discipulado - ser e fazer
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DISCIPULADO: SER E FAZER.
Por:
PETRÔNIO ALMEIDA BORGES JÚNIOR
Programa de Bacharelado em Teologia
SEMINÁRIO TEOLÓGICO EVANGÉLICO BETEL BRASILEIRO
2006
DISCIPULADO: SER E FAZER.
Por:
PETRÔNIO ALMEIDA BORGES JÚNIOR
Trabalho realizado com o objetivo de servir como texto da disciplina DISCIPULADO, ministrada pelo professor Petrônio Almeida Borges
Júnior no curso intensivo de Bacharelado em Teologia do Seminário Teológico Evangélico Betel Brasileiro, base Salvador-BA, sob a
coordenação da professora Milca Soraia.
Salvador – BA
Maio – 2006
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 – CONHECENDO E ENTENDENDO PARA CRER E AGIR
1.1 Discípulo e Discipulado – definições propostas;
1.2 A ordem e a importância do discipulado – bases bíblicas;
1.3 Paulo: discípulo e discipulador – O discipulado na vida e no ministério;
1.4 Entendendo a ordem de Jesus: “Fazei discípulos”;
2 – OUVINDO E ATENDENDO PARA SEGUIR E MORRER
2.1 Assumir a cruz – o desafio da morte voluntária
2.2 Obediência – aprendizado para multiplicação
3 – APRENDENDO E FAZENDO PARA CONSTRUIR E VIVER
3.1 O discípulo e a vida em comunhão
3.2 A formação e o crescimento do discípulo
CONCLUSÃO
INTRODUÇÃO
O alvo central da disciplina discipulado é “informar e formar o caráter de Cristo nos
alunos tendo como modelo exato a ser imitado a vida do Mestre e seus discípulos” (Ementa
da disciplina, curso de Bacharelado em Teologia, Intensivo). Diante desta direção, o nosso
objetivo geral é “desenvolver no aluno a consciência de que, ser discípulo é a mais nobre das
vocações, e fazer discípulos é o mais excelente objetivo do nosso chamado” (Idem). Assim,
mais especificamente, o conteúdo conduzirá o aluno a descobrir se verdadeiramente é
discípulo, calcular o preço de tornar-se cristão, converter-se ao Senhorio de Cristo e aplicar os
ensinamentos de Jesus na vida diária.
Com estas diretrizes em mente, organizamos o texto a seguir em forma de apostila com
a finalidade de apresentar ao aluno uma visão geral do conteúdo programático bem como uma
introdução à bibliografia básica sobre este tema.
Dedicamos a primeira parte à conceituação e fundamentação bíblico-teológica.
Definimos os termos discípulo e discipulado, revisamos textos bíblicos indispensáveis à
discussão do tema, ressaltamos a importância do processo de discipulado e destacamos os
principais aspectos do discipulado na vida e no ministério do apóstolo Paulo. Na segunda
parte do trabalho apresentamos as condições absolutas estabelecidas por Jesus àqueles que
seguirem-no como discípulos, a saber: aborrecer, morrer, renúncia, reproduzir, disposição
para aprender, disposição para obedecer. E por fim, acrescenta-se a discussão sobre a prática
da integração de discípulos na igreja mediante alternativas tais como classe de novos
membros e plano de adoção.
Esperamos que o aluno possa fazer uso deste material como texto-base para esta
disciplina, lendo e discutindo seus pontos, individualmente e em grupo, em sala e em casa. No
entanto, esta apostila também poderá servir como referência para futuras produções
individuais ao longo do curso.
1 – CONHECENDO E ENTENDENDO PARA CRER E AGIR
Do conhecimento para a ação, da perspectiva para a convicção. Estes são movimentos
naturais da vida de fé. O discipulado representa uma temática instigante para a (re)visão da
igreja no mundo atual. Por isso, o movimento da fé, da informação para a formação, da teoria
para a prática, constitui uma oportunidade desafiadora. A análise dos termos e conceitos que
envolvem este tema partem da prática, da ação, animam a fé, muda a visão e estabelece
convicções. Se discutimos o assunto hoje, é por que muitos antes de nós viveram. Buscamos
conhecer para viver.
É nesse empenho que dedicamos esta primeira parte do trabalho à fundamentação
bíblico-teológica. Tentaremos conceituar os termos discípulo e discipulado, revisando textos
bíblicos indispensáveis à discussão do tema. Com isso sublinharemos a importância do
processo de discipulado destacando especificamente os principais aspectos do discipulado na
vida e no ministério do apóstolo Paulo.
1.1 Discípulo e Discipulado – definições propostas
Cuidemos a princípio da terminologia usada na discussão do tema, sobretudo no estudo
do Novo Testamento. A etimologia nos auxiliará na compreensão do significado e em sua
melhor definição.
No português a palavra discípulo tem origem no latim discípulos, ‘aluno’, ‘aprendiz’. A
raiz verbal discere, ‘ensinar’ (origem de palavras como discente, aluno, ou docente,
professor). A palavra grega correspondente é mathetés, de onde deriva o significado de
‘aprender’. O hebraico usa talmid, derivada de talmad, aprender. Talmidim veio a significar os
discípulos de um rabino ou uma escola de pensamento. Neste mesmo campo semântico
encontra-se o Talmude (erudição), coleção de estudos que visam aclarar e expandir os escritos
do Antigo Testamento (Discípulo, Discipulado. In: CHAMPLIM, 2004. p.181).
O verbo discipular ocorre 25 vezes no Novo Testamento. Discípulo, cerca de 264 vezes,
restringindo-se aos Evangelhos e ao livro de Atos. Discípulo é aquele que crer em Cristo e
segue o seu caminho. Este significado também pode ser encontrado nos outros escritos,
sobretudo os paulinos. Trataremos com maior atenção do discipulado na vida e no ministério
de Paulo mais adiante. Por hora, fiquemos com o destaque dado por Champlim para o uso do
termo discípulo no período pós-apostólico: “É interessante observar que, no século II D.C.,
Inácio usou o termo para indicar a si mesmo, como para indicar que o seu martírio seria a
prova final de seu discipulado cristão” (op cit, CHAMPLIM, 2004. p.181).
Para os gregos, o aprendiz oferecia-se ao mestre ou pagava-lhe para segui- lo (Isto
afirmamos referindo-nos aos discípulos dos filósofos como Sócrates). Entre os fariseus, grupo
religioso contemporâneo de Jesus, os discípulos eram seguidores de Moisés e estudavam a
Lei. Mas, em João, o Batista, já encontramos na atitude do seguidor a lealdade a um mestre,
até sua morte. Todavia, somente por Jesus o discipulado passa a significar um chamado para
si, para a obediência irrestrita, para o sofrimento e a morte (RABEY, 2004. pp. 37-38).
Citando estudos sobre o ministério de Jesus, surgidos após a segunda guerra mundial, o
historiador E. Glenn Hinson assevera: “Enquanto os mestres gregos e judeus eram procurados
por estudantes interessados, Jesus, ao contrário, foi atrás de seus discípulos. Em outras
palavras, o discípulo não escolheu a Jesus; Jesus escolheu o discípulo” (SIEPIERKI, p.20).
David Kornifield lidera um movimento de discipulado que envolve duas
centenas de pastores de dezoito denominações, define de modo suficientemente claro estes o
significados de discípulo e discipulado e discipulador. Discípulo é uma pessoa cujo
compromisso principal na vida é imitar a seu mestre, desenvolver-se para ser como seu
mestre, e fazer a vontade do seu mestre. Um discípulo é um seguidor integral do seu mestre.
Já o discipulado é uma relação comprometida e pessoal na qual um discípulo mais maduro
ajuda a outros discípulos de Jesus Cristo a serem mais parecidos com Ele e assim
reproduzirem. O discipulador é um guia ou orientador espiritual comprometido pessoalmente
com o desenvolvimento integral dos discípulos. Na verdade, ele será uma combinação entre
conselheiro, pelo seu objetivo ministerial, e amigo, pela relação íntima que manterá
(KORNFIELD, p. 25-27).
A familiarização com estes termos permite-nos uma maior liberdade na busca por uma
definição de discípulo e discipulado a partir do nosso contexto de aplicação: a vida cotidiana,
no ambiente da família, no trabalho, na agitação da cidade. Se discípulo é aquele que aprende
de um mestre, que o segue, identificando-se com ele até diante da morte, estamos
correspondendo a este perfil? Se discipulado é uma relação tão íntima e pessoal com o
Mestre, superando o vínculo discente-docente e estabelecendo um compromisso de vida na
vida, como estão nossas igrejas diante do desafio de estimulá- lo e promovê- lo?
Perguntas como estão motivar-nos-ão a um aprofundamento desta discussão a partir de
bases bíblicas e teológicas.
1.2 A ordem e a importância do discipulado – bases bíblicas
Para uma melhor organização da fundamentação bíblica e teológica do discipulado,
considerando as limitações da nossa proposta para este texto, trataremos da ordem e da
importância de discipular. Primeiro, no Antigo e depois, no Novo Testamento.
O Antigo Testamento apresenta alguns quadros nos quais o discipulado é desenhado de
maneira profunda e eficaz. A relação de mentoreamento entre líderes e profetas do povo de
Israel ensina-nos princípios e valores para a nossa prática. Devido as limitações da nossa
proposta neste texto, ater-nos-emos a dois casos: Moisés-Josué e Elias-Elizeu.
Moisés tinha consciência das suas limitações físicas e visão sobre o plano de Deus em
sua vida. Por isso, fez de Josué o seu ‘moço’, jovem, para o auxiliar. Josué chegou a
acompanha Moisés diante de manifestações da glória de Deus (Êxodo 24). Era um
relacionamento que permitia o aprendizado da adoração e da liderança que transmitia as
experiências e as orientações para a caminhada do povo. “...falava o Senhor a Moisés face a
face, como qualquer fala com o seu amigo. Depois tornava Moisés ao arraial; mas o seu
servidor, o mancebo Josué, filho de Num, não se apartava da tenda” (Êxodo 33:11).
Elias, profeta em Israel, recebeu do Senhor a ordem de ungir Eliseu em seu lugar. Este,
assim como Josué, mostra-se obediente e ensinável. Procurava não se apartar do seu mestre e
o seguiu até alcançar- lhe a confiança. “Havendo eles passado, Elias disse a Eliseu: Pede-me o
que queres que eu te faça, antes que seja tomado de ti. E disse Eliseu: Peço-te que haja sobre
mim dobrada porção de teu espírito” (II Reis 2:9). A mesma capa usada por Elias para
simbolizar a unção e chamada de Eliseu é por ele herdada quando Elias parte na ‘carruagem
de fogo’ (II Reis 2:12). Eliseu liderou uma escola de profetas, realizou milagres e se tornou
um profeta relevante na monarquia de Israel.
Estes dois exemplos são suficientes para ensinar princípios valiosos sobre o discipulado:
a) um líder maduro escolhe um jovem para compartilhar suas experiências com Deus e com o
povo para garantir uma sucessão segura e frutífera para o ministério; b) um jovem, com
potencial reconhecido, apresenta-se para servir ao líder com humildade e diligência,
investindo seu tempo em observar e permitindo-se influenciar. C) Esta relação de
mentoreamento e preparação de liderança não é personalista, ou seja, não reproduz
personalidade e poder, mas garante a manutenção de princípios e valores que sustentam a
missão e a visão a ser desenvolvida. A missão é a mesma. A visão é construída a partir da
interação entre a personalidade, o contexto histórico e a relação com Deus.
O Novo Testamento, sobretudo os Evangelhos, oferece-nos o ambiente histórico e
teológico do discipulado de Cristo. No livro de Atos dos Apóstolos e nas cartas paulinas,
sobretudo as pastorais, encontramos as bases para a compreensão do discipulado na vida e no
ministério de Paulo. A nossa análise, porém, deverá ser reservada a algumas passagens que
consideramos essenciais.
O Evangelho de Marcos narra o chamado de Pedro e André da seguinte forma:
“E, andando junto do mar da Galiléia, viu a Simão, e a André, irmão de Simão, os quais lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: Vinde após mim, e eu farei que vos torneis pescadores de homens. Então eles, deixando imediatamente as suas redes, o seguiram”. (Marcos
1:16-18).
Jesus teve um ministério público, no qual ele ensinava, pregava e curava, e um
particular, no qual ele fazia discípulos (KORNFIELD, 1998, p.11). Para desenvolver este
aspecto, tão negligenciado hoje, Jesus investiu seu tempo e autoridade. Com esta, chamava
(Vinde após mim), com aquele, se dedicava à formação de caráter e à preparação ministerial.
Isso estabelecia altas exigências para os discípulos, que em inteira submissão (deixando
imediatamente as suas redes) obedeciam. Contudo, este padrão de excelência exigido era
compensado pela companhia na caminhada. “Então designou doze para que estivessem com
ele, e os mandasse a pregar” (Marcos 3:14b). Esta parceria, indispensável à vida, é também a
oportunidade para o aprendizado no ministério. O chamado tem um propósito: Vinde após
mim, e eu farei que vos torneis pescadores de homens.
As exigências do discipulado de Jesus podem ser mais bem compreendidas a luz da
passagem seguinte:
“Em seguida dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e siga-me”.
O condicionamento do discipulado a escolha do discípulo (se alguém quer vir após
mim) não representa uma contradição com autoridade de Jesus, pois, o chamado exige uma
resposta. A liberdade de seguir ou não afirma a autoridade de quem chama, pois impede que
seja autoritarismo ou imposição indesejada. Porém, quando o seguidor decide, para a
depender absolutamente do Senhor. Então, deverá negar-se, renunciando a vontade e o
interesse próprios. Além disso, assume a morte voluntária, a cruz como signo de morte diária
do eu.
Esta decisão como resposta ao chamado tem um preço. Em Lucas 14:26-34
verificamos esta verdade:
“Se alguém vier a mim, e não aborrecer a pai e mãe, a mulher e filhos, a irmãos e irmãs, e ainda também à própria vida, não pode ser meu discípulo... Assim, pois, todo aquele dentre vós que não
renuncia a tudo quanto possui, não pode ser meu discípulo”.
O chamado ao discipulado é uma demonstração do amor sublime do Mestre. No
entanto, além de Mestre, Jesus é Senhor absoluto. Por isso o padrão de relacionamento é
elevado. É preciso calcular antes de construir. Revisar as tropas antes de declarar a guerra.
Fazer a previsão dos custos para que o investimento produza resultados. Pois, “Bom é o sal;
mas se o sal se tornar insípido... Não presta nem para terra, nem para adubo; lançam-no fora”
(Lucas 14: 34-35). Assim, o impacto do chamado de Jesus invade toda a vida do discípulo,
exige-lhe dedicação exclusiva que reoriente sua escala de prioridades. O reflexo desta
influência será verificado no estilo de vida de quem ouve e segue, sua atitude perante a vida,
seus relacionamentos, seu caráter.
Respondendo à pergunta Porque o discipulado é tão importante?, Kornfield elenca
três razões que esclarece-nos a importância desta ordem: Em primeiro lugar, o amor de Deus
e seus planos para conosco só podem ser comunicados por meio de uma relação
comprometida e pessoal. O amor só pode ser comunicado em sua profundidade numa relação
comprometida como o casamento, a família e a amizade. Em segundo, o discipulado é tão
importante porque é o mandamento de Cristo, indiretamente porque somos mandatos a
obedecer a Ele, e diretamente em suas últimas palavras na Grande Comissão. Em terceiro, O
discipulado é tão importante pela quantidade de resultados (reprodução geométrica). E por
último, discipulado é tão importante pela qualidade dos resultados, pois pode estabelecer um
sistema de cuidado pastoral que abrange a todos através de duas vertentes: prevenção e apoio
na igreja (KORNFIELD, 37-45).
Tratando dos propósitos de Deus para o ser humano, o pastor Lisãnias Moura afirma:
“glorificamos a Deus quando deixamos Deus tornar-nos semelhantes a Cristo” (MOURA,
2005). E ainda:
“Neste sentido, o discipulado é o único processo que permite-nos espelhar as qualidades de Cristo em nosso caráter. Assim, discípulos mais experientes são usados por Deus para influenciar outros, ajudando-os a aplicarem os princípios da Sua Palavra diante das circunstâncias desafiadoras do dia a dia” (Idem).
1.3 Paulo: discípulo e discipulador – O discipulado na vida e no ministério
Continuamos com a revisão sobre as bases bíblicas que afirmam a ordem e a
importância do discipulado, agora focando especificamente a vida e o ministério do apóstolo
Paulo, no livro de Atos dos Apóstolos e nas epístolas, sobretudo as pastorais.
Na formação e na liderança do apóstolo Paulo encontramos estas verdades. Judeu,
fariseu, instruído aos pés de Gamaliel, ele conheceu uma forma de discipulado comum à
época, voltado para a formação e desenvolvimento na lei mosaica. Todavia, o conhecimento
adquirido somado ao temperamento de Paulo cunhou uma personalidade legalista. Assistiu ao
apedrejamento de Estevão ainda jovem, pediu cartas às autoridades para perseguir os do
Caminho em Damasco (Atos 7:58; 8:1; 8:3; 9:1-2).
No caminho para Damasco, o Paulo perseguidor encontra-se com o Cristo perseguido:
Ele ouve o chamado numa experiência sublime: “Saulo, Saulo, por que me persegues?
perguntou: Quem és tu, Senhor? Respondeu o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues”
(Atos 9:4-5). Este é o momento da sua conversão. O encontro com Cristo transforma a vida
do apóstolo. ‘Saulo’ se torna ‘Paulo’. O ‘grande’ se faz ‘pequeno’. A partir daí, Paulo começa
um processo de discipulado, sendo orientado pelo próprio Senhor a procurar a igreja. Mas, é
diante da insegurança dos discípulos em receberem Paulo que ele é acolhido e acompanhado
por Barnabé, um líder da igreja em Jerusalém.
“Partiu, pois, Barnabé para Tarso, em busca de Saulo; e tendo-o achado, o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se naquela igreja e instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela primeira vez foram chamados cristãos” (Atos 11:25-26).
Barnabé, considerado o discipulador mais importante do Novo Testamento, pela
influência exercida sobre Paulo e Marcos (KORNFIELD, p.47), torna-se o mentor de Paulo.
Nele o nosso apóstolo encontra a amizade e o conselho necessários para o início do seu
ministério. E ele irá reproduzir esta vivência com os seus companheiros e filhos na fé, a
exemplo de Timóteo.
Escrevendo aos crentes em Corinto, para combater as divisões internas no seio da
igreja, Paulo lapidou numa frase conceito fundamental para o discipulado. “Sede meus
imitadores, como também eu o sou de Cristo”. (1a aos Coríntios 11:1). A imitação de Cristo
se dá através de um relacionamento comprometido e pessoal no qual um discípulo mais
maduro transmite conhecimento e vida a outro discípulo, ajudando-o assim a ser mais
parecido com Cristo. Assim acontece a reprodução de caráter, transmissão de vida na vida.
Este é o sentido da recomendação dada a Timóteo:
“Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus; e o que de mim ouviste de muitas testemunhas, transmite-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros”. (1
a
Timóteo 2:1-2).
Este relacionamento, segundo John Stott, envolve intimidade e afeição. Discorrendo
sobre a metáfora de pai para o pregador cristão, este autor destaca a diferença, em 1a aos
Coríntios 4:15, entre pai e pedagogo:
O paidagôgos servia como tutor de uma criança até que ela atingisse a maturidade. Ele era normalmente um escravo, mas estava incumbido de supervisionar o comportamento de seu tutelado, inclusive o que ele vestia e comia, sua maneira de falar e boas maneiras. Ele não era um professor (pois na realidade ensinava muito pouco), mas um disciplinador. Nos desenhos antigos ele é normalmente retratado com o chicote na mão, pois tinha permissão de aplicar castigos físicos...” (STOTT, 199, p. 112).
Por isso o apóstolo afirma no versículo citado: “Porque ainda que tenhais dez mil aios
em Cristo, não tendes, contudo, muitos pais; pois eu pelo evangelho vos gerei em Cristo
Jesus”. Cremos ser o mesmo sentido empregado na carta aos Gálatas: “Meus filhinhos, por
quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós” (Gálatas 4:19). A
atitude revelada neste tratamento, filhinhos, contrasta com a figura do disciplinador. Mesmo
que o próprio apóstolo tenha sido muitas vezes firme e contundente, prevalecia a postura
afetiva e amigável de um pai. Inclusive um pai capaz de sentir “dores de parto”! Um pai com
autoridade e ternura.
Mesmo com o risco de desenvolver uma relação de dependência por parte daquele que
era discipulado, para Paulo o objetivo estava definido, a maturidade do discípulo na imitação
do caráter de Cristo: “o qual nós anunciamos, admoestando a todo homem, e ensinando a todo
homem em toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo”
(Colossenses 1:28).
1.4 Entendendo a ordem de Jesus: “Fazei discípulos”
Antes de discutirmos o texto básico para a compreensão deste imperativo, fazei
discípulos, Mateus 28,18-20, vamos perscrutar o sentimento pessoal e a visão ministerial de
Jesus, penetrando nos bastidores da sua última semana com os discípulos, a partir da análise
da chamada oração sacerdotal, em João 17.
Depois de falar aos discípulos sobre a missão do espírito santo, Jesus ora reafirmando
o relacionamento que mantinha com Deus e intercedendo pelos discípulos para que fossem
restaurados, separados e enviados ao mundo. Este texto nos comunica uma verdade
fundamental: quanto mais experimentamos uma relação íntima com Deus, mais estamos
preparados para servirmos no mundo através de relacionamentos saudáveis. A experiência
íntima com Deus consiste em viver para glorifica- lo, submetendo-se exclusivamente à sua
autoridade e dependendo dEle para tudo (João 17:1-8). Assim, estaremos preparados para
servir no mundo.
Nesta oração Jesus ainda intercede pela santificação na Palavra (“Santifica-os na
verdade, a tua palavra é a verdade” – João 17:17). Esta consagração prepara os discípulos
para uma intervenção no mundo ao qual eles são enviados (Assim como tu me enviaste ao
mundo, também eu os enviarei ao mundo – João 17:18). Os relacionamentos constituem-se no
vínculo que permite a realização do discipulado. A unidade entre o Pai e o Filho, entre o Filho
e os amigos permitem a transmissão de vida na vida, essência do discipulado (para que sejam
um, como nós somos um – João 17:22).
Compreendendo o lugar e o papel dos relacionamentos na missão apostólica podemos
discutir o imperativo registrado em Mateus 28:18-20. Para isso vamos partir do comentário de
Steve e Loi Rabey, no livro Lado a Lado, um manual de discipulado, que de acordo com o
Pastor Paulo Solonca, é a “uma das obras mais completas sobre discipulado” (RABEY, 7).
“No começo do seu ministério terreno, o chamado de Jesus àqueles que seriam seus discípulos foi simples e direto: “Venham e sigam-me”. Depois, durante seus momentos efêmeros aqui na Terra – nos dias entre suas ressurreição e ascensão – Ele deixou os discípulos com um mandamento final igualmente simples e direto: Ide e fazei discípulos” (Idem, p. 75).
Entre o “Vinde a mim” e o “Ide e Fazei discípulos” está um período de dois a três anos
de caminhada, no qual Jesus mostrou que o discipulado é, antes de tudo um jeito de ser, um
estilo de vida. A maneira de viver que assumimos revela os compromissos que firmamos com
as pessoas e com Deus. E é quando revestido de autoridade absoluta como Cristo ressurreto, o
Senhor comissionou os discípulos a assumirem com estilo de vida o desafio de fazer
discípulos. Este vocacionamento é conhecido como a ‘Grande Comissão’ e exige um grande
compromisso.
Na passagem que registra de forma mais completa a Grande Comissão, Mateus 28, 18-
20, as versões em português, inglês e espanhol geralmente apresentam dois verbos no
imperativo: Ide e Fazei. No entanto, no original grego, matheteusate ou fazei discípulos é a
única ordem expressa. Os outros verbos são gerúndios, indo, batizando e ensinando. Estas são
três funções indispensáveis de como fazer discípulos. Mas, “uma das razões por que os
pastores e líderes principais da igreja não estão discipulando é que não entendem que fazer
discípulos é o coração da Grande Comissão” (KORNFIELD, In: Ultrapassando barreiras.
1995. p. 73).
“O coração dessa comissão é: fazei discípulos. Assim, uma vez que esses versículos não são a Grande Sugestão, mas, sim, a Grande Comissão, o discipulado é imprescindíveis na vida da igreja e n vida de cada cristão. Hoje, infelizmente, a Grande Comissão muitas vezes passa a ser a Grande Omissão. E teremos de prestar contas a Jesus a esse respeito” (Idem).
2 – OUVINDO E ATENDENDO PARA SEGUIR E MORRER
Depois de termos apresentado na primeira parte deste trabalho a fundamentação bíblico-
teológica do discipulado, destacando a importância imperativa do seu chamado, tentaremos
agora responder a seguinte pergunta. Quais são as condições absolutas estabelecidas por Jesus
e como atendê- las?
A prioridade de Jesus era a formação dos discípulos, seu caráter. Ele estabeleceu
condições absolutas àqueles que seguirem-no. Nesta parte do trabalho destacaremos o
conjunto destas condições em dois enfoques: a morte voluntária enquanto atitude
característica de um discípulo e a obediência como base para o ensino e a multiplicação no
discipulado.
2.1 Assumir a cruz – o desafio da morte voluntária
O cristão que conheceu de maneira mais emblemática o sentido da morte voluntária
para um discípulo no século XX foi Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo luterano, diretor do
Seminário de Pregadores da Igreja Confessional, em Fikenwalde, Alemanha, durante a
Segunda Guerra Mundial. Após ter sido acusado de conspirar contra o regime e planejar um
atentado, foi cassado como professor e escritor, preso, levado para um campo de concentração
e assassinado.
Este exemplo de compromisso radical como o discipulado, Bonhoeffer permite-nos
discutir as implicações de seguir a Cristo e refletir sobre o significado destas exigências para a
compreensão da própria salvação como expressão da graça de Deus. Em seu livro mais
específico sobre o tema Bonhoeffer faz uma distinção entre o que chama de “graça barata” e
“graça preciosa”:
A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão de pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.
(...)
A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende com alegria tudo quanto tem; a pérola preciosa, para adquirir a qual o comerciante se desfaz de todos os seus bens; o governo régio de Cristo, por amor do qual o homem arranca fora o olho que o escandaliza; o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do qual o discípulo larga suas redes e o segue (BONHOEFER, 1995. p. 10).
A graça preciosa encaminha o indivíduo ao discipulado. O apóstolo Paulo afirma:
“fostes comprado por preço” (1 Coríntios 6:20). O discípulo reconhece a preciosidade da
salvação e atende ao chamado de Cristo: “segue-me!”. Assim como para Mateus ou Pedro, a
obediência a esta vocação evidencia a fé salvadora que compromete o discípulo como um
seguidor incondicional do Senhor que o chama.
Para Bonhoeffer, “quando Cristo chama um homem, lhe oferece a chance de vir i
morrer” (RABEY, 2004, p. 37). Quando escolhe responder ao chamado, o discípulo está
assumindo as conseqüências para o seu futuro aqui na terra, mas também na eternidade. “Para
ser discípulo de Jesus é preciso pegar o EU, ir até a cruz e crucificá- lo, sem olhar para trás,
como um caminho sem volta. Depois disto é só seguir a Jesus. Quem crucifica o EU não olha
para trás e nem se arrepende, pois tem uma vida muito melhor com Jesus” (CAMPANHÃ,
2005).
Diante do sofrimento, o discípulo que assume a morte voluntária reage com equiílibro e
segurança. Mas, sobretudo a resignação mentem o discípulo perseverante d iante do confronto
com a dor. Tomás de Kempis escreveu mais de cinco séculos atrás: “Jesus sempre tem muitos
seguidores que amam seu Reino celestial, mas poucos que carregam sua cruz”
(CAMPANHÃ). Se o Senhor assume a cruz, não resta ao servo outro caminho. Thomas
Kelley conclui: “Nossa imersão no sofrimento do mundo é como encostar apenas os dedos do
pé em um oceano de tristeza e de necessidades, em comparação à vida do Calvário que
naufraga totalmente na enchurrada” (RABEY, 2004, p. 51).
Mas esta resolução pessoal só é possível em decorrência de uma atitude de renúncia.
Somente quando o discípulo faz eco à voz de Mary Magdalene Dei Pazzi: “Tudo para Deus e
nada para o ego” (idem, p. 46). Na luta braçal contra o orgulho, a vaidade, a ambição que
brotam da nossa natureza humana para nos desviar do centro da vontade de Deus.
“O orgulho com freqüência acompanha o sucesso, seja nos negócios, nos esportes, no campo acadêmico, no ministério cristão. Já vi jovens talentosos se desviarem por causa do orgulho. Com mais freqüência, porém, parece que o orgulho ataca mais tarde na vida, depois de conseguirmos certa medida de sucesso pessoal e profissional. Como Uzias, tornamo-nos resistentes a reprovação ou conselho. Pensamos que sabemos tudo. Finalmente nos desviamos por completo, ou talvez a bênção de Deus é removida. Não terminamos bem, apesar de pensarmos que estamos sendo fiéis a Deus. Deixamos de produzir frutos no seu reino”. (idem, p.70).
Esta atitude, longe de ser instantânea e automática, deverá ser desenvolvida durante a
caminhada do discípulo. O escritor Richard Foster destaca as disciplinas espirituais como
sendo ‘portas de libertação’. Para este autor, o cultivo destas disciplinas regido pelo amor
inescapável a Deus e à sua vontade incluem “...nos chamam para sairmos do plano superficial,
nos movendo para águas maus profundas. Elas convidam a explorar as cavernas interiores da
esfera espiritual”. (idem, 60). Foster classifica as disciplinas em interiores (meditação, oração,
jejum, estudo); exteriores (simplicidade, solitude, submissão e serviço) e corporativas
(confissão, adoração, direção e celebração). (FOSTER, 1995). Assim segundo o autor,
poderemos superar a superficialidade, a doutrina da satisfação instantânea e alcançaremos
uma vida saudável e profunda.
Um relacionamento maduro com Cristo impõe as altas exigências do seu chamado ao
discipulado. A primeira delas é negar-se a si mesmo. Esta implicação traz consigo o
imperativo da renúncia, do auto-esvaziamento. Diante do chamado de Cristo torna-se
necessário aborrecer por amar. Qualquer outra forma de dedicação transforma-se em ódio
diante deste amor. É preciso deixar a coletoria e as redes. Vender tudo quanto possuímos ou
pagar quadruplicado. Aborrecer qualquer pessoa (Lc 14,26), abandonar qualquer projeto (Lc
14,28-32), perder qualquer bem (Lc 14,33). Martinho Lutero expressou poeticamente este
confronto pessoal: “Se temos de perder/família, bens, poder,/e, embora a vida vá, por nós
Jesus está/ e nos dará seu reino” (HCC).
A segunda exigência é tomar cada dia a sua cruz. É a mortificação das paixões e
desejos. A maturidade é inalcançável sem a condenação dos desejos e paixões à morte lenta e
diária. “Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a
outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado” (1a Coríntios 9:27). Porém, a cruz não
representa apenas auto-confrontação, mas, a participação no ministério de Cristo que opera
para a salvação.
A terceira exigência é seguir. O discípulo é um seguidor integral, incondicional do
Mestre. Segue para desenvolver-se com o mestre e fazer a sua vontade. A caminhada do
discípulo deve ser marcada pela perseverança. A discipulado conduz à maturidade pois
consiste em um relacionamento duradouro e crescente com Cristo.
2.2 Obediência – aprendizado para multiplicação
Fé e obediência estão intimamente ligadas. Para Bonhoeffer, “O conceito de uma
situação em que a fé se torna possível nada mais é do que a descrição da relação entre as duas
frases seguintes que são sempre verdadeiras: só o crente é obediente, e só o obediente é que
crê” (BONHOEFFER, 1995. p. 25).
A obediência, no entanto, não obriga o discípulo a isolar-se do mundo para uma vida
monástica, asceta, e assim estéril diante do desafio de ser sal da terra e luz do mundo. O
discípulo não deve optar entre ser operário ou tornar-se monge, por exemplo. Há que se
redesenhar, todavia, a trajetória de vida, reformular a equação pessoal, a atitude perante a
existência. Uma nova escala de prioridades deverá ser estabelecida. Até os relacioname ntos
familiares passarão por uma avaliação a partir do compromisso com o chamado ao
discipulado, que faz do discípulo um ser solitário (idem. p. 49). Abraão deixou a parentela
para seguir pelos caminhos de Deus e também foi chamado a entregar o seu próprio filho
(idem. p. 52).
A obediência associada a um caráter disponível e ensinável capacitar o discípulo a
ensinar e multiplicar a vida no discipulado. Este aprendizado se constrói na interação da teoria
com a prática, transcende a mera transmissão de informações e influencia com o testemunho.
São Francisco de Assis afirmou: “Prega a Palavra, se for necessário use palavras” (idem, p.
32). Emerson acrescentou: “Seja qual for a linguagem que você fala jamais falará algo além
do que você é” (idem, p. 229). E podemos ainda relacionar esta verdade com a conclusão de
Aristóteles sobre a liderança: “Aquele que nunca aprendeu a obedecer não pode ser um bom
comandante”. (idem, p. 172).
A Convenção Batista Brasileira em sua declaração de princípios sintetiza de forma
lapidar o conjunto das exigências de Cristo para o discipulado:
O aprendizado cristão inicia-se com a entrega a Cristo, como Senhor. Desenvolve-se à proporção que a pessoa tem comunhão com Cristo e obedece aos Seus mandamentos. O discípulo aprende a verdade em Cristo, somente por obedecê-la. Essa obediência exige a entrega das ambições e dos propósitos pessoais e a obediência à vontade do Pai. A obediência levou Cristo à cruz e exige de cada discípulo que se tome a própria cruz e siga a Cristo. O levar a cruz, ou negar-se a si mesmo, expressa-se de muitas maneiras na vida do discípulo. Este procurará, primeiro, o reino de Deus. Sua lealdade suprema será a Cristo. Ele será fiel em cumpri o mandamento cristão. Sua vida pessoal manifestará autodisciplina, pureza, integridade e amor cristão em todas as relações que tem com os outros. O discipulado é completo. As exigências do discipulado cristão estão baseadas no reconhecimento da soberania de Cristo, relacionam-se com a vida em um todo e exigem obediência e devoção completas.
3. APRENDENDO E FAZENDO PARA CONSTRUIR E VIVER
Nesta última seção do texto acrescentamos à discussão, uma abordagem sobre o desafio
da integração de discípulos na igreja mediante alternativas tais como classe de novos
membros e plano de adoção. No entanto, a pretensão é estimular a reflexão sobre a temática,
sem chegar a discussão sobre métodos e estratégias específicas.
3.1 O discípulo e a vida em comunhão
O discipulado é um processo dinâmico. Tanto individual quanto coletivamente. Jesus
instruiu seus discípulos em grupo e um a um. A igreja primitiva lançava mão destas duas
abordagens. Os autores divergem sobre o tema. Encontramos defesa para as duas ênfases. É
importante que cada discípulo desenvolva a sua visão para o cumprimento da Grande
Comissão.
Independente do método ou estratégia aplica, é imprescindível a compreensão e a
vivência da missão da igreja na comunidade local. O envolvimento com o povo em seu
contexto de vida servirá de ponto de partida para as definições em torno da organização do
programa de discipulado. Antes de treinamentos e programações está a vida e os
relacionamentos. Nesta direção, o livro Vida em Comunhão de Bonhoeffer, escrito durante um
período de férias, em 1938. Nele estão expostas as experiências de Bonho effer e seus alunos
do Seminário de Fikenwalde. Sua contribuição para esta discussão é singular. O autor discute
a necessidade de encarar a comunhão não como um ideal, mas uma realidade divina,
espiritual e não psíquica.
“Comunhão cristã é comunhão por me io de e em Jesus Cristo. Não há comunhão que seja mais ou menos do que isso. Quer seja um único e breve encontro ou uma comunhão diária que perdure há anos, a comunhão cristã é comente isso. Pertencemos uns aos outros tão-somente por meio de e em Jesus Cristo” (BONHOEFFER, 1997, p. 12).
Quando aborda a necessidade da solidão diária, Bonhoeffer estabelece uma relação
entre solitude e comunhão. Para ele, enfrentar a solidão é essencial para a comunhão, e
encontrar-se na comunhão, indispensável para a solidão.
“Muitas pessoas procuram a comunhão por medo de ficarem sozinhas. Por não suportarem a solidão, são impelidas a procurar a companhia de outras pessoas. Também
cristãos que não conseguem lidar consigo mesmos, esperam encontrar ajuda na comunhão com outras pessoas. Na maioria dos casos, porém, ficam frustrados e passam a acusar a comunidade de coisas das quais eles próprios são os culpados. A comunhão cristã não é um sanatório espiritual. Quem se associa à comunhão cristã pode estar fugindo de si mesmo, abusa dela, usando-a para conversação e divertimento, por mais espiritual que isso possa parecer. Na realidade não busca a comunhão, mas o êxtase que lhe permite esquecer, por alguns instantes, a solidão, e que, por isso mesmo, cauda o isolamento fatal da pessoa. (BONHOEFFER, 1997. p. 58).
Na busca pessoal e solitária pelo auto-conhecimento o discípulo amadurece e prepara-
se para fortalecer a comunhão. Pensando assim evitamos o perigo de criar uma dependência
da multidão e dos programas a ela oferecidos.
A partir de sua experiência como pastor em Buenos Aires, Juan Carlos Ortiz discute a
estruturação da igreja de Cristo para a promoção da maturidade espiritual. Ele apresenta o
problema da seguinte forma:
“A meu ver, a Igreja de hoje se defronta com três problemas básicos. O primeiro é o da infância eterna do crente. O segundo é o do crente fora do lugar. E o terceiro é a falta de unidade. Isto se tornou evidente para mim quando revi minha própria situação na nossa igreja. Embora estivéssemos acrescentando mais e mais nomes à nossa lista de membros, continuavam todos criancinhas, beb6es a quem se tinha que ensinar as mesmas coisas anos após anos” (ORTIZ, 1990. p.16)
3.2 A formação e o crescimento do discípulo
Assim que conhece a Jesus e é transformado pelo seu poder, o cristão deve ser
integrado, imediatamente, em uma rede de relacionamentos que permita o conhecimento
bíblico, a compreensão da visão de Deus para a vida, a definição de convicões, o
desenvolvimento de habilidades e o acompanhamento e a avaliação do caráter. Segundo Rick
Warren esta é a única via possível para o desenvolvimento de membros maduros para a igreja.
(WARREN, 1995). Apresentando a experiência no desenvolvimento de membros maduros em
sua igreja, Saddleback Valley Community Church—Califórnia-EUA, o Warren afirmou:
“Deus está muito mais preocupado com o nosso caráter do que com o nosso conforto. Seu plano é nos aperfeiçoar, não nos mimar. Por esta razão, permite todos os tipos de circunstâncias que elevam nosso caráter: conflitos, desapontamentos, dificuldades, tentações, tempos de seca e atrasos. Uma das maiores responsabilidades do programa de educação de sua igreja é preparar as pessoas com o conhecimento, perspectiva, convicções e habilidades necessárias para suportar essas situações” (Uma Igreja com Propósitos. p. 349).
Por isso, devemos organizar o programa de discipulado da igreja a partir de perguntas tais
como: A) As pessoas aprendem o conteúdo e o significado da Bíblia? B) Estão vendo a si
mesmas da perspectiva de Deus? C) Estão tendo seus valores alinhados com os valores
divinos? D) Estão se tornando mais habilidosos para servir a Deus? E) Estão se tornando
como Cristo? A escala do crescimento compreenderá, então, conhecimento, perspectiva,
convicção, habilidade e caráter. Quando colocamos o conhecimento da Palavra, perspectiva,
convicção e habilidades correspondentes juntas, o resultado é o caráter. Primeiro sabemos,
depois entendemos, depois cremos de todo o coração, depois fazemos e, assim, construímos o
que somos.
“A verdade é que crescimento espiritual requer compromisso. A pessoa deve querer crescer, decidir crescer e fazer um esforço para crescer. Discipulado começa com uma decisão. Não precisa ser uma decisão complexa, mas tem de ser sincera. Quando os discípulos decidiram seguir a Jesus Cristo eles não entendiam todas as implicações de sua decisão. Eles simplesmente expressaram o desejo de seguir. Jesus pegou essa simples, mas sincera decisão, e construiu sobre ela. Filipenses 2:12-13 diz: ... continuem trabalhando com respeito e temor a Deus para completar a salvação de vocês. Pois Deus está sempre agindo em vocês para que obedeçam à vontade dele....’ (WARREN, propositosbrasil/recursos)
Desta forma, a igreja deve possuir um projeto pedagógico estruturado para atender os
objetivos do discipulado. Todos os crentes devem ter a oportunidade de se desenvolver. A
escola bíblica ou instituto de formação doutrinária lançará as bases. Grupos pequenos ou
células promoverão o espaço para o crescimento em comunhão. O treinamento de lide rança
dará direção ao povo para o cumprimento da missão da igreja. O pastor Lécio Dornas
apresenta-nos uma contribuição significativa em “A nova EBD...” onde discute a
contextualização da escola bíblica com os métodos e estratégias de crescimento vigentes na
igreja brasileira (DORNAS, 2001).
A forma como Warren organiza o crescimento da sua igreja nos convida a uma
reflexão. A grande quantidade de alternativas ao discipulado oferecidas nos mercados
religiosos dos nossos dias, uma vida cristã sem compromisso com a maturidade, devem-se a
igual quantidades de maneiras ver e crer em Cristo. Quanto a isso, Stott considera:
Não! Longe de nós esses ‘jesuses’ insignificantes e pigmeus – Jesus, o palhaço; Jesus, o astro; Jesus, o messias político; Jesus, o revolucionário; Jesus, o reacionário – se é isso que pensamos de Cristo, e se é esse Cristo que proclamamos, não é de admirar que continuemos imaturos” (J. Sttot – Lado a Lado).
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