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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA LUANA CAROLINA DA SILVA MONTEIRO UM CAMPO EM PRETO E BRANCO: A IMAGEM-EXPRESSÃO EM FORTALEZA A PARTIR DA FOTOGRAFIA DE ALBANO E SANTANA FORTALEZA - CEARÁ 2018

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Page 1: Dissertação Sociologia Luana‡ÃO... · LUANA CAROLINA DA SILVA MONTEIRO UM CAMPO EM PRETO E BRANCO: A IMAGEM-EXPRESSÃO EM FORTALEZA A PARTIR DA FOTOGRAFIA DE ALBANO E SANTANA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA

LUANA CAROLINA DA SILVA MONTEIRO

UM CAMPO EM PRETO E BRANCO:

A IMAGEM-EXPRESSÃO EM FORTALEZA A PARTIR DA FOTOGRAFIA DE

ALBANO E SANTANA

FORTALEZA - CEARÁ

2018

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LUANA CAROLINA DA SILVA MONTEIRO

UM CAMPO EM PRETO E BRANCO:

A IMAGEM-EXPRESSÃO EM FORTALEZA A PARTIR DA FOTOGRAFIA DE

ALBANO E SANTANA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Sociologia

Orientadora: Profª. Drª Kadma

Marques Rodrigues.

FORTALEZA - CEARÁ

2018

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LUANA CAROLINA DA SILVA MONTEIRO

UM CAMPO EM PRETO E BRANCO:

A IMAGEM-EXPRESSÃO EM FORTALEZA A PARTIR DA FOTOGRAFIA DE

ALBANO E SANTANA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Sociologia

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AGRADECIMENTOS

Sou enormemente grata por concluir mais uma etapa da minha trajetória de vida.

O aprendizado teórico sobre as sociedades e suas diferentes formas de

interação permite-nos olhar para o mundo imbuído do sentimento de ser capaz

de interpretá-lo. O mestrado propiciou o desenvolvimento de minha capacidade

crítica e meu amor pela Sociologia. Sou, portanto, grata a todas as experiências

que foram vivenciadas nesse interim.

Agradeço de modo especial à minha orientadora Kadma Marques que tanto me

inspirou e me norteou nessa trajetória. Seu conhecimento e determinação são

cativantes e motivadores. Muito te admiro.

Agradeço aos sujeitos que foram citados nessa pesquisa por terem tornado

possível a visualização do campo fotográfico a partir de seus trabalhos.

Agradeço à minha família que está sempre comigo e ao meu companheiro de

vida, Clésio Mendes, por me ouvir, me aconselhar e ajudar a superar minhas

faltas. Sua inteligência me anima.

Agradeço ao grupo “Sociologia da Arte” por ter sido um espaço de grande fôlego

intelectual com as melhores discussões e as melhores pessoas reunidas

compartindo momentos, conhecimentos e refeições.

Agradeço ao “Grupo de estudos da língua francesa” que é também um espaço

maravilhoso de aprendizados e ricas vivências.

Agradeço ao responsável pela revisão deste trabalho, Reginaldo Melo. Sua

dedicação foi fundamental.

Por fim, agradeço à FUNCAP por ter, através do financiamento ao estudante,

proporcionado meu desempenho exclusivamente para a realização da pós-

graduação e suas atividades semanais.

A todos muito obrigada.

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RESUMO

A fotografia como prática documental mecânica inaugura um olhar cuja dinâmica

encarna o ritmo da nascente sociedade industrial. De fato, seu formato

reprodutível e intercambiável, bem como seus procedimentos próprios de

produção da imagem adequam-se à necessidade de documentar, celebrando o

mundo moderno e suas conquistas técnicas. Mas a imagem fotográfica, além de

conferir objetividade ao olhar, também erigia-se em produção expressiva dos

anseios despertos pelas grandes mudanças sociais. Ao longo do século XX, a

produção fotográfica passa a se revestir de novos significados, tendo seus limites

documentais questionados por seus praticantes e usuários. Ademais,

transformações sociais globais fazem emergir regimes concorrenciais de

produção imagética, impondo à fotografia um movimento de recuo e

autorreflexão. Partindo de um contexto de autonomização das imagens, a

presença da fotografia na cidade de Fortaleza é analisada como um caso

particular do possível. Nesse sentido, qual seria a análise sociológica para a

realização de fotografias em preto e branco em um contexto marcado pela

expansão tecnológica da criação imagética? A pesquisa busca evidenciar os

fatores histórico-sociais que contribuíram para a formação de espaços sociais e

trajetórias dedicadas ao desenvolvimento da fotografia na capital cearense. Para

tanto, a abordagem escolhida associa condições estruturais e de caráter

fenomênico, a fim de compreender a produção em preto e branco de José Albano

e de Tiago Santana. O ponto de partida desta análise privilegia o entendimento

acerca da emergência do contexto institucional da fotografia. Em seguida, o

desafio da pesquisa é o de compreender as transformações sócio-históricas da

fotografia associadas à experiência social de reconfigurações do olhar. E, no

terceiro momento, a pesquisa abordará o espaço institucional do Museu da

Fotografia (MFF) a partir da convergência entre instituição, sujeitos e práticas a

ela associados.

Palavras-chave: Fotografia. Expressão. José Albano. Tiago Santana. Preto e branco.

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RÉSUMÉ

La photographie comme pratique documentaire mécanique inaugure un regard

dont la dynamique incarne le rythme de la société industrielle naissante. En fait,

son format reproductible et interchangeable, ainsi que ses propres procédures

de production d'images, correspondent au besoin de documenter, de célébrer le

monde moderne et ses réalisations techniques. Mais l'image photographique, en

plus de conférer de l'objectivité à l'œil, a également été érigée dans la production

expressive des aspirations éveillées par les grands changements sociaux. Tout

au long du XXe siècle, la production photographique a commencé à prendre de

nouvelles significations et ses limites documentaires ont été remises en question

par ses praticiens et ses utilisateurs. De plus, les transformations sociales

mondiales émergent des régimes compétitifs de production d'images, imposant

à la photographie un mouvement de recul et d'autoréflexion. Partant d'un

contexte d'autonomisation des images, la présence de la photographie dans la

ville de Fortaleza est analysée comme un cas particulier du possible.

En ce sens, quelle serait l'analyse sociologique pour la réalisation de

photographies en noir et blanc dans un contexte marqué par l'expansion

technologique de la création d'images? La recherche vise à mettre en évidence

les facteurs historiques et sociaux qui ont contribué à la formation d'espaces

sociaux et de trajectoires consacrées au développement de la photographie dans

la capitale du Ceará. Pour ce faire, l'approche choisie associe les conditions

structurelles et les phénomènes afin de comprendre la production en noir et blanc

de José Albano et Tiago Santana. Le point de départ de cette analyse privilégie

la compréhension de l'émergence du contexte institutionnel de la photographie.

Ensuite, le défi de la recherche est de comprendre les transformations socio-

historiques de la photographie associées à l'expérience sociale des

reconfigurations de l'œil. Et, au troisième moment, la recherche abordera

l'espace institutionnel du Musée de la Photographie (CFP) à partir de la

convergence entre institution, sujets et pratiques associées.

Mots-Clés: Photographie. Expression. José Albano. Tiago Santana. Noir et blanche.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Rua Major Facundo - Hôtel de France ........................................................... 21

Figura 2 - Retirantes da Seca .............................................................................................. 25

Figura 3 - Passeio Público em 2017 .................................................................................. 30

Figura 4 - Rua Major Facundo - Hôtel de France ........................................................... 31

Figura 5 - O olho humano .................................................................................................... 61

Figura 6 - Frequência da luz ................................................................................................ 62

Figura 7 - Estrutura celular do olho .................................................................................. 63

Figura 8 - Câmara escura de orifício ................................................................................. 65

Figura 9 - O céu de Luiz ........................................................................................................ 72

Figura 10 - José Albano – 40 anos de fotografia ........................................................... 81

Figura 11 - Crianças Tapebas ............................................................................................. 82

Figura 12 - Crianças Tapebas ............................................................................................. 82

Figura 13 - José Albano – 40 anos de fotografia ........................................................... 85

Figura 14 - Casa estúdio de José Albano ........................................................................ 87

Figura 15 - Albanitos ............................................................................................................. 88

Figura 16 - Emília com catapora ......................................................................................... 90

Figura 17 - Benditos .............................................................................................................. 94

Figura 18 - Benditos .............................................................................................................. 97

Figura 19 - Sertão ................................................................................................................... 99

Figura 20 - Benditos ............................................................................................................ 101

Figura 21 - Benditos ............................................................................................................ 102

Figura 22 - Fachada do Museu da Imagem e do Som – MIS-CE .............................. 107

Figura 23 - Fachada do Museu da Fotografia ............................................................... 108

Figura 24 - Tour Eiffel, Paris, c. 1953 .............................................................................. 112

Figura 25 - Vista da Cidade a partir do caminho de Tabatinguera .......................... 113

Figura 26 - Em processo .................................................................................................... 113

Figura 27 - Cavalaria na Candelária ................................................................................ 113

Figura 28 - Passeata dos 100 mil ..................................................................................... 113

Figura 29 - Estação de Trem.............................................................................................. 114

Figura 30 - It is all true ........................................................................................................ 117

Figura 31 - Reisado .............................................................................................................. 117

Figura 32 - Benditos ............................................................................................................ 118

Figura 33 - Benditos ............................................................................................................ 118

Figura 34 - Crianças Tapebas ........................................................................................... 119

Figura 35 - Crianças Tapebas ........................................................................................... 119

Figura 36 - Texto de abertura da exposição “O Norte e o Nordeste” do MFF ..... 126

Figura 37 - Celso Oliveira ................................................................................................... 127

Figura 38 - Benjamin Abrahão .......................................................................................... 127

Figura 39 - Pierre Verger .................................................................................................... 127

Figura 40 - Jucá Martins ..................................................................................................... 127

Figura 41 - Tiago Santana .................................................................................................. 127

Figura 42 - Luiz Braga ......................................................................................................... 127

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10

2 O “FORA” DA IMAGEM: A FOTOGRAFIA E A CIDADE DE FORTALEZA ... 16

2.1 UMA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA ......................................................................... 16

3 O DOCUMENTAL E O CONTEMPORÂNEO NA FOTOGRAFIA....................... 30

3.1 OLHANDO COM AS LENTES DO FOTÓGRAFO, PARA UMA ANÁLISE DAS

IMAGENS ..................................................................................................................... 30

3.1.1 O jogo de percepção das cores ............................................................................. 57

3.1.2 O preto e branco nas fotografias de Albano e Santana .................................. 72

4 O MUSEU E O ENCONTRO DAS FORMAS ....................................................... 104

4.1 DAS FOTOS PARA O ESPAÇO INSTITUÍDO, O MUSEU DA FOTOGRAFIA,

CE. ............................................................................................................................... 104

4.1.1 O olhar situado a partir da experiência do museu da fotografia (MFF) .... 121

5 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 134

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 137

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1 INTRODUÇÃO

Ao revisar o trabalho como um todo depois de escrito e retornar ao ponto

de início, ponho-me a escrever uma abertura para a leitura desta pesquisa e a

refletir sobre o percurso e as diferentes influências que convergiram para os

caminhos até então trilhados. Penso que sempre foram de meu interesse as

temáticas que se propunham a conhecer com mais interesse práticas e formas

de organização grupal. Assim o fiz com minha pesquisa de graduação em

Ciências Sociais, momento no qual estudei mais detidamente o grupo indígena

Pitaguary1, observando suas narrativas sobre o passado de escravidão e o

presente afirmativo de uma identidade que havia sido fruto de muitas negações,

principalmente por parte dos governos. No ato de afirmação identitária, o

reconhecimento territorial é um dos passos fundamentais para garantir a

sobrevivência de grupos culturalmente diferentes em um estado onde a

especulação imobiliária alcança elevados níveis.

No ato de associar as narrativas sobre os antepassados ao espaço

territorial ocupado, o grupo indígena Pitaguary traçou a estratégia que visou o

reconhecimento social e político do seu povo. Foi nas trajetórias de luta, na

importância narrativa e no vínculo afetivo com o espaço que eu me fascinei em

abordar aquele processo. À época trazia muitas referências da antropologia, o

que me fez, em parte, querer conhecer esse desenvolvimento histórico em loco.

Quando da minha entrada no Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade

(MAPS) que no ano seguinte, em 2016, foi renomeado para Programa de Pós-

Graduação em Sociologia (PPGS), minha intenção era ainda aprofundar as

pesquisas acerca do grupo Pitaguary. Com uma série de transformações que

acabaram me levando de forma apaixonada a estabelecer um maior vínculo com

a sociologia busquei repensar meu tema de pesquisa.

Foi então que a possibilidade de trabalhar com a fotografia veio até mim.

Num primeiro momento, pensei em como seria associar o protagonismo indígena

à prática e ao reconhecimento através da fotografia, mas alguma coisa me

puxava para olhar com mais profundidade a produção imagética em si, seus

1 Grupo indígena que habita a zona serrana da cidade de Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza. Desde a década de 1990 passou a requisitar seu reconhecimento como etnia e o reconhecimento do território tradicionalmente ocupado pelos seus ancestrais.

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processos e sua história. Foi então que, a partir de uma nova orientação,

vislumbrei a possibilidade de mais uma vez vir a estudar o desenvolvimento de

um grupo, suas associações, influência, seu desenvolvimento ao longo do

tempo, mas dessa vez era um olhar sociológico que me guiava. Foi então que

decidi estudar a fotografia na cidade de Fortaleza. Bem, até aqui bastante chão

foi trilhado repleto de dúvida, certezas e mudanças ao passo que cada ação para

a pesquisa era tomada.

Hoje percebo que foi o olhar conformado pela sociologia, e as influências

no processo de mestrado, como os grupos de estudos e minha orientação, que

corroboraram de modo definitivo minhas escolhas, propiciando as mudanças de

eixo investigativo.

A produção de imagens e o acesso a elas são processos naturalizados

por um longo trabalho de socialização no mundo ocidental. Hoje não só há uma

produção imagética diferente da difundida há um século, mas a própria

percepção já não é mais a mesma daquela do passado. “A visão é um ato social

maior [...]” sua realização não está a cargo apenas das individualidades daqueles

que fazem uso dela. Essa percepção visual como um produto social também se

transforma ao longo do tempo (SAUVAGEOUT, 1994).

Não há apenas uma adequação do olho para apreender aquilo que é visto,

mas há um mútuo condicionamento entre formas e percepções para moldagem

do que compõe a experiência visual. Em uma sociedade baseada na produção

e difusão constantes de imagens, a fotografia contribui para estimular um dos

sentidos mais solicitados coletivamente: a visão. A partir da segunda metade do

século XIX, como “invenção do real” mediante um jogo de formas definidas por

tonalidades de cinza, a fotografia converteu-se em dispositivo de sedução

irresistível, marcando tanto a representação da vida urbana quanto da rural.

No mundo Ocidental, a imagem fotográfica difundiu-se rapidamente,

sendo, por isso, considerada uma dentre as mais simples e acessíveis formas

de produção visual (BOURDIEU; BOURDIEU, 2006, p. 31). Uma breve análise

é capaz de revelar alguns aspectos da imagem fotográfica, sem pôr em risco

seus elementos constitutivos. Um exemplo seria o reconhecimento do caráter

documental da foto, o qual pode ser traduzido como a capacidade de apresentar

uma história e ainda de evocar lembranças naqueles que com ela se defrontam.

Esses são aspectos que se encontram em um nível de estudium como aponta

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Barthes (1980), devido à proximidade entre algumas imagens e seus referentes.

Quais aspectos dessa ligação entre referente e referido, podem ser revelados

por uma análise sociológica da imagem fotográfica? Quais fenômenos seriam

relevantes para tal análise? Qual tipo de abordagem melhor responderia a

indagações sociológicas?

A sociologia das imagens encontra fundamental reforço nas contribuições

da sociologia da arte (HEINICH, 2001; ZOLBERG, 2006; RODRIGUES 2002 e

2011), bem como nas diferentes reflexões realizadas por P. Bourdieu (1965;

1996; 2007). Juntos conformam a possibilidade de fornecer bases para que as

demais sociologias da imagem possam empreender abordagens que tenham

características investigativas sociológicas. Assim também, P. Bourdieu

juntamente com Luc Boltanski, Robert Castel e J. C. Chamboredon (1965)

forneceram para a sociologia das imagens, a partir de um olhar genuíno, o livro

“Un Art Moyen”, que buscou tratar sobre os usos sociais das fotografias. Por

mais que a abordagem esteja situada na investigação da fotografia-documento,

juntos, os autores nos fornecem pistas de como compreender essa prática que

só cresce em importância no campo das imagens.

Como compreender historicamente os condicionantes que agiram sobre

a produção e a percepção da imagem fotográfica a partir da coexistência com

outros tipos de imagem? Estas imagens conformaram-se a uma diversidade de

veículos de transmissão – tais como o cinema, a televisão e o ciberespaço – e

às novas temporalidades. Hoje, para a visualização de uma fotografia, frame ou

vídeo em plataformas de comunicação, como o Facebook ou o Instagram, não

se dedica mais o mesmo tempo de contemplação que era investido à apreciação

da produção dos primeiros daguerreótipos. Na cultura Ocidental, tais alterações

revelam sobretudo formas de relação com a temporalidade que configuram

mundos sociais do século XIX ao XXI. O avanço no tempo é sinônimo, na

modernidade, de avanço técnico. Nesse caso, qual seria a resposta social para

a produção de imagens em preto e branco em um contexto que já não é mais

marcado pelo limite técnico do filme fotográfico? Como, na relação entre ruptura

e manutenção, são engendradas as mudanças no ato de produção fotográfica?

Indagar as mútuas implicações dessas alterações, na dimensão técnica e

nos meios sociais, neste caso conduz a um recorte que tem como base um olhar

sociológico. Assim, essa pesquisa busca conhecer a formação de um campo,

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suas permanências e mudanças, e a atuação dos principais sujeitos que

assumem papel decisivo na definição de seus atuais contornos. Traço como

linha central compreender o processo de gênese (RODRIGUES, 2002) do

campo fotográfico cearense a partir da trajetória de dois sujeitos: José Cordeiro

Albano e Tiago Sobreira de Santana.

Faz-se imprescindível, para um primeiro momento, partir de uma

perspectiva sócio-histórica (RODRIGUES, 2002), a fim de desenhar os

elementos centrais que concorreram para a instituição do domínio de estudos

em questão.

O estudo dos processos que estiveram na base da constituição do campo,

das trajetórias sociais em análise e da intersecção destas, torna-se necessário

para evidenciar as influências incorporadas por Albano e Santana. Do mesmo

modo, mediante a reconstituição do quadro de tendências e das práticas comuns

ao grupo de fotógrafos que se configuraram como seus contemporâneos, será

possível apreender as permanências e as mudanças que eles foram capazes de

gerar no campo da fotografia no Ceará, sobretudo a partir da produção de seus

trabalhos. É preciso ter em mente que a relação entre desenvolvimento do

campo e aceitação do fotógrafo/profissional no seu meio faz parte de um

movimento homólogo ao que ocorre no campo das artes. Assim, “É válido afirmar

que paralelamente ao processo de autonomização do campo artístico, configura-

se a elevação social do artista e o interesse por sua personalidade – esta última

vinculada inextrincavelmente à realidade da obra” (RODRIGUES, 2002, p. 42).

A abordagem utilizada nessa pesquisa tem como base as perspectivas

qualitativas, que permitem, em pesquisa social, tanto ter um

contato maior com os indivíduos e os espaços (de encontro desses indivíduos),

envolvidos, quanto alcançar o objetivo de obtenção de dados em um contexto

particular – nesse caso, o campo da fotografia. Está posto para o pesquisador o

desafio de desconstruir preconceitos ou pré-noções ao elaborar seu objeto de

pesquisa. Como Bourdieu (2002) aponta, o oficio do sociólogo consiste em

romper com o senso comum e para tanto é necessário que o cientista social

tenha a capacidade de não apenas reproduzir quadros teóricos já formulados,

mas mobilizá-los para refletir sobre fenômenos sociais. Assim, a pesquisa deve

“[...] evitar as aparências da cientificidade, contradizer mesmo as normas em

vigor e desafiar os critérios correntes do rigor científico.” (BOURDIEU, 2002,

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p.42). Evitamos, desse modo, as armadilhas da teoria e sua suposta

superioridade em relação ao campo empírico.

Deste modo, a noção de campo é importante para evidenciar que os

sujeitos não existem por si mesmos. Suas características não são um a priori,

um dado natural, e portanto, podemos percebê-los empiricamente a partir de

uma ideia mais ampla, acerca das associações a que esses indivíduos se

encontram integrados. É preciso assumir uma perspectiva relacional, que

possibilite “dessubstancializar” ou desnaturalizar os fenômenos sociais.

(BOURDIEU, 2002). Fica posto o desafio de construir o objeto de pesquisa como

um sistema de relações, o qual se configura como um caso particular do

possível.

Lançaremos mão de um olhar que visa o reconhecimento dos produtos

culturais investigando, em um recorte sócio histórico, o contexto em que

acontece a produção dos fotógrafos Albano e Santana. A abordagem

fenomenológica propiciou um olhar para os agentes do campo, as obras e as

instituições. “Ao deter-se na imediaticidade, tanto do processo de criação como

de recepção artísticos, a fenomenologia favoreceu um aprofundamento do

conhecimento destas experiências”. (RODRIGUES, 2002, p. 25).

Para tanto se fez necessário realizar um apanhado sócio-histórico dos

primeiros anos que marcaram o surgimento da fotografia no Estado do Ceará,

trazendo também essa avaliação para o momento contemporâneo a fim de

observar os principais espaços onde acontecem a difusão e o consumo de

imagens fotográficas como bem cultural.

Em seguida, realizou-se um levantamento teórico das definições feitas

para a fotografia, sempre relacionando aos contextos históricos de uso a que as

imagens fotográficas estiveram atreladas. Nessa avaliação, coloca-se em

questão a validade do termo fotografia documental na definição das imagens

produzidas desde a década de 1970.

As percepções fisiológica e imagética das imagens fotográficas também

foram problematizadas. Novos olhares precisam ser empreendidos para

investigar as produções realizadas, uma vez que a imagem-expressão rompe

com os regimes de verdades até então vigentes. Nesse sentido as produções

em preto e branco dos fotógrafos José Albano e Tiago Santana são repensadas

a partir de lógicas que lançam-se para colocar em evidência o potencial

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expressivo de tais imagens através de exames das fotografias como produtos

culturais.

Por último, realizou-se um percurso que partiu das imagens fotográficas

para o Museu da fotografia (MFF) – espaço institucional que assume como tarefa

o encontro das trajetórias dos fotógrafos com o público em fotografia. Intenta-se

com este trabalho auxiliar na construção de um caminho em direção a uma

sociologia do produto fotográfico.

Nesse sentido, a presente investigação objetiva reconhecer as relações

que se estabelecem entre profissionais da fotografia e o seu contexto de

inserção, a partir dos lugares de institucionalização da prática fotográfica.

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2 O “FORA” DA IMAGEM: A FOTOGRAFIA E A CIDADE DE FORTALEZA

2.1 UMA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA

A consideração dos diversos eventos que contribuíram para o

desenvolvimento da fotografia analógica e digital é o ponto de partida desta

pesquisa. Para tanto, é preciso relacionar as histórias, as contribuições e

personagens nesse processo de descoberta e desenvolvimento da fotografia

como prática profissional no Estado e enfocar seus desdobramentos atuais, em

alguns momentos por meio de convergências com o universo artístico.

Esse trajeto será percorrido com o intuito de evidenciar o cenário da

Fotografia como um campo de possíveis que se formou em Fortaleza,

propiciando a projeção nacional de José Albano e de Tiago Santana, apesar de

ambos desenvolverem suas carreiras no Ceará.

Tendo Albano começado sua trajetória no exterior, logo voltou para

Fortaleza, influenciando outros fotógrafos e assim contribuindo para o

desenvolvimento do campo. Foi o caso de Santana, que teve uma aproximação

profissional com a fotografia a partir do compartilhamento de experiências com

Albano, em seu laboratório.

As relações estabelecidas em qualquer campo social são decorrências de

entrelaçamentos e de conexões em rede, onde é possível notar o

compartilhamento de práticas e conhecimentos, sobretudo em culturas

globalizadas, que condicionam o contato de diferentes grupos sociais. Desse

modo, o desenvolvimento local da Fotografia fundamenta-se em interações que

se deram antes do alvorecer do campo no Estado e que contribuíram de alguma

forma para a efetivação desse processo.

Na virada do século XIX para o século XX, o surgimento dos Fotoclubes

marcou o cenário da produção fotográfica na região sudeste do país. (VELOSO,

2013). Assim, em 1910, surgiu o Photo Club do Rio de Janeiro e em 1923 foi

inaugurado o Foto Clube Brasileiro, ambos no Estado do Rio2. O clube que mais

ganhou espaço foi o Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB), inaugurado em 1940

no Estado de São Paulo. Sendo de inspiração francesa, a fundação desse tipo

de clube reunia um público relativamente coeso, admirador da prática

2 http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao480027/foto-clube-brasileiro-rio-de-janeiro-rj

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fotográfica. O foco principal dessas organizações era defender o caráter artístico

da Fotografia. Os clubes tinham como membros pessoas da classe média alta

que em sua maioria estavam associadas ao movimento modernista. Eram

pessoas que se dedicavam a outras profissões que não a de fotógrafo, mas

apresentavam comum interesse pela prática da fotografia. (VELOSO, 2013).

Porém, mesmo antes da emergência dos Fotoclubes no sudeste do país,

a fotografia não era uma prática desconhecida. Sua disseminação havia se dado

pela elite carioca e paulista, por meio de estrangeiros recém-chegados ao Brasil

que atuavam de modo profissional. O acesso a foto era restrito por conta do alto

custo. As imagens produzidas eram majoritariamente de pessoas, cerimônias e

paisagens².

Com a fundação dos Fotoclubes a dimensão artística da fotografia passou

a ser ressaltada. O Fotoclube era um espaço de compartilhamento de técnicas,

de aprendizado e também de disputas, mas, por seu formato e tamanho, acabou

se tornando obsoleto para a dimensão que a prática de fazer imagens com

câmeras passou a alcançar. A defesa da arte fotográfica buscava combater

diretamente a ideia de que a fotografia fosse um simples meio de

reprodutibilidade do visível.

Isso porque o meio artístico foi uma das possibilidades de absorção

dessas produções. Juntamente com o jornalismo, a ciência e a publicidade, este

meio acabou se tornando um dentre os pontos nodais do desenvolvimento da

Fotografia no país.

Em recente palestra concedida ao Museu da Fotografia3, Tiago Santana

e Gentil Barreira4 apresentaram suas trajetórias. Santana refletiu não apenas

sobre seu percurso de formação, mas também sobre o desenvolvimento da

fotografia na cidade de Fortaleza, apontando a necessidade de direcionar um

olhar analítico para pensar o processo antes e depois dos encontros das

Semanas Nacionais da Fotografia. Ainda fragilmente explorados por trabalhos

acadêmicos, são tais fatores que interessam de início nesta pesquisa: buscar

restabelecer as influências que contribuíam para o desenvolvimento do campo

da Fotografia no Estado do Ceará.

3 Museu de iniciativa privada do empresário Silvio Frota, inaugurado em abril de 2017 na cidade de Fortaleza, CE. 4 Ambos importantes fotógrafos cearenses.

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As Semanas Nacionais da Fotografia foram o desdobramento das

atividades realizadas pelo Núcleo de Fotografia da Funarte, que teve seu início

em 19795. Suas ações eram de âmbito local e regional. Tinham como propósito

disseminar nacionalmente a produção de vários fotógrafos ainda desconhecidos

e que se encontravam espalhados em diferentes Estados do país.

[...] um projeto piloto que previa, de início, implantar uma galeria exclusivamente para exposições fotográficas, trabalhando, paralelamente, com as seguintes vertentes: exposições itinerantes, mapeamento de acervos e fotógrafos atuantes no país, formação do fotógrafo além do investimento na produção de livros, catálogos, postais/ posters de fotografia (MAGALHÃES E PEREGRINO, 2007, 82).

Assim, foi a partir desse plano inicial e de articulações intensas do Núcleo

com os fotógrafos de diferentes regiões que as Semanas Nacionais foram

realizadas. Em 1984, o Núcleo de Fotografia da Funarte, sediado no Rio de

Janeiro, transformou-se no Instituto Nacional de Fotografia (INFoto). O Instituto

perdurou em atividade por pouco mais de cinco anos contribuindo para o

desenvolvimento do campo em proporções nunca vistas no país. Era o primeiro

órgão que direcionava investimento para o desenvolvimento da fotografia em

âmbito federal.

Nos quase seis anos de existência do INFoto, mais de 100 mostras fotográficas coletivas e individuais foram produzidas, boa parte delas registrada em catálogos e livros. Destacam-se também os eventos de formação do fotógrafo e de divulgação de mostras fotográficas produzidas em diversas regiões do país através de oito Semanas Nacionais de Fotografia [ ] Podemos afirmar, portanto, que a intensa e sistemática troca de experiências desses anos produziu efeitos duradouros na valorização e divulgação da fotografia brasileira em todo território nacional. (MAGALHÃES E PEREGRINO, 2007, 83 e 84).

As contribuições deixadas pelo instituto foram de bastante relevância,

principalmente por possibilitarem o reconhecimento em âmbito nacional de

fotógrafos que não se beneficiavam da visibilidade propiciada pela produção

realizada no eixo Rio - São Paulo.

É importante frisar como todos esses acontecimentos estiveram

concentrados na região sudeste do país, alicerçados pelo grande avanço

5 Fonte www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/infoto/a-funarte-e-a-fotografia/

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industrial e urbano concentrado nessa região. A Fotografia chegou no Brasil

como decorrência do desenvolvimento técnico. Os Estados de São Paulo e Rio

de Janeiro se configuravam como centros difusores de práticas e tendências

sociais.

Por sua vez, no Ceará, a presença da fotografia deu-se em fins do século

XIX. Também a partir de um processo de modernização, a capital, Fortaleza,

conheceu a fotografia e outras inovações técnicas. Foi na Belle Époque,6 últimas

décadas do século XIX e primeiras do século seguinte, que o Ceará começou a

constar como estado em contexto de urbanização. À época, o país achava-se

dividido entre norte e sul, e somente após a repercussão da seca de 1877,

coincidindo com o momento de efervescência de luxo vivido pelos fortalezenses,

houve uma reordenação nos discursos de poder (BARBALHO, 2005).

Ary Leite (1995), com base em notícias do jornal do governo do Estado,

“A República” (1892-1912), aponta fatos relacionados aos fotógrafos que

habitavam a capital e àqueles que visitavam os estados divulgando seu trabalho.

A chegada dos primeiros fotógrafos data de 1873, com os “profissionais de

fotografia Francisco Sabino Lopes Brandão, instalado à rua Palmeira, e Reckel

& Companhia, com estúdio na rua do cajueiro [...] atuais rua Major Facundo [...]

e Pedro Borges” (LEITE, 1995, p. 67). Na década de 1880 outros profissionais

tiveram seus nomes citados na publicidade, o Dinamarquês Niels Olsen “tem seu

ateliê à rua Formosa (atual Barão do Rio Branco)”; Joaquim Antônio Corrêa, que

também possuía ateliê à rua Formosa; A.A. Leão e Cia., com ateliê na Senador

Pompeu. (LEITE, 1995). Havia não só aqueles que se instalaram na cidade, mas

os profissionais que ficavam na capital por temporada. Ambos eram

responsáveis pela difusão de novidades técnicas que estavam despontando na

Europa e América do Norte. Isso pode ser notado em 1899, no jornal “A

República quando uma nova câmera foi importada por Moura Quineau, fotógrafo

sempre citado com bastante prestígio e reconhecimento na produção fotográfica

do Ceará.

6 Momento de modernização e urbanização da capital do Estado do Ceará. O termo em francês faz alusão ao desenvolvimento industrial e urbano presenciado na França e revela a inspiração do Estado ao se espelhar no então centro difusor cultural, a França em fins do século XIX e início do XX.

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O hábil e inteligente artista photographo, sr. Moura Quineau, que entre nós goza o mais elevado conceito e das mais vivas e espontâneas simpatias, acaba de instalar em seu conhecido ateliê à rua Formosa, nesta capital, a Câmara Negra, também chamada Câmara Universal, destinada a aumentar e reduzir por transparencia os cliches obtidos [...] Esse aparelho gigante está sendo atualmente adquirido por todos os profissionais e amadores de arte fotográfica na Europa e é o primeiro que se importa para o Brasil. (A República, 1892 apud LEITE, 1995, p. 68).

A fotografia realizada de modo profissional, na forma de retratos, das fotos

de família e de imagens da cidade, foram os tipos mais apreciados naquele

momento. O processo de urbanização e modernização crescente possibilitou

aos fortalezenses que presenciaram a virada do século, um efeito progressivo

do crescimento das tecnologias no cotidiano da cidade.

Mesmo se tratando de um meio técnico de reprodutibilidade imagética, a

acessibilidade não foi um aspecto que marcou a difusão de fotografias quando

estas tornaram-se presença constante na cidade de Fortaleza. Ao contrário da

atual percepção da fotografia como algo de fácil acesso, naquele momento a

possibilidade de ser fotografado era privilégio de poucos e só mais tarde, com

as câmeras portáteis, foi possível presenciar um processo de popularização.

Esse aspecto contribuiu para perpetuar a diferença entre os grupos sociais,

inviabilizando para pessoas comuns a possibilidade de acesso aos avanços

tecnológicos. Apesar da maior forma de difusão ser a foto de tipo profissional,

nessa época reforçava-se o status de um produto artístico, pois o seu consumo

estava restrito àqueles que faziam parte de uma pequena parcela da população,

empresários e comerciantes. (GIRÃO E HONÓRIO, 2009).

Fortaleza foi também palco de associações de fotógrafos. Como dizia a

notícia do jornal “A República”, era “a primeira sociedade dedicada aos artistas

fotógrafos” que surgia. A presença de Moura Quineau mais uma vez se tornou

notória. Esteve com José Irineu, também fotógrafo de destaque na cidade, à

frente na fundação do “Gremio de Propaganda Photographica”. (LEITE, 1995).

Mas essa não foi a única expressão coletiva de praticantes e admiradores

da fotografia em Fortaleza. Na época, Ary Leite (1995) conta que houveram

também várias exposições de fotografias. Muitas delas aconteceram na própria

casa de Quineau. Em 1897, foi criado uma nova associação, “A Sociedade

Cearense de Amadores Photographos”. Em 1899, foi fundado o Photo Club

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Cearense7. Foi um período de bastante efervescência para os fotógrafos locais,

porém as atividades do Club e das associações não tiveram maiores

repercussões. A identidade de Quineu é também um mistério, pouco se sabe

sobre ele nos dias de hoje. (LEITE, 1995).

Figura 1 - Rua Major Facundo - Hôtel de France

Fonte: Álbum de Vistas do Ceará

Em 1908 foi publicado o “Álbum de Vistas do Ceará”. O material foi

amplamente divulgado por toda a cidade. Sem haver na obra identificação dos

fotógrafos, o material foi composto por 160 imagens fotográficas que

representavam pontos de desenvolvimento e urbanização da cidade. (GIRÃO E

HONÓRIO, 2009). Com o intuito de imprimir local e nacionalmente uma imagem

civilizada da cidade, “As vistas do Ceará” era resultado do interesse de

apresentar Fortaleza arquitetonicamente inspirada nos moldes europeus, uma

cidade modernizada, planejada, asseada e possuía uma elite de bom gosto. As

imagens feitas em fotografia revelam também o desejo dos representantes

7 Ambos movimentos pouco documentados, tendo como principal fonte o trabalho de Leite (1995) que fundamenta sua pesquisa nas publicações dos jornais da época.

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públicos dessa época de acompanharem os avanços técnicos que a

modernidade propiciava.

Causa estranhamento pensar que fotografia nesse período esteve restrita

ao retratismo e à representação das modernizações da cidade, quando de 1877

a 1880 o Estado foi palco de uma das maiores catástrofes vivenciadas no país,

a estiagem de 1877.

Alguns elementos podem ser elucidados para compreender a questão: a

fotografia do final do século tinha seus referenciais muito pautados na tradição

pictórica, com uma clara busca pelo reconhecimento em um campo de

representação imagética já estabelecido. Por esse motivo, os ensaios eram

realizados no interior de estúdios e tinham predominantemente como repertório

os “retratos, paisagens e naturezas-mortas”. (MAYA, 2008, p. 108).

As maiores modificações nesse cenário vieram com a imagem que teve o

intuito de criar evidências através do olhar, uma fotografia que documentava.

Para além do estúdio, outras paisagens passaram a ser percebidas pelos

fotógrafos como possíveis motivos a serem registrados. Por seu turno, as

imagens produzidas contribuíram para a atribuição de novos significados ao que

era registrado. Outros usos puderam ser feitos da imagem fotográfica. “O valor

de documentário da fotografia serviu [...] como fonte iconográfica para os estudos

históricos das manifestações ocorridas fora do estúdio” (MAYA, 2008, p. 116).

Houve reformulações nas perspectivas acerca da foto. Ela passou a ser

vista com outro olhar que expandia fronteiras. Esse foi então o caminho que fez

com que a fotografia se tornasse também meio de denúncia. Becker (2009)

expõe a experiência que foi vivenciada nos EUA no contexto de mudança da

fotografia,

A “fotografia documental” era um tipo de atividade na virada do século XX, quando grandes ondas de reforma social varreram os Estados Unidos, e os fotógrafos tinham um público fácil para imagens que expunham males e uma profusão de patrocinadores que pagavam para que eles criassem essas imagens (BECKER, 2009 p. 233).

O autor mostra o início da história de um gênero específico da fotografia,

a foto como documento, como narrativa de um episódio e como testemunho. A

fotografia documental, por possuir essa trajetória, reforça a perspectiva que a

define como um espelho da realidade. Vê-se nela um caráter de infalibilidade no

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que concerne ao seu poder de representação do real, pois erroneamente ela é

definida por, “[...] [uma] capacidade mimética [...] [que] procede[ria] de sua

própria natureza técnica, de seu procedimento mecânico que permite fazer

aparecer uma imagem de maneira “automática”, “objetiva”, quase “natural”.

(DUBOIS, 2012, p. 27). Uma perspectiva que, ao privilegiar os fenômenos

aparentes, deixa de lado seus aspectos imanentes.

Posteriormente a fotografia também passou a fazer parte de jornais e

revistas. “[...] Considerada registro visual da realidade, passou a ser multiplicada

pela reprodução gráfica, tornando-se portadora de notícia e de informação,

incorporando-se como suporte da imprensa escrita” (MAYA, 2008, p. 116).

É nesse contexto que as imagens da seca de 1877 foram incorporadas

aos jornais da época, criando um apelo visual e um novo tipo de testemunho. A

partir da representação imagética passa a ser formulado uma representação do

que seria o Sertão. As imagens chegaram até o público gerando grande

repercussão. Era impensável que uma fotografia não informasse somente a

verdade. Foi um forte impacto e a partir de então, de modo definitivo os registros

fotográficos passaram a compor os jornais e os noticiários, reforçando a ideia de

que uma imagem teria o potencial de expressão da “verdade” maior que o das

palavras.

Os discursos produzidos com base nos relatos e imagens do Ceará em

1877 sobre a seca não deixaram de estar presentes no imaginário nacional. A

partir da tragédia vivenciada no Ceará, o Nordeste passou a ser construído

discursivamente como uma região-problema (ALVES, 2009). A seca se tornou

fator decisivo na formação dos sertanejos. Ela foi cunhada como uma mácula na

história dos sujeitos do campo.

Em 1877, milhares de flagelados, sem possibilidade de manterem-se nas

suas cidades de origem, saíam em fuga. O número de mortos durante toda a

seca foi contabilizado em quase meio milhão de pessoas. Na época, esse

número representava aproximadamente 4% da população nacional. (ALVES,

2009).

Os últimos anos do século XIX foram marcados por uma profunda ambivalência: por um lado, o sertão nordestino foi palco de uma das mais severas estiagens registradas na longa história social das secas [...] por outro, foi objeto de uma enxurrada de imagens e signos que correspondem a um elo decisivo no processo de formação do sertão

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nordestino como uma unidade de significado e um monopólio de sentidos (ALVES, 2009, p.25).

A cobertura fotográfica dos acontecimentos que envolviam os retirantes

causou um boom quando incorporada às matérias difundidas pelos jornais

cariocas e paulistas da época. De acordo com Alves (2009) as notícias sobre a

seca começaram a se espalhar em quase todo o Império. O principal

correspondente foi José do Patrocínio, jornalista carioca que escreveu durante

os anos de 1878 e 1879 para o jornal “Gazeta de Notícias” e “O Besouro” sobre

a seca no Ceará. As cartes de visite8 difundidas (abaixo, imagem 2 e 3), que são

consideradas ainda hoje como a síntese da realidade vivenciada pelos retirantes

da seca de 1877, foram feitas por Joaquim Antônio Corrêa. Em cartões postais,

Corrêa expôs, em ‘sequências de poses’, nos corpos, a verdade daquela

realidade. As imagens traziam versos na lateral do cartão tornando ainda mais

dramático aquele registro. (BARBOSA, 2002). Nesse contexto, o número de

publicações que tratavam da “tragédia sertaneja”, não só jornais, mas também

as revistas continuavam aumentando. (ALVES, 2009).

Mais de dez jornais foram criados para acompanhar e divulgar o flagelo. O mais importante deles foi O Retirante, que continuou sendo editado mesmo após o fim da seca de 1877/79. Editado em Fortaleza e também impresso ali, o jornal era distribuído na corte e nas principais províncias do país. Fundado por um grupo de jornalistas e intelectuais, o jornal trazia os seguintes dizeres em sua capa: O Retirante: orgam das victimas da seca (ALVES, 2009, P. 26).

O mercado editorial de Fortaleza, com os jornais e folhetins, também

cresceu à época com as notícias da seca. O principal jornal foi O Retirante com

o primeiro número lançado em 24 de junho de 18779 e frequência semanal. O

eixo temático das publicações era o contexto social enfrentado na cidade após

a migração em massa presenciada da região do semiárido para as regiões mais

úmidas do Ceará e outros estados.

8 Imagens fotográficas afixadas em cartões de papel de tamanho 9,5 x 6. O cartão de visita era um presente. Sua veiculação pelos serviço de entrega postal causou um grande fluxo de trocas de carta no Brasil. (ALVES, 2009) 9http://portal.ceara.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3539&catid=297&Itemid=101

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Figura 2 - Retirantes da Seca

Fonte: Anais da Biblioteca Nacional, vol. 114 de 1994, p. 71-83.

De acordo com Alves (2009), a presença das imagens fotográficas esteve

muito forte nesse como em todos os jornais que circulavam no Brasil Império.

Assim, vemos, até então, duas frentes de desenvolvimento do campo fotográfico

no Ceará: os fotógrafos de estúdio e os fotojornalistas.

As fotografias se impuseram como um índice de modernização [...] são vistas como um dado inconteste do avanço técnico e, portanto, da sincronização progressiva do país às realizações europeias; por outro, trazem à lume muitos aspectos políticos que não se acomodavam ao ideal antes mencionado. [...] através dos fluxos comunicacionais e simbólicos certas espacialidades [são dotadas] de realidade e existência; existir passa a ser algo intimamente ligado a ser fotografado visibilizado e reproduzido (ALVES, 2009, p. 29).

Enquanto as imagens da alta burguesia que compunha a sociedade

fortalezense eram imagens da representação de civilidade, de urbanidade e de

modernização, as vítimas da seca eram associadas à animalidade. De corpos

esquálidos a semblante sofrido, tais imagens eram estampadas nos jornais e

serviam principalmente para demarcar a situação abismal existente entre cidade

e campo. Desenvolve-se a partir desses registros uma “Estética da Fome”,

segundo a qual o sertão passa a ser “desenhado” com base em imagens de

miséria e desumanização causadas pela estiagem e pelo esquecimento social

(ALVES, 2009).

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Na época, por conta das limitações técnicas das câmeras fotográficas, os

retirantes precisavam ser fotografados em estúdio, nos chamados “ateliês

fotográficos”, proporcionando para o fotógrafo a possibilidade de controle da

iluminação (BARBALHO, 2005). A produção das imagens exigia uma longa

exposição, solicitando que os “modelos” ficassem na mesma posição por um

certo período de tempo. Barbalho (2005) aponta que essas pessoas em situação

de miséria e sofrimento posavam para os fotógrafos fazendo uso de

equipamentos imobilizadores. A exposição dessas pessoas, elevada ao nível

máximo, só reforçava a dimensão desumanizadora com que eram designados

socialmente.

[...] os retirantes da seca transfiguram-se em corpos que posam para o fotógrafo. Não há ali qualquer referência outra de suas vidas: de onde vieram, com que trabalhavam, qual sua família, quais os seus desejos... Nada. O que se vê são apenas corpos que causam repugnância (e ao mesmo tempo atraem) em seu estado de dilaceramento. (BARBALHO, 2005, p. 07).

Desse modo, é possível afirmar que o início da Fotografia no Estado do

Ceará esteve vinculado a esses dois momentos emblemáticos na nossa história,

a Belle Époque como o período de ascensão do Estado e do desenvolvimento

arquitetural e urbanístico. A imagem fotográfica aparece nessa época como

legítima representante do espaço de modernização da estrutura e das relações

sociais na urbe; e o registro da seca de 1877-79, tratada como retrato do atraso

para afirmar o seu oposto, a modernidade. Como Alves (2009) aponta, as

imagens da seca serviram principalmente para a formação social, geográfica e

cultural de um lugar chamado Nordeste. Assim, mais uma vez se viu reforçada

a distância entre cidade e campo; um, como o epicentro do desenvolvimento

humano e o outro, como o lugar em que os indivíduos ainda se encontravam

presos à sua natureza.

Muitos são os elementos constitutivos do imaginário de Sertão que foram

socialmente atribuídos com o passar do tempo e ganharam uma projeção

nacional. Entre eles a seca é somente o primeiro, apesar de ser aquele que

perpassa todas as outras construções que foram e ainda são feitas. Existem

algumas matrizes formadoras da mentalidade que atravessa a história dos

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estados que hoje compreendem o espaço chamado Nordeste – seca;

messianismo; banditismo social/cangaço; religiosidade/fé.

São dessas matrizes que comumente partem as representações

imagéticas acerca do Nordeste. Por possuírem uma repercussão nacional de

grande proporção, são também formadoras de uma identidade local, como

afirma Alves (2009).

Desse modo, a representação criada a partir desses eventos que

compõem a história do estado marcam não só a produção de olhares que não

partilham da realidade, mas também aqueles que estão inseridos nela. É preciso

lembrar que esses pontos nodais que perpassam a história do Ceará são

aspectos que também podem ser percebidos nas representações que

caracterizaram os trabalhos de Tiago Santana e José Albano.

José Albano, fortalezense, nasceu em 1944. Iniciou sua formação

profissional graduando-se em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Lança-se nos anos seguintes para a cidade de Syracuse onde estuda e obtém o

título de Mestre em Fotografia pela New House School of Public Communications

of Syracuse University. Sua trajetória como fotógrafo começa a ser traçada a

partir dos diferentes projetos realizados. Produziu fotorreportagens e trabalhou

em agências publicitárias. A atuação engajada em projetos ecológicos e

coletivos em defesa de uma vida alternativa marca fortemente sua produção.

Tiago Santana, por sua vez, desde cedo, estabeleceu uma relação de

produção autônoma com a fotografia. Iniciou na mesma instituição de ensino

superior que Albano, UFC, o curso de Engenharia, porém, a este não deu

continuidade. Resolveu então aprofundar-se no campo de produção fotográfico.

Seus referencias se construíram na região onde Santana viveu sua infância e

adolescência, no Crato. A produção fotográfica do pai, que tinha um estúdio

próprio onde revelava seus negativos, contribuiu grandemente para a construção

de um hábito voltado para a elaboração imagética desde cedo. Santana afirma

que sua consagração como fotógrafo se deu no longo processo de construção

do ensaio “Benditos”. Durante dez anos, o artista fotógrafo trabalhou a imagem

dos sertanejos e sua devoção. No olhar elaborado e na sensibilidade empregada

na realização das imagens e posterior organização, Santana considera ter

cambiado da posição de simples praticante da fotografia para a de um

profissional artista fotógrafo.

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Tiago Santana em sua primeira obra publicada, “Benditos”, mostra o

resultado de um trabalho feito ao longo de oito anos e que expressa seu próprio

vínculo com o lugar escolhido. No semiárido, Santana retrata Juazeiro do Norte

e o encontro de devotos com o contexto de religiosidade da cidade. Seu olhar se

voltou para as pessoas no ato de expressão de fé. Captando aspectos dos

momentos de devoção, Santana nos apresenta os devotos católicos que

participam dos festejos de Juazeiro.

O registro de festividades religiosas é considerado uma temática, no que

tange as representações feitas sobre o sertão, é algo comum para a prática. As

imagens que compõem o ensaio Benditos não são apenas a demonstração de

fé, mas, expressão da corporeidade que faz parte das pessoas que frequentam

aquele universo. A temática rural é continuada por Santana nos seus trabalhos

realizados depois de “Benditos”. Perpassa em sua obra um olhar que se volta

para o interior do Estado, trazendo à tona a seca, a religiosidade, o cangaço.

Em José Albano, observa-se imagens mais inclinadas para o contexto da

cidade e do litoral. Não é possível dizer que não há uma representação do

Nordeste e do cearense. Albano revela seu modo de olhar “em imagens” a partir

de seu local de origem, Fortaleza, litoral cearense. Suas imagens expressam a

vontade de recriar sua vinculação com uma origem. Foi assim quando

representou as crianças Tapebas e quando fotografou os Albanitos. Foi assim

também nas escolhas de sua própria vida, quando resolveu mudar-se para um

lugar mais afastado do centro financeiro de Fortaleza, sem sair da cidade, e ter

um maior convívio com a terra e a natureza. Sua obra acha-se permeada por

essas representações: humano, terra, transformação.

Tendo baseado a primeira parte dessa dissertação no “antes” da

sedimentação do campo da fotografia, fica claro que a trajetória de instituições

não se esgota assim. Esse delineamento histórico constituiu um momento inicial

que possibilitará, no decorrer da pesquisa, compreender de forma estrutural

algumas das principais matrizes de formação do campo da fotografia no Estado.

Tais perspectivas serão mais profundamente abordadas quando a partir do

segundo capítulo forem tratadas as trajetórias percorridas pelos dois fotógrafos

em questão. O “depois” pode ser pensado, justamente no desenvolvimento das

carreiras que cada um seguiu dando visibilidade aos seus vieses específicos.

Hoje, a fotografia em Fortaleza entra em pauta não só no jornal, mas nos

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circuitos artísticos, científicos, amadores e outros. Esse “depois” pode ser

definido inicialmente como o presente da Fotografia na capital cearense.

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3 O DOCUMENTAL E O CONTEMPORÂNEO NA FOTOGRAFIA

3.1 OLHANDO COM AS LENTES DO FOTÓGRAFO, PARA UMA ANÁLISE

DAS IMAGENS

Quando volta dos Infernos, Orfeu, que não aguenta mais, tendo chegado ao ápice de seu desejo, finalmente transgride o proibido: assumindo todos os riscos, volta-se para sua Eurídice, a vê e, na fração de segundo em que seu olhar a reconhece e capta, de uma só vez, ela desmaia. Assim, toda foto, logo que é feita, envia para sempre seu objeto ao reino das Trevas (DUBOIS, 2012, p. 90).

Figura 3 - Passeio Público em 2017

Fonte: Próprio autor

Seria possível utilizarmos imagens fotográficas para estudar os

fenômenos sociais? Se sim, qual o papel dessas imagens como elemento

elucidativo, informativo e criativo? Parto aqui de uma imagem feita por mim, em

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uma paisagem outrora bastante disputada. Essa é a representação de um dos

acessos ao Passeio Público da cidade de Fortaleza. É uma das possíveis vistas,

tendo como ponto de partida a própria praça. Situei-me especificamente de

costas para a fonte de água e de frente para a rua João Moreira, que cruza com

a Major Facundo. De modo experimental busquei “desenhar” nessa tela o que

uma certa distância e uma lente de 50 milímetros me permitiram observar: a

atualização de um espaço já retratado no primeiro capítulo, uma cena que hoje

possui valor de registro e pontua historicamente a presença da fotografia da

cidade de Fortaleza.

Figura 4 - Rua Major Facundo - Hôtel de France

Fonte: Álbum de vistas do Ceará.

Duas imagens em preto e branco. Ambas possuem elementos que nos

fazem de imediato tentar relacioná-los ao que conhecemos como realidade.

Somos tentados a olhar as imagens e buscar suas contingências, sua relação

com o real. Pode parecer óbvia, ao encará-las, a procura de elementos que

compõem nossa realidade. Busca-se isso como se tais imagens cumprissem o

papel de tornar conhecido a existência material de algo ou de certos modos

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sociais, hierarquias e vestimentas. Seria errôneo desfrutar de uma imagem como

essa e perceber sua vinculação com o passado? Identificar o “isso foi”?

Possivelmente, para os apreciadores desavisados, essa é a única característica

latente de uma imagem. Assim o é também com as fotografias de família que

estão sempre vinculadas a um sentimento nostálgico do passado e são

identificadas como recordações e lembranças. “Todos sabem de fato que o que

nos é dado a ver na imagem remete a uma realidade não apenas exterior, mas

igualmente (e sobretudo) anterior. Qualquer foto só nos mostra por princípio o

passado, seja este mais próximo ou mais distante”. (DUBOIS, 2012, p. 89). As

duas imagens abordam o mesmo espaço social, o Passeio Público da cidade,

mas ressaltam diferentes elementos compositivos. Muitos foram os fatores de

mudança presenciados do fim do século XIX até o século XXI: os sujeitos

retratados, as vestimentas, os papeis sociais ocupados, o fluxo de pessoas e os

meios de locomoção. Existem ainda aqueles que revelam os aspectos estéticos:

como a escolha de um espaço público, a representação de uma classe

favorecida ao centro e de trabalhadores ao lado direito (na segunda imagem).

Na escolha estética da primeira imagem, deixei a cidade expressar-se por si,

apenas com seus elementos estáticos e móveis sem acrescentar a figura

humana. Não quis, inconscientemente talvez, retirar a atenção da transformação

social ocorrida no decorrer desses dois séculos. Mas existe algo entre as duas

imagens que faz com que se assemelhem e pode até resultar em

questionamentos. Por que a primeira imagem se encontra em preto e branco? O

que move aquele que constrói a cena com um click a criar uma representação

visual que pode ser definida a partir da ausência de seus referenciais

cromáticos? Estaria o fotógrafo preso no seu tempo na impossibilidade de recriar

uma realidade a partir de seus olhos e lente? O que influencia na escolha das

cores para o resultado do trabalho? São os aspectos técnicos-sociais que limitam

a produção ou o caráter subjetivo na recriação da realidade?

“[...] muito mais que um único estímulo ou uma única resposta em forma de um intervalo cromático (paleta), o evento de cor é o acontecimento da percepção cromática na imagem fotográfica em preto-e-branco quando da junção de um tipo de estímulo com um tipo de resposta cromática, sendo mais amplo que qualquer escolha de paletas” (SILVEIRA, 2005a, p. 160 a 161).

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Intui-se a construção, em uma perspectiva social analítica, de uma

apreciação com bases no uso e na exploração de imagens. Sem partir

unicamente de uma interpretação que busca apreender os elementos

compositivos da imagem e sem estar pautado necessariamente na busca de

referenciais estéticos e técnicos. A análise de imagens, no âmbito da ciência

sociológica, apresenta-nos um certo grau de dificuldade, dado o pouco peso

historicamente atribuído ao aprofundamento teórico sobre a produção visual. As

ciências sociais construíram de forma pouco fundamentada a ideia de que a

imagem é subjetiva por demais para expressar o social e, especificamente no

caso da fotografia, que ela é demasiadamente objetiva para ser capaz de

expressar algo que ultrapasse as necessidades de documentação. Em ambos

os casos é possível presenciar a recusa da utilização da imagem como fonte

científica. Este não é exatamente o caso das ciências exatas/naturais que em

muitas de suas subáreas trabalham a partir da observação de imagens.

Trabalhar com imagens no contexto de análise social é, portanto, uma

barreira a ser ultrapassada. É preciso fazer o casamento entre uma metodologia

que permita a entrada dos conteúdos visuais, que não estão somente no papel

e na escrita, na pesquisa científica com as descobertas teóricas acerca do

imagético feitas até então. A investigação aqui desenvolvida é construída na

procura de “leituras” dos contextos abordados, mas principalmente na relação

dos produtores de imagens com seu próprio contexto social e seu campo

profissional de desenvolvimento.

Através de uma abordagem sócio-histórica, faremos o percurso dos

fotógrafos utilizando uma seleção de imagens que compõem os seus trabalhos

e que melhor contribuem para um entendimento de seus percursos profissionais

no campo da fotografia. Imagens estas que foram observadas a partir de foto-

livros, exposições e fotografias digitais disponibilizadas na internet. Tenta-se,

assim, compreender a relação entre o desenvolvimento profissional pessoal à

sua inserção na estruturação do campo da fotografia no Ceará.

Em contrapartida, para dimensionar a expansão deste campo é preciso

levantar alguns indícios de autonomização de práticas associativas voltadas

para a fotografia. Para isso, tomo como exemplo Rodrigues (2002) que para

dimensionar a progressão do campo artístico cearense investigou “a

organização [...] da área da pintura mediante: surgimento de ateliês coletivos,

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associações de pintores e o espaço de integração desses grupos”. Partindo da

observação de indicadores da atuação e composição do campo. (Rodrigues,

2002, p. 36 e 37).

Entramos definitivamente no campo quando relacionamos o fotógrafo, seu

olhar e sua história de atuação. São pontos de vista que nos permitirão

compreender as contingências sociais postas em relação com a fotografia sem

perder de vista a singularidade do processo de produção.

Ao tomar uma determinada produção artística como fonte de compreensão das relações sociais que caracterizam uma época, deve-se considerar, então, que tal tarefa só é possível porque aquilo que fundamenta esta prática artística extrapola-a – ou seja, a legalidade interna e a racionalidade específica das obras de arte vinculam-se sempre a um chão histórico, social. (RODRIGUES, 2002, p. 30).

O “chão histórico social” é a camada que atravessa e propicia as

condições da produção de um ator social. Sua vida social passa a ser construída

num desencadear de eventos e ações. As escolhas dos sujeitos se unem às

contingências e se materializam na vida do indivíduo. As experiências sensitivas

de José Albano o levaram para um caminho de exploração visual das formas,

das interações sociais, da própria imagem e da relação cotidiana com a sua

família.

O preto e branco surge em um primeiro momento como possibilidade

única de expressão imagética através da fotografia. Mesmo quando estava

encaixada num parâmetro que não a separava da reprodução fidedigna da

realidade, a fotografia ainda tinha o preto e branco como uma de suas principais

características.

O preto e branco, possibilitado pelo desenvolvimento técnico do aparelho

fotográfico, marcou os primeiros anos de produção fotográfica e o estilo de

muitos fotógrafos como Dorothea Lange (EUA, 1895), Henri Cartier-Bresson

(França, 1908), Robert Capa (Hungria, 1913), Robert Frank (Suíça, 1924), Vivian

Maier (EUA, 1926), Sebastião Salgado (Brasil, 1944) e etc. Essa última

consideração se coloca claramente quando avaliamos que após cerca de 90

anos desde a criação dos filmes coloridos e municiados de tecnologias diversas

– como troca de lentes, focos automáticos desenvolvidos, captação de imagens

a grandes distâncias, possibilidade de registro de imagens em baixas condições

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de luz ou em altas velocidade –, muitos fotógrafos optam pelas cores preta e

branca e suas nuanças. A escolha das cores estará também condicionada pelo

estilo e o objetivo da imagem produzida: se se trata de uma imagem que precisa

dar destaque a espécies diferentes ou a fenômenos diferentes, como aquelas

produzidas no espaço, a utilização das cores se mostra necessária para a sua

composição; no trabalho artístico a seleção das cores da imagem criada se

reveste de sentidos simbólicos e de liberdade de escolha e essas são, portanto,

elementos significativos para a análise da obra.

Possuímos diversos mecanismos que nos permitem a criação imagética,

como a fotografia, o vídeo, a pintura, a xilogravuras, o grafite, o frame, etc. Dada

a capacidade de criação do “real perceptível” e o estilo do produtor, poderemos

ter como resultado imagens que culminam em novas perspectivas. Partindo de

diferentes percepções e influências, os produtores de imagens fornecem

possibilidades de experiências táteis e sensitivas com as escolhas na sua

produção.

O documental contemporâneo como expressão subjetiva dos sujeitos nos

abre espaço para perceber as diversas cores “reais” dos objetos e suas

transformações para o preto e branco com uma significação não de limitação

técnica, mas de expansão sensória. Seu retorno na imagem contemporânea

expressa uma volta para a origem do campo fotográfico uma vez que o

rompimento com a imagem canônica se torna uma norma o retorno à base

aparece como transgressão. Essa questão passa a ser problematizada porque

o preto e branco, ao contrário de ser resultante da ausência de cor, passa a ser

visto, na abordagem contemporânea, como expressão simbólica e elaborada da

forma, pensada e sentida, que o fotógrafo utilizou para interpretar sua

composição.

Os significados agregados aos objetos, dentre eles a cor, são aprendidos dentro do repertório de experiências do indivíduo, o que depende diretamente da memória e difere de um indivíduo para o outro. Cada ser humano aprende o significado cromático do mundo visual sob o embasamento de sua educação e cultura próprias, de onde se pode concluir que o significado é atribuído às cores em parte pela cultura e em parte pela experiência exclusiva da elaboração individual (SILVEIRA, 2005b, p. 160).

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Está exposto, ali, a representação cromática e visual própria do fotógrafo

bem como sua forma específica de ver e interpretar. O jogo das formas

associado às alterações cromáticas solicita os outros sentidos para sua

interpretação.

No ano de 1826, Joseph Nicéphore Niépce produziu aquela que é

considerada até hoje a primeira imagem fixada em uma superfície a partir da

exposição à luz solar. Niépce não foi o único que obteve sucesso no registro de

imagens a partir de materiais fotossensíveis e da câmara escura. Mas, junto com

Louis Jacques Daguérre, em 1839, obteve o pioneirismo na criação. A prática

fotográfica não tardou por continuar seu desenvolvimento. Ao passo que se dava

o avanço técnico surgiram também novos paradigmas para pensar a imagem.

Seus limites – entre o industrial e o artístico; reprodução e criação; e entre motor

criativo e prova documental – foram pouco a pouco traçados a partir dos embates

daqueles que a rejeitavam e que a defendiam.

A prática fotográfica emergente foi capaz também de gerar novas

visibilidades pelo desconforto que causou em muitas parcelas da sociedade,

principalmente aquela que não estava satisfeita com o rápido desenvolvimento

técnico. Um incômodo, pois o novo elemento visual que surgia trazia consigo

possibilidades de visualizar o real diferente do desenho, do pincel e do olho.

[...] ao permitir a repetição das tomadas de um mesmo objeto e a reprodução de um mesmo clichê, a fotografia marcou no domínio das imagens também o advento da série: uma passagem decisiva do único para o múltiplo, dos valores artísticos tradicionais para os valores industriais modernos.” (ROUILLÉ, 2009, p. 38).

A fotografia documental desafiou as formas estabelecidas que figuravam

como a norma social. O campo da arte, mais especificamente a pintura, foi a

primeira parcela que se colocou contra o reconhecimento de uma produção que

estava baseada na técnica e que tinha como instrumento uma máquina para sua

realização. A hegemonia do olho e da mão do artista estavam indefectivelmente

passando por um ameaça de perda de lugar legítimo na representação visual.

“O artista adere às suas ferramentas e às suas imagens, e é precisamente essa

unidade entre o corpo-ferramenta e a imagem manual que a fotografia vem

quebrar, para selar um novo elo: entre as coisas do mundo e as imagens.”

(ROUILLÉ, 2009, p. 34).

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A imagem fotográfica que passa a fazer parte de diferentes campos de

produção social – ciência, indústria, jornalismo, arte – se torna também epicentro

de teorizações e de apreciações. Na querela que a colocam com a pintura e o

desenho (por manter um vínculo incontestável com a tecnologia), a fotografia é

acusada de ser óbvia demais, de ser incapaz de selecionar os elementos

compositivos que capta, diferente da mão do artista, que, por sua condição

humana de não perceber cada mínimo detalhe, estaria habilitado para gerar uma

nova imagem, não somente uma cópia.

Era o próprio campo artístico que se via transpassado pelo avanço da

técnica e da industrialização das formas. A reação, a primeiro momento, como

apresenta Pierre Bourdieu no livro “As regras da arte”, foi a busca pelo

fechamento do campo e um consequente fortalecimento dos pares e expurgo do

desarmônico.

[...] quando os defensores da definição mais “pura”, mais rigorista e mais estreita da qualidade de pertencente [ao campo] dizem de um certo número de artistas [...] que não são realmente artistas [...], recusam-lhes a existência enquanto artistas [...], enquanto artistas “verdadeiros”, querem impor no campo como ponto de vista legítimo sobre o campo, a lei fundamental do campo, o princípio de visão e divisão (nomos) que define o campo artístico [...], como lugar da arte enquanto arte (BOURDIEU, 1996, p. 253).

Os artistas plásticos, em um processo de auto reconhecimento, criaram

uma camada de significação única para a sua prática, um princípio explicativo

que esclarecesse o que deveria ser um artista e um produto artístico. Definir o

que é um artista passa sobretudo por definir o que não é um artista. O princípio

de exclusão se torna o imperativo mais clarividente do projeto de reconhecimento

social. A fotografia, que estava, portanto, no âmbito da técnica, carecia de

aspectos para figurar entre as produções visuais que tinham como principal

característica a utilização de artefatos manuais. Desse modo, a fotografia passou

por grandes recusas dos grupos que detinha o “monopólio do poder de

consagração” da arte e do artístico e se tornou mais acessada como ferramenta

de trabalho. Como explicita Bourdieu (1996) sobre o campo literário: enquanto

campo sua força se encontra no poder de atribuir legitimidade, “[...] o monopólio

do poder de dizer com autoridade quem está autorizado a dizer-se escritor [...] o

monopólio do poder de consagração dos produtores e dos produtos”

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(BOURDIEU, 1996, p. 253). No campo artístico e em outros campos, a fotografia

foi absorvida principalmente para fins documentais, passando por processos de

quebra do paradigma documental de diferentes maneiras nos diferentes campos

até alcançar seu próprio reconhecimento como imagem autônoma.

O campo é uma rede de relações objetivas (de dominação ou de subordinação, de complementaridade ou de antagonismo etc.) [ ] [...] as determinações externas sempre se exercem por intermédio das forças específicas do campo [...] depois de haver sofrido uma reestruturação tanto mais importante [quando] o campo é mais autônomo, mais capaz de impor sua lógica específica [...]”. (BOURDIEU, 1996, p. 262).

Na obra “As regras da Arte” de Pierre Bourdieu, vemos a emergência e

formação do campo artístico e literário. O autor parte do livro “A educação

sentimental” de Flaubert para fazer uma socioanálise dos papeis ocupados pelos

personagens da narrativa para então relacioná-los ao contexto de sedimentação

do campo literário francês. Em um contexto de emergência dos valores

burgueses, os escritores, os “verdadeiros escritores” e os “verdadeiros artistas”

se viram ameaçados pelo avanço de uma lógica econômica em detrimento da

qualidade das obras e do seu estilo de vida. Aqueles que traziam herança e que

faziam parte de uma vida abastada não encontravam tão distante a

disponibilidade de uma vida voltada para uma produção artística que não

rendesse frutos de imediato. Para aqueles que não tiveram o mesmo destino,

restavam-lhes as profissões “subalternas” no ramo da escrita que jamais seriam

reconhecidos como escritores pelos verdadeiros escritores. E assim se forma a

lógica interna do campo literário, que agrega, mas principalmente excluí. A

submissão ao mercado, logo à técnica, foi um dos pressupostos basilares que

motivou a união em defesa de uma literatura pura e de uma arte que visasse

apenas a si mesmo.

[...] a indignação moral contra todas as formas de submissão aos poderes ou ao mercado, quer se trate do empenho carreirista que leva alguns literatos [...] quer da submissão às solicitações da imprensa e do jornalismo [...], desempenhou um papel determinante, em personagens como Baudelaire ou Flaubert, na resistência cotidiana que levou à afirmação progressiva da autonomia dos escritores (BOURDIEU, 1996, p. 77).

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O papel determinante no combate ao avanço da indústria, da lógica de

mercado e da técnica não esteve, para esses autores, concentrado no que

concerne ao âmbito da escrita, como a imprensa, o jornalismo e os romances

mercadológicos. Mas a qualquer avanço técnico que colocasse em pauta formas

artísticas consagradas. Assim o foi com a fotografia, quando Charles Baudelaire

decreta seu verdadeiro ódio ao progresso da técnica e tenta expurgar a fotografia

do território artístico. Ódio que se voltava principalmente para a burguesia e para

o progresso, afirma: “[...] a arte é a fotografia. A partir desse momento, a

sociedade imunda precipitou-se, como um único Narciso, para contemplar sua

imagem trivial no metal (BAUDELAIRE apud DUBOIS, 2012, p. 28). A acusação

de Baudelaire marca uma clivagem entre arte (pintura) e fotografia (técnica) e

principalmente o seu desejo de atribuir à fotografia um lugar de auxiliar como

memória e documento.

Quando se permite que a fotografia substitua algumas das funções da arte, corre-se o risco de que ela logo supere ou corrompa por inteiro graças à aliança natural que encontrará na idiotice da multidão. É portanto necessário que ela volte a seu verdadeiro dever, que é o de servir ciências e artes, mas de maneira bem humilde [...]. Mas se lhe for permitido invadir o domínio do impalpável e do imaginário, tudo que só é válido se o homem lhe acrescenta a alma, que desgraça para nós! (BAUDELAIRE apud DUBOIS, 2012, p. 29).

A não aceitação de Baudelaire é a expressão do medo da velocidade de

crescimento que a indústria, a técnica e as produções massivas foram

alcançando com o passar do tempo. O poeta temia pelo fim dos valores

aristocráticos. Temia principalmente pelo fim da produção artística que era

herança de uma aristocracia que se mantinha à revelia da nova economia global.

“Para Baudelaire, uma obra não pode ser ao mesmo tempo artística e

documental, pois a arte é definida como aquilo mesmo que permite escapar do

real” (DUBOIS, 2012, p. 30).

Mas Baudelaire não cumpriu apenas a cartilha do conservador. Em

termos de literatura, no papel de formular as regras internas de funcionamento

do campo e o princípio de “existência do artista enquanto artista”, Baudelaire

figurou não só como um integrante do grupo de vanguarda, mas como um dos

principais articuladores ou como o denominou Bourdieu, 1996, como nomóteta.

De origem grega a palavra refere-se a proposição da lei; o que é capaz de

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estabelecer a lei, “[...] sem desígnio explicitamente determinado nem chefe

expressamente designado, [se] fosse preciso nomear uma espécie de herói

fundador, um nomóteta, [...] não se poderia pensar senão em Baudelaire [...]”

(BOURDIEU, 1996, p. 79). O literato que apresentou comportamento prudente

em relação ao que concernia à vida burguesa foi conhecido por “[...] desafia[r]

toda a ordem literária estabelecida”. Mas não deixa de apontar ambiguidades em

sua atuação quando mesmo criticando uma postura burguesa procura se

encaixar nas posições de domínio atinentes ao campo artístico como

demonstrou na sua candidatura à Academia Francesa, “[...] encontramo-nos em

presença de um candidato polido, respeitoso, exemplar, de um moço gentil, fino

de linguagem e inteiramente clássico nas maneiras” diz o artigo do

Constitutionnel em relação à Baudelaire à circunstância de sua candidatura

(idem, 1996, p. 81). Seu propósito de atuação visou o fortalecimento do espaço

ocupado pelos escritores. Viu-se e se percebeu em um terreno de mudanças e

até de ameaça ao gosto estabelecido “[...] ninguém viu melhor que Baudelaire

[...] as transformações da vida artística e literária que colocam os pretendentes

[...] diante da alterativa de degradação [...] ou da submissão igualmente

degradante aos gostos dos dominantes [...]” (BOURDIEU, 1996, p. 81). Criou

assim um ódio que direcionou à forma de vida burguesa e à fotografia como

resultante direta dessa relação. Assim o foi com outras influências que não

aceitaram as mudanças trazidas pela imagem feita através da técnica. Como na

experiência de rejeição no campo artístico, rejeição que não excluiu a presença

da fotografia na arte, a fotografia foi assimilada também em outros campos como

imagem documento partindo sempre dá clivagem entre estas e as imagens

manuais.

Aproximadamente a partir dos anos de 1980, a perspectiva fotográfica

começou a caminhar de encontro à teoria semiótica de Charles S. Pierce. Foi o

início de grande efervescência da associação dos estudos acerca da imagem

com o conceito de índice. Os principais trabalhos dessa época são em sua

maioria de origem francesa. Alguns deles são: Roland Barthes, 1980; as revistas

“Les cahiers de la photographie”, 1981; “La recherche photographique”, 1986;

Jean-Marie Schaeffer, 1987 e Rosalind Krauss, 1990 (EUA).

Tais estudos foram permeados pelo ensejo de teorizar a imagem

fotográfica. Não eram trabalhos que se atinham a apresentar fotografias ou

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mesmo a interpretá-las. Compartilhavam de uma base em comum: seus teóricos

buscaram criar uma identidade para a fotografia (DUBOIS, 2016). É dessas

perspectivas que se originam uma tradição em demandar uma “natureza” para a

fotografia.

Tais noções de marca, de impressão ou de índice tiveram evidentemente o mérito de distinguir, e bem, o status semiótico da fotografia em relação ao das imagens manuais, pois mostraram que a relação entre as coisas e as provas de sais de pratas é tanto de contiguidade como de semelhança – e situaram a fotografia na conjunção de uma semelhança óptica com uma semelhança por contato (ROUILLÉ, 2009, p. 190).

Ao atribuir um novo aspecto à imagem fotográfica, encontrando nela uma

contingência física com o seu material de produção, as teorias do índice “[...]

tiveram a enorme desvantagem de relacionar as imagens à uma preexistência

de coisas, das quais essas imagens, passivamente, só registrariam o vestígio”

(Idem, 2009, p. 190). A fotografia só seria capaz de ver e alcançar o “visível” e

assim como afirmou Baudelaire, ela jamais estaria no patamar de uma prática

que cria, pois só teria ao seu alcance a possibilidade de fazer cópias.

O debate semiótico na fotografia cumpriu seu papel na busca de uma

essência e um motivo uno para a explicação do fenômeno de fotografar. Partindo

desse escopo, começou a insuflar um pensamento sobretudo abstrato e

generalista que se mostrou indiferente às condições concretas de produção

imagética. “Segundo tal teoria, ‘a’ fotografia é principalmente uma categoria de

onde é conveniente extrair as leis gerais [...]” (ROUILLÉ, 2009, p. 190).

Dubois, em “O Ato Fotográfico” (2012), propõe, em um apanhado

bibliográfico, classificar as teorias sobre a fotografia. De início são três os tipos

que mais se destacam: aquelas que (1) veem na fotografia um ato de reprodução

“mimética” do real, (2) as que teorizam uma reconsideração em relação a essa

perspectiva de contingência à realidade (3) e as que trabalham a fotografia como

índice, uma vez que consideram que a imagem mantém, depois de produzida,

uma relação com o real. Esse vínculo não é o de identificação mimética entre

realidade e imagem, é uma identificação indicial10. “[...] Como todo índice, a

10 “Os índices são signos que mantem ou mantiveram num determinado momento do tempo uma relação de conexão real, de contiguidade física, de copresença imediata com seu referente (sua causa) [...] Todos os signos que não significam de fato por eles próprios, mas cuja significação é

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fotografia procede de uma conexão física com seu referente [...] é por natureza

um objeto pragmático, inseparável da sua situação referencial [...] [o que não

quer dizer que ela seja] necessariamente semelhante (mimética) (DUBOIS,

2012, p. 94)”.

A primeira definição é aquela que atribui à fotografia um caráter de

infalibilidade do seu poder de representação do real. “[...] Essa capacidade

mimética procede[ria] de sua própria natureza técnica, de seu procedimento

mecânico que permite fazer aparecer uma imagem de maneira ‘automática’,

‘objetiva’, quase ‘natural’” (DUBOIS, 2012, p. 27). Mas, essa perspectiva que

privilegia os fenômenos aparentes, em detrimento dos aspectos imanentes da

fotografia, foi fortemente rebatida.

Pierre Bourdieu (1965) foi um dos teóricos que combateu a suposta

neutralidade da imagem fotográfica, afirmando que esta é um recorte de

aspectos da realidade: “A fotografia deve apenas possibilitar uma representação

suficientemente crível e precisa para permitir o conhecimento.” Existem aspectos

que denunciam a relação entre passado e imagem, mas nem a imagem vale por

si só, nem tornar essa relação evidente é suficiente, pois falta conteúdo para

significar socialmente cada imagem.

Se a fotografia é considerada um registro perfeitamente realista e objetivo do mundo visível é porque lhe foram designados (desde a origem) usos sociais considerados “realistas” e “subjetivos”. E, se ela se propôs de imediato com a aparência de uma “linguagem sem código nem sintaxe” em suma de uma “linguagem natural”, é antes de mais nada porque a seleção que ela opera no mundo visível é completamente conforme, em sua lógica, à representação do mundo que se impôs na Europa desde o Quattrocento (BOURDIEU, 1965, p. 108 e 109).

Sua perspectiva demonstra que é ilusório imaginar não haver a

interferência de critérios pessoais e sociais no processo de produção da imagem

fotográfica. Assim, pois, quando nos deparamos com fotografia de família não

são “propriamente indivíduos na sua particularidade singular [que vemos na

imagem], mas sim papeis sociais [...]” e parcelas de realidade selecionados de

forma arbitrária pelo fotógrafo (BOURDIEU; BOURDIEU, 2006, p. 34). Os

determinada por sua relação efetiva com o seu objeto real, que funciona dessa maneira como sua causa, tanto quanto como seu referente” (DUBOIS, 2012, p. 61 e 63).

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questionamentos da suposta indefectibilidade na representação do real

colocaram em questão o alcance de tal perspectivas.

Finalmente, a abordagem essencialista da fotografia é resultante das

teorias que consideram a imagem fotográfica procedentes do índice11: “[...]

representação por contiguidade física do signo [a fotografia] com o seu referente

[...]” (DUBOIS, 2012, p. 45). Essa perspectiva resulta do deslocamento do poder

de verdade na imagem para evidenciar a relação pragmática da imagem

fotográfica com seu objeto. “[...] As fotografias [...] quase não têm significação

nelas mesmas: seu sentido lhes é exterior [...]” (DUBOIS, 2012, p. 52).

A análise direciona o seu foco para o suporte, “no fotográfico” e para uma

definição mínima e até mecanicista da fotografia, a “[...] técnica [...] da imagem

e o apego ao seu funcionamento elementar são, para a ontologia, uma maneira

de abolir as práticas e as imagens singulares [...] e de transportar [...] a fotografia

para uma categoria estável às leis naturais e universais” (ROUILLÉ, 2009, p.

193).

Com o foco no índice, os herdeiros do pensamento semiótico retiram as

parcelas de pluralidade que as diferentes imagens trazem para se concentrar em

um aspecto único que é sobretudo teórico. “A teoria do índice pretende ser, pois,

uma ontologia, uma abordagem da essência da fotografia” (ROUILLÉ, 2009, p.

191). Uma busca que ao final das teorizações afirma que a fotografia está

despida de todas as suas características particulares e que a única coisa que

realmente importa é a sua relação universalmente estabelecida com as demais

imagens através de sua conexão indicial com a realidade. A fotografia não é o

idêntico, o ícone, mas é a marca que comprova a existência, o isso foi

barthesiano “[...] a essência da fotografia consiste em ratificar o que ela

representa. (...) Toda fotografia é um certificado de presença. [...]” (BARTHES,

2015, p.72 e 73)

No capítulo “Histórias de sombra e mitologias de espelho”, do “Ato

Fotográfico”, Dubois conta uma pequena história para explicar a possível

presença do índice na pintura. Sua analogia torna bastante esclarecedor a

11 “A esse respeito, os que elaboram nessa via as análises que me parecem atualmente as mais sutis e as mais sérias, são provavelmente os teóricos que se inspiram nos conceitos semióticos de Ch. S. Peirce” (DUBOIS, 2012, p. 49).

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própria perspectiva do que seria o índice na imagem em geral não só na

fotografia e não só na pintura:

Dessa cena iniciadora [A origem da pintura] [...] reteremos alguns dados elementares aos quais não cessaremos de voltar. Em primeiro lugar, para que haja sombra projetada [...] para que a pintura exista, deve haver, [...] uma tela, uma parede, um plano receptor e de intersecção (muro, tela, papel...) [...]. Ao mesmo tempo, é necessário que haja nessa tela [...] uma projeção [...], o que pressupõe uma fonte luminosa [...] e o que determine uma orientação e uma organização do espaço pela luz. Finalmente, essa figura de sombra projetada, puro índice, que só existe na presença de seu referente, deverá ainda ser duplicada por um desenho que virá fixa-la por decalque direto (DUBOIS, 2012, p. 118).

O quarto iluminado por uma fonte luminosa partindo de um dos seus

lados projetando sombras na parede... as sombras formam o índice da imagem

dos corpos que ocupam o quarto “[...] puro índice, que só existe na presença de

seu referente [...]” a imagem só existe e só tem significação na presença de seu

referente. A fotografia deixa de ser considerada como dotada de um “valor

absoluto”, obviamente, pois passa a ter significado determinado apenas na

vinculação que foi traçada com o seu referente real. (DUBOIS, 2012, p. 118). Na

concepção indicial e somente na sua vinculação com o “isso foi” como

construção de “um traço do real” é que ela pode ser compreendida.

“Seja de moda, de publicidade, de imprensa, ou de família, seja ocupando

a página de um jornal ou de um álbum de família, o muro de uma cidade ou a

parede de um museu, pouco importa: suas leis essenciais são as mesmas”

(ROUILLÉ, 2009, p. 30). É exatamente a singularidade das imagens posta em

jogo quando aceita-se a sobreposição do suporte técnico e dos aspectos

elementares na fotografia em detrimento da história, das particularidades das

práticas e dos contextos para afirmar que a fotografia é uma só.

Para sair do eixo mimético e indicial/ pragmático é preciso analisar as

imagens fotográficas sem separá-las de suas pluralidades, características que

as diferenciam e definem. Da fotografia deve-se investigar o movimento, o

contexto, a história e não o que poderia conter nela de contínuo.

Os usos feitos da fotografia desde seu surgimento tornaram fértil as

possibilidades de teorizações e um maior conhecimento técnico. Debate teórico

e a prática regular se influenciam mutuamente, no entanto, em muitos casos o

potencial dinâmico do cotidiano se sobrepõe, em rapidez, à própria análise sobre

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o ato. Mas, nesse jogo, nenhum dos lados é auto excludente. Na realidade da

expressão ou do documento, a imagem fotográfica é partícipe e a análise

histórica demonstra seu desenvolvimento tanto teórico quanto técnico a partir da

expansão dos seus usos. Nota-se tal fato a partir da dinamização e

independência das suas formas, que fazem com que ela seja reconhecida hoje

pelo seu potencial comunicativo, criativo e histórico.

Observaremos, a partir de então, alguns campos que se apropriaram da

fotografia e a desenvolveram, na sua primeira fase, a documental. Os primeiros

olhares voltados para analisar a fotografia se pautaram no seu sentido de

representação, insistindo na verossimilhança entre produto fotográfico e os

elementos latentes no real. A principal característica definidora da fotografia

defendia o quanto ela era capaz de reproduzir com fidelidade a verdade.

Acreditava-se encontrar nela uma cópia da realidade. As imagens feitas por

acionamento automático de um botão, no qual o fotógrafo figurava apenas como

o responsável pelo disparo, produzindo uma imagem “objetiva”, não significavam

nada mais que uma relação de espelhamento do real. A interpretação desse ato

se fazia unicamente pela relação de repetição através do dispositivo técnico e

químico da concretude das coisas.

Em termos de usos práticos das imagens fotográficas, a perspectiva

informativa, a partir das disciplinas científicas – medicina, biologia, história –,

propiciou um desenvolvimento da imagem e sua difusão pautando-se em termos

documentais.

Diversas pesquisas voltaram-se para o próprio dispositivo fotográfico para melhorar seus “desempenhos”. Essas pesquisas sempre irão no sentido de um melhoramento das capacidades de mimetismo do meio. Trata-se de tornar-se cada vez mais verdadeiro, de estar cada vez mais próximo da visão real que temos do mundo (DUBOIS, 2012, p. 33).

Nas investigações de cunho social, foram os historiadores os estudiosos

que mais empregaram, em termos quantitativos, o uso de imagens, tendo como

pressuposto que se tratavam de fontes documentais. Mesmo estando presente

como arquivo de estudo, a inclusão de imagens na pesquisa científica em história

foi um desafio para o campo. Segundo Peter Burke (2004), poucos foram os

historiadores que atribuíam seriedade no uso de imagens para os trabalhos

acadêmicos. O livro “Testemunha Ocular”, é resultado de um apanhado de

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importantes investigações que lançaram mão do uso de imagens fotográficas

para demonstrar a importância do seu uso como fonte de pesquisa. A tese

central de Burke foi de que, “[...] imagens, assim como textos e testemunhos

orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica.” (BURKE,

2004, p. 17). O intuito fora, com o uso das imagens, conseguir alcançar

informações do passado que poderiam gerar importantes contribuições para a

história uma vez que se tratava de uma forma de registro única e particular.

Mais antigo que o uso de imagem na história o é na antropologia. Na

produção antropológica, pela necessidade de construção de registros mais

diversos e capazes de contemplar o maior número de fatores componentes de

uma realidade, a criação de imagens tornou comum o uso de desenhos, pinturas

e de câmeras fotográficas nos trabalhos de campo. Como resultado, as imagens

produzidas apareciam como um tipo possível de comprovação da existência dos

objetos em estudo. A abordagem sociológica associada ao uso de imagens

sempre foi mais sutil e pouco desenvolvida. Sociologia e antropologia, sempre

mantiveram uma relação documental com as imagens, “[...] a imagem tinha um

caráter apenas complementar ao texto, funcionando como ilustração do relato e

prova [...] meio conveniente de dar credibilidade ao autor, ‘testemunha ocular’

(PORTO ALEGRE, 1998, p. 75). Mas em sociologia, a abordagem textual

associada ao uso de imagens é recente. Também o são as reflexões acerca

desses usos. A classificação da imagem como apoio metodológico acaba

tornando-se a principal finalidade do seu emprego. Muitas vezes quando

utilizada, a fotografia é destituída do seu estatuto particular. José Martins (2008)

questiona aos sociólogos por que as imagens fotográficas, não em sua

totalidade, mas de modo significativo, são utilizadas como um conhecimento

inferior e relegado ao âmbito de instrumento secundário de pesquisa. O que o

sociólogo requisita é que mais espaços sejam destinados à apreensão do

conhecimento através da relação visual que estabelecemos com o mundo social.

As pesquisas científicas passam, nos últimos anos, a expandir as

possibilidades de inclusão da fotografia para além dos usos secundários que a

ela foram creditados – geralmente trazidas nos apêndices dos livros ou nos

anexos das teses, dissertações e monografias – dando, assim, espaço “[...] para

a análise social da imagem e de seus aspectos cognitivos que procuram avaliar

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a importância das imagens na vida dos indivíduos e dos grupos sociais.”

(PORTO ALEGRE, 1998, p. 76).

O pouco reconhecimento da presença da imagem na produção do

conhecimento tem como possível origem a forte influência do valor do letramento

culto – não a alfabetização dos indivíduos, mas o domínio escrito e falado das

“letras” como fator distintivo social – na cultura ocidental que ao passo que

ganhava legitimidade reduzia o reconhecimento que outras formas

comunicativas poderiam adquirir. Enquanto o domínio da norma escrita esteve

associado à vida pública dos negócios e das decisões políticas, o uso das

imagens condizia ao desfrute da vida, com as artes plásticas, as esculturas, os

afrescos e etc. A decorrente expansão, propiciada pelo avanço técnico, das

imagens para o “[...] cinema, publicidade, televisão, [...] design, arquitetura [...]”

não fez com que essas imagens perdessem seus aspectos lúdico e

contemplativo. (SAUVAGEOUT, 1994, p. 09). O conhecimento e as formas de

contato com o mundo foram postos em uma polaridade. Enquanto, de um lado,

encontrava-se o pensamento científico produzido a partir de uma literatura

escrita, de outro, estavam as imagens feitas para o deleite dos olhos.

Nos usos documentais da fotografia, sua representação era da lembrança

de um passado, como se a imagem estabelecesse com a realidade uma ligação

que não ultrapassasse a mimética. A mimese é a capacidade de “imitar” a

realidade garantindo a soberania da imagem documento na representação social

e sua dissociação das outras formas de produzir imagens. “A distribuição [...] é

clara: à fotografia, a função documental, a referência, o concreto, o conteúdo”

(DUBOIS, 2012, p. 32).

Se configuraria numa busca errônea se na fotografia afirmássemos

encontrar apenas o congelamento de um dado tempo específico, é o que o

conceito de índice supõe. “A captação [o tempo da tomada da fotografia] é [...]

considerada pelos essencialistas como uma descontinuidade, uma falha

“natural” no seio de uma constelação [...] a captação seria um instante de

esquecimento dos códigos” (ROUILLÉ, 2009, p. 194). Isso pois, não é apenas a

correspondência física o fator relevante para a análise da fotografia. Ela é um

recorte de uma infinidade de possibilidades de percepção da realidade e está

sujeita a ser reinterpretada em conformidade com os valores vigentes de cada

época. “O projeto [da] [...] teoria do índice consiste [...] em descrever o

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funcionamento da fotografia como uma máquina ímpar e a extrair dela os

princípios essenciais. Assim, [...] rebaixa a pluralidade de suas variações a um

esquema funcional e material abstrato.” (ROUILLÉ, 2009, p. 195).

É crescente a necessidade de empreender novos olhares no potencial das

imagens para compreender as relações sociais e a importância da interação no

cotidiano dos indivíduos. A estreita vinculação aos sentidos documentais das

imagens fotográficas tem como fator explicativo seu próprio contexto de

surgimento.

O olhar [...] modificou-se ao longo dos séculos. A introdução massiva da alfabetização instaurou uma disciplina e uma racionalização do olhar estruturando nosso campo de visão [...]. Do mesmo modo a invasão de fontes luminosas e estímulos visuais aos quais nos habituamos a partir das telas de nossas televisões captam e fascinam o olhar [...] (SAUVAGEOUT, 1994, p. 07).

Para André Rouillé (2009), a fotografia “nasce” singularizada por

referenciais documentais, pois sua causa explicativa – compor a modernidade

como mais uma possibilidade de desenvolvimento técnico – esteve estritamente

ligada ao primeiro século do seu desenvolvimento.

A definição de contiguidade do real foi atribuída à fotografia não só pela

condição mecânica de manuseio e reprodução, mas também, pela sua trajetória

histórica. Alguns elementos contribuem para compreender o enfoque dado à sua

função narrativa- descritiva-documental.

A modernidade da fotografia e a legitimidade de suas funções documentais apoiam-se nas ligações estreitas que ela mantém com os mais emblemáticos fenômenos da sociedade industrial: o crescimento das metrópoles e o desenvolvimento da economia monetária; a industrialização; as grandes mudanças no conceito de tempo e de espaço e a revolução das comunicações; mas também a democracia. Essas ligações [...] vão apontá-la como a imagem da sociedade industrial: aquela que a documenta com o máximo de pertinência e de eficácia, que lhe serve de ferramenta, e que atualiza seus valores essenciais (ROUILLÉ, 2009, p. 30).

Desse modo, a relação de coerência estabelecida entre a sociedade

moderna e a sua metáfora mecânica, por meio da fotografia, diferente de outras

imagens, trilhou, desde seus primeiros anos, um caminho que a tornou

reconhecida como um meio de representação fidedigna do real. A imagem

fotográfica não teria sido possibilitada em outro contexto que não o de

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desenvolvimento da técnica moderna, “[...] [ela] produz visibilidades modernas,

[...] porque a iluminação que dissemina [...] entra em ressonância com alguns

dos grandes princípios modernos; é por ajudar a redefinir [...] as condições do

ver: seus modos e seus desafios, [...] – a imanência.” (idem, 2009, p. 39). São

diversos os aspectos que a imagem fotográfica possui em consonância com seu

próprio tempo: reprodutibilidade da vida, a velocidade de produção e consumo

dos bens, o poder de reprodução em série, etc.

[...] [a] capacidade da fotografia para reformar [...] o regime da verdade, isto é, para inspirar confiança no valor documental das imagens, não se apoia somente em seu dispositivo técnico (a máquina, a impressão), mas em sua coerência com o percurso geral da sociedade: a ‘racionalização instrumental’, a mecanização, o ‘espírito do capitalismo’ (Max Weber), e a urbanização – Georg Simmel estabelece uma estreita relação entre as grandes cidades modernas, a ‘exatidão calculista da vida prática’, e a economia monetária, que afugentou o que restou da produção pessoal [...] (ROUILLÉ, 2009, p. 48).

A capacidade de representação da modernidade e da cidade foi o aspecto

mais explorado da imagem fotográfica no seu primeiro século (ROUILLÉ, 2009)

e esse potencial também foi percebido na cidade de Fortaleza na Belle Époque,

quando a fotografia passou a ser utilizada como meio de divulgação da cidade.

Num modus operandi autocontemplativo, as primeiras imagens fotográficas

produziram temas citadinos trazendo em sua composição formas e personagens

pertencentes aos meios urbanizados.

Historicamente, a inserção da fotografia no jornalismo e na publicidade

tornou também bem-sucedidos o avanço material, tecnológico e ideológico do

capitalismo e da industrialização crescente. Viu-se a fotografia inserida como

forma de auferir legitimidade ao discurso feito nos jornais. No caso brasileiro, as

grandes capitais começaram a vivenciar um processo “urbano-cotidiano”

emergindo a partir das mídias que propiciavam a constante interlocução social.

“Esse movimento trouxe, de maneira irrevogável, a experiência estética e

emocional do consumo de imagens signos e a potencialização de forças visuais”

(ALVES, 2009, p. 27)

De forma similar, Becker (2009) relata sobre a conjuntura dos Estado

Unidos no momento em que se vivenciava a emergência de uma nova

modalidade fotográfica: a foto de denúncia. A esse tipo de imagem

convencionou-se denominar, documental. Seu surgimento se deu sob

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circunstâncias de reformas sociais que moveram o país na virada do século XX.

As imagens fotográficas de denúncia nominalmente reconhecidas como

documentais diferenciavam-se pelo seu conteúdo. Dentre as temáticas sociais

emergentes da época, temas como: problemas sociais, crimes, incêndios e a

guerra eram os mais solicitados pelo corpo editorial de jornais e revistas como a

Life e Look.

Para Rouillé (2009), a extensão do uso das fotografias, como o uso

jornalístico, não foi uma fuga do caminho do eixo narrativo da imagem

fotográfica. A “fotografia-documento” foi a imagem que predominou durante mais

de um século através de diferentes usos e não a imagem que passou a ser feita

no fotojornalismo. A inserção na imprensa foi mais um vínculo estabelecido para

a hegemonia da imagem moderna documental. A fotografia foi vista por muito

tempo nos lugares de poder da modernidade, mas também uma forma de “falar”

a partir de um lugar de poder para os demais. E assim começam a surgir os

temas que tangenciavam o social como a guerra, catástrofes e pobreza.

[...] em sua fase documental, a fotografia foi colocada, em grande escala, ao lado dos poderes, por evidenciar ao máximo os seus representantes e respectivos atos, lugares e emblemas, ao mesmo tempo que excluía ou marginalizava importantes setores do povo, ou travestia suas condições de existência (ROUILLÉ, 2009, p. 47).

A imagem fotográfica inaugurou, além de novas práticas em relação à

imagem, um novo regime de verdades. Por muito tempo posta em comparação

com a pintura, a fotografia sempre ocupou uma posição de desvantagem, com

exceção dos casos em que o critério adotado fosse o de precisão com o seu

referente.

Fotografia e pintura, dois meios de criação visual, sempre foram postas

numa oposição que supostamente resultaria na escolha do meio mais adequado

para representar o social. Na comparação, a imagem fotográfica sempre figurava

em desvantagem, pois as marcas feitas de luz não seriam capazes de distinguir

o que deveria ser representado numa imagem. Na pintura, ao contrário, o

responsável pela tela, o artista, partiria de um processo de seleção a partir do

olhar elegendo o que deveria ficar documentado no quadro. Essa perspectiva,

no entanto, é vaga para compreender a relação entre arte e fotografia. Deve-se

levar em consideração os históricos de desenvolvimento de cada prática para

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então compreender, nessas trajetórias, suas principais contribuições e notar que

não existe um fosso entre uma forma e outra; são ambas maneiras de abordar

como temática o social. Enquanto a fotografia aponta, de forma seletiva,

elementos que serão captados por um aparelho fotográfico, a pintura é um

trabalho de seleção feita pelas mãos daquele que a realiza. (idem, 2009).

O alvorecer da prática fotográfica trouxe modificações estruturais na

relação que as pessoas estabeleciam com as imagens. Essa modificação pode

ser percebida também na prática dos pintores. Como relata Marques (2009) e

Leite (1995), em Fortaleza, no final do século XIX, foi possível presenciar uma

interconexão entre os artistas da pintura e da fotografia nos ateliês fotográficos.

A fotografia inicia sua trajetória e, por muito tempo, é utilizada como

registro e documento verossímil. Esse espaço de tempo configura a fotografia,

em sua aparição como imagem documental, como registros hegemônicos. Por

volta da década de 1970, após o surgimento de outras mídias, a imagem

fotográfica analógica passa por transformações. A perda de hegemonia no papel

da representação da sociedade se deu com a emergência de outros tipos de

imagens: como aquelas geradas por satélites, a televisão e outras imagens

digitais. A fotografia documental, dividindo sua posição de imagem mais

acessada socialmente, deixaria de ser o principal meio de representar o social.

Desse modo, dela seria destituída sua função documental, aquela vinculada

principalmente ao poder de representação da sociedade industrial. Ela foi

documento até o momento em que pôde representar os acontecimentos sociais,

os avanços técnicos e as cidades em seu pleno desenvolvimento industrial. A

“imagem-documento” para Rouillé é diferente do que figura para outros autores.

Foi, sobretudo, uma posição social atribuída aos seus usos; a legitimidade que

seu emprego atribuiu ao conhecimento que esteve associada.

Percebemos, então, dois princípios para pensar o documental: primeiro,

como forma de representação que legitimou um regime social econômico

(Rouillé, 2009) e segundo, como produção objetiva construída a partir de temas

sociais ligados à realidade vivida e que apresenta certa conexão com o real.

A fotografia documental contemporânea não abandona de todo o território

do documental e, para além disso, busca uma nova relação com o real. Não

existe somente uma contiguidade com a realidade. Existe uma dimensão autoral

que é nutrida na produção, um desejo de ultrapassar barreiras reais e construir

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uma perspectiva que impulsiona o campo ficcional, buscando novas verdades

na imagem fotográfica e enfatizam a dimensão discursiva; são “[...] fotografias

que evocam mais do que informam” (MAIA, 2013, p. 12).

O Documental contemporâneo é o alvorecer de um novo debate dentro

do campo da fotografia, trazendo consigo novos parâmetros para pensar a

produção múltipla. Estes não partem somente da base fotográfica digital, mas é

muitas vezes o resultado de um somatório de diferentes mídias, o que

poderíamos chamar bricolage.

A partir de novos conhecimentos gerados por diferentes percepções

visuais que ganham destaque, a imagem extrapola o documento. A verdade

deixa de ser buscada nas coisas representadas pela imagem e outros aspectos

passam a ser evidenciados, como a valoração da expressão artística individual

do fotógrafo.

Essa nova perspectiva, capaz de captar a mudança paradigmática da

fotografia – a perda da hegemonia da forma documento da sociedade industrial

–, é resultante da capacidade de atualização e de racionalização crítica sobre a

significação das imagens na sociedade. Essa perspectiva tem a ver com a

retirada do foco de análise do instrumento que gera o registro, “o fotográfico”,

para redirecionar o cerne de análise para o processo que gera a expressão.

Quer sejam artísticas ou não, as fotografias ultrapassam cada vez mais a constatação para chegar à problemática, ultrapassam seus referentes materiais para exprimir questões mais gerais. A expressão tende a prevalecer ao atestado, à afirmação da existência (ROUILLÉ, 2009, p. 196).

“A expressão” é a característica que se torna mais pulsante na imagem

contemporânea. O que privilegia a análise não é a impressão de um registro,

mas a expressão como capacidade criativa de engendrar algo partindo das

fotografias, sendo elas artísticas ou não. Para apreender as nuanças dessa nova

imagem é necessário mudar também o foco no olhar: a fotografia conformou-se

como prática de documentar os eventos sociais. Nesse período, a relação

imediata com a ciência e a técnica a colocou em uma posição de prática

imagética socialmente difundida e dominante. Enquanto prática dominante havia

uma inferência direta entre a imagem impressa e a realidade. A mudança se dá

quando a imagem fotográfica deixa de ser usada somente com o intuito de

informar e se torna “meio” para comunicar. O resultado são tipos diversos de

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imagens que criam e expressam. Pode-se ressaltar que os termos registro e

documento perdem sua validade na análise dessas imagens. A mudança

analítica consiste em, “Não mais considerar a fotografia como uma máquina

abstrata, obedecendo somente a seus mecanismos internos, constantes e

universais, mas abordá-la enquanto prática social, plural, perpetuamente

variável” (ROUILLÉ, 2009, p. 197 e 198). Essa é, portanto, designada “imagem-

expressão”.

[...] a fotografia-expressão vem reafirmar a força das formas e da escrita [...] fotográficas. A fotografia-documento não desconhece evidentemente as formas, [...], mas as coloca de lado em prol dos referentes. A fotografia artística, ao contrário, privilegia deliberadamente as formas, em detrimento das coisas e dos estados de coisas. É com a fotografia-expressão que os praticantes tentam produzir o sentido na fronteira das imagens e das coisas. Não sendo uma qualidade física, mas um atributo incorporal das coisas e dos estados de coisas, o sentido não pode ser descoberto, registrado ou restaurado. Ele deve ser, em vez disso, produzido, expresso. E essa produção, essa expressão de sentido, requer necessariamente um trabalho de escrita, uma invenção de formas (ROUILLÉ, 2009, p. 168).

A fotografia documental contemporânea não é somente a negação do

documental. Existe uma completude entre as duas trajetórias. Isso porque o

imaginado comporta, para sua existência, referentes do real. “A fotografia-

expressão [...] propõe outras vias, aparentemente indiretas, de acesso às coisas

[...] são aquelas que a fotografia-documento rejeita: a escrita, logo, a imagem; o

conteúdo, logo, o autor; o dialogismo, logo, o outro” (idem, 2009, p. 168).

O mito da transparência da imagem como sempre informativa, sempre a

“única” e “inegável” versão e atestação de verdadeiro, é o primeiro aspecto que

se rompe entre realidade e fotografia expressão. Ao papel de espelho da

sociedade a fotografia serviu mais de um século. Mas não foi apenas a sua

técnica e mecânica que sofreram alterações ao longo do tempo. As mudanças

sociais e as crises culminaram numa “[...] redefinição do documento fotográfico”

[...], mas não deixaram de atingir “[...] o objeto a ser documentado” (ROUILLÉ,

2009, p. 163). A vida em sociedade passa a agregar novas questões existências

e aponta, desse modo, as insuficiências da fotografia-documento “[...] inventar

novas visibilidades, tornar visível o que aí se encontra e não sabemos ver – já

não pode mais tratar de designar, constatar, captar, descrever ou registrar”

(ROUILLÉ, 2009, p. 163). A imagem como limpa, clara e explícita perde o seu

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posto na sociedade contemporânea; a qual “[...] desloca o problema da

objetividade, que já não mais consiste em registrar o mais fielmente possível os

estados de mundo, mas em escreve-los na estrutura formal significante da obra,

[...] no estilo” (ROUILLÉ, 2009, p. 164).

O documento, com sua limitação metodológica, precisa abrir espaço de

desenvolvimento para a produção visual que tem como princípio, a criação. Esse

espaço foi alcançado primeiramente com maior nitidez na moda. Desde os anos

1990, nota-se que já não é a informação sobre o produto que move o campo. As

imagens passam a ser cada vez mais distintas do produto anunciado, “[...] a

elegância e a sofisticação, a beleza dos corpos e a perfeição das imagens

desaparecem [...] para melhor exprimir alguma coisa de uma geração perseguida

pelos males da sua época” (ROUILLÉ, 2009, p. 166). Essa imagem que passou

a ser denominada “tendência trash” como ser vista como uma imagem anti-

mercado, porque foge da norma da imagem de imprensa e abraça uma

tendência que “[...] se adapta às atitudes visuais de uma geração, a seus modos

de vida, suas formas de cultura [...] inspirados pela arte contemporânea, [...] pelo

ritmo do rock, da música tecno ou rap” (ROUILLÉ, 2009, p. 166).

Muitas outras modalidades de fotografia, como a fotografia humanitária, a

reportagem dialógica (em oposição ao furo jornalístico), a fotografia de família, a

fotografia de imprensa entre outras, passam a incorporar a perspectiva de

criação que foi manifesta na fotografia-expressão. E o principal elemento dessa

mudança diz respeito à relação estabelecida entre “as imagens e as coisas”. Na

imagem-documento, o produto, a impressão servia para designar a coisa que o

antecedeu, denunciar sua existência como insistem R. Barthes (1980) e Dubois

(2012). Para a foto expressão a imagem pode reproduzir, mas também criar uma

realidade. Essa pode ser tomada como somatória ou opositiva à realidade

anteriormente existente. É exatamente o princípio da transparência que nega a

possibilidade de criação da imagem, “[...] a imagem fotográfica não é um

decalque, mas um mapa das coisas: menos uma duplicação do que um

operador” (ROUILLÉ, 2009, p. 167).

Não é só a fotografia-documento que se encontra com seus pressupostos

ameaçados, mas toda narrativa que tem como fundamento noções/dispositivos

documentais vê-se em risco de um fim. Isso pode ser posto com mais clareza

quando percebemos a mudança paradigmática entre os diferentes tempos que

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moveram e deram origem à imagem analógica – a modernidade industrial; e à

imagem digital – a modernidade informacional (hipermodernidade

informacional). “Um tipo de esgotamento [...] ultrapassa largamente a fotografia

pois são o mito da objetividade e da transparência do documento, e a fábula da

sua verdade que estão afundando”. (DOBAL; GONÇALVES, 2013, p. 24).

As mudanças sociais sofridas interagem diretamente com os campos de

produção e geram certas condições de mudanças e de perspectiva do social.

Num período em que os meios de comunicação ganharam uma proporção

expansiva muito maior do que os grandes inventos e as descobertas industriais,

é no contato com o outro que será observado o foco das produções imagéticas

a “[...] atenção da imagem [se desloca] em si mesma para suas condições de

existência, seus modos de produção e circulação, sua história ao mesmo tempo

material, social e política”. (DOBAL; GONÇALVES, 2013, p. 62).

Entre seu passado recente e seu futuro próximo, a atualidade da fotografia reside [...] na sua oscilação de um regime químico industrial a um regime digital informacional, na sua passagem do universo de papel ao das telas e redes, no seu deslocamento do registro da expressão-representação ao da informação-comunicação. (DOBAL; GONÇALVES, 2013, p. 19).

Observando os deslocamentos – “do furo de matéria” para uma percepção

mais apurada do outro, do intuito de compor com luxo a capa de revista, para

uma percepção mais acurada da realidade e do reconhecimento do fotógrafo

como elemento formador para sua imagem – chegamos às produções dos

fotógrafos em questão nesse trabalho. Albano e Santana, sem se prender à

perspectiva documental, abraçam suas realidades e as recriam, inaugurando

formas de se relacionar com a sua comunidade, com a sua sociedade e com a

sua cultura através das lentes.

A imagem expressão não deixa de se ancorar também na realidade, mas

não é mais o jogo da representação que o fotógrafo busca jogar. A mudança do

tempo de criação da imagem – imagem analógica para imagem digital – e a

relação que se estabelece com as telas, diferente daquela estabelecida com o

visor e mesmo a portabilidade do aparelho fotográfico – seu peso, tamanho,

possuir mais ou menos facilidade de ser ativado – indicam a existência de um

novo regime de visibilidade. Mas esse novo regime não está também ele

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determinado pelo dispositivo a ser utilizado para a criação da imagem, se é este

digital ou analógico, mas na postura do fotografo frente à sua realidade e às

influências sociais de produção e criação imagética. Para Rouillé (2013) a

perspectiva expressiva se ancora na imagem produzida, no autor das imagens,

o fotógrafo e naquele que está presente na imagem, o outro.

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3.1.1 O jogo de percepção das cores

O que significa o branco em termos de cor? Significa a impressão produzida nos órgãos visuais pelos raios da luz não-decomposta. O branco é anterior às outras cores e contém a possibilidade de todas elas. A tela branca, portanto, dentro da proposta da cor como linguagem, significava, representava exatamente essa possibilidade de todas as cores [levando] ao limite extremo a experimentação da cor como linguagem. (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 49).

A percepção visual é o sentido primeiro que aufere legitimidade à relação

humana com o mundo. Em detrimento do desenvolvimento dos outros sentidos,

vimos o desenvolvimento moderno pautar-se no jogo entre cores e formas.

Semelhante à análise histórica feita em relação à fotografia-documento foi o

estudo de Baxandall na obra “O olho do Quatrocentto” (1985). Ele esteve

inclinado a uma abordagem intelectualista, baseada na tradição iconológica

(Panofsky) e semiológica, a se relacionar com a obra de arte como se esta fosse

um corpo passível de ser preenchido de um único sentido. Observou a obra de

arte, resultado de relações sociais, de forma objetiva ao ponto de ser

simplesmente lida/ interpretada em um ato de decodificação mental. Bourdieu

(1996) recusa sua interpretação quando afirma que o olho é construído com os

referenciais de cada época. O olho resume, metaforicamente, num ponto, todo

o contato do social com o organismo humano e sua experiência estabelecida a

partir dele. É partir desse órgão que primeiramente nos socializamos com o

mundo.

“Reconstituir uma experiência social do mundo” é a impossível tarefa que

assume Baxandall, tomando como documento toda uma série de usos, práticas

e representações. São “[...] esquemas de percepção e de apreciação que o pintor

e os espectadores empregavam em sua visão do mundo e [na] [...] visão da

representação pictórica do mundo. (BOURDIEU, 1996, p. 353). É preciso mais

que conhecer as influências visuais que caracterizam a produção de

determinado tempo.

[O] ‘olho moral e espiritual’ [...] não é mais que o sistema dos esquemas de percepção e de apreciação, de julgamento e de fruição que, adquiridos nas práticas da vida cotidiana, na escola, na igreja, no

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mercado, escutando cursos, discursos ou sermões, medindo montes de trigo ou peças de lã ou resolvendo problemas de juros compostos ou de seguros marítimos, são empregados em toda a existência ordinária e também na produção e na percepção das obras de arte. (BOURDIEU, 1996, p. 353).

Os “esquemas práticos” pensados como a solução para visualizar uma

realidade passada ocupam o terreno da lógica. Analisar cada prática e dissecá-

la como um documento não garantiria encontrar nela nada além do que suas

próprias influências formadoras. Porque não está contido numa única forma-

fazer a resposta para a explicação de um tempo – como se em cada uma delas

contivesse uma explicação essencial – mas na relação percebida entre os

diversos fatores componentes sociais. É por esse motivo que, para P. Bourdieu,

a explicação mais lógica é considerar o habitus12 característico dos diferentes

grupos em determinado período. “As diferentes dimensões que a análise isola

inevitavelmente pela necessidade da compreensão e da explicação estão

intimamente ligadas na unidade de um habitus. (Idem, p. 354).

A percepção sobre o social é sensitiva em todos os seus aspectos. Mas

pensar na representação da sociedade, a partir do desenvolvimento moderno da

valoração do visual, pensar em todos os tipos de imagens desenvolvidas, é

pensar em produções que atingem primeiramente a visão como sentido. Nós

partimos de uma gama de novos materiais que instigam o olhar, mas

negligenciamos esse mesmo olhar como matéria. O que vemos? E como isso

contribui (ou contribuiu) para a formação da nossa sociedade do modo como se

encontra? A percepção visual não é a mesma no passar dos anos, assim como

as produções e os inventos não são os mesmos. Existe aí um caminho de mão

dupla entre perceber e criar: visualidade, percepções e experiências. “O olhar

[...] mudou na medida da evolução das formas, constituindo a cada época um

desafio para todo meio ou grupo social”. (SAUVAGEOUT, 1994, p. 08).

12 “Ao retomar a noção aristotélica de hexis, convertida pela tradição escolástica em habitus, eu queria reagir contra o estruturalismo e sua estranha filosofia da ação [...] eu queria colocar em evidência as capacidades ativas, inventivas, ‘criadoras’, do habitus e do agente (que o termo hábito não exprime). Mas pretendia mostrar que esse poder gerador não é o de uma natureza ou de uma razão universal. [...] Pareceu-me que o conceito de habitus, há muito tempo tornado herança vacante, a despeito de inúmeros empregos ocasionais, era o mais adequado para significar essa vontade de sair da filosofia da consciência sem anular o agente em sua verdade de operador prático de construção do real”. (BOURDIEU, 1996, p. 205 e 206).

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As formas, no caso espacial, as geométricas, nos fornecem, na percepção

visual, fortes indícios para compreender as influências teóricas que guiam os

pressupostos sociais do nosso tempo. A modernidade, alvorecer de um tipo

específico de organização social, o sistema capitalista global, proporcionou o

desenvolvimento de uma perspectiva científica do mundo, acompanhada do

pensamento racional e burocrático, substituindo, assim, perspectivas

sentimentais-filosóficas-holísticas diversas pela racionalização comercial da

vida. Desse modo, com uma análise rápida das construções e dos objetos que

estão presentes no nosso cotidiano, vemo-nos imersos numa “[...] racionalidade

cartesiana, [onde] o retangular supera de longe o arredondado [...]”

(SAUVAGEOUT, 1994, p. 08 e 09). A forma retangular caracteriza, desde o início

da modernidade, a fisionomia que circunscreve a expressão do nosso tempo.

Assim também o é em relação à imagem fotográfica. A fotografia “[...] não

abandonou [...] seu formato retangular ou quadrado nem a ideia de corte e

suspensão”. (DOBAL; GONÇALVES, 2013, p. 38).

O olhar é também criador:

A história da arte, a psicologia experimental ou as novas ciências da cognição mostram com efeito cada vez mais a importância da percepção visual na formação de conceitos, fazendo da arte de ver um “pensamento visual” diferente de tudo [...] a elaboração de conceitos começa com a percepção das formas (SAUVAGEOUT, 1994, p. 09).

Como meio de acesso ao mundo e por ser um dos sentidos mais

estimulados na modernidade e contemporaneidade, a percepção visual se torna

critério de seleção e filtro para nossos processos de cognição. Perceber as

imagens como matéria formativa para o pensamento, algo sempre atribuído

exclusivamente ao letramento, é já quebrar paradigmas e pôr a imagem em um

patamar diferente em termos de percepção intelectiva. É ao mesmo tempo

afirmar que é possível acessar conhecimentos através de diversas formas,

entendimento que estava mais presente nos povos de “natureza orgânica”

(SAUVAGEOUT, 1994) que não se relacionavam diretamente com a escrita e

que, portanto, desenvolviam formas de comunicação e de compartilhamento de

conhecimentos diversos. Sobre a compreensão de um meio expressivo e sua

“tradução” para outro – um exemplo seria a transcrição de uma fala ou narrativa

–, E. Samain (1998) considera que [...] a lógica da escrita não era da mesma

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natureza que a lógica embutida na fala pura e simples e que as operações

cognitivas possíveis, presentes tanto numa como noutra, não podiam ser

confundidas, pois passavam por suportes comunicacionais sui generis”.

(SAMAIN, 1998, p. 52). O que nos leva também a pensar a situação da imagem

ainda hoje, que necessita de um texto de apoio para seu entendimento. Tradição

que reforça um distanciamento comunicacional com as imagens, pois garante

que elas passarão primeiramente pelo intermédio das palavras escritas, ativando

“suportes comunicacionais” diferentes daqueles que necessitamos para

interpretar diretamente uma imagem.

As mudanças sociais vivenciadas no período que figura entre a passagem

da modernidade pautada na mecanização dos processos da vida para a

modernidade baseada na difusão da informação, abriram espaço para o

surgimento e assimilação da imagem digital. Simultaneamente com a explosão

da imagem digital, vimos também um grande fluxo em direção às mídias e

interações sociais baseadas na prerrogativa do visual. “A emergência de novos

espaços perceptivos implica assim em novas apreensões do mundo –

atualizando-se em formas que guiam e “informam” o olhar – cujo desafio não é

então somente sensorial ou cognitivo, mas mais profundamente social e

cultural”. (SAUVAGEOUT, 1994, p. 11).

Essa expansão visual e o surgimento da imagem digital, automática, são

aspectos do novo regime de visibilidades que inauguramos com o primado da

era informacional. A modificação na técnica nos leva inevitavelmente a explorar

campos de contato até então desconhecidos, e muitas vezes essas novas

descobertas denotam também a morte das formas anteriores, então tornadas

“velhas”. Na relação fotografia digital/ analógica, muitos são os aspectos que

diferenciam forma e conteúdo. O acesso a imagens mais rápidas, instantâneas,

a visualização imediata da imagem criada, a portabilidade, cada vez maior, das

câmeras fotográficas, sua difusão através dos aparelhos portáteis, esse conjunto

de elemento nós ajuda a entender a prática fotográfica contemporânea, mas

sobretudo o meio social em que ela se encontra inserida e bem difundida, “[...]

as formas que constituem nosso meio ambiente visual não são inocentes naquilo

que elas exprimem: um certo estado de ser cultural da matéria”. (SAUVAGEOUT,

1994, p. 09).

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À fotografia digital é mais fácil que seja atribuído o caráter experiencial,

dado o contexto dinâmico do seu surgimento. E é mais difícil buscar a

contingência com o referente defendida com fervor em relação à imagem

analógica. Ambas cristalizaram, mesmo que de forma incompleta, suas

trajetórias e seu tempo, sendo definidas por perspectivas um tanto estáticas.

Mas, mais uma vez, é preciso fugir do determinismo da forma, que

necessariamente aprisiona o conteúdo, tornando-o a-histórico e universal. É às

práticas que a atenção deve se voltar para entender tanto os sujeitos envolvidos

quanto suas determinações quando da produção da imagem e entender

sobretudo o papel dessas imagens na comunicação em sociedade.

Por tanto, compreender como as imagens comunicam-se mutuamente

dentro do seu próprio campo leva-nos a perceber a imagem em uma relação de

observador e objeto. Partimos do olho para um entendimento que aproxime a

percepção fisiológica da cultural para o entendimento do preto e branco como

formas expressivas. O olho humano, além de ser um meio de contato e interação

com o social, compõe organicamente o funcionamento do corpo. A estrutura do

olho e seu funcionamento através da interação da luz explicam o fundamento

basilar da construção de diversos instrumentos de observação: “lupas,

microscópios, periscópios, lunetas e telescópios”; e dos resultados da captação

de imagens: “fotografia e cinematografia”. (VILLAS; DOCA; BISCUOLA; 2007, p.

279).

Figura 5 - O olho humano

Fonte: http://www.compuland.com.br/anatomia/olho.htm

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Entender o funcionamento do olho é também compreender os princípios

da fotografia, ou seja, a câmara escura – uma caixa totalmente fechada que

continha apenas um orifício por onde passava um feixe de luz projetando uma

imagem em seu fundo.

A “luz é o agente físico que, atuando nos órgãos visuais, produz a

sensação da visão”. A luz é um tipo de energia específica que se propaga como

uma onda de luz visível. São especificamente as ondas luminosas que podem

ser vistas pelas pessoas dotadas dos receptores sensitivos visuais que

proporcionam a transformação da energia luminosas em imagens. Esse tipo de

onda é convencionalmente definido pela ciência física como eletromagnética13.

É através da propagação de uma onda eletromagnética – no vácuo – que

recebemos energia luminosa. Podemos afirmar que a fonte luminosa primordial

para os indivíduos na Terra é o Sol. O fato mais curioso ao tentar entender como

as imagens se formam diante dos olhos é constatar que praticamente quase

nenhum objeto presente no cotidiano emite luz, eles absorvem ou refletem

energia luminosa. A combinação da absorção e da reflexão de determinadas

frequências (cores) de luz estará diretamente relacionada com a cores que

observamos nos objetos.

Figura 6 - Frequência da luz

Fonte: https://www.cymper.com/blog/pigmentos-para-cemento-y-hormigon/prisma-de-luz/

13 “Ondas eletromagnéticas são formadas por dois campos variáveis, um elétrico e outro magnético, que se propagam. [...] Como exemplos de ondas eletromagnéticas, podemos citar as ondas de rádio [...] AM [...] e FM [...], as ondas de TV, as ondas luminosas (luz), as micro-ondas, os raios X, os raios Y e outras.” (VILLAS; DOCA; BISCUOLA; 2007, p. 185)

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A luz branca incide nos objetos, tornando-os visíveis. A luz refletida pelo

objeto passa então a se dissipar e estimula os órgãos visuais promovendo a

sensação de visão. “A luz branca solar é policromática, isto é, composta de

diversas cores, das quais se costumam destacar sete: vermelha, alaranjada,

amarela, verde, azul, anil e violeta”. (VILLAS; DOCA; BISCUOLA; 2007, p. 290).

Desse modo, partimos para o esquema de percepção das cores que

caracteriza o sistema visual do olho humano. Diferentemente dos outros animais,

os seres humanos que não possuem nenhuma alteração genética, são dotados

de três tipos de fotorreceptores sensíveis à frequência de uma onda

eletromagnética que identificam, separadamente, uma cor específica. A essas

três cores atribui-se o termo “primárias”. A partir da combinação delas é que são

notadas as demais cores do espectro de luz.

Figura 7 - Estrutura celular do olho

Fonte: http://www.cmsatisloh.com.br/entendendo-a-visao-a-retina/

Os fotorreceptores que detectam cor são chamados de cones. Estes são

classificados de acordo com a frequência onde há picos de estímulo, a saber,

nas cores azul, verde e vermelho. Quando a luz verde da folha, por exemplo,

chega até os olhos, ativa o cone que tem capacidade de captar o comprimento

de onda correspondente, na interpretação neural, com a cor verde. A percepção

de cores não primárias, aquelas que derivam da mistura das cores primárias,

acontecem com a ativação simultânea dos cones que correspondem à diferentes

comprimentos de onda de luz refletida pelo objeto. Essas células são

responsáveis pela percepção das cores primárias e funcionam com mais eficácia

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durante o dia. Outras células responsáveis também pela percepção de luz são

os bastonetes. Estes detectam apenas a presença (ou não) de luz, propiciando

a visão em preto e branco. A percepção gerada por essas células possui poder

reduzido de resolução.

A visualização em preto e branco, cores que não estão presentes no

espectro de luz, acontece no sistema visual a partir de duas possibilidades: um

objeto que é interpretado por alguém que tem o bom funcionamento das células

sensíveis à luz como branco se apresenta como tal porque refletiu todas as

frequências de luz a que foi exposto, uma vez que tenha sido iluminado por uma

luz branca. De modo contrário, acontece com um objeto que é interpretado como

preto: ele absorveu todas as cores do espectro solar.

Uma segunda circunstância em que acontece a visualização do preto e

branco pelo olho humano se dá em pessoas que não possuem funcionalidade

em nenhum dos cones. O que se percebe é tão somente a luminosidade. As

células bastonetes sensíveis à recepção de luz mandarão para o cérebro

variações das intensidade de luz, interpretadas como tons de cinza – quanto

mais luz, mais branco; quanto menos luz, mais preto –, gerando assim uma visão

monocromática. A disfunção é reconhecida como monocromacia. Tal deficiência

é um caso extremo de daltonismo. O daltonismo está presente em pessoas que

apresentam deficiência em um ou mais conjuntos de cones. A ausência da

eficácia de um tipo de cone impossibilitará a percepção de uma das três cores

primárias. Isto ocasiona no indivíduo uma interpretação diferente das colorações

de acordo com o estímulo que recebe se comparado com outras pessoas que

possuem o funcionamento de todos os conjuntos de cones.

O funcionamento da câmera fotográfica muito se assemelha ao do olho

humano e consequentemente à câmara escura de orifício. Assim como no

sistema visual, a recepção e projeção de imagens para o cérebro é a forma mais

elementar de reprodução imagética.

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Figura 8 - Câmara escura de orifício

Fonte: http://garatujafotografia.blogspot.com.br/2013/07/camara-escura-o-inicio-de-tudo.html

Tratando-se da produção de imagens feita por meios mecânicos, a

descoberta da câmara escura foi o grande salto que culminou nos princípios da

câmera fotográfica. Atribui-se à Aristóteles os primeiros passos nessa

descoberta. O dispositivo é constituído por uma caixa de cor opaca. É necessário

que dentro a luminosidade seja bastante baixa para garantir que a iluminação

seja proveniente do único furo que compõe a caixa e é desse furo que a imagem

externa será projetada em uma das paredes. (VILLAS; DOCA; BISCUOLA;

2007).

A coloração dos objetos, como foi visto, é resposta de interações que

acontecem a nível físico na matéria. “A cor não tem existência material: é apenas

sensação produzida por certas organizações nervosas provocada pela ação da

luz sobre o órgão da visão”. (PEDROSA, 1982, p. 17). Não está ao alcance

humano a modificação desse tipo de acontecimento, mas é no processo

relacional que se constroem a interpretação e a manipulação no sentido de

reinvenção. Por mais que os indivíduos possam enxergar objetos nos seus

cotidianos que são passíveis de serem interpretados como preto e branco, de

acordo com a natureza do sistema visual, esses mesmos indivíduos estão

impossibilitados, por condições naturais, de verem somente em escala cinza

sem que tal fato seja definido como uma deficiência. Quando preto e branco são

notados numa produção imagética, pinturas, fotografias, xilogravuras, no

cinema, na TV e etc., a interpretação não passa necessariamente por considerar

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tal produção defeituosa. Por que mesmo assim, em muitas análises, tal fato é

denotado como ausência de cor?

Um campo de estudo que caminhou para a decodificação do sentido das

cores na interpretação social foi a semiótica. Esta, apesar de ter desenvolvido

bastante conhecimento para o estudo das imagens, traz consigo limitações no

seio de suas análises, como a busca de uma definição estruturalista no que diz

respeito à recepção da informação cromática pelos indivíduos.

Vamos realizar uma análise um pouco mais profunda da capacidade perceptiva do homem, no que se refere à informação cromática, investigando as invariantes na recepção, no armazenamento, na geração e na produção de informações. Nossa intenção é, sobretudo, apresentar as bases dos códigos primários da cor para o seu uso eficiente como informação na comunicação social. (GUIMARÃES, 2004, p. 20).

Sobre a percepção da cor no sistema cerebral, é possível notar que não

existe uma determinante única e universal em termos de recepção das imagens.

A interpretação passará pelas especificidades que cada indivíduo estabeleceu

no contato com as diferentes cores e formas. Em outras palavras:

O olho, nesse sentido, funciona de acordo com um cruzamento “de duas

grandes vias divergentes”: uma que diz respeito à impressão gerada pela

percepção da reflexão sobre o objeto e uma segunda que diz respeito a um

“percurso subjetivo” que fala da memória. “O primeiro percurso causa uma

realização; o segundo uma atualização. Um é da ordem da repetição, da

duplicação; o outro é diferença e criação”. (ROUILLÉ, 2009, p. 223).

Na percepção semiótica, a interação dos indivíduos com o mundo social

se dá por duas ordens de códigos: os primários e secundários. Os primários

dizem respeito a um conjunto de informações invariantes que estão associadas

às funções fisiológicas do organismo. Os secundários são decorrência das

primeiras e dizem respeito ao campo da interpretação e linguagem. Partindo “[...]

dos códigos primários de percepção visual e da decodificação neurônica das

cores, adquirimos naturalmente um repertório de signos que, com a atuação

reguladora dos códigos secundários, passa a constituir o que conhecemos [...]

como linguagem das cores” (GUIMARÃES, 2004, p. 53). As cores, desse modo,

são interpretadas como uma importante informação que comporá o repertório

visual.

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Pensar nas cores e na interpretação individual não se faz a partir da

dissociação de suas outras características, como o plano em que a imagem se

apresenta – se é bidimensional ou tridimensional; ou como as sensações que

cada cor evoca (de acordo com uma criação social partilhada). Desse modo, é

comum ver o preto e branco como algo que denota ausências ou presenças de

luz, pontos de iluminação e sombreamentos que definem as imagens.

Preto e branco possuem uma relação de oposição binária. Em termos de

luz, o primeiro absorve todas as cores e o segundo reflete todas as cores.

Enxergando-as como pigmento, o branco é ausência de cor enquanto que o

preto é o excesso delas. Em termos de significado social, também essas duas

cores são definidas com polaridades: “[...] oposição entre os signos positivo e

negativo, entre o sim e o não [...]”. GUIMARÃES, 2004, p. 57). Palavras como

“trevas” ou o “lado negro” receberam conotações negativas, que sugerem

alusivamente não só a pouca iluminação ou ausência de luz, mas aspectos

morais em desacordo com a aceitação social.

Todas as cores, apresentando-se elas no cotidiano como luz ou pigmento,

são passíveis de serem analisadas em seus termos de interação, como

elementos químicos nas reações e transformações das matérias e como

fenômenos físicos de transmissão da onda luminosa e interação com os órgãos

sensitivos. Mas podem ser investigadas também nos procedimentos simbólicos

de significação criadas nas interações entre os indivíduos.

Por demasiado tempo, às imagens em preto e branco foi atribuído um

sentido de ausência. As imagens produzidas por câmeras fotográficas no

primeiro século do invento traziam como escala de cor o preto, o branco e as

variações de cinza. Ao estarem associadas ao analógico e documental, as

imagens que fizeram parte de uma tradição da lógica do documento foram por

muitas vezes interpretadas como deficitárias de avanço técnico. O preto e branco

passou a ser reconhecido por muitos meios fotográficos como cores de uma

imagem nostálgica ou clássica. Como não há separação entre o formato e a

coloração de um objeto no processo de memorização, é compreensível que, para

algumas pessoas, a falta das cores convencionais de um objeto de domínio

comum denote uma certa incompletude. Mas antes de ser uma ausência por

limitação, o uso do p/b ilustra a capacidade de criação imagética que prescinde

dos parâmetros cotidianos.

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A cor participa de diversas formas na percepção do nosso mundo físico visual. Ao mesmo tempo, a percepção visual é construída durante toda a vida de um indivíduo [...] sendo a cor uma das principais características agregadas aos objetos percebidos, juntamente com o cheiro, o ruído, a forma, o gosto e etc. (SILVEIRA, 2005a, p. 176).

“[...] O branco, [...] considerado uma não-cor, sobretudo depois dos

impressionistas, ‘que não veem branco na natureza’, é como o símbolo de um

mundo onde todas as cores, enquanto propriedades de substâncias materiais,

se dissiparam”. (Idem, 1996, p. 95). O branco, nesse ponto de vista é como uma

tela branca, uma folha de papel ou mesmo um filme fotográfico não usados. É

representação da possibilidade de criação de algo. É um vazio de sentido até

ser absorvido por algum tom e criar uma narrativa.

É também trágica a interpretação da cor preta. A descrença e fatalidade

atribuída muito se assemelha à própria trajetória dos negros na sociedade

ocidental, fadados ao descrédito e discriminação numa sociedade que exige o

impossível, a descaracterização de sua cor. Por não corresponder aos ideais de

maleabilidades das outras cores, “o preto é como uma fogueira extinta,

consumida, que deixou de arder, imóvel e insensível como um cadáver sobre o

qual tudo resvala e que mais nada afeta”. Assim como uma sombra, o preto, por

ser desprovido de ressonância, seria bastante útil para enfatizar qualquer cor até

mesmo as mais fracas.

O descrédito criativo marcou essas duas cores. Mas muitos simbolismos

relativos às cores, criados no cotidiano, qualificam de modo diferente o preto e

branco. É notável a função social que ambas as cores exercem, seja em um

batismo ou funeral, elas aparecem permeadas de significados, contribuindo para

a perpetuação de crenças e fortalecendo o papel das instituições sociais.

É significativa a presença do branco atrelado ao exotérico, a rituais de

passagem e a datas comemorativas religiosas. “Em vários rituais místicos, é a

cor indicativa das mutações e transições do ser. Segundo o esquema tradicional

de toda iniciação, ele representa morte e nascimento ou ressureição”.

(ARCIPESTRE).

Câmara Cascudo, na obra “Made in África”, (2015) faz uma série de

observações relativas ao costume de diferentes povos após longas viagens pela

África oriental e ocidental. Um elemento comum foi notado no cotidiano: a

presença do branco nas indumentárias, nos enfeites e seu simbolismo nas

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relações sociais. A cor branca é a preferida. Quando se trata de momentos

religiosos a presença do branco nos corpos se torna hegemônica.

O conhecimento da análise das cores feita nas obras pictóricas e a própria

compreensão da composição das cores e de suas interações com os sistemas

sensitivo e cognitivo humano, permite-nos a incursão na análise da fotografia em

preto e branco. A definição de “acontecimento cromático” atualizada por Luciana

Silveira (2005a) auxilia na compreensão da interação formada no contato entre

os indivíduos, com seu arcabouço de memória formadoras, e fotografias, que

comunicam-se através de uma linguagem em tese monocromática.

Os “eventos de cor” surgem através de estímulos enviados pela fotografia

p/b que são interpretados pelo observador. Se houver uma resposta também

cromática, é possível dizer que ocorreu ali um evento de cor. Em verdade, isso

nada mais é do que uma interpretação que gerou um estímulo a relacionar a

imagem vista com algo já visualizado anteriormente.

Branco, preto e cinza, na qualidade de cores, são capazes de gerar

informações precisas para que o observador consiga interpretar os elementos

contidos na fotografia. A sensibilidade gerada, além de despertar para o

relacionamento entre as imagens e os objetos nelas abordados, possibilitam

também a avaliação do tipo de objeto e suas texturas. Desse contato, através da

observação, podem surgir também na interpretação do observador uma gama

diferenciada de cores que não necessariamente estão presentes na imagem. É

a resposta que a retina dá quando acontece a saturação de uma cor. “No caso

de uma imagem com cores sem a presença de matizes, mas somente de valores,

as cores indutoras [preto e branco] provocam outras cores [escala de cinzas] que

também apresentam somente variação de valor e não de matiz”. (SILVEIRA,

2005a, p. 177). A quantidade e a qualidade da luz que incide sobre uma imagem

é diretamente responsável na interpretação final que fará o seu observador. “A

simples ação física da luz dentro dos olhos [...], pode proporcionar cores”.

(SILVEIRA, 2005a, p. 178).

É corrente a interpretação de que as imagens fotográficas em p/b

assemelham-se a quadros que serão preenchidos de sentido pelo espectador.

Em outras palavras, afirma-se que a imagem em preto e branco é um espaço

que espera receber as cores que possuem matizes a partir do olhar de cada

observador, para enfim lhe serem atribuídos sentidos. “[...] para tornar o nosso

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mundo colorido, um mundo em preto e branco, necessitamos da nossa

imaginação [...]”. (SILVEIRA, 2005b, p.151). Tal perspectiva é nociva para a

avaliação do branco e do preto como cores capazes de estimular percepções

cromáticas.

Em um sentido oposto, objetos que são significados por suas cores como,

o amarelo da banana ou o vermelho do sangue, serão interpretados em uma

imagem p/b sem ter suas cores características esquecidas. O que não significa

para o sistema cognitivo daquele que observa que a imagem está incompleta e

que as informações de cores “ausentes” devem ser enviadas para o sistema

visual para “completá-la”. É assaz equivocada a perspectiva de incompletude de

uma imagem p/b. “[a] [...] complementação cromática [é] [...] o ato perceptivo

visual individual, subjetivo, parte consciente e parte inconsciente, de

complementar cromaticamente objetos reconhecidos em quaisquer imagens

fotográficas em p/b”. (SILVEIRA, 2005a, p. 178).

É sabido que uma cor não é memorizada desprovida de formatos,

experiências táteis, de gosto, de dimensões e etc., mas o contato cotidiano com

objetos proporciona experiências que não necessariamente serão encontradas

na mesma disposição em uma imagem e vice-versa. Caso as experiências se

assemelhem, a significação será atribuída à medida em que a imagem interage

com o olhar do observador, seja essa imagem impressa ou formada na retina.

Se cotidianamente um transeunte visualiza o pôr do sol de um ângulo específico

de sua cidade e contempla-o por bastante tempo, apreciando o espalhamento

do vermelho pela linha do horizonte e, se em algum momento, esse mesmo

observador depara-se com uma imagem em p/b produzida por um fotógrafo que

coincidentemente tinha grande admiração pelo pôr do sol observado sob o

mesmo ponto, esse transeunte sabe que se tratam de eventos diferentes. São

circunstancialmente e materialmente diferentes e não é a complementação das

cores ausentes que fará o pôr do sol se “parecer” mais com o pôr do sol “real”,

ou que fará com que o indivíduo passe pela mesma experiência ao observar as

duas imagens distintas. A complementação cromática revela em verdade uma

tentativa de substancialização da experiência visual, fazendo com que a barreira

que configura que o preto e o branco não sejam cores se torne maior.

Os componentes cromáticos de uma imagem são os elementos que vão

estabelecer diálogos com o observador e são, em seus princípios, parte

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subjetivos e parte socializados, variando também de acordo com o tempo e o

espaço ocupado pelo indivíduo. O que deve ser observado nessa experiência é

que há um processo comunicativo entre a imagem e aquele que a observa. É

esse o ponto central em que deve estar pautada a afirmativa para apontar a

correspondência cromática com o observador e a formação de um evento de cor.

“Os [...] receptores visuais [...], bastonetes, percebem [...] a ausência ou a

presença da fonte de luz. Isso quer dizer que o branco, o preto e os cinzas são

percebidos [...] nos mesmos processos pelos quais são percebidos o vermelho,

o azul ou o verde [sic]”. (SILVEIRA, 2005a, p. 176).

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3.1.2 O preto e branco nas fotografias de Albano e Santana

Figura 9 - O céu de Luiz

Fonte: http://photos.com.br/o-ceu-de-luiz/

Partimos então para uma abordagem que permita relacionar a percepção

das cores, a formação dos eventos de cor com a particularidade das produções

de dois fotógrafos específicos. O foco a ser mantido objetiva problematizar as

composições e escolhas cromáticas dos fotógrafos José Albano e Tiago

Santana. Empreende-se focalizar os significados que permeiam as fotografias

produzidas e a forma como os seus fotógrafos se relacionam com a temática

enquadrada no visor da câmera. É de grande importância também discutir o tipo

de fotografias produzida por ambos, uma vez que a análise da fotografia-

documento não é suficiente para propiciar um conhecimento sobre as influências

e as motivações sociais que proporcionaram a produção imagética dos

fotógrafos em questão.

Em Fortaleza, nas últimas décadas, a produção fotográfica passa a

associar-se a debates de uma nova fotografia que não é apenas a busca

frenética pela representação do real, uma produção voltada para o cotidiano

partindo de representações dos próprios fotógrafos e de sua intimidade e de

modo geral daquilo que olho e lente alcançam com uma certa proximidade. As

cores escolhidas e o jogo de “luz e [...] sombra, muitas vezes são utilizadas como

elementos de significação” (MAIA, 2013, p. 10). A forma que o fotógrafo

encontrou para construir suas imagens é reveladora do seu mecanismo de

apropriação de uma possibilidade de real.

Quando somos levados a vislumbrar o reconhecimento social de

fotógrafos e sua vinculação com trajetórias traçadas por outros profissionais e

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artistas – também fotógrafos, em diferentes lugares do mundo, que contribuíram

para o desenvolvimento da prática como é realizada nos dias de hoje – somos

trazidos de volta para o campo onde se dá o surgimento e consagração da

prática fotográfica. Não é possível compreender a influência de certos indivíduos

de destaque se não alcançarmos o espaço de domínio e atuação da prática, o

próprio campo de ação. Esse caminho foi traçado por Bourdieu (1996) na obra

“As regras da arte”, que estabeleceu, em seu estudo, operações necessárias

para compreender o funcionamento de estruturas internas que compõem um

campo. Esquematizando o processo de exame, Bourdieu explica que se deve

observar: “[...] primeiramente, a análise das posições do campo [...] no seio do

poder [...] em segundo lugar, a análise da estrutura [...] das relações objetivas

[...] enfim, a análise da gênese dos habitus dos ocupantes dessas posições [...]”.

(BOURDIEU, 1996, p. 243).

Tendo em mente que “[...] a construção do campo é a condição lógica

prévia para a construção da trajetória social como série das posições ocupadas

sucessivamente [no] campo” reconhece-se que é a partir da formação de um

espaço articulado entre produtores de imagens que está propício o lugar de

desenvolvimento para os ocupantes disputarem pelo reconhecimento social.

(BOURDIEU, 1996, p. 243).

A sequência analítica proposta visa proporcionar uma visão social total ao

sociólogo, pois não aposta somente em investigar a “história de vida” de um

indivíduo único, nem mesmo negligenciar a participação dos indivíduos

envolvidos nos processos de autonomização do campo para construir uma

abordagem histórica suprimindo da narrativa os personagens que trilharam o

percurso. Ela visa, em prática, construir uma perspectiva que abranja “os três

planos da realidade social”.

O campo do poder pode ser avaliado, em termos da fotografia produzida

no estado, observando as “[...] relações de força entre agentes ou instituições

que têm [...] o capital necessário para ocupar posições dominantes nos

diferentes campos [...]”. (BOURDIEU, 1996, p. 244). Nas disputas pelo

reconhecimento foi em relação à pintura que a fotografia esteve colocada numa

situação de oposição. Mas nos seus primeiros anos de desenvolvimento a

fotografia não requereu um status de prática artística, estava tão atrelada à

produção documental na função de representar a sociedade que só alguns anos

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depois a ocupação do espaço artístico se tornou realizável. O lugar de poder que

a produção fotográfica ocupava era aquele de representação junto a uma

produção de afirmação dos valores sociais modernos. “A fotografia afirma-se ao

ritmo das profundas mudanças do espaço, do tempo e do horizonte do olhar [...]

a fotografia-documento vai preencher o vazio que se fez entre as imagens, as

coisas e os espectadores”. (ROUILLÉ, 2009, p. 81).

A ruptura “com as tradições em vigor” da qual fala Bourdieu é um dos

grandes passos para o próprio reconhecimento interno dos fotógrafos enquanto

fotógrafos e não como “copiadores” da realidade que criam esboços para auxiliar

no trabalho do “verdadeiro artista”, aquele que atua com um pincel e não com

uma câmera. Existiu no cerne dessa disputa, travada entre apoiadores da arte

tradicional ou da técnica, questões políticas e sociais, tal oposição “[...] encontra-

se no antagonismo entre as concepções aristocráticas e democráticas da cultura

e da sociedade; e, socialmente, na incompatibilidade entre a sociedade pré-

industrial e a sociedade industrial”. (ROUILLÉ, 2009, p. 58).

Foi na mercantilização das imagens que a fotografia logo aderiu aos

espaços de difusão e esse tipo de disseminação proporcionou desde cedo um

lugar de autonomia diferente daquela disputada pelos outros meios de criação

imagética. “Enquanto a pintura e a literatura ficaram submetidas, durante muito

tempo, à boa vontade dos patrocinadores e dos mecenas, a fotografia

rapidamente conheceu os movimentos de autonomização em face das

imposições práticas e comerciais. (ROUILLÉ, 2009, p. 236).

Bourdieu afirma que o grau de autonomização de um campo mostra-se

quando a “hierarquização externa” está em algum nível subordinado pelo

princípio de “hierarquização interna” do campo em questão. Se houver uma

preponderância da organização interna, existirá vantagens para aqueles

indivíduos que possuem uma produção menor e independente. Resiste uma

premissa que permeia toda essa organização estrutural do campo, a presença

do mercado. O intuito é então constatar se esse campo possui força suficiente

para manter a sua capacidade de gerenciar as regras que permeiam o meio

artístico sem que os artistas envolvidos assumam posturas populares demais,

através do fácil acesso ou mesmo aderindo a temáticas que estão mais próximas

do gosto comum.

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A postura hermética do campo das artes plásticas dificultou as trocas com

a fotografia. Nessa distância reside uma das maiores diferenças entre as duas

práticas: a fotografia já nasce completamente envolvida com as relações

mercadológicas. Desse modo, não seria muito produtivo colocar-nos a discutir

sua independência em relação “às solicitações externas”. Seu sucesso comercial

é, pelo contrário, sua grande marca. A capacidade de disseminação a baixo

custo foi a garantia do seu crescimento em importância no cotidiano dos

indivíduos. Lembrando ainda que o fechamento do campo artístico, que não se

posicionou somente contra a fotografia, o próprio paradigma da expansão

moderna, visou criar barreiras de proteção contra o desenvolvimento industrial.

Posteriormente essa postura foi-se amenizando.

A separação entre “artistas verdadeiros” – aqueles que produzem em

consonância com as regras internas do campo – e aqueles que “não são

realmente artistas” – que atendem às demandas de um público não

especializado, tornando-se heterônomos em relação ao mercado – tem como

base um princípio de “visão e divisão”, o nomos, que é o meio de fechar o campo

possibilitando acesso somente à um grupo limitado. “[...] os artistas ‘puros’

procuram impor contra a visão ordinária [...] o ponto de vista fundador pelo qual

o campo se constitui [...] e que [...] define o direito de entrada no campo”.

(BOURDIEU, 1996, p. 243). O nomos garante também, além de uma origem

partilhada, abordagens que não destoam do eixo corrente. Uma vez que a

divisão é a base da organização, os exercícios de poder têm seus espaços

garantidos, um deles é “[...] o monopólio do poder de consagração dos

produtores e dos produtos [...] a luta entre os ocupantes dos dois polos opostos

do campo de produção cultural tem como aposta o monopólio da imposição da

definição legítima do escritor [...]”. (BOURDIEU, 1996, p. 243).

Ao compreender a noção de campo como, “[...] uma rede de relações

objetivas (de dominação ou de subordinação, de complementaridade ou de

antagonismo etc.)” (BOURDIEU, 1996, p. 261), se faz notável perceber que a

presença das estratégias de legitimação – para o campo e para seus integrantes

– permanecem não só para atribuir reconhecimento, mas também para criar uma

camada de proteção contra influências que possam colocar em questão o

funcionamento interno do campo. Seus limites, em verdade, são seus

mecanismos de preservação. Umas das características mais latentes “[...] é o

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grau no qual seus limites dinâmicos, que se estendem tão longe quanto se

estende o poder dos seus efeitos, são convertidos em uma fronteira jurídica,

protegido por um direito de entrada explicitamente codificado [...]”. (BOURDIEU,

1996, p. 256). Tal pode parecer de tamanha violência quando pensamos no

processo de exclusão de diferentes práticas que não se encaixam na trajetória

específica das artes plásticas ou da literatura, mas é um dos mecanismos mais

comuns em termos de seleção que podemos observar na nossa sociedade,

como quando há a exigência de títulos escolares, ou a seleção para ingresso na

universidade, e a submissão a certos critérios para aquisição de cargos de

emprego. Para o acesso a cada meio social, é exigido conhecimento, o mínimo

que seja. o nível de exigência dependerá do campo, do fundamento, da história

e das problemáticas do campo. Os campos artísticos e literário são determinados

por uma consagração simbólica, enquanto a instância acadêmica responde à

ordem burocrática, que em termos sociais é a de mais difícil acesso pois possui

um “alto grau de codificação”, enquanto que as instâncias de consagração

simbólicas possuem um alto “índice de permeabilidade de suas fronteiras”.

O conhecimento das estruturas de organização dos campos proporciona

criar questões para pensar as posições e disposições dos fotógrafos no seu

espaço de atuação, observando como se dá o acesso a outros meios, que não

só o mercadológico, e se essa se faz como uma exigência interna.

Apesar da reivindicação, oriunda principalmente do campo artístico, de

que a fotografia estaria fadada à cópia pela lógica de seu próprio funcionamento

interno e que portanto, não abandonaria o território da reprodução, ainda no

século XIX existiram movimentos que buscaram reconhecimento para a

fotografia além daquele já atribuído pela mercantilização comum e não um

mercado artístico e pela ciência, que a colocavam no patamar de documento.

“Mesmo os intelectuais mais abertos da época consideraram que a mais artística

das fotografias está separada da arte por uma distância intransponível e que [...]

a melhor imagem tecnológica está condenada a ficar para sempre fora do

território da arte [...]”. (ROUILLÉ, 2009, p. 239). A descrença depositada na

prática fotográfica fez com que muitos aceitassem a opção de subalternidade da

fotografia na hierarquização construída para a produção visual, “[...] quase todos

esses fotógrafos – que frequentaram [...] os ateliês de artistas [...] nem mesmo

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sonharam em sustentar a alternativa revolucionária de uma arte tecnológica”.

(ROUILLÉ, 2009, p. 239).

Mesmo à revelia de muitos atores sociais e de uma tradição social de

dominação simbólica da produção imagética, surgiram os “fotógrafos-artistas”:

fotógrafos que defendiam uma produção além da objetividade do mercado

comum e que para tanto se apoiavam na premissa de uma arte que responde

somente à própria arte. Buscavam estar, portanto, “[...] mais atentos às regras

da arte do que às leis do mercado e da utilidade [...]”. (ROUILLÉ, 2009, p. 246).

Essa tomada de posição que pareceu a tais indivíduos a única via para o

reconhecimento, ao tornar as regras de outro campo as próprias, fez com que a

fotografia tencionasse se assemelhar aos mesmos padrões que regem o

funcionamento da arte pictórica. Essa assimilação fez, por outro lado, com que

a produção fotográfica ficasse cada vez mais presa às comparações com a arte

pictórica. “As belas-artes exercem sobre o campo das imagens uma hegemonia

tal que tem força de norma [...] cujos próprios defensores veem a salvação no

respeito à tradição pictórica e nas ‘leis eternas’ da estética”. (Idem, p. 246).

O grande salto desse momento foi a busca por meios que agregassem

legitimidade para a mudança de um status de cópia que até então era na grande

maioria dos meios populares e artísticos o único reconhecimento social atribuído

à imagem fotográfica para uma identidade singular. O projeto de elaboração

dessa identidade passou por rompimentos com as regras canônicas do meio

fotográfico documental como: a defesa da forma, da realização das tomadas, a

preocupação com o outro retratado, a defesa da subjetividade na produção e o

investimento no projeto. É concretizando um espaço que não é nem de todo o

mercadológico e nem artístico que surge a “arte fotográfica”, “[...] caracterizada

por um tipo de prática, uma postura estética, um regime discursivo, uma rede de

lugares, de estruturas e de atores e por um modo de ação”. (ROUILLÉ, 2009, p.

240).

Uma vez que os limites, nas instâncias de consagração simbólica, são

bastante fluidos e permeáveis, é comum que haja, sem a perda do status de

fotógrafo, mudanças de atividades realizadas na vinculação com a imagem. Em

um crescente processo de acúmulo de experiências, José Albano é um fotógrafo

que traçou uma trajetória bastante diversificada. Esteve primeiramente na

instituição acadêmica, onde cursou o nível superior em letras e adquiriu o grau

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de mestre. Seguiu então para a atuação em sala de aula e lá chegou a ministrar

também aulas de fotografia. O fotógrafo trabalhou em agências publicitárias, de

onde saiu para investir em sua própria fotografia, e montou seu estúdio, onde

começou a trabalhar com a demanda das pessoas que iam até ele solicitar seu

trabalho. Foi fotografando em seu estúdio que Albano começou a praticar uma

relativa autonomia em relação às exigências de mercado. Nesse período, Albano

encontrava-se já com uma vasta produção, mas é no momento em que se volta

para sua profissão de forma mais autônoma que suas imagens ganham em

sensibilidade e forma. Desse modo, pode-se tornar afirmativa a ideia de que, “[...]

‘sendo o fotógrafo-artista livre e podendo utilizar seu horário de trabalho à sua

conveniência’, suas produções beneficiam-se de uma perfeição diferente da das

produções do ‘fotógrafo propriamente dito’”. (LACAN apud ROUILLÉ, 2009, p.

239).

No ano de 2009, o então Memorial da Cultura Cearense (MCC), no Centro

Dragão do Mar, recebeu a exposição “José Albano: 40 Anos de Fotografia”. A

mostra se ramificou na publicação de um livro com as imagens que compuseram

a exposição, incluindo outras. Seu acontecimento, com o objetivo claro de

festejar a trajetória de José Albano, também foi um momento de reconhecimento

institucional da prática fotográfica do fotógrafo-artista cearense em seu

quadragésimo ano de atuação como fotógrafo. A realização da homenagem em

um espaço museal de exposição indica-nos que as fronteiras entre a fotografia

produzida unicamente com o intuito comercial, documental ou artístico, já não

possuem aspectos tão intransigentes e são facilmente transponíveis. Isso não

quer dizer que a trajetória de produção e as clivagens do fotógrafo deixem de

caracterizá-lo no seu percurso de escolhas.

As relações de forças, dentro do campo, e as disputas por reconhecimento

não deixarão de ser parte integrante do campo, isso pois, “um campo de

produção cultural, seja literária, pictórica ou fotográfica é um espaço de luta pela

autoridade, um território onde se defrontam os empenhos e os interesses

defendidos por pessoas dotadas de um hábito específico [...]”. (ROUILLÉ, 2009,

p. 240).

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A exposição14, organizada em blocos, narra de modo temporal como

aconteceu a formação e o amadurecimento do fotógrafo ao longo do percurso

dos quarenta anos. As primeiras imagens de Albano apresentadas de modo a

narrar uma origem foram feitas na sua viagem para os Estado Unidos em 1966.

Sem estabelecer verbalmente um vínculo de preferência pelo filme p/b,

curiosamente há a predominância de imagens em preto e branco em detrimento

de imagens que abordam outras opções cromáticas nas produções fotográficas

de Albano.

As “primeiras” imagens produzidas que marcam o início de sua trajetória

são, em sua maioria, paisagens, árvores, folhas, o gelo, etc. Como em uma

história, ele parece contar sobre os lugares por onde andou através das imagens

que produziu, criando, assim, uma espécie de catálogo. É a fotografia de

paisagem que vemos, numa busca compositiva planificada em detrimento da

presença da tridimensionalidade de corpos ou objetos. Tal imagem exige do seu

produtor uma percepção detalhista de todos os elementos que deverão compor

a imagem. Todos os planos devem estar focados, produzindo, assim, uma

imagem “limpa”, objetiva e clara.

Pela minúcia nos detalhes e a objetividade solicitada para construção da

imagem, a fotografia de paisagem foi um dos caminhos de entrada da prática

fotográfica na pintura. “Reserva-se o termo ‘paisagem’ unicamente às fotografias

(de uma extensão de terra) que se inscrevam no mundo da arte, aquelas em que

a área de circulação, os espectadores, os valores e os conhecimentos

mobilizados são os da arte”. (ROUILLÉ, 2009, p. 112).

A associação fotográfica com a tradição artística revestiu a prática da

construção da paisagem em um processo de usurpação das características

inerentes do que é natural e uma tentativa de transferência para a imagem

fictícia, é assim definida: “A imagem, construída sobre a ilusão da perspectiva,

confunde-se com aquilo de que ela seria a imagem [...] a perspectiva também é

chamada de ‘artificial’. O que [...] é legitimado é o transporte da imagem para o

original, uma valendo pelo outro.” (CAUQUELIN, 2007, p. 38-39).

A paisagem era resultante da produção fotográfica que tinha como

influências os códigos e regras próprios do mundo da arte, enquanto sua

14 Exposição e curadoria realizada pelo próprio Albano de forma conjunta com Patrícia Veloso, coordenadora da Galeria Imagem Brasil, em Fortaleza-Ce.

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semelhante, imagem testemunho, realizada com objetivos claramente

instrumentalizados pelo mercado e indústria, chamada “vista”, tinha como papel

providenciar provas críveis sobre acontecimentos, lugares e pessoas. “A

paisagem depende do julgamento do gosto; a vista, do julgamento prático [...].

Da paisagem à vista, passamos da arte ao documento, do artista ao operador,

da obra ao arquivo”. (ROUILLÉ, 2009, p. 112-113).

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Figura 10 - José Albano – 40 anos de fotografia

Fonte: foto reprodução do livro José Albano, 40 anos de fotografia.

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As primeiras produções de Zé Albano não abordam, de início,

características que possam ser definidas dentro do documental contemporâneo.

O início da sua carreira, como fotógrafo e estudante de fotografia, apresenta-se

como a construção do espaço de reconhecimento da imagem e dos seus

processos técnicos de elaboração. Desse modo, sua imagem demonstra um

olhar minucioso preocupado com a estética compositiva de sua imagem. A

trajetória de deslocamento, da cidade de origem para um país distante, propiciou

o olhar estranhado ao nunca visto e mesmo ao familiar.

O olhar da testemunha ocular e a correspondente adequação do “olho à

máquina” (FATORELLI, 2003) caminham para a construção da imagem

indefectível na imagem documento. Mas as fotografias de Zé Albano mais se

assemelham à “pegadas” do que às próprias evidências da impressão. Por mais

documental que possa parecer, à primeira vista, uma imagem analógica, é nas

suas particularidades que encontramos os elementos verdadeiramente capazes

de defini-la. Albano sempre foi avesso às imposições de enquadramento

academicamente definidos e às proporções fixas. De longe, sua imagem foi feita

buscando auferir veracidade aos discursos de objetividade e imparcialidade tão

vorazmente defendidos na imagem documental.

São manifestas as mudanças nas formas de expressão ao longo do tempo

de produção do fotógrafo. Em seus trabalhos mais recentes, as hibridizações e

os novos diálogos foram propulsores de transformações na forma de criar

imagens. Delas emergem questões originadas em contextos contemporâneos.

Figura 11 - Crianças Tapebas

Fonte:https://josealbanofotografias.wordpress.com/tapebas/

Figura 12 - Crianças Tapebas

Fonte:https://josealbanofotografias.wordpress.com/tapebas/

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Albano produziu imagens que “documentavam” e se desprendiam da

realidade ao mesmo tempo. Sua criação torna-se algo que não fala apenas com

os elementos explícitos como referentes. Reconhecemos, assim, em sua

produção, uma postura que é também artística.

A presença das imagens como uma forma comunicativa visual não é um

privilégio apenas da sociedade atual, mas a maneira em que elas se apresentam

é estritamente particular, marcando o modo que se estabelece nossa própria

apreensão do mundo.

As fotografias de José Albano compartilham da particularidade de terem

feito parte do cotidiano e das suas vivências. Têm como força produtiva sua

própria dimensão subjetiva. Esse fato se torna evidente quando Albano relata

suas experiências. As viagens realizadas foram o passaporte para sua produção

criativa. O olhar direcionado à realidade do outro passou a ser realizado com

mais clareza e curiosidade do que se buscava, e foram nos seus diferentes

contatos que Zé Albano desenvolveu sua carreira como fotógrafo e passou a

selecionar livremente temas a fotografar. É central para Albano a escolha do

retrato e da paisagem, muito presente ao longo dos mais de quarenta anos de

fotografias.

Alguns comentários sobre a produção de Albano o definem como

fotógrafo documental e buscam no seu tipo de fotografia mais cotidiano a

justificativa para apontar sua imagem como documental. É certo que as

influências mais próximas para qualquer fotógrafo que iniciou seu trabalho da

década de 1970 vêm direta ou indiretamente dos embates enfrentados nos

meios mais questionadores sobre a fotografia documental ou diretamente desse

tipo de imagem, através do fotojornalismo, e do comércio, “[...] em si, a fotografia

não é um documento [...] mas somente está provida de um valor documental,

variável segundo às circunstâncias”. (ROUILLÉ, 2009, p. 19).

Não é de todo equivocada a assertiva de que existem influências

documentais no processo produtivo de Albano, mas o objeto da análise precisa

ser expandido para que se possam compreender mais amplamente produções

restringidas a um certo campo de análise. Isso se realiza principalmente

retirando o foco da análise do formato produzido e direcionando o olhar para o

conteúdo das imagens e suas condições de produção.

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O ensaio denominado “Criança Tapeba” foi resultado da encomenda feita

pela Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Fortaleza à José Albano. Sem ter

tido algum contato prévio com a população indígena Tapeba, ao fotógrafo foi

entregue a tarefa de registrar a existência daqueles povos, que haviam sido

dados como extintos. Zé Albano, sensibilizado pela delicada tarefa de fotografar

um grupo em condições de muita pobreza, optou por ressaltar o que de mais

expressivo aquelas crianças lhe demonstraram: seus olhares. (ALBANO, 2009).

As imagens produzidas são um contraponto ao formato fotojornalístico de

denúncia através da exposição negativa dos indivíduos. Ao ver as fotografias

realizadas e conhecer seu contexto, é possível saber que se tratam de crianças

que passam por processos de exclusão no seu meio social. Albano escreveu:

“depois de alguns momentos de indecisão, entendi que o meu trabalho ali não

deveria ser de fotojornalismo. Decidi, então, isolar as crianças do seu

problemático contexto, optando por retratos em ‘’close up” (ALBANO, 2009). Zé

Albano optou por valorizar aqueles que estavam postos diante da sua câmera e

que precisavam da construção imagética feita pelo trabalho do fotógrafo para

divulgação do povo Tapeba e sua causa social. Existiu um poder transformador

nas imagens produzidas, que posteriormente se tornaram o trabalho mais

divulgado de Albano. “Mais do que o registro de um estado de coisas, a fotografia

torna-se um catalizador de processos sociais”. (ROUILLÉ, 2009, p. 179).

Uma terceira marca característica da produção fotográfica que assinala o

fim da prática documental é a chegada do autor como tema. O produtor passa a

ser reconhecido como parte da sua obra.

Após Albano ter casado com Regina Lima, juntos se mudam para uma

área rural na região litorânea da cidade de Fortaleza-Ce. Dentro de alguns anos,

o casal teve uma filha, Emília. O nascimento da filha foi um dos grandes marcos

na carreira do fotógrafo. Sua ação seguinte foi o abandono de um período do dia

do seu emprego numa agência publicitária. Albano enfatiza a condição imposta

à agência publicitária em que trabalhava de ter meio período livre junto à família.

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Figura 13 - José Albano – 40 anos de fotografia

Fonte: https://josealbanofotografias.wordpress.com/emilia/

Os cuidados com a filha e o contexto cotidiano familiar tornaram-se os

principais temas fotografados por Albano. A escolha entre dividir-se na sua

profissão – fotógrafo de uma grande agência publicitária –, com o fato de ser pai,

denota uma busca sobretudo pela liberdade de produzir. Ele optou em dividir-se

não só entre profissional e pai, mas entre fotógrafo e pai fotógrafo. Quando se

encontrava em tempo livre, fotografava os temas escolhidos a partir da liberdade

de suas escolhas. Foi a soberania do “eu fotógrafo” que Zé Albano fortaleceu

nos momentos em que sua produção respondia somente à sua subjetividade e

não precisaria passar pelos cortes e sanções de uma agência publicitária.

Era a oposição entre a fotografia publicitária e a fotografia de família que

estava se construindo na carreira do fotografo, uma representando as

implicações de um mercado que delimitava o contato entre o fotógrafo e o

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mundo, e outra como a expressão plena da subjetividade criativa da construção

e expressão da relação com o mundo, sendo postas frente a frente de acordo

com suas diferenças. É o crescimento da subjetividade do autor na produção

imagética que marca o fim de uma postura apenas de observação para uma

relação de produção. “[...] O sujeito, repelido da fotografia-documento [...] era o

observador central, o operador técnico, o avalista da unidade estética da imagem

e de sua fidelidade às leis da representação perspectivista”. A mudança desse

sujeito significa, sobretudo, mudanças na sua prática criativa. “[...] O ‘eu’ ganha

em humanidade e em subjetividade. É um ‘eu’ fotográfico disposto de maneira

plenamente assumida, com uma vivência pessoal, sentimental, até mesmo

íntima”. (ROUILLÉ, 2009, p. 163).

Foi a capacidade de expansão das qualidades de vivências que

caracterizou profundas mudanças nos tipos de imagens realizadas por José

Albano, fazendo com que sua vida se tornasse tema central da sua produção. É

o ápice da emergência do “eu” fotográfico que mergulha no mais particular dos

temas e recria tais experiências a partir de imagens. Com consciência das

mudanças que o levaram para um novo contato com sua produção fotográfica,

afirma ter sido Emília o tema mais importante que fotografou na sua vida e o

ensaio mais longo já realizado, mais de trinta anos.

A postura de José Albano rompe com o regime da fotografia-documento

porque ele não se atém a representar um momento de interação entre mãe e

filha. Na imagem ele subverte o documento porque foi com ele que as pessoas

presentes dividiram o momento reconstruído na cena, pois é para o pai que

Emília olha e sorri. É a presença e o compartilhamento do momento entre os três

que compõem o significado dessa imagem. Zé Albano insere a sua família e o

seu cotidiano na fotografia, e se faz presente na própria imagem.

O estilo de vida e a busca por autonomia na produção são marcas da fuga

de um mercado que restringe o olhar dos produtores de imagens na defesa da

homogeneidade, característica intrínseca da era moderna. E, assim, caminha

para o apagamento das particularidades de cada experiência para encaixar num

todo idêntico.

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Figura 14 - Casa estúdio de José Albano

Fonte: https://josealbanofotografias.wordpress.com/minha-casa-estudio/

A soberania do “eu fotógrafo” é resultante também da negação da lógica

de mercado. O mercado caracterizado por patrocinadores que impõem

autoridade e desejam produções que se aproximem do gosto do consumidor não

é abolido da vida do fotógrafo, que percorre um caminho de maior liberdade

expressiva. Como ressalta Bourdieu (1996), há nesse ponto semelhanças com

o campo das artes plásticas e da literatura, que, em busca pela liberdade,

formaram uma lógica de economia às avessas. Não é que não exista um tipo de

mercado para absorver a produção do artista e do fotografo-artista que se

apresenta de modo mais ou menos autônomo, a questão é que essa produção

se limita a um público específico, mais especializado, e está pautada num

diálogo interno que é desconhecido muitas vezes pelo “grande público”. É na

tentativa de reconfiguração, no caso de Albano, e de inserção, no caso de

Santana, em um mercado mais específico de consumidores, que de alguma

forma já estabeleceram previamente relações com o campo fotográfico, que os

dois fotógrafos acabam por direcionar sua atuação.

E, nesse sentido, Zé Albano decide-se por deixar seu emprego como

fotógrafo publicitário e instala, próximo da sua casa, uma casa estúdio onde

passa a desenvolver trabalhos mais pessoais e intimistas. O processo de

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construção do espaço, onde Albano desenvolveria uma nova relação com a

fotografia, também foi tema de ensaio. Sua casa estúdio foi feita em taipa15,

caracterizando também uma relação que privilegia maior contato com a

natureza. A construção em taipa dispensa o uso de concreto e tijolo, além de ser

também um resgate de tradições de povos indígenas e rurais que costumavam

construir com a matéria prima disponível na natureza e não com material

adquirido através de processos mercadológicos.

Nas novas interações estabelecidas José Albano passou a receber em

sua casa um público diferente daquele que o procurava pelo seu trabalho com a

fotografia, através do afilhado Ares, Albano começou a interagir com crianças e

jovens que habitavam nas proximidades e que passaram a frequentar a casa de

Zé Albano e a fazer uso do espaço da sua casa. Desse contato também resultou

um longo ensaio que Albano denominou “Albanitos”16

Figura 15 - Albanitos

Fonte: https://josealbanofotografias.wordpress.com/albanitos/

O trabalho que Albano desenvolveu com os Albanitos é resultante do

contato prolongado que estabeleceu com as crianças. Como em um processo

de descoberta, a fotografia foi utilizada como estratégia de reconhecimento e de

valorização através de trocas e diálogos. As crianças iam até a casa de José

15 Construção feita em barro, leva como estrutura madeiras que são enxertadas com a mistura feita do barro, água e resíduos sólidos composto de folhagens e galhos, juntos garantem firmeza à construção. Esse tipo de produção é caracterizado pelo baixo custo. 16 Zé albano conta que o apelido foi dado pelo amigo artista plástico, Hélio Rola.

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Albano em busca de espaço para brincar. “Dos muitos que usam o campinho de

futebol, cerca de 20 se tornaram mais íntimos, frequentando minha casa, onde

fazem uso de canetas, papel, tintas, revistas, livros, jogos, o som, a TV, o DVD

e todas as ferramentas”. (ALBANO, 2009). José Albano estava lidando com

alternativas para os processos de exclusão que afetavam as vidas dos meninos.

Albano resolveu trabalhar a imagem de cada criança na sua individualidade. O

resultado são imagens que trazem à tona a personalidade de cada criança. As

fotografias produzidas em planos próximos geraram processos de auto

reconhecimento e de valorização da própria imagem. E foi a longa interação

estabelecida que fortaleceu os vínculos entre aqueles que levaram novas

experiências para a casa de Albano e o fotógrafo que contribuiu para o

fortalecimento identitário dessas crianças. Um olhar delicado realizado através

da fotografia que assumiu como foco os rostos e ajudou a enaltecer a auto

estima.

José Albano e Tiago Santana, em seus trabalhos, estimulam a existência

de dispositivos afetivos. A relação que Albano criou, ao longo de sua trajetória

como fotógrafo, foi aquela de muita intimidade com sua câmera, demonstrando

que não é somente o processo fotográfico em si que atribui valor e sentido à sua

produção, mas vinculação estreita que estabelece com os temas que fotografa.

Sua fotografia se assemelha, portanto, às fotografias de família. “É na fotografia

de família [...] que talvez o princípio dialógico e a expressão se encontrem mais

presentes, em todo caso mais espontâneos”. (ROUILLÉ, 2009, p. 163).

A fotografia de família partilha o privilégio da proximidade entre fotógrafo

e fotografado. Esteve inclusive na prática amadora sustentada pelos pais de

Albano e Santana a origem dos seus primeiros contatos com a imagem

fotográfica. O cuidado e a dedicação à imagem, mesmo que numa prática

profusa, proporcionaram o olhar acurado à técnica, no caso de Santana, a

observação do manuseio realizado no laboratório, e ao tema, uma vez que se

tratava, em sua maioria, de temáticas familiares. José Albano coroou suas

experiências com as fotografias daqueles que se encontravam mais próximos

resultando dos dialogismos criados sua própria experiência como fotógrafo.

Na fotografia de família, existe um contato de longo prazo entre o operador

e o outro. E é nesse fato que se apoia o “dialogismo fundamental” para a

produção da imagem mais essencial e particular. É na fotografia de família onde

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o diálogo com o outro se apresenta de modo mais fluído porque aquele que

constrói a imagem ao abordar o seu próximo comunica também sobre si, não

deixa de estar vinculado. É o tipo de imagem “[...] em que o operador compartilha

sua vida, ou numerosos instantes, com o outro: o pai, a mãe, a criança, o primo

ou o amigo”. (ROUILLÉ, 2009, p. 185).

Figura 16 - Emília com catapora

Fonte: foto reprodução do livro José Albano, 40 anos de fotografia

É certo também que esse tipo de imagem é caracterizado por ser

praticado por pessoas que desconhecem o que se pode denominar de manuseio

técnico da fotografia, o manejo básico para obter imagens bem enquadradas,

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objetivas e que exerçam a função de documentar os momentos solenes da

família para serem expostos nas reuniões de parentes e amigos. Como apontado

por Bourdieu, as fotografias de família respondem às demandas sociais e muitas

vezes cumprem um papel socializador entre os indivíduos. E ela é largamente

utilizada para responder a papeis sociais porque, “o que é fotografado, e

apreendido pelo leitor da fotografia, não são propriamente indivíduos na sua

particularidade singular, mas sim papéis sociais – o marido, o rapaz na primeira

comunhão, o militar – ou relações sociais [...]”. (BOURDIEU; BOURDIEU, 2006,

p. 34).

A fotografia de família tem muitas vezes usos práticos, mas diferente das

imagens realizadas por fotorreportagens ou mesmo por paparazzi, seu uso se

fará pelo mesmo indivíduo ou círculo social daquele que as realizou. O fotógrafo

de família se apresenta como produtor e consumidor de suas próprias imagens.

É notório, uma vez que a fotografia responde a solicitações sociais, que ela

interfira também nas mudanças percebidas no contato estabelecido entre os

indivíduos. “[...] Permanece o fato de que os usos sociais da fotografia, que se

apresentam como uma seleção sistemática entre os usos objetivamente

possíveis, definem a verdade social da fotografia ao mesmo tempo em que eles

são definidos por ela”. (BOURDIEU, 1965, p. 108). Desse modo, Bourdieu (2006)

narra como se deu o aparecimento das fotografias de crianças na população do

Béarn ao passo que houve uma crescente valorização da figura da mãe e da

criança na sociedade. Fotografar, nesse sentido, era tanto representar a

importância que tal relação recebia no seio familiar e ratificar o papel definidor

que ao ato de fazer fotografias foi imbuído.

É possível observar também como a fotografia de família encarna a ficção

da assunção de personalidades que não correspondem à aparição ordinária dos

indivíduos. Assim, existem preferências de escolha para o momento de

realização das imagens que futuramente serão expostas, geralmente se tratam

de momentos cerimoniais ou festivos onde os personagens fazem a utilização

dos trajes e posturas necessários para a recordação futura. É na ficção do extra

cotidiano que muitas vezes passam os indivíduos a pautarem suas imagens.

Nesse sentido, “[...] a fotografia fornece [também] os meios para dissolver a

realidade sólida e compacta da percepção cotidiana e uma infinidade de perfis

fugazes como imagens oníricas [...]”. (BOURDIEU, 1965, p. 111).

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Mas é também no desprezo, ou simples negligências da métrica e do

academicismo fotográfico, que dita inclusive os temas que a fotografia deve

assumir, que se encontra o apreço pela expressão, é a mostra mais clara de que

é o conteúdo que toma relevância. Então, encontra-se também na imprecisão e,

muitas vezes, na não utilização do equipamento mais caro e mais tecnológico a

possibilidade do dialogismo, pois é nesse ponto que o processo de realização da

imagem ganha importância muito maior do que “o ato fotográfico” e mesmo a

impressão.

A fotografia de família supera a imagem documento pela sua capacidade

relacional desenvolvida ao máximo. O diálogo acontece nesse tipo de imagem

porque, ao expressar o Outro, o fotógrafo relata sobre sua própria história. É a

relação subjetiva com a imagem que ganha destaque. No mesmo sentido, pode-

se pensar que, pelo fato do operador estar tão próximo do seu Outro, a imagem

produzida seja aquela que mais contém a ideia de verdade. Mas qual seria a

dimensão representacional de “registros” de relações e sentimentos? Algo que

é tão íntimo e que ultrapassa a valoração da qualidade das imagens. A

realização de uma imagem é uma ação fugidia e incompleta. O ato fotográfico

surge, nesses momentos, como uma forma de celebração da importância do fato

vivido para além da documentação de fatos familiares. A realização da imagem

por si revela-nos mais do que a própria impressão. São os valores (família, filhos,

casal, patrimônio, posição social, etc.) que se colocam em questão bem mais do

que a objetividade da informação.

Em contrapartida às imagens feitas por José Albano em um contexto mais

familiar, observamos as construções dialógicas realizadas por Tiago Santana

num contexto mais amplo. As imagens de Santana produzem um novo sentido

de sertão e narram, tornando visualmente salientados diferentes aspectos do

Nordeste em séries de fotografias sobre a mesma temática. O formato de

publicação elegido para a exposição das imagens – o fotolivro – ratifica a

perspectiva de que suas fotografias devem ser observadas em conjunto uma vez

que são apresentadas em sequências elaboradas pelo fotógrafo. A organização

das imagens de Santana nas obras revela o domínio da forma que o autor

privilegia na construção de sentido da narrativa visual que busca mostrar.

A imagem de Santana muito se assemelha à reportagem dialógica

(ROUILLÉ, 2013). Uma vez que a postura de reportagem atua “extraindo”

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verdades no ato das ações (ou minimamente acreditando ser tal feito factível), a

reportagem dialógica considera não trabalhar com verdades absolutas e nem

trabalhar com a sublimação da verdade através do ato fotográfico.

O dialogismo busca primordialmente “exprimir situações humanas” (Idem,

2013, p. 183) respeitando a figura do “outro”, aquele que fez ou vai fazer parte

da imagem produzida.

Nos contextos de registros de conflitos sociais, das precariedades da vida

e da exclusão social, a imagem realizada em defesa dos sujeitos não é a

fotografia do fotojornalista. Não cabe, entre o tempo de pouso do fotógrafo e o

subsequente acionamento da câmera, uma imagem além do “furo” ou do

“instante decisivo”.

É fundamental, numa fotografia que valoriza os contextos e indivíduos em

questão, a existência de um “antes” e um “depois” e que haja o conhecimento

prévio para que o resultado não seja só a imagem em si, mas o processo

realizado e o conteúdo tematizado. Numa tal situação, a ideia de “instante

decisivo”, em que nem fotógrafo nem fotografado reconhecem ao certo o que

rege tal situação, seu trabalho o conduz a imagens de invisibilidade, gerando um

saber do outro que pode ser utilitário momentaneamente, mas que não se faz

importante e com o passar do tempo perde seu valor. No entanto, reconhecer o

lugar dos indivíduos e valorizá-los não é uma simples tarefa, “pois, para acessar

a realidade vivida pelos excluídos [...], para vencer a invisibilidade que os atinge,

uma simples foto parece bem irrisória. A não ser que a fotografia se inscreva em

uma abordagem que conjugue contatos e permutas”. (ROUILLÉ, 2009, p. 179).

O processo de reconhecimento e inclusão do “outro” na imagem é um dos

grandes saltos da produção fotográfica no caminho da imagem-expressão, isso

porque consiste em um dos maiores rompimentos estruturais que poderia

acontecer com a prática comum à imagem-documento de impetuosa negação

dos indivíduos.

Nas imagens de Santana, o “outro” são os indivíduos que compartilham

do mesmo universo social que o fotógrafo. “O outro vem para finalizar o que ficou

empenhado na imagem e no processo fotográficos com a emergência da escrita

e a do sujeito”. (ROUILLÉ, 2009, p. 178). O outro não é o desconhecido. São

pessoas que compartilham crenças, parentesco e visões de mundo. A imagem

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produzida tem significado de valorização do outro indivíduo e do próprio meio em

que fotógrafo e os demais estão envolvidos.

Figura 17 - Benditos

Fonte: http://revistaold.com/site/wp-content/uploads/2015/06/benditos3.jpg

O diálogo acontece por meio do olhar cuidadoso que busca, de forma

simples, contar a história daquele que está na frente da câmera. Tal pode

acontecer na individualidade dos sujeitos, como nas imagens de José Albano,

ou na singularidade que movimenta multidões e faz convergir em um único

sentido a expressão das religiosidades, como nas imagens de Tiago Santana.

José Albano e Tiago Santana encontram-se polarizados em um mesmo campo

de produção regional, o da fotografia cearense, mas juntos marcam

decisivamente processos fotográficos contemporâneos no fazer fotográfico do

estado. A subjetividade atrelada ao uso do p/b revela dois tempos fotográficos:

um marcado pela preponderância do uso de câmeras analógicas e uma

produção que esteve relacionada com diferentes tempos de realização e contato

com as imagens (um tempo mais estendido); e outro caracterizado pela difusão

de câmeras de pequeno porte, de barateamento de equipamentos fotográficos e

de inovação técnica que contribuiu decisivamente para a produção de novas

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imagens e de novas temporalidades fotográficas (um tempo comprimido). Essas

duas temporalidades se encontram quando as fronteiras técnicas e normativas

são rompidas pela escolha estética do uso do preto e branco e pela manutenção

do uso de equipamentos e processos analógicos na construção das imagens.

A produção contemporânea feita com equipamentos cada vez mais

desenvolvidos tecnologicamente solicita aos indivíduos um novo tempo de

interação com a máquina que reflete sua fugacidade na produção imagética, no

contato visual com a imagem e no tempo de apreciação das imagens realizadas.

Com as múltiplas capacidades de alteração das fotografias pós-realização,

alguns fotógrafos escolhem caminhar contra a corrente em busca de interações

que não estejam estritamente presas à normatividade da técnica. “Fazer uma

imagem se tornou fácil e difundi-la na vida social, nas redes, se tornou ainda

mais fácil. As imagens técnicas de raiz numérica vieram substituir os

procedimentos indiciais do filme”. Mas, depois de tantas transformações nas

práticas sociais, nem mesmo a indicialidade do filme fotográfico é obviedade na

produção fotográfica. Em tempos do reino do tecnológico, o analógico se reveste

de significados de subversão. (DOBAL; GONÇALVES, 2013, p. 38).

A fotografia feita na era da comunicação, além de utilizar-se de novos

mecanismos de produção, edição e exposição das imagens, joga ainda com os

significados que construíram a história do campo da fotografia na modernidade

industrial. Se o índice peirciano significou a passagem do índice – “estética da

mimese”, “ordem da metáfora” – a partir do momento em que cedeu seu espaço

para um novo marco histórico – a ordem do traço, a estética do referencial,

“ordem da metonímia” como defendido por Dubois (2012) e os teóricos do índice

–, “uma nova geração [...] tem transformado radicalmente o meio fotográfico,

expandindo suas potencialidades, suas formas de escrita e expressão, através

de uma intervenção mais direta e traumática sobre o código”. (Idem, 2013, p.

38).

Em outras palavras, se a relação metonímica de troca da realidade pela

imagem produzida foi o grande vínculo da fotografia com o real, hoje tal

explicação é vista em sua incompletude para a análise das imagens. Tais

códigos se mostram imprecisos e ineficientes em seu processo classificatório

num momento idiossincrático no qual “[...] a fotografia se apresenta como um

território de invenção, como uma trama complexa e instável, aberta aos domínios

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da ficção e do imaginário, e no qual ela é tomada [...] por sua capacidade de

invenção, seu poder em produzir novas realidades”. (DOBAL; GONÇALVES,

2013, p. 59).

O programa da fotografia-expressão é o abandono da simples designação

e constatação das coisas e passa para outro nível de análise da imagem que

prioriza a busca da “sensibilidade dos processos em detrimento da impressão”.

Está fundamentado numa ação que “[...] requer uma escrita, um formato

plenamente assumido por um autor”. Mas o formato não é algo que possa ser

encontrado pronto no meio social; ele deve ser construído, assim como a relação

entre fotógrafo e colaboradores da sua imagem “[...] as visibilidades não se

extraem diretamente das coisas, mas produzem-se diretamente, trabalhando a

forma, a imagem e a escrita fotográficas (ROUILLÉ, 2009, p. 163).

Através da escrita da forma, a fotografia reafirma o poder expressivo que

pode comunicar uma imagem. Nas imagens, Tiago Santana manifesta que, ao

trabalhar a temática do sertanejo, o fotógrafo desejou muito mais expressar o

contato com a terra e a cultura regional. Para isso, o artista selecionou momentos

que mais atraem “pelo jogo das formas” do que pela pretensão de representar

algo. O longo estudo que realizou dos devotos de Juazeiro do Norte-CE

contribuiu para a fotografia realizada a partir de um olhar cuidadoso e

conhecedor do universo místico e religioso observado.

A experiência direcionou o olhar do fotógrafo numa inclinação ao simples,

aos gestos que expressavam a relação daquelas pessoas com sua religiosidade

e sua regionalidade. Não se encontram, ao longo das setenta imagens que

compõem o livro “Benditos”, fotografias que apontem, de modo pretensamente

objetivo, a espiritualidade e devoção das pessoas que peregrinam até Juazeiro.

Ao modo de uma narração através de imagens, Santana aponta elementos que

juntos auxiliam ao observador na recriação e interpretação dos significados que

compõe aquele universo. Por saber, talvez, que o claro e objetivo não são

capazes de transmitir os significados compartilhados pelos indivíduos, ele

aponta fragmentos para construir, através da expressão, o potencial simbólico

do momento religioso.

A presença do monocromático das imagens causa ao olhar uma ruptura

com o realismo documental. O ponto de vista deixa de ocupar uma única

perspectiva, o borrado e o desfoque trazem na imagem de Santana a sensação

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de uma situação caótica e incompleta como se parte da informação trazida

tivesse sendo omitida por uma questão estilística. “Ao contrário do documentário,

[tais imagens] [...] não representam o caos do mundo, a [...] paisagem unitária

de outrora: [elas] exprime[m]”. (ROUILLÉ, 2009, p. 164).

Figura 18 - Benditos

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/foto-sintese/o-cearense-tiago-santana/

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Com diferenças nas abordagens e na forma, as imagens de Santana

destoam da imagem de reportagem feita “às pressas”. O borrado, o desfoque

associados à desconstrução da unidade temática trazem claramente um impacto

ao observador em perceber que aquelas não são imagens representativas de

um contexto, ou seja, elas não são documentais. Mas não está somente na

“forma” o principal motivo para qualificar diferentes os tipos de imagens. Está

primordialmente na maneira em que o sentido se inscreve e passa a ser

construído.

A fotografia-documento não desconhece evidentemente as formas, que vários operadores dominam perfeitamente, mas as coloca de lado em prol dos referentes [...]. É com a fotografia-expressão que os praticantes tentam produzir o sentido na fronteira da imagem e das coisas. (ROUILLÉ, 2009, p. 168).

É notório que a fotografia-expressão se faz no processo de contato, de

desconstrução do olhar que permite a construção de novas visibilidades e que

exprime as formas e as escritas fotográficas. O jogo com as formas foi negado

em toda a trajetória da fotografia-documento para enfatizar apenas o referente,

o “[...] potencial das formas fotográficas, foi o que durante muito tempo a

fotografia-documento negou, ao conservar a ficção da transparência das

imagens”. (Idem, 2009, p. 167). Para a fotografia-expressão, o sentido a ser

construído na imagem tem como ponto de partida a relação do fotógrafo com o

estilo assumido, com sua escrita e a forma fotográfica, em outras palavras, na

interação entre o fotógrafo e os componentes técnicos da imagem. Enquanto

para a fotografia-documento o sentido estaria incorporado nos objetos, a

fotografia era a responsável por resgatar e fixar, com a fotografia-expressão, “[...]

o sentido não pode ser descoberto [...]. Ele deve ser, em vez disso, produzido,

expresso”. (ROUILLÉ, 2009, p. 178).

Trabalhar com grupos e fatos sociais invisibilizados, como os Tapebas, os

Albanitos e os sertanejos, torna a fotografia capaz de “[...] construir novas

visibilidades [...]. O registro considerado direto, objetivo e exato não basta – e

sem dúvida, nunca bastou [...]”. (ROUILLÉ, 2009, p. 163). É preciso ter o contato,

pois é através da experiência do contato que se constrói o processo de

reconhecimento do outro.

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Tiago Santana, ao longo de sua trajetória, realizou trabalhos no meio

social onde passou seus primeiros anos de vida. Sua admiração pelo tipo de

sociabilidade presenciada na região do Cariri foi expressa nos diversos ensaios

realizados, que sempre voltavam atenciosa e delicadamente sua atenção ao

contexto de vida daqueles indivíduos. Assim, realizou com diferentes parceiros

trabalhos de valorização e reconhecimento ao outro. Entre seus ensaios estão

Benditos, (2000) realizado de 1992 a 1999; Chão de Graciliano, (2006) livro que

reúne textos de Audálio Dantas e fotografias de Santana; Céu de Luís, (2013) O

livro narra a história de Luiz Gonzaga através de textos do jornalista Audálio

Dantas e imagens de Santana; Sertão (2011) imagens reunidas para as

publicações Photo Poche; Brasil sem fronteiras, (1998 – 2001) ensaio realizado

por Tiago Santana, Celso Oliveira, Ed Viggiani, Elza Lima e Antônio Augusto

Fontes; Patativa do Assaré: O Sertão Dentro de Mim, (2010) imagens de Tiago

Santana e textos do pesquisador Gilmar de Carvalho.

Figura 19 - Sertão

Fonte:http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/foto-sintese/o-cearense-tiago-santana/

A atuação do fotógrafo no seu campo de produção contribui fortemente

para o reconhecimento internacional da prática. Santana é o segundo brasileiro

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a publicar na coleção francesa “Photo Poche”, coleção de bolso que reúne

fotografias dos indivíduos considerados mais influentes e importantes do meio

fotográfico.

Partindo da importância de oferecer à fotografia um formato mais

duradouro, Tiago Santana junto com outros dois colegas fotógrafos, Celso

Oliveira e Tibico Brasil, fundou a editora “Tempo d’imagem”. Queria oferecer à

produção fotográfica a possibilidade de publicar, em formato de livro, trabalho

que geralmente não se encontra no foco de editoras comuns. Pela sua atuação,

sua influência e sua escrita fotográfica, Tiago Santana pode ser considerado um

sujeito que não apenas contribui para o reconhecimento da prática fotográfica

como reúne condições para, enquanto produtor e fomentador, institucionalizar a

produção fotográfica no estado.

A imagem construída por Tiago Santana não cria uma relação de

resignação ao real. Sua produção se constrói a partir da convergência de

diferentes elementos que juntos objetivam uma composição imagética. O

resultado envolve-o como artista. A seleção feita nas lentes da câmera revela a

presença do “eu fotógrafo” como construtor do momento e não apenas um ato

mecânico de disparar o obturador. “[...] É [na] construção, [na] redução dos

tempos da realidade social ao espaço da imagem fotográfica e ao seu tempo

aparentemente único, que o fotógrafo imagina, isto é, constrói a imagem

fotográfica, aquilo que quer dizer através da fotografia”. Essa desconstrução da

realidade é sucedida de outra elaboração uma (re)construção que tem como

parâmetros a subjetividade daquele que reconstrói o olhar e [...] inevitavelmente

[o operador] agrega à imagem fotográfica os decodificadores que a

“descongelam”, isto é, que revelam a dimensão sociológica e antropológica do

que foi fotografado. (MARTINS, 2016, P. 65).

A imagem fragmento produzida por Santana marca não só tal produção

como o estilo da sua escrita fotográfica, seu designing, mas marca também a

quebra formal com a perspectiva do espaço homogêneo documental. As

“imagens fechadas” e autoexplicativas, que trazem para o observador a ideia de

totalidade sobre a realidade abordada, demonstram suas fraquezas quando

analisadas. Nenhuma perspectiva é capaz de abordar mais que uma parcela da

realidade, mesmo que fale por todo o resto. A fotografia já não corresponde ao

meio objetivista como foi teorizada até seu primeiro centenário. Uma vez que se

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mostra falha a reprodutibilidade mimética, é falha também a suposição de um

todo coerente na sua construção. Nesse sentido, expressar através das imagens

se torna um ato provido de muito mais coerência e força do que aquele que

defende a reprodução.

Santana se encontra nesse campo de forças como aquele que comunica

através de fragmentos. “A uniformidade da visão interior extinguiu-se em prol da

diversidade e da alteridade de uma visão indireta livre”. Seu projeto se lança aos

olhos do observador e o resultado são imagens que já não correspondem à

transparência fictícia do documento, mas que se tornam expressão fragmentária

de seus produtores. O rompimento da “[...] unidade do homem e do mundo [...]

abalou todo o universo das imagens e que, em fotografia, corresponde à

passagem do documento à expressão”. (ROUILLÉ, 2009, p. 169).

Figura 20 - Benditos

Fonte: http://fotoempauta.com.br/tiago-santana/

Nas tomadas de Santana, a vivência em uma cidade marcada pela

religiosidade e pelo constante fluxo de pessoas aparece como significação

daquele espaço. A presença dos “vultos” e dos cortes, em muitas imagens,

mostra a velocidade com que se dá a passagem dos indivíduos em busca dos

milagres almejados e a devoção à figura de Padre Cícero. “A imagem se ancora

nas coisas (das quais conserva um traço) e na vivência do fotógrafo (suas

percepções e seus sentimentos)”. (ROUILLÉ, 2009, p. 204). Santana “[...]

fotografou situações que testemunham [...] [concepções] cujos gestos e modos

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falam de uma fé fragmentária. Uma fé que é atravessada pelo cotidiano e pelo

moderno (MARTINS, 2016, p. 89). Um contexto de fé atravessado por questões

materiais e espirituais.

Figura 21 - Benditos

Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa13171/tiago-santana

Santana ressalta, quando tematiza sobre a religiosidade, a vinculação

entre o etéreo e o humano, mas o retrata não em um processo de exclusão, mas

de simbiose dessas duas partes que se reforçam mutuamente. O fragmento é,

para tanto, sua expressão. Sua produção rompe sobretudo com a designação

das formas e das atitudes. Sua expressão é aquela “de um mundo de fragmentos

desprovido [...] de totalidade orgânica. A obra de Tiago Santana pode ser

definida como aquela que não apresenta “estados de coisas” senão “os exprime

indiretamente”. (ROUILLÉ, 2009, p. 164).

As imagens dos dois fotógrafos pensadas, nesse trabalho, como um novo

tipo de fotografia têm bases muito fortes e se apresentam “[...] como conjuntos

articulados, multiplicados, como um sistema de relações”. São imagens que

revelam que o foco no produto não diz quase nada sobre elas, porque muitas

vezes são permeadas de subjetividade, pois está no processo e no contato a

chave interpretativa dessa nova realidade. “Neles, a imagem perde parte de sua

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centralidade [...]. Aqui ela se torna parte de um processo mais amplo que ao

mesmo tempo a possibilita e ultrapassa”. (DOBAL; GONÇALVES, 2013, p. 60).

As produções em questão, que partem de diferentes temáticas, são

resultantes de convergências das impressões dos seus autores e interesses em

criar imagens capazes de transpor o momento de sua realização. Esse tipo de

imagem não dialoga somente com seus referentes, mas ganha significações

múltiplas e se desprende do seu momento de realização, comunicando-se com

situações mais amplas.

O caminho traçado neste trabalho é a busca por compreender a relação

dos dois fotógrafos com a fotografia, e como esta faz convergir a curiosidade

pelo Outro com a necessidade de gerar expressividades a partir da experiência

criada. É importante ressaltar que, para além de todas as escolhas, estilísticas e

sociais, realizadas ao longo das trajetórias percorridas por diferentes produtores

de imagens que romperam com a prática “fiduciária” de empréstimo da realidade

para a imagem, está no contato e na relação estabelecida antes da imagem o

significado da sua produção. O dialogismo estabelecido no percurso, com os

outros indivíduos, com o campo e com o próprio trabalho permite ao fotógrafo a

possibilidade da transformação “dos modos de ver”. (ROUILLÉ, 2009, p. 170).

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4 O MUSEU E O ENCONTRO DAS FORMAS

4.1 DAS FOTOS PARA O ESPAÇO INSTITUÍDO, O MUSEU DA

FOTOGRAFIA, CE.

A Fotografia trilhou uma trajetória de difusão no Ceará e esse percurso se

fez acompanhar de reconhecimento por parte dos praticantes, usuários e o do

próprio Estado. É notório que o desenvolvimento da fotografia trouxe consigo um

processo de institucionalização da prática fotográfica na cidade de Fortaleza. A

partir desses dados, é possível apreender também relações mercadológicas que

se estabelecem e contribuem para a expansão da fotografia como elemento afim

das artes visuais, inserida na rota de difusão e consumo de arte e cultura da

cidade.

Existem, na cidade de Fortaleza, espaços destinados para a produção e

a socialização através das práticas culturais. Entre alguns desses espaços, a

produção fotográfica começou a se fazer presente. São os lugares de difusão e

consumo que juntos estabelecem bases para seu desenvolvimento técnico e

formal. Entre eles é possível ressaltar algumas casas de cultura que obtiveram

mais destaque na cidade, configurando-se socialmente como equipamentos

culturais que reforçam o ensino, a produção e a difusão da fotografia.

Nesse sentido, um dentre os espaços de formação voltados para o

audiovisual e a imagem é a Casa Amarela Eusélio de Oliveira, equipamento

cultural vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC). Esta foi inaugurada

em junho, ao dia 27 de 1971, tendo como finalidade oferecer cursos de formação

em fotografia, cinema e animação, incentivando a produção e o consumo

fotográfico e do audiovisual local. Possibilita também aos artistas espaço para

exposições de obras, sendo responsável pela produção do terceiro maior festival

de cinema do país, o Cine Ceará17.

Atualmente, consolidada a esfera da produção fotográfica na cidade de

Fortaleza, paralelamente estruturam-se diversificados espaços voltados para a

formação, a difusão e o consumo dos diferentes tipos de fotografias. Neste

17 Evento que visou a difusão para o público cearense de cinema das produções fílmicas ibero-americanas. O evento acontece anualmente há 28 anos.

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contexto, o legado acadêmico do curso de Comunicação18 da Universidade

Federal do Ceará (PPGCOM) constitui um ponto significativo da rede de

conexões que caracterizam as relações estabelecidas nessa área.

Também com objetivo de ensino, o Porto Iracema das Artes, fundado em

29 de agosto de 2013, é outra instituição voltada para a formação em diferentes

campos da arte, como audiovisual, dança, música, dramaturgia e artes visuais.

É coordenado pelo Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC). Tem assumido a

responsabilidade de ser a maior escola na cidade a propiciar a formação dos

novos artistas.

Por sua vez, com o intuito de difusão, o Museu da Imagem e do Som do

Ceará – MIS-CE, foi inaugurado em 1980. O primeiro prédio a receber suas

instalações foi o subsolo da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel,

atualmente integrada ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Em

1996, o MIS foi transferido para o bairro Meireles. Seu acervo está estimado

atualmente em mais de 150 mil peças, havendo dentre elas arquivos de imagens,

áudio e vídeo em diversos formatos.

Lugar de difusão e integração cultural em Fortaleza, o Centro Dragão do

Mar de Arte e Cultura é gerenciado pelo IACC, ligado à Secretaria de Cultura do

Estado do Ceará. É o equipamento cultural que mais recebe visitações e é

reconhecido como principal ponto turístico do roteiro cultural em Fortaleza. De

acordo com o texto de apresentação da página oficial do CDMAC, sua principal

proposta é proporcionar um ambiente de integração da população local com os

produtores de arte da cidade.

Esses centros culturais integram programas de ação a nível municipal e

estadual, garantindo em sua base políticas públicas de inclusão. São projetos

que atuam em duas vias: a primeira, busca aproximar os grupos que não têm o

hábito de frequentar programações culturais ou que tenham um baixo índice de

familiarização com atividades artísticas legitimadas pela cultura elaborada. A

segunda caracteriza-se como espaço destinado ao ensino das práticas

artísticas, cumprindo um papel formador e criando não só consumidores, mas

também produtores de arte.

18 O programa deu início as atividades no ano de 2008. Fonte: http://www.ppgcom.ufc.br/sobre/

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É possível notar a existência de instituições e pessoas que têm

contribuído com o desenvolvimento do campo da fotografia em Fortaleza. Este

é o caso dos espaços expositivos de incentivo privado, a exemplo das galerias

como “Imagem Brasil”, “Sem título arte” e “Multiarte”, que começam a explorar

mais a presença das fotografias. Ao passo que notamos a presença desses

espaços institucionalizados, é possível perceber também dinâmicas

estabelecidas por redes e por associações de pessoas, criadas por artistas e

consumidores da imagem fotográfica.

É notório o interesse de fomento no campo que partem de incentivos

pessoais. É o caso de Patrícia Veloso, atualmente colaboradora no Museu da

Imagem e do Som do Ceará e também diretora da “Terra da Luz Editorial”19 –

projeto de publicação e valorização do patrimônio artístico e cultural brasileiro a

partir da produção fotográfica e da Galeria Imagem Brasil.

Verifica-se, primeiramente, a criação em curso de uma situação política e

cultural que favorece a produção, o ensino, a difusão e o consumo de imagens

fotográficas na cidade de Fortaleza. De forma subsequente, a ideia de patrimônio

tem permitido a elaboração de políticas que justificam a existência de

equipamentos culturais e de escolas de ensino, gerando produtores e o

favorecendo o consumo de fotografias como denominadores culturais no estado

do Ceará.

Uma outra relação que é possível notar na cidade é aquela que

recentemente se formou entre museus e fotografia. Em Fortaleza, essa

vinculação pode ser percebida a partir das atividades do Museu da Imagem e do

Som (MIS-CE) e do recém-inaugurado Museu da Fotografia de Fortaleza (MFF).

O MIS-CE20 – que está atualmente sob a direção de Dilmar Miranda – tem como

proposta preservar e difundir a memória do audiovisual do estado. Desde o

início, o Museu trabalhou um acervo histórico no qual as imagens fotográficas

estão muito presentes.

19 Construída no ano de 1989. A editora atua fazendo a publicação de edições especiais, comerciais e institucionais. 20 Atualmente o Museu está passando por uma reestruturação física e uma reorganização de seu acervo. Eliene Magalhães, coordenadora do acervo do Mis-Ce afirmou que existe a necessidade de reestruturação e especificação da linha curatorial do acervo. Por muito tempo o Museu recebeu doações que concorreriam a um espaço nas exposições. Mas os artefatos que chegavam não tinham como ser alocados, ficando sem espaço e sem catalogação se configurando em um problema para o Museu.

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Figura 22 - Fachada do Museu da Imagem e do Som – MIS-CE

Fonte: Página da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará

O Museu da Fotografia de Fortaleza (MFF) é uma instituição de arte com

um acervo de mais de duas mil imagens fotográficas de diferentes fotógrafos

brasileiros e estrangeiros. Sua fundação foi feita com o intuito de receber o

acervo das obras dos colecionistas Paula e Silvio Frota21.

O Museu da Fotografia do Ceará é o primeiro de iniciativa privada no

Estado. A curadoria do Museu não tem como proposta expor de modo catalogal

– em que o acervo fica organizado de modo a documentar acontecimentos ou

uma época em específico. Esse formato é percebido no Museu da Imagem e do

Som (MIS-CE), que recebia doação de fotografias, pinturas e artefatos

relacionados à produção visual e fonográfica feita no Estado com o propósito de

contar a história do Ceará a partir das fontes imagéticas e fonográficas. Apesar

da coleção contar com materiais diversificados, as dimensões do espaço

21 Paula Queiroz Frota e Silvio Frota são um casal de empresários cearenses. Silvio Frota atua há vinte e cinco anos no ramo imobiliário com a empresa Simpex Incorporações. No ano de 2001, sua empresa tornou-se também uma construtora atuando no empreendimento de prédios comerciais e condomínios. Fonte: http://www.simpexincorporacoes.com.br/a-simpex. Em 2014, o casal fundou o Instituto Paula e Silvio Frota (IPSF) com atividades voltadas para áreas de arte, cultura e lazer. Fonte: http://www.econodata.com.br/lista-empresas/CEARA/FORTALEZA/I/19672865000122-INSTITUTO-PAULA-E-SILVIO-FROTA-IPSF. Finalmente, no ano de 2016 inauguraram o Museu da Fotografia (MFF) instituição feita para abrigar parte do acervo de mais de 2.000 fotografias que pertencem ao Instituto Paula e Silvio Frota.

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destinado ao acervo e às exposições, além ao quadro reduzido de funcionários,

não permitem que o lugar seja acessado por um público numeroso.

Figura 23 - Fachada do Museu da Fotografia

Fonte: https://web.facebook.com/museudafotografiafortaleza/?fref=nf

A fundação do segundo museu de fotografias do país foi feita a partir de

uma coleção particular que a princípio teve como critério de escolha o gosto

pessoal dos colecionadores e uma posterior experiência com os leilões de

fotografias. Inicialmente o casal de empresários Paula e Silvio Frota seguia o

exemplo do patriarca da família Queiroz (Edson Queiroz e do irmão, Airton

Queiroz), que possui uma das maiores coleções de artes plásticas particulares

do país. No ano de 2009, resolveram mudar para o colecionismo de fotografias,

fato decisivo para a composição da coleção exposta atualmente no Museu da

Fotografia. Podemos dizer que Silvio Frota não é o sujeito que devotou sua

trajetória à Fotografia, pois a escolha das obras se mostrou por vezes aleatória,

voltando-se muito para autores e obras já consagradas por imagens que tiveram

grande difusão e os tornaram nominalmente reconhecidos.

Seu percurso como colecionista é também recente. Em não menos de dez

anos inaugurou, como relatou para o jornal “O Estado de São Paulo” em 20 de

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março de 2017, um percurso de investimento em leilões, iniciado com a compra

da fotografia de Steve McCurry, “A menina afegã”. Até então, a maior influência

do colecionista vinha das artes plásticas. E esta ainda pode ser notada na

escolha de construção de um museu. A eleição de uma instituição museológica

devotada à fotografia denota o desejo de conferir autenticidade ao seu

empreendimento na cidade de Fortaleza e mesmo no Brasil. Uma avaliação

prévia do campo da fotografia nesse caso é determinante para levar à frente tal

investimento. Sua escolha, em algum momento, deve ter passado pela crescente

importância que a prática fotográfica começou a receber e o quanto a cidade já

se encontrava envolvida com a prática. É o teor artístico que caracteriza o valor

mais elevado atribuído pelo investimento dos empresários na imagem

fotográfica.

Houve, na construção do espaço, expectativas de que o Museu da

Fotografia impactasse a cidade de modo a gerar alterações sociais. Essa

abordagem esteve presente no discurso de Silvio Frota desde as primeiras

entrevistas concedidas aos jornais da cidade. Segundo o colecionista, o lugar

destinado para a instalação do Museu e o prédio escolhido, sede do antigo

Instituto Brasil-Estados Unidos (Ibeu), foram pontos estrategicamente pensados

que aumentariam a probabilidade de o investimento gerar grande impacto na

economia e nas atividades culturais da cidade. Essa perspectiva é explicitada

em entrevistas cedidas pelo empresário antes da inauguração do espaço.

“Toda a região ao redor do museu vai sofrer uma requalificação com esse empreendimento, principalmente pelo tamanho (2.500 m²) e localização dele”, Sílvio comenta. “Além disso, o museu é mais um incentivo à alfabetização visual, uma educação necessária se considerarmos que as imagens estão cada vez mais presentes no nosso dia-a-dia (Retirado de Jornal da Fotografia, ano 2016).

Silvio Frota percebe o Museu como um empreendimento que

inevitavelmente contribuirá para o desenvolvimento local dos artistas e

profissionais da área e para a cidade que vai passar a encarar a fotografia a

partir de uma nova perspectiva, pois, segundo ele, a dimensão artística da

fotografia foi pouco ressaltada na trajetória dessa prática no nosso estado.

Conforme o proprietário, o Museu da Fotografia é um "presente" para cidade, para os fotógrafos e para a valorização do segmento artístico. "Queríamos dar um presente para a cidade, para os profissionais da

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fotografia, porque eles são injustiçados. As fotos foram consideradas os primos pobres da pintura. Agora, como a fotografia está numa evolução muito grande, as fotos estão saindo desse baixo patamar, e os fotógrafos passam a ser reconhecidos como artistas. O que eu fiz foi me antecipar a isso" (Retirado de G1-CE 07/03/2017).

Há um reforço dessas perspectivas no discurso do curador Ivo Mesquita.

Para ele, o Museu é um equipamento importante porque atribui reconhecimento

e institucionaliza a “linguagem fotográfica”22. O aumento no fluxo do turismo

cultural em Fortaleza é também visto como potencial resultado para a cidade a

partir desse investimento.

Em termos numéricos, o novo museu realmente contribui para uma

reconfiguração do acervo patrimonial material presente na cidade de Fortaleza.

Sua proporção, porém, ainda não pode ser calculada. Essa presença

institucional somada às demais existentes pode gerar um novo sentido para a

configuração social local.

Historicamente existem alguns casos que podem elucidar processos de

transformação de bairros e cidades a partir de uma reconfiguração local dos

equipamentos culturais. A fundação do Museu Guggenheim de Bilbao, na

Espanha é um exemplo. Localizado na província de Biscaia, Espanha, Bilbao era

uma cidade industrial portuária que estava passando por um processo de

degradação. A construção do museu fez parte de um plano de renovação da

cidade. O sucesso do empreendimento propiciou um novo desenvolvimento

social para Bilbao. Sua fundação gerou um efeito cascata. O fluxo de turismo

cresceu vertiginosamente e o terceiro setor também foi impulsionado pelo

crescimento no contingente de pessoas que visitavam a cidade23.

O “efeito Bilbao”, termo utilizado para explicar o desenvolvimento

econômico e cultural a partir da inserção de uma edificação que se converteu

em patrimônio, também ocorreu em outras cidades. É o caso do bairro Etats-

unis, na cidade de Lyon, França, historicamente fabril, de ocupação popular nos

anos 1990. A cidade passou por um processo de desvalorização e crescente

estigmatização decorrentes do aumento dos índices de violência no bairro. A

requalificação do espaço foi resultado de uma política de patrimonialização da

22 Vídeo exibido na página oficial do Museu da Fotografia no Facebook. https://web.facebook.com/museudafotografiafortaleza/?fref=nf 23http://www.archdaily.com.br/br/786175/classicos-da-arquitetura-museu-guggenheim-de-bilbao-gehry-partners

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memória do arquiteto Tony Garnier e do conjunto edificado por ele, levando os

moradores à percepção do bairro a partir de uma imagem renovada.

Ora, no Estado francês, patrimônio e cultura são atualmente um todo que

conforma uma das principais fontes da economia (CHENEVEZ, 2016). Ao

reinventar o imaginário do bairro utilizando-se de um mecanismo socialmente

valorizado, o cotidiano da própria classe trabalhadora em sua relação com o

conjunto edificado, este espaço passou a se inserir na rota de turismo e de

consumo de bens imateriais em Lyon.

De fato, a ideia de patrimônio carrega consigo uma espécie de valoração

de práticas e de lugares. O ato de reconhecimento culmina na proteção dos

espaços, mas principalmente em um processo de distinção dos grupos

envolvidos. (CHENEVEZ; RODRIGUES, 2013). Poderia Fortaleza vivenciar um

fenômeno parecido? A presença das instituições culturais gera a possibilidade

da criação/reformulação de culturas visuais (RODRIGUES, 2011) a partir do

contato com o público. A avaliação das possíveis transformações sociais

propiciadas pela emergência de novas instituições culturais cabe, mais uma vez,

à análise sociológica dada a complexidade do olhar que deve ser empreendido

nesse contexto para as instituições e as práticas.

O investimento feito no Museu da Fotografia na busca de incitar o

fortalecimento de uma identidade cultural local pode ser percebido na eleição de

fotógrafos cearenses do acervo da fundação Paula e Silvio Frota, para serem

expostos ao lado de nomes reconhecidos na história da fotografia mundial,

apresentando-os como herança local.

As exposições no MFF estão divididas em quatro, “Um imaginário de

Cidades”, “Sobre crianças”, “Jogos de Olhares, aspectos da fotografia moderna

contemporânea” e a exposição “O Norte e o Nordeste para Chico Albuquerque,

no seu primeiro centenário”. Destas, de início, o “Norte e Nordeste” e “Jogos de

Olhares”, que nos apresentam trajetórias da fotografia analógica e digital, seriam

permanentes.

Como estão representadas as mais de quatrocentas imagens que

compõem as primeiras exposições que o museu abriga? Em “Imaginário de

Cidades”, o que salta aos olhos, a partir da escolha e composição da exposição,

são os aspectos sutis que perpassam as diferentes maneiras de abordar a

temática cidade e o cotidiano urbano. O fio condutor na escolha das imagens é

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a expressão, contida de forma explícita ou implícita, de elementos que compõem

as cidades. Temas gerais como desenvolvimento, tempo, modernização e crítica

ao contexto urbano são chaves de entendimento que guiam a exposição. É

possível ver em cada imagem a representação de práticas, modos, hábitos que

compuseram e compõem o contexto de desenvolvimento urbano em seu quase

desenfreado avanço e sobreposição em relação a outras formas de organizar a

vida. É como se a escolha do curador Ivo Mesquita buscasse evidenciar um

elemento comum que está expresso em todas elas – aspectos particulares de

uma abstração chamada “cidade”.

Figura 24 - Tour Eiffel, Paris, c. 1953

Fonte: http://cultura.estadao.com.br/blogs/sheila-leirner/marc-riboud-um-grande-da-fotografia-humanista-desaparece/

Vemos representações de momentos reconhecidamente consagrados de

formação do ideal urbano com o clik de Marc Riboud (imagem 6 - Tour Eiffel,

Paris, c. 1953) de um homem performatizando um pintor que faz os toques finais

na grandiosa Tour Eiffel. É possível ver também as transformações pelas quais

passa uma cidade com as imagens de Militão Augusto (imagem 7 - Vista da

Cidade a partir do caminho de Tabatinguera, São Paulo - SP, c. 1862) que

retratou uma São Paulo definida como universo que se situa entre o rural e o

urbano, um limiar que é representado em sua fragilidade ao retratar, em uma das

fotos, uma estrada de terra batida que culmina em uma vila. Talvez essa seja

uma metáfora do modo como o rural era visto na sua época, como mais um fator

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de atraso em vias de extinção. Em outra imagem (Rua do Rosário,

posteriormente 15 de novembro, São Paulo – SP), é possível ver mais uma vez

a relação rural e urbano. Na sua composição, uma rua de pedra em sua

perspectiva longitudinal, revelam-se, nas laterais, fachadas de casas e

comércios. Uma arquitetura caracteristicamente urbana, senhoras e senhores

em trajes formais e, ao fundo, uma pessoa de modos aparentemente mais

simples acompanhada de um cavalo.

Figura 25 - Vista da Cidade a

partir do caminho de Tabatinguera

Fonte:http://www.faap.br/hotsites/panoramas/fancais.asp

Figura 26 - Em processo

Fonte:http://dragofotos.wixsite.com/drago/em-processo

Vemos também momentos de celebração, na foto de Jean Manzon (S/T,

S/D) de uma arquibancada cheia de pessoas apreciando uma corrida de cavalos.

A estas impressões acrescenta-se a imagem de Nery Carvalho – uma festa de

rua com pessoas fantasiadas (26 do 06, 2011, São Paulo – SP).

Figura 27 - Cavalaria na Candelária

Fonte: http://photos.com.br/evandro-teixeira-em-entrevista-exclusiva/

Figura 28 - Passeata dos 100 mil

Fonte: http://photos.com.br/evandro-teixeira-em-entrevista-exclusiva/

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No mesmo pavilhão, momentos de revolta popular e repressão com as

imagens da ditadura feitas por Evandro Teixeira (RJ, 1968), (Passeata dos 100

mil, 1968), (Cavalaria na Candelária, 1968). São imagens históricas de

momentos que mudaram os rumos de formação do país. São fotografias que

expressam o domínio e a ação violenta a que os brasileiros que se opunham ao

regime a que estavam submetidos. As imagens de Teixeira são também um fio

condutor que cria um vínculo com outras imagens presentes na mesma

exposição. É o caso daquelas feitas por Victor Dragonetti (imagem 8) na série

“Em processo”, a qual trata das revoltas de 2011 no Brasil.

Outro tom crítico é aquele assumido por Sebastião Salgado na imagem

que fez dos trens na estação. A longa exposição da fotografia, flagrando o

movimento das pessoas, cria uma associação nebulosa entre humano e

máquina sem que fique claro onde um começa e o outro termina. Há também

outra incompletude – uma vez identificada a existência de uma massa que se

movimenta, não fica claro se se trata de pessoas ou animais (dada a cor da roupa

que essas pessoas estão usando, predominantemente branca, a qual contrasta

com aquela do topo das cabeças, predominantemente preta). É uma metáfora

da própria vida, a subjugação do humano à rapidez do desenvolvimento de

processos tecnológicos, os quais passam a reproduzir um modo de vida

difundido no mundo Ocidental.

Figura 29 - Estação de Trem

Fonte: http://historiasdaestacao.redelivre.org.br/sebastiao-salgado/

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No segundo pavilhão, vemos a 3º exposição, “Jogos de Olhares, aspectos

da fotografia moderna e contemporânea”. Nesta, como o título já sugere, é

possível encontrar um constante diálogo entre a fotografia que seguia certos

padrões e limites das imagens analógicas e a foto digital, com novos parâmetros

e desafios. Se não foi possível encontrar um princípio unificador nas primeira e

segunda exposições, não é o caso das demais.

A diversidade das obras, dos tempos retratados e das temáticas pode a

princípio confundir, mas traz à tona a trajetória de um acervo particular com um

viés acadêmico pouco desenvolvido e o “gosto”, a princípio, como principal força

decisiva para escolha das obras. O analógico e o digital, assim como o

documental, o jornalístico, o artístico e o contemporâneo juntos formam aspectos

que conduzem as exposições.

Essa perspectiva nos faz retornar ao discurso de Silvio Frota quando

defende um papel educativo para a instituição museológica ao relacionar museu

e alfabetização do olhar. Existe um poder didático das obras expostas, no sentido

de propiciarem um conhecimento mais amplo em termos de nomes

consagrados. Mas o aprofundamento acerca da produção fotográfica é um ponto

pouco explorado. Os recortes temporais também são grandes e os contextos

diversos. Essa escolha foi justificada pelo colecionador,

[...] entendi que eu não podia pegar séries autorais e colocá-las dentro do museu esperando que o público simplesmente entendesse a narrativa por trás delas. Eu precisava de um mote. Eu precisava que as crianças, que as pessoas entrassem e assimilassem o contexto em que aquelas fotografias foram produzidas. (Jornal da Fotografia, 2016).

O público “leigo”, em termos de conhecimento das imagens que passam

a frequentar o museu, tornou-se o escopo das primeiras exposições. O discurso

de apresentação do museu tornado público pelos jornais aparece como uma

forma que os representantes do MFF encontraram para justificar a escolha das

obras e a própria disposição destas nas exposições. Essa manifestação

converge com o propósito educativo defendido pelos empresários do museu,

mas torna-se dividida quando vemos uma programação de palestras e cursos

voltados também para o público profissional.

A ideia do museu como instrumento de educação do olhar faz referência

a uma suposta forma correta de apreciar uma imagem fotográfica, afirmando

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desse modo que, em um lugar legitimado, o museu, é possível aprender e se

relacionar com a produção imagética fotográfica. É possível evidenciar que, ao

assumir tal perspectiva, outras experiências visuais urbanas são deixadas de

lado, as quais podem ser presenciadas pelos sujeitos que habitam a cidade ou

o meio campesino.

Os responsáveis pelo MFF creem que o acervo em pauta seria capaz de

propiciar uma conscientização acerca da importância da imagem fotográfica

presente na realidade cearense, enfatizando, principalmente, o caráter plural

desse tipo de produção imagética. Porém, um único contato com tais imagens

não esgota as possibilidades de contiguidade de experiências passíveis de

serem alcançadas. Apresentadas em um museu, essas fotografias,

inevitavelmente passam a se revestir de um status artístico, induzindo o público

a lançar um olhar mais sensível, acurado e menos banalizante para outras

imagens fotográficas que acessamos no cotidiano.

O poder de legitimação dos museus aponta a intenção direcionada à

fotografia quando colocada como ponto central em um espaço historicamente

destinado às artes plásticas. Esse paralelo entre arte e fotografia é uma

constante nas escolhas e nos discursos do colecionador Silvio Frota e do curador

Ivo Mesquita. A escolha do curador também revela sua compreensão dessa

relação. Ivo Mesquita apresenta um histórico de reconhecimento trilhado no

campo das artes plásticas, pois foi curador-chefe da 28° Bienal de São Paulo,

além de ter sido diretor artístico e curador da Pinacoteca do estado de São Paulo

de 2000 a 2015.

A quarta exposição é também uma homenagem ao centenário do

fotógrafo cearense Chico Albuquerque. Com o título, “O Norte e o Nordeste para

Chico Albuquerque, no seu primeiro centenário”, a exposição teve um espaço

destinado às fotografias que foram feitas nas filmagens do documentário It is all

true (É tudo verdade). Em um total de treze imagens, vemos o trabalho de Chico

Albuquerque quando foi fotógrafo de cena no filme dirigido por Orson Welles. As

filmagens não foram concluídas por conta da morte de um dos jangadeiros, mas

a experiência vivida por Albuquerque contribuiu de forma definitiva para sua

formação, ampliando seus domínios em fotografia (Veloso, 2013).

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Figura 30 - It is all true

Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/It%27s_All_True_(film)

Figura 31 - Reisado

Fonte: http://blogdoims.com.br/gautherot-volta-a-paris/

Na recepção do pavilhão temos Marcel Gautherot e Celso Oliveira que

apresentam rostos e personagens comuns ao Nordeste em momentos festivos:

Boi Bumbá, Reisado e o Quilombo. Após as primeiras imagens, é possível

perceber o cotidiano como tema. São imagens que de alguma forma trazem a

presença do habitual, fazendo um jogo entre elementos ordinários e

extraordinários.

Entre imagens de terços e artefatos que compõem o universo do religioso,

encontramos a primeira foto de Tiago Santana: um quadro de Cristo fora de

alinhamento que no canto direito recebe a projeção de sombras vindas de uma

porta. É a representação do sagrado que comporta em si, e nem por isso se

“dessacraliza”, a dimensão do que é próprio do mundo terreno, a imagem de

duas crianças que se delineiam nas sombras. Duas imagens elaboradas por

Santana que também estão presentes na exposição trazem a relação entre a

suposta religiosidade nordestina e uma certa “rotinização” da fé. Ela perde o

caráter extraordinário e se torna elemento comum, difundido no cotidiano. As

fotografias de Tiago Santana se definem por um olhar contemporâneo

empreendido pela fotografia, com narrativas que envolvem cenário, história e

percepções do fotógrafo. Suas imagens não trazem informações cristalinas em

sua completude para aqueles que se colocam diante delas. São os elementos

presentes que ajudam o apreciador a entender e se aprofundar na atmosfera

contextual retratada.

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Figura 32 - Benditos

Fonte: http://infograficos.estadao.com.br/galerias/gerar/677

Figura 33 - Benditos

Fonte: http://infograficos.estadao.com.br/galerias/gerar/677

É também na quarta exposição que são apresentados trabalhos de José

Albano no MFF. Com cinco fotos da sua exposição maior, “Crianças Tapebas”,

Albano tem sua presença circunscrita no museu da Fotografia. No ensaio

“Crianças Tapebas”, o que se vê é um estudo detalhado daqueles rostos, dada

a delicadeza e o cuidado que Albano teve em apresentar-nos a realidade das

crianças da etnia Tapeba, como ele mesmo afirmou: “A claridade no rosto das

crianças era a luz natural do céu e a luz do sol refletida da rua, que gerava

também o brilho em seus olhos. Assim, eu queria passar, da forma mais pura, a

emoção da beleza daqueles rostos” (Albano apud MFF, 2017). Seu trabalho

expressa a diligência por uma valorização dos sujeitos da imagem captada,

revelando, na sua forma de “escrita” um olhar acurado e atencioso que teve

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como objetivo expor a dificuldade social, não pelo viés do drama, mas na

delicadeza e beleza da população infantil Tapeba.

É perceptível uma criação objetiva que leva o observador à composição

da fotografia documental, não à fotografia de denúncia, mas a imagem

documental narrativa que se propõe a reproduzir todas as partes que concorrem

para construir uma cena sem tornar obtuso qualquer elemento necessário para

seu entendimento, mas não é só de objetividade que as imagem de Albano estão

compostas.

Figura 34 - Crianças Tapebas

Fonte :https://josealbanofotografias.wordpress.com/tapebas/

Figura 35 - Crianças Tapebas

Fonte :https://josealbanofotografias.wordpress.com/tapebas/

É no terceiro andar que se encontra o ponto de convergência entre o

museu e a cidade, mediante a ênfase na abordagem do regional. A temática vai

além da dualidade litoral-sertão e expõe outras paisagens que são comuns às

regiões nomeadamente conhecidas como Norte e Nordeste. A confirmação da

quebra dessa dualidade é frisada no texto de curadoria que abre a exposição:

[...] a exposição apresenta uma seleção de trabalhos de sucessivas gerações de fotógrafos, com imagens históricas e contemporâneas de paisagens que vão do mar ao serrado, retratos dos diversos tipos humanos que aqui vivem e trabalham, além de registros de festas e celebrações da região Norte e Nordeste. São esses profissionais que tem dado continuidade a um imaginário histórico, assegurando uma produção qualificada e original de fotografia, e sua pertinência social e cultural, por meio de circuitos comprometidos e proativos. (Mesquita, texto de curadoria, 2017).

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Os elementos presentes nas trajetórias individuais somados as ações

institucionais de nível mais amplo formam juntas matéria capaz de situar

historicamente o desenvolvimento da presença da imagem fotográfica no Ceará

e apontar fatores que concorreram para a formação e para a manutenção do

campo da fotografia no Estado.

José Albano e Tiago Santana representam, nessa pesquisa, duas

influências que deram início às suas trajetórias como fotógrafos em diferentes

momentos históricos e paradigmáticos da fotografia no mundo. A escolha de

Albano está pautada em um olhar que busca privilegiar o entendimento da

formação local da prática fotográfica partindo de um personagem que possui

carreira e escolhas singulares. Zé Albano fez mudanças em seu eixo temático-

profissional, transformando paradigmaticamente o tipo de imagem produzida que

abandona a dimensão de documento e parte para a expressão.

Tiago Santana é o contraponto direto a Albano. Seu contato com a

fotografia foi propiciado pela possibilidade de fruição do ato, sem ter de imediato

a imposição mercadológica. Sua imagem cinde de partida com a métrica

documental e Santana se torna conhecido no meio fotográfico pela sua escrita

contemporânea. A postura mais acadêmica, com as publicações em livro dos

seus ensaios, e o reconhecimento artístico, propiciaram trajetos e méritos

diferentes dentro do mesmo campo.

A escolha do Museu da Fotografia como elemento congregador para a

análise faz parte do esforço em compreender como as produções dos artistas e

dos trabalhadores do campo da fotografia caracterizam-se como um todo de

mútua influência, capaz de estabelecer redes de relações.

Os trabalhos dos fotógrafos e dos artistas do Estado do Ceará em uma

soma de esforços culminaram em uma grande rede que convergem com a ação

institucional de caráter autônomo e privado, contribuindo para a expansão do

consumo, produção e difusão da imagem fotográfica no estado. É no ato de

desvelar as múltiplas influências para a formação e estruturação da fotografia

que se direciona, através de um olhar mais acurado, para a produção e atuação

de José Albano e Tiago Santana que se circunscrevem no campo como formas

opostas do fenômeno de um caso particular do possível.

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4.1.1 O olhar situado a partir da experiência do museu da fotografia (MFF)

De fato, é pela conjuntura das imagens contemporâneas não serem

pautadas somente pelo seu aspecto técnico e não necessitarem de

enquadramentos assim como usos únicos e objetivos que a sociologia e outras

ciências sociais podem livremente apropriar-se de seus usos. “[...] é

compreensível que as fotografias devam ser objeto de uma leitura sociológica; e

que nunca sejam consideradas em si mesmas e por si mesmas em termos das

suas qualidades técnicas e estéticas”. (BOURDIEU; BOURDIEU, 2006, p. 34).

É desafiador compreender o uso das imagens como um meio expressivo.

Segundo Porto Alegre, foi a semiologia a área de estudos responsável por nos

fornecer os signos necessários para apreender a iconografia como uma forma

de produção de sentido eficaz. Formas comunicativas diferentes requerem do

nosso funcionamento orgânico o acionamento de diferentes sentidos. Desse

modo, a “Sequência de operações lógicas possíveis com o suporte da escrita,

do papel e de um lápis” não são os mesmos mecanismos ativados ao contar uma

história ou utilizar de imagens como forma de expressão. (SAMAIN, 1998, p. 52).

Porém, a própria visão semiológica aprisiona quando sugere ao olhar seus

códigos e signos.

Como empreender um olhar que não aprisione as formas e forneça os

dados necessários para a compreensão da prática fotográfica como um ato que

é acima de tudo social? Partindo da contribuição da Sociologia da arte que

percorreu e percorre um trajeto de bastante desenvolvimento teórico, podem-se

levar em consideração as análises que se voltam para a estruturação dos

campos sociais. Da análise sociológica das obras, novos caminhos podem ser

traçados para a compreensão de uma sociologia do produto fotográfico.

O que se intenta é trilhar um percurso que tem como ponto de

convergência o Museu da Fotografia para entender os processos sociais que

envolvem a produção fotográfica na cidade de Fortaleza. O museu se mostra

como um lugar de encontro onde acontece a confluência da instituição, das

obras, dos agentes e do público no caso particular da fotografia no estado.

O ponto de partida e de chegada no percurso traçado até então é aquele

que segue as imagens fotográficas como chaves de entendimento para a

formação de bases na construção de uma sociologia da fotografia.

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A análise das obras, como aponta Nathalie Heinich (2008), é um caminho

que passa a ser percorrido pelos sociólogos que não desejam estar presos pelas

formalidades dos seus temas de estudo, mas que por vezes pode apresentar-se

para o pesquisador como um percurso sinuoso. A investigação das obras pode

ser definida como uma passagem “da análise externa à análise interna”, em

outras palavras, uma observação que parte “do contextual ao estético”.

Essa incursão pode levar tanto a uma falta de entendimento por parte dos

outros campos de estudo em relação ao sociólogo que intenta realizar análises

estéticas, e, por outro lado, corre-se o perigo do pesquisador adotar uma

perspectiva que fuja do campo de análise da sociologia. São riscos que podem

afetar o desenvolvimento da pesquisa. Por último, um das maiores e

possivelmente mais receadas ameaças é decorrente da falta, nos estudos em

sociologia, de métodos voltados para análise das obras. Porém, tal análise,

apesar de realizada sob pena de muitas incertezas, não é de todo descartada.

Sua realização foi construída a partir das contribuições desenvolvidas por outras

disciplinas, mais especificamente “história e crítica de arte”. (HEINICH, 2008, p.

132).

Por sua vez, a sociologia da arte muito tem a contribuir e fundamentar

para a percepção sociológica da fotografia. Para tanto é necessário avaliarmos

até onde se fazem os encontros e desencontros das correntes noções de arte e

seus entrecruzamentos com a percepção da produção fotográfica. A definição

de objetos como artísticos passa por olhares mais amplos que aqueles que se

pautam na atribuição de valores. Diversos são os elementos que corroboram

para tal definição, mas é a partir da contribuição de Pierre Bourdieu (1996) que

muitas análises sociológicas dos produtos artísticos apresentam conexões entre

a trajetória dos indivíduos envolvidos, suas associações ao longo do tempo, as

influências e as próprias estruturas externas que influenciam, contribuindo ou

gerando impedimentos, que afetam de forma definitiva para a formação e

consagração, ou não, dos campos de atividades sociais.

As relações estabelecidas dentro de um campo incluem atos de seleção

dos indivíduos que podem se encaixar no funcionamento interno, mas sobretudo

a exclusão de tendências e pessoas que não fazem parte do projeto de

formalização e também transformações das práticas e o alargamento de

fronteiras. A própria reflexão sobre o abjeto artístico e sobre seu realizador passa

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por balanços temporais que vão variar mais ou menos ao passo que se formam

as pressões sociais em torno de tais reivindicações. Tais transformações podem

acontecer não necessariamente partindo de solicitações conscientes, mas de

práticas novas ou renovadas que forçam os campos a reavaliações dos seus

pressupostos base. Desse modo é notável como,

[...] as proposições dos artistas contemporâneos provocaram um alargamento da noção de arte, ao mesmo tempo que um corte, sempre mais marcante entre iniciados, que integram esse alargamento ao seu espaço mental, e não iniciados, que reagem reafirmando os limites do senso comum. (HEINICH, 2008, p. 140).

Ao passo que a história do campo cresce e o auto referenciamento se

torna marca dos produtores, fortalecem-se as aproximações entre os indivíduos

que compartilham dos mesmos códigos ao passo que se torna latente o

afastamento daqueles que já se encontram do lado de fora. Como definir, então

o epicentro em torno do qual giram os processos de reconhecimento do artista e

da sua obra? Heinich aponta alguns elementos para a compreensão dessa

construção social:

‘Obra’ é, num primeiro sentido, um objeto de arte, criado por um autor. Para ser percebido como uma obra e não como um objeto (uma coisa), são necessários ao menos três condições: primeiramente, que esteja livre de qualquer função que não seja estética (função utilitária, função cultural de devoção, mnemônica, função documental, função erótica etc.); em segundo lugar, que esteja ligada, pela assinatura ou atribuição, a um nome próprio de artista [...]; em terceiro lugar, que seja singularizado, isso é, considerado não substituível, dada sua originalidade e unicidade. (HEINICH, 2008, p. 130).

A produção fotográfica poderia ser analisada a partir de tal definição? Se

observamos a fotografia como “[...] um sistema convencional que exprime o

espaço segundo as leis de perspectiva [...] e os volumes e as cores por meio de

degrades de preto e branco”. De fato, estaria condicionada a imagem fotográfica

a grandes distâncias das obras de arte resultantes de processos de criação e

transformação dos conteúdos sociais. (BOURDIEU, 1965, p. 100).

“Se é verdade que ‘a natureza imita a arte’, é natural que a imitação da

arte apareça como a imitação mais natural da natureza”. Tal perspectiva, que

esteve pautada na imagem fotográfica documento, não vislumbrou a capacidade

expressiva da fotografia porque esteve focada em demonstrar sua capacidade

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mimética. Bourdieu, por um lado, depositou na imagem fotográfica uma

capacidade reprodutiva cega que não é própria do processo, mas sim dos usos

da imagem. É o uso social, como define o autor, que dá a significância da

imagem produzida. Ela é realista em conformidade com as regras sociais, então,

em termos de potencialidade, ela é capaz de responder de forma positiva às

solicitações de verdade advindas do social. Porém, nem as imagens se

encontram presas às limitações da representação (dado seu desenvolvimento

técnico e poder de “invenção”), nem a equivalência entre realidade e imagem é

mais o estímulo único feito às imagens. Ela ultrapassou, com a quebra dos seus

paradigmas miméticos reprodutivos, o status de uma imagem que só possuía

semelhança e não agregava significação social nenhuma, além daquela que ela

houvera “roubado” da cena retratada. Essa mudança, porém, acontece nada

mais, nada menos, sob o signo de transformações sociais da imagem e na

resposta dessa imagem em conformidade com as novas condutas sociais.

[...] é em nome de um realismo ingênuo que podemos tomar uma representação realista do real, que deve aparecer como objetivo não à sua concordância com a própria realidade das coisas, mas à conformidade de regras, que definem sua sintaxe em seu uso social, para a definição social de visão objetiva do mundo; Ao conferir à fotografia uma patente do realismo, a sociedade nada mais faz do que confirmar-se na certeza tautológica de que uma imagem da realidade em conformidade com sua representação de objetividade é realmente objetiva. [...]”. (BOURDIEU, 1965, p. 113).

Bourdieu aponta-nos a formulação de que o significado defendido

socialmente será de fato a significação atribuída à prática social. É, portanto, na

própria mudança organizacional da sociedade industrial baseada na

reprodutibilidade técnica da vida para uma sociedade pautada no fluxo de

informações, que acontece a mudança da fotografia com bases miméticas para

uma fotografia de fluxo, de expressão.

Uma vez que à imagem fotográfica são somados novos códigos para

atribuir-lhe significação, códigos que não estejam pautados na utilidade imediata

da imagem e nem a associem a intenções documentais, elas recebem

direcionamentos importantes rumo a sua produção como um ato de criação.

Ao observar a imagem fotográfica a partir de perspectivas criativas, não

necessariamente disputando com a arte um lugar de reconhecimento, mas

coabitando e partilhando os meios artísticos, tornaremos latente seu potencial

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criador, das imagens fotográficas desligadas “[...] da fotografia comercial e

funcional, oposta à ilustração e ao documento [...]” uma imagem que expressa a

partir de seus próprios meios. Tal ponto de vista é categórico para “[...] concede[r]

um lugar central à ‘personalidade criativa da fotografia’ e à experimentação dos

meios propriamente fotográficos”. (ROUILLÉ, 2009, p. 81).

A crescente importância e ressignificação da fotografia, como arte

fotográfica, irrompe nas diferentes aparições sociais que envolvem tal imagem,

como a criação de cursos de formação de fotógrafos e analistas da imagem

fotográfica, pelo aumento de exposições, pela crescente importância atribuída

por museus a essas imagens, no surgimento de estudos e publicações e em uma

série de movimentos sociais que demonstram o crescente interesse em entender

a imagem fotográfica como mercadoria e como arte.

No caso em questão, é o próprio surgimento de um museu da fotografia

que instiga a investigação do crescente desenvolvimento da imagem fotográfica

vivenciada nos últimos anos na cidade de Fortaleza. Sua expansão, todavia, não

diz respeito somente à intensificação de um sintoma mercadológico, mas

também ao desdobramento de uma manifestação cultural.

É em termos dessa aparição como acontecimento cultural que a fotografia

passa a englobar, como nas artes plásticas, uma relação entre fotógrafo, autor,

obra e público. Nessa relação se faz possível contemplar o espaço não só em

sua estrutura, mas como fenômeno que corrobora para o empreendimento da

análise das imagens.

É o museu o espaço vivencial de junção desses componentes, não

espaço único de exposição e contato entre os indivíduos do campo, mas índice

de uma relativa autonomia adquirida pela fotografia. De uma perspectiva que se

direciona da instituição para a fotografia, o MFF é um espaço em Fortaleza que

congregou o encontro da trajetória do fotógrafo com o amador da fotografia. Um

espaço de reconhecimento mútuo que propicia troca e interações.

É esse espaço, fundado há um ano, que simboliza para o olhar analítico

a estruturação cada vez mais eficaz da produção e fruição da arte fotográfica.

Tal se apresenta como indicador de processos de autonomização da prática em

Fortaleza.

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Figura 36 - Texto de abertura da exposição “O Norte e o Nordeste” do MFF

Fonte: Próprio autor

O ponto de ligação entre os artistas fotógrafos que foram trabalhados

nessa pesquisa e outros autores que mantêm uma vinculação regionalista com

o seu trabalho esteve reunidos na exposição “O Norte e o Nordeste para Chico

Albuquerque, no seu primeiro centenário”. A curadoria das exposições traçou um

percurso que é também aquele da descoberta da trajetória da fotografia

culminando com o último andar numa aproximação emocional e cultural com a

exposição de diferentes perspectivas sobre “Norte” e “Nordeste”. O caminho,

festivo, religioso, emotivo e expressivo cria uma imersão a partir de diferentes

perspectivas que tem como mote o regional.

A relação com o olhar regional permite também reformulações das

impressões já historicizadas do sertão como espaço de misérias e vidas

impróprias e sem oportunidades, e fornece a abertura de espaço para

construções que estejam somadas às marcas culturais outras que não só

àquelas de sofrimento.

Ainda hoje é constante a associação da seca como a condição

permanente do nordestino, como dado imutável, no imaginário do brasileiro. A

seca que certos estados do nordeste enfrentam é muito mais política que um

fatalismo do meio. É inevitável perceber como o (re)conhecimento criado sobre

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a realidade do outro é predominantemente um pressuposto que legitima a

negligência. A visão parcial sobre a realidade gera discursos que enfatizam

apenas o que é de interesse para produzir a dominação. Dessa feita, quando

dos primeiros registros realizados por jornalistas da seca de 1877/79 nos estados

que estavam em situação de calamidade pública, foi a imagem da degradação

humana que se cristalizou e passou a representar a região Nordeste do Brasil.

O impacto dessas primeiras imagens deve ser desconstruído, e já o é, por novas

imagens que expressem o protagonismo e não a miséria. Nesse sentido, o

pavilhão “Norte e Nordeste” proporciona o encontro com diferentes imagens que

intentam justamente dialogar sobre a identidade regional.

Figura 37 - Celso Oliveira

Fonte: Próprio autor

Figura 38 - Benjamin Abrahão

Fonte: Facebook do MMF

Figura 39 - Pierre Verger

Fonte: Próprio autor

Figura 40 - Jucá Martins

Fonte: Facebook do MMF

Figura 41 - Tiago Santana

Fonte: Próprio autor

Figura 42 - Luiz Braga

Fonte: Facebook do MMF

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Percebe-se, desse modo, a produção fotográfica como um ato formador

e de reforço de identidade. (Bourdieu, 1965). Compreende-se a importância que

se reveste o ato de utilizar a produção de imagens para compor o quadro

Nordeste e os riscos desse uso quando pautado na representação e não na

expressividade de tal realidade que foi sendo moldado pelos produtores de

informação. A fotografia produzida, de acordo com Bourdieu (1965), também

revela a distinção de classes. As imagens manifestam associações entre

indivíduos e espaços e pensam esses espaços como meio narrativo, não só das

discurssividades cristalizadas, mas nas influências que as imagens fotográficas

produzem para além da função estética. Lembrando que a ideia de verdade é

uma perspectiva sustentada por uma oposição equivocada e binária “[...] de um

lado, [é] a representação das coisas do mundo; de outro, o testemunho de sua

existência. Oscila entre a essência (da fotografia) e a existência (das coisas) [...]”

(ROUILLÉ, 2009, p. 199).

As imagens possuem suas próprias singularidades. Sua produção é

resultado de interações. Transparecem, desse modo, algumas características do

meio social. Compreende-se que não se trata da avaliação de um objeto estático,

pelo contrário, é sua mobilidade e associações cotidianas que assinalam sua

produção imagética (MARTINS, 2008). Assim, muitas vezes, é concebível

absorver informações históricas, estatutárias de determinada época e das

posições sociais ocupadas pelos indivíduos, não porque as fotografias são

meras repetições, mas porque comunicam também a partir de elementos reais

e valores sociais. Os “[...] clichês são tanto a imagem das coisas (materiais)

quanto as maneiras (imateriais) de vê-las fotograficamente”. (ROUILLÉ, 2009, p.

201).

A análise das obras gera a oportunidade de compreender produtor e

produção, ao manter, outrossim, como foco, os contextos de surgimento de

ambos, uma vez que existe uma “[...] indissociabilidade da noção autor e obra

[...]”. Existe, porém, o risco da construção de uma análise que privilegie mais ou

menos a obra ou a personalidade do seu produtor. Desse modo, Heinich alerta:

“A noção de obra oscila [...] entre esses dois polos, opostos: dos objetos e das

pessoas. Por essa razão, a sociologia da arte, antes de “falar das obras”, teria

todo interesse em elucidar sob quais condições elas são tratadas como tais, e

por quais atores”. (HEINICH, 2008, p. 130).

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O receio de produzir uma análise que não tenha como base métodos

sociológicos ainda é uma questão para a sociologia da arte, que, por se debruçar

sobre conteúdos muito simbólicos, gera a desconfiança dos pares. Essa também

é, atualmente, uma problemática para a sociologia da fotografia. Uma vez que a

sociologia da arte fundamenta boa parte da sua produção nas contribuições de

Pierre Bourdieu, é também aí, como ciência que estuda acima de tudo os usos

sociais da imagem, que a sociologia da fotografia pode ancorar-se.

É importante pensar em que medida a participação das imagens

fotográficas em ciência se faz fundamentada na ideia de verdade. Cabe à

sociologia problematizar a imputação de verossimilhança às imagens. É um

encontro paradigmático que acontece quando do uso científico da imagem. De

um lado ciência, do outro, expressão. A imagem fotográfica ganhou força e

autonomia a partir do momento em que passou a ser compreendida como

elemento de expressão, portanto desprendida das pretensões de verdade que

compartilham os documentos científicos. Dito de outro modo, a dimensão

simbólica das imagens fotográficas é muito maior que a objetividade prática das

produções descritivas. Talvez esses descaminhos possam fazer parecer

impossível uma associação.

Essa também é uma problemática no estudo da arte. A parcela de

subjetividade do material artístico e imagético é maior do que dos materiais

“puramente” científicos pautados na escrita, o que leva alguns pesquisadores a

colocarem em desconfiança a legitimidade da análise sociológica produzida. “Ao

longo da história da fotografia, as práticas, os atores, os usos, as imagens, as

formas e as técnicas mobilizadas vão continuar a oscilar entre estes dois polos:

a ciência e a arte, que se afirmam com força desde os primeiros dias”. (ROUILLÉ,

2009, p. 199).

O entendimento de que a fotografia estaria inevitavelmente presa à noção

de verdade em alguns momentos parece ser confirmada por Bourdieu quando

reafirma que a fotografia é também representação do real, mas, de modo dúbio,

retifica esse ponto de vista quando afirma que ela é depositária da ideia de uma

verdade social. O que ela afirma é que existe uma crença subentendida de que

a fotografia de família expressa uma verdade para aqueles que dela

compartilham. Se a cena de casamento foi construída ou se de fato foi um

evento, não importa, pois não é nesse ponto que está depositada a crença.

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Contanto que esse registro esteja presente no acervo pessoal de alguém e que

seja interpretado como algo importante, essa será a verdade social da imagem.

A relevância não está no mérito da cerimônia ter existido ou não, mas na

importância atribuída ao colecionismo de imagens fotográficas.

A imagem é vista como um meio que possibilita a interpretação dos

momentos de afirmação das convenções sociais e processos de construção

identitária que se faz a partir do ato colecionista de guardar imagens.

Tal interpretação leva-nos de volta para dentro do Museu da fotografia de

Fortaleza. Inicialmente a sala expositiva que congrega diversos fotógrafos

regionais e que trabalharam sob pontos de vista regional, houvera sido pensada

como exposição permanente, mas sua organização original, de fato, não chegou

a durar um ano. Entre os meses de agosto e setembro de 2017, a exposição foi

retirada do segundo andar e dela foi feito um recorte, sendo reorganizada no

salão térreo. Tal mudança revela o grande fluxo de imagens que o museu passou

a receber – num período de quatorze meses a instituição realizou cinco

exposições – mas indica também, mudanças no eixo formativo e possíveis

adaptações ao público.

A presença do público no espaço museal faz movimentar o projeto de

disseminação de novas práticas visuais desenvolvidas através das fotografias.

O objetivo da direção do museu na figura de Sílvio Frota sempre se apresentou

como pedagógico, investindo em um espaço que forneça novos hábitos visuais

e que seja intermediado pelo poder institucional, conferindo legitimidade à

prática. E o sentido pedagógico da ação se torna mais compreensível quando se

associa o discurso com o eixo formativo do museu. De acordo com Sílvio Frota,

no ano de 2017 o museu recebeu a visita de aproximadamente seis mil crianças.

O projeto do Museu é declaradamente influenciar na formação do hábito de

visitação aos museus. As visitas realizadas foram feitas com transporte fornecido

pelo MFF e com entrada gratuita. Outros grupos minoritários também foram

levados até o espaço, como crianças do Instituto da Primeira Infância (IPREDE)

e idosos do Lar Torres de Melo.

O público, nesse sentido, ratifica o projeto pedagógico largamente

defendido pela direção do MFF. O investimento em dois tipos de público se torna

também perceptível. De um lado, um grupo de olhar mais apurado,

conhecedores e em muitos casos também produtores de fotografias, pessoas

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que se relacionam com a fotografia por diferentes vieses, de modo profissional,

artísticos e mesmo apreciativo da prática. Ao olhar leigo que inicia seus primeiros

contatos, uma atenção mais cuidadosa passa a ser destinada, como as visitas

guiadas e mesmo o fomento a passeios coletivos com destino ao museu.

Esse segundo tipo de contato com o espaço museal muito se assemelha

às obrigações formais contraídas na instituição escolar. As duas experiências de

contato com o mesmo espaço estão condicionadas de muitas formas pelo

espaço social já ocupado por esses indivíduos na cidade e por sua situação

econômica. Em ambos os casos, os diferentes tipos de apropriação fornecem

para a sociologia meios para “[...] acompanhar a variação de valores artísticos

diversamente constituídos segundo experiências de apropriação particulares e

épocas distintas”. (RODRIGUES, 2011, p. 110).

Ao grupo dos olhares iniciado, palestras, debates e oficinas24 com

fotógrafos nacional e internacionalmente reconhecidos são realizadas

mensalmente. O contato prolongado com pontos de vista já reconhecidos dentro

do campo proporciona o constante reforço da instituição que legitima e da

autenticação do olhar legitimador.

É importante perceber como ambos grupos caminham para a

formalização do olhar, de um tipo específico, “[...] para a apropriação cultural que

busca impor-se como ‘legítim[a]’”. (idem, p. 110). Porém, a prática legitimadora

gerada a partir de conhecimentos específicos, parte do grupo que compartilha

desde cedo os códigos necessários para compor o grupo dos iniciados. O “perfil

do público cultivado” realiza seu curso de apropriação das regras e códigos

próprios do campo “tentando impô-la[s] ao público comum como modelo

‘legítimo’, ‘desejável’, o qual converte-se paulatinamente em convenção social

do campo artísticos”. (RODRIGUES, 2011, p. 110-112).

É desse modo que a avalição da postura institucional do Museu da

fotografia pode ser percebida, através das ações que visam incentivar o contato

com instituições culturais apostando num maior desenvolvimento pessoal a partir

24 A exemplo podemos citar alguns dos eventos como, o “Bate papo com Tiago Santana e Gentil Barreira”, Evandro Teixeira e “A importância da fotografia no contexto histórico” e a participação de fotógrafos convidados para debater sobre suas exposições no museu como Gabriel Chaim e Juan Esteves. Existem também os cursos de aperfeiçoamento em fotografia como “A oficina Fotografia de Arquitetura”, “Oficina de construção de câmera obscura”, “Oficina de fotografia de pinhole”, “Oficina de fotografia para dispositivos móveis entre outras. O museu oferece também periodicamente espaço para exibição de filmes e debates.

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das experiências. É o hábito de visitação a museus, ao molde da experiência

europeia, que a instituição visa, a longo prazo, tornar-se elemento imprescindível

de apropriação e formador de olhares.

Nesse sentido, assertiva de Silvio Frota auxilia ao pesquisador na

compreensão de tal projeto educativo:

[...] nós temos que fazer a base da parte cultural dessas crianças. Porque quando [...] eles tiverem numa idade maior, normalmente eles já vão ter uma base de cultura de ter frequentado museus. Então, porque isso é uma prática? Na Europa você vai para o museu, porque? Porque desde o colégio eles obrigam a você, e os pais também, a irem para o museu. Então é o trabalho que nós estamos desenvolvendo para as pessoas terem a cultura de frequentar o museu. (Silvio Frota, 201825).

É através da fruição legitimada, de experiências outras de apropriação

com espaços museais e objetos artísticos, que se anuncia o projeto de

disseminação da formalização de atos de apropriação. Apropriação que

acontecerá de modo relativo às diferentes experiências estéticas de fruição

artística.

Uma sociologia da produção fotográfica, nesse sentido, teria também

como desafios, os diferentes tipos de apropriação feitos pelos diversos públicos.

Sua realização poderia encaminhar-se para a compreensão “[...] de cada

indivíduo [ou seus grupos] como singularidade, pois toda interpretação é o

produto do cruzamento de categorias gerais de apreciação estética e conteúdo

de vida, postos em movimento no processo de apreciação”. (RODRIGUES,

2011, p. 102).

A Sociologia da fotografia fornece condições para pensar o campo da

produção fotográfica como lugar que absorve e reflete as transformações

gestadas a partir das diferentes sociabilidades, pois gera como “produto” forma

diversas de expressão de materialidades às discurssividades, e por sua vez

permite-nos observar e analisar os processos sociais. A fotografia, como aponta

Bourdieu (1965), é meio de observância do social e quando problematizada com

base em seus processos internos de “autoreferenciação” que acontecem no

próprio campo abrem-se diferentes possibilidades de compreender a fotografia

25 Entrevista concedida à autora.

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para além da conexão simples entre dispositivo e impressão para uma dimensão

maior que é a relacional.

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5 CONCLUSÃO

Olho para a escadaria que leva ao salão do segundo andar do museu. De

recepção o texto que homenageia a Chico Albuquerque no seu primeiro

centenário. O ponto de partida da exposição culmina também com o início dessa

jornada que passou por diferentes trajetórias, entre fotógrafos profissionais

outros do campo da fotografia, até chegar nas contribuições de dois indivíduos

singulares no campo e que muito contribuíram para seu fortalecimento.

A sala de exposição que traz os trabalhos de fotógrafos cearenses serve-

nos também de metáfora para pensar o desenvolvimento da fotografia no estado.

Vemos concentrado o esforço mútuo de diferentes artistas que desenvolvem

uma perspectiva regional e que alimentam a relação com o território nordeste. A

sala, que proporciona o entrelaçamento de narrativas, é, por sua vez, o espaço

que leva o observador ao universo nordeste e norte do país. Irrompe no olhar a

vontade de ser mil e se multiplicar em cada história para conhecer a fundo cada

parte desse universo de narrativas que é tão múltiplo e único.

Está, na possibilidade de confrontação com as múltiplas imagens

produzidas em diferentes contextos e condições sociais, a necessidade de

ajustar a análise para um olhar situado. À autora coube a tarefa de associar às

definições históricas atribuídas à fotografia um olhar que propiciasse a

confluência de diferentes abordagens acerca dessa produção. De modo que,

para empreender uma abordagem local, a escolha de dois atores importantes

para o processo de reconhecimento do campo se fez imprescindível, buscando

por último compreender a atuação do museu como um espaço de legitimação

social e formador de práticas.

Algumas questões devem ser assinaladas acerca desses processos. Uma

delas comunica diretamente sobre a apreensão e a interpretação atribuídas às

imagens. Com muita facilidade, deparamo-nos cotidianamente com imagens de

todos os tipos: fotografias, pinturas, artes gráficas, imagens de satélite etc. E, de

forma banal, tais imagens podem deixar de ser problematizadas no cotidiano. E

tal se faz como papel para a sociologia, refletir sobre seus usos, onde eles

acontecem, quais indivíduos partilham.

Desse modo, desconstruir a imagem-documento como um dado da

sociedade da informação se faz imprescindível para que se tornem perceptíveis

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as mudanças paradigmáticas enfrentadas no momento contemporâneo e como

elas sofreram mudanças com o abandono da lógica industrial, marcada pela

produção real de valor, para uma lógica abstrata que resvala para as diferentes

áreas da vida. Não seria diferente, portanto, no campo da produção social de

sentidos, que ganha contornos cada vez mais abstratos e segmentados. É então

trabalho da sociologia empreender um olhar que proporcione uma visão que

parta também do fragmento, mas é capaz de criar conexões com questões que

permeiam a vida em sociedade.

Uma outra questão que se coloca é a importância em compreender como

as trajetórias dos indivíduos estão atravessadas por questões que, de modo

geral, caracterizam os períodos históricos. Existe reconhecidamente a

participação individual para a tomada de posições dentro do espaço social

ocupado, mas a própria estrutura do jogo é já um dado socialmente construído

que muitas vezes é interpretado como imutável por aqueles que se encontram

imersos no jogo.

Uma terceira questão se apresenta com a formação do campo que se vê

atravessado por questões sociais e inclinações individuais: a participação das

instituições para a conformação do contato entre produtores e fruidores.

A presença dos dois fotógrafos, que iniciaram sua produção a partir de

distintas vias, denota o interesse em captar diferentes momentos e diferentes

influências na formação do campo fotográfico cearense. José Albano (1944) e

Tiago Santana (1966) em suas abordagens singulares, concentram

características que perpassam a trajetória de outros fotógrafos. Desse modo

atualmente os seus trabalhos se entrecruzaram e são capazes de “contar”,

partindo de distintos pontos de vista, um pouco da história de seus autores e do

próprio espaço social no qual estão inseridos. Santana e Albano não só se

cruzaram como pessoas durante o curso da vida como foram capazes de

protagonizar histórias em que suas produções também alcançaram o mesmo

espaço.

Essas foram as arestas de um olhar que percorreu, sobretudo, de forma

teórica o desenvolvimento social do espaço de conformação da prática

fotográfica.

Ao mesmo tempo que se deu um processo de autonomização do campo,

também foi perceptível em uma escala pessoal processos outros, aqueles que

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os indivíduos produzem em vias de caminhar ao encontro de suas próprias

autonomias dentro do campo. E assim se consagram indivíduos que possuem

inclinação maior ao mercado, mas que em algum momento se voltam para as

produções, em busca do seu “eu” mais autêntico e também aqueles que,

imbuídos de mais conhecimento sobre o campo, perseguem desde o início um

caminho que privilegie sua própria produção em detrimento das imposições do

mercado.

É caminhando e observando as imagens evidenciadas na exposição que

faz convergir os indivíduos dessa pesquisa que repenso o entrecruzamento dos

diferentes elementos que contribuíram para entender a associação gerada num

espaço social de produção como o meio fotográfico. O início do percurso prezou

pelo reconhecimento de um contexto sócio-histórico que buscou trazer a público

as bases que propiciaram a emergência de um contexto institucional. Em um

segundo momento, buscou-se dar ênfase às transformações da prática e da

interpretação, tanto por parte do fotógrafo quanto pelo amante da fotografia,

observando, então as configurações e reconfigurações do olhar. Tais percepção

ganham forma social quando se faz possível referenciar os lugares de

desenvolvimento, os pontos de partida e chegada. E assim figura o espaço do

museu como o lugar de conjunção dos olhares que se destinam para as

fotografias.

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