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DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO AMBIENTAL

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DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO AMBIENTAL

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Belo Horizonte 2004

DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO AMBIENTAL

Marcelo Dias VarellaDoutor em Direito da Université de Paris I, Panthéon-Sorbonne

Coordenador do Curso de Mestrado em Direito do Centro Universitário de BrasíliaPesquisador do CNPq

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WalDIr De PINHo VeloSoiv

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Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meiosempregados, sem a permissão, por escrito, da editora.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Copyright © 2003 by lIVrarIa Del reY eDITora lTDa.www.delreyonline.com.br

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editor: arnaldo oliveira

Conselho editorial: antônio augusto Cançado Trindade antonio augusto Junho anastasia ariosvaldo de Campos Pires (In Memorian) aroldo Plínio Gonçalves Carlos alberto Penna r. de Carvalho Celso de Magalhães Pinto edelberto augusto Gomes lima edésio Fernandes eugênio Pacelli de oliveira Hermes Vilchez Guerrero José adércio leite Sampaio José edgard Penna amorim Pereira Misabel abreu Machado Derzi Plínio Salgado rodrigo da Cunha Pereira Sérgio lellis Santiago Wille Duarte Costa

revisão: ana elisa ribeiro

editora assistente: elisângela Menezes

Gerente editorial: Cristiane linhares assistentes editoriais: alessandra alves Valadares elizabete Pedrosa Capa: Janaína Goulart Diagramação: Maurício S. Martins editoração: lucila M. Pangracio azevedo

Bibliotecária responsável: Maria da Conceição araújo CrB 6/1236

Varella, Marcelo DiasV293 Direito internacional econômico ambiental / Marcelo Dias

Varella. – Belo Horizonte: Del rey, 2003. 452 p. – 15,5 x 22,5 cm ISBN 85-7308-671-8 1. Direio internciaonal ambiental. 2. Direito internacional

econômico. I. Título.

CDD: 341.75 CDU: 341.232.3

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Lei compLementar 59, de 18 de janeiro de 2001 v

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“a Paula a Marie-angèle Hermitte, Christine Noiville e Florence Belivier”

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aPreSeNTação

É com muito prazer que apresento este novo trabalho do Professor Marcelo Dias Varella, também publicado sob os auspí-cios da editora Del rey. Trata-se do resultado de quatro anos de trabalho, com uma pesquisa dedicada, que deu origem a tese de doutoramento do autor, defendida na Université de Paris I, Panthéon-Sorbonne, com o financiamento da Capes, e mereceu nota máxima da banca examinadora .

o tema se mostra completamente inserido nas questões mais emergenciais do mundo contemporâneo. o autor trata das evoluções das percepções e dispositivos jurídicos do direito ambiental, humanitário e econômico, em um contexto de franca expansão do direito internacional. a realidade pós anos 2000 é as-sim composta pela inserção do direito internacional nos assuntos mais específicos do nosso dia-a-dia. Como bem demonstra o pre-sente livro, grande parte do direito nacional se molda e se limita pelo direito internacional, em uma fase de rápida expansão da globalização sobre os temas jurídicos.

esta análise extremamente lógica e coerente trata de temas polêmicos e importantes, que não podem passar desapercebidos aos operadores jurídicos mais dedicados, como a expansão e as incoerências do direito internacional, a multiplicação de fontes de direito e tribunais, a emergência de princípios jurídicos novos, como o princípio da precaução, o aumento das responsabilidades da organização das Nações Unidas (oNU) com a evolução do di-reito de ingerência, a importância crescente da organização Mun-dial do Comércio (oMC), materializada em um grande número de

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casos julgados e da emergência de novos atores, principalmente as organizações Não Governamentais (oNGs).

o livro que ora apresentamos, concentra-se de modo espe-cífico na construção de um novo conceito jurídico de desenvolvi-mento sustentável, pela oNU, oMC e oNGs, em um contexto de desigualdades entre os países do Norte e do Sul. o autor busca explicar de forma clara o como este novo cenário jurídico se consolida e o porquê deve marcar o futuro do direito nacional e internacional nos próximos anos.

assim, recomendamos vivamente a leitura desta obra, que se dirige a estudantes e profissionais de Direito e de áreas afins.

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SUMárIo

Introdução ............................................................................................................... 3

capítuLo i a formação do direito internacionaL em torno do conceito de desenvoLvimento sustentáveL ..................................................................... 5

Seção I – o direito do desenvolvimento ....................................................... 6

Subseção I – a gênese do direito do desenvolvimento e sua impulsão pelos países do Sul .................................................................. 8

Subseção II – o desaparecimento rápido do direito do desenvolvimento no âmbito do direito internacional econômico 18

Seção II – o direito internacional ambiental ............................................... 21

Subseção I – o direito internacional ambiental: direito desordenado e sua impulsão pelos países do Norte ..................... 21

§ 1º a gênese desordenada do direito internacional ambiental ............................................................................................. 22

§ 2º a impulsão do direito internacional ambiental pelos países do Norte ...................................................................... 29

Subseção II – a expansão do direito internacional ambiental para a construção jurídica do desenvolvimento sustentável ...... 31

Seção III – o binômio meio ambiente – crescimento econômico ....... 40

Conclusão do capítulo ......................................................................................... 47

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parte i o desenvoLvimento sustentáveL na organização

das naçoes unidas

capítuLo ii a evoLução do conceito jurídico de desenvoLvimento sustentáveL no direito internacionaL ambientaL onusiano e a sua ineficácia ............................................................................... 51

Seção I – a expansão do desenvolvimento sustentável no direito internacional ........................................................................................................... 51 Subseção I – a estruturação do direito internacional do meio ambiente ........................................................................................................ 52 § 1º a multiplicação dos domínios concernentes ao direito internacional do meio ambiente ................................................. 52 § 2º a multiplicação dos fóruns de negociação e das fontes de elaboração das normas jurídicas ........................................... 57 § 3º Diversificação dos tipos de normas ................................... 59 § 4º o aumento do número de atores ....................................... 61 Subseção II – a estruturação do discurso de um direito do desen- volvimento no âmbito do direito internacional do meio ambiente.. 63 § 1º a evolução da precisão do texto ......................................... 65 I. a Conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento . 65 II. a Conferência sobre população e desenvolvimento ........ 66 III. a Conferência sobre o Desenvolvimento Social ................... 68 IV. a Conferência sobre os estabelecimentos Humanos ............ 70 V. a Conferência sobre as mulheres ............................................ 71 § 2º evolução das normas ao longo do tempo ....................... 73 § 3º a evolução do discurso .......................................................... 74 Subseção III – a responsabilidade do Sul pela fraqueza do discurso .................................................................................................... 77Seção II – a ineficácia ........................................................................................... 80 Subseção I – a ineficácia crescente do direito internacional do meio ambiente ............................................................................. 81 Subseção II – a ineficácia do direito internacional do desenvolvimento ........................................................................ 84

Conclusão do capítulo ......................................................................................... 86

capítuLo iii

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direito de ingerência ecoLógica e desenvoLvimento sustentáveL .............................................................................................................. 89

Seção I – a construção jurídica e política do Direito de Ingerência .... 89 Subseção I – o papel dos estados Unidos .......................................... 92 Subseção II – expansão dos temas legitimando o exercício do direito de ingerência ............................................................................ 100 § 1º legítima defesa ......................................................................... 104 § 2º legítima defesa coletiva ........................................................ 105 § 3º Intervenção solicitada ............................................................. 107 § 4º o humanitário ............................................................................ 109Seção II – o meio ambiente visto como um objeto de ingerência e a incapacidade do Sul de participar dessa construção ........................ 119

Conclusão do capítulo ........................................................................................ 131

Conclusão da Parte I ............................................................................................. 132

parte ii o desenvoLvimento sustentáveL no âmbito

da organização mundiaL do comércio

capítuLo iv a desiguaLdade norte-suL e as regras procedimentais no âmbito da omc ................................................................................................ 137

Seção I – Princípios compensadores de desigualdade ............................ 140 Subseção I – as relações Norte-Sul na Carta de Havana ............... 140 Subseção II – a valorização dos princípios da não-reciprocidade e da desigualdade compensadora ........................................................ 141 Subseção III – a supressão de regras precisas ................................. 145 § 1º a mudança de lógica ............................................................... 146 § 2º os acordos sobre o setor agrícola e o setor têxtil ........ 154Seção II – regras procedimentais do Memorando de entedimento sobre regras e procedimentos que regem a solução de controvérsias 161

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a) o artigo 3.12 e a decisão de 1966 ........................................... 163 b) o artigo 4.10 ................................................................................... 166 c) o artigo 21.2 ................................................................................... 168 d) o artigo 12.11 ................................................................................ 170 e) o artigo 8.10 ................................................................................... 172 f ) o artigo 12.10 ................................................................................. 173 g) o artigo 21.7 e 21.8 ...................................................................... 178 h) o artigo 24.2 ................................................................................... 181 i) o artigo 24.1 .................................................................................... 181 j) o artigo 27.2 .................................................................................... 182

Conclusão do capítulo ......................................................................................... 184

capítuLo v a desiguaLdade norte-suL na omc: o exempLo da propriedade inteLectuaL .................................................................................... 185

Seção I – os produtos farmacêuticos ............................................................. 189 Subseção I – a formação de um sistema mundial de propriedade intelectual ...................................................................................................... 190 Subseção II – as possibilidades jurídicas do TrIPS favoráveis aos países do Sul .......................................................................................... 195 I. os objetos patenteáveis e os objetos excluídos da patenteabilidade ............................................................................... 198 a) ordem pública e moral ............................................................... 199 b) a exclusão dos organismos vivos ........................................... 202 c) Medidas necessárias para proteger a saúde pública ....... 205 d) os métodos terapêuticos e cirúrgicos .................................. 207 II. as condições de patenteabilidade ......................................... 208 a) Novidade ......................................................................................... 208 a1) a patente de um produto ligado a uma utilização precisa . 210 a2) a segunda aplicação terapêutica ......................................... 211 b) Inventividade ................................................................................. 213 c) aplicação industrial ...................................................................... 214 d) Situações especiais referentes aos produtos farmacêuticos ..................................................................................... 215

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III. Possibilidades do direito da propriedade intelectual ..... 217 a) Importações paralelas ................................................................. 217 b) Fabricação local............................................................................. 218 c) licenças não-voluntárias ou obrigatórias ............................ 220 IV. os Genéricos .................................................................................. 223Seção II – o caso da aids no Brasil e na áfrica do Sul ............................... 225 a) o caso brasileiro ............................................................................ 225 b) o caso da áfrica do Sul ............................................................... 241

Conclusão do capítulo ........................................................................................ 254

capítuLo vi o tratamento do meio ambiente peLa omc ................................................ 255

Seção I – Primazia da liberdade de comércio sobre a proteção ambiental ................................................................................................................. 256 Subseção I – o método de análise do artigo XX, de acordo com o Órgão de Solução de Controvérsias ........................................ 259 Subseção 2 – os diferentes critérios de exame ................................ 261 § 1º a alínea XX b) ............................................................................. 262 § 2º a alínea XX g) ............................................................................. 264 § 3º o caput do artigo XX ............................................................... 266Seção II – o conflito entre as regras da oMC e o direito internacional do meio ambiente ................................................................................................. 275 Subseção I – os tratados ambientais contrários à oMC ................ 276 Subseção II – Preponderância das normas comerciais sobre as normas ambientais ................................................................................ 281

Conclusão do capítulo ......................................................................................... 289

Conclusão da Parte II ............................................................................................ 289

parte iii as organizações não-governamentais

na construção do desenvoLvimento sustentáveL

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capítuLo vii – o papeL das organizações não-governamentais ........................................................................................... 293

Seção I – o tratamento heterogêneo das oNGs ........................................ 294 Subseção I – o universo das oNGs ....................................................... 295 § 1º a definição de um conceito operacional ......................... 295 § 2º os domínios de ação ............................................................... 299 Subseção II – a expansão das oNGs ..................................................... 301 § 1º Importância crescente do número e dos recursos das oNGs .............................................................................................. 302 § 2º a importância da cooperação entre as oNGs ................ 307Seção II – as oNGs, atores do direito internacional do meio ambiente .... 310 Subseção I. – a participação por meio da cooperação com os estados ............................................................................................. 310 § 1º a participação das oNGs nas negociações internacionais ... 311 I. a previsão da participação e suas formas ............................. 312 II. a difícil demonstração da influência concreta das oNGs na formação da norma ambiental ............................................... 315 § 2º Participação das oNGs por meio do apoio acordado a organizações internacionais ...................................................... 319 § 3º Participação na implementação do direito internacional 320 § 4º Participação por meio da assistência dada ao controle das convenções .................................................................................. 322 Subseção II – a participação pelo conflito contra os estados ..... 323 § 1º obstáculos encontrados pelas oNGs em relação ao acesso à Justiça ............................................................................ 324 I. o acesso à informação ................................................................. 325 II. o interesse de agir ........................................................................ 328 III. a aceitação das oNGs pelos orgãos jurisdicionais internacionais ..................................................................................... 338 § 2º Terrenos conquistados ............................................................ 350

Conclusão do capítulo ......................................................................................... 360

capítuLo viii as ongs e a reguLação da biodiversidade e das biotecnoLogias ..................................................................................................... 363

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Seção I – a participação clássica: formação jurídica, implementação e controle de normas ........................................................................................... 363 Subseção I – o papel da criação jurídica das oNGs tradicionais ...... 364 Subseção II – o papel de vigilância de novas oNGs: raFI, GraIN, TWN, IDeC ........................................................................... 366 § 1º acesso aos recursos genéticos............................................. 367 I. arroz basmati ................................................................................... 367 II. as plantas ayhuasca..................................................................... 369 § 2º a biossegurança ........................................................................ 371 Subseção III – as ações na Justiça ......................................................... 373Seção II – a desobediência civil ....................................................................... 376 Subseção I – França .................................................................................... 378 Subseção II – No Brasil ............................................................................... 381 Subseção III – a Índia ................................................................................. 384

Conclusão do capítulo ......................................................................................... 390

Conclusão da Parte III ........................................................................................... 391

Índice alfabético – remissivo ........................................................................... 393

Índice dos casos citados ........................................................................... 397

Tribunais Internacionais ............................................................................ 397

Tribunais Nacionais ..................................................................................... 399

referências bibliográficas ........................................................................... 401

I – obras jurídicas .................................................................................................. 401

1 – obras gerais: tratados e manuais ................................................... 401

2 – obras técnicas: teses e monografias ............................................. 402

3 – artigos, crônicas e relatórios ............................................................ 408

II – referências extrajurídicas: Ciência, Política, Filosofia, economia e Biologia .............................................................................................424

1 – obras .........................................................................................................424

2 – artigos, crônicas, relatórios e periódicos .....................................430

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lista de acrônimos

adPic ou triPs acordo sobre os direitos de propriedade intelectu-al relativos ao comércio

alena ou naFta associação de livre comércio da américa do norte

amF acordo multifibras

atV acordo sobre têxteis e roupas

oit organização internacional do trabalho

cBd convenção sobre a diversidade biológica

ciJ corte internacional de Justiça

cites convenção sobre o comércio internacional das es-pécies da fauna e da flora selvagens ameaçadas de extinção

coP conferência das partes

dsU memorando de entendimento sobre as regras e os procedimentos que regem a resolução de contro-vérsias da organização mundial do comércio

eUa estados Unidos da américa

Fao Programa das nações Unidas para alimentação e agricultura

Fmi Fundo monetário internacional

Fta acordo de livre comércio no âmbito do acordo de livre comércio da américa do norte

Gats acordo geral sobre o comércio e serviços

Gatt acordo geral de tarifas e do comércio

icBG Grupos internacionais pela conservação da biodiver sidade (criado pelo governo dos estados Unidos)

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2 direito internacional econômico amBiental

iisd instituto internacional para o desenvolvimento sustentável (onG suíço-canadense)

itlos tribunal do tratado sobre o direito do marmercosUl mercado comum do sul (argentina, Brasil, Paraguai

e Uruguai)ocde organização de cooperação e desenvolvimento

econômicooeB escritório europeu de Patentesoic organização internacional do comércioomc organização mundial do comérciooms organização mundial da saúdeonG organização não-governamentalonU organização das nações UnidasonUdi organização das nações Unidas para o desenvolvi-

mento industrialosc Órgão de solução de controvérsias da organização

mundial do comércioospt orgão de supervisão dos acordos têxteisotan organização do tratado do atlântico nortePhrma associação de empresas americanas de Produção e

de Pesquisa FarmacêuticaPnUma Programa das nações Unidas para o meio ambien-

teraFi rural advanced foundation international (onG ca-

nadense)sBstta corpo subsidiário técnico e científico e do conselho

tecnológico – válido para várias convençõessida síndrome da imunodeficiência adquiridasoja rr soja transgênica round up readysPs acordo sobre as medidas sanitárias e fitossanitáriastBt acordo sobre as medidas técnicasUicn União internacional para a conservação da nature-

zaUnclos conferência das nações unidas sobre o direito do

marUnesco organização das nações unidas para a educação,

ciência e culturaUsPto escritório de marcas e Patentes dos estados UnidosWWF Fundo mundial para a natureza

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 3

introdUção

o direito internacional contemporâneo é construído a partir de uma desigualdade norte-sul e contribui para reproduzir essa desigualdade. ele conhece uma expansão importante e trata de domínios que antes eram da competência exclusiva dos estados. esse processo de expansão é um processo gradual, começado no final do século XiX, mas que se acelera fortemente depois da segunda Guerra mundial. entre os domínios nos quais o cresci-mento do direito internacional é mais marcante, sobretudo após os anos 1990, figuram o direito internacional ambiental e o direito internacional econômico.

Procuraremos analisar a desigualdade norte-sul face à construção jurídica do conceito de desenvolvimento susten-tável, no contexto da reorganização do direito internacional, em primeiro lugar, e, em seguida, no âmbito das organizações internacionais: o sistema onusiano, a organização mundial do comércio onde essas desi gulades crescem e, enfim, a ação das organizações não-Governamentais, atores compensadores da desigualdade interestatal.

três razões contribuem a este fenômeno de expansão: de um modo geral, o fim da bipolaridade política e militar, após a queda do império soviético, e a emergência de uma multipo-laridade política mais ativa no plano internacional. de forma mais específica, constata-se, no direito internacional ambiental, o crescimento de um movimento internacional de proteção da natureza e o fortalecimento das instâncias democráticas, com a inclusão da proteção ambiental nas agendas políticas e jurídicas

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4 direito internacional econômico amBiental

dos governos e dos cidadãos. no tocante ao direito internacional econômico, deve-se notar a intensificação das trocas comerciais e a emergência, em nível governamental, de um consenso que a favor desta liberalização, considerada como uma forma de desenvolvi-mento econômico.

o direito internacional econômico visa sobretudo ao desen-volvimento das nações. É em torno deste conceito de desenvolvi-mento que ele se constrói, mais especificamente com a utilização de um conceito operacional mais detalhado: o de desenvolvi-mento sustentável. É interessante notar que o conjunto de nor-mas jurídicas para o desenvolvimento emanado desde a segunda Guerra mundial origina-se de dois conjuntos normativos distin-tos, o direito internacional econômico e o direito internacional ambiental, que deveriam ser homogêneos, porque o direito deve-ria ser um só sistema, harmônico, como bem dispõe o artigo 31, 3, c, da convenção de Viena. no entanto, o direito internacional, ao contrário do direito doméstico, não é um todo harmônico, mas, sim, um conjunto de vários conjuntos herméticos de normas jurídi-cas, com lógicas próprias que se acumulam ao longo do tempo, for-mando antagonismos cada vez mais acentuados, a coexistência de várias entidades não-articuladas, tribunais e órgãos de solução de controvérsias não-hierarquizados, característicos de um pro-cesso de mundialização econômica, política e jurídica.

o objetivo deste trabalho é traçar as linhas gerais que for-mam a base do direito internacional econômico e do direito inter-nacional ambiental, e como se dá a construção jurídica, a imple-mentação de normas e o controle das normas desses dois ramos distintos do direito, em três importantes atores internacionais: a organização mundial do comércio, a organização das nações Unidas e as organizações não-Governamentais, com enfoque na desigualdade norte-sul. embora seja um tema amplo, para o qual seriam necessárias diversas obras, propomos um estudo modes-

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 5

tar as principais características desses atores e sua influência na construção jurídica do desenvolvimento sustentável.

caPítUlo i

A FormAção do direito internAcionAl em torno do conceito de desenvolvimento sustentável

não há como estudar direito internacional econômico sem conhecer o seu principal objeto. assim, a análise do conceito de desenvolvimento é primordial. o mesmo vale para o direito inter-nacional ambiental. ressalta-se que, embora tratemos do mesmo conceito operacional, este tem acepções diversas, conforme a lógica jurídica e a ideologia política, repercutindo diretamente no

to, que bus-ca apresen-

1 contestamos que o direito internacional seja um conjunto sistêmico de normas, ou seja, que exista um conjunto harmônico de normas de direito in-ternacional que possibilite a solução de conflitos de normas contraditórias. existem, sim, vários conjuntos fechados, herméticos, que não se comunicam ou se comunicam pouco entre si. exporemos o tema ao longo deste traba-lho.

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6 direito internacional econômico amBiental

orde namento jurídico. antes de entrarmos nas especificidades dos atores internacio-

nais, como as nações Unidas, organização mundial do comércio e organizações não-Governamentais, analisaremos o nosso ob-jeto principal de estudo: o desenvolvimento sustentável, sua for-mação no âmbito do direito internacional econômico e do direito internacional ambiental – ramos do direito que se construíram em torno deste princípio – e os antagonismos dentro do conjunto normativo “não-sistêmico” internacional1.

o princípio do desenvolvimento sustentável vem da fusão de dois grandes princípios jurídicos: o do direito ao desenvol-vimento e o da preservação do meio ambiente. o primeiro é ori-ginário do direito internacional econômico, mais especificamente do direito do desenvolvimento, um ramo do direito originado dos movimentos de independência após a segunda Guerra mundial. o segundo vem do direito ambiental, trabalhado sobretudo a partir dos anos 1970.

o direito do desenvolvimento foi defendido pelos países do sul contra as posições dos países do norte, com raras exceções. o direito internacional econômico foi o seu principal fórum de formulação jurídica. ele teve muitas repercussões concretas até os anos 1980, quando suas normas foram desmanteladas pelo avanço das teorias neoliberais.

o direito internacional ambiental, que, durante muito tem-po, foi apresentado como antinômico ao desenvolvimento, so-bretudo pelos países do sul, absorveu os princípios do direito ao desenvolvimento a partir da conferência de estocolmo, em 1972, e sobretudo a partir das convenções-quadro dos anos 1990. se o direito do desenvolvimento em si é quase inexistente hoje no direito internacional econômico, ele continua a se consolidar e a crescer no âmbito do direito internacional ambiental. este con-texto contribui para a acumulação de lógicas distintas no direito internacional, o que reforça a sua incoerência e torna possível a presença de sistemas jurídicos paralelos e antagônicos, cuja efi-cácia de um tem como conseqüência a ineficácia do outro, o que conduz, inelutavelmente, à necessidade de trabalhar a articula-ção entre os diferentes ramos do direito, em vez de se trabalhar apenas pela solução de pontos contraditórios.

Para compreender melhor essa evolução, é preciso estudar

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 7

a formação e a evolução isoladas destes dois ramos do direito, assim como a sua fusão. desse modo, estudaremos o direito do desenvolvimento, mais antigo, para, em seguida, estudar a criação do direito ambiental, mais recente, assim como as relações nor-te-sul compreendidas neste processo de formulação jurídica. É a partir dessa evolução e da sua compreensão que poderemos apreender os valores que compõem o direito internacional eco-nômico e ambiental de hoje, com base justamente no binômio meio ambiente-crescimento econômico.

seção i – o direito do desenvolvimento

o direito do desenvolvimento nasceu do direito internacio-nal econômico, logo após a segunda Guerra mundial, mas desen-volveu-se sobretudo a partir do momento em que os países do sul o impulsionaram nas mesas de negociações. o próprio conceito de desenvolvimento foi elaborado nessa época, no início em torno do crescimento econômico, e, em seguida, como expansão de li-berdades. certas organizações continuam a utilizar o primeiro cri-tério, outras adotam o segundo, o que distingue suas visões sobre o desenvolvimento. consideramos que o desenvolvimento deve ser medido à luz dos seguintes critérios: nível de emprego decen-te2, melhora de infra-estruturas de base, esgotos, fornecimento de água potável, melhora da educação e aumento da esperança de vida, sendo esses elementos a base do conceito e questões de alta relevância para qualquer organização que se preocupe com o desenvolvimento. no entanto, se o principal instrumento ado-tado para medir o desenvolvimento for a expansão do comércio entre as nações, o comércio internacional torna-se o núcleo cen-tral das preocupações, e o meio torna-se o fim. embora esses dois conceitos de desenvolvimento possam ter relações entre si, não podemos dizer que sejam sempre diretos ou proporcionais.

o direito do desenvolvimento se apóia sobre os princípios da não-reciprocidade, da desigualdade compensadora e da cria- 2 a expressão vem da organização internacional do trabalho e inclui empre-

go com salário digno, número de horas aceitável, condições adequadas, entre outros.

3 Hermitte, m.-a. le concept de diversité biologique et la création d’un statut de la nature. in: edelman, B., m.-a. Hermitte, eds. l’Homme, la nature et le droit. Paris, c. Bourgois, 1988, p. 270-271.

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8 direito internacional econômico amBiental

ção de um sistema geral de preferências, permitindo aos países do sul serem competitivos nos mercados dos países do norte. isso significa que os países do sul não são obrigados a aceitar as mesmas obrigações jurídicas ligadas ao livre mercado, estabe-lecidas pelos acordos internacionais, como o Gatt, e que, além disso, eles têm direito de acesso aos mercados desses países em melhores condições, além do direito à ajuda financeira e à trans-ferência de tecnologia, buscando promover seu desenvolvimento e, assim, colocar um ponto final na desigualdade norte-sul3.

esses princípios, assim como o direito ao desenvolvimen-to em si, são diretamente ligados às doutrinas socialistas. É a partir da perda de credibilidade do socialismo e da ascensão do neolibe ralismo que todo o conceito definindo a necessidade de normas jurídicas compensatórias da desigualdade econômica desaparece. retorna-se à crença de que um sistema de livre mer-cado, sem normas compensadoras da desigualdade, é suficiente para promover o desenvolvimento internacional. considerando que a teoria do sistema jurídico internacional já foi analisada por inúmeros autores, faremos um resumo da gênese do direito internacional econômico e do conceito de desenvolvimento para, em seguida, analisar o desaparecimento das normas do direito do desenvolvimento no âmbito do direito internacional econômico.

subseção i – a gênese do direito do desenvolvimento e sua im-pulsão pelos países do sul

o direito do desenvolvimento nasceu a partir dos anos 1950, com a impulsão que lhe foi dada pelos países do sul, no âmbito da organização das nações Unidas e das organizações internacionais, de uma série de resoluções sobre o abandono do princípio da reciprocidade comercial, a criação do princípio da desigualdade compensadora e a criação, no âmbito do acordo Geral de tarifas e comércio (Gatt), de um sistema geral de pre-ferências para os produtos comerciais originários dos países em vias de desenvolvimento. isso se tornou possível pelo aumento rápido do número de países membros das nações Unidas, oriun-dos do processo de descolonização, e por um certo grau de união entre eles. compreende-se por direito do desenvolvimento um

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ramo específico do direito composto por um conjunto de normas e princípios que asseguram aos países do sul condições mais fa-voráveis para o seu desenvolvimento. distingue-se do direito ao desenvolvimento, que é o direito, strictu sensu, de cada um ou de cada país, a se desenvolver. Podemos explicar essa evolução traçando as seguintes etapas:

a carta de Havana de 1946. o desenvolvimento é visto como uma construção com estágios sucessivos. ele se tornou central na agenda internacional após 1945, com o processo de reconstrução européia, e após os anos 50, a partir do processo de descolonização. em 1946, foi realizada a primeira rodada de negociações do Gatt, que gerou a carta de Havana. esta consi-derava que o desenvolvimento econômico dos estados era uma ferramenta importante para a promoção da paz mundial. a carta já possui o conceito de desenvolvimento, limitado exclusivamen-te ao crescimento econômico, mas não existe nada preciso sobre a criação de um sistema preferencial em favor dos países do sul. o artigo XViii fundamenta-se sobre quatro idéias importantes. em primeiro lugar, é afirmada a existência de estados que ainda estão nos seus primeiros estágios de desenvolvimento e que devem avançar implementando políticas de desenvolvimento econômico. admite-se que estas políticas justificarão um regime geral de proteção que aparece como uma exceção legítima à po-lítica de abertura. o desenvolvimento econômico é o único que parece poder propocionar melhoria do nível de vida. o modelo subjacente é um modelo simples que reduz o desenvolvimento ao crescimento econômico.

“artigo XViii – assistência Governamental para o desenvol-vimento econômico

1. as partes contratantes reconhecem que a realização dos objetivos deste acordo será facilitada pelo desenvolvimen-to progressivo de suas economias, particularmente das partes contratantes cuja economia somente pode garantir frágeis níveis de vida e está nos primeiros estágios de seu desenvolvimento.

2. as partes contratantes reconhecem também que pode

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ser necessário para aquelas partes contratantes citadas no parágrafo primeiro, para implementar seus progra-mas e suas políticas de desenvolvimento econômico orientados para aumentar o nível de vida geral da sua população, tomar medidas de proteção ou outras me-didas que afetem as importações, e que tais medidas sejam justificadas porque elas facilitam a realização dos objetivos deste acordo. elas concordam, por conseguin-te, que as partes contratantes em questão poderão se beneficiar das facilidades adicionais que lhe permitam: a) manter a flexibilidade suficiente em sua estrutura de tarifas aduaneiras para estarem aptas para conceder a proteção tarifária necessária para a criação de um setor industrial determinado; e b) instituir restrições quanti-tativas para proteger o equilíbrio da balança de paga-mentos de uma maneira que se considere plenamente o nível elevado e estável da demanda de importações susceptível de ser criado para a realização de seus progra-mas de desenvolvimento econômico”

as partes que necessitassem podiam não implementar as disposições impostas pela carta sobre livre comércio, tempora-riamente, a partir do momento em que sua economia sofresse prejuízo causado pela redução das tarifas alfandegárias.4

a conferência de Bandoeng de 1955. a idéia de um trata-mento específico reforça-se com a mobilização dos países do sul, que há pouco tempo tinham ganhado sua independência. esse tratamento foi de fato “imposto” pelo sul ao norte, o que foi pos-sível pela escolha de uma neutralidade ativa dos países do sul, no

4 “artigo 18.4. a) conseqüentemente, toda parte contratante, cuja a economia somente

possa garantir frágeis níveis de vida e está nos seus primeiros estágios de desenvolvimento, terá a faculdade de derrogar temporariamente das disposições de outros artigos deste acordo, assim como é previsto nas seções a, B e c do presente artigo.

b) toda parte contratante cuja economia está em vias de desenvolvimen-to, mas não entra no âmbito da alínea acima, pode realizar demandas às partes contratantes, no âmbito da seção d do presente artigo.”

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âmbito da competição leste-oeste e a posição americana em fa-vor do processo de descolonização. a conferência de Bandoeng, que ocorreu entre 18 e 25 de abril de 1955, representou uma das datas mais importantes para a construção jurídica do conceito de desenvolvimento. ela reuniu 29 países da ásia e da áfrica, dos quais a maioria tinha adquirido sua independência há menos de dez anos e representavam uma parte importante da popula-ção mundial. ela foi a primeira manifestação coletiva dos países descolonizados. a conferência de Bandoeng foi coordenada por sukarno, presidente da indonésia; nasser, presidente do egito; nehru, presidente da índia; mohamed ali, presidente do Paquis-tão; e Zhou enali, presidente da china. Foi a partir dessa conferên-cia que as relações entre os países do sul foram reforçadas e, no ano seguinte, houve a criação do “movimento dos não-alinhados”, composto por países do “terceiro mundo”, que queriam assim se livrar da oposição existente entre os mundos capitalista e so-cialista, característica da Guerra Fria, que começava a ser criada nessa época. o movimento encarna-se um pouco mais tarde nas nações Unidas, no Grupo dos setenta e sete (G77), que se torna um grupo importante de pressão nas negociações internacionais e mais importante ainda quantitavamente nas nações Unidas. as normas jurídicas em favor do desenvolvimento multiplicam-se, assim como as resoluções sobre o progresso e o desenvolvimen-to,5 a soberania e os recursos naturais,6 sobretudo em razão do processo de nacionalização dos recursos minerais.

nessa época, o direito do desenvolvimento nasce e cresce no âmbito do direito internacional econômico; as agências das 5 Ver resolução 2542 (XXiV), de 11.12.1969.  6 Voir resolução 523 (Vi), de 12 de janeiro de 1952; resolução 626 (Vii), de 21

de dezembro de 1952; resolução 1803 (XVii), de 14 de dezembro de 1962, a principal; resolução 2158 (XXi) de 25 de novembro de 1966; resolução 3281 (XXiX) de 12 de dezembro de 1974. sobre o tema, ver Hossain, K., cHoWdHUrY, s. r., eds. Permanent sovereignty over natural resources in international law. Principle and pratice. london, Frances Pinter, 1984

7 Prebisch era, na época, presidente da cePal. ele se tornou o primeiro secretário-geral da Unctad. certos quadros das nações Unidas foram mui-to influentes na construção do direito do desenvolvimento, como Kalecki, Jacobi, Hammarskjöld, myrdal, mahler, entre muitos outros.

8 Houve um esfriamento da entidade nos anos 80, mas importa destacar a direção do embaixador brasileiro rubens ricupero, à frente da Unctad, no final dos anos 1990 e início do novo século, o que deu um novo impulso a entidade.

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nações Unidas centram-se sobretudo nos aspectos econômicos. o desenvolvimento era assimiliado exclusivamente ao cresci-mento econômico e, nesse sentido, nenhum aspecto do meio ambiente, da saúde e dos direitos humanos era diretamente com-preendido.

em seguida, graças à pressão constante dos países do sul e ao engajamento pessoal de alguns pensadores e líderes, como raul Pre-bisch,7 a onU criou, em 1964, a conferência das nações Unidas para o comércio e desenvolvimento (do inglês, Unctad). a Unc-tad adquiriu importante legitimidade, decorrente da sua orienta-ção em favor do desenvolvimento mundial e intensa participação nas negociações internacionais. a influência dos países do sul no âmbito da Unctad sempre foi predominante; o objetivo princi-pal era – ou ao menos deveria ser – o desenvolvimento, e não o comércio mundial. na verdade, constata-se que a Unctad dispu-nha, e ainda dispõe, de uma liberdade de ação considerável no âmbito das nações Unidas e junto à comunidade internacional. os países desenvolvidos permitem e aceitam as suas tomadas de decisão e uma defesa dos valores de desenvolvimento que dificil-mente identificamos em outras organizações internacionais. Po-demos dizer, assim, que a Unctad contribui de forma substantiva para mudar a relação de forças entre os países do norte e do sul8.

a Unctad organizou conferências importantes para a discussão do comércio e do desenvolvimento internacional. an- 9 assim, antes da segunda cnUced de nova delhi, em 1968, via-se a formação

do G55, que se reuniu no âmbito da conferência de alger; antes da terceira cnUced, de santiago, em 1972, se reuniram na conferência de lima; antes da quarta cnUced de nairobi, em 1976, se reuniram durante a conferência de manilha.

10 FlorY, m. mondialisation et droit international du développement. revue Générale de droit international Public, 1997, 101(3), p. 615

11 entrevista com ignacy sahcs, março de 2000. a partir dos anos 90 esta pos-tura de “fazer sem refletir” foi alterada, sobretudo com a criação do relatório para o desenvolvimento Humano, que analisa de forma mais minuciosa o desenvolvimento global. estes relatórios do PnUd servem hoje de base para a análise do desenvolvimento e são também uma base interessante de comparações para as análises sobre o desenvolvimento feitas pelas outras organizações internacionais. a comparação é interessante e mesmo es-sencial porque a identificação de informações consideradas determinantes para a realização dos estudos mostra as verdadeiras preocupações de cada organização internacional.

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tes de cada conferência, o G77 tinha reuniões para construir uma plataforma comum e formar um bloco unido contra os outros blo-cos, conduzidos pelos estados Unidos, europa e União soviética.9 É justamente essa modalidade de união entre os países do sul, própria dos anos 1960 e 1970, para obter a elaboração de normas jurídicas favoráveis ao desenvolvimento, que não existe mais no direito internacional econômico contemporâneo.

Um ano após a criação da Unctad, em 1965, cria-se o Pro-grama das nações Unidas para o desenvolvimento (PnUd), em um contexto de cooperação internacional que cresce, sobretudo, entre 1946 e 1964. os estados ocidentais, majoritários no âmbito das nações Unidas, tinham criado, em 1948, um programa or-dinário, substituído, em 1949, por um Programa de assistência técnica (Peat), que em 1965 transforma-se novamente, com mais autonomia e recursos, em PnUd. o PnUd recebe contribuições vo-luntárias10 e, durante muito tempo, foi mais conhecido como uma agência de execução que como uma agência de reflexão sobre o desenvolvimento em si. essa postura foi redefinida nos anos 80 com a criação do relatório sobre o desenvolvimento Humano.11

o resultado no direito internacional foi a criação, já no final dos anos 60, de um conjunto de textos aprovados, que se posicionaram a favor de condições de comércio mais eqüitáveis entre o norte e o sul, cooperação, transferência de tecnologia, fortificação das relações sul-sul, não-intervenção e não-discri-minação, entre outras. essas resoluções tornaram-se princípios universais, não realizados. a declaração sobre o Progresso social e o desenvolvimento, resolução 2542 (XXiV), de 1969, votada pela assembléia Geral das nações Unidas, é um exemplo. com um texto muito mais forte do aqueles que foram votados nos anos

12 Quando da quarta conferência dos países não-alinhados, em alger. 13 BedJaoUi. Pour un nouvel ordre économique international, p. 34 14 BedJaoUi. Pour un nouvel ordre économique international; BedJaoUi, m.,

ed. droit international. Bilan et perspectives. Paris, Pedone et Unesco, 1991. BennoUna, m. le droit international relatif aux matières premières. in: international. recueil de cours. Haye, martinus nijhoff Publishers. iV, 1982. BennoUna, m. international law and development. in: Bedjaoui. internatio-nal law: achievements and prospects. Paris et dordrecht, Unesco et martinus nijhoff, 1991. FlorY. “mondialisation et droit international du développe-ment.”, op. cit., p. 618.

15 resolução 3201 (s Vi)

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80 sobre o desenvolvimento, ela afirma o direito dos países em desenvolvimento de participarem da expansão do comércio in-ternacional, com um sistema não-discriminatório de preferências não-recíprocas, dando a preferência às exportações dos países em desenvolvimento para os desenvolvidos, estabelecendo a implementação de um sistema geral e extenso de bens comercia-lizáveis e o financiamento de estoques regulatórios pelas organi-zações internacionais.

a nova ordem econômica internacional (noei) de 1974. a noei é orientada para a ação dos países do sul, em um sentido favorável ao seu desenvolvimento. ela reforça a idéia de coopera-ção entre os países, em vez de pregar uma simples coexistência. o conceito foi criado em 1974, quando a assembléia Geral da onU era dominada pelos países em desenvolvimento e presidida pelo ministro das relações internacionais da argélia, abdelaziz Bouteflika. a decisão dos países do sul, já adotada desde 1973,12 é considerada por alguns autores como o grande cisma norte-sul.13 nesse contexto, a revalorização do preço do petróleo, obtida pe-los países árabes e pela Venezuela, por meio da oPeP, e o voto na onU de uma maioria composta pelos países em desenvolvimento permitiu a aprovação unânime das resoluções da noei.14

entre os três documentos mais importantes estão a decla-ração sobre a nova ordem econômica internacional,15 seu Pro-grama de ação16 e a carta dos direitos e deveres econômicos dos estados, que criticam a forma como os países desenvolvidos con-duzem o capitalismo. segundo o texto da norma, todo o sistema capitalista seria favorável aos países ricos, em particular a divisão internacional do trabalho e a repartição desigual do progresso técnico, o que contribui para cavar um abismo entre os índices de desenvolvimento do norte e do sul. a ordem econômica e as regras de direito sobre as quais ele se apóia deveriam, conforme a assembléia Geral das nações Unidas, desaparecer para permitir 16 resolução 3281 (XXiX) 17 declaração sobre a instauração de uma nova ordem econômica internacio-

nal, de 1º de maio de 1974, a.G. resolução 3201 (s-Vi) apud morin. droit et souveraineté à l’aube du XXie. siècle, op. cit., p. 60-61.

18 salem, m. le développement de la protection conventionnelle des investis-sements étrangers. Journal du droit international, 1986, 113. BennoUna. le droit international relatif aux matières premières. in., op. cit.

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a construção de um sistema mais eqüitável, “que corrigirá as desigualdades e retificará as injustiças atuais”,17 e que é o ápice do discurso do direito do desenvolvimento no âmbito do direito internacional econômico.

a declaração sobre o Progresso social e o desenvolvimen-to é um dos primeiros documentos assinados a integrar o social no conceito de desenvolvimento. ela é contrária aos monopólios das transnacionais, um tema importante, nessa época, em razão da expansão das nacionalizações, principalmente no setor petrolífe-ro. ela invoca também o princípio da soberania sobre os recursos naturais,18 e os princípios da desigualdade compensadora, da não-reciprocidade e de condições especiais para os países em desenvolvimento.

“declaração sobre o Progresso social e desenvolvimento

artigo 12a) criar condições para um rápido desenvolvimento eco-nômico e social sustentado, particularmente nos países em desenvolvimento; por uma modificação das relações eco-nômicas internacionais; e por métodos novos e eficazes de cooperação internacional, de tal forma que a igualdade de oportunidades seja tanto um privilégio das nações como dos indivíduos que as compõem; (...)c) eliminar todas as formas de exploração econômica es-trangeira, particularmente a realizada por monopólios internacionais, a fim de permitir que as pessoas de cada país se beneficiem de todos os benefícios de seus recursos nacionais.

o progresso e o desenvolvimento no domínio social final-mente devem objetivar enfim realisar os objetivos seguintes:

(...)artigo 23(e) a expansão das trocas internacionais fundada em prin-cípios de igualdade e não-discriminação, em medidas

19 salem. “le développement de la protection conventionnelle des investis-sements étrangers.” op. cit.

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visando a corrigir a posição dos países em vias de desen-volvimento no comércio internacional graças a termos de troca equitáveis, num sistema geral não-recíproco e não--discriminatório de preferências para a exportação dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, na conclusão e aplicação dos acordos gerais e completos sobre os produtos de base e o financiamento racional de estoques reguladores apropriados para as instituições fi-nanceiras internacionais.”

além disso, a nova ordem econômica internacional associa a soberania ao direito ao desenvolvimento. a dominação eco-nômica dos atores estrangeiros sobre os recursos naturais dos países do sul e a consolidação do processo de independência em uma parte importante desses países ajuda a compreender essa relação. cada estado teria o direito soberano de escolher seus meios de desenvolvimento, inclusive o direito inalienável de nacionalizar e explorar os seus recursos naturais, de transferir a propriedade dos estrangeiros aos seus nacionais e de regula-mentar as atividades das empresas transnacionais instaladas em seus territórios. o programa de ação da noei prevê mais de 100 instrumentos de desenvolvimento e a correção das desigual-dades, maior assistência dos países ricos aos pobres, o fim dos ins-trumentos de dominação econômica e política, a industrialização das matérias-primas nos países em desenvolvimento, a melhoria do acesso aos mercados internacionais para os produtos dos paí-ses do sul e a reforma do sistema monetário internacional.19

a carta dos direitos e deveres econômicos20 dos estados é fundamentada sobre um conjunto de princípios clássicos, como o da igualdade soberana dos estados, a não-intervenção, além da soberania permanente sobre os recursos naturais.21 ela reivindica a aplicação da noção de patrimônio comum da humanidade às 20 outros exemplos contemporâneos importantes também podem ser cita-

dos, como a convenção sobre o direito do mar e a exploração de nódulos na Zona.

21 morin. “droit et souveraineté à l’aube du XXie. siècle.”, op. cit., p. 61. este princípio serve também de base à construção do direito internacional am-biental.

22 FlorY. “mondialisation et droit international du développement.”, op. cit., p. 617.

23 Ver FeUer, G. “l’Uruguay round, les pays en développement et le droit in-

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tecnologias, exigindo transferência gratuita de tecnologias entre os países do norte e os do sul e controle sobre os investimentos estrangeiros e as empresas transnacionais. o slogan trade not aid é desenvolvido nesse período e representa bem a visão do direito em formação.22

a rodada tóquio, de 1979. no âmbito do Gatt, é a partir da criação e das pressões da Unctad que se criou a parte iV e, um pouco mais tarde, o sistema Geral de Preferências,23 consolidan-do, no direito internacional econômico, os princípios do direito do desenvolvimento, o tratamento especial e diferenciado, a de-sigualdade compensadora e a não-reciprocidade de concessões comerciais. É em 1979, durante a rodada tóquio, que se vê enfim a inclusão, no direito internacional, de um texto concreto em favor dos países do sul. o artigo XXXVii indica a priorização da eli-minação de obstáculos para o acesso aos mercados dos produtos do sul, a fixação de melhor tratamento para os produtos de inte-resse, cujo comércio é indispensável aos países pouco desenvol-vidos, e a não-fixação de novas barreiras tarifárias e não-tarifárias, limitando o acesso desses países aos mercados.

“Parte iV, Gatt, art. XXXVii, compromissos

1. as partes contratantes desenvolvidas deverão, na me-dida do possível, ou seja, exceto quando impedidas por razões imperiosas, compreendendo eventuais razões de ordem jurídica, dar efeito às disposições seguintes:

a) acordar alta prioridade à redução e eliminação de barrei-ras ao comércio de produtos cuja exportação apresenta ou poderia apresentar um interesse particular para as partes contratantes menos desenvolvidas, incluindo direitos alfandegários e outras restrições que compor-tam diferenças não-razoáveis entre tais produtos em seu estado primário e estes mesmos produtos transforma-dos;

b) abster-se de instituir ou de agravar a incidência de di-reitos alfandegários ou barreiras não-alfandegárias de importação sobre os produtos cuja exportação atual ou potencial poderia apresentar um interesse particular para as partes contratantes menos desenvolvidas; e

c) (i) abster-se de instituir novas medidas fiscais, e (ii) conceder, em qualquer ajuste de política fiscal, uma alta prioridade

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à redução e eliminação de medidas fiscais em vigor, que freiem significativamente o crescimento do consumo de produtos primários, em sua forma bruta ou transforma-da, produzidos totalmente ou em grande parte nos ter-ritórios das partes contratantes menos desenvolvidas, quando estas medidas sejam aplicadas especificamente a tais produtos.”

* * *

a cada década novas normas jurídicas são aprovadas, sendo a assembléia Geral das nações Unidas a principal fonte. as resolu-ções sobre o programa para o desenvolvimento são marcadas por um discurso inovador a cada sessão, com proposições concretas, favoráveis às mudanças de repartição de forças entre o norte e o sul. essas resoluções são concebidas de modo periódico e propõem estratégias progressivas, permitindo assegurar o desen-volvimento. assim, na primeira década, houve a resolução 1710 (XVi), de 19 de dezembro de 1961 na segunda década, a resolu-ção 2626 (XXV), de 24 de outubro de 1970; na terceira década, as resoluções 35 e 36, de 5 dezembro de 1980; e, na quarta dé-cada, as resoluções 45/199, de 21 de dezembro de 1990. desse modo, o direito do desenvolvimento teve muitas conseqüências concretas: o programa de desenvolvimento das ex-colônias, como argélia, marrocos e tunísia, no caso francês, o crescimento da aju-da financeira e tecnológica dada aos países do sul e a validade das regras comerciais diferenciadas estabelecidas entre os países do norte e os do sul.

* * *

apesar desses esforços, o discurso da assembléia Geral é dominado pela ideologia neoliberal e se enfraquece. o discurso dos países do sul no fim do século, nos anos 90, é idêntico ao dos países do norte. o mesmo na nova ordem econômica internacio-nal, muito dogmática, que poderia colocar questões pertinentes, mas que não soube se manter e continuar a expansão dos espaços

terantional du développement.” annuaire Français de droit international, 1994, Xl, p. 760.

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conquistados.

subseção ii – o desaparecimento rápido do direito do desenvolvi-mento no âmbito do direito internacional econômico

É a partir dos anos 80, com a ascensão das doutrinas neoli-berais, que os princípios de base do direito do desenvolvimento, como o da não-reciprocidade, a desiguladade compensadora e o sistema geral de preferências, se enfraqueceram, provocando redução importante do direito do desenvolvimento no âmbito do direito internacional econômico.

É também nessa época que os juristas pronunciam-se so-bre o valor não-cogente das resoluções da assembléia Geral das nações Unidas. a maioria dessas normas jurídicas, em razão da sua repercussão sobre a economia mundial, em vez de se con-solidarem como soft norms, tornaram-se letra morta e mesmo muitas das normas mais cogentes nunca tiveram repercussões. o desaparecimento do direito do desenvolvimento tem, portanto, de várias causas: o fim da sua expansão, o enfraquecimento das novas normas jurídicas das organizações internacionais, como as do PnUma, da Unctad e da assembléia Geral24, e o avanço das teorias jurídicas sobre a invalidade das normas anteriores.

o aumento da dependência econômica, no fim dos anos 70 e 80. essa situação agravou-se com o problema do aumento da dívida e do crescimento econômico dos países do sul em relação aos países do norte. o excesso de recursos financeiros no sistema financeiro internacional, em decorrência dos recursos do petróleo e da baixa taxa de juros, foram os motivos que incentivaram o sul a se endividar para financiar a industrialização. no início, essa si-tuação apresentava-se vantajosa, mas os contratos internacionais revelaram-se uma cilada. a capitalização de grandes recursos, ilustrados pelas modalidades de venda de petróleo, com o pro-cesso de nacionalização e utilização desses recursos demonstra bem o problema. os estados da organização dos Países exporta-dores de Petróleo (oPeP) reciclaram seus recursos financeiros nos

24 Ver as resoluções sobre as décadas do desenvolvimento.

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bancos do norte, que estavam na origem do sistema de crédidos concedidos com taxas irrisórias, às vezes negativas, muito atrativas para os países do sul. essas taxas de juros cresceram de forma importante e os países tornaram-se reféns de suas dívidas e dos bancos públicos estrangeiros, representados pelo clube de Paris, e privados, representados pelo clube de londres, a partir de um serviço da dívida que se tornou substancial.

o fim do sistema bipolar. a perda do espaço ocupado pelo sistema socialista e, em conseqüência, a perda de legitimidade, possibilitaram valorização acentuada das teorias neoliberais, sobretudo com a emergência de m. thatcher no reino Unido e, segundo a. touraine, em segundo plano, o governo r. reagan, nos estados Unidos.25 de acordo com i. sachs, “a credibilidade da nova ordem econômica internacional se tornou nula e o capita-lismo voltou a sua arrogância de antes de 1929, dando espaço ao neocapitalismo e matando toda herança do Keynesianismo”.26

a desunião dos países do sul a partir dos anos 80 e 90. os países do sul não souberam manter sua posição de força no âmbito das principais organizações internacionais. alguns líderes diplomáticos, como Brasil, argentina, méxico e china, preferiram adotar políticas individualistas, bilaterais. a vantagem do número foi superada pela vantagem do poder econômico, técnico e jurídi-co, do preparo dos diplomatas e da união dos países do norte nas questões mais importantes. a união dos países do sul foi ficando cada vez menos freqüente e, após o início dos anos 80, tornou-se raramente perceptível nas reuniões internacionais, mesmo quan-do necessária para obter êxito em questões mais importantes. a negociação em bloco deu lugar à negociação multilateral, mais individual, em que cada país tenta se aliar individualmente a cer-tos países do norte que têm mais influência sobre eles. enfim, no âmbito do direito internacional econômico, o discurso do desen-volvimento dá lugar ao discurso neoliberal, em que as discrimina-ções negativas ou positivas não são aceitas.

as regras do Gatt, a partir da revisão de 1991, com o fim da rodada do Uruguai, consolidam o fim das normas comerciais mais benéficas aos países do sul. os princípios de base do direito 25 entrevista com a. touraine, em 11 de janeiro de 2001. 26 entrevista com i. sachs, em março de 2000.

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do desenvolvimento, como a desigualdade compensadora e o abandono da reciprocidade, são reduzidos a normas acessórias e aplicados ocasionalmente. além disso, o ato de marraqueche de 1994, coloca um fim, a curto prazo, na maior parte das prefe-rências concedidas aos países do sul. embora o acordo comporte dispositivos mais favoráveis aos países menos avançados e aos países em desenvolvimento, o sistema inteiro retorna à lógica dos anos 40, quando as derrogações apenas eram válidas “até o desenvolvimento dos estados mais pobres, mas por um prazo determinado”.27 os dispositivos favoráveis a um tratamento di-ferenciado são muito menos numerosos, comparados com os acordos anteriores. o acordo que institui a omc estabelece um tratamento diferenciado, que é proclamado em todos os acordos, mas que, na maior parte deles, não ultrapassa o seu preâmbulo. em vários acordos, as disposições científicas são vagas e limitadas no tempo, os países em desenvolvimento têm preferências ape-nas durante os primeiros cinco ou dez anos, como é o caso dos direitos de propriedade intelectual ligados ao comércio, que dá cinco anos aos países em desenvolvimento e dez aos menos avan-çados para adequar suas legislações às normas aprovadas; ou ainda o acordo sobre os obstáculos técnicos ao comércio, que não reconhece diferenças entre os países desenvolvidos e em desen-volvimento, o que será analisado nos capítulos seguintes. o direito do desenvolvimento é progressivamente suprimido pelo direito internacional econômico neoliberal.

* * *

assim, o direito do desenvolvimento praticamente se ex-tingue no âmbito do direito internacional econômico. o ato de marraqueche é o marco do seu enfraquecimento, mesmo sendo difícil prever o que se passará quando ocorrer o término dos pra-zos concretos concedidos por diversos acordos da omc aos paí-ses em desenvolvimento. no entanto, ele continua sua evolução no âmbito do direito internacional do meio ambiente, por meio da noção de desenvolvimento sustentável. essa fusão efetua-se graças à participação dos países do sul e à formação do direito 27 nós iremos desenvolver este tema nos capítulos sobre a omc.

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internacional do meio ambiente. Paradoxalmente, no início, a participação do sul nos acordos internacionais de proteção da natureza foi o resultado das pressões dos países do norte.

seção ii – o direito internacional ambiental

o direito internacional ambiental foi, no início, impulsio-nado pelos países do norte. ele ganha rapidamente extensão e legitimidade no âmbito do direito internacional. a resistência dos países do sul termina nos anos 70 e, principalmente, a partir dos anos 90, com a inserção dos princípios do direito do desen-volvimento no âmbito dos acordos ambientais28. e, finalmente, o direito internacional do meio ambiente se torna um fórum onde se perpetua a expansão do direito do desenvolvimento.

os princípios da desigualdade compensadora, da não-reci-procidade e de um sistema de preferência conhecem uma evolu-ção paradoxal. no direito internacional econômico, eles recuam face aos avanços das doutrinas neoliberais, sendo os acordos con-cluídos pela organização mundial do comércio os exemplos mais ilustrativos. no direito internacional ambiental, eles continuam a avançar, por meio do princípio do desenvolvimento sustentável, sobretudo no âmbito das convenções-quadro, como das mudan-ças climáticas, da diversidade biológica, dos estabelecimentos humanos, entre outros.

esse processo tem dois momentos importantes e que serão estudados de forma consecutiva: primeiramente, a genêse do di-reito ambiental e pressão vinda do norte para que ele avançasse, depois, a expansão do direito internacional ambiental e a constru-ção jurídica do conceito de desenvolvimento sustentável.

subseção i – o direito internacional ambiental: direito desordena-do e sua impulsão pelos países do norte

o direito internacional ambiental nasceu de forma particu-larmente complexa, oriundo de um processo desordenado que tem sua origem em diferentes fontes, com normas de valores distintos, e superposição de regras tratando do mesmo tema, para as quais cada estado vota a favor ou contra, inspirando-se em lógicas diferentes. no entanto, este direito constrói-se sem

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qualquer coordenação, no âmbito internacional. em virtude da sua complexidade, é difícil participar do seu controle e da sua im-plementação. essa observação vale especialmente para os países menos dotados tecnicamente, como os do sul.

de qualquer forma, é possível considerar que o direito inter-nacional ambiental foi “imposto” sobretudo pelos países do norte, ao contrário do direito do desenvolvimento, que foi “imposto” pelos países do sul (no início, as normas ambientais encontraram forte resistência por parte destes).

É preciso, então, expor esta dupla realidade: de um lado, a desordem do direito internacional do meio ambiente, que estuda-remos por meio da gênese deste ramo do direito. de outro lado, a imposição deste mesmo ramo jurídico aos países do sul, pelos países do norte, como veremos em seguida.

§ 1º a gênese desordenada do direito internacional ambiental

o direito internacional ambiental é derivado de um proces-so de expansão do direito internacional moderno, que não trata apenas de fronteiras, como o direito internacional clássico, mas também de problemas comuns, processo típico de um período de globalização jurídica. na sua origem, ele foi imposto pelos países do norte aos do sul, que estavam reticentes ou pouco inte-ressados. mesmo já existindo normas para a proteção da natureza, o direito internacional do meio ambiente viu verdadeiramente a luz do dia no final dos anos 60 e início dos anos 70, e foi apenas a partir dos anos 80 que ele tomou uma dimensão realmente mun-dial, com instrumentos aceitos pela maior parte da comunidade internacional. 28 sands, P. enforcing environmental security. in: sands, P. Greening interna-

tional law. op. cit., p. 50-64. Ver aussi l’introduction de ce livre, p. xv.

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muitos fatores contribuíram para a formação e consolidação do direito ambiental: as taxas de aumento elevadas da popula-ção mundial, conseqüência da melhoria das condições sanitá-rias; o desenvolvimento das ciências médicas, depois da segunda Guerra mundial; a utilização maciça de recursos ambientais, em decorrência da destruição de vários ecossistemas em muitos lugares do mundo, mas principalmente nos países do norte; os primeiros grandes acidentes com efeitos imediatos, como a des-truição em massa de certos ambientes;29 a chegada do homem à lua, quando a humanidade pôde ver a terra como uma estrutura frágil, a partir de um ponto de observação exterior;30 as modalida-des de simulação de impacto, que deram uma visão catastrófica do futuro da humanidade, anunciando o esgotamento de certos recursos biológicos e energéticos para o fim do século ou para um futuro próximo, entre outros.

É nesse contexto que vimos emergir teorias que trazem limites ao crescimento econômico a qualquer preço e incenti-vam a redefinição dos conceitos de desenvolvimento. a teoria do crescimento zero, implicando taxas de desenvolvimento me-nos agressivas para a natureza, tal como formulado pelo ensaio limites ao crescimento, feito pelo clube de roma, e publicado em diversas línguas logo antes da conferência de estocolmo, e que teve impactos significativos sobre o estabelecimento do di-reito internacional do meio ambiente, durante os seus primeiros passos. a teoria do crescimento zero foi arduamente combatida em estocolmo por teóricos que, ainda que favoráveis ao respeito ao meio ambiente, eram opostos a qualquer discurso sobre o crescimento zero. nessa época, os países do sul mostraram-se fortemente desconfiados a respeito desse direito. no entanto, foi nesse mesmo período que surgiu a categoria ecodesenvolvimen-to e que se começou a construir o direito internacional do meio ambiente, tal como conhecemos hoje.

a formação do direito internacional ambiental não é nem ho-mogênea, nem organizada. É uma ramo de direito desordenado. Vários fatores contribuem para essa complexidade: em primeiro lugar, não é possível identificar diretamente o nível de cogência contido nas normas ou uma hierarquia. em seguida, as normas de

29 como o de silent spring, nos estados Unidos; nas usinas químicas construí-das ao redor da Baía de minamata, no Japão, em 1957, em Flixborough, Grã-

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nível e características diferentes são produzidas por várias fontes, comportando diferentes esferas de eficácia e se acumulando na regulamentação de um mesmo tema. além do mais, a lógica da regulação, às vezes antropocêntrica, às vezes biocêntrica, con-tribui para a formação de um direito de difícil predeterminação. enfim, não existe instituição coordenadora, mas uma pletora de instituições que regulam vários acordos internacionais de modo heterogêneo. tudo isso forma um direito cuja prática é delicada, sobretudo pelos países menos preparados.

Primeiramente, é importante notar a irregularidade da for-mação desse direito. normas mais cogentes e soft norms se mis-turam, em uma evolução irregular que acontece tanto nos níveis nacionais quanto internacionais, sem sucessão temporal lógica. isso significa que não existe, na história da produção normativa ambiental, uma fase em que são produzidas normas ambientais não-cogentes e uma outra que marca o início da produção de normas cogentes. até hoje, a acumulação de soft norms e de normas cogentes é uma das principais características do direito internacional ambiental. mesmo considerando apenas as nor-mas obrigatórias, percebemos que normas de diferentes níveis de cogência se sucedem umas às outras. em seguida, esse nível de obrigatoriedade das normas geralmente não pode ser iden-tificado de modo fácil, sendo sobretudo o comportamento dos estados contratantes que vai determinar o nível de eficácia e de obrigatoriedade de cada norma jurídica, o que contribui para a incerteza e, portanto, para a insegurança jurídica.

em segundo lugar, identifica-se a produção ora de conven-ções amplas ou convenções-quadro, ora de convenções específi-cas. desde o início da criação das normas ambientais, esses dois modelos de convenções se alternam. encontram-se normas de proteção ambiental desde a idade média. elas tratam da proteção das florestas, da fauna (para garantir a caça) ou das águas.31 a convenção de 1933, sobre a proteção da fauna e da flora nos seus estados naturais, é um dos primeiros documentos importantes. ela é seguida da convenção de 1940 sobre a proteção natural e a proteção da vida selvagem no hemisfério ocidental, todas elas sendo convenções amplas.

as convenções internacionais relativas à proteção da natu-reza que se seguem são, ao contrário, mais específicas, como a convenção internacional sobre a regulamentação da Pesca da

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Baleia, de 1946, e a convenção sobre o estabelecimento da co-missão interamericana para o atum. em seguida, é preciso ainda adicionar outras convenções com objetos amplos, como a de 1949, sobre a pesca em geral, e a de 1950, sobre a proteção dos pássa-ros. em outras palavras, o direito internacional ambiental foi cons-truído sobre esses dois eixos: convenções específicas e convenções com objetos amplos, sem regularidade.

a partir dos anos 70, com o início da identificação do direito in-ternacional ambiental, assistimos à expansão da formação de con-venções-quadro, cujos exemplos mais correntes são a convenção de estocolmo, a convenção da diversidade Biológica e a convenção das mudanças climáticas. as convenções-quadro tratavam de vários assuntos distintos que têm relação com um núcleo central – o desenvolvimento sustentável. o objeto do desenvolvimento torna-se, assim, um elemento comum e sempre presente, sobre-tudo nas convenções mais recentes, nos anos 80. essas conven-ções-quadro são, posteriormente, consolidadas por resoluções e outras convenções específicas. ainda que as convenções estejam ligadas entre si, do ponto de vista ecológico – mudanças climáti-cas, mares, florestas, diversidade biológica, espécies ameaçadas – elas estão isoladas quanto ao aspecto jurídico.

em seguida, o fundamento lógico da formação jurídica também não é estável. este ramo do direito não é nem totalmen-te antropocên trico, nem totalmente biocêntrico. encontramos normas tratando de diferentes elementos, que se sucedem sem regularidade. ora, as convenções consideram os elementos da natureza como recursos econômicos, em uma visão utilitarista, antropocêntrica, ora de forma biocêntrica, independente da suas relações com o homem, e protegem a natureza pela natureza. o fim dos tratados não é, portanto, sempre o mesmo. eles objetivam ora a conservação da natureza em si, ora a conservação da natu-reza, considerada como um recurso ou instrumento econômico, o que mais tarde conduzirá este direito a se construir ao conceito de desenvolvimento sustentável. o primeiro objetivo é ilustrado pela convenção de 1933, sobre a proteção da fauna e da flora nos seus estados naturais, e pela cites. dois outros exemplos ilustram o segundo caso, como a convenção sobre a proteção dos pássa-ros úteis à agricultura e a convenção de 1989 sobre a proibição da pesca com redes no Pacífico sul.

Visão biocêntrica:

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 27

“convenção de 1933 relativa a preservação da fauna e da flora nos seus estados naturaisconsiderando que a fauna e a flora natural de certas partes do mundo, e em particular da áfrica, estão em perigo, nas condições presentes, de extinção ou de danos permanen-tes;desejando instituir um regime especial para a preservação da fauna e da flora”“convenção sobre o comércio internacional de espécies de fauna e de flora selvagem ameaçadas de extinção – cites, de 1973reconhecendo que a fauna e a flora selvagens por sua be-leza e sua diversidade constituem uma parte insubstituível do sistema natural da terra que precisa ser protegido para as gerações presentes e futuras; conscientes do valor sempre crescente do ponto de vista estético, científico, cultural, recreativo e econômico da fau-na e flora selvagens; reconhecendo que pessoas e estados são e deveriam ser os melhores protetores de suas próprias fauna e flora sel-vagens;”

Visão antropocêntrica:

“convenção sobre a interdição da pesca ao rede de arraste de grande dimension no Pacífico sul, de 1989reconhecendo a importância dos recursos vivos marítimos para os povos da região do Pacífico sul;Profundamente atingidos pelo dano provocado atualmen-te pela pesca de atum ao meio ambiente e à economia da região do Pacífico sul.”

-Bretanha, em 1974; em seveso, na itália, em 1976; em Bhopal, na índia, em 1984; as marés negras, torrey canyon, na inglaterra e na França, em 1967; amoco-cadiz, em 1978; ixtoc, no méxico, em 1979, tanio, em 1980; ekofisck, na noruega, em 1980, ou os acidentes de transportes terrestres: liévain, na França, em 1968, st-amand-les-eaux, na França, em 1973, los alfaques, na espanha, em 1978; os acidentes nucleares, three mile island, nos estados Unidos, em 1979, e tchernobyl, na Urss, em 1986, para citar apenas alguns.

30 Ver: Hermitte, m.-a. le droit et la vision biologique du monde. in: roger, a. et

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o fim do tratado é raramente claro o bastante para revelar em si uma visão antropocêntrica ou biocêntrica. Quando a natu-reza é considerada como um instrumento ou um objeto econô-mico, pode-se dizer que existe uma ótica antropocêntrica, mas o simples fato de ter uma convenção sobre a proteção da natureza pela natureza não é suficiente para identificar uma visão biocên-trica. certos estados podem ter votado uma convenção por terem razões econômicas, sem declarar isso expressamente no texto da convenção. Uma vez que é o conjunto de votos dos estados que aprova a norma, é difícil conhecer a razão da participação de cada estado. os atores podem, por exemplo, querer proteger o meio ambiente considerado um direito humano, ou proteger o meio ambiente porque sentem pena de ver um animal sofrendo, não pelo sofrimento do animal, mas pelo sofrimento que o homem sente em ver o animal sofrendo, já que não suporta os atos cruéis contra qualquer ser vivo. os textos sobre a proteção das baleias demonstram bem as disputas entre essas duas visões; de um lado, os estados querem conservar este animal pelo seu valor e, de ou-tro, utilizá-lo como recurso natural. os textos finais são o exemplo da incerteza que reina no tocante ao que realmente inspira o con-teúdo de uma norma internacional.

nesta trajetória de evolução do direito internacional am-biental integram-se vários temas ligados entre si. ao longo dos últimos 30 anos, por exemplo, a promoção do respeito pela diver-sidade cultural ganhou terreno graças aos estudos que mostram os elos entre as atividades dos povos autóctones e a proteção da natureza. a diversidade cultural pode ser uma das bases mais imporantes da manutenção da diversidade biológica, em razão do nível de antropomorfização de uma grande parte das florestas mundiais.32 reconhecemos hoje o quanto é importante preservar estes povos e suas culturas para assegurar a proteção do meio ambiente, mas o homem continua, no entanto, a destruir tanto os povos quanto as culturas dos homens da floresta, dentro de um processo de homogeneização das culturas globais. além da Guéry, F. maîtres & protecteurs de la nature. seyssel, champ Vallon, 1991, p.

86.

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 29

cultura considerada também como essencial à proteção do meio ambiente, vemos aparecerem outros temas importantes que, no início, não eram cogitados como objetos de uma passível prote-ção, como a poluição sonora e, em certos países, a urbanização e mesmo as relações sociais.33 esses temas não são tratados em coordenação uns com os outros e se integram ao objeto amplo, que configura este ramo do direito.

enfim, não existe coordenação entre os acordos ambientais, nem mesmo coordenação de temas nos próprios estados. os estados elaboram o direito conforme suas necessidades e suas concordâncias políticas com os outros estados, e não conforme a coerência das normas estabelecidas sobre um mesmo tema. o Programa das nações Unidas para o meio ambiente (PnUma) é sobretudo a reunião de subprogramas específicos, sem uma ver-dadeira coordenação entre as diferentes convenções. além disso, esta instituição onusiana não dispõe de recursos suficientes que lhe permitam tornar-se uma importante instituição global, do ta-manho de outras grandes instituições onusianas como o PnUd, a Fao, a oms ou mesmo certas organizações não-governamentais, como o WWF ou o Greenpeace. seu orçamento sofreu uma redu-ção drástica a partir de 1994, passando de Us$ 120 milhões no biênio 1994-1995 para Us$ 60 milhões no biênio seguinte,34 sua estrutura é opaca, pesada e complexa e recebe muitas críticas por parte dos estados e dos juristas.35

tudo isso contribui para a falta de coerência do direito in-ternacional e a acumulação de normas distintas, sem hierarquia determinada, situação que se agrava com a expansão, paralela à sua especialização crescente, do direito internacional ambiental e do aumento da sua tecnicidade. todos esses elementos são importantes porque contribuem para a desigualdade de parti- 31 Kiss, a. droit international de l’environnement. Paris, Pedone, 1991, p. 5.

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30 direito internacional econômico amBiental

cipação no processo de formação do direito, assim como na sua implementação no controle deste direito entre os países do norte e os do sul. se o efeito negativo da desigualdade aumenta, cons-tata-se também um efeito positivo, que é o aumento da eficácia. a heterogeneidade do direito internacional ambiental contribui para o aumento da sua eficácia no plano ambiental e ao seu cres-cimento. É justamente esta diversidade e flexibilidade que lhe dão maior possibilidade de se expandir.

* * *

desse modo, a evolução do direito internacional ambiental não é nem lógica, nem linear, em relação à especificidade das normas e das lógicas biocêntrica e antropocêntrica, em relação à cogência, nem também é um direito que partiu do nacional para o internacional ou vice-versa. trata-se de uma evolução não--linear em todos os seus aspectos. de qualquer modo, pode-se facilmente concluir que o direito internacional ambiental nasceu nos países do norte e foi imposto aos países do sul.

§ 2º a impulsão do direito internacional ambiental pelos países do norte

a emergência da questão ambiental a partir do fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 tornou-o um elemento importante no cenário político nacional e internacional. É nesta época que os países escandinavos e a alemanha criam o ministério do meio ambiente, seguidos pelos estados Unidos e pela inglaterra. a partir de 1972, apenas quatro anos depois, os outros países euro-peus, entre os quais a França, e certos países do sul, vão criar seus ministérios. a partir de então, observamos um desenvolvimento contínuo da tomada de consciência dos problemas ambientais, assim como uma multiplicação de normas, tanto no nível interno 32 o homem é um elemento essencial para a manutenção da maior parte dos

ecossistemas globais. não há quase floresta sem um nível alto de influência humana, mesmo considerando as maiores florestas, como a amazônia ou a taiga russa. Ver descola, P. diversité biologique, diversité culturelle. in: razon. nature sauvage, nature sauvée. Paris: Peuples autochtones et déve-loppement, survival international (France), 1999.

33 Ver o desenvolvimento do direito social, sobretudo nos países americanos.

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 31

quanto internacional. a progressão dos verdes é um fator impor-tante nesta evolução. a pressão das organizações não-Gover-namentais foi essencial para a expansão da proteção ambiental como um valor comum, ainda que fundamentada em diferentes elementos, conforme a cultura de cada região.

a conscientização começa nos países nórdicos e anglo--saxões, como suécia, noruega, dinamarca, Holanda, estados Unidos, inglaterra e alemanha. a influência cultural neste caso é muito importante, e vários fatores contribuíram para que o direito ambiental fosse positivado e desenvolvido nesses países, entre os quais se destaca a própria relação cultural homem/natureza desses países. em seguida, os países da europa e alguns do sul iniciaram um processo de construção dos valores ambientais. do norte ao sul, eis a trajetória do direito internacional ambiental. com o crescimento do movimento ambientalista, esta relação, fundamentada na exportação de valores e de normas, tornou-se bilateral, o sul podendo influenciar o norte. de qualquer modo, essa relação nunca foi simétrica.36

ainda que atualmente os países do sul aceitem bem o direito ambiental, no início das discussões sobre a proteção da natureza a realidade era outra. a pressão em favor dos limites am-bientais pedidos aos países do sul era vista como um instrumento utilizado pelo norte para bloquear o desenvolvimento econô-mico dos países emergentes; atitude esta refletida nos discursos dos diplomatas do sul, que se opunham à questão ambiental e defendiam o mesmo direito de destruir a natureza que tinham usufruído os países do norte durante as épocas de maior desen-volvimento econômico. embora não se possa dizer que esta era a posição geral de todos os países do sul, pode-se afirmar que era, nos países mais representativos, como o Brasil, a índia e a china.

o representante brasileiro na reunião preparatória para a conferência de estocolmo, organizada em Founex,37 teria declara-do, por exemplo, que o Brasil era grande o suficiente para receber todas as indústrias poluidoras do planeta. Kuo mo Jo, presidente da academia de ciências da china, afirmava, do seu lado: “nós não somos macacos e nós temos o direito à mesma história que os países ocidentais”. todas essas afirmações eram fundadas na exis-tência de um direito ao desenvolvimento que em si trazia uma lógica de destruição dos recursos naturais.38

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32 direito internacional econômico amBiental

o sul começa a aceitar o direito ambiental gradualmente, sobretudo a partir da conferência de estocolomo, em 1972, data na qual assistimos à articulação em torno do direito ao desenvol-vimento, no âmbito do direito ambiental. É a partir da posição dos países do sul que os países do norte aceitam um espaço mais importante para as normas ligadas ao desenvolvimento no direito ambiental.39 se o direito do desenvolvimento não foi ainda concretizado, o direito ambiental, que contém o conceito de de-senvolvimento sustentável, progrediu bastante.

É apenas com a expansão da consciência ambientalista, oriunda da sociedade civil organizada, que os estados do sul começam a se preocupar com a proteção da natureza. a partir do fim dos anos 70, e sobretudo nos anos 80, os estados do sul, como o Brasil, o méxico e a índia, começam a conhecer uma forte pressão interna em favor da operação de normas mais rigorosas sobre a proteção da natureza.

o movimento ambientalista nos países do sul surge, portan-to, do exterior para o interior, em um primeiro momento; depois, conforme o crescimento, ele se desenvolve mais nas populações do sul e não se constitui mais em algo imposto do exterior, até chegarmos ao ponto de ver, nos países do sul, a consolidação de uma ordem jurídica interna às vezes mais rigorosa do que nos pa-íses do norte, como as normas sobre poluição do ar em Bombay, ou as regras brasileiras de acesso da sociedade civil à Justiça, que não encontram equivalentes nos países do norte. essas normas

34 se considerarmos os recursos disponibilizados pelo Fundo mundial para o meio ambiente (GeF), estes números aumentariam sensivelmente a Us$ 119 milhões para os projetos do ano 1999/2000. in: PnUma. Unep annual report 2000. nairobi: PnUma, 2001, p. 43.

35 malJean-dUBois, s. les sécretariatis des conventions internationales. in: imperiali. l’effectivité du droit international de l’ environnement. controle de la mis en oeuvre des conventions internationales. Paris: economica, 1998, p. 50.

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 33

não são originárias de pressões exteriores, mas são o fruto de uma preocupação ambiental que se tornou também própria dos países do sul.

* * *

Foi com a introdução das normas do direito do desenvolvi-mento no âmbito do direito ambiental que os países do sul acei-taram e se tornaram atores importantes na construção jurídica internacional. a comunidade internacional vai considerando, aos poucos, os dois temas como inseparáveis: o meio ambiente e o desenvolvimento constituem dois lados de uma mesma questão. este último ponto visa a permitir que o direito internacional am-biental absorva os princípios do direito do desenvolvimento, oriundos do direito internacional econômico, formando o prin-cípio do desenvolvimento sustentável, o qual é fundamental de quase todos os acordos ambientais que deram continuidade à convenção de estocolmo.

subseção ii – a expansão do direito internacional ambiental para a construção jurídica do desenvolvimento sustentável

É a partir do enfraquecimento do direito do desenvolvimen-to, no âmbito do direito internacional econômico, que as regras e princípios do desenvolvimento começam a aparecer nos acordos ambientais multilaterais, sobretudo nas convenções-quadro dos anos 80, sobre clima, diversidade biológica, estabelecimentos humanos e habitat.40

36 ainda que encontremos a participação de alguns países do sul em certos tratados internacionais para a proteção da natureza, como na convenção de 1933 sobre a proteção da fauna e da flora nos seus estados naturais, onde constatamos, por exemplo, a participação da áfrica do sul, do egito e do sudão anglo-egípcio, devemos indicar que esses países eram sobretudo colônias dotadas de certa autonomia ou zonas de influência muito forte dos países do norte, o que anula qualquer possibilidade de afirmação de uma participação importante anterior. além disso, nesta época, o direito internacional do meio ambiente não existia como um ramo autônomo do direito, o que havia era um pequeno conjunto de tratados internacionais isolados para a proteção da natureza ou dos recursos naturais de intesse econômico.

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34 direito internacional econômico amBiental

no entanto, encontramos no direito internacional elos entre a proteção da natureza e o desenvolvimento desde os anos 30. a convenção sobre a preservação da fauna e da flora, de 1933,41 a convenção internacional para a regulação da caça das Baleias, de 1946,42 e os acordos para o estabelecimento de um conselho Geral de Pescas para o mediterrâneo, de 1949,43 já contêm refe-rências ao desenvolvimento. a construção do desenvolvimento sustentável é consolidada a partir dos anos 70 e continua, ainda hoje, a evoluir.

a primeira grande conferência internacional sobre o tema foi a conferência de estocolmo, de 1972.44 a base científica do con-ceito de desenvolvimento sustentável adotada nessa conferência foi estabelecida por vários documentos, entre os quais os traba-lhos da economista Barbara Ward e do biológo rené dubos. em estocolmo, já se mostrava uma dialética complexa entre a pobre-za, a riqueza e a destruição da natureza.45 em resumo, a destruição da natureza era causada pelas duas extremidades da pirâmide social, os ricos, no topo da pirâmide, e os pobres, na base.

as primeiras formulações giravam em torno da idéia de ecodesenvolvimento. i. sachs46 lembra que esse conceito viu a luz do dia graças a uma expressão de maurice strong,47 em uma das reuniões preparatórias da conferência de estocolmo. era um conceito sem conteúdo, e sua determinação evoluiu com o passar dos anos, graças a vários autores, como amartya sen e o próprio ignacy sachs. mas, no início, era uma expressão pela qual se pro-curava definir o que se queria designar: uma promoção do desen-volvimento permitindo preservar o meio ambiente. o conceito deve mudar de nome em razão da resistência dos países do norte, mas o conceito “desenvolvimento sustentável” não é fundamen-talmente distinto de “ecodesenvolvimento”; seus conteúdos continuam a ser os mesmos. em seguida, vários documentos im-portantes foram publicados, dando maior base científica ao con-ceito. em 1980, o WWF, o PnUma e a Uicn publicaram a estratégia mundial da conservação. esta modalidade de trabalho conjunto do PnUma e de importantes organizações não-Governamentais

37 em 1971, Founex, na suíça 38 entrevista com i. ignacy sachs, em março de 2000. 39 certos países desconfiaram do direito internacional do meio ambiente até a

metade dos anos 80, como podemos ver pela análise da posição do itama-

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foi essencial para a expansão do PnUma e para a consolidação do desenvolvimento sustentável enquanto conceito-chave da agen-da internacional.

o relatório Brundtland foi a base da segunda grande confe-rência, realizada no rio de Janeiro, em 1992. o documento dava o tom considerando necessária a união entre o desenvolvimento e o meio ambiente. ele não adicionava, para sermos sinceros, nada de novo sobre o estado da arte da questão, mas reunia as princi-pais teorias que demonstravam a possibilidade de um desenvolvi-meto sustentável e as conseqüências da sua não-adoção. ele con-tribuiu, assim, para a valorização da proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, no âmbito das nações Unidas, e sobretudo junto às agências mais ligadas ao comércio, como o Banco mundial, que criou posteriormente uma divisão encarrega-da de tratar especificamente do meio ambiente, considerando--o como um elemento importante a ser levado em conta no financiamento de projetos de desenvolvimento, mudando, assim, a sua política anterior.48

as duas conferências das nações Unidas para o desenvol-vimento e meio ambiente marcam uma virada nesta evolução histórica. na verdade, mesmo o título das conferência mostra a evolução da lógica. em inglês, a conferência de estocolmo denominava-se “conferências das nações Unidas para o meio ambiente Humano”, em francês, dizia-se “conferência das nações Unidas para o meio ambiente e para o desenvolvimento”. no rio de Janeiro, em 1992, a versão franco-espanhola foi também ado-tada em inglês, o que mostra a valorização do conceito de desen-volvimento sustentável. enfim, a conferência do rio era vista por seus organizadores, como disse maurice strong, como “um ponto decisivo na pesquisa de uma nova ordem internacional.”49

o Programa das nações Unidas para o meio ambiente (PnUma) foi criado na conferência de estocolmo. a interferência do PnUma nos temas ligados ao desenvolvimento foi várias vezes criticada pelos países do norte, sobretudo pelos estados Unidos. após a conferência de cocoyoc, por exemplo, os estados Unidos ameaçaram cortar os recursos do PnUma se ele continuasse a fa-zer relatórios sobre os problemas econômicos. da mesma forma, a comunidade européia, após a quarta conferência do PnUma, afir-mou que a proposição de modelos de desenvolvimento não fazia parte das atribuições do PnUma e este deveria abster-se de tecer

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considerações a respeito.50

a tabela seguinte ilustra bem a evolução do conceito de desenvolvimento sustentável, por meio de textos sucessivos de várias convenções e instituições internacionais.

o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualda-de, a condições de vida adequadas, num ambiente com uma qualidade que permita uma vida com dignidade e bem-estar, e o homem porta uma responsabilidade solene na proteção e melhoria do meio ambiente para as gerações presentes e futuras. convenção das nações Unidas sobre o meio ambiente Humano, estocolmo, 1972o desenvolvimento sustentável é um desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer às suas. comis-são mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento (relató-rio Brundtland), 1987[a assembléia Geral] afirma que a conferência deverá elaborar estratégias e tomar medidas para parar e inverter as conse-qüências da degradação ambiental, com o fim de fortalecer os esforços nacionais e internacionais, para promover em todos os países um desenvolvimento sustentável e respeitoso do meio ambiente. objetivo da cnUmad, definido pela resolu-ção 44/228, das nações Unidas, 44a. sessão, dezembro de 1989entende-se por desenvolvimento sustentável o fato de melhorar as condições de existência das comunidades humanas, sempre respeitando os limites da capacidade de carga dos ecossistemas. salvar o planeta. estratégia para o futuro. Uicn/PnUe/WWF, 1991 o direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a sa-tisfazer equitavelmente as necessidades relativas ao desenvol-vimento e ao meio ambiente das gerações presentes e futuras. Princípio 3 da declaração do rio, 1992a gestão sustentável significa a gestão e utilização das flores-tas e dos terrenos arborizados, de uma forma e em uma inten-sidade tais que elas mantenham sua diversidade biológica, sua raty, estudada por Viola, e., Ferreira, l. d. c., eds. incertezas de sustentabi-lidade na globalização. campinas: Unicamp, 1996, en plusieurs occasions, p. 41.

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produtividade, sua capacidade de regeneração, sua vitalidade e sua capacidade de satisfazerem, atualmente e no futuro, as fun-ções ecológicas, econômicas e sociais pertinentes, nos níveis local, nacional e mundial; e que elas não causem prejuízos a outros ecossistemas. resolução H1, da conferência de Helsinki, 1993entende-se por “efeitos nefastos das mudanças climáticas” as modificações do meio ambiente físico ou das biotas devido às mudanças climáticas e que exercem efeitos nocivos significa-tivos sobre a composição, a resistência ou a produtividade dos ecossistemas naturais e gerenciados pelo homem, sobre o fun-cionamento dos sistemas socioeconômicos ou sobre a saúde e o bem-estar do homem; artigo primeiro da convenção sobre as mudanças climáticas

Fonte: adapté de Parlement européen. l’europe et la forêt. luxembourg: Parlement européen, p. 166.

Pela via jurisdicional, a corte internacional de Justiça deu vida ao conceito, reconhecendo-o como princípio. no caso Ga-bcíkovo-nagymaros, ele é retomado várias vezes e torna-se uma das bases da decisão:

“ao longo das eras, o homem não parou de intervir na na-tureza, por razões econômicas e por outras. no passado, ele freqüentemente o fez sem considerar os efeitos sobre o meio ambiente. Graças às novas perspectivas que a ciência oferece e à cons ciência crescente dos riscos que a busca destas intervenções a um ritmo inconsiderado e sustentado representaria para a humanidade – que se trate das gera-ções atuais ou futuras – do aperfeiçoamento de novas nor-mas e exigências, que foram enunciadas em um grande nú-mero de instrumentos ao longo das duas últimas décadas. estas novas normas devem ser consideradas, e estas novas exigências convenientemente apreciadas, não apenas quando os estados buscam novas atividades, mas também quando eles perseguem atividades que foram contratadas no passado. o conceito de desenvolvimento sustentável traduz bem esta necessidade de conciliar desenvolvimento econômico e proteção ambiental”.

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novas convenções ambientais retomam os princípios do direito do desenvolvimento e os colocam em prática. assim, o desenvolvimento sustentável não é um princípio específico, mas um conjunto de regras implícitas. a convenção da diversi-dade Biológica, a agenda 21 e a convenção sobre o Habitat, por exemplo, consagram a importância da transferência de tecno-logia, do direito de propriedade sobre as riquezas biológicas e da cooperação internacional, princípios típicos do direito do desenvolvimento. os mecanismos dos anos 70, como a desi-gualdade compensadora, o tratamento diferenciado e a não--reciprocidade, assim como o princípio da responsabilidade co-mum e diferenciada,51 foram consolidados nos tratados recentes, como em todas as convenções-quadro firmadas desde 1992. a convenção sobre mudanças climáticas estabelece um sistema de quotas de emissão de carbono diferente, de acordo com o nível de desenvolvimento. a justificativa é dada pelo artigo 3 da con-venção, que valoriza os princípios da eqüidade e da responsabili-dade comum e diferenciada dos estados na sua contribuição e na implementação da convenção. É com base nesses princípios que ela estabelece as obrigações diferenciadas de cada estado.

“convenção sobre mudanças climáticas

artigo 31. as Partes devem proteger o sistema climático em

benefício das gerações presentes e futuras da huma-nidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e res-pectivas capacidades. em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e seus efeitos nefastos.

2. devem ser levadas em plena consideração as necessi-dades específicas e circunstâncias especiais das Partes países em desenvolvimento, em especial aqueles par-ticularmente mais vulneráveis aos efeitos negativos da mudança do clima, e das Partes, em especial Partes países em desenvolvimento, que tenham que assumir encargos desproporcionais e anormais sob esta conven-ção.”

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o princípio da não-reciprocidade é implementado do mes-mo modo. os países em desenvolvimento não são obrigados a atingir as reduções fixadas no Protocolo de Quioto. mesmo os países desenvolvidos com economia mais vulnerável, como Por-tugal ou Grécia, são beneficiados com quotas menos exigentes. a não-reciprocidade é, portanto, respeitada, em razão de um tra-tamento desigual entre os países, de acordo com seus níveis de desenvolvimento.

a criação de fundos para assistência mundial é consolida-da no direito internacional ambiental pela instauração de vários fundos, cujo principal é o Fundo Global para o meio ambiente (do inglês, GeF). a negociação de percentagens fixas mínimas atribuídas à ajuda é traçada em estocolmo e aprimorada com a agenda 21. a transferência de tecnologia está presente em várias convenções e protocolos, de modo concreto, e o modo de transferência é determinado.

“convenção sobre as mudanças climáticas

artigo 4.3. as Partes países desenvolvidos e demais Partes desenvolvidas incluídas no anexo ii devem prover recursos financeiros novos e adicionais para cobrir integralmente os custos por elas concordados incorridos por Partes países em desenvolvimento no cumprimento de suas obrigações previstas no artigo 12, parágrafo 1. também devem prover os recursos financeiros, inclusive para fins de transferência de tecnologias, de que necessitam as Partes países em de-senvolvimento para cobrir integralmente os custos adicio-nais por elas concordados decorrentes da implementação de medidas previstas no parágrafo 1 deste artigo e que sejam concordados entre uma Parte país em desenvolvi-mento e a entidade ou entidades internacionais a que se refere o artigo 11, em conformidade com esse artigo. Para o cumprimento desses compromissos deve ser levada em conta a necessidade de que o fluxo de recursos seja ade-quado e previsível e a importância de distribuir os custos entre as Partes países desenvolvidos. …“(7) o grau de efetivo cumprimento dos compromissos

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assumidos sob esta convenção das Partes países em de-senvolvimento dependerá do cumprimento efetivo dos compromissos assumidos sob esta convenção pelas Partes países desenvolvidos, no que se refere a recursos financei-ros e transferência de tecnologia, e levará plenamente em conta o fato de que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas das Partes países em desenvolvimento.”

a convenção da diversidade Biológica é menos clara do que a convenção das mudanças climáticas e não tem, de forma algu-ma, o mesmo nível de adoção de normas do direito do desenvol-vimento. de qualquer modo, ela traz também uma à transferência de tecnologia.

“artigo 16 (2). o acesso à tecnologia e sua transferência a países em desenvolvimento, a que se refere o § 1 acima, devem ser permitidos e/ou facilitados em condições justas e mais favoráveis, inclusive em condições concessionais e preferenciais quando de comum acordo e, caso necessário, em conformidade com o mecanismo financeiro estabeleci-do nos arts. 20 e 21. no caso de tecnologia sujeita a paten-tes e outros direitos de propriedade intelectual, o acesso à tecnologia e sua transferência devem ser em condições que reconhecem e sejam compatíveis com a adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade intelectual. a aplicação deste parágrafo deve ser compatível com os §§ 3, 4 e 5 abaixo.”

assim, percebemos que o direito internacional ambiental evolui de uma forma diferente do direito internacional econômi-co, porque o elemento central de ambos os direitos – o desenvol-vimento sustentável – é visto de forma distinta em cada um des-tes dois conjuntos jurídicos. essa realidade vem da acumulação de duas lógicas distintas no direito internacional. cada lógica tem suas normas e princípios: as normas do direito internacional eco-nômico, cujas normas da omc são as mais importantes, derivadas de uma ótica liberal, favo rável ao tratamento igualitário entre os estados, com poucas exceções. as normas ambientais, sobretudo as das convenções-quadro, trazem sempre elementos importan-

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 41

tes do direito do desenvolvimento, inscritos em uma perspectiva social, sem que se saiba como as duas poderão ser articuladas.

* * *

É a prova de que o direito internacional ambiental foi e con-tinua sendo, em muitos casos, o palco sobre o qual se perpetua o direito do desenvolvimento, tal como ele foi criado inicialmente no direito internacional econômico. este direito não morreu; ele tenta se expressar por meio do direito internacional ambiental, com base no aperfeiçoamento do conceito de desenvolvimen-to sustentável. encontra-se então em face das duas lógicas que evoluem de forma paralela em sentidos opostos: uma lógica li-beral, que prevalece sobre o direito internacional econômico, em que os princípios do desenvolvimento são quase inexistentes, e uma lógica ambiental, favorável a estes princípios ambientais e defendida sobretudo pelos países do sul e certos países do norte, como os países escandinavos, Holanda e dinamarca. este conflito de lógicas demonstra a desorganização do direito internacional e as suas incoerências.

seção iii – o binômio meio ambiente – crescimento econômico

a variação conceitual da expressão “desenvolvimento” no direito internacional é remarcável. a utilização de um conteúdo determinado tem relação direta com a lógica trabalhada em cada instituição. na lógica liberal, o desenvolvimento é sobretudo ligado ao volume de trocas e ao crescimento do Produto na-cional Bruto. Quanto mais existe comércio ou mais o Produto nacional Bruto aumenta, mais há desenvolvimento. em uma lógica mais política e social, o desenvolvimento é medido pela

40 sobre as dificuldades de precisão conceitual, ver sands, P. “international law in field of sustainable development.” British Year Book of international law, 1994, p. 305.

41 Ver artigo 3.2 42 Ver artigo 3.6 43 Ver o preâmbulo 44 P. sands explica que antes da conferência de 1972, em 1949, as nações

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expansão de liberdades, como o acesso à saúde e à educação, à proteção do meio ambiente e à democracia.

esta visão torna possível a apropriação do discurso do de-senvolvimento pelos defensores dos direitos humanos. os acor-dos internacionais sobre os direitos humanos são marcados pela necessidade de promover o desenvolvimento como uma solução à pobreza e como garantidor da igualdade e da liberdade. o meio ambiente em si é considerado nestes tratados como um direito humano, sobretudo nas culturas mais antropocêntricas. assim, ocorre uma união dos conceitos dos direitos humanos (finalida-de) com os conceitos do direito ambiental (condicionalidade) e do desenvolvimento econômico (crescimento econômico), que dão origem ao conceito de desenvolvimento. Quanto mais exis-tirem liberdades para os indíviduos, mais há desenvolvimento, e podemos afirmar que esta é a real base do direito internacional de hoje, econômico e ambiental. no entanto, a evolução destes dois ramos do direito é feita sob lógicas diferentes, que se acumulam e deixam o direito como um todo cada vez mais incoerente.

a. sen define o desenvolvimento como um processo de expansão de liberdades reais das quais as pessoas dispõem, conceito que adotaremos neste livro. as liberdades incluem o direito ao trabalho, à opinião, à alimentação, à educação, à saúde, ao voto, à informação e a qualquer liberdade possível. a extensão de uma liberdade contribui para o fortalecimento das outras. a extensão dos direitos sociais (saúde e educa-ção) contribui para a expansão das liberdades econômicas. o crescimento das oportunidades econômicas (participação no comércio e na produção) contribui para aumentar os recursos públicos necessários à satisfação das necessidades sociais. a expansão das liberdades políticas (opinião e voto) participa da promoção de todas as outras liberdades.52

É por todas essas razões que o desenvolvimento consiste em uma extensão real das liberdades e que a democracia é o ele-mento-chave do desenvolvimento. É um fato, por exemplo, que

Unidas realizaram uma outra conferência sobre a Utilização e conservação dos recursos, mas sem repercussões concretas importantes. Ver sands, P. “international law in field of sustainable development.” op. cit., p. 307-308.

45 sands, P. “introduction”. in: sands. Greening international law, op. cit., p. xv-

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nenhum país independente, dotado de uma forma de governo democrática e de certa liberdade de imprensa, jamais passou por um período de fome em massa. a maior fome da história, na chi-na (1957-1961), que apresentou o triste índice de 30 milhões de mortos, ocorreu em um regime ditatorial, durante o qual na índia, país vizinho e mais democrático, nenhum problema de fome em massa foi constatado desde a independência, em 1947, e o mes-mo pode-se dizer de todos os outros países do globo.53

esses conceitos de desenvolvimento revelam-se muito mais apropriados do que um conceito que se restringe unicamen-te à expansão comercial. a expansão de liberdades mostra-se muito mais apropriada do que a imposição de regras rígidas. os exemplos chinês e indiano são sempre eficazes: a china escolheu um sistema de controle de natalidade baseado sobretudo na coerção.54 desde 1979, as famílias que tinham mais de um filho foram penalizadas. na índia, no pobre estado do Kerala, um pro-grama intensivo de educação familiar foi também implementado, fundamentado sobretudo na alfabetização e na educação das mulheres. as taxas de natalidade em Kerala eram, em 1979, 3,0, portanto, maiores do que na china. em 1991, a taxa de natalidade em Kerala era de 1.8 filho por família, enquanto na china ainda era de 2,0. isso ilustra bem o fato de que a extensão de liberdades, no caso a educação e o direito de escolha, revelou-se mais eficaz do que a utilização da força. este cenário não se fundamenta em uma diferença entre países, mas na diferença entre um país – a china – e uma região – o estado indiano de Kerala. outros estados india-nos, como o Punjab e o Haryana, que não fizeram investimentos semelhantes para a educação das mulheres, não tiveram redução sensível de suas taxas de natalidade, mesmo sendo suas rendas per capita maiores do que em Kerala. isso demonstra também que o PnB per capita não é um indicador confiável do desenvol-vimento.55

a avaliação das liberdades não deve ser mais limitada por uma visão cultural qualquer que estabelece seus próprios valores de desenvolvimento como valores universais, como se faz hoje

-xvi. 46 entrevista, em 7 de março de 2000 47 maurice strong foi o secretário-Geral das conferências de estocolmo, em

1972, e do rio de Janeiro, em 1992.

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com a maior parte dos índices de desenvolvimento. a diversida-de cultural deve ser considerada para medir o desenvolvimento dos países, ainda que isso torne mais difícil a comparação entre as diferentes etapas de desenvolvimento. Um dos métodos mais restritivos, mais amplamente utilizados, é o PnB per capita, que se mostra completamente ineficaz para medir o nível de desenvolvi-mento de um país com precisão. sua utilização, no entanto, pode ser adotada para satisfazer os interesses das elites dominantes, que querem esconder a desigualdade social, aliás, um dos ele-mentos comuns da maior parte dos países em desenvolvimento.56

a tabela seguinte representa a não-reciprocidade entre o Produto nacional Bruto por habitante e a esperança de vida:

esperança de vida PnB GnP per capita (Us$/ano)

Kerala 73 600china 70,5 700sri lanka 73,5 800namíbia 60 2.000Brasil 65 2.650áfrica do sul 65 3.000Gabão 54,5 4.000

Fonte: sen. development as freedom. new York, alfred a. Knopf, 1999, p. 47.

muitos sinais são reconhecidos por serem as características de um regime político democrático: liberdade de imprensa, in-dependência de mídias, expansão da educação elementar e da escolaridade (escolaridade de mulheres incluída), fortalecimento da independência econômica e política do país, acesso à informa-ção e outras liberdades. Para sermos mais claros, temos uma re-lação dialética, considerando que a consolidação das liberdades aumenta o nível de democracia, o qual, por sua vez, aumenta as próprias liberdades.57

a proteção do meio ambiente tornou-se um elemento fun-damental deste processo de desenvolvimento. considera-se 48 P. sands indica vários domínios de inovação da convenção das nações Uni-

das sobre meio ambiente e desenvolvimento, de 1992: avaliação de risco e mecanismos de tomada de decisões; 2) subsidiariedade e federalismo, em relação aos níveis adequados para a elaboração do direito e tomada de decisão; 3) reforma das instituições internacionais; 4) fixação do papel dos atores não-governamentais; 5) integração dos diferentes ramos do direito internacional (sobretudo comércio e meio ambiente); e 6) fortalecimento da eficácia do direito internacional do meio ambiente. Ver: sands, P. envi-ronmental protection in the twenty-first century: sustainable development

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que toda forma de crescimento não-sustentável contribui para a redução das liberdades das gerações futuras e, portanto, é na-turalmente proposto ao conceito de desenvolvimento em si, que prevê a expansão destas liberdades. segundo este conceito, não pode haver desenvolvimento que seja não-sustentável e, assim, nenhuma forma de crescimento não-sustentável pode ser considerada desenvolvimento. a convenção da diversidade Biológica, a agenda 21 e a convenção das mudanças climáti-cas, a convenção do Habitat, a convenção do desenvolvimen-to social, assim como as outras grandes convenções-quadro, fundamentam-se neste conceito.

a medida do desenvolvimento pode ser realizada de diver-sas formas, conforme diferentes critérios. a adoção de um critério por um ator internacional demonstra o que ele valoriza mais. se ele toma como indicador de desenvolvimento o Produto nacio-nal Bruto ou o Produto nacional Bruto por Habitante, como faz o Fundo monetário internacional, significa que a economia é o elemento mais valorizado, e não necessariamente a educação, a esperança de vida, o meio ambiente, por esses índices não serem, de forma alguma, diretamente proporcionais a estes outros ele-mentos. o volume do comércio é também freqüentemente utili-zado como índice de desenvolvimento: é o critério que emprega, por exemplo, a organização mundial do comércio. embora possa haver relação entre os dois, ela não é sempre real, nem direta-mente proporcional aos outros elementos indicados. como diria J. stiglitz, prêmio nobel de economia de 2001, os meios acabam por se confundir com os fins.58 o Programa das nações Unidas para o desenvolvimento (PnUd) utiliza um índice mais complexo e se explica: “a pobreza humana não é uma questão de renda: é uma privação de possibilidades de escolha e de oportunidades que permitiriam aos indivíduos ter uma vida decente”.59

and international law. in: revesz, sands and stewart. environmental law, the economy and sustainable development. cambridge: cambridge University Press, 2000, p. 371.

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Voltemos, assim, à questão da idéia de expansão de liberda-des, proposta por a. sen. o PnUd utiliza vários critérios, entre os quais a educação, a alfabetização de adultos, a saúde, a esperança de vida e também o Produto nacional Bruto por Habitante. com base nesses critérios, ainda que a pobreza humana esteja longe de ser erradicada, ela diminuiu sensivelmente nos últimos 50 anos; no espaço de menos de uma geração, nos países em desen-volvimento, a mortalidade infantil diminuiu em mais da metade, a taxa de desnutrição baixou em um terço, a proporção de crianças sem sucesso nas escolas primárias passou de mais da metade a menos de um quarto e o número de famílias vivendo em um meio rural sem acesso a água potável baixou de 90% para menos de 25%.60 assim, se considerarmos o índice de desenvolvimento Hu-mano proposto pelo PnUd, o mundo melhorou hoje em todos os aspectos, em relação aos 30 anos precedentes.

entretanto, outros elementos importantes não são conside-rados por esses índices de desenvolvimento, o que ajuda a com-preender o porquê de os principais programas de desenvolvi-mento não conseguirem melhorar a qualidade de vida de muitas populações. esses indicadores de desenvolvimento conheceram, nos últimos tempos, uma baixa notável. entre os elementos mais marcantes, podemos citar: as condições de vida material, a coe-são social, a cultura e o meio ambiente,61 que nos interessa mais. esses elementos não são considerados pelas principais organiza-ções internacionais na construção de seus índices.

as condições de vida material e psicológica podem ser avalia-das pela deterioração das condições de vida dos meios rurais, e sobretudo dos subúrbios e favelas das grandes cidades do mun-do. embora Paris não tenha as 300 favelas62 de são Paulo, onde mora grande parte da população paulista, os subúrbios parisien-ses são muito mais violentos do que eram há 15 anos, e mesmo a França já tem 125 cités consideradas como “zonas cinzas”,63 e

49 Prefácio de maurice strong ao livro sacHs, i. l’écodéveloppement. straté-gies pour le XXie siècle, alternatives economiques et syros, 1997, p. 9.

50 entrevista com i. sachs, em março de 2000. 51 este princípio consagra a responsabilidade comum dos estados para a pro-

teção do meio ambiente, mas os diferencia em função das suas capacidades de agir (diferentes níveis de desenvolvimento).

52 sen, a. development as freedom. new York, alfred a. Knopf, 1999, p. 3, 4 et 11. o autor considera cinco tipos de liberdade: 1) liberdades políticas; 2)

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a Formação do direito internacional econômico em torno do con-ceito de desenVolVimento sUstentáVel 47

são Paulo, há 15 anos, tinha muito menos favelas e violência do que tem hoje. É a falta de escolha que permite uma vida decente, como explica c. comeliau, manifestada sobretudo pela multiplica-ção da mendicância nas cidades mais desenvolvidas do mundo, o que caracteriza a redução da qualidade de vida.64 as desigualda-des são crescentes e mesmo com os progressos e a diminuição das desigualdades norte-sul, revelados por diversos indicadores, existem ainda abismos: entre a áfrica subsahariana e o resto do mundo, entre os pobres e ricos dos estados Unidos, entre as classes médias urbanas e a maioria rural da índia ou da china. os números citados pelo PnUd ou por outras fontes são claros: uma pequena fração da população mundial concentra um volume cada vez maior do dinheiro e dos demais recursos globais.65

em seguida, vem a coesão social, medida pelas relações en-tre as pessoas, no âmbito da família, próxima ou considerada de forma ampla; entre os grupos de proximidade e as classes sociais, entre jovens e velhos; a relação entre a cidade e o campo, com as igrejas ou com as associações. não são apenas as condições de vida material, marcadas pela falta de segurança, mas também a viabilidade das sociedades e de sua organização que estão em jogo. “e eis o momento, em que as sociedades se tornam mais po-tentes e mais ricas, mas também mais desiguais, em que se invoca a insuficiência inevitável dos recursos públicos: uma transferência de responsabilidade e mesmo de democracia – parece acontecer em favor dos indivíduos (que se supõem capazes de se autopro-teger) ou das associações privadas, em detrimento das coletivi-dades públicas junto a indivíduos ou empresas”.66 a ausência de coesão social é marcada pela dete rioração do sistema de valores coletivos, da perda de pontos de referência comumente aceitos, do crescimento do sentimento de insegurança, do isolamento consi-derado cada vez mais como um modo de vida pela maioria. isso leva, por razões óbvias, a conseqüências mensuráveis: basta ver o crescimento do consumo de drogas pesadas, da proliferação de seitas e os suicídios de adolescentes, cada vez mais numerosos.67

outra questão, a perda da diversidade cultural, igualmente considerável, tanto quando pensamos nas línguas e costumes quanto quando analisamos a integração de culturas periféricas aos valores das culturas centrais e a internacionalização do inglês como língua dominante. em média, uma cultura desapareceu por

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ano ao longo do último século68, somente na amazônia, ao que se somam os genocídios e as limpezas étnicas. Basta dizer que, segundo o PnUd, existem mais de 12 milhões de refugiados no mundo.

enfim, o meio ambiente é atingido por todos esses elemen-tos, assim como por inúmeras catástrofes ecológicas antigas e recentes. os acidentes mais antigos de Bophaal, exxon Valdez e tchernobyl ainda fazem vítimas, seja no meio ambiente natu-ral, seja no ambiente urbano. os acidentes mais recentes, como a maré negra do eriba, em 2000, e a queda da maior plataforma de petróleo do mundo, no Brasil, em 2001, não estão presentes nos indicadores de desenvolvimento, ainda que sejam de vital importância. a expansão da destruição florestal, a perda da diversidade biológica e a destruição dos ecossistemas diminuí-ram rapidamente, mas essas degradações estão ainda em curso e o volume destruído continua crescendo, muitas vezes de for-ma irreversível, a exemplo da perda da diversidade biológica.

* * *

consideramos que, entre os índices, o melhor para se usar é o índice de desenvolvimento Humano, adotado pelo Programa das nações Unidas para o desenvolvimento, somando-se algumas considerações sobre quatro elementos definidos: as condições de vida material, a coesão social, a cultura e a proteção do meio ambiente.

esta evolução conceitual é apresentada em cada convenção internacional sobre direitos humanos e sobretudo no direito internacional do meio ambiente. as convenções de Beijing sobre as mulheres, e do cairo, sobre estabelecimentos humanos, de-monstram claramente a consideração de conceitos mais amplos de desenvolvimento, enquanto em outras normas jurídicas de direito interna cional econômico, como as da omc, o conceito de desen vol vi mento parece ter se estagnado, limitado ao conceito reduzido de expansão do comércio.

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conclusão do caPítUlo

as relações norte-sul nem sempre estiveram de acordo sobre o direito internacional econômico, o direito internacional am-biental e o conceito de desenvolvimento sustentável. o sul era, num primeiro momento, contrário à introdução de regras de proteção da natureza, para, em seguida, se submeter a esta

lógica. atualmente, existe uma evolução comum desse direito e desses dois grupos de países. esta partcipação do sul é ligada à absorção do discurso de desenvolvimento pelo direito interna-cional ambiental. a construção de um conceito de desenvolvi-mento sustentável deu origem à evolução de um conceito mais bem-adaptado de desenvolvimento, mesmo se tal conceito ainda

esteja adormecido no âmbito do direito internacional econômico, onde nasceu.

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Parte I

O DesenvOlvimentO sustentável na OrganizaçãO Das nações uniDas

a Organização das Nações Unidas é composta por um conjunto de fóruns nos quais se elabora a formulação jurídica de temas ligados ao desenvolvimento sustentável, estando as normas ligadas à proteção do meio ambiente e à promoção do desenvolvimento sustentável em constante evolução. No entanto, percebe-se um desnível importante de eficácia entre as disposições específicas referentes à proteção da natureza e aquelas que asseguram a promoção do desenvolvimento. a importância dada à proteção do meio ambiente é tão grande, que se começa a entrever a possibilidade de ingerência em nome da proteção do meio ambiente, fundada na degradação da natureza. Nós estaríamos, então, face a um estado não dispos-to a cooperar para a preservação, e que agiria de um modo “ir-responsável”. De qualquer forma, não se conhece ainda nenhum exemplo preciso de intervenção por razões ambientais.

Num primeiro momento, iremos estudar o crescimento do desenvolvimento sustentável no sistema das Nações Unidas e sua eficácia, que demonstram bem a evolução do direito do de-senvolvimento por meio das convenções-quadro internacionais sucessivamente consagradas à proteção do meio ambiente. em seguida, analisaremos o porquê da cooperação Norte-Sul se esta-belecer sob uma nova relação de forças, em razão do direito esta-

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OrgaNIzaçãO DaS NaçõeS UNIDaS

belecido pelo Conselho de Segurança, dadas as possibilidades de um direito de ingerência ecológica e sua relação com o direito de escolha de mecanismos de desenvolvimento sustentável.1

CaPítUlO II

1 a relação Norte-Sul varia conforme a Organização Internacional. a OmC consiste em uma realidade especial, que será estudada nos capítulos se-guintes.

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a evOlUçãO DO CONCeItO jUríDICO De DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável NO DIreItO INterNaCIONal ambIeNtal ONUSIaNO e SUa INefICáCIa 51

evOluçãO DO COnCeitO JuríDiCO De DesenvOlvimentO sustentável nO DireitO internaCiOnal ambiental OnusianO e a sua inefiCáCia

O direito internacional do meio ambiente desenvolveu-se consideravelmente e, com ele, o direito do desenvolvimento, sob o nome de “desenvolvimento sustentável”. as Nações Uni-das foram e ainda são um fórum privilegiado para discussões e produção normativa. mas, mesmo que as regras sobre o desen-volvimento e sobre o meio ambiente façam parte dos mesmos acordos internacionais, as regras sobre o desenvolvimento são ineficazes, enquanto as regras sobre a proteção da natureza têm uma certa eficácia. a ineficácia global do direito internacional do Desenvolvimento Sustentável vem da falta de organização e de força dos países do Sul na elaboração, na implementação e no controle deste direito.

O direito internacional desenvolveu-se de forma impor-tante nas Nações Unidas durante os anos 90, com a realização de várias conferências de grande repercussão, que produziram importantes convenções-quadro. a análise das grandes conven-ções internacionais dos anos 90 demonstra a evolução do direito internacional do meio ambiente, que compreende as normas de proteção da natureza, e do direito do desenvolvimento, entre as quais o desnível de eficácia é cada vez mais expressivo. assim, ana-lisaremos duas características do sistema, primeiro a sua expansão e, depois, a sua ineficácia.

Seção I – a expansão do desenvolvimento sustentável no direito internacional

a expansão do direito internacional do meio ambiente se

a

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opera em dois planos: a elaboração de disposições sobre a pro-teção da natureza e o seu acompanhamento pelas normas para a promoção do desenvolvimento, característica da fusão entre o direito do desenvolvimento com o direito internacional do meio ambiente, que se opera a partir dos anos 70, como analisamos no capítulo anterior.

Os dois conjuntos de regras são a priori inseparáveis, mas de fato separados, o que permite separar as normas sobre o desenvolvimento das normas sobre a proteção da natureza. O direito interna cional do meio ambiente foi edificado sobre a base da redução da pobreza, a partir da consideração de que não seria possível impor o respeito à natureza, pelos países do Sul, sem que este respeito fosse acompanhado pela promoção do desen-volvimento, nem de fazer os países do Norte protegerem o meio ambiente sem a adoção de um controle mais eficaz sobre os seus níveis de consumo.

Subseção I – a estruturação do direito internacional do meio am-biente

O principal fórum de criação jurídica do direito internacional do meio ambiente é a Organização das Nações Unidas. É por meio da assembléia geral, dos seus programas e de suas agências que desenvolvem a maior parte dessas normas. a expansão do direito internacional do meio ambiente surge como um caso particular de expansão geral do direito internacional. ela tem diferentes dimensões: a ampliação dos assuntos tratados, das fontes de ne-gociação e de produção de normas; a extensão das modalidades de normas jurídicas e dos mecanismos de controle dessas normas ou, ainda, o crescimento do número de atores participando da sua negociação, sua criação, seu controle e sua implementação.

§ 1º a multiplicação dos domínios concernentes ao direito inter-nacional do meio ambiente

a amplitude dos assuntos tratados pelas normas ditas am-bientais da ONU ultrapassou limites inesperados, e toca cada vez em mais domínios que eram antes exclusivos dos estados.

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a evOlUçãO DO CONCeItO jUríDICO De DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável NO DIreItO INterNaCIONal ambIeNtal ONUSIaNO e SUa INefICáCIa 53

entre os assuntos mais importantes, notam-se a proteção dos mares, dos dejetos, o tratamento das poluições, a proteção das terras úmidas e dos estados sem litoral, as mudanças climá-ticas, a atmosfera, a proteção das florestas, dos estabelecimentos humanos, do patrimônio cultural, da produção agrícola, da indús-tria, do comércio e do transporte, da saúde humana e das espécies ameaçadas, da fauna e da flora. tudo isso é assegurado por cen-tenas de acordos internacionais. assim, até os anos 60,1 existiam apenas alguns dispositivos para a proteção dos pássaros úteis à agricultura, a proteção das peles de focas e sobre a proteção das águas. De 1960 até hoje foram criados mais de 30.000 dispositivos jurídicos sobre o meio ambiente, entre os quais 300 tratados mul-tilaterais e 900 acordos bilaterais, tratando da conservação, e mais de 200 textos oriundos das organizações internacionais.2

ainda que os assuntos tratados a cada conferência interna-cional sejam variados, alguns temas estão sempre presentes. São temas importantes, relacionados, de modo geral, com a proteção da natureza e com o desenvolvimento humano:

a) a atenção especial aos povos autóctonesb) a importância do papel das mulheresc) O desenvolvimento humano

entre os instrumentos de implementação dos objetivos ge-rais, encontram-se sempre:

a) a transferência de tecnologia e de conhecimentosb) a criação de melhor dotação dos fundos especiais para a

proteção dos bens tutelados pelos acordosc) a educação sobre a proteção do meio ambiente e sobre

1 m. Huglo e lepage-jessua qualificam o período antes dos anos 60 como quando “o Direito tinha por função proteger a sociedade contra a nature-za. Não existe, por conseguinte, preocupações verdadeiras sobre a prote-ção do meio natural em si; o meio ambiente era considerado como um re-curso consumível, alterável e utilizável. as relações de propriedade, sejam elas públicas ou privadas, dominam e legitimam as ofensas à natureza em face da inviolabilidade e sacralidade do direito de propriedade [...] O meio ambiente apenas existe sob um ângulo estético ou histórico.” In: HUglO, C., lePage-jeSSUa, C. “la véritable nature du droit de l’environnement.” l’esprit, 1995, p. 73.

2 KISS, a., ed. le droit international de l’environnement. Paris, 1992, p. 28 e 46.

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os outros assuntos tratados em cada norma internacionald) a liberalização do comércio

assim, quando o desenvolvimento não está entre as finali-dades dos acordos ambientais, ele se apresenta como um instru-mento para torná-los eficazes.

vê-se que esta expansão do direito internacional do meio ambiente realizou-se de forma rápida. ao longo dos últimos 30 anos, este direito absorveu quase todos os assuntos mais impor-tantes, tendo uma relação direta ou indireta com a natureza e com o homem. Hoje em dia, discutem-se, nos fóruns internacionais, assuntos ainda mais globais, a exemplo das reuniões intergover-namentais do grupo de ministros sobre a governança mundial do meio ambiente, que começaram a partir do ano 2000 e con-tinuaram até 2002, com a Conferência de johanesburgo para a criação da Organização mundial do meio ambiente. estes temas demonstram uma das nossas conclusões enunciadas, a de que o direito internacional do meio ambiente consiste num conjunto de normas complexas, que merecem ser tratadas de forma global e organizada, de modo a permitir a participação democrática de todos os países, o que é, em grande parte, feito no âmbito da Or-ganização das Nações Unidas.

este direito sofre modificações importantes com a unifica-ção e integração das normas sobre o desenvolvimento. assim, como afirma a. Kiss, o documento fundador do direito internacio-nal do meio ambiente moderno é a Convenção de estocolmo so-bre meio ambiente e Desenvolvimento, de 1972. Obviamente, já existia uma centena de textos sobre a proteção da natureza, mas foi a partir de 1972 que o direito internacional do meio ambiente começou a tomar as formas que tem hoje e a ser caracterizado pelo desenvolvimento sustentável. a sua base mais vísivel é a afirmação de um direito do homem a um meio ambiente saudá-vel, o que foi enunciado como primeiro princípio de estocolmo: “... O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, em um meio ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar...”. esta visão, sobretudo antropocêntrica, mas às vezes biocêntrica, em que o meio ambiente é considerado como um direito do homem,

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ou como um dever do estado, é a base do direito internacional moderno.

assim, coexistem dois conjuntos de normas complemen-tares: as normas para a proteção da natureza stricto sensu e as normas sobre a promoção do desenvolvimento humano. essa expansão de normas é comum em muitos níveis de formulação jurídica, seja local, nacional, regional ou internacional. as normas podem ser específicas, tratar de um objeto preciso juridicamente protegido, como as baleias ou as focas, ou geral, como a diversidade biológica ou as mudanças climáticas. as grandes conferências inter-nacionais dos anos 90 são, na sua maioria, genéricas: a Conferên-cia das Nações Unidas sobre meio ambiente e Desenvolvimento, realizada no rio de janeiro: a Conferência mundial sobre mulheres, em beijing; a Conferência sobre População e Desenvolvimento, no Cairo; a Conferência sobre estabelecimentos Humanos (Habi-tat II), em Istambul; a Conferência sobre Desenvolvimento Social, em Copenhaguem, assim como aquelas que lhes deram continui-dade, conhecidas como rio+5 e rio+10, Istambul +5, e assim suces-sivamente. a impressão de que o tema do desenvolvimento cobriria os assuntos específicos ligados à proteção da natureza, como diver-sidade biológica e clima, não tem mais sentido no direito interna-cional que foi criado a partir de estocolmo. a interconexão entre o desenvolvimento e o meio ambiente é feita de tal maneira que os dois assuntos formam um único tema. assim, o meio ambiente está muito presente em todas essas conferências. Os conceitos de desenvolvimento sustentável aparecem centenas de vezes nos seus textos e nos seus programas de ação.

a partir das convenções-quadro, a construção de um con-ceito mais abrangente de desenvolvimento sustentável ganhou consistência jurídica e tornou-se parte do direito Positivo. O pro-cesso atual consiste, ao contrário, em especializar estas normas e criar obrigações mais específicas e cogentes. resta o grande desa-fio, contudo, que é dar vida aos textos jurídicos para a realização dos objetivos esperados. É a distância entre o discurso jurídico e a realidade que demonstra a falta de eficácia das normas.

a identificação do meio ambiente nos cinco textos produ-zidos na Conferência do rio não apresenta grandes problemas, pois são elementos da natureza, facilmente identificáveis ao meio ambiente, como a diversidade biológica, o clima ou as florestas. a

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agenda 21, mais interdisciplinar, garante as bases de uma ligação entre o meio ambiente e os outros assuntos: estabelecimentos humanos, igualdade e participação das mulheres, organização territorial, entre outros domínios que podemos reagrupar sob a expressão desenvolvimento sustentável. Os textos produzidos nas outras conferências citadas são seqüências da agenda 21. eles fazem referências diretas para demonstrar a conexão entre os assuntos. ainda que os dois assuntos sejam tratados nos mes-mos acordos internacionais, pelos mesmos artigos, o tratamento conjunto dos assuntos pelos operadores jurídicos não é assim tão claro. esta conexão vem do fato de que o direito internacional do meio am biente, nos acordos internacionais assinados, é centrado sobre o homem. assim, a conexão entre os estabelecimentos humanos e o meio ambiente não vem apenas da organização territorial ou da melhoria da paisagem urbana, mas do desen-volvimento em si destes estabelecimentos e da diminuição da pobreza, como afirmam expressamente os textos produzidos em Istambul. a ligação entre o meio ambiente e as mulheres, por exemplo, não se fundamenta apenas no papel delas na preserva-ção da natureza, mas sobretudo na diminuição da sua pobreza. O programa de ação da Conferência de beijing é ilustrativo sobre o assunto, pois ele evidencia o direito a uma vida em harmonia com a natureza. este direito somente pode ser exercido por meio da oferta de opções às populações, sobretudo quando se trata de mulheres. além do mais, esta conferência conecta as diferentes convenções internacionais ao tema da proteção do meio ambien-te:

“246. Os seres humanos estão no centro das preocupações relativas ao desenvolvimento sustentável. eles têm o direi-to a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente. as mulheres têm um papel fundamental a exercer na adoção de modos de consumo, de produção e de gestão dos recursos naturais sustentáveis e ecologi-camente racionais, como firmado pela Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e Desenvolvimento, a Conferência das Nações Unidas sobre População e Desen-volvimento, e como decorre do conjunto do programa da agenda 21. É ao longo dos últimos 10 anos que se tomou realmente consciência do esgotamento dos recursos, da

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degradação dos ecossistemas e dos riscos que represen-tam as substâncias poluentes. esta deterioração acarreta a destruição dos ecossistemas frágeis, obrigando certas comunidades, e as mulheres, em particular, a renunciarem às atividades de produção, provocando uma ameaça a mais, e mais séria, sobre a segurança e a salubridade do meio am-biente. a pobreza e a degradação do meio ambiente estão ligadas de forma estreita.”

§ 2º a multiplicação dos fóruns de negociação e das fontes de elaboração das normas jurídicas

a elaboração do direito passa pela assembléia geral e pe-los programas e agências do sistema onusiano. as negociações não são centralizadas ou mesmo organizadas. existe uma mirí-ade confusa de competências. Cada instituição tem seu próprio programa de proteção do meio ambiente e de promoção do de-senvolvimento sustentável. a competência que permite negociar as normas e o papel jurídico e político do Programa das Nações Unidas para o meio ambiente, por exemplo, é tão forte (ou fraca) como aquelas da faO, da UNeSCO ou do PNUD, quando estas tra-tam da proteção da natureza e do desenvolvimento sustentável.

a absorção de temas de meio ambiente e desenvolvimento por diferentes agências implica a multiplicação das vocações das instituições a respeito do meio ambiente: não apenas as institui-ções de proteção da natureza discutem temas não-ambientais, entre os quais os mais freqüentes são o comércio, as finanças e a cultura, mas as instituições especializadas de cada um desses temas discutem também a proteção do meio ambiente.

O direito internacional econômico e o direito internacional ambiental têm uma estreita relação neste contexto, sobretudo porque o comércio pode ser utilizado como um instrumento para a destruição ou para a conservação do meio ambiente. a Con-ferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCtaD) tem, por exemplo, uma divisão específica para cuidar

3 as contradições entre o direito internacional do meio ambiente, produzidas no âmbito do sistema onusiano, e as normas ambientais da Organização mundial do Comércio serão estudadas nos capítulos seguintes.

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dos assuntos que ligam comércio e meio ambiente. Do mesmo modo, a Organização mundial do Comércio, cuja estrutura com-porta um Comitê técnico sobre meio ambiente. além do mais, a OmC possui normas ambientais próprias e utiliza ainda, às vezes, as normas ambientais produzidas pelas outras instituições do sistema da ONU, ainda que isso possa gerar importantes contra-dições.3

O elo entre meio ambiente e finanças é também muito pre-sente. Os bancos internacionais utilizam regras ambientais como critério para a aprovação de projetos e financiamentos. O compo-nente ambiental tornou-se obrigatório no banco mundial a partir da segunda metade dos anos 80, o mesmo acontecendo em diversos bancos regionais, como o banco Interamericano de De-senvolvimento ou o banco europeu para reconstrução e Desen-volvimento. No banco mundial, por exemplo, o meio ambiente é o único assunto que permite a qualquer pessoa interessada ou Organização Não-governamental colocar questões a propósito dos financiamentos pedidos ou acordados a um país. a reclama-ção fundamentada em bases concretas pode dar origem a investi-gações feitas por grupos de especialistas contratados pelo banco, que podem gerar a mudança, a suspensão ou ainda a anulação de projetos estatais de desenvolvimento.

Os elos entre cultura e meio ambiente são também muito fortes e vão além da preservação da diversidade cultural dos povos autóctones. a UNeSCO tem seu próprio programa sobre o homem e a biosfera, para a promoção do desenvolvimento sustentável, que abrange muitos assuntos diferentes, como a cooperação Sul--Sul, o desenvolvimento das zonas tropicais úmidas, a conserva-ção das florestas, a diversidade biológica, as mudanças climáticas, entre outros. a OmPI e a OmC discutem as normas de proprieda-de intelectual sobre os recursos genéticos, o folclore e os conheci-mentos tradicionais. a diversidade cultural é compreendida pela maior parte das organizações internacionais como inseparável da diversidade biológica, sobretudo em virtude do alto nível de antropomorfização das florestas mundiais, onde o homem é co-locado como um elemento essencial para a preservação da maior parte dos ecossistemas.

a multiplicidade dos fóruns de produção normativa não é, em si, um aspecto negativo do direito internacional ambiental

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moderno, mas a ausência de cooperação e de troca de informa-ções entre as agências representa, sem dúvida, perda importante de recursos. assim, em muitos temas, vemos a multiplicação dos mesmos esforços, sem acumulação de forças, com a repetição de discussões, seminários, colóquios conferências e proposições jurídicas ao redor das mesmas idéias, sem conexão nem inter-câmbio de informações. essa repetição e dispersão de esforços contribui para a estagnação e a não-eficácia do tratamento de temas importantes como, por exemplo, a questão do controle do acesso aos recursos genéticos, discutido há mais de dez anos pela OmPI, UNCtaD, Unesco, UNU, PNUma, Secretariado da Conven-ção da Diversidade biológica e faO para ficar apenas no sistema das Nações Unidas – e que não resultou em nenhuma norma internacional cogente e eficaz! No entanto, como argumento contrário à afirmação acima, poderíamos citar certos aspectos positivos desta multiplicação dos fóruns de discussão, pois foi justamente em razão desta multiplicação que instituições como a OmPI aceitaram a abertura das normas de proteção intelectual aos povos autóctones, a partir da elaboração de textos, em cola-boração com a Unesco e com o Secretariado da Convenção da Diversidade biológica.

P. Sands propõe soluções para otimizar e tornar o direito in-ternacional do meio ambiente mais eficaz. Primeiro, é necessário uma instituição para racionalizar os trabalhos sobre direito inter-nacional do meio ambiente, que pode ser o PNUma, desde que ele passe por uma reorganização e fortalecimento. em seguida, repensar o papel da Comissão de Desenvolvimento Sustentável, talvez aboli-la, evitando a duplicidade de organizações coorde-nadoras. enfim, no contexto do processo de racionalização das instituições, integrar os trabalhos ou mesmo fundir os secretariados das convenções da diversidade biológica, das mudanças climáti-cas, da camada de ozônio e o da CIteS. assim, os custos de espe-cialistas seriam reduzidos, as lógicas de funcionamento fundidas e muitos obstáculos burocráticos suprimidos.4

4 SaNDS, P. environmental protection in the twenty-first century: sustainable development and international law. In: revesz, Sands and Stewart. environ-mental law, the economy and sustainable development. Cambridge: Cam-bridge University Press, 2000, p. 396.

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§ 3º Diversificação dos tipos de normas

Os instrumentos utilizados para a elaboração de normas são, de um lado, as grandes conferências internacionais onde são desenvolvidos os temas amplos, como meio ambiente e desen-volvimento, estabelecimentos humanos, proteção das mulheres ou, de outro lado, as reuniões para a produção de textos espe-cíficos, geralmente de aplicação, como as reuniões das agências e programas da ONU ou as conferências das partes, organizadas pelos secretariados das convenções internacionais, a exemplo das Conferências das partes da Convenção da Diversidade bioló-gica ou da Convenção das mudanças Climáticas. as normas mais amplas são elaboradas, em um primeiro momento, pelas conven-ções-quadro. em seguida, temos as convenções multilaterais ou bilaterais mais específicas. mais específicas ainda são as resolu-ções das conferências das partes ou os compromissos internacio-nais. esta variedade permite a produção tanto de normas gerais como específicas, para a regulação global do desenvolvimento sustentável. em geral, as linhas diretrizes são traçadas pelas con-venções-quadro e, em seguida, ao longo das negociações mais técnicas, estas normas são consolidadas e se tornam obrigações específicas para as diversas partes. a evolução da produção jurídica relativa a um domínio específico é ligada à eficácia do regime de negociação.

a eficácia da norma jurídica internacional não é deter-minada pelo seu tipo, pela forma como foi feita ou por outro elemento de fácil identificação. Não é o fato de ela ser uma convenção ou uma resolução que vai predizer se será ou não eficaz; o que deter mina, na verdade a eficácia da norma é a consideração dada pelos estados-membros, ou mesmo não--membros, à implementação do seu conteúdo. tradicionalmente, em razão da falta de instrumentos coercitivos para assegurar a implementação das normas ambientais, a sua eficácia depende de cooperação entre os estados. Os tratados não prevêem obrigações

5 KISS, a. Droit International de l’environnement. Paris, Pedone, 1991, p. 56. 6 maljean-Dubois, S. (1998). Institutions et organes de contrôle. l’effectivité du

droit international de l’environnement. Controle de la mise en oeuvre des conventions internationales. C. Imperiali. Paris: economica, p. 25-26.

7 Soft law é o termo mais utilizado para designar uma lei sem efeito cogente.

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específicas para os estados contratantes, mas apenas “indicações quanto à cooperação à qual se comprometem os estados”,5 com os objetivos às vezes muito genéricos e, freqüen-temente, sem a precisão necessária para garantir a sua aplicação. O controle recí-proco, tradicional do respeito do direito internacional, recua em favor de um controle coletivo.6

assim, o direito internacional do meio ambiente é caracteri-zado pelo excesso de normas não-cogentes. mesmo se um ardor especial marca as suas negociações multilaterais, as numerosas convenções internacionais são convenções-quadro, que não criam obrigações legais para as partes, mas apenas efeitos morais. as normas das convenções internacionais mais importantes são apenas soft norms7, que não incorporam o jus cogens. a dou-trina internacional diverge da eficácia destas regras, sendo que uma parte da doutrina é segura do fato de que a sociedade civil organizada vai exigir o cumprimento das obrigações “morais” assumidas pelos estados. De toda forma, não existem meios institucionais para que os outros estados contratantes exijam que os estados cumpram as obrigações assumidas. esta regra tem suas exceções, que vêm evoluindo gradualmente no direito internacional do meio ambiente, com a previsão de instrumentos de controle mais eficazes, como se pode constatar na Convenção das mudanças Climáticas, mas em geral os meios de controle são fracos e pouco operacionais.

a construção de um direito baseado em soft norms tem também seus aspectos positivos. Primeiramente, a produção dessas normas está mais assegurada, uma vez que o consenso é mais fácil de se alcançar. Como afirma m. rémond-gouilloud,8 existe mais consenso porque os estados não se comprometem a nada; não criam um direito autêntico, ao menos não criam um autêntico direito tradicional, duro, como dizem os franceses, mas nós percebemos que o uso desta modalidade de criação jurídica permitiu a produção de efeitos concretos, que provavelmente não teriam sido possíveis pelos meios tradicionais de construção jurídica, que se apóiam em normas rígidas. a soft norm permite a construção gradual das obrigações, a cada reunião, que, por sua vez, são mais flexíveis e mais freqüentes, a exemplo das conferên- 8 rÈmOND-gOUIllOUD, m. Du droit de détruire. essai sur le droit de

l’environnement. Paris: Puf, 1989, p. 36-37 e 297-299.

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cias das partes e das reuniões dos grupos científicos. ela permite também a aprovação de temas mais polêmicos, que serão negocia-dos posteriormente no âmbito doméstico dos estados. É melhor ter a aprovação de uma norma soft sobre um tema controverso, que a não-aprovação de uma norma rígida sobre o mesmo tema. O excesso de soft norms não parece ser de forma alguma um obs-táculo à evolução jurídica, mas sobretudo um método para tornar possível essa evolução.

§ 4º O aumento do número de atores

a expansão do direito internacional passa também por um aumento do número de atores. a ONU é um verdadeiro “fórum” que ajuda a democratizar os temas tratados. Na ONU, os diversos atores têm maior acesso à informação produzida, com a transmis-são ao vivo das principais conferências internacionais e a dispo-nibilização dos documentos produzidos pelos seus órgãos, das proposições oferecidas pelos países e das discussões realizadas. É também o conjunto de fóruns, representado pelo sistema da ONU, que permite, em algumas ocasiões, que as ONgs participem dos trabalhos. além do mais, é no âmbito das Nações Unidas que a maior parte das proposições das comunidades científicas é ela-borada, por meio dos comitês técnicos, presentes na maior parte das convenções internacionais do meio ambiente, como as con-venções sobre a diversidade biológica e as mudanças climáticas.

Por tudo isso, o direito internacional aporta novas caracterís-ticas ao direito internacional público. Para cada nova convenção adotada, existe a criação ou atribuição de competências a institui-ções ad hoc, sejam ligadas à família das Nações Unidas, sejam ligadas às instituições regionais como a Comunidade européia, o Conselho da europa ou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento econômico (OCDe). essas agências têm por fim ajudar os estados no processo de implementação das convenções internacionais e ser um fórum de debates para os protocolos que tratam dos temas mais específicos.

* * *

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a expansão do direito internacional do meio ambiente nos últimos 30 anos é, portanto, impressionante. O direito renova-se sobretudo em razão do elo entre o meio ambiente e o desenvol-vimento, estabelecido a partir de estocolmo; mas é sobretudo a partir dos anos 90 que as grandes convenções-quadro vão con-tribuir para a ampliação dos domínios tratados pelo conceito de desenvolvimento sustentável. No entanto, no momento da apli-cação deste direito, constata-se, freqüentemente, que a conexão meio ambiente-desenvolvimento não é realizada. O tratamento geralmente diferenciado desses conceitos acarreta de fato uma ruptura entre dois grupos distintos de normas, teoricamente inse-paráveis: as normas de proteção da natureza versus as normas de promoção do desenvolvimento. enfim, existe um desnível entre a implementação das normas de proteção da natureza e aquelas voltadas para a diminuição da pobreza e a promoção do desen-volvimento. O carácter soft dessas normas permite também aos estados selecionar quais regras a adotar entre as integrantes do direito internacional do meio ambiente. Na prática, constata-se uma progressão da eficácia das normas de proteção da natureza, tanto no Norte quanto no Sul, mas uma regressão da eficácia das normas de promoção do desenvolvimento. O discurso jurídico, no entanto, continua a evoluir e a se estruturar nos dois conjuntos de regras. antes de passar à análise da eficácia dos diferentes gru-pos de normas, é preciso apresentar a evolução do discurso em torno de um direito do desenvolvimento, no âmbito do direito internacional do meio ambiente.

Subseção II – a estruturação do discurso de um direito do desen-volvimento no âmbito do direito internacional do meio ambiente

Certos autores acreditaram que o direito do desenvolvi-mento havia desaparecido, sobretudo depois da resolução da as-sembléia geral da Organização das Nações Unidas, sobre a quarta década do desenvolvimento,9 a rodada do Uruguai e a criação da Organização mundial do Comércio.10 De fato, essas normas

9 a/reS/45/199, de 12 de dezembro de 1990. 10 flOrY, m. mondialisation et droit international du développement. revue

générale de Droit International Public, 1997, 101(3), p. 618-620.

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romperam com uma evolução gradual das normas do direito do desenvolvimento, sobretudo se consideramos os aspectos eco-nômicos desse direito. a resolução sobre a quarta década do de-senvolvimento, por exemplo, contrariamente às resoluções pre-cedentes, não contribui em nada para o conteúdo do direito, ao contrário, ela possui um texto impreciso, que não prevê nenhum tratamento diferenciado a ser aplicado aos países em desenvol-vimento, o que leva, em virtude da sua importância simbólica, à conclusão de que o próprio direito do desenvolvimento teria desaparecido. O mesmo se considerarmos o conjunto de acordos firmados durante a rodada do Uruguai, que diminuem de forma importante os princípios da não-reciprocidade e a desigualdade compensatória, assim como a descontinuidade do sistema geral de preferências. em outras palavras, com esses novos tratados econômicos dos anos 80 e 90, as bases do direito do desenvol-vimento no âmbito do direito internacional econômico foram fortemente enfraquecidas.

a produção legislativa sobre o desenvolvimento vai muito além dessas normas. Se, no direito internacional econômico, as normas do direito do desenvolvimento sofreram um recuo im-portante, no direito internacional do meio ambiente elas foram par cialmente reintegradas e continuam a evoluir. a progressão das normas do direito do desenvolvimento possui uma certa orga-nização e um método que lhe são próprios, marcado sobretudo pelas grandes conferências internacionais dos anos 90. a análise dos textos tanto das Conferências do rio de janeiro (diversidade biológica e clima, 1992), de beijing (mulheres, 1995), de Cope-nhaguem (desenvolvimento social, 1995), do Cairo (população e desenvolvimento, 1994) e Istambul (estabelecimentos huma-nos, 1996), quanto das conferências que lhes dão continuidade, demonstra uma evolução progressiva do conjunto de normas sobre o desenvolvimento sustentável, com proposições con-cretas e uma metodologia específica que dá continuidade às normas sobre o desenvolvimento dos anos 60 a 80.11

Certamente, se analisarmos grande parte dos acordos inter- 11 Sobre a apropriação do conceito de direito do desenvolvimento pelas agên-cias das Nações Unidas, ver SaNDS, P. International law in field of sustainable development. british Year book of International law, 1994, p. 304.

12 ver a resolução da assembléia geral a/reS/45/199, de 12 de dezembro de 1990, sobre a quarta década do desenvolvimento.

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nacionais que tratam atualmente sobre o desenvolvimento, va-mos encontrar um discurso jurídico vago e impreciso, cuja análise poderia dificilmente concluir que eles foram produzidos para ter algum efeito concreto sobre a realidade,12 mas outros acordos têm disposições concretas e específicas, com prazos de cumprimento, em harmonia com as outras normas internacionais. É justamen-te este conjunto dinâmico de normas que deu continuidade ao direito do desenvolvimento que caracterizou as décadas prece-dentes. a análise do discurso jurídico ajuda a compreender a evo-lução dos conceitos de direito internacional do meio ambiente e do desenvolvimento.

faremos uma breve análise dos textos produzidos nessas convenções internacionais para demonstrar essa conexão. esta análise será feita com base em três critérios: a evolução da pre-cisão do texto, a evolução dos textos no tempo e a evolução das expressões utilizadas.

§ 1º a evolução da precisão do texto

O texto é mais preciso quando ele prevê as modalidades de sua aplicação, as instituições responsáveis para a sua imple-mentação e a origem dos recursos necessários para tanto. Uma norma mais concreta prevê de modo mais definido os critérios citados.

I. a Conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento

a Conferência do rio produziu cinco textos importantes. a Convenção da Diversidade biológica e a Convenção sobre as mudanças Climáticas têm um número representativo de me-canismos de desenvolvimento sustentável, analisados ante-riormente. a agenda 21 é o texto mais interessante para esta análise e constitui uma agenda de várias centenas de páginas consagradas à ação em favor do desenvolvimento mundial. ela propõe um programa de ação em 40 áreas diferentes, sendo uma espécie de grande programa que dá as linhas gerais de ação para as convenções-quadro, as quais atuam sobre temas mais especí-ficos, mas onde o conteúdo ainda é genérico, como as mudanças

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climáticas, as florestas, a biodiversidade, as habitações humanas, a conservação e o desenvolvimento sustentável.

as convenções vão ser em seguida detalhadas nas confe-rências das partes e nos direitos nacionais, para que seja possível concretizar as suas disposições. Se a carta da OmC é o coração do direito internacional econômico, a agenda 21 é o coração de um projeto, a longo prazo, de direito internacional do meio ambiente, o que não é restrito à Convenção da Diversidade biológica ou à Convenção das mudanças Climáticas. ela é uma espécie de pro-grama geral para todas as convenções-quadro. No entanto, essas duas convenções não tiveram um programa de ação específico.

a agenda 21 é o texto mais concreto entre os textos citados, considerando que ele prevê com mais precisão as deficiências das instituições internacionais e nacionais e comporta um tom de de-nunciação mais importante. ela prevê os recursos e os prazos que devem ser atribuídos à solução ou à diminuição da maior parte dos problemas indicados. Prevê também os responsáveis de cada ação. Por tudo isso, é o texto mais concreto.

O capítulo 16, sobre as biotecnologias, é ilustrativo. ele tra-ça especificamente as atividades mais concretas que incubem aos estados e às empresas privadas para, em seguida, precisar de onde virão os recursos e quais somas serão necessárias para implementar as previsões normativas.

“16.5. mais especificamente, essas entidades devem”:a. aumentar a produtividade, a qualidade nutricional e a vida

útil dos produtos alimentares e forrageiros, com esforços que incluam trabalho em torno das perdas pré e pós--colheitas;

b. Continuar desenvolvendo a resistência a enfermidades e pragas;

16.8. O secretariado da Conferência estimou o custo total anual médio (1993-2000) da implementação das ativi-dades deste programa em cerca de 5 bilhões de dólares, inclusive cerca de 50 milhões de dólares a serem providos pela comunidade internacional em termos concessionais ou de doações. estas são estimativas apenas indicativas e aproximadas, não revistas pelos governos. Os custos reais e

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termos financeiros, inclusive os não-concessionais, depen-derão, inter alia, das estratégias e programas específicos que os governos decidam adotar para a implementação.”

II. a Conferência sobre população e desenvolvimento

a Declaração e o Programa de ação da Conferência do Cairo, de 1994, apresenta uma certa coerência com a agenda 21. Seu texto contém os princípios de ação, os objetivos e as medidas a serem tomadas. esta forma de redação é seguida pela maior parte dos programas de ação do direito internacional do meio ambiente, assim como durante a sua implementação local. existe uma metodologia de formulação jurídica própria ao direito internacional ambiental. ela comporta a previsão de vários prazos importantes em matéria de saúde, educação, planejamento fami-liar, mortalidade infantil e aumento da esperança de vida. ainda que os diferentes tratados internacionais se predisponham a resolver problemas diferentes, os seus programas de ação ter-minam sempre por tratar os mesmos aspectos: a saúde, a edu-cação, a habitação, a igualdade, em resumo, o desenvolvimento.

Contudo, o texto não tem precisão. Os verbos utilizados são muito genéricos, como “permitir, tomar as medidas deseja-das, convidados a adotar, encorajar, dar mais atenção”. Não existe também uma dotação específica de fundos para as ações a serem tomadas. É difícil de acreditar que tal texto tenha sido criado para funcionar, tão marcantes são os seus defeitos. De qualquer forma, o desenvolvimento é muito presente, tanto no discurso quanto no texto propriamente dito: a expressão “desenvolvimen-to” aparece 218 vezes no texto, e 79 ocorrências referem-se ao desenvolvimento sustentável propriamente dito; encontram-se ainda 71 citações de normas específicas para os países em desen-volvimento. a liberação do comércio e a ação da OmC são vistas como positivas e necessárias à promoção do desenvolvimento. Os artigos 3.5 e 4.26 do programa de ação são ilustrativos, com a utilização de verbos vagos, no futuro e no condicional,13 sem ne-nhuma previsão de recursos ou de responsáveis para a realização dos objetivos: 13 beUrIer, j.-P. le droit de la biodiversité. revue juridique de l’environnement,

1996 (1-2), p. 16-17.

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“4.26 Os governos deverão encorajar a participação dos homens e das mulheres, de forma igualitária, em relação a todos os aspectos do exercício de responsabilidades fami-liares e domésticas, sobretudo em relação ao planejamento familiar, à educação das crianças e às tarefas domésticas. eles deverão se fundamentar para tanto em meios de infor-mação, de educação e de comunicação e na legislação tra-balhista e instaurar condições econômicas favoráveis, por exemplo, dando aos homens e às mulheres a possibilidade de obter licença familiar para que eles estejam em melho-res condições para encontrar o justo equilíbrio entre as suas responsabilidades em casa e na sociedade (…).

6.26. No contexto da Década internacional das populações autóctones, a Organização das Nações Unidas deveria, com a cooperação plena e colaboração de populações autóc-tones e de suas organizações, dedicar-se a compreender melhor as populações autócotones e reunir dados sobre suas características demográficas, tanto sobre o presente, quanto sob uma perspectiva histórica, de modo a ter uma idéia mais clara de sua situação demográfica. É preciso se esforçar em particular para incluir as estatísticas em relação às populações autóctones nos sistemas nacionais de coleta de dados.”

III. a Conferência sobre o Desenvolvimento Social

a declaração e o programa de ação da Conferência de Cope-nhagem são menos imprecisos. eles seguem a mesma estrutura que aquela apresentada nas convenções anteriores. Os prazos são mais frequentemente especificados, em particular nos domínios da saúde (mortalidade infantil, mortalidade das mães, desnutrição grave, saúde primária e aids), da educação (alfabetização de mu-lheres) e da habitação, como também do desenvolvimento de uma estratégia adaptada à implementação do seu programa de ação. Na verdade, são estes mesmos prazos que são adotados e se repetem a cada conferência, como ilustra a declaração de Co-penhagem:

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“36. Os governos deveriam cumprir os compromissos as-sumidos de responder às necessidades fundamentais de todos, com a assistência da comunidade internacional, conforme o capítulo v do presente programa de ação e, em particular:

a) De hoje até o ano 2000, garantir o acesso universal à educação de baes e criar condições para que no mínimo 80% das crianças em idade de frequentar a escola pri-mária concluam o ensino primário; criar condições para que, de hoje até 2005, a taxa de escolaridade de meninas no primário e no secundário seja tão elevada quanto a dos meninos; universalizar o ensino primário em todos os países antes de 2015;

b) Criar condições para que, de hoje até o ano 2000, a es-perança de vida não seja inferior a 60 anos em nenhum país;

c) De hoje até o ano 2000, reduzir em um terço em relação aos níveis de 1990, a mortalidade infantil e a mortalida-de de crianças com até cinco anos, ou a trazer a 50% e 70% por 1000 nascimentos vivos, respectivamente, o objetivo a considerar é aquele correspondente à redu-ção mais importante; agir de modo a que, de hoje até 2015, a taxa de mortalidade infantil e de mortalidade de crianças com menos de 5 anos seja inferior a 35 e 45 por 1000 nascimentos vivos, respectivamente;”

ainda que o texto apresente uma série de expressões va-gas, verbos no futuro e no incondicional, o texto é mais preciso 14 a análise dos aspectos limitativos é interessante:

10.d) elaborar políticas que permitam aos países em desenvolvimento obterem proveito do crescimento com as possiblidades de trocas co-merciais no contexto da plena aplicação do acordo final de negocia-ções comerciais multilaterais do Uruguai; e ajudar os países que não são atualmente em nível de se beneficiar da liberalização da economia mundial, em particular aqueles da áfrica.

e) apoiar os esforços realizados pelos países em desenvolvimento, notoria-mente aqueles que são fortemente tributários das exportações de produ-tos de base, para diversificar suas economias.

11. Para acordar prioridade às necessidades da áfrica e dos países menos avançados no âmbito deste apoio aos países em desenvolvimento, é preci-so, no caso em questão, nos níveis nacional e internacional:

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do que o anterior. Os verbos e as expressões mais utilizadas são “permitir, respeitar, sensibilizar, encorajar, utilizar, coordenar, reforçar, é preciso, mobilizar, implementar, favorecer”. O texto começa a apresentar as atribuições específicas dos diversos atores

a) aplicar políticas e estratégias de desenvolvimento eficazes que criem um clima mais favorável ao desenvolvimento social, ao comércio e aos investimentos, dando prioridade à valoração dos recurso humanos e encorajando um desenvolvimento mais impulsionado das instituições democrátifcas;

b) Criar, nos países da áfrica e nos países menos avançados, um ambiente receptivo, que atraia os investimentos estrangeiros e interiores diretos, estimule a poupança, favoreça o retorno dos capitais febris e encoraje a plena participação do setor privado, incluindo as Organisações Não--governamentais, no processo de crescimento e desenvolvimento;

c) apoiar as reformas econômicas visando a melhorar o funcionamento dos mercados de produtos de base e os esforços de diversificação dos produ-tos de base por meio de mecanismos apropriados, de uma cooperação financeira e técnica bilateral e multilateral, incluindo a cooperação Sul--Sul, assim que pelo comércio e parcerias;

e, na Declaração sobre o Desenvolvimento Social “Compromisso 9... p) aplicar plenamente, de acordo com o cronograma

previsto, o acordo final das negociações comerciais multilaterais do Uru-guai, incluindo as disposições complementares especificadas no acordo de marraqueche, pela qual foi criada a Organização mundial do Comér-cio, considerando o fato de que o crescimento da renda, do emprego e das trocas comerciais, quando este crescimente é amplamente repartido, eles se reforçam mutuamente, considerando a necessidade de ajudar os países africanos e os países menos avançados a avaliar o impacto da apli-cação do acordo final a fim de que eles possam se beneficiar plenamente;

q) acompanhar os efeitos da liberalização das trocas comerciais sobre os progressos realizados pelos países em desenvolvimento quanto à satisfa-ção das necessidades essenciais de suas populações, dando uma atenção particular às novas iniciativas, visando a favorecer, de forma mais ampla, para esses países o acesso aos mercados internacionais;

r) Prestar atenção às necessidades dos países em transição em matéria de cooperação internacional, de ajuda financeira e de assistência técnica, insistindo sobre a necessidade de os integrar plenamente à economica mundial, de modo, em particular, a abrir mais amplamente às suas expor-tações o acesso aos mercados, conforme as regras comerciais multilate-rais, considerando as necessidades dos países em desenvolvimento;

s) apoiar os esforços de desenvolvimento da ONU por um aumento consi-derável dos recursos destinados a atividades operacionais sob uma base previsível, contínua e assegurada, à medida das necessidades crescentes dos países em desenvolvimento, como indicado na resolução 47/199, e refoçar a capacidade da ONU e das instituições especializadas a cumpri-rem suas responsabilidades, na implementação dos resultados da Cúpula mundial para o Desenvolvimento Social.

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internacionais, como: “confere aos países desenvolvidos...”. a ex-pressão “desenvolvimento sustentável” aparece 272 vezes, com 29 ocorrências referentes ao desenvolvimento sustentável e 53 vezes, evocando-se as regras específicas para os países em desen-volvimento.

“12. Para que o crescimento econômico e a interação de forças do mercado sejam orientados sobre para o desenvol-vimento social, é preciso: (...)i) Sustentar as atividades econômicas das populações au-

tóctones, melhorar sua situação e o seu desenvolvimen-to e garantir que elas entrem, sem riscos, em interação com o resto da economia;”

a liberalização do comércio é também considerada neces-sária para a promoção do desenvolvimento, mas existem ainda expressões no condicional, como “considerando a necessidade de ajudar os países africanos e os países menos avançados a avaliar o impacto da aplicação do acordo final a fim de que eles possam se beneficiar plenamente”.14

Iv. a Conferência sobre os estabelecimentos Humanos

a Conferência de Istambul produziu uma declaração e um programa de ação ainda menos impreciso que o programa an-terior. eles seguem uma mesma metodologia de apresentação e de estrutura. O texto é construído na primeira pessoa do plural e assume um tom de engajamento. ele contém um número maior de expressões precisas ou mandatórias, como: “Nós nos engajamos a... favorecer, finalizar, garantir” ou “é preciso que; é indispensável que, deve ser”, mesmo se o texto contém ainda em vários momentos parágrafos menos consistentes, construídos com expressões que enfraquecem seu conteúdo, como “desde que possível, conforme for conveniente”. O texto da Declaração sobre os estabelecimentos Humanos é um exemplo:

“42. Nós nos comprometemos a edificar neste mundo cada vez mais urbanizado estabelecimentos humanos susten-táveis, favorecendo o advento de sociedades que utilizarão

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os recursos de forma racional, considerando a capacidade limite dos ecossistemas e do princípio de precaução e onde todos, em particular aqueles que pertencem a grupos mais vulneráveis e desfavorecidos, se beneficiarão das mesmas chances de levar, com toda segurança, uma vida sã e produ-tiva que esteja em harmonia com a natureza e o patrimônio cultural e espiritual, e assegure o desenvolvimento eco-nômico e social e a proteção do ambiente, contribuindo assim a atender aos objetivos na cionais de um desenvolvi-mento sustentável”

ainda que se trate de uma convenção-quadro, o programa de ação propõe instrumentos concretos para implementar o de-senvolvimento, como o processo de discriminação de terras do estado e a sua destinação aos sem-terra, a formação de créditos comunitários e incitações à autoconstrução. No entanto, ele não prevê nenhum prazo importante para a realização dessas atividades. O termo “desenvolvimento” é uma constante em todo o texto, onde aparece 380 vezes, das quais 145 decorrem da expressão “desenvolvimento sustentável”. existem 45 regras específicas para os países em desenvolvimento.

v. a Conferência sobre as mulheres

a Conferência de beijing produziu o melhor texto entre to-dos os programas de ação citados, no tocante à precisão. embora esteja longe de representar um texto ideal e preciso, já apresenta um nível de precisão superior a todos os outros textos. O vocabu-lário é mais imponente: “Os estados deveriam adotar, formular, 15 Conta apenas com 13 signatários. 16 «O processo de mudança e de ajustamento rápidos em todos os setores teve

igualmente por efeito agravar o desemprego e o subemprego, em particu-lar sobre as mulheres. em muitos casos, os programas de ajuste estrutural não foram concebidos de modo a preducarem o menos possível os grupos vulneráveis e desavantajados ou as mulheres; eles não foram concebidos também para terem efeitos favoráveis sobre estes grupos, prevenindo sua marginalização sobre os planos econômico e social. O acordo final das negociações comerciais multilaterais do Uruguai ressaltava a interdepen-dência crescente das economias nacionais, assim que sua importância para a liberalização do comércio e o acesso dos mercaos dinâmicos e abertos…”

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fazer, elaborar, implementar, assegurar, eliminar, fornecer, legislar e aplicar; condenar, se abster, instituir, interdir”. Quan-do se utiliza “promover”, encontra-se muitas vezes “promover ativamente”. Há obrigações específicas para o banco mundial, o fmI e para os bancos regionais de desenvolvimento. Quando o programa de ação fala de dívida, ele propõe logo substituir a “dívida” por “programas de desenvolvimento”. ele faz a citação de textos internacionais que devem ser ratificados pelos países, como as Convenções 16915 e 100 da OIt, a Convenção relativa aos direitos da criança e a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação a respeito das mulheres.

encontram-se no texto, também, expressões específicas destinadas aos atores internacionais, ONgs, bancos públicos e pri-vados, organizações internacionais, mídias e partidos políticos. Os prazos de implementação são determinados, ao menos para uma parte das previsões, o que não é o caso dos outros programas de ação. O texto vê positivamente a abertura comercial e a expansão das trocas internacionais, mas é o único que critica a Organização mundial do Comércio sobre a sua visão sobre o desenvolvimen-to16. Os elos com o desenvolvimento são constantes, esta expres-são aparece mais de 200 vezes no texto:

“59. medidas que serão adotadas pelas instituições fi-nanceiras e de desenvolvimento multilaterais, incluídos o banco mundial, o fundo monetário Internacional e as instituições de desenvolvimentos regionais, e medidas que serão adotadas mediante a cooperação bilateral para o de-senvolvimento: a) De conformidade com os compromissos contraídos na

Conferência mundial sobre Desenvolvimento Social, tra-tar de mobilizar recursos financeiros novos e adicionais que sejam suficientes e previsíveis e fazê-lo de tal modo que maximize a disponibilidade desses recursos e apro-veite todas as fontes e mecanismos de financiamento disponíveis com vistas ao objetivo de erradicar a pobre-za e beneficiar as mulheres que vivem na pobreza;

b) fortalecer a capacidade de análise a fim de consolidar de forma mais sistemática numa perspectiva igualitá-ria as questões referentes às perspectivas de gênero e

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integrá-las no desenho e na execução de programas de concessão de empréstimos, incluídos os programas de ajuste estrutural e de recuperação econômica;

c) encontrar soluções eficazes, orientadas ao desenvol-vimento e duradouras para os problemas da dívida externa a fim de ajudar os países a financiar programas e projetos destinados ao desenvolvimento, incluindo a evidência da mulher, entre outras coisas, mediante o cumprimento imediato das condições das dívidas con-vertidas no Clube de Paris em dezembro de 1994, que compreendiam a redução da dívida, inclusive o cance-lamento e outras medidas de alívio de carga da dívida, e desenvolver técnicas de conversão da dívida aplicada a programas e projetos de desenvolvimento social, de conformidade com as prioridades da Plataforma de ação.

§ 2º evolução das normas ao longo do tempo

a evolução temporal é também interessante. Considera--se primeiro que o consenso sobre um ponto determinado, em uma convenção internacional, contribui para facilitar a obtenção de um consenso sobre este mesmo ponto, em uma convenção posterior e, em seguida, uma possível progressão em vias de um texto mais concreto. a primeira afirmação pode ser demonstrada com uma análise das discussões que precedem a redação dos artigos nas conferências internacionais. a segunda não é assim tão fácil.

Observa-se que a agenda 21 representou um avanço im-portante no discurso do desenvolvimento no direito interna-cional ambiental, mas ela foi seguida de um recuo na precisão dos textos, com a Declaração e o Programa de ação da Confe-rência do Cairo. a situação recomeça a evoluir gradualmente em Copenhaguem, e é muito menos imprecisa em beijing. em Istambul, constata-se novamente um certo recuo de pre-cisão, menos prazos são previstos, menos obrigações para os atores e menos previsões de fontes de recursos. a evolução das normas ao longo do tempo não segue, necessariamente, a evolução de precisão.

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a agenda 21 continua a ser o texto mais concreto, com capítulos específicos e um discurso mais direto. Os outros tex-tos são mais vacilantes, particularmente sobre certos aspectos como, por exemplo, a transferência de tecnologia, completamen-te ausente da Conferência de beijing, enquanto o Programa de ação e a Declaração sobre os estabelecimentos Humanos com-portam uma parte específica sobre o assunto e fixam, por exem-plo, as relações com as tecnologias ecologicamente racionais e a cooperação Sul-Sul. No que se refere à ajuda ao desenvolvi-mento, a Conferência de beijing retoma os conceitos do rio, mas adiciona novos aspectos, como a obrigação de destinar uma parte desta ajuda a programas sexoespecíficos. a evolu-ção dos textos é deveras errática.

§ 3º a evolução do discurso

O discurso jurídico internacional é baseado na utilização de categorias, ou de palavras-chaves, cuja significação é bem conhecida dos operadores do direito internacional. Percebe-se, pela análise das discussões, que os estados discutem os textos dos acordos internacionais palavra por palavra. esta disputa tem fundamento, na medida em que cada palavra tem um sentido específico para os operadores jurídicos, concretizado por anos de evolução e da implementação do direito internacional. este sentido escapa ao sentido comum da língua geral, para se tornar uma palavra-chave de um grupo de técnicos. a incor-poração de expressões-chaves nos textos das Convenções in-ternacionais e as normas derivadas demonstram também uma progressão do discurso jurídico. a análise da evolução lingüística é então, tão importante quanto as outras análises.

a utilização dos textos anteriores e a agregação de novos elementos é uma constante. a inclusão do princípio de precau-ção nas negociações da Habitat II foi baseada na sua existência anterior na Convenção da Diversidade biológica. Neste caso, os estados Unidos e a Noruega aceitaram o texto e exigiram ainda a referência ao meio ambiente e à avaliação do impacto social, o que o princípio do rio não continha. a redação final ficou a seguinte:

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“109. (...) Sobre isso, os governos deveriam aplicar ampla-mente, de acordo com suas possibilidades, o princípio de precaução fixado na Declaração do rio sobre o meio am-biente e Desenvolvimento e seria desejável que eles recor-ressem a estudos de impacto ambiental e a avaliações das consequên-ciais sociais”.

Não houve evolução importante da linguagem depois da agenda 21. ao contrário, os negociadores tentam apenas manter o discurso do rio. Nas suas proposições, é comum reencontrar su-gestões, como de adicionar o adjetivo à expressão “sustentável”, mas não se pode falar em um progresso importante.

Nenhuma norma faz referência aos princípios econômicos de não-reciprocidade ou de não-aplicação da causa da nação mais favorecida, quando se discute do comércio internacional, o que é uma constante no discurso do desenvolvimento dos anos 70 e 80, o que mostra mudanças de concepção. O comércio é vis-to como positivo, assim como os acordos da rodada Uruguai. Po-demos perceber que os textos mais críticos, como o de Copenha-guem ou de beijing, fazem mais restrições à expansão do comércio, condi-cionando-a aos aspectos ligados às condições econômicas dos países em desenvolvimento e dos menos avançados.

O quadro seguinte ajuda a ilustrar e a comparar os grandes textos internacionais dos anos 90, com relação à precisão e ao tempo:

17 a análise dos discursos é possível porque as informações disponibilizadas à comunidade internacional são cada vez mais completas. Nós utilizamos como metodologia o estudo dos discursos de certos diplomatas, as decla-rações (statements) de certos estados e os resumos feitos pelo earth Nego-ciations bulletin, que foi a principal fonte deste estudo. este jornal é editado pela ONg Institut International pour le Développement Durable e é em parte financiado pelo sistema onusiano e disponibilizado na Internet, para ser usado tanto pelas ONgs quanto pelas agências das Nações Unidas que tratam de cada tema. este estoque de informações no site oficial dá maior confiabilidade às informações e às opiniões coletadas. O jornal transmite ao vivo as negociações, deixa os discursos na sua íntegra, na Internet, e faz um resumo diário dos principais fatos, entre os quais os votos e oposições dos estados.

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Subseção III – a responsabilidade do Sul pela fraqueza do discurso

Os textos apresentados são textos de convenções-quadro. essas normas internacionais, na sua maioria, não foram implemen-tadas e não são controladas de forma efetiva pela comunidade internacional. a especificação de obrigações nã6o é feita, em ge-ral, e as conferências internacionais que lhes dão segmento não fazem seus resultados avançarem. Isso ocorre, em parte, devido à resistência dos países do Norte que relutam a se comprometer de modo concreto, e do fato de que os países do Sul não têm a capacidade diplomática que poderia lhes ajudar a concretizar o direito ao desenvolvimento sustentável, mesmo que tenham su-perioridade numérica.

essas conclusões decorrem da análise dos textos e das pro-posições feitas ao longo do que se chama de conferências “mais cinco”, a exemplo de rio+5, Istambul+5, Cairo+5 e Copenhaguem +5, no tocante à consideração das proposições e do posiciona-mento de cada país nas grandes conferências internacionais, para a produção de textos jurídicos. essas grandes convenções so-mente são aprovadas depois de longas discussões e também de longas disputas entre os estados. Na Conferência de Istambul+5, por exemplo, após cinco dias de negociações, as partes tinham apenas chegado a um acordo sobre somente sete parágrafos do texto. as discussões tratavam tanto do conteúdo técnico quanto dos aspectos políticos do desenvolvimento sustentável.17

Podemos perceber, além do mais, que a participação dos países do Norte nessas convenções é muito mais forte do que dos países do Sul. Destes, a China é o mais presente nas proposições e nos questionamento. analisamos os textos do boletim de Nego-ciações da terra, sobre oito grandes conferências internacionais

18 Selecionados pelo eNb nas Conferências de Istambul e Istambul+5, do Cairo e do Cairo+5, de beijing e beijing+5, de Copenhaguem e de Copenha-guem+5.

19 Consideramos a União européia, mas sem a participação isolada de cada país-membro. Os outros países foram escolhidos em razão da sua represen-tatividade nas negociações. Não separamos a posição do brasil, do méxico e da índia da participação do g77.

20 a metodologia de citação do eNb não é definida por seus editores. tenta-mos contactá-los, por meio de vários e-mails e mesmo por telefone, mas nenhuma resposta objetiva foi dada.

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e selecionamos as participações mais importantes,18 dos estados Unidos, União européia, brasil, índia, japão, méxico, argentina e China19. Se considerarmos as proposições desses países, os estados Unidos são a fonte de 22% das participações, a União européia, de 35%, a China e os países do g77, de 33%, o japão, de 10%, o brasil, de menos de 1%, a índia, de 2,5%, o méxico de 3,7%, e a argentina, de 2%. em outras palavras, as discussões são concentradas em um número restrito de atores internacionais, em particular a União européia, os estados Unidos e a China. Se considerarmos somente a participação do grupo de países de-senvolvidos, ela representa mais de 60% do total. Se incluírmos a China nesse grupo, chegamos a 97% das sugestões concretas ou das oposições. Isso significa que a maior parte dos países do Sul, mesmo se eles se encontram em um estágio de desenvolvimento mais importante, não têm participação efetiva e significativa nas negociações internacionais.20

a maior parte, se não quase a totalidade das sugestões em matéria de desenvolvimento, como as cláusulas econômicas dos acordos em favor dos países do Sul, de ajuda ao desenvolvi-mento, a fixação de uma percentagem mínima para essa ajuda, as transferências de tecnologia e o predomínio dos direitos do homem sobre as patentes, são resultados obtidos pelos países do Sul, suportados pela União européia em certos pontos, a saber, a percentagem, os prazos e os direitos humanos. Quando se trata do direito do desenvolvimento, os estados Unidos são aqueles que mais se opõem às normas concretas. a potência econômica dos estados Unidos e sua ameaça de utilizar seu poder de veto contribuem para lhes fazer participar ativamente na negociação e na escolha da definição do texto, que eles acabam, muitas vezes, por não ratificar.

a incapacidade do Sul de superar esses obstáculos tem relação direta com a composição das delegações diplomáticas desses países. São delegações pequenas com, em média, cinco participantes por conferência internacional. Considerando que muitas reuniões podem ocorrer no mesmo horário, eles não são 21 entrevista realizada em 24 de agosto de 2001. O diplomata pediu para guar-

dar o anonimato. 22 CHaSeK, P. earth negotiations. analysing thirty years of environmental di-

plomacy. New York: United Nations University, 2001, p. 43.

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suficientemente numerosos para poder participar de todas as atividades. além do mais, raramente existem especialistas nessas delegações. É, portanto, difícil para eles entenderem os interesses que estão em jogo em torno de cada assunto, sobretudo nos as-suntos extremamente técnicos, como a maior parte das negocia-ções internacionais. a falta de preparo dos diplomatas é também uma constante, como marca o testemunho de um diplomata brasileiro, chefe de delegação em várias reuniões:

“baseando em minha experiência pessoal em genebra, eu posso afirmar que, em muitas reuniões técnicas, eu era o único membro da delegação, para tratar de dez assuntos diferen-tes, e eu me encontrava, a cada vez, frente a dez americanos tratando de um tema de cada vez. eles tinham instruções detalhadas e eu, na maior parte das vezes, não tinha sequer instruções gerais. esta é a realidade, não se pode escondê-la. É preciso, no entanto, não ver nisso uma falta de interesse, mas uma verdadeira impossibilidade material, uma ausência de recursos que não permitem enviar pessoas diferentes em reuniões distantes...”21.

a realização de reuniões em diferentes lugares é uma prá-tica comum, mas também um modo de enfraquecimento. Con-siderando a falta de recursos a serem destinados a passagens e diárias de pessoal, os países do Sul são obrigados a utilizar o pessoal já instalado localmente para negociar, o que impede de participar da seqüência das reuniões, para estabelecer contatos com as pessoas-chaves e para a preparação de negociações entre os países com interesses comuns.22 Os países do Norte pagam, às vezes, as despesas de viagem de determinados países do Sul, sobretudo quando se tratam de questões em que ambos têm posições comuns e os países do Sul vão lhes ajudar a aprovar suas proposições.

a falha na criação de normas mais precisas vem também da desunião entre esses países, que não atuam como um conjunto. Seria preciso realizar negociações antes das conferências inter-nacionais, mas os países do Sul mais influentes, como brasil ou méxico, ou ainda os novos países industrializados, têm posições individuais, diferentes daquelas adotadas pelo conjunto dos paí-ses do Sul. eles preferem constantemente fazer acordos pontuais,

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bilaterais, com os estados Unidos, na maioria das vezes, ou com a Comunidade européia, conforme o assunto, o que é justamente o oposto da posição mais ideológica, dos anos 50, 60 e 70. essa postura individualista é adotada por esses países desde os anos 80 e, especialmente, 90. eles trabalham sobretudo com uma vi-são de desenvolvimento contrária à indiana ou chinesa, em troca de benefícios individuais, preferindo sacrificar possíveis acordos comuns, contratados com os outros países do Sul, frutos de uma ação em bloco.

* * *

Como conclusão, podemos dizer que o discurso do direito do desenvolvimento existe ainda. muito embora tenha diminu-ído de modo importante no direito internacional econômico, sobretudo no âmbito do sistema da OmC, ele desenvolveu-se no âmbito do direito internacional ambiental. O corpo de regras apresentado demonstra que esse direito possui uma certa organi-zação, uma lógica e uma evolução que lhe são próprias. É um con-junto de certo modo coerente, quanto a normas e princípios, que confecciona regras para codificar o tratamento especial e sem reciprocidade em favor dos países do Sul. esse discurso jurídico é alimentado pelos países do Sul, mas carece de instruções e apli-cações concretas, o que ocorre em função da oposição constante dos países do Norte, sobretudo dos estados Unidos, e também da incapacidade dos países do Sul de vencer essa oposição. mesmo que exista uma presença marcante no direito internacional dos últimos anos, sua eficácia está longe de ser proporcional à sua evolução. É a falta de eficácia do discurso jurídico que condena à não-existência de um direito do desenvolvimento.

Seção II – a ineficácia

existe uma distância entre a eficácia de regras ambientais e a eficácia de regras referentes ao desenvolvimento. ainda que ambas as regras façam parte dos mesmos acordos internacionais, as normas ambientais têm mais eficácia que as normas do direito 23 beUrIer, j.-P. le droit de la biodiversité. revue juridique de l’environnement,

1996 (1-2), p. 13.

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do desenvolvimento. Na verdade, identificam-se duas grandes diferenças: as normas ambientais ganharam, gradualmente, um aspecto coercitivo, resultado de uma evolução não-linear das normas do direito do desenvolvimento, e conheceram avanços e recuos importantes, conforme evoluíam as relações Norte-Sul na mesma época. mas, enquanto a eficácia das normas ambientais crescia constantemente de um acordo internacional a outro, a eficácia das normas de desenvolvimento continuou muito baixa, sem grandes progressos.

Subseção I – a ineficácia crescente do direito internacional do meio ambiente

O fortalecimento da cogência das normas ambientais é diretamente ligado à estruturação dos mecanismos de controle de aplicação destas normas. trata-se do fortalecimento dos ins-trumentos destinados a garantir seu compliance e enforcement, utilizando as expressões inglesas, que têm maior precisão de con-teúdo. Quando se fala de soft norm, nós sabemos, por definição, que esses mecanismos típicos do direito internacional ambien-tal não são sempre os mesmos utilizados nos acordos mais rígi-dos do direito internacional econômico, mas mesmo esse caráter soft do direito internacional do meio ambiente torna-se, contudo, cada vez mais rígido, no que se refere a normas para a proteção da natureza.23 a análise sobre os mecanismos de controle das nor-mas ambientais demonstra claramente essa evolução.

Os controles são realizados por diversos instrumentos. O primeiro instrumento utilizado é o controle por relatórios feitos sobretudo pelos estados ou por organizações internacionais, mas também por inspeções feitas por organizações internacionais e não-governamentais. O controle por relatórios evoluiu gradual-mente. Nos primeiros acordos internacionais dos anos 70, esse controle era não-uniforme e não havia nenhuma verificação da veracidade das informações fornecidas. as convenções de Paris de 1974, sobre a prevenção da poluição marinha a partir de fontes de

24 ver verHOeveN, j., SaNDS, P. , brUCe, m. (ed). antarctic environment and international law. london: Dordrecht, graham & trotman, 1992, 228p, espe-cialmente as páginas 54-56.

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poluição terrestre, têm mecanismos de controle mais eficazes que os instrumentos tradicionais, como a Convenção sobre a poluição atmosférica de grande distância, de 1979. essas modalidades evo-luíram com a incorporação de mecanismos de verificação (como a implemen tação da CIteS, nos anos 70, e, mais ainda, nos anos 80) e depois com os mecanismos da Convenção sobre as mudanças Climáticas com o Protocolo de Quioto, em 2000, em que os relató-rios dos diversos países contratantes têm que ser padronizados e controlados e podem ser comparados entre os diversos estados, o que até então não era possível. Constata-se, por conseguinte, uma evolução interessante das técnicas de controle.

O controle por inspeções, por sua vez, não evoluiu da mes-ma forma, exceto em assuntos militares e na antártica24, em razão da resistência dos estados em geral e pela questão da soberania, que tem, como sempre, uma força importante. esta realidade co-meça, contudo, a se transformar, como nós veremos nos capítulos seguintes, sobretudo em matéria nuclear.

O controle pelas organizações internacionais e pelas ONgs teve um progresso importante. Os estados aceitaram ser contro-lados pelas organizações internacionais. Nos anos 70, as organiza-ções internacionais não tinham meios de controle efetivos, consi-derando que os relatórios não eram uniformizados e não havia a quantidade de informação de que dispomos hoje e a facilidade de obtê-la.

Considerando que a credibilidade e a imagem dos estados são um elemento importante das relações internacionais, essas normas jurídicas, a priori não-obrigatórias, tornam-se cada vez mais parecidas com as normas rígidas do direito internacional público tradicional. ainda que elas não comportem as possibi-lidades de sanção, que vêm dos tribunais internacionais, como o pagamento de indenizações ou qualquer outra condenação, as normas que em um primeiro momento, eram soft tornam-se, gra-dualmente, obrigatórias.

25 ver bObbIO, N. a era dos direitos. São Paulo: Campus, 1992. 26 SaNDS, P. vers une transformation du droit international? Institutionnaliser

le doute. Paris: Pedone, 2000, p. 202 et ss.

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a progressão da eficácia das normas ambientais ocorre em parte devido ao aumento do caráter cogente, mas também do crescimento da importância política da proteção ambiental, com a difusão dos direitos de terceira geração, para adotar a classi-ficação de N. bobbio25, e a maior organização da sociedade civil, ou ainda a evolução tecnológica, que permite uma comunicação mais fácil para verificar a implementação das normas acordadas. em face da maior importância dada ao meio ambiente, os estados tornam-se mais atentos às repercussões que podem ter as acu-sações de outros atores internacionais sobre a sua imagem. Os direitos de terceira geração tornaram-se direito positivo, com a consolidação de um direito a um meio ambiente saudável em de-zenas de constituições nacionais em todo o mundo, a partir dos anos 70, e sobretudo dos anos 80, o que contribui também para a progressão da eficácia dessas normas.

a criação jurídica é acompanhada de instrumentos juris--dicionais, necessários a seu exercício. as ONgs participaram da evolução desse controle, graças à exigência, pela via juris dicional, da implementação dos tratados internacionais nos planos do-mésticos. muito embora o direito de acesso à justiça pelas ONgs não seja ainda consolidado em muitos países, a exemplo dos europeus, que, na sua maioria, não ratificaram a Convenção de aarhus, podemos encontrar instrumentos jurídicos importan-tes favoráveis ao acesso à justiça pelas ONgs em diversos paí-ses em desenvolvimento, tanto na própria europa quanto nas américas do Norte e do Sul (Canadá, estados Unidos, méxico e brasil), que garantem esse acesso.

O número de ONgs aumentou de modo considerável e a sua participação no controle dos acordos ambientais também. as redes de ONgs fornecem informações que contradizem os dados apresentados pelos estados no âmbito das organizações internacionais. Certas práticas mais recentes das organizações internacionais têm em conta esse conjunto de informações e os secretariados podem solicitar explicações aos estados. a evolução tecnológica contribui de modo importante para esse controle. De certo modo, foram criadas redes de ONgs, pela expansão da Inter-net, que ajudam bastante no controle dos tratados internacionais. assim, é possível obter e cruzar informações com as ONgs locais, em um plano global, para chegar ao controle efetivo dos acordos internacionais.26 em alguns temas, como as mudanças climáticas,

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o controle por satélite da poluição, feito pelas ONgs ou pelas instituições públicas dos estados, permite ao Secretariado da Convenção sobre as mudanças Climáticas melhor controlar os acordos internacionais.

enfim, é preciso destacar a expansão da consciência am-biental. Os programas de educação sobre o meio ambiente, assegurados seja por ação dos estados, seja pelas organizações não-estatais, já produzem efeitos. Identificam-se, no plano local, ações que contribuem para a eficácia das normas de proteção do meio ambiente. É difícil medir esse nível de consciência, mas é fácil senti-lo, com a progressão do nível de aceitação das medidas de conservação da natureza e a valorização das políticas nesse sentido. embora estejamos ainda muito longe da eficácia plena das normas internacionais de proteção ambiental, a progressão dessa eficácia a partir dos anos 70 é impressionante.

* * *

a eficácia das normas ambientais cresce sensivelmente em todas as esferas possíveis, com os instrumentos de implemen-tação e de controle e a importância atribuída ao assunto pelo público e pelos estados. No entanto, em se tratando de direito do desenvolvimento, a evolução é menos clara.

Subseção II – a ineficácia do direito internacional do desenvolvi-mento

Olhemos agora as disposições sobre o desenvolvimento no âmbito do direito internacional ambiental. Será que é possível encontrar os mesmos resultados com as regras sobre o desenvol-vimento que estão presentes nos mesmos acordos internacionais? Os instrumentos criados para a promoção do desenvolvimento não foram dotados de recursos destinados a torná-los eficazes. as regras são constituídas por normas que criam condições mais favoráveis para os países em desenvolvimento. as normas mais freqüentes, vale repetir, tratam da transferência de tecnologia, da ajuda pública ao desenvolvimento, da ajuda técnica para a imple-mentação dos acordos e obrigações mais favoráveis aos países em

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desenvolvimento.tratando-se da transferência de tecnologia, salvo poucas

exceções, como o clearing house mechanism, implementado sobretudo a partir da Convenção sobre a Diversidade biológica, não existem métodos de participação que permitam avaliar essa transferência. as regras referentes a compliance e enforcement são inexistentes. Sequer é possível fazer uma análise dos textos, porque em todos os textos apresentados os instrumentos de sanções ou de controle dos instrumentos de promoção do desen-volvimento não existem, salvo a notória exceção do Protocolo de Quioto, no âmbito da Convenção sobre as mudanças Climáticas, que isenta os países do Sul do sistema de quotas. entretanto, esse sistema de aplicação do princípio da não-reciprocidade não re-percute na promoção do desenvolvimento sustentável dos países do Sul, considerando que ele não introduz obrigações positivas, como aplicar tecnologias menos poluentes, ao contrário, limita-se a isentar os países do Sul de todas as obrigações do acordo. além do mais, é por causa dessa isenção que o regime está sendo com-prometido pela não-participação dos estados Unidos.

Os textos são sempre muito genéricos e se interessam ape-nas pela maneira pela qual pode ser feita a transferência, em vez de identificar exatamente de onde virão os recursos e o modo como um controle será efetuado. muito embora constatemos a continuidade das disposições legais, tratado após tratado, a literatura não apresenta casos importantes de transferência de tecnologia em larga escala, em razão dessas normas internacio-nais. Um exemplo contrário a essa afirmação é justamente dado pelo clearing house mechanism, que é uma espécie de fórum, eletrônico ou real, de trocas de conhecimentos e de tecnologias. todavia, ele ainda é tímido, em vista das necessidades, e não constitui um instrumento compensador que possa reduzir as de-sigualdades de capacidade entre os países do Norte e os do Sul,

27 ver as Conferências sobre as mulheres e Habitat II. 28 Quando se fala de progressão, apenas se designam as mudanças do dis-

curso ao longo do tempo, o que não quer dizer que haja uma evolução do discurso, indo sempre para melhor ou para pior, em relação ao discurso an-terior. esta percentagem, por exemplo, já foi fixada em 1% nos anos 60 e 70 e, hoje, está em 0,7%.

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quando se trata de assuntos importantes, como novas tecnolo-gias biológicas. Para isso, seria preciso uma ampla transferência de tecnologia patenteada, o que este mecanismo, controlado pelo Secretariado da Convenção da Diversidade biológica, não prevê. entretanto, a ausência de transferência de tecnologia não tem valor negativo perante a comunidade internacional. Não se pode fazer uma crítica a um país que não transferiu tecnologia, embora se possa denunciá-lo por ter destruído o meio ambiente. ainda que os dois artigos façam parte da mesma norma inter-nacional, qualquer acusação de descumprimento de um artigo sobre a não-cooperação para o desenvolvimento seria ineficaz, em virtude da não-importância política dada ao assunto pela co-munidade internacional.

a ajuda pública teve o mesmo destino. também não exis-tem normas específicas para a implementação das disposições sobre o tema. Na prática, essa ajuda ao desenvolvimento está baixando constantemente, há muitos anos. ainda que se fixe uma percentagem de 0.7% do PIb e mesmo que se chegue a determi-nar em que área esses recursos serão aplicados,27 como podemos perceber pela evolução do discurso sobre o desenvolvimento,28 apenas dois ou três países, todos nórdicos, respeitam essa percen-tagem. Não existem instrumentos de verificação ou de controle dessa ajuda. as organizações internacionais não têm nenhum controle e não somente este controle não faz parte das suas atri-buições institucionais, como sequer existe um método unifor-me para calcular essa ajuda, contrariamente ao que vemos nas normas de proteção da natureza.

29 É interessante ver que a doutrina estabelece, em geral, uma divisão entre os princípios sobre a proteção da natureza e o desenvolvimento, separando os dois temas, demonstra a divisão no âmbito do Direito, a priori, indivisível. ver: SaNDS, P. “International law in field of sustainable development.” british Year book of International law, 1994, p. 338.

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to, nos acordos multilaterais sobre meio ambiente, no âmbito da Organização das Nações Unidas, não tiveram efeitos práticos. essas disposições são sempre genéricas; afirma-se que as necessi-dades dos países em desenvolvimento ou dos menos avançados serão consideradas, mas, na prática, os países em desenvolvi-mento são submetidos às mesmas obrigações ambientais que os outros e ainda são alvos das mesmas acusações de violação dos tratados internacionais que qualquer outro país, desenvolvido ou não. Identificamos algumas exceções, como a Convenção sobre as mudanças Climáticas, mais especificamente, e o Protocolo de Quioto, em que os países do Sul foram excluídos da diminuição das emissões de carbono, mas isso é uma exceção, e os estados Unidos retiraram-se da Convenção por causa desse privilégio.29

assim, podemos apenas constatar uma estagnação do ní-vel de implementação dos instrumentos concretos, permitindo assegurar a eficácia das normas do direito do desenvolvimento nos acordos multilaterais ambientais. a eficácia desses tratados regride no que se refere à ajuda pública ao desenvolvimento. a eficácia das normas especiais para os países em desenvolvimen-to é nula ou quase inexistente. Se assistimos a uma evolução do discurso jurídico no âmbito das Nações Unidas, a evolução da efi-cácia desse discurso é nula, o que coloca em questão até mesmo a existência de um direito do desenvolvimento.

mas no âmbito das relações Norte-Sul e do direito interna-cional do meio ambiente, as Nações Unidas são um fórum privi-legiado de um outro debate que se torna mais rígido: a possibili-dade de um direito de ingerência em relação ao desenvolvimento sustentável. essa possibilidade insere um novo e importante ele-mento das relações de forças, no âmbito das Nações Unidas, que opõe o Norte ao Sul em torno do desenvolvimento sustentável.

Conclusão do CaPítUlO

as obrigações mais favoráveis aos países em desenvolvimen-

1 a incoerência do direito internacional moderno favorece a co-existência de normas opostas, cuja definição das normas e princípios válidos é atribuída a

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CaPítUlO III

DireitO De ingerênCia eCOlógiCa e DesenvOlvimentO sustentável

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas contribui com um novo conceito de ingerência, que vai muito além das previsões clássicas de ingerência dos anos 80. felizmen-te, o meio ambiente não figura ainda entre os diferentes assuntos susceptíveis de serem ligados a uma intervenção, mas ele pode logo tornar-se uma razão suficiente, e isto seria o início de uma nova relação Norte-Sul, em se tratando de desenvolvimento sus-tentável; a cooperação entre os países tornar-se-ia mais do que um ou vários órgãos específicos, no caso concreto, o Conselho de Segurança

das Nações Unidas. assim, a proteção dos direitos humanos pode ser oposta ao princípio da não-intervenção. ver KraSNer, S. D. Organized hypocrisy. Princeton. Princeton University, 1999, p. 18.

2 CHeStermaN, S. just war or just peace? Humanitarian intervention and international law, 346. th: Doctor of Philosophy: University of Oxford, mag-dalen College. faculty of law: Oxford: 2000, p. 153.

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necessária, e a responsabilidade ambiental, obrigatória. O direito de intervenção, superior às considerações de soberania, tem o poder de estabelecer novos parâmetros para as relações Norte--Sul em torno da proteção do meio ambiente.

assim, a construção política e jurídica da ingerência é recen-te e evolui de forma rápida. O número de ingerências foi multipli-cado, assim como as suas razões. O meio ambiente aparece como mais um tema suficiente para justificar a ingerência, provocando a alteração dos parâmetros de negociações entre os países do Norte e do Sul. além disso, este contexto é marcado pela incapa-cidade dos países do Sul de participarem desta nova construção jurídica.

Seção I – a construção jurídica e política do Direito de Ingerência

O conceito de direito de intervenção viola o conceito de soberania, que é a base da concepção de uma comunidade in-ternacional e do direito internacional público.1 Contudo, ele foi amplamente desenvolvido e utilizado pelas Nações Unidas desde 3 rOSeNaU, j. N. along the domestic-foreign frontier: exploring governance

in a turbulent world. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. 4 CHeStermaN. just war or just peace? Humanitarian intervention and inter-

national law, th: op. cit., p. 154. 5 resolução do Conselho de Segurança 661 (1190), sobre a invasão do Kuweit. 6 resolução do Conselho de Segurança 713 (1991) e 757 (1992), sobre o con-

flito interno. 7 resolução do Conselho de Segurança 773 (1992), sobre o conflito interno. 8 resolução do Conselho de Segurança 748 (1992) e 883 (1993), sobre o pedi-

do feito à líbia de renunciar ao apoio ao terrorismo. 9 resolução do Conselho de Segurança 788 (1992), sobre a violação do cessar

fogo. 10 resolução do Conselho de Segurança 841 (1993), em resposta ao fluxo de

refugiados do Haiti e da não restauração do governo legítimo. 11 resolução do Conselho de Segurança 918 (1994), em razão da violência

interna. 12 resoluções do Conselho de Segurança 1054 (1996) e 1070 (1996), em razão

do atentado contra o Presidente H. mubarak, no egito. 13 resoluções do Conselho de Segurança 1132 (1997) e 1171. 14 resoluções do Conselho de Segurança 1160 (1998), por causa do conflito no

Kosovo. 15 resolução do Conselho de Segurança 1267 (1999), por causa da não-extra-

dição de Ousama ben laden.

DIreItO De INgerêNCIa eCOlógICa e DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável

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o início dos anos 90. Os estados Unidos, enquanto maior potência militar do planeta, são os principais atores de ingerências.

O movimento começa com o fim da bipolaridade america-no-so viética, logo depois da aparição de um contexto em que não existe mais que uma superpotência militar no mundo. embora a doutrina do “direito de ingerência da comunidade internacional” existisse já antes da queda do império soviético, antigamente “as aparentes possibilidades de ingerência legítima” eram sobretudo restritas aos países de cada bloco ideológico, e não era realmente necessário justificar a intromissão dos países centrais, estados Unidos e União Soviética, nos assuntos domésticos dos estados. assim, os estados Unidos, durante os 40 anos que se seguiram de-pois da Segunda guerra mundial, nunca tiveram realmente que justificar a necessidade da política do big stick na américa latina, assim como a União Soviética não tinha que prestar contas do seu controle sobre as repúblicas “adquiridas” pela revolução bolchevi-que, nem da sua ingerência constante na políticas dos países do leste europeu.

Depois de 1989, as atividades do Conselho de Segurança fo-ram muito intensificadas. De 1946 até 1989, o Conselho de Segu-rança reuniu-se 2903 vezes e adotou 646 resoluções, ou seja, uma média de 15 resoluções por ano. Nos anos 90, teve 1.183 reuniões e adotou 638 resoluções, isto é, uma média de 64 por ano! Nos anos 90, o capítulo vII da Carta das Nações Unidas, que dispõe sobre as condições para uma intervenção, foi a base jurídica de uma média de 24 resoluções por ano, sendo o equivalente de sua utilização durante o conjunto dos 44 anos anteriores.2

Se estudarmos o número de intervenções realizadas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, no-tamos 13 intervenções suplementares entre os anos 1946 e 1988 (42 anos) contra 40 entre 1989 e 2000 (11 anos). enquanto as Nações Unidas tinham movimentado 10.000 homens em 50 paí-ses, em cinco operações, em 1987, elas tinham, em 1994, 72.000 homens em 74 países, em 180 operações diferentes.3

as principais intervenções4 dos anos 90 referem-se aos estados seguintes: Iraque (1990-),5 estados sucessores da ex-Iu- 16 CHarvIN, r. la doctrine américaine de la “souveraineté limitée”. belgian re-

view of International law, 1987, XX(I), p. 9.

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goslávia (1991-1996),6 Somália (1992-),7 líbia (1992-1999),8 libéria (1992-),9 Haiti (1993-1994),10 ruanda (1994-1996),11 Sudão (1996-),12 Serra leoa (1997-1998),13 Iugoslávia (1998-)14 e afeganistão (1993-).15

Nessa evolução, é fácil notar a importância do papel dos estados Unidos. as justificativas para realizar a intervenção foram fundamentadas nas posições americanas, como os argumentos de outras potências mundiais, a exemplo da frança, que invocou os direitos do homem. antes, falava-se de um direito de interven-ção somente nos casos em que a paz estava ameaçada, e se tra-tava sobretudo da legítima defesa e da legítima defesa coletiva, previstas pela Carta das Nações Unidas. gradualmente, o conceito ampliou-se, atingindo outros domínios baseados no direito de assistência humanitária, com uma infinidade de possibilidades, como assistência em casos de catástrofes naturais, catástrofes po-líticas, construção da democracia, luta contra o terrorismo, chegan-do hoje a novos conceitos, como o meio ambiente ser considerado um direito do homem ou, ainda, como um valor em si mesmo, o que interessa especialmente a este trabalho. ainda que este período tenha sido marcado pela hegemonia dos estados Unidos (o que vamos estudar em primeiro lugar), ele é caracterizado por uma extensão dos assuntos susceptíveis de darem origem ao exer-cício do direito de ingerência, o que será estudado por último.

Subseção I – O papel dos estados Unidos

a análise das posições norte-americanas é importante, por muitas razões: os estados Unidos são a maior potência militar do planeta; são também o maior promotor de iniciativas de ingerên-cia, e fornecem, portanto, a maior parte dos homens, equipamen-tos e recursos financeiros e orçamentários, sem os quais seria im-possível chegar tão longe com estas atividades. essas iniciativas fundamentam-se em muitas justificativas diferentes, mas, para o que nos interessa, os estados Unidos são os principais criadores de bases jurídicas sobre as quais será edificada a legitimidade do 17 CHarvIN. “la doctrine américaine de la “souveraineté limitée” op. cit., p. 10. 18 j. et C. julien. l’amérique en révolution, et par O. guerrant, modern ameri-

can Diplomacy, p. 1 apud CHarvIN. “la doctrine américaine de la “souverai-neté limitée”, op. cit., p. 11.

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direito de ingerência. a análise das justificativas políticas, morais e jurídicas dos estados Unidos, em relação ao direito de ingerência, e a relação entre este direito com a comunidade internacional, são, portanto, importantes. esta análise será dividida em quatro períodos: antes de 1917, entre as duas guerras mundiais, depois da Segunda guerra mundial e depois da queda do império sovi-ético.

antes de 1917. a ingerência dos estados Unidos é freqüen--temente ligada ao processo histórico da sua formação como na-ção. O expansionismo norte-americano é uma característica que acompanha o nascimento dos estados Unidos enquanto país. ele apresenta, de fato, uma visão missionária: salvar o mundo do mal. essa predestinação é encontrada tanto nos textos jurídicos quan-to em muitos instrumentos de divulgação cultural, há séculos. “a realidade política, reduzida freqüentemente ao banal recurso da força, é justificada por um discurso de tendência universalista. Neste contexto, os estados Unidos se apresentam como uma po-tência redemptora.”16 É a razão, segundo r. Chavin, da política americana sempre ter seguido uma linha intervencionista, mes-mo adotando diferentes justificativas jurídicas e diferentes dis-cursos diplomáticos ao longo dos dois últimos séculos. assim, já em 1898, o presidente mc Kinley justificava, depois da conquista das filipinas, contra a espanha, a ação americana como uma ação missionária:

“Nós temos que reconhecer, que sem desejo e sem cálculo da nossa parte, a guerra nos trouxe novos deveres e novas responsabilidades, que somos obrigados a assumir e a pre-encher, assim como incumbe a uma grande nação ao pro-gresso e aos destinos da qual o mestre das Nações (Deus) manifestamente confiou desde o início as imperiosas obri-gações da civilização [e no que concerne os filipinos] “resta à lhes educar, lhes criar, lhes civilizar, lhes cristianizar, e com a ajuda de Deus, de lhes fazer todo o bem que nós puder-mos, como a irmãos, pelos quais o Cristo também morreu”17

19 CHarvIN. “la doctrine américaine de la “souveraineté limitée”, op. cit., p. 11. 20 baDIe, b. Un monde sans souveraineté. les etats entre ruse et responsabilité.

Paris: fayard, 1999, p. 72. 21 arON, r. Paix et guerre entre les nations. Paris: Calmann-lévy, 1962, p. 141.

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No discurso de 1898, o senador beveridge comenta a visão dos estados Unidos, país predestinado, a uma visão já marcada pela cultura liberal:

“Deus não preparou durante um milênio os povos de língua inglesa para uma vã contemplação de si mesmos. eles nos fez aptos a governar, a fim de que nós pudéssemos dirigir os povos bárbaros e senis. e, entre todas as raças, ele esco-lheu o povo americano para conduzir finalmente o mundo a sua regeneração... O Destino nos dita nossa política, o comércio mundial deve ser nosso e ele será;... nossas institui-ções seguirão nossa bandeira, levadas pelas asas do nosso comércio. e o direito americano será implantado sobre as fronteiras até então sanguinárias e obscuras que, por estes agentes de Deus, serão tornadas belas e claras.”18

Nessa época, as intervenções são múltiplas, a exemplo do Panamá, que foi a origem de um acordo de concessão perpétua do canal; Samoa, Hawai, as ilhas Sanduíche, Porto rico, guam, Cuba, São Domingos, Nicarágua, Haiti, entre outras. Depois, as-sistimos à substituição da política de agressão armada por uma política de criação de elos econômicos mais estreitos.19

entre as duas guerras mundiais. em relação às outras potên-cias mundiais da época, no caso dos países europeus, os estados Unidos pareciam adotar uma política isolacionista. O argumento isolacionista era um modo de escapar das obrigações da Socie-dade das Nações e de progredir com a aplicação da política da doutrina monroe, a saber, o controle econômico dos países da américa latina. a contradição entre o discurso e a prática foi enorme. enquanto o presidente Wilson denunciava os perigos de uma política baseada apenas em interesses materiais, não houve ruptura com a política hegemônica de theodore roosevelt. ele continuou a intervenção na Nicarágua, construindo uma base na-val, engajou uma operação no Haiti, ocupou vera Cruz, no méxico, e provocou a queda de Huerta, entre outras.20 22 CHarvIN. “la doctrine américaine de la “souveraineté limitée”, op. cit., p. 11. 23 CHarvIN. “la doctrine américaine de la “souveraineté limitée”, op. cit., p. 12. 24 CHarvIN. “la doctrine américaine de la “souveraineté limitée”, op. cit., p. 13. 25 zOrgbIbe, C. “De l’intervention a Saint-Domingue.” Politique etrangère,

1966, 31(3), p. 295. 26 zOrgbIbe. “De l’intervention a Saint-Domingue.”, op. cit., p. 296.

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Segundo r. aron, até a Segunda guerra mundial, os estados Unidos tinham uma diplomacia hostil à “imoralidade tradicional e prudente”. eles teriam guardado a lembrança das duas grandes guerras pelas quais tinham passado: a guerra contra os índios e a guerra contra a secessão. essas guerras não tinham sido condu-zidas contra um outro país, mas contra povos. Contrariamente à visão européia, a guerra não era uma necessidade ingrata, nem uma passagem normal na vida dos estados, mas uma luta localizada, contra um inimigo, imagem do mal, culpado, que merecia uma punição e que devia ser corrigido para que a paz pudesse reinar.21

É sempre nessa ótica que as intervenções foram justificadas.

Depois da Segunda guerra mundial. a partir dos anos 50, esse intervencionismo é justificado pelo combate contra o avan-ço do comunismo soviético. Os estados Unidos reconhecem sua posição de potência mundial e expõem, já em 1946, o seu desejo de se tornarem líderes mundiais. O discurso do presidente tru-man, de 6 de abril de 1946, é claro: “Os estados Unidos são hoje uma nação forte. Não existe outra mais forte, o que significa, que com tal força, nós temos o direito de tomar a direção da organiza-ção do mundo”.22

Os presidentes seguintes, eisenhower, Nixon e Carter, têm a mesma visão missionária. a doutrina de eisenhower é formulada durante a intervenção do líbano, em 1958, inserida no combate contra o comunismo. a doutrina Nixon, mais universalista, evoca uma responsabilidade dos estados Unidos de dever assegurar o bem do mundo: “a américa preside a solução dos grandes pro-blemas”. Certos autores23 ressaltam a fortificação dos “elos” entre os muitos continentes para manter os controles regionais, em um contexto em que a soberania é desconsiderada. É a época das intervenções na américa latina, com vários golpes militares, no brasil, na argentina, no Chile, entre outros, realizados com o suporte norte-americano. a doutrina Carter segue também uma visão imperialista, considerando o golfo pérsico como uma “zona estratégica prioritária”, com a criação de forças de intervenção rá-pida em muitas regiões do mundo, sempre dentro de uma visão reducionista, seguindo a ótica da luta missionária contra o mal, 27 zOrgbIbe. “De l’intervention a Saint-Domingue.”, op. cit., p. 300. 28 zOrgbIbe. “De l’intervention a Saint-Domingue.”, op. cit., p. 303.

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sem nenhum respeito à soberania dos estados onde essas inter-venções ocorreram.24

Durante a guerra fria, as justificativas do direito de ingerên-cia se fundamentavam, de um lado, a uma luta contra o comunis-mo, e, de outro, à ajuda humanitária, quando a primeira não era aceitável. a justificativa da intervenção por razões humanitárias é presente na invasão da Ilha de São Domingos, em 1965. Neste epi-sódio, o presidente theodore roosevelt declarava: “É com a maior repugnância que eu me vejo obrigado a dar o primeiro passo para intervir nesta ilha.”.25 Nesta data, os estados Unidos entraram em São Domingos pela segunda vez, mas se justificaram pela neces-sidade de assegurar a vida dos americanos e outros estrangeiros que lá viviam, colocados em perigo pela instabilidade política. Nos anos 80, com reagan, os estados Unidos apresentaram-se de novo como um salvador agindo em nome de Deus.26

as justificativas jurídicas de ofensa à soberania são varia-das e dependem da intervenção; esta pode ser feita a pedido de um governo do país, para a manutenção da paz internacional, ou mesmo a título humanitário, para assegurar a integridade física dos habitantes americanos nestes lugares, como de outras nacionalidades. a intervenção em São Domingos, realizada, na realidade, por razões políticas de controle regional, é particular-mente um exemplo da mudança de justificativas: São Domingos era politicamente importante porque os estados Unidos não podiam assegurar o controle político deste país, em virtude da ascensão ao poder de fidel Castro, em Cuba. De fato, dois grupos disputavam o poder, e o efetivo militar desses dois grupos juntos era de 25.000 homens. Segundo o governo americano, 8.000 estrangeiros queriam sair da ilha, uma parte, norte-americanos, e eles estavam em perigo. Para assegurar a saída e a segurança dessas pessoas, 30.000 homens foram enviados.27 Uma vez que os

29 Caso sobre as atividades militares e paramilitares na Nicarágua e contra este (Nicarágua c. estados Unidos da américa). Decisão de 27 de junho de 1986.

30 mOreaU DefargeS, P. Un monde d’ingérences. Paris: Presses de Sciences Po, 1997, p. 81.

31 baDIe. Un monde sans souveraineté. les etats entre ruse et responsabilité, op. cit., p. 72.

32 P. melandri, la politique extérieure des etats-Unis, PUf, 1982, p. 39, apud CHarvIN. “la doctrine américaine de la “souveraineté limitée”, p. 12.

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estrangeiros foram evacuados, os estados Unidos afirmaram que o governo dominicano havia feito um pedido expresso de ajuda, para resolver os seus conflitos internos. em seguida, uma nova justificativa foi apresentada: a manutenção da paz. a intervenção não era feita em nome do governo norte-americano, mas de toda a Organização dos estados americanos (Oea), em que os estados Unidos tinham o controle absoluto nos anos 60. a operação era formalmente comandada por um general brasileiro,28 logo depois do golpe de estado realizado no brasil, em 1964, pelos militares, com forte apoio norte-americano. era, então, uma operação con-duzida pelos estados Unidos, sob a bandeira de uma organização internacional, a Oea, para legitimar a operação. É preciso dizer que nenhum estado democrático membro da Oea, o méxico, o Chile, o Uruguai, a venezuela e o Peru, participou da operação.

Outras intervenções foram apreciadas pela Corte Interna-

33 O texto original: O medo do pós-vietnam, medo de se engajar onde quer que seja e de qualquer modo que seja em um conflito militar termina na vontade americana em relação aos valores universais de liberdade e de autodeterminação, que, por sua vez, estão em contradição com a Carta da ONU e seu tratamento sobre a não-ingerência nos assuntos internos de um país”. KIrKPatrICK, j. j. les combattants de la liberté. géopolitique, 1986, p. 9, 11-13.

34 reISmaN, W. m. “Sovereignty and human rights in contemporary internatio-nal law.” american journal of International law, 1990, 84(4), p. 864-868.

35 Certos autores consideram (ver Charvin, op. cit) que a doutrina americana da soberania é análoga à doutrina soviética da soberania limitada. Confor-me Charvin, esta doutrina americana teria tido seu apogeu na administração reagan. Parece, contudo, que desde o fim da bipolaridade americano-sovi-ética, esta tendência conheceu uma expansão importante e se desenvolveu bastante. No nosso ponto de vista, a comparação parece pouco apropriada, porque os estados Unidos agem em nome da defesa de valores morais no-bres e, não em nome da expansão do sistema ideológico (ver KIrKPatrICK. les combattants de la liberté, op. cit., p. 13). esta visão farisiana baseia seu sucesso na legitimidade das ações de intervenção americanas, cujo intere-se manifesto é obter o controle político e econômico das regiões afetadas que pouco têm a ver com os interesses democráticos de autodeterminação (uma prova são os ditadores apoiados pelos estados Unidos no mundo e sobretudo na américa latina) ou com os direitos humanos (basta se re-portar aos métodos de guerra utilizados no vietnã). Certas acusações vêm contribuir para demonstrar que o argumento invocado para a defesa dos direitos humanos, como o apresentado contra a frança porque ela conti-nuava a fornecer armas a rwanda durante o genocídio de 1994, enquanto que a intervenção humanitária era organizada (ver SPIrY, e. “Interventions humanitaires et interventions d’humanité: la pratique française face au droit international.” revue générale de Droit International Public, 1998, 102(2), p.

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cional de justiça, como a ingerência humanitária na Nicarágua. a Corte reconheceu que essa ingerência atentava contra os direitos soberanos da Nicarágua. Nessa época, o humanitário compre-endia somente a assistência médica, como propunha a Cruz vermelha, explicitamente citada na decisão da CIj, mas a Corte recusou expressamente esta mesma qualificação às ações norte--americanas, responsáveis pelo implante de minas no território nicaragüense, e precisou: “em se tratando mais particularmente das violações dos direitos humanos invocados pelos estados Unidos, a Corte considera que o emprego da força pelos estados não seria o método apropriado para assegurar o respeito destes direitos, o que é normalmente previsto nos instrumentos interna-cionais aplicáveis neste domínio”.29

a utilização do conceito de soberania do povo é também freqüente. em muitas ocasiões, os estados Unidos justificam a sua política intervencionista pela ação em favor de um povo oprimido pelo seu governo. eles agiriam em nome destes povos contra um governo opressor para restabelecer a democracia, “contra sistemas ideológicos hostis”.30 esta visão pura é apresen-tada desde o início do século e subsiste até os dias de hoje. este princípio jurídico, legitimando um forte poder mobilizador, pelo qual milhares de homens estão prontos a morrer e a dar a morte, é utilizado de forma antagônica segundo os interesses políticos e econômicos da época, o que banaliza a ingerência, superpondo as soberanias.31 O Presidente ford teria dito, em um conferência da imprensa, em setembro de 1974: “eu nunca tive a intenção de fazer um julgamento quanto à questão de saber se uma tal ação é tolerada ou autorizada pelas leis internacionais. É um fato reco-nhecido pela história, como ainda na nossa época, que tais ações são conduzidas para o melhor interesse dos países envolvidos”.32

juridicamente, ao menos, a doutrina da soberania absoluta deve ser reconsiderada ao olhos da proteção de bens superiores

433).

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que são, em um primeiro momento, sobretudo a liberdade e o di-reito da autodeterminação dos povos. j. Kirkpatrick, antiga repre-sentante dos estados Unidos nas Nações Unidas, justifica as ope-rações realizadas pelo direito soberano do povo e pelos interesses norte-americanos que queriam evitar a progressão comunista. De acordo com j. Kirkpatrick, estas ações de ingerência estariam de acordo com a constituição americana, que defende os valores universais de liberdade e de autodeterminação. Os dispositivos da Carta das Nações Unidas que limitam o direito de ingerência para preservar o respeito da soberania estariam, portanto, em contradição com esses valores e deveriam ser interpretados de forma mais restritiva.33 assim, para contornar o obstáculo do res-peito à soberania, a doutrina americana apóia-se na legitimidade do governo.34 esta “depende do consentimento dos governados e do respeito aos direitos fundamentais inalienáveis”. O direito de pegar em armas contra o governo deve ser respeitado e, se o governo pode pedir uma ajuda exterior, o povo também pode.35

Desde a queda do império soviético e a partir do fim do co-munismo, o número de intervenções se multiplicou. a cada ano, as Nações Unidas fazem mais intervenções que durante toda a sua existência anterior. Para os estados Unidos –, o inimigo comu-nista não existe mais, é a ausência deste inimigo que multiplica a ingerência. a ausência da oposição da rússia e da China, no Conselho de Segurança36, contribui a que as outras potências oci-dentais – frança, reino Unido, mas sobretudo os estados Unidos, pressionem a construção do direito de ingerência. a ação coletiva ajuda no processo de legitimação das intervenções. Neste con-texto, não se pode esquecer a visão norte-americana, expressa por albright, em fevereiro de 1995, durante a campanha contra os republicanos, para quem as Nações Unidas serviriam a “fazer avançar os objetivos americanos no mundo”, visão apresentada nos estados Unidos.37 assim, considerando o desaparecimento do império soviético e a entrada gradual da China na economia de mercado, o Conselho de Segurança se vê, a bem dizer, cada 36 Certos autores atribuem a ausência de oposição da rússia a sua dependên-

cia em relação aos estados Unidos e a da China, em funçaõ do massacre de tian amen e aos interesses comerciais chineses. ver rOger, m.-e. le droit d’ingérence. limites et controverses, th: thèse en vue de l’obtention du gra-de de docteur en droit: Université de reims Champagne-ardenne, faculté de Droit et Science Politique: 1997, p. 64.

37 ver mOreaU DefargeS. Un monde d’ingérences, op. cit., p. 12 et CHarvIN, r. “Notes sur les dérives de l’humanitaire dans l’ordre international.” revue

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vez mais na órbita exclusiva do poder norte-americano. Haveria, segundo o discurso do presidente Clinton, em janeiro de 1995, em Davos, uma identificação entre os interesses americanos e os interesses de todo o planeta.38

Com g. bush, os atentados de 11 de setembro dão uma nova dimensão ao direito de ingerência. a luta contra o terro-rismo, justificado pela legítima defesa, acelera a expansão da ingerência a assuntos que justificam uma ação internacional. a construção de um direito de ingerência preventivo é o ápice do discurso norte-americano, com a intenção de bombardear o Ira-que e depor Saddam Hussein, para evitar que ele um dia possa fazer qualquer agressão contra o território americano. a política de defesa nacional de 2002, por exemplo, instaura a figura de um inimigo invisível, virtual ou real, que inclui tudo o que pode ser usado contra os estados Unidos, abrangendo de forma importan-te as possíveis justificativas e alvos de ingerência. embora os ata-ques contra o Iraque, em 2003, não tenham sido legitimados pela Organização das Nações Unidas, demonstram por si a evolução desta nova lógica.

Subseção II – expansão dos temas legitimando o exercício do di-reito de ingerência

a justificativa jurídica da intervenção encontra-se nos capí-tulos vI e vII da Carta das Nações Unidas. No entanto, as inter-pretações da Carta pelo Conselho de Segurança mostraram-se suficientemente amplas para permitir todas as intervenções realizadas. Isso não é um problema novo, durante a guerra fria, Dag Hammarskjöld já dizia que a base legal das Unidades para a realização da paz situava-se no capítulo “vI1/2 ” da Carta.39 a partir dos anos 90, o Conselho de Segurança não fez mais referência a nenhum artigo específico da Carta para legitimar suas interven-ções, mas somente ao capítulo vII, considerado como um todo.

belge de Droit International, 1995, XXvIII(2), p. 470. 38 CHarvIN. “Notes sur les dérives de l’humanitaire dans l’ordre international.”,

op. cit., p. 471.

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a construção jurídica de uma resolução utiliza como base os argumentos e as ações das outras resoluções anteriores, graça às quais percebe-se uma clara evolução dos temas tratados,40 o que consiste, na realidade, em uma evolução progressiva e contínua, por meio de centenas de resoluções aprovadas.

Os obstáculos jurídicos à não-intervenção são fracos. Na Car-ta, o princípio da não intervenção é baseado no artigo 2, §7, que tem duas partes; a primeira consolida o princípio e a segunda, o limita, em virtude do capítulo vII. a classificação de um problema como sendo essencialmente à competência nacional não segue regras fixas. a maior parte dos autores considera que a caracte-rização da competência nacional está fundamentada nos man-damentos do direito internacional. assim, depois da realização de um tratado internacional sobre direitos humanos ou direito ambiental, o assunto deixa de ser exclusivamente da competên-cia nacional e passa a ser também tema de direito internacional.41 a intervenção baseada nestes temas, com o objetivo de tornar eficaz o tratado estabelecido pelo estado, torna-se então lícita, como mostra o texto do artigo 2, § 7º, ilustrativo a este propósito:

“7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer estado ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não preju-dicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capítulo vII.”

39 CHeStermaN. just war or just peace? Humanitarian intervention and inter-national law, th: op. cit., p. 149.

40 CHeStermaN. just war or just peace? Humanitarian intervention and inter-national law, th: op. cit., p. 158 et 159.

41 KraSNer. Organized hypocrisy, op. cit., p. 18. IzOUlI, S. le devoir d’ingérence, 658. th: thèse pour l’obtention du doctorat d’université: Uni-versité robert Schuman, Strasbourg, 1996.

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O Conselho de Segurança tem total liberdade para consi-derar que um caso “faz parte essencialmente da competência na-cional” ou não. É portanto, o próprio interventor que deve decidir sobre o caráter lícito da intervenção, de acordo com seus próprios critérios morais e ideológicos e dos seus próprios interesses.42 em seguida, para justificar juridicamente a intervenção, o Conselho de Segurança deve então julgar qual caso constitui uma ameaça à paz, uma ruptura da paz ou um ato de agressão. a definição da palavra “paz” é muito ampla e adquire gradualmente extensão nas relações adotadas nestes últimos anos. atualmente, o Con-selho de segurança considera o respeito aos direitos humanos, a democracia, a realização de eleições imparciais, todos estes elementos novos, em relação às resoluções anteriores a 1990 e “ultrapassando os termos específicos do capítulo vII”.

Certos autores consideram as ingerências ilícitas e os atos do Conselho de Segurança como ilegais, a partir da análise do espírito da Carta e de várias resoluções posteriores, como a re-solução 1231, de 1965, a “Declaração sobre a inadmissibilidade da intervenção nos assuntos interiores dos estados e da prote-ção da sua independência e da sua soberania”, a resolução 2625 (XXv), de 1970, sobre a “Declaração relativa aos princípios do direito internacional sobre as relações amigáveis e a cooperação entre os estados conforme a Carta das Nações Unidas”, ou ainda a resolução 86/103, de 1981, sobre a “Declaração sobre a inadmis-sibilidade da intervenção e da ingerência nas relações interiores dos estados”, normas válidas, mas não eficazes na realidade. De qualquer modo, estes autores são cada vez mais minoritários43, em face do que C. zorgbibe denomina criticamente “a ascensão do pensamento único na matéria”.44 42 roger faz um interessante comentário sobre o tema. “É, na verdade, o

interventor quem vai decidir, segundo seus próprios critérios morais e ideológicos, em razão dos elementos de informação geralmente muito parciais, de modo geral, e da apreciação que ele faz sobre o regime político no poder, que tem a qualidade de vítima em um conflito” in: rOger. le droit d’ingérence. limites et controverses, th: op. cit., p. 54.

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Outros autores são menos críticos com relação ao caráter lícito ou ilícito das ações em questão, e mais críticos no que se refere aos aspectos morais. eles admitem que as competências amplas acordadas ao Conselho de Segurança acabam por lhe dar direito de decidir intervir, em virtude da imprecisão que carac-teriza a Carta das Nações Unidas, mas mesmo assim continuam sendo imorais. assim, as intervenções são situadas no contexto da intervenção tradicional das grandes potências nos assuntos das potências mais fracas, sobre a mesma base que as interven-ções ocorridas após o século XvIII. a base jurídica, de acordo com D. Krasner, não seria nada mais que uma “hipocrisia organizada”.45

Outros autores são ainda mais críticos em relação ao modo como as grandes potências, sobretudo os estados Unidos, uti-lizam as Nações Unidas para legitimar seus próprios interesses, ultrapassando os limites impostos pelas resoluções do Conselho de Segurança. vários elementos contribuem para essa situação, como a inexistência de um corpo armado internacional, sob a direção das Nações Unidas, e a atribuição de competências aos estados mais potentes, incumbidos de intervir em nome da comunidade inter-nacional, o que facilita ultrapassar os limites impostos. O caso ira-quiano é ilustrativo sobre o tema, em muitos pontos: em 1991, os estados Unidos, a frança e o reino Unido bombardearam o Iraque para assegurar a proteção dos curdos, sem a autorização expressa do Conselho de Segurança, baseando-se no texto impreciso da resolução 688, que não admitia a utilização da força armada,46 e os estados Unidos continuaram a bombardear o Iraque toda vez que consideravam que este país não cumpria com suas obri-gações dos acordos de paz, como se as autorizações referentes à utilização da força armada não fossem limitadas no tempo,47

mas válidas eternamente, muito embora houvesse o protesto de vários estados.48

embora sujeita às críticas, a margem de liberdade dos mem-bros permanentes do Conselho de Segurança é importante, na 43 rOger. le droit d’ingérence. limites et controverses, th:, op. cit., p. 2. 44 manifestação por correio eletrônico, de 14 de fevereiro de 2002. 45 Kranser considera quatro tipos de soberania: a) soberania legal internacio-

nal, referindo-se aos atos de reconhecimento múltiplos entre os estados; b) a soberania westphaliana, sobre a organização política baseada na exclusão da interferência de atos externos sobre as estruturas da autoridade em um território; c) a soberania nacional, sobre a autoridade política do estado e sua capacidade de garantir um controle efetivo no interior das suas frontei-

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medida em que não existe uma autoridade superior limitando suas ações. Nem a assembléia geral nem a Corte Internacional de justiça são dotadas de competências permitindo limitar as reso-luções do Conselho de Segurança.

a justificativa retórica das resoluções jurídicas é constante: aquele que toma a iniciativa se proclama o guardião de certos valores superiores, em nome de princípios universais, freqüente-mente encarnados em uma comunidade oficial ou não, da qual ele é o chefe. ele combate uma ameaça – real e/ou imaginária – que ataca estes valores, os quais ele deve preservar.49 Os valores protegidos podem ser os direitos humanos, a democracia, a liber-dade, o combate contra o terrorismo, o meio ambiente. Para dizer a verdade, a retórica da intervenção é apresentada no direito pú-blico há muitos séculos, durante a colonização para cristianizar os índios, nas guerras americanas da secessão para colocar um ponto final no regime escravocrata, nas guerras conduzidas na europa, pela frança revolucionária, entre outras. vitória apresentava estes mesmos argumentos, para justificar os genocídios dos índios na américa latina no século XvI:

“Se os bárbaros se converteram a Cristo e seus chefes, pela violência ou pela crença, querem lhes conduzir a idolatria, os espanhóis, por este motivo e, se não podem chegar a re-sultados de outra forma, eles têm o direito de declarar guer-ra e de obrigar os bárbaros a renunciar a esta injustiça”.50

assim como as justificativas e os conceitos operacionais também evoluíram, muitas expressões são bem ou mal-utilizadas: “dever de ingerência”, “direito de assistência”, “direito de interven-ção” e “intervenção de urgência”, em relação a estas mesmas ativi-dades. em francês e em inglês a mesma situação se repete: “devoir d’ingérence”, “droit d’assistance”, “droit d’intervention”, “inter ven-tion d’urgence” ou “right to interfere”, “right to intervene”, “duty of meddling” ou “duty to intrusion”51.

ras; d) e a soberania de interdependência, que consiste na capacidade do estado de controlar o fluxo de informações, idéias, bens, pessoas, poluentes ou capitais que cruzam suas fronteiras. ver KraSNer. Organized hypocrisy, op. cit., p. 13.

46 ver resolução 688, do Conselho de Segurança.

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Depois da Primeira guerra mundial, a partir da constituição da Sociedade das Nações, a necessidade de uma legitimação torna--se maior, sobretudo para as intervenções localizadas dentro das zonas de conflito entre as duas superpotências, e assim por diante, depois da queda do império socialista. as justificativas evoluíram, passando da legítima defesa à intervenção solicitada, à legítima defesa coletiva, ao humanitário, ao terrorismo e ao meio ambiente. todos estes conceitos têm uma relação ainda que indireta com a Carta das Nações Unidas. assim, a evolução das justificativas passa por valores expressos afirmados na Carta, como a legítima defesa, a legítima defesa coletiva, a intervenção solicitada e até os novos valores emergentes, como o humanitário, temas que estudaremos a seguir.

§ 1º legítima defesa

O direito à legítima defesa foi autorizado pelos artigos 39 e 51 da Carta das Nações Unidas. O artigo 39 prevê a ação em resposta a um ato de agressão. ele vem da aplicação do direito natural de autodefesa e dá origem ao conceito de legítima defesa coletiva, que se encontra conforme as decisões da Corte Interna-cional de justiça, como se observa nos casos estados Unidos con-tra a Nicarágua52. O Conselho de Segurança deve ser informado de todo ato de agressão e deve agir para a instauração da paz mundial. O artigo 51 superpõe-se às outras disposiões da Carta e reafirma o direito à legítima defesa:

“art. 51 – Nada na presente Carta prejudicará o direito ine-rente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segu-rança internacionais. as medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comu-nicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsa-

47 lObel, j., ratNer, m. “bypassing the Security Council: ambiguous authori-za tions to use force, cease (fires and the Iraqi inspection regime.” american journal of International law, 1999, 93(1), p. 126-127.

48 Somente três países manifestaram-se favoravelmente aos bombardeios

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bilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.”

a intervenção realizada pelos estados Unidos em resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001 foi baseada no artigo 51 da Carta. O direito de legítima defesa foi reafirmado como um direito natural pela Corte Internacional de justiça, no caso “atividades militares e paramilitares na Nicarágua”, assim como no parecer consultivo “licitude da utilização de armas nucleares”.

“a corte não poderia perder de vista o direito fundamental que todo estado tem de sobreviver, tornando válido o di-reito de recorrer à legítima defesa, conforme o artigo 51 da Carta, quando este direito à vida for colocado em questão”.53

§ 2º legítima defesa coletiva

O artigo 51 justifica também a legítima defesa coletiva, quan-do o estado age com o objetivo de evitar o início de um conflito maior, que poderia colocar em perigo a paz no plano internacional. tenta-se, assim, evitar que o estado ou o grupo militar não-legítimo não se reforce ou não mude o equilíbrio internacional, a ponto de ameaçar a paz de outros países vizinhos ou ainda de provocar uma nova guerra mundial. Neste caso, a subjetividade é ainda maior. a eventualidade de que uma guerra local possa se disseminar é utilizada na prática como uma possibilidade de justificativa para o caso de intervenção nos assuntos interiores dos estados com conflitos internos. É o caso da Somália, onde os estados Unidos justificaram suas ações, dizendo que esta guerra local poderia ameaçar a paz mundial.54

Na intervenção da Nicarágua, os estados Unidos também justificaram seus atos no conceito de legítima defesa coletiva. Se-

aéreos – japão, estados Unidos e reino Unido. a rússia e a China os acusa-ram de perpetrar “um ato de força não provocado... violando os princípios do direito internacional e os princípios da Carta das Nações Unidas”. Outros membros pronunciaram-se contra a utilização da força de um modo ilimi-tado no tempo, como a Costa rica, a Suécia, o Quênia e o brasil. ver lObel, ratNer. “bypassing the Security Council: ambiguous authorizations to use force, cease-fires and the Iraqi inspection regime.”, op. cit., p. 154.

49 mOreaU DefargeS. Un monde d’ingérences, op. cit., p. 16.

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gundo os argumentos americanos, a Nicarágua dava apoio ativo aos grupos paramilitares de el Salvador, o que causava a instabili-dade no país vizinho. O estados Unidos também acusaram a Nica-rágua de ser responsável pelos ataques militares transfronteiriços dirigidos contra Honduras e Costa rica. Na sua decisão, a Corte Internacional de justiça não aceitou os argumentos enunciados e condenou essas atividades.

a legítima defesa de terceiro foi também invocada nas ope-rações do Kuwait, em 1990. O direito de legítima defesa justifica-se na medida em que a operação é realizada para a defesa de uma das partes do conflito. a defesa, no caso do Kuwait, tem um duplo aspecto: a ajuda a um país que sofreu a agressão e a punição do país agressor, o Iraque, cujos ataques contra o território foram ba-seados na eficácia da legítima defesa. Certos juristas consideram esta atitude inédita, uma vez que a legítima defesa foi exercida com fins coercitivos.55

a ingerência no Iraque foi uma etapa importante, porque chegou-se a controlar o orçamento deste estado depois do fim da intervenção militar, sob o fundamento da manutenção da paz. Depois de ter suas exportações bloqueadas pela comunidade internacional, o governo de Saddam Hussein solicitou a abertu-ra comercial, devido a sua falta de auto-suficiência na produção agroalimentar. as negociações foram rompidas diversas vezes pelo Iraque, que argumentava uma violação da sua soberania. O Conse-lho de Segurança das Nações Unidas permitiu então uma troca de “petróleo por alimentos”: o Iraque era autorizado a vender petróleo até US$ 1,6 bilhão por 120 dias, a serem depositados integralmen-te em uma conta sob o controle das Nações Unidas; o montante, claramente insuficiente, representava em torno de 6,5 dólares/pessoa por mês. Num segundo momento, as Nações Unidas reco-nheceram esta insuficiência e elevaram a quantidade de petróleo, autorizando para venda US$ 2 bilhões, o que continuava a ser muito pouco.56

todo o dinheiro proveniente da venda do petróleo iraquia-no deveria ser utilizada para aquisição de alimentos que seriam distribuídos a toda a sua população. as Nações Unidas contro-lavam até mesmo as regiões pelas quais os alimentos seriam 50 association internationale vitoria-Suarez, vitoria et Suarez. Contribution des

théologiens au droit international moderne. Paris: Pedone, 1939, p. 70-70

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conduzidos. enfim, o Iraque foi obrigado a aceitar um acordo a priori, sem ter conhecimento do seu futuro conteúdo. tratou-se da gestão direta dos assuntos internos de um estado, no qual havia até mesmo um controle da distribuição de alimentos para a população. este estado foi forçado a aceitá-lo, em virtude da mobilização da comunidade internacional, que seguiu a iniciativa norte-americana.

§ 3º Intervenção solicitada

Identificou-se, em um segundo momento, o surgimento de uma outra fórmula, a da intervenção solicitada por um governo legítimo. esse governo seria aquele que se estabeleceu segun-do as regras constitucionais do estado em questão. O governo ameaçado solicita então a ajuda exterior para a resolução de um conflito interno que ele não está conseguindo resolver, uma revolução armada, revolta, a ameaça de um estado qualquer. esta ingerência é legítima porque foi solicitada, e funciona como um ato de solidari dade em favor de um estado em perigo.

trata-se não somente de um ato de não-agressão, mas de uma manifestação de respeito da soberania do outro estado. a segunda justificativa enunciada é que o estado que se presta ao socorro o faz em nome de um direito de legítima defesa coletiva,57

análogo ao direito de legítima defesa de terceiro, que é presente no direito penal interno. Novamente, os conceitos do direito inter-nacional público são edificados sobre as bases do direito natural.

O problema colocado pela intervenção solicitada reside em um julgamento de valor: quando um governo é ou não legítimo e pode solicitar ajuda? Ou, em outras palavras, quando aquele que pediu ajuda é ou não um nacional a serviço do país que quer pra-

apud mOreaU DefargeS. Un monde d’ingérences, op. cit., p. 16. rOger. le droit d’ingérence. limites et controverses, th: op. cit., p. 8.

51 IzOUlI. le devoir d’ingérence, th: op. cit., p. 3 et bettatI, m. “Un droit d’ingérence?” revue générale de Droit International Public, 1991, XCv(3), p. 640.

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ticar a intervenção? este país, querendo tornar efetiva a sua von-tade no outro país, declara “legal” o poder atribuído a um nacional qualquer que lhe presta serviços. este nacional pede ajuda ao país interessado, “que presta seu serviço” dominando completamente o estado solicitante.

Pode-se ainda considerar os princípios de soberania do povo, pelos quais não se pode esquecer que o povo tem a possi-bilidade de se revoltar contra o seu governo. este povo, represen-tado agora pelos movimentos sociais e seus líderes locais, pode também solicitar, de forma legítima, ajuda internacional contra um tirano que o oprime. a oposição entre o bem e o mal, sempre freqüente, é invocada neste processo de legitimação. O país in-teressado justifica então sua intervenção invocando, seja a ajuda dada a um povo oprimido por um tirano, seja o suporte prestado ao governo legítimo contra um líder tirano que se diz verdadeiro representante do povo. Para o direito internacional, não existe di-ferença jurídica essencial entre essas duas ações. De fato, essa di-ferença reside no interesse do estado que realiza a intervenção e a quem incumbe construir a legitimidade das suas ações frente ao povo (o seu e o povo do outro país) e à comunidade internacional.

as resoluções 767 e 775, que tratam da Somália, propõem a mesma justificativa: a defesa da paz e a da segurança interna-cional. a resolução 794 entra, assim, no âmbito de uma resposta a um pedido da Somália, no âmbito da intervenção solicitada. as-sim, o preâmbulo da resolução 794 apresenta “os pedidos urgentes originários da Somália à comunidade internacional para que ela tome medidas para assegurar a prestação de ajuda humanitária no país”. O humanitário é, então, também baseado na “manu-tenção da paz internacional”, como um “ato de resposta a uma solicitação”58 endereçada pelo país afetado. Ora, no momento da aprovação desta resolução, a Somália era o palco de uma guerra 52 Processo das atividades militares e paramilitares na Nicarágua e contra este

(estados Unidos c. Nicarágua) 53 Decisão de 27 de junho de 1986, e, sobre o parecer consultivo, ver também

a decisão de 11 de dezembro de 2001. ver aussi DINH, N. Q., DaIllIer, P., Pellet, a. Droit international public. Paris: l.g.D.j., 1999, p. 899.

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entre duas facções opostas, em que nenhuma tinha o poder ga-rantido ou, ao menos, legítimo. O pedido vem portanto de uma ficção criada pelo Conselho de Segurança para o qual se afirma que a situação na qual se encontra a Somália requer ajuda inter-nacional. a partir desse “pedido presumido” podia-se determinar “um pedido de ajuda” e então justificar o envio de tropas.

a operação tradicional, neste caso, consiste em operações de manutenção da paz. Identificam-se assim, tradicionalmente, três mandatos clássicos confiados às forças das Nações Unidas nesses tipos de operações: as missões de observação, as missões de vigilância de cessar fogo ou de interposição entre os combaten-tes. as forças devem obter o apoio dos grupos em conflito para promover a paz e conduzir a situação do país a uma estabilidade sustentável.59

§ 4º O humanitário

O direito de ingerência e de intervenção humanitária dá continuidade à intervenção de humanidade, definida no século XIX. essa intervenção torna-se mais legítima com a implementa-ção de forma concreta dos direitos humanos a partir da Segunda guerra mundial e cada vez mais com a atenção dada aos genocí-dios e os massacres em massa. ela pode ser utilizada para assegu-rar a segurança das pessoas em perigo iminente. existem vários exemplos de ações justificadas pelos direitos humanos: interven-

54 resolução 794, de 1992. 55 WeCKel, P. “le chapitre vII de la Charte et son application par le Conseil de

Sécurité.” annuaire français de Droit International, 1991, XXXvII, p. 167.

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ção dos estados Unidos no líbano, em 1958; da bélgica no Congo, em 1964; dos estados Unidos na república Dominicana, em 1965; da índia no Paquistão oriental, em 1971; da turquia no Chipre, em 1974; de Israel no aeroporto de entebbe, em 1976; da frança em Kolwesi e em taba, em 1978; dos estados Unidos no Irã, em 1980; da frança no zaire, em 1981.60

embora existam essas atividades individuais, a ingerência humanitária “moderna”61 propriamente dita, agindo em nome da comunidade internacional, tem por objetivo assegurar a proteção de toda a população civil de um estado ameaçado por uma guer-ra interna ou por um “tirano”. ela tem sua origem na teoria france-sa, sobretudo após as iniciativas de b. Kouchner e m. bettati, que contribuíram para dar uma base jurídica às pretensões políticas e da iniciativa francesa no Conselho de Segurança. Os textos fun-dadores foram adotados na ONU, a partir das resoluções 43/131 de 1988, sobre a “assistência humanitária às vítimas de catástrofes naturais e situações de urgência da mesma ordem”, e da resolução 688, de 1991, sobre “a organização do socorro à população curda vítima do exército iraquiano”, sobre a iniciativa da frança e da bélgica e, posteriormente, do reino Unido e dos estados Unidos.62

a possibilidade de um direito de ingerência humanitária fortalece-se com as iniciativas francesas, no âmbito das Nações Unidas. a posição “humanitária” na cultura francesa contribui a dar à frança uma posição de líder no cenário internacional, posi-ção reforçada por sua diplomacia e pelas ações das Organizações Não-governamentais de ajuda humanitária, internacionais, mas de origem francesa.63 O primeiro grande passo foi a resolução 43/131, de 8 de dezembro de 1988, que reafirma o direito sobera-no dos estados afetados por catástrofes naturais e de situações de urgência da mesma ordem, e os convida a facilitar a organização e a implementação dos instrumentos de assistência exterior às populações locais.64

56 fOrteaU, m. “la formule ‘pétrole contre nourriture’ mise en place par les Nations Unies en Irak: beaucoup de bruit pour rien?” annuaire français de Droit International, 1997, XlIII, p. 149.

57 DUPUY, P. -m. Droit international public. Paris: Dalloz, 1998, p. 105.

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“reafirmando a soberania, a integridade territorial e a uni-dade nacional dos estados, e reconhecendo que incumbe em primeiro lugar e sobretudo a cada estado tratar as vítimas dos desastres naturais e situações de emergência similares que se produzem em seus territórios (...)Desejando que a comunidade internacional responda rapi-damente e efetivamente aos chamados de assistência para a emergência humanitária feita por meio do Secretário--geral”

essa assistência vem sobretudo das Organizações Não--governamentais e intergovernamentais que provêem medi-camentos, alimentos e cuidados médicos, como médicos sem fronteiras, médicos do mundo, Cruz vermelha, o Unicef, o PNUD, entre outros. No plano político, o presidente da república fran-cesa defendia um tipo de dever de ingerência: “a não-ingerência termina onde começa a não-assistência”, enquanto o presidente Clinton define a intervenção como uma “obra social”65.

a resolução 45/100, de 14 de dezembro de 1990, está nesse contexto.66 ela trata da criação de “corredores de urgência huma-nitária”, praticados no Sudão e, em seguida, na Croácia, utilizando a resolução 43/181, como uma das suas bases jurídicas.67 a resolu-ção 688, de 5 de abril de 1991, do Conselho de Segurança, relativa à ajuda às populações curdas, contra a repressão iraquiana, utiliza as mesmas bases jurídicas.68 Os corredores de urgências humani-tárias referem-se à necessidade do estado afetado por um proble-ma interno, natural ou humano, de facilitar a entrada de organis-mos de ajuda humanitária internacional em uma certa região e de lhes permitir agir. No caso iraquiano, vemos a criação de enclaves humanitários, regiões de proteção de populações colocadas sob 58 resolução 794, de 1992.

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o controle da comunidade internacional. esses agentes, voluntários das Organizações Não-governamentais ou funcionários das organi-zações internacionais, podem beneficiar-se de uma liberdade de circulação nessas regiões, mas sem entrar nas relações internas dos estados.

assim, a justificativa jurídica evoluiu, passando da assis-tência humanitária às vítimas dos conflitos armados, depois da assistência humanitária enquanto tal, e ao conceito de ca-tástrofe política, com um direito de assistência para ajudar a instauração da democracia; todos esses conceitos são conside-rados no âmbito do capítulo vII, ou seja, estão inseridos no con-texto da ameaça ou ruptura da paz, e estão baseados na proteção dos direitos humanos. a evolução conceitual revela claramente a expansão importante das bases jurídicas e do conceito de huma-nitário nas intervenções autorizadas pelo Conselho de Segurança.

O conceito de humanitário começa, assim, com os confli-tos implicando os curdos do Iraque (Operação provide confort), a situação no Camboja (restauração do estado cambojano), na ex-Iugoslavia (criação da força de proteção das Nações Uni-das – fOrPrONU II), a Operação das Nações Unidas na Somália (ONUSOm) e a Operação das Nações Unidas no moçambique (ONUmOz).69

Observemos o caso da ONUSOm, na Somália. a ONU criou uma força para garantir que os alimentos e medicamentos envia-dos a título de ajuda humanitária iriam chegar ao seu destino. em virtude dos problemas constantes e da falta de segurança, essa força tinha as competências tradicionais de vigilância, de cessar fogo, de segurança de desmobilização e de desarmamento, assim 59 COrteN, O., KleIN, P. “action humanitaire et chapitre vII: la redéfinition du

mandat et des moyens d’action des forces des Nations Unies.” annuaire français de Droit International, 1993, XXXIX, p. 108.

60 DUPUY. Droit international public, op. cit., p. 106; bettatI. “Un droit d’ingérence?”, p. 648; mOreaU DefargeS. Un monde d’ingérences, op. cit., p. 41.

61 Certos autores consideram que não existe diferença substancial entre as intervenções de humanidade e as modernas intervenções humanitárias. ver IzOUlI. le devoir d’ingérence. op. cit.

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que novas atribuições, entre as quais a de proteção da assistência humanitária como o socorro de urgência e a reconstrução.70 O cará-ter novo da formulação jurídica criada em 1992 é justificado pelo Secretário-geral das Nações Unidas:

“a situação trágica na Somália é extraordinariamente com-plexa e, até agora, não pôde ser alvo de soluções clássicas. É preciso estudar meios novos e métodos inovadores, em razão da situação humanitária e política, a fim de facilitar uma resolução pacífica.”71

Certos autores vêem diferença entre a intervenção humani-tária e a intervenção de humanidade da seguinte forma: as duas tratam de suporte logístico e militar. mas, no primeiro caso – a humanitária, o objetivo é assegurar a ação de comboios de ajuda enviados pelas organizações internacionais e pelas Organizações Não-governamentais. e, no segundo – a intervenção de humani-dade – tem por objetivo o envio de forças militares para “subtrair – nada mais, nada menos – as vítimas das garras de seus opresso-res”. Neste caso, o estado desapareceu.72 O discurso da soberania é considerado obsoleto e culpável. Obsoleto, em razão da aplicação de um modelo antigo a uma realidade nova, e culpável porque ele ofereceria um álibi “ao abandono e ao recuo da civilização”.73

a ingerência humanitária é limitada no tempo, no espaço, no objeto e no exercício, e respeita uma deontologia. No tempo, deve limitar-se apenas ao necessário para fornecer a ajuda e o socorro.74 No espaço, a ingerência passa somente por territórios atingidos e pelo trajeto que conduz a eles. No objeto, ela deve ser limitada ao fornecimento de medicamentos, alimentos e material médico-cirúrgico, e toda outra forma de assistência deve ser excluí-da. No exercício, a assistência é limitada por regras definidas pelo 62 mOreaU DefargeS. Un monde d’ingérences, op. cit., p. 67. 63 Nesse contexto, podemos citar o discurso do Presidente mitterand, no mé-

xico: “em direito internacional, a não-assistência aos povos em perigo não é ainda um delito. mas é uma falta moral e política que já custa muitos mortos e dores demasiados a muitos povos abandonados” in: Pef, sept./oct., 1981, p. 67 apud SPIrY. “Interventions humanitaires et interventions d’humanité: la pratique française face au droit international.”, op. cit., p. 415.

64 Houve uma discussão no âmbito das Nações Unidas sobre a determinação de catástrofes políticas, mas não se obteve sucesso algum. Certos países foram contrários, em particular os mais representativos do Sul, como a índia, o brasil e a etiópia. in: bettatI. “Un droit d’ingérence?”, op. cit., p. 654.

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estado em questão. No que concerne à deontologia, os agentes são submetidos a regras de imparcialidade na distribuição da assistência e de materiais, sem distinção entre os grupos que têm necessidade, de modo a prevenir a confusão e a dispersão da as-sistência humanitária.75

“lembrando que, no caso de um desastre natural ou de situações de emergência similiares, os princípios de huma-nidade, neutralidade e imparcialidade devem ser extrema-mente considerados por todos aqueles envolvidos com a ação de assistência humanitária.”76

a justificativa teórica das intervenções humanitárias varia. antes, utilizava-se o direito de autodeterminação dos povos, em uma lógica mais ou menos rousseauista; o governo local era considerado como ilegal. a acusação de ilegalidade vinha do fato de que esse governo pratica atos de não-conformidade com os interesses da sua população. logicamente, a limpeza étnica não corresponde aos interesses dos povos que são exterminados. De qualquer modo, nesses casos, não há uma análise sobre o modo como o governo chegou ao poder, se legalmente ou não. alguns autores vão ainda mais longe, utilizando os argumentos do século XvI, como e. Spiry, que, a exemplo de Suarez ou grotius, qualifica a intervenção humanitária de guerra justa.77 g. Scelle, em 1934, ao analisar as ações do governo durante o império turco, defendeu o direito da humanidade à defesa da ordem pública internacional.78

Outros afirmam que o direito internacional antes da Se-gunda guerra era imoral, conduzido por “monstros frios” e que ele começa a se moralizar a partir da segunda metade do século XX. as ingerências humanitárias são vistas, então, inseridas neste contexto de moralização das relações internacionais. O direito

65 Citados por mOreaU DefargeS. Un monde d’ingérences, op. cit., p. 64, a partir de le monde, de 30 de abril de 1991, para a citação do presidente francês e de michael mandelbaum, “foreign policy as social work” foreign affaires, 75 (1), janeiro/fevereiro de 1996, p. 16-32.

66 ela foi mais bem aceita com um texto menos controverso in: bettatI. “Un droit d’ingérence?”, op. cit.

67 De acordo com a resolução 45/100: “Nota-se, com satisfação, que o relató-rio do Secretário-geral sobre a implementação da resolução 43;131 e as sugestões que ele faz sobre os instrumentos facilitadores das operações de assitência humanitária, em particular a possibilidade de estabelecer, de

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internacional clássico serviria de obstáculo à promoção das atitu-des éticas, que visavam a salvar vidas humanas. a soberania seria vista como “imoral quando ela protege um déspota ou um vende-dor de escravos”.79 Nesta mesma lógica, o direito humanitário não pretende reduzir a soberania, mas somente tornar seu exercício mais humano.

a partir da justificativa teórica e moral, a justificativa legal da ingerência humanitária vem naturalmente e apóia-se na Carta das Nações Unidas. No caso da resolução 794, que trata da ingerência na Somália, o direito de ingerência humanitário apóia-se, em primeiro lugar, no artigo 1º, alínea III, que trata da cooperação internacional para a resolução de problemas internacionais de or-dem econômica, social, intelectual ou “humanitária”. a ingerência apresenta-se, então, como um ato de cooperação entre as nações. ela também faz, e principalmente, parte do contexto de manuten-ção da paz e da segurança internacional. No caso da resolução 794, ela é definida no capítulo vII, “ação em caso de ameaça con-tra a paz, de ruptura da paz e de ato de agressão”, conforme o pre-visto pelos artigos 39 e seguintes, e podemos mesmo reencontrar essa definição no contexto do capítulo vI, “resolução pacífica de controvérsias”, nos seus artigos 33, 34, 36 e 38.80

a resolução 794 faz parte do capítulo consagrado à reso-lução pacífica de controvérsias, como um convite para cessar as hostilidades e cooperar com os representantes da ONU (art. 1), associado à condenação de todo obstáculo ao sucesso da ajuda humanitária (art. 5). ela inscreve-se no quadro do capítulo vII, em razão de o Conselho de Segurança ter considerado que os proble-mas internos na Somália, que deram origem a atos que atentaram contra os direitos humanos, podiam ameaçar a paz internacio-nal.81 Nesse sentido, surgem dois elementos distintos e conexos: de um lado, a situação de guerra civil em si mesma; de outro, o caráter dramático da ofensa aos direitos humanos.82

No plano jurídico, P.-m. Dupuy considera que não existe um verdadeiro “dever de ingerência” dos estados nos assuntos de um

forma termporária, quando necessário, e por meio de instrumentos de ação acordados entre os governos afetados e as organizações governamentais, intergovernamentais e não-governamentais interessadas, corredores de acesso para a distribuição de ajuda médica e alimentar.”

68 DUPUY. Droit international public, op. cit., p. 107.

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outro, considerando que é uma atividade em favor das popula-ções locais. Seria então um direito dessas populações de serem assistidas, ou um simples “imperativo moral”83 dos estados que praticam a ingerência e um dever do estado territorial que deve permitir a entrada dos outros estados para assistir essas popula-ções. essa ingerência, permitida no caso de catástrofes naturais, depende da autorização do estado afetado e é mais exercida pelas agências intergovernamentais ou pelas Organizações Não--governamentais de socorro do que pelos estados. ela não teria, portanto, nada a ver com as operações de intervenção de hu-manidade, “muito praticadas em geral para garantir socorro aos nacionais do estado interventor no território do estado que sofre a intervenção”.84

Nós nos encontramos, em seguida, diante da emergência do conceito de collapsed states (estados em colapso), segundo alguns autores,85 um conceito paralelo ao de quasi-estado, visto acima, mas utilizado em uma situação agravada ao longo dos anos, em razão de guerras, problemas econômicos ou outros. trata-se de estados cuja situação econômica, política e/ou social seja insuficiente para garantir os direitos humanos no interior de suas fronteiras, a tal ponto que não lhes seja mais reconhecido um governo e que se permita organizar uma intervenção para impor o respeito desses mesmos direitos. O conceito nasceu com a intervenção na Somália, na resolução 794, de 3 de dezembro de 1992, e foi retomado em março do ano seguinte, na resolução 814, também sobre a Somália. Os representantes europeus reto-

69 COrteN, KleIN. “action humanitaire et chapitre vII: la redéfinition du man-dat et des moyens d’action des forces des Nations Unies.”, p. 109 et mOreaU DefargeS. Un monde d’ingérences, op. cit., p. 10.

70 relatório do Secretário-geral sobre a situação da Somália, de 24 de agosto de 1992, S/24480, § 12, apud COrteN, KleIN. “action humanitaire et cha-pitre vII: la redéfinition du mandat et des moyens d’action des forces des Nations Unies.”, p. 113.

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maram o mesmo conceito no caso do Congo e da ruanda, em 1996.86 O estudo sobre como são construídas as bases jurídicas dessas resoluções mostra a utilização das resoluções anteriores:

“resolução 814, de 1993, do Conselho de Segurançareafirmando as resoluções 733 (1992), de 23 de janeiro de 1992, 746 (1992), de 17 de março de 1992, 751 (1992), de 24 de abril de 1992, 767 (1992), de 27 de julho de 1992, 775 (1992), de 28 de agosto de 1992, 794 (1992), de 3 de dezem-bro de 1992.Nota com um profundo ressentimento, o estado contínuo de violações repetidas da lei humanitária internacional e a ausência de um estado de direito na Somália.Convencidos de que a restauração da lei e da ordem na Somália contribuiria às ações humanitárias de conforto, reconciliação e solução política, assim como a readaptação das instituições políticas e econômicas na Somália.”

assim, juridicamente, em uma situação de ofensa aos direi-tos humanos, não existe nenhuma ofensa à soberania do estado somali, simplesmente porque este estado não existia mais. De acordo com essa tese, o ministro francês das relações exteriores declarou para os seus deputados: “é preciso que vocês saibam bem que, se o país existe, não há mais estado na Somália...”.87

além de tudo, com a emergência dos direitos humanos, a fundamentação do raciocínio sai da proteção do direito de auto-determinação dos povos para se direcionar para a proteção dos direitos humanos, o que significa um conceito muito mais am-plo. teoricamente, pouco importa a legitimidade do governo ou mesmo a sua existência, o que conta é salvar as vítimas das atro-cidades. Na prática, reencontra-se sempre a conjunção de muitos interesses, como a potência econômica, política e militar do país--alvo. Os curdos são “salvos” no Iraque, mas não o são na turquia, 71 relatório apresentado em 11 de março de 1992, pelo Secretário-geral ao

Conselho de Segurança, S/23693, § 72, apud COrteN, KleIN. “action huma-nitaire et chapitre vII: la redéfinition du mandat et des moyens d’action des forces des Nations Unies.” op. cit., p. 112. Os itálicos não são do original.

72 SPIrY. “Interventions humanitaires et interventions d’humanité: la pratique française face au droit international.”, op. cit., p. 409 e 420.

73 bettati, mario. le droit d’ingérence, mutation de l’ordre international. Paris, O. jacob, 1996, p. 12 apud SPIrY. “Interventions humanitaires et interven-

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que participa da OtaN, e onde existem importantes bases milita-res americanas, um país-chave para a influência dos estados Uni-dos no mundo árabe. Uma guerra é iniciada contra o governo de Slobodan milosevic, mas outras dirigidas contra o governo chinês ou russo seriam inconcebíveis. Como diria la fontaine: “Conforme vocês forem potentes ou miseráveis, os julgamentos da Corte vos farão brancos ou negros”.

Os casos mais extremos de ingerência humanitária até hoje são representados pela intervenção militar na Iugoslávia e a inge-rência humanitária no Iraque. O conflito na Iugoslávia foi a causa da guerra contra o governo de Slobodan milosevic. esta guerra mobilizou a comunidade internacional, que opôs-se aos atos de limpeza étnica contra o povo albanês. juridicamente, o estado foi colocado sob o controle internacional; os efeitos se fazem sentir ainda hoje e ultrapassam o campo de análise deste estudo.88

* * *

a expansão conceitual é mais clara a cada resolução. as possibilidades e condições da intervenção aumentam pouco a pouco. Se antes do caso da Somália era necessária a permissão das partes em conflito, a resolução 794 suprimiu essa necessida-de. Se era deixada grande autonomia ao governo do país depois dos momentos críticos da intervenção, as ações no Iraque elimi-naram isso. Do mesmo modo, a divisão territorial foi modificada com a intervenção na Iugoslávia. O Conselho de Segurança faz um trabalho gradual de escrita e reescrita da Carta, em se tratando de direito de intervenção. em resumo, “o Conselho de Segurança diz o direito, faz o direito, impõe o direito”.89 a criação de instituições específicas em um período curto demonstra também a impor-tância do tema: é o caso do Centro de Direitos Humanos, do alto Comissariado para os Direitos Humanos e do tribunal Penal para a ex-Iugoslávia e ruanda, no âmbito das Nações Unidas.

No entanto, o Secretário-geral das Nações Unidas, Kofi an-

tions d’humanité: la pratique française face au droit international.” op. cit., p. 409.

74 ver as críticas contra a desobediência dos limites temporais, explorados aci-ma.

75 ver último considerando da resolução 43/131, de 1988. ver também betta-

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nan, justifica as intervenções em muitos pontos, a partir de uma base jurídica duvidosa: antes nenhuma regra da Carta impedia o reconhecimento dos direitos nas fronteiras dos estados, e o que está presente na Carta da ONU, é que a força não deve ser utiliza-da, salvo em caso de interesse comum. a ação humanitária deve ser compreendida neste interesse comum, que fundamenta as conclusões do Conselho de Segurança. ele acrescenta: os concei-tos de direitos humanos são universais; nesse caso, não é preciso considerar fronteiras, mas considerar a humanidade como um todo – indivisível; a definição de interesse nacional, no mundo contemporâneo, deve compreender os direitos humanos; então, agindo desse modo, as Nações Unidas atuam no interesse nacional desses países.90 Nessa lógica, todo novo conceito pode ser inserido – e imposto pela força – conforme o interesse nacional, a partir do momento em que ele é editado como tal pelo Conselho de Segu-rança. O ex-Secretário boutros-boutros ghali afirma: “O tempo da soberania absoluta e exclusiva... passou; teoria que nunca existiu na verdade”.91

Seção II – O meio ambiente visto como um objeto de ingerência e a incapacidade do Sul de participar dessa construção

em 1992, o Conselho de Segurança pronunciou-se da forma seguinte:

“a ausência de guerra e de conflitos militares entre os esta-dos não garante por si só a paz e a segurança internacio-nal. as fontes não-militares de instabilidade nos campos econômico, social, humanitário e ecológico se tornaram ofensas à paz e à segurança”.92

O meio ambiente não foi, ainda, razão jurídica anunciada para qualquer intervenção militar. todavia, se considerarmos o

tI. “Un droit d’ingérence?”, op. cit., en citant la resolução 43/131, p. 644.

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conceito de ingerência em uma ótica mais ampla, ligando-o a seus aspectos de interferência nos assuntos interiores de um esta-do por meio de iniciativas políticas, econômicas ou diplomáticas, atos de ingerência já foram realizados em nome do meio ambien-te, o qual se torna um efeito importante do discurso político e jurídico internacional.

as sementes de uma nova razão para intervir já foram plan-tadas com a emergência da preocupação ambiental. Quanto mais um objeto é aceito pela comunidade internacional, mais ele se torna fácil e interessante no plano político de agir para a sua de-fesa. O meio ambiente já é considerado como um objeto com um valor em si, e podemos identificar textos jurídicos e políticos em defesa de um direito ou mesmo de um dever de ingerência am-biental. alguns autores baseiam seus argumentos em favor desse direito ou dever de intervenção na defesa dos direitos humanos:

“a emergência recente… de uma nova norma de direito internacional, segundo a qual a proteção do indivíduo, um tipo de patrimônio comum da humanidade, do mesmo modo que o meio ambiente, não depende mais somente da autoridade do estado, do qual ele é originário, mas interessa à comunidade internacional inteira, que mudou radicalmente a paisagem jurídica universal”93

No caso da licitude da ameaça ou do emprego de armas nucleares, citado também no caso gabcíkovo – Nagymaros, a Cor-te Internacional de justiça, examinando uma questão de direito internacional do meio ambiente, a respeito da construção de um complexo hidroelétrico entre a Hungria e a eslováquia, já ressalta a obrigação geral do estados de não promoverem no interior de suas fronteiras atividades que possam afetar o meio ambiente de outros estados. Nesse caso, a corte eleva a obrigação de preservar o meio ambiente no interior do território dos estados a um costu-me internacional:94

“o meio ambiente não é uma abstração, mas sim o espaço 76 em seu texto original “resolution 131. recalling that, in the event of natu-

ral disasters and similar emergency situations, the principles of humanity, neutrality and impartiality must be given utmost consideration by all those involved in providing humanitarian assistance.”

77 SPIrY. “Interventions humanitaires et interventions d’humanité: la pratique

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onde vivem os seres humanos e do qual dependem a qua-lidade de suas vidas e da sua saúde, assim como das gera-ções futuras. a obrigação geral dos estados de zelar para que as atividades exercidas nos limites da sua jurisdição ou sob o seu controle respeitem o meio ambiente dos outros estados ou das zonas que não são de nenhuma jurisdição nacional, faz parte agora do corpo de regras do direito in-ternacional ambiental”.95

Nesse contexto, o Secretário geral das Nações Unidas é cla-ro sobre a restrição da soberania nacional em razão dos interesses ditos mundiais. No seu discurso sobre as ações de manutenção da paz do Conselho de Segurança, o meio ambiente é colocado mais uma vez como um tema importante, que transcende as fronteiras administrativas:

“a pedra angular do edifício deve continuar a ser o estado, cujo respeito da soberania e da integridade constituem as condições de todo progresso internacional. a soberania absoluta e exclusiva não é, contudo, mais a mesma, se é que a prática já se igualou à teoria. aos dirigentes políticos cabe agora compreender esta evolução e encontrar um equilíbrio entre a necessidade de assegurar melhor a dire-ção dos assuntos internos, de uma parte, e as exigências de um mundo cada vez mais interdependente, de outra. O comércio, as comunicações e as ameaças ao meio ambien-te não conhecem fronteiras administrativas; estas não se circunscrevem aos espaços onde os indivíduos vivem, na sua maior parte, suas vidas econômicas, políticas e sociais. a ONU não fechou suas portas. resta que se cada um dos grupos étnicos, religiosos ou lingüísticos pretender um status de estado, a fragmentação não teria mais limite e a paz, a segurança e o progresso econômico para todos se tornaria cada vez mais difícil de se assegurar.”96

française face au droit international.”, op. cit., p. 426. 78 Scelle, george, Précis de droit des gens, v. 2, Sirey, Paris, 1934, p. 50 apud

bettatI. “Un droit d’ingérence?”, op. cit., 646. 79 bettatI, m. “Ingérence humanitaire et démocratisation du droit interna-

tional.” le trimestre du monde, 1992, (1), p. 23, 29 et 30. O autor defende a soberania “quando ela é utilizada para proteger os seres humanos contra as

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OrgaNIzaçãO DaS NaçõeS UNIDaS

P. moreau Défarges defende que, no caso do meio ambien-te, como naqueles dos desastres ecológicos, os outros estados teriam não apenas o dever, mas também o direito de agir97. a sim-ples possibilidade de um desastre, associada à falta de especia-listas permitindo gerir os riscos, pode também ser o fundamento da ingerência. Certos autores sustentam que a ingerência seria justificada pela falta de meios que sofrem os países em desenvol-vimento para gerir os riscos relacionados à proteção ambiental, seja com a ajuda das novas tecnologias, seja pelas ações huma-nas. assim, m. bachelet aprova “a ingerência sistemática no caso de riscos ecológicos maiores”, ingerência praticada pelas nações mais desenvolvidas, nos países em desenvolvimento que não podem controlar seus riscos ambientais.98 a presunção de um direito de agir supõe seu exercício, mesmo sem o consentimento do estado afetado. O meio ambiente, assim como os direitos humanos, faria parte dos domínios que invocam a ingerência.99 São problemas globais, em um contexto de conexão inevitável, em que os atos causados ou autorizados por um estado têm efeitos inevitáveis sobre os outros membros da comunidade internacional, o que lhes dá o direito de agir para assegurar sua própria defesa, a defe-sa do meio ambiente ou da vida planetária.

a questão torna-se importante a partir do momento em que o meio ambiente global e a interdependência mundial dos ecossis temas são considerados. Os impactos sobre o meio am-biente não são mais somente aqueles identificáveis de forma direta, mas também de formas indiretas, atingindo níveis planetá-rios; no caso das negociações sobre as mudanças climáticas, por exemplo, todos os países do globo são afetados pela poluição devido ao excessivo número de veículos e indústrias nos estados Unidos, à deflorestação no brasil ou à criação de gado na China e na índia.

as ações das Organizações Não-governamentais são tam-bém decisivas, considerando que elas pressionam as organiza-ções internacionais, quando se trata de alocar ou não créditos a um estado, de acordo com sua política ambiental. No plano econômico, observamos uma forma de ingerência ambiental a partir da tentativa de extraterritorialidade de leis, como fizeram os estados Unidos, que queriam impor a utilização de meios de pesca de atum menos perigosos para os golfinhos. embora a

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a evOlUçãO DO CONCeItO jUríDICO De DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável NO DIreItO INterNaCIONal ambIeNtal ONUSIaNO e SUa INefICáCIa 125

atitude norte-americana tenha tido sucesso inicial, ela foi conde-nada pela Organização mundial do Comércio.100 Os projetos de financiamento internacional são condicionados à preservação da natureza, bem como as escolhas de modelos de desenvolvimento de cada país.

Como dissemos, o meio ambiente não foi ainda uma causa de intervenção. todavia, ele é constantemente utilizado como elemento importante de análise por várias resoluções do Conselho de Segurança, referentes às intervenções realizadas. O Conselho de Segurança considera o meio ambiente em dois tipos de situa-ções: a degradação ambiental como uma causa para a interven-ção, entre outras, ou esta degradação como sendo o resultado da intervenção realizada, conseqüência dos bombardeios, da des-truição de usinas químicas ou de poços de petróleo. em 1999, por exemplo, os impactos sobre o meio ambiente foram elementos importantes no julgamento sobre a permissão de aumentar a produção do petróleo no caso do Iraque, sob o controle das Na-ções Unidas. esses impactos foram colocados como um obstáculo importante e contribuíram para a decisão final do Conselho de Segurança.101

“Não seria preciso deduzir do volume atual de exporta-ções do bruto iraquiano, que aumentou em média 300 000 barris por dia entre a fase Iv e a fase v (considerando 100.000 barris por dia imputáveis à redução das quantidades destinadas a serem refinadas)... Como ressaltou o grupo de especialistas, a taxa atual de crescimento da produção poderia efetivamente atingir um nível de 200.000 mil barris por dia, mais isso seria feito pagando o preço da ocorrência de graves conseqüências ecológicas e a destruição e a deterioração dos poços de petróleo.”

O meio ambiente foi também citado como uma das causas importantes de ingerência, nas análises da ingerência no Koso-vo,102 ao lado de importantes impactos socioeconômicos. O Se-cretário geral definiu, em uma carta ao presidente do Conselho de

expedições captadoras de bens, de domínios ou de pessoas...”.

DIreItO De INgerêNCIa eCOlógICa e DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável

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OrgaNIzaçãO DaS NaçõeS UNIDaS

Segurança, “um novo tipo complexo de emergência humanitária”, em que a participação de agências especializadas das Nações Uni-das, como o Programa das Nações Unidas para o meio ambiente, foi considerada essencial. aqui, o meio ambiente destruído pelas explosões dos poços de petróleo, das usinas e das bombas quími-cas foi colocado no contexto da ação humanitária:

“7. amplitude da crise. Se o conflito no Kosovo está no cen-tro da última crise na europa do Sudeste e os sofrimentos e deslocamentos de refugiados do Kosovo e das populações no interior desta província foram até agora as conseqüên-cias mais visíveis, outros fatores, notoriamente as seqüelas da desintegração da ex-Iugosláveia, o impacto das violações sistemáticas dos direitos humanos, que já duraram muito, o efeito da aplicação de sanções rigorosas durante os anos e os bombardeios aéreos da OtaN deixaram todo o país e mesmo a região consideravelmente enfraquecidos. além das necessidades humanitárias imediatas dos refugiados, dos deslocamentos (...), as conseqüências socioeconômicas e ambientais e materiais do conflito em toda a república federal da Iugoslávia e mesmo além do território da mes-ma são enormes e criaram um novo tipo de situação de urgência humanitária complexa. O problema criado por esta situação de urgência em um ambiente relativamente desenvolvido ultrapassa as competências dos organismos humanitários, a exemplo da experiência e das capacidades de qualquer organismo considerado individualmente e obriga a Organização das Nações Unidas a apelar a todas as suas competências especializadas e a instaurar parcerias estratégicas com outros autores. (...)X. meio ambiente. Considerando a gravidade das conseqüên-cias ambientais potenciais do conflito e dos bombardeios da OtaN na república federal da Iugoslávia e suas con-seqüências regionais, uma avaliação mais detalhada da amplitude exata do impacto ambiental é urgente. Uma mis-são de investigação deverá ser deslocada com a ajuda do PNUD, da Comissão econômica para a europa, do Programa das Nações Unidas para o meio ambiente e da Habitat.meio ambiente. Numerosas instalações industriais (havia mais de 80 durante a missão) sofreram ataques ou des-truições durante a campanha aérea da OtaN. Os danos

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a evOlUçãO DO CONCeItO jUríDICO De DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável NO DIreItO INterNaCIONal ambIeNtal ONUSIaNO e SUa INefICáCIa 127

causados às refinarias de petróleo, aos derramamentos de combustíveis, às usinas químicas e às usinas de agroquí-micos, bem como a fumaça tóxica provocada por enormes incêndios e as infiltrações de produtos químicos tóxicos no solo e no lençol freático criaram níveis de poluição ainda não-avaliados em certas zonas urbanas, que colocam em risco a saúde e os ecossistemas. Deste modo, a missão este-ve em Pancevo, a 15 quilômetros ao nordeste de belgrado, onde a destruição de uma usina petroquímica liberou sobre a atmosfera, sobre as águas e sobre o solo vários líquidos químicos (tais como cloreto de vinila, cloro, dicloreto de eti-leno, propileno), o que pode constituir uma grave ameaça para a saúde das populações e da região, bem como para os ecossistemas dos bálcãs e da europa em geral. Nume-rosos compostos liberados durante os acidentes químicos podem provocar cânceres, abortos e doenças neonatais. Outras podem provocar doenças no sistema nervoso e no fígado, mortais. É imperativo que o PNUma conduza uma missão de investigação científica e técnica para estudar o problema.”103

enfim, no caso da intervenção da Somália, a destruição do meio ambiente foi também ressaltada e é uma das causas invoca-das para a intervenção:

“Preocupado com o fato de que a fome em massa e a seca mais devastadora, agravadas pelo conflito civil, que com-prometem gravemente os meios de produção na Somália e arrasa os recursos humanos e os recursos naturais neste país.”104

Na questão do meio ambiente, uma nova argumentação é então elaborada. Na verdade, as diferenças antropológicas no domínio do meio ambiente acarretam várias representações distintas do problema. Quanto mais o meio ambiente se torna um instrumento utilizado para assegurar a sobrevida humana no planeta (em um nível mais acentuado de antropocentrismo), mais o discurso jurídico fundamenta a ingerência (e uma possível inter-venção) na legítima defesa. a proibição do desmatamento é um 80 OlINga, a. D. a propos de l’ingérence humanitaire de l’ONU en Somalie:

réflexion sur le fondement et la portée de la resolução 794 (de décembre

DIreItO De INgerêNCIa eCOlógICa e DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável

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meio de assegurar o futuro da civilização, então, “nosso futuro”. a ingerência é realizada para garantir a nossa sobrevida, portanto, para nossa defesa. a ascensão dos direitos humanos, colocados como base da intervenção internacional, contribui também para a defesa do meio ambiente. assim, este é considerado como parte dos direitos humanos, o que já é uma razão consolidada para jus-tificar a intervenção.

O meio ambiente pode também ser considerado sob uma visão mais biocêntrica (os países nórdicos e, às vezes, a vacilante visão anglo-saxã), e assim o discurso parece mais evoluído ou ao menos mais inovador. Não se trata mais de agir em nome da legí-tima defesa, nem de propor a soberania do povo, nem pela paz, nem mesmo pelo homem, mas para a defesa de uma entidade não-humana, o meio ambiente.

Neste contexto de construção de novos conceitos ambien-tais e de novas teorias visando a redesenhar os conceitos pós-me-dievais de soberania (que, aliás, estão em constante mutação), identificam-se a emergência e o reforço de novos valores, como o da responsabilidade. No caso de certos bens, os estados onde esses bens se situam seriam “responsáveis” por sua conservação, em nome de um interesse comum da humanidade. Não se trata de bens declarados “patrimônio comum da humanidade”, mas de uma lista de bens escolhidos, representando o interesse comum, que são uma razão legítima das preocupações dos povos e dos interesses políticos e econômicos de governos, independente-mente do “patrimônio comum da humanidade”. e, como vimos, eles são também o objeto de lutas políticas na cena diplomática.

assim, a diversidade biológica não faz parte do patrimônio comum da humanidade. ela é, segundo a Convenção da Diver-sidade biológica, uma “preocupação comum da humanidade” e, cada vez mais, uma razão “credível” invocada para praticar a inge-rência nos países que não a preservam. No entanto, a antártica seria um dos patrimônios comuns da humanidade, mas se um país é causa de uma poluição nesse continente, é difícil pensar em

1992) du Conseil de sécurité. revue Universelle des Droit de l’Homme. 6, 1994, p. 450.

81 No caso dos exemplos dos curdos, no Iraque, uma das explicações para a ameaça contra a paz internacional era o número de refugiados que se diri-giam aos países vizinhos.

82 OlINga. a propos de l’ingérence humanitaire de l’ONU en Somalie: réflexion sur le fondement et la portée de la resolução 794 (de décembre 1992) du

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uma ingerência nos países autores da poluição, porque, mesmo se a antártica tem o estatuto jurídico de “patrimônio comum”, o que pressupõe, a primeira vista, uma vontade de conservação mais acentuada que a “preocupação comum” da biodiversidade, ela não tem o mesmo poder mobilizador da diversidade bioló-gica. essa “capacidade de mobilizar os interesses dos povos” é mais ligada à consolidação da idéia de que existe uma “razão para intervir” do que ao estatuto jurídico dado a um elemento natural.

Poderíamos fazer outras análises similares para demonstrar a teoria, aplicando outros bens comuns: a floresta e a diversidade biológica. Os dois conceitos são ligados de forma estreita no pla-no biológico, mas não são necessariamente ligados no imagi-nário popular ou nos planos político e diplomático internacional. No plano jurídico, a diversidade biológica é considerada uma “preocupação comum da humanidade”, enquanto as florestas não têm nenhuma classificação jurídica distintiva. mas, no plano político, em razão das preocupações novas pela conservação da floresta tropical, dos esforços mobilizadores das últimas décadas e da emergência da questão ambiental, a “construção gradual no plano político e jurídico da floresta como razão suficiente para a ingerência” faz que ela seja uma causa mais importante que a diversidade biológica.

essa afirmação merece uma explicação: é mais fácil verificar que a inquietude pela floresta tropical é mais importante do que a preocupação pela perda da diversidade biológica. Os programas públicos de conservação das florestas são muito mais represen-tativos do que os programas para a gestão da biodiversidade; a ajuda pública destinada à conservação da floresta tropical e, mais recentemente, a conservação do clima não necessariamente levam em consideração a conservação da biodiversidade. e, mes-mo se nos limitarmos a uma análise superficial, poder-se-ia dizer que, replantando as árvores, haveria uma reconstrução da biodi-versidade, o que seria falso. Pode-se construir uma floresta, mas nunca reconstruí-la, e sua diversidade estaria perdida em grande parte, mesmo se, em um plano político, houvesse a satisfação de se terem novamente regiões florestadas e uma nova diversidade.

assim, o meio ambiente, enquanto um todo, não irá se tor-nar facilmente uma causa de ingerência, mas não se pode dizer o

Conseil de sécurité, op. cit., p. 450.

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mesmo para certos elementos do meio ambiente, como a floresta tropical, por exemplo, um dos temas que suscitam mais facilmen-te a inquietude popular. O clima estaria, nesta mesma lógica, mui-to longe de ser considerado uma razão para intervenção, porque, com relação a ele, seria também muito mais difícil de justificar o porquê de os estados Unidos e a europa poderem gastar uma quantidade tão grande de energia poluente, enquanto a China e a índia não podem fazer a sua tradicional criação de gado e o brasil não pode abrir novas fronteiras agrícolas, derrubando florestas.105

a doutrina majoritária, contudo, não defende a ingerência explicitamente, e sim uma “responsabilidade” obrigatória em re-lação ao meio ambiente e o reforço da cooperação,106 em vez de uma intervenção militar. É a cooperação entre os países que pode impedir a expansão de um direito de intervenção militar, funda-mentado na proteção do meio ambiente.107 Os países detentores de florestas ou de outros valores ambientais devem ter, então, responsabilidade na condução dos projetos de desenvolvimento, para a conservação da natureza. a cooperação aparece como um elemento-chave nas relações Norte-Sul. a destruição do meio ambiente pode ter como conseqüência a ingerência econômica e política, em um primeiro momento e, se o meio ambiente se tornar um tema muito importante para uma intervenção militar, uma realidade ainda não presente, mas em construção, ele pode ser um pretexto a uma intervenção em nome da comunidade internacional. Os países mais fracos política e militarmente que destroem a natureza são os alvos passíveis de intervenção.

aparece, então, um novo elemento nas relações Norte-Sul a propósito do desenvolvimento sustentável. Se os países do Sul, sobretudo os mais fracos, não preservam seu meio ambiente, a comunidade internacional poderá intervir. a intervenção baseada

83 reisman, Humanitarian intervention to protect the Ibos in lillich humani-tarian intervention and the United Nation, 1973, p. 167 apud bettatI. “Un droit d’ingérence?”, op. cit., p. 649.

84 DUPUY. Droit international public, op. cit., p. 108. 85 baDIe. Un monde sans souveraineté. les etats entre ruse et responsabilité,

op. cit., p. 141. 86 baDIe. Un monde sans souveraineté. les etats entre ruse et responsabilité,

op. cit., p. 126.

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a evOlUçãO DO CONCeItO jUríDICO De DeSeNvOlvImeNtO SUSteNtável NO DIreItO INterNaCIONal ambIeNtal ONUSIaNO e SUa INefICáCIa 131

na construção jurídica anterior pode ter as mesmas dimensões que as intervenções humanitárias, segundo o conceito construí-do ao longo dos anos 90. Os países do Sul são então considerados “responsáveis” em relação à natureza, para a implementação dos projetos de autodesenvolvimento. esta consideração de responsa-bilidade, baseada na cooperação, torna-se um elemento novo do direito do meio ambiente, elemento reforçado pela possibilidade de intervenção.

b. badie sustenta uma lógica de evolução: de uma soberania absoluta passa-se, assim, à hipótese de uma soberania razoável, mas a idéia sobre a qual se fundamenta o conceito de comunida-de internacional – a soberania – cede em face da visão de uma co-munidade de responsabilidades: “a comunidade de cidadãos não se define mais apenas em termos de detenção coletiva de uma potência última, mas como um conjunto de indivíduos obrigados pela natureza das necessidades coletivas e conduzidos, por isso, a modificar, transformar, ou mesmo abandonar a concepção sobe-rana da potência que eles pretensamente possuem”.108

a responsabilidade é, então, marcada por uma posição de prevenção. ela apresenta-se em todos os domínios, econômico, militar e humanitário, sobretudo no que concerne aos novos di-reitos, como os direitos humanos ou o direito ambiental (às vezes considerado como um único direito). O interesse coletivo para certos bens juridicamente protegidos criaria uma obrigação para os estados-Nação de agir preventivamente nos seus assuntos, de modo a não ofender os princípios aceitos por uma certa parte do mundo – seja ela ou não a maioria – em relação ao bem protegido.

assim, a cooperação internacional tem relação estreita com os conceitos do direito internacional sobre a natureza. antes, mui-tos elementos naturais, como a floresta ou a diversidade biológi-ca, eram considerados patrimônio comum da humanidade, tendo os outros estados um interesse legítimo de exigir a preservação do meio ambiente e mesmo de utilizar seus frutos (minerais, re-cursos genéticos, florestas), já que este ambiente lhes pertencia

87 fINaUD, m. Politique étrangère de la france. Documentation française, novembre-décembre 1992, p. 148 apud OlINga. a propos de l’ingérence humanitaire de l’ONU en Somalie: réflexion sur le fondement et la portée de la resolução 794 (de décembre 1992) du Conseil de sécurité, p. 452.

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também. Hoje em dia este princípio está ultrapassado, exceto por alguns elementos do direito internacional ambiental, como os fundos marinhos ou os corpos celestes.

assim, o princípio da soberania sobre os recursos naturais está consolidado para a maior parte dos elementos da natureza, como a floresta ou a diversidade biológica, mas ele está limitado por um outro princípio, o de preocupação comum, baseado so-bretudo em uma visão mais global das repercussões das degrada-ções ambientais. assim, quando o meio ambiente é destruído, a comunidade internacional pode fazer pressões de forma legítima, uma vez que esta destruição pode ter efeitos diretos e indire-tos sobre o meio ambiente global. Cada país pode agir em seu próprio nome. O princípio de uma preocupação comum sobre a preservação da natureza está, então, ligado de forma estreita ao princípio da responsabilidade. Os estados devem ser responsá-veis e consentir em realizar esforços para evitar a degradação do meio ambiente.

em face de um estado “não-responsável”, que coloca o am-biente em risco, a comunidade internacional teria então legiti-midade para propor uma cooperação para evitar a degradação. tratando-se de um país do Sul, a transferência de tecnologia e de recursos financeiros são instrumentos aceitos pelo direito internacional. Um país do Sul ou do Norte, os outros estados e os atores não-governamentais têm uma certa legitimidade ad-quirida, para pressionar o estado e convidá-lo a tomar medidas para remediar os danos ou os riscos de degradação ambiental. este ponto não está explícito no direito positivo, mas decorre dos princípios de preocupação comum e de responsabilidade. assim, sente-se uma certa legitimidade nas denúncias feitas contra um estado poluidor.

No entanto, essas pressões podem ir muito além das denún-cias e passar a pressões econômicas. atualmente, a maior parte das agências de financiamento internacional exige os estudos de impactos ambientais dos projetos de desenvolvimento financia-dos e chega a condicionar os financiamentos à preservação da natureza.

a ingerência militar praticada sob a justificativa de defesa do meio ambiente não existe ainda, mas a colaboração, as denún-cias e as pressões econômicas são etapas que lhe garantem um

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Parte II

O DesenvOlvimentO sustentável nO ÂmbitO Da OrganizaçãO munDial DO COmérCiO

a criação da Organização Mundial do Comércio somente contribuiu para aumentar a desigualdade Norte-Sul. De fato, a nova organização internacional tenta conciliar a proteção am-biental e a promoção do crescimento comercial, mas na realidade o desenvolvimento sustentável é reduzido, na visão da OMC, a uma análise economicista. O direito da OMC protege, de certo modo, o meio ambiente, mas quando os acordos desta organi-zação divergem dos acordos ambientais estabelecidos entre os estados em outros fóruns de negociação, os primeiros prevale-cem sobre os últimos.

a Organização Mundial do Comércio nasceu da sexta rodada de negociações referentes ao acordo Geral de tarifas e Comér-cio (Gatt),1 mais conhecido como Uruguay round. a criação da organização foi firmada juridicamente pelo ato de Marraqueche, de 15 de abril de 1994, ato final das negociações multilaterais. De certo modo, a criação de uma organização de comércio que ob-jetiva favorecer a promoção do desenvolvimento global remonta

1 O acrônimo vem da expressão inglesa General agreement on trade and tarifs.

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134O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

a Keynes, logo depois da Segunda Guerra Mundial, que previa a criação de três instituições mundiais para a promoção do de-senvolvimento global: um fundo para a estabilidade monetária internacional; um banco mundial para as concessões de crédito, a construção de infra-estruturas e a organização de condições de desenvolvimento mundiais, em particular nos países do Sul; e, por fim, uma organização internacional do comércio, para a redução dos obstáculos ao comércio mundial. acreditava-se que a progressão do comércio tornaria possível a paz mundial, como já ensinava Kant,2 e aumentaria a qualidade de vida de todos os habitantes do planeta.

O fundo e o banco foram criados como previstos, na for-ma do Fundo Monetário Internacional e do banco Mundial. a Organização Internacional do Comércio (OIC) não teve o mesmo êxito, sobretudo em virtude da oposição do Senado americano. Mesmo com essa derrota, foi instituído um fórum de negociações multilaterais globais para a redução dos obstáculos comerciais e a promoção do desenvolvimento, o Gatt. a cria-ção de um fórum internacional contribuiu para o crescimento do comércio mundial e evoluiu segundo uma lógica jurídica e econômica, que ganhava corpo a cada rodada de negociações. O Gatt sofreu várias revisões e, a cada uma, um número maior de barreiras comerciais era rompido e um maior número de as-suntos era incorporado ao texto do tratado. as relações Norte--Sul beneficiaram-se também por meio de avanços substanciais, com a consolidação dos princípios da desigualdade compensa-dora, da não-reciprocidade e da criação de um sistema geral de preferências para os produtos originários dos países do Sul.

Com a emergência da OMC, vemos uma mudança de ló-gica nas relações Norte-Sul. as normas instauradas são menos precisas e os princípios do direito do desenvolvimento são re-duzidos e até mesmo anulados. além do mais, certos domínios desvantajosos para os países do Sul, antes não alcançados pelo direito internacional econômico, foram inseridos, a exemplo da propriedade intelectual, sendo esses países obrigados a aceitá--los para integrar a nova organização internacional. Outros

2 KaNt, e. vers la paix perpétuelle. Paris: GF Flamarion, 1991.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 135

temas, como o meio ambiente, também são atingidos, mas são submetidos a uma lógica liberal, em geral diferente daquela dos acordos multilaterais de proteção à natureza.

assim, as relações Norte-Sul, no âmbito da OMC, demons-tram claramente o crescimento da desigualdade, tanto no âmbito do poder de negociações quanto nas evoluções dos acordos negociados, que será o nosso primeiro ponto de análise neste capítulo. Certos assuntos sensíveis foram também inseridos no sistema comercial internacional, como o meio ambiente. Os re-presentantes da sociedade civil organizada questionam-se sem-pre se a emergência da OMC impôs ou não um reducionismo economicista ao meio ambiente, o que tentaremos responder na segunda parte do tema, que será tratado nos capítulos seguin-tes.

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a DesigualDaDe nOrte-sul e as regras prOCeDimentais nO ÂmbitO Da OmC

as regras em favor dos países do Sul foram reduzidas, e o que resta é quase ineficiente, quando se trata de lutar contra a desigualdade Norte-Sul. entre os acordos mais desfavoráveis aos países do Sul, o referente aos direitos de propriedade in-telectual é um dos mais marcantes. a edificação deste novo sistema jurídico-econômico começou em 20 de setembro de 1986, com as negociações de Punta del leste, no Uruguai. é a seqüência mais audaciosa de negociações multilaterais de co-mércio desde 1947. as negociações duraram cinco anos e abor-daram temas e metodologias novas, como os acordos sobre os serviços e a pro priedade intelectual. O fim das negociações foi marcado pela assinatura do ato de Marraqueche, de 15 de abril de 1994, que institui a Organização Mundial do Comércio. Cer-tos mecanismos (pouco eficazes) para diminuir a desigualdade Norte-Sul foram criados e objetivam, sobretudo, tornar possí-vel o acompanhamento desses países nas atividades intensas realizadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Ou-tras modificações importantes referentes às relações Norte-Sul e ao comércio foram também inseridas nesses acordos.

Participaram das negociações 117 países, a maior parte composta por países em desenvolvimento. Muitos pontos foram discutidos exaustivamente pelos países contratantes. as negociações que deveriam terminar inicialmente em 15 de dezembro de 1990, somente viram seu fim em 15 de dezembro de 1993. O tratado de Marraqueche foi assinado quatro meses mais tarde e entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1995, com a

CaPítUlO Iv

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138O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

ratificação de 80 partes contratantes.1 Hoje, a OMC é composta por 144 estados.2

O tratado de Marraqueche contém 28 acordos, que modifi-cam sensivelmente o direito internacional econômico e, em con-seqüência, as possibilidades do comércio mundial. a criação da Organização Mundial do Comércio representa, em si mesma, um passo considerável na organização do comércio mundial e, mais precisamente, cria a possibilidade de conduzir o comércio inter-nacional segundo os princípios do neoliberalismo, que se torna a regra geral no plano internacional.

a Organização Mundial do Comércio é incumbida da supervi-são de três acordos: os acordos Multilaterais sobre o Comércio de Mercadorias, que reúnem vários acordos específicos; o acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GatS) e seus anexos; e o acor-do sobre os Direitos de Propriedade Intelectual referentes ao Comércio (trIPS ou aDPIC3). embora a importância numérica dos países em desenvolvimento seja considerável, eles não consegui-ram dar corpo a suas pretensões, salvo em raras exceções, como aquelas sobre os produtos agrícolas nas negociações realizadas pelo Grupo de Cairns. as principais negociações foram conduzi-das até o fim pela Comunidade européia, pelos estados Unidos e pelo Japão, os atores mais importantes do comércio internacio-nal. a maior parte dos países em desenvolvimento acompanhou as negociações mais como espectadores do que como atores, mesmo quando se debatiam assuntos que lhes interessavam mais diretamente.

No tocante ao direito do desenvolvimento, muitas regras foram criadas ou mantidas, se elas já existiam no sistema anterior, como a promoção do princípio da desigualdade compensadora, mas as regras adotadas em favor dos países do Sul revelaram-se incapazes de reduzir as desigualdades, o que será tratado em um primeiro momento. Os acordos que entraram em vigor con-

1 vINCeNt, P. “l’impact des négociations de l’Uruguay round sur les pays en développement.” revue belge de Droit International, 1995, XXvIII(2), p. 492.

2 Dados de 20 de março de 2002. 3 O acrônimo trIPS vem do original em inglês e aDPIC é utilizado na língua

francesa. Interessante notar que a maior parte da doutrina brasileira preferiu adotar o termo em inglês, muito embora pudesse utilizar a expressão em francês, que mais se aproxima da nossa língua.

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tribuem, sobretudo, ao aumento da desigualdade Norte-Sul e constituem uma ruptura no acesso ao desenvolvimento, em par-ticular o acordo sobre a Propriedade Intelectual, segundo ponto de análise.

O conjunto de regras que, no texto do Gatt, tive como ob-jetivo reduzir a desigualdade Norte-Sul é composto de princípios, como o princípio da desigualdade compensadora, o sistema geral de preferências e a não-reciprocidade, e de um certo número de regras procedimentais mais favoráveis aos países do Sul. esses princípios, que tinham sido consolidados na rodada de tóquio, foram sensivelmente reduzidos no texto do acordo de Marraque-che. ainda que se possam identificar algumas regras procedimen-tais destinadas a compensar a desigualdade entre os países do Norte e os do Sul no âmbito da OMC, elas se mostraram ineficazes e insuficientes. Os princípios compensadores de desigualdade quase que desapareceram dos acordos que instituem a Organi-zação Mundial do Comércio, substituídos por uma nova visão de desenvolvimento internacional, baseada na expansão comercial, sem discriminações positivas.

a adoção de um novo modelo de desenvolvimento repousa sobre a crença da não-necessidade de novas regras compensado-ras de desigualdade e sobre a idéia de que a expansão do comér-cio, que resulta da liberalização das trocas, será um instrumento suficiente para assegurar a promoção do desenvolvimento. toda barreira à expansão do comércio é então entendida como uma barreira ao desenvolvimento. a ideologia em vigor até os anos 80, que pretendia que as normas jurídicas deveriam promover o acesso aos mercados para os países do Sul, reduziu esses princí-pios e regras a normas acessórias, em muitos acordos. Uma das causas dessa renúncia é a crença de que os países do Sul têm ago-ra um acesso mais livre aos mercados dos países do Norte, mas o que mais motivou esse recuo foi a falta de participação ativa dos países do Sul e a diferença de poder de negociação no processo de elaboração das normas em vigor.

em compensação, em nível procedimental, os novos acor-dos comportam uma série de normas jurídicas visando a promo-ver o acesso dos países do Sul à vida institucional da OMC, como participar do Organismo de Solução de Controvérsias (OSC) e de outras reuniões. Mas, mesmo neste nível, a participação dos paí-

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ses do Sul é desprezível. a maioria dos países é, então, simples espectador presente no âmbito da OMC. assim, esta análise deve partir do geral, do estudo dos princípios compensadores da desi-gualdade, para o particular, com as regras procedimentais.

Seção I – Princípios compensadores de desigualdade

O acordo de Marraqueche marcou uma mudança de para-digma no plano das relações Norte-Sul no âmbito dos textos do Gatt. é possível identificar três fases distintas nesta relação: em primeiro lugar, a criação do Gatt, com a Carta de Havana, vista por uma ótica mais liberal; em seguida, um período que vai dos anos 50 até a rodada de tóquio, e nos anos 70, com a fixação de normas do direito do desenvolvimento; e, enfim, o acordo de Marraqueche, em 1994.

Subseção I – as relações Norte-Sul na Carta de Havana

No texto de 1947, o artigo XvIII já trazia uma série de previsões específicas, elaboradas para os países mais pobres, definidos como aqueles “cuja economia somente pode assegurar à população um baixo nível de vida e está nos primeiros estágios do seu desenvol-vimento”.4 esses países seriam livres para adotar as políticas con-trárias aos textos do acordo, desde que estas fossem necessárias à implementação dos seus programas e políticas de desenvolvi-mento. eles poderiam também fazer restrições, a fim de assegurar a proteção das suas indústrias em nascimento e balanças de pa-gamento.

essas medidas deveriam receber a aprovação do Gatt. elas deveriam também estar inseridas nos programas específicos de estabilização ou do progresso da economia, de equilíbrio da ba-lança de pagamentos ou nos projetos de desenvolvimento, em um contexto no qual a utilidade e a necessidade de cada medida deveriam ser demonstradas. a partir de 1947, o texto concede aos países em desenvolvimento uma dupla classificação: os “países que ainda se encontram nos seus primeiros estágios de desenvol-vimento” e os “países em vias de desenvolvimento rápido”. ainda 4 artigo XvIII (1)

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que as duas grandes categorias tivessem prerrogativas comerciais similares, já se elabora uma diferenciação, que é o embrião da distinção moderna: “países menos avançados” e “países em vias de desenvolvimento”. as medidas, conforme o caso, deveriam fixar as parcelas das importações ou dos limites, favoráveis aos países do Sul, e não simplesmente impor sobretaxas aos produtos importados. De todo modo, existe uma liberdade sensível de ação para os países contratantes na implementação de seus programas e políticas de desenvolvimento. a promoção do desenvolvimento era, portanto, a finalidade do Gatt.

O texto revela a lógica da época, pela qual os programas de desenvolvimento seriam capazes de promover o crescimento econômico rápido dos países do Sul ou do Norte arrasados pela guerra. as vantagens concedidas pelos países mais desenvol-vidos, a partir do acordo Geral de 1957, permitiriam aos países mais pobres alcançar os países ricos. assim, os princípios da não--discriminação e da reciprocidade, que figuram na Carta de Hava-na, foram aplicados nos anos 50.5 Contudo, essa lógica mostrou-se rapidamente equivocada.

Para entender essa opção, é necessário situar as constru-ções das regras jurídicas na Carta de Havana no contexto de um mundo que acabava de sair da Segunda Guerra Mundial. a maior parte dos países subdesenvolvidos ainda era colônias européias ou estava sob o controle das grandes potências político-militares, representadas sobretudo pelos estados Unidos. Não se podia fa-lar de uma lógica dos países do Sul, considerados como um bloco político nas nego ciações internacionais. as regras especiais eram, sobretudo, destinadas aos países europeus em fase de reconstru-ção. é a partir do processo de descolonização que os países do Sul impõem regras específicas próprias, para favorecer seu desenvol-vimento.

Subseção II – a valorização dos princípios da não-reciprocidade e da desigualdade compensadora

a mudança dessa lógica acontece a partir dos anos 50 e 60, com a emergência dos países do Sul, enquanto bloco de negocia- 5 vINCeNt. “l’impact des négociations de l’Uruguay round sur les pays en

développement.”, op. cit., p. 489.

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ções. as modificações mais importantes são a introdução da Parte Iv do Gatt e a criação do Sistema Geral de Preferências, na roda-da de tóquio, de 1979. essas medidas consolidam os princípios da não-reciprocidade e da desigualdade compensadora, que po-dem beneficiar os países do Sul durante um prazo indeterminado, até que eles se tornem países desenvolvidos.

No fim dos anos 50, a partir da Conferência de bandoeng, e nos anos 60, os países subdesenvolvidos começam a se compor-tar como um bloco político. a insuficiência das regras do artigo XvIII referentes à promoção do desenvolvimento já era reconhe-cida em grande parte. é por isso que a nova parte (Parte Iv) foi acrescentada ao acordo Geral. a Conferência da UNCtaD, em Genebra, foi muito importante neste contexto, uma vez que foi na UNCtaD que elaborou a parte Iv, criando a categoria específica “países em vias de desenvolvimento” e concedendo privilégios específicos visando à diminuição das desigualdades.6

a parte Iv do Gatt apóia-se na idéia de que o comércio deve contribuir com o aumento do nível e da qualidade de vida dos países em desenvolvimento, mas, para dar ao comércio uma base positiva, é preciso existirem as normas jurídicas compensa-doras da desigualdade Norte-Sul, um tratamento desigual aos desiguais. Os princípios de base do artigo XXXvI são ilustrativos: eles reafirmam a importância do comércio para o desenvolvimen-to econômico e social, a necessidade de uma ação coletiva para promover o desenvolvimento dos países do Sul e lembrar que os países do Norte aceitam as regras diferenciadas favoráveis aos países do Sul para a promoção do seu desenvolvimento:

“art. XXXvI Princípios e objetivos1. as partes contratantes,a. Conscientes de que os objetivos fundamentais do pre-

sente acordo comportam o aumento dos níveis de vida e o desenvolvimento progressivo das economias de todas as partes contratantes, e considerando que a reali-zação destes objetivos é especialmente urgente para as 6 FlOrY, M. “Mondialisation et droit international du développement.” re-

vue Générale de Droit International Public, 1997, 101(3), p. 618 e vINCeNt. “l’impact des négociations de l’Uruguay round sur les pays en développe-ment.”, p. 489.

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partes contratantes pouco desenvolvidas;b. Considerando que as receitas de exportação das partes

contratantes pouco desenvolvidas podem ter um papel determinante no seu desenvolvimento econômico, e que a importância desta contribuição depende, por um lado, dos preços que estas partes contratantes pagam por seus produtos essenciais que elas importam, do volume das suas exportações e dos preços que são pagos por es-tas exportações;

c. Constando que existe uma diferença importante entre os níveis de vida das populações pouco desenvolvidas e das populações do outros países;

d. reconhecendo que uma ação individual e coletiva é in-dispensável para favorecer o desenvolvimento das eco-nomias das partes contratantes pouco desenvolvidas e assegurar a melhora rápida dos níveis de vida destes países;

e. reconhecendo que o comércio internacional conside-rado como um instrumento de progresso econômico e social deveria ser regido por regras e procedimentos, e por medidas conformes tais regras e procedimentos – que sejam compatíveis com os objetivos enunciados no presente artigo;

f. Notando que as partes contratantes podem autorizar as partes contratantes pouco desenvolvidas a utilizar medi-das especiais para favorecer seu comércio e seu desenvol-vimento;”

O texto reconhece também que uma grande parte dos países

7 artigo XXXvI, 4. Dada a continuada dependência de muitas partes contra-tantes menos desenvolvidas na exportação de uma série limitada de pro-dutos primários, é necessário prover, na maior medida possível, condições mais favoráveis e aceitáveis de acesso ao mundo dos mercados para estes produtos e, em todo caso, apropriadas para planejar medidas designadas a estabilizar e melhorar as condições dos mercados mundiais para estes pro-dutos, incluindo medidas particulares designadas a atingir preços estáveis, justos e remunerativos, assim permitindo uma expansão do comércio e de-manda mundial, e um crescimento dinâmico e estável dos reais ganhos de exportação destes países assim como provê-los com pesquisas expansoras para seu desenvolvimento econômico.

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subdesenvolvidos fundamenta suas economias na exploração de produtos primários, sem ter, contudo, boas condições de acesso aos países contratantes. Seria, portanto, necessário criar medidas visando a facilitar o acesso de produtos primários e de produtos industrializados oriundos dos países do Sul, para que estes países ganhem benefícios e a diversificação dos seus setores produtivos fosse estimulada.7

a parte Iv ressalta que as medidas individuais e coletivas seriam indispensáveis à promoção do desenvolvimento: de uma parte, uma mobilização das organizações internacionais, sobre-tudo dos órgãos de promoção do desenvolvimento das Nações Unidas, e, de outra, medidas individuais tomadas em cada país do Norte e do Sul. é interessante constatar que o texto do Gatt fun-damenta o sucesso desses objetivos nas ações das agências das Nações Unidas. Nessa época, a participação das Nações Unidas nas negociações é importante e efetiva.

esses compromissos são muito mais sólidos que os prece-dentes. Os países deverão adotar medidas facilitando o acesso aos mercados, “salvo quando eles sejam impedidos por razões imperiosas compreen dendo eventualmente de razões de ordem jurídica”. a linguagem muda e torna-se mais específica:

a) Conceder uma baixa e eliminar obstáculos ao comércio dos produtos importantes para os países em desenvolvi-mento, como os direitos de aduana;

b) abster-se de criar ou de agravar obstáculos tarifários ou não-tarifários às importações de produtos oriundos dos países em desenvolvimento;

c) Prever, nas mudanças das políticas fiscais, a redução e eliminação das medidas fiscais que são obstáculos ao consumo dos produtos originários dos países em desen-volvimento ou cuja maior parte vem destes países;

d) Implementar medidas para manter as margens comer-ciais a níveis equitáveis para as mercadorias produzi-das nos países pouco desenvolvidos, quando o preço é determinado pelo governo;

e) estudar novos mecanismos para melhor acesso aos merca-dos destes países;

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f ) Sempre considerar os interesses comerciais dos países em desenvolvimento, quando se trata da adoção de qualquer medida destinada a resolver os problemas par-ticulares, se ela contraria os interesses dos países.

esses compromissos, como outros, procedem da ação individual e coletiva, como também os países das organizações internacionais. a grande parte inovadora, contudo, é o fim do princípio da reciprocidade absoluta, nas relações entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, princípio repre-sentado pelo artigo XXXvI, parágrafo 8:

“8. as partes contratantes desenvolvidas não esperam re-ciprocidade para os compromissos assumidos por elas nas negociações comerciais, para reduzir ou eliminar os direitos de aduana e outros obstáculos ao comércio das partes con-tratantes pouco desenvolvidas.”

a Conferência de tóquio de 1979 insere, pela primeira vez, regras específicas, aplicáveis aos países em desenvolvimento, como a “cláusula de habilitação”. Já existia um sistema de prefe-rências de acesso aos mercados reservados a estes países, mas, juridicamente, ele não tinha sido instituído anteriormente de forma a gerar efeitos concretos. Segundo o Diretor-geral do Gatt, tratava-se de uma “legalização dos regimes preferenciais, que se tornariam, contudo, parte integrante do sistema do Gatt”.8 essa cláusula não dava aos países em vias de desenvolvimento o direi-to de obter acesso mais fácil aos mercados dos países desenvol-vidos, mas os tornava eligíveis a esse direito. Certos países impor-tantes, como a índia, foram contrários a essa cláusula, argüindo que ela serviria para a desunião do G77 e “seria a origem de uma ação arbitrária das partes contratantes desenvolvidas”.9

a eficácia desse direito sempre foi colocada em questão pela maior parte da doutrina. embora exista um conjunto de normas mais favoráveis aos países do Sul, elas nunca foram plenamente 8 FlOrY, t. “Droit économique et coopération internationale. Chronique de

droit international économique. Commerce.” annuaire Français du Droit International, 1979, XXv, p. 594.

9 FeUer, G. “l’Uruguay round, les pays en développement et le droit interna-tional du développement.” annuaire Français de Droit International, 1994, Xl, note 7, 761.

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implementadas. No entanto, estavam em vigor, produziram efei-tos e representavam uma lógica jurídica de implementação do desenvolvimento internacional.

Subseção III – a supressão de regras precisas

a supressão de regras precisas está associada a uma mu-dança de lógica entre os textos do Gatt, até a rodada do Uruguai e os acordos assinados em Marraqueche. embora identifiquemos um avanço de certos acordos favoráveis aos países do Sul, como o agrícola e o têxtil, os princípios do direito do desenvolvimento sofreram um retrocesso importante.

§ 1º a mudança de lógica

Com a aprovação de regras mais específicas sobre diversos pontos em vários acordos, a parte Iv do Gatt foi enfraquecida. Um novo tipo de relação Norte-Sul foi instaurado. Podemos notar que o acordo de Marraqueche nasceu em uma época caracte-rizada pelo avanço efetivo das teorias neoliberais nas relações comerciais internacionais, acompanhado por um processo de globalização crescente e liberação dos mercados. Mas, a análise mais detalhada dos acordos demonstra que o discurso liberali-zante da maior parte dos países do Norte esconde uma atividade protecionista paralela às negociações, destinada a prevenir o processo de abertura que iria se dar em seguida. Se os países do Norte tomaram iniciativas de prevenção contra a liberação do comércio, a exemplo do aumento de tarifas para certos produtos nos anos-base das negociações, os países do Sul não souberam fazer o mesmo. Os pontos mais importantes do acordo são, por-tanto, a criação de três categorias de países, a distribuição de cláusulas sobre o desenvolvimento no âmbito de vários acordos independentes e a mudança de lógica a respeito da natureza das regras especiais para os países do Sul.

O primeiro ponto refere-se à criação de três categorias de países: “países desenvolvidos”, “países em vias de desenvolvi-mento” e “países menos desenvolvidos”. assim, as regras gerais favoráveis aos países em desenvolvimento foram divididas em dois conjuntos de normas, uma para os países mais pobres, clas-

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sificados como países menos avançados (PMas), outra para os países em vias de desenvolvimento. São classificados como PMas os seguintes: angola, bangladesh, benin, burquina Faso, burundi, república Centro-africana, tchad, Congo, Djibuti, Gâmbia, Guiné, Guiné bissau, Haiti, lesoto, Madagascar, Malawi, Maldivas, Mali, Mauritânia, Moçambique, Myanmar, Nigéria, ruanda, Senegal, Serra leoa, Ilhas Salomão, tanzânia, togo, Uganda e zâmbia. em resumo, 30 dos 44 países menos avançados considerados pelas Nações Unidas fazem parte da Organização Mundial do Comércio.

a classificação países em vias de desenvolvimento e países menos avançados fundamenta-se exclusivamente no Produto Nacional bruto per capita do país em questão, o qual deve ser inferior a mil dólares americanos. assim, um anexo foi inserido no acordo, com a lista de 20 países menos avançados. Quanto aos outros países, que não fazem parte dessa lista, a partir do momento que eles têm um PNb per capita inferior a mil dólares americanos, também são considerados países menos avançados.

a utilização do PNb per capita não é suficiente para medir a pobreza de um país. esse índice mostra a visão reduzida da OMC sobre o conceito de desenvolvimento. embora se conheça a insuficiência dessa medida como indicador do desenvolvimento de um país, sua adoção pela OMC deu origem à sua utilização por um número crescente de atores e de textos jurídicos que anali-sam o tema. a insuficiência do indicador vem do fato de que o valor nominal do dinheiro não mede o nível de desenvolvimento de um país. é bem verdade que ele é um indicador considerável, mas não é o único, tampouco o melhor.

a consideração do nível de desenvolvimento seria mais interessante se a OMC adotasse um critério compreendido como ex-pansão de liberdades.10 O acesso a um maior número de escolhas, de esperança de vida, de informação, já considerando o nível de igualdade, e os confrontando com outros instrumentos de medi-ção. assim, os outros indicadores mais apropriados do que o Pro-duto nacional bruto per capita poderiam ser utilizados, a exemplo do índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, que seria mais confiável, de fácil acesso e, além do mais, renovável anualmente.

10 ver os trabalhos de amartya Sen, Prêmio Nobel de economia de 1999.

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é importante dizer que a participação desses países na OMC é quase inexistente. Os países membros menos avançados não participam ativamente das reuniões em Genebra. vinte e nove dos 30 países menos avançados não têm sequer representação nesta cidade. a sua participação no Organismo de Solução de Controvérsias é quase inexistente ou auxiliar.

a segunda categoria é a dos países em vias de desenvolvi-mento, que são os outros que não estão na lista dos PMas e que não são também países desenvolvidos. esses países compõem a grande maioria dos países da OMC. No conjunto, nota-se uma va-riedade importante de níveis de desenvolvimento e qualidade de vida, sendo um grupo altamente heterogêneo, que compreende tanto os novos países industrializados (NICs) quanto os mais po-bres, mas não o suficiente para integrar a lista dos PMas. De fato, 80% do total das exportações do Sul vêm apenas de 15 países.11 Um tratamento diferenciado pode contribuir para a concentração das ajudas nos países que têm maior necessidade com a condição de que contenha regras específicas e realmente mais vantajosas para esse conjunto de países.

a terceira categoria é a de países desenvolvidos. esses países declaram-se desenvolvidos e fazem parte de um mesmo sistema comercial. existem cerca de 40 países desenvolvidos no âmbito da OMC, portanto um número minoritário.

até o acordo de Marraqueche, as regras aplicadas aos países do Sul eram mais concretas e previstas por um período indetermi-nado. O artigo XvIII:b do Gatt sobre a balança de pagamento era fundamental neste contexto e ilustra bem o tratamento especial, autorizando medidas de proteção sobre um setor econômico interno, passando pelo controle das importações e a instituição de restrições quantitativas para assegurar o equilíbrio da balança de pagamentos:

“as partes contratantes reconhecem também que pode ser necessário para as partes contratantes visadas pelo parágra- 11 rICUPerO, r. towards a “Development round”. Conference in Honor of ray-

mond vernon, 2000, p. 28 12 ver também a comunicação da índia ao Conselho Geral da OMC. Preocu-

pações relativas à implementação dos dispositivos dos diversos acordos da OMC sobre o tratamento diferenciado e mais favorável para os países em desenvolvimento e para os menos avançados. Wt/GC/W/108.

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fo primeiro, a fim de executar seus programas e políticas de desenvolvimento econômico orientados para a melhoria do nível de vida geral de suas populações, tomar medidas de proteção ou outras medidas que afetem as importações e que tais medidas sejam justificadas como sendo para facilitar a realização dos objetivos do presente acordo. elas estimam, em conseqüência, que é possível prever em favor das partes contratantes em questão, facilidades adicionais que lhes per-mitam a) proporcionar à estrutura de suas tarifas aduaneiras uma flexibilidade suficiente para que elas possam praticar a proteção tarifária necessária à criação de um setor de produ-ção determinado e b) instituir restrições quantitativas desti-nadas a proteger o equilíbrio da sua balança de pagamentos de maneira que se considere plenamente o nível elevado e es-tável da demanda de importações susceptível de ser criado para a realização dos seus programas de desenvolvimento econômico.”12

as normas jurídicas favoráveis aos países do Sul tornaram--se muito mais vagas, quase sem efeitos concretos. a parte Iv do Gatt perdeu seu valor com a emergência dos acordos que com-põem a OMC. as normas são distribuídas entre os vários acordos, de forma não-sistemática. a maior parte delas figura nos preâm-bulos dos textos dos acordos, sem disposições concretas, espe-cíficas. a não-existência de uma parte específica, como a parte Iv do Gatt, com efeitos concretos para esses países, demonstra o quanto a importância desses antigos princípios de direito do desenvolvimento foi reduzida no âmbito do direito internacional econômico. Na prática, essa imprecisão de normas já foi utilizada como argumento contra os pedidos dos países em desenvol-vimento. Na esfera do antigo Gatt, no processo Comunidade européia – restrições à exportação de açúcar, a Comunidade euro-péia argumentou que essas normas eram muito genéricas e que não seriam suficientes para criar obrigações específicas,13 muito embora o argumento não tenha tido conseqüências específicas concretas para a resolução do caso. Segundo o OSC:

“O representante das Comunidades européias reafirmou 13 In l/5011 – 27S/74, a argumentação não foi aceita pelo panel, ver também o

parágrafo 4.3.

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que os dispositivos do artigo XXXvI constituem princípios e objetivos e não poderiam ser interpretados como [normas] criadoras de obrigações precisas e determinadas. Não seria então possível, por definição, constatar qualquer violação destes princípios, com a aplicação de uma medida especí-fica.”

as normas mais favoráveis aos países do Sul são designa-das como “regras sobre o tratamento especial e diferenciado”. a situação dos países do Sul em cada acordo pode correspon-der a quatro categorias: a existência de normas mais favoráveis aos PMas e de normas um pouco menos favoráveis aos países em vias de desenvolvimento, mas ainda mais favoráveis do que as normas reservadas aos países desenvolvidos; as normas mais favoráveis apenas aos países menos avançados; as normas mais favoráveis aos países menos avançados e aos países em vias de desenvolvimento em condições iguais; e a não-existência de discriminação entre os países do Sul e os países do Norte.

Na primeira categoria, caracterizada pela referência a um tratamento mais favorável aos PMas, e um pouco menos favo-rável aos países em vias de desenvolvimento, identificam-se: o acordo de 1994 instituindo a OMC, o acordo Geral sobre tarifas aduaneiras e Comércio, o acordo sobre a agricultura, o acordo Multifibras, o acordo sobre as Medidas referentes aos Investi-mentos ligados ao Comércio, o acordo trIPS, o memorando de acordo sobre as regras procedimentais que regulam a solução de controvérsias, entre outros.

Na segunda categoria, que compreende os PMas, identifica--se, por exemplo, o acordo Geral sobre o Comércio de Serviços.

Na terceira categoria, que trata dos países do Sul, sem dis-criminações, identificam-se o Gatt de 1994, o memorando de acordo de 1994 sobre as disposições do acordo Geral sobre tari-fas aduaneiras e o Comércio, relativas à balança de pagamentos, o Protocolo de Marraqueche, o anexo do acordo geral de tarifas 14 O acordo apresenta uma distinção, mas o benefício oferecido aos países

menos avançados é tão vago que não pode ser considerado uma diferen-ça importante. “art 10 (1) Dans l’élaboration et l’application des mesures sanitaires ou phytosanitaires, les membres tiendront compte des besoins spéciaux des pays en développement membres, et en particulier des pays les moins avancés membres.”

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aduaneiras e o comércio de 1994, o acordo sobre Medidas Sani-tárias e Fitossanitárias14, o acordo sobre inspeção antes de expe-dição.

Na quarta categoria, que não estabelece diferenças entre os países do Sul e os do Norte, existe, por exemplo, o acordo sobre os Obstáculos técnicos ao Comércio.

a elaboração de normas mais favoráveis aos países do Sul pode assumir duas formas:

1. a exclusão dos PMas, ou de todos os países em vias de desenvolvimento, e das obrigações do acordo por um prazo indefinido

2. a exclusão temporária ou a inclusão gradual no acordo. Neste último caso, após certo período de tempo, os paí-ses beneficiários são considerados do mesmo modo que os países desenvolvidos, sem nenhuma discriminação.

Na primeira categoria (período indefinido), situa-se o acor-do sobre medidas sanitárias e fitossanitárias.

Na segunda categoria (redução gradual), identifica-se a maior parte dos acordos contendo benefícios concretos para os países em desenvolvimento, como o Protocolo de Marraqueche e o anexo ao acordo Geral sobre tarifas e Comércio. Nestes casos, os acordos prevêem um período mais importante aos países me-nos avançados para que estes cumpram com as suas obrigações. O acordo sobre os direitos de propriedade intelectual ligada ao comércio (trIPS) é um exemplo. ele garante um período de quatro anos aos países em desenvolvimento e de dez aos países menos avançados:

“art. 65.2. Um País em desenvolvimento Membro tem direito a postergar a data de aplicação das disposições do presente acordo, estabelecida no parágrafo 1, por um prazo de qua-tro anos, com exceção dos artigos 3, 4 e 5.”“art. 66.1. em virtude de suas necessidades e requisitos especiais, de suas limitações econômicas, financeiras e administrativas e de sua necessidade de flexibilidade para estabelecer uma base tecnológica viável, os países de menor desenvolvimento relativo Membros não estarão obrigados

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a aplicar as disposições do presente acordo, com exceção dos artigos 3, 4 e 5, durante um prazo de dez anos contados a partir da data de aplicação estabelecida no parágrafo 1 do artigo 65. O Conselho para trIPS, quando receber um pedido devidamente fundamentado de um país de menor desenvolvimento relativo Membro concederá prorroga-ções desse prazo.”

a partir desta análise de distribuição e de diferenças de tratamento entre países desenvolvidos, países em vias de desen-volvimento e países menos avançados, referente à concessão de prazos, é possível notar que, na maior parte dos acordos, as refe-rências aos países menos avançados são vagas ou sem possibili-dade de efeito concreto que mude algo nas relações desiguais de acesso ao mercado. as expressões do tipo “os países considerarão as necessidades dos países em desenvolvimento” abundam nos textos, mas essa precaução não parece ter nenhum efeito prático. a manutenção dessas expressões tem, sobretudo, um efeito psi-cológico, de retórica jurídica, destinado a enriquecer o discurso, mas não tem de forma alguma o objetivo de ter efeitos práticos, salvo em raras exceções, como na interpretação dos árbitros, du-rante a interpretação arbitral em um caso, em que se considerou o conjunto de normas da OMC como um todo, e a necessidade de maiores negociações, o que será estudado a seguir.

O acordo sobre as barreiras técnicas ao comércio ilustra bem a questão. as suas normas favoráveis aos países em desenvol-vimento limitam-se ao preâmbulo, e seu valor não passa do sim-bólico. elas reconhecem que o acordo pode ser interessante para a transferência de tecnologia, mas nenhum meio de concretizar esta transferência é fixado. ele reconhece que os países do Sul po-dem ter dificuldades na implementação do acordo, mas nada de especial lhes é atribuído para aliviar essas obrigações:

“reconhecendo o contributo que a normalização interna-cional pode prestar à transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento;

15 YOUSSeF, H. Special and differential treatment for developing countries in the WtO. trade-related agendas, Development and equity. Geneva: South Centre, 1999, p. 26-27.

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reconhecendo que os países em desenvolvimento podem encontrar dificuldades especiais na elaboração e aplicação de regulamentos técnicos, de normas e de procedimentos de avaliação da conformidade com regulamentos técnicos e normas, e desejando assisti-los nos seus esforços nesta matéria.”

Outros acordos, mesmo se isolados, têm regras mais pre-cisas, como ajuda à exportação ou apoio interno à produção, que devem corresponder a percentagens diferenciadas entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. De fato, vários países em desenvolvimento utilizam essas medidas para atrasar ou aliviar os efeitos dos acordos comerciais.15

todavia, a característica mais interessante desses acordos é a mudança de visão no que se refere aos países do Sul. Muitos acordos concedem prazos diferenciados para a entrada em vigor das suas disposições nos países do Sul e, entre esses acordos, en-contramos o de propriedade intelectual (trIPS), que certamente é um dos mais importantes. aqui, a visão do desenvolvimento muda. Se, antes do acordo de Marraqueche, o direito internacio-nal econômico considerava que os países em desenvolvimento gozavam de privilégios por um prazo indeterminado até que eles atingissem um estágio de desenvolvimento, autorizando-os a participar do mercado internacional, o novo acordo concede--lhes um período de cinco anos, sete, às vezes dez anos, para permitir-lhes se tornarem competitivos.

Juridicamente eles são considerados mais fracos, e é por isso que são beneficiados por um lapso de tempo superior para a implementação das novas regras de Direito Internacional eco-nômico. Não há nada de mal em se conceder um período mais amplo, ou de melhores condições, mais adaptadas a esses países. Contudo, uma dúvida resta: por que, mesmo depois de cinco, sete ou dez anos, eles ainda não estão no ponto de opor uma indústria competitiva à indústria dos países desenvolvidos? ao contrário, a maior parte dos prazos já se esgotou, e a desigualdade Norte-Sul é maior ainda do que era em 1994.16

Mesmo se fosse acordado um período maior, isso seria ain- 16 ver PNUD. rapport du développement humain, 2001.

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da inadequado, considerando que a solução não está no lapso de tempo concedido, mas em muitos fatores que contribuem ao es-tado de desenvolvimento do país. Uma situação muito complexa que não pode ser resolvida com a possibilidade “de se tornar com-petitivo em um setor-chave durante certo período”. a implemen-tação das novas regras jurídicas criou e vai criar um outro cenário ainda pior para o desenvolvimento desses países.

as normas do direito do desenvolvimento, que evoluíram até os anos 70, perderam sua importância nos acordos de 1994. O direito do desenvolvimento torna-se um tipo de soft norm no âmbito do Direito Internacional econômico, mais rígido e mais eficaz. Os princípios da desigualdade compensadora, do sistema geral de preferência e da não-reciprocidade são reduzidos até que chegam a ser aplicáveis somente em situações muito espe-cíficas e, na maior parte dos casos, somente são aplicáveis a um número extremamente reduzido de países, os PMas, que quase não participam do comércio mundial, a exemplo dos 36 países subsaharianos, que exportam 2,2% das exportações mundiais. em conseqüência, no contexto global, os países do Sul não obti-veram a elaboração de normas capazes de mudar a desigualdade em curso. Mesmo para esses países, os acordos não se mostraram mais favoráveis, considerando que os produtos exportados são compostos, sobretudo, de produtos agrícolas (20%) e têxteis (6%). O resto das exportações está concentrado em alguns pou-cos países exportadores de petróleo.17 a agricultura e os produtos têxteis são, por conseqüência, os acordos que mais interessam à maior parte dos países do Sul.

§ 2º Os acordos sobre o setor agrícola e o setor têxtil

No caso dos produtos agrícolas e dos produtos têxteis, os dois acordos assinados criaram normas favoráveis a uma parte dos países do Sul, mas os benefícios obtidos pelos países do Nor-te a partir de outros acordos são mais importantes. a agricultura, 17 FOOter, M. e. “Developing country practice in the matter of WtO dispute

settlement. “Journal of World trade, 2001, 35(1), p. 60. 18 “Certains auteurs les qualifient d’importateurs nets.” 19 vINCeNt. “l’impact des négociations de l’Uruguay round sur les pays en

développement. “, op. cit., p. 495.

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que tinha sido excluída dos textos do Gatt, representa o principal objeto de exportação dos países em desenvolvimento. todavia, inúmeros desses países, que exportam alguns produtos impor-tantes para suas economias, não são auto-suficientes e precisam importar outros. Outros países em desenvolvimento são auto--suficientes, mas seus produtos não são competitivos em relação aos preços do mercado internacional, existindo a necessidade de proteger seu mercado nacional para assegurar a manutenção de seu sistema agrícola, base de suas sociedades. existe, ainda, uma parte considerável de países que importam todos os produtos agrícolas consumidos internamente.18

Nas negociações da rodada do Uruguai, pela primeira vez, a Declaração Ministerial de Punta del leste não apresentou nenhu-ma referência ao estatuto diferenciado da produção agrícola. Isso significa que a agricultura era tratada como um mercado qualquer e, portanto, liberalizado. a abertura criava uma situação vantajosa em relação aos países em desenvolvimento exportadores de pro-dutos agrícolas, ao mercado europeu sobretudo, e para os produ-tos tropicais.19

ao longo das negociações foi criada uma união de países exportadores de produtos agrícolas, conhecida como Grupo de Cairns. é o único caso de negociação em bloco realizada pelos países em desenvolvimento reagrupados ao redor de um objetivo comum, durante toda a duração das negociações da rodada do Uruguai, a fim de contrabalançar o peso da União européia, mas o Grupo de Cairns não é uma união de países em desenvolvimento, e sim uma união de países exportadores agrícolas, desenvolvidos ou em desenvolvimento. ele é formado por argentina, austrália, brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Hungria, Indonésia, Malásia, Nova zelândia, Filipinas, tailândia e Uruguai. Os estados Unidos ne-gociaram, paralelamente, a liberalização do comércio agrícola, 20 vINCeNt. “l’impact des négociations de l’Uruguay round sur les pays en

développement.”, op. cit., p. 495. 21 De acordo com o texto do acordo, são consideradas barreiras não-tarifárias:

“estas medidas incluem as restrições quantitativas à importação, os direitos niveladores de importação variáveis, os preços mínimos de importação, os regimes de importação discricionários, as medidas não-pautais aplicadas por intermédio de empresas comerciais estatais, as autolimitações das exportações e as medidas similares aplicadas nas fronteiras, com exceção dos direitos aduaneiros propriamente ditos”.ver nota do artigo 4, do acordo sobre Produtos agrícolas.

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que tinha como principal opositor a União européia, sobretudo a França. a liberalização agrícola teria impactos econômicos po-sitivos para esses países, na medida em que se poderia aumentar consideravelmente o volume das suas exportações. Os agriculto-res europeus, especialmente os franceses, são os mais resistentes e determinados a salvar o mercado comum. em razão do seu peso político e da evolução das negociações, podemos concluir que esses agricultores não puderam impedir as pretensões jurídico--econômicas do Grupo de Cairns.

Os países em desenvolvimento, em geral, tinham posições diversas, de acordo com a situação de cada um. esperava-se, com a abertura do mercado europeu, um aumento de preços dos pro-dutos agrícolas, considerando a criação de um mercado onde os preços são hoje mais elevados. a demanda aumenta e a oferta se mantém20. assim, os países em desenvolvimento, cujas estruturas so-ciais dependem de um protecionismo agrícola, eram a favor da con-tinuidade das exceções para assegurar a estabilidade dos preços. Os importadores absolutos também. então, apenas os grandes exportadores agrícolas, sobretudo os exportadores absolutos, seriam beneficiados.

O texto final prevê uma liberalização do comércio agrícola a curto e médio prazos. as barreiras não-tarifárias devem ser con-vertidas em direitos de duana21. todavia, os países em desenvolvi-mento foram beneficiados com dispositivos de acesso mais fácil aos mercados e de condições mais favoráveis no processo de libe-ralização. Previa-se, assim, que os países em desenvolvimento, de estrutura agrícola frágil, não seriam obrigados a fazer parte dessa liberalização. Devemos também notar que o acordo agrícola não prevê a abertura gradual por setor durante os primeiros dez anos, o que torna impossível aos países interessados – desenvolvidos ou em desenvolvimento – exigir medidas concretas de abertura comercial para seus produtos durante esse período, uma situação diferente da vista no caso dos produtos têxteis.

O texto final é constantemente apresentado como uma vi-tória dos países do Sul. Se se trata, de fato, de uma vitória, não se 22 Outros elementos poderiam ser citados, mas fogem ao objeto do presente

trabalho. 23 HUrrel, a., WOODS, N. Inequality, globalization, and world politics. Oxford:

Oxford University, 1999, p. 18.

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compara aos avanços dos acordos benéficos aos países do Norte. enquanto todos os acordos comerciais apresentam uma agenda de implementação, o acordo sobre a agricultura tem um texto vago, sem prazos concretos para a abertura comercial; e, mes-mo depois do término dos prazos previstos, nenhuma mudança importante foi realizada. Nas negociações de Doha, na quarta reunião ministerial, em 2001, a agricultura foi, mais uma vez, co-locada na mesa de negociações para que os países interessados pudessem começar a negociar efeitos concretos, enquanto os outros acordos da OMC já estavam em vigor há muitos anos. além disso, não se pode ver nesse acordo uma vitória de todos os paí-ses do Sul, mas somente dos países exportadores agrícolas.

O setor têxtil é também citado como um segundo setor no qual os países em desenvolvimento foram beneficiados, uma vez que este é um dos setores em que os países em desenvolvimen-to têm maior facilidade de se tornar competitivos no mercado internacional. Muitos fatores somam-se para tornar possível essa competitividade, como a necessidade de mão-de-obra importan-te e a produção local de matéria-prima22. em alguns países, como bangladesh ou Sri lanka, a exportação têxtil representa a metade do total exportado;23 na ásia inteira, 14%, na áfrica subsahariana, 24%, e na américa latina e Caribe, 8% do total exportado. O setor têxtil é um dos mais importantes da economia mundial, ainda que tenha perdido importância para outros setores em forte emergência, como a informática. até a rodada do Uruguai, o principal instrumento jurídico multilateral de regulamentação do setor era o acordo Multifibras (aMF), que permitia às indús-trias dos países desenvolvidos controlar uma parte importante do mercado, graças à conservação de práticas protecionistas.

Durante as negociações, os países em desenvolvimento tentaram reduzir o protecionismo do aMF, enquanto os países de-senvolvidos tentavam impedir o avanço das negociações. Foi em 1991, a partir do relatório Dunkel do Diretor-geral do Gatt,24 que as negociações tomaram amplitude.25 Os países em desenvolvi-mento obtiveram êxito ao impor a liberalização do setor, mas essa 24 O Diretor Geral do Gatt, nesta época, era arthur Dunkel. 25 vINCeNt. “l’impact des négociations de l’Uruguay round sur les pays en

développement. “, p. 498. 26 v. artigo 8. 27 Wt/DS24/ab/r et Wt/DS24/r.

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liberalização é prevista para se tornar efetiva após um prazo de dez anos a contar de 1º de janeiro de 1995. Durante esse período, o acordo prevê que as medidas protecionistas podem continuar, mas devem desaparecer progressivamente, de acordo com um calendário pré-fixado. este calendário não é muito rigoroso, con-siderando que ele prevê a abertura de 49% do mercado depois do fim do prazo de dez anos. a abertura faz-se gradualmente e simultaneamente em quatro setores predeterminados: as fibras de tecidos, os tecidos, os artigos confeccio nados e as roupas. O acordo cria também um órgão de supervisão dos produtos têxteis (OSpt), destinado a supervisionar sua implementação.26

O mercado de seda não faz parte do novo acordo, que prevê a entrada gradual de diferentes produtos têxteis, o que permite aos países desenvolvidos cumprir com as suas obrigações sem retirar as importantes restrições estabelecidas sobre inúmeros produtos. além do mais, os longos prazos concedidos para a liberalização do setor e a entrada progressiva nos mercados pos-sibilita às indústrias dos países desenvolvidos tornarem-se mais competitivas.

De qualquer modo, o acordo já possibilitou o acesso dos pa-íses em desenvolvimento a mercados importantes. essas medidas tornam, de certa forma, possível aos países em desenvolvimento exigir a abertura de mercados dos países do Norte no âmbito do Organismo de Solução de Controvérsias. O primeiro país a utilizá--lo foi a Costa rica, em um processo contra os estados Unidos, o caso estados Unidos – restrições quantitativas referentes às rou-pas de baixo provenientes da Costa rica.27 esse processo tinha como objetivo a mudança da norma americana Federal register 32653, referente à aplicação de regras do acordo sobre os têxteis e roupas (atv), já que esta impedia o acesso dos produtos da Cos-ta rica ao mercado americano. Importa ressaltar que os estados

28 Os países-membros da OMC podem pedir consultações ao Órgão de Solu-ção de Controvérsias para verificar a compatibilidade das medidas comer-ciais com as normas da OMC. Durante o período das consultações, eles são livres para tomar medidas comerciais de salvaguarda, o que pode ser bené-fico aos estados mais poderosos.

29 a decisão do Órgão de apelações é de 5 de fevereito de 1997, e os estados Unidos tiveram ainda um pouco de tempo legal para mudar as suas normas.

30 estados Unidos – medidas que afetam as importações de camisas, blusas, de lã, tecidos, em proveniência da índia, Wt/DS33/ab/r et Wt/DS33/r

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Unidos solicitaram “consultas”28 sob o fundamento de que suas indústrias sofriam prejuízos graves em virtude das exportações da Costa rica e, portanto, medidas de proteção deveriam ser im-plementadas. as medidas foram, enfim, instauradas, mas durante as consultações os estados Unidos não conseguiram demonstrar o prejuízo grave alegado. a Costa rica pediu então a abertura de um painel, e os estados Unidos prorrogaram ainda por 12 meses as medidas de salvaguarda. O Grupo especial condenou então os estados Unidos a mudar sua norma, decisão que foi o objeto de apelação. O Órgão de apelações confirmou o relatório do Grupo especial e obrigou os estados Unidos a mudarem suas medidas. De qualquer modo, os estados Unidos ganharam tempo, uma vez que se passaram dois anos.29 embora o sistema de resolução de Controvérsias já seja muito mais eficaz no controle de normas que os outros sistemas internacionais dessa envergadura, esse período de tempo pode ser suficiente para falir muitas indús-trias mais frágeis, como as dos países do Sul.

a índia também exigiu a abertura de um painel pelos mes-mos motivos, em 1996,30 ou seja, pelas restrições norte-america-nas infundadas, em razão dos acordos têxteis. Do mesmo modo, o Grupo especial condenou os estados Unidos. é interessante notar que um mês depois da publicação do relatório provisório pelo OSC, os estados Unidos anunciaram que eles iriam retirar a medida de salvaguarda, “em função de uma baixa regular das im-portações de camisas, blusas de lã tiçadas, originárias da índia, e

31 Wt/DS33/ab/r, p. 4. ver também US Federal register, de 12 de março de 1999, documento n. 99-6098, citado por FOOter. “Developing country prac-tice in the matter of WtO dispute settlement.”, p. 77.

32 etats-Unis – Medidas de salvaguarda transitórias aplicadas aos fios de algo-dão penteado de origem do Paquistão, Wt/DS192

33 ver também FOOter. “Developing country practice in the matter of WtO dispute settlement.”, p. 77. No tocante à utilização dos estados Unidos do procedimento de execução e sua adequação ao calendário eleitoral ame-ricano, ver: rUIz FabrI, H. “le contentieux de l’exécution dans l’Organe de règlement des différends de l’Organisation mondiale du Commerce.” Jour-nal du droit international, 2000 (3), p. 610.

34 rUIz FabrI, H. le règlement des différends au sein de l’OMC: naissance d’une juridiction, consolidation d’un droit. In: Souveraineté étatique et mar-chés internationaux à la fin du 20eme siècle. a propos de 30 ans de recher-che du CreDIMI. Mélanges en l’honneur de Philippe Kahn. Paris: litec, 2000, p. 304, 305 e 314.

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o ajustamento do setor produtivo”. em outras palavras, os estados Unidos mudaram de opinião após a verificação da irregularidade de suas medidas, para evitar uma condenação e a formação de precedentes contra as medidas protecionistas norte-americanas no setor têxtil. todavia, a índia pediu ao Grupo especial para que se desse prosseguimento em seus trabalhos e fosse produzido um relatório completo sobre a controvérsia. a função de um re-latório será, em primeiro lugar, formar uma base legal para casos futuros a respeito do mesmo tema e, por último, ter um efeito simbólico, em razão dos problemas políticos em jogo.31

Os estados Unidos também impuseram as mesmas medi-das unilaterais ao Paquistão, em 5 de março de 1997. No dia 17 de março, o Paquistão pediu a abertura de um painel sobre essa medida, pelas mesmas razões dos casos precedentes, a violação dos artigos 2.4 e 6 do acordo sobre os produtos têxteis e roupas. Os dois países continuaram a negociar, sem resultados, até a for-mação do painel, em abril de 2000.32 a decisão do Grupo especial gerou recurso e o Órgão de apelações emitiu uma decisão condenando os estados Unidos em setembro de 2001. a insis-tência com a qual os estados Unidos adotam medidas unilaterais contra países exportadores de algodão, fundamentados em um ponto já condenado pelo OSC, pode nos conduzir à conclusão de que sua verdadeira intenção é retardar a implementação do acor-do sobre os produtos têxteis e roupas, para que suas indústrias possam ganhar tempo.33

Certos autores34 consideram que as ações unilaterais norte-ame ricanas no domínio têxtil são intencionais. Os estados Unidos já saberiam sobre a ilegalidade das suas medidas e ganhariam tempo com o OSC para impô-las. Considerando que os processos não têm efeito suspensivo e que as compensações impostas pelo OSC não são retroativas, os países mais desenvolvidos podem utilizar esse lapso de tempo e sua capacidade de suportar ou 35 embora exista um controle da execução, para evitar abusos, o sistema de

sanções já é um avanço importante para os países mais avançados. ver: ruiz Fabri, H. “le contentieux de l’exécution dans le règlement des différends de l’Organisation mondiale du commerce.” Journal du droit international, 2000, 127(3), p. 606.

36 Início da implementação do acordo sobre produtos têxteis. 37 UNDP. Human development report. New York: Oxford University Press, 1997,

p. 86-87.

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impor sanções econômicas35 como um instrumento de política comercial legítima, o que demonstra, de um lado, o caráter im-perfeito do sistema, muito embora haja avanços em certas áreas comerciais.

* * *

O acordo sobre os Produtos têxteis representa, portanto, um avanço para os países do Sul. De qualquer modo, esse acordo e o acordo sobre a agricultura ainda devem avançar. Consideran-do a importância dos dois temas para o comércio dos países do Sul, e o atraso na implementação das reduções tarifárias sobre os produtos têxteis em relação à situação de outros produtos comer-cializados, os produtos dos países em desenvolvimento sofriam em 199736 uma tarifa superior em 10% à média dos produtos oriundos dos países desenvolvidos, e os países menos avançados sofriam uma tarifa em média 30% superior, no mesmo ano. Quan-do as reduções terminarem sobre os acordos têxteis, a média ta-rifária será ainda mais discrepante, de 12%, ou seja, mais que três vezes a média aplicada aos produtos dos países desenvolvidos.37 ainda que o prazo de implementação seja longo, ele já gerou conquistas importantes, que não teriam sido possíveis antes das negociações da rodada do Uruguai. O acordo sobre a agricultura não produziu ainda reduções importantes das subvenções inter-nas conferidas aos agricultores, a exemplo das discussões para a fixação de quotas que ganharam amplitude a partir de 1995, com 38 No tocante às implicações de um regime não-contencioso em uma situação

concreta, ver: rUIz FabrI, H. “Preuve et secret dans le règlement de différen-ds de l’Organisation mondiale du commerce. “l’astrée. revue de droit pénal et de droits de l’homme, 2000 (12), p. 61-62.

39 O sistema jurídico criado diferencia-se do sistema anterior do Gatt, na me-dida em que os relatórios são adotados, exceto se há um consenso negativo contra a sua adoção. antes, era preciso um consenso positivo das recomen-dações adotadas pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio In: rUIz FabrI, H., SICIlIaNOS, l.-a. et SOrel, J.-M. (eds). l’effectivité des organisations internationales: mécanismes de suivi et de contrôle. athènes et Paris: ant. N. Sakkoulas et Pedone, 2000, p. 156.

40 existe a predominância do princípio da solução negociado, mesmo se o OrD é cogente. ver rUIz FabrI, H. “le contentieux de l’exécution dans l’Organe de règlement des différends de l’Organisation mondiale du Commerce.” Jour-nal du droit international, 2000 (3), p. 607.

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as conferências interministeriais, mas sem resultados concretos. O respeito às vantagens obtidas pelos países do Sul pode ser exigido via uma ação junto ao Organismo de Solução de Controvérsias. tais conquistas mostram a importância das regras de procedimento específicas com que os países do Sul podem se beneficiar no con-texto do sistema de solução de controvérsias.

Seção II – regras procedimentais do Memorando de entedimento sobre regras e procedimentos que regem a solução de controvér-sias

O sistema jurídico, criado para que se tornem eficazes os acor-dos da OMC, é fundamentado em um duplo mecanismo, um pre-ventivo e não-contencioso,38 implementado pelo Órgão de exame de Políticas Comerciais, órgão pleno composto pelos estados--Membros, e outro contencioso e quase-jurisdicional, aplicado pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).39 O Órgão de Solução de Controvérsias é, então, um dos elementos centrais da OMC, e sua finalidade consiste em possibilitar a resolução de controvérsias comerciais entre os países.40 ele tem como base regras procedimentais, determinadas pelo Memorando de acordo sobre as regras e os procedimentos que regem a resolução de contro-vérsias (DSU). O DSU fixa um conjunto de normas específicas para os países em desenvolvimento e para os menos avançados, com o objetivo de possibilitar condições suficientes para compensar a diferença entre países do Sul e do Norte, na implementação e no controle dos acordos da OMC. é uma forma de concretização do princípio da desigualdade compensadora, derivada do direito do desenvolvimento.

entre os textos da OMC, o DSU é o que apresenta mais nor-mas concretas em favor dos países em desenvolvimento. De fato, a participação dos países do Sul no DSU é muito mais freqüente no âmbito da OMC do que era no sistema anterior do Gatt. Sob 41 FOOter. “Developing country practice in the matter of WtO dispute settle-

ment.”, op. cit., p. 58 42 FOOter. “Developing country practice in the matter of WtO dispute settle-

ment.”, op. cit., p. 58-59. 43 rUIz FabrI, H. “le règlement de différends dans le cadre de l’Organisation

mondiale du commerce.” Journal du droit international, 1997 (3), p. 729-730.

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os auspícios do Gatt, o sistema de resolução de controvérsias era utilizado na grande maioria – 94% – pelos países do Norte, em particular estados Unidos, Canadá, Comunidade européia e Ja-pão. Os 6% restantes representavam a totalidade da participação dos países do Sul. entre 1995 e 2001, a participação dos países do Sul aumentou bruscamente, para passar a 40%. essa participação compreende sua posição tanto como autor quanto como réu. Nos 17 casos, os países do Sul apresentaram-se nos dois pólos do procedimento.41

O número de países do Sul participando do sistema é tam-bém representativo. Mais de 30 já foram implicados nos casos tra-tados pelo Órgão de Solução de Controvérsias, o que demonstra que uma parte importante dos países do Sul já recorreu a esse sis-tema, como Costa rica, Guatemala, Honduras, Indonésia, Malásia, Paquistão, Peru, Filipinas, Singapura, Sri lanka, equador, Panamá, trindade e tobago. em geral, o sistema do Gatt era utilizado so-mente por alguns países do Sul,42 mas aqui os países em vias de desenvolvimento estiveram na origem de 23% dos casos.

três fatores contribuem para tanto. em primeiro lugar, o au-mento dos países do Sul com presença no âmbito da OMC é mais forte do que no Gatt. em seguida, o aumento dos temas tratados pelos novos acordos, que contribui para aumentar o interesse dos países do Sul. enfim, uma maior confiança no sistema de solução de controvérsias, que se revelou mais neutro e mais fiável do que o seu antecessor no Gatt.

Os dispositivos do DSU baseados no princípio da desigual-dade compensadora são destinados parte aos países do Sul, de modo geral, e, de outra parte, aos países menos avançados. as-sim, identificam-se dez dispositivos diferentes do DSU, presentes nos artigos 3.12, 4.10, 8.10, 12.10, 12.11, 21.7 e 27.2 de todos os países e 24.1 e 24.2, específicos dos países menos avançados.43 analisaremos o conteúdo e a utilização de cada um desses dis-positivos nas decisões proferidas e a diferença de tratamento real com o tratamento reservado a um país do Norte, em razão dos dispositivos não-específicos.

a) O artigo 3.12 e a decisão de 1966 44 IbDD, S14/19. 45 No texto, as partes contratantes do Gatt, que precisam ser adaptadas hoje

à OMC.

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em geral, quando um país deposita uma reclamação jun-to ao OSC, o procedimento seguido é o previsto pelos artigos 4 (consultas), 5 (arbitragem, conciliação e mediação), 6 (estabele-cimento de grupos especiais) e 12 (procedimentos de grupos especiais) do Memorando de entendimento, que regulamenta os procedimentos de consulta, os prazos para a consulta, a esco-lha da arbitragem e a formação, se for necessária, de um grupo especial para o julgamento do caso. Os países do Sul têm poder de escolha acerca da utilização ou não da decisão de 5 de abril de 1966,44 que oferece uma possibilidade de mediação, sob a super-visão do Diretor Geral da OMC.

Se a mediação não oferece solução entre as partes, o dire-tor-geral deve submeter o caso aos membros da OMC,45 ou seja, pedir a formação de um painel. esse painel vai se basear sobre o relatório do Diretor Geral sobre um tema. Segundo a decisão de 1966, os membros deverão ser designados pela instituição e apro-vados pelos membros da OMC.

Uma outra especificidade da decisão de 1996 é que o painel deverá considerar as circunstâncias nas quais se encontram os países em desenvolvimento e os impactos da implementação das medidas, figurando no acordo sobre o desenvolvimento econô-mico desses países. enfim, ela fixa um prazo de 60 dias, para que o painel emita seu relatório.

O dispositivo em questão não tem utilidade concreta. a re- 46 Optamos por utilizar a palavra “juiz” para designar os membros do OSC, con-

siderando que o sistema de resolução de controvérsias torna-se cada vez mais jurisdicional. alguns autores, como rUIz FabrI (entrevista de 22 de fe-vereiro de 2002) são favoráveis a esta visão, enquanto outros são contrários. ver também rUIz FabrI, H. le règlement des différends au sein de l’OMC: naissance d’une juridiction, consolidation d’un droit. In: op. cit., p. 155.

47 artigo 8.5. Os painéis serão compostos por três pessoas, salvo se as partes em litígio acordarem, no prazo de 10 dias a contar da sua criação, num pai-nel composto por cinco pessoas. Os países-membros serão imediatamente informados da composição do painel. 6. O Secretariado proporá nomes para o painel às partes em litígio. estas só po-

derão se opor às nomeações se apresentarem razões fundamentadas para tal.

7. Caso não se chegue a um acordo sobre a composição de um painel no pra-zo de 20 dias a contar da data de sua criação, o Diretor Geral, a pedido de qualquer uma das partes e em consulta com o Presidente do OSC e com o Presidente do conselho ou comitê relevante, determinará a composição do painel, nomeando os membros do mesmo que considere mais adequados,

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ferência à decisão de 1966 é sem valor, considerando que todas as suas previsões já foram feitas pelos outros dispositivos do DSU, ou são menos favoráveis que os dispositivos atuais. em primeiro lugar, os bons ofícios, que se exercem sob o comando do Diretor Geral, não são um privilégio dos países do Sul. O procedimento é acessível a qualquer país, segundo o artigo 5 do DSU:

“1 – Os bons ofícios, a conciliação e a mediação são pro-cessos a acionar voluntariamente, caso as partes em litígio acordem nesse sentido. 2 – Os processos relativos aos bons ofícios, à conciliação e à mediação, e em especial as posições adotadas pelas partes em litígio durante esses processos, serão confidenciais, e não prejudicarão os direitos das partes em fases processuais posteriores.3 – Os bons ofícios, a conciliação ou a mediação podem ser solicitados em qualquer momento por qualquer parte num processo, podendo ter início a qualquer momento e ser igualmente extintos a qualquer momento. logo que os processos relativos aos bons ofícios, à conciliação ou à mediação tenham terminado, a parte autora pode então prosseguir com um pedido para a criação de um painel. 6 – O Diretor-Geral pode, agindo a título oficioso, oferecer os seus bons ofícios, conciliação ou mediação, com vistas a ajudar os Membros a resolver um litígio.”

a intervenção do painel é também um elemento disponível tanto aos países em desenvolvimento quanto aos desenvolvidos. a partir da não-solução do conflito pelos bons ofícios, as partes podem

em conformidade com as normas ou os procedimentos especiais ou complementares previstos nos acordos abrangidos que são objeto do diferendo, após consulta das partes em litígio. O Presidente do OSC infor-mará os países-membros da composição do painel formado deste modo o mais tardar dez dias a contar da data em que recebeu o pedido.

48 artigo 12.8. De modo a tornar os procedimentos mais eficientes, o prazo durante o qual o painel deverá proceder à sua análise, desde a data em que a composição e os termos de referência do painel foram acordados até a data em que o relatório final foi apresentado às partes em litígio, não deverá, regra geral, exceder seis meses. Nos casos urgentes, incluindo os casos rela-tivos a bens perecíveis, o painel deverá apresentar o seu relatório às partes em litígio no prazo de três meses.”

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recorrer ao estabelecimento de um grupo especial para julgar o caso. a composição do grupo especial se faz com a escolha de juízes entre os que integram a OMC. a aprovação dos juízes46 se faz, portanto, a priori.47 Se os países do Sul se submetem à decisão de 1966, eles podem refutar a participação dos juízes. De qualquer modo, seria preciso esperar a decisão final do diretor-geral para resolver esse problema, como prevê também o artigo 8 do DSU. em resumo, a decisão de 1966 não contribui em nada em relação aos dispositi-vos do DSU.

Os prazos também não são interessantes para os países do Sul. Se a decisão de 1966 fixa um prazo de 60 dias, o DSU fixa um prazo de seis meses ou, em caso de urgência, de três meses.48 em outras palavras, o prazo máximo que os países do Sul podem ter para o pronunciamento da decisão é de 30 dias. Considerando que esses dispositivos entram em jogo quando um país do Sul inicia um processo, acredita-se que este país tem interesse em resolver o caso no prazo mais curto possível, mas este ganho não representa em absoluto um passo significativo, considerando que um país condenado terá ainda a possibilidade de recurso junto ao Órgão de apelações, depois dos prazos fixados para a aplicação da decisão, o qual poderá durar 15 meses.

enfim, a Decisão de 1966 indica que a banca deve observar as repercussões da decisão sobre o desenvolvimento econômico dos países. esta previsão figura também no artigo 12.11 do DSU.

tudo isso contribui com a não-utilização e mesmo a au-sência de referência à decisão de 1966 em todos os casos jul-gados até a presente data. O DSU oferece até possibilidades mais interessantes para os países do Sul, na medida em que eles podem requerer consultas junto à OMC. estas são confi-denciais e podem contribuir para a formação de um acordo entre as partes; elas podem ser resolvidas em um período mais curto e são mais econômicas do que as negociações passando pelos bons ofícios.49

49 FOOter. “Developing country practice in the matter of WtO dispute settle-ment.”, p. 63. Sur les différents moyens de résolution de conflits ver: SaNDS, P. enforcing environmental security. In: Sands, P. Greening international law. london, earthscan, 1993, p. 56-59.

50 Wt/DS79/r, parágrafo 6.10.

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ainda que o artigo 3.12 do DSU não tenha sido ainda utilizado, sua essência já foi invocada no caso índia – proteção conferida por uma patente sobre produtos farmacêuticos e os produtos quími-cos para a agricultura,50 para uma questão de interpretação do procedimento a ser seguido. Neste caso, a índia evoca o artigo 3.12 para ter uma interpretação mais favorável em face de duas interpreta-ções possíveis, afirmando que o sistema procedimental deve seguir sua lógica, ou, em outras palavras, ele deve ser mais favorável aos países do Sul.

“6.10 – a índia estimava que a aceitação pelo Grupo es-pecial, naquilo que se tornou o parágrafo, do direito do autor de determinar se cabe o depósito de um pedido conforme ao Memorando de entendimento e em qual momento fazê-lo, comportava riscos e não era compatível

51 ao longo das consultações, os membros deverão conceder atenção especial aos problemas e interesses particulares dos países em desenvolvimento membros.

52 “art. 21.2. Quando da análise de medidas no âmbito de um processo de resolução de litígios, será dada especial atenção a questões que afectem os interesses de países Membros em desenvolvimento.”

53 Wt/DS12/r, Wt/DS14/r. 54 Wt/DS7/2. 55 “Depois do final das consultações entre o Canadá e as Comunidades euro-

péias, o Chile tinha pedido que outras consultações fossem realizadas para solucionar esta questão conforme a essência e o texto dos artigos 3:7, 4:2 e 4:5 do Memorando de entendimento. as Comunidades teriam ignorado este pedido, aplicando assim um tratamento discriminatório que ameaçava os interesses do Chile e ofendia os dispositivos do artigo 4:10 do Memoran-do de entendimento, nos termos do qual os Membros ‘deveriam acordar uma atenção especial aos problemas e interesses particulares dos países em desenvolvimento Membros’. as consultações entre o Chile e as Comuni-dades européias tinham terminado e eram pouco provável que outras con-sultações chegassem a uma solução. Os fatos do processo era agora subor-dinados a questões procedimentais de importância secundária. O relatório de estabelecimento de um grupo especial não se justificava juridicamente; ele era contrário à eficácia visada pelo texto e pela essência do Memorando de entendimento, porque se tratava de retardar o estabelecimento de um grupo especial para tratar de uma questão para a qual um grupo especial já tinha sido estabelecido, a pedido do Canadá. Isso constituía uma discrimi-nação contra o Chile, que não recebia o mesmo tratamento que o Canadá, e uma medida contrária às obrigações dos Membros da OMC em relação a um país em desenvolvimento. O Chile não fazia objeção a que novas regras precisando as questões procedimentais fossem estabelecidas”. In: ata da

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com a essência do artigo 3:10 e 3:12 do Memorando de entendimento. a índia estimava igualmente que a acei-tação deste direito seria incompatível com os princípios do Memorando de entendimento no tocante aos atos não-contenciosos, à boa-fé e à elaboração de soluções po-sitivas às controvérsias, e gerava uma pressão do Membro que se defendia. a implementação de decisões diferentes tomadas em nome do Memorando de entendimento em momentos diferentes criaria, igualmente, problemas. a ín-dia pensava que isso deveria ter retido a atenção do Grupo especial”

No entanto, o Grupo especial não aceitou os argumentos da índia e manteve sua posição anterior, contrária aos argumentos indianos.

b) O artigo 4.10

este artigo, bem como o art. 21.2, estipula que os juízes deve-rão acordar uma atenção especial aos problemas e interesses dos países em vias de desenvolvimento, ao longo das consultas (art. 4.1051) e da solução de controvérsias (art. 21.252). O texto do art. 4.10 é vago e não indica o que de fato se entende por “atenção especial”: trata-se de uma interpretação flexível ou realmente a adoção de uma regra favorável?

O artigo 4.10 ainda não foi utilizado como argumento para uma discriminação positiva em favor de um país em desenvol-vimento. todavia, ele serviu de argumento de base ao Chile, em uma reunião em um processo contra a União européia, a respeito da pesca do salmão.53 O Chile, o Peru e o Canadá pediam consultas a respeito da atitude da Comunidade européia. Segundo o Chile, a Comunidade européia tinha ignorado o prosseguimento das consultas com ele após o término das consultas com o Canadá,54 o que constitui uma ação discriminatória. Para o Chile, haveria,

reunião do Órgão de Solução de Controvérsias, de 27 de setembro de 1995, Wt/DSb/M/7.

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neste caso, uma discriminação em relação a um país em desen-volvimento, o que é proibido pelo artigo 4.10 do DSU.55 De fato, o que pedia o Chile era igualdade de tratamento, ou, em outras palavras, ser tratado da mesma forma que um país desenvolvido, e não uma discriminação positiva, como garante o artigo.

c) O artigo 21.2

O artigo 21.2 comporta também um texto vago e sua apli-cação depende, sobretudo, da interpretação sistêmica dos juízes ou dos árbitros, considerando a essência do tratamento prefe-rencial e diferenciado. O artigo é uma continuação do artigo 4.10, mas é aplicável aos procedimentos de solução de controvérsias:

“artigo 21.2 – Quando da análise de medidas no âmbito de um processo de resolução de litígios, será dada especial atenção a questões que afetem os interesses de países--membros em desenvolvimento.”

De fato, o artigo foi utilizado em favor dos países em desen-volvimento. Sua implementação foi feita à luz de uma interpre-tação arbitral no caso Indonésia – certas medidas que afetam a indústria automobilística,56 em virtude da crise econômica neste país que criava uma situação especial,57 razão pela qual o árbitro prorrogou em seis meses o prazo acordado para a adequação às normas da OMC. No caso Chile – bebidas alcoólicas, o árbitro lem-bra que “sendo parte do Memorando de acordo, o artigo 21.2 não pode ser pura e simplesmente ignorado”. Depois disso, este artigo é sempre invocado e utilizado para aumentar os prazos para o cumprimento das decisões dos juízes ou dos árbitros, ainda que seu texto não faça na verdade nenhuma referência concreta à prorrogação de prazos. é a prática do Organismo de Solução de Controvérsias que deu corpo a essa interpretação.

Na arbitragem argentina – Medidas visando à exportação de peles e importação de couros finos,58 a argentina também in-vocou o artigo 21.2, ao invocar um acordo com o Fundo Monetário Internacional, e argumentava que as medidas exigidas pela OMC 56 Wt/DS54, 55, 59 e 64. 57 rUIz FabrI, H. “le contentieux de l’exécution dans l’Organe de règlement

des différends de l’Organisation mondiale du Commerce.” Journal du droit international, 2000 (3), p. 616.

58 Wt/DS155/10.

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não seriam passíveis de receber soluções dependendo da simples decisão do Congresso Nacional. Considerando que a economia argentina estava afundando, o acordo com o FMI era importante e um prazo mais longo era necessário para mudar as normas jurí-dicas discutidas no processo. a Comunidade européia, defensora, aceitava as considerações da argentina, mas sustentava que o artigo impunha uma simples atenção particular, e não uma mu-dança de critérios a ponto de diferir qualitativamente dos critérios impostos aos países desenvolvidos. Neste caso, a argetina pediu a fixação de um prazo de 46 meses e 15 dias para implementar a decisão do OrD, enquanto a Comunidade européia pedia a fixação de oito meses. O árbitro decidiu, enfim, fixar um prazo de 12 me-ses. ainda que ele tenha discutido a aplicação do artigo 21.2, não concluiu que este mesmo artigo concederia direito a um aumento importante ou real de prazos.59

este caso é particularmente ilustrativo da interferência do direito internacional, especialmente do direito internacional eco-nômico, no direito interno, e as incoerências do direito internacio-nal. a argentina tinha concluído um acordo com o FMI, em razão do qual ela deveria mudar a sua legislação. O direito internacional impõe, portanto, mudanças ao direito interno, mas essas mudan-ças estão em conflito com outra parte do direito internacional, im-posto pela OMC. a OMC, por sua vez, exige então que a argentina mude mais uma vez sua legislação, o que ela não pode fazer, por causa das obrigações econômicas impostas pelo FMI; para que consiga resolver o problema, ela pede mais tempo para negociar com o FMI. O desacordo entre as duas instituições é flagrante. as incoerências que aparecem entre as decisões do FMI e os acordos da OMC repetem-se por duas vezes no caso argentino, e é o país em desenvolvimento que sofre os efeitos dessas incoerências.60 O mais importante, no entanto, é a submissão do direito interno ao direito internacional. ainda que não se possa falar em uma trans-ferência de capacidades, porque não há transferência, mas atribui-ção, as obrigações econômicas são tão fortes que elas impedem

59 ruiz-Fabri. H. “le règlement des différends à l’OMC. la procédure et la juris-prudence.” les Notes bleues de bercy, 2000 (186), p. 2.

60 ver também o processo argentina – Medidas que afetam as importações de sapatos, têxteis, roupas e outros artigos, Wt/DS56/ab/r.

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o país de fazer uma legislação que não seja aquela determinada pelas instituições nacionais.

O artigo foi invocado também pelo brasil contra o Canadá,61 igualmente em um pedido de aumento de prazo, com base na arbitragem Indonésia – automóveis. O Grupo especial não consi-derou que a disposição do artigo 21.2 era suficiente para mudar a força da expressão “sem atraso” e o brasil deveria retirar as me-didas de subvenção de acordo com o imposto pelo artigo 4.7 do acordo SMC. em outras palavras, mais uma vez, o artigo não foi considerado.62

d) O artigo 12.11

O artigo 12.11 é um pouco mais concreto e exige do Grupo especial a indicação das medidas tomadas para a consolidação do tratamento diferenciado, mais favorável aos países do Sul. to-davia, ele não comporta uma condição realmente específica, mas favorável aos países do Sul:

“artigo 12.11 – Nos casos em que uma ou mais partes sejam um país-membro em desenvolvimento, o relatório do painel deve indicar expressamente a forma pela qual foram tidas em conta as disposições relativas ao tratamen-to diferenciado e mais favorável para os países-membros em desenvolvimento previstas nos acordos abrangidos invocados por esses países em desenvolvimento durante os procedimentos de resolução de litígios.”

O uso deste artigo pode trazer efeitos concretos, na medida em que os juízes são obrigados a motivar o modo pelo qual eles “consideraram” os países do Sul, mas isso não garante nenhum tratamento diferenciado aplicado a estes últimos.

O brasil invocou o artigo 12.11, no caso brasil – finan-ciamento das exportações para as aeronaves. ele exigiu uma interpretação mais favorável para dois artigos e pediu uma nova análise hermenêutica. O artigo 12.11 do Memorando de acordo foi utilizado para dar mais peso à utilização do artigo 27 do artigo SGM, em vez do artigo 3. O brasil defendia que o artigo 27 era lex specialis, enquanto o artigo 3 era lex generalis. este último regula

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subsídios às exportações, enquanto o artigo 27 acorda um prazo excepcional aos países em desenvolvimento, durante um período de oito anos, com a condição de que, neste período, os países em desenvolvimento reduzam gradualmente os seus subsídios. O caso foi decidido em virtude desta condição, sendo adequada a aplicação do artigo 27, mais do que o artigo 12.11. De qualquer modo, o artigo 12.11 foi respeitado a contrario sensu, porque o grupo explica de forma detalhada porque ele não utilizou a medi-da em favor do país em desenvolvimento.

Os argumentos do brasil são exemplificativos:

“7. 38 (…) em geral, isso seria suficiente para confirmar que as subvenções em questão são proibidas pelo artigo 3 do acordo SMC. No presente processo, no entanto, as partes admitem que o brasil é um país em desenvolvimento-mem-bro, no sentido do acordo SMC. Como tal, o brasil pode se valer do tratamento especial e diferenciado de grande am-plitude acordado a estes Membros pelo artigo 27 do acor-do SMC. Por conseqüência, e como exige o artigo 12:11 do Memorando de entendimento, devemos agora examinar se, à luz dos fatos e na origem do presente processo, o brasil está protegido da proibição enunciada no artigo 3.1 a) em função do artigo 27.

7.39. O brasil ressalvou no mesmo texto que o artigo 27 é lex specialis em relação ao artigo 3, neste sentido, e que ele

61 Wt/DS46/r, parágrafos, 6. 5 a 6. 7. 62 O artigo foi também invocado no processo índia – restrições à importação

de produtos agrícolas, têxteis e industriais, Wt/DS90/r, pelo grupo especial, para determinar um acordo entre as partes, com base neste arigo, no tocan-te à fixação de um prazo para a implementação da decisão.

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prevê regras especiais para os programas de subvenções à exportação dos países em desenvolvimento membros. em outros termos, a opinião do brasil é que os dispositivos es-pecíficos do artigo 27 relativos às subvenções à exportação dos países em desenvolvimento Membros valem mais do que os dispositivos gerais do artigo 3.1 a), e que não é por-tanto possível para os países em desenvolvimento mem-bros agirem de forma incompatível com o artigo 3. Uma vez que o Canadá não alegou que o brasil infringia o artigo 27 do acordo SCM, e que tal alegação sequer compete ao mandato do Grupo especial, o brasil considera que o Gru-po especial deve recusar o pedido do Canadá na presente controvérsia.”

O mesmo artigo foi invocado no caso índia – restrições quantitativas à importação de produtos agrícolas, têxteis e industriais,63 nesta vez pelo Grupo especial, para justificar sua explicação detalhada da utilização de normas mais favoráveis aos países em desenvolvimento.64 ela foi igualmente invocada em Co-munidade européia – regime aplicável à importação, à venda e à distribuição de bananas.65 No entanto, é importante mostrar que o artigo 12.11 não tem aplicação direta em favor de um país em desenvolvimento. Sua aplicação é indireta, na medida em que ele impede que os juízes não analisem as condições mais favoráveis 63 Wt/DS90/r. 64 “5.157. Conforme o artigo 12:11 do Memorando de entendimento sobre a

solução de controvérsias, devemos indicar expressamente o modo como foram considerados os dispositivos pertinentes ao tratamento especial e diferenciado aos países em desenvolvimento membros, que são partes dos acordos em questão e que foram invocados pelos países em desenvolvi-mento membros ao longo do procedimento da solução de controvérsias”.

65 Wt/DS27/r/eCU, parágrafo 7.266. 66 é preciso possuir uma competência notória em direito e em comércio in-

ternacional e demonstrar independência em relação aos processos, assim como para toda atividade jurisdicional. entre os 32 primeiros candidatos, por exemplo, encontrávamos 23 origens diferentes; os sete primeiros mem-bros do Órgão de Solução de Controvérsias eram dos seguintes países: estados Unidos, alemanha, Japão, Nova zelândia, egito, Filipinas e Uruguai. CaNal-FOrGUeS, e. “la procédure d’examen en appel de l’Organisation Mondiale du Commerce.” annuaire Français de Droit International, 1996, XlII, p. 849.

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a estes países.

e) O artigo 8.10

este artigo exige que, nos casos em que figura um país em desenvolvimento, ao menos um dos juízes seja originário desses países. a intenção dos redatores era fazer participar alguém com certa sen sibilidade aos problemas desses países e, por conseqüên-cia, esta sensibilidade poderia contribuir com uma interpretação de situações fáticas e com uma interpretação do Direito mais favorável aos países do Sul.

O Órgão de apelações é composto de sete pessoas, das quais três são designadas para cada caso. a composição do Órgão de apelações deve ser representativa do conjunto da OMC, de acordo com as diversas regiões e níveis de desenvolvimento dos estados--Membros. assim, na primeira composição, figuravam quatro membros dos países desenvolvidos e três dos países em desen-volvimento66. as decisões são tomadas em geral67 por consenso e, quando este não é possível, pela maioria dos votos, restando o voto dissidente anônimo.68

Matematicamente, as chances de ter um juiz originário do país do Sul no Órgão de apelações são grandes. a primeira com-posição acima pode servir de ilustração. Se três de sete juízes são oriundos dos países em desenvolvimento, a possibilidade de ter ao menos um juiz vindo dos países do Sul é de cerca de 88%. Na 67 De acordo com o artigo 17, os membros do Órgão de apelações têm um

mandato de quatro anos, renovável por uma vez. O mandato de três pesso-as, escolhidas em sorteio, é inicialmente de dois anos, o que torna possível a renovação parcial dos membros do Órgão de apelações, a cada quatro anos. estes juízes devem estar disponíveis em períodos de tempo curtos e estar acompanhando as atividades da OMC e de qualquer tema tocante à condu-ção dos processos e atividades conexos.

68 artigo 17, parágrafo 11, do Memorando de entedendimento. 69 este pedido somente pode ser feito se o Órgão de apelações não inclui

nenhum membro do Sul; não é possível, portanto, exigir a maioria das opi-niões.

70 10 – No contexto das consultas relativas a uma medida adotada por um país membro em desenvolvimento, as partes podem acordar uma prorrogação dos prazos previstos nos n. 7 e 8 do artigo 4º Caso, decor-rido o prazo estipulado, as partes em consulta não conseguirem chegar a um acordo sobre a conclusão das mesmas, o Presidente do OSC de-cidirá, após consulta das partes, da prorrogação ou não do prazo em

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prática, nos 20 primeiros casos, que implicavam países em desen-volvimento, 16 tinham ao menos um juiz vindo desses países e, nos outros quatro, não houve a invocação do artigo 8.10.

a norma poderia ser então invocada nos casos em que a sorte não garantisse a participação de um juíz vindo de um país do Sul. Isso não foi pedido até o presente.69 em todo caso, a presunção de que haveria resultados diferentes caso houvesse a presença de uma pessoa do Sul é um pouco exagerada, até porque, na verdade, seria difícil acreditar que uma mudança de opinião poderia influenciar a decisão final do Órgão de Solução de Controvérsias. De fato, esta obrigação ainda não trouxe efeitos concretos significativos.

f ) O artigo 12.10

O artigo 12.1070 propõe uma medida concreta em favor dos países em desenvolvimento. Na sua primeira parte, cria a pos-sibilidade de conceder um prazo mais importante aos países do Sul antes do estabelecimento do Grupo especial, no caso em que as consultações não teriam terminado no prazo de 60 dias após a data de recepção do pedido de consultações ou, em caso de urgência, 20 dias depois do pedido.71 esta regra objetiva acorda mais tempo a um país em desenvolvimento para que ele negocie a questão, antes da abertura de um painel, ou impede que um outro país não abra um, em um prazo reduzido, se o interesse do país do Sul é ganhar tempo. Neste caso, estando vencidos os pra-zos previstos no artigo 4.10 e 4.11, e as consultações não tendo chegado a um resultado, o presidente do Órgão de Solução de Controvérsias pode examinar os casos e dar mais tempo ao país do Sul para que ele prepare a exposição dos seus argumentos.

em sua segunda parte, o artigo oferece ao Grupo especial a possibilidade de prorrogar o prazo de cada fase para que o país em desenvolvimento interessado possa preparar os documentos e se defender. este prazo suplementar é limitado a 15 meses, ex-

questão e, em caso afirmativo, por quanto tempo. além disso, ao ana-lisar a queixa contra um país membro em desenvolvimento, o painel deve conceder-lhe tempo suficiente para preparar e apresentar a sua

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ceto em casos excepcionais, em que ele pode ir ter até 18 meses.72 O artigo deve ser contextualizado com outras disposições do ar-tigo 12, que visam a tornar possível a preparação de relatórios de alta qualidade.73

O artigo 12.10 foi invocado muitas vezes. a primeira parte foi alegada pelo Paquistão, em 1995, em um processo contra os estados Unidos,74 durante o período de negociações. Durante as reuniões da fase de consultações, os estados Unidos pediram a formação de um painel sobre o assunto. O Paquistão se opôs à composição do painel, dizendo que ele tinha o direito a um pra-zo mais longo de negociações. a ação americana foi reportada à próxima reunião.75

em vários casos, os países invocaram a segunda parte do ar-tigo, como, por exemplo, no caso índia – restrições quantitativas às importações agrícolas, têxteis e industriais,76 que opôs os esta-dos Unidos à índia. Neste caso, a índia pediu um prazo suplemen-tar para apresentar as observações sobre o relatório provisório, baseado no artigo 12.10. a índia argumentava que seu governo tinha sido trocado há pouco tempo e que o posto de procurador--geral ainda não havia sido ocupado. Os estados Unidos tinham se oposto à extensão do prazo, mas sua oposição foi feita fora do período previsto. em seguida, a índia pediu outra prorrogação das negociações, até o fim do ano. O Grupo especial, em face do primeiro pedido da índia, prorrogou o tempo necessário à comuni-cação de dez dias, sem mudar os calendários das reuniões sobre o caso. O calendário inicial comportava a extensão do prazo para a apresentação da sua argumentação. em seguida, em vista do segundo pedido, o Grupo especial aceitou prorrogar a apresen-tação das observações da índia, cujo limite era 22 de dezembro de 1998 e passou a ser 12 de janeiro de 1999. Percebe-se que o ganho de tempo não foi tão expressivo, dez dias em um primeiro momento, sem mudança do calendário final, e vinte dias no se-gundo, dos quais uma boa parte incluindo festas de fim de ano.77

a posição do Grupo especial é interessante:

“5.10. em 15 de abril de 1998 tomamos a decisão seguinte:

argumentação. O disposto no n. 1 do artigo 20º e no n. 4 do artigo 21º não é prejudicado por qualquer medida adotada nos termos do presente número.”

71 estes dispositivos figuram no artigo 4 do Memorando de entendimento: “7 – Se as consultas não permitirem resolver um litígio no prazo de 60 dias a

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 177

O Grupo especial examinou com atenção os argumentos das partes. ele nota que a índia teria podido invocar várias das razões mencionadas na sua carta durante a reunião de organização ocorrida em 27 de fevereiro de 1998. No en-tanto, conforme o artigo 12:10 do Memorando de entendi-mento sobre a solução de controvérsias, ‘quando examinar um pedido sobre um país em desenvolvimento membro, o grupo especial lhe dará um prazo suficiente para preparar e expor sua argumentação’, Considerando esta disposição, e tendo em vista a reorganização administrativa que houve na índia, em virtude da recente mudança de governo, o Grupo especial decidiu acordar um prazo suplementar à índia para estabelecer sua comunicação. No entanto, con-siderando também a necessidade de respeitar os prazos fixados no Memorando de entendimento sobre a solução de controvérsias e visto que seria difícil mudar a data da reunião de 7 e 8 de maio, o Grupo especial considerou que um prazo suplementar de dez dias representaria ‘um prazo suficiente’, para satisfazer ao artigo 12:10 do Memorando de entendimento sobre a solução de controvérsias. a índia tem então até 1 de maio de 1998 (17 horas) para apresentar sua primeira comunicação escrita ao Grupo especial. a data fixada inicialmente para a primeira reunião, ou seja 7 e 8 de maio, continua inalterada”78

a índia também invocou o artigo 12.10 no processo Prote-ção conferida por uma patente para os produtos farmacêuticos e os produtos químicos para a agricultura,79 afirmando que o prazo de resposta aos argumentos escritos oferecidos pelos estados Unidos (parte contrária) era insuficiente, mas os argumentos da índia não foram considerados pelo Grupo especial. a argumen-tação da índia é, portanto, interessante e se baseia na dificuldade que um país em desenvolvimento tem em cumprir com as mes-mas obrigações de um país desenvolvido:contar da data de recepção do pedido de consultas, a parte queixosa pode

solicitar a criação de um painel. antes de decorrido o prazo de 60 dias, caso as partes em consulta considerem conjuntamente que as consultas não per-mitirão resolver o litígio.

8 – em casos de urgência, incluindo aqueles que se referem a bens perecí-veis, os Membros iniciarão consultas num prazo não superior a 10 dias a con-tar da data de recepção do pedido. Se as consultas não permitirem resolver o diferendo no prazo de 20 dias a contar da data de recepção do pedido, a parte queixosa pode requerer a criação de um painel.”

72 De acordo com os artigos 20 e 21.4.

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178O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

“Considerando o calendário extremamente apertado, pro-posto para o trabalho do Grupo especial no Memorando de entendimento, era necessário que o autor preparasse cuidadosamente seu dossiê antes do início do procedi-mento e que apresentasse na sua primeira comunicação escrita todas as suas alegações de fato e de direito. De acordo com o parágrafo 12 dos Procedimentos de trabalho anexados ao Memorando de entendimento, havia normal-mente cinco a oito semanas entre a recepção da primeira comunicação escrita do autor e a recepção das contes-tações escritas. assim, enquanto o autor podia preparar seu dossiê sem nenhuma obrigação de tempo, o defensor dispunha normalmente de apenas cinco a oitos semanas para preparar sua contestação, o que criava um desequi-líbrio notório entre autores e defensores. De acordo com os Procedimentos de trabalho, havia normalmente duas a três semanas entre a primeira reunião do Grupo especial e a recepção das contestações escritas. Se fosse permitido ao autor formular novas alegações durante a primeira reunião de fundo, o tempo concedido para preparar a contestação seria então reduzido a menos da metade e o desequilíbrio existente seria agravado a ponto de ofender efetivamente o direito do defensor de ter tempo suficiente para preparar sua contestação – direito que o artigo 12:10 do Memorando de entendimento reconhece expressamente aos países em desenvolvimento”.

No caso Comunidade européia – regime aplicável à im-portação, à venda e à distribuição de bananas, o equador80 recla-mou contra a não-prorrogação do direito de resposta pelo Grupo especial, considerando uma violação do artigo 12.10. Segundo alguns autores,81 o artigo deve ser questionado apenas quando o país em desenvolvimento é autor ou réu no processo, e não seria aplicável quando ele é apenas uma terceira parte interessada. Neste caso, os países aCP eram terceiros interessados e, por isso, não existiria a obrigação de respeitar o artigo. O Grupo especial 73 artigo 12.2. 74 Paquistão – Proteção conferida por uma patente para os produtos farma-

cêuticos e para os produtos químicos para a agricultura, Wt/DS36.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 179

se recusa a considerar que a expressão “visando um país em de-senvolvimento” signifique que o país em desenvolvimento possa ser atingido indiretamente, como no caso dos países afetados pela norma européia sobre a importação de bananas. Devemos notar que a posição restritiva foi de fato adotada pelo Órgão de Solução de Controvérsias no caso bananas, pois a decisão do OSC consistiu em dar um direito de participação mínima às partes, em razão dos estados que fizeram parte do caso – 35 estados – para tornar possível a execução dos trabalhos. Isso representa contudo um argumento em favor da não-concessão de extensão de prazos em um outro caso similar, ou em outras palavras, a ineficácia do artigo 12.10.82

g) O artigo 21.7 e 21.8

O artigo 21 dispõe que:

“7 – Se a questão tiver sido colocada por um país membro em desenvolvimento, o OSC estudará as possibilidades de adotar outras medidas que sejam adequadas às circunstân-cias. 8 – Se a questão for apresentada por um país membro em desenvolvimento, ao considerar as medidas adequadas que pode adotar, o OSC terá em conta não só a incidência comercial das medidas denunciadas, mas também o seu impacto na economia do país em desenvolvimento em causa.”

O texto do artigo não é novo, sendo apenas uma repetição do texto de 1979 sobre a solução de controvérsias.83 ele obriga o OSC a observar as conseqüências de uma decisão sobre o de-senvolvimento econômico dos países afetados. é preciso estar atento não apenas às conseqüências diretas da decisão, como também às conseqüências indiretas sobre a economia do país, consideradas como um todo, o que pode ser primordial para um país do Sul, cuja economia se restringe, geralmente, a um número 75 FOOter. “Developing country practice in the matter of WtO dispute settle-

ment.”, op. cit., p. 66-67. 76 Wt/DS90/r. 77 Wt/DS90/r, parágrafo 4.1, 5. 8 et ss.

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180O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

pequeno de produtos. assim, a perda da comercialização de um produto pode ter repercussões catastróficas sobre o conjunto da economia. De fato, o artigo 21 e seus parágrafos acabam sendo uma adaptação da Decisão de 1966, analisada anteriormente.

O texto não obriga o OSC a mudar sua decisão em virtude dos efeitos negativos que ela possa ter sobre a economia de um país pobre. ela exige somente que, entre as decisões possíveis, o OSC escolha a melhor, o que já pode ter conseqüências benéficas se o OSC os observar.

este artigo foi utilizado no recurso da Comunidade européia em uma arbitragem no caso bananas.84 O equador defendia que os impactos econômicos da decisão poderiam ter conseqüências graves sobre a sua economia, considerando a importância das exportações de bananas na economia deste país, enquanto uma decisão contrária quase não surtiria conseqüências sobre a eco-nomia européia. Os argumentos das partes e a interpretação dos árbitros é importante:

“133. Nós destacamos que a alínea ii) do artigo 22:3 d) não impõe a parte autora estabelecer um elo de causalidade entre a anulação ou a redução de vantagens sofridas e os ‘elementos econômicos mais gerais’, que é preciso conside-rar. basta mostrar que existe um elo entre os ‘elementos econômicos mais gerais’, levados em consideração pelo equador, de uma parte, e a anulação e a redução de van-tagens causadas pelo regime das Comunidades européias aplicável à importação de bananas. Consideramos plausível o argumento do equador segundo o qual a anulação e a redução de vantagens provocadas pelos aspectos deste regime incompatíveis com as regras da OMC agravaram os problemas econômicos, considerando, em particular, a importância do comércio de banana e os serviços de distri-buição relacionados para a economia do país.134. Quanto às ‘conseqüências econômicas mais gerais’ da suspensão das concessões ou de outras obrigações, o equador defendeu que elas seriam quase inexistentes para as Comunidades européias. Considerando as disparidades econômicas entre as partes, o equador estima que ele sen-tiria provavelmente muito mais estas conseqüências (...).136. Deste ponto de vista, notamos que o modo pelo qual

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 181

interpretamos e aplicamos os elementos enumerados na alínea d) do artigo 22:3 corrobora com os dispositivos do artigo 21:885, que impõe ao OSC que, quando examinar quais medidas ele poderia julgar apropriadas para tomar no caso de um recurso iniciado por um país em desenvolvimento Membro, de considerar somente não apenas as mudanças visadas pelas medidas em causa, mas também a sua in-cidência sobre a economia do país em desenvolvimento membro em questão.”

O argumento foi considerado na interpretação dos árbi-tros, mas estes não explicam exatamente como esta apreciação teve influência na decisão final. Outras questões foram também levantadas pelas partes e tiveram o mesmo exame. Contudo, a questão mais interessante – e reconhecida pelos árbitros – foi le-vantada pelo equador, que ressalta a impossibilidade de um país em desenvolvimento adotar medidas de retorsão contra um país desenvolvido, considerando a desigualdade econômica entre os dois. Uma retorsão feita por um país em desenvolvimento contra um país desenvolvido pode ter mais conseqüências negativas para o primeiro do que para o segundo. a conclusão dos árbitros foi que os acordos da OMC não previam solução para o problema e limitaram-se a sugerir às partes que tentassem resolver este conflito por meio de um acordo que fosse mais favorável ao país em desenvolvimento:

“177. Nós fizemos, acima, considerações detalhadas sobre a suspensão de obrigações no âmbito do acordo trIPS e em particular sobre o tema das dificuldades de ordem jurídica e prática que se apresentam neste contexto. Considerando es-tas dificuldades e as circunstâncias próprias do presente pro-cesso, no tocante a um país em desenvolvimento membro, onde o equador se encontra em uma situação na qual não seria realista ou possível para ele implementar a suspensão autorizada pelo OSC para o montante total correspondente ao nível de anulação e de redução de vantagens estimado por nós em todos os setores e/ou ao título dos acordos su-pramencionados considerados em conjunto. O texto atual

78 Wt/DS90/r. 79 Wt/DS50/r.

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182O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

do Memorando de entendimento não oferece solução para uma eventualidade deste tipo. O artigo 22:8 do Memorando de entendimento dispõe unicamente que a suspensão de concessões ou de outras obrigações é temporária e deve durar apenas até que a medida em questão incompatível com as regras da OMC seja eliminada, ou que o Membro, tendo que implementar as recomendações ou decisões, te-nha encontrado uma solução para a anulação ou redução de vantagens, ou que uma solução mutualmente satisfatória seja encontrada. Nós estamos convencidos de que, neste caso, as partes da presente controvérsia encontrarão uma solução satisfatória.”

após as negociações, a Comunidade européia fez um acordo com o equador e permitiu-lhe fabricar espumante com o nome de champanhe, pois esta era a única forma encontrada para compensar as perdas. em outras palavras, os produtores locais podiam usar a denominação de origem controlada para vender seus produtos mais caros, mas eles podiam apenas gozar deste privilégio dentro do seu país, não podendo exportar. Como a maior parte do mercado desta bebida já pertencia aos produ-tores locais e o mercado externo não podia ser disputado, não houve contraprestação real. Isso mostra a ineficácia do sistema para compensar a diferença de poder econômico entre dois es-tados desiguais, mesmo que se tenha condenado o estado mais poderoso por uma atitude ilegal.

h) O artigo 24.2

O artigo 24.2 determina que quando uma decisão satisfa-tória a um país em desenvolvimento não for alcançada durante o período de consultas, este país pode pedir ao Diretor Geral da

80 Wt/DS27/r/eCU, parágrafo 5.17. 81 FOOter. “Developing country practice in the matter of WtO dispute settle-

ment.”, op. cit., p. 68. 82 Wt/DS27/r/GtM, Wt/DS27/r/HND, parágrafos 7.1 e ss. H. rUIz FabrI expli-

ca bem que a influência da diferença de poder econômico pode ter implica-ções importantes no procedimento de execução, em favor dos países mais potentes. ver rUIz FabrI, H. “le contentieux de l’exécution dans l’Organe de règlement des différends de l’Organisation mondiale du Commerce.” Jour-

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 183

OMC ou ao Presidente do OrD a implementação dos bons ofícios, por conciliação ou mediação.

este artigo não tem nada de novo. este ponto já estava pre-visto pela Decisão de 1966. ele não representa sequer um privi-légio dos países em desenvolvimento. a possibilidade de pedir bons ofícios é um direito de todos os países integrantes da OMC, segundo o artigo 6 do Memorando de entendimento.86 em um caso que opõe dois países, que eles sejam desenvolvidos, em de-senvolvimento ou menos avançados, podem ser pedidos os bons ofícios.

i) O artigo 24.1

Certos dispositivos do DSU são mais favoráveis aos países menos avançados. O artigo 24.1 é um exemplo. todavia, ele não acrescenta nada, visto sua linguagem ser vaga. ele chega a se base-ar na boa vontade de um país adversário, em uma disputa comer-cial, que deve demonstrar moderação nas questões levantadas. O artigo é dividido em duas partes: a primeira refere-se à determi-nação das causas de uma controvérsia. a segunda, às suas conse-qüências. O tom do artigo é interessante, na medida em que não é o sistema normativo que concede o benefício, pois ele apenas roga aos países interessados, em um conflito que os opõe a um país menos avançado, que considerem os problemas deste último. é difí-cil de acreditar que, se um estado entrou em conflito contra outro, no âmbito do DSU ele vá economizar argumentos que o ajudariam a ter sucesso no seu pedido.

“1 – em todas as fases da definição das causas de um litígio e do processo de resolução de litígios que envolvam um país membro menos desenvolvido, deve ser dada especial atenção à situação especial dos países membros menos de-senvolvidos. Neste contexto, os membros devem mostrar

nal du droit international, 2000 (3), p. 607.

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uma certa contenção em matéria de apresentação de quei-xas e pedidos no âmbito dos presentes procedimentos, quan-do está envolvido um país membro menos desenvolvido. Caso se verifique uma anulação ou redução de vantagens em resultado de uma medida adotada por um país membro menos desenvolvido, as partes autoras devem mostrar uma certa contenção ao solicitarem compensação ou autorização para suspender a aplicação de concessões ou outras obriga-ções nos termos destes procedimentos.”

j) O artigo 27.2

Contrariamente ao artigo 24.1, o artigo 27.2 é mais preciso.87 ele oferece aos países menos avançados a ajuda de um especialis-ta jurídico qualificado para orientar os PMas nos seus problemas jurídicos, no âmbito de uma cooperação técnica. O artigo atribui a um expert a missão de ajudar os PMas, mas sem comprometer a imparcialidade do Secretariado. Duas situações são então pos-síveis: em primeiro lugar, o isolamento do especialista durante a prestação de serviços, para que ele não seja neutro enquanto presta assistência, ou seja, ele realmente atua como advogado do país menos avançado; na segunda, completamente distinta, ele mantém sua neutralidade, para também manter a neutralidade do Secretariado, e apenas dá conselhos ao país menos avançado, sem realmente tomar as rédeas da sua defesa.

Para os PMas, a primeira opção é a mais interessante, con-siderando que, em geral, eles não têm recursos para contratar advogados de alto nível, prestando serviços permanentes junto à OMC. eles também não têm, em geral, recursos para contratar um advogado competente para situações pontuais. em certos casos, o processo poderia se tornar mais caro do que os prejuízos comerciais.

em alguns casos, em que o processo refere-se a assuntos im- 83 FOOter. “Developing country practice in the matter of WtO dispute settle-

ment.”, op. cit., p. 69. 84 Wt/DS27/r/arb/eCU. ver rUIz FabrI, H. “le contentieux de l’exécution dans

l’Organe de règlement des différends de l’Organisation mondiale du Com-merce.” Journal du droit international, 2000 (3), p. 616.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 185

o artigo 27.2 do Memorando de entedimento como argumento para se opor à contratação dos advogados privados. Segundo os estados Unidos, este artigo garantia a ajuda técnica aos países em desenvolvimento, então, eles não tinham necessidade de recor-rer a “Organizações Não-Governamentais”. a expressão utilizada pelos estados Unidos parece querer confundir os advogados com as ONGs que, em geral, não eram aceitas nos conflitos. ele susten-tava que, se os conselhos privados fossem admitidos pela OMC, seria preciso resolver vários problemas como confidencialidade, ética dos conselhos, conflitos de interesses, representação de governos múltiplos, questões que não eram previstas pelas nor-mas da OMC.88

Do outro lado, Santa lúcia defendia que a Convenção de viena dava direito aos estados de escolher seus representantes diplomáticos. Os estados Unidos também contestaram este ar-gumento, dizendo que a Convenção de viena não era aplicável à OMC, pois ela tinha um número muito restrito de ratificações, não sendo ratificada nem pelos estados Unidos nem pela Suíça, país-sede da OMC. O Grupo especial, como o Órgão de apelações, recusou os argumentos americanos. Segundo o Órgão de apela-ções, o país é livre para escolher serviços jurídicos privados, e os conselheiros não precisam sequer ser nacionais.89

Para remediar a fragilidade da ajuda técnica institucio-nal, um grupo de países em desenvolvimento e alguns países desenvolvidos90 criaram, em Genebra, um centro consultivo do Direito da OMC.91 este centro, criado em dezembro de 1999,92 é cofinanciado pelos países membros e tem por função possibilitar a formação do pessoal dos países em desenvolvimento em Direi-to da OMC, dar conselhos jurídicos e aportar um suporte jurídico nos processos em que estes países estiverem envolvidos. Os membros financiam a instituição, de acordo com seus recursos: os países desenvolvidos pagam US$ 1 milhão,93 cada um dos países em desenvolvimento contribui com um décimo ou um vigésimo

portantes, advogados privados podem ser contratados, como fez Santa lúcia, e que foi contestado pelos estados Unidos, no caso Comunidade européia – bananas. Os estados Unidos utilizaram

1 O que certos autores qualificam de “sistema de cópias legais”. reMICHe, b. “le brevet pharmaceutique entre intérêts privés et public: un équilibre im-possible? “revue de droit international économique, 2000 (numéro spécial), p. 207.

2 aNNerSteDt, J. les indicateurs de science, de technologie et d’innovation. In: Jean-Jacques Salomon. la quête incertaine. Science, technologie et dé-veloppement. Paris: economica et United Nations University Press, 1994.

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186O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

deste valor.94

Conclusão do CaPítUlO

as regras procedimentais apresentadas demonstram que, em relação às regras do antigo Gatt, nenhum tratamento mais be-néfico foi criado no novo sistema de solução de controvérsias. as normas existentes e a prática dos primeiros anos do Órgão de So-lução de Controvérsias são favoráveis à conclusão da insuficiência do sistema para obter a diminuição das desigualdades Norte-Sul, salvo em exceções pontuais. todavia, a situação se agrava se con-siderarmos que os recursos dirigidos ao OSC aumentaram, com a diversificação dos temas e a importância crescente das regras comerciais interna cionais. Seria preciso, portanto, reforçar essas normas, dar aplicação concreta às disposições abstratas, reconhe-cendo a necessidade de acordar privilégios aos países em desen-volvimento e criar um verdadeiro serviço jurídico para apoiar a participação dos países do Sul no âmbito do OrD.

No entanto, a principal questão que afeta os países do Sul não está nas normas procedimentais, mas no direito material, so-

3 UNDP. Human development report. New York: Oxford University Press, 1999, p. 32.

4 UNDP. Human development report. New York: Oxford University Press, 2001, p. 20.

5 Para um conjunto de dados sobre a desigualdade em matéria de proprieda-de intelectual, UNDP. Human development report, op. cit., 1999.

bretudo no tocante à propriedade intelectual.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 187

CaPítUlO v

a DesigualDaDe nOrte-sul na OmC: O exemplO Da prOprieDaDe inteleCtual

O acordo trIPS não é benéfico aos países do Sul, já que es-tes não produzem tecnologia. em um contexto de expansão das desigualdades internacionais, as normas de proteção intelectual não estimulam a inovação tecnológica no Sul, ao contrário, elas aumentam a dependência tecnológica e o fluxo financeiro do Sul para o Norte. além do mais, os países do Sul, que podiam antes copiar os produtos enquanto não participassem do sistema inter-nacional, baseado na reciprocidade, não poderão mais, mesmo se eles continuam a ter necessidade.1

Os países do Sul não têm meios para produzir novas tecno-logias, ao menos em uma proporção razoável de tecnologia pa-tenteável que possa gerar lucros consideráveis no mercado inter-nacional. as diferenças em termos de investimentos no domínio 6 UNDP. Human development report 2001, op. cit., p. 69. 7 reMICHe, b. and H. DeSterbeCQ. “les brevets pharmaceutiques dans les

accords du Gatt: l’enjeu?” revue de droit international économique, 1996 (1), p. 13.

a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMCa DeSIGUalDaDe NOrte-SUl Na OMC: O eXeMPlO Da PrOPrIeDaDe INteleCtUal

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

da produção tecnológica ilustram essas afirmações, mesmo que re-lativamente. basta estarem atentos aos números: os estados Unidos investem 2,8% do PIb na pesquisa científica e o brasil, um dos paí-ses do Sul que mais investe, 0,8%. em números absolutos, os inves-timentos americanos representam 50 vezes mais que os do brasil. Há 30 anos que os países do Sul não investem mais do que 3% do total mundial investido em tecnologia e têm apenas 11% dos pes-quisadores.2 além do mais, alguns países criaram programas es-peciais de contratação de pesquisadores estrangeiros, oriundos dos países do Sul. assim, apenas os estados Unidos têm mais de 30 mil doutores com origem em países em desenvolvimento.3 Se considerarmos o conjunto de profissionais, esta realidade é ainda mais importante, como os 100 mil vistos concedidos a cada ano pelos estados Unidos a indianos, especialistas em informática.4 O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento indica, no seu relatório de 1999 sobre o desenvolvimento humano, que 97% das patentes vêm dos países indus tria li zados, e os estados Unidos, o Japão, o reino Unido, a França, a alemanha e a Holanda representam sozinhos 84% de toda a pesquisa mundial. Isso signi-fica que a tecnologia de ponta elaborada é propriedade dos países desenvolvidos. Mesmo neste grupo, os benefícios da pesquisa são distribuídos desigualmente; os estados Unidos recebem cerca de 90% de todas as taxas pagas a título de royalties.5

O mundo é dividido em três categorias de regiões: os países que produzem tecnologias e obtêm as patentes; os que podem adaptar esta tecnologia para sua utilização doméstica, pagando royalties; e um terceiro grupo excluído da produção e da reprodu-ção tecnológica. esta divisão não é feita por país, mas refere-se a regiões específicas, considerando as disparidades de desenvolvi-mento no interior de grandes países. a carta abaixo é ilustrativa:

Fonte: SaCHS, J. a new map of the world. the economist. article spécial, le 19 avril 2001.

é a falta de possibilidade de investimentos que faz crescer 8 esta questão será desenvolvida adiante. 9 HerMItte, M.-a. “le rôle des concepts mous dans les techniques de déjuridi-

cisation. l’exemple des droits intellectuels.” archives de philosophie de droit, 1985, 30, p. 339.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 189

a desigualdade entre os países do Sul e do Norte. Os custos do desenvolvimento sustentável baseado em novas tecnologias, mais elevados, a aquisição destas tecnologias e o seu desenvolvimento tornam-se cada vez mais difíceis.

Os preços dos produtos patenteados sofreram forte aumen-to nos países que adotaram as patentes. Uma análise do PNUD,6 realizada a título comparativo entre dois países vizinhos, demons-tra que a índia, país que não aceita patentes, apresenta os preços dos produtos muito menos elevados do que no Paquistão, que acei-ta, com diferenças que chegam a 1300%.

a extensão dos direitos de propriedade intelectual tem um papel fundamental neste contexto. antes do acordo trIPS, somente uns 40 países aceitavam algum sistema de propriedade intelectual em certos domínios, como produtos e processos farma-cêuticos, seres vivos e circuitos integrados.7 Hoje, sete anos após a entrada em vigor do acordo de Marraqueche, este número está em mais de 140. as partes interessadas obtiveram êxito ao cons-truir um sistema global de proprie dade intelectual em um período de tempo razoavelmente curto.

a lógica do sistema apóia-se na idéia altamente controversa de que a proteção intelectual favorece a inovação tecnológica. Nos últimos 20 anos, estes setores viram a fusão de muitas em-presas concorrentes e a formação de oligopólios. São essas novas empresas que dominam a produção global e realizam uma parte importante das pesquisas científicas. a função ideal da proprie-dade intelectual seria a de permitir às outras indústrias concor-rentes, sobretudo àquelas cujo tamanho é menos significativo, e aprender como a tecnologia foi desenvolvida e reproduzida logo depois, em uma primeira etapa, para ser melhorada, em uma eta-pa posterior.

Contudo, em um mundo globalizado, onde opera apenas um número restrito de empresas, e onde um importante desnível científico instala-se entre elas, a propriedade intelectual não cum-pre sua função ideal, porque não há outros produtores de tecno-logia, sobretudo nos países do Sul. a função real da propriedade

10 UNDP. Human development report, op. cit. 11 MéDéCINS SaNS FrONtIÈreS. la protection de vies humaines doive pas-

ser avant celle des brevets. Procès de l’industrie pharmaceutique contre l’afrique du Sud, MSF, 2001, p. 5.

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intelectual é, nos dias de hoje, garantir os mercados mundiais aos únicos produtores de tecnologia e impedir que os países capazes de copiar esta tecnologia o façam.

Muitas conseqüências negativas podem ser identificadas: o aumento dos preços dos produtos protegidos, o fechamento das indústrias em diversos países, a perda de empregos. Uma vez que as empresas obtiveram o monopólio da comercialização, elas podem aumentar os preços ou praticar preços homogêneos no mundo inteiro, já que o sistema normativo proíbe a concorrência.

O fechamento das indústrias e a perda de empregos vêm da centralização da produção em alguns grandes centros mun-diais. Considerando que as indústrias podem aumentar os preços e que não são submetidas à concorrência, elas podem fechar as indústrias periféricas para fazer economia. Isso pode ser evitado pela exigência de fabricação local, o que é efetivamente feito por algumas legislações nacionais,8 mas a maior parte dos países não incluiu esta obrigação em suas normas internas, o que torna pos-sível a manutenção de patentes sobre produtos fabricados nos grandes centros produtores. a concentração nos centros produ-tores contribui para o fechamento tecnológico, a não-formação de cientistas em uma escala global e o crescimento das desigual-dades. No caso das tecnologias de ponta, como a biotecno logia ou a farmácia, as indústrias preferem localizar-se nos países do Norte, em virtude das especificidades de transporte, do número de cien-tistas e de outros critérios característicos da desigualdade. assim, a desigualdade Norte-Sul se auto-alimenta e cresce.

Os estados Unidos, a europa e o Japão foram os principais atores para o avanço de um sistema de propriedade intelectual glo-bal. Nos estados Unidos, o ator mais importante, capaz de exercer influência sobre a tomada de decisão governamental, é a associação de empresas americanas de Produção e de Pesquisa Farmacêutica (PhrMa). a PhrMa não apresentou nenhum estudo científico sério para demonstrar seus argumentos, ela apóia-se apenas na crença histórica, herdada de um passado no qual a pesquisa era feita por muitos pesquisadores individuais, o que não existe há muito tempo. 12 UNDP. Human development report, p. 69. Mesmo nos países desenvolvidos,

entre 1981 e 1991, menos de 5% dos produtos farmacêuticos colocados no Mercado apresentavam avanços terapêuticos.

13 reMICHe, b. and H. DeSterbeCQ. “les brevets pharmaceutiques dans les accords du Gatt: l’enjeu?” revue de droit international économique, 1996 (1), p. 20.

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Os inventores de hoje são, em sua grande parte, empregados de multinacionais.9

* * *

as organizações internacionais e científicas que denunciam os efeitos nocivos da propriedade intelectual em muitos domí-nios são numerosas. entres estas, podemos citar diversas institui-ções das Nações Unidas, como o PNUD, a FaO e a OMS, além do Secretário-Geral e dos cientistas que ganharam prêmios Nobel, como Sen, em 1998, ou Stiglitz, em 2001. Como conclui o Pro-grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “o acordo trIPS vai permitir às multinacionais dominar o mercado mundial mais facilmente (...) as pessoas e os países pobres arriscam-se a serem marginalizados e excluídos deste regime de propriedade, que controla o conhecimento mundial”.10 entre os setores mais afetados, destacam-se a saúde pública e o acesso aos produtos farmacêuticos, que são os exemplos característicos.

De qualquer forma, o texto do trIPS prevê a possibilidade, para os países membros, de não conceder patentes, de anulá-las ou de conceder licenças obrigatórias, em diversos casos e segun-do seus próprios interesses. O estudo sobre os instrumentos de propriedade intelectual e as possibilidades abertas para o acordo trIPS, nosso primeiro ponto de estudo, são importantes, mas não são suficientes para reduzir os efeitos negativos que a proprieda-de intelectual pode ter no domínio da saúde, e alguns países já reagiram a este sistema, como podemos observar com a questão dos medicamentos contra a aids na áfrica e no brasil, o segundo ponto a ser estudado.

Seção I – Os produtos farmacêuticos

a pesquisa farmacêutica caracteriza-se por uma desigual-dade geográfica impressionante. Considerando a desigualdade Norte-Sul e a incapacidade dos países do Sul de financiar pesqui- 14 trade and tarifs act. 15 taCHINarDI, M. H. a guerra das patentes. rio de Janeiro: Paz e terra, 1993, p.

68.

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sas e comprar produtos farmacêuticos, o total das pesquisas sobre doenças tropicais representa apenas uma fração das pesquisas farmacêuticas. Considerando os 1.200 medicamentos produzidos entre 1975 e 2000, somente 11 eram destinados aos produtos tropicais.11 Somente 0,2% das pesquisas é orientado para o com-bate à tuberculose, à pneumonia e à diarréia, que atingem 18% dos doentes, sobretudo no terceiro mundo.12 O sistema de pro-priedade intelectual contribui para alimentar as desigualdades. em um primeiro momento, iremos estudar a formação de um sistema mundial de propriedade intelectual, que é uma contribuição da Organização Mundial do Comércio. em seguida, nós nos dedica-remos às conseqüências específicas da propriedade intelectual sobre a desigualdade, que aparece nos estudos sobre as relações entre a propriedade intelectual e os países do Sul.

Subseção I – a formação de um sistema mundial de propriedade intelectual

a Convenção de Paris de 1883 sobre a propriedade intelec-tual não trazia nenhuma restrição à patenteabilidade dos produtos e processos farmacêuticos. eles eram, portanto, patenteáveis. a partir dos anos 1930, muitos países modificaram suas leis sobre a propriedade intelectual, para tornar possível o desenvolvimento de uma indústria local, em um setor que começava a conhecer uma expansão importante e tornava-se um ponto estratégico na econo-mia internacional.

assim, essa situação repetiu-se em muitos países: no reino Unido, as patentes de medicamentos foram introduzidas na le-gislação em 1949; na França, em 1960; na alemanha, em 1968; no Japão, em 1976; na Suíça, em 1977; na Itália e na Suécia, em 1978; na espanha e na Grécia, somente em 1992; e, também, no brasil e em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento.13 Certos países eliminaram diretamente a propriedade intelectual sobre os produtos e processos farmacêuticos num mesmo momento, outros eliminaram primeiro a patenteabilidade dos processos far- 16 a europa, ainda que de forma menos direta, fez o mesmo a partir da ex-

clusão da Coréia do sistema geral de preferências, em razão da ausência de patentes farmacêuticas. reMICHe, b. and H. DeSterbeCQ. “les brevets pharmaceutiques dans les accords du Gatt: l’enjeu?”, op. cit., p. 19.

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macêuticos, para, anos depois, eliminar a de produtos.a construção jurídica do sistema de propriedade intelectual

é o resultado das pressões dos estados Unidos. a participação americana é marcante em todas as fases de negociação dos acor-dos trIPS. as pressões norte-americanas começam no setor da informática, em meados dos anos 80, e no setor farmacêutico, no final dos anos 80. O setor farmacêutico é colocado em primeira cena pelos lobbies das indústrias americanas de produção e pes-quisa farmacêutica, que invocam graves perdas com a pirataria farmacêutica nos países onde o sistema de propriedade intelec-tual não existia ou estava em níveis “inadequados”. Foi a partir de uma reclamação da PhrMa que o representante do Comércio dos estados Unidos iniciou, nos anos 80, uma política de reforço do sistema internacional de propriedade intelectual.

a lei americana de 1974 sobre o comércio de tarifas14 prevê, na seção 301, que o Secretário de Comércio pode pedir que se-jam feitas investigações sobre os países que impõem restrições comerciais aos produtos americanos. e, se após as investigações, concluir-se pela inexistência de uma política protecionista, ela au-toriza o Secretário de Comércio a pedir ao Presidente da repúbli-ca que sejam impostas sanções comerciais unilaterais, o que não era aceito pelas normas do Gatt em vigor.

em 1984, após alguns estudos sobre a importância do reforço das normas de proteção à propriedade intelectual para eliminação de restrições, limitando o acesso aos mercados estrangeiros, ou-tras regras foram adicionadas à Seção 301 e, sobretudo, à Seção 502b. a lei norte-americana autorizava a adoção de sanções con-tra os países que não possuíam um quadro jurídico “adequado” (para os estados Unidos) para a proteção da propriedade intelec-tual. O critério de verificação adotado era a existência de um pro-tecionismo injustificável, não-razoável ou discriminatório.15 Neste ano, o brasil fez parte da lista dos estados objeto de investigações, 17 laMPreIa, l. F. Discurso do Ministro de estado das relações exteriores,

embaixador luis Felipe lampreia, na Comissão de assuntos econômicos do Senado Federal. brasília, Senado Federal, 1995, p. 11.

18 laMPreIa. Discurso do Ministro de estado das relações exteriores, embai-xador luis Felipe lampreia, na Comissão de assuntos econômicos do Sena-do Federal, op. cit., p. 41.

19 entrevista de 18 de janeiro de 2001.

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em razão da lei de informática brasileira. Mais uma vez, o direito americano impõe sanções econômicas a outras nações sobera-nas, mas dependentes economicamente, que se vêem obrigadas a mudar sua legislação.

em 1988, o Congresso americano aprova a lei geral sobre comércio e competitividade, conhecida como Super 301, que continha uma lista de países prioritários e normas rígidas sobre a propriedade intelectual, a Special 301. Nesta época, certos pa-íses do Sul, grandes consumidores de produtos farmacêuticos, eram acusados de pirataria. O brasil continua a ser um exemplo interessante, na medida em que este país era sempre indicado nas listas de acusação, não apenas porque ele não tinha normas sobre a propriedade intelectual de processos e produtos farmacêuticos, mas também porque era um dos maiores consumidores mundiais e dependia economicamente dos estados Unidos, sendo, então, mais vulnerável às pressões comerciais.

No contexto internacional, a rodada do Uruguai começa nesta mesma época, e o reforço do sistema mundial de proprie-dade intelectual é colocado na agenda de negociações. Os países mais resistentes são justamente os do Sul, em particular os que efetivamente participam das negociações, ou seja, a China, o México, o brasil e a índia, sobretudo estes dois últimos, que têm a capacidade de reproduzir medicamentos a um preço baixo, o brasil por seus laboratórios públicos, e a índia, por seus laborató-rios privados. Os estados Unidos adotam assim uma dupla política para o reforço da propriedade intelectual, no âmbito de cada país interessado e no das negociações internacionais do Gatt.16

entre os países mais resistentes, a China e a índia são menos dependentes dos estados Unidos, logo, menos vulneráveis a pressões econômicas. O México adota rapidamente uma lei de propriedade intelectual desde a sua entrada no acordo Norte--americano de livre Comércio (NaFta). resta o brasil, ao mesmo tempo resistente e dependente dos estados Unidos. é justamente este país que será utilizado como alvo principal das negociações.

20 taCHINarDI, M. H. Op. cit., p. 114-5 e 135. 21 Não se pode esquecer que estes países resistiram, mas acabaram por ratifi-

car o acordo. logo, trata-se de um jogo político, em que se mede o conjunto de perdas e ganhos. estes países consideraram como uma melhor opção ingrssar na OMC.

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a associação de empresas americanas de Produção e de Pesquisa Farmacêutica pediu, em 1988, a incorporação do brasil na lista dos países objeto de investigações. De fato, o brasil não possuía, nesta época, legislação assegurando a proteção da pro-priedade intelectual sobre os produtos e processos de produção farmacêutica, além de ser o sétimo maior consumidor mundial.

em face da resistência brasileira, em 20 de outubro de 1988 os estados Unidos adotaram sanções comerciais unilaterais, impondo uma sobretaxa de 100% ad valorem sobre a produção de papel-celulose, produtos químicos e eletroeletrônicos.17 O ato de represália comercial tinha por objetivo, com estas medidas, in-fligir à industria brasileira prejuízos da ordem de US$ 39 milhões, mas eles foram de US$ 250 milhões em setores nos quais os im-pactos sociais são grandes.18

em 1990, o Presidente do brasil apresentou ao Congresso Nacional um projeto prevendo a patenteabilidade na indústria farmacêutica. Os estados Unidos retiraram as sanções impostas e acordaram um prazo para a aprovação do projeto de lei. Conside-rando que este projeto esteve em discussão durante cinco anos no Congresso Nacional, as pressões aumentaram e o brasil entrou, mais uma vez, na lista de investigações americanas, com a previ-são de sanções de US$ 1,8 bilhão sobre produtos vendidos por pequenas empresas exportadoras, como calçados, uma sanção forte o suficiente para levar à falência esses setores produtivos.

O governo brasileiro adotava também uma dupla diplo-macia. No plano interno, ele respondia às pressões americanas e fazia pressão sobre o parlamento para que fosse aprovada a nova lei de patentes. No âmbito do Gatt, o brasil continuou a ser um opositor importante na resistência às normas de propriedade intelectual. Para os estados Unidos, a aprovação da lei brasileira significaria que este país sairia da resistência internacional e aju-daria os avanços normativos. Para o brasil, a não-aprovação, em nível internacional, de normas mais rígidas, significaria o fim das pressões americanas em nível doméstico.

a resistência brasileira se explica. Segundo o representante

22 Dos 100 primeiros casos processados até 1997, 13% tratavam da proprieda-de intelectual. ver: CarreaU, D., JUIllarD, P. Droit international économi-que. Paris: l.G.D.J., 1998, p. 166.

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do brasil nas negociações do Gatt e, posteriormente, Secretário Geral da CNUMaD, M. ricupero,19 o brasil foi pego como exem-plo para a comunidade internacional, na questão do avanço das normas de propriedade intelectual. De fato, o mercado brasileiro já era dominado em 83% pelas indústrias estrangeiras, sobretudo americanas. Os 17% restantes eram compostos por pequenos produtores locais. em conseqüência, estas novas regras de pro-priedade intelectual não serviriam para aumentar o monopólio da comercialização, uma vez que este já existia. Neste sentido, o discurso do embaixador brasileiro P. batista nas negociações do Gatt, em setembro de 1988, mostra-se interessante:

“Quando as maiores multinacionais entraram no brasil, no setor farmacêutico, a decisão de excluir produtos farmacêu-ticos de patenteamento já estava em vigor. é improvável que os danos às multinacionais possam ser relevantes. a maior parte do mercado, 80% ou mais, pertence às multi-nacionais, sendo 35% correspondentes ao faturamento das empresas norte-americanas. Os restantes 20% da partici-pação brasileira estão em mãos de empresas que fabricam medicamentos populares, feitos localmente com ervas. Portanto, patentes não são necessárias. Nenhum caso subs-tantivo foi apresentado, no brasil ou em Washington, contra a infração na indústria farmacêutica... além de não reconhe-cer que o governo norte-americano tem qualquer autorida-de moral para fazer julgamentos sobre o tema, deixe-me recordar aos colegas que o único tipo de familiaridade que o brasil teve com a pirataria foi na condição de vítima. assim como a maioria de nossos vizinhos latino-americanos, des-de o início do período colonial temos sido constantemente saqueados (plundered and ransacked) por notáveis perpe-tradores dessa segunda ou terceira mais antiga profissão, pessoas cujos nomes são Drake, Cavendish, Fenton, nomes que, aliás, não são portugueses ou espanhóis.”20

em 1994, o trIPS foi assinado, apesar da resistência dos paí-

23 Certos autores, como Jeffrey Sachs (ver carta supra), consideram que ne-nhum páis do Sul é capaz de produzir tecnologia de ponta. Neste caso, o grupo de países do primeiro grupo seria concentrado entre as duas catego-rias seguintes.

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ses em desenvolvimento, politicamente mais fortes21. No primeiro semestre de 1995, a lei brasileira foi também aprovada. O texto final do Gatt prevê que todos os países membros têm a obriga-ção de proteger, por patentes, os processos e produtos farma-cêuticos. Sem nenhuma dúvida, a ação dos estados Unidos nos dois planos, doméstico e internacional, muito contribuiu para aprovar normas mais extensivas no âmbito da OMC. O dispositivo não é expresso, ao contrário, os medicamentos não fazem parte dos produtos para os quais a exclusão de patentes é permitida. De acordo com o artigo 70, os países em desenvolvimento têm um período de dez anos para aprovar normas de propriedade intelectual, a contar de 1º de janeiro de 1995. todavia, é preciso que estes países criem um banco de dados para a recepção de pedidos para novas patentes desde a entrada em vigor do acor-do.22 estes novos pedidos devem ser verificados de acordo com as regras estipuladas pelo Gatt, para atribuir ou recusar a concessão de patentes. a principal diferença é que os efeitos da proteção começam a partir da expiração do período de graça de dez anos, ou de quatro, conforme o país considerado.

* * *

a construção de um sistema mundial de propriedade inte-lectual faz-se com a ratificação dos acordos da OMC. a adesão à OMC exige que todos os acordos sejam aceitos pelos países, incluindo o trIPS. é um conjunto que contém pontos positivos e negativos, sendo que cada país deve fazer uma escolha e pesar todos esses aspectos antes de entrar na organização. a adesão de 140 países garante a existência de um sistema mundial de pro-priedade intelectual.

a resistência de outros países em desenvolvimento é então vencida no âmbito do OSC. a resistência indiana à criação de um banco de dados para a recepção de patentes é o objeto de um caso julgado no âmbito da OMC. a índia é, por sua vez, obrigada a adotar um sistema de preservação de direitos de propriedade in-telectual para os produtos farmacêuticos. Nos países do Sul, estas normas terão impactos importantes.

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Subseção II – as possibilidades jurídicas do trIPS favoráveis aos países do Sul

O acordo trIPS institui normas mínimas para a proteção da propriedade intelectual. em certos domínios, sobretudo no farmacêutico, ele oferece uma flexibilidade importante, que pode ser utilizada pelos países do Sul em benefício próprio. todavia, esses países freqüentemente não sabem tirar proveito dessa flexi-bilidade de normas e preferem seguir os critérios de propriedade intelectual utilizados pelos países do Norte. em outros casos, essa flexibilidade não é suficiente para evitar problemas de acesso a medicamentos, como vimos no caso da aids.

antes de analisar as normas do trIPS, é interessante voltar à classificação de J. Sachs. Podem-se classificar os países do Sul em três categorias:

– aqueles que produzem tecnologia, como certas regiões do brasil (Sul e Sudeste), da índia (Centro), da China (Cos-ta leste) e do México, em certos domínios específicos23

– aqueles que tem capacidade para adaptar a tecnologia às suas necessidades, como as outras regiões dos países citados, além de argentina, China e áfrica do Sul

– aqueles que estão completamente excluídos da inova-ção tecnológica

Para o primeiro grupo, o dos inovadores, é interessante dis-por de um sistema de propriedade intelectual flexível, podendo ser utilizado de acordo com as suas necessidades. ele deve permi-tir o recurso aos direitos de propriedade intelectual para proteger suas invenções, mas também oferecer a possibilidade aos países do Sul concorrentes de utilizar os objetos protegidos nas suas pesquisas e, se possível, de também terem direitos de proprieda-de intelectual.

Para o segundo grupo, a maioria dos países desenvolvidos do Sul, um sistema de propriedade intelectual não apresenta nenhum interesse, porque eles não têm a capacidade de copiar a tecnologia e nem de desenvolvê-la em concorrência com os países do Norte. todavia, nesta etapa da evolução do direito internacional, não é mais possível não ter nenhuma norma de propriedade intelectual,

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exceto se mudarmos o trIPS neste sentido, o que é pouco pro-vável na atualidade. esses países devem lutar para guardar um mínimo de liberdade e para que permitam às suas indústrias e às indústrias vizinhas produzir os produtos patenteados. assim, quan-do o monopólio sobre a comercialização do produto patenteado chegar ao fim, os preços serão mais acessíveis e a criação de em-pregos nas indústrias locais será mais intensa, como faziam antes os países desenvolvidos.

Para o terceiro grupo, a maioria dos países do Sul que se en-contra excluída da produção e mesmo da adaptação tecnológica, a importância de um sistema de propriedade intelectual flexível é a mesma. embora estejam excluídos da produção, em muitos ca-sos eles são consumidores dos produtos e avanços tecnológicos. O exemplo mais marcante é o dos países africanos e dos medica-mentos contra a aids. estes países não estão em condições de ino-var, em se tratando de química para produzir novos medicamen-tos contra a aids e, à exceção de um laboratório privado na áfrica do Sul, eles não têm chances de copiar produtos farmacêuticos já existentes, fabricando-os em seu território. todavia, eles precisam comprar esses medicamentos das indústrias multinacionais para combater a doença que arrasa suas populações. em um sistema de patentes rígido, o preço dos medicamentos é controlado por apenas um titular da patente, que o fixa em um alto patamar. estes países têm, portanto, o interesse de ter um sistema de pro-priedade intelectual menos rígido, permitindo uma certa concor-rência entre as empresas capazes de produzir os medicamentos.

efetivamente, o acordo trIPS oferece um conjunto de re-gras mínimas para a proteção da propriedade intelectual, o que quer dizer que ele apresenta o mínimo de proteção que os esta-dos devem estabelecer para estarem de acordo com as normas internacionais da OMC. ele oferece, portanto, um certo número de possibilidades aos estados para introduzir mecanismos de flexibilidade que podem atuar em favor dos países em desenvol-vimento. entre estes, por exemplo, podemos citar os artigos 8, 27 e 31. O artigo 8, sobre os princípios gerais, dá a possibilidade de adotar medidas favoráveis a situações especiais. O artigo 27, ao 24 HerMItte, M.-a. les gènes devant l’Office européen des brevets. l’occasion

manquée du dialogue démocratique. actes du colloque: la propriété intel-lectuelle dans le domaine du vivant. Paris: académie de Sciences, 1995, p. 230.

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fixar a definição de produtos patenteáveis, deixa ao mesmo tem-po os contornos do que se poderia excluir da patenteabilidade, e então se copiar e se adaptar livremente. enfim, o artigo 31, fixando as licenças não-voluntárias, torna possível a utilização dos produtos patenteados em favor de certas emergências.

Cada uma das condições ou exceções possíveis à concessão de licenças de patente pode ser interpretada de forma flexível e permite adaptar as normas do trIPS aos interesses dos países do Sul. vamos, assim, analisar certas medidas que podem ser adapta-das pelos países do Sul, conforme os seus interesses, sem violar as regras do trIPS. antes, vejamos o que é obrigatoriamente paten-teável e o que não é. em seguida, entre os objetos patenteáveis, as condições de concessão de patentes, a novidade, a atividade inventiva e a aplicação industrial. Depois, as possibilidades jurí-dicas do direito de patentes, como a permissão ou proibição da importação paralela e a obrigação de fabricação local. enfim, as questões genéricas que não estão ligadas à proteção intelectual propriamente dita, mas que têm elos estreitos com estas normas.

I. Os objetos patenteáveis e os objetos excluídos da paten tea-bilidade

O artigo 27 determina o que os países devem patentear, as condições de obtenção de patentes e as exceções possíveis acor-dadas caso a caso, país por país:

“artigo 27: Matéria Patenteável”

1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, des-

25 antes, o Oeb ignorava as questões éticas, como nas patentes de micror-ganismos per se. HerMItte, M.-a. “la protection juridique des inventions biotechnologiques. le parlement européen, l’éthique et le droit des brevets.” europe, 1998, 8(12), p. 6.

26 HerMItte, M.-a.. “l’animal à l’épreuve du droit des brevets.”, Nature, Sciences et Sociétés, 1993, 1(1), p. 51.

27 HerMItte, M.-a. “l’animal à l’épreuve du droit des brevets.”, op. cit., p. 51. 28 t 0356/93.

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de que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do dis-posto no parágrafo 4 do artigo 65, no parágrafo 8 do artigo 70 e no parágrafo 3 deste artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usu-fruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

2. Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja neces-sário evitar para proteger a ordem pública ou a morali-dade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é proibida por sua legisla-ção.

3. Os Membros também podem considerar como não pa-tenteáveis:a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para

o tratamento de seres humanos ou de animais;b) plantas e animais, exceto microorganismos e pro-

cessos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não-biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros concederão proteção a variedades vege-tais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação

29 HerMItte, M.-a. “la protection juridique des inventions biotechnologiques. le parlement européen, l’éthique et le droit des brevets.”, op. cit., p. 8.

30 ver CHavaNNe, a. et bUrSt, J-J. Droit de propriété intellectuelle. Paris, Dalloz, p. 71.

31 HerMItte, M.-a.. “l’animal à l’épreuve du droit des brevets.”, op. cit., p. 50. 32 HerMItte, M.-a. les gènes devant l’Office européen des brevets. l’occasion

manquée du dialogue démocratique. la propriété intellectuelle dans le domaine du vivant, Paris: académie de Sciences, 1995, p. 225, HerMItte, M.-a. les gènes devant l’Office européen des brevets. l’occasion manquée du dialogue démocratique. actes du colloque: la propriété intellectuelle dans le domaine du vivant, Paris: académie de Sciences, 1995, p. 235 et GallO-CHat, a. la brevetabilité du vivant: de la bactérie au génome humain. In: Mélanges offertes à Jean-Jacques burst. Propriétés intellectuelles, 2000, p. 194.

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de ambos. O disposto neste subparágrafo será revis-to quatro anos após a entrada em vigor do acordo Constitutivo da OMC.”

De acordo com o artigo 27 do trIPS, toda invenção deve po-der ser patenteada, exceto aquelas que atentam contra a ordem pública ou a moral, os métodos de diagnóstico, terapêuticos e cirúrgicos, os vegetais e os animais – exceto os microorganismos. Para o que nos interessa, iremos analisar primeiro a definição de ordem pública e de moral, para em seguida nos debruçarmos sobre as exceções referentes aos vegetais e animais e, enfim, aos métodos terapêuticos.

a) Ordem pública e moral

O artigo 27.2 do acordo trIPS prevê que os países membros poderão excluir da patenteabilidade as invenções contrárias à ordem pública ou à moralidade:

“27.2. Os Membros podem considerar como não-patenteá-veis invenções cuja exploração em seu território seja necessá-rio evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade …”

as definições de ordem pública e de moralidade não são dadas pelo trIPS e cada país deve estabelecê-las. é um assunto controverso, porque se trata de um conceito subjetivo, que varia conforme cada sociedade, a cada época.24 a utilização de argu-mentos morais para justificar a não-concessão de patentes é obje-to de discussões jurídicas há muitos anos, mas não se dispõe, até o presente, de uma definição consensual, no plano internacional ou territorial e nem na jurisprudência, que permita se chegar a um consenso internacional.

O escritório europeu de patentes já teve a oportunidade de desenvolver o assunto, a partir de vários casos.25 No caso da pa-tente sobre um rato transgênico, o Myc Mouse, as ONGs tinham quatro argumentos: o risco de disseminação de genes deletérios no meio ambiente, a mudança radical da evolução, a legitimidade da patenteabilidade de animais de experimentos destinados a se- 33 Wt/GC/W/282.

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rem doentes pelo seu próprio patrimônio genético e a reificação do animal que resultaria da patente.26 O Oeb rejeitou o pedido, em razão da utilidade da invenção. a Câmara de recursos aceitou a invenção: “a questão de saber se o artigo 53-a impede ou não de patentear a presente invenção depende principalmente de um equilíbrio, que é preciso estabelecer de forma cuidadosa, entre o sofrimento dos animais e os riscos eventuais sobre o meio am-biente, de um lado, e a utilidade da invenção para o homem, de outro lado”.27 O fato de que o animal seja patenteável não é, por-tanto, em si contrário aos bons modos na europa. é apenas com a análise de cada caso, em particular, que a patente do animal poderá ser julgada chocante, sobretudo com a análise da pos-sibilidade da invenção lhe causar um sofrimento sem interesse suficiente para a humanidade.

em um outro caso, o Greenpeace tinha feito um pedido de recurso junto ao Oeb, a respeito da concessão de uma patente refe-rente a uma planta, pedida pela empresa Plant Genetic Systems.28 O Greenpeace defendia que as plantas deviam manter-se dispo-níveis a todos, em virtude do princípio de que a biodiversidade é patrimônio comum da humanidade, sem qualquer restrição, e, no caso, a patente acordada em relação a plantas geneticamente modificadas iria contra este princípio, uma vez que ela criaria um monopólio de comer-cialização da planta em favor de uma em-presa privada. enfim, de acordo com o Greenpeace, as pesquisas de opinião mostravam que o público era contrário ao patentea-mento do seres vivos, argumento que permitira demonstrar que a patente seria uma ofensa à moral.

O Oeb rejeitou os argumentos do Greenpeace, pelo moti-vo de que não havia no caso ofensa ao princípio do patrimônio comum da humanidade nem ao desenvolvimento do conceito de moral. a Câmara reconhece uma certa inquietude da opinião pública, mas ela não vê nada de inaceitável, porque estas técnicas não passam do “prolongamento da seleção tradicional”,29 e as pesquisas apresentadas não representavam, necessariamente, a 34 COrrea. Integration public health concerns into patent legislation in deve-

loping countries, op. cit., p. 18. 35 é interessante notar que as normas de propriedade intelectual do direito

internacional do meio ambiente não são eficazes. a eficácia das normas eco-nômicas é uma característica, principalmente, das normas da OMC.

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opinião do público sobre a questão nem a consideração de um plano moral. O Oeb não chegou a uma definição precisa do con-ceito, mas em um outro caso ele considerou que uma invenção que colocava em risco o meio ambiente podia ir contra a ordem pública.30 O Oeb tem, portanto, construído um conceito de moral e de ordem pública, em relação à patenteabilidade de seres vivos, que deveria estar sendo construído pela sociedade, considerando a sua importância e as suas repercussões.31 a doutrina mostra-se muito crítica a respeito desta decisão e certos autores afirmam que “teria sido melhor que tal decisão nunca tivesse sido proferi-da”.32

De qualquer modo, cada país tem a liberdade para fixar o que vai contra a ordem pública e os bons costumes, segundo seus próprios critérios políticos e técnicos. No caso dos medicamentos, seria difícil considerar que um medicamento qualquer ofenda a ordem pública ou a moralidade, exceto se sua fabricação é, por exemplo, baseada em organismos vivos, e se ele considera, nestes casos, que a proteção intelectual dos seres vivos é uma ofensa à moral. Uma outra situação hipotética seria o caso de um me-dicamento fabricado a partir de uma planta local, sem que seja estabelecido um contrato de divisão de benefícios, o que poderia também ser considerado uma ofensa à moral ou à ordem pública. O artigo do trIPS somente permite a utilização desses critérios quando a comercialização é também proibida (“cuja consideração é necessária para impedir a exploração comercial”).

De qualquer modo, seria impossível autorizar a comercia-lização do produto. O acesso do público ao produto seria então apenas possível pelos programas de distribuição gratuita de me-dicamentos à população ou pelas agências de saúde, portanto sem comercialização. Nestes casos, o próprio governo fabricaria ou então compraria esses produtos junto a um produtor cujo res-peito à patente não seria exigido, em relação à ordem pública, e dis-tribuiria, em seguida, à população que dele necessita. No entanto, isso exigiria, antes de tudo, a consolidação de um conceito ainda vago de ordem pública e de moral e uma capacidade nacional de produção dos produtos farmacêuticos, o que não existe na maior 36 veja-se a discussão do tema da proteção do acesso aos recursos genéticos.

varella, Marcelo. Propriedade intelectual de setores emergentes. São Pau-lo: atlas, 1996.

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parte dos países do Sul.a exclusão das patentes sobre produtos que compõem a lis-

ta de medicamentos prioritários, estabelecida pela Organização Mundial da Saúde, foi proposta pela venezuela, que se baseava nesta exceção, na preparação da Conferência Ministerial de Seat-tle. ainda que a proposição não tenha tido sucesso, ela poderia ter certas conseqüências positivas para os países do Sul. De qualquer modo, não haveria grandes reduções de preços, porque a maior parte dos produtos desta lista já está em domínio público.33

b) a exclusão dos organismos vivos

as razões que determinam a exclusão da patenteabilidade são raramente isoladas. em geral, os estados excluem um objeto da patenteabilidade por razões tanto técnicas quanto políticas. a exclusão dos seres vivos é um exemplo de exclusão política e técnica. Política, porque sua utilização pode ser considerada uma ofensa à moral ou falta de respeito à Convenção da diversi-dade biológica. e, quanto aos organismos não-geneticamente mo-dificados, técnica, porque a invenção carece de novidade. assim, o artigo 27. 3, (b) dispõe que:

“3. Os Membros também podem considerar como não--patenteáveis:b) plantas e animais, exceto microorganismos e pro-

cessos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não-biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros concederão proteção a variedades vege-tais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste subparágrafo será revis-to quatro anos após a entrada em vigor do acordo Constitutivo da OMC.”

Certos países do Sul, como o brasil, o México e a argentina,34 e do Norte, como a Comunidade européia, excluem as variedades 37 reMICHe, b. and H. DeSterbeCQ. “les brevets pharmaceutiques dans les

accords du Gatt: l’enjeu?”, op. cit., p. 35.

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vegetais. O brasil também não aceita as patentes de plantas, ani-mais ou de partes de plantas ou de animais. O artigo 27.3 (b) do trIPS aceita a exclusão das patentes, mas exige um sistema eficaz. a exigência de eficácia é importante e restritiva.35

a exclusão das patentes sobre microorganismos é também importante no domínio dos produtos farmacêuticos. O trIPS obriga os países a prever um sistema de patentes para microor-ganismos, mas certos países, como o brasil, não consideram que estes sejam um objeto novo, exceto se houve uma modificação do código genético.

assim, célebres invenções, como o rato de Harvard, patente-ado nos estados Unidos e na europa, ou ex part Hibberd, não pode-riam ser patenteados em muitos outros países, porque, mesmo se os organismos são geneticamente modificados, eles continuam a ser plantas ou animais. este quadro é justamente o oposto da evolução das normas americanas e da nova diretiva européia, que permite essas patentes. De qualquer modo, uma diferença de tratamento da matéria entre os países do Norte e os do Sul é necessária, considerando os efeitos positivos dessas patentes no Norte e seus efeitos negativos no Sul.

a exclusão dos processos essencialmente biológicos é também um ponto de discussão importante. as jurisprudências dos estados Unidos e da europa fazem uma diferença entre os processos essencialmente biológicos e os processos técnicos de obtenção de plantas. além do mais, os processos técnicos são di-vididos entre aqueles que chegam à produção de uma variedade vegetal específica e aqueles da produção de variedades em geral. Na europa, a primeira não é patenteável, mas a segunda, sim. De qualquer modo, os países do Sul não são obrigados a seguir essas classificações e podem ter uma interpretação mais ampla, como sustentar a existência de um “processo não-biológico”, da mesma forma como faziam os escritórios de patentes do Norte antigamen-te.

Uma outra questão está ligada à exclusão dos seres vivos: trata-se da possibilidade de excluir a proteção das invenções deri-vadas de organismos vivos, que não seriam acompanhadas de um contrato de divisão de benefícios com os países de origem deste 38 art.11. 3 (a).

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organismo, conforme os dispositivos da Convenção sobre a diver-sidade biológica. Por exemplo, um medicamento feito a partir de uma planta utilizada pelos índios da amazônia peruviana, cuja fabricação não prevê contrato de divisão de benefícios com o Peru. O trIPS não evoca essa possibilidade, mas também não impede que um estado membro a torne obrigatória. Os países do Sul, ricos em diversidade biológica, ou mesmo pouco interes-sados em conceder patentes, poderiam utilizar esse argumento, ainda que ele possa ser discutido posteriormente.

a Convenção sobre a diversidade biológica afirma que os países detentores de diversidade biológica deverão receber uma contrapar tida para os produtos derivados dessa biodiversidade, entre os quais os direitos de propriedade intelectual. Como já explicamos,36 os acordos da OMC não fazem nenhuma referência a este tema. No entanto, esse dispositivo pode se mostrar impor-tante, na medida em que 24% dos produtos farmacêuticos são derivados de produtos naturais. Nesses casos, os países detento-res da diversidade biológica poderão, em função da implementa-ção da Convenção da biodiversidade, exigir que os contratos de acesso aos recursos genéticos sejam apresentados aos escritórios de patentes, sob pena de exclusão da patenteabilidade no inte-rior do território. Isso pode representar a exclusão de um número importante de produtos hoje patenteados.

a venezuela propôs a exclusão dos produtos não-associa-dos a uma divisão de benefícios durante as reuniões preparatórias para a Conferência ministerial de Seattle, o que não logrou êxito.37

c) Medidas necessárias para proteger a saúde pública

O artigo 27 do acordo sobre propriedade intelectual da OMC, dispõe que:

“2. Os Membros podem considerar como não-patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, in-clusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é proibida por sua legislação.”

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assim, os estados podem decretar certos produtos como não-patenteáveis para defender a saúde dos seus habitantes. Por exemplo, os medicamentos contra uma doença poderão ser excluídos da patenteabilidade, considerando que a doença pre-judica gravemente este país, e que a patente poderia impedir ou tornar muito difícil o acesso aos medicamentos. assim, nenhuma empresa poderia receber o monopólio da sua comercialização e os interessados poderiam produzir o medicamento no território ou importar os medicamentos diretamente do titular dos direitos de propriedade intelectual no exterior, de seus licenciados ou ainda das indústrias que fabricarem o medicamento em um país que não faz parte do trIPS. Considerando que as escolhas de compra aumen-tam, os preços são mais baixos.

este dispositivo é ligado, de forma estreita, aos artigos 8.1 e 31, (b), que fazem referências às necessidades de proteção da saúde humana. O artigo 8.1 é um princípio geral que fixa que os países membros poderão mudar suas normas para tomar as me-didas necessárias à proteção da saúde pública, mas ele é limitado pelas demais disposições do trIPS:

“artigo 8: Princípios 1. Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regula-mentos, podem adotar medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de importância vital para seu desenvol-vimento socioeconômico e tecnológico, desde que estas medidas sejam compatíveis com o disposto neste acordo.”

O princípio geral do artigo 8 é freqüentemente citado pelos autores como um princípio essencial para a interpretação de todo o acordo. assim, a limitação “à condição de que estas medidas sejam compatíveis com as disposições do presente acordo” deve então ser lida de forma restritiva, uma vez que uma interpretação extensiva poderia ter como conseqüência a anulação da disposi-ção. Ora, é pouco provável que tal seja a intenção dos redatores do artigo. assim, a doutrina tem razão ao considerar que se garante 39 art.11. 3 (a). 40 azeMa, J. Médicament et brevet. Jurisclasseur, 5, 2001, fascicule 4280, p. 5. 41 GallOUX. Droit de la propriété industrielle, op. cit., p. 69.

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aos estados o direito de tomar medidas para a proteção da saúde pública, ainda que estas medidas sejam contrárias às disposições específicas do trIPS.38

O artigo 31, (b), refere-se às patentes já concedidas e à possibilidade de licenças não-voluntárias, decididas pelos poderes públicos, em nome da proteção da saúde pública:

“artigo 31: Outro Uso sem autorização do titular Quando a legislação de um Membro permite outro uso do objeto da patente sem a autorização de seu titular, inclusive o uso pelo Governo ou por terceiros autorizados pelo go-verno, as seguintes disposições serão respeitadas:(...) b) esse uso só poderá ser permitido se o usuário propos-to tiver previamente buscado obter autorização do titular, em termos e condições comerciais razoáveis, e quando esses esforços não tenham sido bem-sucedidos num prazo razoá-vel. essa condição pode ser dispensada por um Membro em caso de emergência nacional, outras circunstâncias de extre-ma urgência ou em casos de uso público não-comercial. No caso de uso público não-comercial, quando o Governo ou o contratante sabe ou tem base demonstrável para saber, sem proceder a uma busca, que uma patente vigente é ou será usada pelo ou para o Governo, o titular será pronta-mente informado;”

este é provavelmente o dispositivo legal que dá maior mar-gem de manobra aos países do Sul no que concerne às patentes de medicamentos. essas medidas são aplicáveis aos objetos patenteáveis, ou mesmo aos produtos já patenteados, cujos po-deres públicos têm necessidade em situações de emergência; elas permitem explorar a patente sem a autorização do titular. a expressão deve ser interpretada à luz do artigo 8.1, que dispõe que os membros poderão adotar as “medidas necessárias para proteger a saúde pública e a nutrição e para promover o interesse público nos setores de importância vital para o seu desenvolvi-mento...”. O parágrafo seguinte completa este, anunciando que os estados têm o direito de tomar as medidas necessárias para

42 HerMItte, M.-a. la protection de l’innovation en matière de biotechnologie appliquée à l’agriculture. Paris: assemblée Nationale/Sénat, 1991, p. 213.

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evitar o uso abusivo de direitos de propriedade intelectual. este artigo deve ser também lido em conjunto com o artigo anterior, que vincula a propriedade intelectual ao bem-estar social e eco-nômico. assim, o estado pode conceder autoritariamente uma licença. ela deve ser limitada pela determinação de um prazo razo-ável e de uma compensação financeira ao patenteado. Durante este prazo, o estado pode produzir por si mesmo ou ainda autorizar terceiros a produzir o medicamento desejado.

as possibilidades contidas nesses artigos foram utilizadas como base da discussão sobre a distribuição dos medicamentos contra a aids na áfrica do Sul e no brasil, ou contra a patente do antraz nos estados Unidos, para combater as práticas de bioter-rorismo, mas este artigo não foi utilizado em nenhum caso junto ao Órgão de Solução de Controvérsias. analisaremos esses casos mais profundamente neste capítulo, no estudo das licenças não--voluntárias.

d) Os métodos terapêuticos e cirúrgicos

O trIPS exclui da patenteabilidade os “métodos de diag-nósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de pessoas ou de animais”.39 ainda que a maior parte dos países não aceite a patente de métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos, ela é aceita no direito americano e europeu,40 se o método em questão pode ser assimilado a um processo de produção ligado a um ins-trumento e corresponde aos outros critérios de patenteabilidade. a exclusão é feita expressamente, e não importa se o método é ou não uma invenção. O fundamento da exclusão é que “o exercício da profissão de médico não é uma indústria”.41

as legislações americana e européia aceitam também a patente de métodos de tratamento não-terapêuticos, como os métodos cosméticos ou os tratamentos médicos não relaciona-dos a uma doença, como, por exemplo, a ajuda à gestação (a partir da procriação assistida). De qualquer modo, é uma interpretação extensiva das normas de propriedade intelectual.

Na prática, os escritórios de patentes dos países em desen- 43 COrrea. Integration public health concerns into patent legislation in deve-

loping countries, op. cit. 44 GallOUX, J.-C. la brevetabilité du génome humain ou la tension entre le

droit des biotechnologies et les bio-droits. In: al. Droits de la personne: “les

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volvimento devem fazer um estudo mais detalhado das patentes concedidas nos estados Unidos e na europa, já que eles não são obrigados a adotar essas regras tão amplas de patenteabilidade.

II. as condições de patenteabilidade

a) Novidade

O acordo trIPS não definiu o critério novidade, deixando este cuidado aos estados-membros. Conforme o artigo l 611-10 do Código de Propriedade Intelectual francês, copiado em todo o mundo:

“Uma invenção é considerada nova se ela não está com-preendida no estado da técnica”.

esta definição do que está ou não compreendido no esta-do da técnica é uma escolha que cabe a cada país. Os mais rígi-dos consideram que uma simples comunicação oral é suficiente para impedir a concessão de patentes. Outros são menos rígidos ao considerar que uma invenção perde a sua novidade somente após uma comunicação escrita, como sua descrição em um artigo científico, por exemplo. Na França, o artigo 611-11 do Código de Pro prie dade Intelectual fixa que:

“O estado da técnica é constituído por tudo aquilo que foi tornado acessível ao público, antes da data do depósito do pedido da patente por uma descrição oral, um uso ou qual-quer outro meio.é igualmente considerado como compreendido no estado da técnica o conteúdo dos pedidos de patentes france-ses ou dos pedidos de patente europeu ou internacional

bio-droits”. aspects nord-américains et européens. actes des journées stras-bourgeoises de l’Institut Canadien d’etudes Juridiques Supérieures de 1996. Quebec: Yvon blais, 1996, p. 321.

45 artigo 54 (5) da Convenção européia de Patentes. 46 DOMeIJ, b. Pharmaceutical patents in europe. Stockholm: Kluwer law In-

ternational, Norstedts Juridik ab, 2000, p. 156-157 et COrrea. Integration public health concerns into patent legislation in developing countries, op. cit., p. 21.

47 azeMa, J. Médicament et brevet. Jurisclassseur, 5, 2001, fascicule 4280, p. 8.

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designando a França, tais como elas foram depositadas, com uma data de depósito anterior àquela mencionada na segunda alínea do presente artigo e que não foram publica-das até a presente data ou apenas em uma data posterior.”

Muito embora a existência das disposições rígidas france-sas e de outros países desenvolvidos, os escritórios de patentes podem ser mais flexíveis e concedê-las segundo os interesses em jogo. Os escritórios de patentes dos estados Unidos e da europa inscrevem-se em um processo claro de flexibilidade do critério novidade. Contudo, trata-se apenas de uma prática dos escri-tórios de patentes do Norte, e não uma obrigação jurídica que pode ser imposta aos países do Sul, como conseqüência das normas internacionais de propriedade intelectual.

assim, os países do Sul podem se mostrar mais rígidos na apreciação do critério novidade e considerar que o simples fato de isolar e identificar os produtos naturais não é suficiente para chegar a ser novo,42 para impedir a concessão de patentes sobre medicamentos que não apresentam um nível de novidade con-siderado suficiente. Nesses tipos de casos, seria necessária uma nova análise dos objetos das patentes, mais minuciosa, operada por técnicos dos escritórios de patentes desses países, e não simplesmente uma homologação das patentes concedidas nos países do Norte. Isso compreende também a valorização dos escritórios de patentes do Sul e a contratação de pessoal qualifi-cado, o que é raro.

Nos países mais desenvolvidos, onde a concorrência entre as empresas é real, é comum ter um número importante de ações na Justiça fundamentadas na falta de novidade. Nos países do Sul, onde esta concorrência não existe no mesmo nível e as empresas locais não têm acesso à Justiça e ainda não estão, em geral, inte- 48 CHavaNNe et bUrSt. Droit de propriété intellectuelle, op. cit., p. 98. 49 CHavaNNe et bUrSt. Droit de propriété intellectuelle, op. cit., p. 99. 50 DOMeIJ. Pharmaceutical patents in europe, op. cit., p. 188. 51 DOMeIJ. Pharmaceutical patents in europe, op. cit., p. 195. 52 O Manual de práticas de patentes do reino Unido, no parágrafo 1.14, prevê

também que “o fato de ter descoberto que um material conhecido possui uma propriedade desconhecida anteriormente não constitui um objeto patenteável”. ver SHaNKer. India, pharmaceutical industry and the validity of trIPS, mimeo.

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ressadas na importância das patentes,43 a discussão judicial não existe. Desse fato, podemos concluir com a importância de uma nova análise das patentes e de uma conscientização, das firmas locais, da importância da propriedade intelectual.

a1) a patente de um produto ligado a uma utilização precisa

a questão da novidade pode também permitir a exclusão da proteção por falta de novidade, como a patente de um pro-duto ligado a uma nova utilização, diferente daquela que havia sido indicada ini-cialmente pelo patenteado, por exemplo, a pa-tente dada a um medicamento X ligado a uma utilização contra a doença Y. Considerando que os produtos farmacêuticos podem ser utilizados para um tratamento determinado e, em seguida, revelarem-se úteis para o tratamento de uma outra doença, ou serem inseridos em um outro processo terapêutico, a possibi-lidade de conceder novas patentes e então prorrogar o prazo de proteção é importante. a quinina, por exemplo, é utilizada para a prevenção da malária, mas também para o tratamento da pneumonia, como antipirético e também como analgésico. Se o estado faz a opção de conceder a patente apenas para um utilização precisa, as utilizações diferentes da invenção não são cobertas pelo monopólio. O azt, por exemplo, foi inventado para combater o câncer; com a emergência da aids e as pesqui-sas efetuadas para lutar contra esta doença, o azt mostrou-se eficaz. Se os países em questão aceitam apenas o primeiro uso, a utilização do azt para aids não poderia ser objeto de um novo pedido de patente específico.

Certos autores afirmam que seria mais interessante para os países do Sul anexar a concessão de patentes a um processo terapêutico determinado pelo solicitante, quando do pedido de patentes, como fazem os estados Unidos, por exemplo.44 as-sim, eles poderão pesquisar novas aplicações para os produtos já conhecidos e depositar também patentes ligadas a novas aplica-ções. é uma lógica que pode se apresentar como armadilha, uma vez que do mesmo modo que as indústrias do Sul poderão de-positar novas patentes, as indústrias do Norte também poderão. Considerando a diferença de poder em termos de concorrência entre as duas categorias de indústrias, esta possibilidade se reve- 53 HerMItte, M.-a. la protection de l’innovation en matière de biotechnologie

appliquée à l’agriculture. Paris: assemblée Nationale/Sénat, 1991, p. 214.

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laria dificilmente mais vantajosa para os países do Sul, exceto para certas indústrias do primeiro grupo indicado, situadas em deter-minadas regiões entre as mais desenvolvidas de alguns países do Sul, que chegam a produzir tecnologia. em geral, esta escolha não é interessante para a maior parte dos países do Sul.

Na europa,45 ao contrário, o depositante deve indicar uma fina lidade terapêutica, mas a patente é válida para todas as utili-zações posteriores do mesmo produto, ainda que elas sejam dife-rentes daquela que foi indicada quando do pedido de patente.46 No entanto, certos países europeus, como a França e a alemanha, já têm uma jurisprudência favorável à patente da segunda aplica-ção terapêutica.47

a2) a segunda aplicação terapêutica

a patente associada a uma utilização precisa está ligada, de forma estreita, à possibilidade de proteger, por patentes, as novas indicações terapêuticas. Certos autores invocam também a situação na qual uma nova finalidade terapêutica é descoberta para um produto que já existia no mercado, sem ser patenteado. Neste caso, não haverá uma nova patente sobre este produto, em razão da nova indicação terapêutica, uma vez que o produto já era conhecido e, portanto, não é novo.

a doutrina se divide. Certos autores consideram que é preciso uma nova forma galênica, uma nova dosagem da substância ativa ou a adição de outras substâncias para caracterizar a nova inven-ção.48 a jurisprudência, por sua vez, mostra-se vacilante. a Grande Câmara de recursos do escritório europeu de Patentes declarou que “uma patente européia pode ser concedida com base em reivindicações tendo por objeto a aplicação de uma substância ou de uma composição para obter um medicamento destinado a uma utilização terapêutica determinada nova e comportando um caráter inventivo”, então de certo modo favorável a esta patente.49

54 COrrea. Integration public health concerns into patent legislation in deve-loping countries, op. cit., p. 60-66.

55 COrrea. Integration public health concerns into patent legislation in deve-loping countries, op. cit., p. 60-66.

56 GallOUX, J.-C. Droit de la propriété industrielle. Paris: Dalloz, 2000, p. 90.

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a outra possibilidade ligada à utilização é a descoberta (ou invenção) de um novo mecanismo biológico, que conclui em uma nova indicação, ou seja, identifica-se que um produto age de modo diferente sobre o organismo para chegar ao mesmo resultado. esta nova ação pode ser ela também o objeto de uma patente, e aumenta os direitos sobre este produto; podemos citar o exemplo de um produto que diminui a dor e outro que ataca a dor. O escritório europeu de patentes, no pedido t 290/86, refere-se a uma substância para aplicação dentária, com a qual os dentes tornavam-se mais resistentes à degradação causada pelos ácidos orgânicos. O patenteado tinha descoberto que o mesmo produto era também eficaz para combater a placa bacteriana. a placa causa, também, a degradação dos dentes, e o mesmo resultado era obtido pelo mesmo produto por meio de duas ações diferentes. O Órgão de apelações do escritório europeu de Patentes considerou que a segunda indicação era nova e deu seu parecer favorável à concessão da nova patente. assim, a conces-são de uma nova patente permitiu aumentar o prazo de proteção para um produto já conhecido, o que foi criticado por muitos au-tores.50 este ponto é particularmente importante, considerando que uma grande parte dos pedidos de patentes tratam de novas indicações terapêuticas. assim, 50% dos produtos testados nos estados Unidos para uma nova indicação proposta pelas empresas farmacêuticas obtiveram resultados positivos.51

Certos países desenvolvidos52 ou em desenvolvimento pre-feriram excluir da legislação de patentes as novas indicações de produtos. a norma indiana de 1999, referente aos objetos não patenteáveis, é muito clara:

“Seção 3 – Não é patenteável:(e) a simples descoberta de uma nova propriedade ou nova utilização para uma substância conhecida ou a simples utiliza-ção de um procedimento, máquina ou utilização, exceto se este procedimento conhecido dá origem a um novo produ-to ou preenche ao menos reativo.”

57 ato n. 1-aI-96 citado por COrrea. “Développements récents dans le domai-nes des brevets pharmaceutiques: mise en oeuvre de l’accord sur les aDPIC.”, op. cit., p. 31.

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a escolha indiana reflete a posição de um país do Sul pro-dutor de tecnologia. a índia poderia escolher autorizar a patente para a segunda aplicação terapêutica, mas ela considerou que esta possibilidade seria muito benéfica às indústria transnacio-nais, com a prorrogação dos prazos do monopólio conferidos para as novas patentes a produtos antigos, e que isso não seria usado pelas indústrias locais.

b) Inventividade

Da mesma forma que se pode trabalhar com o conceito de novidade, os estados-Membros são livres para definir a inventi-vidade e a aplicação industrial. De acordo com o artigo l 611-14 e l 611-15 do Código de Propriedade Intelectual francês:

“l 611-14. Uma invenção é considerada como implicando uma atividade inventiva se, para um homem do metier, ela não é derivada de um modo evidente do estado da técnica.”

Depois da novidade, as avaliações de inventividade tornam--se decisivas. a inventividade refere-se ao caráter da não-evidên-cia do objeto, que é verificado por um especialista do domínio em questão. M.-a. Hermitte mostra que: o conceito de atividade inventiva varia muito conforme o domínio da atividade e é avalia-do sobretudo de acordo com o direito da concorrência e de um sistema puro de recompensa da criatividade do inventor. “De fato, nós descobriremos com estupefação que a invenção de um giz com tampa mostra uma atividade inventiva, o que não é o caso do melhoramento do primeiro t-Pa de origem humana”.53

a adoção de critérios mais rígidos, permitindo precisar o que é evidente ou não, pode contribuir para a limitação das pa-tentes. Certos autores54 colocam em primeiro plano a utilidade da precisão e da severidade dos critérios utilizados para a concessão de patentes, vendo neste ponto um mecanismo útil aos países em desenvolvimento, em face do silêncio do trIPS. No setor far-macêutico, pode-se considerar ou não como atividade inventiva, em um pedido de patentes, a utilização de novos componentes provenientes de substância já conhecidas, e obtidas de forma 58 GallOUX. Droit de la propriété industrielle, op. cit., p. 81. 59 CHavaNNe et bUrSt, Droit de propriété intellectuelle, op. cit., 85-87.

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mecânica, a partir de testes de composições e de testes de pro-priedades químicas, dos quais era evidente que se chegaria a um resultado qualquer.55 C. Correa precisa que, nos estados Unidos, a concessão de uma patente em biotecnologia e em farmácia depende do grau de aceitabilidade de uma informação especu-lativa. a utilização de critérios mais rígidos pode concluir em não patentear invenções insignificantes.

c) aplicação industrial

“l 611-15. Uma invenção é considerada como susceptível de aplicação industrial se o seu objeto pode ser fabricado ou uti-lizado em todo tipo de indústria, incluindo-se a agricultura”.

a aplicação industrial pode ser particularmente importante, no domínio dos produtos farmacêuticos. Nos estados Unidos, considera-se aplicação industrial tudo o que tem uma função para a sociedade. é, portanto, um critério mais abrangente que o adotado pelos países europeus. Mesmo na europa, a definição de indústria é ampla e compreende “todas as atividades humanas, mesmo artesanais, nas quais a matéria e a natureza são suficientes moldadas”.56 Os países do Sul podem restringir o critério de indús-tria, de acordo com seus interesses, e por serem mais rígidos na consideração do que pode ou não ter uma aplicação industrial.

d) Situações especiais referentes aos produtos farmacêuti-cos

No caso dos produtos farmacêuticos, outras restrições à con-cessão de patentes podem ser implementadas. Daremos alguns exemplos:

O sistema de pipeline é a concessão de uma proteção aos produtos em fase de testes e que não estão ainda prontos a serem colocados no mercado. é o caso de um produto farmacêutico, 60 t 12/81 (bayer, 9.2.1982), t 990/96 (Novartis aG, 12.2.1998), t 296/87 (Hoes-

cht, 30.8.1988), t 1048 (Pfizer, 5.12.1994), t 658/91 (elf Sanafi, 14.5.1993). 61 DOMeIJ. Pharmaceutical patents in europe, op. cit., p. 146-152.

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por exemplo, que se encontra ainda na fase de testes em seres humanos, e cujos protocolos de pesquisas exigem que ele conti-nue a ser testado durante um ou dois anos. Para evitar que uma indústria concorrente coloque este mesmo produto no mercado antes deste período, a indústria interessada pode pedir a patente, mesmo se o produto ainda não está pronto. Neste caso, o tempo de duração da patente começa a contar a partir do pedido, e não da sua entrada no mercado.

todavia, um país pode não aceitar o pipeline e considerar que estes produtos não são mais novos, uma vez que já existem patentes concedidas no exterior por países que aceitam o pipe-line, e o período de graça já terminou. assim, os países do Sul podem não considerar o sistema de pipeline e evitar a concessão de patentes para estes medicamentos.

a Corte de Justiça andina declarou que o pipeline era in-trinsecamente contraditório com a exigência de novidade, uma vez que os produtos já eram conhecidos antes do pedido de pa-tentes.57

a patente de invenção de seleção referia-se à concessão de uma patente acordada a um objeto muito amplo, compreenden-do muitos subelementos específicos. após certo tempo, durante o qual a concessão de uma patente ampla esteve em vigor, a empresa interessada pode pedir a patente para os elementos es-pecíficos que compõem o objeto mais amplo. assim, ela ganhará a prorrogação da sua patente, que recomeça a contar o prazo de vigência para os elementos específicos. em um exemplo hipotético, podemos imaginar uma patente para um produto amplo X, que compõe os elementos a, b e C. a concessão de patente para o produto X dura 20 anos, mas ele garante também o monopólio sobre a comercialização dos elementos a, b e C. Dez anos depois da concessão da patente ampla, a empresa pode pedir a patente 62 COrrea, C. M. “Développements récents dans le domaines des brevets

pharmaceutiques: mise en oeuvre de l’accord sur les aDPIC.” revue Interna-tionale de Droit economique, 2000, Numéro spécial: brevets pharmaceuti-ques, innovations et santé publique, p. 23 et GallOUX, J.-C. “l’articulation des systèmes de brevet et de santé publique. “revue International de Droit economique, 2000, Numéro spécial: brevets pharmaceutiques, innovations et santé publique, p. 154.

63 reMICHe, b. and H. DeSterbeCQ. “les brevets pharmaceutiques dans les accords du Gatt: l’enjeu?” op. cit., p. 12.

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de um dos elementos específicos a, b ou C, e o prazo do monopó-lio recomeça a ser considerado. assim, a proteção real não será mais de 20 anos, mas de 30. estas patentes são particularmente importantes nos domínios farmacêuticos e biotecnológicos, uma vez que uma família de produtos pode ter mais de mil compo-nentes, alguns úteis, outros não.58 Na França, a jurisprudência mostrou-se hostil às patentes de seleção. Na alemanha, a patenteabilidade das seleções não teve obstáculos.59 assim, cada vez que a empresa pede uma patente sobre o objeto específico, o prazo de proteção recomeça do zero para estes produtos. Na prática, o objeto específico recebe uma dupla proteção.

a maioria dos países do Sul não parece ter despertado para este ponto, aliás, como para a maioria dos pontos apresentados nes-te tópico. Seria importante recursar a patente de seleção, para evitar a prorrogação dos prazos. O brasil não tem ainda uma jurisprudência a respeito, mas os técnicos do INPI mostram-se favoráveis a esta forma de patentes.

Certos produtos farmacêuticos têm a propriedade de se cristalizar em diferentes formas. Cada elemento final possui suas características próprias. Os países podem decidir em conceder as patentes de uma forma ampla, compreendendo todas as formas de cristalização, ou de uma forma mais restrita, com uma paten-te para cada cristalização. a patente do produto concedido de um modo global pode dar ao titular uma extensão importante de direitos, uma vez que ele beneficiará a proteção sobre uma quantidade importante de produtos diferentes. Certos países recusam-se a aceitar os pedidos que não indicam de forma precisa a cristalização pedida.

a questão dos isômeros óticos é similar, mas comporta problemas diferentes. Certas substâncias têm disposições espa- 64 SHaNKer. India, pharmaceutical industry and the validity of trIPS, mimeo,

p. 40. 65 O valor das importações aumentou de r$ 528 milhões, em 1995, para r$

1.432 milhões, em 1997, enquanto as exportações aumentaram 39%, ou seja, de r$ 111 milhões, em 1995, a 154 milhões em 1997. beMUDez, J. a. z., ePSzteJN, r., OlIveIra, M. a., HaSeNClever, l. the WtO trIPS agreement and patent protection in brazil: recent changes and implications for local production and access to medicines. rio de Janeiro: WHO/escola Nacional de Saude Publica/Fundação Oswaldo Cruz, 2000, p. 81.

66 art. 68, da lei 9.279, de 1995. a exceção foi aprovada em razão das pressões das indútrias farmacêuticas.

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ciais próprias, mesmo se a composição química é idêntica. Cada uma das substâncias é dita isômera ótica da outra. a importância dos diferentes isômeros vem das diferentes propriedades quí-micas de cada substância. a patente de um dos isômeros pode não compreender a outra, se as características e a utilização são distintas. Se a mesma fórmula química pode dar origem a subs-tâncias diferentes, como no caso de cristalizações, os problemas são diferentes porque as empresas podem pedir novas patentes para as substâncias isômeras, e assim recomeçar do zero o prazo de proteção.

O escritório europeu de Patentes já teve a ocasião para analisar vários casos referentes aos isômeros óticos,60 em que novos pedidos de patentes foram depositados para a pureza dos produtos, pedidos estes que se basearam na concentração de um isômero em relação a outro, para justificar a novidade. Se o país aceita a novidade das novas concentrações isômeras, ele é obrigado a conceder uma nova patente sobre o produto – consi-derado um produto novo – e então acordar uma nova proteção.61

III. Possibilidades do direito da propriedade intelectual

a) Importações paralelas

a patente pode garantir tanto um monopólio total sobre to-das as comercializações sucessivas do produto patenteado, como um monopólio limitado à primeira comercialização. O titular é o único a ter este direito, mas ele pode conceder uma licença de fabricação e de venda a outras pessoas. em geral, cada licenciado pode explorar a patente e comercializar o produto em uma região geográfica determinada. assim, uma empresa francesa que detém uma patente sobre um medicamento pode autorizar uma indústria sul-africana a produzir este medicamento e a vendê-lo no conti-nente africano. Neste caso, a indústria francesa concede uma licen-ça de exploração à indústria sul-africana e esta, por sua vez, tem o direito exclusivo de vender no seu continente.

todavia, certas legislações possibilitam a importação dos produtos patenteados, sem considerar o eventual monopólio da comercialização conferido ao titular da patente ou do licenciado da exploração. esta medida pode ser importante, uma vez que

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as empresas e seus licenciados praticam preços diferentes, sobre mercados diferentes. torna-se assim possível importar o produto de um país onde ele é vendido com melhor preço do que no mer-cado local, uma prática conhecida como importação paralela.

Na europa, a patente confere ao seu titular apenas o mo-nopólio da primeira circulação. Depois o produto pode circular livremente. em outras palavras, os negociantes podem comprar um produto patenteado em um país da sua escolha, onde ele é vendido com melhor preço, e revendê-lo livremente. a única res-trição é a compra de um país não-membro.

Os países do Sul e do Norte podem, portanto, permitir a importação paralela para ter acesso a medicamentos mais baratos. O tema está em constante discussão: a Corte Suprema do Japão proferiu uma decisão reconhecendo a legitimidade da importação paralela.62 este ponto será desenvolvido na análise de caso da áfri-ca do Sul e do brasil..

b) Fabricação local

Certas legislações nacionais, como a do egito ou do brasil, obrigam a produção local dos produtos patenteados. No caso onde não existe produção nem esforços para a implementação da produção em um prazo pré-fixado, os poderes públicos podem anular a patente ou autorizar um terceiro a produzir sem licença do titular, via uma licença obrigatória. esta decisão é de impor-tância fundamental, em virtude do processo de concentração industrial praticado desde o início da expansão das normas de propriedade intelectual. assim, nos países em desenvolvimento, “em nove casos a cada dez, as patentes são propriedade de firmas estrangeiras, que as exploram no território somente em um caso a cada dez”.63

as normas do trIPS não proíbem a inclusão das regras nas normas nacionais em favor da obrigação local, mas o tema é objeto de um debate intenso. Na índia, a norma de 1999 prevê a obrigação de fabricação local e permite a todo interessado pedir uma licença obrigatória se o produto não foi fabricado no território 67 reMICHe, b. and H. DeSterbeCQ. “les brevets pharmaceutiques dans les

accords du Gatt: l’enjeu?”, op. cit., p. 41.

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indiano, durante os três primeiros anos da patente. O artigo 84 (1) da lei de 1977, depois da modificação de 1999, deve ser lido da seguinte forma:

“a qualquer momento, depois da expiração de dois anos a partir da data da aprovação do direito exclusivo da venda ou de distribuição da patente, qualquer pessoa interessada pode fazer um pedido ao escritório de patente alegando que a invenção patenteada não está disponível na índia ou que as necessidades razoáveis do público em relação à invenção não foram satisfeitas ou que a invenção não está disponível para o público a um preço razoável, e pedir a concessão de uma licença obrigatória para trabalhar esta invenção”.64

No brasil, muitas indústrias fecharam suas portas, a partir da não-obrigatoriedade de produzir os produtos localmente, garantidas pela lei de patentes. Nos três anos posteriores à apro-vação da norma, a importação de produtos farmacêuticos quase triplicou.65 é com base na necessidade da fabricação local que o governo brasileiro ameaçou as indústrias farmacêuticas inter-nacionais de anular as patentes dos produtos que compõem o coquetel contra a aids. O governo brasileiro utilizou a diferença entre o preço de um medicamento fabricado pelos laboratórios públicos locais e o preço praticado pelos laboratórios estrangeiros como estratégia para abrir uma possibilidade de negociação. a norma brasileira, que será estudada separadamente, obriga os poderes públicos a acordarem uma licença para a patente no caso em que o produto não será mais produzido no território nacional ou não haverá uma produção suficiente, ou uma falta de utiliza-ção integral do processo de produção patenteado, à exceção das situação de não-viabilidade econômica, quando a importação do produto é permitida.66

c) licenças não-voluntárias ou obrigatórias 68 COrrea. Integration public health concerns into patent legislation in deve-

loping countries, op. cit., p. 112. 69 SCHerer, F. M. “le système des brevets et l’innovation dans le domaine

pharmaceutique. “révue international de droit économique., 2000, Numéro spécial: brevets pharmaceutiques, innovations et santé publique, p. 120.

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O trIPS prevê a concessão de licenças obrigatórias nos seus artigos 30 e 31:

“artigo 30: exceções aos direitos conferidos

Os Membros poderão conceder exceções limitadas aos direitos exclusivos conferidos pela patente, desde que elas não conflitem de forma não razoável com sua exploração normal e não prejudiquem de forma não razoável os interes-ses legítimos de seu titular, levando em conta os interesses legítimos de terceiros.

artigo 31: Outro uso sem autorização do titular

Quando a legislação de um Membro permite outro uso do objeto da patente sem a autorização de seu titular, inclusive o uso pelo Governo ou por terceiros autorizados pelo go-verno, as seguintes disposições serão respeitadas: (…)

b) esse uso somente poderá ser permitido se o usuário pro-posto tiver previamente buscado obter autorização do ti-tular, em termos e condições comerciais razoáveis, e que esses esforços não tenham sido bem-sucedidos num prazo razoável. essa condição pode ser dispensada por um Membro em caso de emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência ou em casos de uso público não-comercial. No caso de uso público não--comercial, quando o Governo ou o contratante sabe ou tem base demonstrável para saber, sem proceder a uma busca, que uma patente vigente é ou será usada pelo ou para o Governo, o titular será prontamente informado; (…)

d) esse uso será não-exclusivo; (…)

f ) esse uso será autorizado, predominantemente, para su-prir o mercado interno do Membro que autorizou;

g) sem prejuízo da proteção adequada dos legítimos inte-resses das pessoas autorizadas, a autorização desse uso poderá ser terminada se e quando as circunstâncias que

70 SHaNKer. India, pharmaceutical industry and the validity of trIPS, op. cit., p. 40.

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o propiciaram deixarem de existir novamente. a autori-dade competente terá o poder de rever, mediante pedi-do fundamentado, se essas circunstâncias persistem;

h) o titular será adequadamente remunerado nas circuns-tâncias de cada uso, levando-se em conta o valor econô-mico da autorização;

i) a validade legal de qualquer decisão relativa à autoriza-ção desse uso estará sujeita a recurso judicial ou outro recurso independente junto a uma autoridade clara-mente superior naquele Membro;

j) qualquer decisão sobre a remuneração concedida com relação a esse uso estará sujeita a recurso judicial ou outro recurso independente junto a uma autoridade claramente superior naquele Membro;

k) os Membros não estão obrigados a aplicar as condições estabelecidas nos subparágrafos (b) e (f ) quando esse uso for permitido para remediar um procedimento de-terminado como sendo anticompetitivo ou desleal após um processo administrativo ou judicial. a necessidade de corrigir práticas anticompetitivas ou desleais pode ser levada em conta na determinação da remuneração em tais casos. as autoridades competentes terão o poder de recusar a terminação da autorização se e quando as condições que a propiciam forem tendentes a ocorrer novamente;”

as licenças obrigatórias podem ser de três tipos:67 as licen-ças concedidas para o interesse público, independentemente de um ato do titular; as licenças para compensar um comportamen-to abusivo ou anticoncorrencial do titular da patente; e aquelas destinadas a permitir a exploração de uma outra patente. a primeira é aquela que mais nos interessa, porque o estado pode determiná-la por razões de saúde pública. O conceito de emer-gência utilizado pela norma internacional é flexível, uma vez que 71 lei 24.766, de 1996, artigo 8. 72 Israel adotou, em 1998, uma lei permitindo a exceção até cinco anos antes

da data de expiração da patente, considerando a primeira expiração de di-reitos do titular da patente em um país estrangeiro.

73 COrrea. “Développements récents dans le domaines des brevets pharma-ceutiques: mise en oeuvre de l’accord sur les aDPIC.”, op. cit., p. 28.

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esta não traz uma definição. a emergência poderia ser, por exem-plo, a fabricação de vacinas em massa objetivando o combate a uma epidemia.

Os membros podem limitar os direitos de um titular, exceto se eles o fazem de forma injustificada. a justificativa é apreciada pelos países membros e é limitada pelo artigo 31, que dispõe que a licença deve ser justificada, o titular da patente deve ser informado, ela deve ser fixada por um período de tempo razoá-vel e revisada periodicamente para verificar se as condições de origem da licença obrigatória continuam a existir. Sua utilização deve ser não-exclusiva (exceto no caso de sanções por medidas anticoncorrenciais), inacessível e o titular deve ser remunerado. a fixação da remuneração varia de acordo com a legislação. Na França, ela é fixada em acordo com a empresa e com o estado e, se não há acordo, pela Justiça. Por último, a licença obrigatória pode ser concedida de ofício, pela autoridade administrativa ou por decisão judicial.

as licenças obrigatórias são previstas nas legislações de pa-tentes há muito tempo. todavia, a maior parte dos países nunca utilizou esse instrumento. Os estados Unidos, no entanto, são o país de maior experiência neste domínio, especialmente em ra-zão da lei antitrust, que tem por objetivo impedir que as patentes ocasionem a formação de um monopólio muito amplo sobre o mercado, como visto no caso da fusão das empresas transnacio-nais Ciba Geigy e Sandoz, em 1997, para os produtos de citoqui-na, cujas patentes foram anuladas. No processo de aquisição do rugby-Darby Group pela Dow Chemical, a Comissão Federal de Comércio exigiu também a licença da dicicolmina e todas as infor-mações sobre a pesquisa e o produto.68 a divulgação de todas as informações tem como objetivo tornar possível a participação de novos concorrentes no mercado em um prazo mais curto.

as razões para o estabelecimento de uma licença são cons-tantes em muitos países e conhecem poucas variações; podemos encontrar nas legislações nacionais a emergência da capacidade de fornecer o produto, as práticas anticompetitivas, a utilização das licenças pelo governo que deseja comprar medicamentos para as populações pobres; o interesse ou a recusa de acordar 74 lOve, J. Policies that ensure access to medicine, and promote innovation,

with special attention to issues concerning the impact of parallel trade on the competitive sector, and a trade framework to support global r&D on new health care inventions. Workshop on Differential Pricing and Financing of essential Drugs, Hosbjor, Norway, 2001, p. 3.

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licenças voluntárias, em condições comerciais adequadas, entre outras. antes da entrada no acordo de livre Comércio da américa do Norte, o Canadá previa mesmo licenças obrigatórias auto-máticas, permitindo às indústrias canadenses produzir todos os medicamentos, pagando 4% de royalties aos titulares da patente. Certos autores atribuem a esta norma o fato de os preços dos me-dicamentos no Canadá serem em média 21% inferiores aos dos estados Unidos.69

a lei indiana de 1999 prevê licenças obrigatórias, três anos depois da concessão da patente, a pedido do interessado, se a pro-dução é insuficiente para satisfazer as necessidades públicas ou se o preço não é razoável. O artigo 84 (1), depois da modificação normativa, deve ser lido do seguinte modo:

“a qualquer momento, depois da expiração do prazo de dois anos a partir da data da aprovação do direito exclusivo de venda ou de distribuição, toda pessoa interessada pode fazer um pedido ao escritório de patentes, alegando que a invenção patenteada não é produzida na índia ou que as necessidades razoáveis em relação à invenção não foram satisfeitas ou que a invenção não está disponível a um pre-ço razoável e pedir a concessão de uma licença obrigatória para trabalhar esta invenção”.70

Quando se tratar de medicamentos, a utilização das licen-ças obrigatórias pode ser decisiva, sobretudo para os países mais pobres, que não têm recursos financeiros suficientes para a aquisição desses medicamentos. a caracterização da emergência poderia ser justificada pela gravidade da doença. todavia, não é certo que o OSC aceitaria este argumento como uma justificativa a mais. Neste caso, seria também preciso ter outro fornecedor, propondo preços razoáveis para substituir os produtos mais ca-ros fornecidos pelos titulares das patentes. a licença obrigatória sobre os medicamentos é limitada no seu campo de aplicação e não pode ser aplicada a todos os medicamentos, mas apenas a medicamentos precisos.

O caso da aids é o exemplo no qual esta discussão foi mais

75 arts. 68 a 71, da lei 9.279/95.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 227

trabalhada, e será apresentado a seguir.

Iv. Os Genéricos

O inventor recebe a patente por um período mínimo de 20 anos. Depois desse período, o monopólio da comercialização não existe mais, o produto ou processo de fabricação cai em domínio público. Isso significa que outras indústrias podem também produ-zir e comercializar o produto, ou ainda utilizar o processo de pro-dução sem precisar da autorização do titular da patente. No caso dos produtos farmacêuticos, os produtos que estão no domínio público são chamados de genéricos. Considerando que vários fabricantes produzem o mesmo medicamento, e o monopólio terminou, o preço sofre geralmente uma importante redução.

todavia, no domínio farmacêutico, os novos produtos têm necessidade também de ser autorizados pelas autoridades sani-tárias antes que sejam colocados no mercado. Os fabricantes são

76 “artigo 27. Objeto patenteável 1. Sem prejuízo do disposto nos n. 2 e 3, podem ser obtidas patentes para

quaisquer invenções, quer se trate de produtos ou processos, em todos os domínios da tecnologia, desde que essas invenções sejam novas, en-volvam uma actividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação indus-trial (ver nota 5). Sem prejuízo do disposto no n. 4 do artigo 65, no n. 8 do artigo 70 e no n. 3 do presente artigo, será possível obter patentes e gozar de direitos de patente sem discriminação quanto ao local de invenção, ao domínio tecnológico e ao fato de os produtos serem importados ou produzidos localmente.

2. Os Membros podem excluir da patenteabilidade as invenções cuja explora-ção comercial no seu território deva ser impedida para proteção da ordem pública ou dos bons costumes, e inclusivamente para proteção da vida e da saúde das pessoas e animais e para preservação das plantas ou para evitar o ocasionamento de graves prejuízos para o ambiente, desde que essa exclu-são não se deva unicamente ao fato de a exploração ser proibida pela sua legislação.

3. Os Membros podem igualmente excluir da patenteabilidade: a) Os métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento

de pessoas ou animais b) as plantas e animais, com exceção dos microorganismos, e os processos

essencialmente biológicos de obtenção de plantas ou animais, com exceção dos processos não-biológicos e microbiológicos. No entanto, os Membros assegurarão a proteção das variedades vegetais, quer por meio de patentes ou de um sistema sui generis eficaz, quer por meio de qualquer combinação dessas duas formas. as disposições da presente

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

obrigados a fazer testes que são compulsórios por lei, o que pode tomar um tempo importante. Durante esse período, o titular da patente continua a ter, de fato – e não de direito –, o monopólio, uma vez que ele continua a ser o único autorizado a vender o produto no mercado.

Para evitar essa situação, certos países exigem que o fabri-cante coloque à disposição dos concorrentes, antes da expiração da patente, os documentos, testes e toda informação necessária para a venda dos produtos. Outras autorizam também os con-correntes a começarem a proceder os testes exigidos e aceitam o procedimento administrativo preparatório para a comercialização antes do fim dos direitos do titular da patente. Isso permite que, quando a patente expirar, os concorrentes tenham possibilida-des, e as autorizações para entrar no mercado estejam prontas ou em fase adiantada. O Canadá previa essa exceção, até a adaptação da lei canadense às regras do acordo de livre Comércio da améri-ca do Norte. em virtude do silêncio do trIPS, hoje a argentina71 e Israel72 adotaram essa exceção, mas a maior parte dos países não faz o mesmo.73

O texto do trIPS não traz dispositivos sobre este tema. Os países interessados, tendo a capacidade de produzir medica-mentos localmente, podem, então, permitir às indústrias locais a

alínea serão objeto de revisão quatro anos após a data de entrada em vigor do acordo OMC.

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realização dos preparativos para a comercialização, independen-temente da autorização do titular da patente, sem que isso seja uma ofensa aos seus direitos.

Cada uma das exceções apresentadas exige uma análise ri-gorosa das patentes, com a revisão das patentes concedidas nos países do Norte. a maior parte dos escritórios de patentes do Sul não dispõe de recursos, permitindo manter uma estrutura capaz de examinar minuciosamente os pedidos. a título de exemplo, o USPtO gasta mais de um bilhão de dólares anualmente74 e o escritório europeu de patentes tem um orçamento superior a 800 milhões de euros. O países do Sul não são obrigados a ter um orçamento dessa monta, mas são, certamente, obrigados a dar alta prioridade à questão e, dentro dos recursos disponíveis, dar maior prioridade à propriedade intelectual do que vêm dando. ao menos, eles devem selecionar com muito rigor as patentes.

essas exceções podem determinar a não-concessão de pa-tentes pelos países do Sul. todavia, eles não excluem a existência necessária de um sistema de propriedade intelectual. Hoje, a ex-tensão da propriedade intelectual sobre os produtos farmacêuti-cos começa a ter repercussões. Proporcionalmente, os produtos patenteados são ainda pouco numerosos, mas por causa de cer-tas doenças, como a aids, o impacto sobre o preço do tratamento foi importante.

Seção II – O caso da aids no brasil e na áfrica do Sul

O brasil e a áfrica do Sul tomaram medidas jurídicas para tornar possível o acesso aos medicamentos para a luta contra a aids. Cada um desses países utilizou mecanismos jurídicos distin-tos, que são interessantes, em razão das repercussões no cená-rio internacional e das questões jurídicas colocadas sobre as suas legalidades em face do trIPS.

a) O caso brasileiro

artigo 28. Direitos conferidos 1. Uma patente confere ao seu titular os seguintes direitos exclusivos:

a) No caso do objeto da patente ser um produto, o direito de impedir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, pratique os seguintes atos: fabricar, utilizar, por à venda, vender ou importar (ver nota 6) para

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

a lei brasileira de 1995 sobre patentes prevê a licença não- voluntária (ou obrigatória) nos casos seguintes:

a) O titular da patente a utiliza de modo abusivo, devendo o abuso ser pronunciado seja pela via judicial, seja pela via administrativa.

b) a ausência de exploração do objeto da patente no ter-ritório brasileiro, por falta de produção ou em razão de uma fabricação incompleta do produto no território nacional, ou não-utilização integral do processo patente-ado, exceto se é constatada a inviabilidade econômica da produção, caso em que a importação é permitida.

c) Disponibilidade insuficiente do produto no mercado.d) Situação de urgência de produção nacional ou de inte-

resse público, declarado por um ato do poder executivo federal.75

Nas três primeiras situações, a licença pode ser solicitada ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, por qualquer pessoa interessada, possuindo a capacidade técnica e econômica para rea-lizar a produção da patente. No primeiro caso, o da utilização abu-siva, o licenciado disporá de um prazo para importar o produto. terceiros também podem ser autorizados a importar o objeto da patente, desde que respeitem os direitos internacionais de pro-

esses efeitos esse produto b) No caso do objeto da patente ser um processo, o direito de impedir

que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, utilize esse processo ou pratique os seguintes atos: utilizar, por à venda, vender ou importar para esses efeitos pelo menos o produto obtido diretamente por esse processo.

2. O titular de uma patente tem igualmente o direito de ceder ou transmitir por via sucessória a patente e de concluir contratos de licença.”

77 entre 1982 e 1998, à importação aumentou 4.752%, ou seja, de US$ 25 mi-lhões para US$ 1,2 bilhão. Nos três anos que se seguiram à promulgação da lei de patentes, as compras de produtos farmacêuticas foram multiplicadas por três e as importações em geral aumentaram 174% no mesmo período. ver beMUDez, ePSzteJN, OlIveIra, HaSeNClever. the WtO trIPS agree-ment and patent protection in brazil: recent changes and implications for local production and access to medicines, p. 15.

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priedade intelectual, ou seja, eles deverão importar o produto do titular da patente no exterior ou de outros produtores licenciados.

essa licença obrigatória pode ser somente exigida quando a concessão da patente tem ao menos três anos, e ela não é de-ferida se o titular, no momento da declaração da licença, justificar a não-uti lização da patente por razões legítimas, ou demonstrar a realização de preparativos sérios para sua exploração, ou ainda justificar a não-exploração por obstáculos de ordem jurídica.

a quarta situação foi regulamentada em 1999 pelo decreto 3.201, do Presidente da república, que dispõe sobre das situações de emergência nacional ou interesse público (ver decreto 4.830, de setembro de 2003). O decreto fixa que um Ministro de estado pode declarar a situação de emergência nacional em uma parte, ou em todo o território nacional, em vista de um perigo público real ou iminente. O interesse público é justificado na saúde pública, na nutrição, na defesa do meio ambiente ou na defesa de setores de importância primordial para o desenvolvimento econômico ou social do país.

Se o titular da patente é incapaz de enfrentar essas situa-ções, os poderes públicos podem pedir a licença obrigatória, por um prazo fixo, suscetível de prorrogação, de modo não-exclusivo, remunerado, em vistas de uma utilização pública. No caso de “interesse público ou urgência nacional extrema”, a autoridade pública pode autorizar a produção do objeto patenteado, mesmo se não houve acordo sobre a prorrogação ou a remuneração a ser dada ao titular. essa disposição evita que o titular da patente oponha obstáculos à produção pública pela via jurisdicional, in-vocando seu desacordo com a remuneração ou com o prazo fixo pelo governo.

Mesmo que esse sistema de licença obrigatória nunca tenha sido utilizado, a simples ameaça de sua utilização contri-buiu para o debate público sobre o acesso aos medicamentos e à solução negociada.

O governo norte-americano, em reação, pediu, em 8 de junho de 2000, a abertura de consultações junto ao Órgão de Solução de Controvérsias, sobre a norma brasileira, argumentan-do que a obrigação de produção local imposta pela lei brasileira violava os artigos 27 e 28 do trIPS.76 No período de consultações,

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o brasil organizava sua defesa argumentando que a legislação na-cional estava de acordo com as disposições do trIPS. Os estados Unidos defendiam a posição contrária, sobretudo no tocante à necessidade de produção nacional do produto patenteado. Po-demos ver duas análises distintas da lei brasileira: uma orientada para as necessidades de produção nacional, outra para uma defi-nição mais concreta de urgência pública.

1) O trIPS não faz alusão à necessidade de produção nacional. trata-se, portanto, de uma limitação dos direitos do titular da patente, que se soma àqueles previstos no acordo. Ora, este texto foi o objeto de um debate desde a sua pro-posição, no início dos anos 90, no Congresso brasileiro. O governo brasileiro visa a estimular, assim, a manutenção das indústrias locais dependentes das empresas transnacionais. ao contrário, desde o início da discussão legislativa, de 1990, muitas indústrias pararam a produção local e começaram simplesmente a importar os produtos dos grandes centros de origem, como a Johnson & Johnson, Pfizer, bristol-Myers Squibb, Wyeth e Merrel-lepetit. assim, a importação subiu 4.752% entre 1982 e 1998,77 e as normas de propriedade intelec-tual garantiam, contudo, às multinacionais, o acesso exclusivo ao mercado local para seus produtos patenteados. antes da nova lei, essas indústrias podiam se considerar em desvantagem pelas bar-reiras tarifárias e não-tarifárias impostas aos produtos importados e assim perder o mercado mundial, enquanto o brasil era um dos

78 Dados da associação nacional das indústrias químicas, citado por beMUDez, ePSzteJN, OlIveIra, HaSeNClever. the WtO trIPS agreement and patent protection in brazil: recent changes and implications for local production and access to medicines, p. 30.

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cinco maiores consumidores mundiais de produtos farmacêuti-cos, o que os incitava a ter uma produção local. entre 1990, ano da proposição da nova lei de patentes, e 1998, mais de mil unidades de produção foram fechadas e 500 projetos foram anulados no setor químico.78

Quadro: Importação de matéria-prima por empresas multinacio-nais no brasil e o respectivo produto final

empresa Matéria-prima Produto

Johnson&Johnson Cetoconazol Nizoral/Cetonax loperamida Imosec Miconazol Daktarin Cinarizina Stugeron

Pfizer Clorpropamida Diabinese Doxiciclina vibramicina Piroxicam Feldene Oxitetraciclina terramicina Oxamniquina Mansil

bristol-Myers Squibb amoxicilina Hiconcil tetraciclina tetrex Nistatina Micostatin

Wyeth ampicilina amplacilina Penicilina benzatina benzetacil Penicilina Potássica/ Wycillin-r Procaína

Merrell-lepetit rifamicina rifocina Cloranfenicol Sintomicetina rifampicina rifaldin Metoclopramida Plasil

adaptado de alanac et al. Medicamentos: quem são os piratas? O estado de São

79 O trIPS faz referência direta à Convenção de Paris. esta relação com os acordos exteriores à OMC contribui para a complexidade da sua análise. ver: rUIz FabrI, H. “le contentieux de l’exécution dans l’Organe de règlement des différends de l’Organisation mondiale du Commerce.” Journal du droit international, 2000 (3), p. 637.

80 Subramanian, arvind and Watal, Jayashree, (2000) Can trIPS Serve as an enforcement Device for Developing Countries in the WtO? Journal of Inter-national economic law (2000) p. 403-416; Subramanian, a., 1999, a) trIPS and Developing Countries: the Seattle round and beyond, Paper presented to the Conference on Developing countries and New Multilateral round of trade Negotiations, Harvard University, November 5-6, 1999. Fink, Carsten, entering the Jungle of Intellectual Property rights exhaustion and Parallel Imports, paper prepared for Competitive Strategies for Intellectual Property Protection Conference organized by Fraser Institute in Santiago, Chile, april

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234O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

Paulo. São Paulo, 9.8.95.

Nessa época, o brasil defendia, para salvar a produção local das indústrias transnacionais, que o texto do trIPS era explici-tamente fundamentado nos acordos da Organização Mundial de Propriedade Industrial, entre os quais a Convenção de Paris é um dos textos mais importantes.79 Segundo o brasil, a ausência de produção local caracteriza a não-utilização da patente e pode então ser considerada uma razão para conceder a licença. O brasil havia já adotado uma posição contrária ao texto durante as nego-ciações do Gatt, na primeira discussão do texto do trIPS, quando sua proposição de retirar a parte do parágrafo sobre a possibilida-de de importação pelo titular foi recusada.

O caso não foi julgado, em razão do acordo entre as partes. Certos autores,80 que se apóiam em uma interpretação restrita do trIPS, são hostis à possibilidade de exigir a fabricação local. todavia, consideramos que é importante proceder a uma análise mais detalhada do texto do acordo antes de se chegar a qualquer conclusão. O tema é tratado pelos artigos 27 e 28 do trIPS. O ar-tigo 27.1, que estipula que não será admitida discriminação em relação ao local de origem da invenção, determina a natureza da mesma, pelo fato de que os produtos são ou não importados. O artigo 28.1 a confere ao titular da patente o direito exclusivo de importar ou exportar o produto, e o direito subseqüente de im-pedir terceiros de importar ou exportar os objetos patenteados.

artigo 27: Matéria Patenteável 19, 1999. Pour l’opinion contraire, ver SHaNKer, D. brazil, pharmaceutical industry and WtO International law and trade. 2001, 2000.

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1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja pas-sível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do artigo 65, no parágrafo 8 do artigo 70 e no parágrafo 3 deste artigo, as patentes serão dis-poníveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

2. Os Membros podem considerar como não-patente-áveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios preju-ízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é proibida por sua legislação.

artigo 28: Direitos Conferidos 1. Uma patente conferirá a seu titular os seguintes direitos

exclusivos: a) quando o objeto da patente for um produto, o de evi-

tar que terceiros, sem seu consentimento, produzam, usem, coloquem à venda, vendam ou importem, com esses propósitos aqueles bens;

b) quando o objeto da patente for um processo, o de evitar que terceiros, sem seu consentimento, produ-zam, usem, coloquem à venda, vendam ou impor-tem, com esses propósitos, pelo menos o produto obtido diretamente por aquele processo.

2. Os titulares de patente terão também o direito de cedê-la ou transferi-la por sucessão e o de efetuar contratos de licença.”

O artigo 27 (1) proíbe toda discriminação fundamentada no 81 artigo 5.

(1) a introdução, pelo titular da patente, no país em que esta foi concedida, de ob-jetos fabricados em qualquer dos países da União não acarreta a caducidade

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fato de que o produto seja importado ou fabricado localmente. Mas essa disposição não deve ser lida de modo isolado. ela faz parte de um acordo comportando outras disposições e, tratando da propriedade intelectual, deve ser também lida em harmonia com outros tratados internacionais, como prevê o próprio texto do trIPS, no seu artigo 2, que impõe uma interpretação sistêmica das normas internacionais de propriedade intelectual:

“artigo 2: Convenções sobre Propriedade Intelectual 1. Com relação às Partes II, III e Iv deste acordo, os Mem-

bros cumprirão o disposto nos artigos de 1 a 12, e 19, da Convenção de Paris (1967).

2. Nada nas Partes I a Iv deste acordo derrogará as obri-gações existentes que os Membros possam ter entre si, em virtude da Convenção de Paris, da Convenção de berna, da Convenção de roma e do tratado sobre a Propriedade Intelectual em Matéria de Circuitos Integra-dos.”

a Convenção de Paris para a proteção da propriedade in-dustrial fixa, também, normas sobre o abuso de direito e a licença obrigatória, no seu artigo 5, que garante ao estado o direito de evitar o abuso de direitos resultando de uma falta de exploração. ela impõe duas condições para a licença obrigatória: em primeiro lugar, a fixação, para a exploração, de um prazo mínimo de quatro anos a contar do depósito do pedido de patente, ou de três anos, a contar da sua concessão, seja o prazo que expirar mais tarde e, se não houver exploração neste prazo, a aplicação da sanção; em segundo, a não-aplicação da medida se o titular da patente apre-sentar desculpas legítimas.81

Constata-se então que a lei brasileira está de acordo com a Convenção de Paris, considerando que ela julga abusiva a não--exploração local, quando as condições econômicas existem para esta exploração, e aceita a justificativa e a demonstração da parte contrária. Os prazos impostos pela Convenção de Paris também são respeitados, considerando que a legislação brasileira proíbe qual-

da patente. (2) Cada país da União terá a faculdade de adotar medidas legislativas preven-

do a concessão de licenças obrigatórias para prevenir os abusos que po-deriam resultar do exercício do direito exclusivo conferido pela patente, como, por exemplo, a falta de exploração.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 237

quer licença antes de três anos, a partir da concessão da patente.Duas interpretações do texto trIPS são possíveis: ou o texto

do trIPS e a Convenção de Paris são contraditórios, e a contradição deve ser resolvida pelas regras habituais de hermenêutica jurídica; ou não há contradição, e é preciso encontrar uma coerência entre esses dois textos. a primeira opção é excluída pelo artigo 2.2 do trIPS citado anteriormente, porque ele declara expressamente que “nenhuma disposição das Partes I a Iv do presente acordo derrogará as obrigações que os membros podem ter uns com os outros em razão da Convenção de Paris”. resta apenas aplicar os dois acordos internacionais de modo complementar, sempre pro-curando uma interpretação comum, não divergente.82 O Órgão de Solução de Controvérsias já teve a oportunidade, em outros casos, de confirmar esta posição, afirmando que os acordos concluídos no âmbito da OMC devem ser interpretados cumulativamente e de modo simultâneo.83 a coerência interna deve ser preservada.

a interpretação comum deve também considerar os artigos 1, 7, 8 e 30 do trIPS. O primeiro torna possível a adequação do acordo às legislações nacionais, sem ofender as obrigações pre-vistas.84 Os artigos 7 e 8 emanam de princípios gerais e do objeti-vo do trIPS, ou seja, a promoção do desenvolvimento tecnológi-co, o bem-estar social e econômico, o equilíbrio entre os direitos e obrigações, o respeito à saúde pública e o não-abuso de direitos por parte dos titulares das patentes.85 O artigo 30 garante aos estados o direito de limitar os direitos dos titulares de patentes, sem causar prejuízos injustificados aos seus interesses legítimos. O artigo 31 não se aplica a uma prática prevista pelo artigo 30, o que o rodapé da página 7 do artigo 31 exclui expressamente.

(4) Não poderá ser pedida licença obrigatória, com o fundamento de fal-ta ou insuficiência de exploração, antes de expirar o prazo de quatro anos a contar da apresentação da patente, ou de três anos a contar da concessão da patente, devendo aplicar-se o prazo mais longo; a licença será recusada se o titular da patente justificar a sua inação por razões legítimas. tal licença obrigatória será não-exclusiva e só será transfe-rível, mesmo sob a forma de concessão de sublicença, com a parte da empresa ou do estabelecimento comercial que a explore.

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artigo 30: exceções aos Direitos Conferidos

Os Membros poderão conceder exceções limitadas aos di-reitos exclusivos conferidos pela patente, desde que elas não conflitem de forma não-razoável com sua exploração normal e não prejudiquem de forma não-razoável os interesses legítimos de seu titular, levando em conta os interesses legítimos de terceiros.

artigo 31: Outro Uso sem autorização do titular

Quando a legislação de um Membro permite outro uso do objeto da patente sem a autorização de seu titular, inclusive o uso pelo Governo ou por terceiros autorizados pelo go-verno, as seguintes disposições serão respeitadas: (…)

Nota 7: entende-se por “outras utilizações” as outras utiliza-ções além daquelas autorizadas em virtude do artigo 30.”

a interpretação em conjunto da Convenção de Paris e do trIPS não pode, portanto, chegar a um resultado diferente: o estado pode conceder a licença obrigatória no caso de abuso de direito, o qual, segundo a legislação brasileira, é constituído pela não-produção em território brasileiro, quando esta produção é possível. Contudo, não há abuso de direito, no caso concreto do brasil, quando a produção local não é possível; a discriminação é, portanto, proibida.86

82 ver SHaNKer. brazil, pharmaceutical industry and WtO, op. cit. 83 ver Wt/DS54/r. 84 “artigo 1.1. Os Membros implementarão as disposições do presente acordo.

Os Membros podem, embora a tal não sejam obrigados, prever na sua legis-lação uma proteção mais vasta do que a prescrita no presente acordo, des-de que essa proteção não seja contrária às disposições do presente acordo. Os Membros determinarão livremente o método adequado para a execução das disposições no presente acordo, no quadro dos respectivos sistemas e práticas jurídicas.”

85 “artigo 7. Objetivos a proteção e a aplicação efectiva dos direitos de propriedade intelectual de-

vem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e a transferência e di-vulgação de tecnologia, em benefício mútuo dos geradores e utilizadores dos

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 239

Medicamento Preço

em 1996

Preço em

2000

Preço em

2001

Melhor preço internacional em

2000

azt (100 mg) 0.5 0.18 0.15 0.32

azt (300 mg) + 3tC 3.3 0.72 0. 68 2.74 (150mg)

ddI (100 mg) 1.8 0.51 0.49 1.00

ddC (0. 75 mg) 1.5 0.08 Desconhecido Desconhecido

3tC (150 mg) 2.8 0.83 0.35 3.12

d4t (40 mg) 2.2 0.28 0.27 3.51

Indinavir (400 mg) N/D 1.72 1.6 1.67

Nevirapine (200 mg) N/D 2. 68 1.25 4.35

a legislação brasileira não é a única a possuir essa possibi-lidade. O reino Unido e o Marrocos também o fazem. Na lei de patentes do reino Unido,87 a seção 48(3) permite ao controlador de patentes conceder a licença obrigatória de modo ainda mais amplo, uma vez que a questão da viabilidade econômica não é levada em consideração:

“(a) Quando a invenção patenteada possa ser produzida comercialmente no reino Unido, e não é produzida em toda sua extensão racionalmente aplicável;(b) Quando a invenção patenteada é um produto, e que a de-

conhecimentos tecnológicos, e de modo conducente ao bem-estar social e econômico, bem como para um equilíbrio entre direitos e obrigações.

artigo 8. Princípios 1 – Os Membros podem, quando da elaboração ou alteração das respectivas

disposições legislativas e regulamentares, adotar as medidas necessárias para proteger a saúde pública e a nutrição e para promover o interesse público em setores de importância crucial para o seu desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, desde que essas medidas sejam compatí-veis com o disposto no presente acordo.

2 – Poderá ser necessário adotar medidas adequadas, desde que compa-tíveis com o disposto no presente acordo, a fim de impedir a utilização abusiva de direitos de propriedade intelectual por parte dos titulares de

Fonte: treatment action Campaign. brazil’s HIv/aIDS treatment programme. Jo-hannesburg, 2000

a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl Na OMC: O eXeMPlO Da PrOPrIeDaDe INteleCtUal

ND = não disponível

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manda por este produto no reino-Unido seja tão importante ao ponto de necessitar (…) (ii) de uma forte importação.(c) Quando a patente de invenção pode ser estabelecida de forma comercial no reino Unido, o que evita sua importa-ção ou a torna mais difícil (…) (i) quando a invenção é um produto (…).(d) Quando em função da recusa do proprietário da patente de conceder uma licença com termos razoáveis (…) (i) ‘um mercado para a exportação de qualquer produto patente-ado fabricado no reino-Unido não é aberto (…) (ii) e que o estabelecimento ou desenvolvimento das atividades indus-triais ou comerciais no reino Unido sofram injustamente um prejuízo.”

a norma britânica, ainda que mais exigente do que a norma bra-sileira, não está em contradição com os acordos de propriedade in-telectual, sobretudo quando eles tratam de abuso de direito, a saber a não-exploração local da patente, e permitem a não-exploração local quando ela é viável economicamente. a norma brasileira, colocada em questão pelos estados Unidos, é ainda mais benéfica que a própria norma americana, considerando que a norma brasileira admite a jus-tificativa de não-produção local, devido a condições econômicas não-adequadas.

De modo indireto, os estados Unidos dão preferência à fa-bricação local, sobretudo quando se trata de micro e pequenas empresas, instituições sem fins lucrativos e instituições públicas, e se apóiam, para assim fazer, em uma limitação da autorização de produção no território americano:

“35 Sec. 204 Preferência para a indústria dos estados Unidos Independentemente de qualquer outra cláusula presente neste capítulo, nenhuma pequena empresa, nenhuma organização sem fins lucrativos que receba acreditação para utilizar uma invenção submetida às restrições desta

direitos ou o recurso a práticas que restrinjam de forma não-razoável o comércio ou que prejudiquem a transferência internacional de tecnolo-gia.”

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lei e nenhum mandatário destas pequenas empresas ou organizações sem fins lucrativos, sejam elas quais forem, concederá a ninguém o direito exclusivo ou não venderá nenhum direito submetido a restrições nos eUa, a menos que esta pessoa concorde em que todos os produtos que compõem a invenção submetida a restrições ou que resul-tem da utilização desta invenção sejam fabricados essen-cialmente nos eUa.

restrição à concessão de direitos de exploração de inven-ções de propriedade federalUm órgão federal somente concederá o direito de utilizar ou vender, no território dos eUa, uma invenção de propriedade do estado Federal àquele que der o seu acordo para que todos os produtos resultantes desta invenção ou que resultem da utilização da mesma sejam fabricados essen cialmente nos eUa.”

2) O segundo ponto trata da definição de urgência nacional e de interesse público. O interesse público é um critério que foi aprovado por uma norma do Poder executivo, ao longo das dis-cussões internacionais, para regular a norma nacional segundo o trIPS. ele consiste na defesa da saúde pública, da nutrição, do meio ambiente e de setores importantes para o desenvolvimento socioeconômico. Ora, este artigo foi evidentemente copiado do próprio texto do trIPS, especialmente do artigo 8,88 mas para a aplicação do artigo 27 (2). ele não cria condições suplementares nem restrições que se somam aos acordos internacionais já fixa-dos, pelo contrário, ele prevê as mesmas condições, como a in-denização, a revisão periódica da licença e o direito de resposta do titular. Sobre esse ponto específico, não há contradição entre a norma brasileira e o texto do trIPS.

a publicação desse decreto, em 1999, insere-se em um con-texto mais amplo, em que acirravam-se os debates entre brasil e estados Unidos sobre o preço dos medicamentos contra a aids. O

86 SHaNKer. brazil, pharmaceutical industry and WtO, p. 17-37. 87 UK Patent act.

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brasil foi, durante muito tempo, um dos países do mundo onde se encontrava o maior número de soropositivos.89 Foi a partir dos anos 90, que o país começou uma grande campanha relacionada com o acesso a medicamentos e à prevenção, que trouxe resulta-dos tangíveis. as campanhas públicas de prevenção, conduzidas em grande escala, e feitas de modo constante, foram associadas à distribuição gratuita de medicamentos para o tratamento da aids. é preciso dizer que o brasil é o único país em desenvolvimento, e até mesmo um dos únicos países no mundo, que distribui gratui-tamente o coquetel contra a aids a todos os seus doentes.

a distribuição do coquetel é uma operação delicada porque ele é composto de 20 medicamentos diferentes. Dezessete des-tes já estão no domínio público e são produzidos por diferentes indústrias de todo o mundo. O governo brasileiro, em virtude da centralização das compras,90 tem um poder de negociação im-portante, que contribui para a redução dos preços. No caso em que as negociações para a redução dos preços fracassam, existe sempre a possibilidade de ele mesmo produzir os medicamen-tos, considerando a existência de centros públicos de excelência na produção farmacêutica, como a Fundação Oswaldo Cruz.91 é importante dizer que os laboratórios capazes de garantir uma produção farmacêutica local são, em sua maioria, instituições públicas de pesquisa, que funcionam com metade da capacidade ociosa, tendo a possibilidade de abastecer o mercado nacional e também outros países em desenvolvimento.92 esse quadro é dife-rente, por exemplo, da realidade indiana, onde são os labora- 88 “artigo 8. Princípios

1 – Os Membros podem, quando da elaboração ou alteração das respec-tivas disposições legislativas e regulamentares, adotar as medidas necessárias

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tórios privados que têm a capacidade – e que se mostraram interessados – de produzir os medicamentos contra a aids.

entre 1996 e 2001, os preços dos medicamentos ge-néricos baixaram em média 72,5% e 85.000 pessoas foram colocadas em tratamento constante. Certos preços de me-dicamentos, como o zalcitabina (ddC), foram reduzidos de US$1,55 a cápsula de 0,75 mg para US$0,08, ou seja, uma redução de 95%.93 as estimativas do banco Mundial previam que em 2001 o brasil teria 1,2 milhão de soropositivos, enquanto, graças às campanhas públicas de prevenção, esse número foi re-duzido para a metade. as mortes causadas pela aids foram redu-zidas em 50%, e a qualidade de vida das pessoas que a contraíram melhorou sensivelmente, com redução da necessidade de hospi-talização de 25% e redução da incidência de tuberculose de 50%.

a economia com a compra de medicamentos foi impor-tante, ou seja, US$ 200 milhões, se compararmos com os preços utilizados no Canadá, ou US$ 540 milhões, se utilizarmos os pre-ços dos produtos vendidos nos estados Unidos.94 O Ministério da Saúde destina 4% do seu orçamento para os medicamentos contra a aids, ou o equivalemente a US$ 444 milhões. Contudo, a diminuição das hospitalizações tornou possível uma economia de US$ 677 milhões entre 1997 e 2000.95

O caso dos três outros medicamentos patenteados no bra-sil, depois de 1996, ou seja, após a entrada em vigor da norma brasileira sobre patentes, efavirenz, da Merck,96 Nelfinavir, da roche,97 e Kaletra, da abott, é diferente do caso dos genéricos. todavia, esses três medicamentos correspondiam, no início das discussões sobre a licença obrigatória, a 70% do total de despesas do Ministério da Saúde destinadas à luta contra a aids. apenas o Nelfinavir consumia 28% do orçamento para a doença, ou seja, US$ 85 milhões. estes números mostram bem o peso das patentes e sua incidência sobre os preços finais dos produtos farmacêuti-cos, bem como a impossibilidade dos países em desenvolvimento de negociar, em virtude do monopólio da produção conferida pela patente e a ausência de escolhas, mesmo no caso de grandes consumidores, como o brasil.

a reação brasileira consistiu, em um primeiro mo-mento, em aplicar a cláusula da não-fabricação local,

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considerando que esses produtos não eram fabricados no brasil. a simples ameaça teve repercussões importantes e deu origem às pressões governamentais dirigidas contra as empresas norte-americanas e suíças. O brasil exigia da Glaxo uma redução de 30% dos preços de medicamentos comercializados em território nacional. a Glaxo defendia-se, argumentando que estes preços já eram menos do que a metade dos estados Unidos, e estes, por sua vez, defendiam a não-conformidade da norma brasileira com as normas inter-nacionais.

Para tornar possível uma discussão jurídica favorável, o executivo brasileiro publicou o decreto regulamentan-do a licença obrigatória, utilizando os mesmos termos do trIPS. Com esta nova norma jurídica, ele passava a estar de acordo com as normas internacionais e seu poder de negociação era mais consistente. No plano internacional, o brasil defendeu uma declaração na cúpula das améri-cas, no âmbito da Organização dos estados americanos, e uma resolução na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, na mesma semana, a qual confirmava que o acesso aos medicamentos era um direito fundamental. a última resolução foi aprovada com 52 votos a favor e uma só abstenção, os estados Unidos.98 é justamente nessa época que as discussões estavam ocorrendo também na áfrica do Sul, e as Organizações Não-Governamentais tinham conseguido colo-car o tema na ordem do dia. Para entender a posição do brasil é preciso, portanto, estudar antes a questão da áfrica do Sul, para,

para proteger a saúde pública e a nutrição e para promover o interesse público em setores de importância crucial para o seu desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, desde que essas medidas sejam compatí-veis com o disposto no presente acordo.”

89 203.353 soropositivos conhecidos entre 1980 e 2000, dos quais 151.298 ho-mens, 52.055 mulheres, 7.086 crianças e uma estimativa de 597 mil infecta-dos. Dados oficiais do governo brasileiro no site www.aids.gov.br, acessado em 2 de fevereiro de 2002.

90 O Governo centraliza 35% das compras de medicamentos, em geral, e quase a totalidade dos medicamentos, no caso da aids.

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em seguida, analisar como cada um desses países respondeu às pressões internacionais.

b) O caso da áfrica do Sul

a lei sul-africana n. 90, de 1997, é uma iniciativa de Nelson Mandela e implementa três medidas importantes contra a aids:

a) a produção ou importação de produtos genéricos, para substituir os produtos existentes no mercado.

b) autorização concedida à importação paralela dos produ-tos patenteados.

c) Implementação de um sistema de controle transparente dos preços dos medicamentos, fornecidos pelas institui-ções de saúde, sendo os preços determinados por um comitê.

a primeira medida – a produção ou importação de produtos genéricos – tornou possível o comércio de produtos mais baratos. ela obriga o farmacêutico a informar o consumidor sobre a existên-cia de um outro medicamento, genérico, tendo as mesmas proprie-dades químicas, mas mais barato que o remédio que ele pretendia comprar. O farmacêutico é obrigado a vender o produto mais barato, exceto se o médico escrever na receita “sem substituição”.

a segunda medida – a autorização concedida à importação

91 40% das compras vêm desta Fundação. 92 a produção local começou em 1993, a partir da produção do azt, por um la-

boratório privado. a produção pública começou um pouco mais tarde, pelos laboratórios FarManguinhos/FIOCrUz, Fundação para o remédio Popular/SP, laboratório Farmacêutico do estado de Pernambuco, Fundação ezequiel Dias/MG, Indústria Química do estado de Goiás e Instituto vital brasil/rJ. eles produzem sete antivirais: zidovudina (azt), didanosina (ddI), zalcitabina (ddC), lamivudina (3tC), estavudina (d4t), indinavir e nevirapina, e a associa-ção zidovudina+lamivudina (azt + 3tC). MarQUeS, M. b. “brevets pharma-ceutiques et accesssibilité des mécidaments au brésil.” reuve International de Droit economique, 2000, Numéro spécial: brevets pharmaceutiques, innovations et santé publique, p. 101 e o site oficial do governo brasilei-ro, www.aids.gov.br, acessado em 2 de fevereiro de 2002.

93 Dados oficiais do governo brasileiro, www.aids.gov.br, acessado em 2 de fevereiro de 2002.

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paralela dos produtos patenteados – permite a importação pa-ralela de um remédio, por uma outra pessoa que não o titular da patente, ou autoriza a comercialização no país, desde que o pro-duto importado tenha a mesma composição, os mesmos padrões de qualidade e o mesmo nome que o produto cuja patente está registrada no país.

a norma não exige a importação de um produto colocado no mercado de forma legal. ainda que isso possa ser subenten-dido, em razão da luta contra a contratação, produzir legalmente não significa que no país exportador exista uma patente sobre produto, mas significa simplesmente que a produção não é ilegal, como no caso de um país que não faz parte da OMC, ou onde as normas de propriedade intelectual ainda não entraram em vigor, ou ainda num país onde o produto é fabricado por uma empresa beneficiada pela licença obrigatória. No caso da aids, a índia pro-duz, por si só, medicamentos contra a doença a um preço muito mais acessível, mas ainda não tinha lei de patentes e não estava em situação de ilegalidade aos olhos do ordenamento jurídico internacional, considerando que ainda estava no período de graça, concedido pela OMC, para a implementação das normas do trIPS. antes da norma, o governo da áfrica do Sul comprava a cápsula de 250 mg de ciprofloxacin a 2,93 rupias, do laboratório bayer, enquanto, na índia, o preço era fixado em 0,65 rupias.

a terceira medida – a implementação de um sistema de controle transparente de preços de medicamentos – consiste na criação de um comitê de avaliação de preços dos medicamentos. as empresas farmacêuticas são obrigadas a justificar suas políti-cas de preços, indicar os custos da produção de medicamentos e mostrar que elas têm uma margem de lucro aceitável. esse comitê faz parte do Ministério da Saúde e proíbe a venda de produtos avaliados a um preço superior ao fixado.

essa norma provocou a reação das empresas transnacionais, que não queriam perder seus lucros na áfrica do Sul e temiam que esse exemplo fosse adotado por outros países em desenvol-vimento. assim, 40 empresas farmacêuticas99 entraram na Justiça da áfrica do Sul, contra o governo sul-africano, para que fosse declarada a não-conformidade dessa norma em relação aos 94 Dados oficiais do governo brasileiro, www.aids.gov.br, acessado em 2 de

fevereiro de 2002. 95 Dados oficiais do governo brasileiro, www.aids.gov.br, acessado em 2 de

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acordos internacionais de propriedade intelectual. Imediata-mente, a Organização Mundial da Saúde e as ONGs colocaram o processo na mídia, e uma ONG sul-africana, a treatment ac-tion Campaign, chegou a participar como amicus curiae. Outras ONGs influentes seguiram o seu exemplo, como Médicos Sem Fronteiras e a Oxfam.

Do ponto de vista jurídico, o processo fundamentava-se no conflito entre as normas da áfrica do Sul e as normas comerciais internacionais, como as da OMC. O ponto mais controverso era a possibilidade de importação paralela. é, portanto, interessante discutir a legalidade da importação paralela segundo o trIPS.

a importação paralela, no caso sul-africano, é permitida em todas as situações, sem ser ligada à exigência de fabricação local. Desde que exista um produto equivalente mais barato no mercado internacional, outras pessoas podem importá-lo, ainda que sem autorização do titular da patente. em outras legislações, como a do brasil, a importação paralela não pode ser praticada pelo titular da patente e é limitada ao caso em que as condições técnicas ou econômicas não permitam a produção local.

O principal argumento utilizado contra a importação para-lela é o artigo 28 do trIPS que traz o direito exclusivo do titular da patente de importar o produto:

“artigo 28. Direitos conferidos

1. Uma patente conferirá a seu titular os seguintes direi-tos exclusivos:

a) quando o objeto da patente for um produto, o de evitar que terceiros sem seu consentimento, produzam, usem, coloquem à venda, vendam ou importem com esses propósitos aqueles bens;”

este artigo, em razão do verbo “importar”, analisado de forma isolada, torna-se um argumento contrário à decisão da áfrica do Sul. No entanto, ele está ligado às outras disposições do acordo, conforme a nota de rodapé correspondente a esta alínea. a restrição enunciada no artigo 28 remete ao artigo 6.

“artigo 28 (...) este direito, como todos os outros direitos

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conferidos em virtude do presente acordo a respeito da utilização, da venda, da importação ou de outras formas de distribuição de mercadorias, é subordinado às disposições do artigo 6” (...)artigo 6: exaustão. Para os propósitos de solução de contro-vérsias no marco deste acordo, e sem prejuízo do disposto nos artigos 3 e 4, nada neste acordo será utilizado para tratar da questão da exaustão dos direitos de propriedade intelectual.”

Isso significa que a importação é limitada ao artigo 6, assim como os outros direitos do titular da patente. então, depois de ter vendido o produto, o titular perde seu direito sobre o mesmo. aquele que comprou pode vendê-lo a qualquer pessoa, em qual-quer país, o que incentiva o desenvolvimento de atacadistas e de negociações especializadas na circulação internacional de produ-tos farmacêuticos. apenas o licenciado é proibido de vender fora do território exclusivo que lhe foi concedido.100

O esgotamento de direitos significa que uma vez que o pro-duto foi colocado em circulação, seja diretamente pelo patente-ado, seja indiretamente, com a sua autorização, considera-se que o titular recebeu a recompensa que merecia pela sua invenção. assim, o titular da patente não pode mais impedir a circulação do produto, se a primeira venda foi lícita.101 essa posição é aceita pela maior parte das jurisprudências, em vários países,102 embora encon-tremos algumas exceções103 na jurisprudência e na doutrina.104

No entanto, a teoria da exaustão de direitos pode ser inter-pretada de forma diferente. a PhrMa defende que o trIPS refere--se exclusivamente ao esgotamento nacional ou ao princípio

fevereiro de 2002. rOSeMberG, t. brésil, un exemple à suivre. Courrier inter-national. 538, 20001 afirma US$ 422 milhões sem indicar o período. assim, o número de hospitalizações entre 1997 e 2000 foi de 234 mil a menos do que o previsto.

96 Dois produtos foram negociados com a Merck Sharp & Dohme, o enfivarenz e o Indinavir. as reduções foram de 64% para o primeiro e 77% para o último. Outras reduções importantes podem ser citadas, como a Nevirapina (58%), o 3tC (71%) e o ddC (95%).

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da territorialidade das patentes. Isso significa que um “produto introduzido licitamente no mercado de um país qualquer sob a proteção de uma patente concedida por este país, não pode ser importado de um outro país, onde exista igualmente uma paten-te, mesmo se as duas patentes têm o mesmo titular”.105

todavia, o texto do acordo não estabelece nenhuma dife-rença entre o esgotamento nacional e o internacional, assim a afirmação da PhrMa parece infundada. O argumento fundamen-ta-se no histórico das negociações, que teria conduzido a redação do texto com o sentido defendido: trata-se, portanto, de uma exegese histórica. De fato, se permitirmos o esgotamento terri-torial de direitos, torna-se possível ao titular da patente organizar um monopólio da importação. a indústria não tem necessidade de oferecer preços mais atrativos ou menos caros que os preços dos outros licenciados dos outros países, porque estes não terão possibilidade de vender o produto no mercado local. embora este tema tenha sido discutido nas negociações do acordo, isso não é suficiente para concluir pela extensão das obrigações dos países membros além do que está previsto no tratado interna-cional, donde concluímos em favor da liberdade de ação de cada país. Outros países seguiram essa mesma interpretação, como a argentina e a tailândia, ainda que esta última autorize somente a importação de produtos fabricados pelas empresas licenciadas pelo titular da patente se este permitiu a venda do produto.106

as práticas americanas e européias são contrárias à exaus-tão internacional de direitos. Os estados Unidos querem evitar que os produtos que não foram controlados pelas agências de qualidade de outros países, ou seja, que possam ter qualidade inferior aos produtos fabricados nos estados Unidos, sejam ven-didos no território americano. a União européia aceita a exaustão de direitos no espaço europeu, com base no artigo 30 do tratado de roma, mas não aceita a exaustão internacional extracomuni-tária. Certos autores107 consideram que isso constitui uma ofensa 97 Outros medicamentos para outras doenças, como o interferon, da Schering-

-Plough e da roche, foram também ameaçados pelo governo brasileiro. a diferença de preços desses medicamentos chega a 27,5 vezes o preço da produção local pelo governo.

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ao Gatt de 1994, pois significa dar um tratamento diferenciado para produtos, em razão da sua origem, ofendendo o princípio do tratamento nacional.

a discussão sobre a interpretação somente trouxe um primeiro resultado durante a quarta reunião interministerial de Doha, em 2001. Os estados membros optaram pela liberdade acor-dada a cada legislação nacional de escolher, com ampla liberdade, sua posição sobre a exaustão de direitos. embora a Declaração de Doha não tenha efeito jurídico preciso, ela deve ser utilizada em uma possível controvérsia sobre o tema, como instrumento de interpretação do trIPS:

“5. d) Com relação ao efeito dos dispositivos do acordo trIPS sobre o esgotamento dos direitos de propriedade intelectual, deixa-se a cada membro a liberdade de estabe-lecer seu próprio regime no tocante ao esgotamento sem

1 3 1 5 3

HIv/aids 5 21 1 1 0 3 0

Diarréia 4 7 1 7 0 7 1

Doenças 3 7 0 5 0 4 0 infantis

Malária 2 9 0 1 0 0 0

Infecções 7 10 5 8 3 11 4 respiratórias

Doenças 30 9 34 32 51 29 32 cardiovasculares

Fonte: Oxfam. Pfizer. Formula or faintness?: patient rights before patent rights. Oxfam, 2001, p. 14. valor em porcentagem.

Causa da morte

Mundo

áfrica amé- rica

Oriente

médio

europa

Se ásia

Pacífico ociden-

tal

t u -

berculose 3 3

98 ver a resolução 2001/33, de 20 de abril de 2001, da Comissão de Direitos Hu-manos, sobre o acesso aos medicamentos no contexto de pandemias como o HIv/aids e a Declaração de Québec, de 22 de abril de 2001.

contestação, com ressalva dos dispositivos sobre o trata-mento da nação mais favorecida e do tratamento nacional dos artigos 3 e 4.”108

essas disposições permitem aos países interessados com-prar os produtos patenteados dos laboratórios situados nos paí-ses onde não existem patentes ou de terceiros, que compraram o produto de um licenciado ou do titular da patente. é uma medida que pode ter efeitos concretos, como a redução de preços, mas são

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efeitos limitados. Considerando que todos os países capazes de produzir um medicamento fazem parte da OMC e que as novas invenções farmacêuticas serão provavelmente protegidas pelos direitos de proteção intelectual, vai ser cada vez mais difícil en-contrar medicamentos úteis sem patentes. a compra junto a um terceiro pode contribuir para o aumento da oferta dos produtos farmacêuticos; este receio fundamenta-se sobretudo nas políti-cas diferenciadas dos níveis de preços praticados pelos titulares de patentes e pelos licenciados nos diferentes países, mas o fato de estarmos já na terceira venda contribui para o aumento dos preços. a outra possibilidade seria a compra junto a uma empresa produtora, licenciada pelo titular da patente, mas cujo contrato não proíbe a exploração do produto, o que poderia contribuir para a diminuição sensível dos preços dos medicamentos em ní-vel mundial, mas seria difícil, porque essas empresas são normal-mente proibidas de exportar para outros mercados protegidos, por seus contratos de licença com as matrizes.

No caso da áfrica do Sul, não há violação das normas do direito internacional econômico, no que se refere à importação paralela, se considerarmos que se trata da aplicação exclusiva dos artigos 28.1 e 6 do trIPS. De qualquer forma, esse país poderá também utilizar, como base da implementação de tais medidas, as condições de urgência sobre a saúde das pessoas, como prevê o texto do acordo, já discutido no caso do brasil. O número de soropositivos e as conseqüências dessa doença sobre a população sul-africana contribuirão certamente para a caracterização de ur-gência da medida.

esse processo apresenta um outro aspecto interessante: cria um contexto permitindo a manifestação de dezenas de argumen-tos não-jurídicos defendendo a validade das normas sul-africa-nas. Muitos representantes de ONGs foram ouvidos pelos juízes ou forneceram documentos para demonstrar a injustiça da ação das empresas transnacionais, independentemente dos acordos 99 Faziam parte do processo: associação sul-africana de produtores farmacêu-

ticos, alcon laboratoires, bayer, bayer ag, bristol-Meyers Squibb, bristol--Meyers Squibb Company, byk Madaus, ely lilly, eli lilly and Company, Glaxo Welcome, Hoechst Marion roussel, Ingelheim Pharmaceuticals, Janssen-Cilag Pharmaceutica, Knoll Pharmaceuticals South africa, lundbe-ck South africa, Merck MSD, Novartis, Novo Nordisk, Pharmacia & Upjohn, rhone-Poulenc, rorer, roche Products, Schering Schering-Plough, Scientific

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da OMC. entre os argumentos mais discutidos, as ONGs insisti-ram no caráter contestável das patentes concedidas às empresas para os produtos ligados à participação dos institutos públicos americanos de pesquisa científica, nos diferentes preços entre os produtos genéricos e os patenteados e nas diferenças dos preços praticados em diversos países.

No que se refere ao primeiro argumento não-jurídico, o processo trouxe dezenas de exemplos, como o d4t, descoberto pela escola de Medicina da Universidade de Yale, nos estados Unidos, e patenteado pela brystol Myers Squibb, ou o abacagir, desenvolvido pela Universidade de Minnesota e licenciado à bur-roughs Welcome. Os pesquisadores e as ONGs queriam mostrar a injustiça escondida por trás das patentes, em um sistema em que uma parte do financiamento dos medicamentos era assegu-rada pelos poderes públicos, enquanto os lucros desses mesmos medicamentos voltavam apenas às empresas privadas, sem que existisse uma compensação eqüitativa para a pesquisa pública. De acordo com as suas afirmações, dos 30 medicamentos estu-dados, a metade tinha sido financiada pelo governo americano em todas as fases da pesquisa. Dos 17 medicamentos inventados nos estados Unidos, 12 tinham sido beneficiados pelo financia-mento federal e a maior parte tinha recebido uma quantidade importante de benefícios públicos.109 Isso vai contra o argumento das empresas farmacêuticas, que insistiam na compensação dos esforços das empresas, idéia fundamental do sistema de proprie-dade intelectual.110

ainda sobre o mesmo ponto, as ONGs arguíam também que o sistema de controle de preços dos medicamentos não era ilícito: a maior parte dos países desenvolvidos o praticava, como, por exemplo, o reino Unido, que fixa alíquotas de 17% a 21% de lucro para esses produtos. De acordo com as ONGs, os custos de pesquisa anunciados pelas empresas eram falsos, considerando que parte importante dessas pesquisas tinha sido financiada por dinheiro público, não-reembolsável.

Outros argumentos tinham por objetivo sensibilizar os atores do processo e a população mundial, como o fato de que a áfrica concentra 95% dos 36 milhões de soropositivos ao vírus da aids, ao que devemos acrescentar o não-acesso aos medicamen-tos, considerando o seu custo e a ineficácia dos sistemas de saúde

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 253

africanos.em virtude da mis en scène do processo organizado pelas

ONGs, as empresas transnacionais tiveram que recuar e adotaram uma nova estratégia. O governo local obteve o apoio necessário, permitindo dar legitimidade pública local e internacional à sua legislação, diante da comunidade internacional. em um primeiro momento, as empresas ofereceram ao governo sul-africano uma redução de preços dos produtos patenteados. O governo aceitou essa redução, mas recusou derrogar a lei em vigor. em seguida, as empresas ofereceram fornecer gratuitamente os produtos primá-rios necessários para a fabricação local dos produtos que fazem parte do coquetel contra a aids e também fornecer gratuitamente os medicamentos. a bristol Myers Squibb ofereceu os retrovirais ddI e d4t ao preço de um dólar por dia e o não-controle da eficá-cia das normas de patentes na áfrica subsahariana. todavia, o go-verno recusou mais uma vez suprimir a lei. Na verdade, de acordo com o governo, a distribuição gratuita das matérias-primas ou dos medicamentos iria resolver o problema temporariamente e criaria dependência da população sul-africana às empresas trans-nacionais. No mais, esse favor não era extensível a outras doenças importantes, que eram igualmente contempladas pela lei.

em face dessa encruzilhada, as empresas começaram uma campanha de questionamento da qualidade dos produtos india-nos, que iram ser os principais comprados na áfrica. as ONGs e os laboratórios indianos rebateram todos os argumentos, revelando contratos de fornecimento de produtos às grandes empresas transnacionais pelas mesmas empresas indianas acusadas, assim como da Coréia e da China.111

as pressões das ONGs aumentaram até 2001,112 quando as empresas recuaram e desistiram do processo, pagando as custas. O recuo das empresas farmacêuticas demonstra a ineficácia da ação organizada de um governo do Sul, mas essa ação somente foi possível graças à coalizão de ONGs formada sobre o tema e a importância política da aids, doença que ataca também as populações do Norte. as outras doenças que são também alvos freqüentes de discussão, como a malária e a tuberculose, não são objeto constante de ações similares, nem de mobilização das populações do Norte, talvez porque estas não sintam seus efeitos.

O projeto do governo sul-africano não era produzir ele

a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl Na OMC: O eXeMPlO Da PrOPrIeDaDe INteleCtUal

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254O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

próprio os medicamentos em causa, mas poder comprar medica-mentos de outros países em desenvolvimento que os produziam, como o brasil ou a índia. No caso brasileiro, a fundação Oswaldo Cruz utilizava somente 40% da sua capacidade produtiva para fornecer o medicamento ao brasil e podia abastecer boa parte do mercado sul-africano, sobretudo no tocante aos produtos não-patenteados.113 No caso indiano, dois grandes laboratórios locais, Cipla e ranbaxy, tinham também a capacidade de produzir medicamentos não-patenteados, o que era muito amplo, tendo em vista que as patentes ainda não tinham entrado em vigor na índia para os produtos e processos farmacêuticos, ou seja, todos os medicamentos estavam disponíveis.

tabela. Causas de mortalidade por regiões; estimativas de 1999

as empresas transnacionais queriam evitar que os exemplos indiano, brasileiro e sul-africano repercutissem e fossem copiados por outros países em desenvolvimento, o que causaria a perda de mercados importantes e, sobretudo, a formação de um mercado paralelo e lícito de medicamentos fabricados pelos países onde as patentes dos países do Norte tinham obtido uma licença.

as ONGs, por sua vez, queriam colocar na mídia internacional a problemática dos acordos de propriedade intelectual e permitir

Pharmaceuticals, Smithkline beecham Pharmaceuticals, Universal Phar-maceuticals, Wyeth, Xixia Pharmaceuticals, zeneca, boehringer-Ingelheim International Gmbh, boehringer-Ingelheim Kg, Dr. Karl thomae Gmbh, Hoffmann-la roche ag, Merck Kgaa, Merck & Co, rhone-Poulenc rorer S. a., Smithkline beecham Plc e Oliver Cornish. a citação repete certas compa-

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foi atingido pela amplitude alcançada pela campanha. a Casa branca, diante das pressões dos jornais e da população, teve que recuar e mudar seu discurso para outro, favorável ao acesso aos medicamentos.

No entanto, no ápice das negociações internacionais, o bra-sil aceitou um acordo bilateral com a empresa Merck, pelo qual ele comprometia-se a não produzir os medicamentos localmente e, em contrapartida, teria redução de 60% nos preços.114 a roche fez também um acordo com o governo brasileiro para a venda do Nelfinavir, de 87% a menos do que o preço oferecido ao mercado norte-americano. a Glaxo também ofereceu negociar a redução de dois outros medicamentos, o abacavir e o amprenavir. O or-çamento para aquisição de medicamentos para o tratamento da aids seria, então, reduzido de US$ 240 para US$ 88 milhões. O go-verno americano aceitou então um acordo com o brasil e o proce-dimento de consultações no âmbito da Organização Mundial do Comércio foi encerrado. O brasil não mais participa, portanto, das pressões feitas pelos países em desenvolvimento e deixa sozinhos a índia e a áfrica do Sul. a saída do brasil representa uma perda importante para a ação conjunta dos países em desenvolvimento, pois, em vez de lutar juntos para pressionar a Organização Mun-dial do Comércio para a abertura e o julgamento de um painel so-bre o tema, prefere realizar um acordo bilateral e deixar os outros países, temporariamente mais fracos, negociarem sozinhos.115

todavia, o brasil começa a rever sua posição quando a roche recusa-se a fechar um acordo para a redução do terceiro medicamento patenteado. Nesse momento, o governo brasileiro entra novamente na campanha contra as patentes, sobretudo na véspera da reunião interministerial de Doha. Contrariamente à reunião de Seattle, onde as discussões previam a criação de um trIPS plus, com normas de propriedade intelectual ainda mais fortes, no Qatar, a agenda das negociações para proposta pelos países do Sul previa o acesso aos medicamentos e a fle-xibilização das normas de propriedade intelectual. em resumo, as ações feitas pelas ONGs e pela OMS permitiram aos estados do Sul inverter o jogo de forças no âmbito da OMC e mudar a evolução normativa dos acordos de propriedade intelectual.

a quarta conferência ministerial de Doha reconhece aos diferentes países o direito de conceder licenças obrigatórias,

aos países em desenvolvimento dar licenças e procurar novas fontes para o fornecimento de medicamentos essenciais para a luta contra as doenças mais graves. Na verdade, esse objetivo

O tratamentO DO meiO ambiente pela OmC

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

conforme eles julguem necessário, e fixar as normas de exaus-tão de direitos. a declaração da conferência é importante no caso de uma possível interpretação do trIPS pelo OSC:

“5. c) Cada Membro tem o direito de determinar o que cons-titui uma situação de urgência nacional ou outras circuns-tâncias de extrema urgência, considerando que as crises no domínio da saúde pública, inclusive aquelas relacionadas com o HIv/aids, a tuberculose, a malária e outras epide-mias, podem representar uma situação de emergência.d) a conseqüência dos dispositivos do acordo trIPS que se relacionam com a exaustão de direitos de propriedade intelectual é deixar a cada membro a liberdade de esta-belecer seu próprio regime de esgotamento sem contes-tação, com ressalvas aos dispositivos em matéria da nação mais favorecida e do tratamento nacional dos artigos 3 e 4.”

a declaração deixa claros os direitos das partes. todavia, a possibilidade de utilizar a licença obrigatória apenas é eficaz se existirem condições de produção local para o medicamento licenciado ou se for possível comprá-lo de um outro país, que pode produzir com melhor preço. Com raras exceções, como brasil, índia, Cuba, México e China, quanto aos medicamentos em geral, e outros países, quanto aos medicamentos específi-cos, os outros países do Sul não têm meios tecnológicos e fi-nanceiros de reproduzir localmente os produtos farmacêuticos de que precisam. Com a produção de novos medicamentos, a proporção de produtos e processos de produção farmacêuti-cos de patenteados vai aumentar. Da mesma forma, a possibi-lidade de produzir localmente e exportar será reduzida. exceto nos casos em que eles se beneficiam da ajuda de Organizações Não-Governamentais e quando os países do Sul avançam unidos, o sistema de propriedade intelectual contribuirá, por-tanto, para excluir as populações pobres do Sul do acesso aos medicamentos patenteados. Isso nos conduz à conclusão, de um lado, sobre a crescente dependência do Sul em relação ao Norte e, do outro, sobre a necessidade de cooperação entre estes, e dos países do Sul com as ONGs, para a boa evolução do direito internacional.

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* * *

as normas de propriedade intelectual impõem aos países do Sul condições severas, nocivas ao seu desenvolvimento. elas são contrárias às necessidades de transferência de tecno-logia e à reprodução da tecnologia no Sul. além do mais, criam condições para uma transferência importante de recursos mo-netários do Sul para o Norte na forma de royalties. Quando tra-ta de medicamentos e doenças sensíveis, a pesquisa científica é concentrada nas doenças do Norte. a bioquímica evolui mui-to mais em função das preocupações das populações do Norte que das populações do Sul, aumentando assim a desigualdade Norte-Sul. em relação às doenças que mais sensibilizam, como a aids ou o câncer, o sistema de propriedade intelectual em vigor até 2001 era favorável a um quadro de preços altos, ina-cessíveis às populações do Sul. em 2001, graças à ação conjun-ta de certos países do Sul, muito atingidos pela aids, as regras de propriedade intelectual foram aliviadas. Para os países que podem negociar preços e têm capacidade de produção local, isso representa uma importante vitória. Contudo, trata-se de uma vitória pontual, uma vez que a pesquisa continua a ser centralizada em algumas doenças que não são as que atingem o maior número de vítimas.

Outros assuntos também decisivos para os países em desenvolvimento sustentável devem ser analisados, como a incorporação do meio ambiente como elemento de base da Organização Mundial do Comércio e a questão sobre um pos-sível reducionismo do meio ambiente com base em critérios exclusivamente comerciais.

Conclusão do CaPítUlO

O direito internacional econômico construído desde as

1 SteINberG, r. H. “trade-environment negotiations in the eU, NaFta and WtO: regional trajectories of rule development.” american Journal of Inter-national law, 1997, 91(2), p. 243.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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258O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

negociações da rodada do Uruguai e da emergência da Organi-zação Mundial do Comércio contribui a aumentar a desigualdade Norte-Sul. Os princípios do direito do desenvolvimento, como a desigualdade compensadora e a não-reciprocidade, foram redu-zidos a poucas disposições acessórias e sem grande valor prático para qualquer redução de desigualdade. O tratamento especial e diferenciado é secundário e também não tem eficácia de fato. a lógica da promoção do desenvolvimento regrediu a uma lógica anterior aos movimentos dos países do Sul, o que se explica pela expansão do neoliberalismo no direito internacional econômico. esta evolução se faz, sobretudo, em razão da expansão do sistema comercial mundial, o que concorre para a estagnação, ou mesmo o retrocesso quantitativo e qualitativo, de regras mais diferencia-das, elaboradas para os países do Sul.116

entre os acordos que têm grande quantidade de impactos negativos, encontramos as normas de propriedade intelectual. embora o trIPS possibilite certa flexibilidade tanto aos países do Sul quanto aos do Norte, também traz muitos efeitos concretos e rígidos, impondo uma mudança do quadro tecnológico interna-cional, e consolidando a desigualdade entre os países do Norte e do Sul. No caso dos produtos farmacêuticos, os efeitos são impor-tantes. a união dos países do Sul e a valorização destes problemas pelas Organizações Não-Governamentais aliviaram esses efeitos negativos, mas a introdução do trIPS não deixa de ser, por isso, uma mudança paradigmática das relações Norte-Sul, a favor dos países do Norte.

CaPítUlO vI

2 ver processos Canadá – investimento e eUa – atum (relatório não adota-do, submetido às partes em 16 de agosto de 1991.ver também rObert, e. “l’affaire des normes américaines relatives a l’essence. le premier différend commercial environnemental à l’épreuve de la nouvelle procédure de règle-ment des différends de l’OMC.” revue Générale de Droit International Public, 1997, 101(1), p. 108-109.

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O meio ambiente é contemplado no âmbito dos acordos da OMC, que chegam a prever a aplicação de princípios e normas ambientais. a liberdade comercial é assim conciliada com o res-peito a certas normas ambientais. No entanto, o direito interna-cional econômico, representado pelas regras da OMC, apresenta uma lógica própria que está, em muitas ocasições, em contra-dição com a lógica de certas convenções internacionais sobre o meio ambiente. No caso de conflito entre essas normas, o direito internacional econômico prepondera e anula o valor das normas ambientais. a anulação da eficácia torna-se possível pela diferen-ça de eficácia entre os dois conjuntos de normas, o ambiental e o econômico.

a proteção do meio ambiente é, no entanto, mais marcante no texto da rodada do Uruguai que em todos os textos anterio-res, que não previam nenhuma exceção ao livre comércio por razões de proteção ambiental. No acordo de Marraqueche, as previsões sobre a defesa do desenvolvimento sustentável são apresentadas desde o preâmbulo do acordo geral e na maior parte dos acordos específicos. as normas concretas para a fixação das ex-ceções comerciais figuram também no artigo XX, que serve de base para a interpretação das exceções, de acordo com a análise do OSC.

a proteção da natureza é um elemento importante a partir dos anos 70 e sobretudo dos anos 80, portanto depois da rodada de tóquio, de 1979. Isso não significa que as relações entre o co-mércio e o meio ambiente não eram consideradas anteriormente. ao contrário, como estudamos no primeiro capítulo, a considera-ção da proteção ambiental no processo de desenvolvimento sem-pre esteve presente nas negociações conduzidas por vários fóruns internacionais, sobretudo pelas agências das Nações Unidas, como o PNUMa, o PNUD, a CNUCeD, entre outros.

assim, muito embora o fato de os textos do Gatt não pre-verem regras específicas para a proteção do meio ambiente, elas foram gradualmente sendo consideradas nas relações internacio-nais comerciais. O meio ambiente torna-se, em certas situações, 3 Wt/DS2/ab/r. 4 Wt/DS58/ab/r. 5 Wt/DS58/ab/r, parágrafos 117 a 121.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

um elemento utilizado para estabelecer obstáculos comerciais, como no caso das taxas ecológicas, impostas sobre os combus-tíveis fósseis, por exemplo, ou mesmo da proibição de importa-ção (de organismos geneticamente modificados, entre outros); de modo inverso, ele pode ser a razão para a redução de tarifas e supressão de obstáculos. além do mais, a proteção do meio ambiente criou novos objetos de comércio, como se vê com as autorizações de emissão de gás que contribui para o efeito estufa, as quais integram as negociações do Protocolo de Quioto.

Nos anos seguintes à rodada do Uruguai, e paralelamente às negociações, o direito internacional do meio ambiente tam-bém conheceu uma expansão sensível, no âmbito da Organiza-ção das Nações Unidas, sobretudo com a Conferência da Diversi-dade biológica e a Conferência sobre as Mudanças Climáticas. a afirmação do desenvolvimento sustentável já se encontrava em um nível avançado.

Dois sistemas foram então formados, um comercial e um ambiental. a existência de dois sistemas, às vezes antagônicos, deu origem a críticas, e os estudiosos perguntavam-se sobre a existência de uma primazia da liberdade de comércio sobre o meio ambiente, o que iremos tratar em um primeiro momento. Neste sentido, seria interessante encontrar soluções para os con-flitos de normas da OMC com as regras do direito internacional ambiental.

Seção I – Primazia da liberdade de comércio sobre a proteção am-biental

O tratamento do meio ambiente é centrado no artigo XX do texto do acordo Geral de tarifas e Comércio, de 1994, que o Órgão de Solução de Controvérsias já teve a ocasião de aplicar.

O primeiro parágrafo do acordo instituindo a Organização Mundial do Comércio afirma a preocupação da OMC pelo meio am-biente e pelo desenvolvimento sustentável:

“reconhecendo que as suas relações no domínio comercial e econômico deveriam ser orientadas tendo em vista a melhoria

6 relatório do Grupo especial, parágrafo 7.28.

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dos níveis de vida, a realização do pleno emprego e um aumen-to acentuado e constante dos rendimentos reais e da procura efetiva, bem como o desenvolvimento da produção e do co-mércio de mercadorias e serviços, permitindo simultaneamente otimizar a utilização dos recursos mundiais em consonância com o objetivo de um desenvolvimento sustentável que pro-cure proteger e preservar o ambiente e aperfeiçoar os meios para atingir esses objetivos de um modo compatível com as respectivas necessidades e preocupações em diferentes níveis de desenvolvimento econômico.”

O acordo de Marraqueche absorve o problema ambiental e tra-ta a questão na sua própria lógica, conforme o princípio da integração, oriundo da noção de desenvolvimento sustentável.

O artigo XX do Gatt é a base que permite concretizar as exceções à liberdade de comércio, fundamentada na defesa do meio ambiente. as normas ambientais no corpo do acordo co-mercial são sempre negociadas entre os estados Unidos, a União européia e a Noruega, de um lado, e a índia, o brasil e o egito, do outro.1 meio ambiente tornou-se uma moeda de troca para o acesso aos mercados do Norte dos produtos do Sul, uma vez que os países do Sul aceitam o avanço das normas ambientais na ordem jurídica internacional econômica em troca de regras mais favoráveis para os seus produtos, para o acesso aos mercados do Norte. este cenário está sempre presente na evolução da discus-são ambiental, tanto nas negociações do Gatt 94 quanto nas reuniões ministeriais, a exemplo de Doha, em 2001.

O artigo XX contém duas alíneas específicas sobre o tema:

“artigo XX – exceções gerais. Sob reserva que estas medidas não sejam aplicadas de modo a constituírem seja um meio de discriminação arbitrário ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem, seja uma restrição disfarçada ao comércio internacional, nenhum ponto do presente acordo será interpretado como impedindo a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante das medidas (…)b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessas e

dos animais ou à preservação dos vegetais (…) 7 Wt/DS58/ab/r, parágrafo 120.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

g) relacionando-se à conservação dos recursos naturais es-gotáveis, se tais medidas são aplicadas conjuntamente com as restrições à produção ou ao consumo nacional”;

vê-se que a proteção do meio ambiente é reconhecida. O artigo XX prevê que medidas de restrição ao livre comércio pode-rão ser tomadas para a proteção da vida das pessoas e dos outros seres vivos (b) e para a conservação dos recursos esgotáveis (g). Uma vez associado a medidas de restrição, o meio ambiente é visto como uma exceção e, como tal, é submetido a uma inter-pretação restritiva, o que está sendo aplicado implicitamente e, às vezes, explicitamente pelos Grupos especiais, mesmo se isso representa ainda um ponto controverso na doutrina.2

No entanto, o problema torna-se mais complexo se fizermos uma análise mais minuciosa do texto e das expressões subjetivas que ele traz. a medida não deve ser:

– um “meio de discriminação arbitrária”, nem– um “meio de discriminação injustificável” nos países onde as

mesmas condições existem; nem– uma “restrição disfarçada ao comércio internacional”.– as medidas tomadas para a proteção da saúde e da vida dos

seres vivos devem ser necessárias, – referirem-se à conservação dos recursos naturais esgotáveis

e apenas têm validade se estas medidas são aplicadas em conjunto com as restrições nacionais.

Para se pronunciar sobre a primazia do comércio sobre o meio

8 rObert. “l’affaire des normes américaines relatives a l’essence. le premier différend commercial environnemental à l’épreuve de la nouvelle procédure de règlement des différends de l’OMC.”, op. cit., p. 109-110.

9 O parágrafo 8.171 do processo Wt/DS135/r é ilustrativo: “Considerando isso, nós notamos que o grupo especial no processo estados Unidos–Com-bustíveis precisou também que não teria que apreciar a necessidade do objetivo geral perseguido. em outras palavras, nós não temos que apreciar nem a escolha da França de proteger a sua população contra certos riscos, nem o nível de proteção da saúde pública que a França deseja atingir. Nós devemos, sobre este ponto, simplesmente determinar se a política da Fran-ça com o objetivo de proibir a utilização de amianto crisólito entra na cate-goria de políticas destinadas a proteger a saúde e a vida das pessoas”.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 263

ambiente, é preciso portanto fazer duas análises, a primeira estudando a mudança na seqüência de análise do artigo XX, definida pelo Órgão de apelações, e a segunda, sobre os diferentes critérios de exame.

a imprecisão das expressões utilizadas deixa uma mar-gem de manobra considerável aos intérpretes do acordo Geral, a exemplo do Órgão de Solução de Controvérsias. embora com uma análise das expressões aplicada somente em dois casos concretos, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC muito contribuiu para a consolidação de uma interpretação coerente sobre o tema. esta interpretação tornou-se mais clara a partir dos casos Normas sobre novos combustíveis e antigos combustíveis (gasolina3), opondo, de um lado, os estados Unidos e, do outro, o brasil e a venezuela, e o caso Proibição da importação de certos camarões e produtos a base de camarão, no qual os estados Uni-dos enfrentavam a índia, o Paquistão, a tailândia e a Malásia.4

Subseção I – O método de análise do artigo XX, de acordo com o Ór-gão de Solução de Controvérsias

O método de análise do artigo XX é particularmente impor-tante, uma vez que ele contribui para determinar o valor do meio ambiente no âmbito das acordos comerciais da OMC. a seqüência de verificações já foi o centro de discussões opondo, nos dois casos em questão, os Grupos especiais ao Órgão de apelações. Segundo a regra interpretada pelo Órgão de apelações, deve-se proceder primeiro à análise dos parágrafos do artigo XX e é apenas depois, se os parágra-fos forem satisfatórios, que se passa ao estudo do texto liminar do artigo.

De acordo com o Órgão de apelações, no caso camarões, uma inversão desta ordem pode deturpar o sentido do acordo, diminuindo a importância das restrições estabelecidas e, às ve-zes, anulando todas as exceções previstas.5 Isso foi considerado como um ponto de divergência entre o Grupo especial e o Órgão de apelações. No caso gasolina, o Órgão de apelações ressaltou a necessidade de se realizar a análise inversa. todavia, no caso camarões, o Grupo especial não estava de acordo com a idéia de 10 Wt/DS135/r.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

que a mudança poderia resultar em uma solução diferente:

“Como o Órgão de apelações indicou no seu relatório sobre o processo Combustíveis, para que a justificativa prevista no artigo XX possa se aplicar a uma medida determinada, esta não deve somente basear-se em uma ou outra exce-ção particular – alíneas a) a j) – enumeradas no artigo XX; ela deve também satisfazer às prescrições estabelecidas no caput do artigo XX. Observamos que os Grupos especiais, no passado examinaram as alíneas específicas do artigo XX antes de estudar a aplicabilidade das condições enuncia-das no texto introdutório. No entanto, como as condições enunciadas no caput aplicam-se a cada uma das alíneas do artigo XX, parece também ser apropriado analisar em primeiro lugar o caput do artigo XX”.6

Isso acarretou a revisão da ordem aplicada e a revalorização da inversão, para o Órgão de apelações, em recurso. Segundo o Órgão de apelações, a intepretação do caput varia com a exceção analisada. Se a análise da exceção é feita depois da análise do caput, fica impossível adaptar a interpretação do caput ao caso específico.

“a obrigação de interpretar o caput para impedir o uso abu-sivo ou impróprio das exceções específicas previstas ao arti-go XX torna-se muito difícil, para não dizer completamente impossível, quando aquele que o interpreta (como o Grupo especial no caso concreto) não começou por identificar e examinar a exceção específica susceptível de abuso. Os critérios establecidos no caput têm uma abrangência que é, por definição, ampla: a proibição de aplicar uma medida ‘de modo à’ que esta seja ou ‘uma discriminação arbitrária

11 Parágrafo 8.130, Wt/DS135/r. 12 ver Wt/DS135/r, parágrafo 8.39. 13 a propósito da rejeição de não-isolamento do OSC em relação às outras nor-

mas do direito internacional, ver rUIz FabrI, H. le règlement des différends au sein de l’OMC: naissance d’une juridiction, consolidation d’un droit. In: Souveraineté étatique et marchés internationaux à la fin du 20eme siècle. a propos de 30 ans de recherche du CreDIMI. Mélanges en l’honneur de Philippe Kahn. Paris: litec, 2000, p. 328.

14 Wt/DS2/ab/r.

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 265

ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem’, ou ‘uma restrição disfarçada ao comércio interna-cional’ (sem itálico no original). Quando elas são aplicadas a um caso concreto, as grandes linhas e efetiva aplicação desses critérios varia em função da medida que está sendo examinada. a definição apropriada de ‘discriminação arbi-trária’, ou uma ‘discriminação injustificável’ ou uma ‘restrição disfarçada ao comércio internacional’, que são categorias de medidas, não é obrigatoriamente a mesma definição para outros tipos de medidas. Por exemplo, o critério da ‘discriminação arbitrária’, enunciado no caput pode ser dife-rente no caso de uma medida necessária para a proteção da moralidade pública e no caso de uma medida que se refira a artigos fabricados em prisões.”7

a inversão é, portanto, necessária, para que seja possível respeitar as exceções negociadas. Uma vez estabelecido o mé-todo de análise, resta verificar como as diferentes exceções são analisadas pelo Grupo especial.

Subseção 2 – Os diferentes critérios de exame

Para conhecer a importância do tema, é preciso fazer uma análise do conteúdo do artigo XX, o elemento central das preten-sões ambientais no âmbito do acordo Geral. O artigo é composto de várias expressões que podem ser aplicadas em conjunto ou separadamente. além do mais, a força de cada expressão apre-sentada nas alíneas não é o mesmo, o que torna a operação com-plexa. assim:

– Nas alíneas a), b) e d), utiliza-se a expressão “necessárias”– Nas alíneas c), e) e g), utiliza-se “referindo-se a”– Na alínea h), utiliza-se “para a execução de”– Na alínea j), utiliza-se “essenciais”– Na alínea f, utiliza-se “para a proteção de”– Na alínea i), utiliza-se “comportando”

15 Wt/DS58/ab/r, parágrafos 126 a 134.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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266O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

Mesmo se devemos levar em consideração os significados e os objetivos do artigo XX e do acordo Geral, como prevê a Con-venção de viena sobre a Interpretação dos tratados, existe uma diferença entre as alíneas que é preciso considerar. O meio ambiente é tratado pelas alíneas b e g, mas se quisermos encontrar o sentido adequado das expressões escolhidas para a proteção ambiental, é necessário fazer uma análise comparativa com as demais ex-pressões utilizadas nas outras alíneas do artigo. a definição das categorias é feita pela prática do OSC e, portanto, a sua interpre-tação das alíneas XX b e g é particularmente importante para esta discussão.

§ 1º a alínea XX b)

“b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais ou à preservação dos vegetais”;

O artigo XX b) exige uma dupla demonstração.8 em primeiro lugar, o estado que deseja praticar uma política de proteção deve provar que a política que ele instaura visa à proteção da saúde, da vida humana ou à vida dos animais, assim como a preservação dos vegetais. é preciso existir um nexo de causalidade entre a medida e o nível de proteção desejado. a existência de outras me-didas tendo impactos menos importantes sobre o comércio não impede o exame da legitimidade da medida na análise preliminar. a escolha de medidas a tomar faz parte do poder discricionário do estado, limitado na análise do texto liminar do artigo XX. Os es-tados são livres para instituir o nível de proteção interna desejado, e este não pode ser questionado pela OMC.9

em seguida, é preciso demonstrar que as medidas tomadas são necessárias para atingir esses objetivos. a expressão necessá-rias obriga um interpretação mais restritiva da medida. é, portan-to, necessário descobrir se a medida é necessária para a proteção da saúde, demonstrando o elo de causalidade entre a medida e o efeito desejável. a defesa de outras medidas possíveis não-ofensi- 16 Wt/DS2/ab/r, p. 23. ver também CaNal-FOrGUeS. “la procédure d’examen

en appel de l’Organisation Mondiale du Commerce.”, tIOzzO, C., MOreY, b. “la résolution du conflit de la banane opposant les etats-Unis à la Commu-nauté européenne par l’OMC. les guerre des bananes: suite et fin? “revue du Marché Commun et de l’Union européenne, 1999, (429).

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vas ou menos ofensivas ao Gatt pode também ser discutida, para se chegar à conclusão do que é necessário ou não-necessário a partir de quando diferentes alternativas chegam aos mesmos re-sultados. a medida deve ser possível e disponível.

ainda que uma medida restritiva mais limitada seja teorica-mente possível, os estados podem refutá-la, alegando que ela seria nefasta, em razão das condições concretas, para sua implementação em um contexto determinado. é o que tiramos do caso Comunida-de européia – medidas sobre o amianto e os produtos contendo amianto (amianto), em que se discutia o controle público sobre a utilização de equipamentos de segurança pelos utilizadores de um tipo de amianto. O Órgão especial analisou, por exemplo, a capacidade francesa de gerir os riscos, em razão do nível de estru-turação sindical e de organização social do país, em respostas aos argumentos do Canadá que arguía que a França podia controlar os utilizadores finais dos produtos nocivos à saúde. Neste caso, o Órgão de apelações concluiu pela impossibilidade de controlar todos os utilizadores finais, ainda que o mercado consumidor fosse um país desenvolvido, em virtude da especificidade do produto e de seus consumidores domésticos. a etapa de desen-volvimento e de controle social na qual se encontra o país exerce, portanto, papel importante na definição das medidas alternativas possíveis.

a análise da periculosidade dos produtos é feita necessaria-mente na análise do artigo XX b) e não pode ser examinada em outra parte do acordo. No caso amianto,10 já citado, o Grupo espe- 17 “as expressões ‘discriminação arbitrária’, ‘discriminação injustificável’ e ‘res-

trição maqueada’ ao comércio internacional podem ser então lidas parale-lamente; cada uma influencia o sentido das outras. é claro para nós que a ‘restrição maqueada’ compreende a ‘discriminação maqueada’ no comércio internacional. é igualmente claro que uma restrição ou uma discrimina-ção escondida ou não-anunciada no comércio internacional não esgota o sentido da expressão ‘restrição maqueada’. Nós estimamos que a ‘restrição maqueada’, sejam quais forem os outros elementos que eles compreendam, pode ser enterpretada corretamente como englobando as restrições que equivalem a uma discriminação arbitrária ou injustificável ao comércio in-ternacional e têm a aparência de uma medida que responde, por sua forma, às condições prescritas em uma das exceções enumeradas no artigo XX. em outras palavras, os tipos de considerações pertinentes para se pronunciar sobre a questão de saber se a aplicação de uma medida particular equivale a uma ‘discriminação arbitrária ou injustificável’ podem também ser levados em consideração para determinar a presença de uma ‘restrição maqueada’ ao comércio internacional”, in: Wt/DS2/ab/r, p. 28.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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268O DeSeNvOlvIMeNtO SUSteNtável NO âMbItO

Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

cial se perguntou se a análise da similaridade entre diferentes pro-dutos, fundamentada no critério de periculosidade, devia ser feita no âmbito do artigo III ou no quadro do artigo XX. O OSC concluiu em favor de uma dupla análise, primeiro geral, pelo artigo III, em seguida sob a ótica da exceção, conforme o artigo XX b), para não esvaziar o artigo do seu conteúdo.

“Nós consideramos que introduzir um critério de periculo-sidade do produto na análise de similiaridade em função do artigo III significaria esvaziar o artigo XX b) da sua utilidade. De fato, a proteção da saúde e da vida das pessoas é expres-samente prevista por este artigo. No entanto, o artigo III não faz referência a isso. Sem dúvida, não haveria modificação substancial do ônus da prova, na medida em que as Ce te-riam ainda que apresentar a prova da periculosidade do pro-duto, conforme ordena o adágio probatio incumbit ejus qui dixit. No entanto, consideramos que outros aspectos que são parte dos direitos e obrigações negociadas pelos mem-bros seriam afetados. assim, introduzir a proteção da saúde e da vida de pessoas no âmbito de critérios de semelhança permitiria ao Membro interessado se exonerar das obriga-ções contidas no artigo XX, notoriamente o teste de neces-sidade da medida em função do parágrafo b) e o controle que exerce o parágrafo introdutório do artigo XX sobre os eventuais abusos do artigo XX b) na aplicação da medida. Como lembrou o Órgão de apelações em várias ocasiões, é preciso dar sentido a todas as disposições do acordo da OMC. Introduzir um critério de periculosidade no exame de semelhança previsto pelo artigo III significaria ir de encon-tro a este princípio fundamental de interpretação.”11

O artigo XX b) não permite a inversão do ônus da prova para demonstrar a necessidade da medida. O estado pode pedir o direito de provar que a medida não é necessária e a outra parte deve provar, em seguida, a sua necessidade e oportunidade, mas apenas depois da primeira demonstração. Depois da apresenta-ção de provas sobre a necessidade da medida, o Órgão de Solu-ção de Controvérsias deve julgar quais são os argumentos e os dados científicos mais satisfatórios.12

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a DeSIGUalDaDe NOrte-SUl e aS reGraS PrOCeDIMeNtaIS NO âMbItO Da OMC 269

§ 2º a alínea XX g)

“g) relacionando-se a conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas são aplicadas conjuntamente com as restrições à produção ou ao consumo nacional”;

relacionando é uma expressão ampla. Sua interpretação, no entanto, não deve ser tão ampla, mas limitada, em razão do objeto e dos objetivos do acordo geral; em particular, os artigos I, III, e XI devem estar de acordo com o previsto pela Convenção de viena para a interpretação dos tratados.13 Segundo o Órgão de apelações: “ao mesmo tempo, o artigo XX g) e a parte da frase ‘relacionando a conservação dos recursos naturais esgotáveis’ de-vem ser lidos no seu contexto e de modo a dar efeito aos objetos e objetivos do acordo Geral”.14

a medida deve ter uma relação com a conservação dos recursos naturais esgotáveis. Isso não significa que esta medida tem menos impactos sobre o meio ambiente, mas que ela tem que ser útil à con-servação desses recursos. ela deve também estar inserida na margem discricionária do poder público nacional. é preciso demonstrar o nexo de causalidade entre a medida em questão e o objetivo “conservação”. a demonstração do nexo de causalidade dá legitimidade à medida.

a definição de esgotáveis também foi objeto de discussões. No caso camarões, a índia, o Paquistão e a tailândia defenderam que os únicos recursos realmente esgotáveis eram os “não-vivos”, como os minerais, por exemplo. esses países utilizavam como argumento o fato de os organismos vivos poderem se reproduzir e que, portanto, eles não eram esgotáveis. além disso, eles tam-bém evocavam as discussões anteriores à formação do artigo XX g), para praticar a hermenêutica histórica. Nas discussões para a formação do acordo geral, o artigo XX g) referia-se aos recur-sos minerais, sobretudo o manganês. O Órgão de apelações não aceitou a argumentação e a posição ambiental prevaleceu. assim, o Órgão de apelações evocou a agenda 21, a Convenção da Diversida-de biológica e outros documentos do direito internacional do meio ambiente para afirmar que os recursos biológicos são esgotáveis e

18 Wt/DS2/abr/r, p. 25 et Xt/DS58/ab/r, parágrafo 115. 19 Wt/DS58/ab/r.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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que a expressão poderia ser utilizada no seu sentido ambiental.15 a posição do Órgão de apelações merece citação:

“128. Nós não estamos convencidos com estes argumentos. Se consideramos seu texto, o artigo XX g) não se limita à conservação dos recursos naturais ‘minerais’ ou ‘não-vivos’. O principal argumento das partes autoras fundamenta--se na idéia de que os recursos naturais ‘biológicos’ são ‘renováveis’ e não podem portanto ser recursos naturais ‘esgotáveis’. Nós não acreditamos que os recursos naturais ‘esgotáveis’ e ‘renováveis’ se excluem mutuamente. a biolo-gia moderna nos ensina que as espécies vivas, ainda que se-jam em princípio capazes de se reproduzir e sejam portanto ‘renováveis’, podem, em certas circunstâncias, se tornar raras, se esgotar ou desaparecer, ainda que freqüentemen-te isso aconteça em decorrência das atividades humanas. Os recursos biológicos são, assim, tão ‘limitados’ quanto o petróleo, o minério de ferro e todos os outros recursos não--biológicos.”

a questão foi também levantada nas discussões sobre a classificação do ar como um recurso esgotável, no caso Combus-tíveis. Uma vez que os estados Unidos alegaram que o ar era um recurso esgotável e não houve nenhuma argumentação contrária do brasil e da venezuela, partes adversas, o OSC considerou-o como tal. assim, a interpretação de esgotável é a mesma utilizada no direito ambiental, que comprende tanto os bens minerais, os seres vivos ou os outros recursos indispensáveis à manutenção da vida no Planeta, quanto o ar ou a água.

a expressão “se tais medidas são aplicadas conjuntamente com restrições à produção ou ao consumo nacional” também é primordial. Não apenas uma medida equivalente deve ser aplica-da aos produtores nacionais, mas os produtores estrangeiros de- 20 Wt/DS58/ab/r, parágrafo 2, e a nota “52 Fed. reg.24244, de 29 de junho de

1987 (os “regulamentos de 1987“). Cinco espécies de tartarugas marinhas eram tratadas por estes regulamentos: a caouanne (Caretta caretta), a tarta-ruga bastarda (lepidochelys kempi), a tartaruga verde (Chelonia mydas), a tartaruga luth (Dermochelys coriacea) e a caret (eretmochelys imbricata).”

21 rUIz FabrI. H. “le règlement des différends à l’OMC. la procédure et la juris-prudence”. les Notes bleues de bercy, 2000 (186), p. 10.

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vem dispor do mesmo leque de opções oferecido aos nacionais. O que torna a medida ilícita não é apenas a ausência de uma regra equivalente no cenário nacional, mas a não-disponibilização da mesma quantidade de escolhas. essa expressão impõe “uma obri-gação de imparcialidade na imposição de restrições”.16

§ 3º O caput do artigo XX

Depois de verificar a conformidade das alíneas do artigo XX, é preciso verificar seu caput. O artigo XX do acordo geral anuncia que:

“artigo XX – exceções gerais. Sob reserva que estas me-didas não sejam aplicadas de modo a constituir seja um meio de discriminação arbitrário ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem, seja uma restri-ção desfarçada ao comércio internacional, nenhum ponto do presente acordo será interpretado como impedindo a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante das medidas (…)

O texto é ambíguo. De fato, três condições devem se reunir, e estas três análises são realizadas de modo paralelo, o que quer dizer que as três têm uma relação estreita entre si.17 elas estão também inseridas na análise sistêmica do acordo geral, consi-derando os princípios da “nação mais favorecida” e, sobretudo, o “tratamento nacional”. esta análise sistêmica deve observar sobretudo o caráter abusivo, o qual é determinado em relação às exceções previstas no artigo XX, e não se referir ao conjunto de acordos propriamente dito. Se o abuso fosse analisado de acordo com o conjunto de acordos, seria difícil de se concluir favorável a qualquer das exceções previstas. em outras palavras, autorizam--se exceções às regras do comércio internacional e verifica-se se o estado utiliza essas exceções para chegar aos objetivos previstos pelas mesmas ou para maquiar uma barreira ao comércio interna-cional. a análise fundamenta-se, então, em:

a) uma “discriminação arbitrária” (entre os países onde as mesmas condições existem);

b) uma “discriminação injustificável” (entre dois países onde

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as mesmas condições existem); ec) uma “restrição disfarçada ao comércio internacional”.

a comparação entre os países considera tanto os países exportadores quanto os importadores. é importante saber se as mesmas condições existem, se quisermos evitar anular as vanta-gens naturais de certos países. Por exemplo: se um estado exige dos seus nacionais a utilização de um filtro para evitar a poluição por calcário, em razão do excesso de calcário na água do seu país, não seria justo que este estado exigisse de outros países, que não têm o mesmo problema de excesso de calcário na água, adotar os mesmos equipamentos. a ausência de calcário na água é uma vantagem natural que não pode ser suprimida pelas normas co-merciais. O caso Combustíveis, que opunha os estados Unidos ao brasil e à venezuela, sobre a proteção do ar, é um exemplo. Os estados Unidos tinham promulgado uma legislação, pela qual as indústrias nacionais estavam obrigadas a reduzir o nível de po-luição causado pela gasolina, de modo a levar o nível aos índices de 1990. as indústrias estrangeiras eram submetidas às mesmas regras. Não havia especificidades, como os diferentes índices atri-22 a posição do Órgão de apelações para justificar a posição adotada é interes-

sante: “185. enquanto formulamos estas conclusões, temos que insistir o que nós não

decidimos nesta apelação. Nós não decidimos que a proteção e a preser-vação do meio ambiente não têm importância para os Membros da OMC. é evidente que elas têm. Nós não decidimos que as nações soberanas que são Membros da OMC não podem adotar medidas eficazes para proteger as espécies ameaçadas, a exemplo das tartarugas marinhas. é evidente que ela pode e deve.

e nós não decidimos que os estados soberanos não deveriam agir em coo-peração nos planos bilateral, plurilateral ou multilateral, seja no âmbito da OMC, seja no âmbito de outras organizações internacionais, para proteger as espécies ameaçadas ou uma outra forma o meio ambiente. é evidente que eles devem e que o fazem.

186. O que nós decidimos nesta apelação é simplesmente isto: ainda que a medida tomada pelos estados Unidos, que foi objeto desta apelação, sirva a um objetivo ambiental reconhecido legitimamente em razão do parágra-fo g) do artigo XX do Gatt de 1994, ela foi aplicada pelos estados Unidos de forma a constituir uma discriminação arbitrária e injustificável entre os membros da OMC, o que é contrário às prescrições do texto introdutório do artigo XX.”

23 ver HOWSe, r. “the turtles painel. another environmental disaster in Gene-va.” Journal of World trade, 1998, 38(5).

24 HOWSe. “the turtles painel. another environmental disaster in Geneva.”, op. cit., p. 98-99.

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buídos às grandes cidades ou regiões, ou os instrumentos de base utilizados para o controle da indústria nacional, enquanto esses instrumentos não estavam disponíveis na indústria estrangeira, mas, a grosso modo, a questão-chave, evidenciada pelo Órgão de apelações, era que as indústrias norte-americanas dispunham de três opções para estarem de acordo com a legislação, enquanto as indústrias estrangeiras tinham apenas uma opção.

O ar foi classificado como um recurso esgotável. a primeira análise foi, portanto, positiva. esta medida era também necessá-ria, porque o nexo causal entre a produção da gasolina menos poluente e uma melhor qualidade do ar estava bem-demonstrado. Contudo, mesmo assim a medida foi considerada discriminatória, porque as indústrias estrangeiras não dispunham das mesmas opções ou ao menos de opções equivalentes àquelas acordadas às indústrias nacionais. Os estados Unidos argumentavam que não era possível conceder as mesmas opções aos estrangeiros, em vir-tude da inexistência de instrumentos de controle no caso concreto, o que não foi considerado como suficiente pelo OSC. Segundo o OSC, os estados Unidos tinham a obrigação de encontrar com os outros países exportadores uma solução negociada e dar escolhas equivalentes às indústrias estrangeiras.

a análise da ilegalidade da medida não está na hierarqui-zação comércio/meio ambiente ou na recusa em considerar o meio ambiente um bem juridicamente protegido. ela apóia-se, de fato, na ausência de iniciativas para permitir às indústrias do país em desenvolvimento se adaptar às novas regras ambientais. esta ausência de negociações e disponibilização de escolhas pelos estados Unidos foi considerada uma restrição unilateral, com o objetivo de favorecer suas próprias indústrias, utilizando o meio ambiente como desculpa.

a verificação do caráter arbitrário de uma medida é feita sobretudo a partir da análise do modo como esta medida é apli-cada, e não da análise da medida em si.18 Procede-se da mesma forma para a verificação da justificativa. a solução é encontrada na pesquisa de um equilíbrio: o direito, para um país, de adotar uma medida de restrição comercial fundamentada em um dos

25 HOWSe. “the turtles painel. another environmental disaster in Geneva.”, op. cit., p. 96.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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parágrafos do artigo XX versus o seu dever de liberação comer-cial, tal como previsto pelos artigos XI:1 ou III, por exemplo.

a aplicação de uma medida não pode também ter por con-seqüência a obrigação de mudar a legislação nacional. ela não deve ter um caráter extrajurisdicional, mas pode ter um caráter extraterritorial. a lei do país pode, assim, prever os processos de produção aplicados pelos seus nacionais em outros territórios, ainda que em áreas internacionais, como no caso da pesca em alto mar, mas estas mesmas leis não podem atingir as empresas estrangeiras praticando as memas atividades.

é preciso também que a medida seja negociada entre as partes. Não há um período máximo ou mínimo previsto para essas negociações, mas é preciso iniciativas concretas de negociações bilaterais. essas devem considerar os objetivos do acordo geral, dentre os quais a promoção do desenvolvimento sustentável é extremamente importante. São necessárias negociações bilate-rais ou multilaterais, especialmente quando o conflito envolve um país desenvolvido contra um em desenvolvimento. Neste caso, os países desenvolvidos devem conceder ajuda aos países em de-senvolvimento para que estes possam ter as condições e o tempo necessários para a implementação de processos com impactos negativos sobre o meio ambiente, como também a fabricação de produtos menos nocivos à natureza. a medida restritiva somente será lícita se houver negociações nesse sentido. O caso estados Unidos – proibição da importação de certos camarões e produtos a base de camarão,19 que opunha os estados Unidos à índia, ao Paquistão, à tailândia e à Malásia, é um exemplo representativo da posição do OSC. a grosso modo, os estados Unidos impuseram, tanto aos pescadores americanos quanto aos estrangeiros, a utilização de mecanismos de pesca para diminuir a captura de tartarugas marinhas, durante a pesca aos camarões. a indústria americana foi submetida, dois anos antes, às mesmas regras das indústrias estrangeiras. O navios pesqueiros eram obrigados a utilizar um dispositivo que permitia que as tartarugas marinhas

26 Sobre a posição dos estados Unidos e a decisão da OMC favorável à nego-ciação, ver: SaNDS, P. “International law in field of sustainable development.” british Year book of International law, 1994, p. 380-381 e SaNDS, P. enforcing environmental security. In: Sands, P. Greening international law. london, earthscan, 1993, p. 61-62.

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escapassem, aprovado pelo governo americano, ou a reduzir o tempo de espera nas zonas onde a mortandade de tartarugas era elevada.20

as tartarugas foram consideradas um recurso esgotável. a decisão é rica em citações de textos ambientais, como a Conven-ção da Diversidade biológica, a agenda 21, a Convenção Inter-nacional sobre o Comércio de espécies ameaçadas de extinção (CIteS), entre outras referências importantes. O nexo de causali-dade entre as medidas e a redução da mortalidade de espécies também foi bem-demonstrado. as mesmas medidas foram im-postas aos nacionais e aos estrangeiros. Desta vez, a situação fáti-ca enquadrava-se perfeitamente na análise da alínea g). Portanto, o Órgão de apelações considerou a medida inserida na alínea g) do artigo XX.

existiam dois problemas. em primeiro lugar, a certificação era feita por país e não por barco ou empresa de pesca. Mesmo se alguns pescadores utilizavam os instrumentos de pesca exigidos pelas au-toridades norte-americanas, nas águas de um país não-certificado, a importação do seus produtos era proibida nos estados Unidos. O ideal teria sido a criação de uma certificação por pescador, mas isso não era uma medida considerada possível pelas autoridades americanas. além do mais, os estados Unidos tentaram erigir uma legislação visan-do a impor a particulares de um outro país a adoção de suas próprias normas, para atingir um objetivo dos estados Unidos, sem considerar as condições locais, existentes nos territórios dos outros membros, como, por exemplo, a própria existência de tartarugas marinhas nas águas do país em questão, ou as possibilidades financeiras dos pesca-dores dos países em desenvolvimento para adquirir os equipamen-tos exigidos. a medida apresentava-se, então, como discriminatória e ilegal, por sua extraterritorialidade.

Na análise do caput do artigo XX, o Órgão de apelações considerou que os estados Unidos tinham agido de modo injusti-ficável, uma vez que não haviam negociado suficientemente com os países em desenvolvimento outras alternativas possíveis,21

como a implementação de programas de cooperação ajudando os países em desenvolvimento a dar aos seus pescadores condi- 27 rObert. “l’affaire des normes américaines relatives a l’essence. le premier

différend commercial environnmental à l’épreuve de la nouvelle procédure de réglement des différends de l’OMC.”, op. cit., p. 108.

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ções de aquisição dos instrumentos exigidos. De acordo com o Órgão de apelações: “a situação que resulta do caso é difícil de conciliar com o objetivo declarado da proteção e de conserva-ção das tartarugas marinhas”.

Interessa ressaltar que o OSC utilizou contra os estados Uni-dos o fato de ele não haver ratificado várias convenções multilate-rais ambientais, que poderiam ter contribuído para justificar suas medidas. a crítica do OrD parece ser uma conseqüência da co-mum atitude americana no direito internacional ambiental: par-ticipar ativamente das negociações internacionais sobre o meio ambiente, mas se negar a ratificar o texto que eles contribuem para influenciar. Citemos o Órgão de apelações neste ponto:

“nota 174. Os estados Unidos são parte da CIteS, mas não tentaram, junto ao seu Comitê permanente, apresentar a questão da mortandade das tartarugas marinhas devido à pesca de camarões como um problema que merecia uma ação conjunta dos estados. Neste contexto, notamos, por exemplo, que eles não assinaram a Convenção sobre as espécies migratórias pertencentes à fauna selvagem, nem a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, e não ratificaram a Convenção sobre a diversidade biológica”.

a medida poderia ser considerada legal, se os estados Uni-dos tivessem analisado as condições específicas de cada país, se eles tivessem negociado mecanismos de cooperação com estes países para tornar possível a adoção de medidas para os pescadores deles, como a lei americana autorizava o Secretário de estado a fazer. Finalmente, o Órgão de apelações baseou sua condenação na proteção do desenvolvimento sustentável, e o fez citando a Convenção sobre a Diversidade biológica (art. 5), a agenda 21 (parágrafo 2.22), a Declaração sobre o Comércio e o Meio ambiente (princípio 12) e a Convenção sobre a Conservação das espécies Migratórias Pertencentes à Fauna Selvagem, conven-ções que condenam expressamente toda ação unilateral visando a resolver grandes problemas ecológicos além das suas fronteiras. as convenções ambientais que os estados Unidos não ratificaram foram utilizadas para justificar a recusa em legitimar a medida americana, que supostamente devia proteger o meio ambiente, considerando que a ação foi unilateral.22

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Certos autores23 discordam da posição do Órgão de ape-lações. Na verdade, a legislação americana previa uma fase de negociações, mas programada para acontecer antes da imple-mentação das medidas de retorsão. Os estados Unidos declara-vam ter tomado a iniciativa de negociar e que as outras partes tinham se recusado. O modo americano de negociar, aceito por uma parte dos juristas,24 é muito particular e consiste em convidar os outros estados a adotar as medidas de proteção ambiental esco-lhidas pela legislação americana e, se estes não as adotam em um período de tempo determinado, as medidas de retorsão econô-mica entram em vigor. é a concessão deste prazo e a possibilidade de disponibilização de instru mentos de ajuda econômica no caso em que um ou outro estado cederia que consistiu a negociação no caso concreto, de acordo com a norma americana. é verda-de que nem as convenções ambientais citadas, nem os acordos econômicos internacionais designam um meio predeterminado de negociação. O princípio 12 da Convenção do rio não proíbe a adoção de medidas unilaterias de proteção da natureza, mas os acordos internacionais pressupõem a adoção de regras sérias de negociação.25 a simples ameaça de utilizar o poder econômico e político, em vez de acionar a estrutura diplomática e os outros instrumentos de negociação possíveis para a resolução do pro-blema, não pode ser considerada o meio mais adequado de nego-ciação. este foi, ao menos, o pensamento do Órgão de apelações, sendo, portanto, apropriado.

Muito embora a vitória dos países do Sul e a definição do OSC em favor de uma norma mais voltada para o desenvolvimen-to sustentável, em 2001, na terceira decisão do processo, a deci-são americana foi considerada válida, em virtude das negociações iniciadas pelos estados Unidos, mas que não tiveram êxito. Neste caso, o OSC considera, portanto, um limite para as negociações, sem entrar em detalhes sobre como a mesma foi realizada. esta inovação, aplaudida pelos ambientalistas americanos que critica-ram a decisão inicial, foi muito questionada pelos autores favorá- 28 ver loi générale n. 101-162 (16 Code des états-Unis (USC) parágrafo 1537,

artigo 609. 29 Cte. Dispositions des accords de l’OMC et des accords environnementaux

multilatéraux relatives au respect des obligations et au règlement des diffé-rends. Genève, OMC, 2001, p. 7.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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Da OrGaNIzaçãO MUNDIal DO COMérCIO

veis aos países em desenvolvimento.

* * *

a análise apresentada é uma das principais singularidades de interpretação dada pelo Órgão de apelações: a hierarquia imposta pela interpretação do Órgão de apelações da OMC ao artigo XX do acordo geral não é de forma alguma a simples hierarquia co-mércio/ambiente, como denunciam muitas ONGs; o que existe é uma hierarquia desenvolvimento sustentável/meio ambiente. assim, não se trata de uma hierarquia negativa, mas de uma hie-rarquia positiva orientada não apenas para a proteção da natureza, mas também para a cooperação internacional e a consideração da necessidade de desenvolvimento, o que contribui para a diminui-ção da pobreza, que é uma das causas da destruição da natureza. a classificação de uma medida como protetora do meio ambiente tem, então, relação estreita com o princípio da cooperação inter-nacional para o desenvolvimento e, ainda que não haja iniciativas de negociações e de cooperação, não podemos afirmar que a medida seja para a defesa do meio ambiente, e não uma simples restrição maqueada ao comércio internacional.

No entanto, se considerarmos legítimas as medidas unila-terais de proteção do meio ambiente, que têm como conseqüên-cia a destruição das indústrias dos países em desenvolvimento e o aumento da pobreza, podemos diminuir os prejuízos sofridos por duas ou três espécies em dada região, graças à ação in con-creto, mas provocaremos o aumento da pobreza e, portanto, uma

30 laNG, W. “les mesures commerciales au service de la protection de l’environnement.” revue Générale de Droit International Public, 1995, 99(3), p. 555.

31 Cte. Dispositions des accords de l’OMC et des accords environnementaux multilatéraux relatives au respect des obligations et au règlement des diffé-rends, p. 12.

32 atualmente, os objetos destas duas últimas convenções são tratados pela CIteS, que prevê também sanções comerciais.

33 ver artigo v. 34 entrou em vigor em 17 de maio de 1991. 35 ver artigo 3(2).

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destruição mais importante do meio ambiente como um todo. Os interesses econômicos dos países em vias de desenvolvimento fundem-se com os interesses do direito comercial internacional. a questão, então, consiste em saber se a obrigação prévia de avaliar as negociações é um pretexto destinado a assegurar a suprema-cia do comércio sobre o meio ambiente, ou se ela serve efetiva-mente, a longo prazo, para a preservação dos recursos naturais.

Nas decisões sobre a defesa do meio ambiente, o Órgão de ape-lações agiu de forma coerente, não defendendo uma visão a curto pra-zo, e sim a longo prazo, característica do conceito de desenvolvimento sustentável. No caso Combustíveis, a medida foi considerada ilícita, discriminatória, destinada a favorecer a indústria nacional. No caso camarões, a medida foi entendida como importante para a conservação da natureza, mas o modo como ela foi implemen-tada foi considerado discriminatório e injustificável, sobretudo porque os estados Unidos não negociaram com os países em desenvolvimento um método concreto para a conservação dos recursos naturais e um programa de colaboração que fornecesse aos pescadores estrangeiros as condições de aquisição de ins-trumentos de pesca mais apropriados à proteção das tartarugas marinhas. essas decisões mostram que o Órgão de Solução de Controvérsias agiu de acordo com as normas do direito interna-cional ambiental.

No âmbito do desenvolvimento sustentável, as medidas unilaterais não são mais consideradas legítimas, mesmo que tenham por objetivo conduzir a uma política ambiental. antes, no sistema do Gatt, era mais fácil tomar a iniciativa de sanções sem negociações preliminares, como vimos no processo atum26 e Madeiras tropicais; iniciativa reservada sobretudo aos países mais potentes, entre os quais o exemplo mais representativo são

36 MalJeaN-DUbOIS, S. “biodiversité, biotechnologies, biosécurité: le droit international désarticulé”. Journal du droit international, 2000, 127(4), p. 976.

37 ver anexo 1. 38 artigo 4 (5). 39 P. Sands cita também outros textos, como a Convenção Internacional sobre

a Pesca da baleia e a Convenção sobre o Direito do Mar. SaNDS, P. “Interna-tional law in field of sustainable development.” british Year book of Interna-tional law, 1994, p. 306-307.

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os estados Unidos. Um processo mais longo de negociações é ne-cessário hoje, para convencer os países exportadores a considerar certos procedimentos de fabricação ou produtos. é preciso seguir os procedimentos da OMC, como os de notificação, informação e consultação, assim como outros previstos em cada acordo especí-fico.

Muito embora a posição de certos autores,27 que conside-ram o meio ambiente uma exceção no artigo XX, há uma interpre-tação restritiva; é preciso considerar que a inversão realizada pelo Órgão de apelações, do método de interpretação, é suficiente para colocar o meio ambiente no primeiro plano de análise. O que existe de ruim é a possibilidade de incoerência entre os acordos ambientais e os acordos comerciais; neste caso de conflitos de ramos do jurídico, será certamente o direito mais eficaz, no caso, o direito econômico, que será o direito aplicável, exceto se a OMC considerar que o direito ambiental é um direito de aplicação pre-ferencial em casos ambientais.

Seção II – O conflito entre as regras da OMC e o direito internacio-nal do meio ambiente

Certos acordos ambientais têm disposições jurídicas contrá-rias às normas comerciais da Organização Mundial do Comércio, principalmente em razão da autonomia de produção jurídica das diferentes fontes do direito internacional ambiental e do direito internacional econômico. No caso de conflito entre as normas comerciais e as ambientais, a eficácia das primeiras mostra a sua predominância, como visto nos outros capítulos deste livro.

Certos acordos multilaterais de proteção da natureza são contrários às normas da Organização Mundial do Comércio. em primeiro lugar, constatamos uma importante diferença de lógica: a OMC faz sempre uma análise mais legalista, coercitiva, com prazos rígidos, prevendo sanções econômicas, enquanto as normas ambientais têm uma análise voltada quase que exclusi-vamente para a negociação, a não-coerção em geral, a previsão de negociação de prazos para o cumprimento das obrigações e a inexistência de sanções comerciais. No entanto, além das diferen-ças de lógicas, encontramos, às vezes, verdadeiras contradições

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jurídicas.

as regras em conflito são de quatro tipos: as exceções pre-vistas para certos produtos, a proibição de utilizar determinados processos de fabricação, a possibilidade de retorsões unilaterais, sem a previsão de negociação ou com negociações insuficientes, à luz do direito internacional econômico, e a escolha do órgão competente para a solução de controvérsias.

assim, é preciso, em um primeiro momento, identificar al-guns tratados ambientais contrários à OMC e a ilustração de possí-veis conflitos, para, em seguida, demonstrar como a OMC os integra e como as normas comerciais preponderam sobre as normas ambientais.

Subseção I – Os tratados ambientais contrários à OMC

entre os tratados ambientais susceptíveis de contradizer as re-gras da OMC podemos citar a CIteS; a Convenção de basiléia sobre o controle de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação; e o protocolo de Montreal sobre as substâncias que empobrecem a camada de ozônio. No tocante aos instrumen-tos de solução de controvérsias, podemos citar vários acordos internacionais, inclusive a Convenção da Diversidade biológica, que coloca a solução de controvérsias a cargo da Corte Internacio-nal de Justiça, em última instância. assim, várias contradições são possíveis:

– a extraterritorialidade das medidas ou sua aplicação a estados não-contratantes de acordos ou não-membros da OMC, permitida em certos acordos ambientais, mas proi-bidos pela OMC.

– a designação de certos produtos não-comerciais ou a proibição de certos métodos de produção, permitida por certos acordos ambientais, mas proibido pela OMC.

– a diferenciação de produtos quimicamente equivalen-tes, em virtude do princípio da precaução, previsto por

40 artigo 3.2 e 19.2 do DSU.

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certos acordos ambientais, mas debatido no âmbito da OMC.

– a obrigação de cooperar antes da implementação de qual-quer medida de sanção.

– a escolha da entidade responsável para a solução de controvérsias.

O conflito com as normas do direito internacional econômi-co não é uma singularidade do direito internacional ambiental, ele atinge também as normas nacionais de proteção da natureza. a partir do momento em que certos estados se metem a querer assegurar a extraterritorialidade de suas normas, o seu direito interno pode também entrar em conflito com o direito internacio-nal econômico. a extraterritorialidade pode, de fato, ser invocada para o controle das atividades praticadas nas regiões comuns, como em alto mar, ou mesmo no território de um outro estado. Neste caso, a importação de produtos originários dessas regiões pode sofrer prejuízo. Os estados Unidos, por exemplo, têm estes dois tipos de normas, como demonstramos na análise dos casos Camarões e atum.28

O direito ambiental pode proibir certos produtos e métodos de produção, como no caso de uma espécie ameaçada de extinção. a CIteS prevê, assim, condições estritas regulamentando a expor-tação ou importação dessas espécies, subordinando seu comércio a uma série de exigências que normalmente são contrárias à li-berdade comercial. O comércio dessas espécies exige estudos de impacto, condições especiais de transporte, parecer de técnicos e utilização do princípio da precaução. as partes são incitadas a tomar medidas de retorsão contra os estados que não estão de acordo com as normas da convenção, como, por exemplo, o confisco das espécies comercializadas. Nos últimos 15 anos, o Comitê da CIteS re-comendou de forma não-obrigatória a suspensão do comércio com el Salvador, Itália, Grécia, Granada, Guiana, Senegal e tailândia. ele também determinou que controles rigorosos fossem feitos para as exportações da bolívia.29

O protocolo de Montreal exige também que as partes contratantes tentem impedir todo comércio de substâncias

41 Wt/DS58/ab/r, paragrafos 130 e 132.

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controladas por seus anexos, ainda que esses produtos ve-nham de um estado que não é parte do tratado.30 Os estados são, assim, encorajados a tomar medidas para impedir o comércio dessas substâncias e para fornecer a tecnologia necessária para a sua fabricação a estados que não são signatários. Certos estados já foram alvo dessas sanções comerciais, como a rússia e a Ucrâ-nia.31 Outras convenções também prevêem sanções comerciais, como a Convenção sobre a Proteção da Natureza e a Preservação da vida Selvagem no Hemisfério Ocidental, de 1940, a Convenção sobre a Proteção dos Passáros, de 1950,32 o acordo sobre os Ursos Polares, de 1973, a Convenção sobre a Conservação do Pacífico Norte e a Convenção sobre a Proteção das Peles de Focas, de 1976.

a Convenção sobre a Proteção dos Ursos Polares, de 1973, proíbe qualquer comercialização de ursos polares, ou de parte ou de um produto obtido com a violação das disposições da Con-venção,33 não importando se o país faz ou não parte da conven-ção. a captura dos ursos somente pode ocorrer quando houver uma causa legítima, como a pesquisa científica, a conservação, a prevenção contra a destruição do meio ambiente ou a captura tradicional, realizada por populações autóctones.

a Convenção sobre a Proibição da Pesca com redes de Gran-de Imersão no Pacífico Sul, de 1989,34 autoriza os estados-partes a proibir a importação de pescados com a utilização dessas re-des. ela impõe um método de pesca a todos os países, inclusive àqueles que não são contratantes da convenção, sem prever um prazo de negociação mínimo ou de diferenças entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos.35

42 r. Hudec afirma que a utilização de outros textos internacionais é rara no sistema de solução de controvérsias. Os estados não utilizam estes sistemas e nenhuma solução dada a um caso foi alterada em razão de uma norma internacional ter sido invocada. ver HUDeC, r. e. the relationship of inter-national environmental law to international economic law. In: Wolfrum. International, regional and national environmental law. the Hague: london, boston, Kluwer law International, 2000, p. 152.

43 Outras normas do direito internacional ambiental seguem esta mesma lógi-ca. a Convenção do Direito do Mar, de 1982, prevê nos seus artigos 288 (1) e 293 (1) que, em caso de conflitos, não se pode considerar outras normas do direito internacional, mas apenas aquelas que não são contrárias ao texto desta Convenção.

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a fixação de critérios sobre os processos de produção nos tratados ambientais é também um elemento corriqueiro.36 a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Pe-tróleo37 estabelece critérios para a fabricação de compartimentos de estocagem de petróleo, com outros dispositivos específicos para o transporte, a fim de evitar acidentes. todas as partes são obrigadas a seguir esses parâmetros de estocagem e, para que isso seja cumprido, prevê-se um controle público dos transportadores.

a Convenção de basiléia38 sobre o Controle do transporte de resíduos Perigosos e sua eliminação proíbe a exportação desses resíduos a outros estados que não fazem parte da Conven-ção. ela define as condições de transporte, com a colocação de etiquetas, e imposição de restrições comerciais aos estados que não dispõem de recursos técnicos ou instalações que permitam garantir uma margem de segurança necessária para a implemen-tação da convenção internacional.

as convenções citadas39 prevêem também sanções uni-laterais, a exemplo da restrição comercial contra um país que não faz parte da convenção, como é o caso da Convenção da basiléia. Isso pode ser considerado contrário às normas da OMC. Outros acordos internacionais preferem estabelecer regras de negociação, a serem desenvolvidas antes da aplicação de san-ções unilaterais, como o fazia a Convenção sobre a conservação de recursos halieuticos em alto mar, de 1958, que foi substituída, posteriormente, pela Convenção sobre o direito do mar, de 1982. No antigo texto, os estados eram encorajados a negociar a im-plementação de instrumentos de pesca sustentáveis. Se as ne-gociações falhassem em seis meses, os estados deviam tomar medidas unilaterais de retorsão, para tornar a Convenção eficaz. essa modalidade de previsão legal poderia ser interpretada tam-bém contrária às normas da OMC, na medida em que seis meses de negociação são considerados suficientes, e não se levam em conta outros instrumentos, como a ajuda técnica, econômica, ou mesmo uma negociação mais longa ou com mais dedicação em situações particulares.

Finalmente, a divergência no tocante ao fórum de resolução 44 Wt/DS26/ab/r e Wt/DS48/ab/r. 45 Wt/DS56/r.

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de conflitos, que pode ser estabelecido quando o acordo am-biental prevê um mecanismo ou uma instituição para solucionar um conflito, enquanto a OMC dispõe do seu Órgão de Solução de Controvérsias. Um exemplo potencial de conflito esperado há algum tempo é a proibição do comércio dos organismos geneti-camente modificados. O artigo 34 do Protocolo de Cartagena fixa que o procedimento e os mecanismos de solução de controvérsia são os previstos pelo artigo 27 da Convenção sobre a diversidade biológica. este artigo estabelece que, em última instância, a Cor-te Internacional de Justiça será competente para julgar um caso sobre comércio de organismos geneticamente modificados. O mesmo é feito pela Convenção da basiléia sobre o Controle de Movimentos transfronteiriços de resíduos Perigosos e de sua eli-minação, a Convenção sobre as Mudanças Climáticas, a Conven-ção de roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio aplicável a certos Produtos Químicos e Pestici das Perigosos que são alvo de Comércio Internacional e a Convenção de Montego bay, sobre o Direito do Mar. Na medida em que se trata do comér-cio, é possível que se evoque também a competência da Organi-zação Mundial do Comércio para julgar o mesmo caso. O recurso à Corte Internacional de Justiça não é um elemento comum dos diferentes tratados ambientais, mas as convenções internacionais propõem mecanismos de solução de controvérsias na sua própria estrutura, ligados aos seus Secretariados.

* * *

as disposições são manifestamente contraditórias. a solução encontrada para a divergência entre uma norma do direito inter-nacional econômico e uma norma de direito internacional do meio 46 bartelS, l. “applicable law in WtO dispute settlement proceedings.” Journal

of World trade, 2001, 35(3). 47 SaNDS, P. Sustainable development: treaty, custom and the cross-fertiliza-

tion of international law. In: alan boyle. International law and sustainable development. Past achievements and future challenges. Oxford, New York, New Delhi: Oxford University, 1999, p. 58-59. laNG. “les mesures commerciales au service de la protection de l’environnement.”, p. 555 et ss. SaMPSON, G. P. , CHaMberS, W. b., eds. trade, environment, and the Millennium. Hong Kong: United Nations University, 1999. aNSarI, a. H.

O trataMeNtO DO MeIO aMbIeNte Pela OMC

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ambiente vai ser encontrada pelo exame do conflito pelo operador jurídico responsável pela sua solução e a determinação da norma válida, à luz dos tratados internacionais. a outra saída consiste em considerar válida apenas uma norma e ignorar a aplicação da nor-ma contraditória.

Subseção II – Preponderância das normas comerciais sobre as normas ambientais

Duas soluções podem ser dadas a uma situação de conflito de normas: a pesquisa de meio de coerência ou, ao contrário, a utilização de normas específicas pela instituição que julga o caso, ingnorando as outras normas internacionais divergentes. a pri-meira solução busca considerar o direito internacional como um sistema de normas, a segunda é favorável à desintegração deste sistema e à acumulação de divergências. as duas soluções já foram adotadas pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC.

1) a integração dos tratados ambientais no sistema da OMC não é sempre um empreendimento fácil. Diferentes regras de hermenêutica poderiam ser mobilizadas. a Convenção de viena de 1969, sobre o direito dos tratados, constantemente utilizada pelo OSC, fixa várias regras para a solução de conflitos, nos seus artigos 30 e seguintes. assim, se um tratado é posterior a outro e se os estados em conflito ratificaram ambos os tratados, o tratado posterior é aplicável em toda regra que contraria o tratado anterior. em segundo lugar, as normas específicas devem ser consideradas superiores às normas gerais. trata-se das mesmas regras de inter-pretação utilizadas pelo direito interno e pelo direito costumeiro internacional, como reafirma o artigo 3.2 do DSU. a interpretação dos acordos não pode aumentar nem diminuir os direitos ou as obrigações das partes.40

“3.2 – O sistema de resolução de litígios da OMC é um ele-

“Free trade law and environmental law: congruity or conflict?” Indian journal of international law, 2001, 41(1).

48 Dados de novembro de 2001. 49 “b) necessários à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais ou

da preservação dos vegetais;”

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mento fulcral de garantia da segurança e previsibilidade do sistema multilateral de comércio. Os Membros reconhecem que o mesmo permite preservar os direitos e obrigações dos Membros previstos nos acordos abrangidos e esclare-cer as disposições desses acordos em conformidade com as normas de interpretação do direito público internacional. as recomendações e decisões do OSC não podem aumentar ou diminuir os direitos e obrigações previstos nos acordos abrangidos.”

em primeiro lugar, é preciso considerar qual é a norma específica e qual é a norma geral em um conflito que abrange tanto o comércio quanto o meio ambiente. Se as duas normas são gerais, as normas da OMC podem ser consideradas mais específi-cas, considerando que elas tratam de comércio internacional, em uma situação em que há um conflito comercial, julgado por uma organização também de caráter predominantemente comercial. a outra interpretação, favorável ao meio ambiente, poderia ser, do mesmo modo, apropriada.

Uma situação diferente apresenta-se quando a norma ambien tal prevê a atividade comercial. Neste caso, a norma de proteção da natureza é, sem dúvida, a mais específica. Os exem-plos da CIteS, da Convenção da basiléia e do Protocolo de Mon-treal são ilustrativos.

a solução mais interessante consiste, no entanto, em en-contrar um meio de integração das normas ambientais com as normas comerciais, partindo do princípio de que não há conflito, mas apenas uma intepretação mais difícil, que deve ser ajustada.

O OSC utiliza, em geral, a Convenção de viena e visa a in-

50 “a rotulagem dos organismos vivos modificados destinados a serem utili-zados diretamente para a alimentação humana ou animal, ou destinados a serem transformados, deve indicar claramente que eles ‘podem conter’ organismos vivos modificados e que eles não são destinados a serem intro-duzidos intencionalmente no ambiente, e indicar igualmente os dados de correspondência para contato para qualquer informação complementar”.

51 zeDalIS, r. J. “labeling of genetically modified foods. the limits of Gatt rules.” Journal of World trade, 2001, 35(2), p. 303. et MalJea-DUbOIS, S. “bio-diversité, biotechnologies, biosécurité: le droit international désarticulé.” Journal du droit international, 2000, 127(4), p. 978.

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tegrar o direito internacional econômico às outras normas do direito internacional público. a utilização de princípios gerais de direito internacional e do direito costumeiro prevalecem na maior parte do tempo, mas as outras normas internacionais são utilizadas como um referencial necessário para a interpretação das normas da OMC. as normas ambientais foram, assim, úteis para a definição das categorias utilizadas: a interpretação da noção de recurso natural foi amplamente baseada no direito ambiental, no processo Camarões, com referência à agenda 21, à CIteS e à Convenção da Diversidade biológica.41 Isso também ocorreu na determinação da negociação entre as partes, prevista pelas convenções ambientais, o que foi igualmente determinante no processo Camarões.

em caso de conflito, considerar o direito internacional como um sistema coerente de normas obrigaria à implementação de regras de interpretação propostas pela Convenção de viena. Nas situações citadas, as normas da CIteS, da Convenção da basiléia e do Protocolo de Montreal deveriam ser aplicadas, porque são normas mais específicas que as da Organização Mundial do Co-mércio.

2) a outra situação consistiria em ignorar a existência de normas em conflito e utilizar apenas no julgamento do caso concreto as normas do ramo do direito que mais se referem à jurisdição escolhida entre as partes. Neste caso, o direito interna-cional é entendido como um conjunto de ramos independentes, pouco racionalizado. este tipo de conflito entre ramos jurídicos teria como conseqüência a emergência de um ramo em detrimento de outros. Haveria então um direito internacional “mais aplicável” que os outros. No caso de um conflito entre o direito internacional eco-nômico e o direito internacional do meio ambiente, o primeiro teria certamente mais vantagens, em razão dos seus mecanismos de im-plementação pela cogência e do engajamento dos estados perante a Organização Mundial do Comércio.

O direito internacional econômico permite essa possibi- 52 No entanto, os maiores exportadores de OGMs do mundo, os estados

Unidos, não ratificaram a Convenção da Diversidade biológica e, por conse-guinte, não estão entre os signatários do Protocolo de biossegurança. Neste caso, não pode existir uma solução em favor dos consumidores.

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lidade, pois os textos da OMC possibilitam essa interpretação isolacionista. trata-se de um sistema que, em virtude da legitimi-dade adquirida, se permite ser um sistema fechado. é apenas com interpretação de cada caso concreto, pelo OSC, que se vai conferir a cada situação um nível de abertura e integração ao direito inter-nacional.42

a não-vinculação da OMC a um tribunal superior e a inexis-tência de um tribunal superior a todos os tribunais é também um elemento que contribui para a fragmentação do direito interna-cional. a Corte Internacional de Justiça não é, portanto, superior ao OSC da OMC. essas duas instâncias de resolução de conflitos podem ter competência sobre os mesmos casos, mas não há ins-trumentos de resolução para um conflito de competências como existe no direito interno dos estados. No caso em que a aplicação de uma norma econômica se faz em detrimento de uma norma ambiental, quando o litígio ocorre na OMC, não há recurso pos-sível.43

assim, o OSC não é obrigado a considerar uma norma quan-do ele a julga desnecessária, como também ele pode considerar uma norma internacional ou doméstica aplicável ao caso con-creto, ainda que não evocada pelas partes, mas que ele considera poder contribuir para a solução do caso. esta liberdade de ação do OSC foi afirmada em várias ocasiões:

“Os grupos especiais não podem examinar as alegações jurídicas que ultrapassam o âmbito do seu mandato. No entanto, nenhuma disposição do Memorando de enten-dimento restringe a faculdade de um Grupo especial uti-lizar livremente os argumentos apresentados por uma ou outra parte, ou de desenvolver sua própria argumentação jurídica – para formular suas constatações e conclusões sobre uma questão examinada. Um Grupo especial pode-ria muito bem não estar em condições de proceder uma avaliação objetiva da questão, como exige o artigo 11 do Memorando de entendimento, se ele devesse limitar sua argumentação apenas aos argumentos apresentados pelas partes a controvérsia”.44

Isso é válido também para as consultas de outras organi-zações internacionais, a pedido de uma das partes. No caso ar-

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gentina – medidas que afetam a importação de calçados, têxteis, roupas e outros artigos,45 o Grupo especial reafirmou sua inde-pendência em relação ao Fundo Monetário Internacional, que, ainda que esteja estreitamente ligado à OMC e sua participação tenha sido requerida pela argentina, não foi consultado:

“5. 3. além do mais, a argentina protestou com o fato de que o Grupo especial não havia tratado, no parágrafo 6.79 de seu relatório, da grande questão essencial que poderia demonstrar a existência de condicionalidades cruzadas e de obrigações antagônicas entre os compromissos de um membro em relação ao FMI e aqueles firmados no âmbito dos acordos da OMC. Nós não vemos por que teríamos tra-tado esta questão, visto que nada indica, na situação que o Grupo especial deve analisar, que o Fundo Monetário Internacional (“FMI”) pediu à argentina para impor uma taxa de importação que violaria as disposições do acordo da OMC. além do mais, nós não conhecemos nenhuma dis-posição no acordo entre o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio, na Declaração sobre a relação da Organização Mundial do Comércio com o Fundo Monetário Internacional e na Declaração sobre a contribui-ção da Organização Mundial do Comércio, sobre uma maior coerência na elaboração das políticas econômicas mun-diais, que daria margem para pensar que nós deveríamos modificar nossa interpretação.”

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Parte III

As OrgAnizAções nãO-gOvernAmentAis nA cOnstruçãO dO desenvOlvimentO sustentável

CaPítulo VII

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as organizações Não-Governamentais (oNGs) têm um pa-pel essencial na promoção do desenvolvimento sustentável, e um papel ainda mais considerável na regulação da biodiversidade e das novas biotecnologias. elas são atores decisivos na elaboração do direito internacional, às vezes até mais que alguns estados, portanto, suas ações devem ser apresentadas para compreender o cenário jurídico-político internacional.

o universo das oNGs beneficia-se há algum tempo de ex-pansão importante, associada à participação na construção, na implementação e no controle do direito internacional, sobre-tudo do direito internacional ambiental. todavia, a ação das oNGs é difícil de se sintetizar. Não existe sequer uma definição consensual da denominação “organização Não-Governamen-tal”. De qualquer forma, em algumas áreas, como as novas biotec-nologias, sua participação é notória. Neste domínio específico, nota-se tanto a participação das oNGs tradicionais quanto das novas, mais limitadas em recursos e pessoal, mais especiali-zadas, mas tão importantes quanto as grandes oNGs para o direito internacional.

a expressão “oNG” comporta várias definições. a hetero-geneidade do conceito e das formas de ação contribui para essa ausência de consenso sobre a denominação dessas entidades. Cada estado possui uma regulamentação particular, e mesmo o direito internacional trata de forma diferente as oNGs, conforme a época, o fórum de discussão nas quais elas intervém, o tipo de organização internacional, etc.

apesar desse polimorfismo, as oNGs são verdadeiros atores1

internacionais do crescimento do direito internacional ambiental. elas exercem influência concreta sobre a criação, a implemen-tação e o controle, ao ponto que certas oNGs mais importantes chegam a ter mais peso que vários estados reunidos, a exemplo da IuCN ou da WWF, em relação ao meio ambiente, e os Médicos Sem Fronteiras ou a oxfam, quanto ao direito humanitário, graças a organizações e coalizões que elas formam ao redor de um obje-tivo comum.

Para estudar a importância das oNGs, é preciso antes definir o objeto de estudo, considerando o tratamento difuso dado pelo direito internacional, o que iremos analisar na seção I. ainda que

O PAPel dAs OrgAnizAções nãO-gOvernAmentAis

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seja difícil identificar um conceito preciso e compreender as di-versas formas de ação das oNGs, que variam de acordo com a de-finição adotada, podemos, partindo de uma definição, examinar se as oNGs são realmente importantes e ativos atores do direito internacional ambiental, o que será tratado na seção II.

Seção I – o tratamento heterogêneo das oNGs

o universo das oNGs é particularmente heterogêneo. Sua participação atinge domínios muito diferentes ligados ao de-senvolvimento sustentável. Seus interesses são os mais variados, encontrando-se entidades representando interesses opostos em cada negociação internacional. até mesmo o conceito de oNG não é uniforme e varia com os estados, as organizações interna-cionais, os juristas ou os cientistas políticos.

No entanto, mesmo se o conceito continua impreciso, o desenvolvimento, a ação e a conseqüência da importância das oNGs são evidentes para todos. o número de oNGs está em cons-tante expansão, tanto no Norte quanto no Sul, assim como seu ní-vel de organização. esta organização, e a comunicação que se ins-taura entre elas, torna possível a formação de redes de oNGs, que têm uma vida às vezes ligada aos estados, às vezes independente. De certo modo, as oNGs formam um tipo de terceiro fórum, con-sagrado ao desenvolvimento do direito internacional, e servem de contrapeso à desigualdade Norte-Sul, na medida em que elas defendem interesses comuns, como a proteção internacional dos direitos humanos ou o meio ambiente. as oNGs forçam os países do Sul a debater problemas ambientais, estimulam a implemen-tação do direito internacional e participam no controle das nor-mas nacionais e internacionais.

antes de evocar sua importância, é preciso se dedicar à in-vestigação da identificação do universo das oNGs, o que faremos, em um primeiro momento, para, em seguida, avaliar o fenômeno da sua expansão.

1 as oNGs não são sujeitos do direito internacional. os estados não são obri-gados a aceitar sua personalidade jurídica, exceto no tocante à Cruz Verme-lha, que tem um estatuto especial.

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Subseção I – o universo das oNGs

a definição de um conceito de oNG contribui também para a identificação das áreas nas quais a sua participação é mais efeti-va no direito internacional. ao longo do último século, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, as oNGs participaram de modo eficaz na formação de temas específicos do direito inter-nacional, mesmo com suas pequenas estruturas que não podem ser comparadas às estruturas dos estados e seus orçamentos, de-veras insuficientes para que elas possam atender a todos os seus objetivos.

assim, apenas depois de encontrar um conceito operacio-nal, é que poderemos estudar os domínios de participação das oNGs, no direito internacional.

§ 1º a definição de um conceito operacional

a expressão “organização Não-Governamental” tem em si um problema de definição.2 o adjetivo qualificativo “não-gover-namental” é baseado neste elemento negativo (que não é do governo ou que não pertence ao governo), que, na prática, não é suficiente para precisar o verdadeiro lugar das oNGs, no contexto dos diferentes atores em cena. a expressão oNG, bem-consolida-da na teoria jurídica e nos autores das relações internacionais, não significa que nenhuma dessas organizações não sejam contro-ladas pelo estado, nem mesmo que elas não estejam submeti-das à sua influência, nem sequer que todos os agrupamentos que não estejam submetidos à influência do estado sejam oNGs. ao contrário, a influência do governo, conforme a definição, pode ou não ter um papel importante no crédito que tem a oNG. Conforme o fórum de discussão, aceita-se uma participação mais ou menos ativa dos estados nos processos de tomada de decisão das oNGs.

Para evitar essa confusão com o “governamental”, certos 2 M. Merle expõe bem a questão: “a lista dos novos atores seria muito difícil de

ser feita porque ela deveria incluir todas as forças organizadas, oficiais, ofi-ciosas ou ocultas, cuja ação pode pesar sobre o comportamento dos atores internacionais, e mesmo se substituir a eles. encontraríamos nesta lista tanto as igrejas como as empresas transnacionais ou os movimentos terroristas …” In: Merle, M. les acteurs dans les relations internationales. Paris: economica, 1986, p. 157.

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autores3 propõem outras denominações: “associações internacio-nais”, “associações de solidariedade internacional”, “associações transnacionais”, “organizações transnacionais” ou “organização da sociedade civil”. a utilização de denominações como “associação” ou “organização da sociedade civil” dá origem também a dúvidas, porque essas expressões já tinham um significado consolidado e preciso no direito civil de muitos países, há muitos anos, diferente do que reclamam as oNGs. a expressão “transnacional” não repre-senta também o conceito mais adequado, considerando que a existência de oNGs em diversos países não é um elemento indis-pensável a sua participação ativa na regulamentação do direito internacional do meio ambiente. em razão da ausência de uma expressão mais precisa, o termo oNG, já utilizado amplamente, parece ser o mais apropriado.

o conceito operacional comporta também certos proble-mas. a união das associações internacionais considera que uma oNG “é uma associação composta de representantes pertencen-do a muitos países, e é internacional por suas funções, a composi-ção da sua direção e as fontes de financiamento. ela não tem fins lucrativos e se beneficia de um estatuto consultivo junto a uma organização intergovernamental”.4 essa definição pode ser talvez aceitável para a compreensão do que seja uma organização Não--Governamental internacional, mas ela não é suficiente quando se trata de explicar quais são os atores que participam do direito internacional contemporâneo. entre as dezenas de milhares de oNGs existentes, somente uma parte, numericamente pequena, possui o nível de internaciona lização exigido pelo conceito acima. outras organizações não-governamentais preferem a expressão “organização de solidariedade internacional”,5 que também é tão restritiva quanto a expressão anterior, porque ela não considera as organizações que trabalham na ótica da cooperação bilateral.

a Convenção européia sobre o reconhecimento da perso-nalidade jurídica das organizações Internacionais Não-Governa-mentais, feita em estrasburgo em 24 de abril de 1985, estipula, para a consideração de uma oNG, condições similares, como não ter fins lucrativos, a existência de um ato constitutivo reconhecido

3 laroCHe, J. Politique internationale. Paris: l.G.D.J., 1998, p. 126. 4 laroCHe. Politique internationale, op. cit., p. 126.

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pelo direito interno e a presença em ao menos dois estados:

“art. 1. a presente Convenção se aplica às associações, funda-ções e outras instituições privadas (de agora em diante de-nominadas oNGs) que preenchem as condições seguintes:a. não ter fins lucrativos e ter utilidade internacional;b. ter sido criada por um ato relevante do direito interno de

uma Parte;c. exercer uma atividade efetiva em ao menos dois esta-

dos, ed. ter sua sede estatutária no território de uma Parte e sua

sede real no território desta Parte ou de uma outra Par-te.”

o ponto comum reside na presença de um agrupamento, sens fins lucrativos, com objetivos comuns. a adequação das ca-tegorias jurídicas depende dos países em questão. em geral, essas entidades dispõem de uma série de benefícios legais, como a dis-pensa do pagamento de certos impostos, da realização de livros de administração ou de caixa, da publicação de estatutos e a au-sência de uma fiscalidade rígida, o que depende também do país.

Certas organizações preferem propor, além de uma defi-nição precisa, listas enumerativas com as modalidades de or-ganizações aceitas. o Banco Mundial, por exemplo, clarifica sua definição de oNG com nove fórmulas diferentes: “1) uma organi-zação voluntária, com fins altruístas, constituída ou pelo interesse dos seus membros, considerados coletivamente, ou pelo inte-resse dos outros membros da sociedades; 2) uma organização de pessoas privadas, fundamentada sobre um certo número de princípios morais e sociais e que estrutura suas atividades para promover o bem-estar e a felicidade das comunidades; 3) uma organização para o desenvolvimento cultural, econômico e social que assegura o enquadramento e a socialização das populações; 4) uma organização de pessoas trabalhando de forma indepen-dente de qualquer controle externo, com objetivos precisos e cuja finalidade consiste em trazer modificações importantes em 5 J.-P. Deler, FFaurÉ, Y.-a., a.PIVeteau, roCa, P. -J., eds. oNG et développe-

ment. Paris: Karthala, 1998, p. 50.

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um dada comunidade, em uma região específica ou em uma situação particular; 6) uma organização não-filiada a partidos po-líticos, engajada em dar continuidade à ajuda aos desfavorecidos, ao desenvolvimento e ao bem-estar das comunidades; 7) uma organização para a erradicação do mal e dos problemas da socie-dade, com vistas a uma melhor qualidade de vida, em favor dos pobres, dos oprimidos e dos marginais, na cidade e no campo; 8) uma organização estabelecida para e por uma comunidade sem uma intervenção do governo; 9) uma organização que é flexível e democrática na sua organização e que tenta servir à população, sem fins lucrativos”.6

Contrariamente a muitas definições citadas, não concorda-mos com a inclusão, no rol das entidades consideradas oNGs, das organizações cujo o poder decisório pertence a pessoas jurídicas tendo fins lucrativos, e cujos objetivos são a promoção da atividade principal destas pessoas jurídicas que as integram, como as fede-rações profissionais, por exemplo.7 a consideração dessas entida-des contribui para a falta de precisão na identificação dos atores do direito internacional. embora essas associações não tenham fins lucrativos, na teoria, elas o têm indiretamente, na medida em que o objetivo central é a promoção da atividade principal das empresas que detêm o poder decisório e, portanto, o lucro. É justamente essa confusão com entidades distintas que torna difícil a compreensão e a justa alocação de benefícios jurídicos às organizações que não procuram realmente nenhum lucro.

uma definição mais genérica ajuda a compreender melhor esta realidade. Consideramos organização Não-Governamental como “uma pessoa jurídica, formada por um agrupamento or-ganizado de pessoas ou por uma pessoa apenas, sem fins lucra-tivos, possuindo objetivos comuns, e não compreendendo as associações de empresas cuja finalidade é a promoção das suas atividades”. 6 the World Bank, How the World Bank works with Non-Governmental orga-

nizations, et Workshop notes: NGo Workshop organisé par l’Institut asiati-que de technologie, Bangkok, 17-21octobre 1998 apud raNJeVa, r. “les organisation non gouvernementales et la mise en oeuvre du droit interna-tional.” recueil des Cours de l’académie de Droit International, 1997, 270, p. 24-25.

7 Certamente, estas instituições contribuem para o estudo do direito interna-cional, mas elas não fazem parte deste estudo.

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Podemos estabelecer subclassificações, de acordo com o nível da atividade principal: local, regional ou internacional; nível de reconhecimento pelas instituições governamentais e intergoverna mentais: reconhecida ou não pelo estado, tendo ou não um estatuto consultivo no âmbito de uma organização internacional, beneficiando-se ou não de ajuda pública; os fins: proteção da natureza, promoção do desenvolvimento, proteção dos índios, proteção do patrimônio cultural...

§ 2º os domínios de ação

uma vez feita esta reflexão sobre a expressão e o concei-to operacional, é preciso estudar os temas que concentram o interesse de um maior número de oNGs. a ação das oNGs é ao mesmo tempo complementar e oposta à ação dos estados. esta relação não depende da origem da oNG, nem do fato de ela vir ou não do estado. ela pode ser originária de um estado, opor-se a ele, ou dar-lhe apoio em um fórum internacional. a presença de membros de oNGs nas delegações nacionais, participando como especialistas, é uma realidade, sobretudo porque a troca entre esses atores é constante. Nos ministérios competentes, nota-se sempre a presença de membros das oNGs, sejam eles bolsistas ou ocupando posições administrativas provisórias, para a prepa-ração de documentos ou aquisição de informações que servirão de base para a formação do direito interno e internacional. o que começa a surgir é uma rivalidade quanto à representação da opinião pública, considerando que tanto os estados quanto as oNGs se consideram os verdadeiros representantes da socie-dade civil. De fato, a emergência das oNGs é um sinal da insufi-ciência do estado, seja ela real ou apenas sentida como tal. as oNGs revelam os pontos fracos e as contradições estatais. esta oposição na ação, a rivalidade com relação à representação e a diminuição da margem de manobra dos estados conduz certos estados a serem constantemente opostos à expansão das oNGs.8 Certos autores preferem afirmar que existe uma cooptação das oNGs pelos estados. embora possa haver uma cooptação, em certos casos, de forma geral este ponto não tem a importância suficiente para negar a participação das oNGs como atores autô-nomos.

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a expansão das organizações Não-Governamentais acom-panhou o ganho de legitimidade de certos temas. Nos anos 60, identificava-se a criação de dezenas de oNGs terceiro-mundistas, so-bretudo no ocidente, onde numerosas oNGs estavam ligadas aos movimentos cristãos, como as oNGs ajudadas pela Igreja Católica ou pelas Igrejas Protestantes, como o Comitê Católico contra a Fome e pelo Desenvolvimento, Irmãos dos Homens, Povos Solidá-rios, terra de Homens, entre outras. Nos anos 70, constata-se ex-pansão das organizações Não-Governamentais ligadas à prote-ção dos direitos humanos, organizações de origem médica, como Médicos Sem Fronteiras, Médicos do Mundo, Farmacêuticos Sem Fronteiras, por exemplo. Como ressaltam alguns autores,9 no fim dos anos 70, assiste-se a uma explosão de oNGs médicas, preocu-padas com os direitos humanos, sobretudo na fundação de novas oNGs, por quadros pertencentes às grandes oNGs já existentes, e nas quais se verifica, desde o início, alto nível de profissionalismo e organização, o que lhes confere eficácia; tomaremos como exem-plo a ação contra a Fome, a Handicap International, Solidarieda-des, Veterinários Sem Fronteiras.

Nos anos 80 e 90, as oNGs orientadas para a proteção do meio ambiente se desenvolveram. as primeiras organizações Não-Governamentais de proteção da natureza integram rapi-damente a necessidade de associar a consideração ao meio ambiente com o processo de desenvolvimento, o que contribui para a elaboração do conceito de desenvolvimento sustentável; fazem parte a união Internacional para a Conservação da Na-tureza (IuCN), Fundação para a Vida Selvagem (World Wildlife Fondation/WWF), Greenpeace, Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, amigos da terra.

Nos anos 90, criam-se as oNGs mais especializadas. a sua participação dá-se em diversas áreas, mas é no cenário das novas biotecnologias que são mais citadas. elas consideram a questão dos impactos sociais e ambientais das novas biotecnologias, a ação para a avaliação dos organismos geneticamente modificados, por exemplo, ou, ainda, opõem-se às patentes depositadas para a 8 laMBert-BaBIB, M.-l. le commerce des espèces sauvages: entre droit inter-

national et gestion locale. Paris, l’Harmattan, 2000, p. 180. 9 DINH, N. Q., DaIllIer, P. , Pellet, a. Droit international public. Paris: l.G.D.J.,

1999.

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exploração de organismos vivos, como raFI, GraIN, third World Network. enquanto as organizações humanitárias são fundamen-tadas sobretudo na França, as organizações de proteção ao meio ambiente tiveram seu início no solo anglo-saxão ou nórdico, regra que comporta, no entanto, várias exceções.

* * *

esta seqüência de domínios em torno dos quais se con-centra a formação das oNGs não é absoluta nem inflexível. Pelo contrário, são ondas que se superpõem, em um contexto cada vez mais complexo, em que os níveis de distribuição do poder são mais fragmentados. assim, as oNGs de desenvolvimento são ainda hoje poderosas e têm contribuído muito para a formação dos métodos de ação das oNGs que continuam ligadas à pro-teção dos direitos humanos ou do meio ambiente. Da mesma forma, as oNGs voltadas para a proteção da natureza seguem a via das ideologias terceiro-mundistas, com a criação e a expan-são do conceito de desenvolvimento sustentável e proteção dos direitos humanos, ou ainda a criação de conceitos como direito a um meio ambiente social, meio ambiente do trabalho, meio am-biente visual, entre outros. No entanto, muitas oNGs humanitárias (e antropocêntricas) consideram, por sua vez, o meio ambiente como um direito humano. os temas de preocupação são freqüen-temente os mesmos, mas são considerados de diferentes formas, com métodos e finalidades diferentes.

Subseção II – a expansão das oNGs

a expansão das oNGs induz a diferentes realidades: em primeiro lugar, o número de oNGs aumentou sensivelmente na se-gunda metade do último século. em seguida, a multiplicação dos seus recursos é demonstrada pelo aumento do orçamento de vá-rias grandes organizações Não-Governamantais, transformadas em verdadeiras instituições internacionais, presentes em vários países e que chegam a emprestar dinheiro aos estados para a im-plementação de projetos específicos. Depois, observa-se aumen-to importante das coalizões de oNGs ao redor de um objetivo

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comum. este fenômeno de união é uma das características mais marcantes da evolução das oNGs. Isso tornou-se possível pelos instrumentos de comunicação, como a Internet, e pela maturi-dade das coalizões formadas sobre vários temas mundialmente. assim, as oNGs tiveram seus trabalhos reconhecidos a partir da atribuição de dois prêmios Nobel da paz, em 2000 e 2001, o pri-meiro pela assistência médica, o segundo por suas ações contra as minas antipessoais.

a união entre as oNGs não tem regras estabelecidas a priori. Certas alianças são concluídas exclusivamente entre oNGs pouco importantes, mas às vezes as oNGs grandes trabalham com oNGs menos potentes e servem-lhes de base logística. em seguida, descreveremos a importância adquirida pelas oNGs, graças ao seu número e aos seus recursos, para, em um segundo momento, mostrar como este ganho de importância explica o aumento do poder que essas uniões conferem às oNGs.

§ 1º Importância crescente do número e dos recursos das oNGs

a importância das oNGs tem relação estreita com o fato de que elas cooperem ou se confrontem com os estados. Certos autores10 afirmam que as oNGs do Norte foram criadas em um contexto de fortalecimento da sociedade civil e que elas são fundamentadas mais na cooperação do que no conflito. essas or-ganizações não colocam em dúvida os fundamentos dos estados, considerados legítimos. No Sul, essas mesmas oNGs participam do processo de desenvolvimento, e às vezes suplementam a atividade do estado ausente, em vez de cooperar com ele, para fortificá-lo.

Como explica H. S. Marcussen, as oNGs contribuem para o processo de enfraquecimento dos estados do Sul, colocando em questão sua legitimidade, autoridade e política, e assim contri-buindo para a progressão do neoliberalismo, ao mesmo tempo que o combatem. esta conseqüência, em geral, não é considerada nos projetos conduzidos pelas oNGs, tanto no Norte quanto no 10 MarCuSSeN, H. S. les oNG et la construction de la société civile dans les

pays en développement. In: Y.-a. F. J.-P. Deler. oNG et développement. Paris: Karthala, 1998, 589-591.

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Sul. De acordo com esta teoria, o processo evolui ciclicamente: o estado perde seu espaço, torna-se ausente, as oNGs têm mais espaço livre e fazem-se mais presentes. as oNGs contribuem para a perda de importância do estado, o que é contraditório com o contexto de respeito à divisão do trabalho entre as atividades dos estados e das oNGs. Seria melhor que estas trabalhassem em cooperação com os estados do Sul, para fortificá-los, sobretudo nos domínios em que eles são mais enfraquecidos, para dar-lhes capacidade de gestão nos domínios considerados importantes para o Sul.11

No entanto, esta visão não parece representar a realidade. algumas oNGs contribuem, em parte, para o enfraquecimento do estado, mas isso não é tão importante quanto pretende esta análise. a participação das oNGs é pouco representativa em face da ausência do estado. as oNGs oferecem solução para certos problemas sociais, mas não têm êxito em fazê-lo de forma am-pla. embora todos os seus esforços, mesmo em países onde a sua contribuição é mais forte, sua ação atinge uma parte ínfima da população que sofre com a ausência do estado. Haveria uma perda de terreno do estado se as oNGs fossem verdadeiras con-correntes, mas elas não o são. o recuo do estado nos países do Sul tem sua causa na expansão das idéias neoliberais, nos programas de reestruturação econômica conduzidos pelo Fundo Monetário Internacional e nos interesses dos grandes grupos internacionais, mais do que na ação das oNGs. assim, a participação destas con-tinua a ser complementar, e a sua cooperação com os poderes públicos, e das oNGs entre si, continua a ser um elemento-chave para compreender esta realidade.

a importância das oNGs é demonstrada pelos números, que conheceram uma expansão notável: cerca de 7.500 oNGs estavam presentes na rio 92, das quais 1.300 acreditadas junto à oNu. es-tes números aumentam a cada grande conferência internacional. as oNGs nacionais são tão influentes quanto as internacionais, e são também muito mais numerosas. Na França, em 1995, havia 65.000 associacções com fins de proteção ao meio ambiente e/ou habitat, das quais 12.000 a 20.000 sociedades de pesca e 5.000

11 SaNDS, P. enforcing environmental security. In: Sands, P. Greening interna-tional law. london: earthscan, 1993, p. 54-55.

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trabalhando especificamente com o meio ambiente.12 os países do Sul não escapam a este fenômeno; no Brasil, existem mais de 340.000, em vários domínios diferentes.13 Somente no eCoSoC, das Nações unidas, existem 2.100 oNGs acreditadas.14

Neste contexto, de acordo com o PNuD, as oNGs interna-cionais representam, em 22 países estudados, um setor de uS$ 1,1 trilhão, que emprega 19 milhões de pessoas.15 a identificação da origem dos recursos dessas organizações Não-Governamentais é essencial para a compreensão da sua expansão nos últimos anos; a partir da análise das fontes, constanta-se que, embora a pro-gressão das doações de particulares seja considerável, o aumento mais importante vem da participação de recursos governamen-tais, sobretudo nos anos 80 e 90, os quais continuam a crescer e são um exemplo do aumento da cooperação entre os estados e as oNGs. No tocante ao meio ambiente e ao desenvolvimento, esta evolução é ainda mais visível.

No reino unido, por exemplo, as oNGs são financiadas por diversos programas, como o Programa de co-financiamento do Ministério da Cooperação e do Desenvolvimento, que, da mesma forma que outros países da oCDe, aumentou a participação da ajuda às oNGs no seu orçamento público. o montante passou de £ 33.6 milhões, em 1987, para £ 161,8 milhões, em 1995, ou seja, um aumento de cerca de 500%. Isso se justifica se considerarmos que as atividades de desenvolvimento feitas pelas pequenas instituições privadas são mais eficazes que aquelas das grandes instituições públicas. as oNGs são, portanto, consideradas uma alternativa que permite acordar uma ajuda mais “centrada sobre a população, mas próxima da base”.16 12 BlaNC, D. la participation et l’action non contentieuse des associations. In:

Maljean-Dubois. l’effectivité du droit européen de l’environnement. Contro-le de la mise en oeuvre et sanction du non-respect. Paris: Centre d’etudes et de recherches Internationales et Communautaires. université d’aix-Marseil-le, 2000, p. 49-50.

13 lena, Philippe. Conferência realizada no âmbito da Semana sobre o Brasil, de 16 a 20 de outubro de 2001.

14 Pour, a. B. Plus de 2000 organisations non gouvernementales sont accrédi-tées à l’oNu. le Monde, Dimanche 4 février – lundi 5 février, 2001, p. 2.

15 uNDP. Human development report, p. 36. o PNuD não apresenta as bases de cálculo do estudo.

16 StYaN, D. les oNG anglaises et le débat public au royaume-uni. Survol bi-bliographique. In Y.-a. F. J.-P. Deler. oNG et développement. Paris: Karthala, 1998, p. 600-601.

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Nos estados unidos, a posição das oNGs na repartição dos fundos de ajuda pública também aumentou. Se em 1960 as oNGs recebiam 25% do orçamento da uSaID, em 1988 elas já recebiam 62%. Sua posição nos orçamentos das organizações interna-cionais também é importante; 10% a 20% dos recursos dessas organizações são destinados às oNGs.17 Na alemanha, das 2.000 oNGs ambientalistas, 150 recebem subvenções do governo, mas a maior parte dos seus recursos vem, no entanto, da população.18 todas as oNGs instaladas em Bruxelas recebem fundos comuni-tários, exceto o Greenpeace. a auto-exclusão do Greenpeace se justifica pela decisão de demonstrar independência vis-à-vis aos estados.19

embora com todas essas doações, a parte líquida atribu-ída pelas oNGs ao desenvolvimento representa 3% do total dos fundos destinados ao desenvolvimento.20 este percentual ficou mais ou menos constante entre 1980 e 2000, aumentando entre 1987-1988, quando a participação chegou a 6%, caindo a 4%, em 1994-1995, e estabilizando-se em 3% a partir dessa data.21 a participação das oNGs em projetos de desenvolvimento é mais importante e é estimada em 15%, em virtude da sua participação na execução de projetos. em algumas organizações internacionais, como o Banco Mundial, as oNGs estão presentes na metade dos projetos em andamento.22 Contudo, a estimativa dessas cifras é difícil, cada autor utiliza métodos de cálculo diferentes e os re-sultados não são sempre comparáveis entre si. No entanto, eles podem ser ilustrativos da posição atual das oNGs nos projetos internacionais de desenvolvimento.

17 BroHMaN, J. Popular development. oxford: Blackwell Publishers, 1996, p. 253.

18 SMIllIe, I., HelMICH, H., eds. organisations non gouvernementales et gouver-nements: une association pour le développement. Paris: oCDe, 1994, p. 142.

19 KIttelMaNN, u. le potentiel d’influence des oNG écologistes sur la scène européenne, 75. th: Mémoire sous la direction de M. Michel Girard: universi-té de Paris I, relations Internationales: Paris: 1996/97, p. 36.

20 em outras palavras, o total dos fundos públicos e privados destinados ao desenvolvimento.

21 oDa. total líquido das contribuições financeiras dos países do CaD aos pa-íses em desenvolvimento e aos organismos multilaterais, por categoria de contribuição.

22 the World Bank. NGo World Bank collaboration In: http: //wbln0018. world-bank.org/essd/essd.nsf/d3f59aa3a570f67a852567cf00695688/ce6b105aaa19360f85256966006c74e3?openDocument, (le 8 maio de 2001).

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Às vezes, a cooperação financeira é tão importante que pode comprometer a independência da organização. No âm-bito das Nações unidas, o artigo 1 da Carta da oNu confere ao eCoSoC a consultação das oNGs e, para evitar “oNGs governa-mentais”, fixa o montante máximo da constribuição estatal a 30% do orçamento total da oNG.23 a resolução 1996/31 do eCoSoC estipula que todos os recursos recebidos devem ser indicados e que os principais recursos financeiros devem ser originários essencialmente das contribuições dos particulares, membros da organização. o artigo 13 é claro, mesmo sendo difícil o controle desses financiamentos:

“... Quando uma organização recebe contribuições volun-tárias, o montante e a origem exatos destas contribuições devem ser indicados ao Comitê encarregado das organi-zações Não-Governamentais. Se, no entanto, o princípio enunciado acima não for observado e se a organização obtém seus recursos financeiros de outras fontes além das especificadas acima, ela deve explicar, de modo satisfatório ao Comitê, as razões pelas quais ela não está conforme os princípios enunciados no presente parágrafo. Qualquer contribuição financeira ou outro suporte que a organiza-ção receba, direta ou indiretamente de um governo deve ser declarada abertamente ao Comitê, por intermédio do Secretário-Geral, os livros financeiros e outros documentos da organização devem ser integralmente revelados, e os recursos destinados a ações conformes aos objetivos das Nações unidas”.

o crescimento da participação governamental nos negó-cios das organizações Não-Governamentais pode ter conse-qüências importantes, como o desvirtuamento da agenda dessas organizações, que começam a adotar os interesses particulares dos estados. Como os fins perseguidos pelas organizações Não--Governamentais têm uma certa legitimidade a priori, torna-se mais fácil ingerir nos assuntos internos de outros estados por meio do financiamento dessas organizações do que agir direta-

23 Pour. Plus de 2000 organisations non gouvernementales sont accréditées à l’oNu, op. cit., p. 3.

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mente por uma ação estatal, o que seria considerado uma ofensa à soberania ou mesmo uma ingerência. a defesa desses interesses não é considerada ingerência pelo estado estrangeiro, mas uma atividade de um grupo de pessoas interessadas em uma causa nobre.

Na verdade, não é apenas o recurso recebido por uma oNG que a torna mais ou menos dependente do estado, mas tam-bém o modo como o estado concebe a oNG: uma extensão de si mesmo ou uma possibilidade de quitar suas obrigações a um custo mais barato; um complemento das suas atividades ou uma forma de organização da sociedade civil.24 a utilização das oNGs com fins políticos não é também descartada.

Quanto à relação entre as oNGs e as empresas, ela pode ser de cooperação, mas é geralmente de conflito. as atividades de cooperação são representadas por centenas de casos em que as empresas aportam fundos para participar da constituição ou manutenção das oNGs ou de seus projetos. a união entre as empresas e as oNGs pode ser baseada tanto no interesse que a empresa manifesta para a conservação do meio ambiente quanto no desejo de autopromoção, a exemplo dos poços de carbono financiados pela Peugeot, em associação com a Pronatura, que im-plementa o projeto.25 É freqüente ver coalizões de oNGs organiza-das contra uma empresa ou um grupo de empresas determinado. a coalizão dos anos 60 contra a Nestlé, por causa dos alimentos para crianças,26 é o primeiro exemplo forte opondo as oNGs a uma empresa multinacional. as coalizões contra os grupos de empresas são ilustradas hoje pelo combate aos organismos gene-ticamente modificados ou às minas.27

§ 2º a importância da cooperação entre as oNGs 24 GoYS, M. D., HelMICH, H. tendances et questions inhérentes à l’évolution

des relations entre les organismes donneurs et les oNG actives dans le domaine du développement. etudes de cas: allemagne. In: Helmich. orga-nisations non gouvernementales et gouvernements: une association pour le développement. Paris: oCDe, 1993, p. 142.

25 Projeto de recuperação de terras degradadas, para a formação de poços de carbono.

26 o movimento começou em razão das repercussões de um estudo feito no Chile, que demonstrava o aumento da mortalidade entre crianças que co-miam a papinha produzida pela Nestlé.

27 esta coalizão ganhou o prêmio Nobel da paz em 2000.

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as associações de oNGs são em geral mais sólidas que as as-sociações entre as empresas, ao menos quanto à constituição de um lobby junto às organizações internacionais. o reconhecimen-to de interesses comuns é mais fácil para as oNGs do que para as empresas. em geral, as grandes empresas multinacionais agem de forma individual. as atuais redes, como Consumers International, ou Climate Network, compostas por mais de 250 oNGs cada uma, demonstram sua força associando os interesses comuns de várias entidades sobre um tema específico.

Para ser mais preciso, a complexa atividade das organizações Não-Governamentais pressupõe forte capacidade de formação de redes, associando organizações locais, regionais e internacio-nais. as organizações Não-Governamentais internacionais têm forte dependência em relação às organizações regionais e locais e vice-versa. uma “representação reagrupando oNGs originárias de vários países” e o “estatuto consultivo junto a uma organização intergover na mental”, elementos centrais da definição acima, são aspectos inexistentes na maior parte das oNGs, sobretudo nas do Sul.

a formação dessas redes de oNGs é um mecanimos eficaz para a mobilização do público. a expansão da Internet e de outros mecanismos de comunicação global têm contribuído muito para este processo, mas até que ponto podemos examinar as oNGs do Norte e do Sul como similares? esses instrumentos de mobiliza-ção e divulgação de informação que favorecem o desenvolvimen-to são comuns no Norte, mas não são acessíveis no Sul, que tem maior necessidade de desenvolvimento e que não dispõe dos mesmos elementos básicos necessários à sobrevivência humana. este paradoxo revela a complexidade do sistema: a tecnologia que favorece o desenvolvimento existe apenas no Norte já desen-volvido.

as redes de cooperação entre as oNGs do Norte e do Sul são às vezes criticadas. a transmissão de recursos de oNGs do Norte às do Sul é utilizada pelas primeiras como um elemento de legitimação junto aos doadores. elas demonstram, assim, a boa utilização dos recursos recebidos. o controle das doações da oNG doadora sobre as oNGs beneficiárias e a utilização dos

28 PeSCHe, D. les oNG dans le domaine du développement rural. In: Y.-a. F. J.-P. Deler. oNG et développement. Paris: Karthala, 1998, p. 189.

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recursos torna-se uma forma de dominação Norte-Sul que se faz agora entre as entidades não-governamentais. entretanto, assim como as oNGs do Norte, as do Sul são também submetidas a várias pressões, por parte da comunidade que as cerca, que exige clareza sobre a origem dos fundos e das ações que elas executam, as quais devem “ser sentidas como indispensáveis”28 pela comunidade, da mesma forma que pelas outras organizações representativas da população e pelo governo.

Nesse contexto similar à relação interestatal, as oNGs do Norte são mais influentes do que as do Sul. Nos fóruns internacio-nais de negociação, a participação das oNGs do Norte é sempre mais importante que das do Sul. Isso se explica, em parte, pela falta de recursos destas que as impede de participar das reuniões internacionais. Contudo, mesmo nas reuniões internacionais realiza-das no Sul, a participação das oNGs do Norte ainda é mais impor-tante, a exemplo das reuniões da CIteS, em 1979, na Costa rica, em 1981, em Botsuana; e em 1985, na argentina. enfim, o número de organizações e a desigualdade em em relação a especialistas, entre as oNGs do Norte e do Sul, têm papel também importante na sua capacidade de participação e no seu nível de influência nas nego-ciações internacionais.

Há também uma relação de interdependência. as oNGs do Norte precisam constantemente das do Sul para implementar suas atividades e para legitimar os recursos recebidos. as do Sul depen-dem também freqüentemente de recursos das do Norte. Mas esta relação não é equilibrada. a dependência do Sul em relação ao Norte, tal qual existente nas relações internacionais interestatais, se reproduz no espaço não-governamental. aqueles que detêm o di-nheiro têm sempre maior possibilidade de controle sobre aqueles que executam as atividades. enfim, estas uniões de oNGs tornam--se atores importantes do direito internacional, sobretudo em assuntos como meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável.

* * *

assim, podemos falar de uma expansão importante das oNGs na segunda metade do século XX. esta expansão foi acompanhada de uma progressão de domínios de ação, em que a ação estatal foi

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considerada insuficiente ou negativa; paz, direitos humanos, desen-volvimento, meio ambiente são assuntos que estão sempre na atua-lidade. tratou-se também da importância das oNGs, o crescimento do seu número de seus orçamentos, das coalizões constituídas. a formação das alianças entre as oNGs do Norte e as do Sul criou tam-bém elos de dependência, mas estes elos criam fontes paralelas de discussão, de colaboração para a formação, implementação e con-trole do direito internacional, em favor ou contra os estados, mas sempre fora do estado.

a participação das oNGs é essencial para a promoção do desenvolvimento sustentável, porque contribui para expan-dir liberdades. as oNGs colaboram para a implementação dos projetos de desenvolvimento, do controle das atividades das empresas transnacionais, da transferência de tecnologia. São, portanto, um instrumento para compensar a evolução da desi-gualdade Norte-Sul, mas um instrumento não-estatal. o reconhe-cimento das oNGs como atores do direito internacional do meio ambiente pode ajudar a compreender este papel já identificado.

Seção II – as oNGs, atores do direito internacional do meio am-biente

as oNGs são importantes atores do direito internacional ambiental. elas participam da formação, implementação e con-trole deste direito, tanto em nível interno quanto internacional. No processo de formação do direito internacional, as oNGs têm, sem dúvida, uma influência difícil de ser mensurada, considerando que o direito internacional é composto sobretudo por normas não--estatais. embora existam regras privadas entre as oNGs, elas não são comparáveis às normas públicas, estabelecidas pelos estados.

Mesmo com as dificuldades, acreditamos que as organiza-ções Não-Governamentais agem como atores do direito interna-cional, de duas formas: pela cooperação com os estados, do que trataremos em um primeiro momento, e pelo conflito com estes mesmos estados, que será estudado em seguida.

Subseção I – a participação por meio da cooperação com os es-tados 29 artS, B. the political influence of global NGos. Case studies on the climate

and biodiversity conventions. utrecht, International Books, 1998, p. 57-61.

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antes de estudarmos a influência das oNGs na elabora-ção do direito, é preciso definir o que se entende por “influência”. Influência é a ação exercida sobre uma pessoa ou sobre um fe-nômeno. ela pode ser pontual ou permanente. a influência per-manente que permite impor seus interesses ou seus objetivos é denominada “poder”. o poder que tem um estado potente para determinar a direção do direito internacional não é comparável à influência que exerce uma oNG sobre a redação de um artigo particular, que integra uma convenção internacional. Dizer que as oNGs têm poder de determinar o direito internacional ambiental é excessivo.29 a influência das oNGs pode ser, no entanto, maior do que a de um estado. um pequeno estado, mesmo se ele emprega esforços para participar de uma conferência internacional, mas se não dispõe de recursos técnicos e a discussão ambiental não lhe interessa muito, dificilmente terá o mesmo nível de participação que uma grande oNG.

Para definir a noção de influência, recorreremos a B. arts: “a influência é definida como a realização de um (ou parte de um) objetivo político com a pesquisa de um resultado na formação de um tratado e sua implementação, resultado causado (ao menos parcialmente) por uma intervenção própria na arena política e no processo em causa”. a influência das oNGs no direito internacional do meio ambiente pode ser direta ou indireta. ela é direta quando a oNG participa ativiamente da redação de uma norma internacio-nal, em uma conferência interestal, ou quando ela propõe, em um estado, modelos para a regulamentação do direito internacional a partir da criação de normas estabelecidas pelo direito interno. É in-direta quando sua influên cia se exerce sobre a formulação de uma política global que vai ser concretizada por meio de normas jurídicas instauradas pelos estados.

Quando as oNGs cooperam com os estados para a forma-ção do direito internacional, elas participam de quatro formas: nas negociações internacionais; no apoio às organizações inter-nacionais; na implementação do direito internacional; e, enfim, ajuda dada ao controle das convenções internacionais.

§ 1º a participação das oNGs nas negociações internacionais

a participação no processo de formação da norma interna-cional é prevista por várias organizações internacionais e pode ocorrer de diferentes formas. No entanto, somente os estados

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são sujeitos do direito internacional, ou seja, somente eles têm o poder de votar os dispositivos de uma convenção internacional. a influência de uma oNG sobre o voto de um estado é difícil de demonstrar, sobretudo em virtude do caráter ainda fechado das negociações internacionais. a maior parte dos diplomatas, tanto do Sul quanto do Norte, tem dificuldade em admitir a influência de uma oNG no voto efetuado em nome de uma nação.

assim, estudaremos, em um primeiro momento, as formas previstas da participação das oNGs nas negociações, para, em seguida, tentar estudar a difícil influência concreta das oNGs na formação da norma ambiental.

I. a previsão da participação e suas formas

a participação das oNGs nas negociações das organizações internacionais é prevista pela Carta das Nações unidas desde 1946, no artigo 71. em direito internacional ambiental, a primeira convenção que fixou a participação das oNGs de forma concreta (depois da Conferência de estocolmo, em 1972) foi a Conven-ção relativa à conservação da vida selvagem em meio natural na europa, em 1979. ela permitia a participação das organizações Não-Governamentais convidadas enquanto observadoras das atividades do Comitê permanente. No entanto, a participação das oNGs nas organizações internacionais pode ser fixada ou não por normas regulamentadoras. No âmbito da organização Internacio-nal do trabalho, por exemplo, são normas únicas que regulam a participação das oNGs nas atividades, o que assegura uma esta-bilidade do direito de participação, que benefecia sobretudo as organizações sindicais. É também o caso da organização Mundial da Saúde,30 em relação estreita com a associação Médica Mundial e numerosas oNGs para a implementação dos seus programas. o mesmo ocorre com a Fao, o PNuMa ou o eCoSoC. No âmbito do eCoSoC,31 certas oNGs têm um estatuto que lhes dá o direito 30 Conforme prevê a Carta da oMS. 31 laroCHe. Politique internationale, op. cit., p. 129. 32 art. 21 da resolução 1296. 33 K.BaNNelIer-CHrIStaKIS. le système des rapports. In Imperiale. l’effectivité

du droit international de l’environnement. Controle de la mise en oeuvre des conventions internationales. Paris: economica, 1998, p. 97.

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de serem consultadas automaticamente e de poderem participar ativamente das negociações durantes as reuniões. a oNG anistia Internacional dispõe deste estatuto, que lhe garante o direito de fazer propostas e de participar ativamente dos debates das assembléias gerais.32 No entanto, no PNuMa, cada tratado pode prever normas específicas, mesmo se podendo falar de uma certa regularidade de um tratado a outro. a participação nas conferên-cias, seja como observador, seja tendo o direito de voz ou de fazer proposições, é portanto instável e varia a cada reunião.33

a participação nas negociações internacionais assume diferentes formas, de acordo com a oNG, os assuntos ou outros fatores, mas, sobretudo, com o nível de participação democrática dos representantes da sociedade civil, previsto pela organização da reunião. em primeiro lugar, as regras que presidem a organiza-ção das reuniões internacionais não são determinadas apenas pela organização responsável pela reunião, mas também pelas pessoas que a conduzem. Notamos que as reuniões da organi-zação Mundial do Comércio são menos abertas à participação das oNGs que as reuniões do PNuMa, por exemplo. Percebe-se também que certos países, tradicionalmente, têm a iniciativa de tomar medidas efetivas, permitindo a abertura das reuniões às oNGs, como a Holanda,34 enquanto outros agem no sentido con-trário, como a França ou o Brasil. assim, as oNGs podem ter um estatuto de observador; um estatuto consultivo,35 sem direito a voz; e um estatuto consultivo, com direito de apresentar oral- 34 o discurso de lubbers, Primeiro-Ministro da Holanda, na Conferência das

Nações unidas sobre Meio ambiente e Desenvolvimento, de 1992, é ilustra-tivo: “a Holanda vai continuar a promover a participação das organizações Não-Governamentais no processo decisório nas Nações unidas. elas mostra-ram, ao longo da preparação da Conferência, uma contribuição importante, e podem ter influência sobre a opinião pública de vários países”.

35 o estatuto consultivo é criticado por certos autores, que argumentam que ele não garante em nada à oNG que ela poderá participar do processo de formação, implementação e controle do direito internacional. Segundo M. Merle “Depois de 40 anos de colaboração com as mais altas instâncias in-ter-governamentais (oNu), a questão do status internacional das oNGs não pode ser resolvido, nem mesmo seriamente abordado, vem de um paradoxo e constitui uma falha lastimável na ordem jurídica internacional”. In: Merle. les acteurs dans les relations internationales, op. cit., p. 178.

36 DuPuY, P. -M. Droit international public. Paris: Dalloz, 1998, p. 155. 37 os protestos e as pressões são formas de ação em conflito, mas nós os cita-

mos nesta parte por razões didáticas.

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mente suas posições; ou, ainda, podem participar em um comitê deliberativo,36 com os representantes do governo.

Na formação do direito internacional, as modalidades de influência são múltiplas. Podemos dividi-las entre protestos e pressões.37 os protestos assumem a forma de sit in, passeatas, petições ou perturbações. as pressões se exercem nas informa-ções e por meio do lobbying. as informações são transmitidas graças à publicação de jornais ecológicos, por meio de relatórios sobre a organização; para a disseminação de estudos sobre temas específicos, por proposições escritas ou orais, pela apresentação de dados científicos; a partir da organização de conferências, pela criação de workshops, a organização de leituras, mesas-redondas, conferências de imprensa e stands. o lobbying é sobretudo in-dividual e passa por proposições concretas orais ou escritas, de versões preliminares, de conselhos técnicos ou jurídicos, de acor-dos para a troca de recursos ou, ainda, por meio do contato com outros delegados.38

os fóruns paralelos às reuniões são uma constante. eles são realizados logo antes e, às vezes, ao mesmo tempo que as reuniões intergovernamentais. estas oNGs fazem seminários denunciando os impactos das negociações sobre os países em desenvolvimento, o meio ambiente ou outros bens juridicamente protegidos, de modo a sensibilizar os representantes dos países sobre o tema. em várias ocasiões, os representantes dos países em desenvolvimento, sobretudo os com menos recursos, não podem se apoiar em um número igual de especialistas com o nível de conhecimento necessário para determinar quais são os seus inte-resses em uma dada negociação, sobretudo nos domínios novos e muito específicos, como o meio ambiente. as informações forneci-das pelo lobby das oNGs contribuem para a conscientização dos interesses em jogo de um tema discutido. assim, por exemplo, 80% das informações recebidas pelo Centro das Nações unidas sobre os direitos humanos vêm das oNGs.39

existem várias formas de pressão utilizadas pelas oNGs. elas 38 artS. the political influence of global NGos. Case studies on the climate and

biodiversity conventions, op. cit., p. 57-61 et SlauGHter, a.-M. International law and international relations. In: International. recueil des cours. la Haye, Martinus Nijhoff. 285, 2000, p. 102-106.

39 laroCHe. Politique internationale, op. cit., p. 137.

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procuram, sobretudo, chamar a atenção da mídia e, com a expan-são da Internet e de outros meios para captar a atenção do públi-co, aumentaram muito. elas circulam petições e organizam outras formas de manifestação para pressionar as posições dos governos mais democráticos. em certas discussões, sobretudo nas am-bientais, certas oNGs têm a oportunidade de pedir a palavra e de participar ativamente das negociações, sem ter, no entanto, o direito de voto, como a da participação da IuCN nas negociações da Convenção sobre a Diversidade Biológica ou a CIteS.

outras formas de manifestação mais vigorosas e perigosas são também utilizadas para prender a atenção do público e dos governantes, como aquelas organizadas pelo Greenpeace, a exem-plo das famosas cenas em que um bote combatia um grande transatlântico ou um petroleiro, ainda hoje presentes na memó-ria. embora com tantos exemplos, a demonstração da influência ainda é difícil.

II. a difícil demonstração da influência concreta das oNGs na for-mação da norma ambiental

os exemplos de influência concreta das oNGs são variados. elas foram importantes na aceitação final das quotas para o co-mércio de marfim,40 no âmbito da CIteS, porque eram as únicas a terem conexões locais e a possuírem dados sobre os caçadores de elefantes e o comércio ilegal de marfim. No regime de pro-teção da camada de ozônio, seu papel foi fundamental, indo do lobbying para extinguir imediatamente a produção de CFCs, até a ação contra a empresa MacDonalds, com a substituição da pro-dução de CFCs por embalagens de papelão. Da mesma forma, o regime de proteção das baleias deve muito à participação do Gre-enpeace e dos amigos da terra. estas organizações contribuíram para a conscientização do público, além de fazer lobbying junto à Comissão sobre a pesca das baleias. Na Convenção de londres sobre a imersão de dejeitos no mar, a participação do Greenpeace foi importante e ajudou na adoção, desde 1990, do princípio de 40 SaNDS, P. enforcing environmental security. In: Sands, P. Greening interna-

tional law. london: earthscan, 1993, p. 62. 41 artS. the political influence of global NGos. Case studies on the climate and

biodiversity conventions, op. cit., p. 26.

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precaução.41

Certas oNGs, como a IuCN, têm uma participação ainda mais forte. a participação das grandes oNGs é às vezes mais eficaz que a participação de milhares de pequenas oNGs. em-bora a IuCN seja uma entidade mista, composta por 77 estados, 104 agências governamentais e várias pessoas físicas, além de outras 720 oNGs, ela tem o estatuto de oNG. Considerando sua grande estrutura e sua produção de dados e modelos de normas, a IuCN tem, certamente, influência sobre os principais acordos internacionais ambientais. Sua cooperação com os estados acon-tece em vários níveis: ela oferece proposições de artigos, como, por exemplo, na discussão da Convenção de aarhus, sobre o acesso à informação, à participação pública no processo deci-sório e o acesso à Justiça nas questões ambientais. ela preparou também os documentos que serviram de base às negociações internacionais, como o primeiro projeto para a Declaração do rio. No plano interno, o Centro para o direito internacional do meio ambiente da IuCN é convidado pelos estados para prepa-rar modelos de normas internas. existem vários exemplos: para a Província de Salta, na argentina, a IuCN preparou, em 1996, um projeto de norma geral de proteção do meio ambiente; Burquina Faso recebeu um projeto de normas sobre a harmoni-zação de fundos para o meio ambiente, o controle de zonas de caça municipais e a gestão do lixo. etiópia, Guiné-Bissau, Paquis-tão, Iêmen e Panamá foram beneficiados com os mesmos serviços em outros domínios.42 assim, a contribuição das oNGs pode ser de duas formas: dissimulada, induzindo os estados a fazerem a norma por meio do lobbying ou outras formas de pressão, ou explícita, redacional, com a proposição de textos concretos ou de partes de textos que vão ser a base dos textos definitivos.43

embora haja múltiplos exemplos da influência das oNGs e a rápida percepção deste fato por aqueles que assistem a uma conferência internacional, faltam estudos mais sólidos sobre a influência das oNGs na formação do direito internacional do meio ambiente. o tratamento deste tema exige uma metodologia própria e um esforço considerável. B. arts propõe uma metodo- 42 eNVIroNMeNtal laW ProGraMMe. environmental law programme report

1998, IuCN, 1999, p. 7-9. 43 DuPuY, P-M. les oNG et le droit international. Paris: economica, 1986.

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logia mais apropriada, analisando a egopercepção das oNGs, ou, em outras palavras, a percepção que as oNGs pensam ter tido nas negociações internacionais ambientais; em seguida, passa--se à alter-percepção, ou a percepção que os representantes dos governos participantes das conferências internacionais têm da influência das oNGs e, enfim, a análise a partir da comparação entre os documentos apresentados pelas oNGs e os textos dos acordos e decisões internacionais. É o confronto dessas infor-mações que permite identificar se houve ou não uma influência concreta das oNGs. No seu estudo, B. arts fez um análise da influ-ência das oNGs internacionais entre 1990 e 1995 na redação de alguns artigos específicos da Convenção da Diversidade Biológica e Mudanças Climáticas. em virtude da gama de entrevistas e de documentos que o método proposto exige, seu estudo é limitado a uma parte destas convenções internacionais.

assim, a influência das oNGs dependeria de vários elemen-tos:

– Quanto mais a oNG é radical, menores são suas chances de ter influência sobre a formação do direito internacio-nal.

– Quanto mais o tema discutido é importante, menos são as chances das oNGs de participar das reuniões.

– a divisão tradicional em grupos de estados, a exemplo da oposição entre o Norte e o Sul, torna mais difícil a ação das oNGs.

– a influência sobre a formação de princípios, normas e procedimentos é igualmente difícil;

– a similitude entre as demandas das oNGs e outras regras jurídicas em outras convenções internacionais torna mais fácil o exercício da sua influência.

– Quanto mais a oNG mobiliza recursos científicos, maio-res são suas chances de ter influência.44

44 artS. the political influence of global NGos. Case studies on the climate and biodiversity conventions, op. cit., p. 230-257.

45 oNG que já figurava na primeira conferência das partes (CoP1). 46 artS. the political influence of global NGos. Case studies on the climate and

biodiversity conventions, op. cit., p. 127, 128, 138, 144, 177, 221.

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B. arts conclui que as oNGs, especialmente a Climate action Network (CaN),45 tiveram papel importante para o aceite de uma primeira versão do Protocolo de Quioto. a implementação con-junta do protocolo pelos países em desenvolvimento e os países desenvolvidos era um ponto sem consenso entre as oNGs (envi-ronmental Defense Fund, Centre for Science and environment a favor, e Greenpeace, contra). ainda que as oNGs não tenham atin-gido seus objetivos, os países em desenvolvimento apropriaram--se dos argumentos utilizados, especialmente o G77 e a China.

Na Convenção da Diversidade Biológica, as oNGs puderam ego/percepção n respostas alter-percepção

n respostas análise causal

Confirmação Influência

política Convenção

sobre as mudanças climáticas objetivos n = 3 n = 3 Não Nenhuma Princípios n = 3 n = 2 Não Nenhuma alvos n = 2 n = 2 Sim um pouco Implementação n = 3 n = 0 Não Nenhuma Protocolo aoSIS n = 7 n = 4 Sim Substancial Implementação n = 5 n = 3 Sim um pouco conjuntaPrimeira revisão n = 2 n = 0 Não Nenhuma Mandato de Berlin n = 5 n = 8 Sim um pouco Convenção sobre a diversidade biológica Preâmbulo n = 2 n = 1 Sim Substancial Indígenas e n = 3 n = 7 Não Nenhuma comunidades locaisConservação in situ n = 4 n = 0 Sim um pouco acesso aos recursos n = 3 n = 2 Não Nenhuma genéticos Biossegurança n = 3 n = 3 Não Nenhuma Indígenas e n = 2 n = 3 Sim um pouco comunidades locais Biodiversidade n = 3 n = 3 Sim um pouco marinhaFlorestas n = 3 n = 0 Não Nenhuma Biossegurança n = 5 n = 4 Não Nenhuma Mecanismos n = 4 n = 0 Sim um pouco financeiros

influenciar três pontos dos nove analisados. as oNGs IuCN, WrI e WWF demonstraram a necessidade de reconhecer no preâmbulo os valores da diversidade, o papel das mulheres na conservação e sua utilização sustentável. as oNGs contribuíram politicamente para a consideração de temas como a questão dos povos indí-genas, as comunidades locais e a diversidade marinha. elas têm influência política na formação das posições adotadas sobre a biossegurança. Na verdade, sua influência é parcial nestes dois

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últimos pontos e substancial no preâmbulo.46 a tabela seguinte ilustra o resultado da comparação de três critérios propostos e as conclusões sobre a influência das oNGs na formação de temas específicos nas Convenções sobre as Mudanças Climáticas e Di-versidade Biológica.

taBela. Participação das oNGs na formação dos regimes do clima e da diversidade biológica,

entre 1990 e 1995, conforme arts

observação: a repetição de “acesso aos recursos genéticos” e “biossegurança” ocorre em razão das diferentes negociações sobre estes temas.

Fonte: arts, B. the political influence of global NGos. Case studies on the climate and biodiversity conventions. utrecht: International Books, 1998, p. 154 e 230. adapta-ção das tabelas presentes

§ 2º Participação das oNGs por meio do apoio acordado a organi-zações internacionais

além da influência exercida na elaboração do texto da norma, a importância das oNGs é igualmente marcada pelo apoio que elas deram às organizações internacionais para a implementação das convenções internacionais, a produção e implementação de programas e a ação in loco, assim como no controle das convenções. o apoio pode ser financeiro ou técnico. Quanto ao financeiro, podemos citar a ajuda para a realização das reuniões internacionais que vão desde o financiamento de viagens e taxas de inscrição de outras delegações ou de outras organizações internacionais. assim, em 1986, a WWF pagou as ta-xas de viagem e diárias dos representantes da Indonésia, tanzânia e zimbabwe que queriam comparecer a uma reunião da CIteS.47 elas podem até mesmo contribuir para o financiamento da 47 laMBert-BaBIB, M.-l. le commerce des espèces sauvages: entre droit inter-

national et gestion locale. Paris: l’Harmattan, 2000, op. cit., p. 225. 48 SlauGHter. International law and international relations. In., op. cit., p. 122-

142. et laMBert-BaBIB. le commerce des espèces sauvages: entre droit international et gestion locale, op. cit., p. 222-224.

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convenção internacional. a participação de quatro oNGs: african Wildlife Foundation, International Fund for animal Welfare, traffic uSa e WWF, em 1989, garantiu 11,2% do orçamento total da CI-teS, ou uS$ 46,000. o total doado à CIteS pelas oNGs ligadas à conservação da vida animal, entre 1992 e 1994, foi superior a uS$ 155,703, enquanto os sindicados de comer ciantes contribuíram com uS$ 276,803.

a ajuda técnica é concretizada pela assistência às atividades do Secretariado, como fez até 1984 a CIteS, que contratou a IuCN para administrar o Secretariado. embora o contrato da IuCN com a CIteS já tenha acabado, a IuCN continua a sediar a adminis-tração da Convenção raMSar. o controle do Secretariado dá à oNG uma posição privilegiada; ela tem acesso aos documentos, pode produzir relatórios técnicos sobre assuntos importantes e participar da redação das posições e resoluções. a ajuda técnica pode ser dada também a estados, com a elaboração de pareceres técnicos, relatórios e formas de gestão ambiental.48

§ 3º Participação na implementação do direito internacional

No tocante à implementação das convenções internacionais, as oNGs participam da educação ao público, da realização de pro-jetos de desenvolvimento sustentável e da regulação das normas internas.49 a educação ambiental é um elemento essencial e mesmo central de certos acordos internacionais. a aplicação da agenda 21 beneficia-se da participação de certas oNGs de todo o mundo. estas oNGs organizam campanhas de conscientização e discussões sobre diversos assuntos ligados aos desenvolvimento e ao meio ambiente. Fazem reuniões periódicas e, antes de cada reunião internacional, enviam, aos associados, textos que devem ser submetidos a discussão. em seguida, nas reuniões, os partici-pantes discutem os temas e preparam atas que são distribuídas em seguida. existem também reuniões centrais, com a participa-ção de um número mais importante de associa dos ou delegados de cada associação. as atas são enviadas aos administradores públicos, trabalhadores ou pessoas influentes. 49 este ponto será estudado ao longo do livro. 50 o attaC foi criado em 3 de junho de 1998, na França.

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Considerando que certas oNGs têm mais de dez milhões de membros, é possível constatar o potencial de impacto de seus meios de informação. outras, as menores, têm também ação im-portante, como, por exemplo, a Solagral, na França, e em vários outros lugares. a sua representatividade depende da sua capaci-dade de organização, da informação dos seus membros, dos seus meios de influência sobre a população em geral e da sua capaci-dade de pressionar as decisões estatais. a expansão da Internet tornou também possível a rápida divulgação das informações. o site do attaC, uma oNG recente,50 chega a fornecer dois milhões de arquivos por mês, cada um contém um documento explicando as posições da oNG sobre um ponto específico da agenda interna-cional. esses números dificilmente seriam alcançados por outros meios. Mesmo os governos mais potentes teriam muita dificul-dade para produzir documentos em tal escala para as pessoas interessadas.

51 DoMINI, a. “the bureaucracy and the free spirit: stagnation and innovation in the relationship between the uN and NGo”, third World quarterly, sum-mer 1995, apud SeNarCleNS, P. D. Mondialisation, souveraineté et théories des relations internationales. Paris: armand Colin, 1998, p. 49.

total 1986-1994 1995 1996 1997

No % No % No % No % agricultura 440 34 34 74 33 88 43 81Desenvolvimento urbano 117 21 13 38 10 70 13 54 educação 190 24 26 54 29 52 18 56 energia 167 13 16 25 19 21 17 18 Meio ambiente 47 70 16 50 13 69 12 100 Finanças 104 12 16 6 17 12 14 29 Saúde pública e nutrição 125 64 24 75 23 57 15 60 Indústria 88 15 2 0 4 25 5 40 água e esgoto 101 16 11 55 9 67 13 69 Minas 15 7 2 50 8 63 2 50 Multi-setorial 176 11 24 8 19 37 22 5 Petróleo 51 6 7 14 3 33 4 — Setor público 126 9 20 20 27 15 20 5 Setor social 37 68 8 88 17 82 16 69 telecomunicações 39 — 1 — 1 — — — transportes 230 7 22 18 24 21 27 26 total 2,053 23 242 42 256 48 241 47

Número e porcentagem de projetos envolvendo oNGsFonte: Banco Mundial, relatório anual, 1997

a participação das oNGs na formulação e na implementa-ção de programas de proteção da natureza e da promoção do de-senvolvimento sustentável, sobretudo os programas financiados pelas organizações internacionais, é crescente. Percebe-se que a

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implemen tação desses programas é mais eficaz e mais facilmente controlável quando eles são conduzidos por oNGs do que por go-vernos. assim, em 1992, 13% dos recursos destinados à promoção do desenvolvimento, ou uS$ 8,2 bilhões, eram geridos por oNGs, o que representa, por exemplo, um montante equivalmente a tudo que foi transferido pelo sistema das Nações unidas.51 Certas organizações internacionais, como o Banco Mundial, utilizam quase exclusivamente as oNGs para a implementação de seus programas de proteção da natureza. este dado está presente na tabela seguinte:

taBela. Perfil da colaboração operacional Banco Mundial – oNGs, ex. 86-97

a ação in loco das organizações locais e regionais é tam-bém, em geral, mais eficaz do que as ações governamentais ou das organizações intergovernamentais. o conhecimento das especificidades locais e também dos problemas de rivalidades políticas contribui para a adaptação dos modelos e projetos pro-postos à realidade. assim, constata-se sempre que a formação de redes de oNGs se faz ao redor de um projeto ou de um outro objetivo comum qualquer.

a obtenção de recursos financeiros opera tanto na coope-ração entre as oNGs do Norte e do Sul quanto entre as oNGs de uma mesma região e entre os governos e as oNGs. Na organiza-ção das oNGs do Norte e do Sul, constata-se que as do Norte, em geral, fornecem os recursos destinados às atividades das do Sul, para a implementação dos seus projetos. Neste caso também aparecem muitos problemas, e notamos uma forte taxa de insuces-so dos projetos. Geralmente, eles são mal-geridos, com um pessoal malformado, não têm continuidade e faltam recursos suficientes para que terminem; geralmente, o poder de decisão é concentra-do em uma única pessoa, cuja partida causa o fim da entidade e provoca uma falta de coordenação entre as oNGs, resultando na 52 SMIllIe, HelMICH, eds. organisations non gouvernementales et gouverne-

ments: une association pour le développement, p. 16.

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duplicação de esforços. Como afirmam certos autores, as oNGs são orgulhosas de suas inovações, mas estes projetos são, geral-mente, iniciativas antigas, não-repro duzíveis e não-extensíveis. todavia, somente as experiências bem-sucedidas são divulgadas. o discurso de base é sempre o mesmo: “rapidez, eficácia e efetivi-dade”, e que elas atingem mais de 250 milhões de pobres, do 1,3 bilhão existente.52

§ 4º Participação por meio da assistência dada ao controle das convenções

as oNGs contribuem para o controle das Convenções. Na produção de relatórios nacionais, certas oNGs estão em situação de denunciar as irregularidades. em certos casos, como no Secreta-riado da Convenção sobre Mudanças Climáticas, é possível iniciar investigações para verificar as contradições que aparecem entre as oNGs e os estados. outras convenções possuem também me-canismos de controle aplicáveis aos relatórios das oNGs, como a CIteS ou a Convenção da Diversidade Biológica.

as oNGs têm outra função essencial: a divulgação das ne-gociações, das atividades dos Secretariados e do conteúdo das convenções. o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável disponibiliza on-line pela Internet as principais ne-gociações internacionais sobre meio ambiente e divulga um jornal que assegura a disponibilidade dos discursos ou das pro-posições formuladas pela maior parte dos estados participantes. esta modalidade de divulgação permite que qualquer pessoa acompanhe a negociação internacional e controle as posições do seu governo. Para a sociedade civil, esta ação contribui de forma significativa para o controle dos governos. outros mecanismos clássicos são também constantemente empregados, como a publi-cação de jornais, livros e brochuras explicativas, e programas de educação ambiental.

* * * 53 M-a. Hermitte considera a criação de um princípio de contestação, caracte-

rizado pela expansão das ações das oNGs na Justiça, paralela às formas clás-sicas de representação. Ver: HerMItte, M.-a. le principe de contestation. le Monde, 4 février, 2001.

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a participação na cooperação é, portanto, extremamente importante e produz resultados concretos, tanto internacional quanto localmente. No tocante ao desenvolvimento sustentável, nota-se forte cooperação das oNGs quanto ao apoio aos secre-tariados, à produção de textos jurídicos, à implementação nos âmbitos internacional, regional e local e ao controle dos atos dos governos. todavia, a ação das oNGs não se restringe à coopera-ção, uma ação voltada para o conflito ainda é presente e às vezes mostra-se mais eficaz.

Subseção II – a participação pelo conflito contra os estados

as interações entre as oNGs e os estados, as empresas e as outras oNGs explicam por que suas relações não são sempre de cooperação.53 a utilização da via judicial é uma constante e tem por objetivo tornar o direito ambiental eficaz, o que é um ele-mento comum a todos os continentes. É nos estados unidos, no entanto, que as oNGs utilizaram a via jurisdicional de modo mais marcante, o que se explica pela cultura norte-americana, que tem por tradição recorrer ao Judiciário para impor seus pontos de vis-ta. além disso, o sistema norte-americano possibilita a discussão do mérito dos atos administrativos, e não apenas uma análise ex-clusiva da legalidade interna. Nos sistemas continental, europeu e latino-americano, entretanto, o juiz não pode decidir sobre o uso do poder discricionário do administrador público. ele pode somente verificar se a decisão cumpriu as exigências legais. esta maior margem de manobra também ajuda a estimular o recurso ao Judiciário nos estados unidos.

todavia, o acesso ao Judiciário não é sempre uma tarefa fácil. existem importantes obstáculos que variam conforme o país. os maiores obstáculos ao acesso à Justiça, de acordo com um estudo realizado pelo Conselho europeu do Meio ambiente, são os seguintes: os poderes jurídicos dos órgãos acionados não

54 SaNCY, M. Introduction. In: Maljean-Dubois. l’effectivité du droit européen de l’environnement. Controle de la mise en oeuvre et sanction du non--respect. aix-Marseille: Centre d’etudes et de recherches Internationales et Communautaires. université d’aix-Marseille, 2000, p. 18-19.

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são sempre suficientes para fazer uma injunção pedindo que se considere como uma ofensa ao meio ambiente; os prazos de res-posta do Judiciário não são razoáveis, considerando sobretudo a irreversi bilidade de certos danos ao meio ambiente, os recursos são lentos e não têm, em muitos casos, efeitos suspensivos, os custos podem ser altos; e os custos da perícia excedem as possi-bilidades financeiras das oNGs.54 assim, para estudar este tema, devemos ver, em um primeiro momento, os obstáculos, para, em seguida, mostrar os terrenos já conquistados.

§ 1º obstáculos encontrados pelas oNGs em relação ao acesso à Justiça

os obstáculos são de dois tipos: jurídicos, como a necessida-de de demonstrar o interesse de agir em relação ao meio ambien-te e a aceitação da presença de oNGs nos tribunais e nos Órgãos de Solução de Controvérsias das organizações internacionais; e os obstáculos não-jurídicos, representados pelo acesso à informa-ção ambiental. essas barreiras existem tanto nos estados unidos quanto na europa ou nos países em desenvolvimento.

o tratamento desses dois aspectos teve caminhos distintos em cada país, de acordo com a cultura em vigor. Certos países em desenvolvimento, como o Brasil, produziram rapidamente normas mais apropriadas, visando a facilitar o acesso à Justiça, assim como a divulgação de informações às oNGs. Nos estados unidos, o direito à informação também progrediu rapidamente, enquanto na europa, mesmo após a assinatura da Convenção de aarhus, que determina o acesso à informação, as oNGs continu-am enfrentando grandes dificuldades para acessar informações importantes.

esses obstáculos receberam tratamentos diferentes confor-me o país e a organização internacional relacionada. este estudo tratará, em um primeiro momento, do obstáculo não-jurídico, mais operacional, e particularmente importante: o acesso à infor-mação ambiental; depois, tratará de um dos obstáculos jurídicos: o interesse de agir, princípio de toda ação das oNGs. Contudo, essas duas órbitas de controle jurídico não têm equivalência, em se tratando de organizações internacionais, daí a importância do

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estudo de um segundo obstáculo jurídico, a aceitação da partici-pação das oNGs nos órgãos jurisdicionais internacionais.

I. o acesso à informação

a questão do acesso à informação sobre os dados ambien-tais de projetos públicos e privados é uma barreira importante para a participação das oNGs. a maior parte das legislações garante o direito de informação ao público, mas em matéria am-biental é preciso uma participação mais ativa dos poderes públi-cos e das empresas, que devem ser obrigados a prestar contas à sociedade e informar que existe uma determinada atividade que pode causar danos ao meio ambiente. a lógica dos estudos de impacto, com a realização de audiências públicas em que a po-pulação, em geral, é convocada para participar da avaliação dos projetos, é um exemplo desta evolução. 55 recomendação C (74)224, C (76)55, C (77)28, C (78)77; decisão-recomenda-

ção C (88)85 de 8 de julho de 1988, adotada pelo Conselho da oCDe sobre a comunicação de informações ao público e a participação deste no processo de tomada de decisão aplicável aos acidentes ligados a substâncias perigo-sas; decisão sobre a troca de informações sobre os acidentes susceptíveis de provocar danos tranfronteiriços. In: MalJeaN-DuBoIS, S. le rôle des citoyens et des oNG. In: Maljean-Dubois. l’effectivité du droit européen de l’environnement. Controle de la mise en oeuvre et sanction du non-respect. aix-Marseille: Centre d’etudes et de recherches Internationales et Commu-nautaires. université d’aix-Marseille, 2000, p. 26.

56 recomendação 854 (1979) da assembléia Parlamentar do Conselho da euro-pa, adotada em 1º de fevereiro de 1979 e relativa ao acesso do público aos documentos governamentais e à liberdade de informação; recomendação 1284 (1996) da assembléia Parlamentar do Conselho da europa relativa à política ambiental na europa, de 23 de janeiro de 1996; resolução 1087 (1996) da assembléia Parlamentar do Conselho da europa relativa às con-seqüências do acidente de tchernobyl, adotada em 26 de abril de 1996. recomendação do Conselho de Ministros: r (81) 19, de 25 de novembro de 1981, sobre o acesso à informação detida por autoridades públicas; Declara-ção sobre a liberdade de expressão e de informação de 29 de abril de 1982; recomendação r (87) 16, relativa aos procedimentos administrativos que atingem um grande número de pessoas, adotada em 17 de abril de 1987, In: MalJeaN-DuBoIS. le rôle des citoyens et des oNG. In: op. cit., p. 26.

57 Declaração de Sofia In: MalJeaN-DuBoIS. le rôle des citoyens et des oNG. In., op. cit., p. 26. Ver também a compilação de documentos de SaNDS, P. Documents in european Community environmental law. New York and Manchester: Manchester university Press, 1995, 838 p. en spécial la Directive 90/313/eeC.

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Muito embora haja um direito à informação nas Constitui-ções nacionais de vários estados, esse direito ainda tem dificulda-des para afirmar. as informações não estão sempre disponíveis, os custos e os prazos para a obtenção da informação são muitas vezes inapropriados. além disso, a confidencialidade de certos dados importantes e a imprecisão de outros são também proble-mas constantes. ainda hoje não existe uma convenção interna-cional global sobre o acesso à informação ambiental que seja ao menos eficaz e ratificada por um número significativo de estados.

a evolução legislativa sobre o direito à informação é recente e baseia-se sobretudo em soft norms, como uma série de reco-mendações da oCDe,55 do Conselho da europa56 e da Comissão econômica das Nações unidas para a europa.57

a Convenção de aarhus, na europa, prevê o direito de in-formação em matéria ambiental. o artigo 4 exige que os estados partes forneçam as informações relativas ao meio ambiente, mes-mo se a parte não demonstrou interesse sobre o tema. a informa-ção deve ser fornecida em um prazo máximo de um mês, ou dois, no caso de informações complexas. a informação não será forne-cida somente nos casos em que o poder público não a detém ou quando o pedido é manifestamente não-razoável ou formulado de forma muito geral, e quando os agentes públicos estão isentos por lei de fornecê-la, como nos casos de segurança nacional. toda recusa deve ser justificada. os custos das informações devem ser acessíveis e o maior número possível de informações deve estar disponível pela Internet.

as partes devem também divulgar as informações, mesmo se não houve pedidos. toda informação que possa interessar ao público, como os estudos ambientais, as normas legais nacionais e interna cionais e os relatórios sobre o estado do meio ambien-te, elaborados a cada três ou quatro anos, deve ser publicada. os estudos de impacto deverão ser acessíveis ao público, e as informações interessantes para os consumidores deverão ser de acesso fácil.

ainda que esses dispositivos sejam gerais e que a maior par-te dos países europeus já possua instrumentos de informação em

58 BlaNC. la participation et l’action non contentieuse des associations. In: op. cit., p. 59.

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matéria ambiental, a Convenção de aarhus não foi ratificada pela grande maioria dos estados europeus. embora seja uma norma ambiental recente, em razão da sua importância ela já deveria estar em prática.

além de tudo, é preciso dizer que o direito à informação é bloqueado, de certa forma, pelo segredo industrial. em alguns casos, o poder público tem o direito de divulgar informações citadas como confidenciais, pela empresa ou pelo particular, se ele considera que esta informação é essencial para que o público possa participar e que a sua publicidade não causará prejuízos à empresa. a legislação do Brasil sobre organismos geneticamente modificados segue esta linha, mas são necessárias negociações com a empresa antes de proceder a qualquer divulgação. até o presente, nenhuma iniciativa foi tomada neste sentido.

a questão dos custos é igualmente crucial. Na França, a tari-fa para a cópia de documentos é fixada por uma decisão de 29 de maio de 1980. a Comissão de acesso aos documentos administra-tivos autorizou alguns pequenos municípios a cobrarem tarifas que chegam a 0,60 euro a página, enquanto este preço, nas casas de cópias particulares, é vinte vezes mais barato! em fevereiro de 2000, por exemplo, a associação Greenpeace pediu a comuni-cação de um dossiê de pesquisa pública sobre as instalações da Cogema em Haya, que tinha muitos milhares de páginas. ainda que os preços praticados sejam inferiores ao citado, as taxas de fotocópia foram de quase 500 euros. este valor não é pedido às comunidades, mas as oNGs são sempre obrigadas a pagar. Con-siderando que os custos de obtenção das informações de base sobre qualquer atividade são muito elevados, o direito de acesso à Justiça fica gravemente ferido.58

uma das soluções permitindo criar mais mecanismos de acesso à Justiça, para as oNGs, reside na criação de meios não-juris dicionais de resolução de conflitos ou no desenvolvimento dos mecanismos existentes, como a conciliação, os bons ofícios ou a arbitragem. estes mecanismos evitam o dispêndio de re- 59 CHaMot, C. la participation des oNG au système de controle de la Con-

vention de Berne. In: Maljean-Dubois. l’effectivité du droit européen de l’environnement. Controle de la mise en oeuvre et sanction du non-respect. aix-Marseille: Centre d’etudes et de recherches Internationales et Commu-nautaires. université d’aix-Marseille, 2000, p. 59.

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cursos finan ceiros, o gasto de tempo e a demonstração rígida do interesse de agir em exclusividade da ação estatal. esses procedi-mentos são amplamente utilizados na Finlândia, na Dinamarca e na Suécia. Nos países escandinavos, esses órgãos não-jurisdicio-nais dispõem de grande independência e são, geralmente, dota-dos de poderes importantes.59 Mesmo se as oNGs participam de numerosos órgãos consultivos em vários países da europa, dos estados unidos e de alguns países do Sul, a resolução de conflitos via não-jurisdicional é ainda um instrumento a ser desenvolvido. todas estas possibilidades, tanto jurisdicionais quanto não--jurisdicionais adotadas pelas oNG, já têm diversas repercussões concretas.

II. o interesse de agir

a) Nos estados unidos, o direito de agir é demonstrado pela evolução jurisprudencial. Nos primeiros processos, as oNGs atuavam por intermédio de um particular diretamente afetado e davam-lhe todo o suporte jurídico e financeiro necessário. uma alternativa consistia em alegar que um diretor da oNG iria passar suas férias em um território afetado, onde ele pretendia morar. este argumento não era sempre aceito pelos tribunais. o obje-tivo principal dos processos das oNGs era retardar a execução dos projetos industriais para a realização de estudos de impacto ambiental. esse fenômeno tornou-se uma forma de guerrilha judicial. o tempo necessário para o andamento do processo tornava possível a ampliação das pressões políticas, em favor da realização dos estudos. entre os autores mais freqüentes, encon-tramos Sierra club, amigos da terra, trends Foundation (centrada na pessoa de Jeremyh rifkin), Defenders of Wildlife, entre outros.

o processo Sierra Club c. Morton, julgado pela Corte Supre-ma dos estados unidos, em 1972, ilustra esse procedimento.60

a oNG fundamentou o processo no seu objetivo estatutário, a conservação e gestão dos parques nacionais e das florestas dos estados unidos. o tema tratava da floresta nacional de Sequóia. o governo havia concedido uma parte importante da floresta ao Grupo Disney, em 1969, para a construção de um complexo turís- 60 405 u.S. 727 (1972). 61 504 u.S. 555 (1992).

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tico, com uS$ 35 milhões em investimentos, compreendendo hotéis, restaurantes, piscinas e acesso por rodovia e trem, per-mitindo receber 14 mil vistantes por dia. o complexo turístico seria utilizado como estação de esqui e centro de lazer. o dano alegado pela oNG era sobre a mudança estética e ecológica da região. ela afirmava que o projeto “irá destruir ou afetar de forma desfavorável o cenário, os objetos naturais e históricos e a vida selvagem do parque e iria comprometer a utilização do parque para as gerações futuras”. a Corte considerou que po-dia até haver ofensa estética, mas que seria preciso demonstrar que uma pessoa da associação utilizava o parque e que esta utilização seria afetada pela mudança.

No campo internacional e sobre a inclusão de terceiros como partes legítimas em um processo, a Corte suprema pronun-ciou-se em 1992, no mesmo sentido, no caso lujan c. Denfenders of Wildlife.61 Neste, a oNG processou o Secretário do Interior dos estados unidos, porque o governo havia autorizado um co-finan-ciamento para a construção de um projeto no egito. o dinheiro do co-financiamento vinha da uSaID e o projeto tinha por objeti-vo reconstruir a barragem de assouan. a oNG alegava que o pro-jeto colocava em perigo uma espécie de crocodilo do Nilo. Dois membros da oNG, Joyce Kelly e amii Skilbred, afirmavam que elas tinha viajado ao egito em 1986, que tinham conhecido este cro-codilo e que pretendiam retornar ao egito para vê-lo novamente. a continuidade do projeto co-financiado pelos estados unidos iria impedi-las de rever o dito crocodilo. É sobre essa intenção de retornar ao local e de rever a espécie que a oNG fundamentava 62 uma análise é feita por tara ohler, extraterritorial application of the endan-

gered Species act: does section 7 apply to Federal agency actions abroad? Moving beyond standing to an analysis of the scope and meaning of the sta-tute and congressional intent. In: http: //www.colorado.edu/law/Getches/ohler.doc, le 10 mai 2001.

63 “except as provided in paragraph (2) of this subsection any person may commence a civil suit on his own behalf – (a) to enjoin any person, including the united States and any other governmental instrumentality or agency (to the extent permitted by the eleventh amendment to the Constitution), who is alleged to be in violation of any provision of this chapter or regulation issued under the authority thereof… the district courts shall have juridic-tion, without regard to the amount in controversy or the citizenship of the parties, to enforce any such provision or regulation, or to order the Secretary to perform such act or duty, as the case may be.” 16 u.S.C.a. § 1540(g) (1973).

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seu interese na ação. os argumentos da oNG apoiavam-se no en-dangerd species act, que garante na sua seção 11 g), o direito de defender o meio ambiente a todas as pessoas62:

“(1) exceto na situação prevista pelo parágrafo (2) desta subseção, toda pessoa pode iniciar uma ação civil por sua própria conta – (a) para trazer toda pessoa, incluindo os estados unidos ou qualquer outra entidade ou agência governamental (na medida em que esteja permitida pela emenda número 11 à Constituição), que é presumida de ter violado qualquer disposição pertencente a este capí-tulo ou uma regulamentação decretada pela autoridade em questão. os tribunais dos distritos devem oferecer suas jurisdições independentemente do montante discutido ou da cidadania das partes, para tornar eficaz toda disposição ou regulamentação ou para ordenar ao Secretário cumprir todo ato ou obrigação deste tipo, conforme o caso.”63

o objetivo da ação era bloquear o financiamento america-no. a corte suprema julgou que as partes não tinham demons-trado uma ofensa real aos seus direitos. ainda que tenha sido estabelecido que o projeto iria afetar as espécies ameaçadas de extinção, nenhum membro da oNG pôde provar ter tido um in-teresse concreto no caso em questão, e a simples pretensão de esperar rever uma espécie, um dia, não era suficiente para estabe-lecer o interesse de agir. 64 (b) respondents did not demonstrate that they suffered an injury in fact.

assuming that they established that funded activities abroad threaten cer-tain species, they failed to show that one or more of their members would thereby be directly affected apart from the members’ special interest in the subject. See Sierra club v. Morton, 405 u.S. 727, 735. affidavits of members claiming an intent to revisit project sites at some indefinite future time, at which time they will presumably be denied the opportunity to observe endangered animals, do not suffice, for they do not demonstrate an “immi-nent” injury. respondents also mistakenly rely on a number of other novel standing theories. their theory that any person using any part of a conti-guous ecosystem adversely affected by a funded activity has standing even if the activity is located far away from the area of their use is inconsistent with this Cour’s opinion in lujan v. National Wildlife Federation, 497 u.S. 871. and they state purely speculative, nonconcrete injuries when they argue that suit can be brought by anyone with an interest in studying or seeing endangered animals anywhere on the globe and anyone with a professional interest in such animals, p. 562-567.

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“(b) Denfenders [of Wildlife] não demonstram que eles ti-nham sofrido um dano de fato. admitindo que eles tenham estabelecido que as atividades subvencionadas operando no estrangeiro ameaçam certas espécies, eles não mostra-ram que um ou vários dos seus membros seriam afetados diretamente por esta questão. Ver Sierra club v. Morton, 405 u.S. 727.735. as declarações escritas sob sermão dos membros que pretendem ter a intenção de voltar aos locais afetados por este programa em um momento indeter-minado do futuro, momento em que podemos supor que lhes será suprimida a possibilidade de observar os animais ameaçados, não são suficientes, porque eles não provaram a iminência do dano. [os membros de] Defenders se en-ganaram também em se apoiar em um certo número de teorias recentes. Sua teoria tem valor pelo fato de que toda pessoa, utilizando uma parte qualquer de um ecossistema contíguo, seria desfavoravelmente afetada por uma ativi-dade, mesmo se esta atividade situa-se longe da região na qual se faz uso, está em contradição com o julgamento do tribunal no caso lujan v. National Wildlife Federation, 497 uS 81. eles alegam danos fundamentados em suposições e sem caráter concreto, quando elas afirmam que uma ação pode ser impetrada por toda pessoa interessada pelo estudo ou o espetáculo de espécies ameaçadas, onde quer que estejam na terra, e por toda pessoa profissionalmente interessada por estes animais.”64

É preciso que as oNGs representem um membro da associa-ção e não uma pessoa estranha à associação, escolhida ao acaso, para justificar sua ação. em outra ocasião, a Corte de apelações do 5º circuito,65 no processo amigos da terra c. Chevron Chemical Co., julgado em 10 de dezembro de 1997, também julgou que não havia interesse de agir, e a amigos da terra não tinha asso-ciados na região em causa. analisando o conceito de associado, a sentença enuncia que os indivíduos afetados tinham feito contri-buições para a oNG, mas isso não podia ser considerado indício de associação. esta não-ligação entre os indivíduos e a oNG oca-

65 N. 96-40590 appeal from the united States District Cour for the eastern Dis-trict of texas.

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sionou a recusa das pretensões. embora hoje as oNG já tenham desenvolvido instrumentos permitindo demonstrar o interesse de agir, a partir dessas experiências, essa condição ainda não é amplamente reconhecida e constitui sempre, para as oNGs, um obstáculo ao seu acesso à Justiça nos estados unidos.

b) Na europa, duas realidades co-existem: uma em nível supranacional, outra, em nível nacional. ainda que exista alguma resistência de certos países da europa, em nível supranacional, a Corte de Justiça das Comunidades européias (CJCe) tem acolhido amplamente as iniciativas contenciosas das oNGs. Mesmo se ainda é preciso demonstrar o interesse de agir, este é analisado de forma menos rígida que na alemanha, por exemplo. o meio ambiente é considerado na sua acepção ampla pela CJCe, incluin-do os aspectos estéticos, sonoros e urbanos. Como as diretivas européias sobre a proteção do meio ambiente estão em rápida expansão, existe uma transferência cada vez maior de competên-cias e capacidades do nível nacional ao supranacional. Neste caso, não podemos falar de atribuição de competências e capacidades, visto que os estados perdem seus poderes. De fato, existe uma trans-ferência concreta, o que contribui para esvaziar o conceito de so-berania nacional do seu conteúdo, em favor de um conceito mais concreto de soberania supranacional, européia. o meio ambiente é um dos domínios em que este fenômeno acontece de forma 66 laNFraNCHI, M.-P. , MalJeaN-DuBoIS, S. le controle juridictionnel sur

le plan international. le controle du juge international, un jeu d’ombres et de lumières. In: Maljean-Dubois. l’effectivité du droit européen de l’environnement. Controle de la mise en oeuvre et sanction du non-respect. aix-Marseille, Centre d’etudes et de recherches Internationales et Commu-nautaires. université d’aix-Marseille, 2000, p. 263.

67 laNFraNCHI, MalJeaN-DuBoIS. le controle juridictionnel sur le plan inter-national. le controle du juge international, un jeu d’ombres et de lumières. In: op. cit., p. 263.

68 laNFraNCHI, MalJeaN-DuBoIS. le controle juridictionnel sur le plan inter-national. le controle du juge international, un jeu d’ombres et de lumières. In: op. cit., p. 263-264.

69 Caso Greenpeace International c. Communautés européennes (C-321/95 P). 70 Mesmo em se tratando de grupos de indivíduos, a Corte européia mostra-se às

vezes retrógrada. No processo Balmer-Chafroth c. Suíça, um grupo de indiví-duos entrou com um pedido na Comissão européia alegando que o governo suíço tinha autorizado a construção e a operacionalização de uma usina nucle-ar em Mûhleberg, próximo das suas residências, cujos critérios de segurança

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mais notória.Contrariamente ao que se passa nos estados unidos, onde a

análise nacional é mais interessante, as normas européias são inte-ressantes no tocante ao que se passa no supranacional, sobretudo com relação à sua eficácia. a Corte de Justiça das Comunidades européias e a Corte européia de Direitos Humanos facilitam o acesso à justiça. No entanto, as oNGs e os indíviduos não têm o mesmo status que os estados para agir em juízo, pois enquanto aqueles precisam demonstrar seu interesse de agir, estes não preci-sam. assim, se houver um processo entre a França e uma oNG, qual-quer estado europeu pode participar do processo, sem demonstrar seu interesse, enquanto outras pessoas ou oNGs teriam que provar o interesse de agir. embora os estados tenham essa prerrogativa, o número de estados que tiveram a coragem diplomática e política de utilizá-la não passa de cinco, e ainda assim em casos antigos.66

em geral, o interesse de agir das oNGs não é reconhecido. a posição européia é ainda mais retrógrada do que a posição ameri-cana, considerando que as oNGs não podem sequer defender os interesses individuais dos seus membros, ou de uma parte deles, nem atacar uma violação a um dos objetos que elas têm por mis-são defender.67 No caso Jean asselbourg contra 78 pessoas físicas, assim como associação Greenpeace luxemburgo c. luxemburgo, a Corte européia de direitos humanos decidiu que a oNG apenas tinha o direito “de agir como representante dos seus membros ou funcionários, da mesma forma que, por exemplo, um advogado representa seu cliente”,68 e não em em nome próprio, como parte interessada. outros casos seguiram esta mesma linha, como em Greenpeace International c. Comunidades européias,69 entre ou-tros.70

o tratado de Maastricht, no seu artigo 8D, garante o direito de petição a todos os cidadãos.71 Certos autores consideram que isso é suficiente para garantir o acesso à Justiça às associações de

adotados colocavam em risco sua integridade física, em vista de problemas sérios e irreversíveis de construção. ainda que a Comissão européia tenha votado a favor da recepção do pedido, a Corte decidiu que não havia mais “um nexo direto entre as condições de operação da usina nuclear e o direito de proteção da integridade física dos autores”.

71 MoNeDIaIre, G. a propos de la prise de décision publique en matière d’environnement, mimeo, p. 26.

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proteção do meio ambiente, mas não é este direito de petição que está em jogo, pois trata-se de um direito líquido e certo. o grande obstáculo continua sendo a necessidade de demonstrar o interesse de agir.

ainda que tenha existido uma evolução quanto à interpre-tação do interesse de agir, os países europeus, assim como a Corte de Justiça das Comunidades européias ou a Corte européia de Di-reitos Humanos, não aceitam a limitação do poder discricionário do agente público. o sistema continental prevalece neste ponto e, de forma global, a ação em Justiça é menos eficaz que nos es-tados unidos.

c) Nos estados-Membros, a evolução não foi uniforme, va-riando sempre de acordo com o país. a alemanha e a áustria ainda são os países que colocam mais obstáculos jurídicos ao acesso das oNGs à Justiça, sempre insistindo sobre o não-reconhecimento do interesse de agir das oNGs. existem várias proposições para mudar essas normas, como a iniciativa do Ministro alemão do meio am-biente, trittin, mas ela não foi aprovada. Na França, ao contrário, as oNGs têm o direito de agir em Justiça para a defesa do meio ambiente.

a Convenção de lugano, de 1990, sobre a responsabilidade civil dos danos resultantes das atividades perigosas para o meio am-biente, foi o primeiro tratado na europa a garantir o direito de agir das organizações Não-Governamentais. o artigo 18 enuncia, de fato, que:

“artigo 18 – Pedido das organizações1. toda associação ou fundação que, conforme aos seus es-

tatutos, tenha por objeto a proteção do meio ambiente

72 Muito embora as expectativas da doutrina da época, o acesso a informação teve uma evolução muito mais lenta do que se esperava. Ver: SaNDS, P. “european Community environmental law: legislation, the european Court of Justice and common-interest groups.” Modern law review, 2000, 53(5), p. 685-698, em especial as páginas 697-698.

73 “artigo 9 acesso à Justiça 1. Cada parte deve, de acordo com a sua legislação nacional, assegurar que

qualquer pessoa que considere que a informação requerida por ele ou ela com base no artigo 4 tem sido ignorada, recusada erroneamente, em parte ou

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e que satisfaça a todas as outras condições suplementa-res imposta pelo direito interno da Parte onde a deman-da é feita pode, a todo momento, pedir:a. a interdição de uma atividade perigosa ilícita que

constitua uma ameaça séria de dano ambiental;b. uma condenação do explorador para que este tome

as medidas necessárias para prevenir um aconteci-mento ou um dano;

c. uma condenação ao explorador para que este tome, após um acontecimento, as medidas para prevenir um dano; ou

e. uma condenação do explorador para que ele tome as medidas de reconstituição do estado anterior.”

Infelizmente, as resistências dos países membros foram mais fortes do que as pressões dos grupos ambientalistas.72 a Convenção de lugano ainda é letra morta, em razão do baixo nú-mero de assinaturas. apenas Chipre, Finlândia, Grécia, Holanda,

completamente, respondida de forma inadequada, ou caso contrário não tenha negociado em conformidade com as providências de tal artigo, tem acesso a um procedimento de revisão antes de um Juízo ou de outro corpo independente e imparcial estabelecido por lei. Nas circunstâncias onde uma Parte provê para tal uma revisão por um Juízo, assegurará que tal pessoa também tenha acesso a um procedimento expedito estabe-lecido por lei que é sem custo ou de baixo custo para reconsideração feita por uma autoridade pública ou revisa por um corpo independente e imparcial distinto de um Juízo. Decisões concludentes com base no parágrafo 1 deverão estar relacionadas na autoridade pública possuidora da informação. as razões deverão ser declaradas por escrito, pelo menos onde acesso à informação é recusado com base neste parágrafo.

2. Cada Parte deve, dentro do vigamento de sua legislação nacional, asse-gurar que os membros do público interessado (a) tenha um interesse suficiente ou, alternativamente, (b) Mantenha prejuízo de um direito onde o direito processual adminis-

trativo de uma Parte requer para isto uma condição prévia, ter acesso a um procedimento de revisão antes de um de Juízo e/ou que outro corpo independente e imparcial estabelecido por lei, desafiar a lega-lidade substantiva e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeito às providências do artigo 6 e, assim providas com base no direi-to nacional e sem preconceito de acordo com o parágrafo 3, de outras providências pertinentes desta Convenção.”

74 um dos principais problemas para o acesso à justiça das oNGs é a aceitação do carácter difuso da proteção ambiental.

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Islândia, Itália, liechtenstein, luxemburgo e Portugal assinaram a convenção, e nenhum país a ratificou. em virtude da Convenção de lugano, a não-ratificação significa uma perda importante para o reconhecimento das oNGs no âmbito comunitário.

ainda no tocante ao interesse de agir, a Convenção sobre o acesso à informação, a participação pública na tomada de deci-sões e o acesso à Justiça para as questões ambientais, conhecida como Convenção de aarhus, contribuiu bastante para o acesso à Justiça pelas oNGs. a Convenção não suprime a necessidade de demonstrar o interesse de agir, mas contribui para facilitar os mecanismos de participação, tanto das oNGs quanto dos indívi-duos em geral. ela exige que os estados suprimam as barreiras financeiras e que criem mecanismos de tomada de decisão alter-nativos ao sistema jurisdicional oficial, mas que sejam também independentes, imparciais e gratuitos.73 a Convenção de aarhus teve melhor sorte do que a Convenção de lugano, mas o número de ratificações ainda é pouco animador. todos os países euro-peus a assinaram, mas apenas azerbaijão, Dinamarca, Geórgia, Cazaquistão, Modávia, romênia, ex-Iusgoslávia, Macedônia, tur-quimenistão e ucrânia ratificaram esta convenção. os países mais importantes, como a França, a alemanha e o reino unido, assim como a maior parte dos países nórdicos, ainda não o fizeram.

d) Paradoxalmente, é em certos países do Sul que encon-tramos uma legislação e uma prática mais favorável à ação das oNGs. o acesso das oNGs à Justiça evoluiu também de forma mais rápida do que poderíamos pensar. No Brasil, a lei 7.347, de 24 de julho de 1985, criou a “ação civil pública”. esta nova modali-dade de ação aplica-se à defesa do meio ambiente, dos consumi-dores e dos bens de caráter artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, assim como a todo interesse difuso ou coletivo.74 Considerando que no Brasil não existem tribunais administra-tivos, estes litígios são tratados pelos tribunais civis. a ação civil pública pode levar à condenação ao pagamento de uma soma em dinheiro ou à implementação de uma obrigação de fazer ou 75 Consituição Federal de 1988, art. 129. 76 lei 7.347, art. 10. 77 MaCHaDo, P. a. l. la mise en oeuvre de l’action civile publique environnemen-

tale au Brésil.” révue Juridique de l’environnement, 2000, (1/2000), p. 65.

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de não-fazer.a iniciativa da ação civil pública pertence às associações

(portanto oNGs), desde que elas estejam constituídas há pelo menos um ano e tenham, como objeto estatutário, a proteção do meio ambiente, dos consumidores, do patrimônio artístico, histórico, turístico, paisagístico ou outros interesses difusos ou coletivos. Isso autoriza a qualquer oNG, cujo fim seja proteção de um dos bens citados, de entrar em Justiça contra o Poder Público ou contra um outro particular para a defesa do meio ambiente. o interesse de agir não está ligado aos interesses dos membros das associações, mas aos objetivos da entidade – a proteção do meio ambiente, por exemplo. Conforme a situação, quando há um inte-resse social manifesto, o juiz pode, em virtude da dimensão ou da característica do dano, ou em razão da importância do bem jurí-dico a proteger, não exigir esse período de um ano. Neste caso, a oNG não precisa sequer ter sua sede no lugar do litígio. uma oNG do Sul do Brasil, cujo objetivo é a proteção do meio ambiente global, pode intentar uma ação civil pública contra o governo do amazonas, situado a três mil quilômetros das suas atividades. as associações podem também agir apoiando qualquer parte, mes-mo se esta não é membro da associação. Nos estados unidos, ou na maior parte dos países europeus, como vimos, isso não seria aceito.

além disso, de acordo com a norma brasileira, a participação do Ministério Público é obrigatória. o Ministério Público, quando não é o autor da ação, deve participar como guardião da lei. Se as associações desistirem da ação em defesa dos bens juridicamente protegidos, o Ministério Público pode continuá-la. uma vez inicia-da a ação, existe uma investigação civil ambiental, conduzida pelo Ministério Público, que é reforçada pela Constituição Federal de 198875 ao dar poder ao Ministério Público para pedir informa-ções a pessoas físicas ou morais; uma resposta deve ser dada em um prazo de dez dias, sob risco de sanções penais.76 em função deste novo procedimento, o prazo para sua implementação foi reduzido sensivelmente.77 os particulares têm também o direito 78 relatório do Ministro Humberto Gomes de Barros, em julgamento de 15 de

fevereiro de 1995. a usina de papel foi impedida de se instalar na comuni-dade de entre rios, no estado da Bahia, citado por MaCHaDo. “la mise en oeuvre de l’action civile publique environnementale au Brésil.”, op. cit., p. 67.

79 De acordo com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

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de pedir informações. Conforme o artigo 8, “todo interessado po-derá exigir das autoridades competentes todos os documentos e informações que julgue necessários. estes últimos deverão ser fornecidos em um prazo de quinze dias”.

Não existe restrição com relação à finalidade da associação, que pode ser ampla, o que depende do tribunal. o tribunal Supe-rior de Justiça aceitou a iniciativa de uma fundação de assistência aos pescadores, que não tinha por objetivo estatutário a proteção do meio ambiente, em um processo contra a instalação de uma usina de papel. o tribunal decidiu, no entanto, que a função de prestar assistência a uma comunidade de pescadores pressupõe a obrigação de preservar os recursos naturais indispensáveis à subsistência dos assistidos.78 a investigação foi aceita e a indústria teve que mudar de município.

Conforme o caso, a exemplo da defesa dos consumidores, pode haver inversão do ônus da prova,79 o que é decisivo, consi-derando os diferentes elos entre o direito ambiental e a proteção do consumidor, como mostra o caso dos organismos genetica-mente modificados. assim, é comum o juiz ordenar ao acusado mostrar que ele não destrói o meio ambiente ou que seu produto não oferece riscos à saúde humana. Isso torna mais fácil a ação das oNGs, que, em geral, não dispõem de meios para pagar as perícias.

as associações podem ser dispensadas dos custos da ação se elas demonstrarem que não têm os recursos necessários para o pagamento de advogados e dos demais valores processuais, o que contribui para estabelecer um acesso mais amplo à Justiça. embora a falta de recursos das oNGs e a resistência de alguns juízes, manifestadas sobretudo no início da implementação da norma, esta lei já produziu diversas repercussões importantes, em vários domínios ligados à proteção do meio ambiente.

III. a aceitação das oNGs pelos orgãos jurisdicionais interna-cionais

No campo internacional, a questão do interesse de agir é li- 80 CPJI série C, n. 1, p. 7 apud raNJeVa, r. “les organisation non gouverne-

mentales et la mise en oeuvre du droit international.” recueil des Cours de l’académie de Droit International, 1997, 270, p. 61.

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gada de forma estreita com a exclusividade dos estados, os únicos a terem acesso às cortes internacionais. Para compreender esta problemática, é preciso, antes de tudo, revisar a posição das or-ganizações internacionais. Nos fóruns internacionais, a aceitação da participação das oNGs também não é homogênea. o principal obstáculo reside na exclusividade acordada aos estados para a participação nos processos internacionais. Na Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), no entanto, não havia impedimen-tos à participação de oNGs garantido, de certa forma, pelo mode-lo da organização Internacional do trabalho. assim, a Corte podia consultar as posições das organizações Não-Governamentais, como foi feito, efetivamente, em 1922 e 1931. em 1922, várias oNGs foram consideradas aptas para fornecer informações úteis, além de ter também o direito de serem ouvidas, caso pedissem.80

a) Na Corte Internacional de Justiça não há solução concre-ta, ao contrário, há uma série de posições ambíguas. o artigo 34 do estatuto da CIJ proíbe a participação de oNGs em um processo contencioso (“somente podem agir as organizações internacio-nais públicas”). No tocante aos processos consultivos, a partici-pação das “organizações internacionais” é prevista pelo estatuto da Corte, no artigo 66, parágrafo 2, mas não existe definição do que seja uma organização internacional. todavia, o artigo 66 contém uma diferença em relação ao artigo 34, porque ele não contém o adjetivo público e considera toda “organização interna-cional”.

“artigo 66. assim que seja recebida a solicitação da opinião consultiva, o Secretário notificará a todos os estados que tenham direito a comparecer diante da Corte. 1. o Secre-tário notificará também, mediante comunicação especial e direta a todo estado com direito a comparecer frente a Corte, e a toda organização internacional que a juízo da Corte, ou de seu Presidente se a Corte estiver reunida, possam retirar alguma informação sobre a questão, que a

81 raNJeVa. “les organisation non gouvernementales et la mise en oeuvre du droit international.” op. cit., p. 64.

82 Ver o site www.icj-cij.org. MarCeau, G., StIlWell, M. “Practical suggestions for amicus curiae briefs before Wto adjudicating bodies.” Journal of Interna-tional economic law, 2001, 4(1), p. 166-167.

83 SaNDS, P. , r. Mackenzie, Shany, Y. eds. Manual on international courts and tribunals. london: Butterworths, 1999, p. 18.

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Corte estará pronta para receber exposições escritas dentro do prazo determinado pelo Presidente, ou para escutar em audiência pública que será realizada à questão, exposições orais relativas a tal questão. 4. Será permitido aos estados e às organizações que te-nham apresentado exposições escritas ou orais, ou de am-bos os tipos, discutir as exposições apresentadas por outros estados ou organizações na forma, na extensão e dentro do prazo fixado para cada caso pela Corte, ou seu Presidente se a Corte não estiver reunida. Com esta finalidade, o Secretá-rio comunicará oportunamente tais exposições escritas aos estados e organizações que tenham apresentado as suas.”

a corte pronunciou-se a respeito em quatro ocasiões dife-rentes. No caso estatuto do Sudoeste africano, a liga Internacio-nal de Direitos Humanos queria ser ouvida, com base no artigo 66. em 16 de março de 1950, a CIJ aceitou receber um documento escrito da oNG, “com infomações susceptíveis de esclarecerem a Corte... limitadas a questões jurídicas, não devendo conter a exposição dos fatos, cuja apreciação não é submetida à Corte”. o prazo fixado para a apresentação do documento ia até 10 de abril de 1950. a oNG depositou o documento em 9 de maio. em razão da apresentação tardia e da ausência da assinatura manuscrita no mandato do advogado, a Corte rejeitou o documento e a apre-sentação oral da liga.

em duas outras ocasiões, o efeito do julgamento do tribu-

84 Wt/DS58/aB/r. 85 1. earth Island Institute; Human Society des États-unis; et Sierra Club; 2.

Centre pour le droit environnemental international (Center for International environmental law – (“CIel”); Centre pour la protection du milieu marin (Centre for Marine Conservation); environmental Foundation ltd; Mangrove action Project; Philippine ecological Network; red Nacional de accion eco-logica; et Sobrevivencia; et 3. Fonds mondiale pour la nature et Foundation for International environmental law and Development.

86 Na prática do Gatt, os argumentos das partes interessadas eram aceitos somente no caso onde uma das partes os adotava formalmente. Ver panel Japon – Semi-conducteurs, paragraphes 4-5 et MarCeau, StIlWell. “Prac-tical suggestions for amicus curiae briefs before Wto adjudicating bodies.”, op. cit., p. 158.

87 MarCeau, StIlWell. “Practical suggestions for amicus curiae briefs before Wto adjudicating bodies.”, op. cit., p. 160.

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nal administrativo das Nações unidas acordando indenização (duas recusas, em 1954), e as Conseqüências jurídicas para os estados da presença contínua da áfrica do Sul na Namíbia (Sudo-este africano), não obstante a resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança, a Corte recusou a participação das oNGs, mas sem fazer uma avaliação a fundo do artigo 66.81 No caso licitude da ameaça ou de emprego de armas nucleares, a Corte não aceitou a intervenção da oNG International Physicians for the Prevention of Nuclear War, mas aceitou colocar à disposição dos juízes os documentos fornecidos pela oNG na biblioteca da Corte, e estas informações foram utilizadas nas opiniões dissidentes dos juízes Weeramantry82 e oda. em outras palavras, a participação das oNGs não foi aceita pela CIJ.83

b) em um primeiro período, o mesmo acontecia no âmbito do Órgão de Solução de Controvérsias da organização Mundial do Comércio. No caso camarões,84 os estados unidos juntaram às suas declarações três estudos fornecidos por oNGs especializa-das em domínios específicos, como amicus curiae. De fato, cada documento tinha sido elaborado com a participação de várias

88 Wt/DS138/r, parágrafo 138 “em 19 de julho de 1999, recebemos uma in-tervenção do Instituto americano do Ferro e do aço (aISI), datada de 13 de julho de 1999. Notamos que em virtude dos artigos 12 e 13 do Memorando de entendimento, um grupo especial tem o ‘poder discricionário de aceitar e de considerar ou de rejeito as informações ou pareceres que lhe foram comunicados, tenham sido eles pedidos ou não.’ embora seja certo que nós temos o poder discricionário de aceitar a intervenção do aISI, escolhemos neste caso não exercer este poder, em razão da apresentação intempestiva da intervenção. esta foi submetida depois da data limite fixada para a apre-sentação de comunicações estabelecidas pelas partes para contestações e depois da segunda reunião de fundo do Grupo especial com as partes. as-sim, as partes não tiveram, na prática, possibilidades suficientes para apre-sentar ao Grupo especial suas observações sobre a intervenção do aISI. Nós consideramos que a impossibilidade para as partes de apresentarem suas observações sobre a intervenção do aISI impõe questões graves, no plano da regularidade do procedimento, assim como no quanto o Grupo especial poderia considerar da intervenção.”

89 a liberdade do orD de considerar qualquer argumento importante, mesmo se não evocado pelas, partes fundamenta-se nos artigos 12 e 13, do Memo-randum d’accord e havia já sido utilizado em outros casos anteriores, ver Wt/DS26/aB/r, Wt/DS/48/aB/r, parágrafo 155, e Wt/DS76/aB/r, parágrafo 129. “um grupo especial é habilitado a pedir informações e pareceres de especialistas e a qualquer outra fonte pertinente que ele escolha, conforme o artigo 13 do Mémorandum d’accord e, em um caso SPS, o artigo 11:2 do

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oNGs.85 as outras partes pediram ao Órgão de apelações para não considerar o conteúdo desses documentos, uma vez que as oNGs não tinham o direito de participar do procedimento de solução de controvérsias. elas sustentavam que os documentos deveriam ou ser excluídos, ou ser considerados parte integrante da posição americana, na sua integralidade. o oSC considerou então que as posições apresentadas integravam a defesa oficial dos estados unidos, mas, em resposta, os estados unidos rejeita-ram esta consideração, declarando que eles apenas aceitariam os argumentos jurídicos apresentados pelas oNGs que estivessem de acordo com seus próprios argumentos, antes apresentados. o Órgão de Solução de Controvérsias decidiu então aceitar a posição americana e considerar apenas o texto principal dos argumentos, e não os documentos anexos. em outras palavras, a participação das oNG na solução do conflito foi rejeitada.86

Depois do caso camarões, a participação dos amicus curiae foi apresentada à oMC em cinco casos diferentes.87 No caso esta-dos unidos – imposição de direitos compensatórios a certos pro-dutos de aço ou carbono, chumbo e bismuto laminados à quente originário do reino unido, o Instituto americano do Ferro e do aço propôs uma intervenção que foi rejeitada, porque foi consi-derada intempestiva. Na sua decisão, o Grupo especial ressaltou que a recusa era fundamentada apenas no fato de que as partes não teriam tempo de fazer observações sobre a intervenção.88

No caso austrália – medidas que afetam a importação de salmões, o Grupo especial recebeu uma carta “de um grupo de pescadores e de transformadores de peixe originários da austrália do Sul” que, interessados pelo caso, apresentavam suas justifica-tivas a propósito das medidas australianas. a carta foi recebida antes da primeira reunião do painel e o Grupo especial aceitou as informações fornecidas, anexando a carta ao dossiê, com base no artigo 13.1 do Memorando de entendimento e citando o processo acordo SPS”.

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camarões.89 o Grupo especial pronunciou-se da forma seguinte:

“em 25 de novembro de 1999, o Grupo especial recebeu uma carta de um grupo de pescadores e de transforma-dores de peixe da austrália do Sul preocupados com a questão. esta carta referia-se ao tratamento pela austrália de uma parte das importações de sardinha destinadas a servir de isca de alimento para os peixes e de outra parte das importações de salmões. o Grupo especial estimou que as informações contidas nesta carta eram pertinentes para os seus trabalhos e aceitou considerá-las parte integrante do dossiê. ele tomou esta decisão em virtude dos poderes que lhe são conferidos no âmbito do artigo 13:1 do Memorando de entendimento.”

No caso estados unidos, artigo 110 5) da lei sobre direitos autorais, o painel recebeu cópia de uma carta da Sociedade ame-ricana dos compositores, autores e editores, que não tinha sido dirigida ao oSC. este incluiu esta carta ao processo, mas observou que ela não continha informações novas e, em conseqüência, não tinha sido levada em consideração.90 Da mesma forma, em um quarto caso, opondo a índia às Comunidades européias,91 a associação para o Comércio exterior da índia propôs uma in-tervenção favorável à índia. o Grupo especial convidou as partes a fazer comentários, mas em face da inércia destas, considerou inútil levar a intervenção em consideração.92

em um segundo período, todavia, no processo Comunida-des européias – medidas que afetam o amianto e os produtos contendo amianto, o oSC mudou o procedimento e aceitou a participação das organizações Não-Governamentais. o novo procedimento foi implementado pelo oSC depois da proposição das argumentações escritas por cinco oNGs. em 27 de outubro de 2000, o oSC anunciou às partes que ele tinha considerado duas petições escritas e pediu a posição das partes. estas declararam-

90 MarCeau, StIlWell. “Practical suggestions for amicus curiae briefs before Wto adjudicating bodies.”, op. cit., p. 161.

91 Wt/DS/141. 92 MarCeau, StIlWell. “Practical suggestions for amicus curiae briefs before

Wto adjudicating bodies.”, op. cit., p. 161. 93 Ver a manifestação do uruguai. Wt/GD/38, 22 de novembro de 2000. 94 “artigo 16 1) Para assegurar a equidade e o bom desenvolvimento de um pro-

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-se de acordo com o procedimento adotado pelo oSC, em 7 de novembro de 2001, e ele fixou uma norma sobre as proposição de submissões escritas por oNGs. ainda que certos países tenham se manifestado contrários ao novo procedimento,93 as partes não se opuseram. a base jurídica da nova norma da oMC foi estabeleci-da de acordo com a regra 16(1) dos Procedimentos de trabalho para apelações94, que diz que o Órgão de apelações pode:

– decidir que uma questão não está prevista pelos Procedi-mentos de trabalho;

– decidir agir no interesse da Justiça e pela ordem procedi-mental;

– adotar um procedimento apropriado que seja compatí-vel com o Memorando de entendimento sobre as regras e procedimentos que regem a solução de controvérsias cedimento de apelação, nos casos em que se coloca uma questão de proce-

dimento, que não é prevista pelas presentes regras, uma seção poderá adotar

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(DSu) e os outros acordos sobre as disposições dos procedimentos de trabalho e informar imediatamente os outros membros do Órgão de apelações, as partes e os participantes do caso em questão.

as condições colocadas pelo Órgão de apelações impõe que as submissões das oNGs devem satisfazer uma série de condições. em primeiro lugar, devem ser escritas, assinadas por seus autores e incluir o endereço e outros meios de contato do postulante. em seguida, ter no máximo três páginas. além disso, conter uma descrição do postulante, incluindo seus status legal, a natureza das suas atividades e suas fontes de financiamento. Devem, ainda, especificar a natureza do interesse do postulan-te na causa e, posteriormente, os pontos legais específicos do

um procedimento apropriado, unicamente para atender aos fins da presen-te apelação, à condição que esta não seja incompatível com o Memorando de acordo, com os outros acordos visados e com as presentes regras. No caso onde um tal procedimento seja adotado, a seção notificará imedia-tamente os participantes e aos terceiros participantes da apelação assim como aos outros membros do Órgão de apelações.”

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relatório e a interpretação legal desenvolvida pelo painel, que são o objeto de apelação e que o postulante pretende avaliar na sua petição por escrito. enfim, formular por que seria desejável, para o interesse dos membros da oMC, segundo as regras proce-dimentais da organização e os outros acordos em vigor, deixar o postulante propor sua submissão escrita e, mais particularmente, indicar especificamente qual será a sua contribuição visando à resolução do conflito e que não se trata de uma repetição do que já foi submetido pelas partes ou pelos terceiros participantes do processo. e, por último, fazer uma declaração a pro pósito de qual-quer relação direta ou indireta, do postulante com uma parte ou terceiros interessados no caso, e uma declaração indicando se ele recebeu qualquer assistência, financeira ou outra, destas partes para a preparação da sua candidatura.95

após a fixação dessas regras, 17 oNGs já fizeram proposições, das quais seis foram entregues depois do prazo fixado pela oMC, sendo recebidas, portanto, onze submissões. as outras seis foram recusadas por “inobservância do parágrafo 3” do procedimento, 95 zoNNeKeYN, G. a. “the appellate body’s communication on amicus curiae

briefs in the abestos case.” Journal of World trade, 2001, 25(3). 96 Certos autores são contrários à participação das oNGs em todas as instân-

cias do orD, defendendo que elas devem ser aceitas somente pelos grupos especiais e não pelo órgão de recursos. Ver: uMBrICHt, G. C. “an ‘amicus curiae brief’ on amicus curiae briefs at the Wto.” Journal of International economic law, 2001, 4(4).

97 as aplicações recebidas depois da data limite eram da association of Perso-nal Injury lawyers (reino unido); all India a.C. Pressure Pipe Manufacturer’s association (índia); Confédération internationale des syndicats libres/Confédération européenne des syndicats (Bélgica); Maharashtra asbestos Cement Pipe Manufacturers’ association (índia); roofit Industries ltd. (ín-dia); e Society for occupational and environmental Health (estados unidos). Pedidos oriundos das seguintes pessoas foram aceitos para a seção anterior à expiração da data limite para sua recepção, indicada no procedimento adicional: Professor robert lloyd Howse (estados unidos); occupational & environmental Diseases association (reino unido); american Public He-alth association (estados unidos); Centro de estudios Comunitarios de la universidad Nacional de rosario (argentina); only Nature endures (índia); Korea asbestos association (Coréia); International Council on Metals and the environment et american Chemistry Council (estados unidos); Conseil euro-péen de l’industrie chimique (Bélgica); australian Centre for environmental law at the australian National university (austrália); Professor associado Jan McDonald et M. Don anton (austrália); e um pedido conjunto feito pelas seguintes pessoas: Foundation for environmental law and Development (reino unido) Center for International environmental law (Suíça), International Ban asbestos Secretariat (reino unido), Ban asbestos International and Virtual

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sem explicações concretas. Constata-se então um avanço por parte da oMC, que passa a aceitar, ainda que de forma restritiva, a partici-pação das oNGs.96 o medo de verificar a independência das oNGs em relação aos estados que participam do processo é evidente, o que não é uma razão para excluí-las, mas permite apenas identi-ficar seus interesses na causa. a limitação das submissões a três páginas é também um ponto importante, na medida em que isso limita o potencial de argumentação e exige uma objetividade que nem sempre é possível.97

c) Contrariamente às cortes européias, à Corte Internacio-nal de Justiça e ao Órgão de Solução de Controvérsias da oMC, o acordo de livre Comércio da américa do Norte (NaFta) prevê mecanismos regulamentando a participação das oNGs. ainda que esta participação seja indireta, as oNGs têm o poder de iniciar um processo contra os estados. elas têm duas possibilidades, de acordo com o acordo norte-americano de cooperação no domínio ambiental:98 o primeiro, o mais simples, consiste em apresentar uma petição ao Secretariado do acordo, apoiando-se no artigo 13, para pedir que o Secretariado faça um relatório sobre uma questão ambiental que deverá ser avaliado pelo Conselho do

Network (França), Greenpeace International (Holanda), Fonds mondial pour la nature, international (Suíça) et Fédération luthérienne mondiale (Suíça). Ver Wt/DS135/aB/r, parágrafo 55 et ss.

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acordo. o Secretariado tem o poder de apelar a peritos para a elaboração de seu relatório.99

um segundo meio de participação é a confrontação entre a oNG e o estado. o artigo 14 dá direito às oNGs de informar ao Secretariado que uma parte não promove a aplicação eficaz de sua legislação ambiental. uma vez preenchidos os requisitos necessários, ou seja, a apresentação da comunicação, a identifi-cação da oNG e a apresentação de informações sobre o descum-primento, o Secretariado pede à parte para dar uma resposta em 30 ou, excepcionalmente, em 60 dias. Há então, a instalação de um procedimento semi-jurisdicional. a parte indica se a questão já foi alvo de um procedimento judiciário ou administrativo e, se este é o caso, o Secretariado encerra o processo. Caso contrário, o Secretariado deve analisar as respostas do estado e julgar se o processo deve ou não ser o objeto de um relatório ao Conselho. este relatório pode também ser a origem de um processo no âm-bito do NaFta, se dois dos três membros estiverem de acordo. Se for o caso, pode haver a constituição de um corpo científico para ajudar os juízes na sua decisão final, que pode condenar a parte perdedora a pagar sanções pecuniárias, limitadas inicialmente em uS$ 20 milhões.100 Se a parte não pagar a sanção, pode haver sanções comerciais, como existe na oMC.101

enfim, certas organizações internacionais, cuja participação das oNGs não era previsível em um primeiro momento, somaram contribuições interessantes ao direito internacional do meio am-biente e ao direito internacional econômico, como o ofício euro-peu de Patentes (oeP). o oeP mostrou-se receptivo às contesta-ções das organizações Não-Governamentais, que questionavam 98 SaNDS, P. , r. Mackenzie, Shany, Y. eds. Manual on international courts and

tribunals. london: Butterworths, 1999, 159-163. 99 artigo 13: relatórios do Secretariado

1. o Secretariado poderá elaborar um relatório dirigido ao Conselho sobre qualquer questão relevante do programa anual. Se o Secretariado desejar aprovar um relatório sobre outras questões ambientais ligadas às ativida-des de cooperação previstas pelo presente acordo, ele notificará o Con-selho sobre isso e poderá lhe dar prosseguimento, salvo se durante os 30 dias seguintes a esta notificação, o Conselho se oponha, por dois terços dos seus votos, à adoção do relatório. as outras questões ambientais não deverão se referir a questões indagando se uma Parte garantiu ou não a aplicação de suas leis e regulamentos ambientais. Considerando que o Secretariado não tem as competências desejadas no tocante à questão em estudo, ele apelará a um ou vários especialistas independentes, cuja experiência seja reconhecida, e que ajudarão no estabelecimento do re-

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a existência dos critérios novidade e ofensa aos bons modos e à ordem pública de patentes sobre seres vivos, como o rato trans-gênico Myc Mouse,102 as plantas geneticamente moficadas103 e os genes humanos como a relaxina.104 embora a maior parte das decisões tenham sido julgadas desfavoráveis às oNGs, houve um sinal importante de abertura no tocante à recepção do pedido das oNGs.

d) em se tratando das convenções internacionais, em algu-mas como a CIteS, as oNGs podem também iniciar uma investi-gação contra os estados ou as organizações internacionais. Isso constitui um tipo de controle exercido pelas oNGs. assim, após a denúncia, o Secretariado pode iniciar uma investigação, “à luz das informações recebidas”. Na ausência de precisão, pode-se estimar que essas informações podem ser fornecidas tanto pelos estados quanto pelas oNGs. os estados ou organizações interna-cionais acusadas podem se defender, respeitando-se o princípio do direito ao contraditório. Se houver a demonstração de um comportamento faltoso, a Conferência das Partes pode aprovar uma resolução condenando a atitude do estado, ou seja, trata-se de uma sanção puramente moral.105

a aplicação da Convenção de Berna relativa à conservação da vida selvagem e do meio natural na europa permitiu também a prática de denúncias pelas oNGs. em 1998, por exemplo, as oNGs denunciaram os efeitos negativos do desenvolvimento turístico sobre as tartarugas marítimas na Grécia e a indifereça das autoridades gregas ou ainda os efeitos nocivos da construção de uma estrada em luxembrugo. essas iniciativas podem dar origem a investigações, com o envio de peritos e aprovação de documen-tos oficiais, e a aprovação de uma resolução pelo Comitê Perma-nente. esse Comitê cita em alguns relatórios a participação das oNGs, como se vê em um relatório italiano, que declara “ter sido informado pelo Clube alpino italiano que se pretendia construir um centro de esportes de inverno no Massiço do Gran Sasso” ou em um outro “ter sido informado pelo Coordinamento Sezioni emiliane e Venete associazioni Proteczionistiche que uma preten-são tinha sido formulada, tendendo a autorizar novamente a caça em Valel Furlana...”106

* * *

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em resumo, em várias regiões,107 as oNGs obtiveram a su-peração de obstáculos que entravavam a sua participação na formação do direito internacional, para a ação contra os estados, as empresas e às vezes contra outras oNGs. Contudo, a análise das formas jurídicas apresentadas e a aceitação de normas mais favoráveis à participação de oNGs mostra que a situação não é uniforme no Sul, nem no Norte. encontram-se normas mais favo-ráveis a esta participação em certos países do Sul, como as nor-mas brasileiras sobre acesso à Justiça, que não têm equivalentes nos países do Norte. o mesmo fenômeno caracteriza as organiza-ções internacionais: a Corte Internacional de Justiça, ligada às Na-ções unidas, não aceita a participação das oNGs, enquanto que, paradoxalmente, o Órgão de Solução de Controvérsias da oMC instaura progressivamente normas que, ainda que restritas, são favoráveis à participação de organizações Não-Governamentais. o paradoxo está no fato de que tanto as Nações unidas quanto as entidades da Comunidade européia, geralmente abertas à participação das oNGs na formação de suas normas, são fechadas à sua participação no controle destas. Para terminar, não há dú-vidas de que passamos por um processo de abertura, ainda não terminado, mas que já tornou possível a participação de oNGs em diversos casos importantes.

§ 2º terrenos conquistados

após o estudo dos obstáculo do acesso à Justiça, é preciso dedicar-se ao acesso em si. os recursos às vias jurisdicionais são comuns e várias vitórias já foram conquistadas. as oNGs recorrem aos tribunais internacionais para tratar de processos nacionais e internacionais. Com a evolução jurisprudencial, a Corte Suprema dos estados unidos começou a aceitar a legitimidade das oNGs na implementação juridisdicional do direito ambiental, em nível nacional e mesmo internacional, mas com o fundamento de que a oNG representa um interesse próprio ou dos seus membros. a possibilidade de debater em justiça o poder discricionário deu grande poder de participação às oNGs nestes casos.

o processo Japan Whaling association c. american Cetace-an Society, julgado pela Corte Suprema, é um caso interessante. as oNGs reclamaram o direito de contestar a inércia do Secretário

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do Interior, pela não-aplicação de uma Convenção Internacional por um outro país, o Japão. os estados unidos e o Japão, entre outros, assinaram a Convenção Internacional para a regulamen-tação da Pesca de Baleia. Considerando a falta de mecanismos para assegurar a aplicação da Convenção internacional, os grupos ambientalistas norte-americanos fizeram pressões para que fosse aprovada uma norma interna, criando instrumentos coercitivos para reforçar o caráter obrigatório da convenção, que teria por objetivo sancionar economicamente os estados partes da Con-venção que colocassem em perigo ou diminuiriam a eficácia da Convenção Internacional sobre a regulação da Pesca de Baleias. esta ação foi coroada de sucesso e a norma foi aprovada (emenda Pelly à lei de proteção dos pescadores). aqui, podemos já encon-trar um instrumento jurídico interessante, o estados unidos crian-do mecanismos unilaterais de sanção, em razão de uma lacuna da Convenção internacional, o que é possível, em vista de sua po-tência econômica e militar. o interessante é que isso foi feito com a pressão das oNGs. em virtude da verificação da irregularidade, o Secretário do Comércio deveria notificar o Presidente dos esta-dos unidos, que, utilizando do seu poder discricionário, pode se endereçar ao Secretário do tesouro para proibir a importação de produtos de pesca provenientes do estado que comete a infração. De fato, o Secretário de Comércio fez cinco notificações ao Presi-dente, mas jamais este usou do seu poder discricionário, obtendo compromissos futuros com os estados que agiram ilicitamente (de acordo com a norma americana) via negociações.

o Japão ultrapassou os limites de pesca previstos na Conven-ção. De acordo com a norma americana, ocorrendo o desrespeito da Convenção internacional por um país, o Secretário do Comércio deveria então notificar que o país em questão estaria sujeito a sanções comerciais unilaterais. Submetido às pressões dos grupos ambientalistas, o Secretário iniciou negociações com o Japão que resultaram em um acordo no qual este se comprometia a reduzir gradualmente as quotas de pesca de baleias entre 1984 e 1988. em troca, os estados unidos não colocariam o Japão na lista de paí ses-alvo de sanções unilaterais. logo antes da assinatura do acordo, as associações ambientalistas, inconformadas com a de-cisão do seu governo, processaram o executivo, afirmando que o Secretário de Comércio não tinha a missão de negociar, mas de cumprir as suas funções, inserindo o Japão na lista. Para o governo,

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a elaboração de um acordo internacional atingia mais facilmente os objetivos da norma, por se tratar de um mecanismo mais eficaz do que a imposição de sanções, pois as sanções unilaterais não eram também interessantes para o comércio exterior dos estados unidos e não garantiam de forma alguma que o Japão iria ceder a elas. as negociações, ao contrário, mesmo se permitiam ao Japão continuar ainda por quatro anos em situação irregular, davam um grau de certeza maior quanto à proteção das baleias.

a Corte de apelações do distrito da Columbia julgou que o governo dos estados unidos estava errado e intimou o Secretário do Comércio a comunicar ao Presidente dos estados unidos as irregu-laridades do Japão. esta decisão foi reformada posteriormente pela Corte Suprema. em um processo de revisão, a pedido da associação dos Pescadores de Baleias do Japão, a Corte decidiu que o acordo concluído era mais apropriado para atingir os objetivos da norma. em algum momento considerou-se a legalidade ou a ilegalidade das sanções econômicas unilaterais, ou sua legitimidade perante a Convenção internacional. ao contrário, a Corte julgou legítima a lei, assim como a possibilidade de julgar os atos administrativos por ela previstos.

“Japan Whaling association et al. c. american Cetacean Society et al. Corte de apelações do Distrito de Columbia – Circuito n. 85.954. audiência de 30 de abril de 1986, Decidido em 30 de junho de 1986. a convenção internacional para a regulamentação da pesca de baleias (ICrW) incluiu um programa regulamentando as práticas dos países membros (inclusive dos estados uni-dos e do Japão) e fixou limites para a pesca de diferentes

latório.2. assim que aprovar um relatório desta natureza, o Secretariado poderá

utilizar todas informações técnicas ou científicas ou outras informações pertinentes, inclusive as informações:a) publicamente acessíveis;b) submetidas por organizações não-governamentais e por pessoas interessa-

das;c) submetidas pelo Comitê consultivo público mixto;d) fornecidas por uma parte;e) recolhidas a partir de consultações públicas, tais como conferências,

seminários e colóquios; ouf ) elaborados pelo Secretariado, ou por especialistas independentes ao

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espécies de baleias. ela criou igualmente a Comissão Inter-nacional de Pesca de Baleias (IWC) e autorizou esta comissão a estabelecer quotas de pesca. No entanto, a ICrW não tem competência para aplicar sanções em caso de violação de quotas e qualquer país membro pode fazer uma reserva oportunista a uma emenda do IWC sobre o programa e não

quais se tenha apelado em função do parágrafo I.3. o Secretariado submeterá seu relatório ao Conselho que, salvo se decidir

em contrário, tornará o relatório acessível ao público, normalmente nos 60 dias seguintes a sua apresentação.

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cumprir o programa imposto. em função da incapacidade do IWC de impor sua própria quota e num esforço para favocer a aplicação das quotas estabelecidas por outros acordos internacionais para a conservação dos recursos halieuticos, o Congresso aprovou a emenda Pelly, à lei de 1967, sobre a proteção dos pescadores, enderaçada o Mi-nistro de Comércio que deve informar o Presidente se um nacional de um país estrangeiro está realizando operações 100 SteINBerG, r. H. “trade-environment negotiations in the eu, NaFta and

Wto: regional trajectories of rule development.” american Journal of Inter-national law, 1997, 91(2), p. 248.

101 artigo 14. Comunicações sobre as questões de aplicação1. o Secretariado poderá examinar toda comunicação apresentada por

uma organização não-governamental ou por uma pessoa, alegando que uma parte omitiu-se na aplicação eficaz da sua legislação ambietnal, se ele julgar que esta comunicação:a) foi apresentada por escrito, em uma língua designada pela parte na

sua notificação ao Secretariado;b) idêntica claramente a pessoa ou a organização da qual ela emana (...)

artigo 15. Dossiê fático1. Se o Secretariado estima que a comunicação justifica, à luz de qualquer

resposta fornecida pela Parte, a constituição de um dossiê fático, e o in-formará o Conselho indicando seus motivos.

2. o Secretariado constituirá um dossiê fático se o Conselho, por voto de dois terços dos seus membros, lhe dar esta instrução.

3. a constituição de um dossiê fático pelo Secretariado, em virtude do presente artigo, se fará sem prejuízo de qualquer medida posterior, que poderá ser tomada em relação a uma comunicação.

4. assim que ele constituir um dossiê fático, o Secretariado considerará todas as informações fornecidas por uma Parte, e poderá examinar qual-quer informação pertinente, técnica, científica ou outras:a) tornadas acessíveis ao público;b) submetidas por organizações não-governamentais ou pessoas interes-

sadas;

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de pesca que contribuam para ‘diminuir a eficácia’ do pro-grama internacional de pesca’.o Presidente, no uso do seu poder discricionário, pode então decidir por impor sanções ao país em causa. Poste-riormente, o Congresso aprovou a emenda Packwood à lei Magnuson sobre a Conservação e a gestão da pesca, que exige o estabelecimento de um processo de certificação e obriga o Ministro a investigar se os nacionais de um país estrangeiro conduzem suas operações de pesca de forma a ‘diminuir a eficácia’ do ICrW e que sanções econômicas sejam impostas pelo Poder executivo à nação contrafeitora. Depois que o IWC estabeleceu a quota zero para certas es-pécies de baleias e ordenou uma moratória de cinco anos sobre a comercialização de baleias a partir de 1985, o Japão apresentou reservas a estes dois limites e por conseqüên-cia, desconsiderou estas obrigações. No entanto, em 1984, o Japão e os estados unidos firmaram um executive agre-ement pelo qual certos limites de pesca foram autorizados ao Japão e este foi convidado a cessar a pesca comercial de baleias, a partir de 1988, de tal modo que o Ministro [de Co-mércio] dos estados unidos não poderia mais agir contra o Japão em função das emendas Pelly e Packwood, enquanto que o Japão estivesse conforme as obrigações firmadas neste acordo.em resumo, antes da conclusão [478 u.S. 221, 222] do exe-cutive agreement, vários grupos para a conservação da vida selvagem ingressaram na Corte do Distrito Federal, procu-rando um writ of mandamus para obrigar o Secretário a notificar o Japão, e a corte proferiu um julgamento sumário em favor destes grupos, concluindo que qualquer captura de baleias excedia as quotas do IWC, diminuindo a eficácia do ICrW. a corte ordenou ao Ministro notificar ‘imediata-mente’ o Presidente que o Japão estava violando as quotas sobre de pesca de baleias. e a Corte de apelações reafirmou a decisão de primeira instância…108

Nós concluimos, no entanto, que a decisão do Ministro visan-do a assegurar a adesão futura do Japão ao programa do IWC por meio de um executive agreement de 1984, ao invés de conseguir esta adesão com a possiblidade de notificação e imposição de sanções econômicas, pode produzir o mes-

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mo resultado ou ainda um resultado melhor e as emendas Pelly e Packwood representam uma solução razoável. o congresso assegurou ao Ministro toda a autoridade para determinar quando a pesca da baleia praticada por uma na-ção estrangeira diminui a eficácia das quotas do IWC, e nós não encontramos nenhuma razão para impor ao Ministro a obrigação de notificar que toda violação de quota depassa este padrão. assim, o julgamento da Corte de apelações está anulado.”

ainda que a decisão tenha sido modificada, as oNGs de-monstraram sua força de três formas diferentes: primeiro, pela pressão para votar uma lei permitindo assegurar a eficácia de uma convenção internacional sobre um terceiro país; segundo, pela pressão exercida para a implementação desta norma; e, por últi-mo, utilizando o Judiciário contra o poder executivo, para impor uma decisão alternativa visando a assegurar a eficácia da norma.

De forma mais precisa, as oNGs tiveram êxito em demons-trar seu interesse de agir em um processo que tratava também do poder discricionário do administrador federal na utilização dos recursos públicos. No processo Sierra club c. Martin, julgado pela Corte de apelações do 11º circuito, a oNG Sierra Clube acusava o Serviço de Florestas dos estados unidos de ter tomado uma deci-são errada ao aprovar um projeto de desmatamento e comércio de madeira nas florestas nacionais Chattahoochee e oconee, que estavam em perigo. este projeto de gestão de florestas envolvia a construção de 30 quilômetros de estradas, assim como de outras estruturas. a oNG acusava o Serviço Nacional de Florestas de não considerar, nos seus estudos de impacto ao meio ambiente, os impactos do projeto sobre os animais de pequeno porte. Como não havia a obrigação de detalhar o conteúdo de um estudo de impacto ambiental em nenhuma norma ambiental, a escolha do que levar em consideração fazia parte do poder discricionário do administrador público – neste caso, o diretor do Serviço Nacional de Florestas – escolher quais eram as espécies a serem conside-

c) submetidas pelo Comitê consultivo público misto; oud) elaboradas pelo Secretariado ou por especialistas independentes.

5. o Secretariado submeterá um dossiê fático provisório ao Conselho. Qual-quer parte poderá apresentar suas observações sobre a exatidão dos fatos que presentes no relatório no prazo de 45 dias.

6. o Secretariado incluíra, desde que cabível, estas observações no dossiê

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radas ou não em seus estudos. este último considerou ser desne-cessário incluir os efeitos sobre os pequenos animais. a decisão administrativa que excluía esta tomada de decisão foi julgada arbitrária pela Corte, quanto ao direito administrativo. De acordo com o juiz:

“Basicamente, porém, o Serviço de Florestas discute que nada nos regulamentos obriga-o a manter dados sobre espécies sensíveis e que então não é necessário que o mesmo faça isso. ainda que seja verdade que os regulamentos não fazem tal demanda, o Planejamento Florestal o faz explicitamente. os Planejamentos Florestais estipulam que quando inventário in-formativo sobre uma determinada a população é indisponível e o local tem um alto potencial para ocupação por espécies domesticáveis, o Serviço Florestal tem que colher estas in-formações. aqui, o Serviço Florestal admite que as áreas de projeto na verdade contêm espécies domesticáveis. reafir-ma no entanto que seus dados, mesmo sem qualquer infor-mação de inventário sobre algumas espécies domesticáveis, é adequado para avaliar impacto potencial nas espécies, na floresta como um todo. a informação que o Serviço Flores-tal julga ‘adequada’ não representa em verdade ‘informação alguma’ em relação a muitas espécies domesticáveis. Con-siderando que a posição da agência é contrária ao texto claro do Plano e do estatuto, não é passível de ser aceita. Nós decidimos por conseguinte que o Serviço Florestal fracassou na tarefa de juntar dados para o inventário de população nas espécies domesticáveis que existem ou que com um gran-des possibilidades de existirem dentro das áreas de projeto e que isso é contrário ao Plano Florestal e, portanto, que a decisão para aprovar as vendas de madeira sem considerar esta informação é arbitrária e pouco racional.”

Na sua análise do poder discricionário, as oNGs tiveram sucesso em impor a consideração do princípio de precaução. No processo Sierra Club c. environment protection agency109 (ePa),

fático final e lhe submeterá ao Conselho.7. o conselho poderá, por voto de dois terços dos seus membros, tornar o

dossiê fático acessível ao público, normalmente nos 60 dias seguintes à sua aprovação.

102 Ver decisão da Grande câmara de recursos, de 14 julho de 1989 (V 0004/89).

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a Corte de apelações do 5º Circuito, a oNG autora afirmava que a utilização de policlorinato bifenil (PCB) era perigoso e que a agência pública deveria proibir a sua utilização. o silêncio sobre a restrição dada ao uso de certos tipos de PCB era, de fato, uma au-torização ao seu uso. a oNG não foi admitida no processo por fal-ta de interesse de agir, mas dois de seus membros foram aceitos, porque demonstraram que podiam ser afetados, devido à possi-bilidade de contaminação. Segundo a oNG, os PCBs eram utili-zados na fabricação de estradas, em particular na 71 e 290 West, no texas. a água da chuvas era contaminada quando caía sobre as estradas e, em seguida, infiltrava no solo e entrava em contato com o lençol freático que dá origem ao lago que abastece a cida-de de austin. os membros da oNG bebiam esta água e às vezes nadavam em um lago que ficava próximo dessas estradas onde o material havia sido empregado. a ePa, por sua vez, dizia que não havia estudos demonstrando onde o material havia sido utilizado ou ainda qualquer prova que demonstrasse que os produtos podiam causar danos ao meio ambiente. Por conseqüência, a falta de informação científica deveria servir de justificativa para a inércia do Poder Público. os membros do Sierra Club, por sua vez, argumentavam que a agência ambiental deveria demonstrar que os produtos autorizados eram inofensivos para a saúde humana, exigindo uma inversão do ônus da prova, em favor do princípio de precaução, que foi aceita pela Corte. além disso, esta exigiu também a interdição dos produtos até que fosse demonstrado que não havia impactos negativos ao meio ambiente.

o controle dos aspectos públicos ligados ao meio ambiente é às vezes associado aos aspectos econômicos, sobretudo nos estados unidos. em um processo iniciado por amigos da terra contra a cidade de Nova York,110 a oNG queria obrigar a adminis-tração da cidade a respeitar as normas estabelecidas pela lei de proteção atmosférica (Clean air act). embora os argumentos da oNG tratassem da taxa de poluição de Nova York, que era cinco vezes superior às permitidas pela norma nacional, estes argu-mentos eram sempre associados a condicionantes econômicas: o tempo de entrega dos caminhões seria mais rápido, a cidade seria mais atraente para o comércio, negócios e turistas, e se houvesse modificação do tráfego, haveria redução da poluição atmosférica e sonora.111

todas essas ações, assim como a presunção de legitimidade

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das oNGs, não as poupam de críticas que vêm, em muitos casos, dos próprios juízes. em um processo Sierra club c. o Secretário do Interior, o juiz ataca a oNG que, segundo ele, estaria utilizando a via jurisdicional para sua autopromoção.112

Na europa, também, diferentes aspectos são discutidos. o mais importante é o da aplicação correta dos procedimentos administrativos, como a exigência da realização de um estudo de impacto adequado sobre o meio ambiente. No caso WWF c. Itá-lia,113 julgado pela CJCe, o Verwaltungsgericht autonome Sektion fùr die Provinz Bozen, uma província autônoma da Itália queria transformar um antigo aeroporto dos anos 20, utilizado para fins militares. o objetivo do projeto era adaptar o aeroporto para fins comerciais e abri-lo à aviação desportiva. a reforma do aeroporto devia conformar-se às normas locais, um estudo de impacto ao meio ambiente chegou a ser realizado e o legislativo local tinha aprovado a realização dos trabalhos. a oNG defendia que havia um conflito entre os requisitos previstos pela lei italiana 27/92 e a diretiva 85/337/Cee em virtude de uma redução na norma nacional dos elementos de estudo de impacto ao meio ambiente. a CJCe deferiu o pedido da oNG e julgou que a norma nacional suprimia os aspectos ambientais da norma supranacional, sendo, portanto, ilegal:

“35. o primeiro é saber se os artigos 4, parágrafo 2, e artigo 2, parágrafo 1, da diretiva devem ser interpretados no sen-tido de conferir a um estado-Membro o poder de excluir a priori e globalmente o procedimento implementado pela diretiva de avaliação de incidências sobre o ambiente, cer-tas classes de projetos citados no anexo II desta diretiva, inclusive suas modificações, como o projeto de reestrutura-ção de um aeroporto, cuja pista de decolagem e aterrissa-gem é inferior a 2100 metros, mesmo se isso tem impactos importantes sobre o ambiente (...)54. Deve-se então responder à terceira questão que, no caso de um projeto que necessita de uma avaliação, conforme a diretiva, o artigo 2, parágrafos 1 e 2, da diretiva deve ser in-terpretado no sentido que ele autoriza um estado-Membro a utilizar um procedimento de avaliação diferente daquele implementado pela diretiva, quando este procedimento alternativo é incorporado a um procedimento nacional já

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existente ou ainda a ser criado, de acordo com o artigo 2, parágrafo 2, da referida diretiva. todavia, um procedimen-to alternativo como este deve respeitar as exigência dos artigos 3 e 5 a 10 da diretiva, entre os quais encontra-se a participação do público, tal como prevista pelo artigo 6 da mesma (...)69. Particularmente no caso no qual as autoridades comu-nitárias teriam, por meio de diretiva, obrigado os estados--Membros a adotar um comportamento determinado, o efeito útil de tal ato se encontraria enfraquecido se os inte-ressados se vissem impedidos de acessarem a Justiça e as jurisdições nacionais impedidas de levar as normas comu-nitárias em consideração enquanto elementos do direito comunitário, para verificar se, nos limites da faculdade que lhes é reservada quanto à forma e aos meios, para a imple-mentação da diretiva, o legislador nacional se manteve nos limites da margem de apreciação traçados pela diretiva (ver decisões de 1 de fevereiro de 1977, Verbond van Nederlan-dse ondernemingen, 51/76, rec. p. 113, pontos 22 a 24, e Kraaijeveld et. al., já citado, ponto 56).”

No confronto, as oNGs podem iniciar medidas de coerção contra as empresas. essas medidas podem ser judiciárias ou sanções privadas. as medidas judiciárias não apresentam gran-des problemas de compreensão, a empresa que cometeu a falta vê-se obrigada pela Justiça a se adaptar às normas legais, com a iniciativa de uma oNG. as sanções privadas, como o boicote, são utilizadas pelas oNGs quando faltam normas permitindo condenar as atividades das empresas que a oNG julga repreen-síveis, a exemplo do boicote contra a Nestlé, nos anos 60 e 70, ou da Monsanto, atualmente. É comum encontrar uma coalizão de oNGs organizando uma ou várias campanhas contra uma empresa específica ou contra um conjunto de empresas. No pri-meiro caso, a ação das oNGs contribui para o respeito da norma e, no segundo, para mudar as práticas das empresas de acordo com os níveis de exigência da sociedade, os quais são sempre mais rigorosos que os do governo. assim, quanto mais a sociedade

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Conclusão do CaPítulo

as oNGs tornaram-se verdadeiros atores do direito interna-cional na proposição e na negociação de novas normas como a implementação e o controle do direito internacional ambiental. embora essa participação seja às vezes visível, na maior parte dos casos é difícil identificá-la, sobretudo no tocante à formação do direito. a ação das oNGs é fundamentada principalmente na cooperação com os estados, as empresas e outras oNGs, mas também no confronto.

em relação ao controle das normas, no plano nacional o acesso à Justiça é sempre bloqueado pelo não-reconhecimento da legitimidade de agir, tanto na europa quanto nos estados unidos, e pela falta de informação sobre as questões ambien-tais. a ação das oNGs existe e é possível tanto nos países do Sul quanto nos do Norte, e certos países do Sul, como o Bra-sil, possuem normas sem equivalentes em outros países para promover o acesso à Justiça destas oNGs. assim, a evolução independente do movimento ambientalista no Sul e no Norte deu origem a realidades distintas entre esses países. No plano internacional, a aceitação pelas organizações internacionais não é homogênea: a Corte Internacional de Justiça mostra-se a mais fechada, enquanto a oMC começa a se abrir, ainda que ofereça apenas regras restritivas de participação e o NaFta é, entre as entidades estudadas, o mais aberto à participação das oNGs.

as oNGs do Sul, assim como as do Norte, contribuem também para a redução do avanço das desigualdades Norte--Sul, com a promoção de programas de desenvolvimento, fi-nanciados ou não pelos estados, a transferência de tecnologia e a redução da desigualdades internas em diferentes países. elas participam, assim, da promoção de valores do direito internacio-nal do meio ambiente, como o desenvolvimento sustentável e o controle das atividades de risco.

essas ações no Judiciário ou fora dela são dirigidas contra empresas ou governantes. as ações das oNGs contra as empre-sas atingem vários domínios, mas é no caso da biotecnologia que a sua intervenção é mais marcante, no fim dos anos 90 e

opõe-se a uma prática ou a um determinado produto, mais a ação da oNG terá resultados. o estudo das ações sobre os or-ganismos geneticamente modificados é importante, no que se refere a este aspecto.

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início do século XXI.

CaPítulo VIII

As Ongs e A regulAçãO dA BiOdiversidAde e dAs BiOtecnOlOgiAs

a participação das oNGs na regulação jurídica da biodiver-sidade e das biotecnologias faz-se tanto via formas tradicionais, analisadas anteriormente, fundamentadas na cooperação e no conflito, como a formação, a implementação e o controle do di-reito, quanto por estratégias que saem das formas clássicas de elaboração do direito, como a desobediência civil. as oNGs têm,

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assim, um controle muito importante, na medida em que contri-buem para amenizar a diferença de capacidade entre os países do Norte e os do Sul, promovendo a participação do público e conduzindo-o a tomar consciência do que está envolvido nestas novas discussões.

É nesse contexto que foram formadas várias oNGs, com novas características que têm importância essencial neste tema. a sua participação, assim como a das oNGs tradicionais, mostra--se crucial para a construção, a implementação e o controle das normas jurídicas. Considerando a tecnicidade e a complexidade destes novos assuntos, a sua participação torna-se ainda mais essencial.

assim, estudaremos as formas de participação clássica, como a formação, a implementação e o controle destas normas, sobre as quais os juristas mostram-se mais consensuais, para, em seguida, estudar outras formas com as quais obtêm resultados interessantes, como a desobediência civil.

Seção I – a participação clássica: formação jurídica, implementa-ção e controle de normas

o direito sobre as novas tecnologias biológicas é interessan-te, na medida em que constitui um bom exemplo da participação das oNGs, tanto para a valorização do tema junto à sociedade, a formulação jurídica e a implementação do direito internacional e interno, quanto para o controle normativo.

as oNGs que participam na formação, na implementação e no controle das normas jurídicas podem ser tanto as grandes clás-sicas, como Greenpeace, WWF, uICN, com um corpo importante de profissionais trabalhando em tempo integral, quanto oNGs mais modestas, com orçamento limitado, compostas por dezenas de especialistas de alto nível que produzem documentos de boa qualidade e têm grande capacidade de atingir o público, sobretudo pelos modernos meios de telecomunicação, como a Internet. as- 1 a WWF está presente em mais de 100 países e tem cerca de 4,7 milhões de

associados, 3.300 empregados e gasta cerca de uS$ 280 milhões em inves-timentos em preservação da natureza por ano. outras oNGs também são importantes, como a earth Day Network, com 5.000 associações interligadas em 184 países, a France Nature, com 3.000 associações interligadas, entre inúmeras outras.

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sim, esses documentos multiplicam-se e chegam rapidamente a milhares de pessoas interessadas pelo tema, em todo o mundo.

a importância do papel exercido pelas oNGs vem da formação jurídica das oNGs tradicionais, que analisaremos em um primeiro momento, da vigilância exercida pelas novas oNGs, como raFI, Grain, tWN, IDeC, attaC, que será analisada em segui-da, e da participação dessas oNGs no Judiciário, que demonstrou ser uma das principais formas de atuação e será analisado por último.

Subseção I – o papel da criação jurídica das oNGs tradicionais

acrescentamos às oNGs o adjetivo “tradicionais”, em razão dos seus objetivos genéricos, tamanho, antiguidade e métodos. elas são tradicionais porque tratam de muitos assuntos dife-rentes, entre os quais a biotecnologia. São grandes oNGs, que têm escritórios em vários países diferentes e existem há várias décadas. elas participam sobretudo da preparação de normas, da implementação de convenções internacionais e do controle das normas, sobretudo, mas a sua ação é raramente centrada em um processo massiço, que tem por objetivo a denúncia de empresas, e quase nunca na conscientização da população, por meio da promoção de debates periódicos e da circulação de documentos mais técnicos.

estas oNGs têm milhares de membros, que recebem pe-riodicamente jornais que os informam sobre as campanhas em andamento. É a publicidade sobre as realizações da oNG e a sensibilidade dos temas para o público que aportam contribui-ções importantes aos seus orçamentos e permitem a manuten-ção das suas atividades. essas informações são suscintas, gerais e compo´˙rtam sobretudo as linhas globais das discussões. os documentos mais concretos são oferecidos às delegações de di-plomatas nas reuniões intergover namentais e no momento das intervenções destas oNGs nas nego ciações. a participação de-pende do fórum, da organização internacional, do tema discutido e da pessoa que conduziu a reunião.

a participação das oNGs tradicionais concentra-se em dois 2 Ver capítulo sobre a oMC.

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domínios essenciais das biotecnologias: o acesso aos recursos genéticos e a biossegurança. No primeiro, as oNGs tradicionais exerceram papel importante na elaboração de guias de boa con-duta sobre as modalidades de acesso e no financiamento das zo-nas de preservação da diversidade biológica. Na verdade, a maior parte dos guias de boas condutas apresentados ao Secretariado da Convenção da Diversidade Biológica foram realizados pelas oNGs, assim como os estudos apresentados.

No domínio da preservação da natureza, o exemplo das do-ações e aquisições de terras pela WWF, em vários países, fala por si mesmo. o volume dos fundos disponíveis permite à WWF1 com-prar grandes espaços de terras, às vezes milhões de hectares, para a formação de florestas de preservação. a reserva natural estabe-lecida no estado do acre, no Brasil, constitui um bom exemplo do seu modo de ação. a WWF, em parceria com o Governo Federal e com o Governo do estado do acre, decidiu criar oito unidades de conservação, com um total de 900 mil hectares, com diferentes estatutos jurídicos, que vão desde a formação de reservas com-pletamente proibidas ao público, para a preservação da fauna e da flora, até a formação de parques naturais que podem ser visita-dos por turistas. embora várias populações indígenas vivam nestes lugares, elas são consideradas nos projetos, enquanto “objeto de conservação”. a oNG viabiliza fundos e a implementação do proje-to, e o governo local garante a aquisição das terras e o controle da sua utilização.

o acesso aos recursos genéticos é regulamentado graças à elaboração de guias de boa conduta e de modelos de contrato de bioprospecção. as oNGs mais importantes têm também a pos-sibilidade de se fazerem ouvir nas negociações da organização Mundial do Comércio, ainda que as reuniões sejam organizadas em países distantes dos grandes centros de discussão e fechadas às pressões democráticas, como a 4ª reunião ministerial da oMC, que aconteceu em Doha, em 2001, onde o Greenpeace conseguiu se manifestar com o seu barco, o rainbow Warrior. Neste fórum de negociações, as oNGs exigem a congruência entre as normas do direito interna cional econômico e do direito internacional do meio ambiente, com a inserção de cláusulas mais específicas ins-tituídas para a proteção do acesso aos recursos genéticos, previs-tas na Convenção da Diversidade Biológica, mas ignoradas pelos acordos sobre a propriedade intelectual (trIPs) da oMC.2

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Quanto à biossegurança, as oNGs fazem também propo-sições de normas, o que foi particularmente marcante no caso das negociações sobre o protocolo de biossegurança, e organizam discussões para a informação do público e dos diplomatas, como estudamos anteriormente. listas com os organismos genetica-mente modificados não-identificados por rótulos ou em irregu-laridade com as normas legais são produzidas e divulgadas ao pú-blico, além de organizarem campanhas genéricas contra os oGMs, conforme fizeram a amigos da terra, o Greenpeace, a WWF e o IISD, sendo o conjunto de informações colocado também à disposição do público. este controle é completado pelo papel de vigilância asumido pelas novas oNGs.

Subseção II – o papel de vigilância de novas oNGs: raFI, GraIN, tWN, IDeC

Classificam-se as oNGs na rubrica “novas” em razão da dinâ-mica de ação empreendida por elas no domínio da biotecnologia. estas oNGs são cada vez mais especializadas e utilizam, em geral, um número restrito de empregados, muito qualificados, traba-lhando em cooperação, produzindo e divulgando um número importante de informações técnicas. em relação à biotecnologia, as oNGs mais importantes são a rural advanced Fondation (raFI, do Canadá) e a Genetic resources action Network (GraIN, da es-panha), no Norte; a third World Network (tWN, índia) e o Instituto de Defesa do Consumidor (IDeC, no Brasil), no Sul. Para a proteção da diversidade biológica, as ações das oNGs são centradas em dois temas: o acesso aos recursos genéticos e a biossegurança.

§ 1º acesso aos recursos genéticos

Neste domínio, essas oNGs organizam campanhas contra a biopirataria, terminando em uma cooperação empreendida com ou-tras oNGs para a anulação de patentes nos países do Norte. a raFI é especializada na divulgação de listas de denúncias referentes a pa-tentes concedidas de recursos biológicos nos países do Sul. Cente-nas de casos são apresentados por oNGs. os mais conhecidos e que merecem ser estudados são o arroz basmati e as plantas ayhuasca.

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I. arroz basmati

o arroz basmati foi modificado geneticamente pela empresa rice tec, do texas, para permitir seu cultivo em outras regiões do globo, além da índia e do Paquistão. o novo arroz, conhecido como texasmati, poderia se cultivado em qualquer lugar e, por isso, contri-bui para a perda do monopólio indiano e paquistanês na produção do arroz, tendo um sabor particular. o arroz geneticamente mo-dificado foi patenteado nos estados unidos. o pedido de patente ressalta as qualidades ligadas à tradição e ao sabor do grão original como sendo as boas características do arroz geneticamente mo-dificado.

“a invenção trata, de um lado, de novas linhagens de arroz, as plantas e os grãos próprios a estas sementes e, de outro lado, sobre o modo de cultivá-las. ela trata também sobre novos meios para determinar o grau de cozimento e o teor de amido das linhagens de arroz e métodos que podem ser utilizados para identificar sementes mais promissoras. um aspecto particular da invenção se refere a novas sementes de plantas semi-anãs, especialmente sensíveis ao fotope-rído, com uma forte produtividade e que produzem grãos cujas características são similares ou mesmo superiores àquelas do arroz de basmati de boa qualidade.outro aspecto da invenção se refere a novos grãos de arroz produzidos a partir de novas linhagens. a invenção provê um método para plantar estas novas linhas. um terceiro aspecto da invenção consiste na descoberta de que índice de amido de um grão de arroz é um indicador do grau de cozimento e das propriedades do amido, e fornece, por conseqüência um método permitindo reconhecer os grãos cujo método de cozimento será o mesmo utilizado para o preparo de arroz basmati tradicional, método que, cada vez mais, será utiliza-do para selecionar os ‘segregantes’ a serem privilegiados nos programas de cultivo”.

a raFI iniciou uma campanha mundial contra a patente deste arroz. o governo indiano também tomou iniciativas para a anulação da patente, mas ela não é fácil. os argumentos jurídicos favoráveis à concessão fundamentavam-se no caráter novo da

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invenção e sua maior adaptabilidade, o que se enquadrava per-feitamente nas regras para a concessão de patentes. No entanto, se levássemos em consideração a Convenção da Diversidade Biológica, a empresa estava irregular, porque não tinha pedido a autorização para o uso da planta ou negociado com a índia sobre a distribuição dos benefícios. Quanto à manutenção das formas tradicionais de produção, esta novidade representa de fato o fim do monopólio indiano e paquistanês na produção de arroz e pode significar a mudança das condições de vida de milhões de agricultores dessas regiões; isso, no entanto, não teve nenhum efeito sobre a validade da patente.

a modificação da planta, necessária para o patenteamento, foi demonstrada pela empresa, e a permissão dos estados de origem não é importante, na legislação dos estados unidos e da quase totalidade dos países do mundo, nem para a anulação, nem para a concessão de patentes, em razão da falta de elo entre as normas da Convenção da Diversidade Biológica e as normas de propriedade intelectual. o único argumento possível, entre todos os invocados pelos indianos, refere-se à moralidade da patente. Isso representaria uma situação pouco comum. até o presente, nenhuma solução concreta foi encontrada, mas uma campanha contra a empresa e contra a posição norte-americana foi lançada.

as oNGs ajudam, assim, os governos da índia e do Paquistão a anular a patente, resultado que seria pouco provável do ponto de vista estreitamente jurídico. todavia, a contribuição mais importante dessas oNGs consiste em valorizar junto ao público os problemas da questão, em razão dos danos causados aos pe-quenos agricultores produtores de arroz destas regiões que terão suas economias arrasadas pelo surgimento das novas variedades transgênicas. essas redes podem contribuir, portanto, para a for-mação de uma economia solidária em favor dos produtores, com o boicote do arroz geneticamente modificado e de outros produtos fabricados pela empresa titular da patente, e assim evitar perdas dos sistemas tradicionais de produção. 3 outros pedidos de anulação de patentes foram obtidos pelo governo da

índia, no caso do turmeric, a pedido do Conselho para a Pesquisa Científica e Industrial (CSIr), sobre a patente uS 5.401.5041, e, em 1997, para a planta neem, a pedido da índia, sobre a patente uS 436.257. Ver MaSHelKar, r. a. “revisiting trIPS: a developing world perspective.” rIS digest, 2001, 18(1-3), p. 5-6.

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II. as plantas ayhuasca

a patente protegendo as plantas ayhuasca é uma caso típico de biopirataria. É particularmente típico porque não houve qual-quer modificação do estado natural da planta. a planta Baniste-riopsis caapi foi somente recuperada, identificada e depositada no escritório de patentes e marcas de comércio dos estados uni-dos (united States patent and trademark office – uSPto) e as ca-racterísticas medicinais, que já eram conhecidas das tribos, foram simplesmente colocadas em evidência. a patente foi depositada no nome do pesquisador loren S. Muller, que baseou seu pedido dizendo que as folhas da sua planta tinham tamanho, formato e textura diferentes da variedade tradicional, que as plantas tinham tamanhos, cores diferentes e não tinham sâmaras ou nozes, além de pubescência e pedicelas de diferentes dimensões. o uSPto acabou por conceder a patente para a invenção, com o número uS PP 5.751. No pedido de patente, o titular ressalta a origem e as propriedades medicinais da planta:

“a nova planta é denominada ‘Da Vine’. esta planta foi des-coberta em um jardim doméstico situado na floresta ama-zônica, na américa do Sul (...)a planta em questão é objeto atualmente de uma inves-tigação para a determinação de seu valor medicinal no tratamento do câncer e em psicoterapia. ela é útil para o tratamento do mal de parkinson pós-encefalítico e de an-gina pectoris. ela tem também propriedades anti-sépticas, bactericidas e ações amoebicida e antielmética.”

Depois de ter descoberto a patente, várias oNGs em coo-peração, lideradas pela raFI, começaram uma campanha contra a sua existência. a coalizão das organizações Indígenas da Bacia amazônica (CoICa), uma oNG do Sul que reagrupa 24 oNGs que lutam pela proteção dos índios da amazônia, em conjunto com o Center for International environmental law (CIel), uma oNG norte--americana, pediram ao uSPto a anulação da patente. os argu-mentos levantados eram a falta de novidade e os aspectos morais.

a falta de novidade foi demonstrada, não pela anteriorida-de da utilização da planta pelos índios, mas sobretudo por uma

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dezena de artigos científicos americanos descrevendo a planta. os argumentos concentravam-se na anterioridade da identifica-ção científica da planta pelos cienstistas norte-americanos, logo, não é a anterioridade da utilização pelos índios, mas a atividade científica que tinha por objeto a planta que foi a razão aceita pelo uSPto. os argumentos morais fundamentavam-se no fato de que a planta era utilizada com fins religiosos por 400 culturas da bacia amazônica e que sua utilização comercial era uma afronta às culturas tradicionais.

em 3 de novembro de 1999, o uSPto pronunciou a anula-ção da patente, apoiando-se no argumento de falta de novidade. os aspectos morais não foram analisados. a resolução do uSPto não foi fundamentada na utilização ancestral, mas em artigos publica-dos sobre o tema nos estados unidos, por outros pesquisadores americanos. a decisão do uSPto é boa, na medida em que a pa-tente foi anulada, mas esta decisão não pode se estender a outras plantas novas, considerando que o fundamento jurídico da anula-ção era justamente a existência de artigos científicos americanos descrevendo a planta.3

a ação das oNGs é, portanto, limitada pelo desnível de eficácia entre as normas do direito internacional econômico e as do direito internacional ambiental, assim como pela não-harmo-nização desses ramos do direito internacional. a Convenção da Di-versidade Biológica enuncia que são precisos, além da distribuição de benefícios entre as comunidades locais, os povos autóctones e as empresas, o consentimento prévio e esclarecido e a autorização dos estados, para a utilização dos recursos genéticos. entretanto, a Convenção da Diversidade Biológica não é eficaz. além disso, as normas do tratado sobre Cooperação em Patentes e o acordo trIPS, no âmbito da oMC, não fazem qualquer referência à distri-buição de benefícios, ao consentimento prévio ou à autorização das autoridades nacionais. a norma válida, neste caso, é a do direi-to internacional econômico. esta norma não é aplicável em razão de uma regra de interpretação, mas sim em virtude da diferença entre a eficácia dos dois ramos do direito. Caso contrário, as oNGs teriam mais possibilidades de agir para garantir os direitos dos po-vos autóctones. 4 Justificativa ao Projeto de lei sobre o controle dos organismos genetica-

mente modificados, que deu origem à lei 6.957, do estado da Paraíba.

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§ 2º a biossegurança

em se tratando de biossegurança, as atividades das oNGs são articuladas em torno de dois temas principais: os riscos ine-rentes às novas tecnologias para a saúde humana e os impactos das novas tecnologias biológicas nos meios de produção tradicio-nais.

o controle dos riscos das novas biotecnologias concretiza--se de diversas formas: as oNGs alertam o público sobre os riscos potenciais das novas tecnologias, informam os governos e o público sobre os produtos geneticamente modificados comer-cializados de modo irregular ou que não apresentam informações sobre sua natureza transgênica, e às vezes entram com processos contra os governos que autorizaram a disseminação de organis-mos geneticamente modificados no meio ambiente.

No Brasil, o Instituto de Defesa do Consumidor fez, em duas ocasiões, as análises de certos produtos comercializados para ve-rificar a presença de organismos geneticamente modificados. o Greenpeace também o fez, por sua vez, para verificar a presença de oGMs nos alimentos importados. o IDeC confiou suas análises a um laboratório suíço, e o Greenpeace, a um laboratório austrí-aco. a escolha de laboratórios estrangeiros, mesmo com vários centros nacionais competentes, para a realização dos exames, demonstra falta de confiança nas estruturas nacionais de pesqui-sa. assim, mesmo quando existem estruturas nacionais compe-tentes, as oNGs preferem utilizar as estrangeiras.

esse pedido de exame sobre a existência de oGMs nos produtos comercializados foi acompanhado de uma campanha publicitária. ainda que os resultados não tivessem sido publica-dos pelos laboratórios, as oNGs, seguras da existência de oGMs, divulgaram suas iniciativas na mídia, o que contribuiu para valori-zar os testes feitos. os resultados dos exames foram confirmados e as denúncias foram feitas; entre os testes encomendados pelo IDeC, dos 31 alimentos analisados, nove tinham a soja rr da

5 Ver especialmente os artigos de NoIVIlle, C. “Principe de précaution et ges-tion des risques en droit de l’environnement et en droit de la santé.” Petites affiches, 2000, 239(30 novembre), HerMItte, M.-a., DaVID, V. “evaluation des risques et principe de précaution.” Petites affiches, 2000, 239.

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Monsanto, transgênica. Dos 11 alimentos verificados a pedido do Greenpeace, dois tinham a soja rr, e um, o milho Bt 176. os resultados foram amplamente divulgados na mídia e as oNGs es-creveram às autoridades públicas pedindo medidas urgentes. De toda forma, o principal resultado alcançado foi a demonstração de uma realidade ainda não mostrada, ou seja, a falta de capaci-dade de controle do poder público, derrubando a confiança da população nas instituições de controle do governo.

os alimentos em questão deveriam estar sendo controlados pelo poder público federal, conforme a norma de biossegurança. a ação do IDeC revelou a incapacidade do governo em relação ao controle da comercialização de produtos contendo oGMs. a constatação da falta de controle das autoridades federais e esta-duais incentivou a produção de normas locais para a implemen-tação de um controle mais rígido. algumas normas foram efetiva-mente aprovadas, em várias cidades. o elo entre as novas normas e a ação desta oNG é explícito nas justificativas para a aprovação das normas. Na justificativa apresentada por um deputado autor do projeto de lei para a aprovação da norma no estado da Paraíba, por exemplo, a influência do IDeC é manifesta:

“...Motivou a elaboração do Presente Projeto os diversos ele-mentos coligados e dos constantes noticiários vinculados ao assunto, e, principalmente, por considerar que em assim continuando, a conduta dos agentes econômicos fere direitos básicos do consumidor de ter informações claras e precisas, sobre a natureza, características, qualidade, quantidade, pro-priedades, origem e quaisquer outros dados sobre os produ-tos mencionados.os alimentos transgênicos estão presentes nas prateleiras dos supermercados e das lojas de produtos alimentícios no Brasil, apesar de serem proibidos. Numa avaliação promo-vida pelo IDeC – Instituto de Defesa do Consumidor com 31 produtos comercializados no País, nove ou 29% das amos-tras coletadas possuem componentes da soja transgênica rounup ready, produzida pela multinacional Monsanto. Cinco são nacionais e quatro importados de países como estados unidos, Bélgica e México. Seis contêm mais de 1% de material geneticamente modificado e nenhum dos nove produtos informa em seu rótulo sobre a presença de trans-

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gênicos, ao contrário do que exige o Código de Defesa do Consumidor.”4

* * *

a vigilância das oNGs tem várias repercussões: ela informa os consumidores sobre a qualidade dos produtos consumidos; controla as normas jurídicas; informa o poder público sobre as irregularidades dos produtos comercializados; fornece elementos para avaliar a capacidade dos poderes públicos de cumprirem suas obrigações, avaliação esta que serve de base para a sociedade civil e o próprio poder público; e democratiza o tema, a partir do momento em que este é colocado em discussão perante a socieda-de civil. Neste caso específico, a avaliação publicada pelas oNGs deu origem a iniciativas em diversas esferas da administração pública, para a criação de normas suplementares para a proteção dos con-sumidores.

Subseção III – as ações na Justiça

o controle garantido pelas oNGs seguiu também a via ju-risdicional, tanto na europa quanto no Brasil. um estudo de caso feito no Brasil mostra-se particularmente interessante, porque sendo este um país em desenvolvimento, onde houve uma sé-rie importante de processos em justiça, podemos compreender melhor a importância das oNGs na formação, na implementação e no controle do direito internacional ambiental, sobretudo nos países do Sul. De um lado, as partes estavam representadas pe-las oNGs e o Ministério Público, responsável pela proteção do meio ambiente e dos consumidores. De outro lado, as empresas transnacionais, em particular a Monsanto, e o executivo Federal. Considerando que os processos na europa já eram conhecidos e analisados por vários autores, iremos centrar nossa atenção nos processos brasileiros.5

No Brasil, existe uma Comissão técnica Nacional de Bios-segurança (CtNBio). ela deve emitir pareceres técnicos e auto-rizações para as diversas fases da pesquisa e da isseminação de organismos geneticamente modificados. a Comissão é composta

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por representantes do meio científico, dos consumidores, dos trabalhadores e dos membros do governo. a CtNBio já havia concedido centenas de certificados e autorizações de pesquisa, mas nunca sobre a disseminação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente, e a decisão final, de fato, não per-tencia à CtNBio, mas aos diferentes ministérios competentes. De acordo com a legislação nacional, a CtNBio tem o direito apenas de emitir pareceres técnicos sobre os riscos dessas dissemina-ções. em razão do Decreto que a criou, a CtNBIo tem o poder discricionário de dizer se é ou não preciso um estudo de impacto sobre o meio ambiente para fundamentar o seu parecer técnico, e é justamente pelo fato de não ter pedido o estudo de impacto que as oNGs entraram na Justiça.

ainda que o sistema jurídico brasileiro não aceite que a legalidade material do ato administrativo possa ser discutida, a decisão de não realizar o estudo de impacto foi contestada na Justiça pelo IDeC. o processo tratava do parecer técnico favorável à disseminação da soja round up da Monsanto no mercado agrí-cola. o parecer técnico foi realizado sem a presença de um estudo de impacto ao meio ambiente. a oNG afirmava no processo que a realização de um estudo de impacto era indispensável e que a CtNBio não podia dar um parecer favorável sem pedir a sua reali-zação para fundamentar qualquer decisão. a oNG beneficiava-se do conselho de advogados ilustres para a sua defesa, como o pro-fessor Paulo affonso leme Machado, o pai do direito ambiental brasileiro. a empresa transnacional seguiu o mesmo caminho, o que indica a mobilização de importantes recursos pelos dois la-dos, o que apenas é acessível a um número restrito de oNGs.

o juiz de primeira instância acolheu a oNG no seu pedido. o juiz de segunda instância também deu razão à oNG, em virtu-de do princípio de precaução. o que estava sendo discutido, na verdade, era o poder discricionário do agente administrativo de

6 Ver loCKe, J. traité du gouvernement civil. Paris: GF Flamarion, 1992. 7 Ver tHoreau, H. D. Désobéir. Paris: editions 10/18, 1994. 8 Ver areNDt, H. Du mensonge à la violence. essais de la politique contem-

poraine. Paris: Calmann-lévy, 1972, mais especificamente o capítulo sobre a desobediência civil.

9 Ver BoBBIo, N., MatteuCCI, N., PaSQuINo, G. Dizionario di politica. torino, uFet, 1983.

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poder optar por pedir ou não o eIa. esta opção figura claramente no decreto constitutivo da CtNBio, mas vai de encontro ao previs-to pela Constituição Federal, no seu artigo 225. ainda que se trate apenas de um parecer técnico, que pode ser revisado posterior-mente pelos diferentes ministérios, e não de uma decisão final, o parecer favorável tem grande efeito dentro da administração pública. Na sua análise preliminar, o magistrado decidiu a favor da realização do eIa, mas permitiu o comércio de oGMs, sob o controle da indústria.

Depois da decisão em primeira instância, o IDeC e o Greenpe-ace recorreram, afirmando que era impossível exigir um controle da disseminação de organismos geneticamente modificados, e pedi-ram a suspensão imediata da autorização da CtNBio, para qualquer teste, ensaio, plantação, comercialização, consumo, transporte, estoque e disseminação da soja round up ready. Da mesma forma, pediam a realização do eIa, em área de confinamento, delimitada e demarcada, com a proibição de comercializar as colheitas obti-das com os testes. a Monsanto pediu também a reconsideração da determinação judicial, exigindo a rotulagem dos produtos comerciali zados. Na sua decisão em grau de recurso, o juiz Pru-dente reconheceu o interesse de agir.

um pouco mais adiante, o juiz cita a participação do Mi-nistério Público Federal, que participa do processo como custos legis, e argumenta em favor do interesse de agir das oNGs e da necessidade de rotulagem.

um novo recurso foi então pedido pela Monsanto e pelo IDeC, o qual deveria ser revisado em decisão colegial, com três desembar-

10 areNDt. Du mensonge à la violence. essais de la politique contemporaine, op. cit., p. 58.

11 BoBBIo, MatteuCCI, PaSQuINo. Dizionario di politica, op. cit., p. 338. 12 Baseado em BoBBIo, MatteuCCI, PaSQuINo. Dizionario di politica, op. cit.,

p. 339. 13 Na declaração de locke: “le bien public et l’avantage de la société étant la

véritable fin du gouvernement, je demande s’il est plus expédient que le peuple soit exposé sans cesse à la volonté sans bornes de la tyrannie; ou, que ceux qui tiennent les rênes du gouvernement trouvent de l’opposition et de la résistance quand ils abusent excessivement de leur pouvoir, et ne s’en servent que pour la destruction, non pour la conservation des choses qui appartiennent en propre au peuple?” In: loCKe. traité du gouvernement civil, op. cit., § 229.

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gadores: a Monsanto, reclamando a permissão de comercilizar, e a IDeC, pedindo a proibição de qualquer liberação, exigindo a realização imediata do estudo prévio de impacto ambiental. em segunda instância, entre os aspectos mais importantes levados em consideração pelos juízes, observamos com atenção especial o fato de que a soja cultivada no Brasil em larga escala era desti-nada à exportação e, portanto, ocupando grandes espaços de terra, cuja contaminação poderia atingir diferentes ambientes, não pode-ria, assim, haver razões plausíveis para justificar a recusa da empresa transnacional de realizar, no território brasileiro, o estudo de impacto ambiental.

a decisão conclui que o direito concedido à CtNBio de ava-liar a necessidade de um estudo prévio de impacto ambiental não é válido aos olhos da norma constitucional que exige a sua realiza-ção nos casos de possíveis danos ao meio ambiente. Para justificar a potencialidade dos danos dos oGMs, o juiz utilizou a própria controvérsia entre as empresas transnacionais e as oNGs sobre o tema, apoiando-se em diversos juristas que discutem o tema, tan-to na França quanto no reino unido e nos estados unidos. enfim, a decisão reconhece a incapacidade e a falta de interesse do go-verno brasileiro, hesitando em regulamentar o tema, e demonstra que, desde o início do processo, não tinha havido qualquer ação em favor de um controle mais exigente em relação à proteção ambiental.

Isso demonstra que as oNGs tiveram uma participação im-portante na regulamentação dos oGMs, via Judiciário. É a partir da sua iniciativa e graças à sua vigiliância constante que o Judici-ário verificou a incapacidade do Poder executivo de controlar esses novos organismos. outros processos também foram ini-ciados contra a introdução dos oGMs. a participação do Brasil foi considerada crucial por várias razões: o Brasil é um dos principais exportadores de soja e maior exportador de soja não-transgênica do mundo. Isso dá possibilidade de escolha aos consumidores eu-ropeus e japoneses, em face das pressões norte-americanas em favor da promoção dos oGMs. assim, a participação do Brasil atin-ge vários setores. ainda que os governos europeus não tenham feito uma seleção privilegiando a soja brasileira, algumas redes 14 raWlS, J. a theory of justice. oxford: oxford university, 1972, p. 365.

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de supermercados importantes iniciaram um processo de sele-ção de produtos não-transgênicos, entre os quais encontramos vários produtos brasileiros. assim, Carrefour, Migros, Bonduelle e Mark & Spencer decidiram mudar de fornecedores ou ao menos indicar de forma clara se um produto era ou não transgênico. Neste caso, houve uma interação entre as oNGs, que informam o público sobre os problemas que a questão envolve e as empresas privadas de distribuição, cujo interesse é vender cada vez mais, a partir da utilização de produtos confiáveis, com base nos interes-ses comuns da sociedade.

Seção II – a desobediência civil

a resistência à lei é também um mecanismo que contribui para a evolução jurídica. a teoria que defende essa forma de cons-trução jurídica já é antiga e utilizada tanto pelas oNGs do Norte quanto do Sul. o conceito de desobediência civil varia conforme o autor e a época e, entre os autores mais conhecidos que trabalha-ram o tema, encontramos locke,6 thoreau,7 Gandhi, rawls, aren-dt8 e Bobbio.9

utilizaremos o conceito de arendt: os atos “das minorias organizadas, unidas mais por decisões comuns, do que por uma comunidade de interesses, e pela vontade de se opor à política governamental, ainda que elas possam estimar que esta política seja sustentada por uma maioria. Sua ação organizada procede de um acordo comum e é este acordo que confere às suas opini-ões um certo valor e os tornam convincentes, independentemen-te do modo como eles foram formados na sua origem”.10

a desobiência civil é, portanto, uma das modalidades do direito à resistência, como a objeção de consciência à resistência passiva ou à resistência ativa. ela precisa de três elementos para existir: a luta contra uma lei injusta, ilegítima ou inválida. em qualquer uma dessas hipóteses, não há transgressão de norma, porque, no primeiro caso, a lei tem um vício substancial e nos 15 Nas conclusões, o advogado pede também a consideração de legítima de-

fesa, porque considera a ação de seu cliente socialmente útil, ou seja, em defesa da sociedade.

16 Conclusões da advogada ethelin.

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dois últimos, ela tem um vício formal,11 assim, a obrigação moral de obedecer à norma não existe. Isso faz parte do direito de re-sistência do cidadão, o qual dá origem ao adjetivo “civil”. ela tem como fim imediato, mostrar a injustiça da norma jurídica, de um ato ou de uma abstenção do governo, e como fim mediato, mu-dar a norma ou este ato. uma definição deveria então reunir as características essenciais, como ação ilegal, ato coletivo, público e não-violento, baseado no princípio ético superior e visando a obter a mudança da norma ou de um ato público.12 o fundamen-to moral da desobediência civil reside, de um lado, no direito natural, como afirmavam Gandhi e Martin luther King, e, de outro lado, em uma norma superior, com a Justiça acima do direito, ou no contrato social, segundo a teoria de locke, referindo-se a de-sobediência civil a um ato de ruptura deste contrato.13 ela é um ato político, não apenas porque é dirigida a um grupo que tem o poder político, e é geralmente majoritário, mas também porque é um ato guiado e justificado por princípios políticos, ou, de acordo com rawls, pelos princípios de justiça que regulam a constituição e as instituições sociais.14 Depois de termos feito a exposição das ações concretas, retornaremos às considerações teóricas.

a desobediência civil, no caso dos oGMs, foi praticada na França, no Brasil e na índia. Na França, as ações foram lideradas pela Confédération Paysanne, representada por José Bové, com a destruição das incubadoras contendo oGMs. No Brasil, o Mo-vimento dos trabalhadores rurais Sem terra (MSt) e as associa-ções de mulheres do meio agrícola foram os princpais atores, ainda que José Bové também tenha participado das ocupações organizadas na propriedade da Monsanto no Brasil. Na índia, um movimento foi criado por uma associação rural objetivando atuar especificamente contra as atividades da empresa Monsanto, com o nome “crememos a Monsanto”; seus membros chegaram a ir à França, para ajudar a Confédération Paysanne em suas atividades. essas ações suscitaram reações dos poderes públicos, que deram origem a processos judiciais, que merecem ser estudados. assim, analisaremos, em primeiro lugar, as ações realizadas na França, 17 “Sobre as fotos n. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 (D22) do jornal televisivo ‘les six dernières

? minutes’ difundido por M6, o Sr. José Bové aparece claramente com um martelo na mão, enquanto quebra o vidro da porta de entrada da estufa;” Citação da decisão, p. 16.

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para, em seguida, estudar os casos brasileiro e indiano.

Subseção I – França

a utilização da desobediência civil na França foi condu-zida, na maior parte das vezes, pela Confédération Paysanne. os casos mais conhecidos são a destruição de um restaurante MacDonald´s, em resposta à medida de retorsão dos estados unidos, no âmbito da oMC, infração que foi julgada na cidade de Millau, em primeira instância, e em Montpelllier, em segunda ins-tância; a privação de liberdade (violência cometida em reunião) contra três representantes públicos, por se manifestarem contra a política agrícola comunitária, caso julgado em primeira instância na cidade de rodez e, em segunda instância, também em Mon-tpellier; e a destruição de uma incubadora do CIraD contendo organismos geneticamente modificados, o que mais interessa ao presente estudo.

o CIraD, organização de caráter público, possuía uma es-tufa contendo plantas de três pesquisas diferentes: plantas para uma pesquisa de um marcador, permitindo detectar a presença de oGMS, plantas para o estudo do genoma de arroz e um teste de arroz geneticamente modificado resistente a uma praga. as pesquisas tinham sido autorizadas pelo governo francês e eram financiadas pelos fundos públicos do CIraD e pela Comunidade européia. Não havia nenhuma relação com empresas transna-cionais. em 5 de junho de 1999, José Bové e outros membros da Confédération Paysanne, em companhia de 40 pessoas vindas da índia, entraram na estufa e destruíram todas as plantas que se encontravam no seu interior. o CIraD e dois doutorandos que 18 a análise de outros casos, como o do tribunal de Grande Instância de Foix,

contra a Sra. Françoise Matricon e outros, demonstra que a programação dos atos da Confédération paysanne foi feita em virtude da visita da carava-na indiana. “… a destruição da colheita que data de 2 de junho de 1999 foi escolhida a fim de coincidir com o momento da intervenção com a passa-gem de um movimento de indianos que compunham ‘a caravana interconti-nental indiana’” in: julgamento 828/2000, de 3 de outubro de 2000, tribunal de Grande Instância de Foix.

19 tHoreau. Désobéir, op. cit., p. 12. 20 areNDt. Du mensonge à la violence. essais de la politique contemporaine,

op. cit., p. 54.

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trabalhavam nessa pesquisa entraram com uma ação de indeni-zação, e o Ministério Público, com uma ação penal por “destruição dos bens de outros, cometido em reunião, de forma recidiva”, con-forme os artigos 322-3, 322-9, 322-15, 132-10 e 132-16 do Código Penal francês.

os acusados reconheceram os fatos e sua responsabilidade. em nenhum momento negaram a sua responsabilidade, mas discuti-ram a legitimidade das suas ações e a tipificação penal.15 também invocaram o artigo 8, da Convenção européia de Direitos Huma-nos, sobre o direito de comer alimentos saudáveis e viver em um meio ambiente são, e o princípio de precaução, para dizer que a incubadora não tinha as condições de segurança necessárias para lidar com oGMs; segundo a defesa, “as pesquisas conduzidas pelo CIraD sobre plantas de arroz geneticamente modificadas consti-tuíam uma ameaça grave para os réus e para a sociedade civil em geral”.16

os réus pediram o testemunho de várias pessoas, entre as quais os representantes de oNGs, como a. apoteker, do Greenpe-ace e mesmo o Secretário de agricultura do estado do rio Gran-de do Sul, no Brasil, a. Hoffman, que havia conduzido uma forte campanha contra os oGMs. o mesmo fizeram os autores, pedindo a participação do Dr. Kourilsky, Diretor do Instituto Pasteur, e do presidente do conselho científico do CIraD, Dr. riba. os testemu-nhos hostis aos oGMs não tiveram sucesso em demonstrar a falta de segurança e o risco de contaminação do meio ambiente. Fi-nalmente, a Corte considerou que não havia razão para invocar o princípio de precaução, porque inexistiam riscos consideráveis e proporcionalidade no caso dos atos praticados, e nem mesmo ha-via legitimidade dos agentes. ela condenou os acusados a penas de prisão – com sursis – e a multas, além de terem que pagar uma indenização aos doutorandos e ao CIraD, pelos danos morais e materiais sofridos.

É interessante ver a posição da Corte no que se refere ao princípio de precaução:

“1 – Considerando a ausência de riscos ligados aos dois experimentos, que não previam disseminação, o fato dos acusados terem invocado este princípio é, de qualquer modo, infundado;

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2 – a destruição brutal e a destruição de vários meses de trabalho não constitui, de forma alguma, ao contrário do que sustentam os acusados, medidas proporcionais, sendo que não se justificavam, podendo ter utilizados outros meios para se oporem à disseminação que eles julgavam impruden-te (pedido de informações ao C.I.r.a.D, campanha destinada à opinião pública, etc.)3 – ainda que se devesse finalmente consagrar de forma ex-trema a interpretação do princípio de precaução, segundo o qual deve-se abster de toda atividade em caso de dúvida sobre sua inocuidade, dever-se-ia então considerar que se tratava neste caso de uma decisão da sociedade, extre-mamente importante e com muitas conseqüências, uma decisão que não seria justo dar unilateralmente e peremp-toriamente a alguns indivíduos, que evocaram o direito de impô-la, isso, além do fato de que a questão de saber a quem é atualmente reservado a aplicação deste princípio está longe de ser conhecida.”

a publicidade dada a essas ações é particularmente impor-tante, o que demonstra a intenção dos réus de atingir a sociedade. Não apenas os réus reconheceram a autoria, mas José Bové alertou a imprensa antes do ato, para gravar e divulgar a destruição da estufa. ele conseguiu; o ato foi divulgado em vários países e seus objetivos foram atingidos. enfim, a Corte utilizou as imagens difundidas na imprensa para identificar os acusados, ou seja, como prova da acu-sação.17

outros pontos devem ser destacados, como a participação de um grupo com 40 indianos, que integravam uma “caravana intercontinental contra a mundialização da economia, contra as políticas desumanas impostas pela organização comum dos mer-cados, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial”,18 além da presença de um Secretário de estado da agricultura, hostil aos oGMs. Isso tudo demonstra a união dos movimentos sociais opostos aos oGMs, que se mostram capazes de desenvolver uma ação conjunta mundial.

os acusados não aceitaram reconhecer seus atos como crimi- 21 Processo 2001.71.00.001873, do Poder Judiciário Federal. Segunda seção

federal criminal do estado do rio Grande do Sul, página 15, decisão de 30 de janeiro de 2001.

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nosos. Como thoreau, eles os consideraram uma forma legítima de ação, autorizada por um direito que se situa acima da lei.19 No entanto, como bem afirma Hanna arendt, os juristas ainda têm uma certa dificuldade para compreender a desobediência civil quando o agente não aceita a pena. a aceitação da pena não é, de forma alguma, um elemento essencial ou mesmo a essência da desobediência civil.20

Subseção II – No Brasil

No Brasil, as destruições dos organismos geneticamente modificados ocorreram no estado do rio Grande do Sul. o Se-cretário de agricultura do rio Grande do Sul era o Sr. Hoffman, que foi testemunha no processo José Bové. o rio Grande do Sul é mais rigoroso no tocante às pesquisas sobre os organismos gene-ticamente modificados, considerando que ele criou um sistema duplo de controle sobre as atividades relacionadas com os oGMs (testes e disseminações), além do sistema de controle federal já implantado. o procedimento federal obriga a ter uma autorização da união. o procedimento estadual obriga somente a notificar o estado sobre as pesquisas em andamento.

a empresa Monsanto tinha uma área destinada à produ-ção de sementes de soja. ela havia obtido essa autorização das autoridades federais do estado do rio Grande do Sul. Cerca de 600 pessoas ligadas ao MSt e alguns membros da Confédération Paysanne, entre os quais José Bové, entraram na propriedade da Monsanto e destruíram as sementes e a propriedade de 2,5 hec-tares, na cidade de Não-Me-toque.

Da mesma forma que na França, havia consciência do gru-po sobre o aspecto simbólico do ato, se bem que, nesse caso, os danos foram bem mais importantes, considerando que os produtos destruídos eram sementes a serem utilizadas para o plantio do ano seguinte, e que essa destruição impediu a venda dos grãos finais. a publicidade dada ao ato foi também

22 Processo 2001.71.00.001873, do Poder Judiciário Federal. Segunda seção federal criminal do estado do rio Grande do Sul, página 15, decisão de 30 de janeiro de 2001.

23 Karnatka raiya ryota Sangha.

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marcante. os líderes do MSt chamaram a imprensa, que cobriu todas as iniciativas; assim, tudo foi transmitido pela televisão, em vários países diferentes. Não houve violência contra pesso-as, mas apenas contra os bens da empresa.

o MSt é um movimento social brasileiro, cujos membros têm por objetivo obter terras, em um processo de reforma agrária. Podemos notar que o processo de educação dos seus membros, dos quais uma parte importante nunca freqüentou uma escola, sobre as questões ligadas à mundialização e à perda de possibilidades agrícolas para os pequenos agricultores e dos meios tradicionais de produção. os “sem-terras” manifestam-se também contra a globalização da economia, contra os oGMs, e têm muitos pontos em comum com a Confédération Paysane, ainda que existam divergências importantes entre esses dois movimentos. Mesmo sendo as diferenças mais fortes do que as semelhanças, os dois grupos uniram-se para ocupar a proprie-dade da Monsanto e na defesa do processo em justiça na França.

um dos estados onde a teoria da desobediência civil mais evoluiu no Brasil é justamente o rio Grande do Sul. É, portanto, uma conjunção de fatores que possibilitou a invasão da fazenda da Monsanto. a polícia conduziu uma investigação e os líderes do MSt, entre os quais o presidente, João Pedro Stédile, assim como José Bové, foram identificados. No entanto, o Ministério Público não iniciou ação penal contra essas pessoas. um deputado do estado do rio Grande do Sul tomou então a iniciativa e obrigou o Ministério Público a se posicionar sobre o fato: ou entrar com a ação penal ou pedir o arquivamento do processo. a posição do parquet foi declarar expressamente a sua não-intenção na ação penal. É impossível afirmar precisamente que esse arquivamento advém do reconhecimento da legalidade da desobediência civil, como forma de conquista legítima de direitos, pelos representan-tes do Ministério Público, porque nenhuma justificativa foi dada nesse sentido, mas a atitude leva a entender um reconhecimento tácito, e o Ministério Público do rio Grande do Sul merece aplau-sos nesse sentido.

No entanto, a Polícia Federal, que tinha dado a José Bové um visto de 90 dias, expulsou-o do Brasil, dando-lhe 48 horas para sair do território brasileiro. Imediatamente, a rede nacional autônoma de advogados populares, um grupo com mais de 500

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advogados que trabalham gratuitamente para o MSt, preparou um habeas corpus,21 contra a Polícia Federal, pedindo ao Poder Judiciário para anular o mandado de expulsão. antes que o prazo de 48 horas tivesse se escoado, o Judiciário já havia anulado o mandado.

os advogados da união federal iniciaram então um recurso, para conseguir novamente a expulsão de José Bové. o governo federal dizia-se interessado pela ação, prerrogativa existente em certos casos. o juiz federal considerou, nas suas preliminares, que a união não tinha realmente razão de agir em defesa de um mul-tinacional ou expulsar José Bové, uma convidado do governo do estado do rio Grande do Sul para o Fórum Social Mundial, e que já estava com sua passagem de volta confirmada. Mais uma vez, os advogados da união pediram recurso e perderam o processo em segunda instância, em decisão colegial, pelos mesmos motivos. a decisão é interessante:

“No entanto, há de se dizer que a alegação da Polícia Fe-deral de que Joseph teria se tornado nocivo aos ‘interesses nacionais’ ou à ‘ordem pública’ haveria de vir com a nar-rativa do que consistiria esta ‘nocividade’. Sobre o ponto, portanto, não há qualquer notícia; antes, é sobremaneira sintomático de mera represália o fato de que Joseph Bové, independentemente de qualquer notificação para retirada imediata do País – é portador de bilhetes aéreos (...) em que se aponta como data para os vôos de retorno à França o dia 31.01.01. Se assim é, qual seria a razão, senão mera repre-sália, o fato de ter sido notificado para saída do País no dia imediatamente anterior!!??”22

a empresa Monsanto, por sua vez, não pediu indenização na Justiça nem tentou promover a ação penal em face da inércia do Ministério Público, o que seria possível juridicamente. em geral, as 24 o caso busca a proibição permanente contra os acusados de entrar nos cam-

pos sobre os quais sendo conduzidas ações judiciais em relação a semente de algodão e também impedi-los de danificar qualquer propriedade per-tencente ao autor, nos endereços mencionados na lista anexa ao processo e também impedir os acusados de se aproximarem a menos de 500 metros ao redor dos campos onde os testes de ensaio estão sendo conduzidos em relação às sementes de algodão. Court of the Junior Civil Judge at Vikarabad District, o.S. 624 de 1998.

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ações de indenização não obtêm resultados positivos porque os membros do MSt são miseráveis, sem bens susceptíveis de ônus. os fatos foram cometidos por diversas pessoas, mas a única pas-sível de processo era José Bové, o que a empresa não quis fazer.

a expulsão de José Bové ocupou a mídia, sobretudo quan-do houve a vitória dos advogados na Justiça e a decisão da sua anulação. É interessante notar, no caso brasileiro, a união entre os dois movimentos sociais, e o fato de que podemos colocar a suas ações em paralelo com a ação conjunta dos franceses com os indianos. No Brasil, o papel importante da rede de advogados voluntários, que tem hoje cerca de 500 advogados, é também um ponto a ressaltar. um outro aspecto a ser lembrado é o reconhe-cimento, pelos representantes dos poderes públicos, da legali-dade das ações realizadas, o que se deduz da ausência de ação penal. No entanto, é preciso lembrar que, em momento algum, os membros dos dois movimentos definiram seus atos como sendo “desobediência civil”, mesmo se eles podiam ser assim definidos.

Subseção III – a índia

entre as três séries de contenciosos estudados, França, Brasil e índia, o processo indiano é o mais interessante, quanto à desobe diência civil. os atos foram realizados pela associação dos agricultores de Karnataka,23 sob a direção do professor Nanjun-daswamany. essa associação diz representar mais de dez milhões de agricultores, originários de uma região do país. a associação identificou várias fazendas onde se produziam organismos ge-neticamente modificados, na região. os fazendeiros foram con-tactados e informados da posição da associação sobre as conse-qüências dos organismos geneticamente modificados. eles foram advertidos de que seus campos seriam destruídos, indicando o dia da destruição com um dia de antecedência, e afirmando que eles seriam indenizados. o objetivo da associação não era causar prejuízos materiais aos fazendeiros, mas integrá-los aos objetivos do movimento social. a maior parte deles tinha contratos com

25 Importa notar que as informações fornecidas vêm de uma entrevista e os documentos disponibilizados do processo não chegavam a uma conclusão até setembro de 2001.

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empresas para a multiplicação de sementes que deveriam ser utilizadas para o próximo plantio. em seguida, os membros da associação chamaram a imprensa e deram o máximo de publici-dade à destruição.

Depois da destruição dos campos em propriedades priva-das, os membros da associação Indiana viraram-se contra as em-presas. Começaram a atacar a Maharashtra Hybrid Seeds Co. ltd., uma empresa indiana de sementes que tinha um acordo com a Monsanto para a multiplicação de sementes de algodão resisten-te ao bollworm. ela tinha comprado um pacote com 100 gramas de sementes, feito um primeiro teste de multiplicação e já estava pronta para produzir sementes em escala comercial. o contrato de importação, a multiplicação de sementes e seu plantio ulterior em grande escala haviam sido autorizados pelo governo indiano. as plantações de sementes da empresa eram distribuídas entre 40 diferentes centros de multiplicação na índia.

um grupo de manifestantes cortou as plantas de algodão e colocou fogo nas sementes, em frente à empresa abids, em 30 de novembro de 1998. No dia seguinte, os manifestantes indianos entraram em uma das fazendas de multiplicação de sementes, na região de Karnataka, na cidade de Maladgudda (distrito de rai-chur), e colocaram fogo em toda a plantação, no âmbito da cam-panha “queimar Monsanto”. a imprensa foi avisada e várias oNGs em todo o planeta divulgaram as atividades dos agricultores pela Internet. a principal causa dessa destruição, de acordo com a própria empresa, era a utilização da tecnologia “terminator”, que impede a planta de produzir sementes e é capaz de aumentar o grau de dependência dos agricultores em relação à Monsanto. os manifestantes agiam também contra os oGMs, de modo geral. a empresa indiana negou a utilização do terminator, mas não dos oGMs. Na verdade, a Federação dos agricultores de andhra Pradesh tinha também se posicionado contra as plantações de sementes trans gênicas e já começava a testar as sementes da em-presa, para avaliar possíveis ações futuras.

enquanto os testes eram realizados, a empresa entrou na Justiça para pedir um tipo de interdito proibitório, para impedir os 26 thoreau é favorável a um ato individual. embora seja individual, a consciên-

cia do objetivo é necessária.

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manifestantes de se aproximarem dos outros centros de multipli-cação de sementes, exigindo que a Corte os condenasse a não se aproximarem a uma distância de 500 m.24.

a Corte intimou os dirigentes da associação a comparece-rem perante o tribunal para se defender. o professor Najundaswa-many e outros dirigentes responderam à Corte dizendo que eles respeitavam a sua autoridade e que aceitariam a sentença que fosse pronunciada, mas que não iriam comparecer às audiências, porque eram pobres e não podiam deixar seu trabalho por um dia. em outras palavras, essa forma de protesto também se inscre-ve no conjunto de atos da desobediência civil. lembraram tam-bém o aspecto simbólico do seus atos, e o fato de que esses atos não eram condenáveis pela lei. Percebemos que os atos de deso-bediência civil foram muito melhor planejados na índia e que a consciência simbólica e teórica do ato é ainda mais consolidada.

ainda que o não-comparecimento perante a Corte possa ter comprometido a defesa dos acusados, os membros da associação preferiram seguir o exemplo de Gandhi, umas das primeiras pes-soas a organizar grandes movimentos de desobediência civil, e colocar seu destino nas mãos dos juízes. os agricultores, por sua vez, sentiram-se assegurados. De acordo com o professor Najun-daswamany, mesmo se a Corte os condenasse a uma pena pecu-niária pelos atos praticados, os oficiais da Justiça nunca poderiam apreender seus bens ou prendê-los, em razão das dimensões e da força do movimento social. antes de tudo, os agricultores não têm bens penhoráveis. em seguida, os oficiais da Justiça ou os policiais não ousariam enfrentar um movimento com tantas pes-soas. enfim, a maior parte dos funcionários é sensível às manifes-tações dos fazendeiros que lutam pelos seus direitos. No entanto, o Ministério público iniciou uma ação penal contra os dirigentes do movimento, que não teve ainda efeitos concretos.25

as três séries de contenciosos analisados – França, Brasil e índia – tinham um objetivo em comum: destruir os organismos geneticamente modificados, com a destruição da propriedade de terceiros, um instrumento simbólico que tem por objetivo mostrar ao planeta a sua recusa aos oGMs e a dominação da agri-cultura por algumas empresas transnacionais. Contrariamente ao que determina um ato ilícito tradicional, seus motivos não são egoístas, mas altruístas e fundamentados na crença em mundo

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diferente. além disso, suas ações têm as características de um ato ilícito tradicional.

N. Bobbio divide as ações possíveis do direito de resistência em obediência passiva, objeção de consciência, desobediência civil, resistência passiva e resistência ativa. essas categorias são es-tabelecidas em razão de características distintas, das quais fazem parte as ações dos cidadãos que podem ser ou uma ação, ou uma omissão, individual ou coletiva, clandestina ou pública, pacífica ou violenta, dirigida contra uma ou várias normas. a desobediên-cia civil pode corresponder a uma ação ou omissão, dirigida con-tra um ou vários, ou ainda, conforme rawls, contra uma política do governo, mas ela deve ser obrigatoriamente coletiva, pública e pacífica. Certos autores, como rawls, defendem que, em casos extremos, a ação violenta contra outras pessoas é possível, mas apenas em casos excepcionais. assim, a violência física está fora do campo da desobediência civil. os atos de violência física ou os que não ofendem uma norma legal, como as denúncias ou as atividades de vigilância das oNGs, já estudadas, não são atos de desobediência civil, que também se diferenciam da contestação, porque mesmo se a contestação comporta também a não-con-formidade a uma norma, ela não tem o caráter obrigatório de rup-tura à ordem legal, característica essencial da desobediência civil.

É à luz dos pensadores da desobediência civil, como Gandhi, thoreau, Hanna arendt, rawls, Bobbio e locke, que poderíamos avaliar os atos desses movimentos sociais. Cada um dos autores evidencia diferentes características da desobediência civil, como a consciência que o grupo tem das modalidade do ato, seu aspec-to simbólico e a não-violência (Gandhi e Bobbio) e a publicidade. No entanto, a utilização em justiça da desobediência civil como justificativa para as ações varia de acordo com a cultura de cada país, da mesma forma que as reações dos acusados no tocante à aceitação da pena. em conseqüência disso tudo, as reações do Judiciário também são distintas.

a) a consciência que o grupo tem do aspecto simbólico do ato é exigida por todos os autores, em particular Gandhi, Bobbio, rawls e arendt.26 o aspecto simbólico do ato é bem presente em todas as ações citadas, na França, no Brasil e na índia, e colocado em evidência pelo caráter público dessas ações. o recurso da imprensa para a divulgação das destruições revela o interesse

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dos movimentos sociais, que querem mostrar à sociedade o que está em jogo e utilizar a destruição dos oGMs como um símbolo pela luta contra a utilização dos organismos geneticamente mo-dificados em geral. a consciência que têm os grupos de que nem a destruição de uma única estufa (França) nem a destruição dos campos de sementes (Brasil e índia) poderão, por si só, impedir materialmente a disseminação geral de oGMs no planeta é clara.

b) Não há violência contra as pessoas. a violação da proprie-dade privada faz parte do ato e não constitui a violência, de acor-do com esses filósofos. a violência constitutiva da destruição de sementes transgênicas não é suficiente para excluir essas ações do campo da desobediência civil, mas no processo sobre a privação de liberdade dos funcionários públicos do Ministério da agricultura e do Departamento de agricultura da cidade de aveyron, na França, houve violência contra as pessoas e isso seria, de acordo com alguns autores, como Gandhi ou Bobbio, suficiente para descaracterizar a desobediência civil. No entanto, isso não impede a caracterização de desobediência civil nas atividades que mais nos interessam. No processo sobre a privação de liberdade dos funcionários pú-blicos, julgado em Milau, o juiz de primeira instância considerou que esses excessos eram desculpáveis no contexto da luta sin-dical onde eles eram freqüentes, o que é uma outra forma de reconhecer a legitimidade da desobediência civil. No entanto, a Corte de apelações, em segunda instância, não seguiu o primeiro juiz e condenou a ação.

c) Na verdade, os três conjuntos de oNGs não agiram da mesma forma nos seus processos, nos argumentos de defesa. No Brasil, os advogados pediram e obtiveram um habbeas corpus preventivo baseando-se também sobre o direito que um estran-geiro tem de participar desse tipo de movimento. Na índia, os di-rigentes do movimento foram até as últimas conseqüências com a teoria da desobediência e recusaram-se a comparecer perante os juízes.

d) a aceitação da pena também foi diferente; José Bové se opunha à pena, enquanto o professor Janjundaswamany a acei-

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tou, ao declarar que iria respeitar a decisão da Corte. a aceitação da pena não é uma condição indispensável para a caracterização da desobediência, mas conforme explica Hanna arednt, os juristas são muito reticentes em relação a isso; segundo a ótica jurídica, o agente deve aceitar a punição, deve mesmo buscá-la. a aceitação da pena é importante porque ela demonstra a união teórica entre a legalidade e a moralidade, o que não é sempre válido, sobretu-do no tocante às ações de desobediência civil, mas esta união é que é a base do conceito de direito. em reconhecimento à pena, os agentes demonstram o seu respeito à legitimidade do conjunto do sistema jurídico. os juristas, em geral, não admitem a possibi-lidade de “justificar a violação do direito com o direito”, mas a aceitam exclusivamente quan-do esta ação tem por objetivo verificar a constitucionalidade de uma norma. ora, na prá-tica, os advogados tentam assimiliar a desobediência civil como objeção de consciência ou controle de constitucionali-dade, mas ela não é objeção de consciência, porque é coletiva, nem controle de constitucio-nalidade, porque até mesmo a constituição pode ser questio-nada. Deste modo, em um caso concreto, não seria realista exigir que um advogado autor do delito apresente-se perante a Corte e peça a culpabilidade do seu cliente. ao contrário, ele dever alegar a sua inocência. assim, a aceitação da pena não é uma condição indispensável, ao contrário, ela confirma a qualificação da desobediência civil nos atos realizados.

ainda que a pena não seja aceita, a autoridade do

sistema, e sua atitude ao jul-gar o ato, é sempre aceita. Na ótica da desobe diência civil, o autor não discute a le-gimitidade do sistema jurídico no seu conjunto, ao contrário, ele respeita esse conjunto. Se houvesse questionamento da ordem como um todo, não haveria desobediência civil, mas revolução. as respostas dos três processos estudados demonstra bem o respeito do sistema, verificável a partir da organização da defesa na França e no Brasil e da carta enviada aos juízes na índia.

e) a reação do Judiciário também não foi a mesma, em-bora na França tenha havido a compreensão do juiz, em primeira instância, na segun-da, houve a condenação. No Brasil, houve reconhecimento tácito do Ministério Público, que não iniciou a ação penal. Isso demonstra claramente as diferentes concepções desses três sistemas jurídicos diferen-

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tes. a França tem um sistema jurídico mais formal, fechado às possibilidades de pressão social. a história recente dos dois outros países mudou a visão dos operadores jurídicos sobre a desobediência civil. a história e a influência de Gan-dhi na índia certamente contri-buíram para a aceitação, pelo sistema indiano, do direito de desobedecer civilmente. No Brasil, a tenacidade e as ativi-dades do MSt contribuíram de forma decisiva para progredir essa noção. os países do Sul, neste contexto, mostraram-se mais favoráveis às manifesta-ções da sociedade civil do que os do Norte.

Conclusão do CaPítulo

a ação das oNGs em torno das novas tecnologias biológicas e da biodiversidade é particularmente importante, por várias razões. em primeiro lugar, as oNGs do Sul coloca-ram em evidência um tema novo, que atesta a incapaci-dade que os seus estados têm de participar do processo de formação de normas, da im-plementação do direito e do controle das atividades das empresas e dos outros estados. elas contribuem para reduzir

essa incapacidade, participando da formulação jurídica das re-gras sobre o controle do acesso aos recursos genéticos e das regras de biossegurança, além de valorizar o tema junto à po-pulação e participar do controle de normas jurídicas.

a desobediência civil é praticada por diversas oNGs e por movimentos sociais. ainda que as ações sejam di-ferentes em diversos pontos, existem fortes similaridades que caracterizam as ações realizadas nos três estados, a França, o Brasil e a índia. es-sas ações ilustram claramente que a desobediência civil é um ato simbólico, objetivando a mudança da norma jurídi-ca, para que seja mais atenta aos oGMs. De certo modo, os objetivos propostos por essas oNGs foram atingidos. as ma-nifestações das oNGs, ligadas entre elas em diversos níveis, demonstram que se trata de uma manifestação global.

Conclusão da Parte III

as oNGs são importantes atores na formação, na imple-mentação e no controle do direito internacional. elas tem participação ativa tanto no Norte quanto no Sul e servem

íNDICe alFaBÉtICo–reMISSIVo

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de contrapeso à desigualdade que existe entre os dois he-misférios. elas conquistaram, em vários países, o direito de representar a sociedade civil, mesmo contra os poderes pú-blicos. as oNGs participam de vários modos: no processo de formação jurídica internacio-nal e nacional, na vigilância, o que é feito sobretudo pelas novas oNGs, nascidas da es-pecialização do direito inter-nacional, e nas ações na justiça contra os governos e empre-sas, para exigir o respeito da lei. Seus atos fundamentam-se tanto na cooperação com os estados, com as outras oNGs e com as empresas, também no conflitos com esses mesmos atores.

as diferentes formas de participação são particular-mente presentes no domínio das novas biotecnologias, mas têm formas que nem sem-pre são aceitas pelos juristas, como a desobediência civil. o modo de construção jurídica progride em várias partes do globo, sob a influência dos movimentos sociais ligados às biotecnologias. Seus objetivos, suas formas de ação e seus re-sultados são diferentes das for-mas de ação tradicionais, mas identificamos, entre essas for-mas de ação, um instrumento importante que é preciso levar

em conta para compreender a evolução jurídica e as rela-ções estatais e não-estatais que se estabelecem entre os países do Norte e do Sul.

INDICe alFaBÉtICo–reMISSIVo

acesso à informação, 324acordo Multifibras, 157acordo sobre as barreiras

técnicas ao comércio, 152acordo sobre o setor agrícola,

154acordo sobre setor têxtil, 154agenda 21, 65, 66aids

Produtos genéricos, 241

aids, 197, 219, 225, 241Controle dos preços dos

medicamentos, 242Importação paralela, 241

antropocentrismo, 24, 26arroz basmati, 367ato de Marraqueche, 20, 133ayhuasca, 369Biocentrismo, 24, 25

íNDICe alFaBÉtICo–reMISSIVo

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396aS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS Na CoNStrução Do

DeSeNVolVIMeNto SuSteNtáVel

Biossegurançaação das oNGs, 371

Carta de Havana, 140Changements climatiques, 318CIteS, 319Clearing house mechanism, 85Clube de roma, 23CNuMaD, 193Conferência de tóquio, 145Conferência sobre as Mulheres

análise do discurso, 71

Conferência sobre Meio ambiente e Desenvolvimento

análise do Discurso, 64

Conferência sobre o Desenvolvimento Socialanálise do discurso, 68

Conferência sobre os estabelecimentos Humanosanálise do discurso, 70

Conferência sobre população e desenvolvimentoanálise do discurso, 66

Controle por inspeções, 82Controle por relatórios, 81Convenção da diversidade

biológica, 65Convenção das Nações unidas

sobre as Mudanças Climáticas,

íNDICe alFaBÉtICo–reMISSIVo

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o PaPel DaS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS397

318Convenção sobre a diversidade biológica, 287

Protocolo de Cartagena, 287

Convenção sobre a Diversidade BiológicaProtocolo de Cartagena, 280

Convenção sobre as mudanças climáticas, 65Convenção sobre as Mudanças Climáticas

Protocolo de Quioto, 85Convenção Sobre Mudanças Climáticas

Direito do Desenvolvimento, 37Convenções-quadro, 24Cooperação, 271, 277, 290, 302

Cooperação e intervenção, 128Critério para eficácia do direito internacional, 60Cooperação bilateral, 297

Cooperação técnica, 182Desenvolvimento sustentável

Conceito, 5

Direito de ingerência, 89ecológico, 119Humanitário, 109Intervenção solicitada, 107legítima defesa, 104legítima defesa coletiva, 105São Domingos, 94

Direito do desenvolvimentoDesaparecimento no direito

internacional econômico, 18evolução, 7evolução no direito internacional

ambiental, 31origem, 5

Direito internacional ambientalCaracterísticas, 21

Direito internacional ambientalCaracterísticas, 22Fundamento lógico da formação

jurídica, 30logica de formação jurídica, 24Nexo necessário com pobreza, 55Princípio da responsabilidade, 129relação com comércio, 57relação com cultura, 58relação com finanças, 57

Direito internacional do meio ambiente

estruturação do discurso, 63Multiplicação dos atores, 61

estados unidos – Medidas de salvaguarda transitórias aplicadas aos fios de algodão penteado de origem do Paquistão, 159

evolução das normas ao longo do tempo, 73

evolução do discurso, 74extraterritorialidade, 122, 127Fabricação local, 229Fao, 189Fundo Monetário Internacional,

284Gatt

Carta de Havana, 140Conferência de tóquio, 145Parte IV, 142rodada de tóquio, 141

Genéricos, 223GraIN, 366Grupo de Cairns, 138IDeC, 366Interesse de agir, 328Intervenção humanitária, 109Intervenção solicitada, 107

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398aS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS Na CoNStrução Do

DeSeNVolVIMeNto SuSteNtáVel

legítima defesa, 104legítima defesa coletiva, 105liberalização das trocas, 139liberalização do comércio, 69licenças não-voluntárias, 225Medicamentos Genéricos, 223Memorando de acordo sobre

as regras e os procedimentos que regem a resolução de controvérsias, 161

Movimento dos trabalhadores rurais Sem terra, 378

Nações unidasFórum privilegiado do direito do

Desenvolvimento, 51

Nova ordem econômica internacional, 13

oMCacordo Multifibras, 157acordo sobre as barreiras técnicas ao

comércio, 152acordo sobre o setor agrícola, 154acordo sobre setor têxtil, 154arbitragem, 163

FMI, 254Grupo de Cairns, 138Mediação, 163Memorando de acordo sobre

as regras e os procedimentos que regem a resolução de controvérsias, 161

oMC e meio ambiente, 255Órgão de exame de Políticas

Comerciais, 161Órgão de Solução de Controvérsias,

161

oMS, 189oNG

Biossegurança, 371Conceito, 293, 299Conflito com estado e empresas, 323Cooperação, 302, 307, 311, 370Domínios de ação, 293expansão, 301Implementação do direito

internacional, 320Modalidades de influência, 312oNGs tradicionais e novas, 363

oNGsParticipação no processo sobre a

aids na áfrica do Sul, 243

oNuConferência sobre as mulheres, 71Conferência sobre Meio ambiente e

Desenvolvimento, 64Conferência sobre o

Desenvolvimento Social, 68Conferência sobre os

estabelecimentos Humanos, 70Conferência sobre População e

Desenvolvimento, 66Direito de ingerência, 89

oPeP, 13, 19organização Mundial do

ComércioGatS, 138organizações internacionais

otimização dos trabalhos, 60

Órgão de exame de Políticas Comerciais, 161

Órgão de Solução de Controvérsias, 101

País de origem de recursos biológicos, 204

Países desenvolvidos, 148Países em vias de

desenvolvimento, 146Países menos avançados, 146Paquistão – Proteção conferida

por uma patente para os produtos farmacêuticos e para os produtos químicos para a agricultura, 175

Peat, 12PNuD, 187, 189

origem, 12Peat, 12

PNuMa, 27, 34

íNDICe DoS CaSoS CItaDoS

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o PaPel DaS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS399

Papel nas negociações internacionais, 59

Princípio da desigualdade compensadora, 141Princípio da não-reciprocidade, 141Princípio da precaução, 277Princípio de precaução, 356Propriedade intelectual, 185

Incapacidade do Sul, 185

Protocolo de Cartagena, 280Protocolo de Quioto, 85raFI, 367responsabilidade e meio

ambiente, 129rodada de tóquio, 141rodada do uruguai, 133rodada tóquio, 16Sistema Geral de Preferências, 141Soberania do povo, 97trIPS

aplicação industrial, 214Fabricação local, 196, 228Genéricos, 223Importações paralelas, 217Inventividade, 213licenças não-voluntárias ou

obrigatórias, 220Medidas necessárias para proteger a

saúde pública, 205Métodos terapêuticos e cirúrgicos,

207Novidade, 208objetos patenteáveis e os objetos

excluídos da patenteabilidade, 198ordem pública e moral, 199organismos vivos, 202Países em desenvolvimento,151Produto ligado a uma utilização

precisa, 210Segunda aplicação terapêutica, 211Situações especiais referentes aos

produtos farmacêuticos, 215

tWN, 366

uNCtaD, 57Conferências realizadas, 12

origem, 11

uruguay round, 133

íNDICe DoS CaSoS CItaDoS

tribunais Internacionais

Corte Internacional de Justiçaatividades armadas sobre o

território do Congo (república Democrática do Congo c. ruanda), 116

atividades militares e paramilitares na Nicarágua e contra esta (Nicarágua c. estados unidos da américa), 105

Parecer consultivo “licitude da ameaça ou do emprego de armas nucleares”, 105, 120, 340

Conseqüências jurídicas para os estados da presença contínua da áfrica do Sul na Namíbia (Sudoeste africano), mesmo em virtude da resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança (1970-1971), 340

Corte européia de Direitos

íNDICe DoS CaSoS CItaDoS

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HumanosBalmer-Chafroth c. Suiça, 333Greenpeace International c. Comunidade européia

(C-321/95 P), 333Jean asselbourg contra 78 pessoas físicas, assim como a associação

Greenpeace luxemburgo (pedido 29197/95), 333

Corte de Justiça das Comunidades européiasWWF c. Italie (C – 118/94), 358

GattComunidade européia – restrições à exportação de açúcar, 149

Órgão de Solução de Controvérsias da organização Mundial do Comércioargentina – medidas que afetam a importação de calçados, têxteis,

roupas e outros artigos (Wt/DS56), 168argentina – Medidas visando à exportação de peles de bovinos e

importação de couros finos (Wt/DS155), 168austrália – medidas que afetam a importação de salmões (Wt/DS18),

342Brasil – Programa de financiamento das exportações de aeronaves (Wt

/DS46), 170Chile – taxas sobre as bebidas alcóolicas (Wt/DS87), 168Comunidade européia – Designação comercial de pectinídeos (t/DS4,

Wt/DS12 et Wt/DS14), 167Comunidade européia – Medidas que afetam o amianto e os produtos

contendo amianto (Wt/DS135), 263, 243Comunidade européia – regime aplicável à importação, à venda e

à distribuição de bananas (Wt/DS16, Wt/DS27, Wt/DS105, Wt/DS158), 177, 178, 183

estados unidos – imposição de direitos compensatórios sobre certos produtos de aço e carbono, chumbo e bismute laminados a quente originários do reino unido (Wt/DS138), 341

Caso estados unidos – medidas que afetam as importações de camisas, blusas, de lã, tecidos, em proveniência da índia (Wt/DS33), 158

estados unidos – medidas de salvaguarda transitórias aplicadas aos

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402aS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS Na CoNStrução Do

DeSeNVolVIMeNto SuSteNtáVel

fios de algodão penteados provenientes do Paquistão (Wt/DS192), 159

estados unidos – proibição da importação de certos camarões e produtos a base de camarão (Wt/DS61), 259, 269, 341

estados unidos – normas concernentes à gasolina nova e antigas fórmulas (Wt/DS2 et Wt/DS4), 259, 266, 269

estados unidos – artigo 110 5) da lei sobre direitos autorais (Wt/DS160), 343

estados unidos – restrições quantitativas referentes às roupas de baixo provenientes da Costa rica (Wt/DS24), 157

índia – proteção conferida por uma patente sobre produtos farmacêuticos e os produtos químicos para a agricultura, (Wt/DS79), 166

índia – restrições à importação de produtos agrícolas, têxteis e industriais (Wt/DS90), 172, 175

Indonésia – certas medidas que afetam a indústria automobilística (Wt/DS54 e Wt/DS55, Wt/DS59 e Wt/DS64), 168, 170, 208

Japão – taxas sobre as bebidas alcóolicas (Wt/DS9 et Wt/DS10), 288

escritório europeu de PatentesHarvard university (V0004/89), 200Howard Florey Institute c. Fraktion der Grünen im Parlament Paul

lannoye (V 0008/94), 348

Novartis c. Greenpeace (G 1/98), 349Plant Genetic Systems e outros c. Greenpeace (t 0356/93), 200

tribunais Nacionais

áfrica do Sul Processo 4183/98 High Court of South africa (transvaal provincial

division), 272

estados unidosamigos da terra c. Chevron Chemical Co (united States Court of

appeals, Fifth Circuit, No. 96-40590), 335amigos da terra contra a cidade de Nova York (Beame c. Friends of

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o PaPel DaS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS403

earth, 434 uS 1310 (1977), No. a-99 – 76-1718), 332Japan Whaling assn. V. american Cetacean Soc.(Supreme Court 478

u.S. 221 -1986), 352lujan v. Defenders of Wildlife (Supreme Court 504 u.S. 555 – 1992), 334Sierra club c. environment protection agency (united States Court of

appeals, Fifth Circuit, No. 98-60495), 357Sierra club c. le Secretário do Interior (Supreme Court, 405 u.S. 727),

331Sierra club c. Morton (Supreme Court 405 u.S. 727 – 1972), 331Sierra club v. Martin (united States Court of appeals, eleventh Circuit.

No. 98-8358), 331

BrasilHabbeas Corpus favorável a José Bové (Procès 2001.71.00.001873,

Segunda seção criminal do estado do rio Grande do Sul), 381

tribunal Superior de Justiça. relatório do ministro Humberto Gomes de Barros, julgamento de 15 de fevereiro de 1995, 304

Monsanto do Brasil c. IDeC e Greenpeace (Processo 199834000276818), 382

índia

Processo contra M. Nanjusdawamany (Vikarabad District, o.S. 624 de 1998), 378

França

Julgamento 212/2000, tribunal de Grande Instance de Millau et Cour d’appel de Montpellier (Ministère Public c. José Bové et al), 338

Jugement 828/2000, du 3 octobre 2000, tribunal de Grande Instance de Foix, 378.

Jugement 898/1999, tribunal de Grande Instance de rodez et Cour d’aappel de Montpellier (Ministère Public et M. roland Baille c. José Bové et al), 378 et ss.

tribunal de Grande Instance de Montpellier (Cirad et al c. José Bové et al), 378 et ss.

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Page 421: DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO AMBIENTAL · expansão do direito internacional. a realidade pós anos 2000 é as-sim composta pela inserção do direito internacional nos assuntos

404aS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS Na CoNStrução Do

DeSeNVolVIMeNto SuSteNtáVel

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I – obras jurídicas

1 – obras gerais: tratados e manuais

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CaSSeSe, a. le droit international dans un monde divise. Paris: Berger-levrault, 1986.

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DaVID, M. la Souverainété du peuple. Paris: Puf, 1996. 337p.

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DuPuY, P.-M. Droit international public. Paris: Dalloz, 1998. 684p.

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o PaPel DaS orGaNIzaçõeS Não-GoVerNaMeNtaIS405

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ruzIÉ, D. Droit international public. Paris: Dalloz, 1999. 250p.

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2 – obras técnicas: teses e monografias

aleNCar, G. S. d. Mudança ambiental global e a formação do regime para a proteção da biodiversidade. Brasília: unB, 1995. (Dissertação de mestrado).

areNDt, H. Du mensonge à la violence. essais de la politique contemporaine. Paris: Calmann-lévy, 1972. 249p.

artS, B. the political influence of global NGos. Case studies on the climate and biodiversity conventions. utrecht: International Books, 1998. 350p.

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Impresso em novembro de 2003