dissertacao juliana ferreira bernardo

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESPJLIO DE MESQUITA FILHO

    INSTITUTO DE ARTESPS-GRADUAO EM ARTES MESTRADO

    JULIANA FERREIRA BERNARDO

    Colagem nos meios imagticos contemporneos

    So Paulo2012

  • JULIANA FERREIRA BERNARDO

    Colagem nos meios imagticos contemporneos

    Dissertao apresentada banca examinadora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulis-ta Jlio de Mesquita Filho, como exigncia parcial para obteno de ttulo de mestre em Artes Visuais, dentro da linha de pesquisa Processos e Procedi-mentos Artsticos, sob a orientao do Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe.

    So Paulo2012

  • Ficha catalogrfica preparada pelo Servio de Biblioteca e Documentao do Instituto de Artes da UNESP (Fabiana Colares CRB 8/7779)

    B518cBernardo, Juliana Ferreira. 1985-

    Colagem nos meios imagticos contemporneos / Juliana Ferreira Bernardo. - So Paulo, 2012.

    170 f. ; il.

    Orientador: Prof Dr Milton Terumitsu SogabeDissertao (Mestrado em Artes) Universidade Estadual Paulista,

    Instituto de Artes, 2012.

    1. Colagem. 2. Fotomontagem. 3. Arte - Histria. 4. Arte contempornea. I. Sogabe, Milton Terumitsu. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Ttulo

    CDD 702.812

  • JULIANA FERREIRA BERNARDO

    Colagem nos meios imagticos contemporneos

    Dissertao apresentada banca examinadora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulis-ta Jlio de Mesquita Filho, como exigncia parcial para obteno de ttulo de mestre em Artes Visuais, dentro da linha de pesquisa Processos e Procedi-mentos Artsticos, sob a orientao do Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe.

    Aprovado em ____________ de ____________________ de 2012.

    Banca Examinadora:

    _______________________________________________________Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe Orientador

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    _________________________________________________________Profa. Dra. Silvia Miranda Meira

    Museu de Arte Contempornea / Universidade de So Paulo

    _________________________________________________________Prof. Dr. Agnaldo Valente Germano da Silva

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

  • Dedico este trabalho aos meus pais, Aloisio e Roseli, que sempre me estimularam a aprender.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, por ter me dado foras para levar este trabalho at o final. Ao Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe, pela colaborao e gentileza na orientao do trabalho. Muito obrigada por seu apoio e pela pacincia nas leituras e correes do meu texto! Ao corpo docente do Instituto de Artes da Unesp, pelas contribuies dadas a esta pes-quisa nas disciplinas cursadas. Sou grata, sobretudo, s sugestes dadas de maneira to generosa pelos professores doutores Omar Khouri e Jos Spaniol em meu exame de qualificao. coordenao da ps-graduao, em especial Prof. Dra. Rejane Coutinho, pelo aux-lio na continuidade deste trabalho. Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo - Fapesp - pelo apoio finan-ceiro, que viabilizou a concretizao desta pesquisa e permitiu minha participao em cursos e eventos cientficos fundamentais para a dissertao. Aos artistas que entrevistei e compartilharam comigo um pouco do seu tempo, mostran-do-me seus processos criativos, trabalhos e expondo-me algumas de suas reflexes. jornalista e curadora Juliana Monachesi, pela conversa que tivemos, cheia de dicas de leitura e referncias artsticas. Aos colegas de mestrado, pelos conselhos, observaes e trocas de experincias. Agrade-o especialmente Adriana Honorato, minha amiga e companheira de angstias. minha famlia, aos amigos e ao meu namorado, pela compreenso que tiveram comigo durante todo este perodo de estudo. Finalmente, aos docentes que gentilmente participaram da banca de defesa: Profa. Dra. Silvia Miranda Meira do Museu de Arte Contempornea da Universidade de So Paulo e Prof. Dr. Agnaldo Valente Germano da Silva do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - John Harbele. The changes of time. http://www.ishibashi-museum.gr.jp/e/collections/art_b_01.html

    Figura 2 - Henry Peach Robinson. Fading Away.http://www.sayersandlundgreen.com/fading%20away%20works.html

    Figura 3 - Pablo Picasso. Natureza morta com cadeira de palha.http://chuva-bomtempo.blogspot.com/2009_01_25_archive.html

    Figura 4 - Pablo Picasso. Copo e garrafa de Suze.http://www.germinaliteratura.com.br/2010/artes_jose_aloise_bahia_distorcao_jun10.htm

    Figura 5 - Pablo Picasso. Guitar.http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=80934

    Figura 6 - Pablo Picasso. Guitare, journal, verre et bouteille.http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork?cgroupid=999999961&workid=11865&searchid=9530

    Figura 7 - Kurt Schwitters. Merz Pictures 32 A. The Cherry Picture.http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=33356

    Figura 8 - Max Ernst e Hans Arp. Figura diluviana fisiomitolgica.http://www.artlex.com/ArtLex/d/dada.html

    Figura 9 - George Grosz. Remember uncle August, the unhappy inventor.http://www.artknowledgenews.com/2009-12-07-23-00-33-major-exhibition-of-works-by-george-grosz-announced-at-berlins-akademie-der-kunste.html?q=york

    Figura 10 - Raoul Hausmann. O crtico de arte.http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork?cgroupid=999999961&workid=5867&searchid=11549

    Figura 11 - Hannah Hch. Schnitt mit dem Kchenmesser durch die letzte Weimarer Bierbauchkulturepoche Deutschlands.

    http://www.moma.org/explore/multimedia/audios/29/704

    Figura 12 - Francis Picabia. Tableau Rastadada.http://terresdefemmes.blogs.com/mon_weblog/2010/12/9-d%C3%A9cembre-1920-francis-picabia-vernissage-rue-bonaparte.html

    Figura 13 - Theo Van Doesburg. Frau van Doesburg.http://www.bildindex.de/#|2

    Figura 14 - John Heartfield. Hurrah, die Butter ist alle!http://geometricasnet.files.wordpress.com/2010/11/tumblr_l640r4scmn1qzffdko1_1280.jpg

    Figura 15 - Andr Masson. A batalha dos peixes.http://www.moma.org/collection/browse_results.php?criteria=O%3AAD%3AE%3A3821&page_number=5&template_id=1&sort_order=1

    Figura 16 - Georges Hugnet. Sem ttulo.http://www.zabriskiegallery.com/Surrealist%20collage/gh43281.JPG

    Figura 17 - Max Bucaille. La vie Intra-uterine.http://www.zabriskiegallery.com/Surrealist%20collage/Mb43270.JPG

    Figura 18 - Valentine Penhose. Do livro Dons de Feminines.http://www.zabriskiegallery.com/Surrealist%20collage/vp43193.JPG

    Figura 19 - Joseph Cornell. Sem ttulo.http://www.zabriskiegallery.com/Surrealist%20collage/jc43286.JPG

  • Figura 20 - Jacques Prvert. Sem ttulo.http://www.zabriskiegallery.com/exhibition.php?ex=59&ea=646

    Figura 21 - Max Ernst. Uma semana de bondade.http://www.musee-orsay.fr/index.php?id=649&L=&tx_ttnews%5Btt_news%5D=20484&no_cache=1&L=1

    Figura 22 - Richard Hamilton. Just What Is It That Makes Todays Home So Different, So Appealing?

    http://witcombe.sbc.edu/modernism-b/modpostmod.html

    Figura 23 - Eduardo Paolozzi. I was a Rich Mans Plaything.http://www.tyskforlaget.dk/Blitzeis/BlitzeisBILDBESPRECHUNG.html

    Figura 24 - Richard Hamilton. $he.http://www.tate.org.uk/britain/exhibitions/artandthe60s/thm_neversogood.htm

    Figura 25 - Peter Blake.The origins of Pop.http://www.butchershookgallery.com/gallery/proddetail.php?prod=blake001

    Figura 26 - Robert Rauschenberg. Retroactive I.http://sala17.files.wordpress.com/2011/01/rausch1.jpeg

    Figura 27 - Robert Rauschenberg.Canyon.http://www.carteret.edu/keoughp/Art%20History%20S.2/Pop%20Art/

    Figura 28 - Richard Hamilton. My Marilyn (past-up).http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork?workid=5804&tabview=image

    Figura 29 - Peter Blake. Got a girl.http://www.artrepublic.com/prints/12220-got-a-girl-silkscreen-signed-limited-edition-of-100.html

    Figura 30 - Richard Hamilton. Swingeing London.http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork?workid=5782

    Figura 31 - Marie-Blanche-Hennelle Fournier. Pgina sem ttulo do lbum de Madame Bhttp://www.metmuseum.org/special/victorian_photocollage/view_1.asp?item=0&view=el

    Figura 32 - Irving Penn. Nude #18.http://www.sfmoma.org/exhib_events/exhibitions/96#ixzz1TznGq78C

    Figura 33 - Oscar Gustave Rejlander. Os dois caminhos da vida.http://www.artreview.com/group/photomontage

    Figura 34 - Valrio Vieira. Os trinta Valrios.http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Os_trinta_val%C3%A9rios.jpg

    Figura 35 - Alexander Rodchenko. Maquette.http://russianconstructivists.blogspot.com/2011_04_01_archive.html

    Figura 36 - Alexander Rodchenko. Fotomontagem para Pro Eto de Majakovsky.http://www.museenkoeln.de/museum-ludwig/default.asp?s=2071

    Figura 37 - El Lissitzky. Design para imprensa.http://www.museenkoeln.de/museum-ludwig/default.asp?s=2071

    Figura 38 - Laszlo Moholy-Nagy. Morte nos trilhos.http://cinepoeme.blogspot.com/2010/10/laszlo-moholy-nagy.html

    Figura 39 - Lucas Samaras. Panorama, 11/26/84.http://americanart.si.edu/collections/search/artwork/?id=21567

  • Figura 40 - Duanes Michals. Paradise Regained.http://sweb.cityu.edu.hk/sm2221/files/realdreams/index.html

    Figura 41 - Tom Drahos.Exit.http://www.qpn.asso.fr/fr/archives/drahos.html

    Figura 42 - Vincent Verdeguer. Migration.http://www.vincentverdeguer.com/

    Figura 43 - Paul Citron. Metropolis.http://www.abbeville.com/interiors.asp?ISBN=0789200686&CaptionNumber=02

    Figura 44 - Jeff Wall . A Sudden Gust of Wind (after Hokusai).http://www.tate.org.uk/modern/exhibitions/jeffwall/rooms/room7.shtm

    Figura 45 - Katsushika Hokusai. Ejiri in Suruga Province (A Sudden Gust of Wind).http://www.shanelavalette.com/journal/2007/02/25/new-york-art-fairs-and-jeff-wall-as-the-luminist/

    Figura 46 - Wendy McMurdo. Helen, coxia, Teatro Merlin (a olhada).http://www.wendymcmurdo.com/

    Figura 47 - Mariko Mori. Desejo ardente.http://www.galerieperrotin.com/Mariko_Mori-works-oeuvres-14119-6.html

    Figura 48 - Fulvio Colangelo. Sleep Apnea.http://www.colangelo.to/DOCS/SqCH4LhMEm.pdf

    Figura 49 - Fulvio Colangelo. Underwater.http://www.colangelo.to/DOCS/SqCH4LhMEm.pdf

    Figura 50 - Charlie White. Getting Lindsay Linton.http://www.charliewhite.info/work/

    Figura 51 - Daniel Lee. Mannimals.http://www.daniellee.com/Manimal.htm

    Figura 52 - Yamasumasa Morimura. Retrato.http://www.morimura-ya.com/category/gallery/west/page/3/

    Figura 53 - Vibeke Tandberg. Line no 1-5.http://www.christies.com/LotFinder/lot_details.aspx?intObjectID=5340132

    Figura 54 - Joan Fontcuberta. Lavandula angustifolia.http://www.fontcuberta.com/

    Figura 55 - Karl Blossfeldt. Passiflora, Passionsblume.http://elogedelart.canalblog.com/tag/Karl%20Blossfeldt

    Figura 56 - Foto da exposio Unmonumental no New Museum, com trabalhos de Sarah Lucas, Rebecca Warren, Manfred Pernice e Wangechi Mutu. http://www.artnet.com/magazineus/reviews/robinson/robinson3-10-08_detail.asp?picnum=8

    Figura 57 - Foto da exposio Unmonumental no New Museum, com trabalhos de ohn Bock, Anselm Reyle and Mark Bradfordhttp://www.artnet.com/magazineus/reviews/robinson/robinson3-10-08_detail.asp?picnum=9

    Figura 58 - Nina Moraes. Paisagem.http://www.canalcontemporaneo.art.br/arteemcirculacao/archives/001284.html

    Figura 59 - Rosangela Renn. Da srie Cicatriz - Arquivo Universal.http://tattoorchitecture.blogspot.com/2010/11/rosangela-renno.html

  • Figura 60 - Cindy Sherman. Sem ttulo n. 420 (dptico). Da srie Palhaos.http://postaisepostits.blogspot.com/2010/09/cindy-sherman.html

    Figura 61 - Mark Bradford. Los moscos.http://slowmuse.wordpress.com/tag/mark-bradford/

    Figura 62 - Ludovica Gioscia. Pop-Arzigogolo (detalhe).http://www.artrabbit.com/events/event/19835/ludovica_gioscia_soft_power

    Figura 63 - Richard Galpin. Free State II.http://www.richardgalpin.co.uk/year2008-9.php?image=R_GAL0207.jpg&title=FREE%20STATE%20II

    Figura 64 - Gabriel Orozco. Samurai Tree Invariants.http://accessibleartny.com/index.php/2009/12/gabriel-orozco-at-moma/

    Figura 65 - John Stezaker. Da srie Marriages.http://wewastetime.wordpress.com/2011/05/30/masks-and-marriages/

    Figura 66 - Fred Tomaselli. Abductor.http://www.jamescohan.com/artists/fred-tomaselli/selected-works/

    Figura 67 - Gordon Cheung. Raphael Conversing with Adam and Eve.http://asunews.asu.edu/20091216_alteredstates

    Figura 68 - Kristine Roepstorff. Eight Hanging. Da srie Its Not The Eye Of The Needle that Changed.http://www.saatchi-gallery.co.uk/artists/artpages/20091120115842_kirstine_roepstorff_8_2.htm

    Figura 69 - Tom Friedman. Mandala.http://museums.fivecolleges.edu/detail.php?museum=&t=objects&type=exact&f=&s=amherst&record=530

    Figura 70 - Patrick Hamilton. Carretilla.http://www.gonzalezygonzalez.org/index.php?/patrick-hamilton/

    Figura 71 - Hew Locke. Serpent of the Nile (Sejant).Da srieHow Do You Want Me?.http://www.gac.culture.gov.uk/work.aspx?obj=34330

    Figura 72 - Evren Tekinoktay. Black egg.http://www.theapproach.co.uk/artists/tekinoktay/1

    Figura 73 - Nicola Constantino. Winged Nicola.http://barogaleria.com/exposicao/nicola-costantino-mi-doble-3/

    Figura 74 - Henna Nadeem. Da srie A Picture Book of Britain.http://www.photoworks.org.uk/artists/henna-nadeem

    Figura 75 CutUp. Sem ttulo.http://www.seventeengallery.com/index.php?p=3&id=12&iid=5

    Figura 76 - Tim Noble e Sue Webster. Dirty white trash (with gulls).http://www.timnobleandsuewebster.com/dirty_white_trash_1998.html

    Figura 77 - Nino Cais. Sem ttulo.http://www.flickr.com/photos/sescsp/5408005025/in/set-72157625844619637

    Figura 78 - Marcelo Amorim. Da srie Educao para o amor.http://www.galeriaoscarcruz.com/br/artista-marcelo-amorim.html

    Figura 79 - Rodrigo Torres. Da srie Uns Trocados.http://www.flickr.com/photos/maisumrodrigotorres/5247466658/in/photostream

  • Figura 80 - Fernanda Chieco. Edifcio So Roberto. Da srie Elucubraes de uma alma penada (Sou vigiado, logo existo).http://www.fernandachieco.com/#!__works/lucubrations

    Figura 81 - Gisela Motta e Leandro Lima. Da srie De frma.http://www.flickr.com/photos/sescsp/5535952178/

    Figura 82 - Felipe Cama. Recife (After Post). Da srie After Post.http://felipecama.com/site/portugues/trabalhos-portugues/after-post-2010/

    Figura 83 - Cssio Vasconcellos. Da srie Mltiplos.http://cassiovasconcellos.com.br/gallery/multiplos-2008-2011-galeria/

    Figura 84 - Pedro Varela. Sem ttulo.http://pedrovarela.com/colagens/

    Figura 85 - Odires Mlsho. Diana. Da srie Serpentina.http://www.galeriavermelho.com.br/sites/default/files/artistas/pdf_portfolio/ML%C3%81SZHO%202011.pdf

    Figura 86 - Nelson Leirner. Da srie Assim se lhe parece.http://arteseanp.blogspot.com/2012/01/bravo-bravissimo-nelson-leirner.html

    Figura 87 - Daniel Senise. Mil.http://www.danielsenise.com/daniel-senise/obras/imagens.asp?pagina=4&tipo=v10

  • RESUMO

    A presente pesquisa tem por objetivo a anlise da colagem como procedimento artstico. Para isto, foi traado um histrico da colagem que englobou o Cubismo, o Dadasmo, o Surrealismo e a Arte Pop. Em cada um destes momentos histricos, percebemos o significado do emprego da colagem como linguagem artstica. Em um segundo momento, analisamos o processo da co-lagem nas imagens tcnicas, sobretudo naquelas decorrentes da fotografia, como, por exemplo, nas fotomontagens, no cinema e na colagem digital. E, finalmente, realizamos entrevistas com artistas brasileiros e visitamos museus e galerias com o intuito de verificar como a colagem tem feito parte da arte contempornea.

    Palavras-chave: colagem, montagem, imagem tcnica, arte contempornea.

    ABSTRACT

    This study aims at analyzing the collage as artistic process. For this, we traced a history of collage that passed trough Cubism, Dadaism, Surrealism and Pop Art. In each of these historical mo-ments we could perceive the meaning of the use of collage as an artistic language. After that, we analyzed the collages process in imaging techniques, resulted from photography such as in the photomontages, movie and digital collage. And finally, we conducted interviews with Brazilian artists and visited to museums and galleries to see how the collage has been part of contempo-rary art.

    Key-words: collage, montage, technic image, contemporary art.

  • SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................................................................................... 13

    CAPTULO 1: A COLAGEM ............................................................................................................................................. 15

    1.1. COLAGEM E COTIDIANO ................................................................................................................................... 22

    1.2. COLAGEM E POLTICA ........................................................................................................................................ 28

    1.3. COLAGEM E O SONHO ........................................................................................................................................ 36

    1.4. COLAGEM E CONSUMO ...................................................................................................................................... 42

    CAPTULO 2: COLAGEM E IMAGENS TCNICAS .................................................................................................... 50

    2.1. FOTOGRAFIA COMO COLAGEM ...................................................................................................................... 52

    2.2. FOTOMONTAGEM ................................................................................................................................................ 54

    2.3. COLAGEM E CINEMA .......................................................................................................................................... 66

    2.4. COLAGEM DIGITAL .............................................................................................................................................. 77

    CAPTULO 3: COLAGEM CONTEMPORNEA .......................................................................................................... 90

    3.1. COLAGENS RECORRENTES .............................................................................................................................. 101

    3.1.1. Construo e abstrao .................................................................................................................................. 102

    3.1.2. Surrealismo e fantasia .................................................................................................................................... 105

    3.1.3. Cultura pop e mdia de massa ....................................................................................................................... 108

    3.1.4. Corpo e identidade ......................................................................................................................................... 110

    3.1.5. Meio-ambiente e geografia ............................................................................................................................ 114

    3.2. ARTISTAS BRASILEIROS CONTEMPORNEOS E A COLAGEM ............................................................. 117

    3.2.1 A escolha da colagem ...................................................................................................................................... 118

    3.2.2. Referncias e dilogos .................................................................................................................................... 128

    3.2.3. Sobre a visualidade contempornea ............................................................................................................ 131

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................................................................. 134

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................................................ 137

    ANEXO A -- PERGUNTE AO P, POR MASSIMILIANO GIONI .......................................................................... 146

    APNDICE .......................................................................................................................................................................... 150

  • 13

    INTRODUO

    A presente pesquisa tem por objetivo a anlise da colagem como procedimento artstico. A colagem um processo que est presente na arte, de maneira mais intensa, desde o Cubismo. Mesmo na contemporaneidade, com os meios tecnolgicos, ela parece no ter desaparecido, estando presente nos procedimentos de produo das imagens. Este fato nos instigou a tomar como objeto de estudo a colagem. A reflexo est focada no campo visual, permitindo pensar no motivo pelo qual a juno de itens diversos (com propores, perspectiva, materiais e campos semnticos distintos) em uma mesma obra ter se tornado uma constante facilmente verificvel ao folhear uma revista, ao visitar um museu ou galeria. A pesquisa foi estruturada em trs momentos correspondentes aos trs captulos que compem esta dissertao. No primeiro captulo, discorre-se sobre o entendimento da colagem, partindo de re-flexes de Dcio Pignatari (1983), Lvi-Strauss (1985), Vicent Amiel (2007), Julio Plaza (1994, 1996) e Luiz Renato Martins (2007). Simultaneamente, ser delineado um histrico da colagem, seguindo o estudo de Herta Wescher (1976), levando em conta as aparies da colagem anterio-res s vanguardas histricas europeias. Foi verificado, de maneira mais detalhada, o emprego da colagem na arte do sculo XX, selecionando quatro temticas nas quais este procedimento artstico teve destaque. Tratou-se do cotidiano por meio das colagens Cubistas, da poltica nas colagens Dadastas, do universo onrico nas colagens Surrealistas e, por fim, da sociedade de consumo com as colagens da Arte Pop. Por opo, foram deixados de fora alguns movimentos artsticos que, mesmo utilizando a colagem, no agregaram a esta tcnica novidade temtica significativa. Seguindo o questionamento acerca da colagem, verificou-se que a fotografia no poderia ficar de fora desta anlise, visto que se tornou a base imagtica do mundo atual. Com a dissemi-nao frentica da fotografia por meio das cmeras digitais, celulares com cmeras e webcams, sem mais a obrigatoriedade de um suporte como o papel, e com auxlio de softwares de edio de imagem inclusive gratuitos, a colagem com fotografias tornou-se ainda mais corriqueira. Assim, no segundo captulo, a pesquisa foi conduzida de acordo com a tecnologia utili-zada pela colagem e no mais pela temtica presente. Traou-se, assim, uma relao entre a co-lagem e as imagens tcnicas - de acordo com pensamento de Vilm Flusser -, tendo como ponto inicial a fotografia. Por meio da fotografia, percebe-se que a colagem est presente nos meios artesanais de impresso, bem como na escolha esttica. Foi utilizado, neste caso, o exemplo dado por Rosalind Krauss de colagem em fotografia e a consagrao da fotomontagem como tcnica artstica. Poste-riormente, observou-se a utilizao do processo da colagem no cinema e nas imagens digitais. J no ltimo item deste captulo, sero vistos alguns exemplos da utilizao da colagem no digital, seguindo a classificao da fotografia contempornea sugerida por Charlotte Cotton (2010).

  • 14

    Para este captulo, sero utilizados tericos como Andr Rouill, Franois Soulages, Boris Kossoy, Dawn Ades, Charlotte Cotton, entre outros. Por fim, no terceiro captulo, ser abordada a existncia da colagem na arte contempor-nea. Para tanto, foi utilizada uma classificao temtica feita pelo compndio Collage: assembling contemporary art e da experincia realizada pelo curador Massimiliano Gioni para a exposio Unmonumental, de 2007. A exposio foi realizada no New Museum de Nova Iorque e eviden-ciou a existncia de uma arte no-monumental, na qual a colagem esteve em destaque como processo criativo. A Internet serve tambm como ampla fonte de experincias com a colagem. Alm de criaes textuais e musicais, mais comuns em prtica e em anlise, h exemplos da propagao deste procedimento no campo visual. Algumas iniciativas tratadas sero o Collage Art, o Global Collage e o Collagista!. Todos tm como objetivo a difuso desta tcnica e dos estudos sobre a mesma. Neste captulo discuti-se as ideias de Anne Cauquelin e Nicolas Bourriaud acerca do atual contexto artstico e as nomenclaturas utilizadas para melhor classificar a produo con-tempornea. A metodologia utilizada para esta pesquisa foi constituda de levantamento bibliogrfi-co, pesquisa na internet, visitas a exposies e entrevistas. As exposies visitadas no Brasil estiveram restritas ao eixo Rio-So Paulo e ao Centro de Arte Contempornea em Inhotim, Minas Gerais. No exterior, visitamos mostras artsticas na Alemanha e Frana, principalmente. As visitas contemplaram galerias e museus pblicos e particulares. Quanto s entrevistas, foram realizadas com a jornalista e curadora Juliana Monachesi e com os seguintes artistas brasileiros: Nino Cais, Marcelo Amorim, Fernanda Chieco, Cssio Vas-concelos, Pedro Varela, Rodrigo Torres, Felipe Cama e Gisella Motta. Esses artistas foram escolhi-dos porque seus trabalhos utilizam a colagem como parte importante do processo artstico. Essas conversas seguiram um roteiro previamente estabelecido e foram feitas pessoal-mente ou por email (no caso dos quatro ltimos nomes). Os artistas escolhidos so, em sua maioria, pertencentes a um grupo de jovens emergentes no circuito da arte brasileira contempo-rnea. Esses artistas foram tambm fonte de referncia visual para o estudo, ao indicarem outras obras com os quais seus trabalhos dialogam.

  • 15

    CAPTULO 1: A COLAGEM

    Em primeiro lugar, necessrio definir o termo colagem. De acordo com o dicionrio da Tate Gallery, colagem o termo utilizado tanto para a tcnica quanto para o resultado de um trabalho que inclui pedaos de papis, fotografias, tecidos, entre outros materiais, arranjados em uma superfcie de suporte. A colagem pode ainda incluir outras mdias, como pintura e de-senho, alm de conter elementos tridimensionais.1

    Na definio do procedimento de colagem importante ainda levar em conta as dife-rentes nomenclaturas que so utilizadas com o mesmo objetivo. o caso, por exemplo, do pen-samento do Dcio Pignatari1, que distingue o termo colagem de montagem e bricolagem, le-vando em conta os trs momentos do processo de montagem.

    a) Montagem I Montagem sinttica ou montagem propriamente dita. A parataxe e o paramorfismo coordenam o processo. a montagem do cubismo e, mais ainda, de Mondrian; de Eisenstein (que confunde um pouco as coisas ao falar de conceito; posteriormente falaria de conceito-imagem); Mies van der Rohe, na arquitetura; Marcel Breuer, no desenho industrial; o ideograma (como modelo, embora tenda para a segunda categoria); Sterne, Flaubert, Joyce; Bach, Mozart, Anton Webern, o Stockhauser do Gesang; Mallarm, a poesia pura valryana, a poesia concreta, em sua fase ortodoxa dos anos 50 (melodia vertical, ou harmonificao da melodia pela verticalizao); op art, etc.b) Montagem II Montagem semntica, ou colagem. o normal mdio do universo icnico (ficando entendido que a presente classificao no uma escala de valores); Pound; o cubismo, quando satura o cdigo por meio de co-lagens e frotagens; Pollock; Godard (mas no Resnais, cujo Lanne dernire Marienbad pertence ao primeiro tipo); Dostoievsky, que projetou no romance as tcnicas de justaposio do jornalismo e da narrativa policial (da o dia-logismo e a polifonia de seus romances, no entender de Bakhtin); o surre-alismo; a montagem ideolgica, de Eisenstein, em Outubro; Eliot, em The waste land; o nouveau roman; as colagens realizadas por estudantes em seus dormitrios, etc.c) Montagem III Montagem paradigmtica, ou bricolagem: o universo da contiguidade invadindo o polo da similaridade. Exemplos possveis: Gaud, na arquitetura; Duchamp, Satie, Cage; Flaubert, em Bouvard et Pcuchet; o hap-pening, o punk, o kitsch; a arquitetura pop, ou antiarquitetura (o Strip, de Las Vegas, segundo Robert Venturi, por exemplo); os poemas-objetos; o pastiche. Nesse tipo de montagem, observa-se uma tendncia saturao e superao do cdigo (PIGNATARI, 1983, p. 169-170).

    Dentre estes trs termos, a bricolagem havia sido estudada pelo antroplogo francs Lvi-Strauss j na dcada de 1960. Para ele, este procedimento estava associado execuo de

    1 Traduo e adaptao do texto Collage is a term used to describe both the technique and the resulting work of art in which pieces of paper, photographs, fabric and other ephemera are arranged and stuck down to a support-ing surface. Collage can also include other media such as painting and drawing, and contain three-dimensional elements. The term collage derives from the French words papiers colls or dcoupage, used to describe tech-niques of pasting paper cut-outs onto various surfaces. It was first used as an artists technique in the twentieth century presente em http://www.tate.org.uk/collections/glossary/definition.jsp?entryId=70

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    trabalhos manuais, de maneira espontnea e no profissional, marcados pela simplicidade inte-lectual do pensamento mtico, ou por ele denominado de selvagem (STRAUSS, 1976). Dorothea Voegeli Passetti recorda que Lvi-Strauss engloba o conceito de colagem ao definir a bricolagem, ou seja, para ele, ambos estariam relacionados ao mesmo fenmeno.

    A proximidade entre cientistas sociais e arte trar outros resultados inova-dores. O especfico tema da colagem incorporado por Lvi-Strauss numa fase posterior, quando apresenta sua noo de bricolagem. Para ele, o bricoleur uti-liza os meios (matrias- primas, instrumentos) que tem mo, no realizando seu objetivo a partir de um projeto. Como procedimento tcnico e material, a bricolagem pode ser aproximada, enquanto forma, ao pensamento mtico. Sua caracterstica ser auxiliada por um repertrio cuja composio heterclita e que, mesmo sendo extenso, permanece limitado; entretanto, necessrio que o utilize, qualquer que seja a tarefa proposta, pois nada mais tem mo. Ele se apresenta, assim, como uma espcie de bricolage intelectual, o que explica as relaes que se observam entre ambos. Assim como o bricolage, no plano tcnico, a reflexo mtica pode alcanar, no plano intelectual, resultados bri-lhantes e imprevistos (Lvi-Strauss, 1989:32).2

    Para Vincent Amiel (2007), os termos montagem e colagem so semelhantes. Para este terico, a constituio de uma obra, seja filme ou pintura, feita nos padres da colagem possi-bilitaria surpresas e relaes aleatrias como as presentes nos pintores surrealistas, em Braque ou em Picasso. O Dicionrio Oxford de Arte3 explica a diferena entre colagem e montagem no verbete deste segundo termo:

    Montagem (fr. montage). Tcnica grfica em que recortes e ilustraes so compostos e montados; o termo designa tambm a imagem assim obtida. Empregam-se apenas ilustraes prontas, escolhidas pelo tema ou mensagem; nesse aspecto, a montagem distingue-se da colagem e do papier coll. A tc-nica teve repercusses sobre a cincia da propaganda. A fotomontagem a montagem que utiliza apenas fotografias. No cinema, o termo montagem refere-se composio de partes separadas de filme, formando uma sequncia ou imagem superposta.

    Seguindo este pensamento, a distino entre colagem e montagem estaria na origem do material utilizado em tais composies. Enquanto a primeira tcnica aceitaria recortes de jor-nais, textos, pinturas e pequenos objetos; a montagem estaria restrita ao uso de imagens pron-tas, ou seja, sem a interferncia de desenhos do artista no momento da composio. Neste dicionrio no consta o termo bricolagem. Plaza (1996, p. 83), retoma as categorias definidas por Pignatari e reconhece-as dentro das possibilidades de criao eletrnica, afirmando que esta linguagem permitiria a incluso e dilogo com todos os procedimentos de elaborao de imagens da histria, assim como com 2 PASSETTI, Dorothea Voegeli. Colagem: arte e antropologia. Revista Ponto e Vrgula. N 1, 2007. Artigo disponvel em: http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n1/artigos/02-DodiPassetti.htm. 3 CHILVERS, Ian. Dicionrio Oxford de Arte. So Paulo: Martis Fontes, 2001.

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    seus sistemas de representao. No entanto, o autor no diferencia cada uma destas nomencla-turas, juntando todas elas sob um mesmo conceito. Referindo-se s diferenas entre os meios de comunicao, ele aponta a colagem como a possibilidade multimdia:

    McLuhan dizia que a hibridizao dos agentes oferece uma oportunidade es-pecialmente favorvel para a observao de seus componentes e propriedades estruturais.(M. McLuhan, 1969). preciso observar tambm que cada meio funciona de maneira dupla: possuem traos e qualidades que lhe so o resul-tado da soma de outros meios ou elementos de interao entre eles. Temos, portanto, duas possibilidades de fazer dialogar os meios. Num primeiro caso, a montagem de vrios deles pode fazer outro que a soma qualitativa daque-les que o constituem. Neste caso, a hibridizao produz um dado inusitado, que a criao do novo meio antes inexistente. Temos, assim, processos de coordenao (sinergia) entre linguagens e meios, uma intermdia. Uma se-gunda possibilidade superpor diversas tecnologias, sem que a soma resolva o conflito. Nesse caso, os mltiplos meios nem sequer chegam a realizar uma sntese qualitativa, resultando numa espcie de collage que se conhece como multimdia. (PLAZA, 1996, p. 78-79)

    Em escrito anterior, o autor aponta que estes procedimentos de montagem, colagem e bricolagem estariam intrinsecamente relacionados ao sistema produtivo em que vivemos:

    O processo industrial essencialmente cientfico, pois, ao analisar o modelo em partes que visam sua reconstituio sinttica, permite falar em processo de linguagem, onde paradigma e sintagma atuam juntos. Assim, o intercmbio entre as partes, a montagem, a colagem e a bricolagem so fontes criativas sur-gidas de linha de montagem industrial. (PLAZA, 1994, p. 53)

    Dessa maneira, pode-se perceber que no existe um consenso na delimitao dos con-ceitos de montagem, colagem e bricolagem. Tambm no foram ainda definidas caractersticas que de fato os diferencie. Portanto, entende-se, nesse trabalho, a montagem e a bricolagem como menor e maior, respectivamente, intensidades de um mesmo fenmeno: a colagem. Assim sendo, em uma gradao sutil na interao dos elementos de composio de um trabalho artstico haveria a montagem, a colagem e a bricolagem. Tambm no ser discutido o valor intelectual incutido em cada uma delas. A reflexo ser sobre a colagem, e alguns destes outros termos podem surgir ao longo do caminho, dependendo do terico que for utilizado na anlise das obras. Outro termo que pertence a este mesmo universo da juno de materiais diversos a assemblagem. De acordo com a Enciclopdia Ita Cultural de Artes Visuais4, o termo foi in-corporado s artes em 1953, aps ser cunhado pelo pintor Jean Dubuffet ao fazer referncia a trabalhos que, segundo ele, vo alm das colagens. O princpio que orienta a feitura das as-semblagens a esttica da acumulao: todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado

    4 Texto integral disponvel em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=325.

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    obra de arte. A assemblagem seria uma espcie de colagem que admitiria o volume, ou seja, teria as trs dimenses. apontada tambm como o trabalho artstico que visa romper definitivamente as fronteiras entre arte e vida cotidiana. Esta ruptura teria sido ensaiada, para Dubuffet, pelo Dada-smo, sobretudo pelo ready-made de Marcel Duchamp e pelas obras Merz, de Kurt Schwitters. O dicionrio da Tate Gallery resgata obras mais antigas e as classifica como assembla-gem. Para este dicionrio, as obras tridimensionais de Picasso feitas a partir de 1912 se encaixa-riam nesta nomenclatura.5

    O Dicionrio Oxford de Arte, por sua vez, explica que o termo geralmente utilizado sem qualquer preciso e j foi usado para definir de fotomontagens a instalaes em geral; en-globa obras de arte elaboradas a partir de fragmentos de materiais naturais ou fabricados, como o lixo domstico. Recorda ainda que o termo ganhou uso corrente com a exposio The Art of Assemblage, realizada no Moma em 1961. Dito isto, chega-se ao consenso de que a colagem, para esta pesquisa, consiste ainda na utilizao de sobreposies (analgicas ou digitais), apropriaes e recontextualizaes (es-paciais e semnticas), sejam elas bidimensionais ou tridimensionais, que impliquem em uma escolha esttica por parte do artista. Tais fatores podem ser evidenciados em trabalhos artsticos por meio de uma aparente descontinuidade presente na juno de elementos de origens dissonantes, bastante visvel nos tra-balhos realizados durante o Surrealismo; na escolha por perspectivas que no condizem com o ilu-sionismo ptico em voga desde o Renascimento; ou na diferena de propores, texturas e cores. Embora o Cubismo seja marcado como o ponto inicial da colagem no meio artstico por diversos livros de histria da arte, h registros muito anteriores de sua utilizao, como por exemplo, no Japo, onde a colagem apareceu com a utilizao de pedaos de papis coloridos para confeco de poesias desde a Idade Mdia. No detalhado estudo de Herta Wescher6 a respeito da histria da colagem, as primeiras aparies desse procedimento na Europa Ocidental datam dos anos 1600 e encontravam-se nos lbuns genealgicos, nos quais recortes de pergaminhos eram sobrepostos a imagens pintadas. No caso da Holanda, por exemplo, a colagem tornou-se moda entre a alta sociedade e alguns artistas comearam a ganhar espao com a tcnica, aparecendo em 1686 o primeiro m-todo impresso de colagem. Paralelamente aos trabalhos feitos em papel, surgiram na Espanha quadros contendo di-versos materiais, dentre eles plumas trazidas pelos conquistadores do Mxico. Este tipo de obra propagou-se tambm pela ustria e, em menor escala, por outros pases europeus. A partir do incio do sculo XIX, os materiais utilizados nas colagens passaram a englo-bar jornais, propagandas e ilustraes, que se arranjavam de maneira mais livre. Nos Estados Unidos, por exemplo, destacavam-se os quadros de John Haberle (1856-1933) nos quais aos 5 Informaes disponveis em: http://www.tate.org.uk/collections/glossary/definition.jsp?entryId=34. 6 WESCHER, Herta. La historia del collage: del cubismo a la actualidad. Barcelona, 1976.

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    pedaos de papis acrescentam-se diversos objetos (fig. 1). Em suas obras aparecem tambm notas bancrias, fotos, ilustraes, propagandas, etc.

    Herta Wescher lembra ainda que a cada dia se reconhece mais o valor dos desenhos do escritor francs Victor Hugo (1802-1885), embora pouco se saiba sobre sua dedicao espordi-ca colagem. Durante seu exlio, Hugo criou composies com silhuetas negras recortadas e traos tinta formando paisagens. Alm disso, o famoso escritor francs fez experimentaes com tule, rendas e tecidos costurados nas bases dos quadros. Nos anos 1890 iniciou-se a colagem em cartazes pblicos. Na Inglaterra, William Nicholson e James Pryde viram nesta tcnica uma possibilidade de utilizao para fins publici-trios. Juntos, eles fundam a agncia Beggarstaff Brothers em Londres. Em 1894 expuseram seus cartazes pela primeira vez no Royal Aquarium de Westminster. A estrutura bsica desses cartazes era composta por motivos figurativos, esboados com carvo em folhas coloridas, recortados com grandes contornos e distribudos aleatoria-mente sobre a superfcie. Quanto s cores, fazia-se uso de dois ou trs tons vibrantes sobre um fundo claro. Encontram-se ainda na colagem anterior ao Cubismo as composies feitas com negati-vos fotogrficos. Um dos divulgadores deste tipo de composio foi o fotgrafo sueco Oscar Gustave Rejlander (1873-1875). Henry Peach Robson (1830-1901), outro fotgrafo daquele momento histrico, fez uma famosa montagem com o uso de cinco negativos chamada Fading Away (fig. 2) seguindo o estilo romntico da poca. imagem finalizada, segue um esquema com uma suposio da localizao das imagens correspondentes a cada um dos negativos utilizados.

    Figura 1: John HarbeleThe changes of time, 1888leo sobre tela, 20 x 16 cmColeo Manoogian

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    Figura 2: Henry Peach RobinsonFading Away, 1858fotomontagemRoyal Photographic Society, Londres

    Suposio dos negativos componentes de Fading Away

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    Como se pode ver, existiram diversos antecessores da colagem do sculo XX. Comum a eles, percebe-se o carter manual da tcnica, sem que esta influencie o contedo trabalhado. So-mente no sculo XX os artistas transformaram a colagem em um novo meio de expresso carac-terstico daquele tempo, ou seja, a colagem passa a ser conscientemente escolhida como forma de questionamento pintura e escultura tradicionais, buscando-se uma linguagem artstica mais adequada visualidade moderna. Dito isto, chega-se ao consenso de que a colagem, para esta pesquisa, consiste ainda na utilizao de sobreposies (analgicas ou digitais), apropriaes e recontextualizaes (es-paciais e semnticas), sejam elas bidimensionais ou tridimensionais, que impliquem em uma escolha esttica por parte do artista. Tais fatores podem ser evidenciados em trabalhos artsticos por meio de uma aparente descontinuidade presente na juno de elementos de origens dissonantes, bastante visvel nos tra-balhos realizados durante o Surrealismo; na escolha por perspectivas que no condizem com o ilu-sionismo ptico em voga desde o Renascimento; ou na diferena de propores, texturas e cores. Outro caso de aplicao da esttica da colagem anterior ao Cubismo o dos quadros modernistas de Manet. Tal exemplo dado por Luiz Renato Martins em sua investigao a res-peito da colagem. O autor coloca a seguinte proposio ao tratar da obra Olmpia de 1863:

    Admitindo-se o princpio da oposio violenta, ou a descontinuidade como princpio estrutural deste quadro, e, logo, a opo de pens-lo como uma mon-tagem, explica-se, como mera lgica do procedimento, o aparente non sense temtico. Admitido o teor descontnuo da montagem, concebe-se o quadro ao modo de uma colagem avant la lettre e explica-se a falta de organicidade das partes, que tanto escndalo levantou na poca, em torno da pintura de Manet. (...)Deste modo, com Manet, ou com o princpio de oposio violenta abre-se a era da pintura materialista, da qual a colagem ser o momento significativo e at, segundo parece a Argan, emblematicamente revolucionrio. (MARTINS, 2007, p. 52)

    Antes, contudo, o autor sustenta, com base em Argan, que a colagem um caso para-digmtico em que a arte moderna rompe com a esttica da contemplao, de extrao kantiana, para optar, ao invs do tico, pelo vis do ttil, na acepo de Walter Benjamin (MARTINS, 2007, p.51). Martins conclui seu argumento dizendo que as colagens esto entre as primeiras tenta-tivas direcionadas para uma arte que esteja alm da representao e que decorrem, portanto, de uma reviravolta da perspectiva, do paradoxo de uma perspectiva para fora em vez de para dentro, no mais acolhedora, mas invasiva e agressiva. Nos prximos itens deste captulo, veremos como a colagem esteve presente no Cub-ismo, no Dadasmo, no Surrealismo e na Arte Pop. Para isso, fizemos a interseco da colagem presente nestes movimentos com o principal tema abordado em cada um deles por meio desta tcnica artstica.

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    Portanto, delineamos quatro tpicos temticos: colagem e cotidiano; colagem e poltica; colagem e sonho; colagem e consumo. Esta escolha fez com que outros movimentos artsticos do perodo moderno ou obras historicamente marcantes ficassem de fora desta anlise.

    1.1. COLAGEM E COTIDIANO

    O cotidiano sempre foi o substrato da arte, na medida em que no possvel a concret-izao de qualquer obra de arte sem que o seu contexto histrico, poltico e social seja levado em conta, ainda que este no seja tema principal da pintura ou da escultura. Contudo, apenas com o Cubismo que materiais concretos do cotidiano passam a ser inseridos na arte, e isso ocorre por meio das colagens.

    Em termos artsticos convencionais, esses materiais eram itens sem valor, do tipo associado com frequncia cultura de massa. As referncias cultura de massa na arte de vanguarda no eram novas. No sculo XIX, de Cour-bet e Manet em diante, os artistas haviam se envolvido com uma ampla gama de fontes, especialmente na medida em que tinham uma dvida para com as noes baudelairianas de modernidade; no entanto, eles trabalhavam prin-cipalmente nos media da arte elevada, com o leo sobre tela. Embora muitas das pinturas cubistas de Picasso e Braque dessa poca inclussem referncia cultura de massa contempornea, e estivessem, portanto, dentro da tradio daquele envolvimento, suas colagens introduziram uma nova dimenso para o uso de materiais cotidianos comuns, como jornais e anncios normalmente estranhos arte elevada. Os critrios aceitos pelos media artsticos estavam sendo questionados quando no revistos. O mesmo se dava, ao que parecia, com as noes convencionais de representao (FRASCINA, 1998, p. 87).

    Frascina (1998, p. 89) considera que as colagens cubistas desconstroem o paradigma de semelhana, at ento adotado pela arte. Para ele, no h mais relao entre icnico e simblico. Esta diferena, naquela poca, teria levado ao questionamento das colagens enquanto arte. O autor expe tambm o fato de que para o entendimento da obra, nas colagens, alm do significado de cada elemento, era preciso procurar o significado da relao existente entre eles. Jason (1992, p.683) enuncia essa mudana de paradigma, afirmando que a funo da colagem cubista de objetos era tanto representar quanto apresentar, ao passo em que so estes objetos partes de uma imagem e eles mesmos. Nesta ltima funo, os objetos do colagem uma autossuficincia que no conseguida pelo cubismo de facetas, ou analtico. Esta segunda fase cubista introduziu letras, nmeros, pedaos de madeira, vidro, metal e at objetos inteiros nas pinturas, trazendo de forma definitiva o cotidiano para dentro da tela. Passetti entende essa insero do cotidiano na arte como uma substituio da natureza pelos produtos culturais enquanto objetos de representao:

    As naturezas mortas compostas de arranjos de vegetais em fruteiras ou ces-tos, vasos de flores e mesas de cozinha contendo ingredientes para a prxima

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    refeio cujo pice ocorre com as de Paul Czanne na virada do sculo XIX para o XX , do lugar a composies que substituem a Natureza por objetos da Cultura. No lugar de frutas e legumes, encontram-se garrafas, co-pos, instrumentos musicais, cartas de baralho, objetos igualmente cotidianos e banais, mas manufaturados, produtos da indstria e destinados ao uso aps a refeio, simbolizada pela natureza morta. Agora o ambiente de cafs ou bares retratados por pintores impressionistas deixado de lado, buscando-se o objeto, como antes se fazia com os produtos da terra. (PASSETTI, 2007)

    Essa inovao pode ser explicada pela inteno dos artistas em criar efeitos plsticos e em ultrapassar os limites das sensaes visuais que a pintura sugere, despertando tambm no observador sensaes tteis. A colagem rompe os paradigmas que antes definiam pintura e es-cultura como expresses artsticas de naturezas distintas, apagando o limite entre uma e outra. Hall (2000, p. 70) entende que diferentes perodos da histria evidenciam diferentes re-presentaes das relaes espao-temporais. Para ele, o Cubismo quebra definitivamente com os ideais de ordem, equilbrio e simetria, fragmentando estas coordenadas de espao-tempo. Georges Braque, artista cubista que realizou grande nmero de colagens, apresentava trabalhos com iluses ticas desde 1909. Em trs de seus quadros desse perodo (Violino e jarra, Violino e palheta e Homem com guitarra) aparecem pregos pintados de maneira sobressaltante s telas. A dificuldade estava em incorporar este objeto real unidade do quadro. Tanto em Braque quanto em Picasso foi neste momento que comeou a aparecer uma barreira que limi-tava o espao visual no fundo do quadro. Em O Violinista, que data desta mesma poca, Braque deu continuidade introduo de objetos na tela, inserindo letras em suas produes. As palavras escolhidas pelos cubistas estavam sempre repletas de significado, ainda que parecessem meramente banais. Um de seus significados era a evocao do cotidiano nas composies quase abstratas. A pintura trazia para si a beleza adormecida dos cartazes, vitrines e anncios to importantes visualmente para a percepo de um mundo moderno.

    Figura 3: Pablo PicassoNatureza morta com cadeira de palha, 1912esmalte e tecido sobre tela, 29 x 37 cmMuse National Picasso, Paris

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    Um dos primeiros quadros cubistas em que aparece algum objeto de fato colado uma natureza morta de Pablo Picasso de 1912 (fig. 3). Trata-se de um pedao de tecido encerado que servia como assento de cadeira, ao redor do qual listras de madeira reforam a ideia de re-produo de um mvel real. Alm disso, Picasso trabalhou neste quadro com outros elementos sobrepostos a fim de causar iluses ticas. A substituio da tinta a leo por esmalte de construo nesta tela demonstrava ainda o gosto de Picasso pelo popular, que j havia sito explicitado em Ma Jolie do mesmo ano. A isto, Cottington acrescenta:

    bem conhecido o gosto de Picasso pelo entretenimento popular. As visitas ao circo e ao cinema no podem faltar nos relatos dos anos de sua descuidada juventude em Montmartre. Esse gosto manifestava-se tambm num engaja-mento cada vez maior com o vernculo registrado nas suas pinturas e nas de Braque, como uma espcie de contraponto ao hermetismo crescente do cubis-mo analtico. (COTTINGTON, 1999, p. 69)

    Apesar do gosto popular de Picasso, o autor prossegue, afirmando que a obra Ma Jolie havia sido ainda mais do que um marco da distncia que havia entre os interesses privados da arte de Picasso e a cultura popular em si:

    Nos anos de estreita colaborao entre Braque e Picasso, apoiada por um pequeno crculo de amigos e patronos, sua prtica artstica tinha um carter de subcultura, e, como todas as subculturas, o emprstimo de motivos, mate-rial e comportamentos de fora dela eram reelaborados, adquirindo conotaes particulares como parte de um processo de diferenciao e posicionamento em relao corrente principal da cultura. (COTTINGTON, 1999, p. 69)

    Nesta reelaborao, a colagem e o uso de materiais alternativos (no tradicionais) repre-sentavam uma rejeio arte ortodoxa e funcionavam como a elaborao de um sistema de signos menos vinculado ao ilusionismo espacial. Assim, a simulao de uma textura passa a significar um objeto sem a obrigao de posicion-lo espacialmente. As letras desenhadas em estncil podiam ser interpretadas como escritas na superfcie do quadro ou no interior do espao pictrico. Em 1912, Picasso criou Copo e garrafa de Suze (fig. 4). Nesta tela esto sobrepostos pedaos de jornais, dentre os quais se destaca um fragmento com a palavra Suze. Este trabalho coincidiu com a ecloso de um conflito nos Balcs que ameaava iniciar uma guerra na Europa. Este era o tema dos jornais em circulao de que Picasso se utilizou numa srie de trabalhos que inclua a obra em questo. Os jornais cobrem parte da tela, emoldurando um papel azul oval que representa uma mesa. H ainda outros objetos que simbolizam fatos da vida privada: uma garrafa recortada em papel branco representava a bebida Suze, bastante popular na poca, e um copo desenhado em carvo sobre o recorte de jornal. Os recortes dos objetos em primeiro plano, no entanto, no pertencem a jornais e sim ao folhetim romntico do dia, remetendo discusso dos aconteci-mentos pblicos no mundo privado e, mais amplamente, um deslocamento entre a poltica da

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    vanguarda artstica e a da classe operria (COTTINGTON, 1999, p. 70-71). Acerca dessa mesma obra, Francis Fascina fez uma anlise na qual estuda o significado de cada um dos fragmentos de texto. Desse estudo, destacam-se dois excertos que aludem a questes polticas e morais contemporneas na forma de uma conversa de bar:

    Esses extratos so de um jornal especfico, Le Journal, datado de 18 de novem-bro de 1912. Picasso recortou pedaos da primeira pgina e da pgina dois, todos com referncia Guerra Balcnica. (...) Vrios extratos dessa ltima so colados ao longo do topo, detalhando o avano srvio para Monastir na Macednia. Aqui podemos ler sobre os feridos, os movimentos de batalha e a ameaa de fome na Adrianpolis sitiada. (FRASCINA, 1999, p. 92)

    Embora Picasso pudesse ter escolhido para a garrafa um rtulo de Bass ou de Vieux Marc (um tipo de brandy), como fez em outras obras, nesta ele colocou Suze no centro da colagem. Como o rtulo deixa claro, esse um aperitivo feito da erva genciana, usada com frequncia como tnico e digestivo. Mas ele signifi-ca mais que isso. O nome genciana deriva de Gncio, rei ilrio do sculo II a.C., que teria descoberto as virtudes da erva. Ilria, centro das lnguas eslavas, fica na margem oriental do Adritico, precisamente a rea que, na poca da colagem de Picasso, constitua a Liga Balcnica (FRASCINA, 1999, p. 92-94).

    Uma novidade no processo de colagem foi trazida por Picasso com seu violo de 1914 (fig. 5). Construdo com papelo, constitui um trabalho em relevo que quebra os padres de diferenciao entre pintura e escultura. At este momento, no se tinha registro de materiais tri-dimensionais colados no plano. Tambm a temtica do violo carregava em si a improvisao da

    Figura 4: Pablo PicassoCopo e garrafa de Suze, 1912colagem, guache e carvo, 65 x 45,2 cmWashington University Gallery of Art

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    msica sem letra, tpica do sul da Espanha, msica na qual a emoo predomina sobre qualquer limitao formal. Da mesma maneira como nestas canes improvisadas, os materiais utilizados na cria-o destes trabalhos plsticos esto fora de um padro estabelecido como sendo o das belas artes. At ento, as esculturas deveriam ser feitas com materiais nobres, como o mrmore e o bronze. Na arte cubista, os elementos podem, inclusive, ser reutilizados.

    A importncia desta obra de Picasso to grande que, no primeiro semestre de 2011, o MoMA - The Museum of Modern Art de Nova Iorque exibiu a exposio Picasso: Guitars 191219147, na qual foram reunidos 85 trabalhos com a temtica dos violes. So pinturas, fotografias, colagens, instalaes e desenhos provenientes de colees pblicas e privadas, que retratavam o estudo deste instrumento feito por Picasso em suas naturezas mortas. De acordo com a curadora do departamento de pintura e escultura do museu, Anne Um-land, o instrumento visual de Picasso no se assemelhava a nenhuma escultura anteriormente vista. Com humildade de tema, materiais e modos de realizao, mudou irrevocavelmente o modo como ns pensamos - no s acerca do que pode constituir uma escultura, mas sobre o que pode ser definido como arte (UMLAND, 2011, p.10). Ela destaca ainda que esses dois anos de experimentaes foram fundamentais tanto para estruturar a obra de Picasso quanto para fundamentar as artes moderna e contempornea. Isso nos leva a pensar em como a colagem cubista, por meio da apropriao de elemen-tos ordinrios, inicia o questionamento do que viria a ser a visualidade contempornea. A experincia visual humana estaria muito mais ligada a objetos industriais do que a objetos de arte ou naturais, conforme mencionou anteriormente Passetti. E, seguindo esta reflexo, assim

    7 Informaes disponveis em: http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/1101

    Figura5: Pablo PicassoGuitar, 1914papelo e arame sobre placa de metal, 77,5 x 35 x 19,3 cmThe Museum of Modern Art, Nova Iorque

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    como a indstria, a arte deveria valer-se de ferramentas como o design para a constituio da esttica contempornea. Na Itlia, o futurismo apropria-se dos conceitos cubistas e d a eles um carter poltico. O discurso esttico foi substitudo pelo discurso comportamental, embora as tcnicas emprega-das fossem basicamente as mesmas. Em 1909, Marinetti havia lanado seu Manifesto Futurista incentivando a destruio dos museus entre outras revoltas contra as artes. O texto tambm pregava o apreo velocidade e industrializao crescentes, caractersticas evidentes na trans-formao do cotidiano daquele momento. A correlao entre os movimentos bastante grande, e uma conversa entre ambos est no uso de um recorte do jornal francs Le Fgaro (jornal no qual o manifesto havia sido publi-cado) em um quadro de Picasso de 1913 (fig. 6). Esta escolha est tambm relacionada ao aumento do consumo em Paris, cidade na qual as lojas de departamento encontravam-se em franca expanso e, com elas, o surgimento das tcnicas modernas e mais agressivas de publicidade. Nos jornais havia cada vez mais espao destinado aos anncios, cartazes eram fixados em toda a cidade: as pessoas comeavam a ser bombardeadas pela mdia e pela propaganda.

    A publicao do Manifesto Futurista na primeira pgina de um jornal de grande circu-lao da poca marca a apropriao das tcnicas de propaganda por parte dos artistas e esta a questo levantada por Picasso na obra Guitare, journal, verre et bouteille. Aps a fase das colagens de objetos, Braque e Picasso passaram a pintar, mantendo o novo espao pictrico descoberto, de maneira semelhante ao que faziam por meio das cola-gens. As peas individuais eram encaixadas umas nas outras de maneira quase arquitetnica assemelhando-se a recortes. Dessa maneira, pode-se verificar que a colagem cubista deixou uma herana no somente na apropriao de objetos cotidianos, mas tambm na esttica de associa-o fragmentada.

    Figura 6: Pablo PicassoGuitare, journal, verre et bouteille, 1913colagem e nanquim sobre papel azul, 46,7 x 62,5 cmTate Modern, Londres

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    1.2. COLAGEM E POLTICA

    A inteno poltica esteve presente no Dadasmo desde sua fundao na Sua, no ano de 1916 por Hugo Ball. Isso, sobretudo, porque o movimento era constitudo por um grupo de jovens imigrantes que, sados de seus pases de origem, evitaram a convocao para o servio militar. Estes jovens estavam revoltados com a I Guerra Mundial e a forma de demonstrarem sua insatisfao para com a sociedade era negar todo o convencional da arte, tudo aquilo que fora, at ento, imposto como padro esttico. E por meio da colagem que estes ideais antibelicistas tornaram-se mais evidentes. Jean Arp, um dos dadastas, escreveu em seu dirio que seu objetivo era destruir a tra-paa racionalista para o homem e incorpor-lo novamente, de maneira humilde na natureza (CHIPP, 1999, p. 372). Neste contexto, a colagem foi a maneira irnica e satrica encontrada para criticar a so-ciedade e os costumes da poca. Isto ocorria com a criao de composies visuais permeadas por humor. Com Kurt Schwitters, o movimento adquire em Hannover o nome Merz8 - parte da pala-vra Kommerz tirada de uma propaganda de banco em um jornal e que adquiriu o significado de lixo, coisa rejeitada - e aplicado para suas obras de pintura, colagem e para a revista que dirigia. Um exemplo de produo desta poca a obra Merz Pictures 32 A. The Cherry Picture (fig. 7) formada por papel, tecido, metal, cortia, tinta a leo, tinta de caneta e grafite.

    O ato de pegar aquilo que havia sido descartado e colocar na tela tem para o artista o mesmo significado daqueles que eram obrigados a sobreviver com o que restara aps a Grande Guerra que devastara a Europa. O artista criou a iluso de profundidade colocando os pedaos de papis escuros no fun-do e os mais claros em primeiro plano. O papel mais claro localizado no centro da composio 8 Merz passou a ser o grupo de um homem s, uma extenso individual do Dad, conduzida por Kurt Schwitters e desenvolvida, por exemplo, em poesias, colagens, instalaes, arquitetura, e esculturas. Entre 1922 e 1932 publica a revista Merz, e funda a Merz Werbe, uma importante agncia de publicidade e design. Experimenta ainda com a fotografia, a msica, o teatro e a pera. Informaes disponveis em: http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/roteiro/PDF/44.pdf

    Figura 7: Kurt SchwittersMerz Pictures 32 A. The Cherry Picture, 1921recorte e cole de papis coloridos e impressos, tecido, madeira, metal, cortia, leo, lpis e nanquim em placa de papel, 91,8 x 70,5 cmColeo Mr. and Mrs. A. Atwater Kent

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    tem a estampa de pequenas cerejas e a escrita da palavra fruta em francs e alemo, remetendo ao conflito entre estes pases. Este trabalho faz parte de uma srie de recortes coletados entre 1918 e 1919 provenientes de propagandas, jornais, revistas e rtulos de diversos produtos. Posteriormente, este material deu origem a colagens e assemblagens. Kurt Schwitters criou tambm o Merzbau [Casa Merz], construo sediada em Han-nover que misturava colagem, escultura e arquitetura. Tratava-se de uma instalao iniciada nos anos 1920, ocupando um canto do ateli de Schwitters e que foi gradualmente expandida para os oito cmodos de sua casa, at sua fuga do pas em 1937. A colagem tridimensional, que se estendia do cho ao teto da casa, inclua pinturas, assemblagens, malas, roupas, cabelos, garrafas com fluidos corporais e outros objetos presos s paredes por arames e gesso. O artista queria formar grutas e cavernas, at conseguir mover o telhado da construo. Deste trabalho sobraram apenas fotografias, j que a casa foi bom-bardeada em 1943 pelos ingleses. 9

    A importncia do Merzbau est no fato de ter dado origem instalao artstica cada vez mais recorrente na arte. Tanto que, em 1988, foi feita uma rplica do Merzbau sob a direo do Bis-segger e, desde ento, esta verso foi montada e desmontada vinte e trs vezes em todo o mundo.10

    Quanto ao Dadasmo da cidade de Colnia, estava mais interessado na fragmentao, transformao e frustrao de expectativas. Dentro desses ideais, Max Ernst e Jean Arp tra-balharam em conjunto na obra FATAGAGAS, ou seja, Fabrication de Tableaux Gazomtriques Garantis [fabricao de quadros gasomtricos garantidos] segundo definio do prprio Ernst (BRADLEY, 2004, p. 18).

    Nessas colagens legendadas, Ernst compunha as imagens e Arp escrevia o texto corre-spondente. A primeira obra da srie foi Figura diluviana fisiomitolgica.(fig. 8) Um dos seres visveis antropomrfico (metade humano e metade pssaro). A outra figura da imagem age como se estivesse imersa em sono, em estado de dormncia e, portanto, agindo automatica-mente. Essa figura j aponta para um dos preceitos que iriam povoar o universo surrealista.

    9 Informaes disponveis em: e http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/roteiro/PDF/44.pdf 10 Informaes disponveis em: http://www.tate.org.uk/research/tateresearch/tatepapers/07autumn/orchard.htm

    Figura 8: Max Ernst e Hans Arp Figura diluviana fisiomitolgica, 1920 colagem com fragmentos de fotografia, guache, lpis e nanquim sobre carto, Spregel Museum, Hanover

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    Em Berlim, o Dadasmo surge com a revista Der Sturm que, anteriormente, lanara os expressionistas alemes e se consagra como a vertente dadasta mais poltica e antinacionalista. Tambm em Berlim, Huelsenbeck une-se a George Grosz e Raoul Hausmann, promovendo em 1920 a grande exposio internacional dadasta.

    O primeiro deles era escritor, conhecido por seus poemas simultneos, ou seja, poemas compostos por diversos textos lidos simultaneamente por diferentes pessoas e, por vezes, em diferentes idiomas. De acordo com Dietmar Elger (2010, p.10), estes poemas eram apropriaes da tcnica da colagem inventada pelos cubistas Pablo Picasso e George Braque na Frana.

    George Grosz, por sua vez, era conhecido por suas pinturas e desenhos que caricatura-vam a vida em Berlim. Apesar disso, produziu tambm algumas colagens de relevncia, como a apresentada na figura 9. Recentemente, o artista foi homenageado em Berlim na mostra George Grosz: korrekt und arnachisch11. Para ele, as realidades da vida podiam ser condensadas pelo princpio da montagem.

    Os dadastas eram menos inventores do que recicladores de materiais existentes, aos quais davam ento a sua forma esttica. Nas tcnicas da colagem e da fotomontagem, os artistas visuais do sculo XX tinham recorrido vezes sem conta a tcnicas similares de produo de quadros. (ELGER, 2010, p. 13)

    A colagem dadasta era uma forma de protesto pintura tradicional. Entre as imagens que se destacavam nesta poca esto aquelas produzidas por Hausmann, que tinham como ob-jetivo atacar a mdia e sua relao com a arte. No trabalho O crtico de arte (fig.10), de acordo com a interpretao de Bradley, tem-se no material feito de recortes de jornais e revistas uma figura espetada nas costas por uma nota de dinheiro:

    11 http://www.artknowledgenews.com/2009-12-07-23-00-33-major-exhibition-of-works-by-george-grosz- an-nounced-at-berlins-akademie-der-kunste.html?q=york

    Figura 9: George GroszRemember uncle August, the unhappy inventor, 1919pastel, boto, papel colado e leo sobre tela, 40 x 49 cmAkademie der Kste, Bonn

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    A colagem formando a figura de um crtico de arte aparece contra o fundo de um poema-pster com palavras sem sentido. Montado com fragmentos de seus prprios meios de disseminao de valor artstico, o crtico s fala dis-parates (BRADLEY, 2004, p. 16).

    Eldger acrescenta que os olhos do crtico esto cobertos, como se sua viso estivesse enfraquecida, no podendo perceber nitidamente o objeto de sua crtica. Na parte posterior da cabea h uma cdula monetria que, enfiada no colarinho do crtico, insinuaria um possvel suborno. Ainda sobre O crtico de Arte, seu criador, em entrevista concedida na poca e disponvel atualmente nos arquivos online do Museum of Modern Art de Nova York12, questiona sobre quem definia o que era a proposta dadasta, critica os escritores e intelectuais alemes e afirma que a arte no estava em perigo com os dadastas, j que a arte no existia h muito tempo, pois estava morta. Esta colagem fazia parte de um cartaz-poema feito por Hausmann e colado nos muros da cidade de Berlim. Hannah Hch teve uma relao estreita com Hausmann e foi importante, no somente para o contexto da arte dadasta alem desta poca, mas tambm pela consagrao da colagem como gnero artstico. O termo fotomontagem surge somente nesta poca, designando o tra-balho com a colagem de fotos. O que se tem hoje por fotomontagem era designado at ento como fotografia composta.

    12 udio: The Art Critic disponvel em http://www.moma.org/explore/multimedia/audios/29/733

    Figura 10: Raoul HausmannO crtico de arte, 1919-20litografia e colagem fotogrfica sobre papel, 31,8 x 25,4 cmTate Modern, Londres

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    A presena da fotografia na colagem trouxe a esta linguagem certa credibilidade. Esta credibilidade decorrente do fato da colagem ser um meio de comunicao indicial, ou seja, que depende de um referente real. Os dadastas sabiam que a fotografia podia, e era de fato, manipulada para fins polticos. Assim, por meio da fotomontagem, estes criticavam tambm a credibilidade depositada pelo povo na mdia e nos polticos da poca. A origem da ideia de utilizao da fotomontagem dentro da arte dadasta surgiu, para Hannah Hch, ao ver a utilizao da mesma pelo fotgrafo oficial do Exrcito prussiano. Se-gundo ela:

    Eles costumavam fazer complicadas montagens oleolitogrficas, representando um grupo de homens uniformizados com uma barraca ou uma paisagem ao fundo, mas com os rostos cortados; nessas montagens os fotgrafos inseriam retratos fotogrficos dos rostos de seus clientes, em geral, colorindo-os a mo posteriormente. Mas o objetivo esttico [...] era idealizar a realidade, ao passo que o montador de fotografias Dada pretendia dar a algo totalmente irreal toda a aparncia de algo real que tivesse sido realmente fotografado. [...] Nossas colagens tipogrficas, ou montagens, pretendiam realizar isso impondo, sobre uma coisa que s podia ser feita mo, a aparncia de uma coisa que havia sido feita totalmente mquina.13

    Embora algumas das obras de Hannah Hch retratassem a situao poltica da Europa naquela poca e os absurdos da guerra, era a mulher a principal figura de seu trabalho. Essa caracterstica permaneceu em toda sua obra, ultrapassando sua fase dadasta. Hch refletiu o convvio entre a mulher alem moderna e a mulher alem colonial, desafiando as representaes culturais femininas e levantando questes relativas sexualidade e aos papis dos gneros na nova sociedade. Suas imagens retratavam os medos, possibilidades e expectativas para as mu-lheres na Europa moderna. As colagens eram feitas com materiais retirados de revistas, jornais, catlogos de produ-tos e propagandas. No caso da figura 11, como o ttulo [Inciso com a Faca de Cozinha Dada Atravs da Barriga de Cerveja da ltima poca Cultural Weimar Alem] indica, os fragmentos foram cortados com uma faca de cozinha, deixando claro o processo de criao da prpria ar-tista e mais uma vez questionando o papel da mulher dentro da sociedade14. Para Elger (2010, p.44), essa colagem em grande formato descreve melhor do que qualquer outro trabalho o estado de esprito daquela poca e a direo poltica que o Dadasmo de Berlim estava a tomar. possvel tambm pensar que a inciso da qual fala a colagem a da viso da artista nos acontecimentos polticos da poca, pois h frases conhecidas dos dadastas inseridas na tela, tais como Juntem-se ao Dada! e Dada conquista!. Na exposio Frauen in Not [Mulheres em Crise], de 1931, Raoul Hausmman fez o dis-curso de abertura sobre a tcnica da colagem, afirmando que a fotomontagem s era possvel

    13 Excerto de Roditi, Interwiew with Hannah Hch, p26. Em CHIPP, Herschel B. Teorias da Arte Moderna, pg 401. Ed. Martins Fontes. 2a ed. So Paulo, 1999

    14 udio Cut With the Kitchen Knife disponvel em http://www.moma.org/explore/multimedia/audios/29/733

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    sob duas formas: a poltica ou a das artes grficas.15 Segundo ele, os dadastas eram os primeiros fotomontadores e isso se deve ao fato de que a pintura teria perecido devido falta de objetivo e ausncia de ideais aps a I Guerra Mundial. Assim, as tcnicas artsticas necessitavam de uma mudana radical a fim de se manterem ligadas vida e contemporaneidade. Para o grupo Dada, a arte interessava como uma nova forma de expresso material de novos contedos, e o estabelecimento de uma nova esttica estava em segundo plano. Sabiam tambm que os temas de suas obras tinham alto teor ideolgico e, portanto, propagandstico. Por isso, o sarcasmo mordaz aos eventos polticos da poca est to presente nestes artistas. A fotomontagem neste contexto aparece como ferramenta to revolucionria quanto o prprio contedo, ao agregar fotografias e textos em uma espcie de filme esttico semelhantes aos princpios do poema simultneo, tambm por eles inventado. Eldger prossegue seu argumento afirmando que a tcnica da fotomontagem, conhecida dos construtivistas russos e dos futuristas italianos, vem a Berlim como forma de dar credibili-dade ao que estava sendo anunciado. Ou seja, o fragmento fotogrfico, por seu realismo, intro-duzia um novo grau de provocao na colagem. Alm disso, a rapidez na concretizao de trabalhos utilizando tesoura e cola era mais apropriada ao meio de divulgao dos mesmos; visto que as fotomontagens foram concebidas, muitas vezes, como cartazes, capas de livros, anncios ou ilustraes de artigos na mdia im-pressa e no como arte autnoma. Alm de Annah Hch, alguns outros artistas desse momento tambm colocaram a questo feminina em pauta nas suas composies. Entre eles esto Francis Picabia (fig.12), Theo van Doesburg (fig. 13), Alice Halicka e Max Ernst.

    15 Hannah Hch, 1889-1978: colagens / concepo e elaborao Gtz Adriani ; textos Gtz Adriani ... [et al.] ; coordenao Ren Block, Erna Haist ; traduo Virgnia Blanc de Sousa

    Figura 11: Hannah HchSchnitt mit dem Kchenmesser durch die letzte Weimarer Bierbauchkulturepoche Deutschlands, 1919-20fotomontagem e colagem com aquarela, 114 x 90cmStaatliche Museen zu Berlin - Nationalgalerie, Berlim

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    Ainda em Berlim, tem destaque o artista John Heartfield. Nascido Helmut Herzfeld, foi um dos artistas que criticou mais intensa e explicitamente o nacionalismo alemo. Quando o nazismo chegou ao poder no pas, Heartfield exilou-se na ento Tchecoslovquia, continuando sua produo de fotomontagens para a o peridico Aiz - Arbeiter-Illustrierte-Zeitung.16 Heartfield iniciou seu trabalho expressivo em colagem juntamente com George Grosz em 1916. Ambos criavam postais e enviavam para seus amigos expressando a opinio sobre os rumos da guerra, sem interferncia da censura nazista. Fato semelhante pode ser encontrado na arte postal brasileira. Nas dcadas de 1970 e 1980, artistas como Paulo Bruscky utilizavam cartes, cartas e envelopes como forma de ex-presso, burlando da censura da ditadura militar. Esses artigos eram ornamentados com ilust-raes, pinturas colagens de objetos e montagens fotogrficas.17

    Posteriormente, Heartfield passou a trabalhar para publicaes, nas quais se utilizava da co-lagem para composio de layouts. Imagens como as fotografias de Hitler, a sustica, a guia e a

    16 Revista ilustrada alem semanal, publicada entre 1924 e 1938 em Berlim e posteriormente em Praga. Era uma publicao declaradamente antifascista e antinazista.

    17 Dcada de 60. Um mundo cujas fronteiras esto divididas entre o capitalismo e o socialismo. Em vrios pases as ditaduras controlam a expresso de ideais. Dividido pela Guerra Fria e pela angstia de no poder se ex-pressar, observa-se as produes artsticas refletindo aspectos e gerando condies para o surgimento de uma srie de movimentos, em meados do sculo XX, como forma de politizao da arte pensamento previamente utilizado por Walter Benjamin (1987), no qual a arte est intrinsecamente ligada poltica. Um exemplo a Arte Conceitual que prega a valorizao das idias e conceitos mais do que a prpria obra de arte como objeto. Assim, baseado em valores da Arte Conceitual, surge o que considerado a primeira grande forma de arte em rede, uma rede anterior ao advento das redes telemticas: os eventos de Arte Postal. Arte Postal e suas poticas. Unicamp, 2007

    Texto integral disponvel em: http://www.trilhas.iar.unicamp.br/artepostal/artepostal.htm.

    Figura 12: Francis PicabiaTableau Rastadada, 1920. colagem sobre papel, 19 x 17 cmColeo privada

    Figura 13: Theo Van DoesburgFrau van Doesburg, ca.1922fotomontagem e dupla exposio, 50,3 x 39,9 cmUniversiteit Leiden, Leiden

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    Figura 14: John HeartfieldHurrah, die Butter ist alle!, 1935reproduo de fotomontagem publicada em Arbeiter-Illustrierte-Zeitung

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    bandeira alems foram utilizadas em abundncia nas ilustraes, inclusive das capas dessas revistas. Na figura 14 tem-se o texto Hurrah, die Butter ist alle! [Urra, a manteiga acabou!] que faz referncia a um discurso de Goering18, no qual afirmava: Ferro o que faz um imprio forte, manteiga e banha o que faz as pessoas gordas. A imagem apresenta uma tpica famlia alem comendo partes de uma bicicleta; no fundo da sala o papel de parede composto por susticas e um quadro com o retrato de Adolf Hitler. Heartfield faz tambm, por meio de suas colagens, uma pardia do estilo de propaganda nazista veiculada na poca. John Heartfield, seu irmo Wieland Herzfeld e George Grosz representavam a ala polti-ca mais radical do grupo dadasta de Berlim. No decorrer da dcada de 1920, o Dadasmo comea a perder fora em si mesmo e os prprios artistas passam a questionar-se sobre o rumo a ser tomado a partir daquele momento. Enxerga-se aqui uma clara diferena quanto aos ideais propagados nos manifestos dadastas iniciais. A partir de ento, alguns artistas aderem s novas ideias trazidas pelo Surrealismo ou partem para outro rumo. De qualquer maneira, o Dadasmo deixou um importante legado, es-tabelecendo as bases de muitos movimentos contemporneos.

    1.3. COLAGEM E SONHO

    Pode-se verificar, por experincia, que a colagem ocorre num processo semelhante ao do sonho. No estado de sono, as imagens em nossa mente vo se somando umas s outras sem a necessidade de um encaixe que obedea uma linearidade ou homogeneidade. H ainda a pos-sibilidade de uma profuso de diferentes cores, formatos, personagens, texturas, etc. Talvez este seja um dos fatores que fez com que os traos de surrealidade estivessem pre-sentes na arte desde h tempos, muito antes dos trabalhos de Salvador Dal ou Joan Mir. Em composies de Hieronymus Bosch e de El Greco, por exemplo, h forte presena de elementos fantsticos e imaginativos em uma esttica que se assemelha colagem. No entanto, o Surreal-ismo como movimento artstico tem incio na dcada de 1920. Os surrealistas tinham apreo pelo mtodo cientfico, sobretudo o da psicologia e aceitavam a realidade do mundo fsico, embora acreditassem t-lo transcendido. Sobre isso, Chipp escreve:

    Em seu desejo de compreender melhor o novo mundo do subconsciente, que estavam explorando, e tambm o novo conceito do homem, que estavam cri-ando, os surrealistas chegaram at a negar o valor da arte, exceto para a real-izao daqueles fins (CHIPP, 1999, p. 375).

    Para Andr Breton, fundador do movimento, o automatismo era definido como a prtica surrealista mais importante e atravs da qual se tornaria possvel expressar o verdadeiro funcio-

    18 Hermann Wilhelm Gring (1893-1946) foi um poltico e lder militar alemo, membro do Partido Nazista, Marechal do Reich, comandante da Luftwaffe e segundo homem mais importante na hierarquia do Terceiro Reich de Adolf Hitler.

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    namento do pensamento, na ausncia do controle exercido pela razo, ou seja, livre de quaisquer preocupaes estticas ou morais. Andr Masson foi um dos primeiros a colocar o automatismo em prtica no circuito das artes plsticas, seguindo os exemplos da literatura. Em La Rvolution Surraliste publicou uma srie de desenhos ao lado de poemas tambm automticos. A pintura com areia descoberta por Masson foi uma prtica bem-sucedida neste aspecto. Ele espalhava certa quantidade de cola sobre a tela, despejava areia sobre ela e, de acordo com as manchas formadas, a pintura seria feita posteriormente conforme a vontade ou racionalidade do artista. Um exemplo desta aplicao o trabalho A batalha dos peixes, de 1926 (fig. 15), no qual, alm de areia, so misturados materiais com gesso, tinta a leo e grafite. Segundo o artista, esta tcnica revelaria na pintura o sadismo presente em todas as criaturas viventes. Essa forma de pintura mostra que o automatismo da colagem tambm poderia estar presente na tela.

    A colagem surrealista surge neste contexto como uma fuga dos moldes racionais de cria-o de significado. A construo da imagem gira em torno da possibilidade de utilizar o cortado e o colado, ora de maneira aleatria, ora meticulosa. Os resultados so imagens pouco comuns ou fantsticas, produzindo narrativas e cenrios desalojados, que sugerem semelhanas com a fragmentao da mente proposta por Freud e de sua impossibilidade de entendimento, partindo apenas do consciente. Remetendo ao sonho e ao inconsciente, tais imagens podem ter algum sentido proposi-tal ou no. Em muitos artistas o non-sense prevalece como, por exemplo, em Georges Hugnet (fig.16). Alm de poeta, dramaturgo e cineasta, Hugnet produziu colagens nas quais se apropria de fragmentos de jornais e revistas, misturando-os a nus na criao de um dilogo esttico. Os objetos presentes so deslocados no tempo, no espao ou em escala.

    Figura 15: Andr MassonA batalha dos peixes, 1926areia, gesso, leo, caneta e grafite sobre tela, 36,2 x 73cmADAGP, Paris

    Figura 16: Georges HugnetSem ttulo, 1937colagem, 22,9 x 30,48 cmZabriskie Gallery, Nova Iorque

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    Outros, como Max Bucaille, Valentine Penrose e Joseph Cornell, enfatizam o desloca-mento da imagem de seu contexto original, mostrando a possibilidade de um novo sentido, mesmo que partindo de referncias tradicionais como antigas revistas de moda vitoriana, jor-nais cientficos e arquitetnicos (figs. 17, 18, 19).

    Outra preferncia dos surrealistas era a presena simultnea de temas paradoxais e que frequentemente so retratados isolados, como, por exemplo, dia e noite, palavra e imagem, si-lncio e grito, nascimento e morte, calma e confuso. Isto uma maneira de reforar a contradi-o surrealista e criar uma nova tradio. O universo infantil aparece tambm em colagens de outros artistas pertencentes ao mo-vimento surrealista. Um deles Jacques Prvert reproduz o universo infantil dos contos fants-ticos incluindo animais, fada, gigante, castelo, anjos, entre outros elementos (fig 20). De fevereiro a abril de 2011, parte de suas colagens foram expostas em Paris na Maison Europenne de la Photopgraphie na mostra Collages de Jacques Prvert19. A maioria dos tra-19

    Figura 17:Max BucailleLa vie Intra-uterine, 1947colagem, 21,6 x 16,5 cmZabriskie Gallery, Nova Iorque

    Figura 18: Valentine PenhoseDo livro Dons de Feminines, 1951colagem, 22,2 x 30,2 cmZabriskie Gallery, Nova Iorque

    Figura 19: Joseph CornellSem ttulo, ca. 1930colagem, 25,4 x 18,5 cmZabriskie Gallery, Nova Iorque

    17. 18.

    19.

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    balhos presentes na exposio pertence a colees particulares e resultado de colagens feitas a partir de imagens de fotgrafos amigos de Prvert. Alguns destes artistas colaboradores foram Man Ray, Brassa, Robert Doisneau, Izis, Willy Ronis e Andr Villers. O editor de Prevrt, Ren Bertele, considera as obras do artista como poemas visuais. Seus trabalhos foram enviados como cartes postais a amigos, utilizados como ilustraes ou capas de livros. H ainda algumas inter-venes de desenhos em grafite. Pertencentes ao movimento surrealista, h ainda algumas colagens que buscam ima-gens com formatos e tamanhos semelhantes de modo a no deixar aparente a montagem feita. Neste caso, o objetivo confundir os limites entre os objetos retratados. Um dos mestres deste procedimento foi Max Ernst. Anteriormente citado como membro do Dadasmo, Ernst integra os surrealistas aps sua emigrao para a Frana em 1922. Breton dizia que Ernst era o mais magnfico crebro assombrado20 do mundo das artes. O artista alemo sustentou a premissa de que a obra deveria vir de um estado onrico, do sonho mais profundo. Outras duas tcnicas visando o automatismo foram criadas por Max Ernst. A primeira delas, frottage, consiste em aplicar uma camada espessa de tinta sobre a tela formando uma pad-ronagem relevo. A segunda tcnica, grattage, vem em seguida e o ato de raspar os pigmentos em diferentes camadas. As manchas produzidas involuntariamente seriam a base dos trabalhos finais.21

    Informaes disponveis em http://www.mep-fr.org/actu/expo-h2011_3.htm 20 Informao retirada de http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u333.jhtm. 21 Tcnica automatista surrealista desenvolvido por Max Ernst em desenhos feitos a partir de 1925. Frottage a pa-

    lavra francesa para esfregar. Ernst foi inspirado por um cho de madeira antiga, onde o gro das tbuas tinha sido acentuada por muitos anos de lavagem. Os padres resultantes sugeriram imagens estranhas a ele. Ele capturou estas colocando folhas de papel no cho e depois esfregando por cima deles com um lpis macio. Os resultados sugerem florestas misteriosas povoados criaturas e Ernst publicou uma coleo desses desenhos em 1926, inti-tulado Histoire Naturelle (histria natural). Ele passou a usar uma grande variedade de superfcies texturizadas e rapidamente adaptou a tcnica de pintura a leo, chamando grattage (raspagem). Em grattage a tela preparada com uma camada de tinta ou mais, em seguida, colocada sobre o objeto texturizados que ento raspada acabado.

    Texto extrado do Glossrio da Tate Gallery, disponvel em:

    Figura 20: Jacques PrvertSem ttulo, 1964colagem em carto postal, 10,5 x 15,25cmZabriskie Gallery, Nova Iorque

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    Estas duas tcnicas e o trabalho colaborativo (em voga desde o Dadasmo) apresenta-vam-se tambm como formas de atingir o trabalho automtico, no qual a criatividade individual do artista postergada a segundo plano. A este respeito, Bradley (2004, p. 24) cita um trecho de Ernst que comprova seu posicio-namento diante de seus trabalhos:

    Lutando mais e mais para restringir minha prpria participao ativa no de-senvolvimento da figura e assim ampliando o papel criativo das faculdades alucinatrias da mente, cheguei a assistir como um espectador ao nascimento de todos os meus trabalhos (ERNST apud BRADLEY, 2004, 24 ).

    Para Ernst, a colagem tinha parentesco com o frottage, por tambm envolver a irrupo do irracional em todos os domnios da arte e por encontrar seu ponto de partida fora da imagi-nao artstica individual:

    Num dia de chuva, em 1919 [...] fui tomado por uma obsesso causada por ter folheado as pginas de um catlogo ilustrado para fins de demonstrao antropolgica, microscpica, psicologia, mineralgica e paleontolgica. Ali eu encontrava, lado a lado, elementos de figurao to remotos que o absurdo total da coleo provocou uma sbita intensificao de minhas faculdades vi-sionrias, trazendo tona uma sucesso de imagens contraditrias, duplas, triplas, mltiplas, amontoando-se uma sobre a outra com a persistncia e a velocidade que so peculiares s memrias do amor e s vises soleira do sonho (ERNST apud BRADLEY, 2004, 24 ).

    O artista comeou, ento, a desenhar sobre esses catlogos e recort-los. Pegava tambm figuras de jornais de cincias naturais e juntava as imagens de maneira metafrica e inesperada. Para os surrealistas a colagem equivaleria plasticamente poesia, cujos objetos apresentados podem revelar segredos e desejos inconscientes. Sobre isso, Breton declarou na apresentao da mostra de Ersnt em 1921: a maravilhosa faculdade de alcanar duas realidades muito distantes sem abandonar o domnio da nossa experincia; reuni-las e tirar uma fagulha de seu contato. Na srie Uma semana de bondade (fig.21), exposta no Brasil pelo Masp no incio de 201022, Ernst criou uma narrativa bastante dramtica, mas com elementos que lembram os contos de fadas, criando inclusive personagens que misturam o corpo humano e rostos de animais. Esta obra o terceiro romance-colagem de Ernst - anteriormente havia produzido La femme 100 ttes (1929) e Rve dune petite fille qui voulut entrer au Carmel (1930). Segundo a curadoria da exposio, as colagens foram criada em 1933, auge do movimento surrealista, durante uma viagem de trs semanas Itlia, precisamente ao Castelo de Vigoleno, cidade me-dieval da Emilia-Romagna. Recortando uma srie de imagens de livros, jornais, romances e revistas populares na Europa desde 1850, o artista transformou entretenimento em uma ao de

    http://www.tate.org.uk/collections/glossary/definition.jsp?entryId=113. 22 Exposio realizada pelo MASP Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand - e Fundacin MAPFRE no

    perodo de 23 de abril a 25 de julho de 2010.

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    alerta e revolta contra os valores da poca. As colagens foram ainda publicadas em cinco livros no ano de 1934. Contudo, o processo de colagem da srie anterior a sua produo, ou seja, comeou na escolha do nome: La semaine de la bont [Uma semana de bondade] foi uma associao de ajuda mtua fundada em 1927 para promover o bem-estar social em Paris. Neste perodo, a capital francesa foi inundada por cartazes da organizao buscando apoio da sociedade. Ernst apropriou-se do nome e fez de Uma semana de bondade uma aluso narrativa bblica da cria-o da Terra23

    O autor Elger afirma que Max Ernst provou ser um brilhante criador de quadros, sa-bendo explorar todas as possibilidades da colagem e, nas dcadas seguintes, experimentar novas tcnicas pictricas.

    O que a colagem? perguntou ele nas suas Notas Biogrficas, e respon-deu na terceira pessoa: Max Ernst, por exemplo, definiu-a assim: a tcnica da colagem a explorao sistemtica do acaso ou do confronto artificialmente provocado de duas ou mais realidades mtuas opostas num nvel obviamente inapropriado e fasca pattica que salta quando essas realidades se aproxi-mam uma da outra (ELGER, 2010, p. 24).

    Como obras surrealistas, elas oferecem pistas para seu entendimento que mais confun-dem do que esclarecem, permitindo assim livre interpretao. O Surrealismo aconteceu mais in-23 Texto disponvel em http://www.masp.art.br/masp2010/exposicoes_integra.php?id=66&periodo_menu=cartaz.

    Figura 21: Max ErnstUma semana de bondade, 1933colagem, vrios formatosMuse dOrsay, Paris

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    tensamente no perodo entre guerras, porm encerrou-se como movimento somente em 1966. Como estado de esprito, pode-se dizer que o Surrealismo permanece at hoje influenciando sucessivas geraes de artistas, pois, de maneira mais ampla, toda forma de arte que prioriza a subjetividade ou coloca a investigao da mente como objeto pode ser considerada como tendo traos surrealistas.

    1.4. COLAGEM E CONSUMO

    A Arte Pop tinha por objetivo demonstrar que o sujeito no possui originalidade, sendo, desta forma, o resultado de suas obras artsticas semelhante a qualquer outra produo em esca-la. Em outras palavras, a cultura de massa e o consumismo teriam exterminado