dissertacao ecstasy

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    Stella Pereira de Almeida

    PRIMEIRO PERFIL DO USURIO DE XTASE (MDMA) EM

    SO PAULO

    Dissertacao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Experimental. Orientadora: Maria Teresa Araujo Silva

    So Paulo

    2000

  • Ficha Catalogrfica preparada pelo Servio de Biblioteca e Documentao do Instituto de Psicologia da USP

    Almeida, S. P. de.

    Primeiro perfil do usurio de xtase (MDMA) em So Paulo / Stella Pereira de Almeida;. --So Paulo, 2000. - 80 p.

    Dissertaao (Mestrado) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo. Departamento de Psicologia Experimental.

    Orientador: Maria Teresa Araujo Silva

    1. xtase 2. Drogas 3. Serotonina 4. Sistema Nervoso Central 5. Reduo de dano 6. Inventrio de Depresso de Beck 7. Inventrio de Ansiedade Trao-Estado I. Ttulo.

  • PRIMEIRO PERFIL DO USURIO DE XTASE (MDMA) EM SO PAULO

    Candidata: Stella Pereira de Almeida

    Orientadora: Maria Teresa Arajo Silva

    _______________________________________________________________________

    BANCA EXAMINADORA:

    _______________________________________

    Nome e assinatura

    _______________________________________

    Nome e assinatura

    _______________________________________

    Nome e assinatura

    _______________________________________

    Nome e assinatura

    _______________________________________

    Nome e assinatura

    Dissertao defendida e aprovada em : ___/ ___/ ___.

    _______________________________________________________________________

  • Para Beto, Matheus e Joana.

  • AGRADECIMENTOS

    Teresa por ter acreditado no projeto e por sua orientao em todas as etapas.

    Raquel por estar sempre perto e disponvel, ate quando morava na Itlia.

    Aos meus pais, Lorenzo e Carmita, por ajudarem sempre e de tantas formas.

    Paula por suas contribuies e indicaes.

    Ao Dr. Hermano Tavares por sugerir e ceder a escala de avaliao de Impulsividade.

    Dra. Clarice Gorentein por sugestes relativas as escalas empregadas e no exame de

    qualificao.

    Dra. Emma Otta pelas sugestes no exame de qualificao.

    todos do laboratrio, Cilene, Mirian, Lugui, Fabio, Juliana, Edi, que me esclareceram

    duvidas sempre que precisei.

    Ao CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.

  • Na pista a massa dana em comunho ao ritmo de uma nica batida,

    uma nica msica, uma droga, uma nica alma coletiva. O DJ o novo

    messias; amusica a palavra de Deus. O vinho dos cristos foi substitudo

    pelo ecstasy e a iconografia dos vitrais pelos monitores de televiso.

    In Amor, curiosidade, Prozac e dvidas.

    Lucia Etxebarra, 1997.

    NOITE. Todo estado que suscita no sujeito a metfora da obscuridade

    (afetiva, intelectual, existencial) na qual ele se debate ou se acalma.

    In Fragmentos de um discurso amoroso

    Roland Barthes, 1977.

  • SUMRIO

    RESUMO.............................................................................................................. i

    ABSTRACT.......................................................................................................... ii

    INTRODUCAO.................................................................................................... 1

    Histrico....................................................................................................... 1

    Uso no Brasil................................................................................................ 5

    Classificao e composio qumica........................................................... 6

    Efeitos psicolgicos e somticos................................................................. 9

    Toxicidade e complicaes clnicas............................................................ 10

    Mecanismo de ao no Sistema Nervoso Central....................................... 14

    Objetivos..................................................................................................... 18

    MTODO............................................................................................................. 19

    Sujeitos........................................................................................................ 19

    Instrumento................................................................................................. 21

    Procedimento............................................................................................... 22

    Anlise......................................................................................................... 24

    RESULTADOS..................................................................................................... 25

    DISCUSSAO......................................................................................................... 46

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 62

    ANEXOS .............................................................................................................. 68

    A. Folha de rosto da pesquisa.................................................................. 68

    B. 1 Questionrio parte I............................................................................. 69

    B. 2 Questionrio parte II (apenas para usurios em verso feminina)...... 72

    B. 3 Escalas Psicolgicas............................................................................ 75

    B. 4 Entrevista final.................................................................................... 79

  • i

    RESUMO

    ALMEIDA, Stella Pereira de. Primeiro perfil do usurio de xtase(MDMA) em So Paulo. So Paulo, 2000, 80p. Dissertao (Mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo. O presente estudo teve como objetivo identificar os padres de uso de xtasena cidade de

    So Paulo. Os usurios foram recrutados atravs da tcnica de amostragem snowball, tambm

    utilizada para o recrutamento do grupo controle, composto de indivduos com estilo de vida

    semelhante aos primeiros mas que nunca haviam experimentado xtase(no usurios).

    Usurios (52) e no usurios (52) foram entrevistados quanto s caractersticas scio-

    demogrficas e quanto ao uso de drogas psicotrpicas, usurios tambm responderam

    questes sobre circunstncias de uso e efeitos do "ecstasy". Atravs da Escala de

    Impulsividade de Barratt e dos Inventrios de Depresso de Beck e de Ansiedade Trao-

    Estado (IDATE-trao) foram medidas impulsividade, depresso e ansiedade de ambos os

    grupos. Os dois grupos apresentaram caractersticas scio-demogrficas semelhantes: a

    maioria pertencia classe mdia, era jovem, heterossexual, solteira e com nvel superior.

    Entre os usurios o consumo de outras drogas psicotrpicas foi expressivamente superior.

    Outras caractersticas mais freqentes no grupo de usurios foram a presena de tatuagens e

    piercings, a frequncia a "raves" e a preferncia pela msica eletrnica. No Inventrio de

    Depresso de Beck os usurios apresentaram pontuao significativamente menor quanto

    depresso. Os resultados das escalas de impulsividade e ansiedade no apresentaram

    diferenas significativas entre os dois grupos. Os padres de uso de xtasedos usurios

    entrevistados so semelhantes aos padres descritos por pesquisas realizadas na Europa e em

    Sidney: a maioria dos usurios consome um ou dois comprimidos a cada episdio de uso,

    apenas nos finais de semana ou frias, mais freqentemente na companhia de vrias pessoas,

    em ambientes ligados ao lazer noturno, como lugares para danar, "raves" e festas. Os

    comprimidos so geralmente adquiridos de amigos ou conhecidos nesses locais. A maioria

    dos usurios associa xtasea outras drogas psicotrpicas, particularmente maconha. As

    caractersticas scio-demogrficas dos usurios entrevistados e seus padres de aquisio e

    consumo de xtaseindicam um carter pouco marginal do uso. So sugeridas estratgias de

    Reduo de Dano caso o uso de xtasese difunda em So Paulo.

  • ii

    ABSTRACT

    ALMEIDA, Stella Pereira de. Primeiro perfil do usurio de "ecstasy" (MDMA) em So Paulo. So Paulo, 2000, 80p. Dissertao (Mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo.

    The present study was aimed at identifying patterns of ecstasy (MDMA) use in the city of So

    Paulo. Ecstasy users were recruited through the snowball technique. Using the same

    technique, a control group of subjects that had never tried the drug (non users) was recruited

    among individuals sharing with users a similar life style. Users (N=52) and non users (N=52)

    were interviewed in order to obtain socio-demographic data and data of user of psychoactive

    drugs; users were also questionned as to the circumstances surrounding their use of the drug.

    Besides, levels of anxiety, depression and impulsiveness were assessed through Spielberger's

    IDATE Trace Inventory, Beck's Depression Inventory and Barratt Impulsiveness Scale. Both

    users and non users revealed similar socio-demographic characteristics: most subjects were

    middle class young heterosexual single men and women who had a college degree. Multiple

    drug using was more frequent among users than among non users. Other features that were

    significantly more accentuated among users than among non users were the presence of

    tattoos and piercings, the frequency to raves and the preference for electronic music. Beck

    Inventory results pointed to significantly lower depression scores among users. No differences

    were observed between groups in anxiety and impulsiveness scores. Ecstasy consumption

    patterns among users are similar to those reported in Europe and Australia: most subjects take

    one or two pillsper episode, during weekends or vacations, usually with company and in

    social gatherings such as dancings, raves and parties. The drug is predominantly acquired

    from friends or acquaintances in these same spots. Most users reported consuming ecstasy in

    combination with other psychoactive drugs, particularly marihuana. The socio-demographic

    features of users as well as the way they buy and consume the drug suggest that the present

    pattern of use is not connected to illegal or marginal activities. Harm reduction strategies are

    suggested in case of ecstasy's use increases and spreads among the young population of the

    city.

  • 1

    INTRODUO

    O uso de drogas psicotrpicas universal; primitivo e moderno; prejudicial, incuo ou

    benfico; singular, mas comum s mais diferentes culturas humanas em todos os tempos. Em

    nossa cultura as drogas de abuso, em particular as ilegais, so uma grande preocupao social.

    Entretanto, as aes que visam conter seu consumo por vezes exageram e por vezes

    negligenciam seu perigo fsico e social.

    Neste trabalho relatada uma pesquisa sobre o uso de xtase (3-4

    metilenodioximetanfetamina, ou MDMA), droga psicotrpica ilegal produzida em

    laboratrios clandestinos, comercializada na forma de comprimidos ou cpsulas que custam

    atualmente entre R$ 25,00 e 45,00 em So Paulo. Nos Estados Unidos e Europa seu uso

    bastante difundido, sendo conhecida como Ecstasy, Adam (referncia a Ado: a inocncia no

    paraso antes do aparecimento da culpa e da vergonha), XTC ou simplesmente E. Sua via de

    administrao mais comum a oral, mas ela tambm pode ser usada por via anal, ou pode ser

    macerada e aspirada. Vale ressaltar que a facilidade na forma de consumo do "xtase" pode

    ser um fator importante para sua popularizao. Enquanto as outras drogas ilegais tradicionais

    (com exceo do LSD) exigem um lugar reservado e por vezes um kit para confeco e

    consumo, o "xtase" pode ser consumido com muita discrio em qualquer lugar e no exige

    nenhuma preparao. Alm disso, em quantidade de uso individual, o risco de ser identificado

    e apreendido pela polcia mnimo.

    Histrico

    H divergncias quanto data de sntese da MDMA: para alguns ela foi sintetizada em 1912

    (Milroy, 1999; Rochester & Kirchner, 1999), para outros em 1914 (Larangeira, Dunn, Rassi,

    & Fernandes, 1996; Schwartz & Miller, 1997). De qualquer forma, foi patenteada em 1914

    pelo laboratrio Merck, na Alemanha. A MDMA foi testada inicialmente como moderador de

    apetite, mas devido a seus efeitos colaterais foi muito pouco utilizada e nunca comercializada,

    ficando esquecida e sem uso por dcadas. Em 1965, o bioqumico americano Alexander

  • 2

    Shulgin relata ter produzido e consumido MDMA em seu laboratrio, sendo o efeito de uma

    leveza de esprito bastante prazerosa. Mas ele s voltou a se interessar pela droga no comeo

    dos anos 70, quando tomou conhecimento de relatos de outros pesquisadores muito

    entusiasmados com o uso teraputico da MDMA (Saunders, 1996). A comunidade cientfica

    s veio a ser formalmente informada sobre a MDMA com uma publicao de Shulgin e

    Nichols em 1978, a qual sugere que ela poderia ser utilizada como auxiliar psicoteraputico

    (Larangeira et al., 1996). Atualmente, o uso de drogas psicotrpicas alucingenas como um

    auxiliar psicoteraputico um episdio quase esquecido na histria da psiquiatria e da

    psicologia. Hoje as drogas so utilizadas exclusivamente como tratamento qumico: aliviam

    ou curam sintomas. Entretanto, nas dcadas de 50 e 60 foram descritas inmeras experincias

    bem sucedidas tendo o alucingeno LSD (cido lisrgico) como um catalisador do processo

    teraputico (Panke, Kurland, Unger, Savage, & Grof, 1970), experincias impedidas de

    prosseguir aps essa droga ter sido considerada ilegal. Quando um novo tipo de tratamento

    medicamentoso introduzido, comum um grande entusiasmo e alarde de sucessos, seguidos

    de desiluso advinda dos insucessos; a experincia de Freud com a cocana (Cesarotto, 1989)

    um exemplo clssico. Entretanto, o pice e o declnio das psicoterapias com uso de drogas

    alucingenas tm algo de incomum na medida em que parecem ter sido banidas antes que

    insucessos ou prejuzos tivessem sido comprovados pela comunidade cientfica. O LSD

    cumpriu esse percurso e a MDMA o sucedeu. No incio dos anos 70, a MDMA comeou a ser

    utilizada em contexto teraputico, como um facilitador do tratamento. Apresentava vantagens

    sobre seu antecessor, o LSD, pois no provocava mudanas perceptuais e emocionais to

    intensas, seus efeitos tinham durao mais curta e no haviam sido relatados flashbacks, ms

    viagens ou reaes psicticas, em doses teraputicas e em contextos controlados. Era

    utilizada como favorecedora da aliana teraputica com o profissional na medida em que

    aumentava a empatia, a confiana no terapeuta e a auto confiana, convidando auto-anlise

    e favorecendo insights. Os primeiros psicoterapeutas a utilizar a MDMA sabiam do risco que

    ela corria de seguir os passos do LSD, ou seja, perceberam sua potencialidade de uso com

    funes recreativas e consequente possibilidade de abuso e ilegalidade. Fizeram ento o

    acordo de desenvolver pesquisas informais sem chamar a ateno do pblico para a droga.

    Conseguiram faz-lo durante um certo tempo, e o perodo entre 1977 e 1984 considerado a

    poca de ouro da pesquisa teraputica com a MDMA (Saunders, 1996).

  • 3

    Em 1984, final da poca de ouro, a MDMA no s era utilizada como auxiliar teraputico

    mas tambm estava sendo amplamente utilizada pelos jovens norte-americanos como droga

    recreativa. Pesquisa realizada em 1986 na Universidade de Tulane, EUA, constatou que

    15,5% dos estudantes haviam experimentado xtase pelo menos uma vez na vida (Cuomo,

    Dyment, & Gammino, 1994). Em outra pesquisa realizada tambm em 1986 na Universidade

    de Stanford, tambm nos EUA, 39% dos estudantes declararam ter consumido xtase pelo

    menos uma vez na vida (Peroutka, 1987). Nessa poca a MDMA j era denominada "xtase",

    valendo ressaltar o forte apelo mercadolgico do nome, e era vendida livremente, a U$ 20,00,

    em bares que aceitavam cartes de crdito (Cloud, 2000; Saunders, 1996). Esse uso pblico,

    livre e crescente chamou a ateno da imprensa que em 1985 publicou matrias de capa em

    vrias revistas, como Newsweek, Time e Life. A visibilidade na mdia atraiu mais adeptos e

    disseminou o uso antes restrito a determinadas cidades norte americanas (Beck & Morgan,

    1986). Alm disso, tambm em 1985, foi divulgado que o uso de uma outra droga sinttica

    chamada White China, sintetizada com o intuito de esquivar-se do controle legal e substituir a

    herona, causara graves danos cerebrais em usurios. Comentando o fato, os veculos de

    comunicao sugeriram que o xtase seria uma droga similar White China, o que o

    transformou em neurotxico potencial e portanto em problema de sade pblica. Por fim, foi

    publicado um relatrio no qual eram apresentadas evidncias de danos cerebrais causados

    pela MDA, droga anloga MDMA, em ratos (Saunders, 1996). Assim, a popularizao do

    uso de MDMA, a publicidade nos meios de comunicao, o incidente White China e a

    publicao de artigo sobre o potencial neurotxico de seu anlogo MDA encerraram a fase de

    uso legal de xtase. Em maio de 1985 a agncia Drug Enforcement Administration (DEA)

    nos EUA convocou uma comisso de emergncia para colocar a MDMA na Categoria 1 de

    substncias controladas, categoria definida por: (a) alto potencial de abuso, (b) ausncia de

    uso teraputico/mdico e (c) insegurana do uso mesmo com superviso mdica (McClain &

    Sapienza, 1989). Em junho de 1986 foram realizadas audincias, e foi mantida sua

    permanncia na ilegalidade e na Categoria 1, ainda que psiclogos e psiquiatras tenham

    testemunhado a favor do uso da MDMA como auxiliar do processo psicoteraputico

    (Grinspoon & Bakalar, 1986). At hoje h grupos que defendem a legalizao da MDMA.

    Recentemente foi aprovado o primeiro estudo sobre seu uso teraputico aps ter sido

    classificada como droga ilegal, em pesquisa que ser desenvolvida na Espanha (Cloud, 2000).

  • 4

    Na Europa o consumo da MDMA sempre foi ilegal, tendo sido introduzido por discpulos de

    Bhagwan Rajneesh em meados da dcada de 80 com fins espirituais. Mas a partir de um

    evento musical acontecido em Ibiza entre 1987 e 1988, no qual muitos participantes

    experimentaram MDMA, que surgem as festas conhecidas como raves e com elas o uso de

    xtase se populariza na Europa. Terminado tal evento os jovens voltaram para seus pases

    com desejo de perpetuar o que tinha se passado. Alguns empreendedores ingleses perceberam

    que recriar a atmosfera Ibiza seria muito bem aceito. Comearam a organizar festas em

    armazns porturios londrinos onde centenas de pessoas pagavam um ingresso e danavam a

    noite inteira com msica eletrnica ininterrupta, usando xtase ou, na sua falta, LSD. Logo

    essas festas ganharam cada vez mais adeptos e comearam a acontecer em locais maiores,

    fora do permetro urbano mas perto de Londres. Logicamente, festas que reuniam centenas ou

    milhares de jovens danando a noite inteira e usando drogas atraram a ateno da polcia e,

    em 1990, foi aprovada na Gr-Bretanha uma lei que previa pena de at seis meses de deteno

    e confisco de todo o lucro dos organizadores de festas-rave. Com isso, os empreendedores

    desistiram de organiz-las e os ravers se deslocam para os clubes noturnos. Da para frente o

    xtase vai fazer parte da cultura dance-clubber (Saunders, 1996). Nos EUA as raves

    apareceram no incio dos anos 90, e assim como na Europa, o uso de xtase faz parte da

    festa (Schwartz & Miller, 1997). Ao longo desses dez anos as raves vm se espalhando pelos

    EUA. So festas pelas quais cobrado um ingresso e geralmente so realizadas em algum

    lugar do deserto, com msica eletrnica ininterrupta, centenas ou milhares de participantes e

    alto consumo de drogas, em especial xtase, LSD e mescalina.

    Podemos observar que a ilegalidade da MDMA no parece ter conseguido diminuir o nmero

    de usurios recreativos que ao contrrio s tem aumentado, como demonstram vrios

    levantamentos realizados tanto na Europa como nos Estados Unidos (Brown, Jarvie, &

    Simpson, 1995; Cuomo et al., 1994; Gore, 1999). Alm disso, embora a ilegalidade tenha

    encerrado o uso teraputico da MDMA, ainda se afirma que seriam necessrias mais

    pesquisas para descartar seu uso na medicina psiquitrica (Holland, 1999).

  • 5

    Uso no Brasil

    H uma absoluta falta de dados epidemiolgicos brasileiros sobre o consumo de xtase e

    no h publicaes sobre seu padro de uso em nenhuma cidade do Brasil at o presente

    momento. Nos quatro levantamentos nacionais sobre consumo de drogas, realizados em 1987,

    1989, 1995 e 1997, no consta nenhuma questo sobre o xtase como uma das drogas j

    utilizadas na vida (Carlini, Carlini-Cotrim, Silva-Filho, & Barbosa, 1990; Carlini-Cotrim,

    Carlini, Silva-Filho, & Barbosa, 1989; Galdurz, D'Almeida, Carvalho, & Carlini, 1994;

    Galdurz, Noto, & Carlini, 1997).

    Diferentemente da Europa e Estados Unidos onde o uso de xtase bastante disseminado,

    no Brasil seu consumo por enquanto restrito a determinado grupo e desconhecido para a

    maior parte da populao. Entretanto, esse consumo vem provavelmente aumentando,

    podendo acabar por seguir a tendncia americana e europia. Na falta de dados

    epidemiolgicos nos resta a anlise pouco sistemtica de que no prazo de dois meses foram

    entrevistados para a presente pesquisa mais de 100 sujeitos que j tinham usado xtase pelo

    menos uma vez na vida, sendo que 52 deles mais de 10 vezes e alguns mais de 50 vezes.

    Segundo o Departamento de Inteligncia e Apoio Polcia (DIAP), diviso do Departamento

    de Narcticos de So Paulo (DENARC), foram apreendidos em So Paulo 1140 comprimidos

    de xtase em 1998, nove comprimidos em 1999 e 613 at junho de 2000. As apreenses de

    "xtase" podem no estar diretamente relacionadas ao consumo. possvel que a

    estratificao social do uso de "xtase" e seu desconhecimento pela maioria da populao

    determine pouco interesse seja da sociedade seja do governo para uma represso mais efetiva.

    Assim, medida que cresce o interesse e a veiculao de reportagens sobre o assunto de se

    supor que tambm sejam realizadas maiores apreenses.

    Na mdia brasileira a visibilidade do xtase vem aumentando. At 1999 o xtase era

    citado poucas vezes, grafado em ingls (ecstasy), quase sempre nos cadernos de cultura em

    matrias ligadas moda ou comportamento como um signo de grupos ou tendncias de

    vanguarda, sem informaes sobre a droga. Vale citar que, em junho de 1999, a revista Veja-

    So Paulo publicou uma matria de capa sobre raves na qual curiosamente o xtase no

  • 6

    citado. Atualmente observamos cada vez mais citaes que comeam a ocupar tambm as

    pginas policiais, noticiando um crescente nmero de prises e apreenses.

    As primeiras remessas significativas de xtase chegam a So Paulo em 1994, vindas

    principalmente de Amsterd. Nesse momento ainda no havia traficantes de xtase,

    algumas pessoas traziam os comprimidos e os revendiam seletivamente a amigos em clubes

    noturnos (Palomino, 1999). Se na Europa o consumo de xtase comeou nas raves e depois

    foi para os clubs, em So Paulo seu percurso inverso. As raves apareceram em 1995,

    organizadas a princpio por DJs brasileiros vindos de Londres. Nessa poca essas festas eram

    realizadas a cada dois ou trs meses com um pblico menor e menos heterogneo que hoje.

    Atualmente em So Paulo h festas-rave todos os finais de semana em lugares amplos e ao ar

    livre, tais como praias, stios ou parques aquticos. Renem de trs a cinco mil pessoas e

    duram de catorze a dezoito horas. A msica eletrnica ininterrupta, panos fluorescentes com

    motivos tntricos ou aliengenas decoram o ambiente e a iluminao feita com luzes negras,

    coloridas, estroboscpicas, laser e globos de espelhos. As vrias pistas de dana so

    comandadas por DJs que ocupam o lugar de maior status nas festas, posto que o motivo que

    une todas essas pessoas ouvir msica e danar. Os participantes ou ravers se vestem em

    geral com roupas coloridas, usam adereos fluorescentes, valorizam moda e bodyart, que

    inclui tatuagens e piercings (aplicao de adereos no corpo). inegvel a presena de

    "xtase" nas raves e grande parte de seus usurios esto ali concentrados. Outra parte dos

    usurios (por vezes sobreposta aos ravers) so portanto os clubbers: indivduos que

    frequentam casas noturnas onde tambm se dana a noite inteira com msica eletrnica

    ininterrupta comandada por DJs. A moda tambm extremamente valorizada, mas aqui

    menos colorida e psicodlica, mais geomtrica e tecnolgica. Tatuagens e piercings tambm

    fazem parte da cultura-clubber. Ambos os grupos pertencem na sua maioria classe alta e

    mdia alta e tm bom nvel educacional, at porque esse estilo de vida no barato.

    Classificao e composio qumica

    De acordo com o efeito provocado no sistema nervoso central, as drogas psicotrpicas podem

    ser classificadas como estimulantes, depressores ou perturbadores de seu funcionamento. As

  • 7

    drogas perturbadoras so tambm chamadas de alucingenas. Com relao a seu efeito a

    MDMA uma das poucas drogas com dupla classificao: situa-se entre os estimulantes e os

    alucingenos, sendo por vezes classificada como uma anfetamina alucingena (Larangeira et

    al., 1996).

    A MDMA frequentemente classificada como droga de desenho, termo com dois

    significados: (a) qualquer substncia fabricada para produzir efeitos especficos, definio

    pouco elucidativa e muito geral, na qual cabem inmeras substncias, ou (b) drogas anlogas

    a substncias ilegais e com efeitos psicolgicos semelhantes, produzidas atravs de processo

    de engenharia qumica, com o objetivo de esquivar-se do controle legal. Por ser anloga

    anfetamina e metanfetamina a MDMA s vezes considerada droga de desenho; entretanto

    ela foi patenteada em 1914 sem fins determinados e muito antes de tornar-se ilegal nos EUA

    em 1985. Assim, embora alguns autores definam a MDMA como uma droga de desenho, essa

    classificao no est bem aplicada (Beck & Morgan, 1986; Calafat et al., 1998; Cook, 1995).

    Dada a dificuldade de enquadrar a MDMA na classificao habitual das drogas psicotrpicas

    e visando diferenci-la de outros alucingenos, foi proposto um termo bastante especfico que

    descreveria os efeitos da MDMA e de seus anlogos: Entactogen. O termo usado para

    drogas cujos efeitos so aumento de contato consigo mesmo e da introspeo, aumento da

    empatia e da comunicao com outras pessoas, induo a estado positivo de humor,

    sentimentos de intimidade e tranquilidade (Schwartz & Miller, 1997). Esse termo no vingou,

    mesmo porque estava ligado s experincias teraputicas com a MDMA encerradas com sua

    proibio.

    A MDMA produzida sinteticamente em laboratrio a partir de metanfetamina. Porm h

    precursores qumicos naturais contidos em leos de plantas, como noz moscada, endro,

    clamo, aafro, canela e semente de salsa (Elk, 1996). Sua composio qumica

    apresentada na Figura 1.

  • 8

    Figura 1. Estrutura qumica do "xtase" (3,4 metilenodioximetanfetamina).

    Dada sua ilegalidade, sabe-se que nem todos os comprimidos vendidos e consumidos como

    xtase necessariamente contm MDMA. O xtase uma droga sem nenhum controle

    farmacutico. Ningum sabe exatamente o que est consumindo e o controle feito por

    usurios que j tomaram determinado tipo e aprovaram ou no seus efeitos. Os tipos de

    xtase ganham apelidos conforme a cor e o desenho impresso nos comprimidos e sua

    popularidade e preo variam de acordo com os efeitos produzidos. No Brasil, os tipos vo

    mudando conforme chegam importaes. Segundo relatos informais de usurios grande

    parte do xtase consumido no Brasil vem da Europa, e em julho de 1999 em So Paulo os

    tipos mais comuns eram o JB amarelo, o mitsubishi e o verde RN.

    Em 1995 foram realizadas anlises nos comprimidos de xtase mais consumidos no Reino

    Unido. Os resultados mostraram que a maioria contm uma mistura de MDMA com uma ou

    mais drogas em propores variadas, e alguns nem sequer contm MDMA. As outras drogas

    mais frequentemente associadas MDMA nos comprimidos de xtase foram: MDEA

    (anlogo sinttico da MDMA), metanfetamina, anfetamina, paracetamol, cafena ou ketamina

    (Wolff, Hay, Sherlock, & Conner, 1995). Na Alemanha a anlise de comprimidos apreendidos

    verificou que apenas 47,5% deles continham MDMA (Sondermann & Kovar, 1999).

    Entretanto, h outras pesquisas que averiguaram pouca adulterao nos comprimidos de

    "xtase" na Austrlia e na Europa, sendo que quando no puro contm uma mistura de

    MDMA com seu anlogo MDA (Solowij, Hall, & Lee, 1992). Embora esses dados

    justifiquem a consonncia dos efeitos relatados por usurios de xtase de diversos pases,

    importante salientar que essas pesquisas foram realizadas ainda na dcada de 80 e que

    portanto esse quadro pode ter se alterado, e nesse caso a pesquisa realizada por Wolff e

  • 9

    colaboradores em 1995 talvez traduza melhor o quadro da composio dos comprimidos hoje

    em dia. De qualquer forma, o fato que s uma anlise em amostras comercializadas

    atualmente nos diria se o que usado como xtase de fato MDMA. Enquanto isso, o

    contedo dos comprimidos consumidos no Brasil duvidoso e desconhecido.

    Efeitos psicolgicos e somticos

    Os efeitos da MDMA se fazem sentir aproximadamente 20 minutos aps a ingesto do

    comprimido e permanecem por quatro a oito horas (Cook, 1995). Os vrios estudos sobre os

    efeitos provocados pelo xtase apresentam resultados muito semelhantes (Cohen, 1995;

    Ferigolo, Medeiros, & Barros, 1998; Solowij et al., 1992; Vollenweider, Gamma, Liechti, &

    Huber, 1998). Os efeitos imediatos so descritos na maioria das vezes como prazerosos,

    embora tambm sejam apontados efeitos desagradveis, quase sempre fsicos. J os efeitos 24

    horas aps a ingesto so descritos como mais negativos, tanto fsica quanto

    psicologicamente. A depresso dois dias aps o uso de "xtase" um efeito descrito por

    vrios pesquisadores (Curran & Travill, 1997; Parrott & Lasky, 1998). Os dados descritos

    pelos pesquisadores citados acima esto reunidos na Tabela 1.

  • 10

    Tabela 1: Efeitos imediatos e tardios do "xtase" (MDMA) de acordo com as pesquisas mencionadas no texto.

    EFEITOS IMEDIATOS (4-8 horas) TARDIOS (24 horas)

    P S I C O L G I C O S

    Loquacidade Abertura mental Proximidade de outras pessoas Felicidade Bom humor Sensualidade Euforia Aumento da autoconfiana Despreocupao Aumento de energia Excitabilidade sexual Leve sensao de desrealizao

    Depresso Despersonalizao Flashbacks Preocupao Insnia Dificuldade de concentrao

    S O M T I C O S

    Inapetncia Boca seca Agitao Acelerao do batimento cardaco Bruxismo/trismo Insnia Fluxos de frio e calor Sudorese Dificuldade de concentrao Vontade de urinar Midrase Nusea Ataxia (descoordenao motora)

    Inapetncia Sede Falta de energia Fadiga Tontura Dores musculares

    Toxicidade e complicaes do uso de MDMA

    Embora a MDMA tenha reputao de droga segura, ou seja, que no apresenta perigo fsico

    (Schwartz & Miller, 1997), h inmeros relatos de reaes adversas e mortes relacionados

    sua ingesto (Lind, Oyefeso, Polland, Baldacchino, & Ghodse, 1999; McGuire, Cope, &

    Fahy, 1994; O' Connor, 1994). Para alguns autores, ainda no h provas de que a MDMA

    deixe sequelas severas em seres humanos e, embora existam relatos de efeitos adversos

    agudos, o nmeros de casos surpreendentemente pequeno em relao ao nmero de usurios

    (Bailly, 1999; Creighton, Black, & Hyde, 1991; Grob, Poland, Chang, & Ernst, 1996). Parece

    que reaes severas ou fatais ao "xtase" so idiossincrticas e multifatoriais. Assim como j

    se observou casos de morte aps a ingesto de apenas um comprimido, h um caso no qual

  • 11

    tendo ingerido 40 comprimidos o indivduo no apresentava alteraes de presso ou

    temperatura, embora com concentraes sricas de MDMA muito altas (Finechi, Centini,

    Mazzeo, & Turillazzi, 1999; Regenthal, Kruger, Rudolph, Trauer, & Preiss, 1999).

    H dois problemas relativos segurana e ao perigo da MDMA: um deles a incerteza da

    composio dos comprimidos, e o outro seria a mistura que frequentemente usurios fazem

    com outras drogas, como estimulantes, opiceos e lcool. No h dvida de que essas duas

    questes esto diretamente relacionadas ao aumento do potencial de perigo, toxicidade e risco

    de efeitos adversos agudos relacionados MDMA. Tambm importante salientar que a

    toxicidade de qualquer droga dependente da dose, da frequncia de uso, da vulnerabilidade

    individual e das condies externas ambientais (Huether, Zhou, & Ruther, 1997). Nos ltimos

    anos, os padres de uso de "xtase" mudaram muito. Da utilizao em isolamento ou em

    pequenos grupos de amigos passou a ser usado em clubs ou raves. Como j foi observado,

    esses locais so espaos para se danar horas seguidas, ao som de msica eletrnica muito alta

    e ininterrupta, lugares com centenas de pessoas, com temperatura elevada, nem sempre com a

    ventilao adequada. Pode-se bem supor que essa mudana no ambiente de uso de "xtase"

    esteja associada ao aumento no nmero de casos de mortes e intoxicaes. De fato, foi

    demonstrado em ratos o fenmeno da toxicidade anfetamnica de agrupamento, que significa

    que tanto os efeitos comportamentais quanto os efeitos txicos da anfetamina aumentam

    quando os animais so agrupados em relao a quando esto isolados. Mesmo quando a rea

    total por animal a mesma, observou-se um aumento da toxicidade anfetamnica em

    condies de agrupamento e temperaturas mais altas. Alm disso tambm se observou que

    para animais colocados em caixas individuais a toxicidade diretamente proporcional

    temperatura ambiente, rudo externo e pouca hidratao. Essas constataes podem ser

    relevantes para o estudo da toxicidade da MDMA, j que seu uso em raves e clubs apresenta

    as caractersticas de propenso a maior toxicidade, ao menos por analogia anfetamina

    (Green, Cross, & Goodwin, 1995).

    Dentre as complicaes clnicas, a hipertermia a ocorrncia mais frequente associada

    MDMA, quadro no qual os usurios podem chegar a temperaturas corporais de 42oC. A razo

    pela qual a MDMA afeta a termoregulao corporal no clara, mas parece estar relacionada

    com o aumento de liberao de serotonina. As condies externas habitualmente associadas

  • 12

    ao uso de xtase, ou seja, exerccio fsico intenso em ambiente quente e falta de hidratao,

    aumentam consideravelmente o risco de hipertermia. Ela pode causar desidratao,

    rabdomilise, o que desencadeia coagulao intravascular disseminada (DIC), provocando

    convulses e morte. At 1994 haviam sido relatados vinte e seis casos de hipertermia na

    Inglaterra, dos quais nove letais (O' Connor, 1994). Para combater o risco amplamente

    divulgado de desidratao os usurios costumam beber grandes quantidades de gua (est

    descrito um caso de morte aps ingesto de 13 litros), cujos efeitos podem ser hipotermia

    (Box, Prescott, & Freestone, 1997) e edema cerebral (Matthai, Davidson, Sills, & Alexandrou,

    1996). Tambm esto documentados vrios casos de problemas hepticos relacionados ao uso

    de MDMA, desde ictercia at falncia renal aguda com necessidade de transplante (O'

    Connor, 1994). O mecanismo pelo qual a MDMA ocasiona problemas hepticos ainda no

    est claramente definido, mas parece ser uma reao idiossincrtica, pois independe da dose e

    da frequncia de uso e pode ocorrer tanto aps o primeiro quanto aps vrios episdios de uso

    de MDMA (Finechi et al., 1999; Schwab, Seyringer, Brauer, Hellinger, & Griese, 1999). Foi

    registrado um caso de reteno urinria aps o uso de grande quantidade de MDMA (15

    comprimidos em 36 horas), efeito provavelmente devido ao agonista alfa adrenrgica da

    MDMA (Bryden, Rothwell, & PH, 1995).

    Em relao a problemas psiquitricos ainda pouco conhecida a morbidade psiquitrica

    associada ao uso de xtase. Entretanto h casos de psicoses documentados: psicose crnica

    atpica, psicose atpica e mais frequentemente psicoses paranicas. Na grande maioria dos

    casos o estado clnico do paciente responde bem aos neurolpticos, psicofrmaco

    classicamente utilizado em distrbios psicticos (Bailly, 1999; Creighton et al., 1991;

    McGuire et al., 1994). Foram tambm descritos nove casos de ataque de pnico consequentes

    ao uso de xtase. Esses quadros tiveram uma durao limitada aos efeitos do xtase,

    alguns tiveram recidivas em novos episdios de uso outros no. H relato de um caso que

    evoluiu para um distrbio de pnico. Quando medicados, respondem bem aos tratamentos

    farmacolgicos clssicos (Bailly, 1999; Whitaker-Azmitia & Aronson, 1989). H casos em

    que o uso de xtase est associado ideao suicida e ao suicdio. Embora esteja

    comprovado que h uma correlao entre baixos nveis de cido 5-hidroxi-indolactico (5-

    HIAA) crebro-espinhal e suicdio, e que a MDMA causa esgotamento cerebral de serotonina

    (5-HT) e de 5-HIAA, no se pode concluir que a MDMA seja a nica responsvel por essa

  • 13

    associao (Cohen, 1996). Embora a MDMA seja geralmente descrita como uma droga no

    adictiva, ou seja, que no causa dependncia, foram descritos casos clnicos que preenchem os

    critrios de sndrome de dependncia ao "xtase" (Jansen, 1999). Experimento realizado com

    babunos mostrou que a MDMA age como reforador, resultado que sugere potencial de

    abuso (Lamb & Griffiths, 1987).

    O desenvolvimento da tolerncia decorrente do uso frequente de MDMA no se d de forma

    homognea para todos os sintomas. Com o uso habitual, a intensidade dos efeitos colaterais

    indesejveis tais como inapetncia, trismo, nusea, dores musculares, ataxia, sudorese,

    taquicardia, fadiga e insnia aumentam, enquanto diminuem os efeitos subjetivos prazerosos,

    como melhora do humor e alucinaes (Solowij et al., 1992). Por isso, comum os usurios

    fazerem pausas abstinentes retomando o uso aps algumas semanas, a fim de recuperar os

    efeitos positivos anteriores ao estabelecimento de tolerncia.

    Em relao s funes cognitivas, estudos realizados com usurios crnicos de "xtase"

    encontrou prejuzos de memria e ateno quando comparados a controles no usurios

    (Krystal, Price, Opsahl, Ricaurte, & Heninger, 1992). Outro pesquisador tambm detectou

    prejuzos de ateno e memria diretamente relacionados dose, frequncia e ao tempo de

    uso de "xtase" (McCann, Mertl, Eligulashvili, & Ricaurte, 1999). Em ratos, embora a

    MDMA tenha causado reduo dos nveis de 5-HT cerebral, a memria no foi afetada

    (Ricaurte et al., 1993). Mas, segundo o NIDA (National Institute on Drug Abuse), um estudo

    comparativo entre no usurios e usurios habituais indicou que esses apresentavam prejuzos

    significativos de memria verbal e visual. Os prejuzos so diretamente proporcionais dose e

    permanecem no mnimo duas semanas aps o uso ser interrompido. Isso parece estar

    relacionado a danos causados aos neurnios serotonrgicos (NIDA, 1998). Ainda com relao

    memria, foi descrito um caso de sndrome amnsica em decorrncia da ingesto de

    "xtase". Aps nove meses a paciente ainda apresentava pequeno prejuzo de memria (Spatt,

    Glawar, & Mamoli, 1997).

    Tambm foi observado que o uso de "xtase" afeta o sono dos usurios. Foram comparados os

    tempos totais de sono de usurios (com mais de 25 episdios de uso) e de indivduos que

    nunca haviam utilizado xtase. Os sujeitos de ambos os grupos no usavam drogas

  • 14

    psicotrpicas h duas semanas. Constatou-se que os usurios tm menos tempo total de sono

    do que no usurios, e que essa diferena se deve a um menor tempo de sono no-REM entre

    os usurios (Allen, McCann, & Ricaurte, 1993). Tambm so relatados outros efeitos sobre o

    sono de usurios de xtase: insnia, inverso do ritmo viglia/sono, pesadelos, alucinaes

    hipnaggicas e bruxismo (Bailly, 1999).

    Foi demonstrado que usurios de "xtase" apresentam desgaste dos dentes significativamente

    maior do que no usurios. Esse desgaste atribudo ao bruxismo provocado pela droga. O

    desgaste dentrio ainda exacerbado quando o xtase associado ingesto de bebidas

    gasosas, o que ocorre frequentemente (Redfearn, Agrawal, & Mair, 1998). So ainda relatados

    problemas dermatolgicos e emagrecimento em usurios habituais de "xtase".

    O uso de "xtase" por gestantes est associado a um aumento de m formaes congnitas,

    predominantemente anomalias cardiovasculares e msculo-esquelticas (McElhatton,

    Bateman, Evans, Pughe, & Thomas, 1999).

    Por ltimo parece que a MDMA deprime o sistema imunolgico, em especial quando

    associada ao lcool. Entretanto essa observao foi feita em pesquisa realizada com um

    pequeno nmero de sujeitos, o que significa que amostras maiores seriam necessrias para

    comprovar essa ao (Pacifici et al., 1999).

    Mecanismo de ao no sistema nervoso central

    A administrao de MDMA em animais desencadeia uma resposta bifsica que pode ser

    dividida em efeitos de curto prazo (primeiras 24 horas) e de longo prazo (que permanecem

    aps 24 horas, podendo durar at mais de 12 meses). Os efeitos psicolgicos e

    comportamentais de curto prazo parecem estar mais diretamente ligados estimulao

    serotonrgica, enquanto os efeitos de longo prazo esto mais relacionados ao

    desenvolvimento de neurotoxicidade serotonrgica (McKenna & Peroutka, 1990).

  • 15

    (a) Efeitos de curto prazo

    Ao sobre a 5-HT e 5-HIAA

    A MDMA promove a liberao de 5-HT, sendo um agonista serotonrgico indireto. A

    MDMA atravessa rapidamente a membrana pr-sinptica; ainda no se sabe se isso se d

    passivamente ou atravs de um transportador. Aps atravessar a membrana do neurnio a

    MDMA causa efluxo de 5-HT da vescula onde fica armazenada para o citoplasma. A

    liberao de 5-HT ocasionada pela MDMA parece ser clcio-independente o que uma

    evidncia de que proveniente do citoplasma e no diretamente das vesculas sinpticas,

    posto que a liberao de 5-HT vesicular clcio-dependente (Rattray, 1991). Corrobora essa

    hiptese a afirmao de que a liberao de 5-HT promovida pela MDMA sdio-dependente

    (Huether et al., 1997). Do citoplasma da clula nervosa a 5-HT rapidamente liberada para o

    espao extracelular atravs de transportadores serotonrgicos. A liberao de 5-HT induzida

    pela MDMA pode ser bloqueada por inibidores de recaptao de serotonina, como por

    exemplo a fluoxetina (Huether et al., 1997; Rattray, 1991). Essa observao sugere duas

    hipteses: a primeira de que a MDMA transportada passivamente para dentro da clula

    nervosa desencadeando a liberao de 5-HT vesicular para o citoplasma; nesse caso, a

    fluoxetina bloquearia os transportadores impedindo a liberao de 5-HT citoplasmtica na

    fenda. Uma segunda hiptese seria de que a passagem da MDMA atravs da membrana

    necessita de um transportador e nesse caso a fluoxetina, bloqueando o transportador,

    impediria que a MDMA atravessasse a membrana e promovesse a liberao de 5-HT da

    vescula para o citoplasma (Rattray, 1991).

    Alm de promover a liberao de 5-HT, estudos in vitro mostraram que a MDMA tem

    capacidade de inibir sua recaptao pelos terminais nervosos. In vivo, parece que a MDMA

    tambm tem ao inibitria sobre os transportadores responsveis pela recaptao de 5-HT. O

    bloqueio de recaptao de 5-HT prolongaria as aes pr e ps-sinpticas da liberao de 5-

    HT, aumentando efetivamente sua concentrao na fenda sinptica (Rattray, 1991). A MDMA

    tambm provoca decrscimo na atividade da enzima triptofano-hidroxilase (TPH), enzima

    responsvel pela sntese de 5-HT (McKenna & Peroutka, 1990). O mecanismo preciso atravs

    do qual a MDMA interfere na atividade da TPH desconhecido. Uma hiptese de que,

    direta ou indiretamente, a MDMA tenha um efeito oxidativo nos terminais nervosos, o que

    pode inativar a TPH (Rattray, 1991). A liberao macia de 5-HT, somada ao bloqueio de sua

  • 16

    recaptao e inativao da TPH, resulta no esgotamento intraneuronal de 5-HT e do 5-

    HIAA. Aps uma nica dose de MDMA o esgotamento de 5-HT rpido, ocorrendo entre

    uma e trs horas aps sua administrao. Em ratos, redues na concentrao de 5-HT e 5-

    HIAA chegam a 80% em trs horas (McKenna & Peroutka, 1990).

    Cabe notar ainda que a MDMA tem grande afinidade pelo sub-receptor serotonrgico 5-HT2,

    o qual considerado responsvel pelos os efeitos alucingenos causados pelo LSD. Isso

    sugere que a ligao da MDMA a esse receptor module os efeitos alucingenos atribudos a

    ela.

    Ao da MDMA sobre a dopamina (DA) e noradrenalina (NA)

    Embora a anfetamina e a metanfetamina sejam potentes agentes liberadores de DA, a MDMA

    muito seletiva no esgotamento de 5-HT, in vivo e in vitro (Gazzara, 1989; Rattray, 1991)

    Em contraste com a acentuada reduo intracelular de 5-HT e de 5-HIAA consequentes

    administrao de MDMA, no foram observadas mudanas similares nos nveis de DA ou NA

    (McKenna & Peroutka, 1990). In vitro, demonstrou-se que a MDMA bloqueia a recaptao de

    DA e NA, embora tenha baixa afinidade pelo transportador dopaminrgico. In vivo, h poucas

    evidncias sugerindo que a MDMA cause, diretamente, liberao de DA na maioria das

    regies cerebrais (Rattray, 1991). Pesquisa mais recente descreve que a MDMA estimula a

    liberao de DA em sinapses dopaminrgicas (Huether et al., 1997). Segundo seus autores,

    parece que a MDMA ultrapassa a membrana pr-sinptica atravs de um processo passivo,

    causando a liberao de DA vesicular atravs de um mecanismo similar ao que ocorre nos

    neurnios serotonrgicos. O transporte da DA citoplasmtica livre para a fenda sinptica

    mediado por transportadores dopaminrgicos da membrana. Ainda segundo esses autores a

    ativao dos receptores 5HT2A, atravs da liberao de 5-HT, parece facilitar a liberao de

    DA induzida pela anfetamina, enquanto a administrao de antagonistas de 5-HT2A atenua os

    efeitos de anlogos anfetamnicos (como por exemplo a MDMA) na liberao de DA. bem

    possvel que a MDMA ocasione a liberao de NA em terminais noradrengicos atravs de

    um mecanismo similar ao da liberao de DA, mas esse efeito ainda no foi investigado.

    A interao com o receptor alfa-2 adrenrgico deve ser relevante para os efeitos

    cardiovasculares, ou seja, aumento do batimento cardaco, hipertenso e arritmias. Alm da

  • 17

    afinidade da MDMA pelo transportador de 5-HT e pelo receptor alfa-2 adrenrgico , a

    MDMA tambm tem afinidade pelo receptor de acetilcolina, receptor muscarnico M1, e

    receptor histamnico H1 (Rattray, 1991). No se sabe, porm, o papel funcional dessas

    ligaes.

    (b) Efeitos de longo prazo

    Nveis cerebrais de 5-HT e 5-HIAA

    Vrios pesquisadores descreveram que a MDMA responsvel por redues duradouras nos

    nveis cerebrais de 5-HT e 5-HIAA, em alguns casos persistindo por mais de 12 meses (Green

    et al., 1995; McKenna & Peroutka, 1990; Rattray, 1991). Tambm a diminuio da atividade

    da TPH em consequncia da administrao de MDMA duradoura, sua atividade cortical

    permanece significativamente reduzida uma semana aps sua administrao. Isso indica a

    irreversibilidade da inativao da TPH pela MDMA, de forma que seu restabelecimento

    depende da sntese de nova enzima (Green et al., 1995). Estudos in vitro e in vivo constataram

    que a administrao crnica de MDMA causa diminuio na densidade de receptores 5-HT,

    em ratos. Em seres humanos tambm foi observada diminuio na densidade de receptores 5-

    HT em usurios crnicos de MDMA (McCann, Szabo, Scheffel, Dannals, & Ricaurte, 1998).

    Entretanto h vrias crticas a essa pesquisa humana no que diz respeito ao mtodo, tanto em

    relao amostra quanto tcnica empregada (Jansen & Forrest, 1999; Morgan, 1999; Reed,

    Winstock, Cleare, & McGuire, 1999). Tais crticas sugerem que ainda no h dados

    conclusivos no que se refere a essa questo.

    Assim, embora haja indicaes de que a MDMA seja potencialmente neurotxica ainda so

    desconhecidos os mecanismos atravs dos quais se d sua toxicidade.

  • 18

    Objetivos desta pesquisa

    Esta pesquisa visa delinear um primeiro perfil do usurio de xtase na cidade de So Paulo.

    Se o consumo de xtase no Brasil seguir a tendncia americana e europia, teremos em

    muito pouco tempo um uso disseminado, popular e em moda, sem que os profissionais da

    sade estejam preparados para sua compreenso.

    Os objetivos desta pesquisa so portanto:

    1. Descrever a populao de usurios habituais de "xtase" que compe a amostra ,

    2. Descrever os padres de uso de "xtase" da populao entrevistada,

    3. Listar os efeitos atribudos ao "xtase" relatados pelos sujeitos, e compar-los com dados

    de pesquisas internacionais,

    4. Comparar, por meio da aplicao de escalas padronizadas, usurios habituais de "xtase" e

    no usurios quanto as seguintes caractersticas: impulsividade, ansiedade e depresso.

  • 19

    MTODO

    Sujeitos

    Foram entrevistados 184 indivduos dos quais 76 nunca tinham experimentado xtase e 108

    j o tinham utilizado pelo menos uma vez na vida.

    Classificao da populao pesquisada quanto ao padro de uso de xtase. Na literatura

    no h uniformidade na classificao de usurios de xtase: pesquisadores diferentes usam

    categorias diferentes. Parrott divide os sujeitos em dois grupos de acordo com o nmero de

    episdios de uso: usurios regulares, que usaram dez ou mais vezes, e novatos, que usaram at

    nove vezes (Parrott & Lasky, 1998). J Calafat categoriza usurios europeus em cinco grupos

    conforme a frequncia atual de uso: usurios ocasionais so os que usam xtase uma ou

    menos de uma vez por ms; usurios habituais so os que usam mais de uma vez por ms e no

    mximo uma vez por semana; compulsivos so os que usam mais de uma vez por semana, e

    ex-usurios so definidos como um grupo heterogneo que inclui indivduos que usaram a

    droga uma ou duas vezes e no continuaram a us-la (Calafat et al., 1998). Por sua vez,

    Solowij classifica os usurios australianos pesquisados em dois grupos: usurios

    experimentais so aqueles que utilizaram xtase de uma a trs vezes, e os que usaram mais

    de trs vezes so subdivididos conforme sua frequncia atual em nove padres diferentes

    (Solowij et al., 1992).

    As classificaes acima descritas so muito amplas ou muito especficas. Uma vez que no h

    um padro estabelecido para a classificao de usurios de xtase e que o uso no Brasil no

    to comum quanto nos pases em que foram realizadas tais pesquisas, pareceu mais

    adequado agrupar a populao entrevistada segundo outro parmetro. Assim, tendo como

    referncia os autores citados e como intuito a adequao aos padres de uso dos sujeitos

    entrevistados, as seguintes categorias foram definidas:

  • 20

    0. No usurios: Indivduos que nunca experimentaram xtase.

    1. Usurios habituais: Indivduos que usaram xtase mais de 10 vezes na vida e pelo

    menos uma vez no ltimo ms.

    2. Usurios experimentais: Indivduos que usaram xtase de uma a trs vezes na vida.

    3. Usurios espordicos: indivduos que usaram xtase mais de 10 vezes na vida mas no

    usavam h pelo menos dois meses, referindo frequncia inferior bimestral.

    4. Ex-usurios: indivduos que usaram xtase mais de 10 vezes na vida mas no o

    utilizam h um ano ou mais.

    5. Outros usurios: Indivduos que usaram xtase entre cinco e oito vezes na vida.

    A Tabela 1 indica o nmero de entrevistados conforme sua categoria de uso.

    Tabela 1. Nmero de entrevistados conforme sua categoria de uso.

    CATEGORIA N

    0 - No Usurio 76

    1 - Usurio Habitual 52

    2 - Usurio Experimental 33

    3 - Usurio Espordico 7

    4 - Ex-usurio 6

    5 - Outros usurios 10

    TOTAL 184

    Critrios de excluso/incluso. Com o objetivo de tornar a amostra de no usurios o mais

    semelhante possvel da amostra de usurios foram excludos da anlise os questionrios de

    no usurios que responderam que nenhum amigo usava xtase (questo 21 = 1). Tambm

    foi adotado como critrio de excluso questionrios com mais de uma escala invlida. Por

    essas razes foram excludos da anlise 24 questionrios de no usurios. Como a amostra de

    usurios foi bastante heterognea em relao frequncia de uso, foi adotado como critrio de

    incluso na anlise ser categorizado como usurio habitual. Portanto, nos resultados so

  • 21

    analisados dois grupos de sujeitos: usurios habituais, daqui em diante denominados apenas

    usurios, e no usurios, que constituram o grupo controle.

    Instrumentos.

    Foram utilizados trs instrumentos. O primeiro foi um questionrio de auto preenchimento

    elaborado pela pesquisadora com base em dois outros questionrios aplicados em pesquisas

    sobre o uso de xtase na Europa e na Austrlia (Calafat et al., 1998; Solowij et al., 1992). O

    questionrio foi elaborado em trs verses diferentes, para: (a) usurios do sexo masculino,

    (b) usurias do sexo feminino, e (c) no usurios de ambos os sexos. Cada questionrio era

    composto de duas partes: (1) questes sobre dados scio-demogrficos, uso de drogas na vida

    e no ms antecedente entrevista (questionrios a, b e c), e (2) questes sobre frequncia,

    padres de uso e efeitos do xtase (questionrios a e b, somente para usurios). O segundo

    instrumento utilizado foram trs escalas de auto preenchimento: (A) Inventrio de Ansiedade

    Trao-Estado (IDATE-Trao) (Spielberger, Gorsuch, & Lushene, 1979), (B) Inventrio de

    Depresso de Beck traduzido e validado por Gorenstein (Gorenstein & Andrade, 1998), e (C)

    Barrat Impulsivity Scale (Patton, Stanford, & Barrat, 1995) traduzido por Hermano Tavares.

    O terceiro instrumento utilizado foi uma entrevista dirigida final, cujas respostas foram

    anotadas pela entrevistadora. Todos os instrumentos so apresentados no Anexo B.

    Escolha das caractersticas e escalas a serem pesquisadas. Segundo Nardi (1998), a

    ansiedade (...) um sentimento til. Sem ela estaramos vulnerveis aos perigos e ao

    desconhecido. algo que est presente no desenvolvimento normal, nas mudanas e nas

    experincias inditas (Nardi, 1998). Assim, o nvel de ansiedade poderia diferenciar usurios

    de no usurios na medida em que indivduos mais ansiosos teriam mais resistncia a

    experimentar uma droga nova e desconhecida. A caracterstica depresso foi escolhida porque

    a MDMA provoca um esgotamento nos nveis de 5-HT e 5-HIAA a curto prazo, para alguns

    autores tambm a longo prazo, e sabe-se que a diminuio nos nveis de 5-HT est

    diretamente relacionada patognese da depresso (Graeff, 1989). J a caracterstica

    impulsividade foi escolhida porque h um estudo no qual relatada sua relao direta com o

    uso de xtase (Morgan, 1998). Escolhidas as caractersticas a serem pesquisadas, as escalas

  • 22

    selecionadas precisavam ser de auto preenchimento, ter um tempo de aplicao de

    aproximadamente 10 minutos, ter verso em portugus, e estarem entre as mais utilizadas.

    Procedimento

    Recrutamento de sujeitos. Foi adotada a tcnica snowball, em portugus bola de neve, por ser

    particularmente adequada ao estudo de fenmenos sociais em reas da ilegalidade, sendo

    igualmente importante sua utilidade na explorao de populaes pouco conhecidas

    (Kaplan,1987). Posto que o uso de xtase uma atividade social, ilegal e que at o

    momento muito pouco conhecida no Brasil, a tcnica de recrutamento de sujeitos snowball

    pareceu ser a mais adequada presente pesquisa. Os sujeitos foram ento recrutados atravs

    dessa tcnica de amostragem, a qual foi primeiramente descrita e formalizada por Goodman

    em 1961. Consiste em uma corrente ascendente de sub-amostras, compostas a partir de um

    grupo inicial de k indivduos selecionados em virtude de sua disponibilidade e caractersticas

    especficas conforme o que se intente estudar. Esses sujeitos iniciais compem a primeira sub-

    amostra ou Estgio 0 e so convidados a indicar outros k indivduos, que formaro o Estgio 1

    e que tambm so convidados a indicar outros k indivduos que por sua vez formaro o

    Estgio 2, e assim por diante at que se atinja o nmero de sujeitos necessrios amostra

    (Goodman, 1961).

    Aplicao dos questionrios. A aplicao foi feita sempre pela mesma entrevistadora.

    Primeiramente foi feito contato com os sujeitos iniciais (Estgio 0). Foram selecionados seis

    indivduos conhecidos da entrevistadora com as seguintes caractersticas: pessoas que

    participem de uma atmosfera onde o uso de "xtase" no seja estranho ou incomum. Esses

    sujeitos foram contatados pessoalmente ou por telefone, e convidados a participar de pesquisa

    sobre uso de drogas. A cada sujeito era solicitada indicao de outras pessoas com as mesmas

    caractersticas que os tornaram sujeitos, ou seja, era solicitada a indicao de pessoas que

    faam parte de seu crculo de amizades, tenham ou no feito uso de "xtase", mas que

    frequentem casas noturnas, raves, ou festas onde o uso de xtase no seja desconhecido ou

    incomum. O contato inicial com os sujeitos dos estgios seguintes foi feito de duas formas

    diferentes: por telefone ou atravs de indicaes de conhecidos em locais pblicos. Aos

  • 23

    sujeitos contatados por telefone a entrevistadora se apresentava como psicloga fazendo uma

    pesquisa sobre uso de drogas e dizia quem havia dado seu contato. Havendo concordncia em

    responder ao questionrio, a entrevistadora informava o tempo aproximado da entrevista e

    solicitava que o sujeito escolhesse horrio e local que mais lhe conviesse, sendo requerido que

    fosse um lugar calmo, com o mnimo de interferncia possvel e que o sujeito no tivesse

    consumido nenhum tipo de psicotrpico (exceto tabaco) por pelo menos 12 horas. Eram

    tambm oferecidos dois locais para entrevista: no campus da USP ou em um escritrio

    comercial no bairro do Itaim Bibi. Os sujeitos contatados em locais pblicos foram indicados

    por sujeitos j entrevistados que se ofereceram para acompanhar a pesquisadora a locais onde

    conheciam usurios e/ou pessoas que tivessem perfil para responder ao questionrio. Nesses

    locais apresentavam seus amigos ou conhecidos pesquisadora, e a esses era informado que

    se tratava de uma pesquisa sobre drogas e era solicitada a leitura da folha de rosto da pesquisa

    (Anexo A). Caso concordasse em participar, perguntava-se ao sujeito se ele havia consumido

    algum tipo de droga psicotrpica (exceto tabaco) nas ltimas 12 horas e em caso afirmativo

    explicava-se que ele no poderia responder ao questionrio naquele momento. Caso o sujeito

    dissesse no haver consumido nenhuma droga nas ltimas 12 horas, perguntava-se se j havia

    usado "xtase" alguma vez na vida para que fosse entregue o questionrio correspondente. Os

    locais visitados foram: uma galeria comercial (G), trs casas noturnas ou bares (CB1, CB2,

    CB3), um bar de universidade (B) e uma universidade (U). O nmero de sujeitos

    entrevistados em cada local encontra-se na Tabela 2.

    Tabela 2. Distribuio da amostra conforme o local de realizao da entrevista

    LOCAL N Local escolhido pelo sujeito 23 G 114 B 15 CB1/CB2/CB3 15 U 17

    TOTAL 184

  • 24

    Anlise. Os dados foram armazenados em banco de dados do Programa SPSS 7.5, tambm

    utilizado para a anlise estatstica. Para a comparao das respostas de usurios e no usurios

    quanto varivel idade foi usado o teste t, para renda e gasto semanal para sair foi utilizado o

    teste U de Mann-Whitney, e para a anlise das outras questes sobre dados scio-

    demogrficos e sobre uso de drogas foi realizado o teste do qui-quadrado (Pearson). As

    questes 22 a 38, que so questes sobre os padres de uso e comportamento em relao ao

    xtase respondidas apenas pelo grupo de usurios, so apresentadas em termos de

    frequncia. Para cada uma das escalas psicolgicas foi calculado o coeficiente de Cronbach e foi realizado o teste t ou teste do qui-quadrado para comparar as diferenas entre os dois

    grupos.

  • 25

    RESULTADOS

    1. Distribuio da amostra conforme os estgios de recrutamento

    Com relao ao recrutamento dos sujeitos, o estgio zero foi composto por seis indivduos e a

    partir dele diferentes estgios foram atingidos. Assim, um dos sujeitos do estgio zero, sujeito

    nmero cinco, no desencadeou mais entrevistas enquanto outro, o sujeito nmero trs,

    desencadeou entrevistas que chegaram ao 5o estgio, conforme mostra a Tabela 3.

    Tabela 3. Distribuio da amostra conforme estgios de recrutamento ESTGIO

    0 ESTGIO 1

    N ESTGIO 2

    N ESTGIO 3

    N ESTGIO 4

    N ESTGIO 5

    N

    TOTALSujeito 1 3 5 8 11 - 28

    Sujeito 2 6 - - - - 7

    Sujeito 3 2 6 20 13 93 135

    Sujeito 4 6 - - - - 7

    Sujeito 5 - - - - - 1

    Sujeito 6 5 - - - - 6

    TOTAL

    22

    11

    28

    24

    93

    184

    2. Recusas

    O nmero de pessoas que se recusaram a responder o questionrio foi surpreendentemente

    pequeno; ao todo foram cinco recusas. Um indivduo convidado por sujeito do Estgio 0 disse

    no querer dar entrevista sobre o assunto porque no se sentia um bom representante do grupo

    que usava xtase, mas indicou outra pessoa para ser entrevistada. Dois indivduos

    contatados em local pblico se recusaram a responder, um deles aps ler a folha de rosto do

  • 26

    questionrio e outro antes mesmo de faz-lo. Nenhum dos dois quis explicitar o motivo da

    recusa. Outros dois indivduos alegaram no ter tempo para responder, sendo que um deles

    solicitou o questionrio e disse que o devolveria pelo correio, mas a pesquisadora no aceitou.

    Com relao ao veto da pesquisadora, trs indivduos foram impedidos de responder, dois

    porque tinham consumido lcool, e um por ter fumado maconha. Todos os outros sujeitos

    negaram ter feito uso de psicotrpicos (exceto tabaco) pelo menos 12 horas antes da

    entrevista.

    3. Dados scio-demogrficos da amostra de usurios e no usurios

    A Tabela 4 mostra a idade e a Tabela 5 mostra outros dados scio-demogrficos dos 104

    questionrios analisados, compreendendo 52 questionrios de cada grupo. Nota-se que

    usurios e no usurios apresentam grande semelhana em relao a essas caractersticas,

    apresentando predominantemente maior concentrao de indivduos jovens, heterossexuais,

    solteiros, de nvel superior e de classe mdia. Para a varivel idade, as mdias e os desvios

    padro so muito prximos para ambos os grupos, no havendo diferenas significativas entre

    eles. Entretanto quando se categoriza as idades conforme faixas etrias estabelecidas pela

    Organizao Mundial de Sade (OMS) (Baleeiro, Siqueira, Cavalcanti, & Sousa, 1999)

    observa-se que as diferenas so significativas. H diferenas entre os dois grupos quanto

    opo sexual, pois a proporo de bissexuais maior na amostra de usurios (19,6%) do que

    na de no usurios (8,0%), enquanto que a proporo de heterossexuais maior entre no

    usurios (78,0%) do que entre usurios (66.7%). Entretanto essa diferena no foi

    estatisticamente significativa. A varivel que mais diferencia os dois grupos a ocupao,

    onde a amostra de no usurios tende a apresentar maior concentrao de estudantes (63,5%),

    enquanto o grupo de usurios parece estar mais segmentado entre "trabalho fixo", "free

    lancer/bicos" e "estudo".

  • 27

    Tabela 4. Idade dos usurios e no usurios USURIOS NO USURIOS t= p IDADE (anos) Mnima Mxima Media + desvio padro

    15 37

    24 + 5

    15 40

    22,4 + 6

    1,463

    NS

    Tabela 5. Caractersticas scio-demogrficas dos usurios e dos no usurios

    USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p FAIXA ETRIA Adolescente (12-19 anos) Jovem Adulto (19-21 anos) Adulto (+ de 21 anos)

    8 23 20

    15,7 45,1 39,2

    18 22 12

    34,6 42,3 23,1

    5,859

    =0,05

    SEXO Masculino Feminino

    32 20

    61,5 38,5

    27 25

    51,9 48,1

    0,979

    NS

    OPO SEXUAL Heterossexual Homossexual Bissexual

    34 7 10

    66,7 13,7 19,6

    39 7 4

    78,0 14,0 8,0

    2,904

    NS

    ESTADO CIVIL Solteiro Casado Separado

    45 5 2

    86,5 9,6 3,8

    45 4 3

    86,5 7,7 5,8

    0,311

    NS

    ESCOLARIDADE Primrio/ginsio Colegial Universitrio

    19 2 31

    5,8 34,6 59,6

    18 4 30

    7,7 34,6 57,7

    0,159

    NS

    OCUPAO ** Trabalho fixo Free lancer/bicos Estudante Desempregado

    25 24 22 4

    48,1 46,2 42,3 7,7

    24 14 33 8

    46,2 26,9 63,5 15,4

    0,039 4,147 4,669 1,507

    NS

  • 28

    Na Tabela 6 so apresentados os dados com relao renda mensal e ao gasto semanal "para

    sair". Observa-se que no grupo dos usurios as medianas de ambas as variveis foram o dobro

    das medianas obtidas no grupo de no usurios, embora os dois grupos tenham apresentado

    mnimas e mximas semelhantes. Assim, a renda e o gasto semanal "para sair" entre os

    usurios so significativamente superiores aos dos no usurios. As respostas de ambas as

    questes foram segmentadas em quartis, os quais quando comparados, resultam em diferenas

    tambm significativas para as duas variveis.

    Tabela 6. Renda mensal e gasto semanal "para sair" de usurios e de no usurios

    USURIOS NO USURIOS ESTATSTICA p (%)

    14,6 24,4 36,6 24,4

    (%)

    39,0 24,4 17,1 19,5

    2=7,677

    =0,05

    RENDA MENSAL (R$) 0 a 300 301 a 800 801 a 1500 acima de 1500 Mnima Mxima Mediana

    0,00

    6 000,00 1 000,00

    40,00

    6 000,00 500,00

    U=631,00

  • 29

    diferena, porm, no foi significativa. Em relao religio, o grupo controle afirma com

    maior frequncia ter religio, diferena estatisticamente significativa, e tambm a considera

    mais importante do que o grupo de usurios, diferena que no foi significativa.

    Tabela 7. Relacionamento dos usurios e no usurios com os pais e com a religio.

    USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p RELACIONAMENTO C/ OS PAIS Bom ou muito bom Mais ou menos Ruim ou muito ruim

    33 16 3

    63,5 30,8 5,8

    39 13 0

    75,0 25,0

    0

    3,810

    NS

    RELIGIO No tem Tem

    29 23

    55,8 44,2

    16 36

    30,8 69,2

    6,620

    =0,01

    IMPORTNCIA DA RELIGIO Pouco ou nada importante Muito importante ou importante

    27 24

    52,9 47,0

    19 33

    36,6 63,4

    2,940

    NS

    Na Tabela 8, apresentada a frequncia absoluta e percentual de tatuagens e piercings e a

    preferncia em relao ao estilo musical de usurios e no usurios. Verifica-se que os

    usurios possuem mais tatuagens e mais piercings do que no usurios, resultados que foram

    estatisticamente significativos. Tambm foi significativa a diferena em relao preferncia

    musical, os usurios preferem msica techno (tambm denominada msica eletrnica, aqui

    englobando drum'n'bass, trance, techno trance)

  • 30

    Tabela 8. Frequncia absoluta e percentual de tatuagens e piercings e preferncia em relao ao estilo musical no grupo de usurios e de no usurios.

    USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p TATUAGEM No tem Tem

    16 35

    31,4 68,6

    37 14

    72,5 27,5

    17,321

  • 31

    Figura 2. Frequncia percentual de respostas pergunta "Com que frequncia voc vai aos seguintes lugares?" (1= Raramente ou nunca; 2= Mais ou menos uma vez por ms; 3= Mais que uma vez por ms).

    Lugares para danar

    020406080

    100

    1 2 3

    Festas

    020406080

    100

    1 2 3

    Porc

    enta

    gem

    Raves

    020406080

    100

    1 2 3

    Bares

    020406080

    100

    1 2 3

    Shows

    020406080

    100

    1 2 3

    Exposies de arte/Museus

    020406080

    100

    1 2 3

    Frequncia aos locais

    Usurios No usurios

  • 32

    5. Dados da relao de usurios e de no usurios com drogas psicotrpicas

    Seguem os resultados descritivos para as respostas referentes s questes que identificam o

    consumo e os padres de comportamento em relao a drogas psicotrpicas. A Tabela 9

    mostra a frequncia do relato ficar bbado(a) no ms antecedente entrevista. Em relao ao

    uso de lcool as maiores diferenas aparecem nas alternativas "ficar bbado(a) nenhuma vez

    no ltimo ms", opo assinalada por 45,1% dos usurios e 34,6% dos no usurios; e na

    alternativa "ficar bbado(a) algumas vezes por ms" que assinalada por 27,5% dos usurios

    e por 40,4% dos no usurios. No h porm diferena estatisticamente significativa entre as

    populaes de usurios e no usurios.

    Tabela 9. Frequncia absoluta e percentual de respostas pergunta: Aproximadamente quantas vezes voc ficou bbado(a) no ltimo ms? USURIOS NO USURIOS N % N % 2 p Nenhuma vez Uma vez Algumas vezes Vrias vezes/semana Todos ou quase todos os dias

    23 9 14 3 2

    45,1 17,6 27,5 5,9 3,9

    18 7 21 4 2

    34,6 13,5 40,4 7,7 3,8

    2,393

    NS

    Em relao ao uso de substncias psicotrpicas na vida (Figura 3), constata-se que a grande

    maioria dos entrevistados de ambos os grupos j teve contato com vrios tipos de droga.

    Entretanto, a proporo de uso no grupo de usurios de "xtase" maior para todas as drogas

    relacionadas, alm de que todas as diferenas de uso de drogas na vida entre usurios e no

    usurios so significativas, exceto para o lcool.

  • 33

    Figura 3. Frequncia percentual de respostas pergunta: "Quais substncias da lista abaixo voc usou pelo menos uma vez na vida?"

    Tambm em relao ao uso de drogas no ms antecedente entrevista h uma maior

    proporo de usurios para todas as drogas relacionadas exceto para o lcool: houve mais no

    usurios que declararam t-lo consumido (Figura 4). As diferenas no consumo de drogas no

    ltimo ms so significativas para: maconha e derivados, tabaco, LSD, cocana, chs de lrio

    ou cogumelo e outras drogas.

    0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

    Maconha e deriv.

    LSD

    lcool

    Tabaco

    Lana Perfume

    Cocana

    Anfetamina

    Chs

    Tranquilizantes

    Outras drogas

    Herona

    Crack

    PORCENTAGEM DE RESPOSTAS

    USURIOS NO USURIOS

  • 34

    Figura 4. Frequncia percentual de respostas pergunta: "Quais substncias da lista abaixo voc usou pelo menos uma vez durante o ltimo ms?"

    Ainda em relao ao uso de substncias psicoativas utilizadas no ms antecedente

    entrevista, foi feita uma anlise na qual os dados foram agrupados de acordo com o nmero de

    diferentes drogas utilizadas. O resultado apresentado na Figura 4 mostra que entre os usurios

    de xtase 34% usaram mais de cinco tipos de drogas psicoativas no ltimo ms contra

    somente 6% dos no usurios, enquanto 1,9% dos usurios usaram apenas uma droga no

    ltimo ms contra 18% na amostra de no usurios. Essas diferenas so novamente

    significativas (2=17,434; p< 0,001).

    0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

    Maconha e deriv.

    lcool

    Tabaco

    LSD

    Cocana

    Anfetamina

    Lana Perfume

    Tranquilizantes

    Outras drogas

    Chs

    Herona

    Crack

    PORCENTAGEM DE RESPOSTAS

    USURIOS NO USURIOS

  • 35

    Figura 6. Frequncia percentual de sujeitos de cada grupo em funo do nmero de drogas utilizadas no ltimo ms.

    A Tabela 9 mostra a proporo de respostas de usurios e de no usurios s alternativas da

    questo "Voc j pensou em parar de usar alguma droga?". Nota-se que 71,2% dos usurios j

    pensaram em parar de usar alguma droga e 28,8% nunca pensaram. Na amostra controle essas

    propores foram de 56% e 18% respectivamente, sendo que os 26% complementares

    afirmam no usar drogas. A diferena entre os dois grupos estatisticamente significativa.

    Entretanto, se na amostra controle considerarmos apenas as respostas de quem utiliza drogas,

    essas propores seriam respectivamente 75,6% e 24,3%, muito prximas das observadas

    entre os usurios e portanto no representando diferenas entre os dois grupos.

    Tabela 9. Voc j pensou em parar de usar alguma droga?

    USURIOS NO USURIOS N % N % 2 p

    No uso drogas Nunca pensei J pensei

    0 15 37

    0 28,8 71,2

    13 9 28

    26,0 18,0 56,0

    15,713

    < 0,01

    Embora ambos os grupos apresentem propores semelhantes em relao quantidade de

    problemas que o uso de "xtase" pode gerar, a ordem dos problemas apontados diferente nos

    dois grupos (Tabela 10). Enquanto que o problema apontado com maior frequncia pelo

    grupo de usurios a possvel adulterao do comprimido, os no usurios apontam com

    maior frequncia os danos que o uso de "xtase" pode fazer sade.

    0

    20

    40

    60

    80

    1 2 a 4 5 ou mais

    FREQ

    UN

    CIA

    (%

    )

    USURIO

    NOUSURIO

  • 36

    Tabela 10: Frequncia percentual de respostas questo "Voc acha que tomar "xtase" pode trazer problemas para quem usa?" USURIOS

    % (ordem) NO USURIO

    % (ordem)PROBLEMAS APONTADOS POR MAIS DE 30%

    Comprimido pode ser adulteradoFaz mal sade

    Gera dependncia ilegal

    Traz problemas psicolgicosTem efeitos imprevisveis

    55,8 (1) 46,2 (2) 40,4 (3) 38,5 (4) 38,5 (4) 32,7 (5)

    46,0 (3) 54,0 (1) 42,0 (4) 24,0 (7) 52,0 (2) 34,0 (5)

    NMERO DE PROBLEMAS APONTADOS NenhumDe 1 a 3De 4 a 6

    De 7 a 10

    5,8 57,7 21,2 15,4

    2,0 58,0 28,0 12,0

    No grupo de usurios h uma ntida predominncia de amigos que tambm usam "xtase",

    enquanto que entre os no usurios a maioria dos entrevistados tm apenas alguns amigos que

    usam a droga. importante ressaltar que no ter amigos que utilizassem "xtase" foi um

    critrio de excluso de no usurios. A diferena entre os dois grupos estatisticamente

    significativa (Tabela 11).

    Tabela 11. Frequncia percentual de respostas questo "Quantos de seus amigos tomam "xtase"?"

    USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p A maioria ou todos Mais ou menos a metade Alguns

    33 13 6

    63,5 25,0 11,5

    9 6 37

    17,3 11,5 71,2

    38,642

  • 37

    6. Anlise descritiva dos padres de uso de "xtase" pelos usurios

    Em relao idade em que o sujeito usou xtase pela primeira vez verifica-se que 47,1%

    dos usurios entrevistados experimentaram "xtase" entre 18 e 22 anos, 27,5% com menos de

    18 anos e 25,5% com 23 ou mais. A idade mnima de uso pela primeira vez foi de 14 anos e a

    idade mxima de 34 anos. Em relao ao tempo de uso 54% usaram "xtase" pela primeira

    vez entre dois e quatro anos antes da entrevista. Esses resultados so apresentados nas Figuras

    6 e 7.

    Figura 6. Frequncia percentual de respostas questo " Quantos anos voc tinha quando usou "xtase" pela 1a vez?".

    Figura 7: Diferena entre idade em que experimentou "xtase" pela 1a vez e idade atual.

    Em relao composio do comprimido 78% dos usurios preferem saber o que esto

    tomando, embora tomem o comprimido mesmo quando no o sabem, 14% dizem preferir no

    tomar quando no sabem sua composio e 8% assinalaram que no importante saber a

    composio do que tomam. Dos usurios entrevistados, 50% tomam geralmente um

    comprimido a cada episdio de uso, 46% tomam mais de um e 4% tomam menos de um

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    14 a 17 anos 18 a 22 anos mais de 23 anos

    FREQ

    N

    CIA

    (%)

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    0 - 1 ano 2 - 3 anos 4 - 5 anos 6 - 7 anos 8 ou + anos

    FREQ

    UN

    CIA

    (%

    )

  • 38

    comprimido. A frequncia de uso de "xtase" no ltimo ms e nos ltimos trs meses

    encontra-se na Tabela 12.

    Tabela 12. Frequncia percentual de uso de "xtase" durante o ltimo ms e nos ltimos trs meses.

    LTIMO MS (%) LTIMOS 3 MESES (%) No mximo 1 vez/ms No mximo 1 vez/semana Mais de 1 vez/semana

    38,5 38,5 23,1

    36,5 42,3 21,2

    Ainda em relao aos padres de consumo a grande maioria afirma que normalmente toma

    "xtase" apenas nos finais de semana ou frias (82,7%) e mais frequentemente na companhia

    de vrias pessoas (63,5%). Em ordem decrescente os usurios costumam tomar a droga em

    raves (78,8%), em lugares para danar (69,2%), em festas (53,8%), em casa (34,6%), em

    bares (3,8%) e na rua (1,9%).

    A mdia do preo de um comprimido foi de R$ 31,30, sendo que trs sujeitos disseram no

    saber o preo. A maioria dos entrevistados, 53,1%, compra a droga de amigos ou conhecidos,

    20,4% compra de amigos ou conhecidos e tambm de algum que faz trfico, e 18,4% compra

    de algum que faz trfico. Em ordem decrescente os usurios compram "xtase" em raves

    (59,2%), em festas (44,9%), em bares ou lugares para danar (40,8%), em outros lugares

    como por exemplo na casa de amigos ou do traficante (36,7%), e por telefone (4%).

    Dos usurios entrevistados, 50% disse j ter pensado em parar de usar "xtase", 48,2% disse

    nunca ter pensado nisso e um sujeito disse no usar mais "xtase" embora tenha usado mais

    de dez vezes e o tenha feito h menos de um ms. Na Tabela 13 est indicada a porcentagem

    de respostas pergunta sobre as razes para tomar "xtase". Nota-se que danar de longe o

    principal motivo apontado pelos usurios.

  • 39

    Tabela 13. Frequncia percentual de respostas questo "Quais so as principais razes para voc usar "xtase"?"

    RAZES % (*) Danar Relaxar Estimular os sentidos Sentir-se mais feliz Sentir-se melhor com os outros Fugir da realidade ou esquecer problemasTransar Estimular a criatividade Desinibir

    82,7 53,8 44,2 38,5 25,0 23,1 19,2 17,3 9,6

    (*) Era possvel assinalar mais de uma alternativa

    Apenas 7,7% dos usurios entrevistados disseram que no costumam usar outras drogas

    enquanto o "xtase" est fazendo efeito. Os outros costumam combin-lo com outros

    psicotrpicos, especialmente maconha e similares, e tabaco, conforme mostra a Tabela 14.

    Tabela 14. Frequncia relativa de respostas sobre as diversas substncias utilizadas enquanto o "xtase" est fazendo efeito.

    SUBSTNCIA %(*) Maconha e similares (special K/charras/haxixe) Cigarro LSD lcool Cocana ou craca Anfetamina Outras drogas (opiceo/lana-perfume/cigarro de cravo)

    82,7 61,5 30,8 26,9 17,3 5,8 5,8

    (*) Era possvel assinalar mais de uma alternativa

    6. Efeitos do "xtase" assinalados pelos usurios

    Em relao aos efeitos, nenhum dos sujeitos pesquisados afirmou que os efeitos do "xtase"

    eram na maior parte das vezes negativos, enquanto 32,7% afirmaram que eram tanto positivos

    quanto negativos e 67,3% disseram que os efeitos eram positivos. A tabela 15 mostra a

  • 40

    porcentagem de sujeitos que assinalou cada item da questo "Da lista abaixo assinale como

    voc se sente durante o efeito do xtase".

    Tabela 15. Frequncia percentual e absoluta com que possveis efeitos do "xtase" foram assinalados

    EFEITO N (%) EFEITO N (%)FELIZ 47 92.2 ANSIOSO 12 23.5COM ENERGIA 43 84.3 ALERTA 11 21.6AMOROSO 42 82.4 COM DIFICULDADE DE CONCENTRAO 11 21.6MAIS PRXIMO DAS OUTRAS PESSOAS 40 78.4 ATENTO 10 19.6FICO VONTADE 40 78.4 PENSO NO PASSADO OU FUTURO 10 19.6EM PAZ 38 74.5 COM PENSAMENTOS ESTRANHOS 9 17.6

    COM TESO 37 72.5 PERCO A NOO DO REAL 9 17.6MENTE ABERTA 36 70.6 COM DORES MUSCULARES 8 15.7DESPREOCUPADO 35 68.6 CONFUSO 8 15.7CALMO 34 66.7 COM NUSEA 7 13.7ABERTO AO MEIO AMBIENTE 32 62.7 TENHO VMITOS 7 13.7COM A BOCA SECA 32 62.7 COM A VISO TURVA 7 13.7SENSUAL 30 58.8 PREOCUPADO COM O QUE PENSAM DE MIM 6 11.8COM ONDAS DE FRIO OU CALOR 30 58.8 NERVOSO 5 9.8NTIMO DAS PESSOAS 29 56.9 TENSO 5 9.8SEM APETITE 29 56.9 PARANICO 5 9.8SEM SONO 28 54.9 SOLITRIO 5 9.8COM PUPILAS DILATADAS 27 52.9 TENHO PALPITAES 5 9.8COM TENSO NO MAXILAR 26 51.0 COM TREMORES 5 9.8

    EUFRICO 25 49.0 COM FORMIGAMENTOS 5 9.8EMOTIVO 25 49.0 DESORIENTADO 5 9.8COM TATO ESTIMULADO 25 49.0 PREOCUPADO 4 7.8ESPIRITUAL 24 47.1 INSEGURO 4 7.8RANGENDO OS DENTES 23 45.1 ISOLADO 4 7.8COM O CORAO ACERELADO 23 45.1 COM MEDO 4 7.8NOO DE TEMPO ALTERADO 21 41.2 COM A CABEA LATEJANDO 4 7.8SEXUAL 20 39.2 TRISTE 3 5.9AGITADO 20 39.2 SEM ENERGIA 3 5.9AUTO CONFIANTE 19 37.3 INFERIOR 2 3.9ILUMINADO 18 35.3 COM TONTURA 2 3.9SUANDO NAS PALMAS DAS MOS 18 35.3 EM PNICO 2 3.9COM A AUTO ESTIMA AUMENTADA 17 33.3 MENTALMENTE INSTVEL 2 3.9SEGURO 17 33.3 IRRITVEL 2 3.9COM VONTADE DE URINAR 17 33.3 DEPRIMIDO 2 3.9COM PENSAMENTO CLARO 16 31.4 APTICO 2 3.9VOLTADO PARA O AQUI E AGORA 16 31.4 COM RAIVA 1 2.0TENHO ALUCINAES AUDITIVAS 16 31.4 COM DORES DE CABEA 1 2.0COM A PERSEPO AGUADA 16 31.4 TENHO ESPASMOS OU CONVULSES 1 2.0TENHO SUOR GENERALIZADO 15 29.4TENHO ALUCINAES VISUAIS 15 29.4FALANTE 13 25.5TENHO INSIGHTS 13 25.5DESCOORDENADO 13 25.5

    Foi feita uma comparao entre os efeitos assinalados por usurios que afirmaram que os

    efeitos do "xtase" eram exclusivamente positivos e os que afirmaram que os efeitos eram

    positivos e negativos. A comparao encontra-se na Tabela 16 e teve por objetivo verificar a

    confiabilidade da atribuio do carter positivo ou negativo aos efeitos.

  • 41

    Tabela 16: Efeitos mais frequentemente assinalados pelo conjunto de usurios que julgou os efeitos exclusivamente positivos e pelo conjunto de usurios que julgou os efeitos como positivos e negativos.

    Efeitos so positivos (N=35) (%)

    Efeitos so positivos e negativos (N=17)(%)

    Feliz (94,3) Fico vontade (85,7) Amoroso (80,0) Com energia (80,0) Em paz (80,0) Mais prximo dos outros (74,3) Calmo (71,4)

    Com energia (94,1) Feliz (88,2) Mais prximo dos outros (88,2) Com a boca seca (88,2) Amoroso (88,2) Com teso (82,4) Mente aberta (76,5) Com o corao acelerado (76,5) Sem sono (76,5) Sem apetite (76,5) Alerta (70,6) Despreocupado (70,6) Com ondas de frio e calor (70,6)

    7. Escalas psicolgicas

    Entre as escalas utilizadas apenas o Inventrio de Depresso de Beck diferenciou

    significativamente usurios de no usurios. A pontuao mdia e desvios padro de cada

    grupo obtidos nessa escala apresentada na Figura 8. Verifica-se que a mdia de pontos nesse

    inventrio mais alta entre os no usurios do que entre os usurios, diferena

    estatisticamente significativa (t= 2,151; p

  • 42

    Figura 8. Mdia e desvio padro da pontuao de usurios e no usurios no Inventrio de Depresso de Beck. (*) A mdia e desvio padro da populao universitria testada por Gorenstein (Gorenstein, Pompia, & Andrade, 1995) tambm apresentada.

    (*) Populao Universitria (Gorenstein et al., 1995)

    Figura 9. Frequncia percentual de usurios, no usurios e populao universitria brasileira nas categorias Alta, Mdia e Baixa no Inventrio de Depresso de Beck

    Na Figura 10 encontram-se as mdias e os desvios padro obtidos na escala IDATETrao

    pelos dois grupos e por populao universitria brasileira. As diferenas apresentadas no so

    significativas (t=1,556; p=0,496). Verifica-se que os no usurios apresentaram mdia de

    pontos mais alta que os usurios; entretanto, o desvio padro tambm maior devido

    presena de trs resultados superiores a 60 pontos. A pontuao obtida foi classificada como

    baixa (49) (Gorenstein et al., 1995). As diferenas entre os dois

    grupos nessas categorias, apresentadas na Figura 11, no so significativas (2=1,90; p=0,387).

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    Baixa Mdia Alta

    % D

    E SU

    JEIT

    OS Usurios

    No usurios

    Populao*

    0

    5

    10

    15

    20

    Usurios No usurios Populao*

  • 43

    Figura 10. Mdia e desvio padro da pontuao de usurios e no usurios na escala IDATE-Trao. (*) A mdia e desvio padro da populao universitria estudada por Gorenstein (Gorenstein et al., 1995) tambm apresentada.

    (*) Populao Universitria (Gorenstein et al., 1995)

    Figura 11. Frequncia percentual de usurios, no usurios e populao universitria brasileira nas categorias alta, mdia e baixa na escala IDATE-Trao. Quanto Barrat Impulsivity Scale (BIS), verifica-se que os grupos apresentam pontuaes

    mdias e desvios padro muito semelhantes, como se pode observar na Tabelas 12. As

    diferenas no so significativas (t=0,086; p=0,931).

    0

    20

    40

    60

    80

    Baixa Mdia Alta

    % D

    E SU

    JEIT

    OS usurio

    nousurio

    populao*

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    Usurios No usurios Populao*

  • 44

    Figura 12. Mdia e desvio padro da pontuao de usurios e no usurios na escala BIS (Barrat Impulsivity Scale). (*) A mdia e desvio padro da populao universitria estudada por Patton (Patton et al., 1995) tambm apresentada.

    Confiabilidade das Escalas

    Com a finalidade de obter uma estimativa da confiabilidade das escalas IDATE-Trao, Beck e

    BIS, foram calculados os coeficientes de Cronbach (Nunnaly, 1978; Spector, 1992) para cada grupo de questes referentes s trs escalas. Quanto maior esse coeficiente maior a

    confiabilidade da escala. Na Tabela 17 so apresentadas as estima