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DIREITO FISCAL Ana Paula Dourado
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Índice Introdução ...................................................................................................................................... 3
Os tributos ...................................................................................................................................... 4
O Princípio da Legalidade Fiscal ................................................................................................... 44
O princípio da retroatividade fiscal ................................................................................................ 61
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Introdução
1. Caracterização do Direito Fiscal. A autonomia do Direito Fiscal como ramo de
Direito: os impostos incidem tendencialmente sobre todas as manifestações de riqueza e
sobre todas as atividades económicas. O Direito Fiscal é chamado a regular a relação jurídica
que se estabelece entre:
a. O sujeito passivo: o sujeito que tem as obrigações materiais e/ou formais
relacionadas com os impostos; e
b. O sujeito ativo: a entidade de Direito Público titular do direito de exigir o
cumprimento das obrigações tributárias.
O sujeito ativo é representado pelas administrações fiscais e por isso o Direito Fiscal
disciplina a relação jurídica que tem por objeto outras receitas públicas, para além dos
impostos. A submissão dos impostos ao Direito e a uma medida de justiça controlável pelos
tribunais data d início do século XX, e vem substituir a relação autoritária e ajurídica entre o
Estado e o sujeito submetido a obrigações fiscais. É desde então que se pode falar em Direito
Fiscal. Mais concretamente, pode afirmar-se que o Direito Fiscal surge com a Lei Geral
Tributária Alemã de 1919. Pela primeira vez, uma lei atribui direitos ao sujeito passivo na
relação com o sujeito ativo, tornando a obrigação tributária, que era até então entendida
como uma relação de poder, numa relação jurídica e de Direito Público. Na sequência da
aprovação e entrada em vigor desta lei, surge o primeiro manual de Direito Fiscal, de autoria
de Albert Hensel. Beneficiando da sistematização da relação jurídica fiscal, Hensel defende
que a relação tributária se baseia na lei. Sistematiza os elementos da relação jurídica do
imposto e com caráter universal. Tant bestand – factispecie – e ao mesmo tempo juridifica a
relação entre o fisco e administrado:
a. Sujeito passivo: quem tem a obrigação de pagar o imposto;
b. Sujeito ativo: sujeito pública que entra na relação e tem direito a exigir o
cumprimento das obrigações tributárias;
c. Objeto ou incidência objetiva: os elementos que contribuem para a quantificação
do imposto;
d. Taxa ou alíquota.
Eles constituem o que designamos por Tatbestand sistemático do imposto.
2. Princípios estruturantes: o Direito Fiscal é também um Direito de Sobreposição porque
incide sobre outas instituições e depende de outros ramos de Direito. Ele recorre
frequentemente àquilo que podemos designar como tipos estruturais do Direito privado:
estruturas especiais de quadros jurídicos, que espelham a estrutura fundamental das relações contratuais. O
imposto incide sobre relações jurídicas privadas ou o resultado económico destas. Os
conceitos jurídicos utilizados pela lei fiscal são importados do Direito Privado, mesmo
quando adquirem um sentido autónomo no Direito Fiscal. A complexidade do Direito Fiscal
resulta de diversos fatores:
a. Do facto de a sua construção dogmática depender da aplicação de princípios,
institutos e conceitos dogmáticos de múltiplos ramos do Direito às suas
finalidades especiais: através do seu desenvolvimento, até se conseguir uma
construção própria, sem nunca perder de vista os traços dogmáticos dos restantes
ramos do Direito – numa relação de diálogo constante;
b. De existir uma enorme tensão entre os princípios da segurança jurídica e
justiça fiscal, entre a situação típica, apreendida na lei, e a situação individual
que exige uma ponderação casuística;
c. De ser um Direito de atos de massa;
d. De existirem vários níveis de decisão legislativa de recomendação de
legislação (a chamada soft law).
O princípio da segurança jurídica tem origem nas monarquias constitucionais e a justiça fiscal
é um princípio desenvolvido no século XX, partindo da igualdade ou capacidade contributiva.
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Ambos devem estar presentes na elaboração e aplicação da lei fiscal, mas exigem soluções
diferentes, e torna-se difícil satisfazê-los em igual medida. Enquanto a segurança jurídica
requer leis fiscais determinadas e a tributação segundo parâmetros idênticos, segundo o caso
típico, a justiça fiscal requer a análise casuística e esta é bem mais prosseguida pela
indeterminação legal. O facto de se tratar de um Direito de atos de massa, em que se pretende
tributar todas as manifestações de riqueza e um universo ilimitado de contribuintes, faz com
o princípio da praticabilidade deva estar sempre presente e ajude a resolver a tensão entre a
segurança jurídica (legalidade ou reserva de lei) e a justiça (princípio da igualdade). Assim, a
praticabilidade é, ao Direito Fiscal, um princípio interpretativo (dirigido também ao
legislador) do princípio da legalidade e do da igualdade.
3. A coerência do Ordenamento Jurídico Fiscal: se quisermos relacionar o Direito Fiscal
com a restante ordem jurídica, não podemos esquecer o contributo dado por Kalus Tipke:
tinha como objetivo autonomizar o Direito Fiscal e defender que o mesmo não podia entrar
em contradição com os princípios fundamentais em vigor em determinada ordem jurídica (é,
neste ponto, notória a influência de Canaris, e a sua proposta de unidade do sistema jurídico,
sem contradições internas). Seguindo o raciocínio de Canaris, Tipke afirmou não existirem
no Direito Fiscal contradições, nem a nível interno, nem a nível externo, ou seja, com a
ordem jurídica como um todo O entendimento de que as ordens jurídicas são absolutamente
coerentes é muito difícil de demonstrar. Defendemos, pelo contrário, que essa coerência
deve ser um objetivo a atingir através da interpretação da ordem jurídica tributária à luz da
Constituição e do Direito Europeu. A construção dogmática do nosso ordenamento fiscal,
implica a interpretação da Lei Geral Tributária, do Código de Procedimento e Processo
Tributário e restante legislação fiscal, tendo em conta os princípios desenvolvidos nesse
conjunto legislativo, desde que não sejam contrários à Constituição e ao Direito Europeu.
No caso do nosso Direito Fiscal, a LGT não tem valor reforçado e, por isso, não existe uma
obrigação de interpretação conforme à LGT, podendo esta ser derrogada por qualquer lei
ordinária posterior, com o mesmo nível hierárquico. De entre os princípios constitucionais
que ditam a interpretação das leis fiscais, devem destacar-se:
a. Formais:
i. O princípio da legalidade (artigos 103.º, n.º2 e 3, 165.º, n.º1, alínea i) e
n.º2, 227.º, n.º1, alínea i) e 238.º, n.º4 CRP);
ii. O princípio da segurança jurídica na vertente da proibição da
retroatividade (artigos 103.º, n.º3, in fine e 18.º, n.º3 CRP).
b. Materiais:
i. Princípio da justiça, concretizado pelo princípio constitucional da
igualdade (artigos 2.º e 13.º CRP).
ii. Princípios do abuso e da praticabilidade, como princípios
interpretativos da legalidade e igualdade: no Direito Fiscal o princípio
da igualdade é configurado como o princípio da capacidade contributiva
(todos devem contribuir na medida da sua capacidade económica) (artigos 103.º, n.º1
e 104.º CRP). Isto significa que as exceções à capacidade contributiva
devem ser justificadas por um outro princípio constitucional que deva
prevalecer, num conjunto de casos, ou num caso concreto, sobre o primeiro.
Os tributos
1. O conceito de Tributos: os tributos costumam ser definidos como as receitas criadas pelo
Estado ou outras entidades públicas para a satisfação de necessidades públicas e sem função sancionatória .
Através dos preceitos constitucionais e legais relacionados com os tributos, poderemos
averiguar se a definição acima referida é válida no nosso ordenamento jurídico-constitucional.
a. O artigo 103.º, n.º1 CRP, refere-se ao sistema fiscal português como a satisfação das
necessidades financeiras do estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos
e da riqueza. O sistema fiscal a que se refere o artigo deve ser entendido como o
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conjunto dos impostos disciplinados pelo ordenamento jurídico português. Na
verdade, os restantes números do artigo 103.º CRP tratam apenas dos impostos e
não de outros tributos. Além disso, o artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, submete a
reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República
i. A criação de impostos e sistema fiscal, por um lado; e
ii. A criação do regime geral das taxas e das demais contribuições financeiras,
por outro lado.
Sistema fiscal no artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, é entendido novamente como o
sistema dos impostos (conjunto dos impostos e princípio se regras aplicáveis a todos
os impostos); portanto, embora a CRP não tenha um conceito de tributos, o seu
artigo 165.º, n.º1, alínea i) faz referência a impostos, taxas e demais contribuições
financeiras, os quais constituem tipos ou categorias de tributos.
b. A Lei Geral Tributária também não tem uma definição de tributos, mas o seu artigo
3.º classifica-os.
i. Na alínea a) do seu n.º1, o artigo 3.º LGT distingue os tributos:
1. Fiscais: refere-se aos tributos que são criados com finalidades
públicas não sancionatórias, em regra, finalidades de arrecadação
de receitas (finalidades financeiras ou fiscais, a título primária ou
secundário);
2. Parafiscais: os tributos que são criados por entidades públicas de
base não territorial e cujas receitas escapam por isso ao princípio
da unidade orçamental.
Repare-se que os primeiros incluem os segundos, porque também estes
prosseguem finalidades públicas não sancionatórias.
ii. Na alínea b) do n.º1 do artigo 3.º LGT, distingue-se os tributos:
1. Estaduais; dos
2. Regionais e locais.
Adotando uma classificação que se refere às entidades de base territorial
que no nosso ordenamento têm soberania tributária nos termos da
Constituição e que são titulares de receitas tributárias.
c. Resulta do exposto que o artigo 3.º, n.º2 LGT e o artigo165.º, n.º1, alínea i) CRP,
contêm as três categorias de tributos reconhecidos no ordenamento jurídico-
constitucional português. Esta tripartição dos tributos consta também do artigo 4.º
LGT, cujos n.º1, e 2 3 se dedicam a definir:
i. Impostos;
ii. Taxas;
iii. Contribuições financeiras especiais (as quais são uma categoria de
contribuições financeiras).
Assim, os tributos podem ser divididos nestas três categorias. A vaguidade do termo
contribuições financeiras a favor das entidades públicas, o qual é usado quer na CRP
(artigo 103.º, n.º1 e 165.º, n.º1, alínea i)) quer na LGT (artigos 3.º, n.º2 e 3) abre a
porta a categorias novas ou híbridas. Cabe à doutrina e aos tribunais desenvolver
conceitos e classificações doutrinárias. Mas se isso é, em princípio, correto, a verdade
é que as competências para a criação de categorias de tributos e os princípios
constitucionais materiais que regem os diferentes tributos, têm que ser retirados da
Constituição, estejam ou não claramente definidos. E as categorias novas ou híbridas,
se não forem bem enquadradas pelos tribunais, podem trazer consigo a desproteção
do contribuinte, o que não é compatível com o Estado de Direito.
Vimos que os tributos podem ser divididos em três grandes categorias: a categoria dos
impostos, a categoria das taxas e a categoria das contribuições especiais. Qualquer destas três
categorias de tributos visa, em regra, assegurar a satisfação das necessidades financeiras do
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Estado e de outras entidades públicas, finalidade essa que corresponde à função ou definição
clássica dos tributos. Todavia, desde meados do século XX, juntaram-se outras finalidades,
ligadas à orientação de comportamentos, nomeadamente, a da prossecução de fins
ambientais (os tributos sobre empresas desenvolvendo atividades poluentes) e de alteração
de comportamentos individuais com ou sem externalidades negativas, por exemplo, de
comportamentos individuais que sejam mais saudáveis para o próprio indivíduo ou para si e
para terceiros, ou para si e para o ambiente.
2. O sistema fiscal e tipos de normas: referimos que o sistema fiscal é o sistema dos impostos.
Segundo o artigo 103.º, n.º1 CRP, os impostos servem o fim da repartição justa dos
rendimentos e da riqueza. Esta ideia é igualmente transmitida pelo artigo 5.º, n.º2 LGT, que
se refere ao princípio da igualdade e da justiça material. O Direito Fiscal é o Direito das
receitas. Assim sendo, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza deve ser interpretada
como o critério de distribuição do montante total do imposto por cada sujeito, isto é, como
um critério de igualdade ou de capacidade contributiva de cada sujeito, que deve ditar a
quantificação de cada imposto. A referência do artigo 103.º, n.º1 CRP à finalidade dos
tributos e à repartição justa dos rendimentos e da riqueza significa não só que o sistema
português deve assentar nos impostos, mas também que os impostos sobre o rendimento e
o património devem ter um lugar de relevo, porque são eles que melhor permitem assegurar
a tributação segundo o princípio da igualdade ou da capacidade contributiva. No mesmo
sentido, vai o artigo 5.º, n.º1, 2.ª parte LGT. Todavia, se interpretarmos que os artigos 103.º,
n.º1 CRP e 5.º, n.º1 LGT, indicam como deve ser aplicada a receita dos impostos já estamos
a considerar o lado orçamental das despesas e a abandonar o campo estrito do Direito Fiscal
como o Direito das receitas. O referido artigo 103.º, n.º1 CRP, ao mencionar o sistema fiscal,
identifica um dos aspetos essenciais do conceito clássico de imposto: a finalidade da
satisfação das necessidades financeiras (a mesma referência é feita no artigo 5.º, n.º1, 1.º parte
LGT). Não é necessário que cada imposto prossiga uma finalidade financeira, essa finalidade
predomina no sistema fiscal no seu conjunto. O sistema fiscal, neste sentido, é um
pressuposto do Estado de Direito. O sistema fiscal é complexo, prossegue múltiplas funções,
concretizadas por três grupos de normas:
a. As normas com finalidades fiscais: elas têm como finalidade a arrecadação de
receitas, constituem o maior e mais relevante grupo de normas de Direito Fiscal e
inserem-se no Tatbestand ou tipo sistemático. As normas com finalidade fiscal
repartem a carga fiscal entre o universo de contribuintes, com base no princípio da
igualdade ou da capacidade contributiva.
b. As normas com finalidades sociais: trata-se de normas cujas finalidades fiscais
não são predominantes mas prosseguem outras finalidades públicas, sejam políticas,
económicas, culturais, ambientais (normas extrafiscais). Podem constituir:
i. Benefícios fiscais: que podem ser:
1. Normas de orientação da economia: isenções ao investimento de
natureza contratual;
2. Normas de redistribuição: deduções à coleta de juros com a aquisição
de habituação própria.
ii. Agravamentos fiscais: se o comportamento adotado pelo contribuinte
não for o pretendido (v.g. comportamento poluente).
c. As normas
i. Procedimentais e processuais: disciplinam a relação jurídica tributária e
o contencioso tributário;
ii. Com finalidades de simplificação: regulamentos ou orientações
genéricas (artigo 68.º-A LGT) que concretizam conceitos legais vagos e
indeterminados e clarificam a aplicação da lei fiscal.
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3. Os impostos:
a. Conceito e elementos essenciais: os impostos são tributos de caráter unilateral
por contraposição às taxas (critério estrutural), materializados por prestações
pecuniárias cuja finalidade seja a arrecadação de receitas a título principal ou
secundário por parte de entidades públicas (fim fiscal), ou até a prossecução de
quaisquer outras finalidades públicas (designadas de finalidades extrafiscais) que não
tenham por base uma infração e correspondente sanção. Mas a legitimidade dos
impostos com exclusivas finalidades extrafiscais deve ficar dependente de uma
justificação material bastante, sob pena de subvertermos a função dos impostos nos
Estados de Direito democráticos, i.e., no Estado fiscal. Expliquemos:
i. Os impostos são tributos de caráter unilateral, sem contraprestação
pública direta e imediata que servem as necessidades financeiras
gerais (princípio da consignação orçamental): distinguem-se das
1. Taxas porque estas assentam na bilateralidade ou sinalagma jurídico
(prestação pecuniária e direta e imediata contraprestação pública).
2. Contribuições especiais porque estas assentam num sinalagma difuso
(bilateralidade com externalidade), e também porque algumas
contribuições especiais serem para satisfazer exclusivamente as
necessidades financeiras de um grupo (princípio da consignação).
ii. Os impostos prosseguem finalidades públicas não sancionatórias: a
finalidade principal ou secundaria será a arrecadação de receitas, pois tal
arrecadação é o objetivo principal do sistema fiscal. Mas os chamados
impostos extrafiscais, orientadores de comportamentos individuais ou
coletivos, são ainda impostos, desde que se verifiquem as restantes
características do imposto. Há tributos que pretendem modelar ou alterar
comportamentos, e não arrecadar receitas, mas arrecadação destas é o
objetivo residual, se a finalidade de alteração de comportamentos falhar.
iii. Se assim for, os impostos extrafiscais ficam sujeitos às exigências
jurídico-constitucionais dos impostos.
iv. Os impostos ficam sujeitos ao princípio orçamental da
universalidade: servem para financiar todas as despesas. Só não estamos
perante impostos (receitas unilaterais para cobrir despesas orçamentais
gerais) se os montantes cobrados forem afetos à compensação dos
prejuízos causados pela rigidez dos comportamentos que se pretendia
orientar (consignação orçamental). Ou seja, não existe nenhum sinalagma
difuso, a não ser que os montantes pagos sejam consignados aos fins
extrafiscais que subjazem à criação do tributo.
v. Os sujeitos que têm direito a exigir o cumprimento dos impostos são
entidades públicas (sujeitos ativos): como nos diz o artigo 18.º LGT;
são em regra sujeitos ativos de impostos, as entidades públicas de base
territorial:
1. O Estado;
2. As Regiões Autónomas;
3. Os Municípios.
As restantes entidades públicas são normalmente financiadas através de
taxas ou contribuições especiais.
vi. Os impostos, no sistema jurídico-constitucional português e na
grande maioria dos Estados, são prestações pecuniárias e não em
espécie.
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vii. Ficam de fora do conceito de imposto as sanções: coimas e multas
praticados por infrações e os juros que constituem indemnizações por
atrasos no cumprimento de obrigações fiscais.
b. Elementos dos impostos nos Estados de Direito: nos Estados de Direito, e
devido ao seu caráter unilateral, os impostos estão sujeitos a reserva de lei e devem
tributar a capacidade económica (capacidade contributiva), por isso assentam em
critérios ad valorem. A reserva de lei é a única forma de controlo, por parte dos
sujeitos passivos, contra excessos públicos. Tal como se apresenta desde a segunda
metade do século XX, a reserva de lei está ligada ao brocardo No taxation without
representation. Mas este princípio da reserva de lei não é inerente ao conceito de
imposto, não sendo aplicado nos regimes autoritários e, mesmo nos Estados de
Direito, o seu significado e alcance varia consoante as exigências e práticas
constitucionais. A unilateralidade dos impostos, ligada ao facto de estes servirem
para financiar as despesas gerais de uma comunidade, exige a sua repartição pelo
universo dos contribuintes segundo um critério de capacidade contributiva. É para
justificar a repartição de encargos segundo a capacidade contributiva, aos quais não
correspondem benefícios equivalentes, e para não serem cometidos abusos por
quaisquer entidades públicas não eleitas por sufrágio universal, que existe a reserva
de lei parlamentar fiscal (anda que delegada). Essa reserva, prevista no artigo 165.º,
n.º1, alínea i) CRP e 103.º, n.º2 CRP, exige que a criação e os elementos essenciais
de cada imposto – objeto sujeito e quantificação – fiquem sujeitos a aprovação ou
autorização parlamentar. Entre nós, a aparente simplicidade do conceito de
impostos é posta em causa na interação com outros tributos, pois as exigências de
reserva de lei quanto ao primeiro são maiores do que relativamente aos segundos.
Por isso, há frequentes litígios sobre a questão de saber se, sob a denominação
formal de taxas ou de outras contribuições financeiras, não foram criados impostos
ocultos.
c. A posição do Tribunal Constitucional: lembre-se ainda que o Tribunal
Constitucional adota um conceito mais restritivo de imposto, do qual não faz parte
a extrafiscalidade. O Tribunal contrapõe um conceito normativo-constitucional de
imposto a um conceito financeiro:
«[e]m boa verdade (…) não é (…) [o] critério estrutural o único com que o Tribunal
opera (…) na sua jurisprudência, para delimitar o conceito de imposto – e para,
desse modo, circunscrever o âmbito da reserva parlamentar (…): ao lado dele, de
facto, não deixou de recorrer também a um critério finalístico, centrado sobre a razão
de ser ou o objetivo das receitas em causa».
O Tribunal tem colocado de fora das exigências da reserva de lei a extrafiscalidade,
definindo-a como o conjunto de tributos que não têm quaisquer finalidades de
arrecadação de receita. Mas se repararmos nos casos por ele analisados, parece-nos
que, muitas vezes, o Tribunal exige que a finalidade fiscal seja a finalidade principal.
Ainda segundo a conceção adotada pelo nosso TC, algumas receitas exrafiscais são
financeiramente (isto é, do ponto de vista da ciência da Finanças) impostos, quando
constituam receita da entidade que prossegue finalidades públicas, porque ocorre aí
uma prestação pecuniária em favor de um organismo público sem que nada se
receba em troca, e de tal modo que as entidades adstritas a essa prestação ficam
desse modo unilateralmente despojadas de uma parte do seu lucro em proveito do
Estado (lato sensu concebido). Mas não constituiriam impostos do ponto de vista
jurídico-constitucional porque, ao estabelecê-los, o legislador não se move na órbita
tributária (a dos artigos 106.º e seguintes CRP), mas ainda na órbita da direção
económica – ou da regulamentação direta da economia pelo Estado. Esta
metodologia conduz a um conceito mais restritivo do que o adotado por grande
parte da doutrina nacional.
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d. Conceito de imposto na doutrina portuguesa: sobre o conceito de imposto
como uma prestação pecuniária com vista à realização de fins públicos não sancionatórios, temos
na nossa doutrina, desde a Constituição de 1933 até à atualidade: Fernando Pessoa
Jorge, Paulo Pitta e Cunha; defendendo um critério financeiro, Sousa Franco,
referindo-se, ainda, no âmbito de vigência da CR 1933, e do seu artigo 28.º, à
finalidade de os impostos «contribuírem com bens económicos para a cobertura dos encargos
públicos», e mantendo o mesmo conceito; Alberto Xavier exige que a «função imediata»
do tributo – incluindo a do tributo extrafiscal – seja financeira, alterando
ligeiramente a posição anterior em que o autor se referia à «função financeira» como a
função imediata do imposto, e afastando a extrafiscalidade; Carlos Pamplona Corte-
Real considera «que os fins fiscais dos impostos, conjugados com os fins extrafiscais, sem deixarem
de relevar principalmente, parecem justificar a referência ampla à prossecução de fins públicos, no
recorte da noção de imposto». E, ainda, defendendo os fins públicos dos impostos,
António Braz Teixeira, que opta pelo critério da realização de fins públicos. Eduardo
Paz Ferreira ao definir impostos dentro da linha absolutamente consensual na
doutrina portuguesa adotará certamente um conceito mais amplo do que o TC.
Também Casalta Nabais defende um conceito amplo de imposto:
«em termos teleológicos, o imposto é exigido pelas entidades que exerçam funções
públicas para a realização dessas funções, mas considerando que os tributos
extrafiscais não pertencem à constituição fiscal, mas à constituição económica, o que
implicaria a diminuição das exigências da reserva de lei».
Fazendo implicitamente menção aos fins fiscais, ao escrever que «a utilização das
receitas se destina à exclusiva ou principalmente à cobertura de despesas públicas». Saldanha
Sanches. Referindo-se à finalidade de obtenção de receitas públicas, Pedro Soares
Martinez. Parecendo atribuir aos impostos a finalidade de satisfazer os (quaisquer)
fins da entidade que exerça funções públicas, mas exigindo adiante a finalidade
imediata e especificamente financeira, Direito Leite de Campos. No mesmo sentido,
com Mónica Leite de Campos, embora distinguindo entre normas tributárias de
objeto financeiro e normas tributárias de objeto social. Estas últimas, de que são
exemplo os benefícios fiscais, são designadas de normas tributárias impropriamente
ditas.
e. Conclusões: tal como resulta do anteriormente, entendemos que no nosso
ordenamento constitucional, e nomeadamente, para efeitos de reserva de lei fiscal,
impostos são os impostos fiscais (cuja finalidade é a obtenção de receitas) e
extrafiscais (cuja finalidade principal é a prossecução de finalidades sociais ou de
orientação de comportamentos), devendo exigir-se, em regra, que a obtenção de
receitas não seja estranha ao tributo. E em qualquer caso, deve haver controlo do
tributo extrafiscal e dos fins extrafiscais por ele prosseguidos, através do princípio
da proporcionalidade.
f. Classificações dos impostos no sistema fiscal português: as classificações dos
impostos têm relevância pelas virtudes de organização concetual mas, especialmente,
por algumas das leis corresponderem a exigências constitucionais na configuração
de um sistema fiscal justo, e todas terem implicações na configuração e na
interpretação do seu regime jurídico. Tendo presentes as duas ordens de razões, e
de entre as múltiplas classificações doutrinais que encontramos, vamos classificar os
impostos consoante:
i. O objeto que recaem:
1. Impostos sobre o rendimento, o consumo e o património: na
História dos nossos impostos, começaram por ocupar lugar de
relevo, na Idade Média, os impostos aduaneiros – as dízimas; as sisas,
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que eram um imposto geral sobre as transações, instituídas no
século XIV, incidiam
«sobre todos, sem excepção do rei nem dos membros da família
real, nem dos prelados, desde D. Afonso IX»;
A décima militar no século XVII, que se apresenta como um imposto
geral sobre o rendimento. As reformas tributárias de 1911 e de
1013 introduziram o imposto sucessório e a contribuição predial, e a
reforma de 1022 criou a contribuição industrial, e, como imposto de
sobreposição, um imposto pessoal sobre o rendimento (que não chegou a
vigorar), numa manifestação tímida das teorias que sustentavam a
tributação do rendimento líquido e do rendimento universal.
Admitia ainda a dedução de algumas despesas, manifestando uma
aproximação ao conceito de rendimento líquido, e apresentava taxas
progressivas. Com o aumento das despesas públicas, o século XX,
em Portugal como noutros Estados que atualmente fazem parte da
OCDE, caracterizou-se por um alargamento dos impostos a todas
as áreas de manifestação de riqueza. As grandes categorias de
impostos que vigoram em Portugal são exigência constitucional
(artigo 104.º CRP) e correspondem aos tipos de impostos que
vigoram em todo o mundo, tal com teorizados pelos economistas
no século XX:
a. O imposto sobre o rendimento (artigo 104.º, n.º1 e 2
CRP): organiza-se em, constando de Códigos autónomos
Os impostos sobre rendimentos dos Estados da OCDE
assentam sobre a tributação dos rendimentos obtidos no
território e, especialmente no caso das pessoas singulares,
do rendimento universal dos residentes (no caso das
pessoas coletivas, o imposto incide frequentemente
apenas sobre o rendimento obtido em território nacional).
Apesar de todos os problemas existentes, os impostos
sobre o rendimento, tal como desenhados aolongo do
século XX, no quadro do Estado Fiscal (pressupondo a
existência de fronteiras também para o capital), são ainda
considerados os impostos mais justos. Isso deve-se ao
facto de eles terem em conta não só os rendimentos ou
proveitos, mas também as despesas associadas à sua
obtenção (rendimento líquido) e incluírem alguns
elementos redistributivos associados ao Estado de Direito
social: dedução de despesas sociais, tal como saúde,
educação, aquisição de habituação própria, entre outros.
O artigo 104.º, n.º2 CRP, faz referência à tributação das
empresas a qual deve incidir fundamentalmente, sobre o
seu rendimento real. Por ora, cabe referir que os impostos
sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e das
pessoas coletivas (IRC) introduziram no nosso sistema
fiscal, o conceito de tributação do rendimento-acréscimo,
ou rendimento líquido, considerado desde o início do
século XX, como o critério mais rigoroso e justo de
tributação do rendimento: é o critério que corresponde ao
rendimento real (tal como definido na lei fiscal). Em
ambos os impostos se tributa, em regra, o rendimento
líquido, baseado na diferença entre proveitos e gastos da
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atividade. O rendimento líquido opõe-se ao conceito
arcaico de rendimento-fonte, que é aplicado sobre uma
atividade, independentemente de esta gerar lucro ou
prejuízo e que pode assentar em presunções de lucro. Os
conceitos de rendimento-acréscimo, rendimento líquido e
rendimento real também se opõem ao conceito de
rendimento presumido. Assim, temos, essencialmente,
dois impostos sobre o rendimento:
i. Imposto sobre o rendimento de pessoas
singulares (IRS);
ii. Imposto sobre o rendimento de pessoas
coletivas (IRC): um dos problemas associado a
este imposto trata-se de que, dada a mobilidade
atual dos fatores de produção, em especial do
capital, tem havido estudos propondo a
substituição do imposto baseado na tributação do
lucro, por um imposto no destino dos bens ou
serviços (baseado na localização dos
consumidores). Estas propostas têm como objeto
ultrapassar uma maior perda de receitas neste
imposto, em resultado da livre circulação de
capitais trazida pela globalização. A mobilidade
dos fatores tem colocado em crise não só o
imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas,
mas também a tributação dos rendimentos de
capitais das pessoas singulares. Avultados
montantes de rendimentos de capitais têm sido
colocados, nas últimas décadas, em territórios de
baixa ou nula tributação, designados de não
cooperantes ou paraísos fiscais, porque não
fornecem informações aos Estados de residência
dos sujeitos que aí colocam as suas poupanças.
b. O imposto sobre o consumo (artigo 104.º, n.º4 CRP):
incidem sobre o consume geral de bens e serviços (IVA)
e sobre o consumo específico de certos bens (impostos
especiais sobre o consumo). Os impostos gerais sobre
o consumo, como o Iva, são considerados menos justos
do que os impostos sobre o rendimento, porque incidem
sobre todos os sujeitos na mesma medida,
independentemente da capacidade económica de cada um.
Mas são considerados mais neutros para o funcionamento
da economia, porque implicam menos distorções, nas
opções acessíveis aos contribuintes. Equipara-se, para este
efeito, consumo e rendimento, no sentido em que o
consumo implica rendimento auferido, o imposto geral
sobre o consumo implica menos distorções na opção entre
os diferentes bens de consumo; entre o consumo presente
e o consumo futuro; entre o tempo livre e os bens de
consumo. Ainda assim, o artigo 104.º, n.º4 CRP faz
referência a uma função redistributiva dos impostos sobre
o consumo (entre outras):
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«[a] tributação do consumo visa adaptar a estrutura
do consumo à evolução das necessidades do
desenvolvimento económico e da justiça social, devendo
onerar os consumos de luxo».
c. O imposto sobre o património (artigo 104.º, n.º3 CRP):
são impostos sobre a riqueza e podem ser:
i. Estáticos: incidem sobre a detenção da riqueza e
podem ser.
1. Impostos gerais sobre o património: incidir
sobre todo o património, imobiliário e
mobiliário. Têm como função principal
controlar a capacidade contributiva do
sujeito passivo, através do cruzamento de
dados com as declarações de imposto
sobre o rendimento das pessoas
singulares.
2. Incidentes sobre uma parte do património: v.g.
o Imposto Municipal sobre Imóveis
(IMI), o qual incide sobre os
proprietários, usufrutuários ou
superficiários dos prédios rústicos e
urbanos situados no território português
(artigo 18.º CIMI).
ii. Dinâmicos: podem:
1. Incidir sobre as transmissões onerosas: v.g.
Imposto sobre a Transmissão de Imóveis
(IMT). O IMT incide sobre as
transmissões onerosas do direito de
propriedade ou de figuras parcelares
desse direito, sobre bens imóveis
situados no território nacional de imóveis,
qualquer que seja o título por que se
operem. O IMT é devido pelas pessoas,
singulares ou coletivas, para quem se
transmitam os bens imóveis, pois são os
adquirentes que manifestam riqueza. Os
montantes da transmissão são objeto de
imposto sobre o rendimento sobre os
transmitentes (artigos 1.º, 2.º e 4.º CIMT).
2. Incidir sobre as transmissões gratuitas: podem
classificar-se em impostos sobre
doações e sucessões, sendo sujeitos ao
imposto as pessoas singulares para quem
se transmitam os bens (v.g. artigo 2.º,
n.º2, Código do Imposto de Selo). Em
Portugal, apesar de o artigo 104.º, n.º3
CRP, referir que a tributação do
património deve contribuir para a
igualdade entre os cidadãos, não se criou
até hoje um importo geral sobre o
património.
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ii. A função que desempenham no ordenamento jurídico-constitucional
(na classificação destes – três – encontramos a sua expressa ou implícita
classificação no artigo 104.º CRP):
1. Impostos reais e impostos pessoais:
a. Impostos reais: são aqueles que se centram na
manifestação da riqueza, sem considerar outros elementos
diferenciadores ligados à capacidade económica do sujeito,
normalmente, ligadas a uma conceção do Estado social ou
de justiça. Podem ser impostos sobre o consumo, o
rendimento ou o património: é o caso do IVA, IRC, do
IMI e do IMT; em contrapartida,
b. Impostos pessoais: têm em conta alguns elementos
diferenciadores relacionados com a capacidade
contributiva do sujeito, e estão ligados a um conceito mais
fino de justiça,, podendo revelar-se menos eficientes, por
provocarem mais distorções. O artigo 104.º, n.º3 CRP
define e caracteriza o imposto pessoal. O imposto sobre o
rendimento de pessoas singulares é designado de imposto
sobre o rendimento pessoal, o qual
«visa a diminuição das desigualdades e será único
e progressivo, tendo em contas as necessidades e os
rendimentos do agregado familiar».
A unicidade postula o englobamento de todos os
rendimentos (rendimentos de trabalho dependente ou de
pensões, rendimentos profissionais, agrícolas, comerciais
e industriais, rendimentos prediais, rendimentos de
capitais e todos os acréscimos patrimoniais), de modo a
não haver rendimentos submetidos a tratamento mais
favorável do que outros. O nosso IRS nunca teve as
características da unicidade pois os rendimentos de
capitais estiveram sujeitos a uma tributação em geral mais
vantajosa, e as mais valias (acréscimos patrimoniais)
estiveram em muitos casos isentas. A integração das
economias da União Europeia e a livre circulação de
capitais garantida pelo TCE no espaço da UE e em relação
ao resto do mundo, tornou inviável a unicidade, isto é, a
sujeição dos rendimentos de capitais a um tratamento tão
oneroso como os rendimentos de trabalho, serviços ou
pensões. De tal modo que, em vez da unicidade, a regra
passou a ser o chamado sistema dual, por inspiração dos
sistemas nórdicos: os rendimentos de capitais são sujeitos
a uma taxa única e afastados da progressividade, taxa única
essa que se revela, em regra, mais favorável. O imposto
pessoal também exclui de tributação o mínimo de
existência. Não se trata de um tratamento favorável mas
de um juízo sobre a capacidade económica ou contributiva
(e de dignidade da pessoa humana). Até um determinado
montante, que em princípio deve ser superior aos
montantes recebidos no quadro do sistema não
contributivo da segurança social, ou pelo menos
corresponder a estes, não há sujeição a imposto sobre o
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rendimento. O IRS prevê o mínimo de existência para os
rendimentos de trabalho dependentes, majorado para os
agregados familiares com mais filhos (artigo 70.º CIRS). A
consideração das necessidades e rendimentos do agregado
familiar, exigida pelo artigo 104.º, n.º1 CRP é uma
referência às economias de escala e deve ser entendida
como consideração dos encargos familiares. Em
contrapartida, não decorre do artigo 104.º, n.º1 CRP a
exigência da tributação conjunta dos rendimentos dos
cônjuges (quociente conjugal) e ainda menos a introdução
de um quociente familiar que tem efeitos regressivos. O
caráter pessoal do IRS também é aferido pelas deduções à
coleta de despesas de caráter pessoal, tal como a saúde,
educação,, sendo mais controversos os abatimentos
relativos a encargos com imóveis (artigos 78.º e seguintes
CIRS). A diminuição das desigualdades deve ser associada
à progressividade. O imposto progressivo concretiza-se
pela aplicação de diversas taxas ou alíquotas aos
rendimentos tributáveis apurados, por escalões. As taxas
são maiores para os rendimentos mais elevados. A
progressividade contém um elemento redistributivo e não
é exigida pelo princípio da igualdade que se satisfaz com
uma taxa proporcional.
2. Impostos proporcionais, progressivos e regressivos: esta
classificação está presente, expressa ou implicitamente, no artigo
104.º CRP:
a. Impostos proporcionais: são os de taxa ou alíquota fixa,
sob a forma de uma percentagem. A proporcionalidade é
suficiente para assegurar o princípio da igualdade. Sendo
ad valorem, a proporcionalidade é também adequada aos
impostos, pois estes incidem sobre a capacidade
contributiva. Os impostos reais são normalmente
associados a taxas proporcionais.
A progressividade e a regressividade implicam a existência de taxas
ou alíquotas variáveis.
b. Impostos progressivos: progressividade nos impostos
pessoais, aliada à liberdade de movimentos, pode gerar
fenómenos de exílio fiscal (quando as taxas dos últimos
escalões são demasiado elevadas, ultrapassando os 50%).
O exílio fiscal pode caracterizar-se pela mudança de
residência ou mesmo pela alteração de nacionalidade. A
progressividade nos impostos reais estimula os fenómenos
de planeamento, abuso e fraude fiscal. A progressividade
implica um aumento da taxa ou alíquota tendo em conta o
aumento do rendimento (ou, mais rigorosamente, da
matéria tributável), e concretiza-se pela existência de
escalões. A progressividade é característica dos impostos
pessoais (e, por isso, mencionada, como se referiu, pelo
artigo 104.º, n.º1 CRP). Quanto maior o número de
escalões e de taxas, maior a progressividade. No caso dos
impostos pessoais, a progressividade não é assegurada
com duas taxas. A inclusão de realidades económicas
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(capacidades contributivas) muito diversas, em apenas
dois escalões não traduz um imposto progressivo. A
complexidade dos sistemas fiscais a que aludimos atrás
tem trazido taxas múltiplas (progressivas) a impostos reais,
de que são exemplo o IVA (resultante da harmonização
com a UE) e o IRC (resultante da política fiscal nacional).
Existe neste caso alguma progressividade, inadequada a
estes impostos, que não faz deles impostos progressivos
(nem poderia faze-lo), e que por isso traz ineficiências e
distorções, sendo preferível uma taxa única.
c. Impostos regressivos: significa uma tributação de uma
menor capacidade contributiva ou tributações iguais de
diferentes capacidades contributivas. A regressividade é
inconstitucional, porque contrária ao princípio da
igualdade. Todavia, temos de distinguir:
i. Elementos regressivos nos impostos: encontramos
elementos regressivos nos nossos impostos, que
não implicam, necessariamente, a sua
inconstitucionalidade, se, no conjunto, o importo
não for regressivo e apenas tenham contribuído
para reduzir a progressividade.
Estes seguintes, sim, são proibidos:
ii. Taxas regressivas: mais elevadas quanto menor for
o rendimento ou o património, não costumam ser
adotadas;
iii. Impostos regressivos: não são raros de encontrar e
podem traduzir-se por prestações fixas ou
prestações tributárias iguais.
iii. O modo como atingem (incidem sobre) o objeto e o sujeito;
1. Impostos diretos e indiretos: esta classificação é muito comum,
está presente na nossa legislação (artigo 6.º LGT) e no TFUE
(artigos 112.º e 113.º TFUE), orienta os grupos de trabalho da
União Europeia, e há diversos critérios económicos e jurídicos que
têm estado na base da sua distinção. O critério adotado quer pelo
artigo 6.º LGT, quer pelos artigos 112.º e 113.º TFUE, e o
financeiro. Este critério atende ao objeto do imposto.:
a. Impostos diretos: são aqueles que atingem as
manifestações diretas ou imediatas da riqueza e da
capacidade contributiva (impostos sobre o rendimento e o
património); e
b. Impostos indiretos: são os que incidem sobre
manifestações indiretas ou mediatas da riqueza e da
capacidade contributiva (impostos sobre o consumo e a
despesa).
É assim que se pode entender a relação estabelecida pelo artigo 6.º
LGT entre a tributação direta e:
O mínimo de existência (artigo 6.º, n.º1, alínea a) LGT);
Os encargos do agregado familiar (artigo 6.º, n.º1, alínea b) LGT); e
A doença, a velhice e outros casos de redução da capacidade contributiva
do sujeito passivo (artigo 6.º, n.º1, alínea c) LGT);
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e a relação estabelecida por este mesmo preceito entre a
tributação indireta e os bens de consume de primeira
necessidade (artigo 6.º, n.º2 LGT, segundo o qual, aquela deve
favorecer estes bens e consumos). Por seu turno, os artigos
112.º e 133.º TFUE enquadram expressamente os impostos
sobre o consumo (IVA e impostos especiais sobre o consumo)
nos impostos indiretos, e referem-se a outros impostos indiretos.
Desta classificação ficam afastados a tributação do rendimento
e do património, enquadrados na tributação direta, como
decorre da jurisprudência do TJUE.
iv. O período temporal de nascimento e extinção:
1. Impostos de obrigação única e impostos periódicos:
a. Impostos de obrigação única: são aqueles cujo facto
tributário nasce e se extingue com um ato ou negócio
jurídico: consumi, importação, aquisição onerosa ou
gratuita.
b. Impostos periódicos: são aqueles cujo facto tributário se
renova por diferentes períodos fiscais, dando origem a
obrigações declarativas, enquanto não se informa a
administração tributária da extinção desse facto ou da
atividade económica. O facto tributário nasce e extingue-
se ao fim de um determinado período fiscal (ano fiscal ou
período mais curto, definido na lei), mas a continuidade da
relação jurídica tributária faz nascer relações jurídicas que
adquirem um caráter de permanência até que se verifique
a alteração ou cessação da situação. Os impostos
periódicos permitem o controlo da situação fiscal do
sujeito passivo por parte da administração tributária,
facilitando a arrecadação de receitas. Embora criem
muitos deveres declarativos ao sujeito passivo (declaração
de início de atividade, declarações periódicas de
rendimentos, contabilidade organizada, entre outro), os
impostos periódicos também evitam o cumprimento
renovado de alguns desses deveres, pois presume-se que a
relação jurídica tributária continua inalterada, cabendo
apenas apurar o valor do rendimento ou do património,
em cada período fiscal.
Anteriormente à reforma fiscal que introduziu o IVA e o IRS e o
IRC entendia-se que os impostos sobre o consumo eram impostos
de obrigação única e que os impostos sobre o rendimento eram
impostos periódicos. Todavia, esta classificação mostra-se
inadequada em certos casos. Por vezes, a lei recorre a critério
doutrinários para aplicar certes regimes, em vez de enumerar os
impostos a que esses regimes se aplicam. Esta opção legislativa cria
dificuldades interpretativas. Foi o caso da contagem do prazo de
caducidade da liquidação de impostos. Na versão inicial do artigo
45.º, n.º4 LGT,
«[o] prazo de caducidade conta[va]-se, nos impostos periódicos,
a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e,
nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto
tributário ocorreu».
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Perante esta classificação, a primeira dúvida que surgiu disse
respeito ao IVA: não era claro como se deveria contar o prazo
neste caso, dado que as obrigações declarativas e de liquidação dos
sujeitos passivos deste imposto eram periódicas. Seguiu-se uma
primeira alteração ao artigo pela Lei n.º 32-B/2002:
«…exceto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que
aquele prazo se conta a partir do ano civil seguinte àquele em
que se verificou a exigibilidade do imposto».
Dada a dificuldade de aplicar ao IVA a distinção tradicional entre
impostos periódicos e de obrigação única, considerou-se relevante
para efeitos da contagem o sujeito passivo de IVA e não o
consumidor final. Ou seja, para a contagem dos prazos de
caducidade do IVA, o que releva são as liquidações e dívidas dos
sujeitos passivos do IVA e não dos consumidores finais, tal como
nos impostos periódicos. Não seria viável contar a caducidade
relativamente a cada ato de consumo final. Mais tarde, surgiu nova
dúvida, desta feita quanto às retenções a título definitivo: não era
claro se o prazo para estas retenções se contava a partir do
momento da retenção ou no final do ano fiscal. As retenções
definitivas não configuram um imposto periódico, mas elas estão
formalmente inseridas em impostos periódico (impostos sobre o
rendimento). Seguiu-se nova alteração ao artigo 45.º, n.º4 LGT,
pela Lei n.º 53-A/2006, 29 dezembro:
«…e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja
efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que
aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte
àquele em que se verificou…o facto tributário».
O Acórdão TC, n.º 388/10 e n.º 308/10, recorre ao regime da
caducidade e da prescrição para ilustrar que nos impostos
periódicos e de obrigação única, a contagem de tempo não é feita
da mesma forma:
«[q]uer dizer, para efeitos de caducidade do direito à liquidação
e de prescrição cada facto gerador de rendimento individualmente
considerado não é por si só considerado um facto tributário
autónomo».
O Tribunal devia ter ido mais longe e ter distinguido, dentro dos
Códigos de imposto, os diferentes tipos de factos tributários que
estão incluídos nesses Códigos.
4. Taxas:
a. Conceito e elementos essenciais: a taxa no nosso ordenamento jurídico-
constitucional e caracterizada como sendo um tributo sinalagmático ou bilateral e
compreende três tipos de situações, tal como ficou consagrado no artigo 4.º, n.º1
LGT:
i. A contrapartida pela utilização de serviços públicos;
ii. A contrapartida pela utilização de um bem público ou semipúblico ou de um bem do
domínio público;
iii. E a contrapartida pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma atividade
por parte dos particulares.
Esta ideia de contrapartida exige que o bem utilizado ou serviço prestado seja
individualizável – daí que as taxas sejam normalmente cobradas sobre bens e
serviços semipúblicos. Além disso, o controlo constitucional da sinalagmaticidade
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implica que o bem, serviço ou remoção do obstáculo seja presente e não futuro; e
que o tributo não ultrapasse a cobertura de custos (princípio da proporcionalidade
concretizado na cobertura dos custos). Se o montante do tributo exceder a cobertura
dos custos, o montante em excesso é um imposto oculto. Só este conceito de taxa
permite a defesa do contribuinte perante a criação destes tributos, a não ser que a
criação das taxas esteja sujeita a reserva de lei. O artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP só
exige a criação por lei do regime geral das taxas, e não de cada taxa, mas nem o
regime geral foi, ainda, criado. O que temos é um Regime Geral das taxas das
autarquias locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, 29 dezembro. Tal como os
impostos e todos os outros tributos, as taxas são coativas a partir do momento em
que são preenchidos os pressupostos do facto tributário.
b. Remoção de obstáculos jurídicos: até ao Acórdão n.º 117/2010, o Tribunal
Constitucional entendeu que o conceito das taxas pressupunha sempre a utilização
de um bem ou serviço público ou semipúblico, o que significa que uma taxa sobre
a remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de certas atividades pelo particular
pressupõe, sempre, também, a existência de um bem público, semipúblico ou de
domínio público. Este entendimento na prática inutilizava o conceito de taxa em
caso de remoção de um obstáculo jurídico, reconduzindo-o sempre à utilização de
um bem público ou semipúblico. No Acórdão n.º 313/92, dizia o Tribunal:
«mesmo nas hipóteses em que a atividade dos particulares sofre uma limitação,
aqueloutra atividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada
limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a
imposição de uma taxa somente desde que tal retirada se traduza na dação de
possibilidade de utilização de um bem público ou semipúblico».
e
«se este condicionalismo não ocorrer, deparar-se-á uma situação subsumível à
existência de um encargo ou de uma compensação tributo que se aproximará da
figura do imposto nos termos que a seguir se verão, sem que com isto se queira
significar que a imposição de contributo só é recondutível à dicotomia de taxa ou de
imposto».
O exemplo dos Reclamos Públicitários era paradigmático nesta jurisprudência do
Tribunal Constitucional. Nos casos em que o tributo não incidia sobre um bem
público, semipúblico ou do domínio público, o Tribunal entendeu tratar-se de
impostos ocultos, sendo que a criação dos impostos é da reserva relativa de
competência da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP). No
referido Acórdão n.º 117/2010, o Tribunal Constitucional alterou a sua posição,
com base na enumeração tripartida das taxas no artigo 4.º, n.º1 LGT e com o
argumento de que as taxas sobre remoção de obstáculos jurídicos não são
inconstitucionais, se os referidos obstáculos tutelarem reais interesses públicos e
portanto não forem artificiais. Assim, entendeu o Tribunal Constitucional
atualmente que a atividade publicitária assente em painéis ou inscrições que se
projete visualmente no espaço público, interfere na configuração do ambiente de
vivência urbana das coletividades locais e só os anúncios que são visíveis por quem
circula nos espaços públicos podem ser tributados por taxas, cabendo aos
municípios a organização e preservação dos espaços públicos. Isto é, só são objeto
de taxas os anúncios que se divisem na via pública. Por conseguinte, as licenças para
autorizar a publicitação tutelam interesses públicos e não constituem obstáculos
artificiais. Se esta nova jurisprudência do Tribunal Constitucional é correta em
termos de princípio, cabe também dizer que a insegurança jurídica para o
contribuinte aumenta muito, dado que nem a reserva de lei nem o princípio da
cobertura de custos está a ser aplicado ao controlo da constitucionalidade das taxas.
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c. A quantificação das taxas e o princípio da cobertura de custos: como se disse,
o artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, só submete a reserva relativa de competência o
regime geral das taxas. E na ausência de uma reserva de lei para a criação de todas e
cada uma das taxas, o controlo constitucional destes tributos tem de assentar na
sinalagmaticidade, ou no princípio da cobertura de custos. Contudo, a doutrina
portuguesa clássica defendia que as taxas se caracterizam apenas por um sinalagma
jurídico e não também económico. Esta posição conduziu a uma ausência de
controlo jurisdicional efetivo destes tributos à luz da Constitucional. Nos casos em
que é questionada a existência de impostos ocultos, os tribunais apenas averiguam
se existe a utilização de um bem ou serviço público, ou, desde o Acórdão n.º
177/2010, se existe a remoção de um obstáculo jurídico que tutele reais interesses
públicos. Muito pouco ou nada se diz quanto à quantificação, como se refere de
seguida. Ora a bilateralidade da taxa tem de ser também aferida pelo montante
cobrado e não se pode separar o sinalagma jurídico da quantificação da taxa. A
bilateralidade só ocorre se os custos pelo bem utilizado, serviço prestado ou
remoção do obstáculo jurídico não excederem o benefício recebido por parte do
particular (trata-se do princípio da cobertura de custos). A taxa pode ser inferior ao
custo do bem, serviço ou remoção do obstáculo, caso em que o referido custo tem
que ser também financiado por transferências de impostos. Mas o valor a cobrar
pela taxa não pode ser superior ao da utilidade prestado, sob pena de sairmos do
campo da bilateralidade e de estarem a ser cobrados impostos cuja competência está
sujeita a reserva de lei nos termos dos artigos 165.º, n.º1, alínea i) e 227.º, n.º1, alínea
i) CRP. O que se verifica até aqui, na jurisprudência portuguesa nesta matéria, é uma
muito tímida aplicação deste princípio da cobertura de custos, através do princípio
da proporcionalidade que não é aplicado cabalmente pois o Tribunal Constitucional
introduziu como limite a proibição da manifesta desproporcionalidade. Isto significa
que os contribuintes em Portugal ainda não estão cabalmente protegidos contra
abusos de entidades públicas na cobrança de taxas.
d. A manifesta desproporcionalidade: o caso em que o Tribunal Constitucional
alterou (ligeiramente) a sua jurisprudência sobre as taxas, passando a referir-se ao
princípio da proporcionalidade, foi o caso da ponte 25 de abril, gerado pelo famoso
businão, na sequência do aumento das portagens nessa mesma ponte. A questão
submetida ao Tribunal foi a seguinte:
«o n.º1 da Portaria n.º 351/94, 3 junho, diploma que estabelece os novos
montantes das portagens a cobrar pela utilização da ponte sobre o Tejo, violaria o
princípio da proibição do arbítrio – que decorre da própria ideia de Estado de
Direito Democrático, estabelecido no artigo 2.º CRP –, o princípio da adequação e
o princípio da igualdade perante os encargos públicos, como afloramento específico
do princípio da igualdade, estabelecido no artigo 13.º CRP. Da fundamentação e
dos critérios invocados para a atualização das portagens resulta ainda que estamos
perante algo que não se configura já como uma taxa, mas como um verdadeiro
imposto, pelo que a sua aprovação pelo Governo sem autorização da Assembleia
da República viola o n.º1, alínea i), do artigo 168.º CRP, consubstanciando um
vício de insconstitucionalidade orgânica»
A fundamentação do pedido dirigido ao Tribunal Constitucional continha a ideia
essencial das taxas atrás referida, nomeadamente, a incidência sobre um bem
presente e o limite do montante a cobrar determinado pelo princípio da cobertura
dos custos:
i. O critério do ajustamento de preços da portagem foi o atual e os futuros
ajustamentos, baseados na necessidade de equiparar a prazo os preços das portagens
da atual ponte sobre o Tejo e da futura ponte, a construir entre Sacavém e Samouco;
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ii. Dos estudos técnicos e de declaração do Senhor Ministro das Obras
Públicas, Transportes e Comunicações depreende-se que a nova ponte, a
construir entre Sacavém e Samouco, vai ter como função principal
encaminhar o tráfego rodoviário do eixo Norte/Sul, tendo, por isso, um
impacto reduzido (20%) na diversificação tráfego na ponte já existente: o
serviço a prestar pela nova ponte não vai pois aproveitar aos utentes da ponte já existente;
iii. O faseamento do aumento das portagens da ponte atual e os seus
montantes são determinadas pela exigência de rentabilização da exploração
da nova ponte, cuja construção será financiada por um consócio privado,
que rentabilizará o investimento através da obtenção em concessão da
ponte já construída e da ponte a construir; o esquema de aumento progressivo das
portagens da ponte atual foi estabelecido, pois, para viabilizar economicamente a
construção e exploração da ponte a construir entre Sacavém e Samouco;
iv. Assim sendo, o critério de ajustamento não decorre nem do valor do serviço
prestado nem de uma ideia de justa distribuição dos encargos públicos o
que leva a ter de se considerar que estamos perante um autêntico imposto,
uma vez que se perde a ideia de contrapartida específica, confirmada pela
possibilidade de o produto das portagens não reverter exclusivamente para
a gestão e administração da ponte 25 de abril e para a Junta Autónoma das
Estradas.
Segundo o apurado pelo Tribunal Constitucional, a condição bem presente para que
pudesse ser cobrada uma taxa (ou justificado o seu aumento), estava assegurada: as
receitas da exploração da ponte destinam-se a fazer face às despesas da sua
conservação e exploração, à conservação da parte dos acessos que ficar a cargo do
Estado e aos encargos de ordem financeira assumidos com a construção da obra.
Quanto ao controlo do montante em si, o Tribunal Constitucional começou por
rejeitar novamente que as taxas pudessem ser caracterizadas por um sinalagma
económico ou pelo princípio da cobertura de custos, mas acabou por introduzir a
fórmula da proibição de uma manifesta desproporcionalidade, numa espécie de
controlo negativo. Conclui o Tribunal:
«No que toca aos valores vigentes das portagens, não pode afirmar-se que os mesmos
são manifestamente desproporcionais ou inadequados. De facto, a comparação com
os valores fixados para as portagens das auto-estradas que dão acesso a Lisboa não
aponta, em termos de valores absolutos, para uma disparidade excessiva ou
desrazoável dos valores do acesso do Sul, ainda que se tenha de levar em conta que
o acesso a Lisboa a partir da margem sul do Tejo só pode fazer-se, em função da
realidade geográfica, ou por via fluvial ou pela ponte, não existindo quaisquer
alternativas viárias no presente»
e. Conclusões: no Direito Comparado, encontramos dois tipos de sistemas:
i. Os que fazem assentar as taxas no princípio da reserva de lei, como é o caso dos sistemas
italiano e espanhol; e
ii. Os que não exigem a reserva de lei, aplicam o princípio da cobertura de custos, de que é
exemplo o sistema alemão.
A Constituição de 1976, até à revisão constitucional de 1997, não exigia a reserva de
lei para as taxas, à semelhança da constituição alemã. Todavia, é entendimento
consensual na Alemanha que a bilateralidade das taxas implica o controlo
jurisdicional da aplicação do princípio do custo-benefício (no sentido do princípio
da cobertura de custos). Em Itália, todos os tributos estão sujeitos a reserva de lei
parlamentar, ainda que delegável, e o mesmo se passa com a constituição espanhola.
Concluindo, entre nós, a desproteção do contribuinte em matéria de taxas é clara:
por um lado, a ausência de leis parlamentares ou decretos-lei autorizados,
estabelecendo os diferentes regimes gerais das taxas e regimes gerais para as
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restantes contribuições financeiras (ao contrário do que exige o artigo 165.º, n.º1,
alínea i) CRP), deixa uma amplíssima discricionariedade às entidades públicas. E
assim, não são cumpridas as funções desempenhadas pela reserva de lei: de
previsibilidade quanto à existência e quantificação do tributo e de aprovação do
mesmo por parte dos representantes dos cidadãos-contribuintes-eleitores no
parlamento.
5. As contribuições financeiras:
a. Conceito: após a revisão constitucional de 1997, o Tribunal Constitucional passou
a entender que a referência no artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, a outras contribuições
financeiras a favor das entidades públicas acabava com a dicotomia entre impostos e taxas
e introduzia uma terceira categoria de tributos (contribuições especiais). Esta terceira
categoria é uma categoria residual, que enquadra:
i. Os tributos que não apresentem as características dos impostos, em especial a
unilateralidade e a cobertura da generalidade das despesas;
ii. Os tributos que não apresentem as características das taxas, em especial a bilateralidade
em sentido estrito; e
iii. Os tributos a favor de entidades públicas de base não territorial com características de
sinalagma difuso.
As contribuições especiais que têm sido criadas entre nós podem ser agrupadas em
algumas categorias:
i. Contribuições destinadas a financiarem serviços de interesses
difusos que beneficiam concretamente alguns grupos de destinatários, mas
com externalidades positivas;
ii. Contribuições especiais parafiscais: contribuições especiais que
financiam entidades públicas de base não territorial cuja atividade beneficia
um grupo homogéneo de destinatários;
iii. Tributos extrafiscais: contribuições especiais, com finalidades extrafiscais
puras, destinadas a modelar ou orientar comportamentos. Todavia,
relativamente à última categoria, só não estamos perante impostos desde
que os montantes cobrados sejam afetos à compensação dos prejuízos
causados pela rigidez dos comportamentos eu se pretendia orientar
(consignação orçamental).
b. As contribuições parafiscais: a parafiscalidade portuguesa remonta ao Estado
Novo e nessa época e até à adesão de Portugal à então Comunidade Económica
Europeia (CEE) tinha como finalidade fomentar e proteger o mercado. Ela assume
novos contornos no quadro do mercado comum e do mercado interno. Pretende-
se agora a diminuição de custos associados à eficiência dos mercados, à informação
transparente e à livre concorrência. É neste contexto que foram criados em Portugal
e nos outros Estados Membros diversas entidades reguladoras, e as novas taxas de
regulação económica. Com a segunda revisão constitucional (1989), o atual artigo
103.º, n.º1 CRP passou a referir-se à satisfação das necessidades financeiras não só
do Estado, mas também de outas entidades públicas:
«o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras
entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza».
Desde então o Tribunal Constitucional entendeu que algumas receitas extrafiscais
eram consideradas financeiramente (isto é, do ponto de vista da ciência das Finanças)
impostos, se constituíssem receita de uma entidade pública de base não territorial.
Eram simultaneamente receitas extrafiscais e parafiscais. Parafiscais, porque
escapavam ao orçamento de Estado. Na verdade, algumas das taxas dos referidos
organismos de coordenação económica não prosseguem em primeira linha fins
fiscais, mas também têm estado entre nós relacionada com o papel intervencionista
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do Estado na economia, i.e., com finalidades extrafiscais. A posição do Tribunal
constitucional não era coerente, porque a submissão à reserva de lei dee atender em
primeira linha ao tipo de tributo (e esta é a metodologia correta) e não ao critério da
entidade que constitui sujeito ativo do tributo. Se se atende apenas à unilateralidade
e não ao fim, no caso da parafiscalidade, deve fazer-se o mesmo no caso dos tributos
estaduais infraestaduais e supraestaduais.
c. As taxas de regulação económica e a proteção constitucional dos
contribuintes: na versão originária da constituição de 1976, só os impostos eram
submetidos a reserva de lei formal (o então artigo 168.º, n.º1, alínea i) CRP). A
jurisprudência do Tribunal Constitucional, até à revisão constitucional de 1997, não
autonomizava a parafiscalidade, reconduzia-a sem mais ao regime constitucional dos
impostos, e não desenvolveu outros critérios de legitimidade constitucional material
destes tributos. A revisão constitucional de 1997 veio dar uma nova redação à
reserva de lei em matéria de tributos. Nos termos do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP,
na versão de 1997, compete à Assembleia da República, sem prejuízo da sua
autorização ao governo, legislar em matéria de criação de impostos e sistema fiscal
e regime geral das taxas e das demais contribuições financeiras a favor de entidades
públicas. A este propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, e Cardoso da Costa
consideram que a constituição dá agora tratamento próprio à parafiscalidade
autonomizando-as dos impostos, nomeadamente para efeitos de reserva de lei. No
quadro da parafiscalidade, são de destacar as novas taxas de regulação económica.
Elas têm vindo a proliferar e podemos considera-las essenciais para financiar as
despesas e garantir a independência das entidades reguladoras em relação aos
governos emanados das maiorias parlamentares. O Tribunal Constitucional
reconheceu esse tertium genus no Acórdão n.º 365/08, tendo evitado a qualificação
tributária das taxas de regulação económica no Acórdão n.º 613/09, mas
reconhecido que se aproximavam das taxas. Entendemos que as taxas de regulação
económica não constituindo verdadeiras taxas também não são impostos, e por isso
podem ser designadas de contribuições especiais. Apesar dos referidos desenvolvimentos,
as taxas de regulação económica não encontram, ainda hoje, um enquadramento
legislativo que guie a sua criação, e a prática da criação das taxas de regulação
económica não tem uma linha orientadora. Para não violarem os princípios
constitucionais, as contribuições especiais parafiscais devem respeitar os seguintes
critérios materiais, sendo urgente o seu desenvolvimento pela nossa jurisprudência:
i. Os contribuintes devem constituir um grupo homogéneo;
ii. A contraprestação deve ser suportada pelo grupo de destinatários/beneficiários dos
serviços (conjunto dos regulados);
iii. Deve existir uma utilidade do grupo;
iv. O montante deve suportar o teste da proporcionalidade.
d. A quantificação das taxas de regulação económica: por se caracterizarem
através do sinalagma difuso, as taxas de regulação económica também exigem uma
quantificação através do princípio da equivalência. A equivalência implica que:
i. O benefício do grupo (do conjunto dos regulados) seja repartido igualmente
por todos os beneficiários, presumindo-se uma utilidade ou benefício
potencialmente idênticos para os beneficiários, mesmo que em cada ano
fiscal esse benefício possa variar em concreto. Eventualmente, pode a lei
presumir utilidades ou benefícios diferentes, caso à partida se saiba que os
beneficiários vão ter utilidades diferenciadas
ii. Que haja uma correspondência entre o montante a cobrar e os custos da
entidade reguladora, devendo ainda ser observados os princípios da
objetividade, transparência e não discriminação.
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Assim, ao abrigo do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, a lei da Assembleia da República,
na determinação do montante das contribuições financeiras, deve observar o
princípio da proporcionalidade ou da equivalência – distribuição equitativa entre
beneficiários dos custos. E deve ainda fixar (pelo menos) o montante máximo do
tributo a cobrar a cada operador, sob pena de não existirem limites par os custos das
entidades reguladoras e de um última instância se criar um tributo confiscatório,
proibido nos Estados de Direito (e na nossa constituição, devido ao direito da
propriedade privada). Fixados os parâmetros referidos, pode o Decreto-Lei
autorizado quantificar concretamente o montante do tributo, em cada ano, com base
nos custos apurados. Todavia, se a quantificação de um tributo sinalagmático – seja
ele uma taxa ou um tributo parafiscal de sinalagma difuso – se basear em critérios
ad valorem, estaremos novamente perante um imposto, e nesse caso aplica-se a
reserva de lei dos impostos: cada imposto e não um conjunto deles tem de ser criado
por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, nos seus
elementos essenciais. Decorre do exposto que a não aplicação do princípio da
proporcionalidade, concretizado no princípio da equivalência, aos tributos de
sinalagma difuso, implica a criação de impostos ocultos e é por isso contrária à
constituição portuguesa.
e. Tributos extrafiscais e sanções: alguns dos tributos ambientais são reconduzíveis
às contribuições especiais, de sinalagma difuso. Não se deve porém confundir o
tributo extrafiscal, o qual tem finalidades de orientação de comportamentos e
finalidades fiscais, com sanções. Vimos anteriormente que apesar de os tributos
extrafiscais – que pretendem orientar comportamentos – terem como finalidade a
orientação de comportamentos e não a arrecadação de receitas, a arrecadação destas
pode ser uma finalidade secundária ou lateral atingida em caso de comportamentos
rígidos. Todavia, os tributos não são consequência de proibições baseadas em
desvalores da ação que se pretendia alterar. A solução encontrada pelo Tribunal
Constitucional no caso que analisou a natureza jurídica das penalizações por
emissões excedentária (Acórdão n.º 80/2014) não é, por isso, correta. Mesmo assim,
quer no caso de uma sanção administrativa atípica quer no caso de um tributo
extrafiscal, os valores do sobrecusto em causa são muito elevados. Enquanto no
caso da sanção atípica seria recomendável a aprovação de um regime geral por meio
de lei da Assembleia da República ou de Decreto-Lei autorizado, à semelhança do
que acontece quanto ao regime geral das contraordenações, no caso de um tributo
extrafiscal, esse regime geral é exigido por lei. Ora, na ausência da aprovação do
regime geral não é admissível, num Estado de Direito, que as contribuições
financeiras e a extrafiscalidade fiquem libertas da reserva de lei que se aplica aos
impostos, dada a similitude que têm com os impostos e o facto de o Tribunal
constitucional não estabelecer critérios materiais de controlo do quantitativo a
cobrar.
f. Os benefícios fiscais: os benefícios fiscais são desagravamentos fiscais que
introduzem exceções à incidência tributária e que prosseguem finalidades não fiscais
(extrafiscais). A situação da vida recairia nas normas de incidência, mas estas são
afastadas devido a uma lei que introduz um regime mais benéfico. Existem diversos
tipos de benefícios fiscais ou técnicas de atribuição de benefícios fiscais. Por serem
exceções às normas de incidência, os benefícios fiscais violam o princípio da
igualdade. Assim, eles têm de ser justificados por princípios que se sobreponham à
igualdade e, em regra, devem ter duração limitada. O artigo 2.º, n.º1 do Estatuto dos
Benefícios Fiscais, define os benefícios fiscais como:
«as medidas de caráter excecional instituídas para tutela dos interesses públicos
extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da tributação que impedem».
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O significado de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da tributação deve ser
concretizado. Para tal, podemos recorrer aos princípios materiais legitimadores dos
benefícios fiscais. Esses princípios (que podemos considerar também aplicáveis no
nosso ordenamento constitucional) são:
i. O princípio do bem estar social: como princípio geral e que deve estar sempre
presente como forma de controlar o arbítrio;
ii. O princípio da proporcionalidade: concretiza-se, por exemplo, no princípio da
necessidade económica das famílias com repercussões positivas em toda a
comunidade, e portanto no bem-estar social;
iii. O principio do ganho ou mérito: significa a recompensa fiscal de um
comportamento que serve o interesse geral.
Deve haver pois uma relação entre princípios materiais legitimadores dos benefícios
fiscais e os princípios fiscais materiais. Os primeiros não devem ser ponderados
apenas no quadro do Direito Económico – necessidade e adequação e termos de
efeitos benéficos para a economia e de mero juízo de prognose – mas também no
quadro do Direito Fiscal, i.e., deve ser avaliado se esses princípios devem prevalecer
sobre a igualdade na vertente da capacidade contributiva, progressividade, e
quaisquer outros limites fiscais materiais que sejam restringidos pelos benefícios
fiscais. Esta mesma relação tem sido feita, mutatis mutandis, no âmbito da União
Europeia, a propósito da concorrência fiscal desleal (numa lógica de ponderação dos
efeitos positivos na economia do Estado Membro e a discriminação positiva dos
não residentes, provocadora de deslocação e de erosão das receitas fiscais nos
Estados Membros da residência). Além disso, a própria atribuição em concreto dos
benefícios fiscais, no uso de uma margem de livre apreciação ou discricionariedade,
está sujeita a limites, nomeadamente, aos princípios da proibição da arbitrariedade,
da proibição do excesso e da proporcionalidade. Como veremos adiante, a reserva
de lei parlamentar é o instrumento que formalmente legitima o desvio ao princípio
da igualdade, nas vertentes da capacidade contributiva e, eventualmente, da
progressividade.
A relação tributária no Direito Português:
1. Noções introdutórias: a relação jurídica tributária é uma relação de Direito Público entre
sujeito passivo e sujeito ativo e como tal confere-lhes direitos e deveres. A nossa Lei Geral
Tributária, como as demais leis gerais tributárias, tem por objeto a disciplina destes direitos
e contem também o procedimento tributário. O Título II da LGT tem como epígrafe «Relação
Jurídica Tributária» e divide-se em quatro capítulos:
a. Sujeitos da relação jurídica tributária;
b. Objeto da relação jurídica tributária;
c. Constituição e alteração da relação jurídica tributária; e
d. Extinção da relação jurídica tributária.
Embora o Título III tenha como epígrafe «Procedimento tributário», na verdade ele contém as
regras e princípios dos procedimentos tributários, tais como o princípio do inquisitório e da
verdade material (artigos 58.º LGT e 50.º CPPT), as regras do ónus da prova (artigo 74.º
LGT), entre outras, e alguns procedimentos tais como os métodos de avaliação indireta do
património (artigos 87.º a 90.º LGT), e a abertura do sigilo bancário (artigos 63.º-A a 64.º
LGT). A definição e caracterização dos sujeitos e objeto da relação jurídico-tributária é um
pressuposto do procedimento tributário. Sujeitos e objeto são elementos essenciais da
relação tributária ou do Tatbestand sistemático de imposto. O procedimento diz respeito à
sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários, nos termos dos artigos 54.º LGT
e 44.º CPPT, e corresponde ao conceito de procedimento administrativo do artigo 1.º, n.º1
CPA. Na verdade, o procedimento dirige-se não só à declaração de direitos, mas também de
deveres tributários, consoante o caso, e não temos um procedimento, mas uma pluralidade
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deles. A pluralidade de procedimentos significa também a pluralidade de relações jurídicas
tributárias. Tal pluralidade resulta da enumeração exemplificativa do artigo 54.º, n.º1 LGT.
No caso português, a disciplina do procedimento ou procedimentos tributários encontra-se
repartido pela Lei Geral Tributária e pelo Código de Procedimento e Processo Tributário
(Título I e II do CPPT), sendo por isso necessário recorrer a ambos os Códigos. Além disso,
a Lei Geral Tributária contém um título (Título III), consagrando os princípios fundamentais
do processo judicial tributário. Também o Título III do CPPT diz respeito ao processo
judicial tributário, prevalecendo, em caso de contradição, as normas da LGT (artigo 1.º
CPPT). O processo judicial tributário costuma ser designado no Direito Fiscal, por processo
tributário, por contraposição ao procedimento tributário. No Direito Fiscal, o procedimento
diz respeito à sucessão de atos dirigidos à declaração de direitos tributários, na relação entre
administração e sujeito passivo (artigos 54.º LGT e 44.º CPPT); por seu turno, o processo é
o processo judicial tributário. A duplicação de regimes entre a LGT e o CPPT é resquício do
sistema de administrador-juiz, na tradição do contencioso francês, sendo recomendável que
todas as normas de processo judicial tributário sejam incluídas num único Código. A
necessidade da reforma do processo judicial tributário tem estado presente, mas tem sido
adiada.
2. Sujeitos da relação jurídica tributária: nos termos do artigo 18.º LGT,
a. Sujeito Ativo da relação jurídico-tributária a entidade de Direito Público, titular do
direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer diretamente, quer
através de representante. O sujeito ativo é titular do crédito tributário e de outras
pretensões tributárias. O sujeito ativo pode coincidir ou ser distinto do sujeito que
é titular da receita tributária. Titular da receita pode ser o Estado (a administração
central), as Regiões Autónomas (administração regional), as Autarquias locais (a
administração local) ou qualquer entidade pública de base não territorial. A
referência à representação abre a possibilidade de a exigência do tributo ser efetivada
por uma entidade pública diferente do sujeito ativo ou até por uma entidade privada.
b. Segundo o n.º3 do mesmo artigo 18.º LGT
«[o] sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização
de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da
prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável».
Este artigo contém um conceito-quadro de Sujeito Passivo, o qual tem de ser
definido, em cada caso pela lei respetiva. O conceito de sujeito passivo é mais amplo
do que o adotado pelo artigo 18.º, n.º3 LGT. Podemos definir sujeito passivo quem,
nos termos da legislação tributária, está obrigado ao cumprimento de uma prestação
tributária, de natureza material ou formal. Pode tratar-se de uma pessoa singular ou
coletiva, de uma entidade constituída segundo os requisitos legais ou em desrespeito
destes, de um património, de uma organização de facto ou de direito ou de qualquer
outro agrupamento de pessoas, consoante a previsão legal. A densificação legal deste
conceito, em cada código de imposto ou lei procedimental, deve ser o mais ampla
possível para atingir os sujeitos que se encontrem na mesma situação material, de
modo a evitar comportamentos elisivos ou abusivos. Em contrapartida, não adquire
a qualidade de sujeito passivo quem suporte o encargo do tributo por repercussão e
não tenha direitos nem deveres perante o sujeito ativo, deva prestar informações
sobre assuntos tributários de terceiros, exibir documentos, emitir laudo em processo
administrativo ou judicial ou permitir o acesso a imóveis ou locais de trabalho (n.º4
do artigo 18.º LGT).
c. Categorias de sujeitos passivos: no nosso ordenamento, encontramos diversas
categorias de sujeitos passivos, umas tradicionais e ainda uma nova categoria. São
categorias de sujeitos passivos que remontam à criação da doutrina da relação jurídca:
i. O contribuinte;
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ii. O substituto;
iii. O substituído;
iv. O responsável tributário.
Todas as restantes categorias jurídicas, mencionadas por lei ou pela doutrina
portuguesa, se reconduzem às enunciadas. Devedor de imposto é o sujeito passivo.
Só o fenómeno da repercussão tributária implica um conceito diferente, o conceito
de contribuinte de facto, o qual é um conceito não jurídico, porque extrapola a
relação jurídica tributária e não atribui direitos nem deveres. Portanto, o contribuinte
de facto não é um sujeito passivo. Todavia, o nosso artigo 18.º, n.º4, alínea a) LGT,
depois de afirmar que não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por
repercussão legal, atribui-lhe o direito de reclamação, recursão, impugnação ou de
pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias (Lei n.º55-A/2010, 31
dezembro). Ou seja, reconhece legitimidade processual ativa ao consumidor final ou
adquirente de serviços para reclamar administrativamente ou impugnar
judicialmente o ato tributário. Isto significa que o consumidor final ou adquirente
dos serviços de IVA é um sujeito passivo no nosso ordenamento jurídico; é tratado
como contribuinte, não como contribuinte de facto. Ao contrário do que se afirma
no artigo 18.º, n.º4, alínea a) LGT, no nosso ordenamento, a repercussão legal
implica que quem a suporta é sujeito passivo (repercussão legal é a que existe no
IVA), e só a repercussão fática, não prevista na lei, é que não atribui legitimidade
procedimental e processual a quem suporte o encargo do imposto. As diferentes
categorias de sujeitos passivos, tal como o próprio conceito de sujeito passivo, são
jurídicas, no sentido em que todas elas se enquadram na relação jurídica tributária.
Assim, contribuinte e substituto tributário podem ser designados de sujeito passivo
originário, quando existe um responsável tributário subsidiário. A estas se juntaram
recentemente os promotores de esquemas de planeamento fiscal agressivo
(Decreto-Lei n.º29/208, 25 fevereiro), que não se submetem a nenhuma das
categorias anteriores.
d. Contribuinte, substituto e substituído tributário:
i. Contribuinte: é o sujeito passivo obrigado por lei a pagar tributos ou
outros encargos legais a estes associados. Teria sido preferível o artigo 18.º
LGT utilizar o termo contribuinte a contribuinte direto, o qual introduz
alguma confusão e é redundante.
ii. Substituto tributário: é um sujeito que, por imposição da lei, está obrigado
a cumprir prestações materiais e formais da obrigação tributária em lugar
do contribuinte (artigo 20.º, n.º1 LGT). Este último é o substituído.
No nosso ordenamento, a substituição tributária é efetivada, fundamentalmente,
através do dever de retenção na fonte do tributo (artigo 20.º, n.º2 LGT), a título
definitivo ou por conta, por ocasião de um pagamento a outra pessoa, e do dever de
entrega dos montantes retidos ao tesouro público. A entrega de tributo por parte do
substituto ao disco, sem ter existido a necessária retenção do mesmo, confere direito
de regresso por parte do substituto em relação ao substituído, a exercer nos termos
da lei civil. O tributo retido e pago pelo substituto, ainda que indevidamente, é
considerado como tendo sido pago em nome e por conta do substituído. As
retenções na fonte surgiram como um meio de prevenir a evasão fiscal. O fisco
recorre a uma entidade privada, devedora de rendimentos e com contabilidade
organizada (de modo a permitir o controlo das retenções e entrega do imposto
retido por parte do fisco), para o auxiliar a liquidar e cobrar receitas fiscais. Recaem
normalmente deveres de retenção na fonte sobre as entidades empregadoras, as
entidades que pagam serviços, as entidades financeiras que pagam rendimentos de
capital. Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do
exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se
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que o exercício destas funções no interesse público, não restringe
desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é
inconstitucional. Os regimes fiscais desde os anos noventa do século XX, com a
livre circulação de capitais, têm aumentado os deveres de cooperação dos sujeitos
passivos, incluindo os deveres dos substitutos tributários a quem são pedidas
prestação de informações ou deveres de comunicação (deveres que são inerentes ao
exercício da atividade económica privada e que não são contrários ao princípio da
proporcionalidade). Apesar de o artigo 20.º, n.º2 LGT identificar a substituição
tributária com a retenção na fonte, aquela também apresenta a substituição tributária
com a retenção na fonte, aquela também apresenta outras manifestações. Assim, a
substituição tributária ocorre sem retenção na fonte e com frequência, no domínio
das taxas e contribuições.
e. A responsabilidade tributária: caracterização, pressupostos e procedimento:
responsável tributário é o sujeito passivo que violou deveres legais e a quem é
exigido, na sequência dessa violação, o pagamento de uma dívida tributária de outem
(sujeito passivo originário) não atempadamente paga (artigo 22.º, n.º4 LGT). É neste
n.º4 do preceito que está descrita a figura da responsabilidade tributária. No Direito
alemão, é clara a diferença entre responsabilidade tributária (Hftung) e obrigação
tributária (Schuld), entre responsável tributário (Haftungschuldner) e obrigado
tributário (Shculdner). Pelo facto de a responsabilidade tributária ser uma
responsabilidade pela dúvida de outrem (Haftung), ela não deve ser reconduzida à
responsabilidade civil. Por outro lado, a responsabilidade tributária não é uma
responsabilidade criminal. Também pode existir responsabilidade criminal relativa
ao não pagamento de uma dívida de outrem, mas os pressupostos de ambas as
responsabilidades são distintos e têm de ser averiguados na legislação respetiva. Ao
contrário do que pretende o n.º2 do artigo 22.º LGT, a exigência do pagamento da
dívida ao sujeito passivo originário (ou seja, ao contribuinte) não corresponde à
figura da responsabilidade tributária, mas ao cumprimento da obrigação de imposto.
Assim, o artigo 22.º LGT trata sob a figura da responsabilidade, duas realidades:
i. Uma mais ampla, a da obrigação tributária (artigo 22.º, n.º2, 1.ª parte
LGT); e
ii. A da responsabilidade tributária.
No nosso regime, sempre que a legislação tributária não estabeleça expressamente
uma responsabilidade solidária entre os sujeitos passivos, a responsabilidade é
subsidiária (artigo 22.º, n.º4 LGT). Solidariedade e subsidiariedade têm o significado
do Direito Civil. Enquanto na solidariedade, a autoridade tributária pode escolher o
património de um dos sujeitos passivos responsáveis para saldar toda a dívida, na
responsabilidade subsidiária, a autoridade tributária tem de respeitar uma hierarquia.
i. Primeiro, tem de executar o património do responsável primário (substituto) – v.g.
artigo 28.º, n.º3 LGT – ou do obrigado tributário (substituído) – v.g., artigo 28.º,
n.º2 LGT –; e,
ii. Na sua ausência ou insuficiência, pode executar o património do sujeito referido na lei
(que pode ser o substituto, como no caso da responsabilidade de órgãos
sociais).
Em regra (salvo norma especial), quando os pressupostos da responsabilidade
tributária se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente
responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária. A responsabilidade abrange
toda a dívida tributária, os juros, multas e demais encargos legais (mas a lei pode
estabelecer o contrário). A responsabilidade solidária efetiva-se por reversão do
processo de execução fiscal (artigo 23.º, n.º1 LGT). A reversão contra o responsável
subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor
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principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão
(artigo 23.º, n.º2 LGT).
f. Casos de responsabilidade tributária previstos na lei:
i. Responsabilidade do titular de estabelecimento individual de responsabilidade limitada:
pelas dívidas fiscais do estabelecimento individual de responsabilidade
limitada respondem apenas os bens a estes afetos (artigo 25.º, n.º1 LGT).
Mas, nos termos do n.º2 do mesmo artigo, em caso de falência do
estabelecimento individual de responsabilidade limitada por causa
relacionada com a atividade do seu titular, responderão todos os seus bens,
salvo se ele provar que o princípio da separação patrimonial foi
devidamente observado na sua gestão. Trata-se da avaliação da culpa
funcional: se o titular do estabelecimento dissipou património do mesmo,
sem cuidas das dívidas tributárias.
ii. Responsabilidade tributária dos liquidatários das sociedades: nos termos o artigo
26.º LGT, os liquidatários das sociedades podem ser responsáveis
tributários, a título pessoal e solidário, se, em caso de liquidação de qualquer
sociedade, não começarem por satisfazer as dívidas tributárias. Todavia,
essa responsabilidade fica excluída em caos de dívidas da sociedade que
gozem de preferência sobre as dívidas tributárias. Quando a liquidação
ocorra em processo de insolvência, devem os liquidatários satisfazer as
dívidas tributárias em conformidade com a ordem prescrita na sentença de
verificação e graduação dos créditos nele proferida.
iii. Responsabilidade de gestores de bens ou direitos de não residentes: nos termos do
artigo 27.º, n.º1 LGT, os gestores de bens ou direitos de não residentes sem
estabelecimento estável em território português são solidariamente
responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e
impostos do não residente relativos ao exercício do seu cargo. Explica o
n.º2 do mesmo artigo, que se trata das pessoas singulares ou coletivas que
tenham a direção de negócios de entidade não residente em território
português, agindo no interesse e por conta dessa entidade. Este regime é
explicável pela dificuldade em executar o património do não residente, em
caso de dívida fiscal.
iv. Responsabilidade em caso de substituição tributária: o artigo 28.º LGT regula a
responsabilidade tributária em caos de substituição tributária. Vimos
anteriormente que o substituto tributário pode ser responsável pelo
pagamento da dívida tributária do substituído. Tal responsabilidade ocorre
se forem violados os seus deveres de substituto tributário. Recorde-se que
o substituto tem dois deveres complementares, mas autónomos: Trata-se
dos:
1. Dever de retenção; e
2. Dever de entrega do imposto;
E, por isso. A violação do dever pode ocorrer em relação a só um deles ou
em relação a ambos. Temos de distinguir as situações seguintes, consoante
se trate de retenção por conta ou de retenção a título definitivo:
3. Não retenção na fonte do imposto por conta e consequente não
entrega do imposto;
4. Retenção na fonte por conta mas não entrega do imposto;
5. Não retenção a título definitivo e consequente não entrega do
imposto.
Quando o dever de retenção tenha caráter de retenção por conta do tributo
devido a final, e o tributo não tenha sido retido, cabe ao substituído a
obrigação de pagar o tributo não retido, e ao substituto a responsabilidade
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subsidiária. A razão de ser deste regime reside no facto de o substituído ser
o contribuinte e no caso em apreço, o substituído recebeu o seu rendimento
bruto, uma vez que este não foi objeto de retenção na fonte. Cabe portanto
ao contribuinte satisfazer a obrigação de imposto. Todavia, caso a
administração tributária verifique que o património do substituído é
inexistente ou insuficiente para pagar toda a dívida tributária, nos termos
do artigo 23.º, n.º2 LGT e 153.º, n.º2 CPPT, o substituto será responsável
subsidiário, pois violou o seu dever de retenção. Verificando-se a situação
de responsabilidade, o substituto é também responsável por juros
compensatórios, desde o termo do prazo de entrega dos montantes que
deveriam ter sido retidos, até à data em que se efetivar o pagamento ou até
ao termo do prazo para o pagamento do tributo pelo substituído. Se o dever
de retenção por conta foi cumprido, mas o montante não foi entregue, o
substituído contribuinte fica desobrigado de qualquer obrigação. Subjacente
a este regime, existe a presunção de que o substituído não sabe nem tem a
possibilidade de saber se o montante retido foi entregue ao fisco. O
substituto apenas sabe que o montante devido foi retido, e portanto fica
liberto de quaisquer obrigações relacionadas com a retenção. Isto significa
que o substituto tributário é o único responsável pelo imposto retido e não
entregue por ele. Na relação entre substituído e substituto, trata-se de uma
responsabilidade objetiva, não sendo possível demonstrar que houve
alguma razão para a não entrega do imposto. Entende-se que o substituto
reteve montantes que não são propriedade sua, mas do sujeito ativo, e por
conseguinte, não há justificação para a aplicação dos montantes a outras
finalidades. No caso do dever de retenção com caráter definitivo, se o
tributo não tiver sido retido, a solução é diferente da que vimos ser aplicável
à não retenção por conta. No caso de retenção definitiva, cabe ao substituto
a responsabilidade solidária pelo pagamento do tributo não retido e
respetivos juros compensatórios. A responsabilidade é solidária, porque em
caso de retenção definitiva, é mais difícil a autoridade tributária recuperar o
montante devido junto do substituído. Essa dificuldade pode ocorrer por
duas razões:
1. Se o substituído for residente, ele não tem que englobar os
rendimentos retidos na fonte a título definitivo, não tem que incluí-
los na declaração anual de imposto, o que significa que pode ser
difícil ao fisco obter a receita devida executando o património do
substituído. Por outras palavras, existe um risco de dissipação do
património por parte do substituído, no caso de (falta de) retenção
definitiva. Daí se justificar a responsabilidade subsidiária, cabendo
ao fisco escolher entre a execução do património do substituído ou
do substituto, ponderando quais as melhores probabilidades de
recuperação da dívida devida.
2. Se a retenção definitiva incidir sobre o rendimento de não residente,
será difícil senão mesmo impossível recuperar o montante devido
junto do substituído não residente. Existem poucos tratados para
o auxílio a cobrança entre Estados. Existe, na verdade, uma
Diretiva europeia a prever tal auxílio, a aplicar entre os Estados
Membros da União Europeia, mas será muito mais fácil, em grande
parte dos casos, executar o património do substituto residente em
território português do que iniciar o procedimento burocrático e
oneroso de auxílio a cobrança por parte de uma entidade congénere.
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Em qualquer dos casos, é possível ao substituto exercer o seu direito de
regresso, ao abrigo das normas de Direito Civil, junto do substituído. Mas
o Direito Fiscal desvincula-se desta questão. Pode também acontecer que a
retenção do tributo tenha sido apenas parcial em relação ao montante
devido. Neste caso, clarifica a lei que a obrigação ou a responsabilidade
referidas anteriormente dizem respeito ao pagamento da diferença entre as
importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efetivamente o
foram.
v. A responsabilidade dos corpos sociais e responsáveis técnicos de sociedades de
responsabilidade limitada, cooperativas e empresas públicas: a responsabilidade dos
corpos sociais e responsáveis técnicos de sociedades de responsabilidade
limitada, cooperativas e empresas públicas é um caso específico de
responsabilidade do substituto tributário (artigo 24.º LGT). Os gestores de
direito ou de facto de pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são
subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si
pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no
período em que exerceram o cargo, ou pelas dívidas cujo prazo legal de
pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo,
consoante o caso, se tomaram a decisão de não pagamento da mesma ao
fisco, ou participaram em tal decisão. Se o facto constitutivo das dívidas
tributárias se verificou no período em que exerceram o cargo e o prazo legal
de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, tem de ser provado
que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se
tornou insuficiente para a sua satisfação por culpa sua. Não existe uma
presunção de culpa, se o prazo legal de pagamento ou entrega terminoou
depois do exercício do cargo. Ou seja, na dúvida, o ónus da prova funciona
a favor do gestor (substituto). Esta solução faz sentido, pois, se o gestor já
não exercia o cargo quando terminou o prazo legal de pagamento, a
probabilidade é que a insatisfação da dívida se deveu ao gestor que exercia
o cargo quando o referido prazo terminou. Por isso, e em contrapartida,
existe uma presunção de culpa dos gestores pelas dividas tributárias cujo
prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do
exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a
falta de pagamento: ou seja, em caso de dúvida, o ónus da prova funciona
contra o gestor (substituto). Esta responsabilidade aplica-se aos membros
dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas coletivas
em que os houver, bem como aos técnicos oficiais de contas, desde que se
demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou do
incumprimento das suas funções de fiscalização. É importante perceber que
a culpa de que trata este artigo nada tem a ver com um juízo de mérito do
gestor mas com uma culpa funcional: cumpriu ou não os deveres tributários
e tinha ou não competência legal ou factual para tal. Além disso, na
averiguação da culpa funcional, deve ter-se em conta o erro desculpável, o
estado de necessidade, a situação de impossibilidade absoluta ou o
consentimento da instituição credora. Esta responsabilidade tributária
subsidiária, aplica-se em relação a quaisquer impostos devidos pela pessoa
coletiva ou ente fiscalmente equiparado. No caso das retenções, temos um
responsável (gestor) subsidiário do responsável substituto (sociedade ou
entidade equiparada) ou sub-responsável tributário. Assim, nos termos do
artigo 24.º LGT:
«1. Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam,
ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas
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coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis
em relação a estas e solidariamente entre si:
«a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado
no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento
ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos
casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva
ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua
satisfação;
«b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega
tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não
provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
«2. A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos
órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas coletivas em
que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres
tributários destas resultou do incumprimento das suas funções de
fiscalização;
«3. A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos técnicos de
contas desde que se demonstre a violação dos deveres fiscais de assunção de
responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal
ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus
anexos».
vi. A responsabilidade tributária e culpa: a responsabilidade tributária por dívida de
outrem não é responsabilidade objetiva, existindo normalmente uma
presunção legal de culpa: v-g-, o artigo 23.º, n.º4 LGT. Porém, no nosso
ordenamento, o ónus da prova pode correr contra o substituto-responsável
tributário (artigo 24.º, n.º1, alínea b) LGT), o que tem provocado discussões
doutrinárias quanto à severidade do regime, perante a generalizada
passividade da jurisprudência. Por outro lado, embora pareça existir uma
responsabilidade objetiva na relação entre substituto e substituído, prevista
no artigo 28.º LGT, deve entender-se que a culpa do substituto tem de ser
apurada. O mesmo se aplica a todos os casos de responsabilidade tributária
previstos na LGT:
1. Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos (artigo
24.º LGT);
2. Responsabilidade do titular do estabelecimento individual de responsabilidade
limitada (artigo 25.º, n.º2 LGT);
3. Responsabilidade dos liquidatários das sociedades (artigo 26.º LGT); e,
4. Responsabilidade dos gestores de bens ou de direitos de não residentes (artigo
27.º LGT)
Existe culpa para efeitos de responsabilidade tributária, se, por exemplo, foi
cometido crime ou contraordenação de abuso de confiança fiscal (artigos
105.º e 114.º RGIT) ou de fraude fiscal (se foram ocultados, viciados ou
alterados dados fiscalmente relevantes – artigos 103, 113.º e 118.º RGIT).
A condenação em sede de RGIT significa a culpa também para efeitos de
responsabilidade tributária. Mas na ausência de um crime ou
contraordenação fiscais, cabe ainda averiguar se houve alguma razão que
justifique a não entrega do imposto e que afaste a responsabilidade
tributária. Em regra, a averiguação do responsável tributário implica os
seguintes passos:
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1. A identificação do responsável pela decisão de não cumprir o
dever tributário de retenção e/ou entrega do tributo
(competência pelo risco do incumprimento);
2. A culpa deve ser averiguada tendo em conta os deveres de
diligência, e a relação existente entre o presumível
responsável e o sujeito passivo originário: no caso das
sociedades, para se apurar o cumprimento dos deveres de diligência,
deve-se começar por indagar acerca da boa organização da
sociedade e por saber se essa organização lhe permite cumprir
devidamente as suas obrigações tributárias ou se é defeituosa. Se
existir uma organização empresaral defeituosa, estaremos perante
um caso de culpa da sociedade para efeitos de responsabilidade
tributária. Se não existir uma organização empresarial defeituosa,
cabe averiguar por que razão não foram pagos os tributos devidos.
Relativamente a este segundo passo, os casos mais complexos são o da
responsabilidade tributária no caso do IVA cobrado e não entregue ao
Estado e o da responsabilidade tributária no caso do IRS retido e não
entregue. Em ambos os casos, existe uma presunção de culpa (o ónus da
prova objetivo funciona em desfavor do substituto) e é muito difícil
justificar a não entrega de montantes cobrados ou retidos, dado que estes
não são propriedade do substituto e este deve ser diligente para que os
montantes devidos sejam entregues ao fisco dentro do prazo legal. Porém,
na apreciação dos deveres de diligência, há que ter em conta que decorre
um período entre a retenção e a entrega, e durante o qual o particular
substituto não deve ser visto como um fiel depositário dos montantes
cobrados, ao contrário do que parece ser o entendimento (implícito) da
jurisprudência. Isto é, dada a sua fungibilidade, os montantes cobrados ou
retidos podem ser movimentados durante esse período, e a lógica
empresarial isso recomenda. Para efeitos de apuramento da culpa na
responsabilidade tributária, por violação dos deveres de entrega, se a
mencionada organização empresarial for adequada ao cumprimento dos
deveres tributários, a averiguação da diligência implica ainda o risco
envolvido nas movimentações ocorridas entre o momento da cobrança ou
retenção e o prazo de entrega dos impostos. O risco assumido pode
significar no caso concreto, uma menor ou insuficiente diligência. Trata-se
de uma questão de grau. Isto é, nestas ponderações, deve prevalecer o
máximo dever de diligência para com os montantes cobrados ou retidos e
a entregar ao Estado, dado que tais montantes não foram gerados no
quadro da atividade empresarial da entidade que os cobra ou retém, mas
derivam das suas obrigações tributárias. Por isso se entende que só tem
casos extremos deve ser afastada a culpa do particular que cobrou IVA,
bem como do substituto que reteve IRS: poderia isso acontecer, se os
montantes tiverem sido depositados numa instituição financeira que declara
insolvência contra todas as previsões sérias. Ou se o substituto tiver
aplicado os montantes a pagamentos de fornecedores porque tem um
crédito cujo recebimento implica um risco praticamente nulo. Uma outra
situação diz respeito à não retenção na fonte e não entrega de imposto,
como forma de assegurar o pagamento de salários dos trabalhadores, numa
situação de crise (ou retenção mas não entrega com a referida justificação).
Neste caso, é difícil aceitar a referida justificação (ponderação entre o dever
constitucional de pagar impostos – artigo 103.º, n.º1 e 2 e 104.º CRP – e o
dever constitucional da retribuição do trabalho – artigo 59.º, n.º1, alínea a)
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CRP –, tendo prevalecido este), pois, se se tratar de uma crise económica e
financeira pública, a cobrança dos tributos prevalece sobre o pagamento
dos salários privados; e na situação de crise da sociedade ou pessoa coletiva,
as regras de concorrência ditam a insolvência da sociedade. Finalmente, no
caso de falhar a entrega do IRC da própria sociedade, por insuficiência ou
inexistência de património, a solução encontrada pela lei fiscal é a de
arranjar um responsável tributário, caso haja dissipação de património, mas
sem consequências criminais ou contra-ordenacionais.
vii. A averiguação da culpa dos gestores e responsáveis técnicos: assim, surge como
situação especial, a da responsabilidade subsidiária dos gestores e dos
responsáveis técnicos, prevista no artigo 24.º LGT (a referida sub-
responsabilidade). Aqui é necessário juntar um terceiro passo aos dois
passos anteriormente referidos:
1. Isto é, averiguação da culpa torna necessário indagar porque razão o património
da sociedade se tornou insuficiente ou inexistente para pagar a dívida de imposto :
ou seja, cabe saber se o gestor ou responsável técnico contribuíram
para essa insuficiência ou inexistência1;
2. A culpa implica saber se o gestor teve um comportamento diligente com vista a
assegurar o cumprimento de todos os deveres fiscais da sociedade: não implica
um julgamento de mérito sobre o exercício de boas ou más funções
de gestor, no sentido do Direito Privado.
A responsabilidade dos gestores pode ocorrer em três situações possíveis:
1. O património da sociedade não ser suficiente ou ser inexistente
para pagar a dívida de IVA cobrado e não entregue;
2. O património da sociedade não ser suficiente ou ser inexistente
para pagar a dívida do IRS ou dos montantes para a segurança
social retidos;
3. Ou o património da sociedade não ser suficiente ou inexistente
para pagar a dívida do IRC da sociedade.
Para o apuramento da culpa dos gestores, cabe:
1. Identificar o responsável pela decisão de não cumprir o dever
tributário de retenção e/ou entrega do tributo (competência
pelo risco do incumprimento);
2. O cumprimento dos deveres de diligência, tendo em conta a
relação existente entre o presumível responsável e a
deliberação da sociedade por um lado;
3. E entre esse presumível responsável e o sujeito passivo
originário, por outro.
No caso do IRC da sociedade, existe culpa dos gestores para efeitos de
responsabilidade tributária, se a não entrega do imposto foi acompanhada
de crime ou contra-ordenação fiscal (artigos 103.º a 107.º, 113.º, 114.º, 118.º,
119.º a 123.º RGIT). Mas, além disso, mesmo na ausência destes, os deveres
de diligência do gestor em relação ao cumprimento dos deveres tributários
da sociedade têm que ser tidos em conta para efeitos de responsabilidade
tributária. Cabe por isso averiguar:
3. Se a insuficiência ou inexistência do património societário
para pagamento da dívida de IRC, se deveu a aplicações
arriscadas desses montantes a outros credores ou finalidades;
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4. Ou se, pelo contrário, o risco dessas aplicações era pequeno
ou quase inexistente.
A culpa dos gestores é, neste caso, uma culpa individual funcional e não
societária, pelo que entendemos que o pagamento dos salários dos
trabalhadores pode justificar a não reversão da execução fiscal, relativa à
cobrança do IRC, contra o património individual dos gestores envolvidos
na deliberação. Já no que diz respeito ao IVA cobredo e montantes retidos
de IRS e de contribuições para a segurança social, o juízo de culpa, é mais
severo, pelas razões apontadas anteriormente, a propósito da
responsabilidade do substituto. Nestes casos, entende-se que só
excecionalmente pode ser afastada a culpa dos gestores, ou seja, em casos
em que o risco corrido era muito reduzido ou quase nulo. No caso dos
responsáveis técnicos, cabe-lhes assegurar o respeito pela lei civil ou fiscal.
Se tiver havido violação dos deveres de entrega e de cooperação por parte
dos gestores da sociedade, cabe aos responsáveis técnicos revelar tais factos,
desde que devam tomar conhecimento deles na tarefa de certificação de
contas das sociedades ou pessoas coletivas que auditarem, Os responsáveis
técnicos podem também ser responsabilizados por falsas declarações fiscais,
se as subscreverem dolosamente.
viii. Outras situações que poderiam conduzir a responsabilidade tributária: outras
situações de responsabilidade tributária poderiam ter sido cobertas pela
nossa legislação, mas não o foram até agora: é o caso da responsabilidade
do substituto por registo incorreto na contabilidade. A nossa lei não prevê
uma solução de responsabilidade tributária quanto à diferença resultante
entre o montante de tributo que o substituído deveria ter pago sobre estes
montantes e o montante de tributo efetivamente pago. Isto significa que só
o substitutído está obrigado a pagar a diferença referida. Também não está
prevista expressamente:
1. A responsabilidade tributária dos sócios de sociedades de responsabilidade
ilimitada;
2. A responsabilidade de co-titulares de patrimónios autónomos e outros
conjuntos de bens sem personalidade jurídica;
3. A responsabilidade tributária dos representantes legais e dos procuradores pelo
não cumprimento das obrigações tributárias que recaem sobre os seus
representados, se não tiverem cumprido essas obrigações;
4. A responsabilidade em caso de comparticipação em infração tributária, pelas
dividas tributárias a ela associadas;
5. A responsabilidade por impostos indiretos não é mencionada na LGT, embora
ela esteja prevista no IVA, nomeadamente por via do Tribunal da Justiça da
União Europeia.
g. Os promotores e utilizadores de esquemas de planeamento fiscal agressivo:
o Decreto-Lei n.º 29/2008, 25 fevereiro, vem criar uma nova categoria de sujeitos
passivos (s promotores e utilizadores de esquemas de planeamento fiscal agressivo),
sobre os quais recai o dever de comunicação ao diretor-geral dos impostos de
esquemas ou atuações de planeamento fiscal. É promotor qualquer entidade com
ou sem personalidade jurídica, residente ou estabelecida em qualquer circunscrição
do território nacional, que, no exercício da sua atividade económica, preste, a
qualquer título, com ou sem remuneração, serviços de apoio, assessoria,
aconselhamento, consultoria ou análogos no domínio tributário, relativos à
determinação da situação tributária ou ao cumprimento de obrigações tributárias de
clientes ou de terceiros (artigo 5.º, n.º1 DL 29/2008). O n.º2 do mesmo artigo 5.º
enumera exemplos de promotores:
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i. As instituições de crédito e demais instituições financeiras;
ii. Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de
contas;
iii. Os advogados, as sociedades de advogados, os solicitadores e as
sociedades de solicitadores;
iv. Os técnicos oficiais de contas e outras entidades que prestem
serviços de contabilidade.
Um promotor deve comunicar os esquemas ou atuações de planeamento fiscal
quando tenha participado ou colaborado na respetiva conceção ou proposta ou
acompanhado a sua preparação, adoção ou implementação. Sempre que o esquema
ou atuação de planeamento fiscal não tenha sido objeto de proposta ou
acompanhamento por um promotor, ou o promotor não seja residente ou não esteja
estabelecido em território português, compete ao próprio utilizador proceder à sua
cominação ao diretor geral dos impostos.
h. A sucessão tributária: em regra, os créditos e obrigações tributárias não são
transmissíveis entre vivos. Todavia, existe transmissão das obrigações tributárias em
caso de sucessão universal por morte, tal como prevista no artigo 29.º, n.º2 LGT.
Esta transmissão pode corresponder a obrigações tributárias originárias ou
subsidiárias, o que significa que cobre a responsabilidade tributária.
3. Prestação tributária e deveres de cooperação: a prestação tributária não é apenas a
prestação de pagamentos do tributo. Ela abrange prestações materiais e formais: a obrigação
de um sujeito passivo pagar tributos, de reter e entregar tributos por conta de outrem, de
responder por uma obrigação de outrem, de apresentar declarações dentro dos prazos legais,
de prestar um esclarecimento sobre a sua situação tributária e de proporcionar à
administração tributária os dados e informações relacionados com o facto tributário, de
prestar uma caução, de organizar a contabilidade e a escrita, ou de qualquer outra. O seu
incumprimento, consoante a sua gravidade, dá origem a sanções nos termos do RGIT. Os
deveres de cooperação e colaboração dos sujeitos passivos estão no centro das prestações
tributárias. Sem o seu correto cumprimento não é possível tributar o rendimento real, não é
possível aplicar os métodos diretos, não é possível arrecadar a receita do IVA. O
cumprimento dos referidos deveres é também atualmente exigido pelos padrões
internacionais de troca de informações entre autoridades tributárias, com o auxílio à
cobrança entre essas autoridades (OCDE e União Europeia).
4. Constituição, alteração e extinção da relação jurídica tributária:
a. Noções introdutórias: a relação jurídica tributária é uma relação de Direito Público,
complexa, composta por diversos procedimentos tributários e exemplificados pelo
artigo 54.º, n.º1 LGT. Os restantes procedimentos podem ser acessórios ou
complementares ao objetivo de cobrança do tributo (avaliação de rendimentos ou
valores patrimoniais, reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais), e podem
destinar-se a colaborar com o fisco (ações de informação), ou ser pressupostos de
uma tributação segundo o rendimento real (ações de fiscalização tributária). Eles
incluem um conjunto de deveres de cooperação ou de colaboração, que são
essenciais à determinação do rendimento real do contribuinte ou a uma cobrança
efetiva do IVA. Também há procedimentos que disciplinam os litígios entre o
sujeito passivo e o fisco (revisões, reclamações e recursos hierárquicos) e o
reconhecimento de ilegalidades pela própria administração tributária (revisão
oficiosa).
b. Tatbestand sistemático de imposto: o tatbestand sistemático de imposto é o
conjunto de pressupostos que a lei deve descrever para que ocorra a obrigação
tributária principal. Isto significa que o Tatbestand sistemático corresponde ao
conjunto de elementos essenciais da relação jurídica tributária e que podem
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resultar na pretensão material. Este conceito remonta à noção de Tatbestand de
Hensel:
«conjunto dos pressupostos abstratos contidos nas normas fiscais materiais, cuja
concretização (concretização do Tatbestand) dá origem a determinadas
consequências jurídicas»;
ou «imagem da relação obrigacional fiscal concreta». O Tatbestand sistemático de imposto
tem funções de organização do Direito Fiscal. Ele abrange os elementos indiciadores
de capacidade contributiva, cuja verificação é necessária para o apuramento do
montante de imposto a pagar (tal como encontramos em Albert Hensel). O
Tatbestand sistemático está relacionado com a arrumação e juridificação da relação
de impostos, e permite uma linguagem comum do Direito Fiscal, nos vários
ordenamentos (pluralismo jurídico), no Direito Fiscal Internacional e no Direito
Fiscal da União Europeia. Esses elementos correspondem aos que atualmente
encontramos em qualquer manual de Direito Fiscal, enumerados como elementos
constitutivos da relação obrigacional fiscal, e submetidos a reserva de lei:
i. Lado pessoal do tatbestand: o sujeito ativo e o sujeito passivo;
ii. O lado material do tatbestand: o facto tributário;
iii. O cálculo da matéria tributável ou apuramento do valor fiscal (ainda
designado de liquidação);
iv. A taxa ou alíquota de imposto, coleta e deduções à coleta.
A identificação dos elementos essenciais do Tatbestand tem como funções principais
sistematizar a obrigação jurídica de imposto, orientar o procedimento tributário e
também densificar a reserva de lei. O Tatbestand sistemático orienta o procedimento
de liquidação dos tributos quando efetuado pela administração (artigo 44.º, n.º1,
alínea b) CPPT) bem como a autoavaliação do sujeito passivo; e orienta a
administração e os tribunais na sua função de controlo da aplicação da lei, no
confronto do caso individual com as disposições normativas ou grupo de
disposições normativas: o Tatbestand é o ponto de partida para a interpretação da lei
e o tribunal não pode formular novos Tatbestände. Os elementos essenciais
constitutivos de cada Tatbestand de imposto devem constar de lei formal
(parlamentar, Decreto-Lei autorizado ou Decreto-Legislativo regional), e os órgãos
de aplicação da mesma podem (e devem) referir-se ao Tatbestand legal: neste sentido,
o Tatbestand desempenha a função de garantia e não coincide totalmente com o
Tatbestand sistemático. Ele é mais restrito do que o Tatbestand sistemático porque
algumas normas relacionadas com a base tributária, nelas incluídas as que impõem
deveres acessórios aos sujeitos passivos, e especialmente de cobrança, sempre que
não estejam relacionadas com o apuramento do montante de imposto a pagar, fazem
parte do Tatbestand sistemático, mas não já do de garantia. À soma dos pressupostos
da tributação, incluindo os benefícios fiscais e normas das convenções de dupla
tributação, e isenções ou créditos de imposto resultantes da aplicação dessas
convenções, podemos designar Tatbestand conjunto ou total, mas optamos por
reconduzi-lo a um Tatbestand sistemático alargado. Podemos também identidicar
cada categoria de imposto pelos seus próprios elementos caracterizadores, e assim
contribuir para a estruturação do Direito Fiscal.
c. Constituição da relação jurídica tributária: segundo o artigo 36.º, n.º1 LGT, a
relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário, isto é, pelo
preenchimento fático dos pressupostos legais, com a subsunção do facto
(rendimento, prestação de serviços, venda de bens, importações ou aquisições
intracomunitárias, aquisição ou detenção do património) à lei. O referido preceito
trata da relação jurídica tributária principal, a que se destina ao apuramento e
cobrança do tributo. O facto tributário é o objeto do tributo e um dos elementos do
Tatbestand sistemático, e tal como os restantes elementos, ele tem de estar previsto
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na lei. Essa sujeição a reserva da lei (artigo 103.º, n.º2 CRP) significa uma aplicação
vinculada por parte da administração tributária e dos tribunais. Além disso, a
ocorrência do facto tributária e restante preenchimento do Tatbestand sistemático
estão frequentemente associadas, no Direito Fiscal contemporâneo, a uma aplicação
da lei pelo próprio sujeito passivo, como vimos. A discussão sobre se a obrigação
tributária nasce com o ato administrativo de determinação da matéria tributável ou
da lei, desenvolvida por Alberto Xavier, no seu Conceito de Natureza do Acto Tributário
(1972), e de forte influência italiana, está hoje ultrapassada. O que é relevante é
assegurar a possibilidade de defesa do sujeito passivo contra ilegalidades cometidas
pelo Fisco, e essa defesa é garantida pela Constituição (artigo 268.º, n.º4 CRP e artigo
9.º, n.º2 LGT), podendo ser objeto de reclamação, recurso ou impugnação judicial.
d. Alteração dos elementos essenciais da relação jurídica tributária e o exemplo
dos preços de transferência e dos acordos prévios vinculativos: pelo facto de a
relação jurídica tributária nascer do preenchimento sucessivo do Tatbestand
sistemático, decorre, nos termos do n.º2 do mesmo artigo 36.º LGT, que os
elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por
vontade das partes (princípio da indisponibilidade do imposto). Na relação entre
fisco e contribuinte, como relação de Direito Público que é, não podemos referir-
nos com bom rigor a partes Devemos entender este preceito como uma decorrência
do princípio da legalidade fiscal na vertente da reserva de lei. No âmbito da
quantificação tributária, nomeadamente, na determinação da matéria tributável dos
grandes contribuintes, o apuramento do rendimento real implica frequentemente
um diálogo e por vezes até um acordo entre o fisco e esses contribuintes, dentro da
margem de livre apreciação conferida por lei. Estes acordos acontecem em especial
na determinação da matéria tributável das empresas, mais especificamente no
âmbito do IRC e nas empresas associadas, dado que as transações entre as empresas
do mesmo grupo têm de ser contabilizadas, com se de empresas independentes se
tratasse (artigo 63.º CIRC). O artigo 63.º CIRC sobre preços de transferência bem
como o regime da Portaria n.º 1446-C/2001, 21 dezembro, contêm regras de
determinação da matéria tributável de entidades que realizam operações comerciais
com outra ou outras entidades com as quais mantêm relações especiais. Quer o
regime dos preços de transferência quer o significado de relações especiais estão
definidos de forma vaga e indeterminada. Este último conceito está concretizado no
artigo 63.º, n.º4 CIRC, e trata do que podemos designar por empresas associadas. A
determinação da matéria tributável, através dos preços de transferência praticados
entre entidades com relações especiais entre si, é concretizada por ficções legais,
impondo a lei que as operações entre empresas associadas sejam tratadas como se
dissessem respeito a entidades independentes (princípio das entidades
independentes ou da plena concorrência). Os métodos que concretizam o princípio
das entidades independentes nem sempre são (os mais) adequados a uma
determinada entidade ou operação por ela conduzida. O seja, é discutível, em certas
situações, que haja um método adequado à especificidade das transações. Dada a
elevada indeterminação legal das regras sobre preços de transferência, há riscos de
correções da matéria tributável conduzidas pela administração tributária. Estas
correções que têm base legal quer no nosso ordenamento, quer nas convenções
bilaterais celebradas por Portugal, ocorrem sempre que a contabilidade não revele
os resultados em cada uma das empresas associadas e de acordo com um dos
métodos adequados ao caso. Em contrapartida, não são permitidas correções caso
as operações tenham ocorrido segundo as condições normais de um mercado
concorrencial (se ele existir). Neste quadro de indeterminação legal, e na ocorrência
de litígios entre fisco e contribuinte, a lei e o fisco promovem e utilizam métodos de
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negociação com o contribuinte, quer através da exigência legal do dossiê de preços
de transferência (artigos 63.º, n.º6 e 7 e 130 CIRC) e respetiva interpretação, quer
através dos acordos prévios sobre preços de transferência que pretendem evitar
discussões sobre o método de preços de transferência a utilizar no caso concreto
(artigo 138.º CIRC). Por seu turno, as correções dos preços de transferência podem
ocorrer em caso de utilização indevida dos mesmos resultante do facto de empresas
associadas transacionarem entre si, e desse modo transferirem lucros, gastos ou
perdas, de uma empresa para outra, nomeadamente de um ordenamento jurídico
para outro ordenamento jurídico. As correções não são correções quantitativas no
sentido restrito do termo, quando se trata de grupos multinacionais, ao contrário do
que já defendeu o STA, porque a correção da matéria tributável para mais num
Estado implica a correção simétrica para menos no outro Estado. Não estamos
portanto num quadro típico de liquidação adicional, e daí que exista um regime
específico e complexo. Os acordos entre fisco e contribuinte, nestes casos, são
importantes para evitar o prolongamento do litígio e o desfecho incerto, se o caso
for a tribunal, dada a indeterminação legal e a grande margem de livre apreciação
existente. Mas dado que todas as soluções devem ser encontradas dentro dessa
margem de livre apreciação, não se pode dizer que haja uma alteração dos elementos
essenciais da relação jurídica pelas partes. Em caso de litígio não resolvido por
acordo entre o fisco e o contribuinte, cabe aos tribunais controlar os limites internos
e externos da margem de livre apreciação e ir criando jurisprudência constante que
concretize o princípio (por tipificação).
e. A proibição de moratórias, a indisponibilidade do crédito tributário, o
princípio da igualdade e os regimes excecionais de regularização da dívida
tributária (RERTI, II e III): por outro lado, a administração tributária não pode
conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos
expressamente previstos na lei (artigo 36.º, n.º3 LGT). E nos termos dos artigos 30.º,
n.º2 e 36.º, n.º2 e 3 LGT, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se
condições para a sua redação ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade
e da legalidade. Ambos os preceitos são manifestação do princípio da
indisponibilidade do crédito tributário. Este princípio é, por seu turno, uma
decorrência dos princípios da legalidade e da igualdade. Os Regimes Excecionais de
Regularização das Dívidas Tributárias (conhecidos entre nós pelo RERT), que
foram sucessivamente introduzidos pelas leis retificantes do Orçamento para 2005,
2010, 2012, devem ser analisados à luz do artigo 30.º LGT e dos princípios
constitucionais da legalidade e igualdade. Estes regimes sucederam-se ao regime de
regularização de dívidas que oferecia um perdão dos juros de mora pelo atraso no
pagamento dos impostos, de 2002, em que o objeto anunciado era o de assegurar
um défice de 2,9%. Os três RERT aprovaram regimes de perdão fiscal (parcial) e o
regime de regularização de dívidas consistiu num perdão de juros e sanções (a
cobrança coerciva transformou-se em pagamento voluntário). Mais concretamente,
os RERT aprovaram os regimes ditos excecionais de regularização tributária de
elementos patrimoniais colocados no exterior. Podiam beneficiar destes regimes os
sujeitos passivos (residentes) titulares de elementos patrimoniais que não se
encontravam em território português em 31 Dezembro do ano anterior à entrada
em vigor dos diplomas. No RERT I os beneficiários foram só os sujeitos passivos
pessoas singulares, nos RERT II e II essa restrição não existiu. Nos três RERT, a
declaração e o pagamento produziram, relativamente aos elementos patrimoniais
constantes da declaração e respetivos rendimentos, os seguintes efeitos:
i. Extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação àqueles elementos e rendimentos,
respeitantes aos períodos de tributação que tenham terminado até 31 dezembro do ano
civil anterior à aprovação do regime;
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ii. Exclusão da responsabilidade por infrações tributárias que resultassem de condutas
ilícitas que tenham tido lugar por ocultação ou alteração de factos ou valores que devessem
constar de livros de contabilidade ou escrituração, de declarações apresentadas ou prestadas
à administração fiscal ou que a esta devessem ser revelados, desde que conexionadas com
aqueles elementos ou rendimentos;
iii. Constituição de prova bastante para os efeitos previstos no n.º3 do artigo
89.º-A LGT.
Os RERT são perdões fiscais. Estes, em princípio, são inconstitucionais por
violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva. Os
RERT são contrários ao princípio da igualdade em três situações:
i. Na extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação aos elementos e rendimentos
identificados, em comparação com os contribuintes cumpridores;
ii. Na exclusão da responsabilidade por infrações tributárias que resultem de condutas
ilícitas, em comparação com os contribuintes já submetidos, por exemplo, a procedimento
de inspeção ou a procedimento penal ou contraordenacional e que dele tenham tido
conhecimento nos termos da lei;
iii. Na constituição de prova bastante para os efeitos previstos no n.º3 do artigo 89.º-A
LGT em comparação com os contribuintes a quem este preceito tenha sido aplicado, em
idênticas circunstâncias.
Quando os Estados adotam regimes de perdão fiscal, a fiscalidade (justificação) não
pode ser a obtenção de receitas fiscais, pois esta é a finalidade regra prosseguida
pelos impostos. O que diferencia a cobrança de impostos fora de um Estado de
Direito e num Estado de Direito, é que no último existem princípios constitucionais
formais e materiais que têm de ser sempre respeitados. Assim, os perdões fiscais têm
de ser justificados por finalidades extrafiscais que no caso concreto se sobreponham
à igualdade e têm que ter aplicação excecional. As finalidades normalmente
associadas aos perdões fiscais, são a promoção do repatriamento de capitais para
efeitos de poupança e investimento em território nacional. Os perdões fiscais são
também acompanhados por reformas fiscais (tributação menos gravosa do
investimento e da poupança), de modo a evitar a repartição de comportamentos de
fuga e de capitais no futuro. Além do mais, a comparabilidade entre contribuintes
faltosos e cumpridores exige que a separação temporal entre os regimes que
estabeleçam perdões fiscais, vá muito além de cada ano ou exercício fiscal. Para
evitar a repetição de comportamentos e uma nova violação do princípio da igualdade,
defendemos que a partir da aprovação de um regime excecional de perdão fiscal, se
tenha em conta o período de prescrição das dívidas fiscais até eventual aprovação
de novo perdão fiscal.
f. A extinção da relação jurídica tributária:
i. Noções introdutórias: a relação jurídica tributária extingue-se através da:
1. Cobrança (artigos 78.º CPPT e 40.º LGT): tem as modalidades de
a. Pagamento voluntário;
b. Pagamento coercivo.
2. Caducidade da liquidação (artigo 45.º LGT);
3. Prescrição da dívida tributária (artigo 49.º LGT).
ii. As modalidades de cobrança ou pagamento: os diversos pressupostos que
constituem o Tatbestand sistemático do imposto podem resultar na
pretensão tributária. Nesse caso, o montante apurado ou liquidação deve
ser validamente notificado junto do sujeito passivo no decurso do prazo
(regra) de quatro anos (artigo 45.º, n.º1 LGT). Há duas modalidades de
cobrança ou pagamento previstas na lei:
1. A cobrança ou pagamento voluntário (artigo 84.º CPP); e
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2. A cobrança ou pagamento coercivo (artigo 163.º e seguintes CPPT).
Os termos pagamento e cobrança manifestam a mesma realidade de dois
pontos de vista diferentes, e são usados com o mesmo significado na LGT
e no CPPT.
Notificada a liquidação, a forma comum de extinção da relação jurídica
tributária é o pagamento voluntário do imposto (segundo o artigo 84.º, n.º1
CPPT), dentro do prazo e segundo as demais regras definidas em cada
Código de imposto. O pagamento voluntário é o efetuado dentro do prazo
estabelecido nas leis tributárias (artigo 84.º CPPT). E nos termos do artigo
40.º LGT, as prestações tributárias são pagas em moeda corrente ou por
cheque débito em conta, pelos serviços dos correios ou pelas instituições
de crédito que a lei expressamente autorize. Embota a lei só se refira a duas
modalidades de pagamento, a falta de pagamento dentro do prazo legal não
implica necessária e imediatamente a cobrança coerciva. Para que esta seja
desencadeada, é preciso um título executivo: certidão de dívida ou outro
título enunciado no artigo 162.º CPPT. A certidão de dívida é extraída findo
o prazo legal de pagamento voluntário, e contém todos os elementos
indentificadores necessários à cobrança da dívida (artigo 88.º CPPT). O
órgão da execução fiscal é a administração tributária (artigo 149.º CPPT),
competindo-lhe instaurar o processo (artigo 178.º e seguintes) e aos
tribunais decidir os incidentes, os embargos, a oposição e a reclamação dos
atos praticados pelos órgãos da execução fiscal (artigo 151.º CPPT). Se o
património for insuficiente para pagar a totalidade da dívida, verificando-se
um atraso no pagamento (total), começam a correr juros de mora, aos quais
acrescem outros encargos legais, a própria dívida tributária, e eventualmente,
juros compensatórios resultantes de falhas na declaração (não declaração de
todos os rendimentos, por exemplo), e coimas (artigo 40.º LGT). A
cobrança coerciva está associada à execução do património do sujeito
passivo (processo de execução fiscal), ou seja à penhora e alienação dos
bens apreendidos. Quando um sistema fiscal justo é eficiente, assenta no
bom funcionamento dos deveres declarativos e restantes deveres de
cooperação por parte do sujeito passivo, na fiscalização eficaz por parte da
administração tributária, e por conseguinte, no pagamento voluntário. A
cobrança coerciva deve ser excecional, e se não o for, revela um sistema
fiscal injusto (inadequado à realidade económica do ordenamento jurídico)
e ineficiente. Embora tenha início com a extração do título da dívida e
citação do executando (artigo 188.º CPPT), a execução fiscal materializa-se
com a penhora (artigo 215.º CPPT) e a venda da totalidade ou parte do
património do sujeito passivo. A cobrança coerciva está disciplinada no
Título IV do CPPT. Nos termos do artigo 148.º CPPT:
«1. [o] processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das dívidas
referentes a todos os tipos de tributos:
«a) contribuição financeiras a favor do Estado, adicionais
cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;
«b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças
ou acórdãos relativos a contraordenações tributárias, salvo quando
aplicadas pelos tribunais comuns;
«c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade
civil determinada nos termos do Regime Geral das Infrações
Tributárias;
«2. Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal,
nos casos e termos expressamente previstos na lei;
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«a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas de Direito
Público que devam ser pagas por força de ato administrativo;
«b) Reembolsos ou reposições».
Repare-se que o pagamento voluntário pode ocorrer durante o processo de
execução, a partir da citação da certidão de dívida e durante todo o processo
de cobrança coerciva ou execução fiscal (artigos 264.º e 265.º CPPT),
inclusivamente após penhora e venda de património, salvo o disposto sobre
a sub-rogação no CPPT (artigos 264.º e 265.º CPPT). Estas possibilidades
demonstrarem a excecionalidade da cobrança coerciva e o interesse do
sujeito ativo em conseguir o pagamento voluntário. Depois de citado, até
ao termo do prazo para a oposição, o executado pode requerer o pagamento
em prestações ou a dação em cumprimento (artigos 189.º, 196.º e 201.º e
202.º CPPT), podendo ambos ser cumulativos (artigo 189.º, n.º4 CPPT).
Além disso, os créditos do executado, resultantes de qualquer ato tributário,
são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma
administração tributária, com as exceções referidas no artigo 89.º CPPT. O
executado também pode pedir a compensação com créditos tributários
(artigo 90.º CPPT) e não tributários (artigo 91.º CPPT).
iii. Caducidade: a notificação da liquidação é necessária para tornar a dívida de
imposto certa e exigível. O poder de liquidação caduca, se a notificação da
mesma não ocorrer ou não for válida, dentro do prazo determinado na lei.
Quatro anos é apresentado como prazo da caducidade do poder de liquidar
(artigo 45.º, n.º1 LGT). Mas há vários (demasiados) prazos especiais, muitos
deles introduzidos em sucessivas alterações ao artigo 45.º LGT, e trazendo
mais desvantagens pela complexidade associada, do que vantagens. Dado
que em grande parte dos casos, verificado o facto tributário, cabe ao sujeito
passivo cumprir os seus deveres declarativos, será por incumprimento
destes deveres (declaração inexistente ou com valores incorretos) que a
liquidação falha. As correções à matéria tributável, a fixação de rendimentos,
as liquidações adicionais e quaisquer atos suscetíveis de alterar a situação
tributária do sujeito passivo, têm de ser notificados. Os referidos prazos de
caducidade aplicam-se também nos casos de autoliquidação. A forma de
contagem dos prazos varia consoante o tipo de impostos, tendo a referida
lei recorrido a conceitos doutrinários – impostos periódicos e de obrigação
única. A dificuldade quanto à inserção nesta classificação das retenções na
fonte a título definitivo e do IVA justificou a alteração do artigo 45.º, n.º4
LGT, onde se esclarece quando tem início a contagem nestes casos. Nos
casos de correções, liquidações adicionais e instauração de inquérito
criminal, quanto mais tarde for notificada a liquidação, mais elevados serão
os juros (compensatórios) devidos pelo sujeito passivo que continuam a
correr até essa notificação. Todos os atos suscetíveis de alterar a situação
tributária do sujeito passivo funcionam em desfavor deste, numa lógica
paralela à da teoria das esferas do risco. A caducidade do poder de
liquidação por decurso do prazo, decorre dos princípios gerais do Direito,
destinados a assegurar que as situações de incumprimento de obrigações
não fiquem eternamente pendentes. A segurança e a paz jurídica
recomendam harmonização de prazos de caducidade e que estes não sejam
demasiado longos.
iv. Prescrição: a formação da dívida tributária após a liquidação validamente
notificada faz correr o prazo de pagamento voluntário e também o prazo
de prescrição. Este é o limite temporal para a possibilidade de cobrança da
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dívida por parte da administração tributária. A finalidade da prescrição é, tal
como a da caducidade, atingir a segurança e a paz jurídicas. O prazo de
prescrição começa a correr a partir do momento em que tem lugar o facto
tributário, e quando atingido o limite do prazo, a prescrição abrange a dívida,
juros compensatórios e juros de mora.
v. Juros compensatórios, de mora e indemnizatórios:
1. Os juros compensatórios: começam a correr com o atraso na liquidação
(artigo 35.º, n.º1 LGT) e os juros de mora com o atraso do
pagamento do imposto (artigo 44.º LGT). Em ambos os casos, há
um limite temporal para a sua aplicação. Os juros compensatórios
só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do
sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta
apurada em ação de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua
conclusão (artigo 35.º, n.º7 LGT). Por seu turno, o prazo máximo
de aplicação dos juros de mora é de 3 anos. Estes limites, que são
muito inferiores aos prazos de caducidade e de prescrição,
pressupõem que há um dever da administração tributária detetar e
corrigir as situações em falta de forma diligente. O facto de a taxa
dos juros compensatórios ser equivalente à taxa dos juros legais
fixados nos termos do n.º1 do artigo 559.º CC, faz com que tenham
caráter indemnizatório ou compensatório pelos prejuízos causados
ao Estado e não sancionatório.
2. Os juros indemnizatórios: obrigação quase simétrica dos juros
compensatórios, constituem uma compensação do sujeito passivo,
pelos prejuízos causados pela administração tributária. Os juros
indemnizatórios são devidos quando se determine, em reclamação
graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos
serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em
montante superior ao legalmente devido (artigo 35.º, n.º1 LGT);
também são devidos juros indemnizatórios, quando a revisão do
ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um
ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à
administração tributária (artigo 35.º, n.º1, alínea c) LGT); e,
presumindo-se que a situação é imputável ao fisco, quando não seja
cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos (artigo
35.º, n.º1, alínea a) LGT); e em caso de anulação do ato tributário
por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia
posterior à decisão, sem que tenha sido proferida a nota de crédito
(artigo 35.º, n.º1, alínea b) LGT).
Princípios constitucionais formais e materiais
1. Noções introdutórias: a Constituição portuguesa de 1976 estabelece um catálogo de
princípios em matéria fiscal que têm sido arrumados e, no seu conjunto arrumando uma
constituição fiscal, em :
a. Princípios formais;
b. Princípios materiais.
Os princípios constitucionais fiscais remontam às monarquias constitucionais e estão
relacionados com o princípio da segurança jurídica e proteção da propriedade privada no
quadro do Estado Mínimo. São eles, designados de princípios constitucionais formais:
a. O Princípio da legalidade: nas vertentes:
i. Reserva de lei;
ii. Preferência de lei.
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b. Princípio da proibição da retroatividade.
Os princípios constitucionais materiais clássicos estão associados ao Estado Fiscal e ao
Estado Social de Direito e a um conceito de justiça equitativa ou redistributiva, consoante o
caso. O princípio chapéu é o princípio da igualdade, que no Direito Fiscal assume a
formulação de princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP). O princípio da
capacidade contributiva é concretizado através de outros princípios constitucionais
consoante o tipo de imposto:
a. Princípio da tributação pessoal;
b. Princípio da tributação global;
c. Princípio da tributação universal;
d. Princípio da tributação progressiva, no caso do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Singulares (artigo 104.º, n.º1 CRP).
e. Princípio da tributação segundo as necessidades do agregado familiar (artigo
104.º, n.º1 CRP);
f. Princípio da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento líquido,
no caso dos impostos sobre o rendimento, por contraposição;
i. Princípio da tributação do rendimento fonte;
g. Princípio da tributação do rendimento real no caso dos lucros e dos rendimentos
profissionais e empresariais.
A estes princípios juntam-se,
h. O princípio da neutralidade fiscal, no caso do IVA: princípio constitucional da
União Europeia e que vincula o ordenamento jurídico português devido ao primado
do Direito Europeu.
Aos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade temos de juntar dois princípios
interpretativos:
a. O princípio da proibição de abuso fiscal (princípio do abuso): o qual também
é um subprincípio da igualdade – é um princípio constitucional estadual e
supraestadual, de Direito Europeu e de Direito Internacional;
b. O princípio da praticabilidade, relacionado com a administração de atos-massa.
2. Estado Fiscal, Estado-Dívida e a Era Pós-Estado. O Memorando de Entendimento:
no seu conjunto, os impostos são legitimados através do princípio do benefício (ou troca
global de utilidades entre impostos e bens e serviços públicos recebidos). A justiça fiscal
implica a escolha dos impostos (objeto e sujeitos passivos), a determinação justa da matéria
tributável e os limites da carga fiscal. No Estado Fiscal, como têm sido o nosso e os Estados
da OCDE desde o século XX, os limites da carga fiscal estão relacionados com as tarefas
estaduais. No quadro da União Económica e Monetária (UEM), nos Estados que não
conseguem ter competitividade, os limites da carga fiscal deixaram de estar politicamente
relacionados com a lógica do Estado Fiscal. A legitimação dos impostos e os limites da carga
fiscal estão agora ligados um binómio de Estado-Dívida, e servem a estabilidade da moeda
única. Neste contexto, a carga fiscal não está já relacionada com o conceito de representação
popular na escolha de bens e serviços públicos (e o princípio da reserva de lei), mas com a
necessidade de cumprir os compromissos assumidos junto dos credores. O Tribunal
Constitucional, desde a entrada em vigor da Constituição da 1976, tem sido muito discreto
quanto ao juízo de compatibilidade das leis fiscais, com os princípios fiscais materiais
contidos nos artigos 103.º, n.º1 e 104.º CRP. Todavia, a representação popular nas suas
vertentes de Estado de Direito e igualdade na tributação esteve presente no controlo exercido
pelo Tribunal Constitucional, no contexto da assistência financeira concedida pela Troika a
Portugal. Os compromissos internacionais assumidos no quadro do então Mecanismo
Europeu de Estabilização Financeira, mais tarde conformados por alterações ao TFUE, são
concretizados por Memorandos de Entendimento, concluídos entre um Estado e
Instituições que não têm legitimidade democrática. Esta ausência de representatividade
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democrática supranacional fez com que os princípios constitucionais fiscais materiais
prevalecessem quando o Tribunal Constitucional avaliou a compatibilidade das medidas
adotadas ao abrigo do Memorando com a Constituição. Este Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 862/2013 (Proc. N.º 1260/13, 19.12.2013) põe em evidência que a
necessidade de cumprimento dos acordos de assistência financeira não garante a
constitucionalidade das medidas fiscais adotadas. Apesar de os compromissos perante os
credores terem de ser respeitados, por serem compromissos internacionais, os memorandos
de entendimento têm de ser concretizados respeitando as constituições nacionais. O Direito
Internacional e Europeu são acolhidos pelo artigo 8.º CRP, e o Direito Europeu tem um
primado sobre a nossa Constituição. Todavia, a concretização das medidas de política
económico-financeira a adotar no quadro dos memorandos confere ampla margem de
conformação ao legislador nacional, pelo que os governos nacionais que as negoceiam devem
ter presentes os princípios constitucionais fiscais – formais e materiais – que não colidam
com os Tratados (nomeadamente, o TFUE). A ausência de legitimidade democrática das
instituições internacionais e Europeia representadas no Memorando de Entendimento, faz
prevalecer claramente os princípios constitucionais formais e materiais, nacionais. Por outras
palavras, a legitimação dos impostos tem de respeitar o quadro constitucional, o que significa
que os contribuintes-eleitores estão sempre (e devem estar sempre) constitucionalmente
protegidos. Refira-se, finalmente, que os princípios referidos têm de ser interpretados à luz
das liberdades fundamentais no TFUE. Eles devem ser interpretados à luz da era pós Estado,
ou seja, têm de ser interpretados no quadro das liberdades fundamentais garantidas pelo
Tratado da União Europeia e da globalização (livre circulação de capitais). Essa interpretação
é especialmente importante para os princípios da igualdade e (da proibição) do abuso,
unicidade e progressividade e o princípio da neutralidade do IVA: A igualdade é uma
igualdade que implica não discriminação entre cidadãos da União Europeia residentes e não
residentes em território português. O princípio da unicidade tem de ser entendido de forma
mitigada devido à livre circulação de capitais que impede a aplicação deste princípio tal como
foi elaborado no quadro do Estado nacional. O significado de progressividade também tem
que ter em conta as liberdades fundamentais e os chamados residentes virtuais e a livre
circulação de capitais. A neutralidade do IVA implica a dedutibilidade do imposto suportado
quer relativamente às transações realizadas em território português quer relativamente às
transações transfronteiriças.
O Princípio da Legalidade Fiscal
1. Noções introdutórias: o princípio da legalidade fiscal é um princípio fiscal formal, com
origem nas monarquias constitucionais, assegurando que a interferência na propriedade
privada resulta de discussão e aprovação parlamentar. Ele está ligado ao brocardo no taxation
without representation. A lei é o ponto de partida para garantir a segurança jurídica, porque é
aprovada pelos representantes parlamentares. A lei também serve a igualdade, por ser geral
e abstrata, embora não seja suficiente para garantir esta última. Na Constituição portuguesa
de 1976, o princípio da legalidade fiscal é objeto de cinco artigos:
a. A vertente das competências e divisão vertical dos poderes tributários que
inclui a distribuição de competências entre Assembleia da República e Governo e
competências das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais em matéria fiscal
(artigos 165.º, n.º1, alínea i) e n.º2, 227.º, n.º1, alínea i) e 238.º, n.º4 CRP);
b. O objeto da reserva de lei, que inclui a criação de impostos e sistema fiscal (de que
fazem parte os elementos essenciais dos impostos, benefícios fiscais e garantias dos
contribuintes), e o regime geral das (taxas e) demais contribuições financeiras a favor
das entidades públicas (artigo 165.º, n.º1, alínea i) e 103.º, n.º2 CRP).
c. A vertente material, no sentido das exigências de densificação da lei fiscal quanto
aos elementos essenciais de imposto – exigências estabelecidas na primeira parte do
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artigo 103.º, n.º2 CRP (incidência e taxa), garantindo um princípio de legalidade
substancial ou princípio da tipicidade fiscal;
d. Um princípio de preferência ou precedência de lei, no artigo 103.º, n.º3 CRP, e
a consagração de um direito de resistência à tributação que viole a Constituição ou
a lei, exprimindo uma conceção garantistica da legalidade fiscal (no mesmo artigo
103.º, n.º3 CRP).
Para além destas disposições, lembre-se ainda o artigo 2.º CRP que caracteriza a República
Portuguesa como um Estado de Direito democrático, e o artigo 3.º, n.º2 CRP, segundo o
qual o Estado se subordina à Constituição e se funda na legalidade democrática: não nos
esqueçamos que a reserva de lei fiscal é também uma expressão ou explicitação do princípio
do Estado de Direito Democrático.
2. Reserva de Lei Fiscal e a sua Justificação: a reserva de lei parlamentar é justificada através
de preocupações garantisticas, da função parlamentar de orientação política e do princípio
democrático, acentuando ora um, ora outro destes aspetos. A função garantística da reserva
de lei parlamentar está em crise desde a segunda metade do século XX, porque o aumento
das intervenções do Estado na sociedade (e, portant,o da lei na sociedade), tem sido
acompanhado pelo aumento das competências técnicas governamentais e por uma menor
capacidade de discussão parlamentar das matérias a aprovar. Os impostos e a sua
complexidade jurídica constituem um dos exemplos. A crise da função garantistica da reserva
de lei parlamentar significa a crise (relativa) do princípio da legalidade fiscal. A função
garantística da reserva de lei fiscal tem ainda hoje razão de ser, pois está associada à
previsibilidade e calculabilidade da obrigação de imposto e dos seus elementos essenciais do
montante de imposto a pagar, e assim também à segurança jurídica. Mas essa função deve
ser entendida com contornos diferentes dos que dominaram o nosso Estado de Direito das
monarquias constitucionais e da primeira República – na verdade, a reserva de lei parlamentar
em matéria fiscal, embora constitucionalmente prevista, nunca foi observada até à
Constituição de 1976. A função garantistica da reserva de lei exige a discussão, desacordo e
consentimento parlamentares em plenário. Além disso, a função garantistica postula uma
densificação normativa progressiva, para a qual contribuem Parlamento, Governo,
administração e tribunais. A previsibilidade e calculabilidade do imposto, tendo em conta a
complexidade dos ordenamentos tributários atuais e a coexistência da legalidade com
princípios constitucionais materiais, não deve ser entendida como um cálculo antecipado do
imposto pelo contribuinte leigo a partir da lei do Parlamento, e que aliás o nosso Tribunal
Constitucional rejeita. Para a função de garantia ligada à previsibilidade, é irrelevante o
sentido em que são alterados os elementos essenciais do imposto ao contrário do que parece
fazer crer o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 48/84. No quadro do Estado de Direito
liberal, a alteração dos elementos essenciais do imposto – a alteração das normas fiscais em
sentido estrito – foi sempre entendida como uma interferência ou ablação na propriedade e
liberdade privadas, mesmo que se tratasse de reduzir a carga fiscal. Para além da função
garantistica subjacente à reserva de lei, deve dar-se especial destaque ao princípio
democrático. Com efeito, tendo em conta a legitimidade dos parlamentos e dos governos
nas constituições liberais do pós Segunda Guerra, é o princípio democrático que fundamenta
e postula a reserva de lei parlamentar, não sendo suficiente a reserva da lei formal (no sentido
de ato legislativo). Manifestação deste princípio democrático é o procedimento legislativo
parlamentar que permite a discussão pública de lei e o contributo da oposição (desacordo ou
consentimento), razão pela qual a intervenção da Assembleia da República na elaboração e
aprovação da lei fiscal, não deve ser equiparada à legislação fiscal aprovada por Decreto-Lei
não autorizado. Como nos diz Sérvulo Correia, o princípio da legalidade impede que a
reserva de lei se reconduza a uma
«simples reserva de norma jurídica, isto é, uma reserva reportada ao bloco de legalidade no seu
conjunto, sem aceção de proveniência parlamentar ou do valor formal legislativo dos preceitos
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requeridos [pois] (…) nem a constituição concebe um poder que se não funde no povo, nem o
seccionamento da ligação entre vontade popular e a emissão de normas deixaria de pôr em
causa a bondade do conteúdo destas».
3. A Reserva de Lei Competencial: a. Reserva relativa de competência da Assembleia da República em matéria
fiscal e as competências de harmonização fiscal da União Europeia: a
competência legislativa em matéria de criação de impostos e sistema fiscal está
reservada ao Parlamento mas este poder pode delega-lo ao Governo, nos termos do
artigo 165.º, n.º1, alínea i) e n.º2 CRP. Esta reserva relativa de competência
parlamentar não deve ser interpretada como uma ausência de legalidade democrática.
Pelo contrário, ela insere-se na lógica do Estado social de Direito, transmitindo uma
ideia de partilha diacrónica do poder no âmbito de um policentrismo institucional,
e traduzindo uma (quase) homogeneização política da Assembleia da República e do
Governo, em que amos são democraticamente legitimados. Na verdade, no contexto
do Estado de Direito do pós Segunda Guerra, a reserva relativa de competência
legislativa do parlamento está associada à afirmação corrente de que os governos
dispõem de legitimação democrática por emanarem das maiorias parlamentares, e
de que a atual divisão de poderes ocorre entre a maioria (de que fazem parte o
Governo e o Parlamento) e a minoria que se constitui em oposição. Neste contexto,
as autorizações legislativas ao Governo em matéria fiscal, previstas no n.º2 do artigo
165.º CRP, têm como ojetivo contrabalançar o poder legislativo parlamentar com
um poder legislativo governamental mais especializado e ciente das imperfeições da
lei na sua aplicação efetiva, pela sua proximidade da administração fiscal e de
organizações internacionais. Casalta Nabais refere-se a este propósito ao
contrabalançar do poder legislativo pelo poder fático e técnico da administração, a
uma certa governamentalização dos impostos traduzida na iniciativa legislativa
governamental e na delegação legislativa, que designa também de
governamentalização fiscal material. Exemplo deste fenómeno são as autorizações
legislativas orçamentais. Também manifestação da governamentalização fiscal nos
Estados europeus do final do século XX e princípio do século XXI, é a transferência
do poder fiscal (no sentido de competências para criar impostos e alterar os seus
elementos essenciais) para os governos no quadro da harmonização fiscal europeia,
isto é, para o Conselho da EU (artigos 113.º e 114.º TFUE). Como reverso da
medalha, a lei formal deixa de exprimir a razão e a justiça para passar a ser produto
de interesses particulares organizados.
b. As autorizações legislativas ao Governo: no quandro da Constituição de 1976, o
Governo tem sido o órgão legislativo por excelência, dominando a atividade
legislativa em relação ao Parlamento. É por isso importante traçar as linhas da
competência parlamentar em matéria de impostos. Seria perigoso atribuir um papel
secundário à Assembleia da República na orientação política em matéria fiscal, sob
pena de o Governo e a administração deterem o monopólio da criação, interpretação
e desenvolvimento das leis fiscais, pois os nossos tribunais ainda não exercem
devidamente as funções de controlo judicial da margem de livre apreciação e
tipificação administrativa. Na Constituição de 1976, a reserva relativa de
competência legislativa do Parlamento em matéria de criação de impostos e sistema
fiscal, significa:
i. Uma delimitação de competências legislativas entre Assemblea da
República e Governo, em que este dispõe de competência legislativa
ordinária, mas cujo exercício depende de autorização legislativa
parlamentar; e
ii. A exclusão da iniciativa de normação regulamentar originária por
parte do Governo, da matéria fiscal sujeita a reserva de lei.
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Segundo o artigo 165.º, n.º2 CRP, a autorização legislativa deve definir:
i. O objeto;
ii. O sentido;
iii. A extensão e duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.
Assim, o Decreto-Lei autorizado contém uma normação primária. Por esta razão,
as autorizações legislativas têm, desde logo, um objeto muitíssimo vasto. No nosso
ordenamento, as leis de autorização são linhas de conduta, não criam uma fonte de
Direito aplicável às relações que pretende reger. A revisão constitucional de 1982
deu nova redação ao artigo 168.º, n.º2 (atual artigo 165.º, n.º2) CRP, e as
autorizações legislativas passaram a definir, para além do objeto, da extensão e da
duração da autorização, o sentido da mesma. Recorde-se ainda, a propósito da
função orientadora e fiscalizadora da Assembleia da República sobre o Governo,
que o Decreto-Lei autorizado poderá ser submetido à apreciação parlamentar para
efeitos de cessação de vigência ou de alteração, podendo neste caso ser suspenso
temporariamente (artigo 169.º CRP).
c. As exigências de determinação das leis de autorização legislativa: se as leis de
autorização legislativa devem definir o objeto e o sentido do Decreto-Lei autorizado,
e não podem ser meros cheques em branco, isso significa que elas devem ter uma
determinação mínima. Quanto às exigências dessa determinação mínima em matéria
fiscal, lembre-se o Acórdão TC n.º 358/92, que considerou inconstitucional a
autorização legislativa dada ao Governo, para este aprovar o Código das Avaliações
da Contribuição Autárquica. Nos termos da alínea b) do artigo 50.º da autorização
legislativa, pretendia-se atingir, com a aprovação do Código,
«uma maior equidade de tributação, um reforço das garantias dos contribuintes e
uma determinação mais rigorosa da matéria colectável, através da aplicação de
critérios objectivos».
Segundo o Tribunal,
«os elementos constantes do preceito em causa, se bem que estabeleçam alguns limites
ao uso dos poderes delegados (o princípio da equidade da tributação, o reforço das
garantias dos contribuintes e a aplicação de critérios objetivos na determinação da
matéria coletável), não encerram, em si mesmos, nenhum critério orientador do uso
dos poderes delegados… Ora, porque nos movemos num domínio onde mais
diretamente podem ser afetados direitos e interesses dos particulares, justifica-se
plenamente que se seja mais rigoroso e exigente na determinação do sentido da
autorização em causa, por forma que o preceito autorizador cumpra uma tripla
função: conteúdo material bastante da lei de autorização, linha de orientação do
legislador delegado, elemento de informação genérica das inovações a introduzir no
ordenamento para os particulares. De outra forma estaríamos perante uma
autorização em branco, esvaziando a função habilitante que ao Parlamento cabe
assumir num processo legislativo especial como é o caso das autorizações legislativas»
i. A tripla vertente das autorizações legislativas: a tripla função das autorizações
legislativas a que se refere o Tribunal Constitucional, é antes a tripla vertente
que reveste o pano de fundo orientador da ação do Governo. Esta tripla
vertente também se aplica às autorizações legislativas em matéria fiscal, mas
a ela acrescem outros critérios orientadores.
ii. A função de orientação política: diga-se, em primeiro lugar, que é a função de
indirizzo da Assembleia da República que permite identificar o grau de
determinação mínima exigível às leis de autorização ao abrigo da alínea i)
do nº.1, e do n.º2, do artigo 165.º CRP, e, como reverso da medalha, o grau
da margem de livre apreciação governamental admissível. Da função de
indirizzo decorre que o Parlamento, unilateralmente, deve definir sempre as
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linhas de orientação política em matéria de impostos. Se a competência é
reservada ao Parlamento, ele não tem de partilhá-la com o Governo – e daí
a sua primazia –, mas se o Parlamento a delegar, a orientação política deve
ser partilhada, ou seja, ,a reserva de competência deve implicar sempre um
assentimento parlamentar dessa orientação, mesmo que ela seja proposta
pelo Governo. Cabe normalmente a este a iniciativa legislativa originaria (e
exclusivamente, no caso das autorizações legislativas).
iii. Sentido das autorizações legislativas e os elementos essenciais do imposto: em segundo
lugar, no caso dos impostos e sistema fiscal, o sentido a que se refere o
artigo 165.º, n.º2 CRP, tem de ser definido quanto aos elementos
enumerados no artigo 103.º, n.º2 CRP (quanto a um ou mais desses
elementos, consoante o objeto da autorização). Ou seja, o sentido dado pela
lei de autorização legislativa deve ter um conteúdo material bastante e dar
informação genérica das inovações a introduzir no ordenamento (Ac.
N.º358/92), e esse conteúdo material bastante define-se por referência aos
elementos do artigo 103.º, n.º2 CRP. Por isso, os artigos 165.º, n.º2 e 103.º,
n.º2 CRP devem ser conjugados, como defendeu logo em 1976, Sousa
Franco, na qualidade de deputado, e também Jorge Miranda na Assembleia
Constituinte, e como tem feito o Tribunal Constitucional e a generalidade
da doutrina. Assim, mesmo que seja o Governo a tomar a iniciativa
legislativa de reformas fiscais mais ou menos profundas, ou de alterações à
legislação em vigor, como acontece na prática – e, especialmente também
por essa razão –, a autorização legislativa deve ser suficientemente detalhada
quanto aos elementos mencionados no n.º2 do artigo 165.º CRP, de forma
que o Parlamento possa tomar conhecimento e dar o seu acordo político –
respeitando os princípios materiais constitucionais – sobre todos os
elementos essenciais dos impostos, dos benefícios fiscais e das garantias dos
contribuintes, tal como enumerados no artigo 103.º, n.º2 CRP.
d. Poder tributário das Regiões Autónomas: a distribuição vertical do poder
tributário constitui uma novidade da Constituição de 1976 (introduzida pelas
revisões constitucionais de 1982 e 1997) em relação às anteriores constituições
portuguesas e constitui um traço do Estado de Direito no princípio da legalidade
fiscal. O princípio democrático, que constitui um dos fundamentos da reserva de lei,
já não é cabalmente assegurado pelo Parlamento Nacional, e atribui aos parlamentos
regionais e às autarquias locais, poder tributário nos termos previstos na
Constituição e na lei. Foi a revisão constitucional de 1982 que introduziu o poder
tributário próprio das Regiões Autónomas no artigo 229.º, alínea f) CRP; a revisão
de 1989 desdobrou as competências legislativas regionais em matéria fiscal, num:
1. Poder tributário próprio; e
2. Poder de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.
As Regiões Autónomas dispõem de poder tributário próprio, nos termos da lei, e
podem também adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos
termos da lei-quadro da Assembleia da República (artigo 227.º, n.º 1, alínea e) CRP).
Trata-se de um poder ou soberania tributária originária, pois é atribuída pela
Constituição. Como diz José Cabalta Nabais, quer o poder tributário do Estado quer
o poder tributário das regiões autónomas tem origem na Constituição, e nesse
sentido são originários e não derivados, pois o seu reconhecimento não depende de
lei estadual.
«Mas enquanto o primeiro tem os seus limites fixados na constituição, as estruturas
de descentralização estadual têm os seus limites fixados em maior ou menos medida
na lei».
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Assim, seguindo a classificação de Casalta Nabais, o poder tributário estadual é
soberano e originário, ou originário primário (porque o poder tributário do Estado
constitui o pressuposto, o requisito indispensável da sua própria configuração de
estado fiscal) e o poder tributário autonómico regional é apenas originário.
ii. Poder tributário próprio: inicialmente, o significado de poder tributário próprio
das Regiões Autónomas dividiu as opiniões:
1. Regionalistas: que admitiram um verdadeiro poder de criar impostos
regionais, sempre que houvesse interesse específico, e nos termos
da lei geral da República. Era o caso de Eduardo Paz Ferreira. A.L.
Sousa Franco, em 1983, entendia que o poder tributário próprio só
podia ser o poder de criar impostos, com todas as consequências e
conteúdo do artigo 106.º CRP, desde que fossem respeitadas todas
as restrições estabelecidas pelos estatutos regionais, pela lei geal e
pela lei definidora da forma e conteúdo desse poder tributário
próprio. Admitindo na linha do TC, apenas o poder de criar
impostos novos para a região, mas parecendo não admitir o poder
de adaptação, em 1985, e já admitindo este poder em 1993 Gomes
Canotilho e Vital Moreira. Admitindo quer a criação quer a
adaptação, diz-nos J.J. Teixeira Ribeiro,
«O que se pretende saber é se, depois de a Constituição ter
concedido poder tributário próprio às Regiões Autónomas, a
alínea i) do artigo 168.º CRP ainda deve ser interpretada como
tendo reservado à Assembleia fa República a criação de todos e
quaisquer impostos, ou se já deve sê-lo no sentido de pertencer
às Regiões Autónomas a eventual criação de alguns».
A esta questão responde o autor afirmativamente, desde que
estejam preenchidos os seguintes requisitos:
a. O artigo 229.º CRP exige, no seu corpo, que o poder
tributário das Regiões Autónomas seja definido nos
respetivos estatutos, cuja aprovação cabe à Assembleia da
República;
b. Exige, depois, na sua alínea a), que ele se conforme com a
Constituição e as Leis Gerais da República que são leis da
Assembleia ou Decretos-Lei do Governo sob autorização;
e
c. Exige, finalmente, que ele seja exercido nos termos da lei,
que também é lei dimanada da Assembleia da República.
O autor equipara ainda, e bem, a criação de impostos à alteração
dos seus elementos essenciais, para efeitos de reserva de lei e
competências tributárias das Regiões. Teixeira Ribeiro mantém em
1997 a posição expressa em 1986. Também Maria Luísa Duarte se
refere a um poder de autolimitação da Assembleia da República,
através da aprovação da lei da qual depende o exercício do poder
tributário pelas regiões autónomas: com a aprovação da referida lei,
verifica-se uma deslocação de uma matéria originariamente da
competência reservada para uma competência partilhada com as
Regiões Autónomas, embora sujeita a limites fundamentais, i.e.,
interesse específico, limite territorial, inderrogabilidade das leis
gerais da República, enquadramento legal e princípios
constitucionais; Cardoso da Costa, repensando a doutrina do
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Acórdão n.º 91/84, que admite agora expressamente o poder de
adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades da Região.
2. Centralistas: que admitiam, no máximo, um poder de adaptação dos
impostos nacionais. A.L. Sousa Franco, em 1997, decorreria do
então artigo 106.º, n.º2 CRP, que a criação de impostos estava
reservada à lei da Assembleia da República, mas nada obstaria a que
a Assembleia da República, através duma lei-quadro, fixasse
princípios gerais sobre a adaptação do sistema fiscal regional e
cometesse o seu desenvolvimento aos órgãos legislativos regionais,
em primeira linha, porque se trata de matéria que é do seu interesse
especifico. E mesmo depois da revisão constitucional de 1989, em
que o poder tributário próprio, e o poder de adaptação do sistema
fiscal nacional às especificidades das regiões são autonomizados,
Sousa Franco, interpretando da mesma forma o significado de
poder de adaptação defende que o poder máximo das Regiões
Autónomas em matéria tributária, esse é o poder de adaptação,
considerando que o poder tributário próprio é um poder que se
situa entre aquele e o poder administrativo. Todavia, lembre-se que
o Tribunal Constitucional, antes da revisão de 1989, embora
também tenha feito uma interpretação restritiva de poder tributário
próprio, fê-la no sentido de considerar que este apenas podia
consistir na possibilidade de criação ex novo de impostos regionais:
Acórdãos n.º 91/84 e 267/87. Ainda J. L. Saldanha Sanches
entendia que nos Estados unitários como o português, o poder
tributário se encontrava concentrado num único órgão, e nem
sequer admitia o poder de adaptação. Por seu turno, o Tribunal
Constitucional entendia que do caráter unitário do Estado
português e do então artigo 115.º, n.º3 CRP (na versão de 1982),
segundo o qual os decretos-legislativos regionais não podiam
dispor contra as leis gerais da República, decorreria uma proibição
de adaptação, por decreto-legislativo regional, das leis fiscais
nacionais às Regiões Autónomas. O poder tributário próprio
poderia ser exercido praeter legem, mas nunca contra legem. Isto é, ele
reportar-se-ia unicamente à eventualidade da criação de impostos
regionais. Quanto à adaptação dos impostos nacionais à
insularidade, às Regiões Autónomas apenas cabia o poder de
iniciativa legislativa (c.f. o então artigo 229.º, alínea c) CRP).
iii. Criação de impostos versus adaptação dos elementos essenciais do imposto : como
demonstrou Teixeira Ribeiro, a criação de impostos novos ou a adaptação
de elementos essenciais dos impostos não se distinguem substancialmente:
«assim como pode ser do interesse específico da Região dos Açores ou da
Madeira criar um imposto cujo âmbito ao respetivo território se restrinja,
também pode ser do seu interesse específico criar um regime próprio dentro
do seu território para um imposto de âmbito nacional».
Portanto, na perspetiva da legalidade fiscal e do âmbito das competências
legislativas das Regiões Autónomas em matéria fiscal, a discussão sobre se
o poder tributário próprio era um poder de criação de impostos regionais
ou um poder de adaptação dos impostos nacionais às especificidades
regionais, era errónea. Ambos os poderes têm idêntico significado em
termos de reserva de lei fiscal, sendo certo que o seu enquadramento
jurídico e o alcance têm de ser definidos por lei da Assembleia da República.
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iv. Poder tributário próprio e de adaptação nas leis das finanças regionais : a primeira lei
das finanças regionais (LER) (a lei n.º 13/98), ao concretizar o disposto no
artigo 227.º, n.º1, alínea i) CRP, autonomizou claramente o poder de criar
impostos regionais do poder de adaptação, silenciando a controvérsia em
redor das competências normativas tributárias das Regiões Autónomas,
mas na prática reduziu aquele poder de criação às contribuições de melhoria
e a tributos extrafiscais de caráter ambiental. A segunda e terceira leis das
finanças regionais mantiveram este regime. Assim, o artigo 57.º, n.º3 LFR
em rigor (n.º2/2013, 2 setembro) faz uma enumeração exemplificativa dos
impostos que podem ser criados pelas Assembleias Legislativas Regionais e
que se limita a contribuições de melhoria e a tributos extrafiscais de caráter
ambiental. Em teoria, as Regiões Autónomas podem criar quaisquer tipos
de impostos, desde que não incidam sobre matéria objeto de incidência por
impostos nacionais. Acrescente-se que o poder tributário próprio das
Regiões Autónomas não abrange o poder de extinguir impostos nacionais.
A versão do artigo 112.º, n.º4 CRP, tal como saiu da 6.ª revisão
constitucional, eliminou a categoria das leis gerais da República e faz
menção à reserva de competência de certas matérias aos órgãos de
soberania, salvaguardando assim as referidas proibições de as Regiões
Autónomas extinguirem impostos nacionais e de criarem impostos
regionais com o mesmo objeto de impostos nacionais em vigor.
Confirmando esta interpretação, o artigo 57.º, n.º1 da atual LFR atribui
competência às assembleias legislativas regionais para criarem impostos de
vigência limitada à respetiva Região Autónoma, desde que, nomeadamente,
não incidam sobre matéria objeto da incidência de qualquer dos impostos
de âmbito nacional. Este limite à criação de impostos inclui um limite (ou
proibição) de extinção de impostos nacionais, isto é, o termo criação deve
ser interpretado no sentido de abranger a extinção. E segundo o n.º2 do
mesmo artigo 57.º, os impostos referidos no número anterior caducam no
caso de serem posteriormente criados outros semelhantes de âmbito
nacional. Depois de tão acesa querela doutrinal e jurisprudencial, o
resultado pode à primeira vista desiludir. Mas uma vez que as Regiões
Autónomas podem dispor das receitas provenientes de impostos nacionais
e que tenham conexão com o território daquelas (segundo os critérios
definidos por lei), e uma vez que o espetro dos impostos nacionais cobre
todas as manifestações de riqueza, não é de estranhar que o poder de criação
de impostos pelas regiões, previsto na lei, seja quase insignificante. Por seu
turno, a disciplina do poder de adaptação continua nas leis das finanças
regionais, confirmam o que nos dizem as teorias do federalismo financeiro
sobre distribuição vertical de competências fiscais, pois é
fundamentalmente dirigida à concorrência fiscal, à concessão de benefícios
fiscais sobre os impostos nacionais (artigo 59.º LFR). Assim, o poder de
adaptação das Regiões Autónomas pode revelar-se mais prejudicial para o
Estado Fiscal e princípios materiais fiscais do que a criação de impostos
novos e de adicionais aos impostos existentes.
e. Poder tributário das autarquias locais: no caso das Autarquias Locais, no âmbito
da Constituição de 1976, tem sido reconhecido aos municípios o poder de criar taxas,
mas já não poderes em matéria de impostos – seja de criação ou de adaptação. Ainda
assim, lembre-se que os municípios têm alguns poderes em matéria fiscal: fixam as
taxas do IMI relativamente aos prédios urbanos (assim como fixavam taxas da antiga
contribuição autárquica), embora a moldura (o máximo e o mínimo) seja fixada na
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lei (0,3% a 0,5%): artigo 112.º, n.º1, alínea c) e nº. 5-9 CIMI; e fixam a taxa da
derrama até um limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento
de IRC (artigo 18º Lei das Finanças Locais, n.º 3/2013, 13/9 – LFL). Estas
competências fiscais concedidas pelas leis das finanças locais, e pelo Código do
Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) não se afastam muito do que já acontecia
durante a vigência da Constituição de 1933 e do Código Administrativo. Os
municípios podem conceder benefícios fiscais, relativamente aos impostos e a
outros tributos próprios, não podendo ser concedidos por mais de cinco anos (artigo
16.º, n.º4 LFL). Trata-se de pressupostos muito amplos e indeterminados
legitimadores da atribuição discricionária de benefícios. E o tipo e medida dos
benefícios fiscais também estão na discricionariedade do município (artigo 16.º, n.º3
LFL). Além disso, no quadro do IMI, os municípios podem majorar ou minorar a
taxa de IMI aplicável com vista à prossecução de objetivos extrafiscais, relacionados
com a reabilitação e requalificação urbana, dispondo de uma ampla margem de
discricionariedade para tal (artigo 112.º, n.º2 e CIMI). O artigo 238.º, n.º4 CRP,
introduzido pela revisão de 1997, consagrou, expressamente, um poder tributário
dos municípios a exercer nos termos da lei, ,cujo alcance ainda não está delimitado.
Não se tratará aqui de um poder de criar e de adaptar impostos nacionais, pelo
menos com a amplitude que resulta, para as Regiões Autónomas, do artigo 227.º,
n.º1, alínea f) CRP – não foi consagrado um poder tributário próprio, nem se faz
referência à adaptação de impostos nacionais. Em termos gerais, o artigo 238.º, n.º4
CRP legitima a atribuição legal de discricionariedade aos municípios, quanto a
elementos essenciais dos impostos. Mas na verdade, como refere Casalta Nabais, o
artigo 238.º, n.º4 CRP não acrescenta nada de novo à adequada compatibilização ou
concordância prática do princípio da legalidade fiscal com o princípio da autonomia
local, pois o princípio da autonomia local sempre permitiu que o legislador
concedesse tais poderes tributários.
4. A reserva material ou princípio da tipicidade fiscal: a. Noções introdutórias: a determinação da lei está associada ao Estado de Direito.
Na doutrina liberal existem receios quanto à substituição do legislador pelos
tribunais na tomada de decisões. No Direito Fiscal, quando os conceitos jurídicos
são vagos e indeterminados, começa uma margem de livre apreciação do Governo-
legislador ou eventualmente da administração e dos tribunais. Perante conceitos
vagos e indeterminados na lei parlamentar, coloca-se a difícil questão de saber se os
órgãos que os aplicarão ainda exercem uma função de interpretação ou se exercem
uma função de criação. O princípio da tipicidade fiscal não é violado com a
vaguidade da lei, desde que a orientação política quanto aos elementos essenciais do
imposto seja dada pelo Parlamento, e o Governador-legislador concretize as
autorizações parlamentares quanto a esses elementos essenciais, de forma que, a
partir daí a carga fiscal seja previsível e (quase) calculável. Além disso, os aspetos
técnicos (incluindo a disciplina de outros domínios não originariamente jurídicos)
podem e devem ser concretizados por regulamento. Esta progressiva concretização
pode ser denominada de margem de livre tipificação.
b. O artigo 103.º, n.º2 CRP e os elementos essenciais dos impostos: o artigo 103.º,
n.º2 CRP enumera os elementos dos impostos e as matérias que devem ser definidos
por lei da Assembleia da República, Decreto-Lei autorizado e Decreto-Legislativo
regional:
«Os impostos são criados por lei que determina a incidência, a taxa, os benefícios
fiscais e as garantias dos contribuintes».
Esta disposição consagra uma regra de legalidade material, densificando a legalidade
formal, definindo o conteúdo do chamado princípio da tipicidade dos impostos, no
ordenamento português: o nosso legislador constituinte optou por fazê-lo
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expressamente, em vez de deixar tal matéria ao intérprete. O artigo 103.º, n.º2 CRP
não só contém o princípio da tipicidade do s impostos, como ainda alarga o objeto
do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP. Isto é, para além das taxas e de outras
contribuições financeiras a favor de entidades públicas, os impostos e o sistema
fiscal, faz referência aos benefícios fiscais e às garantias dos contribuintes. Assim,
numa formulação divulgada do princípio da tipicidade dos impostos, este diz
respeito ao an e ao quantum dos mesmos. Numa outra formulação clássica, o
princípio da legalidade fiscal exige que o objeto do imposto, o sujeito passivo, a base
tributável (ou os elementos que concorrem para a determinação da medida do
imposto) e a taxa do imposto sejam definidos por lei. Os benefícios fiscais não fazem
parte da incidência, porque prosseguem outras finalidades: as normas dos benefícios
fiscais são normas extrafiscais. São também normas de despesa fiscal e embor a
variem as designações e as posições acerca da sua (total, maior ou menor) integração
ou autonomização do Direito Fiscal, elas são elaboradas por uma parte da doutrina,
por contraposição às normas fiscais s.s. Finalmente, a reserva de lei relativa às
garantias dos contribuintes – na parte não coberta pelo artigo 165.º, n.º1, alínea b)
CRP –, é o corolário da tipicidade do imposto, e encontra a sua justificação no
Estado de Direito (democrático) e no artigo 168.º, n.º4 (e n.º5) CRP.
i. O An e Quantum da obrigação tributária – a incidência em sentido amplo: a
incidência a que se refere o n.º2 do artigo 103.º CRP não se pode limitar ao
facto tributário em sentido restrito e ao sujeito passivo, sob pena de a
reserva de lei fiscal não cumprir a sua função. Por outras palavras, a
incidência tem de ser interpretada em sentido amplo, e abranger não só o
an mas ainda todos os aspetos de quantificação. Isto é assim, porque a
legalidade fiscal tem funções garantisticas, e porque os impostos, mesmo
que entendidos como deveres fundamentais, são limites imanentes ao
direito de propriedade individual. Também parte da incidência, e por isso
sujeitas a reserva de lei, são as normas de conexão unilaterais que definem
os rendimentos tributáveis de sujeitos passivos residentes e de sujeitos
passivos não residentes, e as normas unilaterais de atenuação de dupla
tributação, uma vez que elas afetam o quantum do imposto a pagar.
ii. Lançamento e liquidação e a quantificação do imposto: ainda há alguns equívocos
na nossa doutrina e jurisprudência sobre o alcance do artigo 103.º, n.º2 CRP,
e que põem em grave risco a reserva de lei fiscal no nosso Estado de Direito.
Esses equívocos estão relacionados com a interpretação dos termos
lançamento e liquidação. O lançamento e a liquidação são conceito
obsoletos, e na sua origem estiveram ligados a funções administrativas ou
procedimentais de fixação e apuramento da matéria tributável que o fisco
desempenhava. Apesar de obsoletos, os termos lançamento e a liquidação
ainda são utilizados, mas no contexto dos impostos que estão em vigor,
esses termos vão muito além de meros aspetos procedimentais.
Lançamento e liquidação estão atualmente ligados à determinação da
matéria coletável e respetiva quantificação (ambas designadas pelos alemães
de Steuerbemessungsgrundlage: portanto, à incidência em sentido amplo. Todas
as disposições que interfiram com o montante de imposto a pagar estão
sujeitas à reserva de lei fiscal. Acrescente-se ainda que tal reserva de lei é
exigível quer as regras de avaliação sejam dirigidas ao fisco ou aos sujeitos
passivos, impondo a estes deveres legais. Isto é, todas as disposições que
imponham deveres aos sujeitos passivos que interfiram com a avaliação ou
quantificação do imposto, como é o caso do regime de reembolso do IVA,
estão também sujeitas a reserva de lei.
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iii. Tribunal Constitucional: Quantificação, regras materiais ou substantivas e regras
procedimentais ou processuais: o Tribunal Constitucional estabeleceu neste
processo, e para efeitos da legalidade e da tipicidade fiscais, uma distinção
dentro das regras inseridas no procedimento de determinação do imposto:
as que assumem caráter material ou substantivo estariam sujeitas a reserva
de lei fiscal, e as que assumem caráter procedimental ou processual sairiam
de fora das exigências da reserva da lei fiscal. Assim, segundo o Tribunal
Constitucional,
«[a]tenta a ratio do princípio da legalidade tributária, apenas poderão
dizer-se sujeitas às suas exigências formais e materiais aquelas normas que,
conquanto possam aparecer inseridas no procedimento de determinação do
imposto, assumam um caráter material ou substantivo ou cujo conteúdo
tenha que ver, ainda, com a modelação normativa dos elementos constitutivos
do tipo tributário de cuja concretização factual deriva a obrigação de imposto
e o seu montante, extravasando da esfera procedimental ou processual. É o
caso das normas que identificam, ainda, a realidade económica sujeita ao
imposto… (e) o legislador, na conformação dos elementos essenciais do tipo
tributário, não está inibido, em qualquer ofensa dos princípios da legalidade
tributária e da tipicidade, de lançar mão… de remissões para elementos aos
quais atribua a função de determinação dos seus aspetos ou dimensões
técnicas (por exemplo, remissão para um determinado preço que se venha a
estabelecer no mercado)… Tais normas remissivas têm, ainda, uma função
identificadora dos rendimentos ou da riqueza a tributar, bem diferente
daquele outro tipo diferente daquele outro tipo de normas que apenas têm
por escopo indicar os métodos ou caminhos a percorrer com vista à
determinação da matéria coletável e/ou do imposto, e estão sujeitas ao
princípio da legalidade».
Para o Tribunal, a disposição em análise (artigo 72.º, n.º3 Lei n.º3-B/2000)
conteria uma norma substantiva –
«dimensão quantitativa do facto tributário em que se expressa a matéria
coletável – dimensão ainda da incidência objetiva – definida pelo volume de
vendas de cada produto daquelas espécies, tendo aquele por referência o
respetivo preço de venda ao consumidor final, sujeita portante à reserva de
lei fiscal, mas a técnica remissiva não a tornaria inconstitucional, dado que
permitia conhecer, com previsibilidade e segurança jurídica, os termos do
facto tributário».
Em resumo, a regra do artigo 72.º, n.º3 Lei n.º3-B/2000 era uma regra sobre
quantificação do imposto, relacionada com a modelação normativa dos
elementos constitutivos do tipo tributário, e sujeita à reserva de lei fiscal
(caindo assim no conceito de incidência em sentido amplo para efeitos do
artigo 103.º, n.º2 CRP), e o que estava em causa era saber se a técnica
remissiva utilizada preenchia as necessidades da tipicidade fiscal. Até aqui o
critério de distinção enunciado pelo Tribunal é correto. Todavia, logo de
seguida, o Tribunal defende que a incerteza decorrente da lei é um
«estado de dúvida subjetiva sobre o preço a tomar como base de
autoliquidação do imposto»,
o qual
«se deve exclusivamente ao regime de liquidação do imposto»,
Aspeto que já extravasaria do artigo 103.º, n.º2 CRP, e da reserva de lei
fiscal. E aqui a argumentação e decisão é incorreta: o Tribunal
Constitucional faz uma cisão indevida entre critérios abstratos de
determinação quantitativa do imposto (sujeitos a reserva de lei) e
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lançamento ou liquidação (não sujeitos a tal reserva). A consequência desta
cisão é a indeterminação ou desconhecimento de um elemento essencial do
imposto – a base de incidência, ou um elemento da base de quantificação
do imposto – no momento da aplicação da lei (indeterminação de deveres
do sujeito passivo), o que não é admissível na reserva de lei fiscal. Na
verdade, ao contrário do que argumentou o Tribunal Constitucional, a
remissão para o respetivo preço de venda ao consumidor final, para o preço
que se venha a estabelecer no mercado, não permite a previsibilidade do
montante de imposto a pagar. E não permite essa previsibilidade, porque,
no caso em concreto, a remissão legal para um determinado preço que se
venha a estabelecer no mercado não era conhecido no momento em que
tinha de ser feita a liquidação. Assim, e novamente ao contrário do que
defende o Tribunal Constitucional, a técnica remissiva tornou a norma
inconstitucional, dado que essa remissão não permitia conhecer, com
previsibilidade e segurança jurídica, os termos quantitativos do facto
tributário. Neste caso, a indeterminação da lei não é a indeterminação (ou
vaguidade) em si dos conceitos, pois este conceito é determinável num certo
momento. Mas trata-se ainda de indeterminação da lei, pois não é possível
encontrar na lei argumentos legais suficientes para justificar os resultados a
que se chega. Isso significou a inadequação da lei para garantir um resultado,
quanto a um elemento essencial do imposto (um elemento de quantificação).
Por isso, não se deve distinguir entre normas de determinação da matéria
coletável e normas de lançamento e/ou de liquidação, se estas contiverem
regras de quantificação. Repare-se que esta reserva de lei significa que não
basta a estimativa da receita cessante originada pelos benefícios fiscais em
relatório que acompanha a lei do orçamento (artigo 106.º, n.º3, alínea g)
CRP), mas que a disciplina destes deve constar de lei parlamentar ou
decreto-lei autorizado (artigo 165.º, n.º1, alínea i) e n.º2 CRP) ou Decreto-
Legislativo regional (ao abrigo do artigo 227.º, n.º1, alínea i) CRP), mesmo
que a autorização do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP, seja dada na própria
lei do orçamento.
iv. Taxa ou Alíquota: o outro elemento referido no artigo 103.º, n.º2 CRP que
faz parte dos elementos essenciais do imposto, é a taxa ou alíquota. Parece
ser hoje pacífico que a definição da taxa de imposto e não apenas os limites
da mesma está, em regra, sujeita à reserva de lei no sentido anteriormente
explicitado, a não ser que outros princípios ou disposições constitucionais
legitimem uma margem – estreita ou não muito alargada – de
discricionariedade quanto ao montante exato da mesma (tal como o
princípio da autonomia local, ou, desde a revisão constitucional de 1997, o
artigo 238.º, n.º4 CRP).
v. Os benefícios fiscais no contexto do artigo 103.º, n.º2 CRP: a Constituição de 1976
submete os benefícios fiscais à reserva de lei fiscal, no artigo 103.º, n.º2 CRP.
A consagração expressa da reserva de lei para os benefícios fiscais justifica-
se, não só no sentido em que a reserva de lei nos Estados sociais de Direito
não se deve limitar à administração ablativa, como para se evitar equívocos
ou dificuldades de interpretação, sobretudo se se tiver em conta que os
benefícios fiscais são, por via de regra, medidas extrafiscais, às quais se
recusa a aplicação pura e simples da constituição fiscal. Na verdade, como
parte da extrafiscalidade, os benefícios fiscais estão sujeitos às regras do
Direito Económico Fiscal – ou seja, em parte, a regras do Direito Fiscal
clássico ou material, entre as quais a reserva de lei parlamentar, e em parte
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a regras flexíveis, de adaptação à economia, do Direito Económico. Nesse
sentido, os benefícios fiscais não constituem, em bom rigor, elementos do
tipo de imposto, relativos à determinação do na e do quantum (ao invés de
deduções, isenções ou exclusões, relacionadas com objetivos de tributação
do rendimento-acréscimo ou da capacidade contributiva), tal como os
subsídios diretos (subvenções estaduais) e não são. Por outro lado, quer no
âmbito do Estado Fiscal, quer no âmbito da concorrência fiscal a que se
assiste no quadro da EU e até mundial, o benefício fiscal introduz
fenómenos perversos de erosão de receitas e restringe a aplicação dos
princípios materiais fiscais, pelo que deve ser publicitado, e deve por isso
estar sujeito a reserva de lei parlamentar (mesmo que delegável ao Governo,
e mesmo sem impedir que as Assembleias Legislativas Regionais tenham
competências legislativas nessa matéria). Diferentemente das normas fiscais
s.s. (normas destinadas à obtenção de receitas fiscais), cuja reserva de lei
parlamentar, como vimos, será relacionada com preocupações garantisticas
e com o princípio do Estado de Direito democrático, a reserva de lei
parlamentar para os benefícios fiscais encontra a sua justificação capital no
facto de eles restringirem o princípio do Estado fiscal (justamente porque
este se caracteriza como o Estado cujas necessidades financeiras são
essencialmente cobertas por impostos) e de se desviarem do princípio da
igualdade, na vertente da capacidade contributiva (no sentido em que todos
devem contribuir para as despesas públicas, segundo a sua capacidade
contributiva), sendo esta um limite material constitucional ao legislador
ordinário. Em confronto com as normas de incidência e da taxa de imposto,,
os benefícios fiscais são o reverso da medalha, e o legislador constituinte
terá entendido que o afastamento dessas normas e com ele a restrição dos
limites ou princípios materiais constitucionais fiscais deve estar também
submetido à reserva de lei parlamentar do artigo 165.º, n.º1, alínea i) CRP,
sob pena de se defraudar a reserva de lei fiscal. A sequência enumerativa do
artigo 103.º, n.º2 CRP, induz a esta interpretação. Mas a reserva de lei
parlamentar não é suficiente para legitimar a previsão normativa e a
atribuição em concreto dos benefícios fiscais. Para além da sujeição à
reserva de lei, o afastamento ou restrição dos limites materiais
constitucionais fiscais carece de justificação com base em princípios
orientadores, os quais devem ser sempre ponderados conjuntamento com
os princípios materiais fiscais a restringir. A inclusão dos benefícios fiscais
no artigo 103.º, n.º2 CRP traduz a convicção de que a reserva de lei é um
dos instrumentos para garantir, simultaneamente, o legítimo afastamento
dos princípios constitucionais materiais do Estado fiscal e a observância dos
princípios a que os benefícios fiscais estão submetidos.
vi. As garantias dos contribuintes: no que diz respeito à reserva de lei a que o artigo
103.º, n.º2 CRP sujeita as garantias dos contribuintes podemos dividi-las em
garantias procedimentais e garantias contenciosas. Quanto ao regime das
infrações fiscais, o artigo 103.º, nº2 CRP nada acrescenta ao artigo 165.º
CRP: os tipos de crime fiscal e de contraordenação fiscal e as respetivas
sanções e processos já estão sujeitos a reserva de lei ao abrigo do artigo
165.º, n.º1, alíneas c) e d) CRP.
c. Criminalização, agravação, descriminalização ou atenuação: tal como o
Tribunal Constitucional, entendemos que a reserva de lei abrange a atividade de
criminalização ou agravação, e a da descriminalização ou de atenuação. O Tribunal
apontou várias razões para fundamentar o alargamento da reserva de lei parlamentar
à supressão do quadro criminal de tipos de ilícito, que passamos a citar:
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i. Porque o artigo 168.º (atual 165.º), n.º1, alínea a) CRP, não faz qualquer distinção;
ii. A não se entender assim, a competência da Assembleia da República para criar tipos-
crime e penas reduzir-se-ia a zero, sempre que o Governo, e de imediato, lhe revogasse as
leis penais que editasse, o que resultaria inadmissível;
iii. A implementação do quadro geral de ilícitos criminais e penas, em sentido estrito, reclama
que, analisada detidamente a realidade social, se selecionem, especifiquem e graduem,
segundo parâmetros de referência constitucional, os comportamentos humanos infratores
de bens jurídicos essenciais e se estabeleçam penas proporcionadas a cada facto, daí que a
simples eliminação de um modelo de crime reflexamente altere todo o quadro, o que
equivale a dizer que, neste campo, a competência negativa tem, ao cabo e ao resto,
profundos efeitos positivos.
Também Taipa de Carvalho defende que o Governo não tem competência para, por
Decreto-Lei não autorizado, descriminalizar ou reduzir as sanções criminais
estabelecidas por Lei ou Decreto-Lei autorizado, reiterando o segundo argumento
do Tribunal: se é da Assembleia da República a competência para determinar
«os bens que ela considera essenciais à vida individual e social e carecidos de uma
determinada tutela penal, então não teria qualquer razoabilidade atribuir ao
Governo competência para vir “dizer” que tais bens não têm “dignidade penal” ou,
se a têm, não devem ter uma proteção penal tão intensa como a que a Assembleia
da República lhe confere».
Estes argumentos também se aplicam, com as devidas adaptações, às garantias do
processo crimina, previstas no artigo 32.º CRP.
d. Restrições e desagravamentos das garantias dos contribuintes: no caso das
garantias dos administrados a que se aplica o artigo 165.º, nº.1, alínea b) CRP, em
princípio, a reserva de lei abrange todo o regime dos direitos, liberdades e garantias
– mas será difícil considerar inconstitucional um Decreto-Lei que tenha como
finalidade proteger, promover, ampliar os direitos, liberdades e garantias ou que se
limite a desenvolver e executar em aspetos de pormenor a regulação parlamentar do
exercício. Nem Vieira de Andrade nem Casalta Nabais consideram inconstitucionais
Decretos-Lei que protejam, promovam, ampliem ou executem a disciplina dos
mesmos. No caso das garantias dos contribuintes, o artigo 103.º, n.º2 CRP, ao
estabelecer que elas são determinadas por lei, não exclui as normas que ampliem
essas garantias ou as que se limitem a declarar limites imanentes às mesmas. Além
do mais, ao contrário do que acontece com as garantias em matéria criminal e de
processo criminal, e com as garantias dos administrados (consagradas nos artigos
29.º, 32.º, 268.º, e ainda, nos 20.º e 22.º CRP), o conteúdo das (restantes) garantias
dos contribuintes não é expressamente determinado pela Constituição. A função
garantistica da reserva de lei fiscal nunca foi entendida como dizendo respeito
apenas às normas desfavoráveis, mas a quaisquer alterações de regime, por estar em
causa a previsibilidade do montante do imposto (e da situação fiscal) e a tutela de
confiança do contribuinte. Mas há outras razões para este entendimento, que se
reconduzem às invocadas pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 56/84.
Desde logo, no plano da hierarquia das fontes, se as normas procedimentais e
processuais fiscais que disciplinam as garantias estão sujeitas ao artigo 165.º, n.º1,
alínea i) CRP, as normas que modificam esse regime num plano mais favorável têm
de estar previstas em fontes da mesma hierarquia, desde logo por óbvias razões
técnico-formais, pois as segundas revogam ou derrogam uma Lei ou Decreto-Lei
autorizado, embora este argumento não valesse para os Decretos-Lei não
autorizados. E as mesmas razões substanciais invocadas no Acórdão 56/84, a
propósito das garantias em matéria penal, apontam no sentido da reserva de lei
parlamentar das garantias dos contribuintes: se assim não fosse, o sistema de
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garantias procedimentais e processuais fiscais, instituído por lei parlamentar ou
Decreto-Lei autorizado, poderia ser neutralizado (defraudado) pelo executivo, por
Decreto-Lei não autorizado.
5. Determinação e indeterminação:
a. Conceito: o princípio da legalidade fiscal, exige que todas as leis em sentido formal
sejam suficientemente determinadas de modo que os particulares possam entender
e prever as atuações da administração tributária (Acórdão n.º 233/94). Estas
exigências de densificação da lei formal pelo Tribunal não implicam a calculabilidade
do imposto pelo sujeito passivo (ou o cálculo exato). Uma lei é indeterminada
quando o conjunto de argumentos legais disponíveis é insuficiente para justificar os
resultados a que se chega. Nestes casos, o conjunto de argumentos legais nunca
garante (ou justifica) apenas um e só um resultado em casos importantes ou difíceis.
A indeterminação é um problema quando sugere que o exercício de um julgamento
racional com base numa argumentação exclusivamente legal não pode ser defendido
contra um diferente exercício de julgamento, mas ela só ocorre nos casos difíceis.
Um caso típico de indeterminação de lei fiscal é dos preços de transferência aplicável
às empresas multinacionais. A diferença entre determinação e indeterminação é
quantitativa e não qualitativa. Devido às exigências da reserva de lei fiscal, ligadas à
previsibilidade e calculabilidade, a indeterminação da lei fiscal postula uma
concretização progressiva da lei formal, através de Decretos-Lei não autorizados,
regulamentos, de orientações genéricas e de uma jurisprudência constantes, com
base nos caos típicos (tipificação). Na verdade, a indeterminação da lei fiscal
raramente aconselha o juízo discricionário, segundo as circunstâncias do caso. Pode
acontecer uma ponderação do caso típico e de algumas circunstâncias individuais,
quando se aplicam, por exemplo, os referidos preços de transferência. A
indeterminação legal resolvida através de soluções individuais, colocada em causa o
princípio da igualdade. Cabe sempre aos tribunais exercerem o controlo dos limites
internos e externos à margem de livre apreciação e à discricionariedade e por isso,
os acordos secretos são proibidos. Em conclusão, são recomendáveis as técnicas
legislativas que juntam as definições a conceitos-padrão, numa lógica de principles-
based taxation. Mas não é inconstitucional a utilização de conceitos vagos e
indeterminados e uma consequente margem de livre apreciação atribuída à
administração; nem o desenvolvimento desses conceitos por Decretos-Lei não
autorizados ou por regulamentos, em relação aos aspetos técnicos da disciplina legal
(Ac. n.º233/94, n.º 756/95, n.º236/01, nº.127/04).
b. Grau de determinação legal exigível e controlo judicial: relativamente ao grau
de determinação legislativa exigido pelo artigo 103.º, n.º2 CRP, podemos dizer
esquematicamente:
i. Quanto às normas de determinação do an e do quantum do imposto, cabe
à lei formal estabelecer diretamente o regime para os casos típicos (casos
padrão ou paradigma) a que se dirige (o núcleo – determinado/cobrindo
casos típicos – do conceito deve ser maior do que a auréola –
indeterminada/cobrindo casos atípicos);
ii. No caso da incidência objetiva em sentido restrito (objeto do imposto), para
além da definição e enumeração das manifestações típicas de riqueza que
cada imposto pretende atingir (pela técnica da tipicidade tendencialmente
fechada e através de tipos jurídicos estruturais ou reais), podem ser
consagradas cláusulas residuais que abram a tipicidade e atinjam
manifestações de riqueza semelhantes;
iii. No caso da incidência subjetiva (sujeitos passivos), a enumeração dos
sujeitos não tem de ser taxativa, mas exemplificativa, de modo a evitar que
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determinadas entidades, pela forma jurídica que assumam, escapem do
âmbito de incidência;
iv. Quanto às regras de determinação e quantificação da matéria tributável,
cabe à lei (parlamentar ou Decreto-Lei autorizado) definir o regime a aplicar,
de tal modo que o intérprete perceba quais as opções tomadas e consiga
prever (no sentido amplo do termo) o imposto a pagar (valendo aqui o
princípio da previsibilidade e calculabilidade); todavia, para que a lei não
fique sobrecarregada de pormenores, o desenvolvimento desses critérios. É
ainda recomendável que as orientações genéricas vão concretizando os
conceitos legais (e regulamentares) indeterminados, de modo que diminua
o grau de incerteza na aplicação da lei, e permita ao contribuinte ver
gradualmente assegurados os referidos princípios da previsibilidade e
calculabilidade do imposto. A concretização progressiva dos conceitos
jurídicos indeterminados permite aos tribunais um controlo mais eficaz da
aplicação da lei pela administração.
v. Quanto aos benefícios fiscais, a lei parlamentar ou o Decreto-Lei autorizado
podem conceder ao ministro das finanças discricionariedade para ponderar
a atribuição dos mesmos a casos concretos, mas os tribunais deveriam fazer
um controlo da observância de princípios materiais: só são legítimos os
benefícios que prosseguem o bem estar geral e não apenas o bem estar de
um grupo restrito de cidadãos, que respeitem o princípio da
proporcionalidade em sentido amplo, devendo também ser ponderado o
ganho para a comunidade; estes princípios devem também ser confrontados
com os princípios materiais do Direito Fiscal a restringir, i.e. deve ser
avaliado se estes princípios devem prevalecer sobre a igualdade na vertente
da capacidade contributiva, progressividade, e quaisquer outros limites
fiscais que sejam restringidos pelos benefícios fiscais.
Em todos os pontos anteriormente enunciados, os tribunais devem controlar a
legalidade da atuação administrativa. A consagração de conceitos jurídicos
indeterminados implica a sua interpretação segundo os critérios gerais de
interpretação das leis fiscais. Quanto às normas de incidência objetiva e subjetiva
em sentido restrito, as dúvidas sobre tributação/não tributação, colocam uma
questão de limites de interpretação admissível, em matérias sujeitas a reserva de lei,
cabendo naturalmente aos tributos a última palavra. No caso de normas sobre a
determinação/avaliação ou quantificação da matéria tributável, embora também
sujeitas a reserva de lei, quando as situações a avaliar se localizem na auréola do
conceito, e a interpretação permita mais do que uma solução, pode (deve) o tribunal
aceitar a concretização ou interpretação da administração, desde que ela constitua
uma interpretação possível desse conceito – os princípios da praticabilidade e da
igualdade possível assim o recomendam. É também relativamente a estes casos que
a jurisprudência do STA tem defendido a existência de uma margem de livre
apreciação administrativa, na ausência de erro manifesto (embora a designe
erradamente de discricionariedade técnica, não controle a observância dos limites a
essa margem de liberdade, e embora ela seja exercida pela aplicação da lei ao caso
individual). Na ausência de densificação de leis indeterminadas pela administração,
deve o tribunal fazê-lo através de uma jurisprudência constante.
c. A posição da jurisprudência: a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a
não inconstitucionalidade dos conceitos jurídicos indeterminados tem sido
secundada por uma jurisprudência constante do STA:
«quando a lei usa conceitos jurídicos indeterminados, embora daí resulte que a
administração vem a beneficiar de uma certa margem de livre apreciação, não haverá
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ofensa da Constituição desde que os dados legais contenham uma densificação tal
que possam ser tidos pelos destinatários da norma como elementos suficientes para
determinar os pressupostos de atuação da Administração e que simultaneamente
habilitem os tribunais a proceder ao controlo da adequação e proporcionalidade da
atividade administrativa assim desenvolvida».
Não constitui inovação o simples preenchimento e concretização de conceitos
jurídicos indeterminados (Ac. n.º 500/97 e 621/98, embora esta afirmação seja
tenha sido proferida a propósito de uma questão lateral, i.e., tratava-se de conceitos
jurídicos indeterminados constantes do ETAF e da alteração, pelo Governo, da
entidade competente para a cobrança coerciva de créditos). Porém, no Acórdão do
Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 3 de outubro 2013, no processo C-282/12,
Itelcar, considerou que o então artigo 58.º, n.º4 CIRC (atual 63.º, n.º4 CIRC) que
define relações especiais não era suficientemente determinado para efeitos do
Direito Europeu. Se o conceito de relações especiais estivesse densificado em
Decreto-Lei. Regulamento, orientação genérica ou jurisprudência constante, estes
deveriam ter sido referidos pelo Governo português e o Tribunal de Justiça já não
poderia concluir que a regra do artigo 58.º, n.º4 CIRC não satisfazia os requisitos da
segurança jurídica.
d. Remissões da lei forma para regulamento ou Decreto-Lei não autorizado: o
princípio da legalidade fiscal não impede as remissões expressas da lei formal para
regulamento ou Decreto-Lei não autorizado que desenvolvam aspetos estritamente
técnicos do regime (Acórdão n.º 236/01 TC). Essas remissões são aconselháveis
para que a lei fiscal possa exercer eficazmente a sua função de garantia (Ac. n.º
236/01). Ainda segundo o mesmo Acórdão, não são inconstitucionais – não são
praeter legem – os Decretos-Lei não autorizados (nem os regulamentos) que não criem
uma nova categoria de incidência. No caso apreciado pelo Tribunal, tratava-se de
um Decreto-Lei que veio permitir e disciplinar a reavaliação dos elementos do ativo
imobilizado corpóreo das empresas, após a entrada em vigor do novo sistema de
tributação, reavaliação essa que podia incidir sobre bens já reintegrados – isto é, bens
reavaliados após o decurso do período máximo da sua vida útil, podiam ser
considerados custos –, o que não estava previsto expressamente pelo CIRC.
Segundo o Tribunal Constitucional, a questão tinha natureza técnica, e o Decreto-
Lei,
«fazendo como que uma explicitação da regulamentação em vigor, v[inha] somente
submeter ao regime fiscal geral as reintegrações e amortizações decorrentes de
reavaliações realizadas após o decurso do período de vida útil dos elementos
reavaliados. Este diploma não cria[va], portanto, uma nova categoria de custos (…)
não trata[va] (…) da definição da norma de incidência ou da determinação do seu
objeto, isto é, não trata[va] do critério definidor do tipo de deduções à matéria
coletável».
É também compatível com o princípio da legalidade, a atribuição por lei de uma
margem de apreciação à administração, na aplicação de critérios técnicos ao caso
individual: no Acórdão n.º 236/01, o Tribunal lembra que o CIR atribui
competência à DGCI para aceitar casos especiais de reintegração e amortização –
devidamente justificado –, para além do período máximo de vida útil dos bens: o
que em regra, não é aceite (no mesmo sentido, Ac. n.º 451/01 e 589/01). A
densificação das leis fiscais tem de ser conjugada com o princípio da igualdade, o
que significa que as exigências de densificação não são absolutas, e justifica que o
legislador possa recorrer a conceitos jurídicos indeterminados, com o objetivo de
facilitar a aplicação da lei a casos idênticos. Exemplo da necessidade de conjugação
da legalidade com a igualdade fiscal, é a consagração de cláusulas residuais na
definição dos tipos de incidência objetiva, tal como quaisquer outros rendimentos
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derivados da simples aplicação de capitais não compreendidos na Secção A (artigo
12.º, n.º6 Código Imposto de Capitais). O Tribunal Constitucional pronunciou-se
pela não inconstitucionalidade desta cláusula, justamente com base nessa
argumentação.
6. O artigo 103.º, n.º3 CRP: como já temos vindo a referir, segundo o artigo 103.º, n.º3 CRP,
ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da
Constituição… e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas na lei. Esta
disposição consagra o princípio da preferência ou precedência de lei, e uma espécie de direito
de resistência ao pagamento de impostos inconstitucionais ou ilegais, nos termos
constitucionalmente definidos (artigos 165.º, n.º1, alínea i), 227.º, n.º1, alínea i), e 238.º, n.º4,
e pelo princípio da tipicidade do artigo 103.º, n.º2 CRP). Reafirma assim que a administração
e os tribunais estão submetidos à Constituição e à lei. Como decorre das considerações que
tecemos nas páginas anteriores, ao contrário do que tem sido defendido por boa parte da
doutrina, o n.º3 do artigo 103.º CRP não faz qualquer opção quanto à não sujeição das regras
de liquidação e cobrança à reserva de lei, mas refere-se apenas à atividade administrativa de
aplicação da lei de imposto.
O princípio da retroatividade fiscal
1. Conceito e critérios: a regra do Direito Fiscal, tal como nos outros ramos de Direito, é a
de que a lei nova se aplica para o futuro. A aplicação a factos passados é proibida (artigo
103.º, n.º3 CRP). Existe:
a. Retroatividade autêntica (em sentido próprio ou forte): se a lei for aplicada a um
facto com início no passado, inteiramente ocorrido ao abrigo de uma lei antiga.
b. Retrospetividade: se o facto com início no passado, ainda estiver a decorrer, e esta
será também proibida se for violada a proteção da confiança.
A primeira questão que a aplicação no tempo da lei fiscal coloca é a de saber o que significam
factos futuros e factos passados, e esse significado varia, como veremos, consoante se trate
de
a. leis procedimentais; ou,
b. leis substantivas; e de
c. factos tributários de obrigação única; ou,
d. factos tributários de formação sucessiva.
Em segundo lugar, cabe determinar o tipo de normas fiscais que não podem ser retroativas.
Uma vez que a proibição da retroatividade visa proteger a segurança jurídica e a confiança
do sujeito passivo, só as normas fiscais oneradoras do sujeito passivo é que não podem ser
retroativas e pelo contrário as normas desoneradoras podem sê-lo porque favorecem os
sujeitos passivos e a segurança jurídica não é afetada. Esta é uma diferença em relação à
reserva de lei fiscal e ao princípio da tipicidade fiscal, pois a reserva de lei abrange quer as
normas oneradoras quer as normas desoneradoras relacionadas com o an, quantum, os
benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Em terceiro lugar, para efeitos da proibição
da retroatividade, cabe determinar o que são normas oneradoras do sujeito passivo.
2. Leis procedimentais e leis processuais: em praticamente todos os ordenamentos jurídicos
dos Estados da OCDE as leis procedimentais e processuais (garantias dos contribuintes) têm
aplicação imediata. Elas podem aplicar-se a procedimentos e processo em curso respeitantes
a factos tributários já ocorridos, mas que ainda são objeto de investigação e que não foram
atingidos pela caducidade da liquidação, nem pela descrição da dívida fiscal. Este
entendimento está consagrado no artigo 12.º, n.º3 LGT, segundo o qual, as normas de
procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e
interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes. As garantias e os direitos
e interesses legítimos constituídos são aqueles que em relação aos quais já decorrer o prazo
de caducidade e de prescrição, ou tenha havido caso julgado. Para efeitos do citado artigo
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12.º, n.º3 LGT, temos de interpretar “contribuintes” como sujeitos passivos (categoria mais
ampla). Também os sujeitos passivos (enquanto legalmente obrigados ao cumprimento de
uma prestação tributária, de natureza material ou formal) que não sejam contribuintes
(contribuinte é o sujeito passivo obrigado a pagar tributos ou outros encargos legais a estes
associados), são protegidos pela proibição da retroatividade. O nosso Tribunal
Constitucional também aplica a distinção entre retroatividade e retrospetividade (analisando
o princípio da proteção da confiança neste caso) às normas procedimentais e processuais ou
relacionadas com as garantias dos contribuintes. É o caso de regras sobre a prescrição da
dívida tributária. Por exemplo, no Acórdão n.º 6/2014, estava em causa a aplicação da norma
do n.º4 do artigo 49.º LGT, na redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 a um processo
em curso. Segundo esse n.º4,
«[o] prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente
autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puder
termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando
determinem a suspensão da cobrança da dívida».
O Tribunal Constitucional entendeu não existir no caso violação do princípio da proibição
da retroatividade, consagrado no artigo 103.º, n.º3 CRP, pois não ocorreu retroatividade
autêntica, isto é, a lei nova não foi aplicada a um facto passado, inteiramente decorrido ao
abrigo da lei antiga. O mesmo Tribunal considerou que não tinha existido violação do
princípio da proteção da confiança, na vertente da segurança jurídica. Segundo o Tribunal, a
análise do princípio da proteção da confiança implicava a comparação entre o regime novo
e o antigo, pois a violação da proteção de confiança traz um agravamento da posição jurídica
dos contribuintes, em relação ao sistema legal anteriormente vigente, com o qual se não possa
legitimamente contar. Nesse contexto, não há (Ac. n.º 287/90 e 6/2014)
«um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em
relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados,
[e, portanto], o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações
jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova
regulamentação, por ser essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis».
O Tribunal Constitucional recordou que o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição
que consta do n.º1 do artigo 49.º LGT desde a sua versão originária, implicava já a
possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí
previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao
processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º1 CC). E concluiu
que o atual regime,
«salvo a situação anómala em que ocorresse uma excessiva demora do processo, não é
essencialmente mais gravoso que o que resultava da primitiva versão da norma, que permitia
que, sucessivamente, o prazo prescricional pudesse considerar-se interrompido até ao trânsito
em julgado da decisão a proferir no processo, quando fossem utilizados pelo interessado diversos
meios processuais. E, por outro lado, o prolongamento da suspensão até à decisão definitiva
do processo não é também uma solução jurídica que fosse inteiramente estranha ao sistema
legal. Na verdade, essa mesma solução já resultava do disposto no artigo 49.º, n.º3 LGT, na
sua redação primitiva, no ponto em que a suspensão do prazo de prescrição que aí se previa
já devia entender-se como correspondendo à duração da paragem do processo de execução em
resultado de uma impugnação judicial que fosse acompanhada de prestação de garantia, e que,
por efeito do artigo 169.º, n.º1 CPPT, se maninha até à decisão do pleito. E quanto a esta
última norma, não pode sequer invocar-se uma qualquer violação do princípio da segurança
jurídica, visto que ela já vigorava à data da interposição da impugnação judicial».
Finalmente, o Tribunal entendeu que o regime legal se mostra justificado por razões de
interesse público relacionadas com a necessidade de obtenção de receitas fiscais que resultem
de impostos que tenham sido já objeto de liquidação. Num outro Acórdão sobre a mesma
matéria, diz-nos o Tribunal:
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«Ora, constituindo a prescrição das obrigações tributárias as respetivas causas de interrupção
e suspensão verdadeiras garantias dos contribuintes, há que concluir que a aplicação de causas
de interrupção ou suspensão introduzidas pela lei nova a prazos de prescrição que já haviam
começado a correr ao abrigo da lei antiga é assimilável a uma situação de aplicação retrospetiva
de norma fiscal favorável. Com efeito, não há dúvida de que, correspondendo a prescrição à
extinção de uma obrigação vencida em consequência do decurso de um prazo, por razões de
certeza, de segurança e de paz jurídicas, a introdução de novas causas de interrupção ou de
suspensão de prazos de prescrição gera situações prejudiciais ou de desvantagem para os sujeitos
passivos daquela obrigação, potencialmente lesivas das expectativas legítimas que mantinham
na conservação do concreto conteúdo de tais garantias. A prescrição constitui uma causa de
extinção da obrigação tributária de formação contínua, prevendo a lei que, no decurso desse
período de formação, possam ocorrer factos ou serem praticados atos suscetíveis de causar a
sua interrupção. Talqualmente interpretados pelo tribunal recorrido, os preceitos em crise
aplicam-se a factos ocorridos após a sua entrada em vigor, ao abrigo das novas causas de
interrupção dos prazos de prescrição neles previstas, muito embora tais prazos tenham
começado a correr na vigência da lei antiga e ainda não tivessem terminado no momento em
que se deu a cessação da sua vigência. Trata-se, portanto, de uma norma fiscal com natureza
retrospetiva».
Tratando-se de um caso de retrospetividade, a analisar à luz da proteção da confiança, diz-
nos o TC que se deve ter em conta, e que se pondere,
«tanto o contexto da administração tributária quanto o contexto do particular tributado. Na
verdade, porém, as expectativas dos contribuintes na manutenção em bloco das causas de
interrupção e suspensão dos prazos de prescrição vigentes à luz do CPT não assumem a
magnitude necessária para que se verifiquem uma violação do princípio constitucional da
proteção da confiança. Desde logo, porque assumindo a prescrição, enquanto facto extintivo
da obrigação tributária, natureza contínua ou de formação sucessiva – dependente, portanto,
de uma situação de inércia prolongada do sujeito ativo da relação tributária – é pouco
expectável que durante esse período não se processem alterações do quadro jurídico vigente com
efeitos imediatos nos prazos em curso. Com efeito, se quando estão em causa impostos
periódicos, em que a formação do facto tributário se prolonga por alguns meses ou anos, este
Tribunal vem afastando – em caso de alterações legislativas reconduzíveis a um agravamento
da carga fiscal durante aquele período de formação – a intolerabilidade da violação das
legítimas expectativas dos cidadãos, a mesma conclusão, por maioria de razão, há de poder
extrair-se quando estejam em causa normas fiscais relativas a factos extintivos da obrigação
tributária e cuja formação é bem mais prolongada».
Refira-se, por fim, a aplicação no tempo de regras antiabuso, incluindo de uma cláusula geral
deve ser enquadrada na categoria de normas relacionadas com as garantias dos sujeitos
passivos.
3. Leis substantivas:
a. Impostos de obrigação única e impostos periódicos: no caso de leis fiscais
substantivas novas, é preciso distinguir entre:
i. Impostos de obrigação única: cujo facto tributário se constitui e conclui
com um único ato ou contrato jurídico. A proibição de retroatividade
implica o respeito pelos factos tributários passados, ou seja, a não aplicação
da lei nova a esses factos, pois a obrigação tributária nasceu e está concluída.
ii. Impostos periódicos: cujo facto tributário tem normalmente início no
primeiro dia do ano ou período fiscal e que só está concluído no último dia
desse ano ou período (factos tributários de formação sucessiva). A
proibição da retroatividade assume contornos próprios relacionados com a
formação sucessiva do facto tributário e com a existência de anos ou
períodos fiscais que separam as obrigações tributárias por períodos. A
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existência de factos tributários de formação sucessiva, que só estão
concluídos quando termina o ano ou período fiscal, faz do ano ou período
fiscal o parâmetro para aferirmos o próprio conceito de retroatividade.
Como veremos de seguida, a propósito das tributações autónomas, o
Tribunal Constitucional português parece seguir o raciocínio do ano ou
período fiscal para todos os factos tributários regidos pelos Códigos de IRC
(e portanto o raciocínio será o mesmo no quadro do Código do IRS). Assim,
desde que o ano fiscal esteja em curso, a entrada em vigor de lei nova aplica-
se desde 1 janeiro. Todavia, a afirmação de que certos tipos de impostos
são periódicos e outros não o são exige uma interpretação cuidada. Por
exemplo, quer no quadro do IRS quer no quadro do IRC, temos factos
tributários de formação sucessiva e outros factos tributários de obrigação
única. Assim, em relação aos rendimentos sujeitos a englobamento, a
tributação incide sobre o acréscimo patrimonial (a diferença entre o
património final do ano ou período fiscal e no início desse mesmo ano ou
período) e o facto tributário só está concluído no final do ano ou período
fiscal. O mesmo raciocínio aplica-se às mais valias tributáveis em IRS, cuja
matéria tributável resulta da diferença entre as mais e a menos valoras no
ano fiscal, apesar de as mais valoras não serem englobadas e de a taxa de
imposto ser proporcional. Pelo contrário, se as mais valias forem tributadas
autonomamente, em relação a cada ganho realizado – isto é, se não se
tributar o saldo positivo entre as mais e as menos valias – não se tributa o
rendimento acréscimo num determinado ano fiscal, mas o rendimento
acréscimo respeitante a cada realização, o que significa que se trata de uma
obrigação única.
b. As taxas liberatórias e as tributações autónomas:
i. No caso de retenções na fonte sujeitas a tatas a taxas liberatórias
(retenções na fonte definitivas e sem submissão dos rendimentos a
englobamento): o facto tributário é de obrigação única, pelo que não é
relevante o ano ou período fiscal, mas o dia em que ocorreu a obrigação de
imposto. O facto tributário está concluído no momento da obtenção do
rendimento ou da colocação do mesmo à disposição do sujeito passivo;
ii. No caso das tributações autónomas, de difícil caracterização e
qualificação: para efeitos de aplicação da lei no tempo, deve entender-se que
os factos tributários objeto de tributação autónoma constituem factos
tributários de obrigação única, pois a tributação autónoma incide sobre
despesas avulsas e não sobre o rendimento acréscimo. Isto significa que
uma lei nova só deve ser aplicada a factos tributários que ocorram após a
sua entrada em vigor, sob pena de ser retroativa e, por conseguinte,
inconstitucional. Este entendimento é confirmado por jurisprudência do
Tribunal Constitucional e do STA. Assim, nos termos do Acórdão da 2.ª
Secção do STA de 21 março 2012,
«as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do
IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem
sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes
sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos
sujeitos a taxas das de IRC».
O TC teve mais hesitações quanto à matéria quando analisou a
constitucionalidade da Lei n.º64/2008, 5 dezembro, que alterou a redação
de uma disposição fiscal anterior, agravando a carga fiscal (através de um
aumento da taxa). No Acórdão do Plenário, o Tribunal Constitucional
entendeu corretamente que na tributação autónoma em IRC, o facto
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gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se tratando de
um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas de um
facto tributário instantâneo típico dos impostos de obrigação única (os
impostos de obrigação única são aqueles cujo facto gerador se produz de
modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte
uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma,
o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, pois
«esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a
tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da
aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização
de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado
período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada
no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto
periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação
de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do
conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é
aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das
despesas efetuadas na determinação da taxa. E esta distinção tem
relevância, designadamente, para efeitos de aplicação da lei no tempo e
para a análise da questão da proibição da retroatividade da lei fiscal
desfavorável prevista no artigo 103.º, n.º3 CRP».
O referido Acórdão do TC veio pôr fim à polémica gerada pelo Acórdão
n.º 18/11 to Tribunal Constitucional que considerou a tributação autónoma
como uma tributação do rendimento. Nesse Acórdão, o Tribunal tinha
entendido que a aplicação de uma lei fiscal nova a partir de 1 janeiro de
2008, não caía no conceito de retroatividade, porque os factos tributários
em causa ainda não estavam concluídos. O Tribunal começou por distinguir
a tributação autónoma das despesas não documentadas dos restantes factos
sujeitos a tributação autónoma:
«estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa,
e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão
documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso,
são penalizadas com uma tributação de 50%... a tributação autónoma,
não incidindo diretamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar
uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de
encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor
transparência fiscal».
Acrescenta o Tribunal Constitucional que, com exceção das despesas não
documentadas, os outros factos legais sujeitos a tributação autónoma,
correspondem a encargos comprovadamente indispensáveis à realização
dos proveitos e que por isso a proibição da aplicação retroativa da lei nova
não se aplica, pois tais encargos teriam sido incorridos independentemente
do regime fiscal aplicável:
« referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é,
a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos
proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º1 CIRC, sendo a
tributação prevista nesses preceitos explicada por uma intenção legislativa
de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas
que afetem negativamente a receita fiscal… A nova redação veio reforçar
esta perspetiva, diferenciando diversas situações possíveis, que são
tributadas, consoante os casos, à taxa de 5%, 10% ou 20%, com o que
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se pretende não só desincentivar a realização de despesa como estimular as
empresas a optarem por soluções que sejam mais vantajosas do ponto de
vista do interesse público… Neste contexto, estando em causa encargos
que, por natureza, são indispensáveis para a realização dos proveitos ou
ganhos que estão sujeitos a imposto, não é aceitável a alegação de que o
impugnante teria incorrido em despesas, na perspetiva da continuidade do
regime legal anteriormente existente, que já não efetuaria caso pudesse
contar entretanto com um agravamento da taxa de tributação».
A argumentação do TC que foi votada por maioria não era convincente,
pois o tratamento das despesas (documentação) como dedutíveis significa
que enquanto despesas elas contribuem para o apuramento da matéria
tributável, e, portanto, para o apuramento do IRC como imposto sobre o
rendimento acréscimo, tal como exige o artigo 104.º, n.º2 CRP. Mas
enquanto facto tributário, as despesas não constituem por definição
rendimento acréscimo. Por outras palavras, mesmo que os custos
submetidos a tributação autónoma sejam dedutíveis como custos para
efeitos de IRC, isso não prova que eles sejam tributados como rendimento
acréscimo. Em voto de vencido, o Conselheiro Vítor Gomes defendeu que
a aplicação retroativa da tributação autónoma mais gravosa configurava um
caso de retroatividade proibida pelo n.º3 do artigo 103.º CRP, posição
correta e que antecipava o posterior Acórdão do Pleno:
«porque embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita
arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa
respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação
nesta cédula. Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como
diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de
tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo
de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal
que o Acórdão aponta. A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa
parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se
pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado
momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo,
a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável
em IRC no fim do período. Deste modo, o agravamento da taxa vai agravar
a situação do sujeito passivo num momento em que o facto gerador é coisa
do passado (as despesas de representação foram pagas ao seu beneficiário,
etc.). É certo que esta parcela de imposto só vem a ser liquidada num
momento posterior e conjuntamente com o IRC. Porém, a determinação
do valor global da matéria coletável sujeita à incidência das taxas de
tributação autónoma no fim do período tributário é o mero somatório das
diversas despesas dessa natureza, a que se aplica a taxa agora agravada. Essa
operação de apuramento do montante tributável a este título não espelha
um facto tributário de formação sucessiva, mas a mera agregação dos
valores sobre que incide a alíquota do imposto. O facto gerador de imposto
em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (artigo
8.º, n.º9 CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga
desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º CIRC) mas
a despesa enquanto tal. Assim, apesar de continuar a entender que só a
retroatividade autêntica é qua tale (i.e. sem ponderação) proibida pelo n.º3
do artigo 103.º CRP e que nos impostos sobre o rendimento não há
retroatividade autêntica quando o agravamento das taxas ocorre antes do
fim do período de tributação, considero que o caso de afasta totalmente do
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tipo de situação analisada no Acórdão n.º 399/19. O facto gerador de
imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação
(n.º9 do artigo 8.º CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não
comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º
CIRC) mas a despesa enquanto tal».
A posição do Tribunal no Acórdão n.º 18/11 acabado de referir foi
contraditada pelo Acórdão n.º 310/2012, da 2.ª Secção, de 20 junho de 2012,
com o n.º 310/2012, que julgou inconstitucional o agravamento das taxas
da tributação autónoma, por violação do n.º3 do artigo 103.º CRP.
Finalmente, tal posição encontra-se ultrapassada pelo Acórdão do Pleno do
Tribunal Constitucional, n.º 617/2012, que eliminou a contradição entre
julgados. Em conclusão, deve entender-se que a nossa legislação fiscal
consagra as tributações autónomas como factos tributários de obrigação
única, uma vez que a tributação incide sobre cada ato de despesa, e o facto
de a tributação autónoma estar sistematicamente incluída nos Códigos do
IRS e do IRC não a torna uma tributação de factos de formação sucessiva.
Assim sendo, as leis novas mais onerosas devem aplicar-se a factos
tributários futuros.
c. Conceito de Retroatividade para efeitos do IVA: no quadro do IVA, o sujeito
passivo não coincide com o consumidor final. Enquanto para o consumidor final, o
IVA é um imposto de obrigação única, para o sujeito passivo ele é um facto
tributário de formação sucessiva. Como o IVA é suportado pelo consumidor final,
a aplicação da lei nova no tempo, em matéria de IVA, não pode colocar em causa o
imposto já pago pelo consumidor final. Assim, o aumento do IVA a meio do ano
fiscal só se pode aplicar aos factos tributários (consumo, prestação de serviços ou
importação), futuros (que ocorram após a entrada em vigor da lei nova), sob pena
de se colocar em causa o montante de IVA cobrado anteriormente em cada ela da
cadeia.
4. A proibição da retroatividade como manifestação do princípio da segurança jurídica: