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DIREITO, RAZÃO, DISCURSO: ESTUDOS PARA A FILOSOFIA DO DIREITO A PARTIR DE ROBERT ALEXY. ARAÚJO FILHO, Clarindo Ferreira. OLIVEIRA SOBRINHO, Afonso Soares de. 163 DIREITO, RAZÃO, DISCURSO: ESTUDOS PARA A FILOSOFIA DO DIREITO A PARTIR DE ROBERT ALEXY ARAÚJO FILHO, Clarindo Ferreira Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo FADISP e-mail: [email protected] OLIVEIRA SOBRINHO, Afonso Soares de Pós-Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas FDSM. Doutor em Direito FADISP e-mail: [email protected] RESUMO O Discurso racionalmente construído, embora objetive encontrar respostas às questões normativas, apresenta tão somente uma probabilidade de acerto. Há variáveis de ordem subjetiva e objetiva, entre o intérprete e o caso concreto. E, mesmo que haja coerência e fundamentação, o ideal visado nem sempre é alcançado, ainda que a visão hermenêutica (reflexão, coerência e completude) seja conduzida pela racionalidade. Dessa forma, é preciso analisar as questões relacionadas ao sistema jurídico e à razão prática (conflitos entre legalismo e constitucionalismo), especialmente no que concerne à dimensão dos direitos fundamentais particulares e/ou coletivos. Neste artigo, refletimos sobre o estudo de Alexy sobre os direitos fundamentais, publicado originalmente em 1985, como pré-requisito para a habilitação na Faculdade de Direito, estudo que pode ser considerado um marco na lógica aplicada ao Direito. Palavras-chave: Discurso; Interpretação; Razão Prática. ABSTRACT The Speech rationally constructed, although aim to find answers to normative questions, though feasible, there is only the probability of success. There are variables of subjective and objective order between the performer and the case. And while there is consistency and reasoning, the ideal that seeks is not always achieved. Although the hermeneutic vision (reflection, consistency and completeness) is driven by rationality. It is necessary to discuss matters related to the legal system and the practice all reason (conflicts between legal and constitutionalism) especially concerning the size of individual and/or collective fundamental rights. In this article, we reflect on the study of Alexy on fundamental rights, originally published in 1985 as a prerequisite for qualification in law school, study what can be considered a milestone in the logic applied to the law. Keywords: Discourse; interpretation; Practical Reason. INTRODUÇÃO No estudo do “Direito, Razão e Discurso”, Alexy (2010) aplica o cálculo lógico à resolução de dilemas simples, mas que envolvem complexas decisões, como, por exemplo, o dilema kantiano do professor de filosofia. Por meio da relação entre

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DIREITO, RAZÃO, DISCURSO: ESTUDOS PARA A FILOSOFIA DO DIREITO A PARTIR DE ROBERT ALEXY.

ARAÚJO FILHO, Clarindo Ferreira. OLIVEIRA SOBRINHO, Afonso Soares de.

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DIREITO, RAZÃO, DISCURSO: ESTUDOS PARA A FILOSOFIA

DO DIREITO A PARTIR DE ROBERT ALEXY

ARAÚJO FILHO, Clarindo Ferreira

Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP

e-mail: [email protected]

OLIVEIRA SOBRINHO, Afonso Soares de Pós-Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas –FDSM. Doutor em

Direito – FADISP

e-mail: [email protected]

RESUMO

O Discurso racionalmente construído, embora objetive encontrar respostas às questões normativas, apresenta tão somente uma probabilidade de acerto. Há variáveis de ordem

subjetiva e objetiva, entre o intérprete e o caso concreto. E, mesmo que haja coerência e

fundamentação, o ideal visado nem sempre é alcançado, ainda que a visão hermenêutica (reflexão, coerência e completude) seja conduzida pela racionalidade. Dessa forma, é preciso

analisar as questões relacionadas ao sistema jurídico e à razão prática (conflitos entre legalismo

e constitucionalismo), especialmente no que concerne à dimensão dos direitos fundamentais particulares e/ou coletivos. Neste artigo, refletimos sobre o estudo de Alexy sobre os direitos

fundamentais, publicado originalmente em 1985, como pré-requisito para a habilitação na

Faculdade de Direito, estudo que pode ser considerado um marco na lógica aplicada ao Direito.

Palavras-chave: Discurso; Interpretação; Razão Prática.

ABSTRACT The Speech rationally constructed, although aim to find answers to normative questions, though feasible, there is only the probability of success. There are variables of subjective and objective

order between the performer and the case. And while there is consistency and reasoning, the

ideal that seeks is not always achieved. Although the hermeneutic vision (reflection, consistency

and completeness) is driven by rationality. It is necessary to discuss matters related to the legal system and the practice all reason (conflicts between legal and constitutionalism) especially

concerning the size of individual and/or collective fundamental rights. In this article, we reflect

on the study of Alexy on fundamental rights, originally published in 1985 as a prerequisite for qualification in law school, study what can be considered a milestone in the logic applied to the

law.

Keywords: Discourse; interpretation; Practical Reason.

INTRODUÇÃO

No estudo do “Direito, Razão e Discurso”, Alexy (2010) aplica o cálculo

lógico à resolução de dilemas simples, mas que envolvem complexas decisões, como,

por exemplo, o dilema kantiano do professor de filosofia. Por meio da relação entre

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“Discurso e Direito”, ele afirma que a teoria do discurso racional é o paradigma da

argumentação prática geral, para a qual há uma declaração normativa correta, fruto de

certo procedimento, ou seja, do discurso racional. Assim, Alexy (2010) constrói um

modelo lógico fundamentado na relação de correção e procedimento, uma qualidade

distintiva fundamental para todas as teorias procedimentais. Ele descreve sucintamente

a teoria do discurso jurídico de Jürgen Habermas, deixando clara a influência do

pensamento kantiano – contra a repressão e desigualdade, não-coercitividade, etc. - na

fundamentação habermesiana. Segundo Alexy (2010), as ideias centrais da teoria do

discurso elaborada por Habermas são: facticidade, validez, coerência e princípios.

Sobre a temática “Direitos e Princípios”, Alexy (2010) trata, inicialmente, de

situar as teses de Herbert Lionel Adolphus Hart, filósofo e jurista inglês, para quem os

fundamentos do utilitarismo e da separação do direito e da moral, paulatinamente,

deixam de predominar no pensamento filosófico jurídico contemporâneo. Tais

fundamentos perduraram por quase dois séculos no direito anglo-saxônico. Relevante,

também, é sua argumentação fundamentada na unidade da crítica ao positivismo,

desenvolvida nos trabalhos de Ronald Dworkin, considerado como o sucessor de Hart

em Oxford. Nesse ponto, parece haver uma discórdia entre Alexy e Habermas, pois esse

último considera Dworkin pretensioso quando tenta explicar questões como: “De que

modo a prática da decisão judicial pode satisfazer, simultaneamente, ao princípio da

segurança e da pretensão de legitimidade do direito?”.

Alexy (2010) constrói sua argumentação em várias grandes frentes,

procurando, sempre, utilizar modelos tripartites para explicar as questões relativas às

colisões de regras e princípios, dos conflitos entre constitucionalismo, legalismo e das

discussões entre direitos fundamentais e bens coletivos.

1. LÓGICA E INTERPRETAÇÃO

Alexy (2010) inicia a discussão entre “Lógica e Interpretação” a partir do

trabalho do matemático Gottlob Frege, autor de Investigações Lógicas. O pensador

tenta, assim, adequar os fundamentos de decisões jurídicas às denominadas “leis do ser

verdadeiro”, com o intuito de alcançar um conjunto de generalizações fundamentadas

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pela verdade lógica. Para Kaufmann e Hassemer, há duas conotações que o termo

“lógica” pode assumir nas ciências jurídicas:

por um lado, a questão de saber se por ‘lógica’ jurídica se deve

entender uma metodologia ou uma aplicação da lógica formal; e, por outro, a questão, totalmente diferente, de saber se a lógica jurídica se

tem de distinguir, já quanto à forma, do sistema padrão da lógica, em

virtude de o direito formar um complexo de normas e não de proposições (KAUFMANN E HASSEMER, 2009, p.328).

Para Alexy (2010), a aplicação dos fundamentos da lógica nas análises das

decisões jurídicas pode proporcionar um novo conjunto de pontos de vista “teórico-

jurídicos”. Tal conjunto, certamente, contribuiria como um valioso instrumento para

ampliar a compreensão e a apreciação dos argumentos jurídicos. Segundo ele, “quem

considera uma consequência de proposições somente sob o ponto de vista se ela move

ou motiva alguém para a suposição de uma determinada proposição não a trata como

fundamentação” (ALEXY, 2010, p.19).

Uma das premissas de suas análises assegura que as fundamentações das

decisões jurídicas (sentenças jurídicas) necessitam proceder de proposições

“verdadeiras, corretas ou aceitáveis”. Assim, há dois aspectos a se considerar: o da

justificação interna e o da externa. Vejamos o que significa cada um deles:

[...] a justificação interna, na qual se trata, se a sentença resulta

logicamente dos preceitos citados para a fundamentação, e a

justificação externa, cujo objeto é a verdade, correção ou aceitabilidade das premissas da justificação interna. Pode designar-se

a justificação externa, com bons fundamentos, como o verdadeiro

campo da argumentação jurídica ou do discurso jurídico. Sobre ela

deve, por conseguinte, ficar situado o peso maior da cada teoria da argumentação jurídica. Disso, deduzir que a justificação interna é

insignificante ou somente de significado técnico, seria, contudo, uma

conclusão defeituosa (ALEXY, 2010, p.20).

Suas teorias apontam para a necessidade de compreensão de exigências

relacionadas diretamente com o silogismo jurídico. Delas, a de maior importância

assegura que “uma premissa deve ser a formulação de uma norma universal. E que essa

exigência entende-se, em geral, por si, uma vez que a teoria do silogismo jurídico é, em

primeiro, lugar, uma teoria da aplicação da lei [...]” (ALEXY, 2010, p.21).

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O fundamento para isso consiste que sentenças sobre aquilo que está

ordenado, proibido ou permitido devem apoiar-se em uma regra

universal. O princípio da universalidade, com isso formulado, que

corresponde ao princípio da justiça formal, exclui que em dois casos, cujos aspectos relevantes para a decisão podem ser descritos de modo

igual completamente, sejam pronunciadas sentenças distintas. Ele

impede arbítrio na relação entre os fundamentos e a sentença e transforma, com isso, os fundamentos primeiro em fundamentos. Com

isso, ele é condição para a realização de uma série de objetivos

desejáveis, como a certeza jurídica, a justiça e a consistência e o controle racional de decisões (ALEXY, 2010, p. 21).

Na continuidade de seus estudos, Alexy (2010) demonstra como construiu a

sua hipótese de reconstrução para análise de uma sentença judicial, seguindo as

prescrições do pensamento lógico de Gottlob Frege e de outros especialistas em

filosofia, matemática e lógica formal, utilizando operadores deônticos. Realiza, dessa

forma, a reconstrução lógica de uma sentença exarada do tribunal constitucional federal,

acerca da suspensão de exibição de um documentário que mostrava o desenrolar de um

caso de homicídio múltiplo, ocorrido em janeiro de 1969. Um dos três condenados

alegou que a exibição do documentário prejudicaria a sua ressocialização, e não teve seu

pleito atendido pelas três instâncias da justiça. O imbróglio somente foi resolvido pelo

tribunal constitucional, que interditou a exibição do documentário e anulou as sentenças

já emitidas. Nessa reconstrução lógica, são testadas as premissas dos modelos lógicos

construídos por Alexy, para a questão da justificação interna e externa (ALEXY, 2010).

Ao se debruçar sobre os fenômenos lógicos relacionados à fundamentação e à

aplicação de normas, ele utiliza conclusões teórico-normativas, teórico-argumentativas e

teórico-morais dos estudos realizados por Klaus Günter.

Não existe nenhuma dúvida nisto, que se pode distinguir entre a

fundamentação e a aplicação de normas. Problemas aparecem

primeiro quando se pergunta em que consiste essa distinção e quais consequências devem dela ser tiradas [...] a diferença fundamental

entre a fundamentação e a aplicação de uma norma é que na

fundamentação de uma norma trata-se de sua validade, e somente de

sua validade, na sua aplicação, de sua conveniência, e somente de sua conveniência. A conveniência de uma norma somente pode ser

determinada com vista a uma situação de aplicação determinada.

(ALEXY, 2010, p. 46)

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Nesse sentido, Alexy (2010) lembra que, antes de submeter os argumentos de

Günter às lentes de uma investigação pormenorizada, é preciso considerar a nossa

racionalidade limitada: a incapacidade de conjecturar acerca das circunstâncias de

aplicação de uma norma.

O exemplo utilizado por Günther para testar se a lógica da distinção de

discursos de fundamentação e de aplicação é correta se assemelha muito ao dilema do

filósofo narrado por Kant. Nesse exemplo, uma pessoa prometeu a alguém que iria

numa festa, no entanto, antes de poder cumprir tal promessa, tem conhecimento de que

um amigo está precisando de ajuda. Como agravante da situação, o auxílio somente terá

valia se prestado no mesmo momento em que a festa acontece, colocando o personagem

diante de uma escolha entre duas situações distintas: ou cumpre a promessa e vai à festa

ou presta socorro ao amigo (ALEXY, 2010).

Após demonstrar como os modelos lógicos de decisão são construídos, Alexy

(2010) expõe três modelos de soluções demonstrados por Günther. Vejamos:

No primeiro, a colisão não é dissolvida. Apesar do fato que a não

pode cumprir ambas as obrigações, ele é submetido a ambas. Ele pode atuar como ele quer, sempre ele infringe uma norma e atua, sob esse

aspecto, erroneamente. [...] O segundo modelo é o equivalente

extremo para com o modelo trágico. Ele é escolhido, quando em casos de colisão é aceito que nenhuma obrigação existe [...] e o terceiro

modelo de solução, no qual ou uma ou outra obrigação permanece

existente. Eu espero, sem fundamentação, poder dizer que isso é, no caso presente, a obrigação de auxiliar o amigo caído em necessidade

(ALEXY, 2010, p. 52)

Com base nisso, ele tece a argumentação em termos da representação lógica do

dilema para cada uma dessas três alternativas, apontando as seguintes conclusões:

[...] discursos de aplicação morais têm um tema imediatamente

relacionado à situação, discursos de fundamentação não. Para discursos de aplicação é constitutiva a questão, o que é a solução

correta em uma situação determinada, para discursos de

fundamentação, qual norma universal é correta [...]. [...] o segundo fundamento para o significado teórico-discursivo

genuíno da situação de aplicação concreta é que o discurso, pela

aplicação, entra em contato com o mundo social e, com isso, com a história. A história, com situações imprevisíveis e inesperadas sempre

novas, produz não só um material rico em instâncias falíveis, nela

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modificam-se também os interesses, preferências e visões normativas

dos participantes do discurso [...].

[...] a historicidade intrínseca tem, sob o ponto de vista da relação entre discurso e realidade, sem dúvida, importância máxima. A

revalorização do discurso de aplicação para um equivalente de mesma

hierarquia do discurso de fundamentação seria, contudo, uma conceptualização errônea dessa relação. O fato que cada discurso de

aplicação necessariamente abarca um discurso de fundamentação, do

qual depende o seu resultado, proíbe contrapor discursos de aplicação

e de fundamentação com duas formas de discurso independentes. (ALEXY, 2010, p.57-60).

No entanto, parece-nos razoável que o enquadramento num modelo lógico de

um dilema relativamente simples, como o exposto por Günther, torna-se mais complexo

nas exemplificadas de Kelsen, sobre o significado específico de um enunciado jurídico:

o significado que os juristas vinculam aos conceitos de dever jurídico e direito jurídico não é uma previsão da conduta futura dos tribunais.

O fato de um tribunal ordenar certa sanção contra um indivíduo

acusado de certo delito depende de várias circunstâncias, mas especialmente da capacidade do tribunal para estabelecer que o

indivíduo cometeu o delito. A decisão do tribunal pode ser prevista,

quando muito, apenas com certo grau de probabilidade. Ora, pode

ocorrer, por exemplo, que alguém cometa um assassinato de um modo que torne altamente improvável o estabelecimento da culpa pelo

tribunal. Segundo a definição de Direito do juiz Holmes, se o acusado

consultar um advogado sobre “o que os tribunais, de fato, farão”, o advogado teria de responder ao assassino: ‘É improvável que o

tribunal o condene; é bastante provável que o tribunal o absolva.’ Mas

esse enunciado seria equivalente ao enunciado: “Não existia nenhum dever jurídico de não matar”? Certamente que não. A significação do

enunciado “A está juridicamente obrigado a certa conduta” não é “é

provável que o tribunal decrete uma sanção contra A”, mas: “Se um

tribunal estabelece que A se conduziu de maneira contrária, então ele deve ordenar uma sanção contra A.” O advogado só fornece

informação jurídica se der ao assassino uma resposta desse tipo

(KELSEN, 2005, p.243).

Ao discorrer sobre interpretação jurídica, Alexy (2010) afirma que o

significado dessa palavra deve levar em conta, pelo menos, três conotações de sentido –

o mais amplo (largissimo sensu), o amplo (sensu largo) e o restrito (sensu stricto). De

acordo com ele, o primeiro “designa o entendimento do sentido de todos os objetos, que

foram produzidos por sujeitos no quadro de sua capacidade” (ALEXY, 2010, p.61). Ou

seja, nesse tipo de interpretação deve-se incluir uma variedade ampla de objetos que

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incluem desde obras de arte, até textos religiosos, políticos e científicos,

independentemente de terem sido criados por um único sujeito ou por vários.

Considerando-se tal sentido, a interpretação largissimo sensu pode ser utilizada na

prática para tratar de objetos amplos como instituições sociais ou, até mesmo, sistemas

jurídicos (ALEXY, 2010). Trata-se de uma forma de interpretação capaz de produzir um

entendimento imediato da mensagem ou texto analisado, como, por exemplo, em

“proibido fumar”, ou “proibido estacionar”. Já sensu caso é

um subcaso da interpretação em sentido amplo (sensu largo). Ela

torna-se necessária quando uma manifestação idiomática admite

várias interpretações e não é certo qual é a correta. A interpretação em sentido restrito corresponde àquilo que, em grande medida, é

designado como “explicação”. Ela inicia com uma pergunta e termina

com uma escolha entre várias interpretações possíveis. A interpretação em sentido restrito está no centro do problema da interpretação

jurídica (ALEXY, 2010, p.62).

De acordo com Alexy (2010) a maior distinção entre a interpretação jurídica e

os demais tipos é seu um caráter prático – normativo - e um institucional, o qual

resulta tanto de seu objeto como de seu sujeito. Em ordenamentos

jurídicos da codificação modernos é a lei, inclusive da lei

constitucional e das normas promulgadas em virtude das [...]. Leis são produzidas por atos institucionais, hoje, particularmente, por decisões

do parlamento. Sobre isso, baseia-se a sua validade jurídica. Ao lado

da lei, precedentes, contratos do tipo jurídico-privado, jurídico-administrativo, jurídico-estatal e de direito internacional público,

assim como direito costumeiro são outros objetos da interpretação [...]

(ALEXY, 2010, p.63)

Na visão de Tôrres (2005), é preciso atentar para a incompatibilidade existente

entre a hermenêutica e algumas posturas metodológicas-procedimentais, que tipificam a

interpretação jurídica, e que, comumente, fazem parte do senso comum de alguns

juristas e de teóricos da argumentação jurídica.

[...] que a interpretação é compreendida como um ato unitário em que

concorrem integradamente vários elementos, pelo que não há uma interpretação gramatical, uma interpretação histórica etc. (acrescente-

se: não há uma interpretação sistemática, uma interpretação

teleológica etc.), mas sim um elemento gramatical, um elemento

histórico etc., que concorrem para o ato interpretativo [...] pensar na

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interpretação jurídica como produto de método(s), é pensar que o

conjunto normativo (ou o sistema jurídico e tudo o que o cerca) é,

inicialmente, algo nu, carente de sentido, que receberá, da nossa compreensão subjetiva determinada significação, como se essa

significação fosse dada pelo sujeito (do conhecimento) a um objeto,

quando com ele confrontado. Pensar assim é pensar a interpretação como sendo um instrumento do conhecimento. (TÔRRES, 2005, p.

43).

Embora Alexy (2010) não utilize a terminologia de interpretação gramatical,

sistemática, histórica etc., deslocando o foco para o sujeito da interpretação, ele cita as

tipologias e principais distinções entre a interpretação autêntica, doutrinal, leiga e usual,

sendo esse o preâmbulo para sua explanação sobre a teoria da interpretação, a

hermenêutica. Para tal, apoia-se nos três tipos do círculo hermenêutico – a relação entre

a pré-compreensão e o texto, entre a parte e o todo e, finalmente, norma e fato.

Nessa perspectiva, avançando em seus estudos, o pensador mostra um debate

que demonstra algumas possibilidades de distinções entre “um núcleo dedutivo e uma

justificação argumentativa das premissas empregadas na dedução” com base na análise

de uma decisão acerca do direito fundamental à inviolabilidade da habitação,

comumente, presente nas Constituições modernas. Tecem-se considerações sobre os

meios de interpretação e as quatro categorias de argumentos jurídicos – linguísticos,

genéticos, sistemáticos e práticos gerais -, bem como da importância da filosofia do

direito sustentada pelo intérprete para solucionar os casos de colisão de leis.

2. DISCURSO E DIREITO

Ao considerar a ideia de uma teoria procedimental da argumentação jurídica,

Alexy (2010) destaca a necessidade de se levar em conta que os modelos teóricos

simples tendem a mostrar-se insatisfatórios diante da complexidade do objeto estudado.

O recurso ao conceito da razão prática ou da racionalidade prática é

sem valor, enquanto não é esclarecido o que deve ser entendido sob esse conceito. Um tal esclarecimento, como também uma explicação

do conceito da argumentação jurídica racional pode realizar-se no

quadro de teorias procedimentais. Eu parto disto, que a argumentação jurídica é um caso especial da argumentação prática geral. A

discussão da estrutura e dos problemas de uma teoria procedimental

da argumentação jurídica, que está orientada pelo conceito de razão

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prática, deve, por conseguinte, iniciar com a teoria da argumentação

prática geral (ALEXY, 2010, p. 77-78).

Para ele, o paradigma da argumentação prática geral é a teoria do discurso

racional, para o qual uma declaração normativa é correta ou, ainda, sob a ótica de uma

teoria da verdade liberal de que tal declaração é verdadeira, quando ela é fruto de um

certo procedimento, ou seja, do discurso racional. A partir desse ponto, inicia-se a

construção do modelo lógico fundamentada na relação de correção e procedimento, uma

qualidade distintiva fundamental para todas as teorias procedimentais.

Se a é representante de uma teoria procedimental, segundo a qual deve ser direcionado para o procedimento P, então a responde à questão,

quando uma declaração normativa N é correta, com: D: uma

declaração normativa N é correta exatamente então, quando ela pode ser resultado do procedimento P. Existem, no quadro das teorias

procedimentais, formações muito distintas de P. As diferenças deixam

dividir-se em tais, que (i) concernem aos indivíduos que participam no procedimento e tais, que (ii) às exigências do procedimento. Disto,

como o procedimento, com referência aos indivíduos e às exigências,

é formado, depende (iii) a qualidade do processo de decisão (ALEXY,

2010, p.78)

Alexy (2010) desenvolve um modelo de discurso flexível o bastante para,

segundo ele, não oferecer somente vantagens, porque apresenta como maior defeito

“que o sistema de regras, em uma pluralidade de casos, não determina o resultado”

(ALEXY, 2010, p.80). Ora, para Outhwaite e Bottomore, é preciso considerar que o

conceito de discurso é, nos últimos tempos, confusamente utilizado, principalmente, no

campo das artes e das ciências sociais.

[...] os conceitos de discurso vão da mais estrita descrição linguística-

textual, em que discurso é simplesmente “um período contínuo de (...)

linguagem maior do que a sentença”, que pode ser falado ou escrito, ou ambos, e é de autoria única ou dialógico, até macroconceitos que

tentam definir teoricamente formações ideológicas ou “discursivas”

que organizam sistematicamente o conhecimento e a experiência e reprimem alternativas através de seu domínio conforme descreve

Foucault. Nesse contexto, surgem questões a respeito de como os

discursos podem ser contestados a partir de dentro e de como

emergem discursos alternativos [...] Discurso e texto costumam ser usados alternadamente. Onde se faz uma distinção, esta é às vezes de

perspectiva metodológica (texto = produto material; discurso =

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processo comunicativo) [...] (OUTHWAITE E BOTTOMORE, 1996,

p. 214-215)

No entanto, de acordo com Amorim (2005), Alexy faz parte de um grupo de

pensadores que promoveu uma verdadeira reabilitação da razão prática. No transcorrer

de suas explicações, o próprio Alexy reconhece que existem três grupos de problemas

na teoria do discurso, os quais precisam ser submetidos à luz dos modelos lógicos.

As exigências da teoria do discurso podem, uma vez que ela não

contém determinações com respeito aos indivíduos, ser formuladas completamente sobre regras. Eu tentei, em um outro lugar, formular o

sistema das regras do discurso com auxílio de 28 regras tão

completamente quanto possível. As regras estendem-se de tais, que

exigem a liberdade da contradição, clareza idiomática, verdade empírica e sinceridade, sobre tais, que dão expressão, entre outras

coisas, à ideia de generalizabilidade pelo fato de elas assegurarem o

direito de participação de cada um em discurso e a consideração igual de cada um no discurso, até as tais, que são dirigidas à argumentação

das consequências, à ponderação e à análise do nascimento de

convicções normativas (ALEXY, 2010, p. 89).

A título de enriquecer o debate sobre a modelagem lógica da teoria do discurso,

vale citar os estudos de Schneider e Schroth, citados por Kaufmann e Hassemer (2009),

e que tratam das perspectivas da aplicação da norma jurídica considerando a tríade –

determinação, argumentação e decisão, levando em conta a análise sociológica do

procedimento dos juízes.

Nesse ponto, é possível questionar se o sistema de regras desenvolvido por

Alexy (2010) levou em consideração, por exemplo, em que grau de relevância a

socialização dos juízes é capaz de influenciar os resultados do modelo lógico

apresentado. Ou, ainda, até que ponto as atitudes dos réus distorcem as sentenças,

conforme descrito nas pesquisas de Peters citado Kaufmann e Hassemer (2009, p. 515).

A suposição de que o réu tem uma norma de conduta de vida leva a

que o réu seja visto pelos tribunais com réu ocasional; o seu

procedimento é então pré-definido como não planejado e sem uma

especial antijuridicidade; a suposição da falta de uma regra adequada de conduta de vida leva a que o prognóstico de procedimento futuro

seja, pelo contrário, desfavorável, sendo a sanção maior neste caso de

vida desregrada [...] (KAUFMANN E HASSEMER (2009, p. 515)

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Retoma-se o problema da racionalidade limitada, da necessidade vital do uso

do ceteris paribus, sem o qual toda a modelagem lógica simplesmente demonstra

encontrar os limites da sua própria ruína, quando confrontada com a realidade social

humana. Além disso, há os problemas inerentes ao denominado “discurso ideal”, um

conceito capaz de provocar inúmeros problemas em todos os sentidos.

Discursos podem ser ideais em alguns ou em todos os sentidos. Aqui deve interessar somente o discurso ideal em todos os sentidos. Ele é

definido pelo fato de, sob as condições de tempo ilimitado,

participação ilimitada e ausência de coerção perfeita, no caminho da produção de clareza conceitual-idiomática perfeita, do ser informado

empírico perfeito, da capacidade e disposição perfeita para a troca de

papéis e da liberdade de pré-juízos perfeita, ser procurada a resposta a

uma questão prática [...] (ALEXY, 2010, p.90).

Nessa perspectiva, o pensador tece preciosas considerações sobre a teoria do

discurso e direitos do homem, com base, também, em Habermas. Em relação a segunda

são feitas distinções sobre quatro posições historicamente fundamentais – aristotélica,

hobbesiana, kantiana e nietzscheniana. O autor afirma defender uma concepção

kantiana, com seus princípios da universalidade e autonomia:

1. Cada um que pode falar tem permissão de participar de discursos. 2.

(a) Cada um tem permissão de pôr em questão cada afirmação. (b) Cada um tem permissão de introduzir no discurso cada afirmação. (c)

Cada um tem permissão de manifestar suas colocações, desejos e

carências. 3. Nenhum falante pode, pela coerção dominante dentro ou

fora do discurso, ser impedido nisto, de salvaguardar seus direitos determinados em (1) e (2). Essas regras expressam, no plano da

argumentação, as ideias liberais da universalidade e da autonomia. Se

elas valem, portanto, cada um pode livre e igualmente decidir sobre isto, o que ele aceita [...] (ALEXY, 2010, p.104).

Imaginar tais regras é extirpar da mente a conduta humana comum ao longo de

toda a história, é pensar o discurso e o Direito como a possibilidade de existência e do

convívio social em ordens não-coercitivas. Na perspectiva de Kelsen, seria imaginar

uma sociedade que não necessitasse do Direito como condição para existir. Dessa

forma, de acordo com ele, “a diferença entre essa sociedade do futuro e a do presente

seria incomensuravelmente maior que a diferença entre os Estados Unidos e a Babilônia

antiga, ou entre a Suíça e a tribo ashanti da África Ocidental” (KELSEN, 2005, p. 28).

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Para Alexy (2010), a fundamentação dos direitos do homem depende de

garantias instituídas por meio do direito positivo. E essa pré-condição, a instituição do

direito positivo, vincula-se, diretamente, com três problemas – o do conhecimento, da

imposição e da organização. O primeiro, relacionado à teoria do discurso foi

mencionado anteriormente: não é possível criar-se um procedimento capaz de oferecer

sempre um mesmo resultado quando, repetidamente, seja submetido a um número finito

de operações. Isso leva à necessidade de decisões em procedimentos juridicamente

regulados, como, por exemplo, as decisões tomadas por votação. O problema da

imposição é o Direito como ordem coercitiva (KELSEN, 2005). Por fim, o problema da

organização surge porque existem múltiplas exigências morais, individuais e coletivas.

Há que se atentar, na relação entre “Direito e Discurso”, a teoria do discurso

jurídico de Habermas:

Quando desejamos convencer-nos mutuamente da validade de algo,

nós nos confiamos intuitivamente a uma prática, na qual supomos uma

aproximação suficiente das condições ideais de uma situação de fala especialmente imunizada contra a repressão e a desigualdade – uma

situação de fala na qual proponentes e oponentes, aliviados da pressão

da experiência e da ação, tematizam uma pretensão de validade que se

tornou problemática e verificam, num enfoque hipotético e apoiados em argumentos, se a pretensão defendida pelo proponente tem razão

de ser. A intuição básica que ligamos a esta prática de argumentação

caracteriza-se pela intenção de conseguir o assentimento de um auditório universal para um procedimento controverso, no contexto de

uma disputa não-coercitiva, porém regulada pelos melhores

argumentos, na base das melhores informações [...] (HABERMAS,

2003; p.283-284)

Em tal pensamento, é observável a influência de Kant – contra a repressão e

desigualdade, não-coercitividade, etc. - na fundamentação habermesiana. Segundo

Alexy, as ideias centrais da teoria do discurso elaborada por Habermas são a

facticidade, a validez, a coerência, e os princípios. Ele aponta a necessidade de se

considerar, numa solução efetiva, a necessidade de levar em conta duas situações

distintas: é preciso manter os argumentos práticos gerais utilizados nos discursos

jurídicos; é requerido que o discurso jurídico continue a expressar o sentido do direito e

“sua dimensão de validez mais complexa” (ALEXY, 2010, p.135).

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4. DIREITOS E PRINCÍPIOS

No entendimento entre “Direitos e Princípios”, Alexy (2010) argumenta, a

partir de Hart, que os fundamentos do utilitarismo e da separação do direito e da moral,

paulatinamente, deixam de predominar no pensamento filosófico jurídico

contemporâneo. Outro fenômeno relevante é a unidade da crítica ao positivismo,

desenvolvida nos trabalhos de Dworkin, o sucessor de Hart em Oxford, a qual se

fundamenta em três teses:

A primeira tese concerne à estrutura e aos limites do sistema jurídico.

Segundo ela, o direito de uma sociedade consiste exclusivamente de

regras, que podem ser identificadas com base em critérios, que não dizem respeito ao seu conteúdo, mas à sua origem (pedigree) e ser

distinguidas de outras regras sociais, especialmente, de regras morais

[...] A segunda tese resulta da primeira [...] julgar segundo critérios que não fazem parte do ordenamento jurídico (ALEXY, 2010, p.138).

A terceira tese, por sua vez, relaciona-se com o conceito da obrigação jurídica,

as quais só existem juntamente com regras que explicitem tais obrigações/direitos.

Como consequência disso, o juiz, nos casos difíceis, levando em consideração a

segunda tese e o seu “poder discricionário”, deve, primeiramente, formar uma regra, que

“não somente declara uma obrigação já existente, mas, ao contrário, primeiro, fixa uma

obrigação não existente até a sua decisão” (ALEXY, 2010, p.138). Kelsen trata dessa

questão, quando tece explicações sobre o direito como vontade reconhecida ou interesse

protegido.

Habermas, por exemplo, considera pretensiosa a teoria dworkiana apresentada

para resolver questões onde, aparentemente, existe colisão de princípios, como a

questão seguinte: “- De que modo a prática da decisão judicial pode satisfazer,

simultaneamente, ao princípio da segurança e da pretensão de legitimidade do direito?”

Segundo ele, tal questão permite fundamentar “decisões singulares a partir do contexto

coerente do direito vigente racionalmente reconstruído [...] através de argumentos que

revelam a qualidade pragmática de produzir um acordo racionalmente motivado entre

participantes da argumentação (HABERMAS, 2003, p. 261).

A teoria de Dworkin, conforme Alexy (2010), defende que os indivíduos

possuem determinados direitos, os quais devem ser descobertos pelo juiz

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independentemente de regras serem criadas para tanto. Segundo ele, “também em casos

difíceis (hard cases) existe somente uma resposta correta” (ALEXY, 2010, p. 138).

Em seguida, o pensador adentra na discussão sobre as diferenças “lógicas”

entre regras e princípios, com o objetivo de produzir as premissas para construção de

um modelo lógico que possa ser testado. Assim, ele aponta a existência de duas

possibilidades: “Ou a regra é válida, então a consequência jurídica deve ser aceita, ou

ela não é válida, então ela não dirime nada para decisão [...] Uma formulação completa

da regra deve conter todas as exceções” (ALEXY, 2010, p. 140-141).

Alexy (2010) também expõe o pensamento de Dworkin no que se refere às

colisões de normas e de princípios, retomando e enriquecendo as argumentações

proferidas no caso da sentença do tribunal constitucional (sentença-Lebach, descrito

anteriormente) concluindo que:

[...] Sejam realçadas somente duas coisas: primeiro, que o critério do

dever ideal é superior ao teorema da colisão não só porque ele explica

este e, sob esse aspecto, é mais profundo, mas também porque ele, de outra forma como este, também compreende princípios formulados

absolutamente. Segundo, que ele, se se formular esse conceito tão

amplamente, oferece um critério lógico para a distinção de regras e

princípios, que corresponde à tese da separação rigorosa. Cada prescrição contém um dever ideal ou um real (ALEXY, 2010, p.156).

Nesse sentido, ele afirma que Dworkin realiza uma tentativa de produzir uma

integração no ordenamento jurídico quando sustenta que o juiz não deveria julgar de

acordo com suas próprias representações de valores pessoais, mas levar em conta a

denominada “moral comunitária”. Isso denota que o pensamento dworkiano considera

as questões de teoria moral como “essenciais da ciência do direito” (ALEXY, 2010, p.

160). As lentes de Alexy (2010) passam, então, a analisar as questões ao sistema

jurídico e à razão prática, começando pelo conflito ideológico entre o

constitucionalismo e o legalismo. Cita, dessa forma, o comentário irônico de Forsthoff:

o sistema jurídico todo nada mais é, ou deve ser, que uma

concretização da constituição. Ele fala, nessa conexão, da

“constituição como ovo do mundo jurídico, do qual tudo resulta, do

código penal até à lei sobre a pontuação de termômetros de febre”. A posição contrária, com isso aludida, deixa reunir-se em quatro

fórmulas abreviadas: (1) norma em vez de valor; (2) subsunção em

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vez de ponderação; (3) autonomia do direito legislado ordinário em

vez de ubiquidade da constituição; (4) autonomia do dador de leis

democrático no quadro da constituição em vez de onipotência, apoiada pela constituição, dos tribunais, particularmente, do tribunal

constitucional federal (ALEXY, 2010, p. 162-163).

De acordo com Alexy (2010), existe a possibilidade de que, em um

constitucionalismo moderado, forma-se a distinção de regras e princípios, concebendo

uma e outra como normas, como “mandamentos definitivos” (ALEXY, 2010, p.164). O

sistema jurídico é capaz de conviver tanto com conflitos de regras como com colisões

de princípios. Kelsen (2005), por exemplo, não faz uma distinção entre princípios e

regras: utiliza apenas o termo norma, e afirma que eventuais conflitos devem ser

solucionados pela autoridade competente.

Na visão de Alexy (2010), o máximo de razão prática pode ser alcançado por

meio do modelo tripartite regra-princípio-procedimento. Conclui, portanto, que o

dilema entre o constitucionalismo e o legalismo embora não possa ser completamente

resolvido pelo modelo de três planos, pode ao menos, ser apaziguado. Segundo ele,

Deve ser excluído um legalismo orientado por regras rigorosamente.

A presença de princípios e, com isso – em outra terminologia -, de valores no sistema jurídico é, por fundamentos de racionalidade

prática irrenunciável. Em um estado constitucional democrático, os

princípios, de modo nenhum, têm somente, contudo, em uma boa parte, seu lugar jurídico-positivo na constituição. A autonomia do

direito legislado ordinário, com isso, não se perde. Ela converte-se no

modelo-três-planos em um problema de ponderação entre princípio

formal do poder de decisão do dador de leis, legitimado democraticamente, e princípios constitucionais materiais. Os

resultados dessa como também de outras ponderações são

fundamentáveis racionalmente (ALEXY, 2010, p. 175).

Ultrapassadas as tensões entre constitucionalismo e legalismo, Alexy (2010) se

debruça sobre o tema filosófico-jurídico dos direitos individuais e dos bens coletivos.

Ele aponta para uma discussão que tome, como base, um modelo de três graus (1) os

fundamentos para direitos individuais, (2) como posições e relações jurídicas e o (3)

poder ser por eles imposto. Para que as distinções entre esses três graus não sejam

elaboradas de forma defeituosa, propõe um modelo lógico. Considera, no entanto, que é

mais fácil exemplificar bens coletivos do que simplesmente conceituá-los.

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Exemplos para bens coletivos são a segurança interna e externa, a

prosperidade da economia nacional, a integridade do meio ambiente e

um nível cultural alto. Para demonstrar o que transforma tal em bens

coletivos devem ser distinguidas três coisas: (1) a estrutura distributiva de bens coletivos; (2) seu status normativo e, (3) sua

fundamentação (ALEXY, 2010, p. 181).

Depois de trabalhar cada um desses conceitos, Alexy (2010) passa a discorrer

sobre quatro teses fundamentais, que podem ser utilizadas para explicar as relações

conceituais existentes entre direitos individuais e bens coletivos. Logo em seguida,

aborda as questões das relações normativas e dos problemas da redução e da

ponderação, normalmente, vinculados a tais relações. Na discussão acerca da temática

dos direitos fundamentais como direitos subjetivos e como normas subjetivas, Alexy

(2010) lembra o marco jurídico criado na Alemanha do pós-guerra com a senteça-Lüth

proferida pelo tribunal constitucional em 1958.

Por fim, podemos apontar que Alexy (2010) desenvolve a sua tese de

subjetivação para explicar as relações que existem entre a dimensão subjetiva e a

objetiva dos direitos fundamentais.

cada dever jurídico-fundamental vinculativo do estado, tenha esse

caráter definitivo ou um meramente prima facie, fundamentalmente, correspondem direitos fundamentais em forma de direitos subjetivos

[...] A tese da subjetivação afirma [...] que então, quando se realiza

uma extensão, essa, fundamentalmente, deve levar a direitos subjetivos correspondentes [...] (ALEXY, 2010, p. 210).

Em outras palavras, o autor defende a ideia de que os direitos fundamentais do

particular são posições tão importantes que não podem ser, simplesmente, concedidos

ou não concedidos por decisões que estejam somente a cargo do poder parlamentar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As críticas aos temas e teses desenvolvidas por Alexy incluem termos como

irônico (KAUFMANN E HASSEMER, 2009); pretensioso (HABERMAS, 2003); bem

conduzido (KAUFMANN E HASSEMER, 2009). Particularmente, podemos

acrescentar o termo – preocupante – em relação ao primeiro capítulo, Lógica e

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interpretação. Embora o termo algoritmo não tenha sido utilizado por Alexy (2010) a

construção de modelos lógicos é o primeiro passo para tanto, o que nos aproxima da

pequena ficção a seguir descrita.

No princípio, seriam apenas máquinas-juízes rudimentares, especializadas em

proferir sentenças para os casos mais simples. Assim, sobrariam recursos para educação,

saúde e segurança. No entanto, ninguém atentou para a ambição dos projetistas e dos

políticos interessados nos votos dos partidários do “Estado enxuto”. De pequenas

sentenças, em pouco tempo, as máquinas passaram a proferir pareceres que subsidiavam

as decisões dos juízes nas três instâncias, por meio de sistemas especialistas – Law

Inteligence. As “facilidades” e a consequente dependência foi aumentando tanto, que se

tornou impossível o funcionamento de qualquer vara de justiça em que não houvesse

uma dessas máquinas ou, pelo menos, um terminal que servisse de ligação entre o

computador central e o juiz. Dessa forma, a justiça passou, definitivamente, a funcionar

por meio da web – transmissão de petições, pareceres, interrogatório, provas, sentenças,

apelações, embargos.

Dessa forma, cessaram os concursos públicos para provimento dos cargos, até

que o último se aposentou. Depois deles, os advogados, pois as máquinas também

passaram a desempenhar essa função. Os analistas de sistemas comemoraram, os

engenheiros de hardware, idem, os arautos do pós-neo-liberalismo, ibidem. Só quem

não comemorou foram os injustiçados, os excluídos e todos aqueles que, ainda,

acreditavam numa justiça humana, nos ideais de Aristóteles, de Platão, de Sócrates, nas

ideias de Hobbes, de Rosseau, de Montesquieu, de Hegel, de Weber, de Kelsen, de Hart,

de Rawls, de Habermas. Tudo começou como o exercício de lógica jurídica de Alexy.

O Discurso racionalmente construído, embora vislumbre encontrar respostas às

questões normativas, a probabilidade de acerto nem sempre traz resultados a contento.

Há variáveis de ordem subjetiva e objetiva entre o intérprete e o caso concreto. Ainda

que a visão hermenêutica (reflexão, coerência e completude) seja conduzida pela

racionalidade, é preciso analisar as questões relacionadas ao sistema jurídico e à razão

prática (conflitos entre legalismo e constitucionalismo), especialmente no que concerne

à dimensão dos direitos fundamentais particulares e/ou coletivos.

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REFERÊNCIAS

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OUTHWAITE, William. BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do

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TÔRRES, Heleno Taveira (coord.); Direito e poder: nas instituições e nos valores do

público e do privado contemporâneos; Barueri, SP: Manole, 2005.