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Análise de um processo decisório em um organização publica de saúde

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FUNDAO GETLIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAO DE EMPRESAS DE SO PAULO

MARIA GRAZIA EGIDIA GORLA JUSTA

ALGUNS OUSAM CHAM-LO DE RACIONAL: UM PROCESSO DECISRIO NA SECRETARIA ESTADUAL DE SADE DE SO PAULO

SO PAULO 2011

MARIA GRAZIA EGIDIA GORLA JUSTA

ALGUNS OUSAM CHAM-LO DE RACIONAL: UM PROCESSO DECISRIO NA SECRETARIA ESTADUAL DE SADE DE SO PAULO

Dissertao

apresentada

Escola

de

Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas, como requisito para obteno do grau de Mestre em Administrao de Empresas

Campo de Conhecimento: Administrao em Sade

Orientadora: Prof Ana Maria Malik

SO PAULO 2011

Justa, Maria Grazia Egidia Gorla Alguns Ousam Cham-lo de Racional: Um Processo Decisrio na Secretaria Estadual da Sade de So Paulo / Maria Grazia Egidia Gorla Justa. - 2011. 125 f. Orientador: Ana Maria Malik Dissertao (mestrado) - Escola de Administrao de Empresas de So Paulo.

1. So Paulo (Estado). Secretaria de Sade. Departamento Regional de Sade 1. 2. Sade pblica -- Administrao So Paulo (Estado). 3. Processo decisrio. 4. Cultura organizacional. I. Malik, Ana Maria. II. Dissertao (mestrado) - Escola de Administrao de Empresas de So Paulo. III. Ttulo. CDU 614(816.1)

MARIA GRAZIA EGIDIA GORLA JUSTA

ALGUNS OUSAM CHAM-LO DE RACIONAL: UM PROCESSO DECISRIO NA SECRETARIA ESTADUAL DE SADE DE SO PAULO

Dissertao

apresentada

Escola

de

Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas, como requisito para obteno do grau de Mestre em Administrao de Empresas

Campo de Conhecimento: Administrao em Sade

Data de aprovao: __/__/___

Banca Examinadora:

Prof Dra. Ana Maria Malik (Orientadora) FGV-EAESP

Prof. Dr. Alvaro Escrivo Junior FGV-EAESP

Prof Dra Ruth Steuer

DEDICATRIAS

A minha me, Anna Rosa, que me convenceu que nunca tarde para tomar a deciso certa.

Ao meu pai, Mario, por ter respeitado a minha deciso.

Ao meu marido, Marcelo, por ser a melhor deciso que tomei na vida.

AGRADECIMENTOS

Professora Ana Maria Malik, minha orientadora, pela presena constante, pelo incentivo, pelo apoio e por ter acreditado em mim. Meu agradecimento e admirao.

Ao Professor Dario Birolini, meu anjo da guarda.

Professora Ruth Steuer, pela ajuda preciosa e pela amizade inesperada.

Aos meus amigos Vivian, Vanessa, Norberto, Mariana, Marcos, Leon e Luciana.

Leila DallAcqua pelo inabalvel alto astral.

CAPES, Coordenao de Aperfeioamento Pessoal de Nvel Superior, pelo apoio financeiro.

FAPESP, Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo, pelo apoio financeiro.

EPGRAFE

"Fazer o pior parece a melhor deciso." (Aristteles)

RESUMO

A organizao poltico-administrativa do Brasil, onde Unio, estados e municpios so entes autnomos com competncias exclusivas e capacidade de legislar faz com que a implantao do Sistema nico de Sade (SUS) apresente grande complexidade.

Ao estabelecer que as aes e servios pblicos de sade devem se articular por meio de uma rede regionalizada e hierarquizada e frente s diversidades municipais torna-se fundamental o papel articulador da esfera estadual. Neste cenrio, as mudanas na estrutura organizacional dos equipamentos estaduais de sade dos estados tambm decorrem do avano da municipalizao e da regionalizao da sade.

Por meio da utilizao de dados secundrios provenientes de uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Planejamento e Gesto da Sade da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas - o GVsade (Steuer et al, 2008), o objeto de pesquisa dessa dissertao foi um processo decisrio ocorrido na Secretaria Estadual de Sade de So Paulo em 2006, que resultou na criao do Departamento Regional de Sade 1 responsvel pela relao do estado com os trinta e nove municpios da Regio Metropolitana de So Paulo.

O Estudo de Caso foi a estratgia escolhida para concretizar a anlise desse processo decisrio e seu alinhamento com os padres defendidos pelo SUS e com suas prescries administrativas. Tentou-se identificar os elementos que auxiliam na compreenso do caso.

Os resultados apontam que os critrios utilizados para a formulao e para a implantao desta tomada de deciso decorreram da percepo do tomador da deciso sobre o contexto poltico e sobre a cultura organizacional nos quais ele se insere. Palavras-chave: processo decisrio, organizaes pblicas, cultura organizacional.

ABSTRACT

The political-administrative organization in Brazil, where Union, states and municipalities are autonomous entities, with exclusive competences and capacity to legislate, makes the implementation of the Single Health System (Sistema nico de Sade SUS) a very complex matter.

By establishing that public health actions and services must be articulated through a regional and hierarchical network, and because of the municipalities diversities, the states role as orchestrator is essential.

In this scenario, the changes in the states health equipment organizational structure also result from the progress in the municipalization and regionalization of health matters.

By using secondary data obtained from a research conducted by the Study Center for Health Planning and Management of the School of Business Administration of So Paulo, of the Getlio Vargas Foundation Gvsade (Steuer et al, 2008), the research subject for this dissertation was a ruling decision taken by the So Paulo State Department of Health in 2006, which implemented Regional Health Department 1, responsible for the states relationship with the 39 municipalities in So Paulos Metropolitan Region.

A Case Study was the strategy chosen to analyze this ruling decision and its alignment to the models defended by SUS and to its administrative regulations. An attempt was made to identify the elements that help understand the case.

Results show that the criteria used to formulate and implement this ruling decision arose from the deciding partys perception of the political context and organizational culture of which he is a part.

Keywords: decision making, public organizations, organizational culture.

LISTA DE ILUSTRAES

Figura 1 - Estrutura Institucional e Decisria do SUS Figura 2 - Organograma da Secretaria Estadual de Sade de So Paulo de 2008 quando foi realizada a pesquisa do GVsade. Figura 3 - Organograma do Departamento de Sade 1 DRS 1 em 2008 quando foi realizada a pesquisa do GVSade.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Caractersticas Culturais Brasileiras Tabela 2 - Procedimentos no Estado de So Paulo

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CCD - Coordenadoria de Controle de Doenas CCTIES Coordenadoria de Cincia, Tecnologia e Insumos Estratgicos de Sade CGA - Coordenadoria Geral de Administrao CGCSS - Coordenadoria de Gesto de Contratos de Servios de Sade CGR Colegiados de Gesto Regional CIB Conselho Intergestores Bipartite CIT Conselho Intergestores Tripartite CONASEMS Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade CONASS Conselho Nacional de Secretrios de Sade CPS - Coordenadoria de Planejamento de Sade CRH - Coordenadoria de Recursos Humanos CRS - Coordenadoria de Regies de Sade CSI - Coordenadoria de Sade do Interior CSRMGSP - Coordenadoria de Sade da Regio Metropolitana da Grande So Paulo CSS - Coordenadoria de Servios de Sade DEM - Democratas DOE Dirio Oficial do Estado DRS 1 Departamento Regional de Sade 1 EC Emenda Constitucional GSAE Grupo de Servios Ambulatoriais e Especializados GVsade Centro de Estudos e Planejamento e Gesto da Sade da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas IAMSPE - Instituto de Assistncia Mdica ao Servidor Pblico Estadual NOAS Norma Operacional de Assistncia Sade NOB Norma Operacional Bsica PAB Piso de Ateno Bsica PDI Plano Diretor de Investimentos PDR Plano Diretor de Regionalizao PFL Partido da Frente Liberal PIB - Produto Interno Bruto PL Partido Liberal

PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro PPI Programao Pactuada Integrada PPS Partido Popular Socialista PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PT Partido dos Trabalhadores PTB Partido Trabalhista Brasileiro PV Partido Verde SEADE Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados SES-SP Secretaria Estadual da Sade do Estado de So Paulo SUS Sistema nico de Sade USP - Universidade de So Paulo

SUMRIO

1. INTRODUO ....................................................................................................... 1 2. DEFINIO DA PERGUNTA DE PESQUISA ....................................................... 5 2.1. Objeto de Pesquisa .................................................................................. 5 2.2 Pergunta de Pesquisa................................................................................ 5 2.3 Objetivos Geral .......................................................................................... 5 2. 4. Objetivos Especficos ............................................................................... 5 3. METODOLOGIA .................................................................................................... 7 3.1. Pesquisa Bibliogrfica e Documental ...................................................... 7 3.2. Dados Secundrios Utilizados .................................................................. 7 3.3. Estratgia de Anlise................................................................................ 8 3.4 Estrutura da Dissertao ........................................................................... 9 3.5. Limitaes da Dissertao ..................................................................... 10 4. REFERENCIAL TERICO......................................................................................11 4.1 Ambiente Externo........................................................................................11 4.2 Ambiente Interno ..................................................................................... 17 4.2.1. A Organizao Pblica .............................................................. 17 4.2.2. A Cultura Organizacional ........................................................... 22 4.3 Processo Decisrio ................................................................................. 32 4.3.1. A Racionalidade ........................................................................ 35 4.3.2. A Racionalidade Limitada .......................................................... 37 4.3.3. O Poder e a Poltica .................................................................. 40 4.3.4. Modelo da Lata de Lixo ............................................................ 45 4.3.5. Modelo Coalizacional ou Carnegie ........................................... 46 4.3.6. O Processo de Deciso Poltica................................................ 47 4.3.7. As Heursticas ......................................................................... 50 4.3.8. Etapas do Processo Decisrio ................................................. 52 5. RESULTADOS .................................................................................................... 56 5.1. Anlise Documental ................................................................... 56 5.1.1. Esfera Federal ............................................................. 58 5.1.2. Esfera Estadual ........................................................... 63 5.1.3. Regio Metropolitana de So Paulo ............................ 65

5.1.4. Departamento Regional de Sade 1 ............................ 67 5.2. Anlise dos Dados Secundrios ................................................. 70 5.2.1. Ambiente Externo ........................................................ 70 5.2.2. Ambiente Interno.......................................................... 74 5.2.3. Processo Decisrio ...................................................... 85 6. CONCLUSO ..................................................................................................... 98 7. BIBILIOGRAFIA ................................................................................................ 100

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1. INTRODUO

A implantao do Sistema nico de Sade (SUS) no Brasil, regulamentado pelas Leis 8.080 e 8.142, de 1990, requer a articulao de aes e servios pblicos de diferentes esferas de poder e tem, como pano de fundo, uma organizao polticoadministrativa na qual Unio, estados e municpios caracterizam-se como entes autnomos, com competncias exclusivas e capacidade de legislar.

Em trabalho publicado em 2003 pelo CONASS, Conselho Nacional de Secretrios de Sade, constam mais de 1.000 publicaes, entre portarias, resolues, decretos, emendas, pareceres, consultas pblicas, leis e artigos de leis referentes legislao estruturante do SUS e a atos normativos das principais reas do sistema formulados a partir de 1990. Este conjunto de publicaes ilustra a complexidade enfrentada para operacionalizar as diretrizes e viabilizar a integrao do sistema.

Essas dificuldades tm levado estudiosos das cincias polticas, sociais e do planejamento, a problematizar o papel do Estado e da burocracia na produo de polticas e nas formas de governar o setor sade (Coelho e Paim, 2005). Alguns autores argumentam que esse processo foi impulsionado por meio da edio de sucessivos instrumentos normativos, as Normas Operacionais Bsicas do SUS (NOB), editadas a partir de 1991, o que poderia ser caracterizado como um certo jeito NOB de fazer o SUS, esculpindo-o a golpes de portaria. (Goulart, 2001, p.293).

A consolidao de uma rede regionalizada e hierarquizada de servios pblicos de sade demanda da esfera estadual o exerccio de um papel articulador. Neste sentido, cabe aos Estados, representados pelas Secretarias Estaduais da Sade, promover a descentralizao dos servios e das aes de sade para os municpios; acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas; prestar apoio tcnico e financeiro aos municpios e executar, em carter supletivo as aes e servios de sade (Brasil, 1990).

Alguns fatores podem exemplificar os obstculos que a esfera estadual enfrenta para o desempenho eficaz deste papel articulador, tais como a centralizao dos recursos financeiros na esfera federal, o nmero de normas lanadas pelo Ministrio

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da Sade (estados e municpios vivem em processo de permanentes adaptaes e readaptaes) e a alta heterogeneidade das condies dos municpios. Outros fatores so mencionados por Levcovitz et al (2001), como a falta de recursos e instrumentos intermunicipal. compatveis para a coordenao do sistema de referncia

Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Planejamento e Gesto da Sade da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas o GVSade (Steuer et al, 2008), da qual a autora desta dissertao participou como pesquisadora, retrata um esforo para o exerccio do papel articulador no Estado de So Paulo. O objeto desse estudo foi o Departamento Regional de Sade 1 DRS1, uma estrutura no mbito estadual, a partir da extino de quatro Diretorias Regionais de Sade da Secretaria de Estado da Sade e de uma estrutura de prestao de servios, o Grupo de Servios Ambulatoriais e Especializados (GSAE).

Esta pesquisa (Steuer et al, 2008) levantou material emprico sobre o processo decisrio por trs dessa mudana organizacional, os atores envolvidos, o contexto no qual estavam inseridos, os objetivos pretendidos e os meios utilizados para alcan-los.

Os resultados desse trabalho indicaram que a instncia resultante era uma estrutura que no dispunha das condies necessrias para apresentar os resultados esperados, entre outros motivos, por estar fragmentada e submetida a presses decorrentes de expectativas ambguas e conflitantes sobre papis a serem desempenhados por servidores insuficientemente preparados do ponto de vista tcnico.

Esses resultados se alinham com as palavras de Souza e Malik (2009) em artigo que trata do processo de planejamento realizado na Secretaria de Estado da Sade de So Paulo em 2008/2009, dos limites e problemas criados pelo processo de descentralizao e do papel da gesto estadual. Entre as fragilidades desse processo so mencionadas a insuficincia em termos quanti e qualitativos dos recursos humanos dos Departamentos Regionais de Sade, problemas gerenciais e organizacionais de alguns destes departamentos e a situao na qual se encontram

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outros, devido presso de trabalho decorrente de problemas locais particularmente crticos, esgotando as energias da equipe tcnica e impedindo a priorizao das atividades voltadas para o Plano Estadual de Sade e para o Pacto pela Sade.

Ainda no mesmo artigo os autores afirmam que o processo de planejamento analisado evidenciou a necessidade de integrao das equipes dos Departamentos Regionais de Sade, dos municpios, da instncia intermunicipal e dos municpios com a instncia regional, alm da reestruturao e do fortalecimento dos DRSs. Esta anlise pode ser complementada pelas observaes de Lotufo e Miranda (2007) sobre a gesto do SUS, que ressaltam a demanda de mediaes polticas permanentes entre os gestores governamentais do setor. Conseqentemente, a gesto em sade pode ser associada produo de decises, desencadeadas por um constante processo de intermediao e implementao das polticas.

Uma mudana organizacional numa Secretaria Estadual de Sade onde unidades estaduais so extintas para serem sucessivamente fundidas em uma nova estrutura pode ser entendida como uma deciso estratgica que afeta a prpria organizao, modificando sua configurao. No entanto, por serem as unidades extintas

responsveis pela relao do Estado com 39 municpios, esta deciso extrapola as fronteiras da organizao, afetando diretamente seu ambiente externo e a relao entre a instncia estadual e os municpios com os quais atua.

Em um sistema pblico de sade onde se preconiza, normativamente, a gesto participativa e conseqentemente a deciso coletiva e pactuada entre os trs entes federativos, o processo decisrio referente criao do DRS1 despertou o interesse da autora. Mais do que o contedo da deciso (uma reorganizao na configurao organizacional), o objeto desta dissertao foi a forma escolhida para concretiz-la, o quanto estava em sintonia com os padres apregoados pelo SUS e com as prescries administrativas sobre a gesto de mudanas.

Para Nutt e Wilson (2010) a pesquisa sobre processo decisrio tem suas origens no estudo de caso. Para esses autores a descrio oferecida por um caso bem estruturado e construdo fornece uma poderosa imagem que indica o que foi feito e revela o porqu.

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Para levantar explicaes no somente para esse, mas para qualquer processo decisrio, necessrio identificar a racionalidade que o permeia, considerar o contexto no qual est inserido e a percepo do tomador de deciso a respeito desse contexto.

Ao identificar e buscar a compreenso do processo decisrio sob anlise, os resultados desta dissertao de mestrado podem representar um instrumento de apoio til para os gestores em situaes semelhantes que enveredem por processos de mudana organizacional.

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2. DEFINIO DA PERGUNTA DE PESQUISA

2.1 Objeto da Pesquisa

Esta dissertao de mestrado tem com objeto de estudo o processo decisrio que criou o Departamento Regional de Sade 1 Grande So Paulo. Esta deciso foi divulgada no Decreto DOE n 51.433, de 28 de dezembro de 2006.

2.2. Pergunta de Pesquisa

A questo que orienta a presente dissertao : quais os fatores que permitem explicar um processo de deciso voltado formulao e implementao de uma estrutura organizacional responsvel por servios pblicos de sade.

2.3 Objetivo Geral

O objetivo geral desta dissertao de mestrado compreender o processo decisrio que conduziu criao do Departamento Regional de Sade 1 Grande So Paulo.

2.4 Objetivos Especficos

1) Descrever o ambiente externo no qual o processo decisrio estava inserido; 2) Descrever a organizao na qual ocorreu o processo decisrio; 3) Descrever de que maneira o ambiente externo e a cultura organizacional da organizao influenciou esse processo decisrio e

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4) Levantar explicaes sobre a escolha da estratgia de implementao associada a esse processo decisrio.

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3. METODOLOGIA

3.1. Pesquisa bibliogrfica e documental

A pesquisa bibliogrfica foi realizada por meio de levantamento no acervo fsico da biblioteca Karl A. Boedecker, da Fundao Getulio Vargas, incluindo o catlogo de dissertaes e teses;

As bases de dados utilizadas foram:

SciELO, LILACS, EBSCO, CAPES, JCR,

JSTOR, BIREME, PROQUEST, EMERALD e IGENTA; as palavras chave utilizadas foram processo decisrio, decision making, organizaes pblicas, public

organizations, cultura organizacional, organizational culture.

Uma anlise documental foi realizada sobre as normas que constituem e regulamentam o Sistema nico de Sade em nvel federal e estadual (Estado de So Paulo) para delinear o contexto no qual o processo decisrio se inseriu. Os instrumentos de coleta de dados foram publicaes oficiais: Dirio Oficial da Unio e do Estado de So Paulo, leis e documentos oficiais.

3.2. Dados Secundrios Utilizados

Foram utilizados dados secundrios selecionados entre aqueles levantados durante uma pesquisa realizada em 2.008 e finalizada em 2.009 pelo Centro de Estudos em Planejamento e Gesto da Sade (GVSade) da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas denominada DRS 1 Grande So Paulo: (Re) Construo social de uma organizao de sade (Steuer et al, 2008).

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3.3. Estratgia de anlise de dados

Para Strauss e Corbin (2008) a metodologia de pesquisa uma forma de estudar a realidade social e de pensar sobre ela. Para estes autores o termo pesquisa qualitativa significa qualquer tipo de pesquisa que produza resultados no alcanados por meio de procedimentos estatsticos ou de outros meios de quantificao.

A estratgia de anlise utilizada nesta pesquisa o Estudo de Caso, que se enquadra como uma abordagem qualitativa. Yin (2005) salienta que se o caso estudado representa um caso crtico ele pode afetar diretamente uma teoria bem formulada, servindo de teste para confirm-la, desafi-la ou at mesmo ampli-la. Para este autor a utilizao de um nico caso apropriada em algumas circunstncias: quando se utiliza o caso para determinar se as proposies de uma teoria so corretas ou quando o caso sob estudo raro ou extremo, ou seja, no existem muitas situaes semelhantes para a realizao de estudos comparativos.

Einsenhardt (1989) indica que, dado o limitado nmero de situaes que podem ser acessadas em estudos de casos mltiplos, justifica-se escolher experincias extremas, nas quais o interesse do pesquisador claramente observvel. Para esta autora o estudo de caso uma estratgia de pesquisa que se concentra no entendimento das dinmicas presentes dentro de um nico cenrio.

Para Einsenhardt e Graebner (2007), enquanto as experincias de laboratrio isolam os fenmenos do seu contexto, estudos de caso enfatizam a riqueza do caso no mundo real onde eles ocorrem. Essas autoras defendem que uma pesquisa emprica se inicia com uma forte ancoragem na literatura, identifica uma lacuna de pesquisa e prope algumas questes de investigao que abordem tal lacuna. A presente dissertao est orientada para o entendimento de um fenmeno (uma deciso), e para Einsenhardt e Graebner (2007), a investigao deve ser enquadrada em termos da importncia desse fenmeno.

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3.4. Estrutura da Dissertao

A presente dissertao inicia-se com uma introduo seguida pela definio da pergunta de pesquisa, onde so definidos o objeto e a pergunta de pesquisa, bem como o objetivo geral e os objetivos especficos. Aps essas sees apresenta-se a metodologia utilizada. Posteriormente o referencial terico apresentado. Pelo fato do ambiente ser um dos elementos essenciais a considerar em qualquer processo decisrio, teorias e conceitos inerentes ao ambiente externo, ao ambiente interno, configurao e cultura organizacional so aplicveis. Em seguida discorre-se sobre os processos decisrios e so apresentados os paradigmas, abordagens e conceitos escolhidos para fornecer explicaes para esse caso.

Na segunda parte so apresentados os resultados. Essa parte dividida em duas sees. Na primeira realizada uma anlise documental. Trata-se de um delineamento do ambiente externo, baseado em documentos oficiais, com duas finalidades. A primeira para especificar o contexto no qual o processo decisrio se inseriu. Na segunda seo para apresentar o processo decisrio definido normativamente pelo Sistema nico de Sade no SUS: os rgos decisrios formais, os nveis de autonomia, o papel dos diferentes atores e os tipos de gesto. Finalizando essa seo, so trazidas informaes sobre a Regio Metropolitana de So Paulo pelo fato do processo decisrio aqui estudado dizer respeito a essa regio. Na segunda seo os dados secundrios provenientes da pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Planejamento e Gesto da Sade da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas (Steuer et al, 2008) so reportados e analisados para a averiguao dos pressupostos levantados na pergunta de pesquisa por meio de uma tcnica de anlise proposta por Yin (2005), de adequao ao padro que consiste na comparao dos dados com um padro baseado em teorias prvias. Essa seo encontra-se subdivida em trs partes: (i) ambiente externo; (ii) ambiente interno e (iii) processo decisrio.

A concluso o objeto da quarta parte. A bibliografia encerra essa dissertao.

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3.5. Limitaes da Dissertao

O mtodo estudo de caso no se prope a garantir representatividade do universo dos temas abordados. Portanto, essa dissertao apresenta limites quanto possibilidade de generalizao de resultados ao apresentar explicaes

provenientes de um nico caso. Essa linha de investigao procura oferecer subsdios para refletir acerca de como essa deciso foi operacionalizada, no nvel mais elevado de gesto dessa organizao de sade pblica, sem a pretenso de generalizar ou esgotar o assunto.

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4. REFERENCIAL TERICO

Para levantarmos explicaes sobre qualquer processo decisrio necessrio identificar a racionalidade que o permeia, considerar o contexto no qual est inserido e a percepo do tomador de deciso a respeito desse contexto.

A abordagem que foi utilizada nessa dissertao para explicar o ambiente externo a Teoria da Contingncia Estrutural e a perspectiva usada para compreender o ambiente interno aquela que enxerga as organizaes como coalizes ou sistemas polticos.

Foram utilizados conceitos provenientes de diferentes modelos de tomada de deciso para levantar explicaes sobre esse processo decisrio. Os paradigmas escolhidos so a racionalidade, a racionalidade limitada, o poder e a poltica, o modelo da lata de lixo e o modelo coalizacional ou carnegie. A utilizao das heursticas e teorias sobre a tomada de deciso poltica so aproveitadas, por conterem conceitos teis para a situao estudada. Finalizando essa seo so relacionadas as diversas etapas inerentes tomada de deciso.

4.1. Ambiente Externo

As primeiras teorias organizacionais foram desenvolvidas entre o fim do sculo XIX e o incio do sculo XX e foram dominantes at ao final dos anos trinta do sculo passado. So contemporneas ao desenvolvimento das primeiras grandes empresas industriais quando as tecnologias provocaram um grande crescimento dos mercados, criando a necessidade de um rpido desenvolvimento da capacidade de produo. Neste perodo surgem as primeiras empresas com sistemas produtivos baseados no conceito de linha de produo. A lgica dominante a procura da mxima eficincia atravs da otimizao interna com a perspectiva de um sistema

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fechado isolado do meio exterior e centralizado na tecnologia operativa (Motta e Vasconcellos, 2002).

Foi somente nos anos 60 do sculo XX que o meio ambiente passou a ser um dos temais centrais no campo administrativo por meio de uma corrente chamada Contingncia Estrutural, surgida a partir dos estudos de Lawrence & Lorsch, Alfred Chandler, Tom Burns & G.M. Stalkerd e Pfeffer Salancik.

A abordagem contingencial ressalta que no se atinge a eficincia, eficcia e efetividade organizacional por meio de um nico modelo organizacional. No existe uma forma nica e melhor para administrar dentro de um ambiente diversificado, pois a estrutura da organizao e seu funcionamento so dependentes da sua interface com o ambiente externo. necessrio um modelo adequado para cada situao. Adicionalmente diferentes tecnologias orientam a desenhos

organizacionais diferenciados e as variaes no ambiente ou tecnologia conduzem a variaes na estrutura organizacional. com a Teoria da Contingncia que h o deslocamento da visualizao de dentro para fora da organizao: a nfase colocada no ambiente e nas demandas ambientais sobre a dinmica organizacional. Para a abordagem contingencial so as caractersticas ambientais que condicionam as caractersticas organizacionais, assim, no h uma nica melhor maneira (the best way) de se organizar. Tudo depende (it depends) das caractersticas ambientais relevantes para a organizao. Nesse enfoque, as caractersticas ambientais relevantes para a organizao condicionam as caractersticas organizacionais, que somente podem ser entendidas mediante a anlise do ambiente com o qual esto inseridas Daft (2008). Esta abordagem trabalha com a noo de adaptao contnua da organizao ao meio ambiente e de seu ajuste interno (fit) s caractersticas deste, sob pena de sofrer um processo de entropia (Motta e Vasconcellos, 2002).

Para Chandler (1998) a estrutura organizacional determinada pela sua estratgia mercadolgica. A estrutura organizacional a forma que a empresa assumiu para integrar seus recursos e a estratgia escolhida corresponde ao plano global de alocao de recursos para atender as demandas do ambiente.

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Burns e Stalker (1961) realizaram um estudo emprico para verificar a relao existente entre as prticas administrativas e o ambiente externo dessas indstrias. Classificaram as indstrias em dois tipos: a organizao mecanicista que mais apropriada em ambientes relativamente estveis e a orgnica mais adaptada a ambientes de mudana e inovao. Nesse cenrio existe, portanto um imperativo ambiental onde este determina a estrutura e o funcionamento das organizaes.

Lawrence e Lorsch (1972) interessados em entender quais so as caractersticas que as organizaes devem apresentar para lidar com eficincia as diferentes condies externas, tecnolgicas e de mercado, fizeram uma pesquisa onde concluram que os problemas organizacionais bsicos so a diferenciao e a integrao. A diferenciao refere-se diviso da organizao em departamentos, cada qual desempenhando uma funo destinada a um contexto ambiental especfico reagindo ao mesmo pelo fato que esse ambiente relevante para essa funo. Se existirem diferenas ambientais especficas, diferenciaes na estrutura e a abordagem utilizada pelos departamentos sero necessrias. Por outro lado esses departamentos precisam fazer um esforo convergente e unificado para atingir objetivos globais da organizao. Em conseqncia, ocorre tambm um processo de integrao. A diferenciao e integrao no se referem diferenciao e integrao existentes na empresa, mas o quanto de diferenciao e integrao o ambiente exige delas.

Pfeffer e Salancik (1978) com o que os autores chamam de Teoria da Dependncia de Recursos argumentam que a interao com o ambiente externo elemento chave para as organizaes e que essas so influenciadas por foras externas. Ao reconhecerem os efeitos do ambiente externo sobre os resultados das estratgias, evidenciam o papel da gerncia na obteno de recursos, na negociao e no relacionamento interorganizacional. Essa situao faz com que a organizao tenha uma interao ativa com seu ambiente externo na tentativa de manipul-lo para seu prprio benefcio. marcada pela Essa abordagem evidencia uma realidade organizacional de recursos, ressaltando o componente poltico e

falta

interorganizacional do processo de aquisio destes recursos. Dentro desse contexto, para obter recursos externos, as organizaes devem realizar relaes de troca com outras organizaes formando coalizes mutuamente benficas. Trs

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fatores so crticos na determinao da dependncia externa de uma organizao em relao a outra. Primeiro, a importncia do recurso necessrio para continuar suas operaes e sobreviver. Segundo, a prudncia na alocao e no uso desses recursos. Terceiro, a constatao de poucas alternativas existentes.

Conseqentemente, a dependncia de uma organizao em relao a outras determinada pela importncia do recurso, o nmero de potenciais fornecedores e o custo de substituio desses fornecedores, quando necessrio (Pfeffer e Salancik,1978). Para Miller et al (2004) a noo de diferenciao o ponto central dessa perspectiva onde algumas partes da organizao ganham um pode resultante de suas habilidades para controlar recursos escassos.

As contingncias externas podem ser consideradas como oportunidades ou como restries e ameaas que influenciam a estrutura e os processos internos da organizao. Para Caravantes et al (2005) esta teoria preconiza a inexistncia de uma melhor maneira de organizar e demonstra que uma mesma forma de organizar no pode ser eficaz em todas as situaes. Condies e situaes diferentes demandam diferentes tcnicas administrativas (Megginson et al, 1998).

Para Simon (1979), um dos elementos a considerar no estudo de uma tomada de deciso so os aspectos do ambiente que envolvem o tomador de deciso, muitos dos quais se encontram fora do seu controle, conhecimento ou compreenso e que afetam sua escolha. Dentro dessa perspectiva qualquer ao do tomador de deciso s pode ser vista e entendida no contexto no qual a ao se desenrola. Assim os tomadores de deciso podem ser vistos, simultaneamente, como criadores e receptores do contexto no qual o processo decisrio ocorre (Jarzabkowski, 2005 apud Nutt e Wilson, 2010) 1.

Para podermos esclarecer de que maneira o ambiente externo da organizao influenciou esse processo decisrio selecionamos trs artigos (Rainey et al, 1976; Perry and Rainey, 1988 e Rainey and Bozeman, 2000), que identificam, por meio de trabalhos tericos e empricos realizados ao longo de 24 anos de pesquisa por

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Jarzabkowski, P. Strategy as Practice: Na Activity-Based Approach. Sage: London. 2005

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diversos autores, os consensos relativos s caractersticas que diferenciam o ambiente externo das organizaes pblicas daquelas do setor privado: a falta de exposio ao mercado resulta em menores incentivos para a reduo

de custos, menor eficincia e efetividade, pouca eficincia na alocao dos recursos e menor disponibilidade de informaes e indicadores; as restries legais e formais geram menor autonomia e flexibilidade para a tomada de deciso por parte dos administradores pblicos, maior tendncia e proliferao de especificaes formais e controles e maior nmero de fontes externas de influncia formal, principalmente influncias polticas originadas pela opinio pblica e pelos grupos de interesse; o contexto poltico assume mais importncia e influencia as decises internas; a organizao est sujeita a presses externas intermediadas por processos polticos; a estrutura interna geralmente imposta externamente; a formalizao atinge maiores nveis.

Nutt (2000) argumenta que nas organizaes pblicas os rgos de fiscalizao substituem o papel que o mercado representa nas organizaes privadas e os tomadores de deciso so cada vez mais forados a procurar pontos de vista provenientes de pessoas pertencentes a estes rgos. Em outras palavras, medida que a concorrncia substituda pela colaborao esses rgos exigem participao no processo decisrio. Conseqentemente ocorre uma reduo na clareza e nos mritos das alternativas a serem consideradas.

Shepherd (2003) denomina o ambiente externo das organizaes pblicas de ambiente autorizador externo e o considera uma varivel importante e complexa, por influenciar o que a organizao faz e por garantir os recursos necessrios a ela.

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Para ele, a centralizao, a alocao e o controle de recursos e a aplicao centralizada de regras rgidas de controle de pessoal e de procedimentos so caractersticas do setor pblico. Como resultado, a autonomia consideravelmente reduzida em relao gesto das organizaes privadas. Abrucio (2001, apud Crte 2010)2 define o Estado federativo como uma forma especial de organizar o poder, com a existncia de um poder central e de uma soberania a ser compartilhada entre vrios outros poderes subnacionais. Assim, a federao no pode ser explicada pela separao entre diferentes nveis de governo, e sim como uma dinmica, ou um pacto, para lidar com as desigualdades. Nesse cenrio os estados federativos so obrigados a construir uma unidade na diversidade ou, em outros termos, tm que conjugar autonomia, interdependncia e controles mtuos entre seus diferentes nveis de governo. Para o autor, o sistema federativo impe condies especiais para a organizao poltica dos municpios, para os resultados das suas polticas pblicas e para a produo de polticas regionais. Alm disso, Abrucio (2001, apud Crte 2010) aponta as condies

histricas do desenvolvimento do Estado federativo no Brasil, que surgiu da heterogeneidade das elites polticas locais e que se construiu ao longo do tempo, oscilando entre perodos de centralizao e descentralizao poltica e fiscal onde, em alguns momentos, a interdependncia entre os entes federativos significou centralizaes autoritrias de poder poltico e financeiro como no Estado Novo ou no regime militar.

Ele afirma ainda que essa definio de Estado federativo explicita o valor do sistema na definio das condies de execuo da poltica metropolitana. Para o autor, olhando a questo desse ponto de vista, fcil verificar a importncia que as relaes intergovernamentais assumem no equacionamento da questo

metropolitana. Adicionalmente, Abrucio (2005a) ressalta a importncia da autonomia para os governos locais, uma vez que a integridade territorial em um pas marcado por heterogeneidades precisa ser mantida. Para ele a autonomia e a integridade territorial so essenciais para um pacto federativo. A estrutura federativa afeta

2

Abrucio, F. A reconstruo das funes governamentais no federalismo brasileiro. In: Hofmeister, W; Carneiro, J.M.(Orgs.). Federalismo na Alemanha e no Brasil. So Paulo: Fundao Konrad Adenauer,2001.

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diretamente

o

desenho

das

polticas

pblicas;

portanto,

a

coordenao

intergovernamental, ou seja, a deciso conjunta no que diz respeito distribuio de recursos escassos, exige eficincia (fazer mais com menos) e efetividade (ter impacto sobre as origens dos problemas sociais). Essa soberania compartilhada complexa, pois os entes federativos, por sua natureza, s entram nesse esquema conjunto se assim o desejarem. O autor acredita que uma clara definio das competncias no terreno das polticas pblicas, por meio de instrumentos legais, obriga os atores ao compartilhamento dessas decises e responsabilidades. Sendo o Brasil uma repblica federativa e o processo decisrio em estudo ter ocorrido em um equipamento estadual, a questo da autonomia uma varivel importante a ser considerada.

4.2. Ambiente Interno

4.2.1. A Organizao Pblica

Foi somente depois que estudos empricos sobre processos decisrios revelaram a influncia do comportamento poltico nas organizaes que as teorias polticas ganharam ateno dentro da Teoria das Organizaes (Hatch 1997).

Os trs artigos mencionados anteriormente (Rainey et al, 1976; Rainey and Perry, 1988; Rainey and Bozeman2000) tambm identificaram caractersticas

diferenciadoras das organizaes pblicas daquelas do setor privado concernentes ao seu ambiente interno: resistncia s mudanas e delegao da autoridade; autoridade do administrador pblico sobre os subordinados fraca e fragmentada; relutncia em delegar, grande utilizao de regulamentos formais (devido dificuldade de superviso e delegao);

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papel poltico dos altos administradores sujeito exposio pblica; mais burocracia, cautela e rigidez e menos inovao; maior rotatividade dos altos administradores, devido s eleies e nomeaes polticas, resultando numa descontinuidade na implantao de planos; maior dificuldade na concesso de incentivos para desempenhos efetivos e eficientes, menor remunerao para os funcionrios, menor satisfao no trabalho e menor comprometimento organizacional; percepo de constrangimentos organizacionais e regras; objetivos difusos e procedimentos burocrticos complexos.

Schall (1997) argumenta que a descontinuidade administrativa, uma das caractersticas intrnsecas dos3

governos democrticos,

um dos

fatores

diferenciadores com os quais as organizaes pblicas se defrontam. Para Spink (1987, apud Nogueira 2006) a continuidade e descontinuidade administrativa so

inerentes Administrao Pblica acarretando dilemas, prticas e contradies a cada mudana de governo e sua conseqente troca de dirigentes. Para Nogueira (2006), o elemento relevante, no setor pblico, que tem o poder de interromper uma iniciativa a mudana de gestores a cada eleio, provocando a descontinuidade administrativa. Para o autor essa parece ser a manifestao da sustentabilidade ou da falta de no setor pblico. Por outro lado, Nogueira (2006) citando Arsomena (1990, apud Nogueira 2006)4 adverte sobre avaliar a continuidade como algo bom e descontinuidade como algo ruim. Arsomena (1990, apud Nogueira 2006) afirma que a continuidade pela continuidade no s no garante a diminuio de riscos e ocorrncias indesejveis como pode at mesmo ser prejudicial, conduzindo acomodao ou paralisao.3 4

Spink, P.. Continuidade e descontinuidade em organizaes pblicas: um paradoxo democrtico. Cadernos Fundap, So Paulo, Ano 7, n. 13, p. 57-65, abr 1987. Arosemena, A. A. B. Descontinuidade Administrativa e Cultura Organizacional: o Caso da Autoridade Porturia Nacional do Panam. 1990. 271 f. Dissertao de Mestrado apresentada Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas, So Paulo, 1990.

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A influncia do fator poltico nas organizaes pblicas tambm remete a uma das metforas de Morgan (1996), que v as organizaes como sistemas polticos. A perspectiva poltica compreende as organizaes como arenas que abrigam uma complexidade de interesses provenientes de diferentes indivduos e grupos (Bolman and Deal, 2003). Mintzberg (1985), neste contexto, v a organizao aprisionada totalmente ou em grande parte pela poltica e pelos conflitos.

Para Bolman and Deal (2003), cinco pressupostos resumem esta perspectiva: organizaes so coalizes com diversos interesses individuais e de grupos. Uma coalizo formada pela interdependncia dos seus membros, pela necessidade recproca, mesmo que os interesses sejam parcialmente os mesmos; valores, crenas, informaes, interesses e percepes da realidade entre os membros da coalizo apresentam diferenas permanentes. Esse pressuposto implica que a atividade poltica mais visvel e dominante sob condies de diversidade do que de homogeneidade; alocao de recursos escassos o tema da maioria das decises mais importantes. O conceito de recursos escassos sugere que a poltica ser mais evidente e intensa. recursos escassos e diferenas permanentes colocam o conflito no centro da dinmica organizacional e fundamenta o poder como o ativo mais importante. Mintzberg (1985) cunha o conceito de Arena Poltica e define quatro formas bsicas, que variam dependendo do grau de aprisionamento das organizaes a estas variveis: completa (onde o conflito intenso, difundido e instvel); confrontao (cujo conflito intenso, reprimido e instvel); aliana instvel (conflito moderado, reprimido e possivelmente resistente) e organizao poltica

(caracterizada pelo conflito moderado, difundido e resistente). Para Hatch (1997) a perspectiva da organizao como uma arena poltica se d atravs do estudo das organizaes como organismos de tomada de deciso e como ordens polticas.

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O entendimento de um processo decisrio tambm passa pela configurao organizacional. Daft (2008) argumenta que a formao de uma coalizo tem vrias implicaes no comportamento da deciso organizacional. As decises so tomadas mais pela satisfatoriedade (significando aceitao de nveis satisfatrios em lugar de nveis mximos de desempenho, capacitando as organizaes a atingir vrias metas simultaneamente) do que para a otimizao da soluo de problemas.

Adicionalmente, os tomadores de deciso esto preocupados com questes imediatas em uma situao mal definida e carregada de problemas. Portanto, no buscam uma soluo perfeita, mas satisfatria. Para o autor as dimenses do projeto organizacional descrevem as organizaes assim como os traos fsicos e as personalidades caracterizam as pessoas.

Para Mintzberg (2003) uma das seis estruturas organizacionais bsicas por5

ele

identificadas, a burocracia mecanizada , oriunda da revoluo industrial e caracteriza-se por grande especializao de trabalho altamente padronizado. A parte-chave da organizao a tecnoestrutura, na qual analistas so responsveis por planejar o trabalho do ncleo operacional, enquanto a padronizao de processos o mecanismo de coordenao.

A configurao das organizaes pblicas apresenta caractersticas burocrticas no sentido de um tipo ideal de burocracia, de acordo com Max Weber: as funes e competncias so definidas e rigorosamente determinadas por leis ou regulamentos; a diviso de tarefas feita de maneira racional baseada em regras especficas para o exerccio das tarefas necessrias ao alcance dos objetivos da organizao; os membros da organizao tm direitos e deveres delimitados por regras e regulamentos que se aplicam a todos, de acordo com seu cargo ou funo;5

O autor identifica seis estruturas organizacionais bsicas: estrutura simples, burocracia mecanizada, burocracia profissional,

forma divisionalizada, adhocracia e missionria.

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a hierarquia definida por meio de regras explcitas e as prerrogativas de cada cargo e funo so definidas legalmente e regulam o exerccio da autoridade e seus limites; o recrutamento feito por meio de regras previamente estabelecidas, garantindo a igualdade formal na contratao; a remunerao igual para cargos e funes semelhantes e a promoo regulada por normas.

Para Motta e Pereira (2004) o formalismo, o carter impessoal e o domnio da administrao profissional so as formas bsicas com as quais as organizaes burocrticas expressam sua racionalidade. Para eles a organizao burocrtica uma estratgia de administrao e dominao, uma forma de poder. Estes autores postulam que qualquer sistema social administrado por critrios racionais e hierrquicos forma uma organizao burocrtica que, mais ou menos flexvel, formalizada ou autoritria, tem como caracterstica o sentido do processo decisrio de cima para baixo. Adicionalmente, para os autores, os atributos que constituem uma forma burocrtica de organizao so: diviso do trabalho: atende a uma racionalidade, decorrendo a eficincia no cumprimento dos objetivos da organizao, sendo assim uma estrutura racionalmente organizada; hierarquia de autoridade: um sistema organizado de domnio e subordinao mtua entre as autoridades, mediante superviso das inferiores pelas superiores, possibilitando ao subordinado apelar da deciso de uma autoridade inferior a uma autoridade superior; rotinas e procedimentos padronizados: o funcionrio no determina o que pretende ser, ele o que a burocracia determina ou impe, e o desempenho no cargo assegurado por um conjunto de regras;

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carter legal das normas: uma organizao regida por normas pr estabelecidas por escrito estabelecidas por uma legislao prpria; carter formal das comunicaes: usa-se comunicao escrita, todas as aes e decises so comprovadas por documentao adequada, sendo realizadas repetitivamente atravs de formulrios.

Rojot (2008) salienta que a influncia que a estrutura exerce sobre os processos decisrios resulta, em certa medida, em um conjunto nico para cada organizao.

Abrucio (2005a) por meio dos resultados de uma pesquisa feita em organizaes pblicas estaduais brasileiras revela que os estados brasileiros tm problemas na organizao de suas informaes bsicas e da memria administrativa, na gesto dos recursos humanos, na articulao entre as vrias partes do sistema de planejamento, na adoo de um enfoque mais intersetorial e, ainda, na adoo de melhores mecanismos de governana democrtica, sobretudo no mbito interno do setor pblico.

4.2.2. Cultura Organizacional

Hofstede (1980) considera a cultura um dos pontos-chave na compreenso das relaes humanas funcionando como um padro coletivo que identifica os grupos e suas percepes. Para ele a cultura uma programao coletiva mental aprendida no ambiente social, resultado de significados partilhados pelo conjunto de pessoas pertencentes a um mesmo conjunto, sendo adquirida e no herdada, ou seja, proveniente do ambiente social do indivduo. Conseqentemente, a personalidade constitui um conjunto de programas mentais e est fundada em traos que so, em parte, herdados com o cdigo gentico nico e, em outra parte, adquiridos.

Por sua vez, Rojot (2008) argumenta que o conceito de cultura torna-se muito mais til ao ser interpretado como um conjunto de limitaes racionalidade. Para ele, a cultura consiste em limitaes compartilhadas sobre a racionalidade. Estas

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limitaes diferenciam-se dependendo da coletividade na qual o indivduo participa. As mudanas culturais tornam-se evidentes quando determinada quantidade de indivduos comea a compartilhar uma nova limitao. Quando um nmero suficiente de pessoas compartilha uma nova percepo ou crena, por meio de interaes, estas se tornam limitaes mais generalizadas de cognio, ou seja, uma caracterstica cultural. Uma coletividade forte e abrangente possui grande poder de presso sobre seus membros, acarretando uma racionalidade semelhante entre eles.

Do mesmo modo em que no possvel compreender um processo decisrio sem levar em considerao o contexto no qual ele se insere (Simon, 1979), impossvel compreender a cultura de uma organizao sem conhecer seu contexto.

A cultura nacional, por meio do delineamento de traos brasileiros, subsidia a anlise da cultura organizacional, definindo o estilo brasileiro de administrar e o comportamento dos indivduos em relao s lideranas e s diversas situaes organizacionais (Netto et al, 2003). A formao da cultura nacional brasileira tem relao com os fatores de formao do pas que passou por diversas fases e influncias externas sobre a sua populao, sua economia e sua poltica (Netto et al, 2003).

Para Rojot (2008), a anlise da cultura como limitadora da racionalidade cria um conjunto coerente de conexes entre as culturas nacional, profissional e organizacional. As limitaes tm efeitos semelhantes, mas provm de fontes diferentes. As diferenas entre os indivduos, inseridos em diferentes ambientes nacionais, ocupacionais e organizacionais, nascem das tentativas de conciliar comportamentos aceitos e as limitaes cognitivas com outros conjuntos de limitaes provenientes de outras fontes, entre elas a experincia pessoal. Para o autor, a cultura nacional tende a ser mais flexvel do que a profissional e esta tende a ser mais flexvel do que a organizacional pelo fato que quanto menor o grupo, mais facilmente se desenvolve uma cultura forte. Isto se deve ao fato das interaes serem mais numerosas e os desvios mais visveis. Adicionalmente uma coletividade pode exercer diferentes nveis de presso em diferentes circunstncias. O autor d o exemplo de que a cultura nacional tem uma influncia mais poderosa em seus

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cidados durante perodos de guerra do que durante longos perodos de paz. Para o autor, partes de vrias culturas distintas podem co-existir dentro de uma mesma coletividade.

Hofstede (2001) tambm constatou a importncia da cultura nacional na explicao das diferenas em atitudes e valores em relao ao trabalho. Ele argumenta no ser possvel compreender a cultura de uma organizao sem conhecer o contexto em que ela se insere. Ele realizou um estudo com cento e sessenta mil executivos e empregados de uma grande corporao norte-americana (IBM) com subsidirias espalhadas em cinqenta pases e trs regies continentais para verificar a importncia da cultura nacional na forma de administrar.

A pesquisa de Hofstede (1991) evidencia essa relao entre a cultura de um pas e das suas organizaes. Segundo o autor, os valores pessoais variam mais entre uma nao e outra do que entre empresas e as atitudes de funcionrios de uma mesma empresa trabalhando em diferentes pases mostram-se consistentemente diferentes ao longo do tempo. O autor faz uma distino entre cultura nacional e cultura organizacional: a primeira permanente e involuntria; a segunda parcial e voluntria. A cultura nacional trazida da infncia por meio da ao de pais e professores, enquanto a cultura organizacional estabelecida atravs de smbolos, heris e rituais.

Para Schein (1992) a cultura organizacional um conjunto de pressupostos bsicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu, ao aprender como lidar com os problemas de adaptao externa e integrao interna. Estes pressupostos funcionaram bem o suficiente para serem considerados vlidos e ensinados a novos membros, como forma correta de perceber, pensar e sentir em relao a esses problemas. Essa aprendizagem cultural se realiza em vrios nveis: (i) artefatos visveis, de fcil percepo, mas difcil interpretao, como por exemplo, o comportamento das pessoas, o layout da empresa, os documentos; (ii) valores, que governam o comportamento das pessoas onde existem diferenas entre os valores aparentes e aqueles de uso; (iii) pressupostos bsicos, geralmente inconscientes, mas demonstram como os membros de um grupo percebem, pensam e sentem.

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Arruda (2006) em sua dissertao de mestrado olha para esses nveis por meio de dados empricos obtidos em um hospital privado no municpio de So Paulo. Nas entrevistas a autora pode constatar a importncia dos valores ao averiguar que os entrevistados manifestaram-se, na sua totalidade, felizes por trabalhar na organizao por causa de aspectos determinantes como a valorizao do funcionrio, segurana no trabalho e respeito pelo profissional e pelo cliente. As crenas e pressupostos foram outros elementos que puderam ser inferidos e sua assimilao constatada a partir da forma como os funcionrios definiram os valores da organizao, principalmente a humanizao e a tica. A autora observou tambm a importncia dos ritos, rituais e cerimnias quando os entrevistados ressaltaram as festas de comemorao que acontecem em datas especficas como o Natal, final de ano, Pscoa, dia da criana, etc.

No estudo de Hofstede (2001) quatro dimenses de cultura so consideradas que auxiliam no entendimento da forma de administrar de um pas: distncia do poder: tambm chamada distncia hierrquica. Mede o quanto os membros de uma sociedade aceitam a distribuio desigual de poder com base nos valores daqueles que tem menos poder. Este ndice alto no Brasil. O que, para Bertero (2004), em termos de gesto de empresas, favorece estilos autoritrios, cujo poder vem de cima para baixo, com centralizao e dificuldades em delegar; coletivismo versus individualismo: nas sociedades coletivistas prevalece o interesse do grupo sobre o do indivduo. Esta uma medida de o quanto os membros so responsveis um pelo outro. O individualismo o oposto do coletivismo. O Brasil encontra-se em uma posio intermediria o que, para Bertero (2004), pode explicar a diluio dos processos decisrios, a pouca autonomia dos nveis hierrquicos mais baixos e a tendncia de levar qualquer deciso, mesmo a mais simples, aos nveis gerenciais mais altos; feminilidade versus masculinidade: nas sociedades tidas como masculinas mais comum que os homens estejam mais voltados para o trabalho externo, sendo duros, competitivos e gozando de maior liberdade do que as mulheres. Em

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contrapartida, os pases mais femininos tm regras mais igualitrias para ambos os sexos, no existindo grandes expectativas em funo da dualidade sexual. O Brasil ocupa uma posio intermediria o que significa, em termos de gesto de empresas, que a cultura brasileira favorece tanto estilos paternalistas como profissionais (Bertero, 2004); controle da incerteza: analisa a averso ao risco. O Brasil apresenta um alto grau de averso ao risco o que em termos de gesto significa modelos mais conservadores e baixo grau de empreendedorismo (Bertero, 2004). Netto et AL (2003) transcrevem as proposies de Freitas6 (in Caldas e Motta, 1997, apud Netto et al 2003) a respeito dos traos culturais bsicos brasileiros que podem ser usados na anlise organizacional:Trao Hierarquia Caractersticas-Chaves Tendncia a centralizao do poder dentro dos grupos sociais; Distanciamento nas relaes entre diferentes grupos sociais; Passividade e aceitao dos grupos inferiores Sociedade baseada nas relaes culturais Busca de proximidade e afeto nas relaes Paternalismo: domnio moral e econmico Flexibilidade e adaptabilidade como meio de navegao social Jeitinho Gosto pelo sensual e pelo extico na relaes sociais Mais sonhador que disciplinado Tendncia averso ao trabalho manual ou metdico

Personalismo

Malandragem Sensualismo Aventureiro

Tabela 1 Caractersticas Culturais Brasileiras Freitas (in Caldas e Motta,1997, apud Netto et al 2003, p.4)

Motta (1996) convalida a tese da influncia cultural no processo decisrio organizacional. Para o autor, as empresas brasileiras so caracterizadas por uma interao social intensa e por um envolvimento ativo dos dirigentes superiores, que se apresentam geralmente como autocrticos sendo responsveis pela parte mais substantiva das etapas do processo. Essa autoridade hierrquica, bem como uma intensiva comunicao fora das horas de trabalho (e fora do trabalho), faz com que as decises nas empresas brasileiras sejam tomadas rapidamente e de forma

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Freitas, A.B. Traos brasileiros para uma anlise organizacional, in Cultura Organizacional e Cultura Brasileira, Motta, F.C.P; Caldas, M.P (orgs). Editora Atlas, 1997

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continuada. No entanto, os responsveis se limitam ao uso de informaes de fcil obteno e geralmente pobres em contedo. Estes processos decisrios parecem ter maiores dificuldades em atingir os seus objetivos se comparados com os processos decisrios de outros pases.

Fleury (2009) alinha-se com a percepo de Schein e acrescenta que estes pressupostos bsicos expressos em elementos simblicos tanto agem como elementos de comunicao e consenso como ocultam e instrumentalizam as relaes de dominao. Para esta autora, h vrios caminhos para desvendar a cultura de uma organizao. Dentre eles destacam-se: o histrico das organizaes: o momento de criao de uma organizao e sua insero no contexto poltico e econmico da poca propicia o pano de fundo necessrio para a compreenso da natureza da organizao, suas metas, seus objetivos; os incidentes crticos por que passou a organizao, tais como crises, expanses, pontos de inflexo, de fracassos ou sucessos tambm so formadores de sua histria; o processo de socializao de novos membros: o momento de socializao crucial para a reproduo do universo simblico. por meio das estratgias de integrao do indivduo organizao que os valores e comportamentos vo sendo transmitidos e incorporados pelos novos membros. Os rituais de socializao desempenham ao mesmo tempo o papel de incluso do indivduo ao grupo e delimitao do processo de excluso dos demais; as polticas de recursos humanos: tm papel relevante no processo de construo da cultura da organizao, por serem as mediadoras da relao entre capital e trabalho. Analisando as polticas explcitas e principalmente as polticas implcitas de recursos humanos de uma organizao possvel decifrar e interpretar seus padres culturais;

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o processo de comunicao: um dos elementos essenciais no processo de criao, transmisso e cristalizao do universo simblico de uma organizao. preciso identificar os meios formais, orais (contatos diretos, reunies, telefonemas) e escritos (jornais, circulares, "memos") e os meios informais, como por exemplo, a "rdio-peo". O mapeamento dos meios permite desvendar as relaes entre categorias, grupos e reas da organizao; a organizao dos processos de trabalho: a anlise destes processos em seus componentes tecnolgicos e social como forma de gesto da fora de trabalho, possibilita a identificao das categorias presentes nas relaes de trabalho. Assim, ela importante para desvendar aspectos formadores da cultura organizacional, alm de fornecer o referencial para decifrar a dimenso polticoconstrutiva do elemento simblico.

Por sua vez, Hofstede (1991) utiliza seis termos para pontuar a cultura organizacional, so eles: orientao para o processo (empresas mais burocrticas, preocupadas em como fazer, nas formas de resolver problemas) versus orientao para resultados (empresa voltada a obter resultados, focada nos objetivos); orientao para o empregado versus orientao para o trabalho: baseia-se na preocupao da organizao com as pessoas e a preocupao em ter o trabalho concretizado; paroquial versus profissional: nas organizaes paroquiais a cultura dos empregados deriva da organizao, nas organizaes profissionais a cultura dos empregados deriva do tipo de trabalho que realizam; sistema aberto versus sistema fechado: aponta para a facilidade de aceitao, tanto da organizao quanto dos empregados, a pessoas externas e a novos funcionrios; sistema fraco versus sistema rgido: trata do grau de formalidade e controle dentro da instituio;

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normativa versus pragmtica: preocupa-se com orientao para o cliente.

Para Daft (2008) todos participam da cultura, mas em geral ela passa despercebida. Quando a organizao tenta implantar novas estratgias ou programas que ameaam as normas e valores culturais bsicos ela se defronta com o poder da cultura.

Para Pettigrew (2009) muito mais fcil ajustar as manifestaes de cultura do que modificar o ncleo de crenas e pressupostos bsicos da organizao. Para este autor as dificuldades de gerenciar a cultura de uma organizao so devidas aos seguintes problemas: nveis: variedade de nveis de profundidade nos quais a cultura se propagou na organizao, pois, alm de ser profunda a cultura extensa; infiltrao: a cultura permeia elementos diversos (envolve pessoas, processos, percepo sobre produtos, estruturas, sistemas); implcito: a cultura aceita implicitamente e difcil mudar partes implcitas do pensamento ou comportamento das pessoas; impresso: a histria tem grande peso na administrao da maioria das organizaes; poltico: relativo distribuio do poder na empresa. Alguns grupos de poder podem no estar dispostos a abandonar as crenas e pressupostos relevantes para eles; pluralidade: como a maioria das organizaes possui subculturas, possvel que apresente tambm crenas e pressupostos diferentes; interdependncia: entre todos os demais sistemas da organizao.

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Para Bertero (1976), de nada adianta modificar a estrutura de uma organizao se o comportamento dos seus membros tambm no for modificado, pois os indivduos afetam as estruturas e so por elas afetados. Para o autor, nessas situaes desejvel que haja processos decisrios participativos envolvendo os membros da organizao conduzindo a um compartilhamento da autoridade entre os diferentes nveis hierrquicos e a assuno de responsabilidades por grande numero de funcionrios.

De acordo com Carbone (2000), os comportamentos sociais no Brasil e suas decorrncias na gesto pblica que podem dificultar a mudana so as seguintes: burocratismo

excessivo

controle

de

procedimentos,

gerando

uma

administrao engessada, complicada e desfocada das necessidades do pas e do contribuinte; autoritarismo/centralizao excessiva verticalizao da estrutura hierrquica e centralizao do processo decisrio; averso aos empreendedores ausncia de comportamento empreendedor para modificar e se opor ao modelo de produo vigente; paternalismo alto controle da movimentao de pessoal e da distribuio de empregos, cargos e comisses, dentro da lgica dos interesses polticos dominantes; tentativa de levar vantagem tirar vantagem da coisa pblica, nepotismo, apadrinhamento e intermediao generalizada de favores e servios; reformismo desconsiderao dos avanos conquistados, descontinuidade administrativa, perda de tecnologia e desconfiana generalizada. Corporativismo como obstculo mudana e mecanismo de proteo tecnocracia.

Carbone (2000) reproduz, em seu artigo, os traos indesejveis dos administradores pblicos brasileiros, levantados por uma pesquisa realizada pelo Banco do Brasil em 1995, entre eles: desconhecimento e desinteresse pelo ambiente externo; viso

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sectria; despreparo e autoritarismo na gesto de pessoas e apego ao passado. J para Escrivo Junior (2006) o administrador pblico apresenta desconhecimento e desinteresse pelo ambiente externo.

Saraiva (2002), argumenta que a noo de burocracia to enraizada nas organizaes pblicas, que remete idia de imobilidade, uma vez que formas alternativas de organizao so rejeitadas ou aceitas at a fase de implementao de mudanas tal a fora dos preceitos reguladores vigentes. Para o autor os funcionrios pblicos percebem a necessidade de mudana pela maneira como as atividades vm sendo desempenhadas, pelas demandas dos cidados e pela necessidade de maior agilidade na resposta s mudanas ambientais; ainda assim, manifestam-se predominantemente de forma negativa, quando a inovao tratada, deixando claro que mudar preciso, mas no de forma radical. O autor afirma que podemos observar dois tipos de servidores pblicos. De um lado funcionrios conscientes do que se espera deles, enquanto membros da mquina pblica, comprometidos com a qualidade na prestao de servios populao e, de outro, uma mo-de-obra politizada e em geral desmotivada com as sucessivas aes do governo no sentido de desestruturar a imagem do servidor pblico em termos institucionais, polticos e econmicos.

Para Siqueira e Mendes (2009) parte dos servidores aptico e para modificar essa situao necessrio o estabelecimento de metas participativas, incentivos materiais e simblicos, proporcionando um sentido para o trabalho que realizam. Para Pires e Macedo (2006), a burocracia, o autoritarismo centralizado, o paternalismo, a descontinuidade e a ingerncia poltica interferem no modo como os trabalhadores atuam nessas organizaes, observando-se o apego s regras e rotinas, a supervalorizao da hierarquia, o paternalismo nas relaes e o apego ao poder, entre outras que so importantes na definio dos processos internos, na relao com inovaes e mudana, na formao dos valores e crenas organizacionais e polticas de recursos humanos. Para os autores a cultura que orienta a prtica das organizaes pblicas a da interferncia poltica e administrativa e os traos dessa cultura influenciam os seus trabalhadores transformando essas organizaes pblicas em burocracias complexas, com

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caractersticas centralizadoras e estruturas rgidas, no orientadas para o atendimento das necessidades dos cidados, ou para a eficcia e efetividade.

Os servidores pblicos possuem o poder de facilitar ou no o processo de adaptao e a falta de entendimento pode manifestar-se por meio da resistncia que esse grupo impe ao processo, podendo inviabilizar as tentativas de mudana organizacional (Vergara e Pinto, 1998).

Vaitsman (2000) afirma que pertencer a uma organizao pblica de sade implica em algum tipo de cultura coletiva, dada pela caracterstica do pblico e da sade. Um dos elementos definidores dessa cultura o fato de as atividades dos membros da organizao estarem voltadas para a produo de bens e/ou servios para a promoo do bem-estar fsico, mental e social de seus usurios/ clientes. Para a autora, ao entendermos cultura organizacional como um sistema de significados compartilhados pelos membros de uma organizao, a das organizaes pblicas marcada pelo modo como se instauraram as relaes entre Estado e sociedade e aquelas entre o sujeito e a coisa pblica. Essa mesma autora em artigo de 2.001, no qual realiza uma pesquisa com servidores de um hospital da rede pblica municipal do Rio de Janeiro mostra que o setor pblico percebido como um lugar onde predominam o apadrinhamento poltico, as relaes de favorecimento pessoal e os privilgios acarretando sentimentos de desconfiana, iniqidade e injustia que produzem frustrao em relao aos projetos pessoais e profissionais, levando desmotivao e dificultando a formao de expectativas positivas em relao s possibilidades de mudana.

4.3. Processo Decisrio

Pontos de vista diferentes no estudo do Processo Decisrio moldam no apenas a maneira como as decises so tomadas, mas tambm os prprios mtodos de investigao e as explicaes subseqentes (Miller et al, 2004).

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O processo decisrio em estudo refere-se a uma tomada de deciso estratgica. Mintzberg et al (2000) afirmam no ser fcil explicar o significado da palavra estratgia e que sua interpretao exige no mnimo cinco definies. Ela pode ser definida como um plano (um curso de ao) ou como um padro (estabilidade de comportamento ao longo do tempo). Tambm se pode descrev-la como uma posio (localizao de produtos ou servios em um mercado especfico) ou como uma perspectiva (modo de ver, de fazer as coisas); finalmente ela pode ser vista como uma ttica (para enganar um concorrente).

Simon (1979) divide as decises em dois tipos: programadas: so decises repetitivas e rotinizadas, solucionadas por regra geral, atravs de procedimentos previamente determinados ou programas de ao. Dentro de uma hierarquia organizacional, as decises programadas so tomadas em nveis hierrquicos mais baixos. o tipo de deciso que pode ser delegado. So decises operacionais, que podem ser tomadas por subordinados; no programadas: envolvem situaes novas ou no estruturadas ou ainda problemas para os quais no esto disponveis mtodos de soluo. Este tipo de tomada de deciso no possui regras nem um esquema especfico para ser utilizado, podendo estar relacionado a situaes desconhecidas ou inditas. A deciso estratgica pertence a esse grupo. Como a organizao possui diferentes grupos de interesse, o processo decisrio no nvel estratgico, vai refletir uma constante negociao de interesses para manter, reforar ou modificar a coalizo de poder.

Hatch(1997) destaca dois fatores-chave entrelaados aos processos decisrios: a incerteza e a ambigidade. A incerteza est associada complexidade e velocidade das mudanas no meio ambiente ou nas tecnologias (condies associadas ao ambiente externo das organizaes e ao core business). A ambigidade (hesitao entre duas ou mais possibilidades) inerente falta de consenso sobre os objetivos a serem alcanados. Conseqentemente, diversas alternativas so usualmente avaliadas. Informaes adicionais reduzem a incerteza, mas aumentam a ambigidade, trazendo novos elementos dos quais os tomadores

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de deciso podem discordar. Para a autora, desacordos, interesses, conflitos e poder (independentemente da sua natureza) so fatores crticos, cada um favorecendo um processo decisrio diferente, assim como os diferentes nveis de incerteza e ambigidade com os quais as organizaes se deparam. Quando os desacordos dizem respeito aos objetivos a serem alcanados ou problemas a serem resolvidos (que direo tomar) os conflitos conseqentes envolvem ambigidade (mltiplas interpretaes do que se est tentando alcanar). Quando os desacordos se referem a como os objetivos devem ser alcanados os conflitos so resultados da incerteza (falta de informaes). Para a autora, eles delineiam os modelos de tomada de deciso utilizados.

Daft (2008) afirma que diferentes modelos de tomada de deciso aparecem em diferentes situaes, pois o uso dos mesmos contingencial ao cenrio da organizao.

Einsenhardt and Zbaracki (1992) consideram que os paradigmas dominantes no estudo dos processos decisrios so: (i) racionalidade, (ii) racionalidade limitada, (iii) poder e poltica, e (iv) modelo da lata de lixo. Para as autoras, tomadas de deciso so fundamentais no processo estratgico, pois moldam o curso de uma empresa. Elas sustentam que a racionalidade multidimensional e assim as decises so racionais em alguns aspectos, mas no em outros. Ao revisar a literatura, concluram que estudos empricos demonstram a existncia de limites para o uso do modelo racional, que muitas decises seguem fases bsicas como identificao do problema, desenvolvimento e seleo de alternativas, mas que percorrem essas etapas sempre seguindo caminhos diferentes e realizando ajustes contnuos, que a complexidade do problema e os conflitos influenciam a forma como a deciso tomada. Portanto as decises estratgicas so limitadamente racionais, o poder ganha as batalhas sobre escolhas e a oportunidade importa. Nutt and Wilson (2010), ao reconhecerem a variedade de modelos na pesquisa sobre processos decisrios, constatam que a fuso dos modelos mais poderosos o modelo poltico e a racionalidade limitada parecem factveis, pois o primeiro revela o contexto social e o segundo expe as cognies inerentes. Nessa mesma perspectiva Royer and Langley (2008), argumentam que embora um paradigma possa ser suficiente para explicar uma situao em particular, a associao entre

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modelos fornece uma explicao mais abrangente para o processo decisrio. Acrescentam que a racionalidade e o processo poltico so elementos crticos e que processos decisrios eficientes e efetivos tendem a combinar ambos.

4.3.1. A Racionalidade

Decises de todos os tipos e magnitudes permeiam as organizaes. Neste sentido, elas podem ser vistas como um lcus de processos decisrios. Portanto, em um determinado momento pode-se interpret-las como o resultado ou o produto das suas decises ao longo do tempo (Hatch, 1997). Para Miller et al (2004), as

organizaes ao se integrarem ou ao se diferenciarem geram a necessidade de tomar decises. Estudos acerca do trabalho administrativo confirmam que nesse processo os administradores gastam grande parte do seu tempo. O trabalho de Mintzberg (1985), por sua vez, coloca a tomada de deciso como prioritria na agenda administrativa, enquanto Simon (1979) sugeriu que administrar e tomar decises so praticamente sinnimos.

No entanto, at as dcadas de 1930 e 40, o estudo sobre as organizaes se focava nas hierarquias administrativas sem que se percebessem as decises. Obviamente decises eram tomadas, mas os administradores e os acadmicos no as enxergavam como relevantes e merecedoras de ateno e estudos (Hodgkinson and Starbuck, 2008). A primeira abordagem utilizada para analisar a tomada de deciso foi a do modelo racional, herdado da teoria econmica onde o indivduo da organizao possui como caractersticas aquelas contempladas pela administrao cientfica: o tipo ideal representado pelo homo economicus onde o indivduo um ser totalmente racional e incorruptvel. Este indivduo faz escolhas ideais, em um ambiente bem especificado e bem definido, e apoiado por modelos matemticos e estatsticos, que levam sempre maximizao dos resultados (March e Simon, 1981).

As teorias racionais assumem que o tomador de deciso conhece todas as alternativas para a ao e as conseqncias de cada alternativa suficientemente

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bem para ser capaz de realizar uma distribuio de probabilidade; possui uma ordem consistente de preferncias de alternativas e utiliza regras decisrias que permitam a escolha de uma nica (Hodgkison and Starbuck, 2008). Nesse modelo, os indivduos entram em situaes de deciso com os objetivos previamente conhecidos e os objetivos determinam o valor das possveis conseqncias de uma ao. A partir da os indivduos renem as informaes apropriadas, montam um conjunto de alternativas e escolhem a tima (Eisenhardt e Zbaracki, 1992).

Quando confrontado com uma situao de risco ou incerteza com relao ao conjunto de informaes reunidas, o decisor, apoiado por tcnicas estocsticas e por seu juzo sobre conseqncia-utilidade, escolhe a deciso preferencial dentro de um conjunto previamente definido de preferncias, onde a deciso preferencial aquela de maior utilidade (March e Simon, 1981).

Para Allison e Zelikow (1999), na teoria econmica a deciso racional a escolha da alternativa mais eficiente, aquela que maximiza o resultado para dado insumo, ou que minimiza o insumo para dado resultado. Nessa perspectiva, o problema se reduz questo de selecionar, dentro de um conjunto de alternativas, aquela que proporcione as melhores conseqncias em termos de utilidade. Para os autores o que define o modelo racional a ao como escolha racional, formada por: (i) objetivos que se traduzem em uma funo de utilidade; (ii) alternativas conhecidas antecipadamente; (iii) conseqncias de cada alternativa; e (iv) escolha que proporciona o mximo de utilidade. Para March e Simon (1981) o modelo racional serve apenas para os ambientes de certeza absoluta, onde tudo completamente normatizado. Neste caso a racionalidade seria totalmente objetiva.

Estudos empricos, no entanto, demonstraram que os modelos de escolha racional so prescries idealizadas que descrevem uma no-realidade (Miller et al, 2004). Crticos das teorias racionais observaram que a realidade cotidiana da vida organizacional no permite aos tomadores de deciso possuir dados completos e objetivos bem definidos e que os mesmos no se utilizam completamente de processos lgicos de informao, no dispem de informaes completas, de competncia e capacidade para processar a grande quantidade de informaes

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disponveis e no detm conhecimento total sobre os assuntos que tem em mos (Hodgkison and Starbuck, 2008).

Para alguns autores, as teorias racionais ignoram o fato que objetivos mudam com o tempo e que as pessoas inicialmente especificam suas preferncias para depois escolher suas aes e mais ainda, que as pessoas geralmente descobrem suas preferncias depois de agir e avaliar as conseqncias (Hodgkison and Starbuck, 2008).

Segundo Morol (2007) o modelo de tomada de deciso racional, um mito, uma abstrao que no encontra aplicaes diretas na vida real de nenhuma organizao. Para este autor, nenhuma perspectiva terica sria assume que os indivduos so (ou podem ser) tomadores de deciso puramente racionais. O autor afirma que, ainda no existem alternativas coerentes e abrangentes apesar do modelo racional j ter demonstrado ser incompleto.

Por outro lado os proponentes das teorias racionais, na sua maioria economistas, argumentam que suas teorias no foram projetadas para descrever processos decisrios ou escolhas de curto prazo. Teorias econmicas sobre a tomada de decises racional no dizem respeito ao comportamento de um individuo ou de uma empresa no futuro imediato, mas sim de um fenmeno em nvel industrial em longo prazo (Hodgkison and Starbuck, 2008). um comportamento que pode ser observado a partir de centenas de decises tomadas como resposta a estmulos similares (como os mercados financeiros). Para os autores, as noes de racionalidade dos economistas no fazem sentido quando aplicadas a indivduos que no podem prever o futuro, embora possuam um valor preditivo se forem levados em consideraes centenas de casos.

4.3.2 A Racionalidade Limitada

A partir

de

uma

abordagem

behaviorista

Herbert

Simon,

em

seu livro

Comportamento Administrativo (1979), prope uma nova teoria da deciso, para

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anlise e descrio das organizaes. Para o autor, uma teoria geral da administrao no deve incluir apenas princpios que assegurem uma ao efetiva, mas que assegurem tambm decises corretas. Ele argumenta que as organizaes podem ser mais bem entendidas atravs de seus processos decisrios, onde as premissas inerentes deciso e a estrutura organizacional se influenciam mutuamente. As atividades realizadas pelas empresas, nos seus diversos nveis hierrquicos, so essencialmente processos de tomada de deciso e de resoluo de problemas (Simon, 1979). O autor argumenta que a capacidade da mente humana para formular e resolver problemas complexos pequena, se comparada ao tamanho dos problemas que exigem soluo. Nesta declarao, o autor apresenta sua tese fundamental sobre a tomada de deciso em contraste com o conceito mais clssico usado na economia. Ele argumenta que a capacidade do ser humano para reunir, compreender e recuperar informaes da memria e fazer inferncias limitada por informaes incompletas e imperfeitas; pela complexidade do problema; pela capacidade de processar informao pelo ser humano; pelo tempo disponvel para o processo decisrio; pelas preferncias conflitantes que os tomadores de deciso possuem para os objetivos organizacionais; pelos ambientes extremamente complexos nos quais se situam, e denominou estas limitaes de racionalidade limitada. Conseqentemente, o ser humano tomar sempre decises satisfatrias e no timas. Adicionalmente Simon (1979) considera que a racionalidade depende de seu contexto e limitada por ele. Esse conceito salienta as diferenas entre o que os modelos normativos prevem e o que os administradores fazem na realidade.

Para Simon (1979), para entender a racionalidade que permeia qualquer processo decisrio o vocbulo racional deve ser acompanhado por um advrbio apropriado. Portanto uma deciso ser chamada de objetivamente racional se representar de fato o comportamento correto para maximizar certos valores em determinada situao. Ser subjetivamente racional se maximiza a realizao com referncia ao conhecimento real do assunto por parte do tomador de deciso. conscientemente racional na medida em que o ajustamento dos meios aos fins visados constitui um processo consciente. deliberadamente racional na medida em que a adequao dos meios aos fins tenha sido provocada pelo indivduo ou organizao. organizativamente racional se for orientada no sentido dos objetivos da organizao.

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Finalmente, pessoalmente racional se visar aos objetivos do individuo. Como resultado destas limitaes, os tomadores de deciso tomam as suas decises na maior parte das vezes sob condies de incerteza, e de maneira intencionalmente racional. Simon v o homem como um ator econmico bombardeado por escolhas e decises, mas possuindo um estoque limitado de informaes e capacidades de processamento (Motta e Vasconcelos, 2002).

Simon prope o conceito do homem administrativo - uma alternativa ao homem econmico e ao homem social - um ser que age intencionalmente, racionalmente limitado e que est apto a tomar decises satisfatrias para a organizao, corretas quando relacionadas aos objetivos pr-estabelecidos (Motta e Vasconcelos, 2002). As formulaes de Simon colocaram o processo decisrio como ponto focal para a compreenso do comportamento organizacional (Hodgkison and Starbuck, 2008).

Este autor afirma que uma deciso feita a partir de um conjunto de premissas que podem ser divididas em dois tipos: premissas de valor e premissas factuais. As factuais podem ser testadas, para determinar sua veracidade ou no isto , se o que elas afirmam a respeito de determinada coisa ocorre ou no na realidade. J as de valor no podem ser julgadas ou comparadas com fatos, pois expressam muito mais idias ou intenes do que fatos. Portanto, para o autor impossvel demonstrar a veracidade das proposies ticas. Para ele cada deciso envolve a seleo de uma meta (elemento de valor) e de um comportamento (elemento de fato) com ela relacionada. Dentro dessa perspectiva no existe a deciso ideal, pois ela sempre depender de qual o contexto e os parmetros que se quer utilizar no julgamento.

Alguns pesquisadores identificaram empiricamente que a racionalidade nas tomadas de deciso no estanque em um extremo totalmente objetivo. antes de tudo, um continuum onde num extremo est a objetividade e no outro as limitaes do indivduo. Os decisores se movem nesse continuum dependendo da intensidade do conflito. (Eisenhardt e Zbaracki, 1992).

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4.3.3 O Poder e a Poltica

As abordagens utilizadas para levantar explicaes sobre o ambiente interno onde ocorreu o processo decisrio em anlise percebem as organizaes como sistemas polticos e como coalizes. Nesse cenrio a poltica utilizada para influenciar os processos decisrios, o conflito faz parte da dinmica organizacional e o poder se torna um ativo importante.

Para Hatch (1997) e Daft (2008), essa situao o resultado natural da realidade organizacional com mltiplos objetivos, competio por recursos escassos, interdependncia e outras fontes de conflito e contradio (barganha e compromisso so usados para atingir o consenso). Esse processo envolve indivduos unindo seus interesses e propondo alternativas, nem sempre benficas para a organizao. Se as foras desses indivduos no so suficientes para dominar a oposio, eles se unem com outros grupos de interesse formando uma coalizo.

Para vrios autores o poder tem sido visto como um fator chave na explicao de como as decises so tomadas (Miller et al, 2004). Para esses autores, decises podem ser vistas como focos de atividade poltica, relacionadas alocao e ao exerccio do poder nas organizaes. Devido a esses fatores, a realidade organizacional permeada de desacordos a respeito de objetivos a serem alcanados ou problemas a serem resolvidos (que direo tomar) e a respeito de como os objetivos devem ser alcanados. Nesse contexto o processo decisrio est sujeito aos efeitos do poder e da poltica (Hatch, 1997).

O poder, segundo Galbraith (1994) a imposio da vontade de uma pessoa sobre a das outras. Para o autor, trs so os tipos puros de poder. Para o autor existem trs tipos de poder: o condigno, o compensatrio e o condicionado. Os poderes condignos e compensatrios se diferenciam pelo fato do dominado concordar ou no com a dominao. O poder condigno impe algo contrrio s preferncias do indivduo por meio de submisso e ameaas. J o poder compensatrio se caracteriza pelo fato do dominado concordar com a submisso, pois nesse processo ele obtm recompensas positivas, onde a principal expresso a recompensa

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pecuniria pela submisso aos objetivos da organizao. O poder condicionado, por sua vez, subjetivo, mais sutil, nem os que o detm nem os dominados tm conscincia clara de estar numa relao de dominao, ou seja, os indivduos que o exercem e a ele se submetem nem sempre o fazem de maneira consciente. conseqente a um condicionamento explicito. Vale ressaltar, no entanto, que para o autor no existem casos puros de poder, da a dificuldade para compreend-lo. Galbraith (1994) considera que a organizao a mais eminente fonte de poder dos dias atuais. Nesse sentido Hatch (1997) argumenta que existem muitas fontes de poder, mas uma em particular, a autoridade, se sobressai das demais porque associada com a hierarquia que faz parte da definio estrutural das organizaes. Miller et al (2004) complementam ao afirmar que o poder um fator sempre presente na vida organizacional alocado para posies de autoridade dentro da hierarquia da organizao, regulando o acesso ao processo de tomada de deciso. Neste sentido, a tomada de deciso pode ser vista como uma manifestao ou forma do exerccio do poder.

Bachrach and Baratz (1962) distinguem duas faces do poder, uma aparente e outra oculta. A primeira face explcita, no nvel dos conflitos abertos sobre deciseschave (A participa das decises que afetam B) e outra, no aberta, em que os grupos jogam para suprimir os conflitos (A evita que venham tona questes que possam prejudicar suas preferncias). Para Bachrach and Baratz (1963), o conflito proveniente de uma tomada de deciso pode ser ocultado e suprimido atravs do que os autores denominam de no-decises, questes ocultas a respeito das quais se decidiu no decidir. So assuntos que podem contrariar os interesses de outros atores ou no so aceitos para discusso. Essa seria outra interpretao das duas faces do poder. A possibilidade de conhecer o assunto relativo a essas questes to ou mais revelador do que o conhecimento daquilo que explicitamente se discute (Miller et al, 2004)

Mintzberg et al (2000) vem nas organizaes duas formas de poder: a) o poder micro decorrente de interesses de foras internas nos processos de negociao e concesses entre indivduos, grupos e coalizes; b) o poder macro - caracterizado pela interdependncia da organizao com os atores do ambiente externo. Esses autores, ao revisarem a literatura sobre estratgias, detectaram dez pontos de vista

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distintos, que denominaram de escolas. Cada uma delas foca um aspecto importante do processo de formulao de estratgia. Uma delas, a Escola do Poder, analisa a estratgia como um processo poltico7. Os autores compartilham com os demais aqui reportados a percepo de que a presena de ambigidades, incertezas, objetivos concorrentes, percepes variadas e escassez de recursos favorecem o surgimento da poltica, impossibilitando escolhas ideais ou timas. Os autores argumentam que o surgimento de novas estratgias dentro de uma organizao pode representar, tambm, sinais de mudana em relao ao poder.

Quando o poder exercido por uma autoridade racional-legal, termo cunhado por Max Weber, em um corpo administrativo organizado, a estrutura organizacional decorrente a burocracia. Para Motta e Vasconcellos (2002), Weber enxergava na burocracia uma tentativa de formalizar e coordenar o comportamento humano por meio da aut