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Dissertação de Mestrado PAULO GUILHERME SEIFER Gestão de projetos de microssistemas de geração e distribuição de energia elétrica: procurando seu sucesso e sustentabilidade” Santo André UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENERGIA

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Dissertação de Mestrado

PAULO GUILHERME SEIFER

“Gestão de projetos de microssistemas de geração e

distribuição de energia elétrica: procurando seu sucesso e

sustentabilidade”

Santo André

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENERGIA

Ago/2012

PAULO GUILHERME SEIFER

“Gestão de projetos de microssistemas de geração e

distribuição de energia elétrica: procurando seu sucesso e

sustentabilidade”

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Energia da

Universidade Federal do ABC para

obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Federico Bernardino Morante Trigoso

Santo André

Ago/2012

AGRADECIMENTOS

Esta dissertação é o fruto de uma busca por mudanças, tanto profissionais como

pessoais. O caminho até sua conclusão foi tortuoso, e sem dúvida não seria possível

sem o apoio de diversas pessoas, e a estas eu ofereço meu sincero obrigado.

À Janaína, por ser meu pilar na decisão de iniciar esse caminho, e por me acompanhar

na maior parte, e por sua disposição de discutir Ostrom e Sen.

À Anna Carolina, Natalia e Gilsa, por todo companheirismo.

À Louise por seu companheirismo, e apoio nos momentos mais difíceis desta jornada.

Ao pessoal da UFMA e da Ilha dos Lençóis, por me receber e possibilitar a realização

da pesquisa de campo desta dissertação.

Ao Professor Arilson, que me apresentou Ostrom e Sen, que são as pedras

fundamentais deste trabalho.

Ao Professor Federico, por toda sua habilidade na minha orientação (que admito, deve

ter sido difícil), e sua paciência nos momentos em que os resultados pareciam mais

distantes. E, claro, por toda sua contribuição, que sem dúvida enriqueceu ainda mais

este trabalho.

E à minha família, cuja importância vai muito além do que pode ser descrito aqui.

SUMÁRIO

Lista de tabelas

Lista de figuras

Lista de abreviaturas

Resumo

Abstract

Capítulo 1 – O PROBLEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO.................... 1

1.1 Introdução................................................................................................. 1

1.2 Objetivos.................................................................................................... 10

1.2.1 Objetivo geral..................................................................................... 10

1.2.2 Objetivos específicos........................................................................... 10

1.3 Justificativa e marco teórico.................................................................... 10

1.4 Metodologia............................................................................................... 15

1.5 Contribuição.............................................................................................. 17

Capítulo 2 – CULTURA, INSTITUIÇÕES, CAPACIDADES E

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA............................................................................ 18

2.1 Introdução................................................................................................. 18

2.2 Comunidade rural, cultura e território.................................................. 18

2.3 Transição energética e difusão de inovações.......................................... 23

2.3.1 Conceitos de transição energética...................................................... 23

2.3.2 A adoção da tecnologia e o processo de difusão................................ 26

2.3.3 A demanda pela nova fonte energética............................................... 30

2.4 Abordagem de Capacidades.................................................................... 31

2.4.1 Conceitos básicos................................................................................ 31

2.4.2 Críticas e contra-críticas à Abordagem de Capacidades................... 35

2.4.3 Abordagem de Capacidades e a eletrificação rural descentralizada

por MIGDI............................................................................................................. 36

2.5 Abordagem Institucional.......................................................................... 38

2.5.1 Conceitos básicos ............................................................................... 38

2.5.2 A construção das instituições.............................................................. 44

2.5.3 Arranjos institucionais........................................................................ 45

2.6 Síntese do capítulo.................................................................................... 49

Capítulo 3 – A ELETRIFICAÇÃO RURAL E PRÁTICAS DE GESTÃO... 49

3.1 Introdução................................................................................................. 49

3.2 Aspectos relevantes dos projetos de eletrificação rural......................... 50

3.2.1 A motivação para a eletrificação rural e quem a realiza................... 50

3.2.2 A questão da propriedade de infraestrutura de gestão...................... 56

3.2.3 Estrutura de manutenção e as questões da dificuldade de acesso e

capacitação............................................................................................................ 58

3.2.4 Estrutura de cooperativas e associação de moradores...................... 66

3.2.5 Criação de empresas/Negócios locais................................................ 67

3.2.6 Concessionária de serviços de energia elétrica................................. 67

3.2.7 Participação do Estado....................................................................... 68

3.3 Síntese do capítulo.................................................................................... 71

Capítulo 4 – OBSERVAÇÕES DE CAMPO..................................................... 74

4.1 Histórico do projeto.................................................................................. 74

4.2 A gestão do sistema................................................................................... 77

4.3 A equipe da UFMA................................................................................... 78

4.4 A Ilha dos Lençóis..................................................................................... 79

4.5 Análise Institucional................................................................................. 85

4.5.1 Atores e suas funções.......................................................................... 85

4.5.2 Atividades............................................................................................ 85

4.5.3 A eletricidade na vida dos usuários segundo a Abordagem de

Capacidades.......................................................................................................... 87

4.6 Análise dos resultados.............................................................................. 90

4.7 Síntese do capítulo.................................................................................... 97

Capítulo 5 – MÉTODO PARA A GESTÃO DE PROJETOS DE

ELETRIFICAÇÃO RURAL.............................................................................. 101

5.1 Método.................................................................................................... 102

5.2 Distribuição temporal dos estágios.......................................................... 115

5.3 Síntese do capítulo.................................................................................... 118

Capítulo 6 – CONCLUSÃO................................................................................ 120

Capítulo 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................... 129

Anexos................................................................................................................... 136

Lista de tabelas e box

Tabela 1.1 – Valores de referência para microcentrais hidrelétricas

segundo Eletrobrás e OLADE.......................................................................... 3

Box 3.1 O programa Ecowatt........................................................................... 52

Tabela 3.1 – Instituições e a possibilidade de sucesso de seus projetos de

eletrificação......................................................................................................... 54

Box 3.2 Projeto “Luz do Sol”............................................................................ 57

Box 3.3 Eletrificação rural descentralizada realizada pela concessionária

COELBA............................................................................................................ 60

Box 3.4 Estrutura de eletrificação rural descentralizada instalada em

Hossahali, India.................................................................................................. 62

Lista de figuras

Figura 2.1 – IAD framework................................................................................ 41

Figura 4.1 – Diagrama do sistema híbrido na Ilha dos Lençóis...................... 75

Figura 4.2a – Sede da infraestrutura................................................................. 75

Figura 4.2b – Geradores eólicos......................................................................... 75

Figura 4.2c – Gerador Diesel.............................................................................. 75

Figura 4.3a – Conversores de Corrente Contínua para Alternada

(Inversores)............................................................................................................ 76

Figura 4.3b – Conjunto de baterias.................................................................... 76

Figura 4.4 – Localização da Ilha dos Lençóis com relação à São Luis – MA. 80

Figura 4.5 – Ilha dos Lençóis............................................................................... 80

Figura 4.6a – Casa de madeira............................................................................ 81

Figura 4.6b – Casas de palha............................................................................... 81

Figura 5.1 – Diagrama de Gantt proposto para a distribuição temporal dos

estágios................................................................................................................... 116

Lista de abreviaturas

AM.................. Associação de Moradores

ANEEL........... Agência Nacional de Energia Elétrica

CEAM............ Companhia Energética do Amazonas

CELPA........... Centrais Elétricas do Pará S.A.

CEMIG........... Companhia Energética de Minas Gerais

CESP.............. Companhia Energética de São Paulo

CFCB.............. Centro Fotovoltaico de Carga de Baterias

COELBA........ Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia

Eletrobrás........ Centrais Elétricas Brasileiras

FSADU........... Fundação Sousândrade de Apoio ao Desenvolvimento da

Universidade Federal do Maranhão

GEDAE.......... Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas

GTZ................ Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit

IAD................. Institutional Analysis and Development

ICMBio........... Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IISc................. Indian Institute of Science

ITDG.............. Intermedian Technology Development Group

MIGDI............ Microssistema de geração e distribuição de energia elétrica

MME.............. Ministério de Minas e Energia

NEA................ Núcleo de Energias Alternativas

OLADE........... Organização Latino Americana pra o Desenvolvimento

PBS................. Palli Biduyti Samities

PIE.................. Produtor Independente de Energia

PRODEEM..... Programa de Desenvolvimento Energético dos Estados e Municípios

REB................ Rural Electrification Board

RESEX........... Reserva Extrativista

SFD................. Sistema Fotovoltaico Domiciliar

SIGFI.............. Sistema individual de geração por fonte intermitente

UFMA............. Universidade Federal do Maranhão

USAID............ United States Agency for International Development

RESUMO

Esta dissertação trata dos elementos que podem levar um projeto de eletrificação rural

descentralizada por MIGDI ou SIGFI ao sucesso ou ao fracasso. Observa-se uma

predominância de fracassos nestes projetos, e também uma literatura dispersa em

termos de conclusões sobre a motivação para estes fracassos. Toma-se aqui como

elemento comum subjetivo os incentivos perversos como causa disto. Para confirmar

essa hipótese é utilizada a Análise Institucional, além da Abordagem de Capacidades

como suporte para compreensão de como o Bem-estar dos indivíduos é afetado pela

eletrificação. A análise é realizada por meio de uma revisão da literatura de

eletrificação rural, na qual são destacados o interventor, suas motivações e

características; a questão da propriedade da infraestrutura; a estrutura de manutenção

e o processo de capacitação dos usuários; a organização da gestão como cooperativa e

como mercado; a questão da eletrificação feita pela concessionária de serviços de

eletricidade; e a questão da eletrificação pelo Estado. Foi observado que os altos

custos de transação podem servir de incentivo para que os atores envolvidos se

distanciem de suas funções, aumentando a chance de colapso da infraestrutura. Estas

observações são confirmadas por meio de uma pesquisa de campo realizada na Ilha

dos Lençóis, onde estes elementos de altos custos são observados, mas características

locais da comunidade e a situação de incerteza na gestão da infraestrutura ainda a

sustentam evitando o colapso. Por fim é proposto um método para a gestão de projetos

de eletrificação rural por MIGDI ou SIGFI, construídos de modo a buscar a

diminuição dos custos de transação e aumentar a chance de sucesso da infraestrutura.

PALAVRAS-CHAVE: Eletrificação rural descentraliza, MIGDI, SIGFI, Gestão do

projeto, Análise Institucional, Abordagem de Capacidades.

ABSTRACT

This dissertation deals with the elements that can lead a decentralized rural

electrification project by MIGDI or SIGFI to success or failure. There is a

predominance of failure in these projects, and also a scattered literature in terms of

conclusions about the motivations to these failures. Here is considered as common

subjective element the perverse incentives as the cause of this. To confirm this

hypothesis is used the Institutional Analysis, and the Capability Approach, as support

for understanding how the well-being of individuals is affected by the electrification.

The analysis is performed by a literature review of rural electrification, which

highlights the intervenor, their motivations and characteristics; the questions of

ownership of infrastructure; the maintenance structure and the process of users

training; the management organization as a cooperative and as a market; the question

of made by the utility of electricity services; and the question of the electrification

made by the State. It was observed that the high transaction costs can bring the

incentives for the active actors get off their functions, increasing the chance of

infrastructure breakdown. These observations are confirmed in the field research

performed in Ilha dos Lençóis, where the elements of high transaction costs are

observed, but local characteristics of the community and the uncertain situation of the

infrastructure management avoid their breakdown. At last are proposed a method to

manage the project of rural electrification by MIGDI or SIGFI, built in a way to seek

the reduction of the transaction costs and increase the chance of success of

infrastructure.

KEY WORDS: Decentralizes rural electrification, MIGDI, SIGFI, Project

management, Institutional Analysis, Capability Approach.

1

Capítulo 1 – O PROBLEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1 Introdução

A energia elétrica pode ser entendida como uma energia nobre. Isso ocorre em função de

fatores como a facilidade de transporte (em especial, com poucas perdas), e a facilidade na

sua conversão para outras formas de energia, o que a torna um elemento fundamental para a

forma de industrialização e produção (material e intelectual) na sociedade atual.

Em decorrência destes fatores, a eletrificação desde seus primórdios foi vista como elemento

estratégico para o desenvolvimento de uma nação. Isso pode ser observado em momentos da

história recente, alguns de forma implícita, como a Doutrina Truman, que considera que o

modelo de desenvolvimento americano deveria ser o modelo a ser seguido por outras nações.

Pode ser observado também de forma mais explícita, como no plano de industrialização das

nações socialistas, como em manifestações públicas de Lênin sobre a importância da

eletrificação, ou das ciências elétricas (MORANTE, 2004).

Essa visão de desenvolvimento era fundamentada fortemente no conceito de crescimento

econômico, sendo a medida deste confundida, até recentemente, com a própria medida de

desenvolvimento. Assim, para um país de orientação capitalista, trazer para um país menos

desenvolvido um modelo semelhante ao já adotado nos países considerados ricos, significaria

um aumento das chances de tirar tais países do subdesenvolvimento.

Apesar da importância depositada na eletrificação, esta não se difundiu de forma universal. A

quantidade de pessoas em todo o mundo, inclusive no Brasil, que ainda não dispõe deste

recurso ainda é muito elevada. Dentre os diversos motivos que levam a esta situação pode-se

destacar o financeiro como o de maior importância. Isto tanto no sentido da extrema pobreza

impedindo (ou mesmo, não justificando) a difusão do uso da eletricidade, como no sentido de

que eletrificar um determinado território pode ser por demais custoso, como destacado a

seguir.

Segundo Gouvello (2003) e Haanyiaka (2006), grande parte desta situação vem das reformas

liberais ocorridas a partir da 2a metade do século passado, das quais uma conseqüência foi

2

uma série de mudanças no setor elétrico de diversos países, sendo na sua maioria, países ditos

em desenvolvimento. Destas mudanças destaca-se a privatização do setor elétrico, fato que

trouxe a geração, a transmissão e a distribuição de eletricidade para o modelo baseado em

mercado (GOUVELLO, 2003; HAANYIKA, 2006), cuja pedra fundamental é a maximização

dos lucros.

Essas mudanças acabaram por influenciar diretamente o processo de eletrificação de

comunidades rurais pois, como citado, o elemento motivador para esse processo deixou de ser

o “estratégico”, onde a eletricidade é vista como elemento para desenvolvimento, e passou a

ser o financeiro, passando a eletricidade a ser vista como fonte de lucro.

O baixo interesse econômico na eletrificação rural normalmente ocorre em função de algumas

características comuns de comunidades rurais. Características como a baixa densidade

populacional, resultando em baixa taxa de retorno em função do investimento são amplamente

apontados como fatores que desestimulam as empresas concessionárias a fornecer eletricidade

para tais comunidades. Ainda pode-se destacar as dificuldades técnicas, como, por exemplo,

em comunidades rurais de Bangladesh, que possuem densidade populacional interessante em

termos financeiros, mas cujas características geográficas impedem o processo de extensão de

rede (GOUVELLO et al., 2003), que seria o processo natural em um sistema centralizado de

geração e distribuição de energia elétrica.

Ainda assim, o acesso à eletricidade é visto hoje como um vetor para o desenvolvimento,

sendo o acesso universal a esta forma de energia ambicionada. Nesse sentido, o esforço para a

eletrificação ainda se dá por meio da extensão de rede, atingindo em maior intensidade as

comunidades mais próximas dos centros urbanos, onde o custo para a extensão é mais baixo

(GOUVELLO, 2003; GÓMEZ e SILVEIRA, 2010).

Acabam prejudicadas neste processo as comunidades rurais mais afastadas, ou ainda, isoladas,

assim consideradas ou em função da distância dos centros urbanos, ou pelas dificuldades

geográficas de acesso.

Uma possibilidade para tais comunidades rurais isoladas é o uso de microssistemas de geração

e distribuição de energia elétrica (MIGDI) ou sistemas individuais de geração de energia

3

elétrica por fonte intermitente (SIGFI)1, por meio de tecnologias como painéis fotovoltaicos,

pequenas turbinas eólicas, pico/nanohidrelétricas, baseadas em biomassa etc.

Embora esta denominação esteja dirigida ao uso dessas tecnologias de geração pelas

distribuidoras de energia elétrica seu uso pode ser generalizado. Nesta dissertação esta

denominação é estendida a todo tipo de projetos que utilizem fontes de geração de até 100 kW

de potência instalada, tal como indicado na Resolução no 493, da ANEEL.

Não existe um valor limite para a geração em pequena escala, mas sim algumas convenções

desenvolvidas especialmente para fins legais, como é o caso da definição da Eletrobrás para

as dimensões de centrais hidrelétricas (micro, pequena etc). Os valores limites acabam

condicionados à quantidade de exigências para que a central possa ser construída: quanto

menor a central, menor a quantidade de exigências (FARRET, 2010).

Um exemplo dos valores abaixo dos quais a geração é considerada pequena escala é

apresentada na tabela 1.1. Nela são apresentados os limites para a Eletrobrás e para a

Organização Latino-Americana de Desenvolvimento (OLADE). O valor utilizado nesta

dissertação como referência para pequena escala é o equivalente ao de microcentrais

hidrelétricas (em especial, para o valor da Eletrobrás). O valor estipulado de 100kW é hoje o

valor limite para potência instalada para que um microssistema seja enquadrado como MIDGI

(ANEEL, 2012).

Tabela 1.1 – Valores referência para microcentrais hidrelétricas segundo Eletrobrás e OLADE

Tamanho

da central Fonte

Potência

(kW) Altura (metros)

Baixa Média Alta

Micro OLADE até 50 15 15 a 50 50

Eletrobrás até 100 15 15 a 50 50

Fonte: adaptado de Farret (2010)

1 Estes sistemas têm seus procedimentos e condições de fornecimento regulados pela Resolução

Normativa No. 493, de 5 de Junho de 2012, da ANEEL (2012). Como esta dissertação não trata especificamente

do formato de geração e distribuição, cabendo aqui tanto microssistema como sistema individual, quando for

utilizado apenas o termo MIDGI, subentende-se a referência aos dois, a não ser em caso explícito de

especificidade do microssistema.

4

O uso de fontes renováveis, como a solar e a eólica, é incentivado desde o início de projetos

de eletrificação rural como projetos de intervenção planejada para o desenvolvimento local,

por volta da década de 1970. Neste período começaram a surgir os questionamentos e

preocupações com relação às mudanças climáticas provocadas pelo estilo de vida da

sociedade atual, e pela primeira crise do petróleo, tendo então o discurso do desenvolvimento

acrescido do de sustentabilidade. Até este período (e pode-se supor que ainda ocorra) houve a

prevalência do uso de geradores com base em combustíveis fósseis, mas existe muito pouca

documentação a respeito (ZERRIFFI, 2010).

Apesar dos benefícios providos pela substituição da fonte fóssil, muitos relatos apontam para

o descarte incorreto de equipamentos ligados à eletrificação, como baterias automotivas, que

podem implicar em dano ambiental. Vale destacar também que é questionável o quão limpa

pode ser considerada a energia gerada, visto que em alguns casos pode haver danos ao meio

ambiente na construção do gerador (como é o caso de alguns tipos de painéis fotovoltaicos),

na produção da fonte energética (como é o caso da biomassa), ou mesmo pelo seu simples

funcionamento (como a geração eólica e hídrica, com possíveis danos mais destacados na

geração em grande escala).

O uso de fontes renováveis, além da relativa vantagem ambiental promovida pela substituição

do combustível fóssil, pode implicar também em vantagem econômica ao indivíduo

abastecido, visto que os combustíveis que alimentam tais geradores (sol, vento, água,

biomassa) normalmente não representam ônus ao usuário. Além disso, a substituição da fonte

fóssil também pode representar segurança aos indivíduos, visto que elimina-se a necessidade

do transporte e manuseio deste (MORANTE, 2004). Por outro lado, existe o problema da

aquisição do equipamento e da sua manutenção, o que pode implicar em gastos que podem

superar os anteriores com combustíveis fósseis, não sendo a vantagem financeira uma

consequência direta da simples substituição da fonte de energia.

No projeto da infraestrutura para a geração em pequena escala, a determinação de qual fonte

renovável será utilizada representa mais uma questão técnico-econômica, em função da

disponibilidade da fonte, o custo do equipamento gerador, entre outros, do que ambiental,

dada a dificuldade de mensurar os danos que o uso de determinada fonte ou gerador podem

causar. Esta questão, porém, foge do escopo deste trabalho, sendo pertinente apenas nas

5

implicações que estes podem causar na gestão do projeto (como por exemplo, as dificuldades

oriundas de gerenciar uma floresta energética para a geração de biomassa)2.

Em termos de infraestrutura, a energia elétrica pode ser gerada e distribuída das seguintes

formas (COURILLON et al., 2003):

1. sistemas isolados residenciais;

2. sistemas isolados comunitários;

3. mini-redes locais.

Nos sistemas isolados residenciais a eletricidade é gerada na própria residência em que será

utilizada. O uso das fontes solar e eólica, em função da intermitência, exige o uso de baterias

para que o funcionamento dos recursos elétricos seja constante.

Nos sistemas isolados comunitários, a geração de eletricidade é feita em um ponto comum à

comunidade, mas a eletricidade não é transmitida de forma direta à residência. Esse é o caso

dos centros de carga de bateria: aqui a residência do usuário é alimentada por uma bateria, que

quando está com sua carga abaixo da profundidade aceitável, e levada para carga nestes

centros.

No caso das mini-redes, ou mini-grids, a eletricidade é gerada em um ponto único e

transmitida de forma direta às residências. Este tipo de estrutura é mais comum na geração

por fontes hídrica e biomassa, como o uso de gaseificadores e motores à base de óleos

vegetais ou biodiesel. Dada a intermitência das fontes solar e eólica, são poucos os relatos

destas neste tipo de estrutura.

Um projeto de infraestrutura para a eletrificação rural descentralizada envolve todo o

equipamento necessário para a geração e também, normalmente, o equipamento mínimo

necessário para o aproveitamento básico do sistema, como a fiação domiciliar e lâmpadas. Em

projetos mais amplos, podem ser incluídas bombas de água, equipamento para o

2 Por esse motivo, o conceito de sustentabilidade aqui será utilizado em termos de projeto, e não em

termos ambientais, o que será destacado adiante.

6

beneficiamento de insumos, além de ferramentas elétricas diversas e equipamentos voltados

para o bem-estar e saúde.

A grande gama de possibilidades tecnológicas para a geração, unida às formas de organização

da infraestrutura, tornam difícil a abordagem de forma exaustiva de todas as possíveis

infraestruturas para MIGDI dentro do espaço desta dissertação. Assim, para análise, serão

considerados os sistemas híbridos compostos por geradores solares, eólicos e, eventualmente,

diesel. Essa escolha se deve ao fato de existirem diversos projetos com estes sistemas no

Brasil, além de ser possível encontrar infraestruturas com este tipo de gerador nas três formas

de geração e distribuição destacadas anteriormente, e pelo fato de serem tecnologias que ainda

despertam, per se, a curiosidade, ou por vezes a desconfiança, daqueles que por ela são

atendidos.

Os resultados obtidos nestes projetos são os mais diversos. Alguns fracassam, muitas vezes

pela “distância” da tecnologia empregada com a realidade da comunidade, ou pela falta de

suporte, na forma de manutenção etc, sendo gradativamente abandonados e a comunidade

retornando à sua condição energética anterior à eletrificação.

Outros projetos, por sua vez, superam tais e outras dificuldades, afastando assim a

possibilidade de fracasso e abandono da infraestrutura. Definir tais projetos como sucesso,

porém, depende da forma como o interventor, ou mesmo um avaliador externo, define o que é

sucesso. Tipicamente admite-se como tendo sucesso um projeto que atingiu sua

sustentabilidade, e é nesse ponto em que se encontra a grande divergência nas formas de

avaliação. Alguns autores admitem que um projeto atingiu a sustentabilidade se este se

mantém após a saída do desenvolvedor (NARVARTE e LORENZO, 2010), outros porém

acrescentam a este critério o fato da infraestrutura desenvolvida gerar alguma forma de lucro

(OSTROM et al., 1993), por fim, alguns optam por compreender a sustentabilidade como a

persistência da estrutura ao menos durante o tempo de vida útil do equipamento definido pelo

fornecedor (por exemplo: 25 anos para infraestruturas baseadas em painéis fotovoltaicos).

Compreender o sucesso como a existência da infraestrutura pelo tempo de vida útil do

equipamento não soa justo com o projeto em si, visto que no intervalo de tempo entre o início

de sua operação e o tempo de vida útil diversas situações podem ocorrer, como a chegada da

7

rede convencional à comunidade, ou mesmo a reestruturação da infraestrutura. Ainda, mesmo

que as situações descritas não ocorram, como atribuir sucesso a uma infraestrutura que, no

colapso de seu gerador, colapse conjuntamente? Assim, este critério não será utilizado nesta

pesquisa.

Pensando o sucesso do projeto como a continuidade regular das atividades da infraestrutura

mesmo após a saída do interventor, fica mais coerente com o discurso comum que motiva a

eletrificação rural assumir que esta deva prover lucro, que nesse caso se reflete nos benefícios

que se supõe devam atingir os usuários na comunidade. Assim, será considerada como bem

sucedida a infraestrutura que atingiu a autonomia com relação ao interventor e ainda

proporcionou aos indivíduos da comunidade atendida benefícios ao seu bem-estar (estes

vistos de acordo com a Abordagem de Capacidades, que será melhor abordada no capítulo 2

da dissertação).

Além das características particulares já citadas das comunidades rurais, outro ponto

importante a ser considerado diz respeito à quem desenvolve projetos de MIGDI. instituições

de ensino, concessionárias de energia elétrica, organizações não-governamentais, instituições

religiosas etc, são alguns dos interventores (ou fomentadores), que tem sua própria motivação,

carregam suas ideologias, e são influenciados pela própria cultura na gestão de projetos desta

natureza.

Dada a diversidade de desenvolvedores e ideologias, não é difícil observar que a diversidade

de estratégias, abordagens da problemática e modelos de gestão dos projetos também é

grande. Alguns projetos ignoram as particularidades culturais da comunidade atendida, outros

não consideram necessário o acompanhamento do sistema após a instalação e alguns realizam

um trabalho mais elaborado, levando em conta muito mais que apenas os aspectos técnicos.

O que se observa na análise de resultados de projetos de MIGDI é que esta diversidade

acarreta em resultados também diversos, sendo predominantes os fracassos. As

particularidades culturais e territoriais das comunidades rurais, a proximidade do usuário com

o sistema gerador, a qualidade da energia fornecida e, em especial, as grandes mudanças

energéticas e tecnológicas que ocorrem, entre outras, são pontos que tornam a gestão de um

projeto de MIGDI diferente de projetos de natureza urbana.

8

Essas observações mostram que a gestão de um projeto de MIGDI, desde sua concepção, até o

momento em que o projeto torna-se sustentável, deve considerar muito mais aspectos que os

meramente técnicos. Neste contexto, o foco deste trabalho é a gestão de projetos desta

natureza. A gestão pode ser compreendida como a administração do projeto, em seus estágios,

desde o design inicial até sua implantação, entrada em funcionamento e acompanhamento ao

longo do tempo. Aqui vale uma distinção importante a respeito do que é um projeto e do que

é uma prática industrial comum, ou uma produção em escala. Shtub et al. (1994:2) diferem

sistemas de gerenciamento de operação e produção em três tipos distintos: os desenvolvidos

para a produção em massa, os para produção em lote e aqueles que são desenvolvidos para

projetos não repetitivos, como os voltados para a construção de um novo produto.

No caso da produção em massa, toda a estrutura industrial é voltada para a produção de um

determinado produto ou serviço, com equipamentos e procedimentos específicos, exigindo

pouco esforço gerencial e controle na sua condução, mas aqui a flexibilização fica dificultada

justamente pela especialização de toda a estrutura. No caso da produção em lote, diversos

produtos ou serviços são desenvolvidos dentro de uma mesma estrutura, de acordo com sua

demanda, permitindo assim sua flexibilização, mas exigindo maior controle e gerência de

material e escalonamento da produção. Já no caso dos produtos e serviços desenvolvidos

dentro do contexto de baixa demanda, como são os casos de projetos, o gerenciamento é

fundamental em todos os estágios, como o planejamento, monitoramento e controle das

atividades da organização.

Tal distinção é importante, pois se observa certo esforço na busca de projetos que possam ser

replicáveis em diversos locais (ZERRIFFI, 2010). Isto permitiria que benefícios como a

economia de escala refletida em produtos e mão de obra, além da diminuição dos custos de

transação oriundos do desenvolvimento de um novo projeto. Esta visão de replicabilidade

acaba se tornando enganosa, dadas as particularidades de cada local onde será realizada a

eletrificação, podendo resultar no fracasso na implantação do MIGDI apenas pela não

adequação de um projeto, antes bem sucedido em um local, em outro.

Com relação ao conceito de projetos, citando Archibald (1976) e um documento técnico da

General Electric (1997), Shtub et al. (1994:5) apresentam projeto como “o processo total

9

requerido para produzir um novo produto, nova planta, novo sistema, ou outro resultado

específico” e “uma atividade estreitamente definida que é planejada para uma duração finita

com um objetivo específico a ser atingido”3, respectivamente. A gerência de projetos, para os

autores, é uma arte, caracterizada por intuição, julgamentos aprendidos, eventos únicos e

ocorrências singulares (IBID., pg. 42). Ainda, dados todos os fatores relacionados à gerência,

como as incertezas e riscos nos diversos estágios do desenvolvimento do projeto, o gerente de

projetos deve ser familiar com um grande número de disciplinas e técnicas (IBID., pg 14).

Dentro do contexto de desenvolvimento de infraestruturas voltadas para o desenvolvimento,

Ostrom et al. (1993) definem como estágios do projeto o seu design, os aspectos financeiros,

a construção, a operação e manutenção e o seu uso efetivo. Todos estes estágios são

organizados e regidos por um ou mais arranjos institucionais, que buscam guiar o

desenvolvimento da infraestrutura do seu início ao final. As instituições podem ser

compreendidas com as regras, normas e estratégias que buscam guiar os atores em ações

repetitivas, dentro de um contexto específico. Assim, pode-se compreender também a gestão

por uma visão institucional, que permite compreender quais são as motivações, ou incentivos,

que se apresentam a todos os atores envolvidos.

Da mesma forma da citada diversidade de desenvolvedores e ideologias, além da diversidade

de tecnologias e formas de organização técnica da infraestrutura, também se observa

diversidade nas formas de gestão de projetos de eletrificação rural descentralizada para

comunidades isoladas por meio de MIGDI.

Variações na forma de gerir projetos desta natureza podem ser encontradas nos estágios

iniciais do projeto, na sua concepção e design; no processo de construção da infraestrutura; e

no estágio final, nas estruturas de gerência e manutenção. Da mesma forma como citado

anteriormente, o número de sucessos e fracassos em função do modelo de gestão adotado

também é variado, não sendo possível apontar um modelo único de gestão que tenha tido

sucesso de forma universal.

A partir do exposto, pretende-se aqui responder às seguintes perguntas:

3 “the entire process required to produce a new product, new plant, new system, or other specified

results” e “a narrowly defined activity which is planned for a finite duration with a specific goal to be achieved”.

10

1 – Quais são os fatores predominantes para o sucesso ou fracasso de projetos de eletrificação,

rural?

2 – É possível implantar modelos de eletrificação que levem em conta as particularidades

territoriais e culturais no momento de elaboração do projeto?

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

- Formular um método que possa guiar o interventor na gestão de projetos de eletrificação

rural descentralizada por MIGDI procurando o sucesso e a sustentabilidade do

empreendimento.

1.2.2 Objetivos específicos

- Identificar quais são os fatores que apresentam maior relevância na gestão de projetos de

MIGDI visando aumentar as chances de que tais projetos tenham de obter sucesso;

- analisar de que forma os diferentes arranjos para a gestão da infraestrutura de MIGDI são

afetados por particularidades territoriais e culturais.

1.3 Justificativa e marco teórico

A análise da literatura a respeito da eletrificação rural descentralizada feita por meio de

MIGDI mostra diversos elementos que podem ser associados ao sucesso ou ao fracasso destes

projetos. Muitos convergem para elementos como a presença de uma estrutura de

manutenção, a necessidade da capacitação, ou da transferência tecnológica, entre outros, mas

não é possível apontar um único elemento como determinante no resultado do projeto.

Além disso, se considerarmos a eletrificação rural como um processo de transição energética,

uma intervenção planejada, e ainda admitirmos, para efeito de análise, a eletrificação pela

11

extensão de rede, teremos outros elementos que contribuem para compreender o processo

como um todo, acrescentando elementos importantes para a compreensão do sucesso e do

fracasso destes projetos.

Algumas pesquisas como Morante (2004) e Serpa (2001) destacam a importância do

conhecimento da cultura local, seus hábitos energéticos, seu contato com o urbano e sua

história como essencial para o correto planejamento do projeto. Destacam também a forma de

participação e organização da comunidade para construção do sistema (SERPA, 2001,

SÁNCHES, 2007) e a necessidade da transferência tecnológica na forma de capacitação

técnica (SERPA, 2001). A importância desses aspectos vem em especial das grandes

mudanças energéticas e tecnológicas pela qual passa a comunidade, sendo que a sua não

observação pode resultar na rejeição da tecnologia por eventuais dificuldades ou demora

excessiva de adaptação à nova realidade.

Dentro ainda do princípio de conhecimento da cultura local, Gómez e Montero (2010)

defendem a compreensão do processo de eletrificação dentro do corpo de conhecimento da

construção social da tecnologia, buscando compreender a tecnologia, no caso a relacionada à

eletrificação rural descentralizada, como um elemento moldado pela, e que afeta, a cultura da

comunidade que a recebe.

Outro ponto destacado em pesquisas trata do dimensionamento e da distribuição da potência

gerada. Dimensionar os sistemas em função de uma expectativa de demanda, além de definir

uma estratégia de distribuição de potência elétrica que compreenda as relações locais pode ser

observado em Morante (2004). O correto dimensionamento do sistema é fundamental para

que o uso da MIGDI não fique excessivamente restrito, ou superdimensionado, evitando

gastos desnecessários. A distribuição de potência também é importante em função de

constrangimentos que podem ocorrer entre usuários na comunidade.

Santos (2002), Sánches (2007) e Narvarte e Lorenzo (2010) destacam a importância da

qualidade dos equipamentos utilizados para a MIGDI, bem como de uma estrutura de

manutenção e a gerência do sistema após a instalação. A importância da estrutura de

manutenção é observada nestes trabalhos em especial pelas características particulares das

comunidades rurais, onde a distância entre as casas costuma ser grande, dificultando o

12

trabalho do técnico de manutenção. É importante destacar também a observação da ocorrência

de atos de vandalismos (MORAES, 2009) e sua prevenção (HAANYIAKA, 2008;

NARVARTE E LORENZO, 2010) como itens a serem considerados no projeto.

A forma de transferência dos custos, a incidência de subsídios e a definição de um público

alvo, se tornam elementos importantes dada a pobreza que muitas vezes é observada nas

comunidades rurais. Este aspecto é tratado em pesquisas como Santos (2002), Dunnet (2009)

e Sánches (2007).

Alguns trabalhos também buscam estabelecer algumas diretrizes, ou mesmo desenvolver um

modelo para a gerência de projetos de eletrificação rural via MIGDI. São os casos, por

exemplo, de Santos (2002), que trata especificamente da eletrificação via painéis

fotovoltaicos, abordando os aspectos de regulação do sistema, qualidade de material e

equipamentos, transferências de custos, entre outros. Kumar et al. (2009) busca estabelecer

uma heurística para a seleção da tecnologia e do modelo de gestão do sistema. Gouvello e

Maigne (2003), não estabelece um modelo propriamente dito para a eletrificação por painéis

fotovoltaicos, mas aborda seus diversos aspectos, buscando compreendê-los e estabelecer

diretrizes para o seu tratamento.

A questão acerca do desenvolvimento, e de como os atores compreendem o processo de

eletrificação também tem grande relevância. A diferença na visão dos atores envolvidos

daquilo que se compreende como necessidade do ator que receberá o serviço (neste caso, a

eletricidade), é destacada por alguns autores como um elemento de relevância para o sucesso

da empreitada. Amartya Sen define como desenvolvimento o aumento das capacidades de que

dispõe o indivíduo, ou seja, daquilo que o indivíduo valoriza fazer, ser ou estar, e a liberdade

para decidir torná-las realidade (SEN, 1999). A visão de Sen busca compreender o

desenvolvimento fora da visão usual de crescimento econômico, ainda mais, de forma

individual, e não coletiva. A visão de uma comunidade a respeito do desenvolvimento, porém,

pode ser a mais variada. A visão comum, por exemplo, dos habitantes da vila de Uroa, na

Tanzânia, apresentada por Winther (2008), é de que o desenvolvimento advindo da

eletrificação por extensão de rede veio na forma de uma aproximação do estilo de vida na

cidade, com seus equipamentos modernos e o sentimento de pertencimento ao mundo.

13

Long e van der Ploeg (1989) argumentam contra a visão de projetos de intervenção planejada

como projetos discretos no espaço-tempo, ou seja, projetos onde tudo correlacionado fica

restrito ao tempo definido como sendo o tempo de vida do projeto. Estes autores

argumentam que tais projetos são parte de um contínuo no espaço-tempo, onde o

conhecimento prévio dos atores, sua vivência em intervenções anteriores, seu contato prévio

com o Estado ou outro agente interventor, e as relações a serem criadas entre os diversos

atores são relevantes. Argumentam ainda que a intervenção acaba se tornando um ato de

confrontação entre diversos “mundos” e experiências sócio-políticas que podem ser

significantes para a geração de novas formas de prática social e ideológica.

Barnes (2007), por meio de um extensivo estudo do processo de eletrificação rural em

diversos países, realizado em conjunto com outros pesquisadores, aponta diversos fatores

como importantes para o sucesso deste tipo de intervenção, além de desmistificar outros. Um

primeiro ponto importante apontado pelo autor é que não existe um arranjo institucional

prevalente para o sucesso da eletrificação. Podem ser observados casos de sucesso e fracasso

tanto em casos em que a organização foi feita na forma de cooperativa, como em serviços

públicos ou em privados. Também destaca a necessidade de estrutura estatal dedicada à

eletrificação rural, seja na forma de fiscalização ou de fomento, de modo a garantir a

regulação deste tipo de atividade. O autor aponta também a necessidade do comprometimento

das partes envolvidas para o sucesso da empreitada, ou ainda o comprometimento com uma

visão de desenvolvimento. Este aspecto constitui um elemento comum em todos os casos

apresentados pelo autor e seus colaboradores. Ainda, o processo de eletrificação é um

processo de contínuo ajuste, onde as decisões tomadas em um estágio do processo podem

repercutir de forma a exigir sua correção no futuro, demandando o acompanhamento contínuo

do interventor, ou de pessoal qualificado com condições técnicas para realizar tais ajustes.

Em outro trabalho extenso, este voltado especificamente para projetos de eletrificação rural

descentralizada, Zerriffi (2010), argumenta que projetos com alto nível de subsídio têm

poucas chance de êxito, em função especialmente das dificuldades econômicas que podem

acometer o prestador do serviço. Também argumenta em favor de uma estrutura

descentralizada, com participação de atores locais, em função da sua compreensão das

características locais. Além disso, segundo este autor, o incentivo para o uso da eletricidade

para atividades produtivas aumenta as chances de sucesso por representar uma forma de

14

retorno financeiro ao usuário, e conseqüentemente, retorno financeiro para o prestador do

serviço (ao menos por evitar a inadimplência). O trabalho de Zerriffi mostra ainda que a

eletrificação rural descentralizada pode ter sucesso mesmo sem a participação do estado.

Esta diversidade de elementos vistos como importantes para o sucesso de uma empreitada

relativa à MIGDI condiz com a visão de Ostrom et al. (1993). Estes autores argumentam, por

meio de uma análise a respeito de projetos de infraestrutura para o desenvolvimento assistido

em países da Europa pós 2ª Guerra Mundial e em países em desenvolvimento, que não é

possível apontar uma única causa para fracassos em programas desta natureza, como a falta de

treinamento, má qualidade de equipamentos, entre outros, mas pode-se sim definir uma única

causa subjetiva que conduz a tais fracassos, que são os incentivos perversos que motivam os

atores envolvidos no diversos estágios deste tipo de projeto.

Incentivos são “modificações positivas e negativas nos resultados que o indivíduo observa

como conseqüência de ações particulares dentro de um conjunto de regras em um contexto

físico e social particular”4 (OSTROM et al., 1993:8). Incentivos vêm na forma de

recompensas ou punições para comportamentos. Um indivíduo que vê seu vizinho se

favorecendo de forma inapropriada de algum recurso do qual também faz uso, pode se sentir

motivado a se beneficiar da mesma forma, ou a deixar de participar da sua manutenção por

não concordar com o ato. O indivíduo que nota a ausência de punições para um ato ilícito seu

pode se sentir motivado a voltar a realizá-lo, ou ainda, de torná-lo prática comum.

Os elementos que podem constituir o sistema de incentivos e de que forma os atores podem

responder a esse sistema, porém, é dependente das características territoriais e culturais, e

dependente da motivação que guia o interventor a desenvolver o sistema. Assim, entende-se

aqui, que a construção de um modelo único de gestão fica comprometida pelo fato de que as

características das comunidades não são universais, assim como as motivações do interventor

também não são.

Argumenta-se nesta pesquisa, e se pretende demonstrar, que as características destacadas

anteriormente são, ou geram, elementos de incentivo para os atores na sua decisão de atuar de

4 “[…] positive and negative changes in outcomes that individuals perceive as likely to result from

particular actions taken within a set of rules in a particular physical and social context.”

15

forma a manter a infraestrutura da MIGDI ou não. A qualidade de equipamentos, a

manutenção oferecida, a utilidade compreendida da empreitada pelos usuários são alguns

incentivos que estes têm para permanecer ou não como usuários da infraestrutura. Por outro

lado, as instituições que guiam os atores envolvidos na construção da infraestrutura e depois

no provimento do serviço, além de deverem tratar os incentivos descritos anteriormente,

também oferecem incentivos para que estes mantenham um comportamento adequado ou que

o desvie, comportamento este que se reflete na qualidade do serviço oferecido e,

conseqüentemente, no conjunto de incentivos que recebe o usuário. Ainda, os resultados

observados pelos indivíduos em outras ações de intervenção podem influenciar a visão destes

a respeito da ação de eletrificação rural. A observação da limitação do sistema, do não

atendimento daquilo que o usuário entende como importante, também podem motivá-lo a

abandonar o sistema.

Para a compreensão de como as instituições desenvolvidas tratam o sistema de incentivos e

guiam o comportamento dos atores dentro do ambiente da infraestrutura, será utilizado o

Institutional Analisys and Development (IAD) framework, desenvolvido pelo Workshop in

Political Theory and Policy Analisys, grupo de pesquisa de Indiana University, Estados

Unidos, tendo como principal referência os trabalhos de Elinor Ostrom. Além deste, será

utilizada a Abordagem de Capacidades para a compreensão das necessidades dos indivíduos

da comunidade e de que forma estas são atendidas pela infraestrutura desenvolvida. O IAD

framework e a Abordagem de Capacidades serão melhor abordados no capítulo 2 desta

pesquisa, onde serão apresentados seus fundamentos e particularidades metodológicas.

A forma dispersa como o tema da eletrificação rural por MIGDI é abordado, e a forma como

as pesquisas apresentadas se complementam, ou mesmo se contradizem no sentido de apontar

respostas que não são únicas, justificam a tentativa de abordar o problema da eletrificação

rural pela ótica da motivação subjetiva dos incentivos, justificando, assim, a abordagem

proposta nesta pesquisa.

1.4 Metodologia

Foi realizada a revisão documental do histórico de instalações desta natureza no Brasil,

observando as tecnologias empregadas para a geração, o modelo de gestão de projeto adotado,

16

a abordagem dada às diferenças culturais, a ocorrência e a forma de capacitação técnica, a

estrutura de manutenção, além de outras informações julgadas relevantes no decorrer do

projeto. Também foi realizada a revisão documental de instrumentos de avaliação de projetos

de eletrificação rural, buscando identificar suas virtudes e limitações.

Foi utilizada a revisão documental para a seleção do sítio onde seria realizada a pesquisa de

campo. A seleção foi conduzida de modo a buscar projetos em comunidades cujo registro

documental fosse o mais amplo e completo possível, de modo a possibilitar a reconstrução

histórica do processo de eletrificação. Em função deste histórico foi selecionado como campo

o Projeto ”Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha dos Lençóis, no

município de Cururupu – MA”, desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão

(UFMA), com apoio do Ministério das Minas e Energia.

Foi elaborado um instrumento para a avaliação de projetos de eletrificação rural

descentralizada por MIGDI com o objetivo de compreender as estruturas das instituições

envolvidas no processo de construção e uso da infraestrutura. Esse instrumento foi constituído

de um roteiro para a entrevista semiestruturada e um questionário (anexo 1) para a pesquisa

socioeconômica, e permitiu constituir as arenas envolvidas, compreendendo as posições dos

atores (interventor e usuários) e os incentivos que guiam o comportamento destes.

A pesquisa foi conduzida em dois sítios, um em São Luiz – MA, onde foram entrevistados os

atores relacionados à UFMA, e na Ilha dos Lençóis – MA, onde foram entrevistados os atores

relacionados à Associação de Moradores e conduzida uma pesquisa amostral, compreendendo

aspectos socioeconômicos.

A tabulação dos dados obtidos na etapa anterior permitiu identificar quais são os incentivos

que guiam o comportamento dos atores envolvidos e como as instituições atuam sobre estes.

Em conjunto com os dados obtidos na revisão documental deste projeto, foi possível compor

um quadro histórico do processo de eletrificação da comunidade da Ilha dos Lençóis.

Esta dissertação é concluída com a proposta de um método que visa guiar o interventor no

projeto de MIDGI de modo que os custos nos estágios sejam minimizados, aumentando assim

as chances de sucesso da infraestrutura.

17

1.5 Contribuição

Esta dissertação deve apresentar a seguinte contribuição:

- Definição de um método para a construção de instituições apropriadas para o gerenciamento

de uma infraestrutura de eletrificação rural descentralizada por MIGDI baseado em uma

proposta de metodologia para a avaliação do desempenho deste tipo de infraestrutura.

18

Capítulo 2 – CULTURA, INSTITUIÇÕES, CAPACIDADES E TRANSIÇÃO

ENERGÉTICA

2.1 Introdução

A proposta desta dissertação é compreender o sucesso e o fracasso da eletrificação rural por

MIGDI tendo em vista os incentivos que se apresentam aos atores que de alguma forma se

envolvem no processo, tanto no desenvolvimento e construção da infraestrutura, como na sua

operação, manutenção e uso. Acontecer o incentivo, per se, não implica em comportamento

predeterminado do indivíduo: uma vez apresentando o incentivo, fatores como os valores

morais, a percepção da punição entre outros são ponderados por este de modo a guiá-lo na

tomada de decisão.

Também na sua incidência, os incentivos podem ocorrer das mais diversas formas. Ao

observar seus vizinhos fazendo uso de uma nova fonte energética, ou de recursos alimentados

por esta, um indivíduo pode se sentir motivado a adotá-la. O mesmo pode ocorrer ao observar

que uma determinada tecnologia pode lhe prover melhorias no bem-estar. Da mesma forma, a

observação de que um determinado recurso não pode ser amplamente utilizado pela falta de

uma manutenção apropriada pode estimular o indivíduo a abandoná-lo.

Neste capítulo serão apresentados alguns conceitos para que se possa compreender melhor o

processo de eletrificação rural por MIGDI e os incentivos que podem se apresentar nesse

processo. Também serão apresentadas algumas formas de se compreender a cultura, a

comunidade e o território. A seguir, será discutida a transição energética em seus aspectos

conceituais básicos. Também será tratada a Abordagem de Capacidades, como instrumento

para a compreensão do bem-estar do indivíduo. Por fim, será tratada a abordagem

institucional adotada nesta dissertação.

2.2 Comunidade rural, cultura e território

Essa seção tratará de alguns conceitos que são de fundamental importância para a

compreensão, e mesmo delimitação, do problema que é apresentado nesta dissertação. Não

existe uma definição universal do que é rural, ou mesmo um consenso a respeito do conceito

19

(MORANTE, 2004). No Brasil, cada município possui sua área urbana e área rural, sendo os

limites entre eles definidos de forma arbitrária pelas Câmaras Municipais. Ocorre que

delimitar o rural desta forma não permite compreender as particularidades das comunidades

que serão atendidas pelo processo de eletrificação.

Abramovay (apud FAVARETO, 2006) apresenta três dimensões que caracterizam a

ruralidade, que são a “proximidade com a natureza, a ligação com as cidades, e as relações

interpessoais derivadas da baixa densidade populacional e do tamanho reduzido de suas

populações” (pg. 103). No que diz respeito à proximidade com a natureza, destaca-se o uso

produtivo desta, em especial na produção de bens primários. Este também é o elemento de

ligação com as cidades, e a cidade essencialmente um consumidor do que é produzido no

campo.

Para Favareto (2006), a partir da década de 1970, em função de diversos fatores, em especial

pela estagnação do urbano, a relação entre o rural e essas dimensões muda, sendo que:

“No que diz respeito à proximidade com a natureza, os recursos naturais, antes voltados

para a produção de bens primários, são agora objeto de novas formas de uso social, com

destaque para a conservação da biodiversidade, o aproveitamento do potencial paisagístico

disto derivado, e a busca de novas fontes renováveis de energia. Quanto à relação com as

cidades, os espaços rurais deixam de ser meros exportadores de bens primários para dar

lugar a uma maior diversificação e integração intersetorial de suas economias, com isso

arrefecendo, e em alguns casos mesmo invertendo, o sentido demográfico e de transferência

de rendas que vigorava no momento anterior. As relações interpessoais, por fim, deixam de

apoiar-se numa relativa homogeneização e isolamento para dar lugar a um processo

crescente de individuação e de heterogeneização, compatível com a maior mobilidade

física, com o novo perfil populacional e com a crescente integração entre mercados antes

mais claramente autônomos no rural e no urbano, mercados de bens e serviços, mas

também o mercado de trabalho e o mercado de bens simbólicos.” (pg.103)

Apesar da forma como rural e urbano se confundem nos dias atuais, sendo seus limites já não

tão evidentes, ainda existem as comunidades cujo contato com o urbano é mínimo, e que

mantém características mais próximas das dimensões do rural apresentadas por Abramovay.

Esse é o caso das comunidades ditas tradicionais, onde o contato com o urbano é mínimo, e

normalmente restrito a um número pequeno de indivíduos da comunidade.

20

Tal isolamento implica, muitas vezes, no surgimento de uma cultura particular da

comunidade, moldada por ações de sobrevivência, como a caça, a agricultura familiar, a ação

coletiva para auxílio mútuo, enfim, ações que não passam pelo cotidiano do cidadão urbano

típico. Ainda, comunidades rurais tradicionais são particulares em suas características. George

Foster (1964) indica, de fato, que não existem duas comunidades rurais iguais.

A importância da compreensão da cultura local vem do fato de que esta pode representar uma

barreira para a entrada da nova tecnologia, assim como é modificada por esta. Goméz e

Montero (2010), por exemplo, destacam a importância da cultura ao tratarem o processo de

eletrificação dentro da linha de construção social da tecnologia. Já Winther (2008) destaca as

diversas mudanças culturais que ocorrem em uma vila em Zanzibar, Tanzânia, após a

eletrificação.

Apesar da sua importância, definir o que é cultura é uma tarefa ingrata, senão de impossível

consenso. Laplantine (2007) cita o levantamento de Kroeber5, que listou mais de 50 possíveis

definições. Geertz (1989), por exemplo, em uma visão semiótica6 da cultura, cita Weber ao

dizer que o “homem é um animal amarrado à teias de significado que ele mesmo teceu,

assumo a cultura como sendo estas teias e sua análise, portanto, não como uma ciência

experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do

significado.” (GEERTZ, 1989:15). O próprio Laplantine propõe como definição para a cultura

“o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano

ou de uma sociedade dada, sendo essas atividade adquiridas através de um processo de

aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros” (2007:120)(grifo no original).

Um aspecto importante da cultura que é observado por Foster (1964), é o de que esta é,

essencialmente, um emaranhado de instituições de diversas naturezas, sendo a própria cultura

5 Em provável referência ao seu trabalho com Kluckhohn, Culture, a Critical Review of Concepts and

Definitions (1952), Cambridge, amplamente citado quando à necessidade de indicar as dificuldades na definição

de cultura. 6 Semiótica é uma área ampla das ciências humanas, assim como ampla em termo de definições. Uma

das formas de compreendê-la é como sendo “a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na

natureza e na cultura” (NÖTH, 1995:17). Para uma melhor compreensão da semiótica, seus significados e

história, ver NÖTH (1995) e NÖTH (1996).

21

o elemento que absorve as tensões entre estas instituições. A mudança em uma instituição

acaba refletindo em todas e, conseqüentemente na própria cultura da comunidade.

Evidentemente as culturas, assim como as instituições que as compões, são dinâmicas, mas a

entrada de uma nova tecnologia envolve, invariavelmente, uma aceleração no processo de

mudança cultural. Envolverá a mudança dos valores, a mudança de significações etc.

A entrada da eletricidade em uma comunidade implica em diversas mudanças, que vão desde

o padrão da sua cesta energética7, até a mudança na sua cultura. Esse processo pode ser

melhor compreendido como um processo de transição energética, destacado na próxima

seção, onde a eletricidade faz o papel de substituir determinados tipos de fontes dentro de

determinadas condições relativas às características do território e das particularidades do

indivíduo.

A mudança na cesta energética é a primeira grande mudança para o indivíduo. A substituição

de equipamentos alimentados por diesel, querosene, gasolina (lamparinas etc), lenha, ou ainda

de pilhas constitui-se uma das maiores mudanças diretas da entrada da eletricidade na vida do

indivíduo. Essa mudança vem, em especial, da possibilidade do uso de lâmpadas, do uso de

rádios, TV etc., e muitas vezes, acaba refletindo de forma positiva na economia do indivíduo,

dados os custos e dificuldades de obtenção de algumas das fontes anteriores (como por

exemplo, no tempo despendido para a coleta da lenha).

Um exemplo de como a mudança tecnológica pode modificar diversos aspectos de uma

sociedade pode ser observado pela entrada da iluminação elétrica na comunidade. Essa

mudança implica na substituição de uma fonte, tipicamente fóssil, de energia para iluminação;

implica em valores mensais de gastos diferentes (não raras vezes menor); resulta em uma

qualidade de luz diferente; em tempo de duração da iluminação diferente. Destas mudanças

diretas podem resultar o maior contato entre as pessoas da comunidade à noite; a atração de

insetos peçonhentos; a possibilidade de estudos à noite (na casa ou na escola); o aumento de

custos com insumos (no caso, a lâmpada). Ainda, a substituição de uma fonte tradicional por

uma nova, implica em uma nova forma de dependência.

7 Cesta energética pode ser entendida como o conjunto de recursos energéticos utilizados pela

comunidade para a obtenção de serviços, como iluminação, cocção entre outros.

22

Tanto a mudança energética como a cultural são eventos particulares para cada comunidade.

A forma como a comunidade absorve estas mudanças e como estas refletirão no processo de

desenvolvimento será consequência de diversos fatores, dos quais destaca-se, nesse ponto, o

conjunto de características da comunidade antes do processo de eletrificação (cultura,

recursos, economia etc).

Ainda, um conceito pouco empregado na literatura voltada à eletrificação rural, mas de valor,

em especial para a compreensão da relação entre a comunidade, sua cultura, e seu “espaço”, é

o de território.

Haesbaert (2011) aponta diversas formas de compreender o que é o território, com base na

relação entre o espaço e os que o habitam. Ele destaca quatro formas mais evidentes e

distintas entre si: a política, a econômica, a “natural” e a cultural. A noção política trata do

espaço delimitado e controlado, onde se exerce alguma forma de poder. No caso da noção

econômica, o território pode ser visto como fonte de recursos, ou como palco das lutas entre

classe, sendo aqui a divisão do espaço como elemento econômico. A noção “natural” (aspas

do original) trata da relação entre o homem e o ambiente físico, no equilíbrio entre os grupos

e os recursos naturais.

Apesar de todas estas noções terem valor no que diz respeito à eletrificação rural, a noção de

território cultural é a que apresenta maior impacto, como pode ser observado na literatura.

Esta noção “prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto,

sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao

seu espaço vivido.” (Ibid., pg. 40).

Essa forma de observar o território, de “morada dos deuses (ou o espaço se confundindo com

os próprios deuses)” (HAESBAERT e LIMONAD, 2007:46)(grifo no original), pode ser

observada nos relatos de Winther (2008) sobre a eletrificação vila de Urôa, em Zanzibar, onde

os anciões locais pediram proteção aos espíritos da floresta para que a eletrificação fosse bem

sucedida, enquanto que na vila vizinha houve a recusa da eletricidade ao se observar a

destruição de seu espaço sagrado pela concessionária de energia.

23

2.3 Transição energética e difusão de inovações

Há cerca de 10.000 anos o homem realizou um dos mais importantes passos na evolução de

sua sociedade: desenvolveu técnicas de agricultura, no que seria conhecido como Revolução

do Neolítico (DIAMOND, 2001). Esta mudança fez com que o homem se estabelecesse em

um local, permitindo o aparecimento de aglomerações sociais, fazendo surgir estruturas

sociais próximas às que temos atualmente, fato difícil de sustentar em sociedades de

caçadores-coletores, como eram antes.

Mas o fato mais importante, que motiva a construção desta seção, é que a agricultura ofereceu

ao caçador-coletor uma fonte de energia mais regular e, talvez, mais segura, já que diminuiu a

necessidade da caça e seus perigos. Assim esta revolução é vista como um dos mais

importantes momentos de transição energética da história do homem.

Associada a esta transição vieram o já citado assentamento do homem, com o surgimento de

uma sociedade organizada e estratificada, a formação de vilas, cidades, o desenvolvimento de

tecnologias voltadas para a agricultura, provavelmente um desenvolvimento mais apurado da

astronomia, entre outros. Assim foi também com o uso do carvão, petróleo, urânio e também é

com a eletricidade, fontes que a partir da descoberta de suas propriedades incentivaram uma

série de mudanças no seu entorno.

2.3.1 Conceitos sobre transição energética

O estudo da transição energética esbarra em alguns problemas, como apontam Elias e Victor

(2005), a começar pela falta de uma definição precisa do que vem a ser este fenômeno. A falta

de uma definição, ainda segundo estes autores, implica na dificuldade no estabelecimento de

critérios para sua quantificação, que por sua vez, dificulta o estabelecimento de uma relação

de causa e efeito entre a transição energética e o bem-estar.

De forma mais geral, a transição energética envolve a mudança de uma fonte, como por

exemplo, a biomassa, para outra mais eficiente, como o carvão. Apesar da simplicidade da

idéia, uma análise mais profunda mostra diversos detalhes que devem ser considerados e que,

pela falta da sua observação, dificultam a sua compreensão. Como por exemplo, pode-se

24

comentar o fato da energia ser necessária para diversos serviços, implicando muitas vezes no

uso de diversas fontes; ou compreender que fatores levam o indivíduo a adotar uma nova

fonte; em como fica sua relação com a fonte antiga; e por que ocorre, por vezes, a volta ao uso

da fonte anterior, entre outros.

O processo de transição é muitas vezes visto por meio de metáforas, como “escada

energética” [energy ladder] ou “empilhamento energético” [energy stacking] (ELIAS e

VICTOR, 2005). No caso da visão “escada”, a transição ocorre pela mudança gradativa de

fontes, da menos eficiente para outras mais eficientes, enquanto que no empilhamento ocorre

a agregação da nova fonte a um portfólio de outras utilizadas e, eventualmente, a substituição

de uma delas.

A análise da literatura mostra uma coerência maior da visão “empilhamento” que a da

“escada”. Especificamente no caso da eletrificação, a “escada” implicaria na substituição de

toda fonte que pudesse ser substituída pela eletricidade, mas o que de fato ocorreu em muitos

lugares foi a substituição de alguns serviços, como a iluminação, e a manutenção de fontes

tradicionais, como, por exemplo, para a cocção (DAVIS, 1998; MURPHY, 2001; SERPA,

2001; CAMPBELL et al., 2003; MORANTE, 2004; MADUBANSI e SHACKLETON, 2006;

WINTHER, 2008).

O que motiva a manutenção de fontes tradicionais são as mais diversas causas, como cultura,

renda, segurança entre outros. O que isso demonstra é que a concentração da investigação da

transição energética na própria energia talvez não seja o ponto ideal. De fato, Wilhite et al.

(1996) mostram (em uma análise no contexto urbano) que a fonte energética, per se, não é

considerada em primeiro plano pelos indivíduos (que no estudo residem em Oslo, Noruega, e

Fukuoka, Japão), mas sim os serviços oferecidos pelas fontes. Talvez a visão secundária da

energia não possa ser estendida de forma integral ao meio rural, dada a relação mais íntima do

indivíduo com a energia (na coleta, transporte, pela segurança etc.)8. Observar a energia em

função do serviço oferecido talvez seja mais apropriado para compreender a relação do

homem com a energia (SOVACOOL, 2011) e assim melhor compreender o processo de

transição energética.

8 No caso específico da eletrificação, existe a carga social, em especial de inclusão, ou pertencimento,

que será melhor discutida adiante.

25

Na visão de serviços a energia é vista de acordo com sua capacidade de oferecer recursos para

a iluminação, a cocção, o aquecimento, o entretenimento, o transporte, entre outros. Isso

permite compreender o processo de transição para além do processo em si, considerando

inclusive suas motivações. Davis (1998), Serpa (2001), Morante (2004) e Winther (2008)

mostram que o uso de eletricidade não se difunde universalmente nos possíveis serviços.

Sovacool (2011) mostra ainda uma relação com a renda, onde o número de serviços pode ser

inversamente proporcional ao número de fontes utilizadas (maior renda implica em mais

serviços, estes, por sua vez, alimentados por menos fontes; menor renda, menos serviços

alimentados por mais fontes). Esta tendência também é observada em Davis (1998) e

Madubansi e Shackelton (2006), que mostram em estudos na África do Sul que a

predominância de uso de eletricidade ocorre entre as famílias de maior renda.

Parte da justificativa disto vem do fato que a transição energética envolve a mudança para

equipamentos mais sofisticados, desenvolvidos para a conversão daquela energia para o

serviço desejado. No caso específico da eletrificação, a aquisição de lâmpadas, ventiladores,

rádios, televisores, fogões elétricos, fazem parte dos equipamentos necessários para que seus

serviços equivalentes sejam atendidos. Outro ponto importante vem do fato da fonte

energética normalmente vir de fora da comunidade, o que demanda que certa infraestrutura

esteja disponível para o fornecimento da energia (ELIAS e VICTOR, 2005).

Com base nestes fatores, Leach (1992) identifica a renda como um elemento restritivo ao

acesso de novas fontes de energia, isso pela necessidade de aquisição de equipamentos, e o

custo da nova fonte como elemento para sua manutenção. No caso da infraestrutura Leach

(1988 apud ELIAS e VICTOR, 2005) aponta o tamanho da cidade como fator para a sua

maior difusão. Nesse caso, quanto maior a cidade, maior demanda, que justificaria

economicamente o investimento na tal infraestrutura. Evidentemente isso não é um processo

imediato, mas sim histórico, sendo a infraestrutura crescente de acordo com a demanda. Esse

tipo de comportamento pode ser observado em Madubansi e Shackleton (2006), que relatam

não observar esse fenômeno em cinco grandes vilas Sul-africanas (das quais quatro haviam

sido recentemente eletrificadas). Serpa (2001), observa a preferência do caiçara por

equipamentos que não dependam de manutenção complicada, pois equipamentos

26

tecnologicamente mais complicados implicariam em uma maior dependência da “distante”

cidade.

No caso da eletricidade, além do valor da compra do equipamento conversor, existe ainda o

montante inicial para o acesso à própria fonte energética. Quando feita por extensão de rede,

muitas vezes exige a mudança na forma de casas tradicionais por questão de segurança, o que

não é necessário em sistema autônomos como os fotovoltaicos pela baixa potência fornecida,

apesar de existir, nesse caso, o valor do próprio sistema gerador (MURPHY, 2001).

2.3.2 A adoção da tecnologia e o processo de difusão

A seção anterior apresentou a visão de renda e da presença de uma infraestrutura apropriada

como limitantes para a entrada de uma nova fonte energética em um domicílio, mas supõe que

o indivíduo deseje a entrada desta fonte. Nesse caso, cabe aqui outra questão: o que motiva o

indivíduo a desejar a mudança para uma nova fonte energética? Uma primeira visão é

oferecida por Elias e Victor (2005), na qual o uso de uma nova fonte mais eficiente implicaria

no menor dispêndio de tempo do indivíduo com a fonte anterior. Isso implicaria, por exemplo,

na substituição da lenha por carvão na cocção, fazendo com que o tempo gasto na coleta de

lenha seja minimizado.

Essa forma de observar a motivação acaba esbarrando, novamente, no fator do serviço.

Observa-se na literatura que os indivíduos de mais baixa renda ainda preferem o uso da lenha

para a cocção (DAVIS, 1998; MURPHY, 2001; MADUBANSI E SHACKLETON, 2006;

WINTHER, 2008), seja pelo sabor da comida ou pela velocidade da cocção. Se tomarmos

novamente a visão de serviços, e não de fonte, pode-se observar certa tendência de satisfação

de necessidades segundo a ótica da hierarquia das necessidades humanas de Maslow

(MORANTE, 2004). Nessa visão, o indivíduo buscaria sanar suas necessidades dentro da

seqüência de necessidades:

1 - fisiológicas;

2 - segurança;

3 - amor/relacionamento;

4 - estima e

27

5 - realização pessoal.

Assim, a mudança ocorreria preferencialmente em função de melhorias que possa

proporcionar ao serviço. Elias e Victor (2005) observam a seqüência cocção e aquecimento,

iluminação e diversão, na preferência de transição. Uma vez que um determinado serviço seja

atendido de forma satisfatória por uma fonte, os gastos do indivíduo passariam a ocorrer com

o serviço não tão bem atendido. Isso pode ser observado pela já citada preferência do uso da

lenha (que pode ser associado à necessidade fisiológica), e pelo uso preferencial da

eletricidade, no primeiro momento da eletrificação, para a iluminação (que pode ser associado

à necessidade de segurança) (DAVIS, 1998; MURPHY, 2001; SERPA, 2001; MORANTE,

2004; MADUBANSI E SHACKLETON, 2006; WINTHER, 2008), que compensaria as

deficiências da iluminação com velas ou querosene, oferecendo um serviço melhor. É

interessante observar que Winther (2008) relata a sensação de pertencimento da vila de Uroa,

que se sentiu mais “cidade” após a eletrificação, mostrando até mesmo o preenchimento da

necessidade de estima.

Quem dita a forma como o serviço será considerado, ou os critérios para a qualidade de um

determinado serviço, é a cultura local. Winther (2008) mostra como o povo de Uroa, em

Zanzibar, resistiu ao uso de fogões elétricos, dado o peso do sabor na cultura, dando

preferência para o uso da tecnologia tradicional para a cocção, mesmo este ainda carregando a

mulher com todo o fardo da coleta de lenha e o dispêndio de tempo na cozinha9. Serpa (2001)

e Morante (2004) mostram o incômodo da forte iluminação na hora de dormir dos moradores

do Lagamar de Cananéia, proporcionada pelas novas lâmpadas, que foi corrigido pelo uso de

lâmpadas de menores potências e luminosidade próxima às das velas e candeeiros,

tradicionalmente mantidos acesos durante o período de sono. Ainda, Wilhite et al. (1996)

mostram como a cultura determina o uso da energia em regiões urbanas, nesse caso, Oslo e

Fukuoka.

A importância da cultura fica mais evidente quando tratamos de mudanças que podem ser

consideradas como induzidas, como as propostas por programas de desenvolvimento. Murphy

(2001), Serpa (2001), Morante (2004), Goméz e Montero (2010) destacam a importância da

9 Winther estende sua discussão para as questões de gênero, em especial pelo peso da posse de

equipamento pela mulher, mas o sabor ainda parece ser a motivação maior para a resistência à mudança.

28

cultura local no processo de aceitação e validação das novas tecnologias que entram com a

nova fonte.

Goméz e Montero (2010) baseiam-se na construção social da tecnologia para que uma

determinada tecnologia seja aceita pela comunidade. Longe de ser um processo neutro, o

processo de construção de uma tecnologia ocorre sob a pressão de diversos fatores, sejam

estes de natureza econômica, mercadológica, política, ideológica, religiosa, entre outros. Estes

fatores exercem pressão sobre os atores envolvidos, influenciando suas decisões dentro do

universo de escolhas possíveis para construção desta, que também é restrita pelo estoque de

conhecimento disponível (TRIGUEIRO, 2008). Desta forma, essas pressões podem

influenciar a validação de uma determinada tecnologia em uma comunidade.

Murphy (2001) destaca os fracassos obtidos em diversos programas voltados para a

substituição de fogões tradicionais (os fogões de 3-pedras) em vilas africanas, como

tecnologias mais eficientes de conversão. Destaca ainda um caso de sucesso, onde houve o

envolvimento de artesãos e de mulheres locais no processo de construção da tecnologia, que a

adequou à cultura local. Goméz e Montero (2010), também, apresentam casos em que houve o

repúdio de uso de determinadas fontes energéticas (no caso, restos de biomassa), para a

eletrificação por serem consideradas sujas.

Tomar a cultura como referência para compreender a relação da comunidade com os serviços

convida a estender a transição energética do âmbito domiciliar para o da comunidade. Nesse,

a análise deve se valer dos princípios da difusão de inovações, dada toda a carga de novas

tecnologias associadas ao aproveitamento da nova fonte energética. Serpa define a difusão

como sendo “o processo pelo qual uma inovação passa a ser socialmente aceita ou,

simplesmente, designa todos os processos ordenados que produzam semelhanças culturais em

várias sociedades que não as produzidas pela invenção” (2001, p. 10).

A literatura apresenta poucos documentos que tratem do processo de difusão da eletrificação

como um todo, em especial da eletrificação rural. Destes destacam-se os textos a respeito da

geração por sistemas fotovoltaicos domiciliares. McEarchen e Hansen (2008), em um

detalhado estudo a respeito da difusão de SFDs na forma comercial em vilas no Sri Lanka,

mostram diversos fatores como responsáveis pela decisão ou não pela adoção da nova

29

tecnologia. Dentro deste contexto (tecnológico e territorial) os autores mostram como

características da vila o relevo (terrenos altos são sujeitos a neblina, passando a imagem de

mau desempenho); tolerância ao comportamento inovador; presença de escolas primárias

(para a divulgação da tecnologia); distância da vila para os centros urbanos (a proximidade do

centro urbano cria a expectativa da extensão da rede) e a pró-atividade dos indivíduos da vila

para a busca do desenvolvimento local.

A taxa de adoção da tecnologia (ainda em McEarchen e Hansen (2008)) é determinada por

fatores como a presença do padre (como um divulgador comercial), presença de minorias

étnicas (pela menor dependência do governo), ajuda mútua, entre outros. Com relação à

decisão individual pela adoção, os fatores mais determinantes vêm do capital social, em

especial da rede social do indivíduo, como a quantidade de indivíduos que possuem o novo

sistema que fazem parte de sua rede, ou do tamanho e do grau de afinidade entre estes

indivíduos, entre outros fatores.

Tratando então da indução da entrada da nova fonte energética, duas visões se sobrepõem: a

indução pelo meio comercial e a indução pelos programas de desenvolvimento. Tanto a visão

comercial como a desenvolvimentista buscam arregimentar indivíduos como divulgadores,

como citam McEarchen e Hansen (2008) e Serpa (2001), normalmente indivíduos com grande

capital social (como padres, professores, líderes locais) que influenciem as decisões dos

demais; também buscam divulgar a tecnologia por meio de estruturas de acesso público, como

escolas, igrejas, bombas d’água, entre outros.

O envolvimento local no processo de entrada da tecnologia também é um fator importante

para o processo de adoção desta. Isso é destacado em Murphy (2001), Serpa (2001), Morante

(2004) e Winther (2008). O envolvimento local indica que os indivíduos da comunidade não

atuarão como atores passivos no processo de entrada, mas sim serão ativos na tentativa de

superação de barreiras que possam surgir para sua adoção.

A falta de participação local pode ter efeitos diversos que vão da simples passividade na

entrada da tecnologia até a sua rejeição completa. Em um exemplo interessante, Winther

(2008) mostra como uma vila em Zanzibar se opôs ao processo de eletrificação em

decorrência da forma como a concessionária local “agrediu” seu território. Da mesma forma,

30

Murphy (2001) apresenta os citados exemplos de tecnologias para cocção que foram

simplesmente apresentados às comunidades e cuja absorção não ocorreu.

2.3.3 A demanda pela nova fonte energética

Estabelecida a entrada da tecnologia na comunidade, outro importante fator é a demanda de

energia. Este fator é especialmente relevante na geração em que ocorre a acumulação de

energia em baterias, seja em sistemas domiciliares (como fotovoltaicos ou eólicos), ou

coletivos (como sistemas fotovoltaicos multiusuários ou centros de carga de bateria). A

demanda é importante pela necessidade de dimensionamento apropriado do sistema,

dimensionamento este que é muitas vezes limitado por fatores financeiros de projeto.

Assim como diversos fatores influenciam o processo de decisão pela transição energética e a

difusão das novas tecnologias associadas, Morante (2004, pg. 210-221) aponta fatores

semelhantes para o consumo na nova fonte. Tais fatores são;

Fatores técnicos:

o Usos finais mais eficientes;

o Sub/sobredimensionamento do sistema de geração;

Fatores gerenciais:

o Consideração das características dos indivíduos no desenvolvimento do

projeto;

o Existência de uma estrutura de manutenção apropriada;

o Relação do indivíduo com o sistema decorrente da informação passada a ele no

momento da instalação (medo ou confiança no uso);

o Infraestrutura de suporte material;

Fatores psicológicos:

o Observação das particularidades da comunidade e de seus valores;

Fatores geográficos:

o Clima, vegetação etc;

o Distância dos centros urbanos;

Fatores demográficos:

o Estrutura familiar;

o Idade;

31

o Gênero;

o Grau de escolaridade;

Fatores socioculturais:

o Hábitos em geral;

o Freqüência de viagens;

o Influência do estilo de vida urbano e

Fatores econômicos:

o Atividades voltadas para subsistência;

o Fluxo monetário;

o Renda.

Dada a quantidade de fatores, Morante (2004) aponta para o fato de que o consumo de energia

elétrica gerada em Sistemas Fotovoltaicos Domiciliares pode ser considerado como aleatório.

Apesar disso, dois pontos podem ser considerados importantes:

1. O consumo de eletricidade em SFDs tende a seguir o padrão de uma função gama, que

indica que muitos consomem pouco e poucos consomem muito;

2. Apesar do observado no item anterior, por uma característica comum em comunidades

tradicionais, a da equidade, no ato do projeto e na primeira instalação, é interessante

que o desenvolvedor instale sistemas iguais para todos, para que sejam evitados

constrangimentos que podem, inclusive, levar ao colapso do projeto.

2.4 Abordagem de Capacidades

A Abordagem de Capacidades foi desenvolvida por Amartya Sen como um instrumento para

a economia do Bem-estar. Nela, Sen busca apresentar uma forma de compreender a situação

do indivíduo, o que pode ser entendido como seu bem-estar, como em outras abordagens,

como a Utilitarista.

Esta abordagem exerce um papel importante nesta pesquisa, pois é por meio dela que se

pretende compreender de que forma a eletrificação modifica o Bem-estar do indivíduo

atendido, permitindo verificar os benefícios da infraestrutura para a comunidade.

2.4.1 Conceitos básicos

32

Um primeiro ponto a destacar a respeito desta abordagem é que, ao contrário de visões mais

usuais do bem-estar, na Abordagem de Capacidades o indivíduo não busca sempre maximizar

seu prazer. De fato, afastando uma padronização do comportamento humano, nesta

abordagem o indivíduo busca quaisquer objetivos que julgue válidos, ou importantes (SEN

1985), tenham eles valor para ele mesmo, ou para outras pessoas.

O próprio ato de busca é, por si só, algo relevante para a compreensão do “estado das coisas”

[state of affairs] do indivíduo, definindo assim sua condição de agente. A condição de agente

pode ser compreendida como a capacidade da pessoa em buscar aquilo que deseja, seja para

ele mesmo, ou para outra pessoa. Ter acesso à informação e não ser reprimido nessa busca são

elementos que contribuem para que a liberdade de condição de agente seja atingida. Neste

caso, a simples liberdade de poder buscar algo bom para si ou para outros, já constitui um

elemento importante para o indivíduo.

Outro ponto importante da Abordagem de Capacidades é a dependência de contexto; a

importância da cultura na definição do que o indivíduo considera importante ou não; a

influência da sua atual situação nas suas necessidades. Aqui o indivíduo não é independente

das coisas que o cercam, é influenciado e, de certa forma, moldado pelo meio. Assim,

indivíduos de culturas distintas, ou mesmo dentro da mesma sociedade, vivendo a mesma

cultura, podem valorar de formas distintas as mesmas coisas.

Assim como a valorização de determinadas “coisas” podem diferir entre indivíduos, a forma

como estes se beneficiam desta “coisa” também varia. Um indivíduo com alguma dificuldade

motora não tirará o mesmo benefício de uma bicicleta como um indivíduo com condição

motora normal. Um indivíduo constrangido dentro do grupo escolar terá um aproveitamento

escolar distinto de outro perfeitamente integrado ao grupo escolar. Mesmo dois indivíduos

aparentemente em iguais condições terão benefícios distintos de uma mesma “coisa”, dadas as

diferenças inerentes de todos.

A conseqüência disto é que a oferta de algum benefício não implica no seu pleno

aproveitamento, menos ainda no fato de que o objetivo desta oferta, que é, em princípio, o

Bem-estar, será atingido. Assim, Sen argumenta que o melhor indicador para o Bem-estar não

33

é a oferta da commodity, mas sim o aproveitamento efetivo desta, que ocorre quando o

indivíduo a converte para algo que lhe seja funcional, ou seja, em uma funcionalidade.

Funcionalidade é tudo relacionado a ser, estar e fazer [beings e doings] (estar nutrido, ser

aceito pelo grupo social ao qual o indivíduo pertence etc) (SEN, 1985a).

De fato, quando a escola é oferecida a alguém, esperamos que o resultado dos estudos lhe seja

algo funcional, mas se consideramos que cada um aproveita o benefício de forma distinta, a

simples oferta da escola pode não ser revertida em algo funcional para a criança. A falta de

luz noturna para estudos, necessidade não atendida de óculos etc., podem prejudicar o seu

desempenho, indicando que para que o estudo se torne algo funcional para ela outras ações

são necessárias.

Da mesma forma que indivíduos convertem de forma distinta uma commodity em

funcionalidades, o valor dado por estes à funcionalidade também é distinto.

Buscando o rigor matemático, Sen (1985d, p. 8) define o conjunto de funcionalidades (Pi) de

um indivíduo como um vetor de funcionalidades, expresso da seguinte forma:

Pi(xi)= {bi∣bi= f i(c(xi)),∀ f i(¿)∈Fi}

Sendo xi um vetor de commodities relativo ao indivíduo i, c(.) a função de características da

commodity, fi(.) a função que reflete o padrão de uso da commodity, Fi o conjunto de funções

fi(.) utilizáveis (escolhidas por i), bi(.) o conjunto de funcionalidades escolhidas para uso e,

por fim, Pi(.) o conjunto de funcionalidades viáveis de x escolhidas por i.

Tomando, por exemplo, a lâmpada para a iluminação noturna, pode-se tomar dela diversas

utilidades, como o estudo noturno, ou conforto para o descanso, ou segurança contra animais,

entre outros. Se o indivíduo tem, por exemplo, acesso à escola, a associação entre estes dois

itens, na medida em que o indivíduo consegue se beneficiar de cada um de forma pessoal

(caracterizado pela função c(.)), resultará na funcionalidade de estar educado.

Apesar do valor da funcionalidade ser um bom referencial para o Bem-estar do indivíduo,

nem toda funcionalidade pode ser entendida como Bem-estar. Funcionalidade é tudo

34

associado a ser, estar e fazer, e isso inclui estados que não acrescentem valor ao Bem-estar do

indivíduo (pode, inclusive, diminuir seu Bem-estar, se o indivíduo julgar isto importante). A

condição de agente, por sua vez, que pode ser entendida como funcionalidade, ou ainda ter

como objetivo atingir uma funcionalidade, fica independente na sua definição de Bem-estar,

visto que nem toda funcionalidade resulta em Bem-estar, nem toda busca do agente resulta em

benefício para si mesmo e ação não é, de fato, “ser”, “estar” ou “fazer”. A condição de agente

pode, inclusive, afetar negativamente o Bem-estar do indivíduo, como mostra Sen no seu

exemplo do homem que deixa de comer um lanche para salvar outro que se afoga (SEN,

1985a).

Tão importante, ou até mais (de acordo com o pesquisar que trata do tema), que as

funcionalidades de que dispõe um indivíduo, são aquelas de que o indivíduo pode dispor, ou

que tem liberdade para atingir. De fato, Sen argumenta que “uma boa vida é, entre outras

coisas, uma vida de liberdade”10

(1985a, p. 202). Um exemplo geralmente citado é o caso do

contraste entre o indivíduo que jejua e do faminto: ambos passam pela mesma privação de não

se alimentar, sofrendo as conseqüências de tal, mas o jejuante tem a capacidade de

interromper o jejum, tendo condições de atingir a funcionalidade de estar livre da fome,

enquanto o faminto não dispõe de tais condições. Essa condição de possibilidade de atingir a

funcionalidade, de liberdade de atingir a funcionalidade, é definida por Sen como Capacidade

(IBID.).

Novamente buscando o rigor matemático, o conjunto de capacidades (Qi) de um indivíduo

pode ser definido como

Qi(Xi)= {bi∣bi= f i(c (xi)),∀ f (¿)∈Fi ,∀ xi∈Xi}

Sendo Xi o conjunto de commodities sobre os quais o indivíduo i tem direitos e Qi(.) o

conjunto de capacidades de que o indivíduo dispõe, ou sua liberdade de escolha (SEN, 1985d,

p. 9). Retomando o exemplo da lâmpada para a iluminação noturna, novamente, com a

presença da lâmpada e o acesso à escola, aqui o indivíduo tem a possibilidade de exercer a

funcionalidade de “estar educado”, não necessariamente a exercendo.

10

“... good life is inter alia a life of freedom”.

35

Assim como a liberdade é importante no que diz respeito a atingir ou não uma funcionalidade,

ela também é para a já citada condição de agente. Nem toda ação que um indivíduo realiza ele

o faz por livre vontade, fazendo sim por força da necessidade. Por outro lado, nem toda ação

que o indivíduo deseja realizar, de fato lhe é possível. Assim, a liberdade para realizar a ação

que deseja é algo importante até mesmo porque a liberdade para a condição agente é

importante para que o indivíduo possa buscar funcionalidades que valorize.

Esse aspecto relacionado à liberdade (o conjunto de capacidades e a condição de agente) é

fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, pois lhe dá a liberdade de buscar um

padrão de vida que julgue bom, seja pela seleção de funcionamentos dentro do seu conjunto

de capacidades, ou mesmo pela possibilidade de buscá-los, dentro da sua condição de agente.

Sua importância torna-a base para o próprio conceito de desenvolvimento humano, sendo este

compreendido, por Sen, como o aumento das liberdades individuais (SEN, 1999).

Retomando o conceito de Bem-estar, as funcionalidades são o elemento responsável, de forma

direta, pelo Bem-Estar do indivíduo11

; e o conjunto de capacidades, a liberdade de atingir o

Bem-Estar, ou liberdade de Bem-Estar (SEN, 1985a). Assim, para a compreensão do “estado

de coisas” do indivíduo, a compreensão dos quatro elementos (Bem-Estar, liberdade de Bem-

Estar, condição de agente, liberdade de condição de agente), é fundamental (Ibid.).

A Abordagem de Capacidades não é uma teoria per se para a análise de temas como a

pobreza, a desigualdade, o desenvolvimento etc, mas sim um instrumento que auxilia na

compreensão destes fenômenos (ROBEYNS, 2006). De fato, Sen buscou compreender a

pobreza (SEN, 1983), o padrão de vida (SEN, 1985c), o desenvolvimento (SEN, 1999), as

diferenças entre gêneros (SEN, 1985d, anexo 2; SEN, 1987) entre outros com o uso desta

abordagem como instrumento para compreensão de tais fenômenos.

2.4.2 Críticas e contra-críticas à Abordagem de Capacidades

11

Resultando naquilo que o Utilitarismo julgue como referência para o Bem-estar (o prazer, ou a

felicidade, por exemplo)

36

É fato que uma teoria “fechada”, completa e com definições claras e inequívocas goza da

preferência acadêmica pelo conforto de sua aplicação sempre correta (ou, quando não,

evidentemente errada), mas esse não é o caso da Abordagem de Capacidades. As dificuldades

na sua aplicação são muitas, como a definição do elemento a ser pesquisado (tipicamente

funcionalidades e/ou capacidades), quais instâncias destes elementos devem ser observadas

(quais funcionalidades e/ou quais capacidades) e como valorá-las (o valor que tal instância

tem para o indivíduo e, eventualmente, o valor agregado desta para a comunidade)12

.

Tais dificuldades levam alguns pesquisadores a considerar a Abordagem de Capacidades

como vaga e complexa, carecendo de definições mais claras em função do tema abordado, ou

mesmo de maior clareza per se, para que seja aplicável13

. No entanto, Chiappero-Martinetti

(2008) mostra que seu caráter irrestrito e a ausência da limitação de definições fechadas para

suas partes constituintes não são de fato um problema, mas sim uma força sendo que “o real

desafio é desenvolver métodos de avaliação [and assessment] e encontrar ferramentas técnicas

de medida capazes de capturar e preservar esta riqueza adequadamente”14

(CHIAPPERO-

MARTINETTI, 2008, p. 268). Seria, de fato frustrante se, após romper com os limites

impostos ao comportamento humano, aos limites impostos à ambição humana, aos limites

impostos por uma métrica padrão, a Abordagem de Capacidades fosse, também, limitada por

alguma definição que desrespeita-se aquele que pode ser compreendido como um de seus

princípios mais básicos, que é o caráter particular de cada indivíduo.

2.4.3 Abordagem de Capacidade e a eletrificação rural descentralizada por MIGDI

A respeito das dificuldades de trabalho com a Abordagem de Capacidades, muito tem sido

discutido15

. Isto não implica no seu descarte como instrumento no projeto de eletrificação

rural. Pelo contrário, sendo uma eletrificação rural uma ação de mudança energética e,

conseqüentemente, tecnológica, com impactos (tipicamente consideráveis) na comunidade

rural atendida, a Abordagem de Capacidades pode exercer um papel importante em dois

12

Sobre tais dificuldades pode-se consultar Robeyns (2003). 13

Dois exemplos deste tipo de discussão podem ser observados em Sugden (1992) e Townsend (1985). A

resposta de Amartya Sen para Peter Townsend esta em (SEN, 1985b) e no caso de Sugden, na referência citada

na seqüência deste texto. 14

“... – the real challenge is to develop methods of evaluation and assessment and to find technical

measurement tools able to capture and preserve this richness adequately.” 15

Ver Robeyns (2003), Comim (2008), Chiappero-Martinetti (2008), Grasso (2002).

37

pontos fundamentais do processo de eletrificação: a definição dos benefícios esperados da

eletrificação (no estágio de projeto) e a avaliação dos benefícios obtidos (após a instalação).

A avaliação no estágio de projeto é importante, pois permite ao desenvolvedor identificar as

necessidades do indivíduo da comunidade, ou da comunidade com um todo, permitindo que o

projeto seja guiado na busca das necessidades (capacidades e funcionalidades) apresentadas

por estes16

. É importante observar que o mais natural em projetos desta natureza seria buscar

atender necessidades imediatas ou, de forma direta, funcionalidades, e não capacidades (até

pela dificuldade natural de definir capacidades). Mas um ponto observado com freqüência nos

casos de fracasso de projetos de eletrificação rural descentralizada é a dificuldade do

indivíduo em conseguir expandir o uso do sistema (muitas vezes pelo simples

dimensionamento deste). A observação da possibilidade de expansão destes, em especial com

respeito aos ser, estar e fazer, que o indivíduo julgue importante é fundamental na busca da

sustentabilidade do projeto.

Além das capacidades e funcionalidades, a condição de agente também é um elemento a ser

observado no projeto, assim a eletrificação rural descentralizada pode contribuir para que o

indivíduo busque funcionalidades que não foram atendidas no projeto. Pode-se afirmar que,

de fato, todos os elementos do “estado das coisas” do indivíduo (bem-estar, liberdade de bem-

estar, condição de agente e liberdade de condição de agente), podem ser afetados pela

eletrificação rural.

Algumas capacidades oferecidas pela eletrificação rural são amplamente conhecidas, como o

acesso à iluminação noturna (para estudos ou para a substituição do querosene); à iluminação

em escolas ou outros edifícios comunitários de valor; à refrigeração (de vacinas, alimentos, ou

ainda de pescados – para fins produtivos); à simplificação de atividades domésticas, ao

bombeamento de água, etc.

O beneficiamento de produtos pode exercer papel de capacidade, ao oferecer maior

rendimento na produção de alimentos, assim como pode exercer um papel na condição de

16

Evidentemente uma capacidade se torna funcionalidade efetiva quando atingida, ou realizada, pelo

indivíduo, mas pode-se esperar que muitas capacidades se tornem funcionalidades assim que disponíveis, então

serão consideradas aqui funcionalidades toda a necessidade que espera-se seja imediatamente realizada assim

que o recurso para tal esteja disponível e capacidade aquela que não atende esta expectativa.

38

agente, ao oferecer uma fonte de rendimentos ao indivíduo. O mesmo pode ser observado, por

exemplo, no acesso à informação.

Vale observar que, como já citado, a eletrificação rural é uma ação de mudança energética e,

conseqüentemente, mudança tecnológica. Isto implica na eventual perda de técnicas

tradicionais como, por exemplo, de iluminação, ou de produção, o que significa que o

fracasso da eletrificação pode significar a perda de funcionalidades que o indivíduo dispunha

antes do processo de eletrificação.

Neste sentido, é fundamental o acompanhamento do processo de transição energética, ao

menos até que o projeto atinja a sua sustentabilidade, buscando avaliar se os objetivos

relacionados aos “estados das coisas” dos indivíduos foram atingidos, ou o que falta para tal.

Ressalta-se, porém, que a análise neste estágio não deve ficar restrita aos objetivos de projeto,

mas deve sim buscar avaliar o estados dos indivíduos da comunidade de forma mais

abrangente possível, buscando identificar os efeitos da eletrificação dentro dos objetivos

originais de projetos, e outros elementos que tenham sido afetados de forma indireta por esta.

2.5 Abordagem institucional

Como destacado no capítulo 1 desta dissertação, Ostrom et al. (1993) apontam os incentivos

perversos como os elementos responsáveis pelo fracasso dos projetos de intervenção

planejada analisados por estes autores. É o incentivo que estimula um indivíduo a se dedicar

ao trabalho de manutenção de uma infraestrutura; é o incentivo que estimula um indivíduo a

buscar ganhos ilícitos em um projeto; é o incentivo que dita se um indivíduo deve ou não

continuar a acreditar que pode ter sua “vida mudada”, ou “melhorada”, por uma infraestrutura

desenvolvida por gente de fora de sua comunidade, ou melhor, da sua realidade.

2.5.1 Conceitos básicos

O institucionalismo é oriundo das ciências sociais, sendo abordada nas áreas da Economia, da

Ciência Política, além da Sociologia, e busca compreender as mediações entre as estruturas

sociais e as manifestações individuais (THERET, 2003). Tomando como exemplo a

infraestrutura de eletrificação rural, a Análise Institucional buscará compreender de que forma

39

os atores envolvidos são motivados a exercer suas funções dentro da infraestrutura. Tomando

como exemplo o caso do agente responsável pela medição de consumo de energia elétrica: se

este possui estreitos laços com os usuários, de que forma o instrumento de mediação é efetivo

para que o agente não fique constrangido com a necessidade de acusar o consumo de energia

por algum usuário inadimplente? De que forma o instrumento mediação será efetivo para que

sua manifestação individual não se sobreponha à necessidade da estrutura, ou da

infraestrutura? Evidentemente, no caso da não acusação, a infraestrutura pode ser

comprometida pelo fato de esta ser sendo utilizada e não estar ocorrendo o necessário retorno

financeiro.

De forma simplificada, pode-se compreender a motivação para a Análise Institucional da

seguinte forma: ao estabelecer uma relação formal, se observa a forma como cada ator atuará

nesta relação e o que é esperado de retorno de cada um. Em uma situação ideal, se poderia

supor que os atores atuariam de modo a honrar a relação, sendo o resultado obtido o ótimo,

mas não é isso que ocorre. De fato, para que cada ator realize sua parte na relação

dificuldades, ou custos, devem ser superados. Estes custos são denominados custos de

transação, e podem ser observado tanto antes (ex ante) da realização da relação como após (ex

post). A questão é que tais custos podem motivar os atores a deixar de cumprir sua parte, e é

aqui que entra o instrumento mediador, na forma de motivador para que a realização da parte

de cada ator implique em benefícios maiores que a fuga de suas obrigações.

Retomando o exemplo do agente responsável pela medição do consumo de energia elétrica,

de forma simples, a relação firmada impõe que este busque a informação de consumo e a

passe para seu responsável, que procederá com os trâmites de cobrança. Na realização de sua

parte da relação, o ator pode se deparar com o custo de superar o constrangimento de

“delatar” alguém com quem tenha laços pessoais para que a informação seja passada ao seu

responsável e, da mesma forma, o responsável pela ação do ator tem que superar os custos

relacionados a monitorar a ação deste, de modo a impedir que o ator se desvie de sua

obrigação. Nesse caso, o instrumento mediador deve garantir que os ganhos ao ator sejam

maiores em caso do cumprimento de sua obrigação, do que no caso do desvio efetivo, o que

pode se dar por mecanismos de punição.

40

Os instrumentos de mediação citado são, justamente, as instituições, foco da Análise

Institucional. As instituições são o conjunto de regras que regem as interações humanas

repetitivas, que buscam tornar o comportamento humano previsível, diminuindo as incertezas

nas interações (OSTROM, 2005). Se tomássemos, por exemplo, a interação entre duas

pessoas que não seguissem regra alguma, seja formal, informal, cultural etc, seria impossível

“predizer”, com algum grau de confiabilidade, qual seria o comportamento de um ante uma

ação do outro. As instituições podem ser construídas como regras para o espaço em que

ocorre a interação, podem ser normas de cunho moral, podem ser as estratégias que guiam os

atores, ou ainda podem ser assuntos tomados como verdades indiscutíveis, como as leis

físicas. Todos esses elementos podem guiar os atores nas suas interações. Evidentemente, a

simples presença da instituição (ou da regra) não torna o comportamento previsível, mas sua

presença proporciona, ao menos, confiança aos atores envolvidos.

São as instituições que fornecem as bases para que determinados incentivos ocorram, seja por

meio de regras, ou pela falta delas; que permitem ou coíbem determinados comportamentos

(OSTROM et al., 1993). Uma instituição ineficiente, que não coíba o comportamento

oportunista de alguns, fatalmente irá incentivar a fuga de outros indivíduos, ou mesmo

disseminar o mesmo oportunismo, levando a própria instituição ao colapso.

Vale aqui uma distinção importante: a instituição são as regras, as pessoas compõe a

organização (NORTH, 1990). Esta distinção é importante, pois ao tratarmos da instituição,

buscamos fazê-lo de forma independente da organização. A instituição, assim, rege o

comportamento dos que fazem parte da organização, buscando evitar, por exemplo, o

comportamento oportunista.

A instituição eficiente diminui as possibilidades para que o comportamento oportunista

ocorra. Esta forma de comportamento pode ser observada de várias formas, como o free-rider,

que busca o benefício em função do trabalho do outro; o rent-seeker, que faz uso de formas

ilícitas para maximizar seus lucros; o moral hazard, que diminui sua responsabilidade sobre

algo a partir do momento em que outro compartilha desta responsabilidade (p. ex.: o

indivíduo que diminui seus cuidados com a segurança ao fazer um seguro); o shirking,

41

quando o indivíduo não fiscalizado trabalha de forma preguiçosa, menos que os demais; além

de qualquer outra forma de corrupção17

.

Como citado, as instituições regem as interações humanas repetitivas, ou seja, regem

ambientes como o mercado, a empresa, a escola, ou qualquer outro em que um determinado

fim é buscado, ou negociado, de forma comum. Para compreender a forma como ocorrem as

interações dentro de um ambiente determinado e como ocorrem os diversos incentivos dentro

deste ambiente, Ostrom e seus colegas do Workshop in Political Theory and Policy Analysis

propõe o seguinte framework:

Figura 2.1 – IAD framework

Fonte: Traduzido para o Português de Ostrom (2005)

Ostrom (2005) define o espaço em que ocorrem tais interações como arena de ação [action

arena], esse espaço não é necessariamente um espaço físico e sua abrangência pode ir além

dos limites formais estabelecidos nos exemplos anteriores (isso em função da influência de

atores de outras instituições ligadas a essas). O que compõe a arena de ação e de fato a define,

são os participantes e as situações de ação, como, por exemplo, o ator responsável pela

medição e a ação de medição.

Cada situação de ação é definida, ou caracterizada, pelos participantes que fazem parte dela,

pelas posições que esses participantes têm dentro da arena, pelos resultados obtidos pela ação

em função da decisão dos participantes, pelos custos ou benefícios associados aos resultados

da ação, pela ligação entre a ação e os resultados, pelo controle que os atores tem dentro do

17

Optou-se por manter os nomes do original em inglês para os possíveis comportamentos oportunistas,

mas poderiam ser equivalentes em português: free-rider, o aproveitador, ou parasita; moral hazard: o

acomodado, ou relaxado; o rent-seeker: o estelionatário; e o shrinker: o folgado.

42

contexto da ação e pela informação disponível para os participantes da ação na sua tomada de

decisão a respeito da situação de ação. As decisões dos participantes também são

influenciadas pelas variáveis exógenas à arena, que são os atributos da comunidade, as

características biofísicas e materiais envolvendo a ação de situação e as regras que regem a

ação18

.

Novamente com o ator responsável pela medição do consumo de energia elétrica, sua decisão

sobre a ação de medição terá como influências sua posição dentro da estrutura, do que

resultará a medição ou não, a distância que ele deve percorrer para realizar a medição, se ele

passará ou não por constrangimentos com o pessoal da comunidade ao medir, se é mais

compensador ou não deixar de realizar a ação em função do constrangimento ante as punições

impostas pela regra, se o seu supervisor terá condições de verificar a correta realização da

medição etc.

Os resultados obtidos nas situações de ação podem ser determinantes para o sucesso ou

fracasso da infraestrutura. Um dos aspectos da análise institucional é a necessidade do

estabelecimento de critérios de avaliação [Evaluative Criteria] (OSTROM, 2005, pg. 66).

Dentro do contexto do desenvolvimento de infraestruturas para o desenvolvimento humano,

buscando o sucesso da empreitada, as instituições envolvidas podem ser avaliadas segundo

sua capacidade de prover incentivos para que alguns objetivos sejam cumpridos.

Estes objetivos são (OSTROM et al., 1993; OSTROM, 2005):

1. eficiência econômica – a eficiência econômica ocorre quando nenhuma realocação

de recursos para beneficiar um indivíduo seja possível sem prejudicar outro; aqui

inclui-se a alocação de recursos para todos os âmbitos da infraestrutura;

2. equivalência fiscal – nesse caso, espera-se que o “preço” cobrado de cada

indivíduo seja equivalente ao seu uso da infraestrutura;

3. redistribuição – um problema comum em projetos que não envolvam alguma

forma de subsídio, é a exclusão dos mais pobres, o que, de certa forma, é um

grande paradoxo, dada a natureza dos projetos discutidos aqui. A redistribuição

18

Um síntese pode ser encontrada na figura 2.1 de Ostrom (2005:33).

43

visa, justamente, atingir os mais pobres, permitindo a estes, o acesso à

infraestrutura, seja por alguma forma de subsídio, ou de crédito;

4. responsabilidade dos indivíduos envolvidos – a responsabilidade esta em todos os

aspectos da infraestrutura e, quando não é atingida, cai nos comportamentos

oportunistas citados anteriormente;

5. adaptabilidade – nesse caso, o arranjo institucional deve ser capaz de responder a

eventos que poderiam fazer sucumbir a infraestrutura.

Bardhan (1993) também observa a equidade como elemento fundamental para o bom

funcionamento da cooperação informal, assim como o comportamento recíproco. Parte disso

vem da própria natureza fiscalizadora de comunidades tradicionais, onde o indivíduo toma

como base para a qualidade do seu bem-estar o “sucesso” do seu vizinho (FOSTER 1964).

Nesse sentido, Bardhan (1993) também destaca a desconfiança nas atividades que envolvem a

participação de membros das comunidades mais abastados, sempre alvos de desconfiança.

Com relação aos custos de transação, Ostrom et al. (1993), em um amplo levantamento de

projetos de intervenção planejada, identificam diversos custos relacionados à construção e

operação de infraestruturas. Evidentemente estes custos não são exclusivos de tal situação,

mas podem ser apontados como presentes e de grande relevância. Os custos de transação que

podem ser destacados nos projetos de infraestrutura aqui discutidos são:

1. custos de transformação – relacionados ao processo de transformação de uma dada

entrada em uma saída, no caso o custo de construção propriamente dita da

infraestrutura, ou o custo gerar o benefício para a comunidade;

2. custos de coordenação – relacionados à coordenação dos diversos atores envolvidos no

projeto;

3. custos de informação – relacionados à obtenção de informações de tempo e local

(destacado adiante) sobre o meio em que a infraestrutura será desenvolvida e atuará e

informações científicas mais atuais para o desenvolvimento da mesma;

4. custos estratégicos – relacionados ao desenvolvimento de instituições que coíbam os

comportamentos oportunistas (rent-seeking, free-rider, corrupção, shirking e moral

hazard); outro custo estratégico diz respeito à falta de informação segura sobre algo,

44

ou adverse selection, por exemplo, na compra de um carro usado não se sabe que tipo

de problemas ele traz, correndo-se o risco de comprar um carro realmente ruim.

2.5.2 A construção de instituições

Um resultado esperado da Análise Institucional é que se desenvolvam instituições mais

eficientes, de modo a estrutura obter melhores resultados. Ora, se é possível identificar os

custos relacionados à manutenção de uma infraestrutura, é possível que se busquem

instituições que motivem os atores envolvidos a superar tais custos. Da mesma forma, é

possível identificar quais arranjos instituições podem ser construídos de modo a que os custos

sejam minimizados (os arranjos institucionais serão abordados adiante).

A construção de instituições é um dos aspectos abordados em Ostrom (1990), neste caso,

instituições voltadas para a autogestão de bens esgotáveis comuns [common-pool resources],

como a pesca, a colheita de árvores entre outros. Nele Ostrom analisa diversas cooperativas,

determinando uma série de princípios comuns observados nos casos de sucesso. Projetos de

eletrificação rural apresentam características distintas das analisadas por Ostrom, mas o

quadro apresentado pela autora mostra-se válido aqui também.

O quadro de princípios de design [design principles] de Ostrom (1990) indica quais elementos

devem ser observados na construção da estrutura de autogestão e é apresentado a seguir:

1. limites bem definidos – aqui observa-se a necessidade da boa definição de

atribuição aos atores envolvidos, ou seja, da definição dos direitos e deveres de

cada um;

2. congruência nas regras de apropriação e provimento – definição de regras

coerentes entre a propriedade dos sistemas e a forma de provimento de

manutenção do sistema;

3. escolha coletiva – aqui os atores envolvidos tem participação nas decisões tomadas

a respeito da infraestrutura;

4. monitoramento – a fiscalização propriamente dita das obrigações dos atores

envolvidos;

45

5. sanções graduais – a aplicação de sanções, ou punições, dosadas em função da

gravidade da falta;

6. mecanismo de resolução de conflitos – a construção da instituição deve favorecer a

rápida resolução de conflitos (tipicamente pequenos) por seus próprios membros;

7. direito de organização – direito da comunidade de estabelecer suas instituições

além da esfera governamental;

8. organização por aninhamento de interesses, ou usos [nested enterprises, no

original] – o desenvolvimento de instituições distintas de acordo com o uso do

recurso, como o uso para bombeamento de água e o uso domiciliar, por exemplo.

A geração descentralizada de energia elétrica não pode ser considerada como um bem

esgotável comum, ainda mais no caso das fontes solar e eólica, foco desta pesquisa, mas

alguns destes princípios são destacados na literatura, em artigos específicos. Isso pode ser

observado em Sanchéz (2007), que em seu trabalho sobre geração hídrica no Perú destaca a

importância da definição clara das posições dos atores envolvidos na gestão do sistema. Em

sua análise a respeito do sistema fotovoltaico instalado na África do Sul e as dificuldades

encontradas em aliar um modelo pré-pago de consumo e a forma de aquisição dos cartões de

carga, Santos (2002) evidencia a necessidade de congruência entre a propriedade e o

provimento. A escolha coletiva, ou a participação dos usuários na construção da infraestrutura

e nas suas decisões é destacada em Serpa (2001) em sua análise a respeito da eletrificação por

sistemas fotovoltaicos domiciliares em Cananéia e novamente em Sanchéz (2007). Em

Dornan (2011), por meio da análise de sistemas fotovoltaicos domiciliares instalados em Fiji,

fica evidente a necessidade da estrutura de monitoramento dos atores envolvidos, em especial

do pessoal de manutenção. Os demais princípios não foram observados de forma evidente na

literatura, mas pode-se supor que sua presença aumente as chances de sucesso da

infraestrutura de eletrificação rural descentralizada.

2.5.3 Arranjos institucionais

Para compreender os arranjos institucionais em projetos de intervenção é necessário, antes de

tudo compreender alguns aspectos voltados para a construção da infraestrutura. A respeito

disso, Ostrom et al. (1993) apresentam aspectos de grande relevância que podem ajudar a

46

compreender de que forma os possíveis arranjos institucionais podem contribuir ou não para o

sucesso da infraestrutura.

Um primeiro ponto a ser destacado é que infraestrutura pode ser dividida em dois estágios,

que são o de produção e o de provimento. O estágio de produção é o estágio em que um

determinado bem é produzido, e o estágio de provimento, onde este bem é servido aos

usuários. Se tomarmos como exemplo a produção de energia elétrica, no estágio de produção

teremos tudo relacionado com a produção de energia elétrica, como a tomada da fonte

primária, sua conversão, o controle da sua qualidade, entre outros, enquanto no estágio de

provimento, teremos tudo relacionado à transmissão e distribuição, como a qualidade das

linhas de transmissão até a chegada ao domicílio do usuário, eventualmente algum

equipamento que seja de responsabilidade do interventor, a cobrança pelo consumo, entre

outros.

Outro aspecto importante apontado em Ostrom et al. (1993) é o conhecimento além do

conhecimento científico. O conhecimento definido como científico por Ostrom et al. é o

conhecimento do interventor. Aqui se destaca a necessidade do conhecimento das pessoas da

comunidade, definido como conhecimento de tempo e espaço. Essa ideia converge com as

outras já apresentadas nessa dissertação. De fato, é reconhecido como um elemento

fundamental para a solução de problemas que podem se apresentar na construção da

infraestrutura e adequação ao local onde será instalada (SERPA, 2001), ou nos estágios de

produção e provimento. Conhecer todos os aspectos técnicos da construção de uma ponte, por

exemplo, podem não ser suficientes para mantê-la íntegra, caso não se conheça o regime de

cheias do local de sua construção.

Por fim, Ostrom et al. (1993) reforçam a necessidade da presença da estrutura de manutenção

para a infraestrutura, assim como é observado em diversos trabalhos voltados para a

eletrificação rural e também em outros relacionados à transição energética. Estes autores, em

seu levantamento, observam que a ausência desta estrutura é um dos aspectos que podem

levar ao colapso da infraestrutura.

47

Os arranjos institucionais variam muito em função da estrutura associada a um projeto de

infraestrutura. Com o arranjo, variam também os custos de transação citados anteriormente e,

conseqüentemente, os incentivos de cada indivíduo (OSTROM et al. 1993).

Um exemplo desta variedade é a construção de um sistema de irrigação. Para a análise

tomaremos as situações definidas como mercado simples, mercado diferenciado e de grupo de

usuário.

No arranjo por mercado simples, cada indivíduo interessado no sistema de irrigação lida

diretamente com o projetista, o construtor e com a estrutura de operação e manutenção. No

mercado diferenciado, o indivíduo lida com firmas que agreguem os estágios de projeto,

construção e operação e manutenção, além de dispor de empresas de crédito para viabilizar a

empreitada. Em ambos os casos, o sistema de irrigação é individual. No caso do grupo de

usuários, forma-se um grupo de usuários interessados que, representados por alguns

indivíduos selecionados, busca a infraestrutura de forma coletiva. O grupo de usuários

interage com o mercado diferenciado.

Nos três casos, o custo relacionado à transformação no estágio de provimento pode ser

considerado baixo. Nesse mesmo estágio, o custo de coordenação é alto no mercado simples,

visto que o indivíduo deve lidar com todos as partes envolvidas e médio nos demais. Os

custos relacionados à informação são baixos, para tempo e lugar, dada a proximidade do

projetista com os indivíduos, e altos no científico. A estrutura de grupos de usuários se mostra

mais eficiente nos custos estratégicos que as demais, dada a fiscalização próxima de todos

sobre todos.

Com relação ao estágio de construção, os custos de transformação se mostram baixos para o

mercado diferenciado e para o grupo de usuário (por utilizar a estrutura de mercado

diferenciado) pela possibilidade da economia de escala na produção, fato difícil de ser

conseguido no mercado simples. O custo de coordenação aqui também é menor para o

mercado diferenciado e para o grupo de usuários. A obtenção de informações de tempo e

espaço novamente tem custo baixo, enquanto que a científica aqui se mostra menos custosa

para o mercado diferenciado e para o grupo de usuários. Nesse caso, os custos estratégicos

também são menores para o mercado diferenciado e para o grupo de usuários.

48

Por fim, a eficiência, a equivalência fiscal e a redistribuição são fatores onde o grupo de

usuários se mostra mais eficiente que os demais, enquanto que na responsabilidade e

adaptabilidade as estruturas podem ser consideradas equivalentes.

Vale observar que o objetivo desta análise não é decretar o fracasso antecipado de um arranjo

institucional, mas sim identificar os pontos que podem fazer com que o fracasso ocorra. Uma

vez identificados os pontos, instituições podem ser desenvolvidas de modo a minimizar seus

impactos e buscar a sustentabilidade do projeto.

2.6 Síntese do capítulo

O objetivo deste capítulo foi o de apresentar conceitos básicos que devem nortear as análises

que seguem sobre projetos de eletrificação rural descentralizada. Como já observado, tais

análises terão como base a identificação dos incentivos que aumentam ou diminuem as

chances de sucesso de tais projetos.

A relação entre cultura, comunidade e território não permite observar os incentivos per se,

mas permite observar que sejam quais forem estes, a resposta do indivíduo a este fica

profundamente condicionada em seus valores culturais, ou ainda, em seus valores morais.

Pode-se observar pela análise do processo de transição energética diversos elementos de

incentivo ao indivíduo. Ver seus vizinhos fazendo uso com sucesso de uma determinada

tecnologia. Verificar nessa tecnologia benefícios pode ser um incentivo para que o indivíduo

adote esta tecnologia.

Compreender os incentivos pela Abordagem de Capacidades também se faz importante, visto

que por meio desta podemos compreender aquilo que o indivíduo realmente valoriza, que

deseja para si ou para os outros. Ter de uma fonte energética elementos que possa incrementar

seu bem-estar, sua condição de agente, pode servir de incentivo para o indivíduo faça uso

desta.

Por fim, moldar instituições que tratem destes incentivos, positivos ou perversos, gerados

pelas próprias instituições ou por outros fatores, constitui-se na tarefa que permite que a

infraestrutura atinja ou não o sucesso na sua empreitada.

49

Capítulo 3 – A ELETRIFICAÇÃO RURAL E PRÁTICAS DE GESTÃO

3.1 Introdução

Um projeto de eletrificação dentro de um ambiente comum à empresa concessionária de

serviços de energia elétrica tem por padrão levar em consideração apenas aspectos técnicos e

econômicos para sua realização. Por exemplo, a extensão da rede para a alimentação de um

loteamento dentro de um bairro poderia levar em consideração apenas os custos envolvidos na

colocação de equipamentos como postes, cabos, transformadores, e dimensioná-los dentro de

uma expectativa de demanda determinada de forma estatística em função da demanda das

regiões adjacentes à que será servida. Isto porque espera-se deste novo usuário um

comportamento próximo daqueles outros que vivem de maneira similar à este.

Como já explicitado no capítulo 1 desta dissertação esta forma de visão não pode ser adotada

de forma direta no caso da eletrificação rural de comunidades isoladas. As dificuldades

decorrentes em realizar a extensão de rede, seja por motivos econômicos ou geográficos, a

cultura particular da comunidade a ser servida, o acesso a recursos que façam uso da

eletricidade, as dificuldades em manter e gerir o sistema, são alguns aspectos que tornam a

eletrificação de comunidades isoladas diferente da eletrificação convencional realizada pelas

empresas concessionárias. Para tais comunidades a forma de eletrificação que se busca é a

descentralizada, que implica no fato de que a eletricidade será gerada de forma específica para

este atendimento, tipicamente dentro da comunidade, ou ao menos próximo a esta

(espacialmente).

Para compreender melhor a eletrificação rural descentralizada, e as formas como ela ocorre,

serão destacados a seguir alguns aspectos relevantes e que em diversos casos podem ser

considerados independentes em projetos de eletrificação rural. São eles: (1) a motivação da

eletrificação e quem a realiza, (2) a questão da propriedade da infraestrutura de geração, (3) a

estrutura de manutenção para a infraestrutura, (4) o uso da estrutura de cooperativas e

associações de moradores, (5) estruturas de mercado e por fim (6) a problemática da

infraestrutura mantida pela concessionária.

50

3.2 Aspectos relevantes dos projetos de eletrificação rural

3.2.1 A motivação para a eletrificação rural e quem a realiza

Apesar do recente interesse acadêmico na eletrificação rural, ela ocorre desde os primórdios

da eletrificação. Assim, por exemplo, o uso de geradores eólicos para alimentação de baterias

é reportado em Re-focus (2002) como ocorrendo a pelo menos 100 anos. Ainda, a prática da

eletrificação rural se mostra muito frequente, em especial quando se observa a formação de

cooperativas de eletrificação, prática comum nos Estados Unidos (YADOO e

CRUICKSHANK, 2010) e no Brasil. Definir uma motivação para esse período histórico

talvez não seja o mais apropriado, ou ainda, meramente especulativo, tendo em vista a falta de

estudos sobre este tema para este período, por isso esse período não será abordado aqui.

Com relação ao processo de eletrificação a partir da década de 1970, mais documentado, dois

elementos podem ser destacados como motivadores para a prática da eletrificação rural

descentralizada: a promoção do desenvolvimento e o atendimento a leis nacionais de

universalização.

Como já citado, a associação entre a eletrificação e alguma visão de desenvolvimento data

desde o período da Doutrina Truman, nos Estados Unidos, e dos movimentos de

industrialização das nações socialistas pela antiga URSS (MORANTE, 2004). Com o objetivo

declarado de auxiliar nações ditas subdesenvolvidas, gradativamente surgiram instituições de

ajuda internacional, como USAID (EUA), Cooperação Espanhola (Espanha); grupos

privados, como o GTZ (Alemanha), ou ITDG (Reino Unido – atualmente denominado

Practical Action), além de grupos específicos do Banco Mundial, ou organizações religiosas,

entre outros que, por meio de alguma forma de intervenção, buscavam promover aquilo que

compreendiam como desenvolvimento na região por eles assistidas. A eletrificação rural fazia

parte dos instrumentos utilizados com vista ao desenvolvimento, sendo as organizações

citadas acima ávidas em seu uso.

Com as reformas nos setores elétricos de diversos países, aqui incluído o Brasil,

(HAANYIAKA, 2006), a busca pela universalização ao acesso à eletricidade como forma de

desenvolvimento acabou perdendo sua força, pois a figura da empresa pública foi substituída

51

por concessionárias regidas pelas leis de mercado. A motivação para a eletrificação agora

passou a ser a abertura de um novo mercado consumidor.

Ainda assim, a ideia de que a eletricidade pode ser um vetor para o desenvolvimento não

perdeu sua força19

. No entanto, surge a necessidade de um mecanismo que trouxesse para a

empresa concessionária a responsabilidade que antes foi pública. No caso brasileiro esse

mecanismo foi a criação da Lei 10.438, de 26 de abril de 2.002, a Lei de Universalização de

Acesso à Eletricidade, que define que todos têm direito ao acesso à eletricidade, cabendo ao

Estado a concretização deste direito. Como forma de estímulo ao cumprimento da lei, foi

criado o programa “Luz para Todos”, em novembro de 2003, com o objetivo de diminuir o

ônus financeiro das concessionárias na eletrificação de locais poucos atrativos

financeiramente e de fomentar o uso de tecnologias alternativas para geração. Este programa

sucedeu outros de mesmo fim, como o PRODEEM e o programa “Luz no Campo”,

desenvolvidos em um governo anterior com o mesmo objetivo, mas por meios diferentes para

a obtenção da universalização.

Esse movimento de transferência de responsabilidade, ainda que estimulada por incentivos

financeiros, acabou resultando também em uma mudança de motivação por parte do

interventor. Este, que antes era a instituição que tinha como motivação a busca pelo

desenvolvimento do local em que a intervenção ocorre, agora passa a ser a concessionária,

cujo objetivo direto é o cumprimento de metas estabelecidas pela agência reguladora (no

Brasil, a ANEEL).

Um exemplo de como a mudança de visão ocorre é o caso ECOWATT (ver Box 3.1). Nele, a

empresa CESP deixa claro que compreende sua colaboração ao desenvolvimento

socioeconômico da região como sendo a taxa de retorno de 10% sobre o valor investido.

Neste caso, a questão do desenvolvimento é abordada não sob a ótica do usuário, mas sim do

interventor, assumindo-se que o “sacrifício” do lucro do interventor é suficiente para que os

usuários atendidos tenham condições de buscar o desenvolvimento.

19

Houveram mudanças em termos de conceitos. A visão de desenvolvimento se diversificou, deixando de

ser apenas desenvolvimento econômico, passando a socioeconômico e finalmente, deixando-se de compreender

a eletricidade como elemento suficiente para tal, somando-se a esse a providência de elementos relacionados ao

acesso (como construção de estradas), saúde, produtividade etc.

52

Box 3.1

O programa Ecowatt

O programa ECOWATT foi desenvolvido nos municípios de Iguape, Iporanga e Cananéia, na região do Vale do

Ribeira, tendo como objetivo atender consumidores de baixa renda, baixa demanda e que ocupavam área de

proteção ambiental (ZILLES et al.1997 apud SERPA 2001).

Desenvolvido no ano de 1997, o programa realizou a instalação de 120 sistemas fotovoltaicos domiciliares. A

escolha do sistema fotovoltaico veio em função de poucos estudos sobre as possibilidades de sistemas eólicos e

híbridos (SERPA 2001), e teve como base para dimensionamento o uso de duas lâmpadas 9 W (4h/dia), 1 TV

branco e preto (3h/dia) e um rádio (3h/dia). A CESP optou pelo processo de licitação pública para a compra dos

equipamentos, que foi vencida pela empresa SIEMENS SA (SANTOS 2002).

A CESP optou pelo planejamento com base em um retorno de 10% do valor investido, utilizando a forma de

leasing para o estabelecimento de uma relação comercial com as famílias selecionadas para o atendimento. O

valor de 10% como taxa de retorno, ao invés de uma taxa maior, foi entendido como contribuição social da

concessionária para o desenvolvimento sócio-econômico da região (CESP 1997 apud SANTOS 2002). Para o

processo de instalação a SIEMENS SA optou pela terceirização do serviço, com o objetivo de diminuir seus

custos (SANTOS 2002).

Serpa observa que o treinamento foi feito de forma rápida. Foi oferecido um manual de instruções ao usuário

atendido, e o suporte foi oferecido por meio de linha telefônica 0800 (SERPA 1998 apud SANTOS 2002).

Santos (2002) observa que o sistema de geração oferecido pela empresa SIEMENS SA foi sobredimensionado, e

o de armazenamento subdimensionado, implicando na sua subutilização (em função do equipamento elétrico

escolhido para uso) e, consequentemente, na impossibilidade de uso de toda energia elétrica disponível, além do

custo passado ao usuário não ser compatível com seu real uso. Também observa problemas relacionados à

qualidade dos equipamentos, que apresentaram problemas sistemáticos durante a duração do projeto.

O nível de conhecimento dos usuários do sistema, segundo Serpa (2001) estava entre médio e baixo, sendo alto

apenas o do usuário que hospedou o técnico contratado para instalação pela empresa SIEMENS SA, que teve a

oportunidade de absorver mais conhecimento em função do seu contato.

As consequências da forma de desenvolvimento da CESP no projeto ECOWATT foram que em novembro de

1998 o nível de inadimplência chegava a 70% (SANTOS 2002) e Serpa (2001) registrou a falência total do

projeto no ano de 2001. Vale observar que durante o projeto a CESP foi privatizada, passando a ser ELEKTRO,

que pouco interesse demonstrou em reverter o quadro apresentado.

53

Barnes (2007), em seu estudo sobre os desafios da eletrificação rural, aponta que uma das

premissas para que o projeto de eletrificação rural tenha sucesso é justamente a motivação do

interventor. Para que o projeto possa ser efetivo, a busca pelo desenvolvimento deve ser esse

motivador. De fato, o comprometimento do interventor com a infraestrutura e o objetivo desta

pode significar um incentivo para que os custos de transação relacionados ao processo de

eletrificação sejam superados.

Evidentemente, o fato de o interventor ter o compromisso com o desenvolvimento não

implica, necessariamente, no sucesso da empreitada. As variáveis que são consideradas neste,

a forma como é conduzido, e as próprias características do interventor são elementos que

contribuem para o sucesso ou fracasso da eletrificação rural descentralizada.

Um problema recorrente nos projetos de eletrificação rural descentralizada é o fato de este ser

guiado apenas por aspectos técnicos relacionados à forma de geração e distribuição da

energia, ignorando as particularidades da comunidade atendida.

Nesse sentido, Serpa (2001) e Goméz e Montero (2010) argumentam que a presença do

cientista social é um elemento fundamental para que o processo de eletrificação tenha maior

chance de êxito. Isso ocorre porque o cientista social pode auxiliar a compreender os valores

da comunidade, sua relação com o território, suas reais necessidades e de que forma a nova

forma de energia pode ser melhor apropriada pela comunidade. Nesse sentido, o cientista

social tem o conhecimento necessário para tal, diminuindo assim os custos para a obtenção de

informação e, ainda, diminuindo a assimetria entre a qualidade da informação do interventor e

da comunidade. Além disso, as informações obtidas e a diminuição da assimetria de

informação diminuem os custos de transação associados ao projeto, aumentando suas chances

de êxito. Van Els (2008) argumenta que este pode ter sido um dos elementos que motivou o

sucesso para recentes projetos de eletrificação descentralizada na região amazônica, e este

pode ser observado também em outros processos de transição energética, como observa

Murphy (2001), quando apresenta casos de sucesso relacionados à participação do cientista

social.

Por fim, as próprias características do interventor, enquanto organização, podem influir nos

resultados do processo de eletrificação. Segundo Moraes et al. (2012), a probabilidade de um

54

projeto de eletrificação rural atingir a sustentabilidade varia em função da instituição que o

mantém após o início de suas operações. Sua análise tem como base as instalações realizadas

com painéis fotovoltaicos e é aplicada também para sistemas fotovoltaicos de bombeamento

de água (objeto de análise do artigo citado). Os autores desenvolveram a seguinte tabela para

análise:

Tabela 3.1 – Instituições e a possibilidade de sucesso de seus projetos de eletrficação

Tipo de

instituições

Características Possibilidade do

projeto ter sucesso

a longo prazo

Especializadas - Atuam na região de maneira assídua e constante.

- Sua especialização permite que contem com pessoas e logística

necessária para trabalhos focados no uso da tecnologia fotovoltaica.

- Como exemplo pode-se mencionar empresas especializadas,

concessionárias de energia elétrica com área para o uso da tecnologia

fotovoltaica, instituições governamentais com área especializada.

Muito grande

Consolidadas - Atuam na região durante muito tempo.

- Contam com pessoas e logística necessária para trabalhos em

campo.

- Como exemplo pode-se mencionar fundações, instituições de

grande vínculo com a região, concessionárias de energia elétrica,

instituições

consolidadas municipais, estaduais ou federais.

Grande

Temporais - Atuam na região de forma esporádica.

- Embora participem pessoas especializadas não contam com a

logística necessária para trabalhos em campo durante vários anos.

- Como exemplo pode-se mencionar ONG´s, laboratórios ou centros

de pesquisa de Universidades ou instituições científicas, instituições

governamentais com expectativa de curta duração.

Pouca

Ocasionais - Atuam na região ocasionalmente.

- Embora envolvam pessoas especializadas não contam com a

logística necessária para trabalhos em campo durante vários anos.

- Como exemplo pode-se mencionar ONG´s não consolidadas,

empresas motivadas por marketing, iniciativas particulares, partidos

políticos.

Pouquíssima

Fonte: Adaptado de Moraes et al. (2012)

55

Assim, instituições de atuação constante em uma determinada região e com a especialização

necessária para o trabalho com a tecnologia empregada (Especializadas e Consolidadas)

apresentam uma maior probabilidade de garantir a sustentabilidade do projeto, enquanto

organizações Temporais e Ocasionais apresentam baixa probabilidade de conseguir essa meta.

Para os autores é imperativo que instituições do tipo Temporais e Ocasionais transfiram a

responsabilidade pelo sistema implementado para instituições Consolidadas ou

Especializadas. Também é altamente recomendável que organizações Consolidadas criem

uma área especializada dentro de sua estrutura para que possam manter tais sistemas.

Um exemplo que já se tornou clássico em termos de projetos de eletrificação rural

descentralizada é o que é conduzido por laboratórios de instituições de Ensino, normalmente

no modelo de projeto piloto. Tais projetos muitas vezes têm como foco apenas a tecnologia

que será empregada, ignorando outros aspectos como a própria gestão do sistema e sua

manutenção. É comum o interventor manter consigo a responsabilidade sobre estes. Fato é

que estes se tornam onerosos para a instituição de ensino, que por não possuir uma estrutura

específica para tal, e com presença constante no local de instalação da infraestrutura, acaba

muitas vezes no abandono do sistema.

Tratando especificamente de sistemas híbridos, o Grupo de Estudos e Desenvolvimento de

Alternativas Energéticas (GEDAE), da Universidade Federal do Pará, é pioneiro no Brasil. O

grupo instalou, até o ano 2004, seis sistemas: um no Estado do Amazonas, na vila de

Campinas, município de Manacapuru, em 1996, um no Estado de Rondônia, na vila de

Araras, município de Mamoré, em 2001, e quatro no Estado do Pará, na vila de Praia Grande,

município de Ponta de Pedras, em 1998, na vila de Joanes, município de Salvaterra, em 1997,

na vila de Tamaruteua, em 1999 e na vila de São Tomé, município de Maracanã (BARBOSA

et al, 2005).

Os sistemas desenvolvidos pelo GEDAE têm o formato de minigrid para geração e

transmissão. A forma de gestão dos sistemas é variada. Os sistemas das vilas de Joanes e

Campinas são gerenciados pelas concessionárias locais (CELPA e CEAM, respectivamente),

os das vilas de Praia Grande, Tamaruteua e São Tomé, gerenciados em conjunto pela

comunidade e pela prefeitura local, enquanto que o da vila de Araras é gerenciado por um

56

Produtor Independente de Energia (PIE – Guascor), sendo que nesse modelo, a energia gerada

é fornecida de forma direta à rede (BARBOSA et al., 2005).

Os resultados, até 2004, eram de apenas três infraestruturas funcionando, as de São Tomé,

Campinas e de Araras, enquanto as de Praia Grande e Tamaruteua vinham operando apenas

com o sistema de backup diesel, e Joanes não funcionava. As causa apontadas para os

problemas das infraestruturas são essencialmente a falta de manutenção, consequência de

escassez financeira, falta de manutenção preventiva, falta de especialização para os técnicos e

pouca participação das prefeituras locais (BARBOSA et al. 2005, BARBOSA et al. 2004).

3.2.2 A questão da propriedade da infraestrutura de geração

A posição de proprietário da infraestrutura é independente que qualquer outra. A propriedade

do sistema de geração não necessariamente é do interventor, e o proprietário também não é,

necessariamente, o responsável pela estrutura de manutenção. Isso tanto para o formato de

minigrid, ou centro de carga de baterias ou mesmo domiciliar.

A forma mais trivial de propriedade é aquela em que o próprio interventor se mantém como

proprietário, como no caso em que as concessionárias realizam a intervenção.

Outra forma é aquela em que o usuário é o proprietário, que é a mais usual em intervenções

que utilizam sistemas domiciliares. Há ainda a forma em que é constituída uma microempresa

que se torna proprietária e mantém o sistema. Menos usual é o caso em que a propriedade da

infraestrutura é transferida a alguma organização, que apenas mantém sua posse (recebendo

pela locação do sistema).

A questão da propriedade influencia, diretamente, os custos que serão passados ao usuário. O

maior impacto para o usuário é observado onde este assume a propriedade do sistema. Neste

caso, o usual é que este assuma, também, os custos de aquisição do sistema.

No caso da constituição de microempresas, é usual que estas aluguem os sistemas,

diminuindo assim os custos para o usuário. Ainda assim, os custos de aquisição do sistema

ficam com a microempresa. Este é o caso do Projeto Luz do Sol (ver Box 3.2). Nele o

57

financiamento oferecido pelo Banco do Nordeste tornava acessível a aquisição dos sistemas

por parte das microempresas, que por sua vez, tinham sua receita pelo uso do sistema pelos

usuários.

Box 3.2

Projeto “Luz do Sol”

As informações a seguir foram extraídas de Santos (2002), trabalho que buscou avaliar modelos de gestão para

sistemas fotovoltaicos para a eletrificação rural.

O “Projeto Luz” do Sol foi desenvolvido no Estado de Alagoas pela Fundação Teotônio Vilela, atual Instituto

Eco-Engenho, em parceria com o Banco do Nordeste e, no início, com a empresa americana Golden Photon a

partir do ano de 1996.

A infraestrutura original era a de Centro Fotovoltaico de Carga de Baterias (CFCB), e foi administrada por

microempresas constituídas por pessoas da própria comunidade. Os sistemas foram adquiridos via financiamento

com o Banco do Nordeste (responsável pelo financiamento de componentes brasileiros do sistema). Toda a

tecnologia era da Golden Photon (também responsável pelo financiamento destes). A manutenção preventiva

ficaria a cargo dos microempresários, enquanto a manutenção especializada ficaria por conta de técnicos de

campo funcionários do interventor (sem ônus para as microempresas).

Esse formato original apresentou problemas, em especial relacionados à participação da empresa Golden Photon.

O primeiro problema destacado diz respeito à qualidade do equipamento empregado, e do seu dimensionamento.

A empresa tratou de todos os assuntos relacionados ao projeto nos Estados Unidos, o que dificultou o contato

com a Fundação e comprometeu a adequação do sistema ao campo em que seria aplicado. Isso implicou em

diversos problemas de ordem técnica, provocando a descrença no sistema por parte de muitos usuários. Além

disso, houve a expectativa na empresa de retorno financeiro pela venda dos sistemas, o que de fato não ocorreu,

em especial porque o número de sistemas vendidos não atingiu a meta necessária para que houvesse lucro.

Esses fatores levaram a Golden Photon a abandonar o projeto, que acabou tendo todos os aspectos financeiros

assumidos pelo Banco do Nordeste, mediante o compromisso com a Fundação Teotônio Vilela de que os

sistemas deixariam de ser CFCBs para ser SFDs. A estrutura de microempresariado foi mantida, mas agora este

alugava os equipamentos domiciliares.

Os microempresários eram treinados pela Fundação Teotônio Vilela, que também era responsável por

providenciar a documentação destes (como RG e CPF), quando estes não tinham, e responsável também pela

abertura e legalização das microempresas. O Banco do Nordeste, por sua vez, oferecia linhas de financiamento

para o pagamento dos sistemas em 12 anos. Originalmente essas linhas eram dedicadas para a compra de 30

58

sistemas (29 para aluguel e 1 para o microempresário). Ainda, o banco era responsável pela contratação de um

contador para verificar a contabilidade das microempresas.

A estrutura de manutenção foi mantida. No entanto, a capacitação do microempresário e seu treinamento para a

manutenção preventiva ficaria a cargo do técnico de campo. Santos observa que dada a quantidade de

manutenção requerida, está já não se caracterizava mais como preventiva, mas sim como corretiva.

Um dos problemas observados por Santos diz respeito à capacidade dos microempresários de honrar a dívida

assumida com o Banco do Nordeste. O problema residia na alta inadimplência dos usuários, justamente com o

microempresário, que acarretava no baixo retorno para este e, consequentemente, na dificuldade em pagar o

valor do financiamento.

Parte desse problema vinha das relações próximas entre os usuários e o microempresário, que não procuravam

cobrar os usuários inadimplentes. De fato, o contato direto com estes usuários era, tipicamente, feito pelo técnico

de campo, que buscava conscientizá-los da necessidade do pagamento em dia.

Durante a pesquisa de Santos, os sistemas ainda operavam. Entretanto é pouca a documentação a respeito deles

após esse período, mas uma consulta ao site do Instituto Eco-Engenho mostra que este projeto vem sendo

revitalizado, e que conta com 90 microempresários instituídos, com 2.700 sistema fotovoltaicos instalados,

atendendo aproximadamente 13.500 pessoas (ECO-ENGENHO, 2012).

Vale citar, que em decorrência dos altos custos envolvidos na aquisição destes sistemas,

carregar o usuário com o ônus da aquisição faz com que o sistema não se torne acessível de

forma universal, implicando no fato de que os mais pobres continuarão a não ter acesso a este.

Nesse sentido, a propriedade centralizada, seja por uma microempresa constituída para tal,

pelo interventor, ou mesmo pela concessionária, passando aos usuários os custos de uso, pode

tornar o sistema acessível a um maior número de usuários, atingindo, inclusive a

redistribuição proposta por Ostrom (1990) em seus Princípios de Design.

3.2.3 A estrutura de manutenção e as questões da dificuldade de acesso e capacitação

Já foi motivo de discussão a necessidade da formação de uma estrutura de manutenção como

parte dos projetos de eletrificação rural descentralizada. No princípio esta questão

praticamente não era tratada, sejam por quaisquer que fossem os motivos (como a crença de

que quem recebe a infraestrutura buscará se qualificar para mantê-la), não sendo, inclusive,

59

exclusividade da eletrificação, como pode ser observado em Ostrom et al. (1993), ao relatar

os fracassos em projetos de intervenção pela ausência da estrutura de manutenção.

Hoje há o consenso de sua importância, apesar de poder ser observado que muitos

interventores ainda não apresentam a dedicação necessária para a construção de uma estrutura

sólida que permita aumentar as chances de sucesso do projeto de eletrificação rural

descentralizada.

A questão da manutenção, em especial para sistema como o híbrido por fontes eólica e solar,

apresenta dois problemas essenciais, que são: a especialização necessária ao técnico que a

realizará e a distância entre a comunidade e os centros urbanos. A essas questões podem ser

somadas a questão da especificidade do material utilizado, tanto em relação à sua oferta em

mercado (seja pelas placas fotovoltaicas ou mesmo pelo aerogerador) como em relação aos

que são construídos especificamente para esta aplicação, como controladores de carga de

baterias. Também deve-se incluir a questão da baixa expectativa de manutenção, que pode

gerar desagrado ao usuário que paga pelo serviço elétrico e pode se sentir lesado por não

observar o constante trabalho do técnico.

A especialização necessária ao técnico de manutenção é o primeiro ponto a ser destacado.

Técnicos voltados à manutenção da rede convencional de energia elétrica tem na sua prática

diária o contato com elementos voltados à transmissão da eletricidade, já no caso da

eletrificação rural descentralizada, há a necessidade, também, do conhecimento dos elementos

de geração, que aqui são as placas fotovoltaicas, os aerogeradores e equipamentos específicos

como os controladores de carga de baterias, inversores, entre outros. Esta necessidade é

observada para todas as configurações para geração aqui apresentadas.

A menor especialização do técnico pode resultar em altos custos financeiros para a

infraestrutura, e um exemplo disso pode ser observado no caso da COELBA, destacado no

Box 3.3. Nele, Brito (2011) relata que a falta de conhecimento técnico apropriado de alguns

técnicos destacados para a manutenção dos SIGFI instalados em diversos pontos do Estado da

Bahia resultou na troca desnecessária de painéis fotovoltaicos. Isso implica em um alto custo

para a empresa concessionária, tendo em vista o preço dos painéis com relação ao custo,

muitas vezes menor, da manutenção que seria realmente necessária (tipicamente a

60

substituição de um componente específico – um diodo – de baixíssimo custo). Além disso, a

falta de especialização do técnico pode resultar em um alto período de interrupção do sistema

em decorrência da necessidade de pesquisa, ou da busca por alguma forma de auxílio para a

solução do problema, o que pode resultar no desagrado do usuário e, eventualmente, no

abandono do sistema por parte deste.

Box 3.3

Eletrificação rural descentralizada realizada pela concessionária COELBA

As informações à seguir são baseadas no trabalho de Brito (2011), que buscou avaliar o tempo de interrupção de

sistemas domiciliares instalados na Bahia pela concessionária COELBA.

A empresa concessionária no Estado da Bahia, a COELBA, iniciou em 2005 a instalação de diversos sistemas

domiciliares para a o atendimento à famílias sem acesso à eletricidade, em resposta à Lei de Universalização do

Acesso à Eletricidade. Foram inicialmente instalados 3.000 sistemas, sendo instalados até o ano de 2009 mais de

15.000.

A empresa utilizou o sistema SIGFI (Sistema Individual de Geração por Fonte Intermitente) para tal, e foram

inicialmente instalados sistemas com capacidade de geração de 13 kWh. No entanto foi cogitado o uso de

sistemas de capacidade de 30 kWh para o atendimento da demanda de consumo. Este sistema é homologado pela

ANEEL, e seu uso autorizado para concessionárias para fins de atendimento de demanda em caso de necessidade

de descentralização. Os sistemas foram instalados sem medidores.

Segundo Brito, a instalação dos SIGFIs pode ser vantajosa para a empresa concessionária em comparação com a

extensão de rede, visto que os valores gastos para a extensão e ligação de uma residência podem ser utilizados

para instalação de 2 SIGFIs.

A manutenção é realizada tanto por técnicos da COELBA como por funcionários de empresas terceirizadas. Não

há uma estrutura dedicada ao atendimento próxima aos usuários. Ainda, a COELBA possui estoque de

equipamentos para substituição, além de contrato com os fornecedores destes.

Brito observa que a duração de interrupção do fornecimento de energia elétrica (DIC – Duração de Interrupção

por unidade Consumidora, variável utilizada em seu trabalho) é maior que a observada para os padrões urbanos,

e isto pode ser consequência de diversos fatores.

Um primeiro ponto observado vem da dificuldade apresentada aos usuários para informar a interrupção. Para tal

os usuários devem informar via telefone, que nem sempre é acessível a eles, ou se dirigir a um posto de

atendimento dedicado, este também não acessível, em função da distância.

61

Outro fator vem das dificuldades de acesso aos sistemas, isto em função das distâncias, das dificuldades

geográficas, ou mesmo da acessibilidade em dias chuvosos. Brito observa que um problema que poderia agravar

ainda mais a situação é o da localização espacial dos sistemas instalados foi resolvido pela instalação de sistemas

de georeferenciamento nos equipamentos, o que permitiu, inclusive, coibir o roubo destes.

Também é um fator determinante na qualidade do serviço a falta de treinamento específico para a manutenção

destes sistemas. Isso implica, de forma direta, na demora para a solução de problemas, ocasionando o aumento

do tempo de interrupção. A falta de treinamento pode implicar em gastos desnecessários para a concessionária,

tendo em vista diagnósticos errados podem resultar na troca de equipamentos inteiros, com é o caso da

desnecessária troca do painel fotovoltaico em função da queima de um componente específico (um diodo).

Apesar dos problemas relacionados ao tempo de interrupção, Brito observa que a necessidade de atendimento

não é grande. Foram observados períodos de até 8 meses sem chamados. De fato, a maior incidência de

problemas foi observada nas baterias, sendo esta, na maioria das vezes, decorrente de sua vida útil.

Apesar disso, em função do tempo de interrupção de sistemas ser efetivamente alto, segundo Brito, para o ano de

2010 a COELBA avaliava a possibilidade de criação de equipes específicas para o atendimento dos SIGFIs.

Com relação à distância, este é um elemento que também impõe grande dificuldade na

questão da gestão nestes projetos, representando um incentivo à má prestação do serviço, ou

mesmo ao abandono deste, por parte do técnico de manutenção. A esse fator pode ser somada

a dificuldade de acesso: nesse caso a distância, per se, não é o elemento que proporciona o

incentivo perverso, mas sim a dificuldade em chegar ao local onde a manutenção é necessária,

ou até mesmo, de localizá-lo. Um exemplo de como a distância pode estimular o técnico a

abandonar o sítio onde o sistema foi instalado pode ser observado no projeto ECOWATT,

descrito no Box 3.1. Aqui, a distância do local onde o técnico ficava estabelecido e o local

onde os sistemas domiciliares estavam instalados, além da dificuldade em acessá-lo,

compuseram um forte incentivo perverso para que o técnico abandona-se sua função; essa

distância também implicou no alto custo de obtenção de informações, dificultando o

monitoramento do trabalho do técnico, o que resultou na efetiva fuga de suas obrigações.

Diversos autores destacam a importância do técnico de manutenção no local onde o sistema

está instalado. De fato, sua presença no local implica na diminuição dos custos oriundos da

distância. A efetividade desta forma de estruturação pode ser observada no caso da

eletrificação por meio de um gaseificador na Vila de Hossahali, na Índia, descrito no Box 3.4.

62

Nesse caso, o técnico é também operador do sistema e fica evidente sua necessidade quando

se observa que a maior parte dos momentos em que o sistema não operou de forma apropriada

coincide com a ausência do técnico.

Box 3.4

Estrutura de eletrificação rural descentralizada instalada em Hossahali, India

A vila Hosahalli fica a cerca de 100 km de Bangalore, no distrito de Tumkur, na Índia e recebeu, no ano de 1988,

um sistema de gaseificação desenvolvido pelo Centre for Sustainable Technologies, do Indian Institute of

Science (vale citar que o IISc esta localizado em Bangalore).

A vila não era eletrificada, e por tal motivo era utilizado o querosene como fonte energética para lamparinas.

Também não possuía bomba d'água (a “fonte” de água – de má qualidade – fica à distância de 1 km da vila) e

nem moinho para grãos (SRIDHAR et al. s.d.).

O primeiro sistema de gaseificação instalado consistia de um gaseificador acoplado a um motor-gerador diesel,

com capacidade de 3,75 kWe. Em 1997 foi substituído por um sistema equivalente, com 20 kWe. Em ambos os

casos gás produzido pelo gaseificador opera de forma conjunta com o diesel, não substituindo-o de forma

completa (SRIDHAR et al. s.d.).

Os custos do sistema foram subsidiados pelo IISc, ficando a cargo da comunidade os gastos com manutenção,

combustível e salários do operador.

O sistema opera predominantemente no período noturno e alimenta uma carga total de 30,7 kW, distribuídos em

iluminação, bombeamento de água para consumo, bombeamento para irrigação e um moinho

(RAVINDRANATH et al. 2004).

O sistema de gaseificação produz gás combustível a partir de biomassa, isto implica na necessidade de

alimentação do sistema, diferente dos sistemas solar, eólico e hídrico. Para a alimentação do sistema podem ser

utilizados restos de algum beneficiamento de biomassa (cascas, por exemplo), madeira etc.

No caso específico de Hosahalli, essa necessidade foi suprida pela criação de uma floresta energética, composta

de 58% de eucalipto, 22% cassia siamea, 13% de acacia auriculiformis e 7% de dalbergia sisso

(RAVINDRANATH et al. 2004).

A floresta energética foi desenvolvida em 1988 com o tamanho de 2,5 há. Em 1991-92 foi ampliada para 4,0 ha.

A produtividade desta floresta é discutível. Ravindranath et al. (2004) reportam uma produtividade de 6t/ha/ano,

enquanto Santos (2006) reporta a produtividade de 10 t/ha/ano.

63

Um projeto de geração de eletricidade por meio de um gaseificador pode ser visto como um dos mais

desafiadores e complexos.

Ao contrário de painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas, que praticamente não apresentam trabalho na operação,

e cuja manutenção é altamente especializada, ou ainda com relação às microcentrais hidrelétricas, cuja

manutenção é um pouco mais complicada, mas a operação nem tanto, cuidados com esses tópicos são

fundamentais no caso da gaseificação.

Os cuidados com a biomassa, sua preparação (corte, secagem etc), o acionamento e a alimentação do

gaseificador, a limpeza das cinzas, substituição da água de lavagem, de filtros (ambos para a limpeza do gás

combustível), limpeza do gaseificador e do motor etc., são um exemplo de toda a complexidade e exigência que

este tipo de sistema demanda.

A estrutura montada por Hosahalli é de cooperativa, onde há a divisão de tarefas no que concerne ao manejo da

biomassa. Nos primeiros momentos da instalação, a comunidade recebia visitas diárias dos técnicos do IISc, mas

até 2006 as visitas passaram a ser semanais (SANTOS 2006). O operador é o único funcionário contratado pela

comunidade e sua presença é imprescindível, pois é o único capaz de operar o sistema (RAVINDRANATH et al.

2004).

Com relação ao custo da energia produzida, os valores encontrados variaram de 5,85 Rs/kWh, para a carga de

6,0 kW até 3,34 Rs/kWh, para a carga de 20 kW (RAVINDRANATH et al. 2004). Cada usuário paga pelo tanto

consumido.

Já com relação à disponibilidade do sistema, Ravindranath et al. (2004) consideraram o período de 1998 à 2003

de funcionamento para acompanhamento. Neste período o sistema operou em 90% dos dias, com 70% de sua

operação no modo de substituição de diesel, e apenas 25% com 100% diesel.

As causas para a operação em 100% diesel foram, essencialmente, a falta de biomassa para a gaseificação, algum

problema com o gaseificador e a ausência do operador.

Os problemas relacionados ao gaseificador (reparo, substituição de peças e manutenção em geral) representam

36% dos de todos os problemas observados; as paralisações em função do motor (reparo e manutenção), 5%; não

disponibilidade de biomassa processada, 42%; não disponibilidade de diesel, 4%; ausência do operador, 9%;

outros problemas (de ordem social), 4%.

Há de destacar, porém, que a grande complexidade na operação do gaseificador não é

observada no sistema híbrido solar-eólico (mesmo com o acréscimo do motor a combustão).

A quantidade esperada de manutenção no sistema objeto deste estudo é muito menor. Isso

64

pode levar ao questionamento do por que pagar a alguém por um serviço “que não é

prestado”, ou não é “necessário”.

Uma forma de diminuir a necessidade da presença constante “em espera” do técnico em

manutenção é o treinamento dos usuários para a prática da manutenção preventiva e de

pequenas manutenções. Essa prática é defendida por Serpa (2001), Santos (2002) e Morante

(2004), e nela busca-se transferir para o usuário todos os aspectos de manutenção que não

exijam conhecimento específico, ou problemas que o usuário seja capaz de detectar e atuar na

sua solução. Nesse caso entram a limpeza de painéis solares, de partes acessíveis dos

aerogerador, a substituição de fusíveis, troca de lâmpadas, eventualmente a substituição de

baterias, enfim, toda prática que o projetista possa observar como acessível ao usuário.

Este nível de capacitação é o que Morante et al. (2006) definem como nível básico de

capacitação. Além da habilidade para pequenas manutenções, os autores acrescentam ainda a

habilidade para coleta de dados, realizar leitura de instrumentos e administrar ferramentas e

peças de reposição. Esta forma de capacitação foi utilizada, por exemplo, nas instalações

fotovoltaicas domiciliares realizadas pelo pessoal do LSF-IEE/USP no Lagamar de Cananéia

(SERPA, 2001).

Morante et al. (2006) definem ainda mais três níveis para a capacitação. O nível intermediário

é compreendido como o nível técnico tradicional, ou seja, do técnico que atua, tipicamente,

em regiões urbanas e é capaz de realizar manutenções específicas mais complexas que as

básicas. Dada a complexidade da tecnologia fotovoltaica, para a qual foi desenvolvida esta

estrutura de níveis, o nível avançado compreende as pessoas cujo treinamento é específico

para a tecnologia, enquanto no nível especializado estão aqueles que compreendem todos os

aspectos da tecnologia sendo, inclusive, capazes de projetar sistemas.

Retomando o conceito apresentado na sessão anterior, a prática da capacitação no nível básico

é comum a todas as instituições. De fato, essa capacitação pode ser realizada durante o

processo de construção da infraestrutura, o que diminui os custos para as instituições. O nível

intermediário, por sua vez, ocorre com menor incidência na literatura. É mais usual

observarmos a presença do técnico intermediário em empreendimentos realizados por

instituições Consolidadas, como as concessionárias de energia elétrica. Geralmente estas

65

aproveitam funcionários de seus quadros para a realização deste tipo de manutenção. Cabe

ressaltar que aqui se apresentam os problemas destacados anteriormente nos casos

ECOWATT e COELBA. A capacitação avançada e especializada pode ser observada em

instituições Especializadas, como é o caso da Fundação Teotônio Vilela (atual Instituto Eco-

Engenho, destacado no Box 3.2). Esta possuía técnico de campo especializado, além de

capacidade para a realização de projetos (o que pode ser observado pela capacidade da

instituição de converter o sistema CFCB por sistemas domiciliares). Também é observada em

casos em que a concessionária compõe quadros específicos para a eletrificação rural, com é

caso da CEMIG, que compôs um corpo de funcionários para o desenvolvimento de projetos

de eletrificação rural (SANTOS, 2002).

Uma forma de minimizar os gastos relativos à capacitação, em casos onde ocorre a

eletrificação descentralizada em grande escala (como na Bahia, por exemplo), é a formação de

centros para a capacitação. Neste caso alguns usuários selecionados na comunidade se

deslocam ao centro, onde são treinados, e retornam à comunidade para que possam

multiplicar o conhecimento adquirido. Um exemplo é o caso da experiência dos yachachiq, no

Perú, onde em um centro para pesquisa e capacitação voltada para a segurança alimentar

camponeses são capacitados para transferir os conhecimentos desenvolvidos neste para as

suas comunidades, assim multiplicando-o. A formação de camponeses no centro, passando

depois pela multiplicação, é motivada pela diferença linguística entre estes e os técnicos.

Assim as pessoas escolhidas da comunidade podem funcionar como intermediários do

linguajar técnico com os demais camponeses, além da garantia na qualidade da informação

passada ao camponês (MORANTE, 2007).

A respeito da distância, Brito (2011) argumenta que um dos problemas apresentados no

COELBA é justamente a ausência da manutenção preventiva, ou do nível básico de

capacitação, que poderia reduzir muito o tempo de interrupção do sistema justamente pela

atuação do próprio usuário. Ainda sobre a distância, agora sobre a dificuldade de localização

do sistema a ser atendido na zona rural, a COELBA resolveu o problema por meio da

utilização de um sistema de georeferenciamento.

Por fim, um problema que pode resultar no fracasso do sistema é a falta de acesso aos

equipamentos para que possa ser realizada a sua substituição. De fato, Leach (1988 apud

66

ELIAS e VICTOR, 2005) e Madubansi e Shackleton (2006) apontam como um dos elementos

para o sucesso da transição energética a presença de uma estrutura que a suporte. Isso também

é destacado por Santos (2002), como uma das premissas necessárias para o sucesso da

aplicação de sistema domiciliares fotovoltaicos.

3.2.4 – Estrutura de cooperativas e associações de moradores

Neste formato de gestão os próprios usuários são responsáveis pela gestão do sistema.

Conceitualmente este formato envolve a associação voluntária de pessoas em função de um

bem comum, que é gerido por estes.

A diferença entre Associação de Moradores e Cooperativas é conceitual. No caso da

Cooperativa, sua formação e propósito são econômicos, e ligados diretamente ao produto de

seu trabalho. A Associação de Moradores é formada tendo em vista o bem comum de seus

associados, moradores de uma mesma região. E sua existência independente de qualquer

produto. Se tomarmos como exemplo a eletrificação, a Cooperativa estaria ligada direta e

exclusivamente ao sistema de geração, enquanto a Associação de Moradores administraria o

sistema, mas não de forma exclusiva, sendo este um dos recursos voltados ao bem comum de

interesse desta.

No Brasil a formação de Associação de Moradores é mais simples que a de Cooperativas, o

que faz com que esse formato seja preferido para a gestão dos sistemas de eletrificação

isolados. O funcionamento dessas associações, no entanto, não difere de uma cooperativa

(VAN ELS, 2012). Isto ocorre porque, apesar da diferença conceitual, a Associação de

Moradores acaba funcionando de forma dedicada ao sistema.

Pode-se observar muitos casos de sucesso de sistemas que utilizam o modelo cooperativo

(YADOO e CRUICKSHANK, 2010; VAN ELS 2012). Um ponto comum a estes projetos

vem da forma que como as estruturas cooperativas recebem suporte. Em casos de sucesso,

como em Bangladesh (YADOO e CRUICKSHANK, 2010; GOUVELLO et al., 2003) ou na

Costa Rica (FOLEY, 2007), há a presença de uma estrutura governamental que dá suporte a

essas iniciativas, fornecendo o que é necessário para que as Cooperativas tenham sucesso.

67

3.2.5 – Criação de empresas locais/Negócios locais

O uso do modelo de mercado também é empregado como alternativa para a gestão de

infraestruturas de eletrificação rural. Aqui o usuário adquire o seu sistema, ou o aluga de uma

empresa. Essa empresa, por sua vez, pode ser o próprio interventor, ou um grupo constituído

por ele, que assuma o processo de gerência.

Um exemplo deste formato é o empregado no projeto “Luz do Sol” (ver Box 3.2), onde o

interventor constituía pequenas microempresas com os usuários interessados e estes, por meio

de linhas de crédito com o Banco Nordeste, adquiriam o equipamento necessário para a

constituição de um Centro Fotovoltaico de Carga de Baterias e retiravam seus lucros da carga

provida aos usuários da infraestrutura.

Outro exemplo de sucesso é o caso da ONG Energética, situada em Cochabamba, na Bolívia.

A Energética é uma instituição voltada para o desenvolvimento, que trabalha de forma direta

com o uso energético diverso, gerado por fontes renováveis. A Energética desenvolve todo o

projeto de eletrificação. Depois de implementado, passa a atuar como suporte técnico e

responsável pela disponibilização de material para reposição (ENERGETICA, 2012). Até o

ano 2001, os sistemas desenvolvidos pela Energética havia atingido um total de 10.572

famílias, em diversos projetos (BOLIVIASOSTENIBLE, 2012).

Esta forma de gestão apresenta como limitação uma tendência à dificuldade na redistribuição,

visto que as pessoas mais pobres da comunidade podem não dispor de condições financeira

sequer para arcar com custos da recarga da bateria, ou mesmo da locação do equipamento.

3.2.6 – Concessionárias de serviços de energia elétrica

Por fim, o formato de serviço por concessionária opera de forma semelhante ao de mercado.

Neste caso o sistema de geração é propriedade da empresa concessionária e é instalado no

local de demanda, cabendo ao usuário o pagamento pelo uso. Esse modelo vem sendo

68

utilizado no Brasil com bastante ênfase desde o início da Lei de Universalização de Acesso à

Eletricidade e do Programa “Luz para Todos”, e também em diversos países20

.

Em um primeiro momento pode-se supor que, por ser conduzido por empresas da área de

geração de energia elétrica, haverá maior probabilidade de que esses projetos tenham sucesso,

mas não é esse o quadro que se observa. Em primeiro lugar, concessionária não se enquadram

no critério de instituições Especializadas, visto que não se encontra no local onde haverá a

instalação (ora, se estivesse, pode-se supor que haveria a rede convencional de energia

elétrica) e que, como citado anteriormente, o conhecimento necessário para o trabalho com a

tecnologia empregada na geração híbrida aqui descrita é diferente do conhecimento do técnico

para a rede convencional. Nesse caso, para que as chances de sucesso aumentem, há a

necessidade de um setor especializado na concessionária para as tecnologias empregadas, o

que as tornaria instituições Especializadas. A vantagem da empresa concessionária, nesse

caso, é a maior possibilidade de acesso ao conhecimento científico, ou especializado nas

tecnologias solar e eólica, o que pode significar uma maior facilidade na formação deste setor

especializado.

Da mesma forma que a avaliação institucional da concessionária não a garante como

instituição com maior probabilidade de sucesso no processo de eletrificação, os outros

aspectos apontados aqui continuam sendo os elementos que contribuem com a chance de

sucesso. Desta forma, projetos que contam com a participação do cientista social, tem sua

propriedade definida, uma estrutura de manutenção capacitada e próxima do local de

instalação e uma estrutura para a reposição de material para suprir as necessidades da

infraestrutura tem maiores chances de sucesso.

Estes aspectos podem ser observados nos já citados casos do ECOWATT e da COELBA,

onde a falta de um planejamento apropriado em termos de dimensionamento do sistema,

respeitando as necessidades locais, e a falta de uma estrutura de manutenção apropriada

resultaram no fracasso do primeiro e vem resultando em um desempenho questionável do

segundo. Ainda, com relação à propriedade, Santos (2002) apresenta o caso dos projetos

pilotos desenvolvidos pela CEMIG, na década de 1990, sob o patrocínio do programa

20

Aqui vale observar que a Resolução no 493 da ANEEL, sobre o uso de MIGDIs e SIGFIs, é dirigida

para estabelecer as condições para a instalação e operação a serem feitas pela distribuidora (ANEEL, 2012).

69

PRODEEM, onde a concessionária ficava responsável pela administração do sistema,

enquanto a prefeitura do município onde eram instalados os sistemas assumia a manutenção, o

que implicava em uma inversão na posição em função da qualificação dos atores, que resultou

em problemas na infraestrutura montada.

3.2.7 Participação do Estado

As formas de participação do Estado na eletrificação rural não são tema central nesta

pesquisa, mas devem ser citadas, justamente em função do exposto anteriormente a respeito

do compromisso do desenvolvedor, destacado por Barnes (2007) em seu trabalho e, também,

pelo fato desta intervenção estar sujeita ao quadro político que se apresenta no momento da

participação e de que modo sua mudança influi na eletrificação rural.

Como já destacado diversas vezes aqui, uma das formas de participação vem pela

formalização de Leis de Universalização, como ocorre no Brasil, por meio da Lei 10.438, de

26 de abril de 2.002, e tendo como instrumento de fomento o programa “Luz para Todos”,

criado em novembro de 2003. No formato brasileiro a concessionária tem exclusividade para

a exploração comercial do uso da eletricidade, sendo esta questionada apenas no caso do não

atendimento da lei.

Uma forma de tornar o empreendimento legal é a sua organização no formato de Produtor

Independente de Energia (PIE), onde a eletricidade produzida é passada integralmente para a

rede da empresa concessionária, que então a repassa para o local onde inicialmente seria

aproveitada. Esse modelo que foi empregado em alguns projetos do GEDAE, em alguns

projetos de aproveitamento hídrico na região amazônica (VAN ELS et al., 2012) e seu uso

vem sendo estimulado para a indústria sucroalcooleira para que se produza eletricidade por

meio de cogeração e se venda para a rede, de modo a aumentar a oferta energética no Sistema

Interligado Nacional.

O programa “Luz para Todos” foi precedido pelo PRODEEM, programa criado sob outro

governo em dezembro de 1994. O PRODEEM, Programa de Desenvolvimento Energético de

Estados e Municípios, tinha um premissa diferente do programa “Luz para Todos”. Enquanto

o “Luz para Todos” atua estritamente como financiador para programas de eletrificação rural,

70

tendo o uso produtivo da eletricidade como um dos critérios para a aprovação do

financiamento, o PRODEEM tinha como prioridade o atendimento de serviços de ordem

social, como iluminação de escolas, bombeamento de água, iluminação coletiva e outros

serviços coletivos, além disso, houve prioridade, ainda que não justificada, para o uso de

sistemas fotovoltaicos, sendo estes a maioria absoluta nos sistemas instalados. Van Els (2008)

aponta diversos problemas relacionados ao PRODEEM, e pode se registrar um grande número

de fracassos, muito em função dos problemas expostos anteriormente aqui, como manutenção

deficiente, mal uso de equipamento, mal dimensionamento, entre outros.

Outra forma de participação do Estado vem na forma de elemento regulador e fiscalizador,

como ocorre, por exemplo, em Bangladesh (YADOO e CRUICKSHANK, 2010). Aqui, um

órgão específico, denominado Rural Electrification Board (REB) é responsável pelo estímulo

à formação de cooperativas para a eletrificação rural, as Palli Bidyuti Samities (PBSs). A

diferença deste para outros programas, tanto quando ao PRODEEM como para o “Luz para

Todos”, é que o REB é responsável pela capacitação do pessoal das PBSs, além de auxiliar

em todos os aspectos financeiros e nos estágios iniciais de operação das cooperativas. Além

disso, as PBSs são consideradas como independentes, mas ainda ficam sob constante

fiscalização da REB para que seja garantida sua sustentabilidade financeira. Barnes (2007)

aponta a presença de um órgão específico do Estado, como é a REB, que execute a regulação

e monitoração dos empreendimentos de eletrificação rural descentralizada, como importante

para que estes empreendimentos tenham maior chance de conseguir o sucesso.

De forma oposta ao exposto acima, alguns países ainda mantém como responsabilidade do

Estado a eletrificação rural, como é o caso de Cuba. A partir de 1993, como uma resposta às

metas apresentadas na conferência Rio 92, o governo de Cuba passou a estimular o uso de

fontes renováveis de forma descentralizada para a geração de energia elétrica (CHERNI e

HILL, 2009; SUAREZ, 2012). Desta forma foram instaladas diversas usinas de pequeno porte

para aproveitamento hídrico, parques eólicos, além do aproveitamento de biomassa e biogás,

assim como o aproveitamento solar. A participação do governo cubano ocorreu de diversas

formas, seja por suporte científico ou por apoio financeiro, na forma de subsídios. Esse foi o

caso, por exemplo, aplicação solar, onde o governo cubano trabalhou em parceria com a ONG

Cuba Solar (CHERNI e HILL, 2009).

71

Não foi localizado estudo recente que trate da qualidade das instalações fotovoltaicas de

Cuba, mas em um estudo de 1999, Lopez et al. (2000) indicam que, apesar de um relativo

sucesso, os sistemas padecem dos mesmos problemas apresentados em outras situações, em

especial pela falta de capacitação apropriada dos usuários. Até o ano de 2010 estavam em

funcionamento 6150 sistemas fotovoltaicos, 180 hidrelétricas, 18 aeogeradores, 3 parques

eólicos, 223 biodigestores e plantas de biogás (CUBAENERGIA, 2012)

Dado o exposto, a participação do Estado no projeto de eletrificação, assim como no caso em

que a concessionária assume a empreitada, não é sinônimo de sucesso. Da mesma forma, os

projetos ficam sujeitos aos problemas expostos anteriormente, como as dificuldades na

manutenção, o mal dimensionamento etc. O Estado pode ser efetivo no que diz respeito à

diminuição dos custos relacionados à informação científica, como ocorre em Cuba ou em

Bangladesh, e também o monitoramento das atividades pode coibir comportamento

oportunista, aumentando as chances de sucesso da empreitada. No contexto do projeto

propriamente dito, a participação do Estado pode ser considerada como premissa para a

construção do sistema e de suas instituições em função da regulação que este possa impor.

3.3 Síntese do capítulo

Este capítulo teve como objetivo apresentar as várias partes de um projeto de eletrificação

rural, e qual sua participação na medida do sucesso do projeto. Foram apresentados como

elementos a motivação do interventor, bem como suas características como instituição; a

questão da propriedade da infraestrutura; o peso que tem a estrutura de manutenção, o acesso

e a capacitação em projetos de eletrificação rural; a forma de organização por cooperativas e

associação de moradores; a formação de um mercado local; foi verificado se o fato da

concessionária ser responsável pela eletrificação significa sucesso para tal; e foi verificado de

que forma a participação do Estado influencia no resultado do projeto.

Um primeiro ponto observado aqui é que a especialização da instituição que realiza o

processo de eletrificação é um ponto de grande peso para o sucesso da eletrificação. Uma

Instituição Especializada deve ter menores custos para obtenção de informações, dada sua

atuação no local de aplicação, além dos custos científicos, em função do know-how, que se

espera desta. Em um primeiro momento, pode-se supor que a empresa concessionária seja,

72

naturalmente, uma instituição Especialista, mas isso depende da presença de um setor

especializado na eletrificação rural e nas tecnologias empregadas, além de possuir meios para

o deslocamento para os locais a serem atendidos. Da mesma forma, o Estado é mais efetivo

quando possui um setor especializado neste tipo de empreitada, como nos exemplos citados.

No contexto do projeto, a presença da estrutura de manutenção no local, e a capacitação dos

usuários, ao menos, no nível mais básico de treinamento, é um elemento quase unânime na

literatura. De fato, a maior autonomia dos usuários com relação ao sistema diminui os custos

relativos á manutenção. A presença de um técnico com conhecimento ao menos intermediário

no local diminuem as chances de grandes interrupções no fornecimento de energia elétrica,

evitando o abandono do sistema apenas pela sua inoperância.

Com relação à forma de organização da gestão do sistema, tanto o sistema cooperativo, como

a formação de um mercado local, podem ter sucesso. A formação de Associações de

Moradores, ou Cooperativas, apresentam a vantagem da proximidade entre os usuários, que

podem diminuir os custos relativos ao monitoramento das atividades, evitando o

comportamento oportunista, além disso, essa forma de organização supõe a participação

coletiva nos processos de decisão, o que pode trazer o envolvimento dos usuários nas decisões

do sistema. A estrutura de mercado, por sua vez, pode apresentar maior sustentabilidade no

que diz respeito aos aspectos financeiros, visto que sua estrutura é moldada, justamente, neste

sentido. Um aspecto negativo com relação à estrutura de mercado é o fato de apresentar

maiores dificuldades para a realização da redistribuição, visto que os mais pobres podem não

ter condições para adquirir o acesso. Este aspecto também é presente na estrutura por

cooperativa, mas pela própria natureza comunitária da estrutura, pode-se esperar maior

esforço para a redistribuição seja atingida.

Por fim, a questão da propriedade do sistema é de fundamental importância, em especial pelos

aspectos financeiros envolvidos. Vale observar que todos os aspectos descritos anteriormente

continuam válidos aqui. Ainda há a necessidade da capacitação e da estrutura apropriada de

manutenção. Uma cooperativa pode ser construída para gerir o sistema, mesmo esta não sendo

a proprietária. A participação do Estado continua presente na foram de regulador e monitor do

sistema. Mas a questão financeira é efetivamente afetada pela questão da propriedade, em

especial pelos altos custos envolvidos na aquisição do equipamento necessário para a

73

eletrificação por sistema híbrido solar-eólico. Neste sentido, a chance de que uma comunidade

assuma de forma total os ônus de propriedade do sistema implica em grande chance de

fracasso do sistema, em especial pelas dificuldades financeiras que normalmente são

observadas em comunidades rurais, enquanto que a propriedade do sistema por uma

instituição que seja capaz de mantê-la financeiramente aumenta sobremaneira a chance de

sucesso. O mesmo vale para o caso da formação de mercados locais, sendo a possibilidade do

uso de microcréditos, ou financiamentos, além do maior giro de capital, um elemento que

pode aumentar as chances de sucesso do sistema.

74

Capítulo 4 – OBSERVAÇÕES DE CAMPO

A pesquisa de campo foi realizada no “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica

Sustentável para a Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA”, e avaliou a gestão do

sistema híbrido solar-eólico-diesel instalado neste local pela Universidade Federal do

Maranhão (UFMA). O objetivo da pesquisa de campo foi o de identificar os elementos que

podem compor o sistema de incentivos que se apresentam.

Este projeto foi selecionado por ser do tipo híbrido solar-eólico-diesel, e por ser recente em

termos de projeto e implementação. Além disso, houve boa receptividade por parte dos

pesquisadores da UFMA para com esta pesquisa. A pesquisa foi realizada tanto na Ilha dos

Lençóis como na cidade de São Luiz, onde foram entrevistados os professores associados ao

projeto. Na Ilha dos Lençóis foram entrevistadas as pessoas associadas com a Associação de

Moradores criada para auxiliar na gestão do sistema.

A seguir serão apresentados de forma breve o histórico do projeto; a forma como ocorre a sua

gestão; um breve descritivo da equipe da UFMA que conduziu o projeto; a comunidade da

Ilha dos Lençóis; e por fim, será realizada a análise do sistema de incentivos.

4.1 Histórico do projeto

O sistema instalado na Ilha dos Lençóis (município de Cururupu – MA) é híbrido, tendo como

fontes energéticas a solar, a eólica e o diesel. O uso das fontes segue com prioridade para a

solar e a eólica. O gerador diesel utilizado quando necessário. O sistema conta com 162

módulos fotovoltaicos, sendo 9 linhas conectadas em paralelo e 18 painéis ligados em série,

perfazendo um total de 21 kWp. Ainda conta com 3 aerogeradores, com 7,5 kW nominal e

21,5 kW total. Um motor diesel de 37,5 kVA. Este conjunto alimenta um conjunto de 120

baterias de 150 Ah, arranjadas de modo a fornecer 240 V, que são as responsáveis diretas pelo

abastecimento da comunidade (MORAES, 2011). O motor diesel entra em operação apenas

quando a energia convertida pelos painéis solares e aerogeradores não é suficiente para

75

manter a carga nas baterias em níveis aceitáveis para o abastecimento. A configuração do

sistema é do tipo minigrid, que pode ser considerada apropriada em função da proximidade

das casas na parte ocupada da ilha.

A figura 4.1 apresenta um diagrama elétrico do sistema instalado na Ilha dos Lençóis, e as

figuras 4.2a, 4.2b e 4.2c apresentam as partes componentes do sistema instalado (os painéis

solares estão instalados no teto da sede da infraestrutura).

Figura 4.1 – Diagrama do sistema híbrido na Ilha dos Lençóis

Fonte: BONAN et al. (2009) apud MORAES (2011).

Figura 4.2a – Sede da

infraestrutura

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

Figura 4.2b – Geradores

eólicos

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

Figura 4.2c – Gerador Diesel

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

76

A figura 4.3a apresenta um dos conversores de corrente contínua para alternada desenvolvidos

especificamente para a aplicação na Ilha dos Lençóis, enquanto a figura 4.3b apresenta o

conjunto de baterias utilizado para armazenamento de energia para posterior distribuição para

as residências.

Figura 4.3a – Conversor de Corrente

Contínua para Alternada (Inversor)

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

Figura 4.3b – Conjunto de baterias

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

Uma das premissas que nortearam o desenvolvimento do projeto foi que o sistema deveria ser

tão autônomo quanto possível, exigindo o mínimo possível de ação humana na sua operação e

manutenção, e o máximo de disponibilidade (RIBEIRO et al., 2010). Tendo isto em vista, a

UFMA desenvolveu um sistema de controle próprio, além de inversores (responsáveis pela

conversão de corrente contínua para alternada). O resultado de seu trabalho é o fornecimento

de energia elétrica com características idênticas à da fornecida pela concessionária, o que não

exige modificação nos eletrodomésticos dos usuários (MORAES, 2011).

77

O projeto, denominado “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha

dos Lençóis, município de Cururupu – MA” (Convênio 021/2005 – MME – UFMA – FSADU

– Sistema de Geração de Energia da Ilha dos Lençóis), foi desenvolvido como piloto, por

estímulo do MME, que visava desenvolver sistemas descentralizados de geração por fontes

renováveis. Originalmente deveria ser desenvolvido na Ilha do Cajoal, município de São Luis,

mas por motivos diversos a comunidade local não aceitou a instalação. Houve, então, a

necessidade de escolha de outro sítio, sendo este definido como a Ilha dos Lençóis. A

mudança implicou em diversos problemas de logística em função da distância. Outro fator de

complicação foi o fato da ilha pertencer a uma RESEX, a Reserva Extrativista de Cururupu, o

que impõe uma dinâmica diferente ao trabalho de construção da infraestrutura, e mesmo ao

próprio conceito do projeto, visto as exigências socioambientais implicadas.

O projeto contou com apoio financeiro do programa “Luz para Todos”, em convênio firmado

no ano de 2005, e começou a operar no ano de 2008. O convênio tinha duração de 3 anos, e a

infraestrutura deveria então ser assumida pela comunidade, por meio de sua Associação de

Moradores, mas em decorrência dos impasses a respeito da gerência do sistema, o convênio

foi prorrogado por 1 ano, resultando assim na manutenção do statu quo com a UFMA ainda

esta presente na infraestrutura, administrando-a.

Para a construção do sistema houve a participação das pessoas da comunidade, em especial

para a instalação dos aerogeradores e algumas outras partes da infraestrutura. Para a

construção da casa onde estão instalados os equipamentos foi contratada uma empresa.

4.2 A gestão do sistema

A gestão do sistema ocorre de forma extremamente simplificada, e as tarefas são divididas

entre a Associação de Moradores (AM) da ilha e a UFMA. A tomada de decisões é realizada

em reuniões com o pessoal da UFMA e a AM, normalmente na escola da ilha, mas segundo

78

relatos, participam poucos moradores nessas, restando, normalmente, a decisão para a própria

UFMA. Ainda segundo os relatos, já há algum tempo (não foi possível precisar quanto) não

ocorrem reuniões.

A Associação de Moradores da Ilha dos Lençóis foi criada com dois propósitos. O primeiro

mais objetivo e imediato, seria o de representar uma entidade jurídica que recolhesse taxas

dos moradores, e um segundo que seria o de assumir administrativamente a infraestrutura de

geração. As atividades realizadas pelos envolvidos na AM são de caráter voluntário, não

envolvendo dedicação exclusiva por parte destes.

Em um primeiro momento a cobrança pelos serviços foi feita por meio de níveis de uso de

carga utilizada pelos moradores, com as taxas divididas em três níveis. Isto foi necessário

porque na época da instalação não haviam sido instalados medidores nas residências. Foi

verificado que alguns moradores mentiam sobre as cargas que utilizavam (ocultando

equipamentos – caracterizando o comportamento oportunista), o que motivou a instalação dos

medidores, e hoje a cobrança é feita em função do consumo efetivo. Segundo os relatos, além

de evitar que ocorra o comportamento oportunista, os custos diminuíram para os moradores

com a instalação dos medidores, muito pela motivação da prática de economia de energia.

A tarefa de manutenção é divida entre a UFMA e a AM, com a manutenção considerada

tecnicamente mais específica realizada pela universidade, e a mais simples, aquelas que

podem ser realizadas via orientação por telefone, realizada em conjunto pela escola e a AM.

Como a premissa do projeto exigia, não há a necessidade de intervenção por parte da AM de

forma direta no sistema em sua operação. O sistema de controle desenvolvido pela UFMA

opera de forma independente todo o sistema, garantindo a geração e distribuição de energia,

inclusive quando ocorre a entrada do sistema de back-up.

79

Hoje estão sendo realizadas tratativas para que o sistema deixe de ser responsabilidade da

UFMA e passe a ser assistido pela concessionária local (CEMAR). Alguns entraves

burocráticos ainda não permitem que a troca de proprietário seja realizada.

4.3 A equipe da UFMA

O sistema foi desenvolvido pela equipe do Laboratório do Núcleo de Energias Alternativas

(NEA), que pertence ao Departamento de Energia Elétrica da UFMA. Esta equipe era

essencialmente disciplinar, composto, na sua maioria, por engenheiros de formação elétrica.

Não foi observado nenhum participante, ou colaborar, que possuísse formação em Ciências

Sociais e Humanas.

A análise do material publicado pelo NEA com relação ao projeto mostra uma grande ênfase

aos aspectos técnicos da infraestrutura. Em MENDEZ et al. (2008), relatório técnico

desenvolvido após o início de operações do sistema, há o relato de que o modelo de gestão

para o infraestrutura ainda não estava desenvolvido na ocasião. Foi observada, à época, a

necessidade da participação de outras instituições para o desenvolvimento de um modelo

definitivo.

As entrevistas com o pessoal da UFMA mostram que houve grande expectativa de que o

pessoal da ilha assumisse a gestão da infraestrutura. De certa forma fica a impressão de que na

visão da UFMA esta seria uma contraparte justa do pessoal da ilha pelo serviço prestado.

A expectativa de que a Associação de Moradores pudesse assumir a administração do sistema

se frustrou quando a equipe da UFMA observou a pouca presença de moradores nas reuniões

e a falta de consenso nas decisões, enfim, as dificuldades encontradas em organizar a

comunidade. Esta constatação fez com que a UFMA descartasse a possibilidade de

autogestão, buscando alternativas, como a da prefeitura de Cururupu assumir a gestão do

80

sistema. A mais recente alternativa é a da concessionária de energia elétrica do Maranhão, a

CEMAR, assumir a infraestrutura.

Outro ponto que desagradou o pessoal da UFMA foi a falta de voluntários para o treinamento

para a manutenção do sistema. Houve a possibilidade de treinar dois moradores da ilha para

pequenas manutenções, além da instalação nas casas, mas não houve acordo para que um

deles se deslocasse até São Luis para que fosse treinado para a manutenção da infraestrutura.

Estas dificuldades encontradas trouxeram certa frustração ao pessoal da UFMA, pois sua

expectativa de contraparte na infraestrutura não se concretizou. Isso fez com que qualquer

possibilidade futura de autogestão fique frustrada. No entanto, não comprometeu a

manutenção do serviço por parte da escola, que continua.

4.4 A Ilha dos Lençóis

A Ilha dos Lençóis faz parte do município de Cururupu, no estado do Maranhão. A viagem de

barco (pesqueiro) do continente para a ilha dura cerca de 8 horas. O porto mais próximo, cuja

viagem mais longa dura cerca de 4 horas situa-se no município de Apicum-Açu, o que faz

com que as atividades “urbanas” do pessoal da ilha sejam realizadas neste município. É

comum, inclusive, que alguns moradores da ilha possuam residência ali (figuras 4.4 e 4.5).

81

Figura 4.4 – Localização da Ilha dos Lençóis (marcador B) com relação à

São Luis – MA (marcador A)

Fonte: Google Maps

Figura 4.5 – Ilha dos Lençóis

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

A ilha possui aproximadamente 90 residências, a maioria de palha ou de madeira (ver figuras

4.6a e 4.6b). As únicas construções observadas de alvenaria são a infraestrutura de geração, a

82

escola e o ambulatório (os dois últimos construídos pela prefeitura). A construção das

residências reflete algumas características da ilha: além do custo menor da madeira, ou da

palha, a distância do continente dificulta o transporte de material de alvenaria, o que aumenta

em muito os custos de uma construção desta natureza. Além disso, as dunas que compõe a

ilha mudam frequentemente de lugar, por vezes obrigando os moradores a desmontar sua

residência e montá-la em outro local. O deslocamento das dunas é implacável. Durante a

visita a este sítio como parte desta pesquisa, as dunas já vinham cobrindo a escola e cobriam a

base dos aerogeradores instalados (o que impedia a manutenção de uma das torres que

apresentou problema).

Figura 4.6a – Casa de madeira

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

Figura 4.6b – Casas de palha

Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012

A população da ilha é de aproximadamente 395 pessoas, e a maioria é de filhos da ilha.

Segundo a pesquisa amostral realizada para esta dissertação, a maioria dos moradores adultos

já esteve em Apicum-Açu ou Cururupu, e praticamente todos os domicílios possui ao menos

um morador que vai ao menos uma vez por mês a uma dessas cidades (preferencialmente

Apicum-Açu). O maior motivador observado para essa frequência é o financeiro. Pode-se

observar que muitos moradores (senão a maioria) são beneficiários do programa Bolsa

Família. Dados os constrangimentos envolvidos nessa temática, não foi possível confirmar

essa informação.

83

A ocupação predominante dos moradores é relativa à pesca, sendo que poucos não se dedicam

a esta atividade. A pesca é realizada em alto-mar e os pescados são, tipicamente, levados para

Apicum-Açu imediatamente após sua coleta, o que pode resultar em dias de afastamento dos

pescadores de suas casas. O turismo e o comércio complementam estas atividades, mas

ficando restritos a duas famílias de moradores dedicadas a estas atividades e alguns moradores

que complementam suas rendas em períodos de grande procura turística. A ilha conta ainda

com um professor e uma enfermeira, cujos rendimentos vêm da prefeitura de Cururupu.

O peixe e o camarão são o alimento predominante na ilha. Estes são obtidos de forma direta

do mar, e o complemento (arroz, vegetais etc) vem de Apicum-Açu, pois a agricultura é

inviável na ilha. Também existem algumas criações de bovinos e caprinos, que são criados

soltos, mas cujo abate ocorre com muito pouca frequência.

Na atividade de pesca existe certa regularidade na composição da tripulação dos barcos. O

usual é que a tripulação envolva pessoas de domicílios diferentes, mas isso não implica em

compromisso formal entre o barqueiro e sua tripulação, que pode ser modificada sem prejuízo

(formal) pelo proprietário do barco a qualquer instante. No caso das atividades de comércio e

turismo, nesse caso mais especificamente a manutenção da pousada local, estas são

essencialmente familiares. A única exceção é a de um morador da ilha (original da ilha

vizinha Bate-Vento) que auxilia no comércio.

Pode-se afirmar que as atividades descritas acima são as únicas regulares e organizadas na

ilha que podem ser observadas de forma independente da Associação de Moradores, objeto

desta pesquisa e que será melhor descrita adiante21

. As ações de ajuda mútua são observadas,

em especial, quando ocorrem problemas com barcos, ou quando é necessário deslocar uma

casa pela invasão das dunas etc., mas são todas ações pontuais, com começo e fim bem

limitados, e com práticas bem definidas pelos habitantes. Instituições regulares e de atuações

constantes, que apresentem um conjunto definido de regras, e algum serviço prestado à

21

É importante estabelecer esta distinção entre as atividades usuais da ilha e as da Associação de

Moradores, visto as diferenças nas suas práticas.

84

comunidade, não são observadas (além da Associação de Moradores). A escola e o

ambulatório poderiam ser citados como atividades fora do padrão usual na ilha, mas estas são

realizadas, cada uma, por apenas uma pessoa (o professor é de fora da ilha).

A mudança da ilha para RESEX implicou em algumas mudanças para a população local. A

primeira diz respeito ao que pode ser construído em termos de infraestrutura. Além da já

citada mudança na dinâmica do projeto, um elemento importante acabou sendo excluído, que

seria a construção de uma fábrica de gelo para atender às necessidades de conservação do

pescado. A construção deste sistema atenderia uma exigência do programa “Luz para Todos”,

que é o da inclusão de uma atividade produtiva ao sistema de geração e, de forma direta,

forneceria gelo para os barcos, eliminando (ou ao menos diminuindo) a necessidade de

deslocamento para Apicum-Açu para a aquisição, além de gerar renda para a AM formar

caixa para a infraestrutura. O abandono deste sistema veio em função de divergências entre a

UFMA e o ICMBio sobre os impactos que este poderia causar no meio-ambiente. Além desta

mudança, um ponto de destaque é a participação de moradores da ilha na gestão da RESEX, o

que traz para os participantes uma rotina diferente da usual, os introduzindo em um ambiente

distinto do seu.

O sistema desenvolvido pela UFMA não representou o primeiro contato dos moradores da

ilha com a eletricidade. Em 1998 foi instalado pela prefeitura de Cururupu um sistema

gerador a diesel (que seria aproveitado como back-up pela UFMA em seu sistema) que

alimentava algumas residências no período noturno. Segundo os relatos, a qualidade do

sistema era ruim, apresentando diversas falhas e sendo abandonado em alguns anos. Esse fato

não impediu que alguns moradores adquirissem aparelhos eletrodomésticos, em especial a

televisão.

Outro ponto importante relacionado ao isolamento da comunidade é o fato de que, apesar da

distância entre a ilha e o continente, é possível o uso de aparelhos celulares, visto que no

ponto mais alto das dunas é possível captar o sinal da antena de celular de Apicum-Açu.

85

Ainda, alguns moradores contam com aparelhos de telefonia rural, que são dedicados a locais

isolados.

Estes fatores indicam que o elemento de isolamento de fato da ilha, hoje, é

predominantemente geográfico, com relação à distância para a cidade e a necessidade da

viagem de barco. Desde a aquisição dos primeiros aparelhos de televisão durante a instalação

do primeiro gerador e da possibilidade real da telefonia, o contato com o urbano, ainda que

virtual, é razoavelmente constante. É sabido que isso implicou em mudanças culturais na

comunidade, mas não foi possível verificar o quão grande foi o impacto dessas mudanças,

visto que ocorreram há muito tempo e os entrevistados para essa pesquisa não souberam

quantificar.

É importante observar que, segundo relatos, a população da ilha vinha gradativamente

diminuindo antes da oferta regular de eletricidade. Após a instalação da infraestrutura pela

UFMA, observou-se o caminho inverso, com o regresso de filhos da ilha e a diminuição da

migração por motivos que serão destacados adiante.

A comunidade recebeu de forma positiva a proposta da UFMA para a instalação da

infraestrutura de geração de energia elétrica na ilha. Com relação a assumir a gestão do

sistema, no entanto, não pareceu propensa a aceitar. De fato, a dimensão da infraestrutura, a

tecnologia empregada e os custos envolvidos, mostraram-se elementos que “assustaram” a

comunidade. Com relação aos custos, a inevitável troca de baterias foi usada como exemplo

para o fato de que os moradores não têm condições financeiras de assumir independentemente

a infraestrutura.

A proximidade da comunidade da ilha com a geração, bem como o entendimento da forma

como a eletricidade é gerada e suas limitações no consumo, vêm despertando nos moradores

da ilha certo apresso pela economia de energia. Esta pode ser observada pelos relatos de

86

críticas a quem consome sem necessidade, como pelo uso de equipamentos sem necessidade,

ou pelas luzes desnecessariamente acessas.

Outro ponto importante, que mostra a apropriação da tecnologia pela comunidade, são os

relatos de que alguns aspectos simples de manutenção no sistema gerador já são realizados

pelo próprio pessoal da AM. Isto acontece em função da experiência obtida pela realização

destes procedimentos simples, e em função de orientação do pessoal da UFMA.

As entrevistas permitiram verificar certo receio dos moradores com relação ao futuro do

sistema. É sabido que o convênio da UFMA com o MME logo acabará, e a situação de

indefinição com relação a quem assumirá a gestão do sistema causa preocupação. A

comunidade hoje entende que a situação da gestão do sistema não é a ideal, e que deve haver

logo uma definição sobre quem será responsável pela infraestrutura. Também entende que a

gestão, por parte da UFMA é mais complicada em função da distância e do conflito de

atividades (no caso, a docência). Hoje a expectativa é que a CEMAR assuma a gestão do

sistema.

4.5 Análise institucional

4.5.1 Atores e suas funções

Os atores que fazem parte da infraestrutura são a UFMA, a Associação de Moradores e,

também, os usuários do sistema. A AM é composta pelo presidente, vice-presidente e um

tesoureiro/secretário. Esses atores são a parte diretiva da associação, mas por se tratar de uma

associação de moradores, todos os moradores da ilha, em tese, também fazem parte. No caso

da UFMA, são parte da equipe o coordenador do projeto, um professor que realiza a ligação

entre a UFMA e a AM, tratando inclusive dos trâmites de cobrança, além de um conjunto de

alunos que colabora com o projeto, tem suas pesquisas vinculadas a este.

87

A coordenação das atividades relativas à infraestrutura é do pessoal da UFMA, respeitando

sua hierarquia interna. Os atores da ilha são responsáveis pela medição e cobrança das contas,

aqui respeitando a hierarquia da AM. A UFMA é responsável pela tomada de decisão a

respeito da infraestrutura, mas isto normalmente é realizada com base em informações

diversas e desejos da comunidade, expressos via AM.

Não há um corpo de regras estabelecido com relação à hierarquia das instituições UFMA e

AM. As regras resumem-se às relativas ao pagamento, sendo que o domicílio que não efetuar

o pagamento por um período de tempo deve ser desligado.

4.5.2 Atividades

A instalação e manutenção nas casas é realizada por eletricistas treinados na comunidade e na

infraestrutura de geração, pela UFMA. Há pouca incidência de problemas nas ligações

realizadas nas casas, exigindo pouca manutenção; o mesmo é observado no caso da

infraestrutura.

No caso da manutenção na infraestrutura de geração, esta pode ocorrer por meio de instruções

dadas ao pessoal da AM, em casos simples (como eventual desligamento), ou de forma direta,

pela intervenção da universidade.

Quando necessária, a intervenção ocorre com a ida de professores e/ou alunos à ilha para a

realização da manutenção. O deslocamento é longo e custoso. Pode ocorrer a necessidade de

retorno à São Luis para a obtenção de material, ou mesmo de envio deste à Apicum-Açu, o

que pode retardar a solução do problema, implicando também em maiores gastos.

88

Como este projeto piloto é anterior à Resolução Normativa No. 493, de 05 de junho de 2012

(ANEEL, 2012), o serviço prestado pelos eletricistas locais e pela UFMA, não é, de fato,

fiscalizado. Apenas o compromisso entre as pessoas da Ilha é o regulador destas atividades.

Outra atividade corriqueira é a cobrança pelo acesso à eletricidade, que é feita pela própria

AM. O vice-presidente é responsável pelo registro de consumo dos moradores, os valores

registrados são enviados para a UFMA, que gera boletos para o pagamento da conta. Estes

boletos são enviados para a ilha, tipicamente por ônibus (fica de posse do motorista), e

recolhido em Apicum-Açu por alguém da AM; ou então são levados por alguém da UFMA

que vá à ilha.

Os valores são pagos ao presidente da AM, que deposita o valor total na conta da AM. A

cobrança é realizada para a composição de caixa para reposição de material da infraestrutura,

agora, especificamente, para a troca do banco de baterias. Há por parte da UFMA a

fiscalização da medição e do depósito.

Caso algum morador fique um determinado período sem pagar, deve ter seu acesso cortado. A

ausência de uma regulação para o fornecimento de energia elétrica em projetos piloto como o

realizado pela UFMA na Ilha dos Lençóis até o momento de realização desta pesquisa abria a

oportunidade para o comportamento oportunista de diversas formas.

A distância entre os técnicos da UFMA para o sítio onde o problema se apresenta poderia

estimular estes a não prestar a manutenção, mas as entrevistas mostram que isso não ocorre.

As manutenções de urgência normalmente são prontamente atendidas (ou dentro de um prazo

admissível, considerando a concorrência de atividades dos professores na UFMA).

Parte disto vem do compromisso da UFMA em manter o serviço por eles oferecido e

absorvido pela população local. Outro fator importante é o compromisso com o MME para

89

que o sistema seja mantido. Ainda, tendo em vista a busca da UFMA pela saída do projeto,

com a eventual posse do sistema pela concessionária, não é interessante que a universidade

apresente um sistema inoperante à esta.

Com relação à medição e à cobrança, também haveria espaço para o comportamento

oportunista pela distância entre a UFMA e a ilha, mas a fiscalização indireta, realizada pela

verificação do consumo no gerador e no depósito feito na conta da AM, coíbe tal ação.

Com relação ao comportamento free-rider, que poderia ser observado por meio de ligações

clandestinas, o “gato”, este não ocorre, seja pela falta de pessoal com qualificação para

realizar a ligação, pela forma indireta de verificá-la pelo consumo no gerador, ou pelo simples

fato de que o tamanho reduzido do espaço ocupado na ilha torna o “gato” evidente. Ainda,

como já citado, a presença do medidor impede (ou ao menos dificulta) a falsa informação de

consumo.

4.5.3 A eletricidade na vida dos usuários segundo a Abordagem de Capacidades

Apesar da eletricidade não ser exatamente uma novidade para as pessoas da comunidade, o

seu fornecimento regular, e com qualidade, trouxe possibilidades vistas como benefícios para

os indivíduos.

Dois pontos amplamente destacados são a escola e o ambulatório da ilha. No caso do

ambulatório o fornecimento regular de eletricidade permitiu a estocagem de remédios, além

do atendimento (eventual) noturno. Com relação à escola, o impacto pode ser considerado

maior. O fornecimento noturno de eletricidade permitiu que as aulas fossem ministradas à

noite, o que possibilitou que o ensino fosse estendido para todo o 1º grau (antes ocorria até a

4ª série do 1º grau). Dessa forma as crianças, que antes iriam se mudar (ao menos durante a

semana) para Apicum-Açu ou Cururupu para concluir seus estudos, e aquelas que

90

interromperiam os estudos pela necessidade da família de força de trabalho, puderam

permanecer mais tempo na ilha estudando. Infelizmente a ilha não conta com o 2º grau, e por

tal motivo, a realidade do afastamento da família ou dos estudos encarada mais tardiamente na

vida dos jovens.

Como discutido em outro ponto desta dissertação, a eletricidade, per se, não pode ser

considerada um “fornecedor” de capacidades, mas sim um instrumento que colabora neste

sentido. Isto se faz evidente no caso do ambulatório, pois sem esta a capacidade de estocagem

de remédios seria comprometida, mas sem os remédios, a capacidade de acesso à saúde

simplesmente não ocorre. No caso da escola, a presença da eletricidade acaba se tornando

mais atuante no bem-estar, em uma forma mais direta relacionada à capacidade de acesso à

educação, ao permitir o ensino noturno, e de forma indireta, na capacidade de estar com sua

família, ou de estar no seu ambiente, ao permitir que parte maior dos estudos sejam realizados

na ilha.

A presença da televisão, sempre vista de forma controversa nas pesquisas, mostra-se positiva

na comunidade. Muitos argumentam que a TV é um elemento nocivo para as comunidades

isoladas por trazer aos indivíduos da comunidade desejos que antes não tinham, justamente

por apresentar realidades diferentes, muitas vezes menos “sofridas” que as deles. O vínculo

existente entre os indivíduos da ilha com a cidade de Apicum-Açu, ou mesmo Cururupu, faz

com que as realidades diferentes apresentadas na TV tenham seu impacto diminuído

(evidentemente não é possível medir a dimensão deste impacto, mas é possível afirmar que

muito do que é apresentado na TV não é mais novidade para os indivíduos). Outro elemento

visto como negativo com relação à presença da TV é o fato de que as pessoas deixam de se

relacionar nos períodos de descanso para acompanhar a programação desta. Infelizmente não

foi possível obter elementos que corroborassem ou se opusessem à esta visão, mas foi

possível notar que a TV já está presente, mesmo em pequena escala, desde a primeira

eletrificação, promovida pela prefeitura de Cururupu em 1998 (MORAES, 2011). De fato,

neste período, esta visão de desagregação deve ter sido mais presente, mas agora é difícil de

ser observada. Vale citar também que, independente da TV, muitos pescadores hoje

aproveitam o período noturno, que antes seria o preferencial para as “reuniões em volta da

91

fogueira” para realizar reparos em seu equipamento, o que é possível em função da

eletricidade.

Com relação à TV foram apresentados pelos moradores da ilha dois benefícios que podem ser

compreendidos como acréscimo ao bem-estar: o entretenimento e a informação.

No caso de se entreter, de se distrair dos problemas diário, a TV se mostra muito presente no

cotidiano dos moradores da ilha. Assistir novelas se tornou hábito de muitos moradores, assim

como se reunir na casa de outros moradores, ou na mercearia local para assistir partidas de

futebol. Os telejornais, por outro lado, exercem um importante papel no tocante a trazer

informação aos moradores, contribuindo tanto com a capacidade de se manter informados, ou

situados a respeito das coisas que os cercam, como também munindo os moradores de

informações e, por vezes incentivos, para que estes exerçam sua condição de agente.

Outra ferramenta importante, mas que está presente de forma mais tímida devido ao seu custo,

é o refrigerador. Ele permite a estocagem de alimentos, mais especificamente do pescado, o

garante à família o acesso ao alimento mesmo em períodos curtos de estiagem, auxiliando na

capacidade de se manter alimentado.

Pode-se observar nas entrevistas, que a condição de agente de alguns moradores vem

mudando gradativamente em função de eventos como a transformação da ilha em RESEX, a

participação de alguns moradores como representantes nas tomadas de decisão a respeito de

ações na ilha, e a formação da Associação de Moradores, que fizeram com que alguns

moradores mudassem a sua visão de algumas necessidades de reprimidas para necessidades

de fato, e passassem a exercer sua condição de agente na busca de saciar estas. Dois exemplos

relatados foram a busca pela construção de um trapiche para que os barcos ancorassem, em

especial para o turismo, e a busca por meios mais eficazes para o saneamento na ilha.

92

Por fim, o acesso ao instrumento eletricidade permitiu o acesso a outro instrumento: o

dinheiro. Isso ocorre de duas formas, uma direta, pela economia, sendo que os gastos com

eletricidade são menores que os gastos com combustíveis, e pelo atrativo de conforto aos

turistas. Aqui valem duas observações: a primeira é que, de fato, o sistema ainda utiliza

combustível para seu sistema de back-up, mas este opera esporadicamente; a segunda é que os

efeitos da eletricidade no turismo ainda não são mensuráveis, mas por problemas outros,

como má divulgação do local, mas a presença da eletricidade é amplamente divulgada (ainda

que na pouca divulgação).

4.6 Análise dos resultados

A eficiência econômica é um dos pontos mais importantes a destacar aqui, mas sob duas

óticas: a que diz respeito à capacidade da infraestrutura se manter economicamente e no que

diz respeito aos resultados desta. De forma direta em termos de capacidade de se manter,

pode-se afirmar que não há eficiência. Segundo as entrevistas, os valores obtidos pela AM a

título de formação de caixa para substituição de baterias é muito baixo, o que implica na

incapacidade da AM, per se, manter a infraestrutura. Há ainda o fato de que todo o trabalho é

voluntário, restando o comprometimento moral como instrumento de garantia da

responsabilidade dos atores envolvidos. Já no que diz respeito aos resultados, como destacado

anteriormente, estes são positivos. O uso efetivo da eletricidade, e as possibilidades por ela

abertas, como será destacado a seguir, são vistos de forma positiva pela comunidade. Estes

aspectos indicam que pelo desempenho da infraestrutura pode haver o desejo de manter o

serviço, superando-se, assim as fragilidades da estrutura institucional, mas as dificuldades

impostas pelos custos e baixo retorno financeiro podem acabar resultando no colapso desta.

Pode-se afirmar, pelo que foi observado, que os atores envolvidos atuam de forma

responsável de acordo com suas funções. Há sim muita fragilidade com relação à estrutura

institucional que se apresenta na infraestrutura, mas o desejo de que o sistema tenha sucesso,

além da proximidade dos atores da AM com os usuários (o que torna a cobrança maior) acaba

sustentando esta frágil estrutura.

93

Com relação à equidade fiscal, a mudança do formato de cobrança estratificada para a

cobrança pela quantidade realmente utilizada trouxe o sentimento aos usuários de que o novo

formato é mais justo. É importante ressaltar que a mudança na forma de cobrança veio junto

de uma diminuição nos valores de diversas contas, o que reforçou o sentimento de satisfação.

Em um primeiro momento pode-se supor que a satisfação veio justamente da diminuição do

valor da conta, mas nas entrevistas e conversas informais houve o destaque para o uso

inapropriado de alguns moradores, o que mostra que, de fato, foi a mudança no formato quem

trouxe a satisfação.

No caso da redistribuição, que é um critério importante para um projeto de intervenção para o

desenvolvimento, esta fica um pouco comprometida na Ilha dos Lençóis, tendo em

consideração de que há a necessidade de pagamento pela instalação. O que se observou,

porém, foi uma quantidade pequena de domicílios sem ligação, e a declaração por parte do

pessoal da AM de que são realizadas novas ligações com frequência, indicando que, apesar do

acesso não ser de fato universal em função da barreira financeira da instalação, a tendência é

que em breve todos os domicílios estejam ligados à rede local. Isso, evidentemente, é uma

especulação.

É importante destacar que ficou evidente, também, a caracterização da UFMA como

instituição temporal nesse projeto de intervenção. Não há por parte do NEA uma equipe

dedicada à administração do sistema. Os envolvidos são professores e alunos, que tem nesta

atividade uma responsabilidade oriunda do convênio firmado com o MME, possuindo de fato

outras obrigações profissionais.

A gestão do sistema de geração e distribuição da Ilha dos Lençóis é extremamente simples, e

as entrevistas e conversas informais deixam transparecer a visão de todos de que este sistema

de gestão é provisório, e evidencia também o desejo de todos que uma solução permanente

seja logo obtida.

94

Essa simplicidade acaba não comprometendo a qualidade do serviço prestado, visto a

qualidade técnica do sistema desenvolvido e sua eficiência em atender a premissa de

autossuficiência. É importante ressaltar que o sistema é novo, com apenas 4 anos de uso

intensivo. Os problemas que hoje se apresentam podem ser contornados sem o

comprometimento do serviço.

A forma como a gestão está estruturada faz com que alguns pontos de alto custo possam ser

encontrados. Em primeiro lugar, é importante destacar a distância entre a UFMA e a ilha

como um dos elementos mais evidentes de custos. A falta de pessoal treinado para

manutenções no sistema de geração implica na necessidade de que pessoal da UFMA se

desloque até a ilha para que a manutenção seja realizada. Não sendo esta uma atividade

regular do pessoal da UFMA, que em tese já não deveria mais ter compromisso com o

sistema, uma vez findo o convênio, os custos acabam se tornando ainda maiores, dadas as

atividades regulares que devem ser postergadas para o atendimento na ilha. Enquanto o

sistema não apresenta problemas inerentes ao seu tempo de uso, esse custo representa

problema superável, mas isso pode mudar se problemas começarem a ocorrer regularmente.

A informalidade na fiscalização é outro elemento que pode representar problema no futuro.

Novamente a distância da escola para a ilha acaba tornando o contato do gestor informal

limitado, fazendo com que eventuais comportamentos oportunistas demorem a ser detectados,

visto que, como citado, há a necessidade de verificação do consumo geral no sistema para

verificar o roubo de energia.

Os custos econômicos para a manutenção direta do sistema não são elevados, visto que, como

mostram os relatos, esses se resumem à aquisição de combustível para o sistema diesel, custo

que diminuiu sensivelmente após o desenvolvimento do sistema com base em fontes

renováveis. Os custos relacionados à manutenção do equipamento, porém, são muito

elevados. Esses estão relacionados à troca do banco de baterias, à substituição de partes dos

95

sistemas e à manutenção do sistema desenvolvido especificamente para a infraestrutura na

ilha.

Na ocasião da visita ao sítio estava sendo preparada a substituição do banco de baterias e a

preparação do conserto de uma das torres do aerogerador que apresentou problema. Nestas

situações ficou evidente a impotência do pessoal da ilha ante estes problemas, uma vez que o

valor obtido pelas taxas de uso não é suficiente para compor o fundo de caixa da AM, e a

impossibilidade destes de realizar de forma independente a manutenção na torre do

aerogerador.

Apesar da forma de gestão ser evidentemente inapropriada, observa-se certa comodidade.

Parte disso vem do fato de que os problemas que hoje ocorrem são poucos, não

comprometendo a qualidade do serviço, e também vem do fato de que hoje se busca que a

CEMAR assuma o sistema, o que faz com que não se invista em uma mudança na forma de

gestão.

O estado atual da gestão da infraestrutura é reflexo da forma como a gestão foi considerada

durante o processo de desenvolvimento da infraestrutura. Como já citado, após o início de

operações do sistema, em 2008, ainda não havia um modelo definido. Acredita-se aqui que

esta indefinição sobre a gestão venha do fato de a equipe de desenvolvimento do NEA/UFMA

ser praticamente disciplinar, desconsiderando a necessidade da participação de cientistas

sociais no processo de desenvolvimento. Esta ausência acabou mascarando os potenciais

problemas da aplicação direta de modelos que possam, por ventura, ter funcionado em outros

sítios.

Houve, por parte do pessoal da UFMA, confiança de que a comunidade assumiria o controle

do sistema gerador, desde os aspectos de gerência até o que fosse possível em termos de

manutenção. Esta expectativa acabou frustrada, e como consequência, a maior parte da

manutenção, e alguns aspectos administrativos ainda são mantidos pela UFMA.

96

A confiança citada anteriormente veio, basicamente, de dois aspectos: a observação histórica

dos aspectos de ajuda mútua em comunidades, e a obrigação moral de uma resposta de auxílio

da comunidade à construção da infraestrutura de geração de energia elétrica, visto como um

benefício incontestável à comunidade, representado na forma de tomada do sistema para si.

A resposta negativa da comunidade se deve a alguns fatores, como a autolimitação imposta

pelas pessoas ao se julgar incapazes de auxiliar na manutenção, ou ainda aos custos

envolvidos em uma eventual mudança na rotina diária (parar de pescar para estudar, por

exemplo), ou mesmo à falta de interesse. Fato é que não há uma causa única para tal, não

podendo haver generalizações. É importante observar, antes de tudo, que apesar das diversas

afinidades que podem ser observadas entre as pessoas da comunidade, não se pode esperar um

comportamento único, ou ações sincronizadas destes, então a expectativa de que todos da

comunidade (ou ao menos a maioria) adeririam à administração proposta por uma Associação

de Moradores se mostra irreal.

Outro ponto a destacar é a diferença na prática de uma Associação de Moradores para o que

os indivíduos estavam habituados. A prática comum de ajuda mútua se observa em ações

pontuais, nem sempre planejadas, e com duração determinada. Já a Associação de Moradores

demanda envolvimento constante, reuniões regulares e a discussão e tomada de decisões sobre

temas que nem sempre são do cotidiano dos indivíduos, e para os quais muitos se julgam

inaptos a colaborar. É interessante observar que as três pessoas ligadas burocraticamente à

Associação de Moradores trabalham com práticas diferentes da comum no local, que é a

pesca, que são o presidente da AM, proprietário da mercearia e do barco exclusivo de

transporte; o vice, dedicado ao turismo local; e o secretário, que atua na pesca, mas que exerce

função também relacionada aos assuntos da RESEX (representa a ilha ante o ICMBio).

Apesar de não conseguir estabelecer uma estrutura mais ampla de manutenção por meio de

voluntários na própria ilha, esta se mostrou compatível com o que é observado em outras

pesquisas, em especial no que diz respeito à capacitação técnica. De forma geral, o

97

treinamento apresentado nas diversas pesquisas trata de manutenção preventiva, ou mesmo de

pequenos reparos, em um nível básico de capacitação. Hoje algumas pessoas na ilha são

plenamente capazes de realizar a instalação elétrica (aqui no nível intermediário de

capacitação) nas casas em função de um treinamento oferecido pela UFMA. Tais ligações são

pagas, representando um acréscimo na renda das pessoas qualificadas, mas não fazem parte da

administração do sistema, ficando à parte da AM.

A UFMA teve a expectativa de que seria possível treinar alguém da ilha para realizar alguns

serviços de manutenção na infraestrutura (em um nível intermediário de capacitação), mas

não houve a possibilidade de realizar tal treinamento. Diferente do treinamento para a

instalação nas casas, o treinamento para a manutenção da infraestrutura seria realizado na

própria universidade, o que implicaria no deslocamento do morador para São Luis, por um

período maior que o do outro treinamento, resultando em um afastamento das atividades que

lhe conferem renda de fato. Foi feita a oferta de treinamento a um morador que se mostrou

apto, mas não foi oferecida bolsa, ou equivalente (fundamental, já que teria que parar de

trabalhar com seus afazeres na ilha), e acrescido o fato da pouca educação que teve, este se

julgou incapaz de realizar o treinamento. Não é possível afirmar se algum morador, de fato,

teria condições de assumir a manutenção (mesmo que parte menor desta), mas nas condições

apresentadas não foi possível, sequer, acompanhar o treinamento.

Tais situações descritas refletem muito do que ocorreu logo após o início das operações da

infraestrutura. Isso implica no fato de que eventuais mudanças nas práticas da comunidade, na

sua forma de observar sua relação com a infraestrutura, entre outras, não foram considerados

no desenvolvimento da forma de gestão.

De fato, pode-se observar pelos relatos que algumas mudanças vêm ocorrendo, sendo que

estas contribuem de forma direta para que esta forma de gestão se mantenha. As mudanças

que vêm ocorrendo na ilha em função da formação da AM, do acesso regular à eletricidade, e

mesmo da mudança da ilha para RESEX, evidenciadas no que já foi exposto, mostram uma

adaptação de parte dos moradores com as novas práticas.

98

Isto pode ser observado pela forma como alguns moradores vem buscando se envolver com os

problemas relacionados à comunidade. Como já citado, os membros da AM vêm buscando

alternativas para problemas como o saneamento e a construção de um trapiche. Os relatos

mostram também que após a formação da AM este tipo de discussão vem ocorrendo com mais

frequência. É interessante observar que as cobranças pela solução dos problemas também

ocorrem, mostrando que os moradores não ligados à AM compreendem seu papel.

De forma diretamente relacionada à infraestrutura, os benefícios obtidos pela presença da

eletricidade faz com que o pessoal da ilha tenha interesse em que o sistema mantenha seu

funcionamento. Isso fica evidente na disposição do pessoal da ilha em tentar realizar a

manutenção por meio de orientação por telefone, no aprendizado por experiência na

manutenção de pequenos problemas e no relato de que poucos usuários deixam de pagar pelo

uso, e quando o fazem, normalmente é por dificuldades financeiras.

Também a citada preocupação com o consumo excessivo de energia mostra como os

moradores compreendem, ao menos de forma básica, o aspecto operacional do sistema. E o

fato de este conhecimento ser externado na forma de preocupação e crítica, mostra que os

moradores vêm se apropriando da tecnologia, tendo ela como elemento já comum do seu dia-

a-dia.

Tais mudanças demonstram a forma como a tecnologia vem sendo apropriada pelos usuários

na Ilha dos Lençóis e de que forma esta apropriação esta modificando, ainda que de forma

aparentemente tênue, sua visão sobre o sistema de geração. Isto pode implicar na mudança do

que North (2005) definiria como modelos mentais, ou ainda, se considerarmos a racionalidade

limitada, podemos considerar que a gama de possibilidades admissíveis no cálculo racional

vem gradativamente se expandindo. Estes elementos podem ser motivadores para mudanças

institucionais e, no momento da gestão da infraestrutura em que esta pesquisa foi realizada,

poderia facilitar a construção de instituições que implicassem no maior envolvimento da

população local na gestão do sistema.

99

Apesar disso, se considerarmos a influência das ações passadas (no que pode ser descrito

como path-dependence) para as mudanças que ocorrem com o passar do tempo nas

instituições, temos que a forma como foi construído o sistema de gestão da infraestrutura, e a

percepção dos usuários de que a UFMA não pretende manter-se como gestora, além do fato

de que não pretende contar com os moradores para a realização da gestão, acarreta em um

sentimento de que a situação hoje vivida, de manutenções simples, medição e cobrança como

únicas responsabilidades, é apenas temporária, não estimulando maior envolvimento dos

moradores nas questões da infraestrutura, restando a estes aguardar pela definição de quem

assumirá a gestão do sistema. Isto pode, inclusive, influenciar no exposto anteriormente,

limitando a apropriação da tecnologia pela falta de estímulo, tendo em vista o suposto contato

apenas temporário com os aspectos mais complicados de manutenção da infraestrutura.

Não é possível determinar de que forma estas mudanças efetivamente contribuiriam na gestão

do sistema e na diminuição dos custos envolvidos. Tendo em vista as especificidades do

sistema, em especial o uso intensivo de tecnologia que demanda tempo de estudo em

engenharia, pode-se afirmar que assumir a manutenção da infraestrutura de forma integral é

de fato inviável. Da mesma forma, os custos envolvidos na manutenção são muito altos para o

padrão de renda da comunidade. Estes fatores indicam que autogestão do sistema, de fato,

seria muito complicada, mas não significam que a gestão não possa ser moldada para esta

nova realidade na busca pela diminuição dos custos envolvidos nesta.

A ausência de um modelo bem definido de gestão e a desconsideração da forma como a

comunidade se molda na sua relação com a infraestrutura foram determinantes para que a

situação de impasse e desejo de transferência de propriedade para outra instituição (no caso, a

CEMAR).

100

4.7 Síntese do capítulo

Neste capítulo foi apresentada a pesquisa de campo realizada na Ilha dos Lençóis, município

de Cururupu – MA, que avaliou o “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável

para a Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA”, desenvolvido pela UFMA. A

avaliação buscou compreender de que forma os diversos custos de transação se apresentavam

aos atores envolvidos, e de que forma estes representavam incentivos para seus

comportamentos.

Foi possível observar que os custos de transação são compatíveis com os observados na

literatura. A distância entre a UFMA e a Ilha dos Lençóis representa um incentivo para que a

manutenção não seja realizada, o que foi possível constatar pelas entrevistas. A não formação

de uma estrutura de gestão apropriada, sem a definição clara de propriedade e

responsabilidades, além dos custos financeiros observados em função da tecnologia

empregada e a relatada incapacidade do pessoal da ilha em arcar com tal ônus, resulta em

insegurança por parte do pessoal da ilha.

Em contrapartida, o pessoal da ilha relata diversos elementos positivos com relação aos

recursos que podem ser utilizados em função da eletricidade fornecida de forma regular pela

infraestrutura. Isso pode ser observado nos relatos com relação à escola local e ao posto de

saúde, com relação à televisão e à iluminação, entre outros. Estes elementos atuam de forma

direta no bem-estar dos indivíduos da ilha, mesmo no caso dos que ainda não possuem acesso

à eletricidade em suas casas (caso da escola e do posto de saúde), e na condição de agente, ao

fornecer acesso à informação e ao mostrar outras possibilidades de modo de vida. Estes

pontos demonstram a forma como o acesso à eletricidade pode contribuir de fato com o

desenvolvimento do indivíduo, em especial sob a ótica da Abordagem de Capacidades.

Ao observar os altos custos de transação e dos consequentes incentivos, pode-se ter a

expectativa de que a infraestrutura colapse. No entanto o que se observa é que há um esforço

para que isto não ocorra. Isto em especial pelos benefícios que a comunidade obteve com a

presença regular da eletricidade, e pelo fato de que há a expectativa de que a situação hoje

enfrentada logo seja resolvida pela passagem da propriedade da infraestrutura para outra

instituição, cuja expectativa seja a concessionária CEMAR.

101

Capítulo 5 – MÉTODO PARA A GESTÃO DE PROJETOS DE ELETRIFICAÇÃO

RURAL

Os capítulos anteriores desta dissertação tiveram como objetivo formar a base para a

construção do método proposto a seguir. A exposição teórica do capítulo 2 permitiu construir

um corpo de conhecimento para a compreensão da eletrificação rural descentralizada dentro

de sua complexidade e dinâmica, trazendo para a base da análise, como elemento fundamental

desta, os incentivos que são apresentados aos participantes deste tipo de projeto.

O capítulo 3 buscou apresentar dois aspectos que são amplamente negligenciados em projetos

de eletrificação rural, que são as limitações daquele que realiza o projeto, e os modelos de

gestão do sistema após o início de sua operação. Os exemplos apresentados (longe de ser uma

exposição exaustiva, mas acredita-se aqui que suficiente) visaram mostrar que não existe um

modelo único que garanta o sucesso na eletrificação rural descentralizada. De fato, o aumento

da possibilidade de sucesso está na diminuição dos custos envolvidos nos diversos estágios da

construção e provimento do sistema, seja qual for o modelo adotado.

Na pesquisa de campo, apresentado no capítulo 4, buscou-se reforçar o exposto nos capítulos

anteriores por meio do estudo realizado no “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica

Sustentável para a Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA” no Estado do Maranhão.

Nele foi possível observar as dificuldades inerentes à participação de uma instituição

Temporária (UFMA); os custos decorrentes da não consideração da gestão durante o projeto

do sistema; as mudanças decorrentes da entrada do sistema na rotina da comunidade e a forma

como estas mudanças poderiam influir na própria gestão do sistema.

A construção do método tem como base o exposto acima, mas também toma como premissas

dois aspectos importantes, que são o conhecimento do marco regulatório para este tipo de

projeto, e o nível e a forma de subsídios que incidem sobre este. O conhecimento do marco

regulatório, como apontado por Santos (2002), é importante para o estabelecimento de limites,

metas e padrões de qualidade para os projetos. No caso específico brasileiro, como já

destacado, há a Resolução Normativa No. 493, de 05 de junho de 2012, que trata dos

procedimentos e condições de fornecimento para MIGDI e SIGFI (ANEEL, 2012). A

resolução não trata da forma de gestão do sistema, ou de sua construção, temas desta

102

dissertação, mas sim de parâmetros de qualidade para o fornecimento, o que é uma variável

cujo conhecimento é de fundamental importância para o projetista.

No caso dos subsídios, sua necessidade também é discutida por diversos autores, mas aqui

será tratada como uma variável externa ao projeto. Isto porque sua presença pode sim

influenciar o desenvolvimento do projeto, mas sua ausência não é suficiente para que o

projeto resulte em fracasso.

É importante ressaltar que este método não é um roteiro fechado criado para ser seguido à

risca, de forma cega, pelo projetista. Ao contrário, é um guia que aponta momentos notáveis

do projeto e indica possibilidades de sua condução, apresentando onde podem ser encontradas

as dificuldades e as possíveis formas de contorná-las. Cabe ao projetista determinar como

conduzir o projeto e as decisões que devem ser tomadas. Retomando as palavras de Shtub,

Bard e Globerson (1994:42) a gerência de projetos é uma arte, caracterizada por intuição,

julgamentos aprendidos, eventos únicos e ocorrências singulares.

Embora o método proposto pareça razoavelmente evidente, podendo ser considerado,

inclusive, óbvio, de fato são poucos os projetos que tomam os estágios a seguir como

importantes. Como já citado, elementos relacionados aos aspectos sociais e humanos, como a

gestão, ou a capacitação, ou ainda o conhecimento da comunidade e suas necessidades, são

amplamente negligenciados, o que resulta, normalmente, no fracasso dos projetos.

5.1 Método

O método a seguir é apresentado no formato de estágios, levando em conta o objetivo do

estágio, considerações de como realizá-lo e a sua justificativa. Na próxima sessão este método

será apresentado no formato de diagrama de Gantt.

Estágio 0 (E0) – Premissas para o projeto do sistema

As organizações envolvidas no projeto do sistema devem estar comprometidas

com os benefícios que esta empreitada possa trazer à comunidade atendida;

103

as organizações envolvidas devem entender sua própria posição dentro da

empreitada, compreendendo suas limitações e a expectativa de tempo que a

organização pode dispor para dedicar à empreitada;

o caso a organização não tenha condições de manter sua participação,

deve ter outras organizações que possam assumir a infraestrutura em

momento oportuno;

o nível de subsídios, sua forma e duração, devem ser conhecidos previamente.

A importância do comprometimento com o “desenvolvimento”22

, ou com os benefícios que

podem vir da eletrificação é apontada por Barnes (2007), que em seus estudos de caso

observou que a chance do projeto de eletrificação rural atingir a sustentabilidade é maior

quando quem promove o processo de intervenção está comprometido com o

“desenvolvimento” que pode ser obtido por aqueles que são atendidos. Evidentemente isso

não significa a abdicação de qualquer pretensão pessoal de benefícios, mas garante que o foco

do interventor estará no indivíduo atendido, e não na tecnologia empregada, ou na melhoria

da estatística de atendimentos de uma concessionária, por exemplo.

Moraes et al. (2012), como já destacado, aponta as possibilidades de determinados tipos de

instituições tem de conseguir com que seus projetos de eletrificação atinjam a

sustentabilidade. daí vem a importância da organização se situar dentro da empreitada e, caso

corresponda às categorias de organizações Temporárias ou Ocasionais, realizar a intervenção

apenas caso exista uma organização Consolidada ou Especializada que assuma o suporte à

infraestrutura em momento oportuno. Vale também observar que a importância de que a

instituição que desenvolverá a infraestrutura possua técnicos com nível especializado para sua

construção, evitando a simples replicabilidade, e sendo capaz de desenvolver os estágios a

seguir com menor custo para obtenção da informação científica.

Por fim, Zerriffi (2010) aponta que a probabilidade de que um empreendimento tenha sucesso

com um alto grau de subsídios é baixa. Este aspecto fica muito evidente no que foi observado

na pesquisa de campo na Ilha dos Lençóis, onde o sistema desenvolvido tem alto custo para

22

Barnes (2007) considera como elemento importante, de fato, o compromisso do interventor, não sendo

importante sua forma particular de compreender o desenvolvimento. E é justamente a presença de alguma visão

sobre o desenvolvimento, segundo o autor, que garante esse compromisso.

104

manutenção, o que impossibilita que a comunidade local assuma a infraestrutura de forma

totalmente autônoma.

Estágio 1 (E1) – Compreensão da cultura local e sua relação com o território;

observação de suas necessidades básicas.

Por meio de método etnográfico, coletar informações a respeito da

comunidade, de seus indivíduos, compreender suas relações e sua relação com

o território em que se situam, além da sua distribuição espacial dentro do

território

deve-se observar as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade

segundo a ótica da Abordagem de Capacidades, buscando verificar de que

forma a eletrificação pode contribuir para que capacidades sejam obtidas para

suprir estas necessidades;

este estágio deve prover informações que permitam definir o modelo de

geração e distribuição e o modelo de gestão que apresentem melhor adequação

e quais são as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade.

A importância da participação do cientista social neste tipo de empreitada, como já citado

nesta dissertação, é justificada por Serpa (2001) e Goméz e Montero (2010), tendo em vista

que, como observado por Foster (1964), não existem duas comunidades iguais. Essa

singularidade com relação à comunidades isoladas faz com que a determinação de variáveis

específicas seja difícil, tornando a presença do cientista social fundamental para a coleta

destas informações. O trabalho do cientista social, porém, não se encerra neste estágio do

projeto, mas é fundamental até a saída definitiva do interventor, pela necessidade de registro

das mudanças que venham ocorrer após a instalação do sistema e a determinação de que

forma estas mudanças serão tratadas, com será descrito nos próximos estágios.

Um exemplo da importância desta atividade pode ser visto em Winther (2008), que narra a

forma como uma vila repudiou a entrada da eletricidade. Na sua narrativa, a empresa

concessionária em Zanzibar, com o objetivo de abrir espaço para a instalação de postes para

eletrificação de uma determinada vila, retirou algumas árvores em uma região considerada

sagrada pelos seus habitantes, o que resultou no imediato repúdio destes para a entrada da

105

eletricidade, impedindo que isso ocorresse. Outro exemplo mostra como a forma que a

medição é feita na vila em que foi realizado seu estudo provocou incômodo nos seus

habitantes. Aqui, a concessionária instalou os medidores de eletricidade dentro das

residências, e se reservou (legalmente) o direito de entrar nas residências, mesmo sem a

autorização dos moradores, para que a medição fosse realizada. O pagamento também

provocava grande constrangimento, pois era realizado em um dia específico, o que resultava

em filas e no fato de que “todos nestas filas acabariam por conhecer a situação financeira de

todos”. Não há a prática no Brasil de instalar os medidores dentro das residências, mas um

interventor sem a devida atenção pode provocar situações de constrangimento como a

observada. A questão da fila para o pagamento, porém, ocorre na Ilha dos Lençóis. Nas

entrevistas realizadas não foi registrado constrangimento pela situação, mas dado o fato de

que a medição é realizada há pouco tempo, essa situação não pode ser desconsiderada.

Com relação ao modelo de gestão a ser empregado, informações como o contato com o

urbano, outras organizações já existentes ou que tenham existido na comunidade,

identificação de lideranças, a capacidade da comunidade em arcar com os custos relativos à

infraestrutura, podem contribuir para que o modelo seja determinado. Aqui novamente na Ilha

dos Lençóis, a observação de que a comunidade não possuía nenhuma forma de organização

prévia para um fim comum, como uma própria associação, poderia ser um indicativo para o

interventor que esta forma de organização não fosse a mais apropriada para um sistema do

porte que foi desenvolvido em um primeiro momento da gestão. Como já citado, isso não

torna proibitivo o uso do formato de autogestão por meio da Associação de Moradores, mas

demandaria um trabalho mais apurado da UFMA para que este formato se tornasse efetivo.

A compreensão das necessidades das pessoas na comunidade segundo a Abordagem de

Capacidades exerce dois papeis fundamentais para a eletrificação rural dentro das premissas

aqui apresentadas: (1) o papel de tornar o desenvolvimento algo mais tangível para as pessoas

da comunidade que dispõe da eletricidade e (2) incentivar a manutenção do sistema pelo fato

dos serviços oferecidos serem, de fato, úteis. Observar as necessidades das pessoas permite

tornar a eletrificação mais efetiva, justamente, na expansão das liberdades dos indivíduos,

tornando-a de fato, um indutor para o desenvolvimento, dentro dos moldes propostos por

Amartya Sen (1999). Além disso, com a visão de que a eletricidade pode efetivamente

contribuir para que algumas de suas necessidades possam ser satisfeitas, o usuário pode

106

buscar se apropriar de fato da tecnologia, eventualmente envolvendo-se mais com o sistema.

Essa apropriação da tecnologia pode promover os elementos necessários para que ocorra um

aprimoramento da modelo institucional implantando em um primeiro momento, tendo em

vista uma maior eficiência institucional (NORTH, 2005).

A possibilidade do uso da escola em períodos noturnos e a possibilidade de ter o posto de

atendimento médico sempre com eletricidade foram elementos de grande valor apontados

pelo pessoal da Ilha dos Lençóis. Isso permitiu manter as famílias mais tempo próximas em

função da permanência das crianças na ilha, além de permitir o atendimento básico de saúde.

O uso noturno de escolas, ou mesmo do estudo noturno é destacado por diversos autores

(SERPA, 2001; MORANTE, 2004; WINTHER 2008). Também são destacados o

bombeamento de água, a refrigeração para remédios e vacinas etc. Além disso, o acesso à

informação, por meio da TV, e mesmo de celulares (que podem ter a carga das baterias

realizadas nas casas), é um elemento apontado como importante, caracterizando um

incremento na condição de agente deles.

Estágio 2 (E2) – Determinação dos usos energéticos, seus custos e expectativa de uso da

eletricidade

Deve-se determinar quais são os usos energéticos dos indivíduos da

comunidade, de que forma estes são distribuídos no uso diário e seus custos

diversos (financeiro, tempo etc).

A determinação dos usos energéticos e a expectativa de uso permitem dimensionar o sistema

gerador em função da substituição direta, por exemplo, de velas por lâmpadas, e o acréscimo

de tecnologias como refrigeradores, TV, entre outros (SERPA, 2001; MORANTE 2004).

Com relação ao dimensionamento, é importante observar, no caso de sistemas domiciliares,

que no início das operações do sistema é conveniente que os sistemas domiciliares tenham

todos a mesma configuração, com o objetivo de não provocar o sentimento de inveja entre os

usuários (MORANTE, 2004).

107

As informações de usos energéticos contribuem, também, com a verificação de necessidades

das pessoas da comunidade, permitindo verificar de que forma a entrada de novas tecnologias,

ou a manutenção de antigas, pode afetar o bem-estar dos usuários.

Estágio 3 (E3) – Determinação da forma de geração e distribuição e do modelo de gestão

e da estrutura de manutenção

Com base nas informações de território e da comunidade, além da definição no

estágio 0 de que organização atuará na infraestrutura e de que forma ocorrerá

esta atuação, definir se a geração e distribuição ocorrerá no formato individual

domiciliar, individual coletivo ou minigrid e se a gestão ocorrerá no formato de

autogestão, mercado, ou concessionária.

As decisões sobre qual o modelo de geração e distribuição e modelo de gestão devem ser

tomadas orientadas a diminuir os custos relacionados. Por exemplo, no caso da geração

individual, os custos financeiros relativos à manutenção podem ser menores que no caso da

construção de um sistema dedicado, mas por outro lado, os custos relativos ao deslocamento

do técnico de manutenção, e relativos ao monitoramento de seu trabalho podem ser grandes.

Da mesma forma, enquanto a geração por meio de minigrid pode apresentar custos relativos à

informação menores, os custos financeiros podem ser grandes.

Ostrom et al. (1993) argumenta em favor da participação da população na realização. O

conhecimento local a respeito das características do território pode contribuir em diversos

aspectos, seja na forma de diminuição de custos, de soluções mais apropriadas para

problemas, ou simplesmente, na adequação da tecnologia aos seus usuários (indo além do

trabalho etnográfico). De forma um pouco indireta, Schumacher (1989) em proposta a

respeito de tecnologias intermediárias, argumenta a favor da adequação da tecnologia ao local

em que será empregada, sendo a participação daqueles que serão seus usuários na sua

construção uma forma de se obter a adequação.

Com relação à gestão, um primeiro ponto é o da gestão próxima ao sistema, como

cooperativa, associação de moradores ou mesmo empresa local. Ostrom et al. (1993)

argumentam que o modelo que apresenta menores custos relativos à obtenção de informação é

108

o modelo com a participação de grupos de usuários na gestão do sistema, dessa forma

apresentando menores incentivos ao comportamento oportunista. Isso não implica

necessariamente na exclusão da concessionária do sistema, mas sim na descentralização deste,

o que resulta em que parte das decisões sejam tomadas localmente. Já no caso da

centralização das decisões na concessionária, os custos relativos à informação seriam maiores,

mas por outro lado, os custos relativos ao conhecimento técnico-científico necessário para a

manutenção do sistema tendem a ser menores.

Um elemento base para a gestão do sistema é a estrutura de manutenção que será adotada. De

fato, a necessidade de uma estrutura de manutenção é defendida por vários autores (OSTROM

et al. 1993; SANTOS, 2002; MORANTE, 2004; SÁNCHES, 2007; NARVARTE e

LORENZO, 2010), os quais recomendam sua presença próxima ao sistema desejável.

De fato, em casos como o do ECOWATT, fica evidente que a distância do gestor para o

sistema acabou implicando em alto custo de informação, permitindo o comportamento

oportunista do técnico na forma de fuga da sua obrigação e resultando na ausência total da

manutenção, o que levou ao colapso do sistema, e que poderá ser observado na atual situação

da COELBA, caso a questão das dificuldades relativas à manutenção não sejam sanadas. No

caso da Ilha dos Lençóis, o compromisso do pessoal da UFMA com a infraestrutura e a

própria comunidade, além da pouca incidência de problemas no sistema ainda é suficiente

para que tal comportamento não ocorra.

Evidentemente o fato de sistemas centralizados como o do ECOWATT ou o da COELBA

apresentarem custos maiores relativos à informação, não tornam esse modelo inviável. Parte

dessa problemática pode ser sanada com a presença do técnico próximo ao local onde o

sistema se encontra.

A presença de um agente próximo do local onde a infraestrutura está instalada e próximo aos

usuários é destacada também por Santos (2002), como apresentado no capítulo 3. Sua

proximidade diminui os custos relativos à obtenção de informação e também relativos à

manutenção propriamente dita.

109

Dessa forma, definir os modelos para a geração e distribuição e de gestão inclui compreender

principalmente onde estão os custos relativos ao sistema e de que recursos podem ser

dispostos pela organização e pela comunidade para saná-los.

Projetos de sistemas individuais podem levar o interventor a projetar sistemas com

capacidades diferentes para cada usuário, de acordo com seu uso do sistema. Esta filosofia de

projeto apresenta problemas relacionados ao descontentamento dos usuários com relação à

diferença nas capacidades de seus sistemas. Morante (2004) sugere que no início do processo

de intervenção os sistemas projetados tenham todos a mesma capacidade de geração.

Posteriormente podem gradativamente ser ampliados, de acordo com a visão de necessidade.

Um problema semelhante (também um sentimento de injustiça, mas agora pelo excesso de

cobrança) pôde ser observado na Ilha dos Lençóis, que não é um sistema individual, mas aqui

decorrente, novamente, do formato de cobrança estratificado. Além do já destacado problema

da informação mentirosa a respeito do uso de energia, havia também o problema da

discrepância de usos dentro de uma mesma faixa (em especial no caso da Pousada, que apesar

de muito pouco utilizada, ainda tinha que pagar por um consumo que não ocorria), problema

este que foi sanado com a instalação dos medidores.

Estágio 4 (E4) – Definição de regras, limites e propriedade

Definição das regras que estruturarão a gestão do sistema, o organograma da

estrutura de gestão, o papel de cada ator envolvido e sua participação no

processo decisório e a propriedade do sistema.

Sánches (2007), na descrição da forma como a organização ITDG reestruturou e reativou o

sistema de geração hídrica no distrito do Conchán, Peru, mostra que um dos elementos de

maior importância para a “nova” infraestrutura foi justamente a construção de regras claras e

precisas, determinando a participação de cada ator envolvido na gestão do sistema (ver

descrição do modelo capítulo 3).

O observado por Sánches é coerente com o exposto por Ostrom (1990) nos princípios de

design propostos em seu trabalho “Governing the Commons”, onde diversos sítios onde a

autogestão de bens públicos esgotáveis são estudados. Em seu trabalho Ostrom demonstra que

110

a definição clara de regras, de limites e propriedades, além de uma estrutura para a solução

rápida de problemas são elementos que aumentam a probabilidade da autogestão ter sucesso.

Ostrom também destaca a importância de mecanismos de solução rápida para os problemas,

ou conflitos que possam vir a ocorrer. A importância desse elemento fica muito evidenciada

quando tratamos de bens públicos esgotáveis, mas não deixa de ser importante também no

caso da eletrificação. Levando em conta as mudanças que ocorrem no dia-a-dia dos usuários,

bem como das novas formas de dependência que são inevitáveis, a solução rápida de

problemas se torna importante não só pela qualidade do serviço prestado, mas também como

uma forma de preservação da confiança dos usuários no sistema.

Estágio 5 (E5) – Capacitação da população local

Treinamento dos usuários para o uso apropriado do sistema, manutenção

preventiva e pequenos reparos.

A capacitação da população local implica, tipicamente, no primeiro contato dos usuários com

a tecnologia, neste caso, de fato como “usuários”. Pode-se observar em alguns casos a

resistência ao processo de eletrificação. Em algumas situações essa resistência vem de outros

processos de intervenção na mesma comunidade que resultaram em resultados ruins, que

impõe barreira a novas intervenções (FOSTER, 1962; LONG e VAN DER PLOEG, 1989).

Em outras a resistência vem pela descrença na forma como a energia será gerada (nesse caso

por painéis fotovoltaicos e aerogeradores), que pode ser preterida pela possibilidade (muitas

vezes prometida por políticos locais) da extensão de rede, fato que ocorreu com a equipe da

UFMA, que tinha como proposta inicial de projeto a Ilha do Cajoal. O processo de

capacitação constitui o “desvendar de uma magia”, buscando dirimir resistências (SERPA,

2001), e tornar a realidade da nova tecnologia acessível aos novos usuários. Uma estratégia

destacada por Serpa para o primeiro contato dos usuários com a tecnologia é a eletrificação de

uma edificação de uso comum e de valor para a comunidade, como uma escola, por exemplo.

Esta estratégia foi empregada com êxito nas comunidades de Retiro e Varadouro, na região do

Lagamar de Cananéia, quando do processo de instalação de sistemas fotovoltaicos

domiciliares pelo LSF-IEE/USP.

111

Ainda, Morante et al. (2006) definem que os materiais utilizados para a capacitação devem ser

os mais simples e didáticos possível. Isso pode ser destacado pelo fato de comunidades

isoladas tipicamente possuírem alto índice de analfabetismo, ou mesmo de

semianalfabetismo. Essa, por exemplo, foi uma barreira no caso ECOWATT, onde os

usuários receberam manuais que não eram capazes de compreender (SERPA, 2001). Nesse

aspecto, destaca-se, novamente, a participação dos usuários na construção do sistema, e

também, o uso de materiais que sejam visualmente “inequívocos”, como o uso de fios de

cores diferentes para a instalação elétrica (MORANTE et al., 2007).

Além disso, a capacitação dos usuários permite que a tecnologia seja melhor absorvida,

facilitando a apropriação desta por parte dos usuários. Espera-se que esta apropriação resulte

no uso correto do equipamento, preservando sua vida útil e garantindo a segurança dos

usuários.

A manutenção preventiva envolve atividades corriqueiras relacionadas à eletricidade dentro

do domicílio, como troca de lâmpadas, de interruptores, limpeza de painéis solares entre

outros. O objetivo é aliviar a carga do técnico de manutenção local e preservar o equipamento,

em especial o gerador (em sistemas individuais), mantendo sua expectativa de vida útil. Aqui

pode ser englobado o uso consciente do equipamento, de forma referente aos gastos

energéticos. Parte da importância disso vem da própria natureza do sistema, que pelo uso de

baterias e capacidade de geração mais limitada que a convencional, demanda maior cuidado

no seu consumo. Parte também vem da importante mudança na prática do pagamento do

consumo, que antes ocorria ex ante o consumo (como na aquisição de velas, querosene) e

agora ocorre ex post (pelo pagamento da conta de consumo).

Estes aspectos puderam ser observados na Ilha dos Lençóis nos relatos dos entrevistados.

Com relação à manutenção preventiva, foi destacado que hoje os usuários já são capazes de

realizar a troca de lâmpadas, que no início era motivo de temor por parte destes. Já com

relação ao uso apropriado, um relato e uma observação são pertinentes aqui. Primeiro, foi

possível observar o uso excessivo da eletricidade por parte de alguns moradores que

utilizavam equipamentos de som de alta potência, o que pode implicar em sobrecarga na

fiação domiciliar e gastos excessivos de energia no sistema gerador. O outro relato trata de

um “desligamento” do sistema, que foi resultado da tentativa de um usuário de retirar, ele

112

mesmo, a fiação da sua casa, que resultou em um curto-circuito que provocou o

“desligamento”.

Outro aspecto fundamental da capacitação está relacionado à gestão do sistema. Este aspecto

é muito pouco discutido, mas envolve o treinamento para que a população local, ou aqueles

que de alguma forma vão se envolver com a administração do sistema, sejam capazes de geri-

lo de forma apropriada. São diversos fatores que levam à não consideração deste aspecto, mas

fica evidente, em especial nos trabalhos de Van Els (2008) e Sánches (2007) (ambos para a

geração hídrica), que infraestruturas em que houve a qualificação dos usuários para tal tem

maior chance obter a sustentabilidade.

Uma forma de diminuir os custos relacionados à capacitação é pelo uso de um centro de

formação para a capacitação de usuários selecionados, e depois pela multiplicação do

conhecimento dentro da comunidade, por meio destes usuários, como destacado na

experiência yachachiq (MORANTE, 2007). Neste caso, tendo a concentração da informação

em um ponto comum, pode-se atuar nos diversos níveis de capacitação, diminuindo assim os

custos relativos ao treinamento.

Estágio 6 (E6) – Construção do sistema

Na construção do sistema devem ser observadas a qualidade do material

empregado e a possibilidade da participação da população local no processo de

construção.

A participação da população local na construção do sistema é destacada por Serpa (2001) e

Morante (2004), além de Ostrom, Wynne e Schroeder (1993).

Serpa (2001), em seu relato sobre a instalação do sistema fotovoltaicos individuais na região

do Lagamar de Cananéia, mostra a forma como a prática da ajuda mútua foi resgatada com

esta estratégia funcionando, inclusive, como um dos estágios de capacitação técnica dos

usuários.

113

Outro ponto importante diz respeito ao sentimento de propriedade do sistema, à apropriação

deste pelo usuário atendido. Este ponto é destacado em Ostrom et al. (1993), que argumentam

que o trabalho realizado junto à infraestrutura traz ao indivíduo atendido a sensação de

responsabilidade ante sua construção e, no futuro, sua manutenção.

Estágio 7 (E7) – Administração e acompanhamento de desempenho / realização de

ajustes

O início da administração do sistema deve ser de forma conjunta entre o

interventor e os usuários que o administrarão, sendo gradativamente assumida

de forma exclusiva pelos usuários;

nesse período deve ser observado o desempenho do sistema, sendo realizados

os ajustes necessários para aprimorar sua eficiência.

Uma das conclusões Douglas Barnes (2007), em seu livro The Chalenge of Rural

Electrification é que o sistema não pode ser observado como algo estático, mas sim dinâmico.

Isso implica na necessidade da constante avaliação dos resultados obtidos por este e na

aplicação dos ajustes necessários para que sua operação se torne mais eficiente.

Ostrom et al. (1993) propõe como parte dos critérios para a avaliação das instituições que

regem a infraestrutura a equidade fiscal e a redistribuição. Um exemplo de reavaliação

positiva, com relação ao critério de equidade fiscal pôde ser observado na Ilha dos Lençóis,

que é o caso da instalação dos medidores de consumo de energia elétrica. Nesse caso os

usuários que não se utilizavam do comportamento oportunista quando a cobrança era

realizada pela estratificação da conta, deixaram se sentir lesados quando o sistema passou a

contar com medidores, passando a considerar o processo mais justo.

Os ajustes podem envolver mudanças mais radicais na infraestrutura do sistema, como

observado no projeto “Luz do Sol”, descrito em Santos (2002). Neste caso, o projeto,

desenvolvido por uma ONG em parceira com uma empresa e com o Banco do Nordeste,

contava a infraestrutura de um Centro Fotovoltaico de Cargas de Baterias, gerido por

microempresários locais, treinados pela ONG. Observou-se que a distância percorrida pelos

usuários com as baterias era um elemento de forte estímulo ao abandono do sistema, mas o

elemento de maior desgaste para a infraestrutura era o fato de que o usuário não recolhia a

114

mesma bateria que havia levado, ou seja, não havia a fidelidade no uso da bateria. Isso

significa que o usuário ficava dependente do uso apropriado da bateria por parte de outros

usuários (como garantir que a bateria não sofresse a descarga completa), o que foi observado

que não ocorria. Dessa forma, os usuários acabavam pagando e carregando até suas

residências baterias já comprometidas pelo mau uso, o que era um forte estimulante para o

abandono do sistema. A solução encontrada pela ONG foi a substituição do CFCB por

sistemas individuais domiciliares, que eliminou a necessidade do transporte da bateria e

tornou cada usuário responsável exclusivamente pela sua bateria.

Outro elemento que pode estimular a mudança institucional é o próprio processo de

aprendizado inerente ao uso. O aprendizado, como observado por North (2005), pode

conduzir a novos modelos mentais que podem permitir o aprimoramento das instituições

vigentes. Este pode ser, inclusive, utilizado pelo interventor para o gradativo ganho de

autonomia dos usuários com relação à administração da infraestrutura.

Este estágio implica também na observação do desempenho do sistema no que diz repeitos à

liberdades atingidas pelos usuários, às necessidades cujo atendimento com a eletricidade não

havia sido observado e às novas necessidades que surgem em função das novas tecnologias,

dentro dos princípios da Abordagem de Capacidades. Isto significa que as necessidades das

pessoas devem ser observadas de forma constante para que as suas condições de bem-estar e

de agente sejam regularmente incrementada, fazendo com que eletricidade cumpra o papel de

vetor para o desenvolvimento.

Isto também é importante por dois aspectos: (1) a determinação das necessidades individuais

implica em um problema metodológico (ROBEYNS, 2006), que por sua vez pode implicar

em uma compreensão inicial destas não tão profunda quanto o necessário para um

atendimento amplo das necessidades, sendo que a sua observação constante deve aumentar a

possibilidade de uma compreensão maior destas e (2) pelo comprometimento do interventor

com o desenvolvimento da comunidade assistida, o que significa que a simples aplicação da

tecnologia não pode ser entendida como um indutor direto de desenvolvimento.

115

Além disso, a constante observação do bem-estar das pessoas e seu incremento sempre que

possível pode servir de incentivo para o envolvimento maior das pessoas da comunidade para

a manutenção da infraestrutura, diminuindo assim as chances de colapso do sistema.

Estágio 8 (E8) – Visitas periódicas para acompanhamento e realização de ajustes

Após a autonomia na gestão da infraestrutura pela saída do interventor, é

importante que este acompanhe o sistema por algum período para a garantia de

que este não colapse em função de eventos não previstos, ou não vivenciados

nos estágios anteriores.

A justificativa para este estágio é semelhante à do estágio anterior, a não ser pelo fato de que

aqui a gestão do sistema já não conta mais com a participação do interventor. É importante

ressaltar que a maioria dos projetos de eletrificação rural descentralizada fracassa justamente

após a saída do interventor. Mas é possível observar, também, que muitos casos poderiam ser

evitados, seja por ajustes na estrutura de manutenção, em mecanismos de financiamento, ou

em qualquer outro aspecto do projeto.

Um caso interessante pode ser observado no caso da geração hídrica em Conchán, visto em

Sánches (2007). Aqui, o sistema de geração, baseado em uma microcentral hidrelétrica

fracassou por diversos motivos. Após a intervenção da ONG ITDG o sistema foi

reestruturado, havendo sido constituída uma Associação de Moradores para a administração

do sistema e uma pequena empresa responsável pela manutenção deste. Para a reestruturação

foram adotadas regras claras sobre propriedade e direitos, além de realizado o treinamento das

pessoas selecionadas para trabalhar na manutenção (estágios 4 e 5 deste método). Com esse

procedimento a geração elétrica na comunidade de Conchán foi reestabelecida, a despeito do

fracasso da tentativa anterior, pela reestruturação do modelo de gestão empregado.

5.2 Distribuição temporal dos estágios

O conjunto de estágios a seguir toma como referência três momentos notáveis do projeto de

eletrificação rural: (1) o projeto do sistema e sua implementação; (2) o início de operação e

operação supervisionada pelo interventor e (3) a saída do interventor e autonomia do sistema.

116

Retomando as premissas, aqui de forma resumida:

E0 – Premissas para o projeto do sistema;

E1 – Compreensão da cultura local e sua relação com o território; observação de suas

necessidades básicas;

E2 – Determinação dos usos energéticos, seus custos e expectativa de uso da eletricidade;

E3 – Determinação da forma de geração e distribuição e do modelo de gestão e da estrutura de

manutenção;

E4 – Definição de regras, limites e propriedade;

E5 – Capacitação da população local;

E6 – Construção do sistema;

E7 – Administração e acompanhamento de desempenho / realização de ajustes;

E8 – Visitas periódicas para acompanhamento e realização de ajustes.

Os estágios não são necessariamente sequenciais, podendo em alguns casos ser desenvolvidos

de forma concorrente. Também é importante ressaltar que, apesar de poder ser definidos

inícios para todos os estágios, pode-se considerar que nem todos tenham um fim, de modo

que suas atividades devem ser continuadas até a saída definitiva do interventor. Este é o caso,

por exemplo, do estágio E1, visto que o acompanhamento da comunidade segue até o fim das

atividades do interventor. Da mesma forma, o estágio E3 e E4 não podem ser considerados

findados em nenhum momento, visto que a avaliação dos resultados da infraestrutura implica

na revisão destes.

O primeiro estágio, E0, de fato deve preceder a todos. Os estágios E1 e E2 são dependentes da

composição da equipe, enquanto o estágio E3 e E4 dependem da compreensão do interventor

sobre si mesmo, visto que a definição de propriedade é parte deste estágio.

Os estágios E1 e E2, que compreendem basicamente a caracterização da comunidade, podem

ser realizados de forma concorrente. De fato, apesar dos resultados esperados para cada um

serem razoavelmente distintos (compreensão das características da comunidade e de que

modo estas características influenciarão e serão influenciadas pela eletrificação; compreensão

das necessidades dos indivíduos da comunidade; e compreensão dos seus usos energéticos),

estabelecer limites entres resultados, realizando assim pesquisas distintas, pode ser

desnecessário.

117

O estágio E3 é dependente dos resultados obtidos nos estágios E1 e E2, além da definição de

propriedade da infraestrutura em E0, devendo assim ser realizado após a conclusão destes. Da

mesma forma E4 depende das definições sobre o modelo de gestão definido em E3 e da

propriedade em E0.

O estágio E5, de certa forma, pode ocorrer em qualquer momento a partir do estágio E1. A

capacitação dos usuários com a tecnologia específica que será instalada depende dos

resultados do estágio E3. Mas a capacitação pode se iniciar com conceitos básicos a respeito

do uso da eletricidade, o que pode, inclusive, contribuir com o processo de decisão no estágio

E3 a partir da observação do desempenho dos usuários na capacitação. Após a decisão sobre o

modelo de geração e distribuição a capacitação deve ser conduzida em função da tecnologia

que será efetivamente empregada. Os demais estágios acabam sendo dependentes dos

anteriores, devendo então ser realizados de forma seqüencial.

Desta forma, a sequência proposta é a mostrada na figura 5.1, como diagrama de Gantt:

Figura 5.1 Diagrama de Gantt proposto para a distribuição temporal dos estágios Elaboração do autor

118

Tomando como exemplo o estágio 5, que se refere à capacitação da população local, pode-se

estabelecer como seu início formal, ou mesmo um limite para o início, o período de

construção e funcionamento da infraestrutura, mais precisamente no momento da construção

desta, tendo em vista que os usuários comecem a utilizar o sistema com um conhecimento

mínimo ao menos. Mas isso não impede que a capacitação seja iniciada de forma concorrente

com os primeiros estágios de estudos na comunidade, com treinamentos simples para aspectos

comuns da eletrificação. Ainda, o processo de capacitação é um processo constante,

implicando no fato que, apesar do fato de que o pessoal deve ter um treinamento ao menos

mínimo no início de operação do sistema, a capacitação se estende de forma indefinida de

acordo com as novas tecnologias, ou com o envolvimento que possa aumentar do pessoal da

comunidade com a sua manutenção.

5.3 Síntese do capítulo

Este capítulo concentra todo o corpo de conhecimento abordado nos capítulos 2 e 3 desta

dissertação, e o resultado da pesquisa de campo conduzida na Ilha dos Lençóis, abordada no

capítulo 4.

O resultado aqui apresentado é um método que busca guiar o interventor em um projeto de

eletrificação rural descentralizado, com o objetivo de aumentar a chance de que o projeto

tenha sucesso.

Este método foi construído de modo a buscar a minimização dos custos de transação nos

diversos estágios do projeto. Para tal foram utilizadas como base para a construção as

observações históricas em outros projetos de eletrificação por meio da análise dos custos de

transação envolvidos, além das constatações em campo na Ilha dos Lençóis. As

particularidades da manutenção da infraestrutura, tanto com relação às dificuldades de acesso

como com os diversos níveis de capacitação, as questões relativas à propriedade da

infraestrutura, à própria natureza do interventor, à estrutura de gestão (cooperativa ou com

base em mercados) são tratadas dentro do corpo do método.

119

Ainda, com o objetivo de que o processo de eletrificação efetivamente implique em uma

melhoria no bem-estar, o método tem como referência o uso da Abordagem de Capacidades

para compreender o desenvolvimento, aqui como aumento das liberdades do indivíduo.

Assim, pode-se esperar que as necessidades básicas que possam ser atendidas pelo acesso à

eletricidade sejam sanadas com o oferecimento de recursos para tal. Faz-se necessário

observar que novas necessidades podem surgir em função dos novos recursos oferecidos pela

tecnologia, o que implica no fato de que é necessária a avaliação regular da condição de bem-

estar dos indivíduos atendidos, situação que é contemplada pelo método.

A visão de desenvolvimento pela ótica da Abordagem de Capacidades pode, inclusive,

implicar na formação de incentivos para que o pessoal atendido na comunidade pela

infraestrutura a mantenha, auxiliando na superação dos custos de transação em seus diversos

estágios.

Os estágios são distribuídos em 4 momentos notáveis do desenvolvimento da infraestrutura,

que são um necessário estágio onde o próprio interventor deve se situar, conhecendo suas

limitações e compreendendo a necessidade da correta motivação. A seguir, o estágio de

projeto, onde a infraestrutura é dimensionada em função das características da comunidade e

das necessidades das pessoas que serão atendidas. Na construção e funcionamento da

infraestrutura, onde esta efetivamente passará a fazer parte da vida das pessoas da

comunidade. Por fim, o estágio em que o interventor deixa de atuar de forma direta na

infraestrutura, mas não a abandona, realizando avaliações periódicas do seu desempenho e

efetividade no atendimento às necessidades da comunidade.

120

Capítulo 6 – CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo geral formular um método que pudesse guiar o interventor

na gestão de projetos de eletrificação rural descentralizada por MIDGI ou SIGFI, com base na

geração híbrida solar e eólica, eventualmente com sistema diesel de backup, procurando o

sucesso e a sustentabilidade deste tipo de empreendimento. Como objetivos específicos foram

propostas (1) a identificação dos fatores que apresentam maior relevância na gestão destes

projetos visando aumentar suas chances de sucesso e (2) analisar de que forma os diferentes

arranjos para a gestão da infraestrutura são afetados por particularidades territoriais e

culturais.

Estes objetivos vinham como suporte para responder às perguntas:

1 – Quais são os fatores predominantes para o sucesso ou fracasso de projetos de eletrificação

rural?

2 – É possível implantar modelos de eletrificação que levem em conta as particularidades

territoriais e culturais no momento de elaboração do projeto?

Ainda no capítulo 1 foi proposto que não seria possível apresentar uma causa única para os

casos de fracasso em projetos de eletrificação. Tais resultados são consequência dos

incentivos perversos que estimulam os atores envolvidos a desviar seu comportamento,

provocando assim o colapso da infraestrutura.

A literatura sobre eletrificação rural permite observar diversos pontos com altos custos de

transação em seus diversos estágios. O primeiro ponto diz respeito às características do

interventor. Nesse caso, os maiores custos são relativos à informação. Uma instituição que

não tenha atuação constante na região em que ocorrerá o processo de eletrificação terá

maiores dificuldades para obter informações de tempo e local. Da mesma forma, se esta

instituição não possuir um setor especializado nas tecnologias empregadas, aqui a solar, a

eólica e a diesel, seus custos para obter tal conhecimento serão grandes.

121

No que diz respeito à manutenção, a distância a ser percorrida pelo técnico, bem como a

dificuldade em fiscalizar esta ação são elementos que podem estimular o comportamento

oportunista. Ainda com relação à manutenção, a falta de conhecimento técnico pode implicar

em custos financeiros maiores que o necessário, acarretando em alta ineficiência financeira.

Como exposto na dissertação, não necessariamente o interventor será o responsável pela

manutenção, ou sua propriedade, mas caso isso ocorra, refletem-se aqui os custos citados no

parágrafo anterior.

A gestão pelo modelo de Cooperativa, Associação de Moradores, ou a forma de gestão

baseada em mercado apresentam características próprias, com seus custos particulares. No

caso da gestão baseada em mercados, permanecem as dificuldades com relação à propriedade

destacados a seguir. Nesse caso pode-se ter a expectativa da movimentação financeira, sendo

aqui a maior dificuldade a de se atingir a redistributividade. Já no formato cooperativo há a

vantagem da proximidade entre os usuários coibir o comportamento oportunista.

No caso da eletrificação realizada pela empresa concessionária do serviço de energia elétrica,

incorrem os mesmos problemas abordados anteriormente. As dificuldades no acesso ao local

onde é realizada a eletrificação e necessidade da capacitação continuam sendo problemas, ao

contrário do que se poderia supor pelo fato destas empresas serem voltadas especificamente

ao serviço de fornecimento de energia elétrica. O mesmo é observado no caso da eletrificação

realizada pelo Estado.

Os custos relacionados à problemática da propriedade do sistema são maiores no que diz

respeito ao aspecto financeiro, de fato. Nesse caso, em função das tecnologias empregadas

para a conversão das fontes solar e eólica, além das baterias, os gastos para a manutenção do

sistema pode tornar proibitiva a propriedade da infraestrutura pela comunidade.

Grande parte dos custos destacados na literatura pôde ser observada na pesquisa de campo na

Ilha dos Lençóis. Foi possível compreender, porém, que esta relação não é direta, ou

determinística. A motivação do ator não se resume à dificuldades enfrentadas na realização de

suas tarefas. Apesar da distância entre a UFMA e a Ilha dos Lençóis, os professores desta

universidade continuam realizando a manutenção de modo que a quantidade de interrupções e

sua duração sejam sempre baixas. Como citado anteriormente, parte da motivação vem do

122

compromisso moral de alguns atores da universidade, e parte vem da necessidade de que o

sistema opere com qualidade para que estimule candidatos à proprietários do sistema (não

parece que a produção científica ainda seja um motivador). A proximidade do pessoal da

Associação de Moradores com os usuários é outro elemento de destaque, visto a constante

fiscalização e cobrança. Além disso, a visão dos usuários de que a eletricidade trouxe

benefícios é um forte incentivador para que se mantenha o sistema em funcionamento.

Dessa forma, o sistema de incentivos pode ser apontado como elemento determinante no

sucesso ou no fracasso de infraestruturas de eletrificação rural. Mas é importante ressaltar que

os incentivos não são restritos aos custos enfrentados, mas também compreendem a visão dos

benefícios do sistema, os compromissos morais etc.

Também foi possível detectar, em especial pela revisão da literatura, que sim, é possível

considerar aspectos territoriais e culturais no projeto da infraestrutura, mas que de fato esta

tarefa não é trivial. Pode-se definir como características que devem ser fundamentalmente

observadas os hábitos energéticos e as demandas para o bem-estar que podem ser atendidas de

forma direta ou indireta pela eletrificação, mas não é possível definir um corpo específico de

variáveis a ser observado. Para tanto, é fundamental a participação do Cientista Social, que

deve ser capaz de determinar as variáveis determinantes que podem influir, em especial, no

sistema de incentivos para a infraestrutura.

Desta forma, ficam respondidas as perguntas propostas originalmente no início desta

dissertação.

Com relação aos objetos propostos, destacando-se em primeiro lugar os objetivos específicos,

os fatores de maior relevância de modo a aumentar as chances de sucesso da infraestrutura são

os relacionados:

às características do interventor,

à questão da propriedade do sistema,

à estrutura de manutenção e

à capacitação dos usuários e pessoal técnico.

123

Com relação à forma de gestão, seja pelo modelo de Cooperativa ou de mercado, as

particularidades territoriais e culturais acabam implícitas em função da já destacada

dificuldade em definir variáveis comuns para a observação.

Com base nas respostas às perguntas anteriores, e tendo em vista os objetivos específicos

destacados, foi proposto o seguinte corpo do método:

Estágio 0 (E0) – Premissas para o projeto do sistema

As organizações envolvidas no projeto do sistema devem estar comprometidas

com os benefícios que esta empreitada possa trazer à comunidade atendida;

as organizações envolvidas devem compreender sua própria posição dentro

empreitada, compreendendo suas limitações e a expectativa de tempo que a

organização pode dispor para dedicar à empreitada;

o caso a organização não tenha condições de manter sua participação,

deve ter outras organizações que possam assumir a infraestrutura em

momento oportuno;

o nível de subsídios, sua forma e duração, devem ser conhecidos previamente.

Estágio 1 (E1) – Compreensão da cultura local e sua relação com o território;

observação de suas necessidades básicas.

Por meio de método etnográfico, coletar informações a respeito da

comunidade, de seus indivíduos, compreender suas relações e sua relação com

o território em que se situam, além da sua distribuição espacial dentro do

território

deve-se observar as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade

segundo a ótica da Abordagem de Capacidades, buscando verificar de que

forma a eletrificação pode contribuir para que capacidades sejam obtidas para

suprir estas necessidades;

este estágio deve prover informações que permitam definir o modelo de

geração e distribuição e o modelo de gestão que apresentem melhor adequação

e quais são as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade.

124

Estágio 2 (E2) – Determinação dos usos energéticos, seus custos e expectativa de uso da

eletricidade

Deve-se determinar quais são os usos energéticos dos indivíduos da

comunidade, de que forma estes são distribuídos no uso diário e seus custos

diversos (financeiro, tempo etc).

Estágio 3 (E3) – Determinação da forma de geração e distribuição e do modelo de gestão

e da estrutura de manutenção

Com base nas informações de território e da comunidade, além da definição no

estágio 0 de que organização atuará na infraestrutura e de que forma ocorrerá

esta atuação, definir se a geração e distribuição ocorrerá no formato individual

domiciliar, individual coletivo ou minigrid e se a gestão ocorrerá no formato de

autogestão, mercado, ou concessionária.

Estágio 4 (E4) – Definição de regras, limites e propriedade

Definição das regras que estruturarão a gestão do sistema, o organograma da

estrutura de gestão, o papel de cada ator envolvido e sua participação no

processo decisório e a propriedade do sistema.

Estágio 5 (E5) – Capacitação da população local

Treinamento dos usuários para o uso apropriado do sistema, manutenção

preventiva e pequenos reparos.

Estágio 6 (E6) – Construção do sistema

Na construção do sistema devem ser observadas a qualidade do material

empregado e a possibilidade da participação da população local no processo de

construção.

125

Estágio 7 (E7) – Administração e acompanhamento de desempenho / realização de

ajustes

O início da administração do sistema deve ser de forma conjunta entre o

interventor e os usuários que o administrarão, sendo gradativamente assumida

de forma exclusiva pelos usuários;

nesse período deve ser observado o desempenho do sistema, sendo realizados

os ajustes necessários para aprimorar sua eficiência.

Estágio 8 (E8) – Visitas periódicas para acompanhamento e realização de ajustes

Após a autonomia dos usuários na gestão da infraestrutura, é importante que o

interventor acompanhe o sistema por algum período para a garantia de que este

não colapse em função de eventos não previstos, ou não vivenciados nos

estágios anteriores.

Este método toma como base os conceitos de que os custos de transação devem ser

minimizados nos diversos estágios da construção da infraestrutura. Isto é obtido justamente

pela observação das características da comunidade que será atendida, pela definição de regras

claras e da propriedade do sistema, pela capacitação dos usuários para o uso do sistema etc.

Os estágios do método podem ser distribuídos de maneira temporal segundo o seguinte

diagrama de Gantt, especificado na figura 5.1:

126

Figura 5.1 Cronograma proposto para a distribuição temporal dos estágios

Elaboração do autor

Esta dissertação propõe uma forma de tornar efetiva a intervenção por meio de eletrificação

descentralizada para o desenvolvimento de comunidades tradicionais. Isto se faz necessário

em função dos regulares fracassos observados historicamente em projetos de eletrificação

rural descentralizada. E a forma proposta aqui tomou como base a Análise Institucional e a

Abordagem de Capacidades.

A Análise Institucional se mostrou muito eficiente no que diz respeito a compreender as

relações entre os atores, os custos envolvidos na realização das suas ações, as instituições

criadas para a gestão da infraestrutura, e o consequente sistema de incentivos que se forma

destas relações.

O uso da Abordagem de Capacidades, por sua vez, traz a infraestrutura e seus serviços mais

próximos à realidade das pessoas atendidas pela eletricidade. Isto pode resultar, de fato, no

127

almejado desenvolvimento, que aqui é compreendido como o aumento das liberdades dos

indivíduos. Evidentemente, o alcance da eletricidade no incremento do bem-estar e da

condição de agente fica limitado aos serviços que esta pode oferecer, não sendo difícil

perceber que novas necessidades podem surgir em função dos novos recursos, mas o bom

direcionamento do projeto e o seu acompanhamento podem trazer benefícios efetivos aos que

são atendidos. E esses benefícios podem, por sua vez, implicar em maior interesse das pessoas

em manter o sistema em funcionamento, representando incentivos positivos para a

manutenção da infraestrutura.

Apesar de soar evidente que o indivíduo deva ser o centro de todo o processo, não é isso que

ocorre na maioria dos casos. O foco muitas vezes é desviado para o desenvolvimento da

tecnologia a ser empregada, ou à melhoria das estatísticas de acesso, ou mesmo à busca da

legitimação da marca de uma empresa pela ação de intervenção. Nestes casos é comum que se

considerem os assuntos relativos ao indivíduo como segundo plano, ou mesmo que sejam

assuntos que naturalmente serão resolvidos, sem a necessidade de gastar maior tempo neles. E

isso normalmente implica no fracasso da empreitada.

Não é difícil perceber os problemas que o fracasso no processo de eletrificação pode causar.

A perda de equipamentos adquiridos para aproveitar as novas possibilidades é o mais

evidente, mas talvez a resignação com a condição enfrentada e a descrença em ações de

intervenção sejam os mais contundentes.

E esta dissertação buscou trazer para o cerne da eletrificação rural descentralizada, o

indivíduo, em especial a pessoa da comunidade tradicional que receberá o acesso à

eletricidade, e isto é feito, justamente, por meio da Análise Institucional e da Abordagem de

Capacidades.

Desta pesquisa são propostos os seguintes desdobramentos:

1) Avaliação dos elementos que podem efetivamente contribuir para as mudanças

institucionais em empreendimentos de MIGDI e de que forma estas mudanças podem ser

incorporadas na gestão da infraestrutura;

128

2) Estender o método para as outras fontes para MIGDI, como o pequeno aproveitamento

hídrico, o uso de biomassa, tanto por queima direta como em gaseificadores etc;

3) No caso do aproveitamento energético da biomassa, compreender como poderia ser

incorporada a gerência de uma floresta energética no método;

4) Compreender de que forma esse método pode ser estendido para outras ações de

intervenção para ao desenvolvimento que envolvam alguma forma de infraestrutura, que por

sua vez envolva o provimento e/ou produção regulares;

5) Composição de um corpo de critérios para a aprovação de financiamento para este tipo de

infraestrutura com base nos elementos constantes no método;

6) O uso do IAD framework, bem como da própria Abordagem de Capacidades, demandam o

uso de teorias de suporte para seu “preenchimento”; nesse sentido, seria interessante a

aplicação das técnicas aqui utilizadas com o suporte, por exemplo, dos conceitos de Campos e

habitus, de Pierre Bourdieu, que poderiam auxiliar na composição do framework, bem como

compreender os valores e as necessidades das pessoas da comunidade analisada (auxiliando,

inclusive, a compreender as necessidades reprimidas);

7) Com o desenvolvimento da proposta do item 6, é possível construir uma metodologia mais

ampla, e possivelmente completa, para a realização do estágio 1 do método e a realização das

avaliações periódicas propostas nos itens 7 e 8.

129

Capítulo 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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136

ANEXO 1

Questionário utilizado na pesquisa de campo na Ilha dos Lençóis. As questões são abertas,

sem opções de resposta, mas com respostas possíveis dentro de um universo discreto de

possibilidades.

1) Quantas pessoas há na residência?

Respostas variaram de 3 a 11 pessoas.

2) Quantos adultos?

Respostas variaram de 2 a 6 adultos.

3) Quantos idosos (acima de 64 anos)?

Respostas variaram de 1 a 3 idosos.

4) Quantas pessoas entre 10 e 19 anos?

Respostas variaram de 1 a 7 anos.

5) Quem tem o grau de escolaridade mais alto?

Respostas variaram entre filho/filha e mãe.

6) Qual o grau de escolaridade de quem tem a maior escolaridade?

Resposta variou entre 4ª série do 1º grau e 2ª série do Colegial.

7) Há quanto tempo está na Ilha?

Todos entrevistados são filhos da ilha (sempre moraram nela)

8) Quais são os eletrodomésticos tem na residência?

Predominância de aparelhos audiovisuais; metade das residências com geladeiras.

9) Com que frequência alguém na residência vai para o continente?

Predominância de visita mensal ao continente (predominância do município de Apicum-Açu).

10) Quanto tempo fica?

Todos entre 2 e 3 dias.

11) Principal fonte de renda?

Predominância Pesca (apenas 1 Turismo)

137

Publicações realizadas durante o Mestrado

SEIFER, Paulo, MORANTE TRIGOSO, Federico Bernardino, A busca pelo sucesso em

projetos de eletrificação rural descentralizada por meio de sistemas híbridos de geração

de energia elétrica, Anais do VI Encontro Nacional da ANPPAS – Belém, 18 a 21 de

setembro de 2012.

SEIFER, Paulo, MORANTE TRIGOSO, Federico Bernardino, Proposta de diretrizes para o

desenvolvimento de projetos de eletrificação rural descentralizada por meio de sistemas

híbridos de geração de energia elétrica, Anais do VIII Congresso Brasileiro de

Planejamento Energético – Curitiba, 12 a 15 de agosto de 2012.