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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA DA IMPOSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA ADOÇÃO À BRASILEIRA Por: Camile Fernandes Micho Orientador Prof. Jean Alves Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

DA IMPOSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA ADOÇÃO À

BRASILEIRA

Por: Camile Fernandes Micho

Orientador

Prof. Jean Alves

Rio de Janeiro

2014

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

DA IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA ADOÇÃO À

BRASILEIRA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito Privado e Civil.

Por: Camile Fernandes Micho.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Denize, vez que sua

história de vida, permitiu que este

trabalho fosse realizado.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Paulo e Denize, às minhas

irmãs Tammires e Cristina, ao meu noivo

Rafael, aos meus avós, sobrinhos e

afilhados pelo apoio, compreensão e

amor incondicional que demonstraram por

mim durante toda a elaboração deste

projeto.

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Com sacrifício eu criei meus sete filhos Do meu sangue eram seis e um peguei com quase um mês

Fui viajante, fui roceiro, fui andante E pra alimentar meus filhos não comi pra mais de vez

Sete crianças sete bocas inocentes Muito pobres mas contentes não deixei nada faltar

Foram crescendo foi ficando mais difícil Trabalhei de sol a sol mas ele tinham que estudar

Meu sofrimento Ah!, Meu Deus valeu a pena

Quantas lágrimas chorei Mas tudo foi com muito amor

Sete diplomas sendo seis muito importantes Que as custas de uma enxada conseguiram ser doutor

Hoje estou velho meus cabelos branqueados O meu corpo está surrado minhas mãos nem mexem mais

Uso bengalas sei que dou muito trabalho Sei que às vezes atrapalho meus filhos até demais

Passou o tempo eu fiquei muito doente Hoje vivo num asilo e só um filho vem me ver

Esse meu filho coitadinho, muito honesto Vive apenas do trabalho que arranjou para viver

Mas Deus é grande e vai ouvir as minhas preces Esse meu filho querido vai vencer eu sei que vai

Faz muito tempo que não vejo os outros filho Sei que eles estão bem e não precisam mais do pai

E um belo dia me sentindo abandonado Ouvi um voz bem do meu lado

Pai eu vim pra te buscar! Arrume as malas vem comigo, pois venci

Comprei casa e tenho esposa E o seu neto vai chegar

De alegria eu chorei e olhei pro céu Obrigado, meu Senhor a recompensa já chegou!

Meu Deus proteja os meus seis filhos queridos Mas foi meu filho adotivo

Que a este velho amparou. Filho adotivo - Arthur Moreira e Sebastião Ferreira da Silva

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RESUMO

Analisam-se as questões relevantes envolvendo a possibilidade de

desconstituição da adoção à brasileira com a consequente anulação do

registro civil de nascimento, tendo em vista ser a mesma crime tipificado no

artigo 242 do Código Penal Brasileiro. Para melhor compreensão do tema, a

primeira parte volta-se à análise histórica do instituto da adoção com enfoque

para a legislação brasileira, as razões da existência deste tipo de adoção

irregular no Brasil, a sua natureza jurídica, a teoria de nulidade e dos atos

jurídicos e sua relativização e a tipificação criminal desta conduta. Na segunda

parte é estudada a (im)possibilidade de desconstituição da adoção à brasileira

através de requerimento judicial feito pelo falso declarante. A terceira parte

dedica-se a (im)possibilidade de desconstituição desta adoção através de

requerimento judicial dos herdeiros dos falsos declarantes. A quarta parte

objetiva a análise de desconstituição da adoção pleiteada pelo pai biológico ou

mesmo pelo próprio adotado.

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METODOLOGIA

Através da utilização de método histórico, serão considerados os

fundamentos que levaram a adoção à brasileira a ser considerada um costume

pátrio e os motivos pelos quais a sua existência permanece, mesmo após a

sua criminalização. Deste modo, pretende-se compreender as relações

jurídicas provenientes deste negócio jurídico e as possibilidades de considerá-

las inexistentes.

Então, levando-se em consideração os institutos ora estudados e a

partir de um método dialético de abordagem, proceder-se-á à uma análise

doutrinária, jurisprudencial e legislativa que contribua com o avanço nas

discussões sobre o tema e a polêmica advinda de uma possível

desconstituição da adoção à brasileira.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - A adoção à brasileira 13

CAPÍTULO II - A desconstituição da

adoção à brasileira mediante requerimento

dos falsos declarante 37

CAPÍTULO III – A desconstituição da adoção à

brasileira mediante requerimento dos

sucessores dos falsos declarantes 56

CAPÍTULO IV – A desconstituição da adoção à brasileira pleiteada pelos pai biológico ou mesmo pelo próprio adotado 70 CONCLUSÃO 86

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 89

ÍNDICE 94

FOLHA DE AVALIAÇÃO 96

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa analisar a possibilidade de desconstituição da

adoção à brasileira tendo em vista consistir a mesma numa adoção ilegal que

desrespeita os procedimentos legais determinados no Estatuto da Criança e do

Adolescente e da lei de adoção, a atual lei nº 12.010 de 04 de agosto de 2009.

Vislumbra-se este tipo de adoção quando há o registro de filho alheio como

próprio, ou seja, pessoa declara-se genitor de filho de outrem registrando-o no

Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, passando, portanto, a constar

na filiação o nome do falso declarante.

A conduta de registrar filho alheio como próprio é tipificado no artigo

242 do Código Penal, tratando-se de um espécie de crime de falsidade

privilegiada onde se permite, inclusive, o perdão judicial.

Não obstante o aspecto penal ora levantado, imprescindível se faz a

análise na esfera cível de modo a avaliar quais efeitos este tipo de adoção

poderá gerar, como aqueles que se refletem nos direitos da personalidade,

sucessórios, entre outros. Deve-se avaliar se esta adoção pode ser

considerada uma relação jurídica válida produzindo todos os efeitos jurídicos

recebendo o mesmo tratamento de uma adoção legal.

A monografia ora proposta visa estabelecer uma discussão pouco

levantada na doutrina, porém com diversas manifestações da jurisprudência

em razão do ajuizamento de diversas demandas pleiteando a desconstituição

da adoção à brasileira e conseqüente anulação do registro civil de nascimento.

Defenderemos, assim, a impossibilidade de desconstituição da adoção

à brasileira em razão da prevalência do vínculo socioafetivo sobre a origem

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genética de modo a tornar a adoção à brasileira irrevogável e irretratável,

gerando, portanto, todos os efeitos de uma adoção legal.

Ocorre, porém, que certas considerações devem ser realizadas acerca

da nulidade desta adoção de modo a considerá-la sem efeitos, ou seja, como

se nunca houvesse ocorrido autorizando, inclusive, a anulação do registro civil

de nascimento já que baseada em ato ilícito. O mencionado entendimento

mantém adotado e adotante em situação de total insegurança, já que a

qualquer momento se faria possível a desconstituição da relação socioafetiva

estabelecido entre as partes.

Portanto, estabelecer à adoção a brasileira os mesmos efeitos

oriundos da adoção legal seria favorecer aqueles que agiram em

desconformidade com a lei. Por esta razão não se autorizaria convalidar a

adoção, considerando-a nula de pleno direito visto que baseada em fato ilícito.

Contudo, observações também são feitas no sentido de que as

relações socioafetivas sobrepõem-se sobre as relações biológicas, sendo certo

que ao serem efetivamente estabelecidas não poderiam ser modificadas

mesmo que provenientes de ato ilícito.

Acrescenta-se, ainda, o fato que o maior interessado é o adotado, que

curiosamente permanece excluído do processo de adoção à brasileira,

encontrando-se, portanto, de boa-fé. Deste modo, ao nosso sentir, o adotado

jamais poderia ser prejudicado por uma possível desconstituição devendo ser

resguardados todos os seus direitos.

O referido tema foi escolhido pela relevância social à qual a adoção à

brasileira possui em nosso país, já que, como o próprio nome sugere, é de

comum ocorrência na sociedade brasileira apesar de ser considerado crime

tipificado em nosso ordenamento jurídico.

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Segundo Lidia Weber, em seu estudo intitulado “Pais e filhos por

adoção no Brasil”, “41,5% das adoções informais – ou seja, realizadas com

inobservância do procedimento legal de adoção – foram realizadas mediante

declaração falsa de nascimento, ou seja, através da adoção à brasileira”1.

Diante da realidade social brasileira, onde inúmeras adoções foram

realizadas mesmo que através do cometimento do crime tipificado no artigo

242 do Código Penal, discute-se a viabilidade da desconstituição da adoção à

brasileira em razão da declaração de nulidade e a consequente anulação do

registro de nascimento.

Argumenta-se sobre a razoabilidade de desconstituição de toda uma

realidade fática de vida vivida pelo adotado e a razoabilidade em retira-lhe a

sua própria estrutura como nome, sobrenome, filiação, entre outros direitos de

personalidade.

Ressalta-se, ainda, que dentro destas argumentações, vislumbra-se

diversas situações a quais os personagens envolvidos podem modificar os

questionamentos acerca da desconstituição da adoção à brasileira, de modo

que ao julgador sempre caberá avaliar o caso concreto para decidir sobre a

desconstituição ou não deste tipo de adoção.

A presente monografia, portanto, está dividida em quatro capítulos. O

primeiro capítulo versa sobre os aspectos gerais da adoção à brasileira; o

segundo versa sobre a possibilidade de desconstituição da adoção à brasileira

mediante requerimento do falso declarante; o terceiro trata da possibilidade de

desconstituição da adoção à brasileira mediante requerimento dos sucessores

dos falsos declarantes e o quarto disserta sobre a desconstituição da adoção à

brasileira mediante requerimento do pai biológico desconhecedor da existência

de filho ou mediante requerimento do próprio adotado.

1 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008. Pag. 114.

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A metodologia de pesquisa consiste na utilização, primordialmente, da

interpretação histórica, sendo considerados os fundamentos que levaram a

adoção à brasileira a ser considerada um costume pátrio e os motivos pelos

quais a sua existência permanece, mesmo após a sua criminalização. Deste

modo, pretende-se compreender as relações jurídicas provenientes deste ato

jurídico e as possibilidades de considerá-las inexistentes.

Então, levando-se em consideração os institutos envolvidos e a partir

de um método dialético de abordagem, proceder-se-á a uma análise

doutrinária, jurisprudencial e legislativa que contribua com o avanço nas

discussões sobre o tema e a polêmica advinda de uma possível

desconstituição da adoção à brasileira.

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CAPÍTULO I

A ADOÇÃO À BRASILEIRA

1.1. Relato histórico do instituto do adoção

O instituto da adoção esteve presente em toda a história da

humanidade, vez que citado em diversos acontecimentos em diferentes

períodos de nossa história. Evidentemente, tal instituto sofreu as modificações

advindas da evolução da própria sociedade, sendo conhecido hoje, de maneira

bem distinta de quando se tem as primeiras notícias de sua existência.

Como forma de explicar a adoção e o porquê de sua existência,

surgiram diversos mitos antigos, sejam na mitologia ou na tragédia grega.

Esses mitos e contos eram uma espécie de explicação para a sociedade da

época sobre acontecimentos, a princípio, inaceitáveis, já que contrariavam a

natureza, haja visto ser natural apenas o reconhecimento dos filhos biológicos,

já que naturais.

É certo que as histórias de adoções caminham de maneira a tornar os

adotivos verdadeiros sobreviventes, já que na antiguidade, quando um dos

pais não desejava os filhos, colocava-se os recém-nascidos em um lugar

selvagem, para que fossem mortos por estes.

Nos contos mitológicos, há relatos de diversos casos de rejeição de

filhos naturais, onde os pais biológicos por algum motivo não desejaram o

nascimento do menor, abandonando-os à própria sorte, que por algum motivo

sobreviveram. Em razão da condição de sobreviventes, estas crianças

receberam enorme valorização, passando a serem conhecidas como

verdadeiros heróis ou até mesmo deuses com poderes inexplicáveis,

compensando àqueles do terrível destino anteriormente reservado a eles, vez

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que além de sobreviventes receberam o direito de serem amados por outro

ser, tornando-os muito mais forte, como se tivessem controle de seu destino.

São exemplos de sobrevivência a história de Édipo, Mogli, o menino lobo,

Tarzan, entre outros.2

O mais famoso personagem, entretanto, é Moisés, em que a Bíblia nos

remete seu nascimento e história de vida. O Rei do Egito havia mandado matar

todos os hebreus meninos, atirando-os no Rio Nilo. Desta forma, conta a Bíblia

que:

[...]não mais podendo escondê-lo, sua mãe tomou uma cesta de junco, untou-a de betume e pez, colocou dentro o menino e depô-la a beira do rio, no meio dos caniços. A irmã do menino colocara-se a alguma distância para ver o que lhe havia acontecido. Ora a filha do Faraó desceu ao rio para se banhar, enquanto suas criadas passeavam à beira do rio. Ela viu a cesta no meio dos juncos e mandou uma de suas criadas buscá-la. Abriu-a e viu dentro o menino chorava. E compadeceu-se: “É um filho dos hebreus”, disse ela. Veio, então, a irmã do menino e disse à filha do faraó: “Queres que vá procurar entre as mulheres dos hebreus uma ama de leite para amamentar o menino? “Sim”, disse a filha do faraó. E a moça correu a buscar a mãe do menino. “Toma este menino, disse-lhe, a filha do faraó, amamenta-o: darte-ei o teu salário”. A mulher tomou o menino e amamentou-o. Quando o menino cresceu, ela o conduziu até a filha do faraó, que o adotou como seu filho e deu-lhe o nome de Moisés, “porque, disse ela, eu o salvei das águas”.3

Este romantismo na verdade enaltece uma superação da triste

realidade de abandono ao qual estas crianças foram submetidas e sofreram, já

que em toda adoção existe um sofrimento anterior para a criança: o abandono

pelos pais ou a morte destes.

Cabe ressaltar, contudo, que a adoção durante muitos séculos foi vista

sob os olhos do preconceito e discriminação. A visão sobre este instituto vai se

2 WEBER, Lidia Natália Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 24. 3 Bíblia Sagrada. Êxodo, 2:1 a 2:10

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amoldando de acordo com a fase histórica da sociedade bem como a cultura

de cada país.

Desta forma, aponta Tatiana W. L. de Paula, que na Roma antiga, a

família clássica era a patriarcal. Tinha como interesse maior a ser tutelado a

família enquanto instituição. “O compromisso era manter a vida em comum

independente da existência de afeto, elemento que não era questionado”.4 O

pater familias tinha poderes ilimitados sobre os filhos, podendo escolher entre

sua vida ou morte.

Os gregos, entretanto, viam a adoção como:

[...] resultado de necessidades jurídicas e religiosas, pois pensavam que uma família e seus costumes domésticos não deviam extinguir-se e, como a herança somente poderia ser deixada para um descendente direto, era possível adotar um estranho que se converteria em filho legítimo.5

De acordo com Lidia Weber, em contrapartida, no direito romano, a

adoção era utilizada como instrumento para o exercício da pátria potestas,

dando ao chefe da família a oportunidade de escolher aquele que considerava

mais digno para a continuidade do culto doméstico. Incluía-se, também, nesta

escolha a possibilidade de continuidade da vocação política da família

autorizando-se, inclusive, a sucessão imperial.6

Note-se que tanto no direito romano quanto no direito grego buscava-

se dar continuidade à família, à instituição familiar. Assim, na ausência de filho

legítimo homem – já que se tratava de família patriarcal – autorizava-se a

adoção de forma a colocar este filho adotivo como seu sucessor legítimo seja

4 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2007. Pag. 20. 5 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 40. 6 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 41.

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para manter a estrutura familiar ou até mesmo para manter o poder político na

família. Nas citadas épocas, a adoção, portanto, era aceita pela sociedade.

A posteriori, na Idade Média, as leis passaram a ser regidas pela Igreja

Católica. Através do chamado Direito Canônico, a Igreja passou a regular,

inclusive, a família, somente sendo reconhecido o casamento por ela

celebrado.7 Segundo Lidia Weber durante este período “os filhos adotivos

eram desinteressantes para a Igreja, pois a sua existência não lhe permitia

exercer o seu direito sobre a herança. A Igreja praticamente havia proibido a

adoção”.8

A proibição pela adoção se justificava por entender poder ser esta um

empecilho ao casamento, vez que a única função do matrimônio era a de

perpetuação da espécie, sendo certo, ainda, que a permissão da adoção

possibilitaria tornar filhos aqueles oriundos do adultério, ou seja, transformar

filhos ilegítimos, em filhos legítimos. O sistema de filiação era consequência da

instituição do matrimônio e não do sangue, muito menos do afeto ou amor.9

Assim, a adoção na Idade Média foi extremamente recriminada, sendo

inaceitável pelo Direito Canônico, tendo em vista que só havia o

reconhecimento de filhos advindos do matrimônio.

O instituto da adoção só ressurge quando da Revolução Francesa,

onde o indivíduo sobrepõe-se à vontade da Igreja havendo a instituição do

Estado Laico. A adoção passou a fazer parte, portanto, do Código

Napoleônico, de modo que garantia a transmissão de bens e nome de modo a

ser utilizada, principalmente, para fins de sucessão e de garantia de

patrimônio, sendo bastante rígida.10

7 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2007. Pag. 20. 8 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 43. 9 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2007. Pag. 28. 10 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013, pág. 382.

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Não obstante a evolução do instituto da adoção com o advento do

Código Napoleônico, até o século XIX, o nascimento de filho ilegítimo

continuava sendo socialmente reprovável, o que acabou por ocasionar

inúmeros casos de abortos, infanticídios ou nascimentos clandestinos com

posterior abandono da criança.11 Em razão da grande influência trazida pelo

Código Francês para o restante do mundo, conclui-se que os países adotantes

do civil law ao redor do mundo foram influenciados pelas regulamentações

desta codificação, tendo estabelecido regras e finalidades semelhantes no

ordenamento pátrio. Assim, pode-se dizer que a adoção “foi retirada do

esquecimento pelo Código de Napoleão de 1804, tendo-se irradiado para

quase todas as legislações modernas”.12

Constata Lidia Weber, contudo, que a adoção visava satisfazer os

interesses daqueles que não podiam ter filhos, como forma de dar

continuidade na família. A perspectiva somente começa a sofrer modificações

com o fim da Primeira Guerra Mundial. A partir deste momento, a adoção

começou a adquirir um sentido mais social, voltando-se ao interesse da

criança, em razão do grande número de crianças órfãs e abandonadas.13

No Brasil, a história da adoção acabou por sofrer influência do

ordenamento jurídico vigente em Portugal, assim como a própria estrutura da

sociedade. Desta forma, como a sociedade brasileira refletia a portuguesa,

foram estabelecidas leis, instituições e comportamentos de assistência e de

proteção à infância abandonada, nos moldes do que havia sido adotado no

país colonizador desde os tempos medievais.14

11 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 46. 12 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. 13 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 47. 14 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil.. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 49.

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Como a família se estabeleceu de maneira patriarcal, aristocrata e

escravista15, onde os filhos de portugueses com índias ou negras, ou seja, não

advindos do matrimônio, eram considerados por esses ilegítimos não

recebendo criação e educação nos moldes europeus, passando a ser

rejeitados pelos europeus e pelos indígenas e escravos vez que não possuíam

condições de criá-los.

Como forma de amparo à estes menores, foi estabelecida no Brasil a

“Roda dos Enjeitados”, nos mesmos moldes realizados na Europa, conforme

esclarece Lídia Weber:

[...] nos períodos Colonial e Imperial, crianças legítimas e ilegítimas eram abandonadas em diversos locais urbanos, na tentativa dos pais de livrarem-se do filho indesejado, não amado ou ilegítimo. Para estas crianças, denominadas de enjeitadas, desvalidas ou expostas, foi copiado o “modelo” europeu: a “Roda dos Expostos” ou “Roda dos Enjeitados”, um dispositivo rotatório de madeira que permitia o abandono anônimo de bebês.16

Diante da grande quantidade de bebês abandonados, embora não

tivesse sido sistematizado o instituto da adoção no Brasil, o direito pré-

codificado fazia diversas referências ao instituto, principalmente, as

Ordenações Filipinas de modo a permitir a sua utilização.17 Pode-se afirmar,

portanto, que o instituto da adoção introduziu-se no Brasil através das

ordenações filipinas, sendo, entretanto, esparsas as suas disposições de modo

a não regular precisamente o instituto.

A primeira lei a estabelecer precisamente a adoção foi a Lei de 22 de

setembro de 1828. A mencionada lei “transferia da Mesa do Desembargo do

15 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2007. Pag. 23. 16 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 49. 17 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 382.

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Paço para os juízes de primeira instância, a competência para a expedição da

carta de perfilhamento”18

.

Cumpre ressaltar, entretanto, que apenas com o advento do Código

Civil de 1916, a adoção foi inteiramente regulada “na sua parte especial, Livro I

(Direito de Família), Capítulo V, Título V, em dez artigos (arts. 368 a 378).”19 A

princípio, visava atender apenas aos anseios daqueles que não podiam ter

filhos, conforme assevera, Carlos Roberto Gonçalves:

O Código Civil de 1916 disciplinou a adoção com base nos princípios romanos, como instituição destinada a proporcionar a continuidade da família, dando aos casais estéreis os filhos que a natureza lhes negara. Por essa razão, a adoção só era permitida aos maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada, pressupondo-se que, nessa idade, era grande a probabilidade de não virem a tê-la.20

A adoção, nesta época, não extinguia o vínculo do adotado com a sua

família natural, ou seja, o vínculo de parentesco permanecia não integrando o

adotado de forma integral na nova família, já que permanecia ligado aos

parentes consanguíneos.21

As regras do Código Civil só foram alteradas cerca de 40 anos depois

com o advento da Lei 3.133 de 8 de maio de 1957, com nítido caráter

incentivador da adoção, permitindo a adoção a partir dos trinta anos de idade

independentemente da existência ou não de prole natural.22 Não obstante, a

redução da idade mínima de 50 anos para 30 anos, estabeleceu-se, em

18 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pag. 43. 19 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pag. 44. 20 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 382. 21 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 383. 22 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 382.

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contrapartida, “que os casais só poderiam adotar depois de cinco anos de

casados, certamente para evitar adoções precipitadas”23.

A Lei 3.133/57 trouxe importantes inovações como a possibilidade de o

“adotado poder acrescentar ao nome dos pais de sangue aos do adotante, ou,

ainda, usar somente os do adotante, excluindo os apelidos dos pais de

sangue.”24

Apesar dos avanços, pondera Carlos Roberto Gonçalves que a adoção

não equiparava em direitos os filhos adotivos aos filhos naturais tendo em vista

que aqueles não possuíam direitos sucessórios sobre os pais adotivos quando

da existência destes.25 Ou seja, os filhos adotivos recebiam tratamento

desigual em relação aos filhos naturais.

Pode-se afirmar, portanto, que as modificações advindas com a

mencionada lei não foram suficientes para tornar a adoção um instituto

atraente, haja vista que o vínculo entre o adotado e a família natural

permanecia, já que os pais adotivos permaneciam na insegurança de a

qualquer momento sofrerem a influência da família natural do adotado. Carlos

Roberto Gonçalves, aponta esta situação como a principal causa para a

ocorrência da chamada adoção à brasileira26, conforme será posteriormente

demonstrado.

Posteriormente, na tentativa de tornar mais efetiva a adoção,

introduziu-se no ordenamento jurídico a Lei 4.655/65. A mencionada lei trouxe

a denominada “legitimação adotiva”, pela qual permitia ao adotado o

desligamento de sua família biológica através de inscrição da sentença

23 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pág. 45. 24 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. .Pág. 45. 25 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 382. 26 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013.Pag. 383.

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concessiva da adoção, por mandado no registro civil. Desta maneira o adotado

era tido como filho natural dos adotantes, equiparando-se esta legitimação

como registro fora do prazo.27

Contudo, mesmo se tratando de uma adoção que visasse integrar

totalmente o menor na família adotiva autorizando, inclusive, a mudança de

prenome que ficava à escolha dos pais adotivos, manteve a exclusão do filho

adotivo na sucessão caso viesse a concorrer com filho legítimo superveniente

à adoção, conforme disposto nos arts. 9º e 1605, §2º do Código Civil de

191628.

Ultrapassados quatorze anos, foi editada a Lei 6.697/79, denominada

Código de Menores que, “revogou a lei de legitimação adotiva, substituindo-a

pela ‘adoção plena’, praticamente com as mesmas características da constante

da lei revogada e também visando proporcionar a integração da criança ou

adolescente adotado na família adotiva”.29

A partir desta nova lei, passou a existir no Direito Civil brasileiro dois

tipos de adoção: a adoção simples e a adoção plena. Carlos Roberto

Gonçalves aponta diferenças entre elas:

A adoção plena, é mais abrangente, mas aplicável somente ao menor em “situação irregular”. Enquanto a primeira dava origem a um parentesco civil somente entre adotante e adotado sem desvincular o último da sua família de sangue, era revogável pela vontade das partes e não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural, como foi dito, a adoção plena, ao contrário, possibilitava que o adotado ingressasse na família do adotante como se fosse filho de sangue, modificando-se o seu assento de nascimento para

27 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 383. 28 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pág. 47. 29 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013.Pag. 382 e 383.

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esse fim, de modo a apagar o anterior parentesco com a família natural.30

A adoção plena somente era aplicada aos menores que se

encontravam em situação irregular conforme estabelecido no artigo 2º do

Código de Menores.31 Entretanto, quando se fala em menor em situação

irregular não se trata do menor de 21 anos (menoridade civil para o Código

Civil de 1916), vez que só poderia ser pleiteada quanto ao menor de sete anos

de idade que estivesse em situação irregular, autorizada acima daquela idade

para o adotando que já estivesse sob a guarda dos adotantes (art. 30, Código

de Menores).32

Eunice Ferreira Rodrigues Granato, estabelece outras características

da adoção plena: irrevogabilidade e o direito sucessório ao filho adotivo,

desaparecendo a discriminação até então existente, conforme estabelecido no

artigo 37 da mencionada lei.33.

A promulgação da Constituição de 1988, conhecida como “Constituição

Cidadã”, em razão de seu caráter existencialista, ou seja, estabelece como

princípio basilar a Proteção à pessoa humana, implementando Direitos e

30 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2009. Pag. 383 31 Art.2º Para s efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:

I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis;

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vitima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal. 32 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pág. 48.

33 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pág. 49.

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garantias fundamentais, sendo vedado qualquer tipo de discriminação seja em

função de raça, sexo, origem, filiação ou qualquer outra natureza.

Estabelece o art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988 que todos

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade .

Ao consagrar o Princípio à igualdade, pretendeu o Constituinte fazer

com que se busque “não somente essa aparente igualdade formal (consagrada

no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida

em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,

na medida de suas desigualdade”34, vez que a própria constituição, por

incontáveis vezes tratou de aprofundar esta igualdade material, como no art.

227§6º, que traz a seguinte redação:

“Art. 227, §6º: Os filhos havidos ou não da relação do

casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e

qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias

relativas à filiação.”

Conclui-se, portanto, que o Constituinte Originário, aboliu por completo

quaisquer distinção que se fizesse imposta quanto ao vínculo de parentesco,

biológico ou jurídico de modo que os filhos adotivos ou até mesmo os

ilegítimos – havidos fora do casamento – passaram a ter os mesmos direitos

que os filhos biológicos ou naturais. Reconheceu-se, então, o direito ao nome

dos pais adotivos, direito sucessório com igualdade de cota-parte com o filho

legítimo, elevando-se, portanto, o adotivo à qualidade de verdadeiro filho.

Afastou-se, assim, as regras discriminatórias vigentes no Código Civil de 1916

34 LENZA, Pedro; Direito Constitucional esquematizado; 17ª edição. São Paulo, Saraiva, 2013.

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e no Código de Menores, vez que não recepcionadas pela nova Constituição,

pelo Princípio da Igualdade entre os filhos.

Após as profundas mudanças advindas com a promulgação da

Constituição de 1988, foi editada a Lei 8.069/90, conhecida como Estatuto da

Criança e do Adolescente. “O instituto da adoção passou por nova

regulamentação, trazendo como principal inovação a regra de que a adoção

seria sempre plena para os menores de dezoito anos” 35, adequando o instituto

à igualdade prevista na nossa Lei Maior.

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem como principal objetivo a

proteção integral à criança e ao adolescente. Marcos Duarte comenta com

propriedade:

É consenso doutrinário que o Estatuto da Criança e do Adolescente é baseado no princípio da "proteção integral" (este sim, um princípio) reconhecendo direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes, conforme art. 3°. O direito de crianças e adolescentes é ius cogens (direito cogente é a norma absoluta, cuja aplicação não pode depender da vontade das partes, tem que ser obedecida fielmente, as partes não podem excluí-la nem modificá-la) cabendo ao Estado fazer valer a sua vontade, mediante função protecional e ordenadora.36

Por tal razão, o instituto da adoção foi renovado de modo a proteger

todos aqueles que se encontravam dentro do conceito de criança e

adolescente que compreende desde o recém-nascido até dezoito anos de

idade.

Visando atender ao princípio norteador do Estatuto, a adoção sofreu

mudanças ainda mais sensíveis vez que “o espírito do legislador estatutário é

35 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 383 e 384. 36 DUARTE, Marcos; Nova Lei Nacional de Adoção: a perda de uma chance de fazer justiça. Portal IBDFAM - http://www.ibdfam.org.br/artigos/526. Acesso em 29 de junho de 2014.

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promover a integração da criança ou adolescente na família do adotante, em

tudo igualando o filho adotivo ao natural”37, possibilitando àquela criança ou

adolescente que foi abandonado ou tenha ficado órfão o direito de ter uma

família, de ter um nome e poder ser reconhecido como filho.

As felizes modificações somente foram possíveis devido à mudança de

mentalidade ocorrida em razão dos novos valores trazidos pela Constituição

Federal de 1988, a qual abandonou o caráter patrimonialista antes vigente

para adotar um caráter existencialista, voltada para o indivíduo como pessoa

humana.

Neste sentido entende Tatiana Wagner Lauand de Paula:

Os novos valores trazidos pela Constituição de 1988, que representarem as modificações de forma de viver familiar diante da dinâmica e renovação das tendências sociais, derrotaram essa família, que se manteve por séculos patriarcal. Abandonou-se a ideia principal de hierarquia e a afetividade passou a ser função basilar, responsável pela visibilidade e continuidade das relações familiares[h]. Observa-se, então que a característica patrimonialista e patriarcal da família foram substituídas pela afetividade e dignidade dos membros da família para fins de identificação do indivíduo.”38

Cumpre observar que, após a entrada em vigor da Lei 8.069/90,

passaram a coexistir duas espécies de legais de adoção: a civil e a estatutária.

A adoção civil era a disposta no Código Civil de 1916, sendo certo que passou

a não ser mais aplicada aos menores de 18 anos, enquanto que a adoção

estatutária que era prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente era

aplicada para todos os menores de 18 anos. Era chamada, também, de

adoção plena vez que promovia a absoluta integração do adotado na família

do adotante, já que rompia completamente os vínculos de parentesco natural

37 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pág. 71. 38 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2007. Pag.46.

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do adotado com sua família de origem, exceto no tocante aos impedimentos

para o casamento.39

O Código Civil de 1916 foi inteiramente revogado com a edição do

novo Código Civil de 2002, tendo sido estabelecidas novas regras para

adoção. De acordo com estas regras, a adoção passou a compreender tanto

aquelas relacionadas a crianças e adolescentes quanto a de maiores de

dezoito anos. Diferentemente do Código de 1916, o atual Código Civil passou

a exigir em ambos os casos procedimento judicial, dependente de sentença

constitutiva.

Não obstante ter o código disciplinado integralmente a matéria da

adoção, de modo que, se aplicavam tanto as regras deste Código como do

Estatuto da Criança e do Adolescente, a nova lei de adoção, Lei nº12.010 de 3

de agosto de 2009, revogou quase que por completo as regras dispostas no

Código Civil de 2002. Os únicos artigos que se mantiverem foram os artigos

1.618 e 1.919 que, contudo, tiveram sua redação alterada, de modo que

apenas se determinou que a adoção de menores e adolescentes será feita

inteiramente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e que a

adoção de maiores de 18 anos continua dependendo de sentença constitutiva

e de assistência efetiva do poder púbico, sendo certo, porém, que neste caso,

também se aplica, no que couber, as regras do ECA.

A atual lei de adoção teve como principais objetivos: tornar a adoção

menos burocrática já que a burocracia sempre foi apontada pela doutrina como

um dos motivos para a elevada quantidade de adoções irregulares realizadas

no Brasil, e menos impactante para a criança, trazendo inovações como, por

exemplo, a oitiva da criança para que se possa avaliar a sua compreensão

sobre o processo que a envolve, sendo, inclusive, obrigatório o consentimento

39 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 384.

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dos maiores de 12 anos com a adoção e o tempo máximo de dois anos para

que os menores permaneçam em abrigo.

Malgrado toda a evolução legislativa acima demonstrada, o

procedimento de adoção ainda se encontra muito aquém do ideal, seja pelas

imposições feitas pelos adotantes quanto à idade das crianças a serem

adotadas (preferência por recém-nascidos) e cor da pele (preferência por

crianças brancas) e sexo (preferência por meninas) seja pela dificuldade

presente em todo o processo judicial.40

Acresce-se, ainda, o fato de que as famílias adotivas buscam um total

rompimento com a família biológica do adotado mas desejam, ao mesmo

tempo, que seja esta conhecida. Deste modo, a necessidade de permanecer a

criança em abrigo até que seja realizado o procedimento de adoção acaba por

continuar a favorecer a prática de adoções irregulares.

Lídia Weber, em “Pais e Filhos por adoção no Brasil”, traz pesquisa

com pais adotivos para que estes avaliem o sistema de adoção da cidade onde

habita ou onde houve a adoção, chegando à conclusão de que os principais

atributos negativos são: a burocracia e o trabalho ineficiente, de modo que

estes trazem insegurança à família do adotante de modo a auxiliar que muitos

possíveis pais adotivos busquem meios alternativos para realizá-las.

1.2 Conceito e disposições gerais sobre a adoção à brasileira.

Conforme já demonstrado na evolução histórica legislativa brasileira,

até a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990,

a adoção sempre foi vista sob discriminação, já que havia uma grande

diferença de tratamento entre os filhos biológicos e os adotivos.

40 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, pag. 131.

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A situação dos adotantes e adotados era sutil visto que a adoção, além

de não permitir a sucessão hereditária, também não desfazia o vínculo entre o

adotado e sua família de origem, o que permitia que a família do adotado, a

qualquer tempo, pudesse reaver o menor e interferir na criação e educação do

mesmo. Por estas “falhas legislativas”, é que surge a chamada adoção à

brasileira.41

A posteriori, com a promulgação da Constituição de 1988 e as demais

legislações que a seguiram, equipararam-se os filhos adotivos aos biológicos.

Entretanto, o procedimento da adoção altamente burocrático e a falta de

estrutura estatal continuaram a tornar a adoção à brasileira de comum

ocorrência na sociedade brasileira apesar de ser considerada crime tipificado

em nosso ordenamento jurídico.

A adoção à brasileira consiste naquela adoção realizada mediante

falsa declaração de filiação ocasionando registro de filho alheio em nome

próprio, ou seja, o declarante afirma ser o genitor ou genitora do menor a ser

registrado de modo que em seu registro civil de nascimento contar-se-á como

pais biológicos os pais adotivos.

A Ministra Nancy Andrighi em material especial realizada pelo Superior

Tribunal de Justiça explica a adoção à brasileira como aquela caracterizada:

pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento da adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiro) simplesmente registra o menor como seu filho, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses da criança.42

41 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, volume 6:Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 384. 42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Notícia; As consequências do jeitinho brasileiro na adoção ilegal de crianças. Notícia de> 09 de fevereiro de 2014. Disponível em: http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=113182. Acesso em 25 de junho de 2014.

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Em pesquisa realizada por Lídia Weber, faz-se possível uma análise

sobre a incidência deste tipo de adoção irregular no Brasil, comprovando que a

quantidade de adoções regulares é praticamente a mesma das adoções

irregulares:

“As adoções legais foram realizadas por 52,1% das famílias participantes desta pesquisa e a maioria das adoções informais ocorreram através do registro em cartório da criança como filho legítimo do casal que a adotou, através de uma declaração falsa de nascimento (41,5%); o restante das adoções informais (6,4%) seguiu o procedimento conhecido como filhos de criação, isto é, a criança passa a morar definitivamente com outra família, mas sua certidão de nascimento não é alterada, permanecendo com a filiação de seus pais biológicos.” 43

Inúmeras são as razões para a realização deste registro falso, sendo

os principais: o procedimento burocrático, moroso para a adoção legal; o medo

dos pais adotivos de não enquadrarem no perfil estabelecido; a necessidade

de conhecer a família do adotado como forma de evitar que a criança herde

doenças graves ou má índole; falta de acesso à informação jurídica pelas

pessoas carentes; e, talvez a mais grave, que é o medo de ser tomada a

criança que já se encontra adaptada àquele ambiente familiar.44

Com o registro de nascimento constando como pais biológicos, os

adotivos, o filho adotivo passa a ser reconhecido perante a sociedade como

filho verdadeiro daqueles pais, sendo, na maioria dos casos, escondida a

verdade biológica do próprio menor, que passa toda a vida acreditando ser

aqueles seus verdadeiros pais de origem.

Paulo Luiz Netto Lobo assinala como “posse do estado de filiação” a

externação desta relação com a seguinte afirmação:

43 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008. Pag. 114. 44 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pág.131.

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A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade (h).45

Cumpre ressaltar, porém, que sendo a adoção à brasileira uma adoção

irregular vez que desrespeita o procedimento previsto no Estatuto da Criança e

do Adolescente, tratando-se, inclusive, de tipificação criminal previsto no art.

242 do Código Penal, é considerada como ato jurídico ilícito, contrário ao

ordenamento jurídico pátrio.

Em razão de se tratar de crime, sendo considerado, portanto, um ato

ilícito, a jurisprudência vem encontrando dificuldades em aplicar a teoria geral

dos atos e negócios jurídicos justamente em razão das consequências afetivas

advindas desta adoção.

Primeiramente, necessário é avaliar a natureza jurídica do instituto da

adoção. A doutrina majoritária entende que a adoção prevista no Código Civil

de 1916, se tratava de negócio jurídico bilateral e solene vez que possuía

natureza de contrato, se realizando mediante escritura pública através de

consentimento mútuo, podendo, inclusive, ser revogada por mútuo acordo ou

unilateralmente, pela mesma forma em que foi constituída, sendo considerado

um distrato.46 Após, o edição do Código Civil de 2002, onde a adoção passou

por profundas mudanças, a sua natureza jurídica foi alterada, passando a ser

considerada ato jurídico complexo, tendo um misto de contrato e de instituição

de ordem pública.47

Caio Mário Pereira da Silva, diz que:

45 LOBO, Paulo Luiz Netto; Direito ao Estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Portal IBDFAM <www.ibdfam.org.br/impressao.php?t=artigos&n=126> Acesso em 21 de abril de 2014. 46 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pag. 27. 47 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pag. 28.

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A adoção não mais comporta o caráter contratualista que foi assinado anteriormente, como ato praticado entre o adotante e o adotado. Em consonância com o preceito constitucional, com caráter impositivo, será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, isto é, o legislador ordinário ditará as regras segundo as quais o Poder Público dará assistência aos atos de adoção.48

Orlando Gomes, também entende ser a adoção “ato jurídico pelo qual

se estabelece, independentemente de procriação, o vínculo da filiação. Trata-

se de ficção legal, que permite a constituição, entre duas pessoas, do laço de

parentesco de primeiro grau na linha reta.”49

Não obstante, ser chamada pela doutrina e jurisprudência, de adoção

à brasileira, esta trata-se, na verdade, de uma adoção “sui generis”, visto que

se materializa pelo simples registro de nascimento em cartório, sendo também

um ato jurídico stricto sensu .

Ato jurídico stricto sensu é aquele que gera consequências jurídicas

previstas em lei sem que se possibilite qualquer interferência da autonomia

privada, não permitindo que as partes criem, determinem ou diminuam os

efeitos previamente estabelecidos na lei.50

Muito vem se discutindo se a adoção à brasileira sendo baseada em

ato jurídico ilícito deve ser considerada um ato jurídico nulo, podendo, a

qualquer tempo ser declarado inexistente, como se a adoção nunca tivesse

sido realizada, de maneira que os efeitos jurídicos decorrentes também são

atingidos por este vício retroagindo à condição a quo.

Desta forma, o registro civil também será considerado nulo de modo a

desconstituir a adoção à brasileira. Por este entendimento, adotante e adotado

48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Volume V, Direito de Família. Rio de Janeiro, Forense, 2007. 49 GOMES, Orlando. Direito de Família. 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001. 50 FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.Pag. 509.

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estariam sempre numa situação de incerteza já que poderiam ser

surpreendidos a qualquer momento com a desconstituição desta adoção em

razão da anulação do registro falso. 51

Entretanto, em razão da constitucionalização do direito civil, e a

supremacia dos Princípios constitucionais como a Dignidade da Pessoa

Humana, a jurisprudência brasileira vem superando a Teoria da nulidade dos

atos ilícitos reconhecendo a importância das relações criadas pela adoção à

brasileira, o Princípio do melhor interesse da Criança e o vínculo sócioafetivo.

Esta nova interpretação vem sendo admitida em decorrência da

transferência de valores advindos pelo novo Código Civil, ou seja, os valores

determinantes do Código Civil de 1916 eram ligados ao patrimonialismo, tendo-

se como exemplo, a própria adoção onde não se permitia aos adotados direito

sucessório. Tal perspectiva se transforma em valores existencialistas, dando

relevância à pessoa humana e às relações construídas. Sendo assim, a

adoção à brasileira estaria protegida pela realidade fática criada por esta

relação de filiação, sendo irrevogável e irretratável.

Cristiano Chaves de Farias acentua que a adoção à brasileira traz

questões relevantes para o direito de família:

É que estabelecido o vínculo afetivo, depois de uma pessoa ter registrado como seu um filho que sabia não ser, será possível vislumbrar uma relação jurídica paterno-filial decorrente do vinculo socioafetivo, não se recomendando a sua extinção, sob pena de comprometimento da própria integridade física e psíquica do reconhecido.52

Discussões à parte, inegável é que desta adoção nascem fortes

relações de amor e afeto, sendo uma verdadeira relação de filiação, não se

51 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pag 133. 52 FARIAS, Cristiano Chaves de; e Rosenvald, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. Pág. 927.

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podendo negar as relações socioafetivas criadas, sendo, inclusive, em

inúmeros casos mais forte que a própria relação de filiação consanguínea.

Paulo Luiz Netto Lobo com maestria afirma que:

Verdade e falsidade no registro civil e na biologia têm parâmetros diferentes. Um registro é sempre verdadeiro se estiver conciliado com o fato jurídico que lhe deu origem. E é sempre falso na condição contrária. A chamada verdade biológica, se for o caso de invocá-la ou fazê-la prevalecer, tem um diverso teatro de operações o das definições judiciais ou extrajudiciais. Para que se chegue ao registro tem de converter-se em fato jurídico, o que, no tocante à natureza da filiação, supõe sempre um ato de vontade- pessoa, se for do declarante; política, se for da autoridade – e, portanto, um exercício de liberdade. Um cidadão que comparece espontaneamente ao um cartório e registra, como seu filho, uma vida nova que veio ao mundo, não necessita qualquer comprovação genética para ter sua declaração admitida.53

Com a mudança legislativa, onde a adoção deixou de ser destinada

àqueles que não poderiam ter filhos passando a ter dupla função: dar uma

criança à uma família e dar uma família à uma criança de maneira a atender ao

seu melhor interesse. Deste modo, para a criança, o que realmente importa é

que ela tenha um referencial de quem são seus pais, sejam eles biológicos ou

não.

É esse referencial que vai permitir à criança identificar quem são seus

pais e com estes estabelecer uma real identificação de paternidade. O que

leva a criança a ter sentimento de amor e afeto é a satisfação de suas

necessidades, a proteção, o cuidado à ela destinada.54

Inegável, portanto, que as relações advindas pela adoção à brasileira

são as mesmas criadas pela adoção regular e, até mesmo, pela filiação

53 LOBO, Paulo Luiz Netto; Direito ao Estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Portal IBDFAM <www.ibdfam.org.br/impressao.php?t=artigos&n=126> Acesso em 21 de abril de 2014. 54 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de. Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2007. Pag. 53.

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biológica. Trata-se de fortes relações de amor, carinho e afeto impossíveis de

serem destruídas já que criadas ao longo de toda uma convivência familiar.

1.3 A adoção à brasileira e sua tipificação como crime previsto no

art.242 do Código Penal.

A adoção à brasileira consiste na adoção realizada mediante falsa

declaração de filiação ocasionando registro alheio em nome próprio sabendo

que não é, ou seja, o declarante afirma ser o genitor do menor a ser registrado

de modo que em seu registro civil de nascimento contar-se-á como pais

biológicos os pais adotivos.

Ocorre, porém, que esta conduta sempre foi criminalizada pelo direito

punitivo do Estado. O direito penal brasileiro sempre puniu a adoção à

brasileira como falsidade ideológica, crime este tipificado no artigo 299 do

Código Penal,com a seguinte redação:

Art. 299: Omitir em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o documento é público, e reclusão de 1(um) a 3 (três) anos, se o documento é particular. Parágrafo Único – Se o agente é funcionário Público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsidade ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Notadamente, o legislador punia com bastante severidade aqueles que

realizavam a adoção à brasileira, respondendo, inclusive, pela forma

qualificada estabelecida no parágrafo único do artigo 299 do Código Penal,

não havendo a mínima importância se houve atitude de considerável nobreza

ou se não houve prejuízo para o adotado.

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Em discordância com a gravidade da pena imposta, foi proposta pela

Associação Brasileira de Juizes e promotores da Infância e da Juventude, uma

alteração legislativa de forma a abrandar a punição imposta aos falsos

registrantes e não descriminalizar este tipo de adoção já que desrespeita

procedimentos estabelecidos em lei para a realização da adoção legal. Ou

seja, infringe-se regras de ordem pública que visam atender ao melhor

interesse da criança.55

Como solução, houve o acréscimo ao artigo 242 do Código Penal, a

expressão “registrar como seu filho de outrem”, passando referido artigo a

vigorar com a seguinte redação:

Art. 242 – Dar parto alheio como próprio, registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo Único. Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena – detenção, de 1(um) a 2 (dois) anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.(grifamos).

Desta forma, o art. 242 alterado pela lei nº 6898 de 30 de março de

1981, passou a tipificar esta conduta como crime passível de reclusão, de dois

à seis anos ou, ainda, se realizada mediante justa nobreza a sanção prevista

pode sofrer redução para um a dois anos sendo, ainda, permitido ao juiz a não

aplicação da pena. É certo,ainda, que o crime previsto no art. 299 do Código

Penal passou a ser absorvido pelo artigo 242, sendo considerado aquele

crime-meio para a prática deste.

Assim, apesar da existência do crime, o próprio legislador entendeu

por ser a adoção à brasileira uma prática rotineira na sociedade brasileira,

reconhecendo, assim, a existência de motivos nobres que justifiquem a

55 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2009. Pág. 133.

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conduta delituosa, ficando, portanto, o magistrado autorizado a conceder um

perdão judicial.

Na conduta privilegiada estabelecida no parágrafo único do artigo 242,

o legislador permitiu a aplicação do disposto no art. 89 da lei 9.099/95 a qual

dispõe sobre a suspensão condicional do processo em razão da pena mínima

abstratamente cominada de 1 (um) ano ou, ainda, o perdão judicial, onde

apesar da condenação o juiz deixa de aplicar a pena, ou seja, não será

aplicada qualquer tipo de pena ao falso declarante.56

Cabe ressaltar, ainda, que a competência para o julgamento e

processamento da modalidade privilegiada é do Juizado Especial Criminal,

conforme disposto nos artigos 60 e 61 da Lei 9.099/95, sendo considerado

crime de menor potencial ofensivo.57

Não obstante na maioria das ocasiões a adoção à brasileira consistir

em ato de considerável nobreza e altruísmo, pode ela também ocultar crimes

anteriores mais graves. Não raro vê-se casos em que além da adoção à

brasileira houve um sequestro anterior de recém-nascido retirando qualquer

boa intenção daquele que registrou como seu filho alheio, e por esta razão

deve ser mantida a sua tipificação criminal. Assim, somente o magistrado caso

a caso poderá analisar o verdadeiro motivo da adoção à brasileira, para que se

seja aplicada a disposição privilegiadora ou até mesmo o perdão judicial.

56 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 4: parte especial. 8ª ed. Rev., amp. E atual. - São Paulo: Saraiva, 2014. 57 GRECO, Rogério. Curso de direito penal parte especial, volume III. 11ª ed. - Niterói, RJ: Impetus, 2014.

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CAPÍTULO II

A DESCONSTITUIÇÃO DA ADOÇÃO À BRASILEIRA

MEDIANTE REQUERIMENTO DOS FALSOS

DECLARANTES.

Nos primórdios da humanidade, a família era organizada em torno de

uma autoridade: o pater famílias, sendo certo que este determinava a vida e

morte de cada um de seus filhos. A sociedade, portanto, iniciava-se com a

existência desta figura paterna visto que era quem organizava a estrutura,

distribuía tarefas e ditava as leis dentro daquele núcleo. Sua autoridade

alcançava não somente os filhos, mas também suas esposas e mulheres

casadas com seus descendentes.58 Tratava-se de modelo de família patriarcal,

de certo que além de filhos e esposas, ainda, encontravam-se sob a tutela do

pater famílias seus servos e escravos.

Assevera Tatiana Wagner Lauand de Paula que nesta família:

“O parentesco não decorria dessa subordinação e não necessariamente dos laços de sangue, pois o objetivo era econômico: perpetuar a propriedade individual do pater. Não há que se falar em vínculos de amor e de atração pessoal. Os laços conjugais eram preponderantemente econômicos.”59

Com o advento do feudalismo, não houve grandes modificações na

estrutura patriarcal da família sendo certo que os casamentos eram

constituídos com base em “trocas” de gentilezas entre as famílias dos

nubentes.60 A família, então, permanecia como sendo meio de obtenção de

58 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 6, Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013.Pag. 31. 59 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de; Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba, J.M. Livraria Jurídica, 2007. 60 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de; Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. Curitiba, J.M. Livraria Jurídica, 2007.

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privilégios e proteção. Nesta época também não se observava vínculos de

afeto e amor. A família não se destinava a esse fim, apesar de ser regulada

pelo direito canônico. O casamento era a única forma de união aceita.61

Assim, apesar da família ser regulada exclusivamente pela Igreja

Católica, a estrutura patriarcal se manteve haja vista que a esposa e filhos

estavam sempre subordinados à vontade do pater. Estes eram considerados

incapazes de modo que nada poderiam realizar sem a vontade e autorização

do chefe da família.62 A autoridade do pater permanecia independentemente

da idade dos filhos, alcançando, até mesmo, os netos, estendendo-se,

inclusive, em relação ao patrimônio, vez que tudo aquilo que fosse arrecadado

pelos filhos e netos era de propriedade do pai.63

A família permaneceu durante muitos séculos, estruturada sob a figura

masculina do pater, influenciando as mais diversas civilizações, inclusive o

Brasil, a qual através das Ordenações Filipinas – primeira legislação a ser

utilizada no Brasil – trouxe o conceito de família baseado nas família romana e

canônica.64

Esta influência de estrutura familiar com reflexos patrimonialistas fora

utilizado pelo Brasil até pouquíssimo tempo, decerto que somente fora retirado

do ordenamento jurídico através da revogação do Código Civil de 1916 e da

edição do atual Código Civil de 2002, a qual houve uma mudança de

perspectiva trazendo conceito de família mais abrangente, abandonando a

visão patrimonialista e aderindo à uma visão existencialista adequando-se à

atual Constituição Federal de 1988.

61 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 6, Direito de Família. 10ª Ed.São Paula, Saraiva, 2013. Pag. 32. 62 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 6, Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2013. Pag. 32 63 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de; Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. J.M. Livraria Jurídica, 2007. 64 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 6, Direito de Família. 10ª Ed.São Paulo, Saraiva, 2013.

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Estas mudanças podem ser observadas, inclusive, na nomenclatura de

determinados institutos como o antigo pátrio poder (assim denominado pelo

Código Civil de 1916) o qual passou a ser chamado de poder familiar.

Observa-se, assim, que a família foi evoluindo ao longo dos tempos apesar da

dificuldade de acompanhamento do Poder Legislativo, vez que na maioria das

oportunidades este age de maneira conservadora, delimitando a extensão do

conceito de família apesar da ampla aceitação da sociedade de outras

espécies de família.

Apesar do conservadorismo mencionado, inegável é que a

Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, ampliaram

consideravelmente o rol de entidades familiares aceitos pelo direito, vez que

antes destes somente o casamento era aceito como entidade familiar passível

de proteção estatal.

A Constituição Federal de 1988 reconhece em seu artigo 226 e

parágrafos, o casamento, a união estável e a comunidade formada por

qualquer dos pais e seus descendentes como entidades familiares que devem

ser protegidas pelo Estado.

Adotou-se, portanto, uma pluralidade das relações familiares, conforme

assevera Maria Eunice Berenice Dias:

O pluralismo das relações familiares – outra vértice da nova ordem jurídica – ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito de família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família.65

65DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2013, p. 45.

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A família passou a ser reconhecida pelas relações de amor e

afetividade existente entre seus membros pouco importando a relação de

sangue entre eles. Passou-se a observar uma preponderância das relações

sócio-afetivas sobre as relações biológicas, já que estas que verdadeiramente

unem as pessoas.

Observando a atual formação das diversas famílias, a doutrina

estabelece a existência das chamadas famílias eudemonistas que se

caracterizam por ser a família advinda do afeto onde os membros buscam a

felicidade, sendo também protegida pela Constituição Federal de 1988.

Neste sentido, Maria Berenice Dias:

Surgiu um novo nome para essa tendência de identificar a família pelo seu envolvimento efetivo: família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros. O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do principio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, como se infere da primeira parte do § 8º do art. 226 da CF: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram.”66

A importância deste tipo de família vem acentuando-se em razão da

preponderância atual do afeto nas relações familiares. O afeto e a afinidade

são considerados hoje não só a base para a felicidade mas, além disso, a base

para a formação de cidadão psicologicamente bem estruturado, tendo em seu

imaginário a figura paterna que é aquela que lhe estabelece a lei. Melhor

explicando, “o que é essencial para a formação do ser, para torná-lo sujeito e

66 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2013, p. 59/60.

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capaz de estabelecer laço social, é que alguém ocupe, em seu imaginário, o

lugar simbólico de pai e de mãe.”67

Na prática, portanto, o que vale para o estabelecimento de relações de

amor e carinho não é a consangüinidade, mas o afeto, a afetividade que é

exercida diariamente entre os membros da família. É o carinho, o cuidado, a

proteção estabelecida entre os membros que a faz forte o suficiente para

ultrapassar os laços de sangue.

Estabelecendo a sobreposição da afetividade sobre a

consangüinidade, Jacqueline Nogueira:

Na prática social, as relações de afeto são mais importantes que as oriundas de consanguinidade, pois o entendimento majoritário é de que pais são os que criam, não os que procriam, de tal forma que se deve considerar como verdadeiro pai aquele que, embora não o seja do ponto de vista biológico, é o homem que ama, cria, educa e alimenta uma criança, assumindo todas as funções inerentes de pai, sendo este considerado como tal por esta criança.”68

A sobreposição das relações de afeto sobre as relações de

consanguinidade somente se fez possível em razão das mudanças de

paradigmas adotados em nosso ordenamento jurídico. O advento do Código

Civil de 2002, transformou o enfoque das relações familiares de modo que se

abandonou a essência patrimonialista até então vigente no direito privado,

passando-se a adotar o existencialismo, colocando como centro das relações

jurídicas a pessoa humana. Desta forma, o atual Código Civil teve suas normas

compatibilizadas com a Constituição Federal de 1988, a qual já estabelecia o

existencialismo, através do Princípio da dignidade da pessoa humana sobre o

direito patrimonialista.

67 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte, Del Rey, 1997. Pag. 62. 68 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo. Memória Jurídica Editora, 2001. Pag. 31.

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Destarte, a família atual encontra-se formada não somente por pais e

filhos. O divórcio e a separação, desde que foram aceitos em nosso

ordenamento, acabaram por facilitar a existência de novo tipo de entidade

familiar, já que a família monoparental (formada pelo genitor e seus filhos) vem

cada vez mais comumente recebendo o novo companheiro ou a companheira

deste genitor como membro da família.

Passam, então, a residir no mesmo domicílio o genitor com seus filhos

e seu companheiro, de modo que este “passa a ser membro da família”. É

certo ainda, que este padrasto ou madrasta acabam por inúmeras vezes

transformando-se em verdadeiros pais, dando auxílio material, intelectual e

afetivo, suprindo todas as necessidades desse enteado.

As relações estabelecidas entre enteados e padrastos vêm sendo

reconhecida pelo ordenamento jurídico pátrio tendo em vista as relações

socioafetivas criadas já que, em não raras vezes, o padrasto ou madrasta atua

como verdadeiro genitor, substituindo em todos os aspectos as lacunas

deixadas pelo outro genitor quando da separação. Ou seja, a separação

muitas vezes ocasiona o distanciamento daquele pai que deixa de residir com

o filho, decerto que com a “chegada” do padrasto/madrasta a ausência deste

passa a ser menos sentida.

O legislador, compreendendo e reconhecendo a forte relação de afeto

entre os membros deste tipo de família, editou a Lei 11.924 de 17 de abril de

2009, que acrescentou ao artigo 57 da Lei de Registros Públicos (Lei 6015/73)

o parágrafo oitavo com a seguinte redação:

Art. 57, §8º: O enteado ou enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.

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Desta forma, o legislador passou a autorizar que o enteado ou a

enteada passem a ostentar o sobrenome de seu padrasto ou madrasta na

certidão de nascimento, sendo esta uma maneira de reconhecer uma filiação

especial, e porque não “adotiva”. Cabe ressaltar, porém, que o legislador

apenas trouxe a oportunidade de gratificar aquele que sempre cuidou de filho

de outrem como se fosse próprio.

A existência deste tipo de relacionamento afetivo comprova-se através

das incontáveis adoções à brasileira existentes onde o homem, ao iniciar o

relacionamento com pessoa que já possui filho não reconhecido pelo pai

biológico, compadece-se com a situação do menor de idade e em nobre

atitude decide por registrar como seu filho de outrem. A princípio, tal atitude

seria de imensa nobreza e humanidade já que o menor passaria a ter um pai e

o sobrenome deste.

Ocorre, contudo, que nem sempre a relação afetiva sobrepõe-se a

questão patrimonialista, de modo que quando da ocorrência de separação

superveniente ao registro, o pai registral, objetivando não arcar com os

deveres advindos da paternidade, pleiteia a desconstituição do registro civil por

não ser o pai biológico, sendo certo que, a maioria das ações ajuizadas nos

Tribunais brasileiros sobre adoção à brasileira dizem respeito à Ações

Negatórias de Paternidade por este exato motivo.

Cumpre observar que, em regra, este tipo de ação tem como principal

objetivo desobrigar o falso declarante a prestar alimentos para o filho

registrado como seu. Esta conduta, na verdade, trata-se de um venire contra

factum proprium , vez que o padrasto adota comportamento contraditório, já

que primeiramente registra filho de outrem como próprio, passando a assumir

a condição de genitor e, posteriormente, quando tem de arcar com gastos

como prestação de pensão alimentícia, declara que não pode arcar com este

dever justamente por não ser pai.

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O venire contra factum proprium caracteriza-se por ser uma “real

contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra

injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da

contraparte”69, não sendo, portanto, admissível a eficácia à conduta posterior.

Discorrendo sobre o venire contra factum proprium, Rafael Santos de

Barros e Silva:

A proibição do venire contra factum proprium decorre do Princípio da Boa-fé objetiva o qual está positivado no Código Civil de 2002 como cláusula geral e, por isso mesmo, aberta, a ser aplicada a todas as relações jurídicas, daí o artigo 187 do Novo Diploma afirmar que comete ato ilícito quem, ao exercê-lo, exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.70

A adoção deste tipo de comportamento, via de regra, não é aceito pelo

ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, a alegação trazida pelo falso

declarante, via de regra, também ocasionaria a desconstituição do registro civil

vez que a conduta foi baseada em crime estabelecido no artigo 242, do Código

Penal.

Diante deste estorvo, deve-se realizar uma ponderação de interesses

envolvidos: o Melhor Interesse da Criança, a segurança jurídica das relações e

a proteção daquele que se encontra de boa-fé (Vedação à surpresa) versus a

não convalidação dos atos nulos quando baseados em crime e o Princípio da

Verdade Biológica.

A jurisprudência dos Tribunais brasileiros ao se manifestarem sobre a

Ação Negatória de Paternidade, vem decidindo, preponderantemente,

contrariamente à desconstituição da adoção à brasileira. Contudo, quando do

julgamento, deve-se observar, necessariamente, a presença de determinados

69 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. 95.539/SP. Data do julgado: 14 de outubro de 1996, Ministro Ruy Rosado de Aguiar. 70 SILVA, Rafael Santos de Barros e; O controle das expectativas dos jurisdicionados: impedindo o venire contra factum proprium do Poder Judiciário, 2009.

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elementos. Deste modo, somente quando estiver ausente algum destes

elementos é que se fará possível a desconstituição da adoção à brasileira e,

consequentemente, a anulação do registro civil.

Não obstante as peculiaridades de cada caso concreto, para a

convalidação deste tipo de adoção contrária à lei, imprescindível também é a

presença dos seguintes elementos: o conhecimento por parte do pai registral

sobre a paternidade biológica do adotado, afastando-se, portanto, a existência

de vícios de consentimento, como o erro, dolo ou coação e o estabelecimento

de relação de socioafetividade.

Ranieri de Andrade Lima afirma que para a “paternidade socioafetiva

ocorrer ou concretizar-se a filiação socioafetiva devem estar presentes os

seguintes requisitos: a) a existência de afeto; b) convivência; c) tratamento

recíproco paterno-filial; d) razoável duração da relação”71, ou seja, se

analisando o caso em si.

A análise destes elementos encontra-se presente em todos os

julgados, conforme se infere da seguinte notícia extraída do site do Instituto

Brasileiro de Direito de Família:

“Quem registra um filho, ciente de que não é o pai biológico, fica impedido de pedir a anulação do documento. A anulação, neste caso, apenas pode acontecer nas hipóteses de erro, dolo (intenção), coação, simulação ou fraude. Com este entendimento a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou recurso especial de um pai, de Minas Gerais, que tentava, desde 1996, reverter o registro da filha, feito com a ciência de que ela não era sua filha biológica. O pedido de anulação do registro já havia sido negado em primeira e segunda instâncias. O Tribunal de Justiça mineiro entendeu que não haveria motivo para anulação do registro

71 LIMA, Ranieri de Andrade. Paternidade Socioafetiva: construção de uma ação específica para desconstituição da filiação oriunda de vínculos sociais e afetivos. Disponível: http://www.ibdfam.org.br/artigos/966 Acesso realizado em 20 de junho de 2014.

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porque o pai assumiu a paternidade espontaneamente e apenas se arrependera do ato. O nascimento da menina, que hoje está com 15 anos, ocorreu, segundo o pai, antes mesmo do início do relacionamento dele. Ele tinha 59 anos e a mãe, pouco mais de 20 anos. Segundo o pai, ele teria feito o registro por ter se sensibilizado com a situação da menina e também atendendo a um pedido da mãe. Um ano depois, segundo ele, a mãe teria terminado o romance e entrado com uma ação de pensão alimentícia, o que levou o pai a tentar anular o registro. O ministro do STJ, Quaglia Barbosa, destacou que “o estado de filiação não está necessariamente ligado à origem biológica e pode assumir feições originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente genética”. O voto do ministro foi seguido por unanimidade. (grifamos)72

Desta forma, na ausência dos chamados vícios de vontade e na

ocorrência de relação de socioafetividade, a jurisprudência majoritária entende

ser incabível a desconstituição da adoção à brasileira, com fundamento na

preponderância da filiação socioafetiva sobre a biológica, do Princípio do

Melhor Interesse do Menor e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o

direito ao nome.

O direito ao nome é um dos direitos inerentes à personalidade, de

modo que toda pessoa humana tem direito à nome e sobrenome dos pais. “A

filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais.”73 De sorte, o falso

declarante ao se declarar pai biológico transmite ao suposto filho seu nome e

todos os demais direitos e deveres advindos da filiação. Tornam-se pais e

filhos de modo que desta relação advém todas as obrigações e direitos

oriundas desta.

Em razão da exigência destes elementos necessários para a

convalidação da adoção à brasileia, importante se faz uma análise breve sobre

os vícios de consentimento: erro, dolo e coação.

72 Portal IBDFAM – notícia: Pai que reconheceu filho, sabendo inexistir a relação biológica, não pode anular registro. www.ibdfam.org.br. Consulta realizada 21 de abril de 2014. 73GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 6, Direito de Família. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pag. 330.

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Assevera Silvio Rodrigues que:

Ocorre o erro quando o autor da declaração a emitiu inspirado num engano, ou na ignorância da realidade. O vício recai sobre o próprio consentimento, que não seria manifestado da maneira porque o foi se conhecidas as circunstâncias do negócio. O que marca é o fato de ser espontâneo.74

Por esta razão, a doutrina afirma ser o erro a falsa representação da

realidade. “O erro se manifesta na formação da vontade quando o agente tem

um pensamento que não se conforme à coisa pensada.”75

No caso da paternidade, aquele registra filho alheio pensando ser

próprio, recai em erro, neste caso erro essencial já que na hipótese de

conhecimento desta circunstância o ato de registro não seria realizado. Ou

seja, o “erro é essencial quando se torna a causa do negócio.”76

Em relação ao dolo, Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho o define

como “mecanismos maliciosos postos em prática para a obtenção de

declaração de vontade que, sem tais artimanhas não seria emitida.”77

O erro e o dolo se diferenciam pelo fato de que “o erro é equívoco

cometido pelo próprio declarante, sem a necessidade de outra pessoa

concorrendo para tanto, no dolo há a intencional provocação para que tenha a

vítima sua sua vontade viciada.”78

A coação já se caracteriza pelo “emprego de qualquer forma de

pressão, física ou moral, contra uma pessoa, com o intuitode exercer sobre ela

74RODRIGES, Silvio. Direito Civil, vol. I, São Paulo, 2002, p. 183. 75MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros; Negócio Jurídico: Vícios Sociais. Curitiba, Juruá, 2007, p. 41. 76MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros; Negócio Jurídico: Vícios Sociais. Curitiba, Juruá, 2007, p. 42. 77MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros; Negócio Jurídico: Vícios Sociais. Curitiba, Juruá, 2007, p. 43. 78MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros; Negócio Jurídico: Vícios Sociais. Curitiba, Juruá, 2007, p. 44.

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influência na realização de um negócio jurídico.”79 A coação pode ser aboluta

ou física e relativa ou moral. Nesta, o negócio é anulável, somente devendo

haver tal sanção caso o mal ameaçado seja maior que aquele decorrente do

negócio imposto ao coacto.80

Assim sendo, observa-se que os vicios de consentimento ao

macularem a vontade daquele que realiza o negócio juridico, torna este

passível de anulação, podendo, portanto, serem descontituídos, deixando de

produzir efeitos.

Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

conforme traduz a a notícia vinculado pelo Instituto Brasileiro de Direito de

Familia:

A 3ª Turma do STJ decidiu que o “pai” induzido a erro ao registrar o suposto filho, que vem a descobrir a inexistência de laço de sangue por meio de exame de DNA, pode pedir judicialmente a anulação de registro de nascimento, porque demonstrado o vício de consentimento. Foi o que fez o recorrente dese recurso especial. O pai registral ajuizou uma negatório de paternidade, ao argumento de que foi induzido a erro em relação ao registro da suposta “filha', tendo assumido de boa-fé sua paternidade, vindo a descobrir, algum tempo depois, por meio de realização de exame de DNA, que não era o pai biológico. Relatou ao juiz que se casou com a mãe da menina quando ela estava grávida, e registrou a criança como filha do casal. Com o passar do tempo, contudo, percebeu que a suposta filha em nada se assemelhava a ele, do que resultou, inclusive, a separação do casal, quando a criança contava com apenas quatro meses. Com a realização do exame de DNA, veio a certeza de que ele era o pai biológico da criança. O juiz de primeiro grau não acolheu o pedido, por entender que o exame de DNA não seria prova suficiente para excluir a paternidade, pois era necessária a comprovação de ocorrência de erro no momento do registro de nascimento. O Tribunal estadual manteve a sentença, ao entendimento de que, mesmo não sendo ele o pai biológico, estaria comprovado

79MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros; Negócio Jurídico: Vícios Sociais. Curitiba, Juruá, 2007, p. 45. 80MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros; Negócio Jurídico: Vícios Sociais. Curitiba, Juruá, 2007, p. 46

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o estado de “filho adotivo”, reconhecendo por conseguinte, tratar-se de hipótese de adoção à brasileira. Assim, entre a paternidade sócio-afetiva e a paternidade biológica, prevaleceria a primeira. Houve recurso especial ao STJ, por meio do qual defende o “pai” o seu direito de contestar a paternidade biológica de um filho que apenas reconheceu em virtude de erro. A ministra Nancy Andrighi afastou, em seu voto, o aludido enquadramento da questão à denominada “adoção à brasileira”, explicando que, em tais hipóteses, mesmo sabendo o pai-adotante que não é o pai biológico da criança, registra-a como se sua filha fosse, o que não ocorreu no processo julgado. Assinalou a ministra que, por não se poder reexaminar provas em sede recursal (Súmula 7/STJ), não se pode adentrar na esfera da existência ou não da paternidade sócio-afetiva. Destacou, ainda, que ficou perfeitamente demonstrado o vício de consentimento a que foi levado a incorrer o suposto “pai”, ao ser induzido a erro quando do registro da criança, acreditando se tratar de sua filha biológica. Por isso, entendeu pela possibilidade de ser anulado o ato de reconhecimento de paternidade. Ressaltou também a ministra Andrighi que “não há limitação de tempo para o pai enganado propor ação negatória de paternidade, desde que demonstrado o vício de consentimento.” Assim, a verdade fictícia não pode prevalecer quando maculada pela verdade real e incontestável, baseada em prova revestida de absoluta credibilidade, como o exame de DNA.”81

A contrário senso, portanto, aquele que registra filho alheio como

próprio sabendo não ser seu, não pode pleitear a anulação do registro civil de

nascimento com o argumento de não ser o verdadeiro pai biológico, vez que tal

comportamento traduz o chamado venire contra pactum proprium, sendo

vedado no ordenamento jurídico pátrio em razão da segurança jurídica que

deve estar presente em todas as relações juridicas, conforme assevera Paulo

Lôbo:

Outrossim, a invalidade do registro assim obtido não pode ser

considerada quando atingir o estado de filiação, por longos anos estabilizado

na convivência familiar, especialmente quando o pedido de invalidação for feito

81IBDFAM,O pai induzido a erro ao registrar suposto filho pode pedir a anulação judicial do registro de nascimento.Disponívelem: www.ibdfam.org.br/notícias. Acesso em: 21/04/2014.

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pela própria pessoa declarante, em situação de venire contra factum proprium ,

violadora da boa-fé. 82

No mesmo sentido, os seguintes julgados:

APELAÇÃO 0011894-05.2004.8.19.0203 (2009.001.02899) - 1ª ementa DES. MÁRIO ASSIS GONÇALVES - Julgamento: 09/12/2009 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível. Ação anulatória de registro civil. Reconhecimento de paternidade por meio de registro. Agravo Retido. Artigo 523, § 1º, CPC. Agravo retido que deixa de ser conhecido nos termos do artigo 523, § 1º, do CPC. Nos termos da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal, o reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito com base em comprovação de falsidade do registro ou quando demonstrado vício de consentimento, sendo necessária, para anulação do registro de nascimento em ambas as hipóteses, prova robusta no sentido da existência da falsidade ou do vício. No caso em análise não restou comprovada nenhuma das hipóteses acima elencadas, uma vez que a recorrente não alega vício de consentimento do suposto pai e em nenhum momento negou a voluntariedade do assentamento, nem foi comprovada a falsidade do registro, do qual foi declarante o próprio falecido. Relativamente à impossibilidade de filiação biológica, tendo em vista ser o suposto pai estéril, tal circunstância não foi comprovada. Ademais, ainda que o fosse, o entendimento maciço da doutrina e jurisprudência pátrias é no sentido de não estar a filiação ligada necessária e unicamente à origem biológica, podendo estar relacionada a fatores diversos da genética. É a chamada filiação sócio-afetiva. Da análise dos autos constata-se que o falecido marido da recorrente participou ativamente da vida da ré, mantendo relacionamento paternal com esta, fato este comprovado pelas fotos acostadas ao feito. Assim, ainda que restasse afastada a relação biológica entre o de cujus e a ré, restaria evidenciada a paternidade sócio-afetiva. Diante da comprovação do parentesco sócio-afetivo, tendo em vista que o direito à filiação é prerrogativa do ser humano, e à falta de evidências de algum vício no registro, que equivale à chamada "adoção à brasileira", este não se desconstitui. Pelo mesmo motivo, fica afastada qualquer alegação de cerceamento de defesa pela ausência de marcação de nova data para realização de exame de DNA. Precedentes do STJ e do TJERJ.Recurso ao qual se nega provimento.(grifamos)

82 LÔBO, Paulo; Direito Civil: Famílias. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 229.

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RECURSO ESPECIAL 1.433.470/RS. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Órgão Julgador: 3ª Turma. Ministra relatora: Nancy Andrighi. Data de julgamento: 15/05/2014. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO: ARTS. 1.604 e 1.609 do Código Civil. 1. Ação negatória de paternidade, ajuizada em 14.08.2006. Recurso especial concluso ao Gabinete em 14.06.2013. 2. Discussão relativa à nulidade do registro de nascimento em razão de vício de consentimento, diante da demonstração da ausência de vínculo genético entre as partes. 3. A regra inserta no caput do art. 1.609 do CC-02 tem por escopo a proteção da criança registrada, evitando que seu estado de filiação fique à mercê da volatilidade dos relacionamentos amorosos. Por tal razão, o art. 1.604 do mesmo diploma legal permite a alteração do assento de nascimento excepcionalmente nos casos de comprovado erro ou falsidade do registro. 4. Para que fique caracterizado o erro, é necessária a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar. 5. Mesmo que não tenha ficado demonstrada a construção de qualquer vínculo de afetividade entre as partes, no decorrer de mais de 50 anos, a dúvida que o recorrente confessa que sempre existiu, mesmo antes da criança da nascer, de que ele era seu filho, já é suficiente para afastar a ocorrência do vício de consentimento - erro - no momento do registro voluntário.6. No entendimento desta Corte, para que haja efetiva possibilidade de anulação do registro de nascimento, é necessária prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto. 7. Recurso especial desprovido. (grifamos).

Como exceção, parte da jurisprudência entende ser cabível a

desconstituição deste registro, quando apesar de não ter ocorrido algum dos

vícios de consentimento, não se estabeleceu a relação sócio afetiva. Assim,

estabeleceu a Desembargadora Maria Berenice Dias:

Se o pai registral não passou de um pai no papel, se não surgiu entre ambos um vínculo de afetividade, se não se está na presença de uma filiação socioafetiva, imperativo será desconstituir o vínculo registral, fazer reconhecer a verdade biologica e proceder à alteração do registro, dispondo o filho de todos os direitos que o vínculo da parentalidade lhe concede.83

83BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Embargos Infringentes 70018765628 TJ/RS. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em 07/06/2014.

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Desta forma, percebe-se que a relação sócioafetiva vai ser o fator

preponderante para a desconstituição ou não da adoção à brasileira, sendo

certo que cada vez mais este tipo de relação vem ganhando importância em

razão da busca pela máxima efetividade dos direitos fundamentais, neste caso

do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

O pai registral ao registrar filho alheio como próprio recebe todos os

efeitos advindos desta adoção, assumindo, portanto, todos os direitos e

deveres oriundos da filiação. É certo, então, que o filho adotivo passa a ter

todos os direitos da filiação, podendo exigir do pai auxílio material, intelectual,

devendo este zelar sempre pela integridade física e psicológica do menor.

Por isso que na ocorrência da relação sócioafetiva , Tatiana Wagner

Lauand de Paula entende que deve-se ter o:

reconhecimento da realidade fática e afetiva porque representa o princípio do melhor interesse da criança que, permanecendo no ambiente familiar e tendo sua filiação assegurada terá seus direitos fundamentais contemplados através da construção de sua dignidade e personalidade em bases familiares sólidas que constituirão apoios essenciais durante toda a vida, sem prejuízo da sanção penal cabível, se necessária.84

Cumpre observar que apesar da existência da regra de não

possibilidade de admissão de subsistência de ato jurídico nulo, eventualmente

pode tal regra ser mitigada fazendo-se possível a conversão do ato em outro

ato válido. Trata-se da Teoria da Conversão do Negócio Jurídico que também

é aplicável ao ato jurídico.

Para que haja a conversão, José da Silva Pacheco afirma que:

Para a incidência do artigo 170, exige-se a conjunção dos seguintes elementos: 1°) que haja um negócio nulo; 2°) que o

84 PAULA, Tatiana Wagner Lauand de; Adoção à brasileira: registro de filho alheio em nome próprio. J.M. Livraria Jurídica, 2007, p. 97.

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negócio nulo contenha os requisitos necessários de outro negócio jurídico, e que esses requisitos necessários sejam apropriados a produzir efeitos jurídicos para satisfazer, razoavelmente, os interesses das partes; 3°) que o fim a que partes tinham em vista leve à convicção de que elas teriam querido este novo contrato, em lugar daquele, que originariamente fizeram, se houvessem previsto, a sua nulidade.85

Afirma-se, portanto, que ao se impossibilitar a desconstituição deste

tipo de adoção há-se a chamada CONVERSÃO do ato jurídico nulo, previsto

no artigo 170 do Código Civil de 200286, tornando, assim, a adoção irretratável

e irrevogável, como se fosse uma adoção regular, já que este instituto tem

como principal função é o salvamento do ato jurídico de modo a preservar os

fins a que se almeja87.

Neste sentido, o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro:

“0040404-33.2007.8.19.0038 (2009.001.06008) –APELAÇÃO DES. LÚCIA MIGUEL S. LIMA - Julgamento: 14/05/2009 - DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL ALIMENTOS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR FIXADA SEGUNDO O BINÔMIO NORTEADOR DOS ALIMENTOS. FILHO DEVIDAMENTE REGISTRADO PELO APELANTE E PORTADOR DE RETARDO MENTAL. A presente ação é uma das mais importantes entre todas as que existem, visto que objetiva atender as necessidades vitais, atuais ou futuras, daquele que não tem condições de, por seu trabalho e esforço, supri-las para si, sob pena das mais trágicas conseqüências, tanto físicas, como morais e sociais. A situação se agrava pelo fato de o autor possuir retardamento mental. O dever de prestar

85 PACHECO, José da Silva. Da conversão em face do novo Código Civil, 2008. Disponível em:<www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Jose_da_Silva_pacheco/conversao.pdf>. Consulta realizada em: 20 de junho de 2014. 86 “Art. 170: Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.” 87 BRASIL, Natália Moreira. Conversão do negócio jurídico: da possibilidade de aproveitamento de atos negociais nulos. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5207>. Acesso realizado em 23/07/2014.

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alimentos encontra-se comprovado pela certidão de fls. 12. O apelante contesta a paternidade, contudo, nopresentes autos há fortes indícios da ocorrência do que se consubstancia chamar de "adoção à brasileira", em infeliz terminologia que expressaria a modalidade de adoção que passa ao largo da lei, com o reconhecimento voluntário das crianças pelos genitores, o que se conclui com apoio nas declarações da genitora, que afirmou categoricamente que o apelante é pessoa mais experiente e, quando do nascimento da criança, tinha plena ciência de que o apelado não era seu filho biológico. Diante desse contexto, e pela inequívoca comprovação da paternidade registral, é firme a jurisprudência no sentido de que o registro voluntário de filho que sabe não ser seu não exime o pai registral do dever de prestar alimentos, diante do estabelecimento inequívoco de vínculo entre as partes. O Juízo fixou a obrigação alimentar dentro das efetivas possibilidades do devedor da obrigação, que foi arbitrada em percentual muito aquém das reais necessidades de seu filho doente, mas em patamar compatível com o binômio necessidade-possibilidade, a fim de não comprometer o sustento do provedor. DESPROVIMENTO DO RECURSO.88 (grifamos).

E também do julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

STJ. Recurso Especial 1.059.214/RS. Data do Julgado: 12/03/2012. Ministro Relator: Luis Felipe Salomão. 4ª Turma. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA NEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. 2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que

88 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Disponível em: www.tjrj.jus.br. Consulta realizada em 02/06/2014.

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concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. 3. Recurso especial não provido.

Revela-se, portanto, que a adoção à brasileira quando realizada por

padrasto, em regra, somente poderá ser requerida sua desconstituição através

de Ação Negatória de Paternidade quando agir com vício de consentimento ou

quando não se estiver estabelecido vínculo afetivo. Assim, na ocorrência de

afetividade não há possibilidade de procedência na ação negatória de

paternidade, ficando superada a nulidade em razão do crime, de modo que a

adoção continua a produzir seus efeitos perpetuamente, não podendo o filho

adotivo ter sua filiação modificada.

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CAPÍTULO III

A DESCONSTITUIÇÃO DA ADOÇÃO À BRASILEIRA

MEDIANTE REQUERIMENTO DOS SUCESSORES DOS

FALSOS DECLARANTES.

A adoção à brasileira ao se caracterizar pelo registro de filho alheio

como próprio traz como consequência uma verdadeira relação de filiação e

paternidade. Evidente que esta verdade é fática, ou seja, em relação ao que

este reconhecimento ocasiona ao mundo externo. Ou seja, o que a princípio

seria uma falsa relação de paternidade passa a trazer verdadeiras relações

concretizadas não apenas entre as partes (pais e filho), mas para toda a

sociedade.

Este tipo de adoção, que surgiu, principalmente, em razão da

discriminação até então existente entre os filhos adotivos e filhos legítimos, é

uma forma de integrar por completo a criança àquele seio familiar, de modo a

ter reconhecido todos os seus direitos como se realmente filho fosse.

A contradição existente no instituto da adoção desde sua criação no

ordenamento jurídico pátrio contribuiu incrivelmente para a sua discriminação,

vez que apesar de objetivar integrar o menor de idade na família adotiva,

excluía-a de diversos direitos inerentes à filiação legítima. Desta forma, a

própria sociedade passou a discriminar os filhos adotivos tratando-os com

certo preconceito em relação aos filhos genéticos. Cumpre ressaltar que a

mentalidade da sociedade se adequava a mens legis , havendo sempre um

abismo de tratamento entre estes filhos.

Desta forma, muitas famílias receosas com estes preconceitos

advindos da relação adotiva passaram a realizar a adoção à brasileira como

forma de evitar esta diferenciação de tratamento, de maneira que a sociedade

reconhecesse esses filhos adotivos como filhos legítimos. Esta adoção acaba

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por autorizar também o direito à sucessão, já que constavam no registro de

nascimento como filho legítimo.

Assim sendo, a diferenciação entre os filhos civis e naturais somente

foi extinta com a promulgação da Constituição Federal de 1988, equiparando-

os em todos os direitos e deveres, tendo o Código Civil de 2002 reproduzido

este entendimento.

Ocorre que, a adoção realizada sem o devido processo legal e

contrária à lei torna-se passível de anulação de modo a não produzir efeitos na

ordem jurídica. Assim, não obstante a vontade dos falsos declarantes em fazer

com que o filho adotivo adquirisse todos os direitos inerentes à filiação, o

ajuizamento de ação negatória de paternidade e maternidade permitia a

declaração de nulidade da adoção, não produzindo quaisquer efeitos

ocasionando, inclusive, a retirada do nome dos pais da certidão de nascimento

do menor.

A invalidade da adoção irregular sempre foi a regra sob a égide do

Código Civil de 1916 em razão da sua visão patrimonialista. As relações eram

baseadas sempre na busca por efetivar e proteger aqueles direitos

patrimonialistas existentes. Desta maneira, a exclusão do filho adotivo da

sucessão dos pais adotivos era uma forma de tutelar os direitos patrimoniais

daqueles filhos legítimos, ou seja, advindos da relação marital entre pai e mãe.

Com a promulgação da Constituição de 1988, houve uma inversão de

valores passando o existencialismo a sobrepor-se ao patrimonialismo, trazendo

profundas modificações no Direito de Família e Direito das Sucessões. A

principal modificação é a que tange à equiparação entre filhos adotivos e filhos

legítimos, conforme estabelecido no art.226, §7º, da CF/88:

Art. 227, §6º: Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e

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qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

A nossa Lei Maior passou a vedar qualquer tipo de discriminação entre

estas classes de filhos, como desdobramento do Princípio da Isonomia e da

Dignidade da Pessoa Humana, sendo este o grande norteador das relações

jurídicas.

A edição do Código Civil de 2002 trouxe, como consequência, os

desdobramentos advindos desta igualdade entre os filhos determinada na

Constituição de 1988, de modo a trazer reflexos ao Direito sucessório vez que

o adotivo passou a ser considerado herdeiro necessário dos adotados, com

direito de cota-parte igual ao do filho legítimo, conforme estabelece

expressamente o artigo 1.596, do CC/02, com idêntica redação dado pela

Constituição Federal de 1988, no art. 227, §6º, já citado anteriormente.

Carlos Roberto Gonçalves, trazendo as razões para a extinção da

desigualdade entre os filhos naturais e civis assevera:

Em suma: em face da atual Constituição Federal (art.227, §6º), do Estatuto da Criança e Adolescente (art.20) e do Código Civil de 2002 (art.1596), não mais subsistem as desigualdades entre filhos consanguíneos e adotivos, legítimos e ilegítimos, que constavam do art. 377 e 1.605 e parágrafos do Código Civil de 1916. Hoje, todos herdam com igualdade de condições (CC/2002, art. 1834). Mesmo os adotados pelo sistema do diploma revogado (adoção restrita) preferem aos ascendentes. O mesmo sucede com os filhos consanguíneos havidos fora do casamento, desde que reconhecidos.89

Em razão destas modificações legislativas e, principalmente, da

relevância atual da preponderância das relações sócioafetivas sobre as

relações genéticas, os Tribunais brasileiros passaram a ser questionados

89 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, Volume VII, Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2009.

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sobre a possibilidade de desconstituição da adoção à brasileira quando

pleiteado pelos sucessores dos falsos declarantes.

Para uma justa avaliação, necessário se faz uma ponderação entre

interesses: de um lado o interesse patrimonial de um sucessor legítimo e o ato

jurídico ilícito realizado pelos falsos declarantes, que seria a princípio,

impassível de convalidação e de outro o Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, da Segurança Jurídica e da Isonomia entre filhos.

No que diz respeito ao direito sucessório, o Código Civil de 2002,

determina como herdeiros necessários: ascendentes e descendentes desde

que não excluído por indignidade ou deserdação e o cônjuge, conforme

estabelecido no art. 1845 do Código Cívil de 2002.

Numa interpretação conforme a Constituição Federal de 1988 e

sistemática com os demais dispositivos do Código Civil de 2002, deve-se

compreender descendentes não apenas filhos, netos e bisnetos biológicos,

mas também aqueles oriundos da adoção, vez que a nossa Carta Magna

determina a isonomia entre filhos havidos dentro e fora da relação conjugal e

também filhos adotivos.

Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves:

A Constituição de 1988 (art.227,§6º) já estabelecera absoluta igualdade entre todos os filhos, não mais admitindo a retrógrada distinção entre filiação legítima e ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que imperava na legislação anterior. Na época do diploma de 1916, dada a variedade de consequências que essa classsificação acarretava, mostrava-se relevante provar e estabelecer a legitimidade.90

90 GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, Volume VII, Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2009.

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Desta forma, na vigência do Código Civil de 1916, era imprescindível

que o possível herdeiro demonstrasse que era herdeiro legitimado. Em não

comprovando esta qualificação, não poderia ser chamado pra suceder.

Em relação à adoção especificamente, o antigo Código Civil

respeitando sua característica patrimonialista, não estendia à adoção os

direitos sucessórios. Trazendo as distinções, Carlos Roberto Gonçalves:

O artigo 377 do Código Civil de 1916 dizia que a relação de adoção não envolvia a de sucessão hereditária, quando o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos. Se não tivesse, o filho adotivo era equiparado ao filho legítimo ou legitimado, para os efeitos da sucessão, conforme dispunha o artigo 1.605, caput, do mesmo Código. A existência de filho adotivo afastava da sucessão todos os demais herdeiros do adotante que não fossem filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos. Mas o §2º continha uma discriminação, estabelecendo que, se concorresse com filhos supervenientes do adotante, receberia só metade do que a estes coubesse. Só herdava sozinho todo o espólio do adotante se não houvesse outros descendentes.91

Assim sendo, o filho adotivo somente poderia ser chamado a suceder

se o adotante não tivesse filhos aptos a sucessão. A exceção era na existência

de filho legitimado superveniente à adoção onde o adotado passaria a ter

direito a cinquenta por cento do que coubesse aos demais herdeiros.

Conforme anteriormente discutido, a discrimanação entre filhos foi

abolida pela Constituição Federal de 1988 e demais legislações posteriores, de

modo que o filho adotivo passou a ter não apenas direitos sucessórios mas

também direito de receber quinhão de igual valor aos demais filhos do

adotante.

Ocorre, porém, que atualmente ainda se observa em ocasiões

consideráveis, uma certa discriminação com a adoção. Esta situação ocorre

91 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume VII, Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2009.

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geralmente quando da partilha onde os herdeiros buscam não dividir a herança

com aquele adotado.

É certo que, quando se trata de adoção regular, torna-se praticamente

impossível a pretensão de ser esta invalidada, de modo que apenas cabe aos

herdeiros biológicos se conformarem com a divisão da herança.

Entretanto, em sendo a adoção à brasileira irregular, torna-se, a

princípio, viável a pretensão de desconstituição da adoção, de modo a excluir o

adotado do rol de herdeiros legitimados à suceder. Não raro são os casos de

ações em que os herdeiros ingressam em juízo requerendo a desconstituição

da adoção à brasileira c/c anulação de registro civil.

Assim, na ocorrência de procedência da ação, o filho adotivo deixaria

de ostentar a qualidade de filho dos adotantes, perdendo, portanto, a

qualidade de herdeiro daqueles de cujus, passando a herança a pertencer

apenas aos herdeiros legítimos estabelecidos no artigo 1845, do Código Civil

de 2002.

Cumpre esclarecer, que a Ação Declaratória de nulidade de registro

civil vem sendo proposta não apenas por filhos do de cujus mas também por

cônjuge, cônjuge separado e até mesmos ascendentes.

Em notícia extraída no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família,

percebe-se a ocorrência desta situação:

Em se tratando de adoção à brasileira (em que se assume a paternidade sem o devido processo legal), a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado. A decisão é da Terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, seguindo, o voto do relator, ministro Massami Uyeda, rejeitou o recurso de uma mulher que pedia a declaração de nulidade do registro civil de sua ex-enteada.

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A mulher ajuizou ação declaratória de nulidade de registro civil argumentando que seu ex-marido declarou falsamente a paternidade da ex-enteada, sendo, portanto, de rigor o reconhecimento da nulidade do ato. Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. O Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) manteve a sentença ao fundamento de inexistência de provas acerca da vontade do ex-marido em proceder à desconstituição da adoção. Para o TJ, o reconhecimento espontâneo da paternidade daquele que, mesmo sabendo não ser o pai, registra como seu filho de outrem tipifica verdadeira adoção, irrevogável, descabendo, portanto, posteriormente, a pretensão de anular o registro de nascimento. Inconformada, a mulher recorreu ao STJ, sustentando que o registro civil de nascimento de sua ex-enteada é nulo, pois foi levado a efeito mediante declaração falsa de paternidade, fato este que o impede de ser convalidado pelo transcurso do tempo. Argumentou, ainda, que seu ex-marido manifestou, ainda em vida, a vontade de desconstituir a adoção, em tese, ilegalmente efetuada. Em sua decisão o ministro Massami Uyeda destacou que quem adota à moda brasileira não labora em equívoco, ao contrário, tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e, ainda assim, ultima o ato. Para ele, nessas circunstâncias, nem mesmo o pai, por arrependimento posterior, pode valer-se de eventual ação anulatória postulando descobrir o registro, afinal a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito. “De um lado, há de se considerar que a adoção à brasileira é reputada pelo ordenamento jurídico como ilegal e, eventualmente, até mesmo criminosa. Por outro lado, não se pode ignorar o fato de que este ato gera efeitos decisivos na vida da criança adotada, como a futua formação da paternidade socioafetiva”, acrescentou. Por fim, o ministro Massami Uyeda ressaltou que, após firmado o vínculo socioafetivo, não poderá o pai adotante desconstituir a posse do estado de filho que já foi confirmada pelo véu da paternidade socioafetiva.92(grifamos)

O requerimento de desconstituição da adoção à brasileira pelos

sucessores dos falsos declarantes ocasiona um grave dano ao adotado, vez

que além de ‘perder’ aqueles que o acolheram dando-lhe carinho, afeto, amor,

um nome e um lar, passam a ter que brigar na Justiça o direito de não perder

também toda a sua história de vida vivida já que a retirada de sua condição de

filho apagaria toda a sua trajetória, toda a verdade fática vivida. A procedência

92 IBDFAM. www.ibdfam.org.br. Notícias: Adoção à brasileira não pode ser desconstituída após vínculo de socioafetividade. Acesso realizado em 21/04/2014.

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deste provimento judicial ocasionaria novo abandono pois não podemos

esquecer que o adotado já sofreu uma exclusão anterior pela sua família

biológica.

Assim sendo, a propositura da demanda de anulação do registro civil é

vista como sendo uma forma cruel de interesse patrimonial, já que sua

motivação é apenas para excluir da sucessão o filho adotivo, que pela lei teria

direito à herança.

Ocorre, porém, que tal interesse é rechaçado atualmente pelo nosso

ordenamento jurídico, principalmente, pela nossa Cosntituição Federal de

1988, em que busca primordialmente atender ao princípio da dignidade da

pessoa humana e ao melhor interesse da criança. Ou seja, as questões

existencialistas sobrepõem-se às questões patrimonialistas.

O simples argumento de ser a adoção à brasileira nula haja visto ser

ato jurídico ilícito baseado em crime tipificado no artigo 242 do Código Penal,

não ocasiona necessariamente a sua desconstituição em razão da

obrigatoriedade de verificação de determinados elementos, como a presença

de vícios de consentimento (erro, dolo e coação) e o estabelecimento de

relação de socioafetividade, conforme esclarecido no item 3 deste trabalho.

Quanto à presença de vícios de consentimento é importante frisar que,

não basta a demonstração mediante prova robusta que o pai ou os pais

desconheciam que o adotado não era filho biológico para uma possível

desconstituição sendo necessário também a comprovação de que antes do

falecimento destes nunca souberam daquela situação e na possibilidade de

saberem tenham ajuizado demanda no sentido de anular o registro.

Melhor explicando: apenas se faz possível a desconstituição quando

houver prova nos autos do vício do consentimento e, concomitantemente,

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prova do total desconhecimento da verdadeira paternidade biológica do

adotado antes da morte dos pais adotivos.

Na hipótese de os pais adotivos, mesmo sabendo se tratar de erro, por

exemplo, não demonstrar interesse enquanto em vida em anular o registro civil

faz-se improvável a desconstituição vez que somente eles seriam os

legitimados a propor a ação, decerto que ao absterem de praticar o ato judicial

manifestarem um reconhecimento tácito daquele estado de filiação, aceitando

aquele filho adotivo mesmo sabendo não ser filho biológico. Tal conduta, em

regra, se faz pela relação socioafetiva já estabelecida entre adotantes e

adotado, passando a ser esta relação uma verdade para ambas as partes, de

modo que conduta contrária estabeleceria uma dolorosa separação para os

envolvidos.

Desta forma, os sucessores deixariam de ser legitimados para a

propositura da ação de nulidade de registro civil do adotado, sendo certo que

este jamais poderia ser excluído da sucessão hereditária, sendo, inclusive,

herdeiro necessário em razão da equiparação entre filhos adotados e filhos

biológicos conforme mandamento expresso do art. 227, §6º da Constituição

Federal de 1988.

Neste sentido, o voto do relator do Resp n° 709.608/MS, Ministro João

Otávio de Noronha:

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA: Segundo se extrai dos autos, L. V. A. A., por meio de escritura pública lavrada em 12.6.1989 (fl. 10), reconheceu a paternidade do recorrente aos oito anos de idade, como se filho fosse, tendo em vista a convivência com sua mãe em união estável e motivado pela estima que concedia ao menor, dando ensejo, na mesma data, ao registro de nascimento (fl. 9). Com o falecimento do pai registral em 16.11.1995 (fl. 11) e diante da habilitação do recorrente, na qualidade de herdeiro, em processo de inventário, a parte ora recorrida, inventariante e filha do de cujus, ingressou com ação de negativa de paternidade, objetivando anular o registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica.

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Em face da procedência da demanda e formulado o correspondente recurso, o voto condutor do acordão recorrido, ao manter incólume a sentença, assentou: "Todavia, em que pesem as argumentações altamente louváveis do recorrente sobre o estado socioafetivo que se estabeleceu entre o suposto pai e o recorrente, não se pode olvidar que podemos fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. E é justamente a lei que proíbe que se registre filho de outrem como seu, sendo nulo o assento de nascimento decorrente de falsa declaração. [...] Com efeito, estabelecendo o art. 1.604 do vigente Código Civil que "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro", a tipificação das exceções previstas no citado dispositivo verificar-se-ia somente se perfeitamente comprovado qualquer dos vícios de consentimento em que, porventura, teria incorrido a pessoa na declaração do assento de nascimento, em especial quando induzido a engano ao proceder o registro da criança. Portanto, não há que se falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de paternidade, via escritura pública, de forma espontânea, quando inteirado o pretenso pai de que o menor não era seu filho; porém, materializa-se sua vontade, em condições normais de discernimento, movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza. Ora, reconhecida espontaneamente a paternidade por aquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, admite como seu filho de sua companheira, é totalmente descabida a pretensão anulatória do registro de nascimento, já transcorridos mais de seis anos de tal ato, quando não apresentados elementos suficientes para legitimar a desconstituição do assentamento público, e não se tratar de nenhum vício de vontade (erro, coação, dolo, fraude ou simulação) e, tampouco, de falsidade. Realce-se também que o reconhecimento da paternidade, inclusive tipificado doutrinariamente e na jurisprudência como verdadeira "adoção à brasileira", reveste-se de manifestação volitiva espontânea que, não se vinculando ao nascimento, é animada pelo caráter socioafetivo da convivência, numa perspectiva de que os laços de família, notadamente os inerentes à filiação, revelam-se instrumentos aptos à concretude da dignidade da pessoa humana. É importante aduzir que, como salutar alteração introduzida no novo Código Civil, o Capítulo II nominado, de forma simples e mais abrangente, como "Da Filiação", substituindo o anterior título prescrito no diploma revogado, ou seja, "Da Filiação Legítima", bem denota o propósito de inibir qualquer designação discriminatória à filiação, quando, refletindo o comando prescrito no art. 227, § 6º, da Constituição Federal, estabelece, no art. 1.596, o seguinte: "Art. 1.596. Os filhos,

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havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação." Por oportuno, atenho-me às lições do mestre Caio Mário da Silva Pereira, expressando que, "diante da efetiva valorização da convivência familiar, das relações de efetividade que servem de base para o convívio entre os seus membros e da ênfase dada pela Constituição Federal à 'paternidade responsável' e à equiparação e não-discriminação de filhos, já se aponta na Doutrina e na Jurisprudência a prevalência destes elementos indicadores de uma preferência para o reconhecimento da paternidade socioafetiva" (Instituições de Direito Civil, 17ª edição, Revista e Atualizada por Tânia da Silva Pereira, Rio de Janeiro, Forense, 2009, volume V, pág. 365). [...] Em casos como o presente, o termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral – portanto, jurídica –, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil de 2002.93

Não obstante o entendimento do STJ sobre a prevalência da relação

socioafetiva com a consequente não anulação do registro civil de nascimento

do adotado, é certo que os tribunais inferiores ainda vêm encontrando

resistência em aceitar que o ato jurídico ilícito seja convertido de modo a não

ser declarada sua nulidade.

O STJ, ao decidir pela não desconstituição da adoção à brasileira faz

prevalecer a vontade do poder constituinte assegurando a preponderância do

existencialismo sobre o patrimonialismo, de modo a preservar os interesses do

adotado garantindo para este a segurança jurídica já que este encontra-se de

boa-fé, conforme aseevera Roberta Marques Benazzi:

Em relação à adoção à brasileira, podemos concluir que, no caso prático, normalmente a criança vítima do registro falso

93 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 709.608/MS. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Data da decisão: 05/11/2009. Data da publicação: 23/11/2009. Acesso realizado em 15 de junho de 2014.

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encontra-se de boa-fé, pois pensa literalmente que aqueles pais são seus, verdadeiramente. Mesmo quando a criança sabe que foi registrada por aqueles que não são seus pais biológicos, o registro falso é realizado sem qualquer influência por parte da criança, a qual, em razão disto, não poderia jamais ser prejudicada, sob pena de se estar cometendo uma enorme injustiça.94

Cumpre ressaltar, ainda, que não apenas a paternidade socioafetiva é

reverenciada pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que a

maternidade socioafetiva também já foi reconhecida de modo a não permitir a

desconstituição da adoção à brasileira, ou seja, o registro decorrente da

adoção irregular realizada pela mãe adotiva (falsa declarante) não pode ser

declarado nulo em requerimento proposto pelos sucessores da mesma quando

tiver sido estabelecido vínculo de afetividade entre a adotante e o adotado

caracterizando uma verdadeira adoção irretratável e irrevogável. Neste sentido,

notícia publicada no site do próprio STJ:

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida, mesmo no caso em que a mãe tenha registrado filha de outra pessoa como sua. “Não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que, um dia, declarou perante a sociedade ser mãe da criança, valendo-se da verdade socialmente construída com base no afeto”, afirmou em seu voto a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso. A história começou em São Paulo, em 1980, quando uma imigrante austríaca de 56 anos, que já tinha um casal de filhos, resolveu pegar uma menina recém-nascida para criar e registrou-a como sua, sem seguir os procedimentos legais da adoção – a chamada “adoção à brasileira”. A mulher morreu nove anos depois e, em testamento, deixou 66% de seus bens para a menina, então com nove anos. Inconformada, a irmã mais velha iniciou um processo judicial na tentativa de anular o registro de nascimento da criança, sustentando ser um caso de falsidade ideológica cometida pela própria mãe. Para ela, o registro seria um ato jurídico nulo por ter objeto ilícito e não se revestir da forma prescrita em lei, correspondendo a uma “declaração falsa de maternidade”. O

94 BENAZZI, Roberta Marques. Da adoção à brasileira como adoção putativa ou adoção imprópria? http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/crianca/artigos/05.pdf Acesso realizado em 20 de junho de 2014.

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Tribunal de Justiça de São Paulo foi contrário à anulação do registro e a irmã mais velha recorreu ao STJ. Segundo a ministra Nancy Andrighi, se a atitude da mãe foi uma manifestação livre de vontade, sem vício de consentimento e não havendo prova de má-fé, a filiação socioafetiva, ainda que em descompasso com a verdade biológica, deve prevalecer, como mais uma forma de proteção integral à criança. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea – com base no afeto – deve ter guarida no Direito de Família, como os demais vínculos de filiação. “Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares” disse a ministra em seu voto, acompanhado pelos demais integrantes da Terceira Turma.95

O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, estabeleceu,

inclusive, a possibilidade de recusa em realizar o exame de DNA do suposto

filho adotivo, entendendo-o por desnecessário quando caracterizado a

paternidade/maternidade socioafetiva, conforme abaixo transcrito:

STJ. RECURSO ESPECIAL 1115428-SP. Data do julgamento: 27/08/2013. Ministro Relator: Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: 4ª Turma. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE PARENTESCO PROPOSTA POR IRMÃO CUMULADA COM NULIDADE DE REGISTRO DE NASCIMENTO E INVALIDADE DE CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA. EXISTÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. EXAME DE DNA. POSSIBILIDADE DE RECUSA DA FILHA SEM O ÔNUS DA PRESUNÇÃO EM SENTIDO CONTRÁRIO. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA. PRESERVAÇÃO DE SUA PERSONALIDADE, DE SEU STATUS JURÍDICO DE FILHA. 1. Inicialmente, para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal (Súmula 211/STJ). 2.

95 Superior Tribunal de Justiça <www.stj.jus.br/notícias.> Notícia: Maternidade socioafetiva é reconhecida em julgamento inédito no STJ. Acesso em 10 de junho de 2014.

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Tratando-se especificamente do exame de DNA e a presunção advinda de sua recusa, deve-se examinar a questão sobre duas vertentes: i) se a negativa é do suposto pai ao exame de DNA ou ii) se a recusa partiu do filho. Em quaisquer delas, além das nuances de cada caso em concreto (dilemas, histórias, provas e sua ausência), deverá haver uma ponderação dos interesses em disputa, harmonizando-os por meio da proporcionalidade ou razoabilidade, sempre se dando prevalência para aquele que conferir maior projeção à dignidade humana, haja vista ser "o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses constitucionais". 3. Na hipótese, a recusa da recorrida em se submeter ao exame de DNA foi plenamente justificável pelas circunstâncias constantes dos autos, não havendo qualquer presunção negativa diante de seu comportamento. Isto porque, no conflito entre o interesse patrimonial do recorrente para reconhecimento da verdade biológica e a dignidade da recorrida em preservar sua personalidade – sua intimidade, identidade, seu status jurídico de filha -, bem como em respeito a memória e existência do falecido pai, deverá se dar primazia aos últimos. 4. Não se pode olvidar que o STJ sedimentou o entendimento de que "em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. (REsp 1059214/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 12/03/2012). 5. Recurso especial desprovido.

Observa-se, portanto, que em respeito aos Princípios norteadores do

nosso ordenamento jurídico pátrio, a proteção à pessoa humana deve, em

regra, prevalecer sobre o interesse patrimonialista, de modo a não permitir o

desfazimento da adoção à brasileira garantindo ao adotado todos os direitos

hereditários oriundas do estado de filho que possui.

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CAPÍTULO IV

A DESCONSTITUIÇÃO DA ADOÇÃO À BRASILEIRA

PLEITEADA POR PAI BIOLÓGICO OU PELO PRÓPRIO

ADOTADO.

A adoção à brasileira, como visto anteriormente, pode se caracterizar

pelo registro unilateral do falso genitor ou pelo registro bilateral dos falsos

genitores. No segundo caso, tanto a genitora quanto o genitor registram o filho

alheio como próprio. Assim sendo, passa a constar na certidão de nascimento,

o nome dos falsos declarantes.

Este tipo de adoção irregular teve origem em razão da grande

discriminação existente em relação ao instituto da adoção. Como visto no

capítulo 1 do presente trabalho, inicialmente a adoção legal somente era

permitida aos casais que não tivessem tido filho e que contassem com mais de

cinqüenta anos, ou seja, somente quando em idade consideravelmente

avançada se permitia a adoção.

É certo, ainda, que mesmo após a diminuição da idade para a adoção,

o preconceito permanecia. Desse modo, as famílias passaram a ver no registro

falso de nascimento a possibilidade ter efetivamente um filho aceito pela

sociedade, com seus sobrenomes e todos os demais direitos e deveres

oriundos da filiação.

Assim, a adoção à brasileira começou a se disseminar pela sociedade

brasileira, tornando-se uma prática costumeira, vez que através do registro a

família adotiva passava a ter consideráveis privilégios em relação ao instituto

da adoção, em razão das discriminações e diferenciações existentes na

legislação brasileira entre filho legítimo e filho adotivo.

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Enquanto a adoção regular exigia idade mínima, a não possibilidade de

introdução do nome de família dos adotantes no adotado, a não destituição do

pátrio poder da família biológica do adotado96, a adoção à brasileira tornava o

adotado verdadeiro filho através de documento público, qual seja, a certidão de

nascimento lavrada por tabelião de cartório do registro de pessoas naturais, de

maneira que o filho adotivo passava a ter o nome dos adotantes, direitos

sucessórios e, além disso, aos adotantes trazia a segurança de que a família

biológica do adotado não mais pudesse interferir na adoção e nem mesmo

arrepender-se já que não haveria a possibilidade de contestar documento com

fé pública.

Ocorre, porém, que, esta falsa segurança de não interferência dos pais

biológicos do adotado intervirem na relação entre adotando e adotado acabou

por culminar em uma prática nada saudável para os adotados: a ocultação da

verdade biológica do adotado.

Assim, na maioria dos casos de adoção à brasileira, os filhos adotivos

não sabem que são adotados ou apenas vêm a tomar conhecimento desta

verdade quando em idade já avançada. Neste último caso, então, a verdade

biológica quando descoberta ocasiona uma verdadeira revolução de

sentimentos vez que a adotado passa a acreditar que viveu um mentira por

toda a vida. Seria como se tudo o que acreditava desmoronasse, perdendo a

noção de quem é, inclusive.

Por estas razões, o legislador quando da edição da lei 12.010/09,

introduziu expressamente no nosso ordenamento jurídico o chamado Direito à

Origem, de modo a permitir que o adotado saiba quem são seus pais

biológicos, os motivos por qual foi abandonado, ou seja, de conhecer sua

história de vida.

96 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família, volume 6. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Pag. 382.

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O direito à origem encontra-se disposto no artigo 48 do Estatuto da

Criança e adolescente, com redação determinada pela Lei 12.010 de – de

agosto de 2009, transcrito a seguir:

Art. 48 - O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.

Não obstante, os problemas advindos da ocultação da verdade

biológica, outra questão também nos parece bastante comum: a hipótese de

pai biológico não saber sobre o nascimento e existência de filho biológico. Esta

situação, por mais estranha que seja é de comum ocorrência. O principal

motivo para sua ocorrência é quando há a separação e a mulher decide por

não contar ao ex-companheiro, namorado ou esposo sobre a gravidez seja por

vingança ou até mesmo por medo de perder a guarda do filho, privando,

portanto, o pai de conhecer o próprio filho.

A decisão em ocultar o nascimento de filho, retira do pai biológico o

direito de reconhecimento de filho, e aliás, retira do mesmo a possibilidade de

cuidar, criar, educar e estabelecer verdadeira relação afetiva. Desta forma,

evidente é que a este pai não foi dada a oportunidade de acompanhar o filho

durante sua trajetória de vida. É certo também que o mesmo em nenhum

momento concordou com a possibilidade de entrega de seu filho a outra família

ou mesmo que outrem o registra-se em seu lugar.

Nas duas hipóteses apresentadas, tanto o filho adotivo e pai não

conhecedor da existência de filho, encontram-se de boa-fé vez que não

tiveram a possibilidade de manifestar vontade sobre a realização da adoção à

brasileira. Discussões começam a surgir sobre a possibilidade destas pessoas

pleitearem a desconstituição da adoção irregular realizada.

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É de se notar, porém, que a situação acima demonstrada nos exige

profunda análise já que se observa inúmeros conflitos entre princípios e

normas existentes em nosso ordenamento jurídico, de modo que apenas uma

ponderação de interesses e avaliação de cada caso concreto nos permitiria

alcançar a justiça.

Assim, indispensável se faz uma análise das relações sociafetivas

existentes entre adotantes e adotado, do direito à origem, esculpido na atual lei

de adoção, do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, do Melhor Interesse

do Menor e o Direito ao reconhecimento de paternidade e filiação.

Não obstante a descoberta de não ser o adotado filho biológico dos

pais adotivos ou pai biológico descobrir a existência de filho, a relações sociais

criadas por esta adoção devem ser consideradas vez que esta foi a verdade

fática vivida pelo adotante, observando-se, portanto, o Princípio da afetividade.

A afetividade, conforme demonstrado ao longo deste trabalho, vem

sobrepondo-se à filiação biológica em razão do existencialismo, característica

principal da atual Constituição Federal de 1988. Dissertando sobre o tema,

Roberto Ribeiro Soares de Carvalho:

Tendo por base ainda a Constituição, que, irrefutavelmente, valorizou a pessoa humana, colocando-a como centro da tutela jurídica a família moderna continuou a mudar, e até certo ponto, de forma radical, uma vez que deixou de lado o aspecto patrimonial e biológico de outrora, passando a admitir que vínculos mais fortes do que o próprio sangue alcançassem uma garantia mais efetiva, como é o caso dos laços de afetividade.97

As relações socioafetivas são, portanto, atualmente de grande

importância para o direito pátrio sendo um verdadeiro orientador para as

97 CARVALHO,Roberto Ribeiro Soares de. A possibilidade de registro de dois pais na certidão de nascimento da criança: uma reflexão civil-constitucional, 2008. Disponível em www.ibdfam.org.br. Acesso em 30 de maio de 2014.

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decisões judiciais, principalmente, no que tange ao direito de família e das

sucessões.

A importância da socioafetividade decorre do Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana, a qual, exige-se sempre do julgador observar e optar pelo

julgamento que menos trará prejuízos para a dignidade daquela pessoa. Deste

modo, o julgador deverá optar sempre pela decisão menos agressiva.

Este princípio constitucional deve ser observador em todas as relações

sociais, sendo certo que dele derivam diversos outros direitos e princípios,

como o Princípio da afetividade acima mencionado, Princípio do melhor

interesse da criança, direito à origem, Direito à paternidade e filiação, entre

outros.

O Princípio do melhor interesse da criança, objetiva proteger

integralmente a criança e o adolescente de modo que toda vez que se estiver

diante de conflito de interesses em que uma das partes seja menor de idade, o

seu bem-estar deve ser observado, ou seja, primeiramente deve-se buscar

qual a melhor solução para aquela criança ou adolescente naquele caso

concreto. Neste sentido, assevera Paulo Lôbo:

O princípio inverte a ordem de prioridade: antes no conflito entre a filiação biológica e não biológica ou socioafetiva, resultante de posse de estado de filiação, a prática do direito tendia para a primeira, enxergando o interesse dos pais biológicos como determinantes, e raramente contemplando os do filho. De certa forma, condizia com a idéia de poder dos pais sobre os filhos e da hegemonia da consangüinidade-legitimidade. Menos que sujeito, o filho era objeto da disputa. O princípio impõe a predominância do interesse do filho, que norteará o julgado, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a realização pessoal do menor estará assegurada entre os pais biológicos ou entre os pais não biológicos. De toda forma, deve ser ponderada a convivência familiar, constitutiva da posse de estado de filiação, pois ela é prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, da Constituição Federal).98

98 LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Disponível em: www.ibdfam.org.br. Acesso em 21/04/2010.

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O direito à origem é decorrente do Princípio da Dignidade da pessoa

humana e atualmente encontra-se descrito na Lei 8.072/90, o Estatuto da

Criança e do Adolescente. Trata-se de um direito da personalidade, onde cada

pessoa tem o direito de conhecer sua origem genética, saber quem são seus

pais, irmãos e avós, por exemplo.

A doutrina estabelece, porém, que o direito de filiação se trata de um

direito de família de maneira que deve ser levado em consideração não a

verdade biológica, mas sim a verdade fática vivida. Deste modo, a direito à

origem biológica não se encontra necessariamente atrelado ao direito à

filiação.

Com maestria, desenvolve Paulo Lôbo:

O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da personalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram. Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie de direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por doador anônimo se sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equívoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com origem genética. Em contrapartida, toda pessoa humana tem direito inalienável ao estado de filiação, quando não o tenha. Apenas nessa hipótese, a origem biológica desempenha papel relevante no campo do direito de família, como fundamento do reconhecimento da paternidade ou da maternidade, cujos laços não se tenham constituído de outro modo (adoção, inseminação artificial heteróloga ou posse de estado). É

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inadmissível que sirva de base para vindicar novo estado de filiação, contrariando o já existente. [...] a evolução do direito conduz à distinção, que já se impõe, entre pai e genitor ou procriador. Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família.99

É certo, portanto, que segundo os argumentos expostos acima, o

direito à origem e o direito à filiação não se confundem de modo que a origem

genética somente poderia prevalecer quando não estabelecida outra forma de

filiação, como a não biológica ou afetiva, por exemplo.

Conclui, então, Paulo Lôbo que:

O estado de filiação é gênero, do qual são espécies a filiação biológica e a não biológica. Ainda que ele derive, na grande maioria dos casos, do fato biológico, por força da natureza humana, outros fatos o determinam, a saber a adoção, a posse de estado de filiação e a inseminação artificial heteróloga. Assim, para abranger todo o universo de situações existenciais reconhecidas pelo direito, o estado de filiação tem necessariamente natureza cultural (ou socioafetiva). A origem biológica presume o estado de filiação, ainda não constituído, independentemente de comprovação de convivência familiar. Neste sentido, a investigação da origem biológica exerce papel fundamental para atribuição da paternidade ou maternidade e, a fortiori, do estado de filiação, quando ainda não constituído. Todavia, na hipótese de estado de filiação não biológica já constituído na convivência familiar duradoura, comprovado no caso concreto, a origem biológica não prevalecerá. Em outras palavras, a origem genética não se poderá contrapor ao estado de filiação já constituído por outras causas e consolidado na convivência familiar (Constituição, art. 227).100

Desta forma, em razão da preponderância do estado de filiação não

biológica, ou seja, a socioafetiva, os Tribunais brasileiros durante alguns anos

vinham decidindo pela impossibilidade de desconstituir as relações afetivas já

99 LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária, 2008. Disponível em: www.ibdfam.org.br. Acesso em 21/04/2014. 100 LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária, 2008. Disponível em: www.ibdfam.org.br. Acesso em 21/04/2014.

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estabelecidas, sejam estas pleiteadas pelo pai biológico ou até mesmo pelo

próprio adotado.

Neste sentido, o seguinte julgado noticiado pelo Tribunal de Justiça de

Goiás:

Cidadão que comparece espontaneamente a um cartório e registra, como seu filho, uma vida nova, não necessita de comprovação genética para ter sua declaração admitida. Com esse entendimento, a juíza Maria Luíza Póvoa Cruz, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, reconheceu a paternidade de J.S.B. com relação a seu filho não biológico J.S.B.J.. Apesar de J.B.S. te-lo registrado com seu próprio nome acrescido de “Júnior”, J.S.B.J. é filho biológico de A.A., fato já comprovado por meio de DNA, com sua ex-companheira. Na ação, J.B.S.J. pretendia ser reconhecido como filho de A.A. e chegou a requerer a alteração do seu registro e a fixação de pensão alimentícia em seu favor. No entanto, ambos os pedidos foram negados pela juíza. O requerido A.A., foi representado pelo advogado Marcelo Di Rezende Bernardes, que informou tratar-se de decisão inédita no Estado. Ao negar o pedido de alteração de registro de nascimento cumulado com alimentos formulado pelo autor, Maria Luíza frisou que a filiação socioafetiva é caracterizada pelas relações de afeto e explicou que J.B.S. não apenas registrou o investigante, mesmo sabendo que ele era filho de outro, como deu-lhe o próprio nome, conviver com ele e o tratou como filho até sua morte. “A origem genética só poderá interferir nas relações de família como meio de prova para reconhecer judicialmente a paternidade ou maternidade, ou para contestá-la, se não houver estado de filiação constituído, nunca para negá-lo”, esclareceu.101

Depreendemos, então, que a adoção à brasileira não pode ser

desconstituída em razão de mera alegação de não ser o pai registral o

verdadeiro pai biológico. A jurisprudência vem se posicionando neste sentido

como consequência da prevalência das relações socioafetivas em relação às

relações biológicos.

101 MOTTA, Mirelle. Juíza reconhece paternidade baseada em relação afetiva. Disponível em: www.tjgo.jus.br/bw/?p=3231. Notícia de 05 de setembro de 2007. Acesso em 21 de abril de 2014.

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A Jurisprudência entendia que da mesma maneira que não se permitia

a desconstituição da adoção à brasileira pelo falso declarante que busca se

esquivar da obrigação alimentar, ou seja, que busca retirar de si as obrigações

inerentes da filiação (conforme demonstrado no item 3 desta monografia),

também vedada ao adotado pleitear tal desconstituição da adoção para que

possa ser reconhecida a paternidade biológica para alcançar a condenação do

pai biológico em alimentos.

É certo que a questão patrimonialista exerce atualmente papel

secundário nas relações pessoais de modo que primeiramente deve ser

observado as relações de afeto, amor e carinho, estabelecidas entre as partes

envolvidas, de maneira a buscar a solução menos gravosa para o conflito.

Neste sentido, Maria Berenice Dias:

Filiação socioafetiva, adoção à brasileira, posse do estado de filho são novos institutos construídos pela sensibilidade da Justiça, que tem origem no elo afetivo e levam ao reconhecimento do vínculo jurídico da filiação. É de tal ordem a relevância que se empresta ao afeto que se pode dizer agora que a filiação se define não pela verdade biológica, nem a verdade legal ou a verdade jurídica, mas pela verdade do coração. Há filiação onde houver um vínculo de afetividade. Aliás, essa palavra está referida uma única vez no Código Civil, exatamente quando fala da proteção à pessoa dos filhos, ao dizer que a guarda deve ser deferida levando em conta a relação de afinidade e afetividade (1.584, parágrafo único). Assim, a sacralização da nefasta lista vai de encontro a tudo que vem sendo construído para realçar a afetividade como o elemento identificador dos vínculos familiares. Quando se trilha o caminho que busca enlaçar no próprio conceito de família o afeto, desprezá-lo totalmente afronta não só a norma constitucional que consagra o princípio da proteção integral, mas também o princípio maior que serve de fundamento ao Estado Democrático de Direito: o respeito à dignidade de crianças e adolescentes.102

102 DIAS, Maria Berenice. Adoção e a espera do amor. Disponível em www.mariaberenicedias.com.br. Acesso em: 29 de junho de 2014.

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Estabelecendo, ainda, a importância da constituição da relação da

socioafetividade, a desembargadora Maria Berenice Dias, no julgamento do

Embargos Infringentes 70018765628 TJ/RS, permitiu a anulação de registro

civil de nascimento do autor da ação vez que apesar de seu registro ter sido

realizado mediante adoção à brasileira nunca foi estabelecida vínculo de

afetividade, já que o adotado jamais residiu com o pai registral, nem manteve

qualquer tipo de relacionamento com o mesmo, de modo a ter direito ao

reconhecimento como filho de seu pai biológico.

Entretanto, questão tanto quanto nebulosa é a que diz respeito à

possibilidade de anulação do registro civil, apesar da existência da relação

socioafetiva em razão da vontade do adotado em ter seu direito à origem

reconhecido. Neste caso, teremos um conflito de interesses entre a vontade do

adotado – seja por não se conformar com a descoberta de ser adotado ou por

entender os motivos que levaram os pais biológicos a o abandonarem com a

consequente aproximação com estes –, o direito à origem e a relevância das

relações afetivas.

O Superior Tribunal de Justiça, contrariando sua ate então

jurisprudência, em razão das peculiaridades do caso concreto, decidiu pela

desconstituição da adoção à brasileira de forma a prevalecer o direito de

origem de maneira a preservar a dignidade da pessoa humana, conforme se

verifica do seguinte voto da Ministra Nancy Andrighi:

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cinge-se a controvérsia a saber qual a paternidade/maternidade que deve prevalecer quando conflitantes: a biológica ou a sócio-afetiva. Tendo sido julgado procedente o pedido investigatório, foi este reformado em grau de apelação, por considerar o Tribunal Estadual que, em se tratando de “adoção à brasileira”, "a verdade socioafetiva se sobrepõe à verdade genética" (fl. 248). Não se pode, contudo, proceder à aludida mensuração, sem a delimitação das peculiaridades de cada hipótese, notadamente quando envolta a questão em matiz de intrincado contexto familiar de “verdades” antagônicas. [...]

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O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. [...] Assim, caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica. [...] Consideradas as peculiaridades do processo, tem-se que a aludida tese da caracterização, pelo Tribunal de origem, de vínculo sócio-afetivo decorrente de “adoção à brasileira”, que, em concorrência direta com o reconhecido vínculo biológico, teria o condão de a este se sobrepor, deve ser objeto de acurada reflexão. Primeiramente, porque o vínculo sócio-afetivo, como já dito, deve advir de ato voluntário dos pais que registraram a criança, isto é, deve ser uma opção, uma escolha deles, no sentido de querer aquele bebê como um filho. No entanto, embora, na superfície, seja essa a impressão inicial, sobressai da leitura dos autos, que houve um “arranjo” ao ser a investigante enviada aos pais registrais, para que não fosse maculada a imagem de “bom moço” do investigado, pertencente a família de relevo na sociedade local, tendo sido a investigada, por sua vez, acuada, obrigada a entregar a filha. (...) Sem dúvida, pela análise do processo, depreende-se que a investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos, tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, pelo que consta dos autos, quando a recorrente já contava com 50 anos de idade. Pensamento em sentido contrário seria corroborar a ilicitude perpetrada, tanto pelos pais que registraram a investigante, como pelos pais que a conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto. Dessa forma, conquanto tenha a investigante sido acolhida em lar “adotivo” e usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. Em conclusão, releva ponderar que, nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e sócio-afetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem pautar as decisões. Por fim, e apenas a título complementar, ressalte-se que não poderia ter o acórdão retirado o direito da recorrente ao reconhecimento da maternidade declarada em sentença,

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notadamente porque o espólio da mãe investigada sequer interpôs recurso nesse sentido, limitando-se a insurgência à apelação do espólio do pai investigado. Deixo, porém, de utilizar como fundamento tal questão por não constar das razões do presente recurso especial.103 (grifamos)

Desta forma, o STJ decidiu pela prevalência do direito à origem

genética desconsiderando o vínculo socioafetivo, deixando-se ressaltado que,

em regra, o vínculo socioafetivo deve prevalecer sobre a origem genética,

devendo, porém, o julgador atentar-se sempre para as peculiaridades do caso

concreto.

O mesmo entendimento vem sendo adotado nos julgados mais

recentes do Superior Tribunal de Justiça:

Recurso Especial 1.401.719-MG. Ministro relator: Nancy Andrighi. Órgão Julgador: 3ª Turma. Data do julgamento: 08/10/2013. FAMÍLIA. FILAÇÃO. CIVL EPROCESO CIVL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 326 DO CPC E ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVL. 1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012. 2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos caso em que, sem nenhum vínculo biológico,os pais criam uma criança por escolha própria, destinado-lhe todo amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-flho. 5. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declaram no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 6. Se é o

103 BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 833.712-RS. Data de julgamento: 17/05/2007. Publicação da decisão:04/06/2007. Disponível em: www.stj.jus.br. Consulta realizada em 20/06/2014.

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próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir A sua pretensão. 7. O reconhecimento do estado de filiação constitui direto personalíssimo, indisponível imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. 8. Ainda que haja consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo embasamento relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direto do recorrido à sua identidade genética. 9. Recurso especial desprovido.(grifamos).

Verificamos, portanto, no mencionado julgado que o adotado mediante

adoção à brasileiro pode pleitear a desconstituição da adoção à brasileira,

anulando por conseguinte o seu registro civil, para que se incluía o nome dos

pais biológicos.

Contudo, existem casos em que o adotado vê-se em situação ainda

mais complicada: quando reconhece a sua família adotiva, mas também

deseja o reconhecimento da sua família biológica. Ou seja, o adotado não

deseja excluir do seu registro a sua família adotiva e, ao mesmo, tempo deseja

incluir a família genética.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, instado a se manifestar,

através de decisão unânime decidiu de forma inédita pela possibilidade de

reconhecimento da paternidade tardia sem anulação a paternidade

socioafetiva do autor, conforme voto do relator:

Des. Rui Portanova (RELATOR) A. é pai biológico de E., o qual nasceu em 1962. E., por cerca de 40 anos, viveu como se filho fosse dos falecidos R. e M. A. sempre desconfiou que era pai biológico de E., mas nunca tomou nenhuma providência, pois S. – a mãe biológica – era casada na época da concepção e depois desapareceu. Por volta de 2007. [...]

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Em seu recurso, os apelantes claramente expressam que não querem desconstituir a paternidade socioafetiva (fl. 84). Logo, não há pretensão de anulação do registro civil. Tampouco veio de forma clara pedido para retificação de nome ou inclusão do patronímico do pai biológico. Segundo o pedido inicial, a intenção é o reconhecimento judicial da paternidade biológica com a consequente averbação no registro. Contudo, na audiência, os autores disseram claramente que pretendem, com o reconhecimento da paternidade biológica, assegurar o direito de herança de Edson em relação ao pai biológico. Dito isso, a tarefa aqui é verificar a possibilidade de reconhecimento da paternidade biológica, em concomitância com a paternidade socioafetiva (registral). E diferentemente do que entendeu a sentença e o Ministério Público à fl. 95, “data venia”, entendo que não é impossível declarar que o requerente E. é filho biológico de A., sem existir pedido de anulação do atual registro.” Por primeiro, é bem de ver que o vínculo biológico é certo em razão do laudo genético de fl. 12. No meu sentir, é lícito à parte buscar a sua verdade biológica, mesmo existente a paternidade socioafetiva. Não há justificativa para impedir a livre investigação da paternidade pelo fato de alguém ter sido registrado como filho dos pais socioafetivos. Uma vez identificada a verdade biológica, só após é que se deve questionar a existência de outro vínculo, decorrente da socioafetividade. Vínculo esse que merece mesmo ser mais valorado. Mas a existência de posse de estado de filho e da sociafetividade, não deve impedir o reconhecimento do vínculo biológico. É que, se certa a paternidade biológica, o seu reconhecimento, sem a concessão dos demais direitos decorrentes do vínculo parental e inexistindo prejuízo - e resistência de quem quer que seja - não viola o ordenamento jurídico. Ao contrário. Negar o reconhecimento da verdade biológica chega a ser uma forma de restrição dos direitos da personalidade do indivíduo, cujo rol não é exaustivo (artigo 11 e seguintes do Código Civil). Assim, penso não haver obstáculo em preservar a verdadeira paternidade – a socioafetiva - e reconhecer a paternidade biológica com a devida averbação no registro. Não há, necessariamente, que se alterar o nome ou conferir direito hereditário para que a pessoa tenha tão somente reconhecida por sentença a sua verdade biológica. A paternidade biológica pode muito bem ser reconhecida e o pai biológico poderá se valer do instrumento adequado previsto no ordenamento para contemplar seu filho com seus bens. Por isso, estou aqui, em atenção aos direitos de personalidade e de identidade da pessoa, conferindo tão somente o reconhecimento judicial da paternidade biológica de A. sobre E. Podendo esse reconhecimento da paternidade biológica ser averbado no Registro de nascimento.

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Fica negada a concessão de alteração de nome e de direito hereditário, decorrente do presente reconhecimento.104 (grifamos)

Assim, foi permitida judicialmente a paternidade biológica sem a

anulação do registro de nascimento decorrente de paternidade socioafetiva, de

forma a ser averbada na certidão de nascimento do mesmo a paternidade

biológica.

Notadamente, se verifica na presente decisão a distinção entre direito

à origem e filiação, podendo, portanto, estas apesar de não coincidentes

coexistir sem que represente afronta ao ordenamento jurídico. Sendo assim,

permitiu-se o reconhecimento de dois pais: o biológico e o socioafetivo, decerto

que o primeiro decorre do direito à origem genética e o segundo decorre do

direito à filiação.

Sobre esta possibilidade de reconhecimento de dois “pais”, assevera

Roberto Ribeiro Soares de Carvalho:

[...] é possível ser realizado o registro de dois “pais” na certidão de nascimento de uma criança, inobstante a lei nada mencionar a respeito, considerando os princípios que orientam as relações familiares entre pais e filhos, tais como dignidade da pessoa humana, solidariedade, afetividade, melhor interesse da criança, entre outros. Obviamente que, diante do caso concreto, cabe ao juiz analisar se esses princípios estão sendo efetivamente cumpridos com a autorização do registro, pois, se do contrário for, serão esses mesmos princípios que orientarão a decisão contrária à realização de tal ato, uma vez que, seja qual for a solução, este deve sempre representar o melhor interesse da criança.105

Não obstante grande parte da doutrina entender ser incabível a

coexistência entre dois tipos de paternidade, vem se fortalecendo o

104 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível 70031164676. Relator: desembargador Rui Portanova. Data do julgamento: 17/092009. Data da publicação: 25/09/2009. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Consulta realizada em: 20 de junho de 2014.

105 CARVALHO, Roberto Ribeiro Soares de. A possibilidade de registro de dois pais na certidão de nascimento da criança: uma reflexão civil-constitucional, 2008. Disponível em www.ibdfam.org.br. Acesso em 30 de maio de 2014.

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entendimento sobre a possibilidade de reconhecimento de “dois pais” ou até

mesmo “duas mães” no registro de nascimento. É certo, porém, que como uma

paternidade/maternidade se refere ao direito à origem e a outra se refere à

relação de sociafetividade estabelecida, fica evidente que somente aquela

referente ao estado de filiação trará direitos e obrigações oriundas do direito de

família tal como direitos à alimentos, poder familiar, assim como os direitos

ligados à parentalidade como direitos sucessórios.

Portanto, o adotado somente terá direito hereditário de seus pais

adotivos ou registrais, de modo que somente constará o nome do pai ou mãe

biológico na certidão de nascimento para fins de reconhecimento da origem

genética do adotado, efetivando assim um direito de personalidade.

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CONCLUSÃO

A adoção à brasileira, como o próprio nome sugere, trata-se de uma

prática rotineira no Brasil, não obstante ser tipificada como crime previsto no

artigo 242 do Código Penal. Ocorre que, apesar do legislador ter buscado a

criminalização da conduta de registrar filho alheio como próprio, a sociedade

não criminaliza esta conduta. Muito pelo contrário, a vê como uma conduta de

altíssima nobreza e caridade.

Porém, não se pode negar que a adoção à brasileira estabelece

verdadeiros vínculos entre os supostos pais biológicos e o adotado de modo

que tal situação fática deve ser considerada em razão do disposto no

ordenamento jurídico pátrio.

É, portanto, este o ordenamento estabelecido na nossa Constituição

Federal de 1988, quando estabelece como princípios basilares do nosso direito

a Dignidade da Pessoa Humana, a Isonomia entre filhos naturais e adotivos,

do Melhor Interessa da Criança, da Segurança Jurídica.

Ou seja, a Constituição Federal ao visar a proteção da pessoa

humana, “transportou” o direito antes com visão patrimonialista para uma visão

existencialista, preocupado em garantir à pessoa sua dignidade, de modo que

qualquer decisão judicial deve buscar atingir minimamente possível a esfera de

dignidade da pessoa humana.

Sendo certo que as maiores implicações destas modificações

ocorreram no Direito de Família, as legislações posteriores à Constituição

Federal de 1988 e os Tribunais brasileiros passaram a reconhecer não apenas

as relações biológicas, mas também aquelas baseadas na afetividade, no

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carinho e no amor, vez que cada vez mais o que se busca é o bem-estar, a

busca pela felicidade.106

Atualmente, portanto, o Princípio da afetividade vem ganhando cada

vez mais importância de modo a sobrepor-se, inclusive, ao vínculo biológico,

decerto que o Superior Tribunal de Justiça e a grande maioria dos Tribunais de

Justiça dos Estados brasileiros vêm impedindo a desconstituição da adoção à

brasileira, justamente quando há, no caso concreto, a formação deste vínculo

socioafetivo.

Nas hipóteses suscitadas no presente trabalho, procurou-se

demonstrar a real importância deste vínculo afetivo vez que em razão dele o

adotado tem a capacidade de ser reconhecido como filho e reconhecer

aqueles que o adotaram como pai. Por isso, costuma-se dizer que o pai tem

que adotar seu filho, e o filho adotar o pai.107

Conclui-se, portanto, que a jurisprudência brasileira, principalmente o

STJ, de certa maneira vem decidindo pela preponderância da

paternidade/maternidade socioafetiva principalmente quando se tem interesses

patrimoniais envolvidos, como no caso de pai registral que objetiva a

desconstituição da adoção à brasileira para não ter obrigação alimentos ou de

herdeiros que visam aumentar a cota hereditária com a exclusão do adotado

através da anulação do registro de nascimento.

É certo, ainda, que a possibilidade de reconhecimento de “dois pais”,

sendo um afetivo e outro biológico, comprova a efetivação dos princípios

constitucionais às relações jurídicos, preservando integralmente todos os

interesses da pessoa humana, haja vista que ao se ter este reconhecimento o

adotado consegue concomitantemente ser reconhecido pelo família biológica e

106 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2013, p. 52/53. 107 WEBER, Lídia Natalia Dobrianskyj; Pais e Filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008. Pag. 29.

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reconhecer a família adotiva que o amparou da situação de perigo, pré-

abandono ou até mesmo abandono em que se encontrava.

Por estas razões os casos concretos devem ser realizados mediante

uma ponderação de interesses tendo em vista os diversos direitos envolvidos

em razão da filiação e paternidade existentes, de modo a preservar,

primordialmente, a dignidade da pessoa humana e os demais princípios

norteadores do ordenamento jurídico pátrio.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

EPÍGRAFE 5

RESUMO 6

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

A adoção à brasileira 13

1.1 – Relato histórico do instituto da adoção 13

1.2 – Conceito e disposições gerais sobre a adoção à

brasileira 27

1.3 – Adoção à brasileira e sua tipificação como crime

previsto no art. 242 do Código Penal 33

CAPÍTULO II

A desconstituição da adoção à brasileira mediante

requerimento do falso declarante 37

CAPÍTULO III

A desconstituição da adoção à brasileira mediante

requerimento dos sucessores dos falsos declarantes 56

CAPÍTULO IV

A desconstituição da adoção à brasileira pleiteada

pelo pai biológico ou pelo próprio adotado 70

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CONCLUSÃO 86

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 89

ÍNDICE 94