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DIREITO FISCAL Ana Paula Dourado

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Índice Introdução ...................................................................................................................................... 3

Os tributos ...................................................................................................................................... 4

O Princípio da Legalidade Fiscal ................................................................................................... 44

O princípio da retroatividade fiscal ................................................................................................ 61

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Introdução

1. Caracterização do Direito Fiscal. A autonomia do Direito Fiscal como ramo de

Direito: os impostos incidem tendencialmente sobre todas as manifestações de riqueza e

sobre todas as atividades económicas. O Direito Fiscal é chamado a regular a relação jurídica

que se estabelece entre:

a. O sujeito passivo: o sujeito que tem as obrigações materiais e/ou formais

relacionadas com os impostos; e

b. O sujeito ativo: a entidade de Direito Público titular do direito de exigir o

cumprimento das obrigações tributárias.

O sujeito ativo é representado pelas administrações fiscais e por isso o Direito Fiscal

disciplina a relação jurídica que tem por objeto outras receitas públicas, para além dos

impostos. A submissão dos impostos ao Direito e a uma medida de justiça controlável pelos

tribunais data d início do século XX, e vem substituir a relação autoritária e ajurídica entre o

Estado e o sujeito submetido a obrigações fiscais. É desde então que se pode falar em Direito

Fiscal. Mais concretamente, pode afirmar-se que o Direito Fiscal surge com a Lei Geral

Tributária Alemã de 1919. Pela primeira vez, uma lei atribui direitos ao sujeito passivo na

relação com o sujeito ativo, tornando a obrigação tributária, que era até então entendida

como uma relação de poder, numa relação jurídica e de Direito Público. Na sequência da

aprovação e entrada em vigor desta lei, surge o primeiro manual de Direito Fiscal, de autoria

de Albert Hensel. Beneficiando da sistematização da relação jurídica fiscal, Hensel defende

que a relação tributária se baseia na lei. Sistematiza os elementos da relação jurídica do

imposto e com caráter universal. Tant bestand – factispecie – e ao mesmo tempo juridifica a

relação entre o fisco e administrado:

a. Sujeito passivo: quem tem a obrigação de pagar o imposto;

b. Sujeito ativo: sujeito pública que entra na relação e tem direito a exigir o

cumprimento das obrigações tributárias;

c. Objeto ou incidência objetiva: os elementos que contribuem para a quantificação

do imposto;

d. Taxa ou alíquota.

Eles constituem o que designamos por Tatbestand sistemático do imposto.

2. Princípios estruturantes: o Direito Fiscal é também um Direito de Sobreposição porque

incide sobre outas instituições e depende de outros ramos de Direito. Ele recorre

frequentemente àquilo que podemos designar como tipos estruturais do Direito privado:

estruturas especiais de quadros jurídicos, que espelham a estrutura fundamental das relações contratuais. O

imposto incide sobre relações jurídicas privadas ou o resultado económico destas. Os

conceitos jurídicos utilizados pela lei fiscal são importados do Direito Privado, mesmo

quando adquirem um sentido autónomo no Direito Fiscal. A complexidade do Direito Fiscal

resulta de diversos fatores:

a. Do facto de a sua construção dogmática depender da aplicação de princípios,

institutos e conceitos dogmáticos de múltiplos ramos do Direito às suas

finalidades especiais: através do seu desenvolvimento, até se conseguir uma

construção própria, sem nunca perder de vista os traços dogmáticos dos restantes

ramos do Direito – numa relação de diálogo constante;

b. De existir uma enorme tensão entre os princípios da segurança jurídica e

justiça fiscal, entre a situação típica, apreendida na lei, e a situação individual

que exige uma ponderação casuística;

c. De ser um Direito de atos de massa;

d. De existirem vários níveis de decisão legislativa de recomendação de

legislação (a chamada soft law).

O princípio da segurança jurídica tem origem nas monarquias constitucionais e a justiça fiscal

é um princípio desenvolvido no século XX, partindo da igualdade ou capacidade contributiva.

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Ambos devem estar presentes na elaboração e aplicação da lei fiscal, mas exigem soluções

diferentes, e torna-se difícil satisfazê-los em igual medida. Enquanto a segurança jurídica

requer leis fiscais determinadas e a tributação segundo parâmetros idênticos, segundo o caso

típico, a justiça fiscal requer a análise casuística e esta é bem mais prosseguida pela

indeterminação legal. O facto de se tratar de um Direito de atos de massa, em que se pretende

tributar todas as manifestações de riqueza e um universo ilimitado de contribuintes, faz com

o princípio da praticabilidade deva estar sempre presente e ajude a resolver a tensão entre a

segurança jurídica (legalidade ou reserva de lei) e a justiça (princípio da igualdade). Assim, a

praticabilidade é, ao Direito Fiscal, um princípio interpretativo (dirigido também ao

legislador) do princípio da legalidade e do da igualdade.

3. A coerência do Ordenamento Jurídico Fiscal: se quisermos relacionar o Direito Fiscal

com a restante ordem jurídica, não podemos esquecer o contributo dado por Kalus Tipke:

tinha como objetivo autonomizar o Direito Fiscal e defender que o mesmo não podia entrar

em contradição com os princípios fundamentais em vigor em determinada ordem jurídica (é,

neste ponto, notória a influência de Canaris, e a sua proposta de unidade do sistema jurídico,

sem contradições internas). Seguindo o raciocínio de Canaris, Tipke afirmou não existirem

no Direito Fiscal contradições, nem a nível interno, nem a nível externo, ou seja, com a

ordem jurídica como um todo O entendimento de que as ordens jurídicas são absolutamente

coerentes é muito difícil de demonstrar. Defendemos, pelo contrário, que essa coerência

deve ser um objetivo a atingir através da interpretação da ordem jurídica tributária à luz da

Constituição e do Direito Europeu. A construção dogmática do nosso ordenamento fiscal,

implica a interpretação da Lei Geral Tributária, do Código de Procedimento e Processo

Tributário e restante legislação fiscal, tendo em conta os princípios desenvolvidos nesse

conjunto legislativo, desde que não sejam contrários à Constituição e ao Direito Europeu.

No caso do nosso Direito Fiscal, a LGT não tem valor reforçado e, por isso, não existe uma

obrigação de interpretação conforme à LGT, podendo esta ser derrogada por qualquer lei

ordinária posterior, com o mesmo nível hierárquico. De entre os princípios constitucionais

que ditam a interpretação das leis fiscais, devem destacar-se:

a. Formais:

i. O princípio da legalidade (artigos 103.º, n.º2 e 3, 165.º, n.º1, alínea i) e

n.º2, 227.º, n.º1, alínea i) e 238.º, n.º4 CRP);

ii. O princípio da segurança jurídica na vertente da proibição da

retroatividade (artigos 103.º, n.º3, in fine e 18.º, n.º3 CRP).

b. Materiais:

i. Princípio da justiça, concretizado pelo princípio constitucional da

igualdade (artigos 2.º e 13.º CRP).

ii. Princípios do abuso e da praticabilidade, como princípios

interpretativos da legalidade e igualdade: no Direito Fiscal o princípio

da igualdade é configurado como o princípio da capacidade contributiva

(todos devem contribuir na medida da sua capacidade económica) (artigos 103.º, n.º1

e 104.º CRP). Isto significa que as exceções à capacidade contributiva

devem ser justificadas por um outro princípio constitucional que deva

prevalecer, num conjunto de casos, ou num caso concreto, sobre o primeiro.

Os tributos

1. O conceito de Tributos: os tributos costumam ser definidos como as receitas criadas pelo

Estado ou outras entidades públicas para a satisfação de necessidades públicas e sem função sancionatória .

Através dos preceitos constitucionais e legais relacionados com os tributos, poderemos

averiguar se a definição acima referida é válida no nosso ordenamento jurídico-constitucional.

a. O artigo 103.º, n.º1 CRP, refere-se ao sistema fiscal português como a satisfação das

necessidades financeiras do estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos

e da riqueza. O sistema fiscal a que se refere o artigo deve ser entendido como o

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conjunto dos impostos disciplinados pelo ordenamento jurídico português. Na

verdade, os restantes números do artigo 103.º CRP tratam apenas dos impostos e

não de outros tributos. Além disso, o artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, submete a

reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República

i. A criação de impostos e sistema fiscal, por um lado; e

ii. A criação do regime geral das taxas e das demais contribuições financeiras,

por outro lado.

Sistema fiscal no artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, é entendido novamente como o

sistema dos impostos (conjunto dos impostos e princípio se regras aplicáveis a todos

os impostos); portanto, embora a CRP não tenha um conceito de tributos, o seu

artigo 165.º, n.º1, alínea i) faz referência a impostos, taxas e demais contribuições

financeiras, os quais constituem tipos ou categorias de tributos.

b. A Lei Geral Tributária também não tem uma definição de tributos, mas o seu artigo

3.º classifica-os.

i. Na alínea a) do seu n.º1, o artigo 3.º LGT distingue os tributos:

1. Fiscais: refere-se aos tributos que são criados com finalidades

públicas não sancionatórias, em regra, finalidades de arrecadação

de receitas (finalidades financeiras ou fiscais, a título primária ou

secundário);

2. Parafiscais: os tributos que são criados por entidades públicas de

base não territorial e cujas receitas escapam por isso ao princípio

da unidade orçamental.

Repare-se que os primeiros incluem os segundos, porque também estes

prosseguem finalidades públicas não sancionatórias.

ii. Na alínea b) do n.º1 do artigo 3.º LGT, distingue-se os tributos:

1. Estaduais; dos

2. Regionais e locais.

Adotando uma classificação que se refere às entidades de base territorial

que no nosso ordenamento têm soberania tributária nos termos da

Constituição e que são titulares de receitas tributárias.

c. Resulta do exposto que o artigo 3.º, n.º2 LGT e o artigo165.º, n.º1, alínea i) CRP,

contêm as três categorias de tributos reconhecidos no ordenamento jurídico-

constitucional português. Esta tripartição dos tributos consta também do artigo 4.º

LGT, cujos n.º1, e 2 3 se dedicam a definir:

i. Impostos;

ii. Taxas;

iii. Contribuições financeiras especiais (as quais são uma categoria de

contribuições financeiras).

Assim, os tributos podem ser divididos nestas três categorias. A vaguidade do termo

contribuições financeiras a favor das entidades públicas, o qual é usado quer na CRP

(artigo 103.º, n.º1 e 165.º, n.º1, alínea i)) quer na LGT (artigos 3.º, n.º2 e 3) abre a

porta a categorias novas ou híbridas. Cabe à doutrina e aos tribunais desenvolver

conceitos e classificações doutrinárias. Mas se isso é, em princípio, correto, a verdade

é que as competências para a criação de categorias de tributos e os princípios

constitucionais materiais que regem os diferentes tributos, têm que ser retirados da

Constituição, estejam ou não claramente definidos. E as categorias novas ou híbridas,

se não forem bem enquadradas pelos tribunais, podem trazer consigo a desproteção

do contribuinte, o que não é compatível com o Estado de Direito.

Vimos que os tributos podem ser divididos em três grandes categorias: a categoria dos

impostos, a categoria das taxas e a categoria das contribuições especiais. Qualquer destas três

categorias de tributos visa, em regra, assegurar a satisfação das necessidades financeiras do

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Estado e de outras entidades públicas, finalidade essa que corresponde à função ou definição

clássica dos tributos. Todavia, desde meados do século XX, juntaram-se outras finalidades,

ligadas à orientação de comportamentos, nomeadamente, a da prossecução de fins

ambientais (os tributos sobre empresas desenvolvendo atividades poluentes) e de alteração

de comportamentos individuais com ou sem externalidades negativas, por exemplo, de

comportamentos individuais que sejam mais saudáveis para o próprio indivíduo ou para si e

para terceiros, ou para si e para o ambiente.

2. O sistema fiscal e tipos de normas: referimos que o sistema fiscal é o sistema dos impostos.

Segundo o artigo 103.º, n.º1 CRP, os impostos servem o fim da repartição justa dos

rendimentos e da riqueza. Esta ideia é igualmente transmitida pelo artigo 5.º, n.º2 LGT, que

se refere ao princípio da igualdade e da justiça material. O Direito Fiscal é o Direito das

receitas. Assim sendo, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza deve ser interpretada

como o critério de distribuição do montante total do imposto por cada sujeito, isto é, como

um critério de igualdade ou de capacidade contributiva de cada sujeito, que deve ditar a

quantificação de cada imposto. A referência do artigo 103.º, n.º1 CRP à finalidade dos

tributos e à repartição justa dos rendimentos e da riqueza significa não só que o sistema

português deve assentar nos impostos, mas também que os impostos sobre o rendimento e

o património devem ter um lugar de relevo, porque são eles que melhor permitem assegurar

a tributação segundo o princípio da igualdade ou da capacidade contributiva. No mesmo

sentido, vai o artigo 5.º, n.º1, 2.ª parte LGT. Todavia, se interpretarmos que os artigos 103.º,

n.º1 CRP e 5.º, n.º1 LGT, indicam como deve ser aplicada a receita dos impostos já estamos

a considerar o lado orçamental das despesas e a abandonar o campo estrito do Direito Fiscal

como o Direito das receitas. O referido artigo 103.º, n.º1 CRP, ao mencionar o sistema fiscal,

identifica um dos aspetos essenciais do conceito clássico de imposto: a finalidade da

satisfação das necessidades financeiras (a mesma referência é feita no artigo 5.º, n.º1, 1.º parte

LGT). Não é necessário que cada imposto prossiga uma finalidade financeira, essa finalidade

predomina no sistema fiscal no seu conjunto. O sistema fiscal, neste sentido, é um

pressuposto do Estado de Direito. O sistema fiscal é complexo, prossegue múltiplas funções,

concretizadas por três grupos de normas:

a. As normas com finalidades fiscais: elas têm como finalidade a arrecadação de

receitas, constituem o maior e mais relevante grupo de normas de Direito Fiscal e

inserem-se no Tatbestand ou tipo sistemático. As normas com finalidade fiscal

repartem a carga fiscal entre o universo de contribuintes, com base no princípio da

igualdade ou da capacidade contributiva.

b. As normas com finalidades sociais: trata-se de normas cujas finalidades fiscais

não são predominantes mas prosseguem outras finalidades públicas, sejam políticas,

económicas, culturais, ambientais (normas extrafiscais). Podem constituir:

i. Benefícios fiscais: que podem ser:

1. Normas de orientação da economia: isenções ao investimento de

natureza contratual;

2. Normas de redistribuição: deduções à coleta de juros com a aquisição

de habituação própria.

ii. Agravamentos fiscais: se o comportamento adotado pelo contribuinte

não for o pretendido (v.g. comportamento poluente).

c. As normas

i. Procedimentais e processuais: disciplinam a relação jurídica tributária e

o contencioso tributário;

ii. Com finalidades de simplificação: regulamentos ou orientações

genéricas (artigo 68.º-A LGT) que concretizam conceitos legais vagos e

indeterminados e clarificam a aplicação da lei fiscal.

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3. Os impostos:

a. Conceito e elementos essenciais: os impostos são tributos de caráter unilateral

por contraposição às taxas (critério estrutural), materializados por prestações

pecuniárias cuja finalidade seja a arrecadação de receitas a título principal ou

secundário por parte de entidades públicas (fim fiscal), ou até a prossecução de

quaisquer outras finalidades públicas (designadas de finalidades extrafiscais) que não

tenham por base uma infração e correspondente sanção. Mas a legitimidade dos

impostos com exclusivas finalidades extrafiscais deve ficar dependente de uma

justificação material bastante, sob pena de subvertermos a função dos impostos nos

Estados de Direito democráticos, i.e., no Estado fiscal. Expliquemos:

i. Os impostos são tributos de caráter unilateral, sem contraprestação

pública direta e imediata que servem as necessidades financeiras

gerais (princípio da consignação orçamental): distinguem-se das

1. Taxas porque estas assentam na bilateralidade ou sinalagma jurídico

(prestação pecuniária e direta e imediata contraprestação pública).

2. Contribuições especiais porque estas assentam num sinalagma difuso

(bilateralidade com externalidade), e também porque algumas

contribuições especiais serem para satisfazer exclusivamente as

necessidades financeiras de um grupo (princípio da consignação).

ii. Os impostos prosseguem finalidades públicas não sancionatórias: a

finalidade principal ou secundaria será a arrecadação de receitas, pois tal

arrecadação é o objetivo principal do sistema fiscal. Mas os chamados

impostos extrafiscais, orientadores de comportamentos individuais ou

coletivos, são ainda impostos, desde que se verifiquem as restantes

características do imposto. Há tributos que pretendem modelar ou alterar

comportamentos, e não arrecadar receitas, mas arrecadação destas é o

objetivo residual, se a finalidade de alteração de comportamentos falhar.

iii. Se assim for, os impostos extrafiscais ficam sujeitos às exigências

jurídico-constitucionais dos impostos.

iv. Os impostos ficam sujeitos ao princípio orçamental da

universalidade: servem para financiar todas as despesas. Só não estamos

perante impostos (receitas unilaterais para cobrir despesas orçamentais

gerais) se os montantes cobrados forem afetos à compensação dos

prejuízos causados pela rigidez dos comportamentos que se pretendia

orientar (consignação orçamental). Ou seja, não existe nenhum sinalagma

difuso, a não ser que os montantes pagos sejam consignados aos fins

extrafiscais que subjazem à criação do tributo.

v. Os sujeitos que têm direito a exigir o cumprimento dos impostos são

entidades públicas (sujeitos ativos): como nos diz o artigo 18.º LGT;

são em regra sujeitos ativos de impostos, as entidades públicas de base

territorial:

1. O Estado;

2. As Regiões Autónomas;

3. Os Municípios.

As restantes entidades públicas são normalmente financiadas através de

taxas ou contribuições especiais.

vi. Os impostos, no sistema jurídico-constitucional português e na

grande maioria dos Estados, são prestações pecuniárias e não em

espécie.

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vii. Ficam de fora do conceito de imposto as sanções: coimas e multas

praticados por infrações e os juros que constituem indemnizações por

atrasos no cumprimento de obrigações fiscais.

b. Elementos dos impostos nos Estados de Direito: nos Estados de Direito, e

devido ao seu caráter unilateral, os impostos estão sujeitos a reserva de lei e devem

tributar a capacidade económica (capacidade contributiva), por isso assentam em

critérios ad valorem. A reserva de lei é a única forma de controlo, por parte dos

sujeitos passivos, contra excessos públicos. Tal como se apresenta desde a segunda

metade do século XX, a reserva de lei está ligada ao brocardo No taxation without

representation. Mas este princípio da reserva de lei não é inerente ao conceito de

imposto, não sendo aplicado nos regimes autoritários e, mesmo nos Estados de

Direito, o seu significado e alcance varia consoante as exigências e práticas

constitucionais. A unilateralidade dos impostos, ligada ao facto de estes servirem

para financiar as despesas gerais de uma comunidade, exige a sua repartição pelo

universo dos contribuintes segundo um critério de capacidade contributiva. É para

justificar a repartição de encargos segundo a capacidade contributiva, aos quais não

correspondem benefícios equivalentes, e para não serem cometidos abusos por

quaisquer entidades públicas não eleitas por sufrágio universal, que existe a reserva

de lei parlamentar fiscal (anda que delegada). Essa reserva, prevista no artigo 165.º,

n.º1, alínea i) CRP e 103.º, n.º2 CRP, exige que a criação e os elementos essenciais

de cada imposto – objeto sujeito e quantificação – fiquem sujeitos a aprovação ou

autorização parlamentar. Entre nós, a aparente simplicidade do conceito de

impostos é posta em causa na interação com outros tributos, pois as exigências de

reserva de lei quanto ao primeiro são maiores do que relativamente aos segundos.

Por isso, há frequentes litígios sobre a questão de saber se, sob a denominação

formal de taxas ou de outras contribuições financeiras, não foram criados impostos

ocultos.

c. A posição do Tribunal Constitucional: lembre-se ainda que o Tribunal

Constitucional adota um conceito mais restritivo de imposto, do qual não faz parte

a extrafiscalidade. O Tribunal contrapõe um conceito normativo-constitucional de

imposto a um conceito financeiro:

«[e]m boa verdade (…) não é (…) [o] critério estrutural o único com que o Tribunal

opera (…) na sua jurisprudência, para delimitar o conceito de imposto – e para,

desse modo, circunscrever o âmbito da reserva parlamentar (…): ao lado dele, de

facto, não deixou de recorrer também a um critério finalístico, centrado sobre a razão

de ser ou o objetivo das receitas em causa».

O Tribunal tem colocado de fora das exigências da reserva de lei a extrafiscalidade,

definindo-a como o conjunto de tributos que não têm quaisquer finalidades de

arrecadação de receita. Mas se repararmos nos casos por ele analisados, parece-nos

que, muitas vezes, o Tribunal exige que a finalidade fiscal seja a finalidade principal.

Ainda segundo a conceção adotada pelo nosso TC, algumas receitas exrafiscais são

financeiramente (isto é, do ponto de vista da ciência da Finanças) impostos, quando

constituam receita da entidade que prossegue finalidades públicas, porque ocorre aí

uma prestação pecuniária em favor de um organismo público sem que nada se

receba em troca, e de tal modo que as entidades adstritas a essa prestação ficam

desse modo unilateralmente despojadas de uma parte do seu lucro em proveito do

Estado (lato sensu concebido). Mas não constituiriam impostos do ponto de vista

jurídico-constitucional porque, ao estabelecê-los, o legislador não se move na órbita

tributária (a dos artigos 106.º e seguintes CRP), mas ainda na órbita da direção

económica – ou da regulamentação direta da economia pelo Estado. Esta

metodologia conduz a um conceito mais restritivo do que o adotado por grande

parte da doutrina nacional.

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d. Conceito de imposto na doutrina portuguesa: sobre o conceito de imposto

como uma prestação pecuniária com vista à realização de fins públicos não sancionatórios, temos

na nossa doutrina, desde a Constituição de 1933 até à atualidade: Fernando Pessoa

Jorge, Paulo Pitta e Cunha; defendendo um critério financeiro, Sousa Franco,

referindo-se, ainda, no âmbito de vigência da CR 1933, e do seu artigo 28.º, à

finalidade de os impostos «contribuírem com bens económicos para a cobertura dos encargos

públicos», e mantendo o mesmo conceito; Alberto Xavier exige que a «função imediata»

do tributo – incluindo a do tributo extrafiscal – seja financeira, alterando

ligeiramente a posição anterior em que o autor se referia à «função financeira» como a

função imediata do imposto, e afastando a extrafiscalidade; Carlos Pamplona Corte-

Real considera «que os fins fiscais dos impostos, conjugados com os fins extrafiscais, sem deixarem

de relevar principalmente, parecem justificar a referência ampla à prossecução de fins públicos, no

recorte da noção de imposto». E, ainda, defendendo os fins públicos dos impostos,

António Braz Teixeira, que opta pelo critério da realização de fins públicos. Eduardo

Paz Ferreira ao definir impostos dentro da linha absolutamente consensual na

doutrina portuguesa adotará certamente um conceito mais amplo do que o TC.

Também Casalta Nabais defende um conceito amplo de imposto:

«em termos teleológicos, o imposto é exigido pelas entidades que exerçam funções

públicas para a realização dessas funções, mas considerando que os tributos

extrafiscais não pertencem à constituição fiscal, mas à constituição económica, o que

implicaria a diminuição das exigências da reserva de lei».

Fazendo implicitamente menção aos fins fiscais, ao escrever que «a utilização das

receitas se destina à exclusiva ou principalmente à cobertura de despesas públicas». Saldanha

Sanches. Referindo-se à finalidade de obtenção de receitas públicas, Pedro Soares

Martinez. Parecendo atribuir aos impostos a finalidade de satisfazer os (quaisquer)

fins da entidade que exerça funções públicas, mas exigindo adiante a finalidade

imediata e especificamente financeira, Direito Leite de Campos. No mesmo sentido,

com Mónica Leite de Campos, embora distinguindo entre normas tributárias de

objeto financeiro e normas tributárias de objeto social. Estas últimas, de que são

exemplo os benefícios fiscais, são designadas de normas tributárias impropriamente

ditas.

e. Conclusões: tal como resulta do anteriormente, entendemos que no nosso

ordenamento constitucional, e nomeadamente, para efeitos de reserva de lei fiscal,

impostos são os impostos fiscais (cuja finalidade é a obtenção de receitas) e

extrafiscais (cuja finalidade principal é a prossecução de finalidades sociais ou de

orientação de comportamentos), devendo exigir-se, em regra, que a obtenção de

receitas não seja estranha ao tributo. E em qualquer caso, deve haver controlo do

tributo extrafiscal e dos fins extrafiscais por ele prosseguidos, através do princípio

da proporcionalidade.

f. Classificações dos impostos no sistema fiscal português: as classificações dos

impostos têm relevância pelas virtudes de organização concetual mas, especialmente,

por algumas das leis corresponderem a exigências constitucionais na configuração

de um sistema fiscal justo, e todas terem implicações na configuração e na

interpretação do seu regime jurídico. Tendo presentes as duas ordens de razões, e

de entre as múltiplas classificações doutrinais que encontramos, vamos classificar os

impostos consoante:

i. O objeto que recaem:

1. Impostos sobre o rendimento, o consumo e o património: na

História dos nossos impostos, começaram por ocupar lugar de

relevo, na Idade Média, os impostos aduaneiros – as dízimas; as sisas,

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que eram um imposto geral sobre as transações, instituídas no

século XIV, incidiam

«sobre todos, sem excepção do rei nem dos membros da família

real, nem dos prelados, desde D. Afonso IX»;

A décima militar no século XVII, que se apresenta como um imposto

geral sobre o rendimento. As reformas tributárias de 1911 e de

1013 introduziram o imposto sucessório e a contribuição predial, e a

reforma de 1022 criou a contribuição industrial, e, como imposto de

sobreposição, um imposto pessoal sobre o rendimento (que não chegou a

vigorar), numa manifestação tímida das teorias que sustentavam a

tributação do rendimento líquido e do rendimento universal.

Admitia ainda a dedução de algumas despesas, manifestando uma

aproximação ao conceito de rendimento líquido, e apresentava taxas

progressivas. Com o aumento das despesas públicas, o século XX,

em Portugal como noutros Estados que atualmente fazem parte da

OCDE, caracterizou-se por um alargamento dos impostos a todas

as áreas de manifestação de riqueza. As grandes categorias de

impostos que vigoram em Portugal são exigência constitucional

(artigo 104.º CRP) e correspondem aos tipos de impostos que

vigoram em todo o mundo, tal com teorizados pelos economistas

no século XX:

a. O imposto sobre o rendimento (artigo 104.º, n.º1 e 2

CRP): organiza-se em, constando de Códigos autónomos

Os impostos sobre rendimentos dos Estados da OCDE

assentam sobre a tributação dos rendimentos obtidos no

território e, especialmente no caso das pessoas singulares,

do rendimento universal dos residentes (no caso das

pessoas coletivas, o imposto incide frequentemente

apenas sobre o rendimento obtido em território nacional).

Apesar de todos os problemas existentes, os impostos

sobre o rendimento, tal como desenhados aolongo do

século XX, no quadro do Estado Fiscal (pressupondo a

existência de fronteiras também para o capital), são ainda

considerados os impostos mais justos. Isso deve-se ao

facto de eles terem em conta não só os rendimentos ou

proveitos, mas também as despesas associadas à sua

obtenção (rendimento líquido) e incluírem alguns

elementos redistributivos associados ao Estado de Direito

social: dedução de despesas sociais, tal como saúde,

educação, aquisição de habituação própria, entre outros.

O artigo 104.º, n.º2 CRP, faz referência à tributação das

empresas a qual deve incidir fundamentalmente, sobre o

seu rendimento real. Por ora, cabe referir que os impostos

sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e das

pessoas coletivas (IRC) introduziram no nosso sistema

fiscal, o conceito de tributação do rendimento-acréscimo,

ou rendimento líquido, considerado desde o início do

século XX, como o critério mais rigoroso e justo de

tributação do rendimento: é o critério que corresponde ao

rendimento real (tal como definido na lei fiscal). Em

ambos os impostos se tributa, em regra, o rendimento

líquido, baseado na diferença entre proveitos e gastos da

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atividade. O rendimento líquido opõe-se ao conceito

arcaico de rendimento-fonte, que é aplicado sobre uma

atividade, independentemente de esta gerar lucro ou

prejuízo e que pode assentar em presunções de lucro. Os

conceitos de rendimento-acréscimo, rendimento líquido e

rendimento real também se opõem ao conceito de

rendimento presumido. Assim, temos, essencialmente,

dois impostos sobre o rendimento:

i. Imposto sobre o rendimento de pessoas

singulares (IRS);

ii. Imposto sobre o rendimento de pessoas

coletivas (IRC): um dos problemas associado a

este imposto trata-se de que, dada a mobilidade

atual dos fatores de produção, em especial do

capital, tem havido estudos propondo a

substituição do imposto baseado na tributação do

lucro, por um imposto no destino dos bens ou

serviços (baseado na localização dos

consumidores). Estas propostas têm como objeto

ultrapassar uma maior perda de receitas neste

imposto, em resultado da livre circulação de

capitais trazida pela globalização. A mobilidade

dos fatores tem colocado em crise não só o

imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas,

mas também a tributação dos rendimentos de

capitais das pessoas singulares. Avultados

montantes de rendimentos de capitais têm sido

colocados, nas últimas décadas, em territórios de

baixa ou nula tributação, designados de não

cooperantes ou paraísos fiscais, porque não

fornecem informações aos Estados de residência

dos sujeitos que aí colocam as suas poupanças.

b. O imposto sobre o consumo (artigo 104.º, n.º4 CRP):

incidem sobre o consume geral de bens e serviços (IVA)

e sobre o consumo específico de certos bens (impostos

especiais sobre o consumo). Os impostos gerais sobre

o consumo, como o Iva, são considerados menos justos

do que os impostos sobre o rendimento, porque incidem

sobre todos os sujeitos na mesma medida,

independentemente da capacidade económica de cada um.

Mas são considerados mais neutros para o funcionamento

da economia, porque implicam menos distorções, nas

opções acessíveis aos contribuintes. Equipara-se, para este

efeito, consumo e rendimento, no sentido em que o

consumo implica rendimento auferido, o imposto geral

sobre o consumo implica menos distorções na opção entre

os diferentes bens de consumo; entre o consumo presente

e o consumo futuro; entre o tempo livre e os bens de

consumo. Ainda assim, o artigo 104.º, n.º4 CRP faz

referência a uma função redistributiva dos impostos sobre

o consumo (entre outras):

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«[a] tributação do consumo visa adaptar a estrutura

do consumo à evolução das necessidades do

desenvolvimento económico e da justiça social, devendo

onerar os consumos de luxo».

c. O imposto sobre o património (artigo 104.º, n.º3 CRP):

são impostos sobre a riqueza e podem ser:

i. Estáticos: incidem sobre a detenção da riqueza e

podem ser.

1. Impostos gerais sobre o património: incidir

sobre todo o património, imobiliário e

mobiliário. Têm como função principal

controlar a capacidade contributiva do

sujeito passivo, através do cruzamento de

dados com as declarações de imposto

sobre o rendimento das pessoas

singulares.

2. Incidentes sobre uma parte do património: v.g.

o Imposto Municipal sobre Imóveis

(IMI), o qual incide sobre os

proprietários, usufrutuários ou

superficiários dos prédios rústicos e

urbanos situados no território português

(artigo 18.º CIMI).

ii. Dinâmicos: podem:

1. Incidir sobre as transmissões onerosas: v.g.

Imposto sobre a Transmissão de Imóveis

(IMT). O IMT incide sobre as

transmissões onerosas do direito de

propriedade ou de figuras parcelares

desse direito, sobre bens imóveis

situados no território nacional de imóveis,

qualquer que seja o título por que se

operem. O IMT é devido pelas pessoas,

singulares ou coletivas, para quem se

transmitam os bens imóveis, pois são os

adquirentes que manifestam riqueza. Os

montantes da transmissão são objeto de

imposto sobre o rendimento sobre os

transmitentes (artigos 1.º, 2.º e 4.º CIMT).

2. Incidir sobre as transmissões gratuitas: podem

classificar-se em impostos sobre

doações e sucessões, sendo sujeitos ao

imposto as pessoas singulares para quem

se transmitam os bens (v.g. artigo 2.º,

n.º2, Código do Imposto de Selo). Em

Portugal, apesar de o artigo 104.º, n.º3

CRP, referir que a tributação do

património deve contribuir para a

igualdade entre os cidadãos, não se criou

até hoje um importo geral sobre o

património.

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ii. A função que desempenham no ordenamento jurídico-constitucional

(na classificação destes – três – encontramos a sua expressa ou implícita

classificação no artigo 104.º CRP):

1. Impostos reais e impostos pessoais:

a. Impostos reais: são aqueles que se centram na

manifestação da riqueza, sem considerar outros elementos

diferenciadores ligados à capacidade económica do sujeito,

normalmente, ligadas a uma conceção do Estado social ou

de justiça. Podem ser impostos sobre o consumo, o

rendimento ou o património: é o caso do IVA, IRC, do

IMI e do IMT; em contrapartida,

b. Impostos pessoais: têm em conta alguns elementos

diferenciadores relacionados com a capacidade

contributiva do sujeito, e estão ligados a um conceito mais

fino de justiça,, podendo revelar-se menos eficientes, por

provocarem mais distorções. O artigo 104.º, n.º3 CRP

define e caracteriza o imposto pessoal. O imposto sobre o

rendimento de pessoas singulares é designado de imposto

sobre o rendimento pessoal, o qual

«visa a diminuição das desigualdades e será único

e progressivo, tendo em contas as necessidades e os

rendimentos do agregado familiar».

A unicidade postula o englobamento de todos os

rendimentos (rendimentos de trabalho dependente ou de

pensões, rendimentos profissionais, agrícolas, comerciais

e industriais, rendimentos prediais, rendimentos de

capitais e todos os acréscimos patrimoniais), de modo a

não haver rendimentos submetidos a tratamento mais

favorável do que outros. O nosso IRS nunca teve as

características da unicidade pois os rendimentos de

capitais estiveram sujeitos a uma tributação em geral mais

vantajosa, e as mais valias (acréscimos patrimoniais)

estiveram em muitos casos isentas. A integração das

economias da União Europeia e a livre circulação de

capitais garantida pelo TCE no espaço da UE e em relação

ao resto do mundo, tornou inviável a unicidade, isto é, a

sujeição dos rendimentos de capitais a um tratamento tão

oneroso como os rendimentos de trabalho, serviços ou

pensões. De tal modo que, em vez da unicidade, a regra

passou a ser o chamado sistema dual, por inspiração dos

sistemas nórdicos: os rendimentos de capitais são sujeitos

a uma taxa única e afastados da progressividade, taxa única

essa que se revela, em regra, mais favorável. O imposto

pessoal também exclui de tributação o mínimo de

existência. Não se trata de um tratamento favorável mas

de um juízo sobre a capacidade económica ou contributiva

(e de dignidade da pessoa humana). Até um determinado

montante, que em princípio deve ser superior aos

montantes recebidos no quadro do sistema não

contributivo da segurança social, ou pelo menos

corresponder a estes, não há sujeição a imposto sobre o

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rendimento. O IRS prevê o mínimo de existência para os

rendimentos de trabalho dependentes, majorado para os

agregados familiares com mais filhos (artigo 70.º CIRS). A

consideração das necessidades e rendimentos do agregado

familiar, exigida pelo artigo 104.º, n.º1 CRP é uma

referência às economias de escala e deve ser entendida

como consideração dos encargos familiares. Em

contrapartida, não decorre do artigo 104.º, n.º1 CRP a

exigência da tributação conjunta dos rendimentos dos

cônjuges (quociente conjugal) e ainda menos a introdução

de um quociente familiar que tem efeitos regressivos. O

caráter pessoal do IRS também é aferido pelas deduções à

coleta de despesas de caráter pessoal, tal como a saúde,

educação,, sendo mais controversos os abatimentos

relativos a encargos com imóveis (artigos 78.º e seguintes

CIRS). A diminuição das desigualdades deve ser associada

à progressividade. O imposto progressivo concretiza-se

pela aplicação de diversas taxas ou alíquotas aos

rendimentos tributáveis apurados, por escalões. As taxas

são maiores para os rendimentos mais elevados. A

progressividade contém um elemento redistributivo e não

é exigida pelo princípio da igualdade que se satisfaz com

uma taxa proporcional.

2. Impostos proporcionais, progressivos e regressivos: esta

classificação está presente, expressa ou implicitamente, no artigo

104.º CRP:

a. Impostos proporcionais: são os de taxa ou alíquota fixa,

sob a forma de uma percentagem. A proporcionalidade é

suficiente para assegurar o princípio da igualdade. Sendo

ad valorem, a proporcionalidade é também adequada aos

impostos, pois estes incidem sobre a capacidade

contributiva. Os impostos reais são normalmente

associados a taxas proporcionais.

A progressividade e a regressividade implicam a existência de taxas

ou alíquotas variáveis.

b. Impostos progressivos: progressividade nos impostos

pessoais, aliada à liberdade de movimentos, pode gerar

fenómenos de exílio fiscal (quando as taxas dos últimos

escalões são demasiado elevadas, ultrapassando os 50%).

O exílio fiscal pode caracterizar-se pela mudança de

residência ou mesmo pela alteração de nacionalidade. A

progressividade nos impostos reais estimula os fenómenos

de planeamento, abuso e fraude fiscal. A progressividade

implica um aumento da taxa ou alíquota tendo em conta o

aumento do rendimento (ou, mais rigorosamente, da

matéria tributável), e concretiza-se pela existência de

escalões. A progressividade é característica dos impostos

pessoais (e, por isso, mencionada, como se referiu, pelo

artigo 104.º, n.º1 CRP). Quanto maior o número de

escalões e de taxas, maior a progressividade. No caso dos

impostos pessoais, a progressividade não é assegurada

com duas taxas. A inclusão de realidades económicas

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(capacidades contributivas) muito diversas, em apenas

dois escalões não traduz um imposto progressivo. A

complexidade dos sistemas fiscais a que aludimos atrás

tem trazido taxas múltiplas (progressivas) a impostos reais,

de que são exemplo o IVA (resultante da harmonização

com a UE) e o IRC (resultante da política fiscal nacional).

Existe neste caso alguma progressividade, inadequada a

estes impostos, que não faz deles impostos progressivos

(nem poderia faze-lo), e que por isso traz ineficiências e

distorções, sendo preferível uma taxa única.

c. Impostos regressivos: significa uma tributação de uma

menor capacidade contributiva ou tributações iguais de

diferentes capacidades contributivas. A regressividade é

inconstitucional, porque contrária ao princípio da

igualdade. Todavia, temos de distinguir:

i. Elementos regressivos nos impostos: encontramos

elementos regressivos nos nossos impostos, que

não implicam, necessariamente, a sua

inconstitucionalidade, se, no conjunto, o importo

não for regressivo e apenas tenham contribuído

para reduzir a progressividade.

Estes seguintes, sim, são proibidos:

ii. Taxas regressivas: mais elevadas quanto menor for

o rendimento ou o património, não costumam ser

adotadas;

iii. Impostos regressivos: não são raros de encontrar e

podem traduzir-se por prestações fixas ou

prestações tributárias iguais.

iii. O modo como atingem (incidem sobre) o objeto e o sujeito;

1. Impostos diretos e indiretos: esta classificação é muito comum,

está presente na nossa legislação (artigo 6.º LGT) e no TFUE

(artigos 112.º e 113.º TFUE), orienta os grupos de trabalho da

União Europeia, e há diversos critérios económicos e jurídicos que

têm estado na base da sua distinção. O critério adotado quer pelo

artigo 6.º LGT, quer pelos artigos 112.º e 113.º TFUE, e o

financeiro. Este critério atende ao objeto do imposto.:

a. Impostos diretos: são aqueles que atingem as

manifestações diretas ou imediatas da riqueza e da

capacidade contributiva (impostos sobre o rendimento e o

património); e

b. Impostos indiretos: são os que incidem sobre

manifestações indiretas ou mediatas da riqueza e da

capacidade contributiva (impostos sobre o consumo e a

despesa).

É assim que se pode entender a relação estabelecida pelo artigo 6.º

LGT entre a tributação direta e:

O mínimo de existência (artigo 6.º, n.º1, alínea a) LGT);

Os encargos do agregado familiar (artigo 6.º, n.º1, alínea b) LGT); e

A doença, a velhice e outros casos de redução da capacidade contributiva

do sujeito passivo (artigo 6.º, n.º1, alínea c) LGT);

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e a relação estabelecida por este mesmo preceito entre a

tributação indireta e os bens de consume de primeira

necessidade (artigo 6.º, n.º2 LGT, segundo o qual, aquela deve

favorecer estes bens e consumos). Por seu turno, os artigos

112.º e 133.º TFUE enquadram expressamente os impostos

sobre o consumo (IVA e impostos especiais sobre o consumo)

nos impostos indiretos, e referem-se a outros impostos indiretos.

Desta classificação ficam afastados a tributação do rendimento

e do património, enquadrados na tributação direta, como

decorre da jurisprudência do TJUE.

iv. O período temporal de nascimento e extinção:

1. Impostos de obrigação única e impostos periódicos:

a. Impostos de obrigação única: são aqueles cujo facto

tributário nasce e se extingue com um ato ou negócio

jurídico: consumi, importação, aquisição onerosa ou

gratuita.

b. Impostos periódicos: são aqueles cujo facto tributário se

renova por diferentes períodos fiscais, dando origem a

obrigações declarativas, enquanto não se informa a

administração tributária da extinção desse facto ou da

atividade económica. O facto tributário nasce e extingue-

se ao fim de um determinado período fiscal (ano fiscal ou

período mais curto, definido na lei), mas a continuidade da

relação jurídica tributária faz nascer relações jurídicas que

adquirem um caráter de permanência até que se verifique

a alteração ou cessação da situação. Os impostos

periódicos permitem o controlo da situação fiscal do

sujeito passivo por parte da administração tributária,

facilitando a arrecadação de receitas. Embora criem

muitos deveres declarativos ao sujeito passivo (declaração

de início de atividade, declarações periódicas de

rendimentos, contabilidade organizada, entre outro), os

impostos periódicos também evitam o cumprimento

renovado de alguns desses deveres, pois presume-se que a

relação jurídica tributária continua inalterada, cabendo

apenas apurar o valor do rendimento ou do património,

em cada período fiscal.

Anteriormente à reforma fiscal que introduziu o IVA e o IRS e o

IRC entendia-se que os impostos sobre o consumo eram impostos

de obrigação única e que os impostos sobre o rendimento eram

impostos periódicos. Todavia, esta classificação mostra-se

inadequada em certos casos. Por vezes, a lei recorre a critério

doutrinários para aplicar certes regimes, em vez de enumerar os

impostos a que esses regimes se aplicam. Esta opção legislativa cria

dificuldades interpretativas. Foi o caso da contagem do prazo de

caducidade da liquidação de impostos. Na versão inicial do artigo

45.º, n.º4 LGT,

«[o] prazo de caducidade conta[va]-se, nos impostos periódicos,

a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e,

nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto

tributário ocorreu».

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Perante esta classificação, a primeira dúvida que surgiu disse

respeito ao IVA: não era claro como se deveria contar o prazo

neste caso, dado que as obrigações declarativas e de liquidação dos

sujeitos passivos deste imposto eram periódicas. Seguiu-se uma

primeira alteração ao artigo pela Lei n.º 32-B/2002:

«…exceto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que

aquele prazo se conta a partir do ano civil seguinte àquele em

que se verificou a exigibilidade do imposto».

Dada a dificuldade de aplicar ao IVA a distinção tradicional entre

impostos periódicos e de obrigação única, considerou-se relevante

para efeitos da contagem o sujeito passivo de IVA e não o

consumidor final. Ou seja, para a contagem dos prazos de

caducidade do IVA, o que releva são as liquidações e dívidas dos

sujeitos passivos do IVA e não dos consumidores finais, tal como

nos impostos periódicos. Não seria viável contar a caducidade

relativamente a cada ato de consumo final. Mais tarde, surgiu nova

dúvida, desta feita quanto às retenções a título definitivo: não era

claro se o prazo para estas retenções se contava a partir do

momento da retenção ou no final do ano fiscal. As retenções

definitivas não configuram um imposto periódico, mas elas estão

formalmente inseridas em impostos periódico (impostos sobre o

rendimento). Seguiu-se nova alteração ao artigo 45.º, n.º4 LGT,

pela Lei n.º 53-A/2006, 29 dezembro:

«…e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja

efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que

aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte

àquele em que se verificou…o facto tributário».

O Acórdão TC, n.º 388/10 e n.º 308/10, recorre ao regime da

caducidade e da prescrição para ilustrar que nos impostos

periódicos e de obrigação única, a contagem de tempo não é feita

da mesma forma:

«[q]uer dizer, para efeitos de caducidade do direito à liquidação

e de prescrição cada facto gerador de rendimento individualmente

considerado não é por si só considerado um facto tributário

autónomo».

O Tribunal devia ter ido mais longe e ter distinguido, dentro dos

Códigos de imposto, os diferentes tipos de factos tributários que

estão incluídos nesses Códigos.

4. Taxas:

a. Conceito e elementos essenciais: a taxa no nosso ordenamento jurídico-

constitucional e caracterizada como sendo um tributo sinalagmático ou bilateral e

compreende três tipos de situações, tal como ficou consagrado no artigo 4.º, n.º1

LGT:

i. A contrapartida pela utilização de serviços públicos;

ii. A contrapartida pela utilização de um bem público ou semipúblico ou de um bem do

domínio público;

iii. E a contrapartida pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma atividade

por parte dos particulares.

Esta ideia de contrapartida exige que o bem utilizado ou serviço prestado seja

individualizável – daí que as taxas sejam normalmente cobradas sobre bens e

serviços semipúblicos. Além disso, o controlo constitucional da sinalagmaticidade

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implica que o bem, serviço ou remoção do obstáculo seja presente e não futuro; e

que o tributo não ultrapasse a cobertura de custos (princípio da proporcionalidade

concretizado na cobertura dos custos). Se o montante do tributo exceder a cobertura

dos custos, o montante em excesso é um imposto oculto. Só este conceito de taxa

permite a defesa do contribuinte perante a criação destes tributos, a não ser que a

criação das taxas esteja sujeita a reserva de lei. O artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP só

exige a criação por lei do regime geral das taxas, e não de cada taxa, mas nem o

regime geral foi, ainda, criado. O que temos é um Regime Geral das taxas das

autarquias locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, 29 dezembro. Tal como os

impostos e todos os outros tributos, as taxas são coativas a partir do momento em

que são preenchidos os pressupostos do facto tributário.

b. Remoção de obstáculos jurídicos: até ao Acórdão n.º 117/2010, o Tribunal

Constitucional entendeu que o conceito das taxas pressupunha sempre a utilização

de um bem ou serviço público ou semipúblico, o que significa que uma taxa sobre

a remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de certas atividades pelo particular

pressupõe, sempre, também, a existência de um bem público, semipúblico ou de

domínio público. Este entendimento na prática inutilizava o conceito de taxa em

caso de remoção de um obstáculo jurídico, reconduzindo-o sempre à utilização de

um bem público ou semipúblico. No Acórdão n.º 313/92, dizia o Tribunal:

«mesmo nas hipóteses em que a atividade dos particulares sofre uma limitação,

aqueloutra atividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada

limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a

imposição de uma taxa somente desde que tal retirada se traduza na dação de

possibilidade de utilização de um bem público ou semipúblico».

e

«se este condicionalismo não ocorrer, deparar-se-á uma situação subsumível à

existência de um encargo ou de uma compensação tributo que se aproximará da

figura do imposto nos termos que a seguir se verão, sem que com isto se queira

significar que a imposição de contributo só é recondutível à dicotomia de taxa ou de

imposto».

O exemplo dos Reclamos Públicitários era paradigmático nesta jurisprudência do

Tribunal Constitucional. Nos casos em que o tributo não incidia sobre um bem

público, semipúblico ou do domínio público, o Tribunal entendeu tratar-se de

impostos ocultos, sendo que a criação dos impostos é da reserva relativa de

competência da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP). No

referido Acórdão n.º 117/2010, o Tribunal Constitucional alterou a sua posição,

com base na enumeração tripartida das taxas no artigo 4.º, n.º1 LGT e com o

argumento de que as taxas sobre remoção de obstáculos jurídicos não são

inconstitucionais, se os referidos obstáculos tutelarem reais interesses públicos e

portanto não forem artificiais. Assim, entendeu o Tribunal Constitucional

atualmente que a atividade publicitária assente em painéis ou inscrições que se

projete visualmente no espaço público, interfere na configuração do ambiente de

vivência urbana das coletividades locais e só os anúncios que são visíveis por quem

circula nos espaços públicos podem ser tributados por taxas, cabendo aos

municípios a organização e preservação dos espaços públicos. Isto é, só são objeto

de taxas os anúncios que se divisem na via pública. Por conseguinte, as licenças para

autorizar a publicitação tutelam interesses públicos e não constituem obstáculos

artificiais. Se esta nova jurisprudência do Tribunal Constitucional é correta em

termos de princípio, cabe também dizer que a insegurança jurídica para o

contribuinte aumenta muito, dado que nem a reserva de lei nem o princípio da

cobertura de custos está a ser aplicado ao controlo da constitucionalidade das taxas.

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c. A quantificação das taxas e o princípio da cobertura de custos: como se disse,

o artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, só submete a reserva relativa de competência o

regime geral das taxas. E na ausência de uma reserva de lei para a criação de todas e

cada uma das taxas, o controlo constitucional destes tributos tem de assentar na

sinalagmaticidade, ou no princípio da cobertura de custos. Contudo, a doutrina

portuguesa clássica defendia que as taxas se caracterizam apenas por um sinalagma

jurídico e não também económico. Esta posição conduziu a uma ausência de

controlo jurisdicional efetivo destes tributos à luz da Constitucional. Nos casos em

que é questionada a existência de impostos ocultos, os tribunais apenas averiguam

se existe a utilização de um bem ou serviço público, ou, desde o Acórdão n.º

177/2010, se existe a remoção de um obstáculo jurídico que tutele reais interesses

públicos. Muito pouco ou nada se diz quanto à quantificação, como se refere de

seguida. Ora a bilateralidade da taxa tem de ser também aferida pelo montante

cobrado e não se pode separar o sinalagma jurídico da quantificação da taxa. A

bilateralidade só ocorre se os custos pelo bem utilizado, serviço prestado ou

remoção do obstáculo jurídico não excederem o benefício recebido por parte do

particular (trata-se do princípio da cobertura de custos). A taxa pode ser inferior ao

custo do bem, serviço ou remoção do obstáculo, caso em que o referido custo tem

que ser também financiado por transferências de impostos. Mas o valor a cobrar

pela taxa não pode ser superior ao da utilidade prestado, sob pena de sairmos do

campo da bilateralidade e de estarem a ser cobrados impostos cuja competência está

sujeita a reserva de lei nos termos dos artigos 165.º, n.º1, alínea i) e 227.º, n.º1, alínea

i) CRP. O que se verifica até aqui, na jurisprudência portuguesa nesta matéria, é uma

muito tímida aplicação deste princípio da cobertura de custos, através do princípio

da proporcionalidade que não é aplicado cabalmente pois o Tribunal Constitucional

introduziu como limite a proibição da manifesta desproporcionalidade. Isto significa

que os contribuintes em Portugal ainda não estão cabalmente protegidos contra

abusos de entidades públicas na cobrança de taxas.

d. A manifesta desproporcionalidade: o caso em que o Tribunal Constitucional

alterou (ligeiramente) a sua jurisprudência sobre as taxas, passando a referir-se ao

princípio da proporcionalidade, foi o caso da ponte 25 de abril, gerado pelo famoso

businão, na sequência do aumento das portagens nessa mesma ponte. A questão

submetida ao Tribunal foi a seguinte:

«o n.º1 da Portaria n.º 351/94, 3 junho, diploma que estabelece os novos

montantes das portagens a cobrar pela utilização da ponte sobre o Tejo, violaria o

princípio da proibição do arbítrio – que decorre da própria ideia de Estado de

Direito Democrático, estabelecido no artigo 2.º CRP –, o princípio da adequação e

o princípio da igualdade perante os encargos públicos, como afloramento específico

do princípio da igualdade, estabelecido no artigo 13.º CRP. Da fundamentação e

dos critérios invocados para a atualização das portagens resulta ainda que estamos

perante algo que não se configura já como uma taxa, mas como um verdadeiro

imposto, pelo que a sua aprovação pelo Governo sem autorização da Assembleia

da República viola o n.º1, alínea i), do artigo 168.º CRP, consubstanciando um

vício de insconstitucionalidade orgânica»

A fundamentação do pedido dirigido ao Tribunal Constitucional continha a ideia

essencial das taxas atrás referida, nomeadamente, a incidência sobre um bem

presente e o limite do montante a cobrar determinado pelo princípio da cobertura

dos custos:

i. O critério do ajustamento de preços da portagem foi o atual e os futuros

ajustamentos, baseados na necessidade de equiparar a prazo os preços das portagens

da atual ponte sobre o Tejo e da futura ponte, a construir entre Sacavém e Samouco;

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ii. Dos estudos técnicos e de declaração do Senhor Ministro das Obras

Públicas, Transportes e Comunicações depreende-se que a nova ponte, a

construir entre Sacavém e Samouco, vai ter como função principal

encaminhar o tráfego rodoviário do eixo Norte/Sul, tendo, por isso, um

impacto reduzido (20%) na diversificação tráfego na ponte já existente: o

serviço a prestar pela nova ponte não vai pois aproveitar aos utentes da ponte já existente;

iii. O faseamento do aumento das portagens da ponte atual e os seus

montantes são determinadas pela exigência de rentabilização da exploração

da nova ponte, cuja construção será financiada por um consócio privado,

que rentabilizará o investimento através da obtenção em concessão da

ponte já construída e da ponte a construir; o esquema de aumento progressivo das

portagens da ponte atual foi estabelecido, pois, para viabilizar economicamente a

construção e exploração da ponte a construir entre Sacavém e Samouco;

iv. Assim sendo, o critério de ajustamento não decorre nem do valor do serviço

prestado nem de uma ideia de justa distribuição dos encargos públicos o

que leva a ter de se considerar que estamos perante um autêntico imposto,

uma vez que se perde a ideia de contrapartida específica, confirmada pela

possibilidade de o produto das portagens não reverter exclusivamente para

a gestão e administração da ponte 25 de abril e para a Junta Autónoma das

Estradas.

Segundo o apurado pelo Tribunal Constitucional, a condição bem presente para que

pudesse ser cobrada uma taxa (ou justificado o seu aumento), estava assegurada: as

receitas da exploração da ponte destinam-se a fazer face às despesas da sua

conservação e exploração, à conservação da parte dos acessos que ficar a cargo do

Estado e aos encargos de ordem financeira assumidos com a construção da obra.

Quanto ao controlo do montante em si, o Tribunal Constitucional começou por

rejeitar novamente que as taxas pudessem ser caracterizadas por um sinalagma

económico ou pelo princípio da cobertura de custos, mas acabou por introduzir a

fórmula da proibição de uma manifesta desproporcionalidade, numa espécie de

controlo negativo. Conclui o Tribunal:

«No que toca aos valores vigentes das portagens, não pode afirmar-se que os mesmos

são manifestamente desproporcionais ou inadequados. De facto, a comparação com

os valores fixados para as portagens das auto-estradas que dão acesso a Lisboa não

aponta, em termos de valores absolutos, para uma disparidade excessiva ou

desrazoável dos valores do acesso do Sul, ainda que se tenha de levar em conta que

o acesso a Lisboa a partir da margem sul do Tejo só pode fazer-se, em função da

realidade geográfica, ou por via fluvial ou pela ponte, não existindo quaisquer

alternativas viárias no presente»

e. Conclusões: no Direito Comparado, encontramos dois tipos de sistemas:

i. Os que fazem assentar as taxas no princípio da reserva de lei, como é o caso dos sistemas

italiano e espanhol; e

ii. Os que não exigem a reserva de lei, aplicam o princípio da cobertura de custos, de que é

exemplo o sistema alemão.

A Constituição de 1976, até à revisão constitucional de 1997, não exigia a reserva de

lei para as taxas, à semelhança da constituição alemã. Todavia, é entendimento

consensual na Alemanha que a bilateralidade das taxas implica o controlo

jurisdicional da aplicação do princípio do custo-benefício (no sentido do princípio

da cobertura de custos). Em Itália, todos os tributos estão sujeitos a reserva de lei

parlamentar, ainda que delegável, e o mesmo se passa com a constituição espanhola.

Concluindo, entre nós, a desproteção do contribuinte em matéria de taxas é clara:

por um lado, a ausência de leis parlamentares ou decretos-lei autorizados,

estabelecendo os diferentes regimes gerais das taxas e regimes gerais para as

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restantes contribuições financeiras (ao contrário do que exige o artigo 165.º, n.º1,

alínea i) CRP), deixa uma amplíssima discricionariedade às entidades públicas. E

assim, não são cumpridas as funções desempenhadas pela reserva de lei: de

previsibilidade quanto à existência e quantificação do tributo e de aprovação do

mesmo por parte dos representantes dos cidadãos-contribuintes-eleitores no

parlamento.

5. As contribuições financeiras:

a. Conceito: após a revisão constitucional de 1997, o Tribunal Constitucional passou

a entender que a referência no artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, a outras contribuições

financeiras a favor das entidades públicas acabava com a dicotomia entre impostos e taxas

e introduzia uma terceira categoria de tributos (contribuições especiais). Esta terceira

categoria é uma categoria residual, que enquadra:

i. Os tributos que não apresentem as características dos impostos, em especial a

unilateralidade e a cobertura da generalidade das despesas;

ii. Os tributos que não apresentem as características das taxas, em especial a bilateralidade

em sentido estrito; e

iii. Os tributos a favor de entidades públicas de base não territorial com características de

sinalagma difuso.

As contribuições especiais que têm sido criadas entre nós podem ser agrupadas em

algumas categorias:

i. Contribuições destinadas a financiarem serviços de interesses

difusos que beneficiam concretamente alguns grupos de destinatários, mas

com externalidades positivas;

ii. Contribuições especiais parafiscais: contribuições especiais que

financiam entidades públicas de base não territorial cuja atividade beneficia

um grupo homogéneo de destinatários;

iii. Tributos extrafiscais: contribuições especiais, com finalidades extrafiscais

puras, destinadas a modelar ou orientar comportamentos. Todavia,

relativamente à última categoria, só não estamos perante impostos desde

que os montantes cobrados sejam afetos à compensação dos prejuízos

causados pela rigidez dos comportamentos eu se pretendia orientar

(consignação orçamental).

b. As contribuições parafiscais: a parafiscalidade portuguesa remonta ao Estado

Novo e nessa época e até à adesão de Portugal à então Comunidade Económica

Europeia (CEE) tinha como finalidade fomentar e proteger o mercado. Ela assume

novos contornos no quadro do mercado comum e do mercado interno. Pretende-

se agora a diminuição de custos associados à eficiência dos mercados, à informação

transparente e à livre concorrência. É neste contexto que foram criados em Portugal

e nos outros Estados Membros diversas entidades reguladoras, e as novas taxas de

regulação económica. Com a segunda revisão constitucional (1989), o atual artigo

103.º, n.º1 CRP passou a referir-se à satisfação das necessidades financeiras não só

do Estado, mas também de outas entidades públicas:

«o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras

entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza».

Desde então o Tribunal Constitucional entendeu que algumas receitas extrafiscais

eram consideradas financeiramente (isto é, do ponto de vista da ciência das Finanças)

impostos, se constituíssem receita de uma entidade pública de base não territorial.

Eram simultaneamente receitas extrafiscais e parafiscais. Parafiscais, porque

escapavam ao orçamento de Estado. Na verdade, algumas das taxas dos referidos

organismos de coordenação económica não prosseguem em primeira linha fins

fiscais, mas também têm estado entre nós relacionada com o papel intervencionista

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do Estado na economia, i.e., com finalidades extrafiscais. A posição do Tribunal

constitucional não era coerente, porque a submissão à reserva de lei dee atender em

primeira linha ao tipo de tributo (e esta é a metodologia correta) e não ao critério da

entidade que constitui sujeito ativo do tributo. Se se atende apenas à unilateralidade

e não ao fim, no caso da parafiscalidade, deve fazer-se o mesmo no caso dos tributos

estaduais infraestaduais e supraestaduais.

c. As taxas de regulação económica e a proteção constitucional dos

contribuintes: na versão originária da constituição de 1976, só os impostos eram

submetidos a reserva de lei formal (o então artigo 168.º, n.º1, alínea i) CRP). A

jurisprudência do Tribunal Constitucional, até à revisão constitucional de 1997, não

autonomizava a parafiscalidade, reconduzia-a sem mais ao regime constitucional dos

impostos, e não desenvolveu outros critérios de legitimidade constitucional material

destes tributos. A revisão constitucional de 1997 veio dar uma nova redação à

reserva de lei em matéria de tributos. Nos termos do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP,

na versão de 1997, compete à Assembleia da República, sem prejuízo da sua

autorização ao governo, legislar em matéria de criação de impostos e sistema fiscal

e regime geral das taxas e das demais contribuições financeiras a favor de entidades

públicas. A este propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, e Cardoso da Costa

consideram que a constituição dá agora tratamento próprio à parafiscalidade

autonomizando-as dos impostos, nomeadamente para efeitos de reserva de lei. No

quadro da parafiscalidade, são de destacar as novas taxas de regulação económica.

Elas têm vindo a proliferar e podemos considera-las essenciais para financiar as

despesas e garantir a independência das entidades reguladoras em relação aos

governos emanados das maiorias parlamentares. O Tribunal Constitucional

reconheceu esse tertium genus no Acórdão n.º 365/08, tendo evitado a qualificação

tributária das taxas de regulação económica no Acórdão n.º 613/09, mas

reconhecido que se aproximavam das taxas. Entendemos que as taxas de regulação

económica não constituindo verdadeiras taxas também não são impostos, e por isso

podem ser designadas de contribuições especiais. Apesar dos referidos desenvolvimentos,

as taxas de regulação económica não encontram, ainda hoje, um enquadramento

legislativo que guie a sua criação, e a prática da criação das taxas de regulação

económica não tem uma linha orientadora. Para não violarem os princípios

constitucionais, as contribuições especiais parafiscais devem respeitar os seguintes

critérios materiais, sendo urgente o seu desenvolvimento pela nossa jurisprudência:

i. Os contribuintes devem constituir um grupo homogéneo;

ii. A contraprestação deve ser suportada pelo grupo de destinatários/beneficiários dos

serviços (conjunto dos regulados);

iii. Deve existir uma utilidade do grupo;

iv. O montante deve suportar o teste da proporcionalidade.

d. A quantificação das taxas de regulação económica: por se caracterizarem

através do sinalagma difuso, as taxas de regulação económica também exigem uma

quantificação através do princípio da equivalência. A equivalência implica que:

i. O benefício do grupo (do conjunto dos regulados) seja repartido igualmente

por todos os beneficiários, presumindo-se uma utilidade ou benefício

potencialmente idênticos para os beneficiários, mesmo que em cada ano

fiscal esse benefício possa variar em concreto. Eventualmente, pode a lei

presumir utilidades ou benefícios diferentes, caso à partida se saiba que os

beneficiários vão ter utilidades diferenciadas

ii. Que haja uma correspondência entre o montante a cobrar e os custos da

entidade reguladora, devendo ainda ser observados os princípios da

objetividade, transparência e não discriminação.

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Assim, ao abrigo do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, a lei da Assembleia da República,

na determinação do montante das contribuições financeiras, deve observar o

princípio da proporcionalidade ou da equivalência – distribuição equitativa entre

beneficiários dos custos. E deve ainda fixar (pelo menos) o montante máximo do

tributo a cobrar a cada operador, sob pena de não existirem limites par os custos das

entidades reguladoras e de um última instância se criar um tributo confiscatório,

proibido nos Estados de Direito (e na nossa constituição, devido ao direito da

propriedade privada). Fixados os parâmetros referidos, pode o Decreto-Lei

autorizado quantificar concretamente o montante do tributo, em cada ano, com base

nos custos apurados. Todavia, se a quantificação de um tributo sinalagmático – seja

ele uma taxa ou um tributo parafiscal de sinalagma difuso – se basear em critérios

ad valorem, estaremos novamente perante um imposto, e nesse caso aplica-se a

reserva de lei dos impostos: cada imposto e não um conjunto deles tem de ser criado

por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, nos seus

elementos essenciais. Decorre do exposto que a não aplicação do princípio da

proporcionalidade, concretizado no princípio da equivalência, aos tributos de

sinalagma difuso, implica a criação de impostos ocultos e é por isso contrária à

constituição portuguesa.

e. Tributos extrafiscais e sanções: alguns dos tributos ambientais são reconduzíveis

às contribuições especiais, de sinalagma difuso. Não se deve porém confundir o

tributo extrafiscal, o qual tem finalidades de orientação de comportamentos e

finalidades fiscais, com sanções. Vimos anteriormente que apesar de os tributos

extrafiscais – que pretendem orientar comportamentos – terem como finalidade a

orientação de comportamentos e não a arrecadação de receitas, a arrecadação destas

pode ser uma finalidade secundária ou lateral atingida em caso de comportamentos

rígidos. Todavia, os tributos não são consequência de proibições baseadas em

desvalores da ação que se pretendia alterar. A solução encontrada pelo Tribunal

Constitucional no caso que analisou a natureza jurídica das penalizações por

emissões excedentária (Acórdão n.º 80/2014) não é, por isso, correta. Mesmo assim,

quer no caso de uma sanção administrativa atípica quer no caso de um tributo

extrafiscal, os valores do sobrecusto em causa são muito elevados. Enquanto no

caso da sanção atípica seria recomendável a aprovação de um regime geral por meio

de lei da Assembleia da República ou de Decreto-Lei autorizado, à semelhança do

que acontece quanto ao regime geral das contraordenações, no caso de um tributo

extrafiscal, esse regime geral é exigido por lei. Ora, na ausência da aprovação do

regime geral não é admissível, num Estado de Direito, que as contribuições

financeiras e a extrafiscalidade fiquem libertas da reserva de lei que se aplica aos

impostos, dada a similitude que têm com os impostos e o facto de o Tribunal

constitucional não estabelecer critérios materiais de controlo do quantitativo a

cobrar.

f. Os benefícios fiscais: os benefícios fiscais são desagravamentos fiscais que

introduzem exceções à incidência tributária e que prosseguem finalidades não fiscais

(extrafiscais). A situação da vida recairia nas normas de incidência, mas estas são

afastadas devido a uma lei que introduz um regime mais benéfico. Existem diversos

tipos de benefícios fiscais ou técnicas de atribuição de benefícios fiscais. Por serem

exceções às normas de incidência, os benefícios fiscais violam o princípio da

igualdade. Assim, eles têm de ser justificados por princípios que se sobreponham à

igualdade e, em regra, devem ter duração limitada. O artigo 2.º, n.º1 do Estatuto dos

Benefícios Fiscais, define os benefícios fiscais como:

«as medidas de caráter excecional instituídas para tutela dos interesses públicos

extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da tributação que impedem».

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O significado de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da tributação deve ser

concretizado. Para tal, podemos recorrer aos princípios materiais legitimadores dos

benefícios fiscais. Esses princípios (que podemos considerar também aplicáveis no

nosso ordenamento constitucional) são:

i. O princípio do bem estar social: como princípio geral e que deve estar sempre

presente como forma de controlar o arbítrio;

ii. O princípio da proporcionalidade: concretiza-se, por exemplo, no princípio da

necessidade económica das famílias com repercussões positivas em toda a

comunidade, e portanto no bem-estar social;

iii. O principio do ganho ou mérito: significa a recompensa fiscal de um

comportamento que serve o interesse geral.

Deve haver pois uma relação entre princípios materiais legitimadores dos benefícios

fiscais e os princípios fiscais materiais. Os primeiros não devem ser ponderados

apenas no quadro do Direito Económico – necessidade e adequação e termos de

efeitos benéficos para a economia e de mero juízo de prognose – mas também no

quadro do Direito Fiscal, i.e., deve ser avaliado se esses princípios devem prevalecer

sobre a igualdade na vertente da capacidade contributiva, progressividade, e

quaisquer outros limites fiscais materiais que sejam restringidos pelos benefícios

fiscais. Esta mesma relação tem sido feita, mutatis mutandis, no âmbito da União

Europeia, a propósito da concorrência fiscal desleal (numa lógica de ponderação dos

efeitos positivos na economia do Estado Membro e a discriminação positiva dos

não residentes, provocadora de deslocação e de erosão das receitas fiscais nos

Estados Membros da residência). Além disso, a própria atribuição em concreto dos

benefícios fiscais, no uso de uma margem de livre apreciação ou discricionariedade,

está sujeita a limites, nomeadamente, aos princípios da proibição da arbitrariedade,

da proibição do excesso e da proporcionalidade. Como veremos adiante, a reserva

de lei parlamentar é o instrumento que formalmente legitima o desvio ao princípio

da igualdade, nas vertentes da capacidade contributiva e, eventualmente, da

progressividade.

A relação tributária no Direito Português:

1. Noções introdutórias: a relação jurídica tributária é uma relação de Direito Público entre

sujeito passivo e sujeito ativo e como tal confere-lhes direitos e deveres. A nossa Lei Geral

Tributária, como as demais leis gerais tributárias, tem por objeto a disciplina destes direitos

e contem também o procedimento tributário. O Título II da LGT tem como epígrafe «Relação

Jurídica Tributária» e divide-se em quatro capítulos:

a. Sujeitos da relação jurídica tributária;

b. Objeto da relação jurídica tributária;

c. Constituição e alteração da relação jurídica tributária; e

d. Extinção da relação jurídica tributária.

Embora o Título III tenha como epígrafe «Procedimento tributário», na verdade ele contém as

regras e princípios dos procedimentos tributários, tais como o princípio do inquisitório e da

verdade material (artigos 58.º LGT e 50.º CPPT), as regras do ónus da prova (artigo 74.º

LGT), entre outras, e alguns procedimentos tais como os métodos de avaliação indireta do

património (artigos 87.º a 90.º LGT), e a abertura do sigilo bancário (artigos 63.º-A a 64.º

LGT). A definição e caracterização dos sujeitos e objeto da relação jurídico-tributária é um

pressuposto do procedimento tributário. Sujeitos e objeto são elementos essenciais da

relação tributária ou do Tatbestand sistemático de imposto. O procedimento diz respeito à

sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários, nos termos dos artigos 54.º LGT

e 44.º CPPT, e corresponde ao conceito de procedimento administrativo do artigo 1.º, n.º1

CPA. Na verdade, o procedimento dirige-se não só à declaração de direitos, mas também de

deveres tributários, consoante o caso, e não temos um procedimento, mas uma pluralidade

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deles. A pluralidade de procedimentos significa também a pluralidade de relações jurídicas

tributárias. Tal pluralidade resulta da enumeração exemplificativa do artigo 54.º, n.º1 LGT.

No caso português, a disciplina do procedimento ou procedimentos tributários encontra-se

repartido pela Lei Geral Tributária e pelo Código de Procedimento e Processo Tributário

(Título I e II do CPPT), sendo por isso necessário recorrer a ambos os Códigos. Além disso,

a Lei Geral Tributária contém um título (Título III), consagrando os princípios fundamentais

do processo judicial tributário. Também o Título III do CPPT diz respeito ao processo

judicial tributário, prevalecendo, em caso de contradição, as normas da LGT (artigo 1.º

CPPT). O processo judicial tributário costuma ser designado no Direito Fiscal, por processo

tributário, por contraposição ao procedimento tributário. No Direito Fiscal, o procedimento

diz respeito à sucessão de atos dirigidos à declaração de direitos tributários, na relação entre

administração e sujeito passivo (artigos 54.º LGT e 44.º CPPT); por seu turno, o processo é

o processo judicial tributário. A duplicação de regimes entre a LGT e o CPPT é resquício do

sistema de administrador-juiz, na tradição do contencioso francês, sendo recomendável que

todas as normas de processo judicial tributário sejam incluídas num único Código. A

necessidade da reforma do processo judicial tributário tem estado presente, mas tem sido

adiada.

2. Sujeitos da relação jurídica tributária: nos termos do artigo 18.º LGT,

a. Sujeito Ativo da relação jurídico-tributária a entidade de Direito Público, titular do

direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer diretamente, quer

através de representante. O sujeito ativo é titular do crédito tributário e de outras

pretensões tributárias. O sujeito ativo pode coincidir ou ser distinto do sujeito que

é titular da receita tributária. Titular da receita pode ser o Estado (a administração

central), as Regiões Autónomas (administração regional), as Autarquias locais (a

administração local) ou qualquer entidade pública de base não territorial. A

referência à representação abre a possibilidade de a exigência do tributo ser efetivada

por uma entidade pública diferente do sujeito ativo ou até por uma entidade privada.

b. Segundo o n.º3 do mesmo artigo 18.º LGT

«[o] sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização

de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da

prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável».

Este artigo contém um conceito-quadro de Sujeito Passivo, o qual tem de ser

definido, em cada caso pela lei respetiva. O conceito de sujeito passivo é mais amplo

do que o adotado pelo artigo 18.º, n.º3 LGT. Podemos definir sujeito passivo quem,

nos termos da legislação tributária, está obrigado ao cumprimento de uma prestação

tributária, de natureza material ou formal. Pode tratar-se de uma pessoa singular ou

coletiva, de uma entidade constituída segundo os requisitos legais ou em desrespeito

destes, de um património, de uma organização de facto ou de direito ou de qualquer

outro agrupamento de pessoas, consoante a previsão legal. A densificação legal deste

conceito, em cada código de imposto ou lei procedimental, deve ser o mais ampla

possível para atingir os sujeitos que se encontrem na mesma situação material, de

modo a evitar comportamentos elisivos ou abusivos. Em contrapartida, não adquire

a qualidade de sujeito passivo quem suporte o encargo do tributo por repercussão e

não tenha direitos nem deveres perante o sujeito ativo, deva prestar informações

sobre assuntos tributários de terceiros, exibir documentos, emitir laudo em processo

administrativo ou judicial ou permitir o acesso a imóveis ou locais de trabalho (n.º4

do artigo 18.º LGT).

c. Categorias de sujeitos passivos: no nosso ordenamento, encontramos diversas

categorias de sujeitos passivos, umas tradicionais e ainda uma nova categoria. São

categorias de sujeitos passivos que remontam à criação da doutrina da relação jurídca:

i. O contribuinte;

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ii. O substituto;

iii. O substituído;

iv. O responsável tributário.

Todas as restantes categorias jurídicas, mencionadas por lei ou pela doutrina

portuguesa, se reconduzem às enunciadas. Devedor de imposto é o sujeito passivo.

Só o fenómeno da repercussão tributária implica um conceito diferente, o conceito

de contribuinte de facto, o qual é um conceito não jurídico, porque extrapola a

relação jurídica tributária e não atribui direitos nem deveres. Portanto, o contribuinte

de facto não é um sujeito passivo. Todavia, o nosso artigo 18.º, n.º4, alínea a) LGT,

depois de afirmar que não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por

repercussão legal, atribui-lhe o direito de reclamação, recursão, impugnação ou de

pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias (Lei n.º55-A/2010, 31

dezembro). Ou seja, reconhece legitimidade processual ativa ao consumidor final ou

adquirente de serviços para reclamar administrativamente ou impugnar

judicialmente o ato tributário. Isto significa que o consumidor final ou adquirente

dos serviços de IVA é um sujeito passivo no nosso ordenamento jurídico; é tratado

como contribuinte, não como contribuinte de facto. Ao contrário do que se afirma

no artigo 18.º, n.º4, alínea a) LGT, no nosso ordenamento, a repercussão legal

implica que quem a suporta é sujeito passivo (repercussão legal é a que existe no

IVA), e só a repercussão fática, não prevista na lei, é que não atribui legitimidade

procedimental e processual a quem suporte o encargo do imposto. As diferentes

categorias de sujeitos passivos, tal como o próprio conceito de sujeito passivo, são

jurídicas, no sentido em que todas elas se enquadram na relação jurídica tributária.

Assim, contribuinte e substituto tributário podem ser designados de sujeito passivo

originário, quando existe um responsável tributário subsidiário. A estas se juntaram

recentemente os promotores de esquemas de planeamento fiscal agressivo

(Decreto-Lei n.º29/208, 25 fevereiro), que não se submetem a nenhuma das

categorias anteriores.

d. Contribuinte, substituto e substituído tributário:

i. Contribuinte: é o sujeito passivo obrigado por lei a pagar tributos ou

outros encargos legais a estes associados. Teria sido preferível o artigo 18.º

LGT utilizar o termo contribuinte a contribuinte direto, o qual introduz

alguma confusão e é redundante.

ii. Substituto tributário: é um sujeito que, por imposição da lei, está obrigado

a cumprir prestações materiais e formais da obrigação tributária em lugar

do contribuinte (artigo 20.º, n.º1 LGT). Este último é o substituído.

No nosso ordenamento, a substituição tributária é efetivada, fundamentalmente,

através do dever de retenção na fonte do tributo (artigo 20.º, n.º2 LGT), a título

definitivo ou por conta, por ocasião de um pagamento a outra pessoa, e do dever de

entrega dos montantes retidos ao tesouro público. A entrega de tributo por parte do

substituto ao disco, sem ter existido a necessária retenção do mesmo, confere direito

de regresso por parte do substituto em relação ao substituído, a exercer nos termos

da lei civil. O tributo retido e pago pelo substituto, ainda que indevidamente, é

considerado como tendo sido pago em nome e por conta do substituído. As

retenções na fonte surgiram como um meio de prevenir a evasão fiscal. O fisco

recorre a uma entidade privada, devedora de rendimentos e com contabilidade

organizada (de modo a permitir o controlo das retenções e entrega do imposto

retido por parte do fisco), para o auxiliar a liquidar e cobrar receitas fiscais. Recaem

normalmente deveres de retenção na fonte sobre as entidades empregadoras, as

entidades que pagam serviços, as entidades financeiras que pagam rendimentos de

capital. Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do

exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se

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que o exercício destas funções no interesse público, não restringe

desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é

inconstitucional. Os regimes fiscais desde os anos noventa do século XX, com a

livre circulação de capitais, têm aumentado os deveres de cooperação dos sujeitos

passivos, incluindo os deveres dos substitutos tributários a quem são pedidas

prestação de informações ou deveres de comunicação (deveres que são inerentes ao

exercício da atividade económica privada e que não são contrários ao princípio da

proporcionalidade). Apesar de o artigo 20.º, n.º2 LGT identificar a substituição

tributária com a retenção na fonte, aquela também apresenta a substituição tributária

com a retenção na fonte, aquela também apresenta outras manifestações. Assim, a

substituição tributária ocorre sem retenção na fonte e com frequência, no domínio

das taxas e contribuições.

e. A responsabilidade tributária: caracterização, pressupostos e procedimento:

responsável tributário é o sujeito passivo que violou deveres legais e a quem é

exigido, na sequência dessa violação, o pagamento de uma dívida tributária de outem

(sujeito passivo originário) não atempadamente paga (artigo 22.º, n.º4 LGT). É neste

n.º4 do preceito que está descrita a figura da responsabilidade tributária. No Direito

alemão, é clara a diferença entre responsabilidade tributária (Hftung) e obrigação

tributária (Schuld), entre responsável tributário (Haftungschuldner) e obrigado

tributário (Shculdner). Pelo facto de a responsabilidade tributária ser uma

responsabilidade pela dúvida de outrem (Haftung), ela não deve ser reconduzida à

responsabilidade civil. Por outro lado, a responsabilidade tributária não é uma

responsabilidade criminal. Também pode existir responsabilidade criminal relativa

ao não pagamento de uma dívida de outrem, mas os pressupostos de ambas as

responsabilidades são distintos e têm de ser averiguados na legislação respetiva. Ao

contrário do que pretende o n.º2 do artigo 22.º LGT, a exigência do pagamento da

dívida ao sujeito passivo originário (ou seja, ao contribuinte) não corresponde à

figura da responsabilidade tributária, mas ao cumprimento da obrigação de imposto.

Assim, o artigo 22.º LGT trata sob a figura da responsabilidade, duas realidades:

i. Uma mais ampla, a da obrigação tributária (artigo 22.º, n.º2, 1.ª parte

LGT); e

ii. A da responsabilidade tributária.

No nosso regime, sempre que a legislação tributária não estabeleça expressamente

uma responsabilidade solidária entre os sujeitos passivos, a responsabilidade é

subsidiária (artigo 22.º, n.º4 LGT). Solidariedade e subsidiariedade têm o significado

do Direito Civil. Enquanto na solidariedade, a autoridade tributária pode escolher o

património de um dos sujeitos passivos responsáveis para saldar toda a dívida, na

responsabilidade subsidiária, a autoridade tributária tem de respeitar uma hierarquia.

i. Primeiro, tem de executar o património do responsável primário (substituto) – v.g.

artigo 28.º, n.º3 LGT – ou do obrigado tributário (substituído) – v.g., artigo 28.º,

n.º2 LGT –; e,

ii. Na sua ausência ou insuficiência, pode executar o património do sujeito referido na lei

(que pode ser o substituto, como no caso da responsabilidade de órgãos

sociais).

Em regra (salvo norma especial), quando os pressupostos da responsabilidade

tributária se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente

responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária. A responsabilidade abrange

toda a dívida tributária, os juros, multas e demais encargos legais (mas a lei pode

estabelecer o contrário). A responsabilidade solidária efetiva-se por reversão do

processo de execução fiscal (artigo 23.º, n.º1 LGT). A reversão contra o responsável

subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor

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principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão

(artigo 23.º, n.º2 LGT).

f. Casos de responsabilidade tributária previstos na lei:

i. Responsabilidade do titular de estabelecimento individual de responsabilidade limitada:

pelas dívidas fiscais do estabelecimento individual de responsabilidade

limitada respondem apenas os bens a estes afetos (artigo 25.º, n.º1 LGT).

Mas, nos termos do n.º2 do mesmo artigo, em caso de falência do

estabelecimento individual de responsabilidade limitada por causa

relacionada com a atividade do seu titular, responderão todos os seus bens,

salvo se ele provar que o princípio da separação patrimonial foi

devidamente observado na sua gestão. Trata-se da avaliação da culpa

funcional: se o titular do estabelecimento dissipou património do mesmo,

sem cuidas das dívidas tributárias.

ii. Responsabilidade tributária dos liquidatários das sociedades: nos termos o artigo

26.º LGT, os liquidatários das sociedades podem ser responsáveis

tributários, a título pessoal e solidário, se, em caso de liquidação de qualquer

sociedade, não começarem por satisfazer as dívidas tributárias. Todavia,

essa responsabilidade fica excluída em caos de dívidas da sociedade que

gozem de preferência sobre as dívidas tributárias. Quando a liquidação

ocorra em processo de insolvência, devem os liquidatários satisfazer as

dívidas tributárias em conformidade com a ordem prescrita na sentença de

verificação e graduação dos créditos nele proferida.

iii. Responsabilidade de gestores de bens ou direitos de não residentes: nos termos do

artigo 27.º, n.º1 LGT, os gestores de bens ou direitos de não residentes sem

estabelecimento estável em território português são solidariamente

responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e

impostos do não residente relativos ao exercício do seu cargo. Explica o

n.º2 do mesmo artigo, que se trata das pessoas singulares ou coletivas que

tenham a direção de negócios de entidade não residente em território

português, agindo no interesse e por conta dessa entidade. Este regime é

explicável pela dificuldade em executar o património do não residente, em

caso de dívida fiscal.

iv. Responsabilidade em caso de substituição tributária: o artigo 28.º LGT regula a

responsabilidade tributária em caos de substituição tributária. Vimos

anteriormente que o substituto tributário pode ser responsável pelo

pagamento da dívida tributária do substituído. Tal responsabilidade ocorre

se forem violados os seus deveres de substituto tributário. Recorde-se que

o substituto tem dois deveres complementares, mas autónomos: Trata-se

dos:

1. Dever de retenção; e

2. Dever de entrega do imposto;

E, por isso. A violação do dever pode ocorrer em relação a só um deles ou

em relação a ambos. Temos de distinguir as situações seguintes, consoante

se trate de retenção por conta ou de retenção a título definitivo:

3. Não retenção na fonte do imposto por conta e consequente não

entrega do imposto;

4. Retenção na fonte por conta mas não entrega do imposto;

5. Não retenção a título definitivo e consequente não entrega do

imposto.

Quando o dever de retenção tenha caráter de retenção por conta do tributo

devido a final, e o tributo não tenha sido retido, cabe ao substituído a

obrigação de pagar o tributo não retido, e ao substituto a responsabilidade

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subsidiária. A razão de ser deste regime reside no facto de o substituído ser

o contribuinte e no caso em apreço, o substituído recebeu o seu rendimento

bruto, uma vez que este não foi objeto de retenção na fonte. Cabe portanto

ao contribuinte satisfazer a obrigação de imposto. Todavia, caso a

administração tributária verifique que o património do substituído é

inexistente ou insuficiente para pagar toda a dívida tributária, nos termos

do artigo 23.º, n.º2 LGT e 153.º, n.º2 CPPT, o substituto será responsável

subsidiário, pois violou o seu dever de retenção. Verificando-se a situação

de responsabilidade, o substituto é também responsável por juros

compensatórios, desde o termo do prazo de entrega dos montantes que

deveriam ter sido retidos, até à data em que se efetivar o pagamento ou até

ao termo do prazo para o pagamento do tributo pelo substituído. Se o dever

de retenção por conta foi cumprido, mas o montante não foi entregue, o

substituído contribuinte fica desobrigado de qualquer obrigação. Subjacente

a este regime, existe a presunção de que o substituído não sabe nem tem a

possibilidade de saber se o montante retido foi entregue ao fisco. O

substituto apenas sabe que o montante devido foi retido, e portanto fica

liberto de quaisquer obrigações relacionadas com a retenção. Isto significa

que o substituto tributário é o único responsável pelo imposto retido e não

entregue por ele. Na relação entre substituído e substituto, trata-se de uma

responsabilidade objetiva, não sendo possível demonstrar que houve

alguma razão para a não entrega do imposto. Entende-se que o substituto

reteve montantes que não são propriedade sua, mas do sujeito ativo, e por

conseguinte, não há justificação para a aplicação dos montantes a outras

finalidades. No caso do dever de retenção com caráter definitivo, se o

tributo não tiver sido retido, a solução é diferente da que vimos ser aplicável

à não retenção por conta. No caso de retenção definitiva, cabe ao substituto

a responsabilidade solidária pelo pagamento do tributo não retido e

respetivos juros compensatórios. A responsabilidade é solidária, porque em

caso de retenção definitiva, é mais difícil a autoridade tributária recuperar o

montante devido junto do substituído. Essa dificuldade pode ocorrer por

duas razões:

1. Se o substituído for residente, ele não tem que englobar os

rendimentos retidos na fonte a título definitivo, não tem que incluí-

los na declaração anual de imposto, o que significa que pode ser

difícil ao fisco obter a receita devida executando o património do

substituído. Por outras palavras, existe um risco de dissipação do

património por parte do substituído, no caso de (falta de) retenção

definitiva. Daí se justificar a responsabilidade subsidiária, cabendo

ao fisco escolher entre a execução do património do substituído ou

do substituto, ponderando quais as melhores probabilidades de

recuperação da dívida devida.

2. Se a retenção definitiva incidir sobre o rendimento de não residente,

será difícil senão mesmo impossível recuperar o montante devido

junto do substituído não residente. Existem poucos tratados para

o auxílio a cobrança entre Estados. Existe, na verdade, uma

Diretiva europeia a prever tal auxílio, a aplicar entre os Estados

Membros da União Europeia, mas será muito mais fácil, em grande

parte dos casos, executar o património do substituto residente em

território português do que iniciar o procedimento burocrático e

oneroso de auxílio a cobrança por parte de uma entidade congénere.

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Em qualquer dos casos, é possível ao substituto exercer o seu direito de

regresso, ao abrigo das normas de Direito Civil, junto do substituído. Mas

o Direito Fiscal desvincula-se desta questão. Pode também acontecer que a

retenção do tributo tenha sido apenas parcial em relação ao montante

devido. Neste caso, clarifica a lei que a obrigação ou a responsabilidade

referidas anteriormente dizem respeito ao pagamento da diferença entre as

importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efetivamente o

foram.

v. A responsabilidade dos corpos sociais e responsáveis técnicos de sociedades de

responsabilidade limitada, cooperativas e empresas públicas: a responsabilidade dos

corpos sociais e responsáveis técnicos de sociedades de responsabilidade

limitada, cooperativas e empresas públicas é um caso específico de

responsabilidade do substituto tributário (artigo 24.º LGT). Os gestores de

direito ou de facto de pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são

subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si

pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no

período em que exerceram o cargo, ou pelas dívidas cujo prazo legal de

pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo,

consoante o caso, se tomaram a decisão de não pagamento da mesma ao

fisco, ou participaram em tal decisão. Se o facto constitutivo das dívidas

tributárias se verificou no período em que exerceram o cargo e o prazo legal

de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, tem de ser provado

que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se

tornou insuficiente para a sua satisfação por culpa sua. Não existe uma

presunção de culpa, se o prazo legal de pagamento ou entrega terminoou

depois do exercício do cargo. Ou seja, na dúvida, o ónus da prova funciona

a favor do gestor (substituto). Esta solução faz sentido, pois, se o gestor já

não exercia o cargo quando terminou o prazo legal de pagamento, a

probabilidade é que a insatisfação da dívida se deveu ao gestor que exercia

o cargo quando o referido prazo terminou. Por isso, e em contrapartida,

existe uma presunção de culpa dos gestores pelas dividas tributárias cujo

prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do

exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a

falta de pagamento: ou seja, em caso de dúvida, o ónus da prova funciona

contra o gestor (substituto). Esta responsabilidade aplica-se aos membros

dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas coletivas

em que os houver, bem como aos técnicos oficiais de contas, desde que se

demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou do

incumprimento das suas funções de fiscalização. É importante perceber que

a culpa de que trata este artigo nada tem a ver com um juízo de mérito do

gestor mas com uma culpa funcional: cumpriu ou não os deveres tributários

e tinha ou não competência legal ou factual para tal. Além disso, na

averiguação da culpa funcional, deve ter-se em conta o erro desculpável, o

estado de necessidade, a situação de impossibilidade absoluta ou o

consentimento da instituição credora. Esta responsabilidade tributária

subsidiária, aplica-se em relação a quaisquer impostos devidos pela pessoa

coletiva ou ente fiscalmente equiparado. No caso das retenções, temos um

responsável (gestor) subsidiário do responsável substituto (sociedade ou

entidade equiparada) ou sub-responsável tributário. Assim, nos termos do

artigo 24.º LGT:

«1. Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam,

ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas

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coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis

em relação a estas e solidariamente entre si:

«a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado

no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento

ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos

casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva

ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua

satisfação;

«b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega

tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não

provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

«2. A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos

órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas coletivas em

que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres

tributários destas resultou do incumprimento das suas funções de

fiscalização;

«3. A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos técnicos de

contas desde que se demonstre a violação dos deveres fiscais de assunção de

responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal

ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus

anexos».

vi. A responsabilidade tributária e culpa: a responsabilidade tributária por dívida de

outrem não é responsabilidade objetiva, existindo normalmente uma

presunção legal de culpa: v-g-, o artigo 23.º, n.º4 LGT. Porém, no nosso

ordenamento, o ónus da prova pode correr contra o substituto-responsável

tributário (artigo 24.º, n.º1, alínea b) LGT), o que tem provocado discussões

doutrinárias quanto à severidade do regime, perante a generalizada

passividade da jurisprudência. Por outro lado, embora pareça existir uma

responsabilidade objetiva na relação entre substituto e substituído, prevista

no artigo 28.º LGT, deve entender-se que a culpa do substituto tem de ser

apurada. O mesmo se aplica a todos os casos de responsabilidade tributária

previstos na LGT:

1. Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos (artigo

24.º LGT);

2. Responsabilidade do titular do estabelecimento individual de responsabilidade

limitada (artigo 25.º, n.º2 LGT);

3. Responsabilidade dos liquidatários das sociedades (artigo 26.º LGT); e,

4. Responsabilidade dos gestores de bens ou de direitos de não residentes (artigo

27.º LGT)

Existe culpa para efeitos de responsabilidade tributária, se, por exemplo, foi

cometido crime ou contraordenação de abuso de confiança fiscal (artigos

105.º e 114.º RGIT) ou de fraude fiscal (se foram ocultados, viciados ou

alterados dados fiscalmente relevantes – artigos 103, 113.º e 118.º RGIT).

A condenação em sede de RGIT significa a culpa também para efeitos de

responsabilidade tributária. Mas na ausência de um crime ou

contraordenação fiscais, cabe ainda averiguar se houve alguma razão que

justifique a não entrega do imposto e que afaste a responsabilidade

tributária. Em regra, a averiguação do responsável tributário implica os

seguintes passos:

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1. A identificação do responsável pela decisão de não cumprir o

dever tributário de retenção e/ou entrega do tributo

(competência pelo risco do incumprimento);

2. A culpa deve ser averiguada tendo em conta os deveres de

diligência, e a relação existente entre o presumível

responsável e o sujeito passivo originário: no caso das

sociedades, para se apurar o cumprimento dos deveres de diligência,

deve-se começar por indagar acerca da boa organização da

sociedade e por saber se essa organização lhe permite cumprir

devidamente as suas obrigações tributárias ou se é defeituosa. Se

existir uma organização empresaral defeituosa, estaremos perante

um caso de culpa da sociedade para efeitos de responsabilidade

tributária. Se não existir uma organização empresarial defeituosa,

cabe averiguar por que razão não foram pagos os tributos devidos.

Relativamente a este segundo passo, os casos mais complexos são o da

responsabilidade tributária no caso do IVA cobrado e não entregue ao

Estado e o da responsabilidade tributária no caso do IRS retido e não

entregue. Em ambos os casos, existe uma presunção de culpa (o ónus da

prova objetivo funciona em desfavor do substituto) e é muito difícil

justificar a não entrega de montantes cobrados ou retidos, dado que estes

não são propriedade do substituto e este deve ser diligente para que os

montantes devidos sejam entregues ao fisco dentro do prazo legal. Porém,

na apreciação dos deveres de diligência, há que ter em conta que decorre

um período entre a retenção e a entrega, e durante o qual o particular

substituto não deve ser visto como um fiel depositário dos montantes

cobrados, ao contrário do que parece ser o entendimento (implícito) da

jurisprudência. Isto é, dada a sua fungibilidade, os montantes cobrados ou

retidos podem ser movimentados durante esse período, e a lógica

empresarial isso recomenda. Para efeitos de apuramento da culpa na

responsabilidade tributária, por violação dos deveres de entrega, se a

mencionada organização empresarial for adequada ao cumprimento dos

deveres tributários, a averiguação da diligência implica ainda o risco

envolvido nas movimentações ocorridas entre o momento da cobrança ou

retenção e o prazo de entrega dos impostos. O risco assumido pode

significar no caso concreto, uma menor ou insuficiente diligência. Trata-se

de uma questão de grau. Isto é, nestas ponderações, deve prevalecer o

máximo dever de diligência para com os montantes cobrados ou retidos e

a entregar ao Estado, dado que tais montantes não foram gerados no

quadro da atividade empresarial da entidade que os cobra ou retém, mas

derivam das suas obrigações tributárias. Por isso se entende que só tem

casos extremos deve ser afastada a culpa do particular que cobrou IVA,

bem como do substituto que reteve IRS: poderia isso acontecer, se os

montantes tiverem sido depositados numa instituição financeira que declara

insolvência contra todas as previsões sérias. Ou se o substituto tiver

aplicado os montantes a pagamentos de fornecedores porque tem um

crédito cujo recebimento implica um risco praticamente nulo. Uma outra

situação diz respeito à não retenção na fonte e não entrega de imposto,

como forma de assegurar o pagamento de salários dos trabalhadores, numa

situação de crise (ou retenção mas não entrega com a referida justificação).

Neste caso, é difícil aceitar a referida justificação (ponderação entre o dever

constitucional de pagar impostos – artigo 103.º, n.º1 e 2 e 104.º CRP – e o

dever constitucional da retribuição do trabalho – artigo 59.º, n.º1, alínea a)

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CRP –, tendo prevalecido este), pois, se se tratar de uma crise económica e

financeira pública, a cobrança dos tributos prevalece sobre o pagamento

dos salários privados; e na situação de crise da sociedade ou pessoa coletiva,

as regras de concorrência ditam a insolvência da sociedade. Finalmente, no

caso de falhar a entrega do IRC da própria sociedade, por insuficiência ou

inexistência de património, a solução encontrada pela lei fiscal é a de

arranjar um responsável tributário, caso haja dissipação de património, mas

sem consequências criminais ou contra-ordenacionais.

vii. A averiguação da culpa dos gestores e responsáveis técnicos: assim, surge como

situação especial, a da responsabilidade subsidiária dos gestores e dos

responsáveis técnicos, prevista no artigo 24.º LGT (a referida sub-

responsabilidade). Aqui é necessário juntar um terceiro passo aos dois

passos anteriormente referidos:

1. Isto é, averiguação da culpa torna necessário indagar porque razão o património

da sociedade se tornou insuficiente ou inexistente para pagar a dívida de imposto :

ou seja, cabe saber se o gestor ou responsável técnico contribuíram

para essa insuficiência ou inexistência1;

2. A culpa implica saber se o gestor teve um comportamento diligente com vista a

assegurar o cumprimento de todos os deveres fiscais da sociedade: não implica

um julgamento de mérito sobre o exercício de boas ou más funções

de gestor, no sentido do Direito Privado.

A responsabilidade dos gestores pode ocorrer em três situações possíveis:

1. O património da sociedade não ser suficiente ou ser inexistente

para pagar a dívida de IVA cobrado e não entregue;

2. O património da sociedade não ser suficiente ou ser inexistente

para pagar a dívida do IRS ou dos montantes para a segurança

social retidos;

3. Ou o património da sociedade não ser suficiente ou inexistente

para pagar a dívida do IRC da sociedade.

Para o apuramento da culpa dos gestores, cabe:

1. Identificar o responsável pela decisão de não cumprir o dever

tributário de retenção e/ou entrega do tributo (competência

pelo risco do incumprimento);

2. O cumprimento dos deveres de diligência, tendo em conta a

relação existente entre o presumível responsável e a

deliberação da sociedade por um lado;

3. E entre esse presumível responsável e o sujeito passivo

originário, por outro.

No caso do IRC da sociedade, existe culpa dos gestores para efeitos de

responsabilidade tributária, se a não entrega do imposto foi acompanhada

de crime ou contra-ordenação fiscal (artigos 103.º a 107.º, 113.º, 114.º, 118.º,

119.º a 123.º RGIT). Mas, além disso, mesmo na ausência destes, os deveres

de diligência do gestor em relação ao cumprimento dos deveres tributários

da sociedade têm que ser tidos em conta para efeitos de responsabilidade

tributária. Cabe por isso averiguar:

3. Se a insuficiência ou inexistência do património societário

para pagamento da dívida de IRC, se deveu a aplicações

arriscadas desses montantes a outros credores ou finalidades;

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4. Ou se, pelo contrário, o risco dessas aplicações era pequeno

ou quase inexistente.

A culpa dos gestores é, neste caso, uma culpa individual funcional e não

societária, pelo que entendemos que o pagamento dos salários dos

trabalhadores pode justificar a não reversão da execução fiscal, relativa à

cobrança do IRC, contra o património individual dos gestores envolvidos

na deliberação. Já no que diz respeito ao IVA cobredo e montantes retidos

de IRS e de contribuições para a segurança social, o juízo de culpa, é mais

severo, pelas razões apontadas anteriormente, a propósito da

responsabilidade do substituto. Nestes casos, entende-se que só

excecionalmente pode ser afastada a culpa dos gestores, ou seja, em casos

em que o risco corrido era muito reduzido ou quase nulo. No caso dos

responsáveis técnicos, cabe-lhes assegurar o respeito pela lei civil ou fiscal.

Se tiver havido violação dos deveres de entrega e de cooperação por parte

dos gestores da sociedade, cabe aos responsáveis técnicos revelar tais factos,

desde que devam tomar conhecimento deles na tarefa de certificação de

contas das sociedades ou pessoas coletivas que auditarem, Os responsáveis

técnicos podem também ser responsabilizados por falsas declarações fiscais,

se as subscreverem dolosamente.

viii. Outras situações que poderiam conduzir a responsabilidade tributária: outras

situações de responsabilidade tributária poderiam ter sido cobertas pela

nossa legislação, mas não o foram até agora: é o caso da responsabilidade

do substituto por registo incorreto na contabilidade. A nossa lei não prevê

uma solução de responsabilidade tributária quanto à diferença resultante

entre o montante de tributo que o substituído deveria ter pago sobre estes

montantes e o montante de tributo efetivamente pago. Isto significa que só

o substitutído está obrigado a pagar a diferença referida. Também não está

prevista expressamente:

1. A responsabilidade tributária dos sócios de sociedades de responsabilidade

ilimitada;

2. A responsabilidade de co-titulares de patrimónios autónomos e outros

conjuntos de bens sem personalidade jurídica;

3. A responsabilidade tributária dos representantes legais e dos procuradores pelo

não cumprimento das obrigações tributárias que recaem sobre os seus

representados, se não tiverem cumprido essas obrigações;

4. A responsabilidade em caso de comparticipação em infração tributária, pelas

dividas tributárias a ela associadas;

5. A responsabilidade por impostos indiretos não é mencionada na LGT, embora

ela esteja prevista no IVA, nomeadamente por via do Tribunal da Justiça da

União Europeia.

g. Os promotores e utilizadores de esquemas de planeamento fiscal agressivo:

o Decreto-Lei n.º 29/2008, 25 fevereiro, vem criar uma nova categoria de sujeitos

passivos (s promotores e utilizadores de esquemas de planeamento fiscal agressivo),

sobre os quais recai o dever de comunicação ao diretor-geral dos impostos de

esquemas ou atuações de planeamento fiscal. É promotor qualquer entidade com

ou sem personalidade jurídica, residente ou estabelecida em qualquer circunscrição

do território nacional, que, no exercício da sua atividade económica, preste, a

qualquer título, com ou sem remuneração, serviços de apoio, assessoria,

aconselhamento, consultoria ou análogos no domínio tributário, relativos à

determinação da situação tributária ou ao cumprimento de obrigações tributárias de

clientes ou de terceiros (artigo 5.º, n.º1 DL 29/2008). O n.º2 do mesmo artigo 5.º

enumera exemplos de promotores:

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i. As instituições de crédito e demais instituições financeiras;

ii. Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de

contas;

iii. Os advogados, as sociedades de advogados, os solicitadores e as

sociedades de solicitadores;

iv. Os técnicos oficiais de contas e outras entidades que prestem

serviços de contabilidade.

Um promotor deve comunicar os esquemas ou atuações de planeamento fiscal

quando tenha participado ou colaborado na respetiva conceção ou proposta ou

acompanhado a sua preparação, adoção ou implementação. Sempre que o esquema

ou atuação de planeamento fiscal não tenha sido objeto de proposta ou

acompanhamento por um promotor, ou o promotor não seja residente ou não esteja

estabelecido em território português, compete ao próprio utilizador proceder à sua

cominação ao diretor geral dos impostos.

h. A sucessão tributária: em regra, os créditos e obrigações tributárias não são

transmissíveis entre vivos. Todavia, existe transmissão das obrigações tributárias em

caso de sucessão universal por morte, tal como prevista no artigo 29.º, n.º2 LGT.

Esta transmissão pode corresponder a obrigações tributárias originárias ou

subsidiárias, o que significa que cobre a responsabilidade tributária.

3. Prestação tributária e deveres de cooperação: a prestação tributária não é apenas a

prestação de pagamentos do tributo. Ela abrange prestações materiais e formais: a obrigação

de um sujeito passivo pagar tributos, de reter e entregar tributos por conta de outrem, de

responder por uma obrigação de outrem, de apresentar declarações dentro dos prazos legais,

de prestar um esclarecimento sobre a sua situação tributária e de proporcionar à

administração tributária os dados e informações relacionados com o facto tributário, de

prestar uma caução, de organizar a contabilidade e a escrita, ou de qualquer outra. O seu

incumprimento, consoante a sua gravidade, dá origem a sanções nos termos do RGIT. Os

deveres de cooperação e colaboração dos sujeitos passivos estão no centro das prestações

tributárias. Sem o seu correto cumprimento não é possível tributar o rendimento real, não é

possível aplicar os métodos diretos, não é possível arrecadar a receita do IVA. O

cumprimento dos referidos deveres é também atualmente exigido pelos padrões

internacionais de troca de informações entre autoridades tributárias, com o auxílio à

cobrança entre essas autoridades (OCDE e União Europeia).

4. Constituição, alteração e extinção da relação jurídica tributária:

a. Noções introdutórias: a relação jurídica tributária é uma relação de Direito Público,

complexa, composta por diversos procedimentos tributários e exemplificados pelo

artigo 54.º, n.º1 LGT. Os restantes procedimentos podem ser acessórios ou

complementares ao objetivo de cobrança do tributo (avaliação de rendimentos ou

valores patrimoniais, reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais), e podem

destinar-se a colaborar com o fisco (ações de informação), ou ser pressupostos de

uma tributação segundo o rendimento real (ações de fiscalização tributária). Eles

incluem um conjunto de deveres de cooperação ou de colaboração, que são

essenciais à determinação do rendimento real do contribuinte ou a uma cobrança

efetiva do IVA. Também há procedimentos que disciplinam os litígios entre o

sujeito passivo e o fisco (revisões, reclamações e recursos hierárquicos) e o

reconhecimento de ilegalidades pela própria administração tributária (revisão

oficiosa).

b. Tatbestand sistemático de imposto: o tatbestand sistemático de imposto é o

conjunto de pressupostos que a lei deve descrever para que ocorra a obrigação

tributária principal. Isto significa que o Tatbestand sistemático corresponde ao

conjunto de elementos essenciais da relação jurídica tributária e que podem

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resultar na pretensão material. Este conceito remonta à noção de Tatbestand de

Hensel:

«conjunto dos pressupostos abstratos contidos nas normas fiscais materiais, cuja

concretização (concretização do Tatbestand) dá origem a determinadas

consequências jurídicas»;

ou «imagem da relação obrigacional fiscal concreta». O Tatbestand sistemático de imposto

tem funções de organização do Direito Fiscal. Ele abrange os elementos indiciadores

de capacidade contributiva, cuja verificação é necessária para o apuramento do

montante de imposto a pagar (tal como encontramos em Albert Hensel). O

Tatbestand sistemático está relacionado com a arrumação e juridificação da relação

de impostos, e permite uma linguagem comum do Direito Fiscal, nos vários

ordenamentos (pluralismo jurídico), no Direito Fiscal Internacional e no Direito

Fiscal da União Europeia. Esses elementos correspondem aos que atualmente

encontramos em qualquer manual de Direito Fiscal, enumerados como elementos

constitutivos da relação obrigacional fiscal, e submetidos a reserva de lei:

i. Lado pessoal do tatbestand: o sujeito ativo e o sujeito passivo;

ii. O lado material do tatbestand: o facto tributário;

iii. O cálculo da matéria tributável ou apuramento do valor fiscal (ainda

designado de liquidação);

iv. A taxa ou alíquota de imposto, coleta e deduções à coleta.

A identificação dos elementos essenciais do Tatbestand tem como funções principais

sistematizar a obrigação jurídica de imposto, orientar o procedimento tributário e

também densificar a reserva de lei. O Tatbestand sistemático orienta o procedimento

de liquidação dos tributos quando efetuado pela administração (artigo 44.º, n.º1,

alínea b) CPPT) bem como a autoavaliação do sujeito passivo; e orienta a

administração e os tribunais na sua função de controlo da aplicação da lei, no

confronto do caso individual com as disposições normativas ou grupo de

disposições normativas: o Tatbestand é o ponto de partida para a interpretação da lei

e o tribunal não pode formular novos Tatbestände. Os elementos essenciais

constitutivos de cada Tatbestand de imposto devem constar de lei formal

(parlamentar, Decreto-Lei autorizado ou Decreto-Legislativo regional), e os órgãos

de aplicação da mesma podem (e devem) referir-se ao Tatbestand legal: neste sentido,

o Tatbestand desempenha a função de garantia e não coincide totalmente com o

Tatbestand sistemático. Ele é mais restrito do que o Tatbestand sistemático porque

algumas normas relacionadas com a base tributária, nelas incluídas as que impõem

deveres acessórios aos sujeitos passivos, e especialmente de cobrança, sempre que

não estejam relacionadas com o apuramento do montante de imposto a pagar, fazem

parte do Tatbestand sistemático, mas não já do de garantia. À soma dos pressupostos

da tributação, incluindo os benefícios fiscais e normas das convenções de dupla

tributação, e isenções ou créditos de imposto resultantes da aplicação dessas

convenções, podemos designar Tatbestand conjunto ou total, mas optamos por

reconduzi-lo a um Tatbestand sistemático alargado. Podemos também identidicar

cada categoria de imposto pelos seus próprios elementos caracterizadores, e assim

contribuir para a estruturação do Direito Fiscal.

c. Constituição da relação jurídica tributária: segundo o artigo 36.º, n.º1 LGT, a

relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário, isto é, pelo

preenchimento fático dos pressupostos legais, com a subsunção do facto

(rendimento, prestação de serviços, venda de bens, importações ou aquisições

intracomunitárias, aquisição ou detenção do património) à lei. O referido preceito

trata da relação jurídica tributária principal, a que se destina ao apuramento e

cobrança do tributo. O facto tributário é o objeto do tributo e um dos elementos do

Tatbestand sistemático, e tal como os restantes elementos, ele tem de estar previsto

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na lei. Essa sujeição a reserva da lei (artigo 103.º, n.º2 CRP) significa uma aplicação

vinculada por parte da administração tributária e dos tribunais. Além disso, a

ocorrência do facto tributária e restante preenchimento do Tatbestand sistemático

estão frequentemente associadas, no Direito Fiscal contemporâneo, a uma aplicação

da lei pelo próprio sujeito passivo, como vimos. A discussão sobre se a obrigação

tributária nasce com o ato administrativo de determinação da matéria tributável ou

da lei, desenvolvida por Alberto Xavier, no seu Conceito de Natureza do Acto Tributário

(1972), e de forte influência italiana, está hoje ultrapassada. O que é relevante é

assegurar a possibilidade de defesa do sujeito passivo contra ilegalidades cometidas

pelo Fisco, e essa defesa é garantida pela Constituição (artigo 268.º, n.º4 CRP e artigo

9.º, n.º2 LGT), podendo ser objeto de reclamação, recurso ou impugnação judicial.

d. Alteração dos elementos essenciais da relação jurídica tributária e o exemplo

dos preços de transferência e dos acordos prévios vinculativos: pelo facto de a

relação jurídica tributária nascer do preenchimento sucessivo do Tatbestand

sistemático, decorre, nos termos do n.º2 do mesmo artigo 36.º LGT, que os

elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por

vontade das partes (princípio da indisponibilidade do imposto). Na relação entre

fisco e contribuinte, como relação de Direito Público que é, não podemos referir-

nos com bom rigor a partes Devemos entender este preceito como uma decorrência

do princípio da legalidade fiscal na vertente da reserva de lei. No âmbito da

quantificação tributária, nomeadamente, na determinação da matéria tributável dos

grandes contribuintes, o apuramento do rendimento real implica frequentemente

um diálogo e por vezes até um acordo entre o fisco e esses contribuintes, dentro da

margem de livre apreciação conferida por lei. Estes acordos acontecem em especial

na determinação da matéria tributável das empresas, mais especificamente no

âmbito do IRC e nas empresas associadas, dado que as transações entre as empresas

do mesmo grupo têm de ser contabilizadas, com se de empresas independentes se

tratasse (artigo 63.º CIRC). O artigo 63.º CIRC sobre preços de transferência bem

como o regime da Portaria n.º 1446-C/2001, 21 dezembro, contêm regras de

determinação da matéria tributável de entidades que realizam operações comerciais

com outra ou outras entidades com as quais mantêm relações especiais. Quer o

regime dos preços de transferência quer o significado de relações especiais estão

definidos de forma vaga e indeterminada. Este último conceito está concretizado no

artigo 63.º, n.º4 CIRC, e trata do que podemos designar por empresas associadas. A

determinação da matéria tributável, através dos preços de transferência praticados

entre entidades com relações especiais entre si, é concretizada por ficções legais,

impondo a lei que as operações entre empresas associadas sejam tratadas como se

dissessem respeito a entidades independentes (princípio das entidades

independentes ou da plena concorrência). Os métodos que concretizam o princípio

das entidades independentes nem sempre são (os mais) adequados a uma

determinada entidade ou operação por ela conduzida. O seja, é discutível, em certas

situações, que haja um método adequado à especificidade das transações. Dada a

elevada indeterminação legal das regras sobre preços de transferência, há riscos de

correções da matéria tributável conduzidas pela administração tributária. Estas

correções que têm base legal quer no nosso ordenamento, quer nas convenções

bilaterais celebradas por Portugal, ocorrem sempre que a contabilidade não revele

os resultados em cada uma das empresas associadas e de acordo com um dos

métodos adequados ao caso. Em contrapartida, não são permitidas correções caso

as operações tenham ocorrido segundo as condições normais de um mercado

concorrencial (se ele existir). Neste quadro de indeterminação legal, e na ocorrência

de litígios entre fisco e contribuinte, a lei e o fisco promovem e utilizam métodos de

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negociação com o contribuinte, quer através da exigência legal do dossiê de preços

de transferência (artigos 63.º, n.º6 e 7 e 130 CIRC) e respetiva interpretação, quer

através dos acordos prévios sobre preços de transferência que pretendem evitar

discussões sobre o método de preços de transferência a utilizar no caso concreto

(artigo 138.º CIRC). Por seu turno, as correções dos preços de transferência podem

ocorrer em caso de utilização indevida dos mesmos resultante do facto de empresas

associadas transacionarem entre si, e desse modo transferirem lucros, gastos ou

perdas, de uma empresa para outra, nomeadamente de um ordenamento jurídico

para outro ordenamento jurídico. As correções não são correções quantitativas no

sentido restrito do termo, quando se trata de grupos multinacionais, ao contrário do

que já defendeu o STA, porque a correção da matéria tributável para mais num

Estado implica a correção simétrica para menos no outro Estado. Não estamos

portanto num quadro típico de liquidação adicional, e daí que exista um regime

específico e complexo. Os acordos entre fisco e contribuinte, nestes casos, são

importantes para evitar o prolongamento do litígio e o desfecho incerto, se o caso

for a tribunal, dada a indeterminação legal e a grande margem de livre apreciação

existente. Mas dado que todas as soluções devem ser encontradas dentro dessa

margem de livre apreciação, não se pode dizer que haja uma alteração dos elementos

essenciais da relação jurídica pelas partes. Em caso de litígio não resolvido por

acordo entre o fisco e o contribuinte, cabe aos tribunais controlar os limites internos

e externos da margem de livre apreciação e ir criando jurisprudência constante que

concretize o princípio (por tipificação).

e. A proibição de moratórias, a indisponibilidade do crédito tributário, o

princípio da igualdade e os regimes excecionais de regularização da dívida

tributária (RERTI, II e III): por outro lado, a administração tributária não pode

conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos

expressamente previstos na lei (artigo 36.º, n.º3 LGT). E nos termos dos artigos 30.º,

n.º2 e 36.º, n.º2 e 3 LGT, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se

condições para a sua redação ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade

e da legalidade. Ambos os preceitos são manifestação do princípio da

indisponibilidade do crédito tributário. Este princípio é, por seu turno, uma

decorrência dos princípios da legalidade e da igualdade. Os Regimes Excecionais de

Regularização das Dívidas Tributárias (conhecidos entre nós pelo RERT), que

foram sucessivamente introduzidos pelas leis retificantes do Orçamento para 2005,

2010, 2012, devem ser analisados à luz do artigo 30.º LGT e dos princípios

constitucionais da legalidade e igualdade. Estes regimes sucederam-se ao regime de

regularização de dívidas que oferecia um perdão dos juros de mora pelo atraso no

pagamento dos impostos, de 2002, em que o objeto anunciado era o de assegurar

um défice de 2,9%. Os três RERT aprovaram regimes de perdão fiscal (parcial) e o

regime de regularização de dívidas consistiu num perdão de juros e sanções (a

cobrança coerciva transformou-se em pagamento voluntário). Mais concretamente,

os RERT aprovaram os regimes ditos excecionais de regularização tributária de

elementos patrimoniais colocados no exterior. Podiam beneficiar destes regimes os

sujeitos passivos (residentes) titulares de elementos patrimoniais que não se

encontravam em território português em 31 Dezembro do ano anterior à entrada

em vigor dos diplomas. No RERT I os beneficiários foram só os sujeitos passivos

pessoas singulares, nos RERT II e II essa restrição não existiu. Nos três RERT, a

declaração e o pagamento produziram, relativamente aos elementos patrimoniais

constantes da declaração e respetivos rendimentos, os seguintes efeitos:

i. Extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação àqueles elementos e rendimentos,

respeitantes aos períodos de tributação que tenham terminado até 31 dezembro do ano

civil anterior à aprovação do regime;

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ii. Exclusão da responsabilidade por infrações tributárias que resultassem de condutas

ilícitas que tenham tido lugar por ocultação ou alteração de factos ou valores que devessem

constar de livros de contabilidade ou escrituração, de declarações apresentadas ou prestadas

à administração fiscal ou que a esta devessem ser revelados, desde que conexionadas com

aqueles elementos ou rendimentos;

iii. Constituição de prova bastante para os efeitos previstos no n.º3 do artigo

89.º-A LGT.

Os RERT são perdões fiscais. Estes, em princípio, são inconstitucionais por

violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva. Os

RERT são contrários ao princípio da igualdade em três situações:

i. Na extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação aos elementos e rendimentos

identificados, em comparação com os contribuintes cumpridores;

ii. Na exclusão da responsabilidade por infrações tributárias que resultem de condutas

ilícitas, em comparação com os contribuintes já submetidos, por exemplo, a procedimento

de inspeção ou a procedimento penal ou contraordenacional e que dele tenham tido

conhecimento nos termos da lei;

iii. Na constituição de prova bastante para os efeitos previstos no n.º3 do artigo 89.º-A

LGT em comparação com os contribuintes a quem este preceito tenha sido aplicado, em

idênticas circunstâncias.

Quando os Estados adotam regimes de perdão fiscal, a fiscalidade (justificação) não

pode ser a obtenção de receitas fiscais, pois esta é a finalidade regra prosseguida

pelos impostos. O que diferencia a cobrança de impostos fora de um Estado de

Direito e num Estado de Direito, é que no último existem princípios constitucionais

formais e materiais que têm de ser sempre respeitados. Assim, os perdões fiscais têm

de ser justificados por finalidades extrafiscais que no caso concreto se sobreponham

à igualdade e têm que ter aplicação excecional. As finalidades normalmente

associadas aos perdões fiscais, são a promoção do repatriamento de capitais para

efeitos de poupança e investimento em território nacional. Os perdões fiscais são

também acompanhados por reformas fiscais (tributação menos gravosa do

investimento e da poupança), de modo a evitar a repartição de comportamentos de

fuga e de capitais no futuro. Além do mais, a comparabilidade entre contribuintes

faltosos e cumpridores exige que a separação temporal entre os regimes que

estabeleçam perdões fiscais, vá muito além de cada ano ou exercício fiscal. Para

evitar a repetição de comportamentos e uma nova violação do princípio da igualdade,

defendemos que a partir da aprovação de um regime excecional de perdão fiscal, se

tenha em conta o período de prescrição das dívidas fiscais até eventual aprovação

de novo perdão fiscal.

f. A extinção da relação jurídica tributária:

i. Noções introdutórias: a relação jurídica tributária extingue-se através da:

1. Cobrança (artigos 78.º CPPT e 40.º LGT): tem as modalidades de

a. Pagamento voluntário;

b. Pagamento coercivo.

2. Caducidade da liquidação (artigo 45.º LGT);

3. Prescrição da dívida tributária (artigo 49.º LGT).

ii. As modalidades de cobrança ou pagamento: os diversos pressupostos que

constituem o Tatbestand sistemático do imposto podem resultar na

pretensão tributária. Nesse caso, o montante apurado ou liquidação deve

ser validamente notificado junto do sujeito passivo no decurso do prazo

(regra) de quatro anos (artigo 45.º, n.º1 LGT). Há duas modalidades de

cobrança ou pagamento previstas na lei:

1. A cobrança ou pagamento voluntário (artigo 84.º CPP); e

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2. A cobrança ou pagamento coercivo (artigo 163.º e seguintes CPPT).

Os termos pagamento e cobrança manifestam a mesma realidade de dois

pontos de vista diferentes, e são usados com o mesmo significado na LGT

e no CPPT.

Notificada a liquidação, a forma comum de extinção da relação jurídica

tributária é o pagamento voluntário do imposto (segundo o artigo 84.º, n.º1

CPPT), dentro do prazo e segundo as demais regras definidas em cada

Código de imposto. O pagamento voluntário é o efetuado dentro do prazo

estabelecido nas leis tributárias (artigo 84.º CPPT). E nos termos do artigo

40.º LGT, as prestações tributárias são pagas em moeda corrente ou por

cheque débito em conta, pelos serviços dos correios ou pelas instituições

de crédito que a lei expressamente autorize. Embota a lei só se refira a duas

modalidades de pagamento, a falta de pagamento dentro do prazo legal não

implica necessária e imediatamente a cobrança coerciva. Para que esta seja

desencadeada, é preciso um título executivo: certidão de dívida ou outro

título enunciado no artigo 162.º CPPT. A certidão de dívida é extraída findo

o prazo legal de pagamento voluntário, e contém todos os elementos

indentificadores necessários à cobrança da dívida (artigo 88.º CPPT). O

órgão da execução fiscal é a administração tributária (artigo 149.º CPPT),

competindo-lhe instaurar o processo (artigo 178.º e seguintes) e aos

tribunais decidir os incidentes, os embargos, a oposição e a reclamação dos

atos praticados pelos órgãos da execução fiscal (artigo 151.º CPPT). Se o

património for insuficiente para pagar a totalidade da dívida, verificando-se

um atraso no pagamento (total), começam a correr juros de mora, aos quais

acrescem outros encargos legais, a própria dívida tributária, e eventualmente,

juros compensatórios resultantes de falhas na declaração (não declaração de

todos os rendimentos, por exemplo), e coimas (artigo 40.º LGT). A

cobrança coerciva está associada à execução do património do sujeito

passivo (processo de execução fiscal), ou seja à penhora e alienação dos

bens apreendidos. Quando um sistema fiscal justo é eficiente, assenta no

bom funcionamento dos deveres declarativos e restantes deveres de

cooperação por parte do sujeito passivo, na fiscalização eficaz por parte da

administração tributária, e por conseguinte, no pagamento voluntário. A

cobrança coerciva deve ser excecional, e se não o for, revela um sistema

fiscal injusto (inadequado à realidade económica do ordenamento jurídico)

e ineficiente. Embora tenha início com a extração do título da dívida e

citação do executando (artigo 188.º CPPT), a execução fiscal materializa-se

com a penhora (artigo 215.º CPPT) e a venda da totalidade ou parte do

património do sujeito passivo. A cobrança coerciva está disciplinada no

Título IV do CPPT. Nos termos do artigo 148.º CPPT:

«1. [o] processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das dívidas

referentes a todos os tipos de tributos:

«a) contribuição financeiras a favor do Estado, adicionais

cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;

«b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças

ou acórdãos relativos a contraordenações tributárias, salvo quando

aplicadas pelos tribunais comuns;

«c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade

civil determinada nos termos do Regime Geral das Infrações

Tributárias;

«2. Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal,

nos casos e termos expressamente previstos na lei;

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«a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas de Direito

Público que devam ser pagas por força de ato administrativo;

«b) Reembolsos ou reposições».

Repare-se que o pagamento voluntário pode ocorrer durante o processo de

execução, a partir da citação da certidão de dívida e durante todo o processo

de cobrança coerciva ou execução fiscal (artigos 264.º e 265.º CPPT),

inclusivamente após penhora e venda de património, salvo o disposto sobre

a sub-rogação no CPPT (artigos 264.º e 265.º CPPT). Estas possibilidades

demonstrarem a excecionalidade da cobrança coerciva e o interesse do

sujeito ativo em conseguir o pagamento voluntário. Depois de citado, até

ao termo do prazo para a oposição, o executado pode requerer o pagamento

em prestações ou a dação em cumprimento (artigos 189.º, 196.º e 201.º e

202.º CPPT), podendo ambos ser cumulativos (artigo 189.º, n.º4 CPPT).

Além disso, os créditos do executado, resultantes de qualquer ato tributário,

são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma

administração tributária, com as exceções referidas no artigo 89.º CPPT. O

executado também pode pedir a compensação com créditos tributários

(artigo 90.º CPPT) e não tributários (artigo 91.º CPPT).

iii. Caducidade: a notificação da liquidação é necessária para tornar a dívida de

imposto certa e exigível. O poder de liquidação caduca, se a notificação da

mesma não ocorrer ou não for válida, dentro do prazo determinado na lei.

Quatro anos é apresentado como prazo da caducidade do poder de liquidar

(artigo 45.º, n.º1 LGT). Mas há vários (demasiados) prazos especiais, muitos

deles introduzidos em sucessivas alterações ao artigo 45.º LGT, e trazendo

mais desvantagens pela complexidade associada, do que vantagens. Dado

que em grande parte dos casos, verificado o facto tributário, cabe ao sujeito

passivo cumprir os seus deveres declarativos, será por incumprimento

destes deveres (declaração inexistente ou com valores incorretos) que a

liquidação falha. As correções à matéria tributável, a fixação de rendimentos,

as liquidações adicionais e quaisquer atos suscetíveis de alterar a situação

tributária do sujeito passivo, têm de ser notificados. Os referidos prazos de

caducidade aplicam-se também nos casos de autoliquidação. A forma de

contagem dos prazos varia consoante o tipo de impostos, tendo a referida

lei recorrido a conceitos doutrinários – impostos periódicos e de obrigação

única. A dificuldade quanto à inserção nesta classificação das retenções na

fonte a título definitivo e do IVA justificou a alteração do artigo 45.º, n.º4

LGT, onde se esclarece quando tem início a contagem nestes casos. Nos

casos de correções, liquidações adicionais e instauração de inquérito

criminal, quanto mais tarde for notificada a liquidação, mais elevados serão

os juros (compensatórios) devidos pelo sujeito passivo que continuam a

correr até essa notificação. Todos os atos suscetíveis de alterar a situação

tributária do sujeito passivo funcionam em desfavor deste, numa lógica

paralela à da teoria das esferas do risco. A caducidade do poder de

liquidação por decurso do prazo, decorre dos princípios gerais do Direito,

destinados a assegurar que as situações de incumprimento de obrigações

não fiquem eternamente pendentes. A segurança e a paz jurídica

recomendam harmonização de prazos de caducidade e que estes não sejam

demasiado longos.

iv. Prescrição: a formação da dívida tributária após a liquidação validamente

notificada faz correr o prazo de pagamento voluntário e também o prazo

de prescrição. Este é o limite temporal para a possibilidade de cobrança da

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dívida por parte da administração tributária. A finalidade da prescrição é, tal

como a da caducidade, atingir a segurança e a paz jurídicas. O prazo de

prescrição começa a correr a partir do momento em que tem lugar o facto

tributário, e quando atingido o limite do prazo, a prescrição abrange a dívida,

juros compensatórios e juros de mora.

v. Juros compensatórios, de mora e indemnizatórios:

1. Os juros compensatórios: começam a correr com o atraso na liquidação

(artigo 35.º, n.º1 LGT) e os juros de mora com o atraso do

pagamento do imposto (artigo 44.º LGT). Em ambos os casos, há

um limite temporal para a sua aplicação. Os juros compensatórios

só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do

sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta

apurada em ação de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua

conclusão (artigo 35.º, n.º7 LGT). Por seu turno, o prazo máximo

de aplicação dos juros de mora é de 3 anos. Estes limites, que são

muito inferiores aos prazos de caducidade e de prescrição,

pressupõem que há um dever da administração tributária detetar e

corrigir as situações em falta de forma diligente. O facto de a taxa

dos juros compensatórios ser equivalente à taxa dos juros legais

fixados nos termos do n.º1 do artigo 559.º CC, faz com que tenham

caráter indemnizatório ou compensatório pelos prejuízos causados

ao Estado e não sancionatório.

2. Os juros indemnizatórios: obrigação quase simétrica dos juros

compensatórios, constituem uma compensação do sujeito passivo,

pelos prejuízos causados pela administração tributária. Os juros

indemnizatórios são devidos quando se determine, em reclamação

graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos

serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em

montante superior ao legalmente devido (artigo 35.º, n.º1 LGT);

também são devidos juros indemnizatórios, quando a revisão do

ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um

ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à

administração tributária (artigo 35.º, n.º1, alínea c) LGT); e,

presumindo-se que a situação é imputável ao fisco, quando não seja

cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos (artigo

35.º, n.º1, alínea a) LGT); e em caso de anulação do ato tributário

por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia

posterior à decisão, sem que tenha sido proferida a nota de crédito

(artigo 35.º, n.º1, alínea b) LGT).

Princípios constitucionais formais e materiais

1. Noções introdutórias: a Constituição portuguesa de 1976 estabelece um catálogo de

princípios em matéria fiscal que têm sido arrumados e, no seu conjunto arrumando uma

constituição fiscal, em :

a. Princípios formais;

b. Princípios materiais.

Os princípios constitucionais fiscais remontam às monarquias constitucionais e estão

relacionados com o princípio da segurança jurídica e proteção da propriedade privada no

quadro do Estado Mínimo. São eles, designados de princípios constitucionais formais:

a. O Princípio da legalidade: nas vertentes:

i. Reserva de lei;

ii. Preferência de lei.

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b. Princípio da proibição da retroatividade.

Os princípios constitucionais materiais clássicos estão associados ao Estado Fiscal e ao

Estado Social de Direito e a um conceito de justiça equitativa ou redistributiva, consoante o

caso. O princípio chapéu é o princípio da igualdade, que no Direito Fiscal assume a

formulação de princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP). O princípio da

capacidade contributiva é concretizado através de outros princípios constitucionais

consoante o tipo de imposto:

a. Princípio da tributação pessoal;

b. Princípio da tributação global;

c. Princípio da tributação universal;

d. Princípio da tributação progressiva, no caso do Imposto sobre o Rendimento

das Pessoas Singulares (artigo 104.º, n.º1 CRP).

e. Princípio da tributação segundo as necessidades do agregado familiar (artigo

104.º, n.º1 CRP);

f. Princípio da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento líquido,

no caso dos impostos sobre o rendimento, por contraposição;

i. Princípio da tributação do rendimento fonte;

g. Princípio da tributação do rendimento real no caso dos lucros e dos rendimentos

profissionais e empresariais.

A estes princípios juntam-se,

h. O princípio da neutralidade fiscal, no caso do IVA: princípio constitucional da

União Europeia e que vincula o ordenamento jurídico português devido ao primado

do Direito Europeu.

Aos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade temos de juntar dois princípios

interpretativos:

a. O princípio da proibição de abuso fiscal (princípio do abuso): o qual também

é um subprincípio da igualdade – é um princípio constitucional estadual e

supraestadual, de Direito Europeu e de Direito Internacional;

b. O princípio da praticabilidade, relacionado com a administração de atos-massa.

2. Estado Fiscal, Estado-Dívida e a Era Pós-Estado. O Memorando de Entendimento:

no seu conjunto, os impostos são legitimados através do princípio do benefício (ou troca

global de utilidades entre impostos e bens e serviços públicos recebidos). A justiça fiscal

implica a escolha dos impostos (objeto e sujeitos passivos), a determinação justa da matéria

tributável e os limites da carga fiscal. No Estado Fiscal, como têm sido o nosso e os Estados

da OCDE desde o século XX, os limites da carga fiscal estão relacionados com as tarefas

estaduais. No quadro da União Económica e Monetária (UEM), nos Estados que não

conseguem ter competitividade, os limites da carga fiscal deixaram de estar politicamente

relacionados com a lógica do Estado Fiscal. A legitimação dos impostos e os limites da carga

fiscal estão agora ligados um binómio de Estado-Dívida, e servem a estabilidade da moeda

única. Neste contexto, a carga fiscal não está já relacionada com o conceito de representação

popular na escolha de bens e serviços públicos (e o princípio da reserva de lei), mas com a

necessidade de cumprir os compromissos assumidos junto dos credores. O Tribunal

Constitucional, desde a entrada em vigor da Constituição da 1976, tem sido muito discreto

quanto ao juízo de compatibilidade das leis fiscais, com os princípios fiscais materiais

contidos nos artigos 103.º, n.º1 e 104.º CRP. Todavia, a representação popular nas suas

vertentes de Estado de Direito e igualdade na tributação esteve presente no controlo exercido

pelo Tribunal Constitucional, no contexto da assistência financeira concedida pela Troika a

Portugal. Os compromissos internacionais assumidos no quadro do então Mecanismo

Europeu de Estabilização Financeira, mais tarde conformados por alterações ao TFUE, são

concretizados por Memorandos de Entendimento, concluídos entre um Estado e

Instituições que não têm legitimidade democrática. Esta ausência de representatividade

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democrática supranacional fez com que os princípios constitucionais fiscais materiais

prevalecessem quando o Tribunal Constitucional avaliou a compatibilidade das medidas

adotadas ao abrigo do Memorando com a Constituição. Este Acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 862/2013 (Proc. N.º 1260/13, 19.12.2013) põe em evidência que a

necessidade de cumprimento dos acordos de assistência financeira não garante a

constitucionalidade das medidas fiscais adotadas. Apesar de os compromissos perante os

credores terem de ser respeitados, por serem compromissos internacionais, os memorandos

de entendimento têm de ser concretizados respeitando as constituições nacionais. O Direito

Internacional e Europeu são acolhidos pelo artigo 8.º CRP, e o Direito Europeu tem um

primado sobre a nossa Constituição. Todavia, a concretização das medidas de política

económico-financeira a adotar no quadro dos memorandos confere ampla margem de

conformação ao legislador nacional, pelo que os governos nacionais que as negoceiam devem

ter presentes os princípios constitucionais fiscais – formais e materiais – que não colidam

com os Tratados (nomeadamente, o TFUE). A ausência de legitimidade democrática das

instituições internacionais e Europeia representadas no Memorando de Entendimento, faz

prevalecer claramente os princípios constitucionais formais e materiais, nacionais. Por outras

palavras, a legitimação dos impostos tem de respeitar o quadro constitucional, o que significa

que os contribuintes-eleitores estão sempre (e devem estar sempre) constitucionalmente

protegidos. Refira-se, finalmente, que os princípios referidos têm de ser interpretados à luz

das liberdades fundamentais no TFUE. Eles devem ser interpretados à luz da era pós Estado,

ou seja, têm de ser interpretados no quadro das liberdades fundamentais garantidas pelo

Tratado da União Europeia e da globalização (livre circulação de capitais). Essa interpretação

é especialmente importante para os princípios da igualdade e (da proibição) do abuso,

unicidade e progressividade e o princípio da neutralidade do IVA: A igualdade é uma

igualdade que implica não discriminação entre cidadãos da União Europeia residentes e não

residentes em território português. O princípio da unicidade tem de ser entendido de forma

mitigada devido à livre circulação de capitais que impede a aplicação deste princípio tal como

foi elaborado no quadro do Estado nacional. O significado de progressividade também tem

que ter em conta as liberdades fundamentais e os chamados residentes virtuais e a livre

circulação de capitais. A neutralidade do IVA implica a dedutibilidade do imposto suportado

quer relativamente às transações realizadas em território português quer relativamente às

transações transfronteiriças.

O Princípio da Legalidade Fiscal

1. Noções introdutórias: o princípio da legalidade fiscal é um princípio fiscal formal, com

origem nas monarquias constitucionais, assegurando que a interferência na propriedade

privada resulta de discussão e aprovação parlamentar. Ele está ligado ao brocardo no taxation

without representation. A lei é o ponto de partida para garantir a segurança jurídica, porque é

aprovada pelos representantes parlamentares. A lei também serve a igualdade, por ser geral

e abstrata, embora não seja suficiente para garantir esta última. Na Constituição portuguesa

de 1976, o princípio da legalidade fiscal é objeto de cinco artigos:

a. A vertente das competências e divisão vertical dos poderes tributários que

inclui a distribuição de competências entre Assembleia da República e Governo e

competências das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais em matéria fiscal

(artigos 165.º, n.º1, alínea i) e n.º2, 227.º, n.º1, alínea i) e 238.º, n.º4 CRP);

b. O objeto da reserva de lei, que inclui a criação de impostos e sistema fiscal (de que

fazem parte os elementos essenciais dos impostos, benefícios fiscais e garantias dos

contribuintes), e o regime geral das (taxas e) demais contribuições financeiras a favor

das entidades públicas (artigo 165.º, n.º1, alínea i) e 103.º, n.º2 CRP).

c. A vertente material, no sentido das exigências de densificação da lei fiscal quanto

aos elementos essenciais de imposto – exigências estabelecidas na primeira parte do

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artigo 103.º, n.º2 CRP (incidência e taxa), garantindo um princípio de legalidade

substancial ou princípio da tipicidade fiscal;

d. Um princípio de preferência ou precedência de lei, no artigo 103.º, n.º3 CRP, e

a consagração de um direito de resistência à tributação que viole a Constituição ou

a lei, exprimindo uma conceção garantistica da legalidade fiscal (no mesmo artigo

103.º, n.º3 CRP).

Para além destas disposições, lembre-se ainda o artigo 2.º CRP que caracteriza a República

Portuguesa como um Estado de Direito democrático, e o artigo 3.º, n.º2 CRP, segundo o

qual o Estado se subordina à Constituição e se funda na legalidade democrática: não nos

esqueçamos que a reserva de lei fiscal é também uma expressão ou explicitação do princípio

do Estado de Direito Democrático.

2. Reserva de Lei Fiscal e a sua Justificação: a reserva de lei parlamentar é justificada através

de preocupações garantisticas, da função parlamentar de orientação política e do princípio

democrático, acentuando ora um, ora outro destes aspetos. A função garantística da reserva

de lei parlamentar está em crise desde a segunda metade do século XX, porque o aumento

das intervenções do Estado na sociedade (e, portant,o da lei na sociedade), tem sido

acompanhado pelo aumento das competências técnicas governamentais e por uma menor

capacidade de discussão parlamentar das matérias a aprovar. Os impostos e a sua

complexidade jurídica constituem um dos exemplos. A crise da função garantistica da reserva

de lei parlamentar significa a crise (relativa) do princípio da legalidade fiscal. A função

garantística da reserva de lei fiscal tem ainda hoje razão de ser, pois está associada à

previsibilidade e calculabilidade da obrigação de imposto e dos seus elementos essenciais do

montante de imposto a pagar, e assim também à segurança jurídica. Mas essa função deve

ser entendida com contornos diferentes dos que dominaram o nosso Estado de Direito das

monarquias constitucionais e da primeira República – na verdade, a reserva de lei parlamentar

em matéria fiscal, embora constitucionalmente prevista, nunca foi observada até à

Constituição de 1976. A função garantistica da reserva de lei exige a discussão, desacordo e

consentimento parlamentares em plenário. Além disso, a função garantistica postula uma

densificação normativa progressiva, para a qual contribuem Parlamento, Governo,

administração e tribunais. A previsibilidade e calculabilidade do imposto, tendo em conta a

complexidade dos ordenamentos tributários atuais e a coexistência da legalidade com

princípios constitucionais materiais, não deve ser entendida como um cálculo antecipado do

imposto pelo contribuinte leigo a partir da lei do Parlamento, e que aliás o nosso Tribunal

Constitucional rejeita. Para a função de garantia ligada à previsibilidade, é irrelevante o

sentido em que são alterados os elementos essenciais do imposto ao contrário do que parece

fazer crer o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 48/84. No quadro do Estado de Direito

liberal, a alteração dos elementos essenciais do imposto – a alteração das normas fiscais em

sentido estrito – foi sempre entendida como uma interferência ou ablação na propriedade e

liberdade privadas, mesmo que se tratasse de reduzir a carga fiscal. Para além da função

garantistica subjacente à reserva de lei, deve dar-se especial destaque ao princípio

democrático. Com efeito, tendo em conta a legitimidade dos parlamentos e dos governos

nas constituições liberais do pós Segunda Guerra, é o princípio democrático que fundamenta

e postula a reserva de lei parlamentar, não sendo suficiente a reserva da lei formal (no sentido

de ato legislativo). Manifestação deste princípio democrático é o procedimento legislativo

parlamentar que permite a discussão pública de lei e o contributo da oposição (desacordo ou

consentimento), razão pela qual a intervenção da Assembleia da República na elaboração e

aprovação da lei fiscal, não deve ser equiparada à legislação fiscal aprovada por Decreto-Lei

não autorizado. Como nos diz Sérvulo Correia, o princípio da legalidade impede que a

reserva de lei se reconduza a uma

«simples reserva de norma jurídica, isto é, uma reserva reportada ao bloco de legalidade no seu

conjunto, sem aceção de proveniência parlamentar ou do valor formal legislativo dos preceitos

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requeridos [pois] (…) nem a constituição concebe um poder que se não funde no povo, nem o

seccionamento da ligação entre vontade popular e a emissão de normas deixaria de pôr em

causa a bondade do conteúdo destas».

3. A Reserva de Lei Competencial: a. Reserva relativa de competência da Assembleia da República em matéria

fiscal e as competências de harmonização fiscal da União Europeia: a

competência legislativa em matéria de criação de impostos e sistema fiscal está

reservada ao Parlamento mas este poder pode delega-lo ao Governo, nos termos do

artigo 165.º, n.º1, alínea i) e n.º2 CRP. Esta reserva relativa de competência

parlamentar não deve ser interpretada como uma ausência de legalidade democrática.

Pelo contrário, ela insere-se na lógica do Estado social de Direito, transmitindo uma

ideia de partilha diacrónica do poder no âmbito de um policentrismo institucional,

e traduzindo uma (quase) homogeneização política da Assembleia da República e do

Governo, em que amos são democraticamente legitimados. Na verdade, no contexto

do Estado de Direito do pós Segunda Guerra, a reserva relativa de competência

legislativa do parlamento está associada à afirmação corrente de que os governos

dispõem de legitimação democrática por emanarem das maiorias parlamentares, e

de que a atual divisão de poderes ocorre entre a maioria (de que fazem parte o

Governo e o Parlamento) e a minoria que se constitui em oposição. Neste contexto,

as autorizações legislativas ao Governo em matéria fiscal, previstas no n.º2 do artigo

165.º CRP, têm como ojetivo contrabalançar o poder legislativo parlamentar com

um poder legislativo governamental mais especializado e ciente das imperfeições da

lei na sua aplicação efetiva, pela sua proximidade da administração fiscal e de

organizações internacionais. Casalta Nabais refere-se a este propósito ao

contrabalançar do poder legislativo pelo poder fático e técnico da administração, a

uma certa governamentalização dos impostos traduzida na iniciativa legislativa

governamental e na delegação legislativa, que designa também de

governamentalização fiscal material. Exemplo deste fenómeno são as autorizações

legislativas orçamentais. Também manifestação da governamentalização fiscal nos

Estados europeus do final do século XX e princípio do século XXI, é a transferência

do poder fiscal (no sentido de competências para criar impostos e alterar os seus

elementos essenciais) para os governos no quadro da harmonização fiscal europeia,

isto é, para o Conselho da EU (artigos 113.º e 114.º TFUE). Como reverso da

medalha, a lei formal deixa de exprimir a razão e a justiça para passar a ser produto

de interesses particulares organizados.

b. As autorizações legislativas ao Governo: no quandro da Constituição de 1976, o

Governo tem sido o órgão legislativo por excelência, dominando a atividade

legislativa em relação ao Parlamento. É por isso importante traçar as linhas da

competência parlamentar em matéria de impostos. Seria perigoso atribuir um papel

secundário à Assembleia da República na orientação política em matéria fiscal, sob

pena de o Governo e a administração deterem o monopólio da criação, interpretação

e desenvolvimento das leis fiscais, pois os nossos tribunais ainda não exercem

devidamente as funções de controlo judicial da margem de livre apreciação e

tipificação administrativa. Na Constituição de 1976, a reserva relativa de

competência legislativa do Parlamento em matéria de criação de impostos e sistema

fiscal, significa:

i. Uma delimitação de competências legislativas entre Assemblea da

República e Governo, em que este dispõe de competência legislativa

ordinária, mas cujo exercício depende de autorização legislativa

parlamentar; e

ii. A exclusão da iniciativa de normação regulamentar originária por

parte do Governo, da matéria fiscal sujeita a reserva de lei.

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Segundo o artigo 165.º, n.º2 CRP, a autorização legislativa deve definir:

i. O objeto;

ii. O sentido;

iii. A extensão e duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.

Assim, o Decreto-Lei autorizado contém uma normação primária. Por esta razão,

as autorizações legislativas têm, desde logo, um objeto muitíssimo vasto. No nosso

ordenamento, as leis de autorização são linhas de conduta, não criam uma fonte de

Direito aplicável às relações que pretende reger. A revisão constitucional de 1982

deu nova redação ao artigo 168.º, n.º2 (atual artigo 165.º, n.º2) CRP, e as

autorizações legislativas passaram a definir, para além do objeto, da extensão e da

duração da autorização, o sentido da mesma. Recorde-se ainda, a propósito da

função orientadora e fiscalizadora da Assembleia da República sobre o Governo,

que o Decreto-Lei autorizado poderá ser submetido à apreciação parlamentar para

efeitos de cessação de vigência ou de alteração, podendo neste caso ser suspenso

temporariamente (artigo 169.º CRP).

c. As exigências de determinação das leis de autorização legislativa: se as leis de

autorização legislativa devem definir o objeto e o sentido do Decreto-Lei autorizado,

e não podem ser meros cheques em branco, isso significa que elas devem ter uma

determinação mínima. Quanto às exigências dessa determinação mínima em matéria

fiscal, lembre-se o Acórdão TC n.º 358/92, que considerou inconstitucional a

autorização legislativa dada ao Governo, para este aprovar o Código das Avaliações

da Contribuição Autárquica. Nos termos da alínea b) do artigo 50.º da autorização

legislativa, pretendia-se atingir, com a aprovação do Código,

«uma maior equidade de tributação, um reforço das garantias dos contribuintes e

uma determinação mais rigorosa da matéria colectável, através da aplicação de

critérios objectivos».

Segundo o Tribunal,

«os elementos constantes do preceito em causa, se bem que estabeleçam alguns limites

ao uso dos poderes delegados (o princípio da equidade da tributação, o reforço das

garantias dos contribuintes e a aplicação de critérios objetivos na determinação da

matéria coletável), não encerram, em si mesmos, nenhum critério orientador do uso

dos poderes delegados… Ora, porque nos movemos num domínio onde mais

diretamente podem ser afetados direitos e interesses dos particulares, justifica-se

plenamente que se seja mais rigoroso e exigente na determinação do sentido da

autorização em causa, por forma que o preceito autorizador cumpra uma tripla

função: conteúdo material bastante da lei de autorização, linha de orientação do

legislador delegado, elemento de informação genérica das inovações a introduzir no

ordenamento para os particulares. De outra forma estaríamos perante uma

autorização em branco, esvaziando a função habilitante que ao Parlamento cabe

assumir num processo legislativo especial como é o caso das autorizações legislativas»

i. A tripla vertente das autorizações legislativas: a tripla função das autorizações

legislativas a que se refere o Tribunal Constitucional, é antes a tripla vertente

que reveste o pano de fundo orientador da ação do Governo. Esta tripla

vertente também se aplica às autorizações legislativas em matéria fiscal, mas

a ela acrescem outros critérios orientadores.

ii. A função de orientação política: diga-se, em primeiro lugar, que é a função de

indirizzo da Assembleia da República que permite identificar o grau de

determinação mínima exigível às leis de autorização ao abrigo da alínea i)

do nº.1, e do n.º2, do artigo 165.º CRP, e, como reverso da medalha, o grau

da margem de livre apreciação governamental admissível. Da função de

indirizzo decorre que o Parlamento, unilateralmente, deve definir sempre as

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linhas de orientação política em matéria de impostos. Se a competência é

reservada ao Parlamento, ele não tem de partilhá-la com o Governo – e daí

a sua primazia –, mas se o Parlamento a delegar, a orientação política deve

ser partilhada, ou seja, ,a reserva de competência deve implicar sempre um

assentimento parlamentar dessa orientação, mesmo que ela seja proposta

pelo Governo. Cabe normalmente a este a iniciativa legislativa originaria (e

exclusivamente, no caso das autorizações legislativas).

iii. Sentido das autorizações legislativas e os elementos essenciais do imposto: em segundo

lugar, no caso dos impostos e sistema fiscal, o sentido a que se refere o

artigo 165.º, n.º2 CRP, tem de ser definido quanto aos elementos

enumerados no artigo 103.º, n.º2 CRP (quanto a um ou mais desses

elementos, consoante o objeto da autorização). Ou seja, o sentido dado pela

lei de autorização legislativa deve ter um conteúdo material bastante e dar

informação genérica das inovações a introduzir no ordenamento (Ac.

N.º358/92), e esse conteúdo material bastante define-se por referência aos

elementos do artigo 103.º, n.º2 CRP. Por isso, os artigos 165.º, n.º2 e 103.º,

n.º2 CRP devem ser conjugados, como defendeu logo em 1976, Sousa

Franco, na qualidade de deputado, e também Jorge Miranda na Assembleia

Constituinte, e como tem feito o Tribunal Constitucional e a generalidade

da doutrina. Assim, mesmo que seja o Governo a tomar a iniciativa

legislativa de reformas fiscais mais ou menos profundas, ou de alterações à

legislação em vigor, como acontece na prática – e, especialmente também

por essa razão –, a autorização legislativa deve ser suficientemente detalhada

quanto aos elementos mencionados no n.º2 do artigo 165.º CRP, de forma

que o Parlamento possa tomar conhecimento e dar o seu acordo político –

respeitando os princípios materiais constitucionais – sobre todos os

elementos essenciais dos impostos, dos benefícios fiscais e das garantias dos

contribuintes, tal como enumerados no artigo 103.º, n.º2 CRP.

d. Poder tributário das Regiões Autónomas: a distribuição vertical do poder

tributário constitui uma novidade da Constituição de 1976 (introduzida pelas

revisões constitucionais de 1982 e 1997) em relação às anteriores constituições

portuguesas e constitui um traço do Estado de Direito no princípio da legalidade

fiscal. O princípio democrático, que constitui um dos fundamentos da reserva de lei,

já não é cabalmente assegurado pelo Parlamento Nacional, e atribui aos parlamentos

regionais e às autarquias locais, poder tributário nos termos previstos na

Constituição e na lei. Foi a revisão constitucional de 1982 que introduziu o poder

tributário próprio das Regiões Autónomas no artigo 229.º, alínea f) CRP; a revisão

de 1989 desdobrou as competências legislativas regionais em matéria fiscal, num:

1. Poder tributário próprio; e

2. Poder de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.

As Regiões Autónomas dispõem de poder tributário próprio, nos termos da lei, e

podem também adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos

termos da lei-quadro da Assembleia da República (artigo 227.º, n.º 1, alínea e) CRP).

Trata-se de um poder ou soberania tributária originária, pois é atribuída pela

Constituição. Como diz José Cabalta Nabais, quer o poder tributário do Estado quer

o poder tributário das regiões autónomas tem origem na Constituição, e nesse

sentido são originários e não derivados, pois o seu reconhecimento não depende de

lei estadual.

«Mas enquanto o primeiro tem os seus limites fixados na constituição, as estruturas

de descentralização estadual têm os seus limites fixados em maior ou menos medida

na lei».

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Assim, seguindo a classificação de Casalta Nabais, o poder tributário estadual é

soberano e originário, ou originário primário (porque o poder tributário do Estado

constitui o pressuposto, o requisito indispensável da sua própria configuração de

estado fiscal) e o poder tributário autonómico regional é apenas originário.

ii. Poder tributário próprio: inicialmente, o significado de poder tributário próprio

das Regiões Autónomas dividiu as opiniões:

1. Regionalistas: que admitiram um verdadeiro poder de criar impostos

regionais, sempre que houvesse interesse específico, e nos termos

da lei geral da República. Era o caso de Eduardo Paz Ferreira. A.L.

Sousa Franco, em 1983, entendia que o poder tributário próprio só

podia ser o poder de criar impostos, com todas as consequências e

conteúdo do artigo 106.º CRP, desde que fossem respeitadas todas

as restrições estabelecidas pelos estatutos regionais, pela lei geal e

pela lei definidora da forma e conteúdo desse poder tributário

próprio. Admitindo na linha do TC, apenas o poder de criar

impostos novos para a região, mas parecendo não admitir o poder

de adaptação, em 1985, e já admitindo este poder em 1993 Gomes

Canotilho e Vital Moreira. Admitindo quer a criação quer a

adaptação, diz-nos J.J. Teixeira Ribeiro,

«O que se pretende saber é se, depois de a Constituição ter

concedido poder tributário próprio às Regiões Autónomas, a

alínea i) do artigo 168.º CRP ainda deve ser interpretada como

tendo reservado à Assembleia fa República a criação de todos e

quaisquer impostos, ou se já deve sê-lo no sentido de pertencer

às Regiões Autónomas a eventual criação de alguns».

A esta questão responde o autor afirmativamente, desde que

estejam preenchidos os seguintes requisitos:

a. O artigo 229.º CRP exige, no seu corpo, que o poder

tributário das Regiões Autónomas seja definido nos

respetivos estatutos, cuja aprovação cabe à Assembleia da

República;

b. Exige, depois, na sua alínea a), que ele se conforme com a

Constituição e as Leis Gerais da República que são leis da

Assembleia ou Decretos-Lei do Governo sob autorização;

e

c. Exige, finalmente, que ele seja exercido nos termos da lei,

que também é lei dimanada da Assembleia da República.

O autor equipara ainda, e bem, a criação de impostos à alteração

dos seus elementos essenciais, para efeitos de reserva de lei e

competências tributárias das Regiões. Teixeira Ribeiro mantém em

1997 a posição expressa em 1986. Também Maria Luísa Duarte se

refere a um poder de autolimitação da Assembleia da República,

através da aprovação da lei da qual depende o exercício do poder

tributário pelas regiões autónomas: com a aprovação da referida lei,

verifica-se uma deslocação de uma matéria originariamente da

competência reservada para uma competência partilhada com as

Regiões Autónomas, embora sujeita a limites fundamentais, i.e.,

interesse específico, limite territorial, inderrogabilidade das leis

gerais da República, enquadramento legal e princípios

constitucionais; Cardoso da Costa, repensando a doutrina do

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Acórdão n.º 91/84, que admite agora expressamente o poder de

adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades da Região.

2. Centralistas: que admitiam, no máximo, um poder de adaptação dos

impostos nacionais. A.L. Sousa Franco, em 1997, decorreria do

então artigo 106.º, n.º2 CRP, que a criação de impostos estava

reservada à lei da Assembleia da República, mas nada obstaria a que

a Assembleia da República, através duma lei-quadro, fixasse

princípios gerais sobre a adaptação do sistema fiscal regional e

cometesse o seu desenvolvimento aos órgãos legislativos regionais,

em primeira linha, porque se trata de matéria que é do seu interesse

especifico. E mesmo depois da revisão constitucional de 1989, em

que o poder tributário próprio, e o poder de adaptação do sistema

fiscal nacional às especificidades das regiões são autonomizados,

Sousa Franco, interpretando da mesma forma o significado de

poder de adaptação defende que o poder máximo das Regiões

Autónomas em matéria tributária, esse é o poder de adaptação,

considerando que o poder tributário próprio é um poder que se

situa entre aquele e o poder administrativo. Todavia, lembre-se que

o Tribunal Constitucional, antes da revisão de 1989, embora

também tenha feito uma interpretação restritiva de poder tributário

próprio, fê-la no sentido de considerar que este apenas podia

consistir na possibilidade de criação ex novo de impostos regionais:

Acórdãos n.º 91/84 e 267/87. Ainda J. L. Saldanha Sanches

entendia que nos Estados unitários como o português, o poder

tributário se encontrava concentrado num único órgão, e nem

sequer admitia o poder de adaptação. Por seu turno, o Tribunal

Constitucional entendia que do caráter unitário do Estado

português e do então artigo 115.º, n.º3 CRP (na versão de 1982),

segundo o qual os decretos-legislativos regionais não podiam

dispor contra as leis gerais da República, decorreria uma proibição

de adaptação, por decreto-legislativo regional, das leis fiscais

nacionais às Regiões Autónomas. O poder tributário próprio

poderia ser exercido praeter legem, mas nunca contra legem. Isto é, ele

reportar-se-ia unicamente à eventualidade da criação de impostos

regionais. Quanto à adaptação dos impostos nacionais à

insularidade, às Regiões Autónomas apenas cabia o poder de

iniciativa legislativa (c.f. o então artigo 229.º, alínea c) CRP).

iii. Criação de impostos versus adaptação dos elementos essenciais do imposto : como

demonstrou Teixeira Ribeiro, a criação de impostos novos ou a adaptação

de elementos essenciais dos impostos não se distinguem substancialmente:

«assim como pode ser do interesse específico da Região dos Açores ou da

Madeira criar um imposto cujo âmbito ao respetivo território se restrinja,

também pode ser do seu interesse específico criar um regime próprio dentro

do seu território para um imposto de âmbito nacional».

Portanto, na perspetiva da legalidade fiscal e do âmbito das competências

legislativas das Regiões Autónomas em matéria fiscal, a discussão sobre se

o poder tributário próprio era um poder de criação de impostos regionais

ou um poder de adaptação dos impostos nacionais às especificidades

regionais, era errónea. Ambos os poderes têm idêntico significado em

termos de reserva de lei fiscal, sendo certo que o seu enquadramento

jurídico e o alcance têm de ser definidos por lei da Assembleia da República.

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iv. Poder tributário próprio e de adaptação nas leis das finanças regionais : a primeira lei

das finanças regionais (LER) (a lei n.º 13/98), ao concretizar o disposto no

artigo 227.º, n.º1, alínea i) CRP, autonomizou claramente o poder de criar

impostos regionais do poder de adaptação, silenciando a controvérsia em

redor das competências normativas tributárias das Regiões Autónomas,

mas na prática reduziu aquele poder de criação às contribuições de melhoria

e a tributos extrafiscais de caráter ambiental. A segunda e terceira leis das

finanças regionais mantiveram este regime. Assim, o artigo 57.º, n.º3 LFR

em rigor (n.º2/2013, 2 setembro) faz uma enumeração exemplificativa dos

impostos que podem ser criados pelas Assembleias Legislativas Regionais e

que se limita a contribuições de melhoria e a tributos extrafiscais de caráter

ambiental. Em teoria, as Regiões Autónomas podem criar quaisquer tipos

de impostos, desde que não incidam sobre matéria objeto de incidência por

impostos nacionais. Acrescente-se que o poder tributário próprio das

Regiões Autónomas não abrange o poder de extinguir impostos nacionais.

A versão do artigo 112.º, n.º4 CRP, tal como saiu da 6.ª revisão

constitucional, eliminou a categoria das leis gerais da República e faz

menção à reserva de competência de certas matérias aos órgãos de

soberania, salvaguardando assim as referidas proibições de as Regiões

Autónomas extinguirem impostos nacionais e de criarem impostos

regionais com o mesmo objeto de impostos nacionais em vigor.

Confirmando esta interpretação, o artigo 57.º, n.º1 da atual LFR atribui

competência às assembleias legislativas regionais para criarem impostos de

vigência limitada à respetiva Região Autónoma, desde que, nomeadamente,

não incidam sobre matéria objeto da incidência de qualquer dos impostos

de âmbito nacional. Este limite à criação de impostos inclui um limite (ou

proibição) de extinção de impostos nacionais, isto é, o termo criação deve

ser interpretado no sentido de abranger a extinção. E segundo o n.º2 do

mesmo artigo 57.º, os impostos referidos no número anterior caducam no

caso de serem posteriormente criados outros semelhantes de âmbito

nacional. Depois de tão acesa querela doutrinal e jurisprudencial, o

resultado pode à primeira vista desiludir. Mas uma vez que as Regiões

Autónomas podem dispor das receitas provenientes de impostos nacionais

e que tenham conexão com o território daquelas (segundo os critérios

definidos por lei), e uma vez que o espetro dos impostos nacionais cobre

todas as manifestações de riqueza, não é de estranhar que o poder de criação

de impostos pelas regiões, previsto na lei, seja quase insignificante. Por seu

turno, a disciplina do poder de adaptação continua nas leis das finanças

regionais, confirmam o que nos dizem as teorias do federalismo financeiro

sobre distribuição vertical de competências fiscais, pois é

fundamentalmente dirigida à concorrência fiscal, à concessão de benefícios

fiscais sobre os impostos nacionais (artigo 59.º LFR). Assim, o poder de

adaptação das Regiões Autónomas pode revelar-se mais prejudicial para o

Estado Fiscal e princípios materiais fiscais do que a criação de impostos

novos e de adicionais aos impostos existentes.

e. Poder tributário das autarquias locais: no caso das Autarquias Locais, no âmbito

da Constituição de 1976, tem sido reconhecido aos municípios o poder de criar taxas,

mas já não poderes em matéria de impostos – seja de criação ou de adaptação. Ainda

assim, lembre-se que os municípios têm alguns poderes em matéria fiscal: fixam as

taxas do IMI relativamente aos prédios urbanos (assim como fixavam taxas da antiga

contribuição autárquica), embora a moldura (o máximo e o mínimo) seja fixada na

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lei (0,3% a 0,5%): artigo 112.º, n.º1, alínea c) e nº. 5-9 CIMI; e fixam a taxa da

derrama até um limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento

de IRC (artigo 18º Lei das Finanças Locais, n.º 3/2013, 13/9 – LFL). Estas

competências fiscais concedidas pelas leis das finanças locais, e pelo Código do

Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) não se afastam muito do que já acontecia

durante a vigência da Constituição de 1933 e do Código Administrativo. Os

municípios podem conceder benefícios fiscais, relativamente aos impostos e a

outros tributos próprios, não podendo ser concedidos por mais de cinco anos (artigo

16.º, n.º4 LFL). Trata-se de pressupostos muito amplos e indeterminados

legitimadores da atribuição discricionária de benefícios. E o tipo e medida dos

benefícios fiscais também estão na discricionariedade do município (artigo 16.º, n.º3

LFL). Além disso, no quadro do IMI, os municípios podem majorar ou minorar a

taxa de IMI aplicável com vista à prossecução de objetivos extrafiscais, relacionados

com a reabilitação e requalificação urbana, dispondo de uma ampla margem de

discricionariedade para tal (artigo 112.º, n.º2 e CIMI). O artigo 238.º, n.º4 CRP,

introduzido pela revisão de 1997, consagrou, expressamente, um poder tributário

dos municípios a exercer nos termos da lei, ,cujo alcance ainda não está delimitado.

Não se tratará aqui de um poder de criar e de adaptar impostos nacionais, pelo

menos com a amplitude que resulta, para as Regiões Autónomas, do artigo 227.º,

n.º1, alínea f) CRP – não foi consagrado um poder tributário próprio, nem se faz

referência à adaptação de impostos nacionais. Em termos gerais, o artigo 238.º, n.º4

CRP legitima a atribuição legal de discricionariedade aos municípios, quanto a

elementos essenciais dos impostos. Mas na verdade, como refere Casalta Nabais, o

artigo 238.º, n.º4 CRP não acrescenta nada de novo à adequada compatibilização ou

concordância prática do princípio da legalidade fiscal com o princípio da autonomia

local, pois o princípio da autonomia local sempre permitiu que o legislador

concedesse tais poderes tributários.

4. A reserva material ou princípio da tipicidade fiscal: a. Noções introdutórias: a determinação da lei está associada ao Estado de Direito.

Na doutrina liberal existem receios quanto à substituição do legislador pelos

tribunais na tomada de decisões. No Direito Fiscal, quando os conceitos jurídicos

são vagos e indeterminados, começa uma margem de livre apreciação do Governo-

legislador ou eventualmente da administração e dos tribunais. Perante conceitos

vagos e indeterminados na lei parlamentar, coloca-se a difícil questão de saber se os

órgãos que os aplicarão ainda exercem uma função de interpretação ou se exercem

uma função de criação. O princípio da tipicidade fiscal não é violado com a

vaguidade da lei, desde que a orientação política quanto aos elementos essenciais do

imposto seja dada pelo Parlamento, e o Governador-legislador concretize as

autorizações parlamentares quanto a esses elementos essenciais, de forma que, a

partir daí a carga fiscal seja previsível e (quase) calculável. Além disso, os aspetos

técnicos (incluindo a disciplina de outros domínios não originariamente jurídicos)

podem e devem ser concretizados por regulamento. Esta progressiva concretização

pode ser denominada de margem de livre tipificação.

b. O artigo 103.º, n.º2 CRP e os elementos essenciais dos impostos: o artigo 103.º,

n.º2 CRP enumera os elementos dos impostos e as matérias que devem ser definidos

por lei da Assembleia da República, Decreto-Lei autorizado e Decreto-Legislativo

regional:

«Os impostos são criados por lei que determina a incidência, a taxa, os benefícios

fiscais e as garantias dos contribuintes».

Esta disposição consagra uma regra de legalidade material, densificando a legalidade

formal, definindo o conteúdo do chamado princípio da tipicidade dos impostos, no

ordenamento português: o nosso legislador constituinte optou por fazê-lo

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expressamente, em vez de deixar tal matéria ao intérprete. O artigo 103.º, n.º2 CRP

não só contém o princípio da tipicidade do s impostos, como ainda alarga o objeto

do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP. Isto é, para além das taxas e de outras

contribuições financeiras a favor de entidades públicas, os impostos e o sistema

fiscal, faz referência aos benefícios fiscais e às garantias dos contribuintes. Assim,

numa formulação divulgada do princípio da tipicidade dos impostos, este diz

respeito ao an e ao quantum dos mesmos. Numa outra formulação clássica, o

princípio da legalidade fiscal exige que o objeto do imposto, o sujeito passivo, a base

tributável (ou os elementos que concorrem para a determinação da medida do

imposto) e a taxa do imposto sejam definidos por lei. Os benefícios fiscais não fazem

parte da incidência, porque prosseguem outras finalidades: as normas dos benefícios

fiscais são normas extrafiscais. São também normas de despesa fiscal e embor a

variem as designações e as posições acerca da sua (total, maior ou menor) integração

ou autonomização do Direito Fiscal, elas são elaboradas por uma parte da doutrina,

por contraposição às normas fiscais s.s. Finalmente, a reserva de lei relativa às

garantias dos contribuintes – na parte não coberta pelo artigo 165.º, n.º1, alínea b)

CRP –, é o corolário da tipicidade do imposto, e encontra a sua justificação no

Estado de Direito (democrático) e no artigo 168.º, n.º4 (e n.º5) CRP.

i. O An e Quantum da obrigação tributária – a incidência em sentido amplo: a

incidência a que se refere o n.º2 do artigo 103.º CRP não se pode limitar ao

facto tributário em sentido restrito e ao sujeito passivo, sob pena de a

reserva de lei fiscal não cumprir a sua função. Por outras palavras, a

incidência tem de ser interpretada em sentido amplo, e abranger não só o

an mas ainda todos os aspetos de quantificação. Isto é assim, porque a

legalidade fiscal tem funções garantisticas, e porque os impostos, mesmo

que entendidos como deveres fundamentais, são limites imanentes ao

direito de propriedade individual. Também parte da incidência, e por isso

sujeitas a reserva de lei, são as normas de conexão unilaterais que definem

os rendimentos tributáveis de sujeitos passivos residentes e de sujeitos

passivos não residentes, e as normas unilaterais de atenuação de dupla

tributação, uma vez que elas afetam o quantum do imposto a pagar.

ii. Lançamento e liquidação e a quantificação do imposto: ainda há alguns equívocos

na nossa doutrina e jurisprudência sobre o alcance do artigo 103.º, n.º2 CRP,

e que põem em grave risco a reserva de lei fiscal no nosso Estado de Direito.

Esses equívocos estão relacionados com a interpretação dos termos

lançamento e liquidação. O lançamento e a liquidação são conceito

obsoletos, e na sua origem estiveram ligados a funções administrativas ou

procedimentais de fixação e apuramento da matéria tributável que o fisco

desempenhava. Apesar de obsoletos, os termos lançamento e a liquidação

ainda são utilizados, mas no contexto dos impostos que estão em vigor,

esses termos vão muito além de meros aspetos procedimentais.

Lançamento e liquidação estão atualmente ligados à determinação da

matéria coletável e respetiva quantificação (ambas designadas pelos alemães

de Steuerbemessungsgrundlage: portanto, à incidência em sentido amplo. Todas

as disposições que interfiram com o montante de imposto a pagar estão

sujeitas à reserva de lei fiscal. Acrescente-se ainda que tal reserva de lei é

exigível quer as regras de avaliação sejam dirigidas ao fisco ou aos sujeitos

passivos, impondo a estes deveres legais. Isto é, todas as disposições que

imponham deveres aos sujeitos passivos que interfiram com a avaliação ou

quantificação do imposto, como é o caso do regime de reembolso do IVA,

estão também sujeitas a reserva de lei.

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iii. Tribunal Constitucional: Quantificação, regras materiais ou substantivas e regras

procedimentais ou processuais: o Tribunal Constitucional estabeleceu neste

processo, e para efeitos da legalidade e da tipicidade fiscais, uma distinção

dentro das regras inseridas no procedimento de determinação do imposto:

as que assumem caráter material ou substantivo estariam sujeitas a reserva

de lei fiscal, e as que assumem caráter procedimental ou processual sairiam

de fora das exigências da reserva da lei fiscal. Assim, segundo o Tribunal

Constitucional,

«[a]tenta a ratio do princípio da legalidade tributária, apenas poderão

dizer-se sujeitas às suas exigências formais e materiais aquelas normas que,

conquanto possam aparecer inseridas no procedimento de determinação do

imposto, assumam um caráter material ou substantivo ou cujo conteúdo

tenha que ver, ainda, com a modelação normativa dos elementos constitutivos

do tipo tributário de cuja concretização factual deriva a obrigação de imposto

e o seu montante, extravasando da esfera procedimental ou processual. É o

caso das normas que identificam, ainda, a realidade económica sujeita ao

imposto… (e) o legislador, na conformação dos elementos essenciais do tipo

tributário, não está inibido, em qualquer ofensa dos princípios da legalidade

tributária e da tipicidade, de lançar mão… de remissões para elementos aos

quais atribua a função de determinação dos seus aspetos ou dimensões

técnicas (por exemplo, remissão para um determinado preço que se venha a

estabelecer no mercado)… Tais normas remissivas têm, ainda, uma função

identificadora dos rendimentos ou da riqueza a tributar, bem diferente

daquele outro tipo diferente daquele outro tipo de normas que apenas têm

por escopo indicar os métodos ou caminhos a percorrer com vista à

determinação da matéria coletável e/ou do imposto, e estão sujeitas ao

princípio da legalidade».

Para o Tribunal, a disposição em análise (artigo 72.º, n.º3 Lei n.º3-B/2000)

conteria uma norma substantiva –

«dimensão quantitativa do facto tributário em que se expressa a matéria

coletável – dimensão ainda da incidência objetiva – definida pelo volume de

vendas de cada produto daquelas espécies, tendo aquele por referência o

respetivo preço de venda ao consumidor final, sujeita portante à reserva de

lei fiscal, mas a técnica remissiva não a tornaria inconstitucional, dado que

permitia conhecer, com previsibilidade e segurança jurídica, os termos do

facto tributário».

Em resumo, a regra do artigo 72.º, n.º3 Lei n.º3-B/2000 era uma regra sobre

quantificação do imposto, relacionada com a modelação normativa dos

elementos constitutivos do tipo tributário, e sujeita à reserva de lei fiscal

(caindo assim no conceito de incidência em sentido amplo para efeitos do

artigo 103.º, n.º2 CRP), e o que estava em causa era saber se a técnica

remissiva utilizada preenchia as necessidades da tipicidade fiscal. Até aqui o

critério de distinção enunciado pelo Tribunal é correto. Todavia, logo de

seguida, o Tribunal defende que a incerteza decorrente da lei é um

«estado de dúvida subjetiva sobre o preço a tomar como base de

autoliquidação do imposto»,

o qual

«se deve exclusivamente ao regime de liquidação do imposto»,

Aspeto que já extravasaria do artigo 103.º, n.º2 CRP, e da reserva de lei

fiscal. E aqui a argumentação e decisão é incorreta: o Tribunal

Constitucional faz uma cisão indevida entre critérios abstratos de

determinação quantitativa do imposto (sujeitos a reserva de lei) e

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lançamento ou liquidação (não sujeitos a tal reserva). A consequência desta

cisão é a indeterminação ou desconhecimento de um elemento essencial do

imposto – a base de incidência, ou um elemento da base de quantificação

do imposto – no momento da aplicação da lei (indeterminação de deveres

do sujeito passivo), o que não é admissível na reserva de lei fiscal. Na

verdade, ao contrário do que argumentou o Tribunal Constitucional, a

remissão para o respetivo preço de venda ao consumidor final, para o preço

que se venha a estabelecer no mercado, não permite a previsibilidade do

montante de imposto a pagar. E não permite essa previsibilidade, porque,

no caso em concreto, a remissão legal para um determinado preço que se

venha a estabelecer no mercado não era conhecido no momento em que

tinha de ser feita a liquidação. Assim, e novamente ao contrário do que

defende o Tribunal Constitucional, a técnica remissiva tornou a norma

inconstitucional, dado que essa remissão não permitia conhecer, com

previsibilidade e segurança jurídica, os termos quantitativos do facto

tributário. Neste caso, a indeterminação da lei não é a indeterminação (ou

vaguidade) em si dos conceitos, pois este conceito é determinável num certo

momento. Mas trata-se ainda de indeterminação da lei, pois não é possível

encontrar na lei argumentos legais suficientes para justificar os resultados a

que se chega. Isso significou a inadequação da lei para garantir um resultado,

quanto a um elemento essencial do imposto (um elemento de quantificação).

Por isso, não se deve distinguir entre normas de determinação da matéria

coletável e normas de lançamento e/ou de liquidação, se estas contiverem

regras de quantificação. Repare-se que esta reserva de lei significa que não

basta a estimativa da receita cessante originada pelos benefícios fiscais em

relatório que acompanha a lei do orçamento (artigo 106.º, n.º3, alínea g)

CRP), mas que a disciplina destes deve constar de lei parlamentar ou

decreto-lei autorizado (artigo 165.º, n.º1, alínea i) e n.º2 CRP) ou Decreto-

Legislativo regional (ao abrigo do artigo 227.º, n.º1, alínea i) CRP), mesmo

que a autorização do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, seja dada na própria

lei do orçamento.

iv. Taxa ou Alíquota: o outro elemento referido no artigo 103.º, n.º2 CRP que

faz parte dos elementos essenciais do imposto, é a taxa ou alíquota. Parece

ser hoje pacífico que a definição da taxa de imposto e não apenas os limites

da mesma está, em regra, sujeita à reserva de lei no sentido anteriormente

explicitado, a não ser que outros princípios ou disposições constitucionais

legitimem uma margem – estreita ou não muito alargada – de

discricionariedade quanto ao montante exato da mesma (tal como o

princípio da autonomia local, ou, desde a revisão constitucional de 1997, o

artigo 238.º, n.º4 CRP).

v. Os benefícios fiscais no contexto do artigo 103.º, n.º2 CRP: a Constituição de 1976

submete os benefícios fiscais à reserva de lei fiscal, no artigo 103.º, n.º2 CRP.

A consagração expressa da reserva de lei para os benefícios fiscais justifica-

se, não só no sentido em que a reserva de lei nos Estados sociais de Direito

não se deve limitar à administração ablativa, como para se evitar equívocos

ou dificuldades de interpretação, sobretudo se se tiver em conta que os

benefícios fiscais são, por via de regra, medidas extrafiscais, às quais se

recusa a aplicação pura e simples da constituição fiscal. Na verdade, como

parte da extrafiscalidade, os benefícios fiscais estão sujeitos às regras do

Direito Económico Fiscal – ou seja, em parte, a regras do Direito Fiscal

clássico ou material, entre as quais a reserva de lei parlamentar, e em parte

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a regras flexíveis, de adaptação à economia, do Direito Económico. Nesse

sentido, os benefícios fiscais não constituem, em bom rigor, elementos do

tipo de imposto, relativos à determinação do na e do quantum (ao invés de

deduções, isenções ou exclusões, relacionadas com objetivos de tributação

do rendimento-acréscimo ou da capacidade contributiva), tal como os

subsídios diretos (subvenções estaduais) e não são. Por outro lado, quer no

âmbito do Estado Fiscal, quer no âmbito da concorrência fiscal a que se

assiste no quadro da EU e até mundial, o benefício fiscal introduz

fenómenos perversos de erosão de receitas e restringe a aplicação dos

princípios materiais fiscais, pelo que deve ser publicitado, e deve por isso

estar sujeito a reserva de lei parlamentar (mesmo que delegável ao Governo,

e mesmo sem impedir que as Assembleias Legislativas Regionais tenham

competências legislativas nessa matéria). Diferentemente das normas fiscais

s.s. (normas destinadas à obtenção de receitas fiscais), cuja reserva de lei

parlamentar, como vimos, será relacionada com preocupações garantisticas

e com o princípio do Estado de Direito democrático, a reserva de lei

parlamentar para os benefícios fiscais encontra a sua justificação capital no

facto de eles restringirem o princípio do Estado fiscal (justamente porque

este se caracteriza como o Estado cujas necessidades financeiras são

essencialmente cobertas por impostos) e de se desviarem do princípio da

igualdade, na vertente da capacidade contributiva (no sentido em que todos

devem contribuir para as despesas públicas, segundo a sua capacidade

contributiva), sendo esta um limite material constitucional ao legislador

ordinário. Em confronto com as normas de incidência e da taxa de imposto,,

os benefícios fiscais são o reverso da medalha, e o legislador constituinte

terá entendido que o afastamento dessas normas e com ele a restrição dos

limites ou princípios materiais constitucionais fiscais deve estar também

submetido à reserva de lei parlamentar do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP,

sob pena de se defraudar a reserva de lei fiscal. A sequência enumerativa do

artigo 103.º, n.º2 CRP, induz a esta interpretação. Mas a reserva de lei

parlamentar não é suficiente para legitimar a previsão normativa e a

atribuição em concreto dos benefícios fiscais. Para além da sujeição à

reserva de lei, o afastamento ou restrição dos limites materiais

constitucionais fiscais carece de justificação com base em princípios

orientadores, os quais devem ser sempre ponderados conjuntamento com

os princípios materiais fiscais a restringir. A inclusão dos benefícios fiscais

no artigo 103.º, n.º2 CRP traduz a convicção de que a reserva de lei é um

dos instrumentos para garantir, simultaneamente, o legítimo afastamento

dos princípios constitucionais materiais do Estado fiscal e a observância dos

princípios a que os benefícios fiscais estão submetidos.

vi. As garantias dos contribuintes: no que diz respeito à reserva de lei a que o artigo

103.º, n.º2 CRP sujeita as garantias dos contribuintes podemos dividi-las em

garantias procedimentais e garantias contenciosas. Quanto ao regime das

infrações fiscais, o artigo 103.º, nº2 CRP nada acrescenta ao artigo 165.º

CRP: os tipos de crime fiscal e de contraordenação fiscal e as respetivas

sanções e processos já estão sujeitos a reserva de lei ao abrigo do artigo

165.º, n.º1, alíneas c) e d) CRP.

c. Criminalização, agravação, descriminalização ou atenuação: tal como o

Tribunal Constitucional, entendemos que a reserva de lei abrange a atividade de

criminalização ou agravação, e a da descriminalização ou de atenuação. O Tribunal

apontou várias razões para fundamentar o alargamento da reserva de lei parlamentar

à supressão do quadro criminal de tipos de ilícito, que passamos a citar:

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i. Porque o artigo 168.º (atual 165.º), n.º1, alínea a) CRP, não faz qualquer distinção;

ii. A não se entender assim, a competência da Assembleia da República para criar tipos-

crime e penas reduzir-se-ia a zero, sempre que o Governo, e de imediato, lhe revogasse as

leis penais que editasse, o que resultaria inadmissível;

iii. A implementação do quadro geral de ilícitos criminais e penas, em sentido estrito, reclama

que, analisada detidamente a realidade social, se selecionem, especifiquem e graduem,

segundo parâmetros de referência constitucional, os comportamentos humanos infratores

de bens jurídicos essenciais e se estabeleçam penas proporcionadas a cada facto, daí que a

simples eliminação de um modelo de crime reflexamente altere todo o quadro, o que

equivale a dizer que, neste campo, a competência negativa tem, ao cabo e ao resto,

profundos efeitos positivos.

Também Taipa de Carvalho defende que o Governo não tem competência para, por

Decreto-Lei não autorizado, descriminalizar ou reduzir as sanções criminais

estabelecidas por Lei ou Decreto-Lei autorizado, reiterando o segundo argumento

do Tribunal: se é da Assembleia da República a competência para determinar

«os bens que ela considera essenciais à vida individual e social e carecidos de uma

determinada tutela penal, então não teria qualquer razoabilidade atribuir ao

Governo competência para vir “dizer” que tais bens não têm “dignidade penal” ou,

se a têm, não devem ter uma proteção penal tão intensa como a que a Assembleia

da República lhe confere».

Estes argumentos também se aplicam, com as devidas adaptações, às garantias do

processo crimina, previstas no artigo 32.º CRP.

d. Restrições e desagravamentos das garantias dos contribuintes: no caso das

garantias dos administrados a que se aplica o artigo 165.º, nº.1, alínea b) CRP, em

princípio, a reserva de lei abrange todo o regime dos direitos, liberdades e garantias

– mas será difícil considerar inconstitucional um Decreto-Lei que tenha como

finalidade proteger, promover, ampliar os direitos, liberdades e garantias ou que se

limite a desenvolver e executar em aspetos de pormenor a regulação parlamentar do

exercício. Nem Vieira de Andrade nem Casalta Nabais consideram inconstitucionais

Decretos-Lei que protejam, promovam, ampliem ou executem a disciplina dos

mesmos. No caso das garantias dos contribuintes, o artigo 103.º, n.º2 CRP, ao

estabelecer que elas são determinadas por lei, não exclui as normas que ampliem

essas garantias ou as que se limitem a declarar limites imanentes às mesmas. Além

do mais, ao contrário do que acontece com as garantias em matéria criminal e de

processo criminal, e com as garantias dos administrados (consagradas nos artigos

29.º, 32.º, 268.º, e ainda, nos 20.º e 22.º CRP), o conteúdo das (restantes) garantias

dos contribuintes não é expressamente determinado pela Constituição. A função

garantistica da reserva de lei fiscal nunca foi entendida como dizendo respeito

apenas às normas desfavoráveis, mas a quaisquer alterações de regime, por estar em

causa a previsibilidade do montante do imposto (e da situação fiscal) e a tutela de

confiança do contribuinte. Mas há outras razões para este entendimento, que se

reconduzem às invocadas pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 56/84.

Desde logo, no plano da hierarquia das fontes, se as normas procedimentais e

processuais fiscais que disciplinam as garantias estão sujeitas ao artigo 165.º, n.º1,

alínea i) CRP, as normas que modificam esse regime num plano mais favorável têm

de estar previstas em fontes da mesma hierarquia, desde logo por óbvias razões

técnico-formais, pois as segundas revogam ou derrogam uma Lei ou Decreto-Lei

autorizado, embora este argumento não valesse para os Decretos-Lei não

autorizados. E as mesmas razões substanciais invocadas no Acórdão 56/84, a

propósito das garantias em matéria penal, apontam no sentido da reserva de lei

parlamentar das garantias dos contribuintes: se assim não fosse, o sistema de

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garantias procedimentais e processuais fiscais, instituído por lei parlamentar ou

Decreto-Lei autorizado, poderia ser neutralizado (defraudado) pelo executivo, por

Decreto-Lei não autorizado.

5. Determinação e indeterminação:

a. Conceito: o princípio da legalidade fiscal, exige que todas as leis em sentido formal

sejam suficientemente determinadas de modo que os particulares possam entender

e prever as atuações da administração tributária (Acórdão n.º 233/94). Estas

exigências de densificação da lei formal pelo Tribunal não implicam a calculabilidade

do imposto pelo sujeito passivo (ou o cálculo exato). Uma lei é indeterminada

quando o conjunto de argumentos legais disponíveis é insuficiente para justificar os

resultados a que se chega. Nestes casos, o conjunto de argumentos legais nunca

garante (ou justifica) apenas um e só um resultado em casos importantes ou difíceis.

A indeterminação é um problema quando sugere que o exercício de um julgamento

racional com base numa argumentação exclusivamente legal não pode ser defendido

contra um diferente exercício de julgamento, mas ela só ocorre nos casos difíceis.

Um caso típico de indeterminação de lei fiscal é dos preços de transferência aplicável

às empresas multinacionais. A diferença entre determinação e indeterminação é

quantitativa e não qualitativa. Devido às exigências da reserva de lei fiscal, ligadas à

previsibilidade e calculabilidade, a indeterminação da lei fiscal postula uma

concretização progressiva da lei formal, através de Decretos-Lei não autorizados,

regulamentos, de orientações genéricas e de uma jurisprudência constantes, com

base nos caos típicos (tipificação). Na verdade, a indeterminação da lei fiscal

raramente aconselha o juízo discricionário, segundo as circunstâncias do caso. Pode

acontecer uma ponderação do caso típico e de algumas circunstâncias individuais,

quando se aplicam, por exemplo, os referidos preços de transferência. A

indeterminação legal resolvida através de soluções individuais, colocada em causa o

princípio da igualdade. Cabe sempre aos tribunais exercerem o controlo dos limites

internos e externos à margem de livre apreciação e à discricionariedade e por isso,

os acordos secretos são proibidos. Em conclusão, são recomendáveis as técnicas

legislativas que juntam as definições a conceitos-padrão, numa lógica de principles-

based taxation. Mas não é inconstitucional a utilização de conceitos vagos e

indeterminados e uma consequente margem de livre apreciação atribuída à

administração; nem o desenvolvimento desses conceitos por Decretos-Lei não

autorizados ou por regulamentos, em relação aos aspetos técnicos da disciplina legal

(Ac. n.º233/94, n.º 756/95, n.º236/01, nº.127/04).

b. Grau de determinação legal exigível e controlo judicial: relativamente ao grau

de determinação legislativa exigido pelo artigo 103.º, n.º2 CRP, podemos dizer

esquematicamente:

i. Quanto às normas de determinação do an e do quantum do imposto, cabe

à lei formal estabelecer diretamente o regime para os casos típicos (casos

padrão ou paradigma) a que se dirige (o núcleo – determinado/cobrindo

casos típicos – do conceito deve ser maior do que a auréola –

indeterminada/cobrindo casos atípicos);

ii. No caso da incidência objetiva em sentido restrito (objeto do imposto), para

além da definição e enumeração das manifestações típicas de riqueza que

cada imposto pretende atingir (pela técnica da tipicidade tendencialmente

fechada e através de tipos jurídicos estruturais ou reais), podem ser

consagradas cláusulas residuais que abram a tipicidade e atinjam

manifestações de riqueza semelhantes;

iii. No caso da incidência subjetiva (sujeitos passivos), a enumeração dos

sujeitos não tem de ser taxativa, mas exemplificativa, de modo a evitar que

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determinadas entidades, pela forma jurídica que assumam, escapem do

âmbito de incidência;

iv. Quanto às regras de determinação e quantificação da matéria tributável,

cabe à lei (parlamentar ou Decreto-Lei autorizado) definir o regime a aplicar,

de tal modo que o intérprete perceba quais as opções tomadas e consiga

prever (no sentido amplo do termo) o imposto a pagar (valendo aqui o

princípio da previsibilidade e calculabilidade); todavia, para que a lei não

fique sobrecarregada de pormenores, o desenvolvimento desses critérios. É

ainda recomendável que as orientações genéricas vão concretizando os

conceitos legais (e regulamentares) indeterminados, de modo que diminua

o grau de incerteza na aplicação da lei, e permita ao contribuinte ver

gradualmente assegurados os referidos princípios da previsibilidade e

calculabilidade do imposto. A concretização progressiva dos conceitos

jurídicos indeterminados permite aos tribunais um controlo mais eficaz da

aplicação da lei pela administração.

v. Quanto aos benefícios fiscais, a lei parlamentar ou o Decreto-Lei autorizado

podem conceder ao ministro das finanças discricionariedade para ponderar

a atribuição dos mesmos a casos concretos, mas os tribunais deveriam fazer

um controlo da observância de princípios materiais: só são legítimos os

benefícios que prosseguem o bem estar geral e não apenas o bem estar de

um grupo restrito de cidadãos, que respeitem o princípio da

proporcionalidade em sentido amplo, devendo também ser ponderado o

ganho para a comunidade; estes princípios devem também ser confrontados

com os princípios materiais do Direito Fiscal a restringir, i.e. deve ser

avaliado se estes princípios devem prevalecer sobre a igualdade na vertente

da capacidade contributiva, progressividade, e quaisquer outros limites

fiscais que sejam restringidos pelos benefícios fiscais.

Em todos os pontos anteriormente enunciados, os tribunais devem controlar a

legalidade da atuação administrativa. A consagração de conceitos jurídicos

indeterminados implica a sua interpretação segundo os critérios gerais de

interpretação das leis fiscais. Quanto às normas de incidência objetiva e subjetiva

em sentido restrito, as dúvidas sobre tributação/não tributação, colocam uma

questão de limites de interpretação admissível, em matérias sujeitas a reserva de lei,

cabendo naturalmente aos tributos a última palavra. No caso de normas sobre a

determinação/avaliação ou quantificação da matéria tributável, embora também

sujeitas a reserva de lei, quando as situações a avaliar se localizem na auréola do

conceito, e a interpretação permita mais do que uma solução, pode (deve) o tribunal

aceitar a concretização ou interpretação da administração, desde que ela constitua

uma interpretação possível desse conceito – os princípios da praticabilidade e da

igualdade possível assim o recomendam. É também relativamente a estes casos que

a jurisprudência do STA tem defendido a existência de uma margem de livre

apreciação administrativa, na ausência de erro manifesto (embora a designe

erradamente de discricionariedade técnica, não controle a observância dos limites a

essa margem de liberdade, e embora ela seja exercida pela aplicação da lei ao caso

individual). Na ausência de densificação de leis indeterminadas pela administração,

deve o tribunal fazê-lo através de uma jurisprudência constante.

c. A posição da jurisprudência: a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a

não inconstitucionalidade dos conceitos jurídicos indeterminados tem sido

secundada por uma jurisprudência constante do STA:

«quando a lei usa conceitos jurídicos indeterminados, embora daí resulte que a

administração vem a beneficiar de uma certa margem de livre apreciação, não haverá

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ofensa da Constituição desde que os dados legais contenham uma densificação tal

que possam ser tidos pelos destinatários da norma como elementos suficientes para

determinar os pressupostos de atuação da Administração e que simultaneamente

habilitem os tribunais a proceder ao controlo da adequação e proporcionalidade da

atividade administrativa assim desenvolvida».

Não constitui inovação o simples preenchimento e concretização de conceitos

jurídicos indeterminados (Ac. n.º 500/97 e 621/98, embora esta afirmação seja

tenha sido proferida a propósito de uma questão lateral, i.e., tratava-se de conceitos

jurídicos indeterminados constantes do ETAF e da alteração, pelo Governo, da

entidade competente para a cobrança coerciva de créditos). Porém, no Acórdão do

Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 3 de outubro 2013, no processo C-282/12,

Itelcar, considerou que o então artigo 58.º, n.º4 CIRC (atual 63.º, n.º4 CIRC) que

define relações especiais não era suficientemente determinado para efeitos do

Direito Europeu. Se o conceito de relações especiais estivesse densificado em

Decreto-Lei. Regulamento, orientação genérica ou jurisprudência constante, estes

deveriam ter sido referidos pelo Governo português e o Tribunal de Justiça já não

poderia concluir que a regra do artigo 58.º, n.º4 CIRC não satisfazia os requisitos da

segurança jurídica.

d. Remissões da lei forma para regulamento ou Decreto-Lei não autorizado: o

princípio da legalidade fiscal não impede as remissões expressas da lei formal para

regulamento ou Decreto-Lei não autorizado que desenvolvam aspetos estritamente

técnicos do regime (Acórdão n.º 236/01 TC). Essas remissões são aconselháveis

para que a lei fiscal possa exercer eficazmente a sua função de garantia (Ac. n.º

236/01). Ainda segundo o mesmo Acórdão, não são inconstitucionais – não são

praeter legem – os Decretos-Lei não autorizados (nem os regulamentos) que não criem

uma nova categoria de incidência. No caso apreciado pelo Tribunal, tratava-se de

um Decreto-Lei que veio permitir e disciplinar a reavaliação dos elementos do ativo

imobilizado corpóreo das empresas, após a entrada em vigor do novo sistema de

tributação, reavaliação essa que podia incidir sobre bens já reintegrados – isto é, bens

reavaliados após o decurso do período máximo da sua vida útil, podiam ser

considerados custos –, o que não estava previsto expressamente pelo CIRC.

Segundo o Tribunal Constitucional, a questão tinha natureza técnica, e o Decreto-

Lei,

«fazendo como que uma explicitação da regulamentação em vigor, v[inha] somente

submeter ao regime fiscal geral as reintegrações e amortizações decorrentes de

reavaliações realizadas após o decurso do período de vida útil dos elementos

reavaliados. Este diploma não cria[va], portanto, uma nova categoria de custos (…)

não trata[va] (…) da definição da norma de incidência ou da determinação do seu

objeto, isto é, não trata[va] do critério definidor do tipo de deduções à matéria

coletável».

É também compatível com o princípio da legalidade, a atribuição por lei de uma

margem de apreciação à administração, na aplicação de critérios técnicos ao caso

individual: no Acórdão n.º 236/01, o Tribunal lembra que o CIR atribui

competência à DGCI para aceitar casos especiais de reintegração e amortização –

devidamente justificado –, para além do período máximo de vida útil dos bens: o

que em regra, não é aceite (no mesmo sentido, Ac. n.º 451/01 e 589/01). A

densificação das leis fiscais tem de ser conjugada com o princípio da igualdade, o

que significa que as exigências de densificação não são absolutas, e justifica que o

legislador possa recorrer a conceitos jurídicos indeterminados, com o objetivo de

facilitar a aplicação da lei a casos idênticos. Exemplo da necessidade de conjugação

da legalidade com a igualdade fiscal, é a consagração de cláusulas residuais na

definição dos tipos de incidência objetiva, tal como quaisquer outros rendimentos

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derivados da simples aplicação de capitais não compreendidos na Secção A (artigo

12.º, n.º6 Código Imposto de Capitais). O Tribunal Constitucional pronunciou-se

pela não inconstitucionalidade desta cláusula, justamente com base nessa

argumentação.

6. O artigo 103.º, n.º3 CRP: como já temos vindo a referir, segundo o artigo 103.º, n.º3 CRP,

ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da

Constituição… e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas na lei. Esta

disposição consagra o princípio da preferência ou precedência de lei, e uma espécie de direito

de resistência ao pagamento de impostos inconstitucionais ou ilegais, nos termos

constitucionalmente definidos (artigos 165.º, n.º1, alínea i), 227.º, n.º1, alínea i), e 238.º, n.º4,

e pelo princípio da tipicidade do artigo 103.º, n.º2 CRP). Reafirma assim que a administração

e os tribunais estão submetidos à Constituição e à lei. Como decorre das considerações que

tecemos nas páginas anteriores, ao contrário do que tem sido defendido por boa parte da

doutrina, o n.º3 do artigo 103.º CRP não faz qualquer opção quanto à não sujeição das regras

de liquidação e cobrança à reserva de lei, mas refere-se apenas à atividade administrativa de

aplicação da lei de imposto.

O princípio da retroatividade fiscal

1. Conceito e critérios: a regra do Direito Fiscal, tal como nos outros ramos de Direito, é a

de que a lei nova se aplica para o futuro. A aplicação a factos passados é proibida (artigo

103.º, n.º3 CRP). Existe:

a. Retroatividade autêntica (em sentido próprio ou forte): se a lei for aplicada a um

facto com início no passado, inteiramente ocorrido ao abrigo de uma lei antiga.

b. Retrospetividade: se o facto com início no passado, ainda estiver a decorrer, e esta

será também proibida se for violada a proteção da confiança.

A primeira questão que a aplicação no tempo da lei fiscal coloca é a de saber o que significam

factos futuros e factos passados, e esse significado varia, como veremos, consoante se trate

de

a. leis procedimentais; ou,

b. leis substantivas; e de

c. factos tributários de obrigação única; ou,

d. factos tributários de formação sucessiva.

Em segundo lugar, cabe determinar o tipo de normas fiscais que não podem ser retroativas.

Uma vez que a proibição da retroatividade visa proteger a segurança jurídica e a confiança

do sujeito passivo, só as normas fiscais oneradoras do sujeito passivo é que não podem ser

retroativas e pelo contrário as normas desoneradoras podem sê-lo porque favorecem os

sujeitos passivos e a segurança jurídica não é afetada. Esta é uma diferença em relação à

reserva de lei fiscal e ao princípio da tipicidade fiscal, pois a reserva de lei abrange quer as

normas oneradoras quer as normas desoneradoras relacionadas com o an, quantum, os

benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Em terceiro lugar, para efeitos da proibição

da retroatividade, cabe determinar o que são normas oneradoras do sujeito passivo.

2. Leis procedimentais e leis processuais: em praticamente todos os ordenamentos jurídicos

dos Estados da OCDE as leis procedimentais e processuais (garantias dos contribuintes) têm

aplicação imediata. Elas podem aplicar-se a procedimentos e processo em curso respeitantes

a factos tributários já ocorridos, mas que ainda são objeto de investigação e que não foram

atingidos pela caducidade da liquidação, nem pela descrição da dívida fiscal. Este

entendimento está consagrado no artigo 12.º, n.º3 LGT, segundo o qual, as normas de

procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e

interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes. As garantias e os direitos

e interesses legítimos constituídos são aqueles que em relação aos quais já decorrer o prazo

de caducidade e de prescrição, ou tenha havido caso julgado. Para efeitos do citado artigo

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12.º, n.º3 LGT, temos de interpretar “contribuintes” como sujeitos passivos (categoria mais

ampla). Também os sujeitos passivos (enquanto legalmente obrigados ao cumprimento de

uma prestação tributária, de natureza material ou formal) que não sejam contribuintes

(contribuinte é o sujeito passivo obrigado a pagar tributos ou outros encargos legais a estes

associados), são protegidos pela proibição da retroatividade. O nosso Tribunal

Constitucional também aplica a distinção entre retroatividade e retrospetividade (analisando

o princípio da proteção da confiança neste caso) às normas procedimentais e processuais ou

relacionadas com as garantias dos contribuintes. É o caso de regras sobre a prescrição da

dívida tributária. Por exemplo, no Acórdão n.º 6/2014, estava em causa a aplicação da norma

do n.º4 do artigo 49.º LGT, na redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 a um processo

em curso. Segundo esse n.º4,

«[o] prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente

autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puder

termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando

determinem a suspensão da cobrança da dívida».

O Tribunal Constitucional entendeu não existir no caso violação do princípio da proibição

da retroatividade, consagrado no artigo 103.º, n.º3 CRP, pois não ocorreu retroatividade

autêntica, isto é, a lei nova não foi aplicada a um facto passado, inteiramente decorrido ao

abrigo da lei antiga. O mesmo Tribunal considerou que não tinha existido violação do

princípio da proteção da confiança, na vertente da segurança jurídica. Segundo o Tribunal, a

análise do princípio da proteção da confiança implicava a comparação entre o regime novo

e o antigo, pois a violação da proteção de confiança traz um agravamento da posição jurídica

dos contribuintes, em relação ao sistema legal anteriormente vigente, com o qual se não possa

legitimamente contar. Nesse contexto, não há (Ac. n.º 287/90 e 6/2014)

«um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em

relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados,

[e, portanto], o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações

jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova

regulamentação, por ser essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis».

O Tribunal Constitucional recordou que o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição

que consta do n.º1 do artigo 49.º LGT desde a sua versão originária, implicava já a

possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí

previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao

processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º1 CC). E concluiu

que o atual regime,

«salvo a situação anómala em que ocorresse uma excessiva demora do processo, não é

essencialmente mais gravoso que o que resultava da primitiva versão da norma, que permitia

que, sucessivamente, o prazo prescricional pudesse considerar-se interrompido até ao trânsito

em julgado da decisão a proferir no processo, quando fossem utilizados pelo interessado diversos

meios processuais. E, por outro lado, o prolongamento da suspensão até à decisão definitiva

do processo não é também uma solução jurídica que fosse inteiramente estranha ao sistema

legal. Na verdade, essa mesma solução já resultava do disposto no artigo 49.º, n.º3 LGT, na

sua redação primitiva, no ponto em que a suspensão do prazo de prescrição que aí se previa

já devia entender-se como correspondendo à duração da paragem do processo de execução em

resultado de uma impugnação judicial que fosse acompanhada de prestação de garantia, e que,

por efeito do artigo 169.º, n.º1 CPPT, se maninha até à decisão do pleito. E quanto a esta

última norma, não pode sequer invocar-se uma qualquer violação do princípio da segurança

jurídica, visto que ela já vigorava à data da interposição da impugnação judicial».

Finalmente, o Tribunal entendeu que o regime legal se mostra justificado por razões de

interesse público relacionadas com a necessidade de obtenção de receitas fiscais que resultem

de impostos que tenham sido já objeto de liquidação. Num outro Acórdão sobre a mesma

matéria, diz-nos o Tribunal:

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«Ora, constituindo a prescrição das obrigações tributárias as respetivas causas de interrupção

e suspensão verdadeiras garantias dos contribuintes, há que concluir que a aplicação de causas

de interrupção ou suspensão introduzidas pela lei nova a prazos de prescrição que já haviam

começado a correr ao abrigo da lei antiga é assimilável a uma situação de aplicação retrospetiva

de norma fiscal favorável. Com efeito, não há dúvida de que, correspondendo a prescrição à

extinção de uma obrigação vencida em consequência do decurso de um prazo, por razões de

certeza, de segurança e de paz jurídicas, a introdução de novas causas de interrupção ou de

suspensão de prazos de prescrição gera situações prejudiciais ou de desvantagem para os sujeitos

passivos daquela obrigação, potencialmente lesivas das expectativas legítimas que mantinham

na conservação do concreto conteúdo de tais garantias. A prescrição constitui uma causa de

extinção da obrigação tributária de formação contínua, prevendo a lei que, no decurso desse

período de formação, possam ocorrer factos ou serem praticados atos suscetíveis de causar a

sua interrupção. Talqualmente interpretados pelo tribunal recorrido, os preceitos em crise

aplicam-se a factos ocorridos após a sua entrada em vigor, ao abrigo das novas causas de

interrupção dos prazos de prescrição neles previstas, muito embora tais prazos tenham

começado a correr na vigência da lei antiga e ainda não tivessem terminado no momento em

que se deu a cessação da sua vigência. Trata-se, portanto, de uma norma fiscal com natureza

retrospetiva».

Tratando-se de um caso de retrospetividade, a analisar à luz da proteção da confiança, diz-

nos o TC que se deve ter em conta, e que se pondere,

«tanto o contexto da administração tributária quanto o contexto do particular tributado. Na

verdade, porém, as expectativas dos contribuintes na manutenção em bloco das causas de

interrupção e suspensão dos prazos de prescrição vigentes à luz do CPT não assumem a

magnitude necessária para que se verifiquem uma violação do princípio constitucional da

proteção da confiança. Desde logo, porque assumindo a prescrição, enquanto facto extintivo

da obrigação tributária, natureza contínua ou de formação sucessiva – dependente, portanto,

de uma situação de inércia prolongada do sujeito ativo da relação tributária – é pouco

expectável que durante esse período não se processem alterações do quadro jurídico vigente com

efeitos imediatos nos prazos em curso. Com efeito, se quando estão em causa impostos

periódicos, em que a formação do facto tributário se prolonga por alguns meses ou anos, este

Tribunal vem afastando – em caso de alterações legislativas reconduzíveis a um agravamento

da carga fiscal durante aquele período de formação – a intolerabilidade da violação das

legítimas expectativas dos cidadãos, a mesma conclusão, por maioria de razão, há de poder

extrair-se quando estejam em causa normas fiscais relativas a factos extintivos da obrigação

tributária e cuja formação é bem mais prolongada».

Refira-se, por fim, a aplicação no tempo de regras antiabuso, incluindo de uma cláusula geral

deve ser enquadrada na categoria de normas relacionadas com as garantias dos sujeitos

passivos.

3. Leis substantivas:

a. Impostos de obrigação única e impostos periódicos: no caso de leis fiscais

substantivas novas, é preciso distinguir entre:

i. Impostos de obrigação única: cujo facto tributário se constitui e conclui

com um único ato ou contrato jurídico. A proibição de retroatividade

implica o respeito pelos factos tributários passados, ou seja, a não aplicação

da lei nova a esses factos, pois a obrigação tributária nasceu e está concluída.

ii. Impostos periódicos: cujo facto tributário tem normalmente início no

primeiro dia do ano ou período fiscal e que só está concluído no último dia

desse ano ou período (factos tributários de formação sucessiva). A

proibição da retroatividade assume contornos próprios relacionados com a

formação sucessiva do facto tributário e com a existência de anos ou

períodos fiscais que separam as obrigações tributárias por períodos. A

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existência de factos tributários de formação sucessiva, que só estão

concluídos quando termina o ano ou período fiscal, faz do ano ou período

fiscal o parâmetro para aferirmos o próprio conceito de retroatividade.

Como veremos de seguida, a propósito das tributações autónomas, o

Tribunal Constitucional português parece seguir o raciocínio do ano ou

período fiscal para todos os factos tributários regidos pelos Códigos de IRC

(e portanto o raciocínio será o mesmo no quadro do Código do IRS). Assim,

desde que o ano fiscal esteja em curso, a entrada em vigor de lei nova aplica-

se desde 1 janeiro. Todavia, a afirmação de que certos tipos de impostos

são periódicos e outros não o são exige uma interpretação cuidada. Por

exemplo, quer no quadro do IRS quer no quadro do IRC, temos factos

tributários de formação sucessiva e outros factos tributários de obrigação

única. Assim, em relação aos rendimentos sujeitos a englobamento, a

tributação incide sobre o acréscimo patrimonial (a diferença entre o

património final do ano ou período fiscal e no início desse mesmo ano ou

período) e o facto tributário só está concluído no final do ano ou período

fiscal. O mesmo raciocínio aplica-se às mais valias tributáveis em IRS, cuja

matéria tributável resulta da diferença entre as mais e a menos valoras no

ano fiscal, apesar de as mais valoras não serem englobadas e de a taxa de

imposto ser proporcional. Pelo contrário, se as mais valias forem tributadas

autonomamente, em relação a cada ganho realizado – isto é, se não se

tributar o saldo positivo entre as mais e as menos valias – não se tributa o

rendimento acréscimo num determinado ano fiscal, mas o rendimento

acréscimo respeitante a cada realização, o que significa que se trata de uma

obrigação única.

b. As taxas liberatórias e as tributações autónomas:

i. No caso de retenções na fonte sujeitas a tatas a taxas liberatórias

(retenções na fonte definitivas e sem submissão dos rendimentos a

englobamento): o facto tributário é de obrigação única, pelo que não é

relevante o ano ou período fiscal, mas o dia em que ocorreu a obrigação de

imposto. O facto tributário está concluído no momento da obtenção do

rendimento ou da colocação do mesmo à disposição do sujeito passivo;

ii. No caso das tributações autónomas, de difícil caracterização e

qualificação: para efeitos de aplicação da lei no tempo, deve entender-se que

os factos tributários objeto de tributação autónoma constituem factos

tributários de obrigação única, pois a tributação autónoma incide sobre

despesas avulsas e não sobre o rendimento acréscimo. Isto significa que

uma lei nova só deve ser aplicada a factos tributários que ocorram após a

sua entrada em vigor, sob pena de ser retroativa e, por conseguinte,

inconstitucional. Este entendimento é confirmado por jurisprudência do

Tribunal Constitucional e do STA. Assim, nos termos do Acórdão da 2.ª

Secção do STA de 21 março 2012,

«as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do

IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem

sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes

sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos

sujeitos a taxas das de IRC».

O TC teve mais hesitações quanto à matéria quando analisou a

constitucionalidade da Lei n.º64/2008, 5 dezembro, que alterou a redação

de uma disposição fiscal anterior, agravando a carga fiscal (através de um

aumento da taxa). No Acórdão do Plenário, o Tribunal Constitucional

entendeu corretamente que na tributação autónoma em IRC, o facto

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gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se tratando de

um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas de um

facto tributário instantâneo típico dos impostos de obrigação única (os

impostos de obrigação única são aqueles cujo facto gerador se produz de

modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte

uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma,

o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, pois

«esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a

tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da

aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização

de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado

período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada

no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto

periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação

de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do

conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é

aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das

despesas efetuadas na determinação da taxa. E esta distinção tem

relevância, designadamente, para efeitos de aplicação da lei no tempo e

para a análise da questão da proibição da retroatividade da lei fiscal

desfavorável prevista no artigo 103.º, n.º3 CRP».

O referido Acórdão do TC veio pôr fim à polémica gerada pelo Acórdão

n.º 18/11 to Tribunal Constitucional que considerou a tributação autónoma

como uma tributação do rendimento. Nesse Acórdão, o Tribunal tinha

entendido que a aplicação de uma lei fiscal nova a partir de 1 janeiro de

2008, não caía no conceito de retroatividade, porque os factos tributários

em causa ainda não estavam concluídos. O Tribunal começou por distinguir

a tributação autónoma das despesas não documentadas dos restantes factos

sujeitos a tributação autónoma:

«estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa,

e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão

documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso,

são penalizadas com uma tributação de 50%... a tributação autónoma,

não incidindo diretamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar

uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de

encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor

transparência fiscal».

Acrescenta o Tribunal Constitucional que, com exceção das despesas não

documentadas, os outros factos legais sujeitos a tributação autónoma,

correspondem a encargos comprovadamente indispensáveis à realização

dos proveitos e que por isso a proibição da aplicação retroativa da lei nova

não se aplica, pois tais encargos teriam sido incorridos independentemente

do regime fiscal aplicável:

« referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é,

a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos

proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º1 CIRC, sendo a

tributação prevista nesses preceitos explicada por uma intenção legislativa

de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas

que afetem negativamente a receita fiscal… A nova redação veio reforçar

esta perspetiva, diferenciando diversas situações possíveis, que são

tributadas, consoante os casos, à taxa de 5%, 10% ou 20%, com o que

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se pretende não só desincentivar a realização de despesa como estimular as

empresas a optarem por soluções que sejam mais vantajosas do ponto de

vista do interesse público… Neste contexto, estando em causa encargos

que, por natureza, são indispensáveis para a realização dos proveitos ou

ganhos que estão sujeitos a imposto, não é aceitável a alegação de que o

impugnante teria incorrido em despesas, na perspetiva da continuidade do

regime legal anteriormente existente, que já não efetuaria caso pudesse

contar entretanto com um agravamento da taxa de tributação».

A argumentação do TC que foi votada por maioria não era convincente,

pois o tratamento das despesas (documentação) como dedutíveis significa

que enquanto despesas elas contribuem para o apuramento da matéria

tributável, e, portanto, para o apuramento do IRC como imposto sobre o

rendimento acréscimo, tal como exige o artigo 104.º, n.º2 CRP. Mas

enquanto facto tributário, as despesas não constituem por definição

rendimento acréscimo. Por outras palavras, mesmo que os custos

submetidos a tributação autónoma sejam dedutíveis como custos para

efeitos de IRC, isso não prova que eles sejam tributados como rendimento

acréscimo. Em voto de vencido, o Conselheiro Vítor Gomes defendeu que

a aplicação retroativa da tributação autónoma mais gravosa configurava um

caso de retroatividade proibida pelo n.º3 do artigo 103.º CRP, posição

correta e que antecipava o posterior Acórdão do Pleno:

«porque embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita

arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa

respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação

nesta cédula. Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como

diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de

tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo

de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal

que o Acórdão aponta. A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa

parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se

pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado

momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo,

a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável

em IRC no fim do período. Deste modo, o agravamento da taxa vai agravar

a situação do sujeito passivo num momento em que o facto gerador é coisa

do passado (as despesas de representação foram pagas ao seu beneficiário,

etc.). É certo que esta parcela de imposto só vem a ser liquidada num

momento posterior e conjuntamente com o IRC. Porém, a determinação

do valor global da matéria coletável sujeita à incidência das taxas de

tributação autónoma no fim do período tributário é o mero somatório das

diversas despesas dessa natureza, a que se aplica a taxa agora agravada. Essa

operação de apuramento do montante tributável a este título não espelha

um facto tributário de formação sucessiva, mas a mera agregação dos

valores sobre que incide a alíquota do imposto. O facto gerador de imposto

em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (artigo

8.º, n.º9 CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga

desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º CIRC) mas

a despesa enquanto tal. Assim, apesar de continuar a entender que só a

retroatividade autêntica é qua tale (i.e. sem ponderação) proibida pelo n.º3

do artigo 103.º CRP e que nos impostos sobre o rendimento não há

retroatividade autêntica quando o agravamento das taxas ocorre antes do

fim do período de tributação, considero que o caso de afasta totalmente do

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Direito Fiscal

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tipo de situação analisada no Acórdão n.º 399/19. O facto gerador de

imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação

(n.º9 do artigo 8.º CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não

comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º

CIRC) mas a despesa enquanto tal».

A posição do Tribunal no Acórdão n.º 18/11 acabado de referir foi

contraditada pelo Acórdão n.º 310/2012, da 2.ª Secção, de 20 junho de 2012,

com o n.º 310/2012, que julgou inconstitucional o agravamento das taxas

da tributação autónoma, por violação do n.º3 do artigo 103.º CRP.

Finalmente, tal posição encontra-se ultrapassada pelo Acórdão do Pleno do

Tribunal Constitucional, n.º 617/2012, que eliminou a contradição entre

julgados. Em conclusão, deve entender-se que a nossa legislação fiscal

consagra as tributações autónomas como factos tributários de obrigação

única, uma vez que a tributação incide sobre cada ato de despesa, e o facto

de a tributação autónoma estar sistematicamente incluída nos Códigos do

IRS e do IRC não a torna uma tributação de factos de formação sucessiva.

Assim sendo, as leis novas mais onerosas devem aplicar-se a factos

tributários futuros.

c. Conceito de Retroatividade para efeitos do IVA: no quadro do IVA, o sujeito

passivo não coincide com o consumidor final. Enquanto para o consumidor final, o

IVA é um imposto de obrigação única, para o sujeito passivo ele é um facto

tributário de formação sucessiva. Como o IVA é suportado pelo consumidor final,

a aplicação da lei nova no tempo, em matéria de IVA, não pode colocar em causa o

imposto já pago pelo consumidor final. Assim, o aumento do IVA a meio do ano

fiscal só se pode aplicar aos factos tributários (consumo, prestação de serviços ou

importação), futuros (que ocorram após a entrada em vigor da lei nova), sob pena

de se colocar em causa o montante de IVA cobrado anteriormente em cada ela da

cadeia.

4. A proibição da retroatividade como manifestação do princípio da segurança jurídica: