, um julgamento que se baseia no tamanho

relativo dos dois conjuntos. Em contraste, a criança com menos de seis anos

conclui que um conjunto é maior do que outro, porque o conjunto maior teve

elementos que lhe foram adicionados mais recentemente do que o conjunto

menor, um julgamento que se baseia somente nas mudanças imediatas, no

tamanho de um dos conjuntos de objetos.

A fim de ilustrar, serão usados os clássicos exemplos, citados por Piaget, das

atividades envolvendo o conceito de conservação, como no caso de duas fileiras

de fichas que apresentam a mesma quantidade, admitida inicialmente pela

criança, mas que no momento que uma das fileiras é alongada, sem adicionar ou

subtrair alguma ficha passam na percepção da criança a ter mais elementos ou

ainda, na apresentação de dois frascos iguais, contendo a mesma quantidade de

líquido que passam a ter uma quantidade diferente, quando em um deles a água é

transportada para um frasco mais largo ou mais alto.

Estes exemplos representam o não entendimento das conservações, seja do

número ou de qualquer propriedade conceitual. A conservação refere-se ao fato

de que as propriedades conceituadas de um objeto não modificam seu valor

somente em decorrência de outras propriedades possuídas pela mudança do

objeto.

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A criança, descrita por Piaget, demonstra ainda numerosos problemas em

seus conceitos de espaço, tem dificuldade em conceituar o rearranjo de

relacionamentos espaciais que podem ocorrer após a rotação de um objeto.

A concepção de tempo por parte da criança pré-operatória é distorcida,

enfoca o aqui e o agora. O passado é uma lembrança vaga, desorganizada e o

futuro é um labirinto especulativo.

2.4. Contribuições da Teoria de Piaget no Processo Educativo

Muito se tem escrito sobre a importância dos primeiros anos de vida para a

vida futura das crianças, Piaget acreditava que a inteligência de uma pessoa

adulta dependia muito do que lhe fosse oferecido. Seus estudos sobre o

desenvolvimento infantil trazem significativas contribuições para a prática da

educação..

Piaget defende o aluno ativo no processo de construção do conhecimento,

para isso deve-se promover uma educação que assegure a ação das crianças

sobre os objetos, uma educação que favorece a interação que segundo ele, são

indispensáveis para a constituição da lógica do pensamento infantil.

Através da ação, a criança desenvolve o conhecimento físico e lógico-

matemático. Em suas pesquisas, Piaget demonstra que as crianças aprendem e

se desenvolvem simplesmente vivendo inúmeras situações da vida diária, essas

situações estimulam a inteligência dos pequenos, brincando com areia, água,

organizando os materiais, classificando os objetos como livros e brinquedos, as

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crianças vão estabelecendo relações de causa e efeito, adquirindo noções de

espaço e conservação, necessárias ao desenvolvimento das estruturas lógicas.

Piaget é um interacionista, defende os trabalhos em grupo, a interação social

favorece a aprendizagem, pois à medida que interage com o mundo e os objetos,

a criança vai operando ativamente sobre eles, construindo as estruturas mentais e

a maneira de fazê-las funcionar.

Os pressupostos de sua teoria conduzem a uma educação que promova o

desenvolvimento cognitivo, uma educação desafiadora que provoque

desequilíbrios e reequilíbrios, facilitando a descoberta do conhecimento.

A criança aprende experimentando, agindo sobre os objetos, para possibilitar

então o desenvolvimento cognitivo é indispensável à criação de um ambiente

propício a atividade, um ambiente rico em experiências estimulantes.

A Educação Infantil a partir dos fundamentos de Piaget, pressupõe

simbolismo através dos jogos de faz-de-conta, dramatizações, experiências e

jogos com ênfase nas situações-problema, atividades diversificadas para

promover a autonomia e a criatividade, trabalhos em grupo, favorecendo a

cooperação, o desconcentrar da criança, o aprender a esperar e a partilhar.

É de fundamental importância para o direcionamento da ação infantil que o

professor conheça como as crianças pensam, para que saiba se relacionar com

elas, questionando e provocando situações de conflitos cognitivos e tendo ainda

uma atitude de respeito as suas respostas, respeito no sentido de conceber o erro

não como algo a ser eliminado, mais sim, como uma característica do seu pensar.

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3. ALFABETIZAÇÃO COMO PROCESSO COGNITIVO.

“As crianças não aprendem simplesmente porque vêem os outros lerem e escreverem e sim porque tentam compreender que classe de atividade é essa”. “As crianças não aprendem simplesmente porque vêem letras escritas e sim porque essas marcas gráficas são diferentes de outras”. “As crianças não aprendem apenas por terem um lápis e papel a disposição e sim porque buscam compreender o que se pode obter com esses instrumentos. Em resumo: Não aprendem porque vêem e escutam e sim porque elaboram o que recebem, porque trabalham cognitivamente com o que o meio lhe oferece”. (Emília Ferreiro, em Como se aprende a ler e a escrever ou prontidão – um problema mal colocado, de Telma Weisz).

O conhecimento dos estudos de Emília Ferreiro, doutora em psicologia pela

Universidade de Genebra, pesquisadora e aluna de Piaget, que usou sua teoria,

para pesquisar especificamente como a criança constrói sua aprendizagem da

leitura e da escrita, é de fundamental importância para que os educadores

repensem todo o processo de ensino-aprendizagem da língua escrita.

A pesquisa desenvolvida por Emília Ferreiro e Ana Teberosky está descrita

no livro: Psicogênese da Língua Escrita, é uma teoria que possibilita desviar o

centro do trabalho do professor para o ser que aprende a sua relação com o

objeto de conhecimento.

Emília Ferreiro mostra através de suas investigações que a criança na

aprendizagem da leitura e da escrita passa por níveis de conceitualização que

revelam as hipóteses que ela vai construindo.

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Em cada nível a criança elabora suposições, mostrando que reflete sobre

esse objeto conceitual e que suas reflexões vão nascendo de inúmeras situações

de interação concreta com o mundo da escrita.

Emília ferreiro não propõe nenhuma metodologia, nenhuma forma de como

alfabetizar, mas mostra, sobretudo que o processo de apropriação do código

lingüístico não é um simples processo de memorização, mas um processo de

construção cognitiva “que se caracteriza por sucessivas estruturações e por

situações de desequilíbrio, de conflitos que essa criança irá vivenciar nessa

trajetória”.

Esse ponto de vista muda inteiramente a visão do processo de aprendizagem

em relação à alfabetização, a preocupação deixa de lado os aspectos percepto-

motores, ligados a prontidão, para valorizar os aspectos construtivos, associados

ao que a escrita representa e qual a estrutura do modo de representação dessa

escrita.

A escrita não é um produto escolar, mas um objeto cultural resultante do

esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural cumpre diversas funções

sociais e tem modos concretos de existência.

A criança convive, desde muito cedo, com as mais numerosas formas de

inscrições produzidas e interpretadas pelos adultos, nos mais variados contextos:

Vê letreiros em cartazes, jornais, revistas, televisão, vê alguém a sua volta, anota

o número de um telefone, entre outras.

Na presença desses sistemas simbólicos, socialmente construídos, a criança

busca compreender sua natureza como fez anteriormente com outros tipos de

objetos para descobrir suas propriedades, dessa forma, uma criança não espera

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ter seis anos e uma professora à sua disposição, pois já tem hipóteses a respeito

do que seja ler e escrever.

Para descobrir como a criança pode interpretar e produzir escritos, mesmo

antes de ser um escritor ou leitor, no sentido convencional, Ferreiro e seus

colaboradores realizaram uma série de investigações em Buenos Aires, México,

Monterrey, Barcelona e Genebra, com crianças de três a sete anos, de diferentes

procedências sociais (famílias de classe média e de periferia urbana) e de

diferentes situações educativas (com e sem Educação Infantil).

As conclusões dessas pesquisas afirmam que a escrita infantil segue uma

linha de evolução.

Os resultados encontrados demonstram uma grande convergência em torno

da seqüência de aparecimento de problemas, dos conflitos cognitivos que surgem

e das soluções que a criança busca para resolvê-los com o objetivo de

compreender o sistema de sinais que constituem nossa escrita alfabética,

independente dos meios culturais, situações educativas ou línguas diferentes.

No entanto, se existe por um lado, uma mesma ordem de progressão nas

condutas observadas, o ritmo e a evolução podem ser diferentes: algumas

crianças chegam a descobrir os princípios fundamentais da leitura e escrita antes

de começar a escolarização, porque estão inseridos em um ambiente

alfabetizador, porque têm condições de interagir com a escrita e outros, privados

desses estímulos, estão muito longe de tê-lo conseguido.

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3.1 Níveis Conceituais de Leitura e Escrita

A partir de 2 anos – assim que a criança consegue pegar no lápis, ela

começa a rabiscar. É a época das garatujas. A princípio é a imitação mecânica do

ato do adulto ao escrever, mas a nível conceitual, a criança já dá nome aos seus

rabiscos, que para ela são sempre revestidos de significados.

À Medida que vai crescendo nos seus estágios cognitivos e que lhe é dada a

oportunidade de interagir com materiais impressos, ela vai avançando cada vez

mais.

Após a fase das garatujas, a criança entra na fase icônica – a representação

da escrita através do desenho. Nesta fase, a criança acha que escrever é o

mesmo que desenhar representa o objeto desenhando. As diversas situações do

contato com o mundo da escrita vão possibilitar a passagem para níveis mais

complexos e que obedecem a uma seqüência, podendo ser assim constituídos:

• Nível pré-silábico – a escrita é alheia a qualquer tipo de correspondência

entre grafias e sons, não está regulada por diferenças ou semelhanças

entre os significantes sonoros. O nível pré-silábico apresenta-se de forma

mais restrita ou mais evoluída. No nível pré-silábico restrito – escrever é

reproduzir os traços típicos da escrita que a criança identifica como forma

básica. Dessa forma, se a criança trabalha na escola com letras de

imprensa, fará rabiscos separados com linhas retas e curvas. Por outro

lado, se a forma básica for a cursiva, fará grafismos ligados entre si com

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linhas onduladas. Uma característica presente neste nível é que a criança

usa sempre os mesmo sinais gráficos que podem ser letras convencionais

ou outros símbolos quaisquer. A criança pré-silábica acha que os nomes

das pessoas e das coisas têm relação com o seu tamanho ou idade,

Piaget denominou este fenômeno de Realismo Nominal – coisas

grandes, escreve com muitas letras, coisas pequenas com poucas letras.

As crianças não separam os elementos das palavras, fazem sempre uma

leitura global do que está escrito – cada letra ou sinal vale pelo todo.

O nível pré-silábico mais evoluído caracteriza-se pela descoberta por parte

da criança que coisas diferentes têm nomes diferentes. Assim, passa a imprimir

diferença nas grafias das palavras, ás vezes mudando apenas a ordem das letras.

A hipótese é de que se o escrito tem o tempo todo as mesmas letras, não

pode ser lido ou interpretado.

As crianças dedicam neste nível um grande esforço intelectual para buscar

diferenciação entre as escritas e formulam a hipótese de que palavras formadas

por menos de três sinais gráficos são servem para ler, por isso não escrevem com

menos de três letras ou sinais – toda escrita tem que ter no mínimo três letras para

que diga “algo”.

As crianças então, exploram critérios que lhes permitem variação sobre o

eixo qualitativo – variando o repertório que se utiliza de uma escrita para outra, ou

seja, variar a posição sem modificar a quantidade.

Esses critérios nascem da necessidade de estabelecer diferenças entre as

partes e o todo.

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Os “pequenos” podem chegar neste nível em duas situações diferentes:

alguns possuem um repertório de letras muito restrito e outros um repertório muito

grande de letras á sua disposição.

As crianças do primeiro grupo, mantém uma quantidade fixa de letras e a

diferença do significado entre as palavras se obterá variando as letras numa

ordem linear, ou seja, usam as mesmas letras, porém trocando-as de lugar.

O segundo grupo de crianças, que possuem um repertório maior são aquelas

cujo meio em que vivem proporciona uma infinidade de situações de leitura e

escrita, aumentando o número de formas fixas de que dispõem. Formas fixas são

palavras que a criança aprende no meio escolar e extra-escolar e que ela é capaz

de reproduzir mesmo na ausência do modelo; seu próprio nome, o nome dos

colegas, XUXA, coca-cola são alguns exemplos.

• Nível silábico – a leitura da própria escrita que até então era global e não

analisável começa a mudar. Percebe que a palavra é formada por

segmentos, estabelece a correspondência quantitativa entre os sinais

gráficos e os segmentos orais, ou seja, colocará tantos sinais gráficos

quantas forem as vezes que abrir a boca para falar determinada palavra.

A criança neste nível passa a fazer tentativas no sentido de atribuir um valor

sonoro a cada uma das letras que compõem a escrita. Quando descobre que a

escrita representa a fala, formula a hipótese silábica (cada letra ou sinal gráfico

vale por uma sílaba, se por um lado esta hipótese é falsa, do outro é da maior

importância evolutiva para a aprendizagem da leitura e da escrita).

Este nível representa um salto qualitativo em relação aos níveis precedentes.

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Inicialmente, as grafias são diferenciadas, sem que as letras tenham seu

valor sonoro convencional.

Em um grau de evolução maior, as crianças empregam, nas suas grafias,

vogais a consoantes com valor sonoro convencional, letras das sílabas das

palavras que querem escrever.

O nível silábico, apesar de representar um avanço cognitivo, é também fonte

de conflitos, pois as crianças irão vivenciar algumas contradições que

desestabilizarão as hipóteses anteriormente consolidadas.

A escrita das palavras monossílabas e dissílabas resulta em conflito, posto

que a nível anterior a criança formula a hipótese de que uma palavra para ser lida

ou escrita tem que ter no mínimo três letras. Na escrita silábica essas palavras

serão representadas por uma ou duas letras, portanto não dá para ler.

Outro conflito presente refere-se ao fato de que as escritas dos adultos

possuem mais letras do que a hipótese silábica permite.

É importante destacar que este nível, não significa a capacidade da criança

para compreender e assimilar sílabas, portanto o trabalho com as famílias

silábicas é improdutivo nesta fase.

• Nível silábico-alfabético – marca a transição entre os esquemas prévios

em via de ser abandonado (hipótese silábica) e os esquemas futuros em

vias de ser construído.

A criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como uma

unidade, mas que ela é, por sua vez. Composta de elementos menores.

A criança enfrentará então novos conflitos:

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Quantitativo – Não basta uma letra por sílaba, mas também não se pode

estabelecer nenhuma regularidade, duplicando a quantidade de letras por sílabas,

já que há sílabas com uma, duas três ou mais letras.

Qualitativo – enfrentará os problemas ortográficos: identidade do som não

garante a identidade das letras, nem a identidade de letras, a de som.

(mesmo som – várias letras) Exemplos: xícara – chinelo, selo, cedo.

Ao descobrir que o esquema de uma letra por sílaba não funciona, a criança

procura acrescentar letras à escrita da fase anterior.

Começa então a grafar algumas sílabas completas, e outras incompletas

(ainda representadas por uma letra só). Geralmente, as sílabas completas são a

1ª ou a última da palavra (mescla de duas concepções-silábicas e silábico-

alfabética).

Essa fase pode caracterizar a omissão de letras pela criança, mas na

verdade a criança está acrescentando letras à sua escrita da fase anterior

(silábica).

• Nível alfabético – ao chegar nesse nível, pode-se considerar que a

criança atingiu a compreensão do sistema de representação da

linguagem escrita. Ela percebe que a palavra escrita é constituída de

subconjunto de letras que são as sílabas.

A criança já é capaz de fazer análise sonora dos fonemas das palavras,

porque descobre que cada letra corresponde a valores menores que a sílaba.

Isso, porém, não significa que todas as dificuldades estejam vencidas. A

partir daí, surgirão os problemas relativos à ortografia que serão trabalhados e

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tratados no período pós-alfabetização, quando será enfatizada a construção da

base ortográfica.

A passagem por esses níveis é feita de forma natural, entretanto, a evolução

na escrita dependerá dos estímulos e oportunidades que lhe serão oferecidos.

3.2 A Importância de um Ambiente Alfabetizador

É comum ainda encontrarmos muitos professores que acreditem que antes

de ser alfabetizada, a criança deve passar por um “período preparatório”, ou seja,

um período onde executarão uma série de atividades através de “trabalhinhos”

xerocopiados ou impressos em livros a fim de estimular as percepções visuais,

auditivas, táteis e treinar a coordenação motora para depois iniciar o processo de

alfabetização.

Essa forma de pensar felizmente, hoje esta começando a mudar, as

pesquisas de Emilia Ferreiro nos trazem uma nova concepção sobre o modo como

a criança aprende a conviver com o mundo de escrita, possibilitando refletir sobre

as práticas tradicionais que desconsideram as hipóteses das crianças, sua forma

de pensar e aprender.

O conhecimento dos níveis conceituais de leitura e escrita anteriormente

analisados é extremamente necessário para a prática dos professores de

educação infantil, haja vista que quanto mais cedo as crianças tiverem contato

com o mundo da escrita, terão mais chances de compreender o funcionamento do

código alfabético.

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Assim sendo, a educação infantil deve ser vista como um espaço em que o

incentivo a pratica da leitura e escrita aconteça naturalmente, desde cedo, por

meio da leitura de histórias, produção de textos individuais e coletivos, escrita do

próprio nome, etc...

Na educação infantil, os pequenos devem ser incentivados a escrever

produzindo oralmente textos com destino de escrita, onde o professor é o escriba,

esta atividade é fundamental por oportunizar a compreensão por parte da criança

de que tudo aquilo que pensamos pode ser falado, e o que falamos pode ser

escrito e lido, a compreensão de que a escrita representa o som da fala.

A etapa propícia para a aprendizagem da leitura e da escrita está na fase

pré-escolar, os estímulos que as crianças recebem do ambiente no qual estão

inseridas são fundamentais para esta conquista.

No RCNEI, o ambiente alfabetizador é definido como...

“Conjunto de situações de uso reais de leitura e escrita, nas quais as crianças têm a oportunidade de participar. Se os adultos com quem as crianças convivem, utilizam escrita no seu cotidiano e oferecem a elas a oportunidade de presenciar e participar de diversos atos de leitura e de escrita, elas podem, desde cedo pensar sobre a língua e seus usos, construindo idéias sobre como se lê e como se escreve”. (RCNEI, 1998, v.3, p.151)

Em outras palavras, o ambiente alfabetizador constitui uma oferta de

oportunidades em que apareça o uso da linguagem escrita: ler um livro de história,

redigir bilhetes aos pais e lê-los para as crianças, as anotações diárias em sala de

aula, leitura de uma instrução de regra de jogo, escrita de uma receita ou de uma

música no papel madeira, parlendas, trava-línguas, entre outras. Estas atividades

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são de grande importância principalmente quando a criança é de uma comunidade

pouco letrada, no qual os atos de leitura e escrita são quase inexistentes.

É essencial propiciar oportunidades de participação em situações onde à

leitura e a escrita sejam necessárias. A experiência com textos variados e de

diferentes gêneros são de vital importância para o processo de letramento.

Os professores da educação infantil devem proporcionar espaços

organizados em sala de aula, cantinhos ou atividades diversificadas para

desenvolver o processo da escrita como:

• Espaço de leitura – Organizado de forma atraente e aconchegante com

almofadas ou tapetinhos, estantes de madeira ou caixa de papelão com

livros infantis, gibis, jornais e revistas.

• Espaço dos jogos – Com caça-palavras, cruzadinha, dominó, bingo, letras

móveis.

• Espaço de faz-de-conta – Oportunizando situações do cotidiano com

materiais impressos como livros de receitas com figuras, embalagens

diversas, blocos de escrever, talões de cheque, lista telefônica.

A rotina da sala de aula deve contemplar ainda o momento da chamada, na

qual os pequenos terão contato com cartões com seu nome e dos colegas e

atividades com análise dos nomes, letra inicial, nomes com mais letras, menos

letras, atividades de classificação dos nomes, possibilitando as crianças

adquirirem a estabilidade da escrita (que os nomes são escritos sempre com as

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mesmas letras e na mesma ordem) estabilidade esta, necessária para que a

criança possa se movimentar cada vez mais em um espaço cognitivo mais

evoluído.

A pré-escola deve ser um ambiente alfabetizador, um espaço onde a criança

tenha a oportunidade de interagir com os diversos materiais impressos,

observando, comparando, classificando, refletindo para que se aproprie dos usos

e funções da escrita, enfim, um ambiente vivo e dinâmico.

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4. CONCEPÇÃO SÓCIO-INTERACIONISTA DE VYGOTSKY

O sócio-interacionismo é uma teoria que vem sendo desenvolvida a partir dos

estudos de Vygotsky e seus seguidores.

Vygotsky graduou-se em Literatura na Universidade de Moscou. Seus estudos

sobre a aquisição da linguagem como fator histórico e social enfatizam a

importância da interação e da informação lingüística para a construção do

conhecimento.

É uma teoria do desenvolvimento intelectual, sustentando que todo

conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas.

Embora não tenha elaborado uma pedagogia, Vygotsky deixou idéias

importantíssimas para a educação.

Atento à “natureza social” do ser humano que desde o berço vive rodeado

por seus pares em um ambiente impregnado pela cultura, defendeu que o próprio

desenvolvimento da inteligência é produto dessa convivência, para ele “na

ausência do outro, o homem não se constrói homem”.

Nesta perspectiva o homem constitui-se como tal através de suas interações

sociais, é alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas em

uma determinada cultura, é por isso que seu pensamento é conhecido como

sócio-interacionista.

Ao considerar a interação do indivíduo com o meio, como característica que

define a constituição humana, Vygotsky se opõe às teses que defendiam o inato e

o adquirido.

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Para Vygotsky, o conhecimento decorre de uma interação dialética que se

dá, desde o nascimento entre o ser humano e o meio social e cultural.

Segundo ele, a vivência é essencial para a transformação do homem de ser

biológico em ser humano.

E pela aprendizagem nas relações com os outros, que construímos os

conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental.

A criança, descrita por Vygotsky, nasce dotada apenas de funções

psicológicas elementares, como reflexo e a atenção voluntária, com o aprendizado

cultural, parte dessas funções transformam-se em funções psicológicas superiores

como consciência e o planejamento.

Essa evolução acontece pela elaboração das informações recebidas do

meio, que não são absorvidas diretamente, são sempre intermediadas pelas

pessoas que rodeiam a criança, carregando significados sociais e históricos.

A obra de Vygotsky pode significar uma grande contribuição para a área de

educação, pois possibilita uma série de reflexões sobre a questão do

desenvolvimento e aprendizagem.

4.1 Conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal

O desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que

realiza num determinado grupo cultural, a partir das interações com outros

indivíduos de sua espécie, exemplificando, a criança só aprenderá a falar, a ler e a

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escrever se estiver inserida numa comunidade de falantes ou em um ambiente

letrado.

Nesta perspectiva, é o aprendizado que possibilitará a movimentação dos

processos de desenvolvimento, nas palavras de Vygotsky “O aprendizado

adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em

movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma seriam

impossíveis.” (REGO, 1995).

Para Vygotsky a evolução intelectual é caracterizada por saltos qualitativos

de um nível de conhecimento para outro.

Objetivando explicar esse processo, ele desenvolveu o conceito de Zona de

Desenvolvimento Proximal, que definiu como “a distância entre o nível de

desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial”.

O nível de desenvolvimento real se refere aquilo que a criança é capaz de

fazer sozinha, capacidades que já aprendeu e domina, são processos de

desenvolvimento já completados.

O nível de desenvolvimento potencial é definido por aquilo que a criança é

capaz de fazer, só mediante a ajuda de outra pessoa, nesse caso, soluciona

problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência

compartilhada e de pistas que lhe são dadas.

A zona de desenvolvimento proximal “define aquelas funções que ainda não

amadureceram, que estão em processo de maturação, funções que

amadurecerão, mas que estão presentes em estado embrionário” (VYGOTSKY,

1984, p. 97).

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O conceito de zona de desenvolvimento proximal é de extrema importância

para o desenvolvimento infantil e para a ação educativa, porque possibilita um

entendimento sobre os ciclos já formados, como os que estão em via de formação

e ainda a elaboração de estratégias pedagógicas que auxiliam esse processo.

4.2 O Papel do Professor

O conceito de zona de desenvolvimento proximal promove significativas

contribuições para o papel do professor, pois desmistificam a visão de que o

desenvolvimento é pré-requisito para a aprendizagem, posto que para Vygotsky os

processos de desenvolvimento são impulsionados pela aprendizagem e só

amadurecerá se aprender.

A teoria de Vygotsky oportuniza uma reflexão sobre as práticas tradicionais

da educação infantil que olham o desenvolvimento retrospectivamente, aquilo que

a criança já sabe fazer é o que representativo no seu desenvolvimento, possibilita

questionar os famosos exercícios de prontidão para alfabetização com ênfase nas

atividades percepto-motoras, mudando o foco do processo para uma educação

centrada no individuo.

A distância entre o que a criança é capaz de fazer de forma autônoma (nível

de desenvolvimento real) e aquilo que ela é capaz de realizar em colaboração com

os outros (nível de desenvolvimento potencial) possibilite ver o desenvolvimento

de forma prospectiva.

Para Vygotsky, o bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento, nesta

perspectiva então, a educação infantil deve desafiar, exigir e estimular o intelecto

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das crianças, pois o pensamento conceitual (capacidade de abstrair e estabelecer

relações) dependerá principalmente do contexto em que as crianças estiverem

inseridas.

As contribuições da teoria de Vygotsky redimensionam o papel do professor

da educação infantil, que passa a ter extrema importância no contexto escolar, sua

função é o de mediador entre a criança e o conhecimento, o facilitador das

interações entre os alunos, o parceiro privilegiado, pois tem condições de tornar

acessível o patrimônio cultural da humanidade. Seu papel a partir do conceito de

zona de desenvolvimento proximal é o de possibilitar os avanços no

desenvolvimento dos pequenos, sua intervenção deve ser direta, incidindo nas

funções que estão em estado embrionário.

Construir conhecimentos na perspectiva Yygotskyana implica numa ação

partilhada, já que através dos outros, as relações entre sujeito e objeto do

conhecimento são estabelecidos.

Com base nessa premissa, o professor deve então promover essas trocas no

cotidiano da sala de aula, a prática escolar deve considerar o aluno ativo e

interativo no seu processo de construção do conhecimento.

Para planejar estratégias que o possibilitarão os avanços das crianças, é

necessário que o professor conheça o desenvolvimento real dos seus alunos,

seus conhecimentos prévios, sua história, suas expectativas, suas hipóteses que

devem ser o ponto de partida para a organização de seu trabalho.

O ponto de partida, no entanto, só será possível de ser definido, se o

professor estiver disponível a observar, a registrar o que a criança fala, pensa,

age, de que modo interage, suas dúvidas e dificuldades e a partir desse

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conhecimento propor atividades que levem os alunos a pensar, a buscar

respostas, contando com seu auxilio direto, com explicações, pistas e sugestões,

objetivando assim, consolidar o desenvolvimento que era antes apenas potencial.

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5. TEORIA DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS DE GARDNER

Howard Gardner é um psicólogo cognitivo e educacional, professor da

Universidade de Havard. Ganhou destaque no meio educacional a partir da

década de 90, é um revolucionário da teoria da mente, pluralizando seu conceito e

buscando evidências em pessoas com perfis cognitivos diferentes:

desenvolvimento normal, excepcional (prodígios, idiotas, autistas) e com danos

cerebrais.

Gardner assumiu a posição de que os seres humanos são dotados de

diversas competências intelectuais, chamadas inteligências. Para ele, as

manifestações de inteligência são múltiplas e compõem um amplo espectro de

competências que envolvem as dimensões a seguir:

• Inteligência lógico-matemática – se manifesta através da facilidade

para cálculo, na capacidade de acompanhar cadeias de raciocínio e

solucionar problemas da natureza lógica. Marcante em engenheiros,

físicos, matemáticos e jogadores de Xadrez;

• Inteligência lingüística – se manifesta pela capacidade em organizar

palavras em uma sentença e a lidar de forma criativa com as palavras

e a linguagem de modo geral. Está presente em escritores, poetas,

oradores e vendedores;

• Inteligência musical – é revelada pela sensibilidade à linguagem

sonora do meio ambiente, capacidade de transportar sentimentos a

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sua composição e aguçada percepção musical. Essa inteligência é

encontrada em pianistas, violonistas, músicos em geral.

• Inteligência corporal-cinestésica – se manifesta pela capacidade de

resolver problemas ou elaborar produtos, utilizando o corpo (ou partes

do mesmo) e seus movimentos de maneira hábil para fins de

expressão. Presente em dançarinos, atletas, artesãos e cirurgiões.

• Inteligência espacial – caracterizada pela capacidade em se perceber

formas iguais ou diferentes em objetos apresentados sob outros

ângulos, em identificar o mundo visual com precisão, em efetuar

transformações sobre suas próprias percepções, em imaginar

movimentos ou deslocamentos entre partes de uma configuração e em

se orientar no espaço. Presente nos arquitetos, geógrafos, marinheiros

e exploradores.

• Inteligência interpessoal – está baseada na capacidade de perceber

distinções entre os outros; estados de ânimo, temperamentos,

motivações e intenções. Habilidade em descentrar-se para trabalhar

com o outro. Aparece em líderes religiosos, políticos, professores e

terapeutas;

• Inteligência intrapessoal – está relacionada ao conhecimento dos

aspectos internos de uma pessoa, é o conhecimento em relação a si

mesmo, capacidade de estar bem consigo, característico de quem

controla suas emoções e administra seus sentimentos.

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Após ter divulgado as sete inteligências destacadas acima, gardner

acrescentou mais duas inteligências, a naturalista que se refere a um

entendimento do mundo da natureza e a existencialista, relacionada aos

questionamentos sobre a vida, a morte e o universo.

A teoria de Gardner contrapõe o modelo tradicional de pensar a inteligência,

desfazendo a hegemonia sobre a cognição humana, desmistifica o pensamento

decorrente da cultura ocidental que coloca em um pedestal o raciocínio lógico-

matemático e a habilidade lingüística.

Gardner pluraliza o conceito de inteligência, que passa a implicar na

capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes num

determinado ambiente ou comunidade cultural.

Para lidar com essa pluralidade de inteligência, é importante compreender

que ela serve como afirma Gardner (1995) tanto como conteúdo de instrução,

quanto como meio para comunicar algum conteúdo.

Objetivando explicitar melhor, será descrito o exemplo da criança que está

aprendendo um princípio matemático, mas não é muito dotada da inteligência

lógico-matemática – o professor deve achar uma rota secundária para trabalhar

determinado conteúdo, visando à solução do problema através de uma inteligência

alternativa.

Segundo Gardner, as inteligências são partes da herança humana genética,

e em algum nível básico, cada inteligência se manifesta universalmente,

independente da educação ou apoio cultural, pois todas as pessoas possuem

partes essenciais de cada uma, algumas mais fortes, ouras adormecidas e por

razões genéticas ou ambientais, revelam perfis cognitivos diferentes.

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Gardner defende a idéia de que as crianças desenvolvem essas habilidades

simbólicas por meio de interações espontâneas com o mundo no qual vivem. As

inteligências são encontradas através de um sistema simbólico:

A linguagem pode ser encontrada através das canções, o conhecimento

espacial através do desenho, a corporal-cinestésica por gestos, movimentos e

danças.

De acordo com esse teórico, as crianças têm mentes muito diferentes uma

das outras, eles possuem forças e fraquezas próprias e é um erro pensar que

existe uma única inteligência em termos da qual todas as crianças podem ser

comparadas.

O maior desafio é conhecer cada criança como ela realmente, saber o que ela é capaz de fazer e centrar a educação nas capacidades, forças e interesses dessas crianças. O professor é um antropólogo que observa a criança cuidadosamente, é um orientador que ajuda a atingir os objetivos. (Entrevista de Gardner à revista Pátio - Editora Artes Médicas)

5.1 Implicações Educacionais

A implicação educacional mais importante das teorias das inteligências

múltiplas é o fato de se todos nós, temos diferentes tipos de mente, o professor

devera criar estratégias que favoreçam o desenvolvimento das crianças pequenas.

A proposta de educação seria de garantir que cada criança recebesse uma

educação que maximizasse seu potencial intelectual.

A criança pré-escolar é mais receptiva, tem uma criatividade e impulsividade

que lhe permite experimentar, sonhar sem fronteiras.

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É extremamente importante que essas intervenções sejam feitas

precocemente, pois as inteligências no decorrer dos anos nunca são encontradas

em sua forma pura e as crianças maiores já vivenciaram estereótipos de uma

educação viciada.

Gardner propõe uma escola centrada no individuo, voltada para o

entendimento e desenvolvimento do perfil cognitivo do aluno, valorizando a

aprendizagem cooperativa e enfatizando os interesses de cada criança.

As interações sociais são defendidas pela teoria das I.M e podem ter uma

influência muito positiva no desenvolvimento infantil quando bem organizadas,

haja vista a realização de atividades em pequenos grupos, dar origem às trocas

importantes, levando cada criança a explicitar seu pensamento, diálogos e trocas.

“A tarefa do professor é a de mostrar a frutinha.Comê-la diante dos olhos dos alunos. Provocar a fome, erotizar os olhos, fazê-los babar de desejo. Acordar a inteligência adormecida. Ai a cabeça fica grávida: engorda com idéias e quando a cabeça fica grávida não há nada que segue o corpo”. Rubem Alves

Na perspectiva da teoria das múltiplas inteligências, o professor da educação

infantil deve criar estratégias pedagógicas que possibilitam avançar no

desenvolvimento cognitivo múltiplo, fornecendo experiências, estimulando os

sentidos da criança para a música, arte, jogos de raciocínio, para a dança, a

alfabetização cartográfica, pictórica e emocional da criança.

As atitudes devem oportunizar o domínio de habilidades, despertar a

imaginação, estimular a cooperação sobre as regras e limites, explorando e

ampliando os inúmeros saberes que a criança possui.

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As inteligências, parafraseando Celso Antunes, são como janelas de um

quarto e o professor deve possibilitar essa abertura, potencializando as

intervenções e despertando as competências adormecidas mediante a inserção

das crianças em um ambiente encorajador.

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CONCLUSÃO

Comumente se fala muito de qual a melhor forma de ensinar as crianças,

raramente se pergunta como a criança aprende, esta pergunta no entanto é muito

importante para o direcionamento do trabalho pedagógico.

A possibilidade da criança aprender depende dos fatos e observações por ela

vividos, às vivências podem ajudar ou não a criança a se desenvolver.

Nesta perspectiva, então, os estudos de Piaget, Emilia Ferreiro e Gardner

trazem um grande leque de estratégias possíveis para tornar o espaço da

educação infantil em um local agradável, alegre e prazeroso, onde as crianças

possam vivenciar relações que ajudem-nas a desenvolver-se enquanto pessoas e

cidadãs, pessoas críticas e criativas, capazes de expressar sentimentos, emoções

e atitudes de cooperação.

Favorecer as experiências, as brincadeiras de faz-de-conta, os trabalhos em

grupo, a compreensão do mundo da escrita através da interação com os diversos

materiais impressos, despertar as funções que estão em estado embrionário,

buscar rotas secundárias para a superação das dificuldades, são caminhos que

deverão ser oportunizados pelos educadores.

Um novo olhar sobre as crianças é fazer do espaço escolar um local onde

todos se respeitem, dialoguem, um local de incentivo a curiosidade, a iniciativa, a

autonomia, a criatividade, um local aberto para o erro e para as diferenças.

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BIBLIOGRAFIA

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. KAMII, Constance. Piaget para Educação Pré-Escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. PIAGET, Jean. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995. TONUCCI, Francisco. Com olhos de criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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ANEXOS

Figuras Retiradas do Livro “Com Olhos de Criança”