direito eleitoral abuso de poder (atualizado)
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1. INTRODUÇÃO
O abuso de poder é um tema de fundamental importância para a sociedade,
pois sua existência destrói a democracia no processo eleitoral. A captação ilícita de
sufrágio, popularmente conhecida como “compra de voto”, extrai do eleitor a
possibilidade de uma manifestação livre e consciente de exercer sua cidadania. Por
isso, buscou-se, através desse estudo, analisar a lei, a doutrina e a jurisprudência
referente ao tema, buscando entender como se configuram as formas ilícitas
utilizadas pelos candidatos para captar sufrágio, bem como os mecanismos
utilizados para coibir tais práticas. O estudo também busca compreender como se
processa uma representação que poderá resultar nas sanções aos candidatos e ao
eleitor quando comprovada a responsabilidade dos atos ilícitos.
Para atingir o objetivo da pesquisa, realizou-se uma revisão bibliográfica com
base em autores que discutem o abuso de poder no Direito Eleitoral, artigos e sites
especializados, buscando esclarecer conceitos e dúvidas pertinentes as formas do
abuso de poder eleitoral com base no artigo 41-A da Lei 9.504/97 e no artigo 22 da
Lei Complementar 64/90.
O trabalho organiza-se em tópicos. O primeiro, traz um breve histórico do
direito eleitoral brasileiro, o conceito e os princípios fundamentais do direito eleitoral.
O segundo, apresenta a origem edefinição do abuso de podere suas formas de
manifestação nas eleições. O terceiro, dá início à análise de leis, jurisprudência e
ações cabíveis quando comprovada a ilegalidade dos atos abusivos. Por fim, a
conclusão resultante da pesquisa.
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2. DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO
2.1 HISTÓRICO DO DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO
O Brasil passou por muitas reformas políticas para alcançar o atual regime
democrático de governo. A primeira eleição de que se tem notícia definiu os
membros do Conselho Municipal da Vila de São Vicente – atual São Paulo – em
1532 e ocorreu conforme as determinações das Ordenações do Reino1.
As eleições no Brasil seguiam as normas da coroa portuguesa e eram
realizadas de modo indireto, os eleitores escolhiam seus representantes que
votavam nos candidato. Esse processo era repleto de formalidades podendo durar
até meses. Nessas eleições, podiam votar homens com mais de 25 anos que
atendessem aos critérios censitários legalmente definidos. O analfabeto pôde votar
quase que livremente nesse período. Ocorreu apenas alguma limitação quando foi
instituída a obrigatoriedade de assinatura da cédula eleitoral2.
Após a independência, em 1822, a lei seguiu o modelo francês, mas a política
brasileira ainda era controlada pelo imperador, pelos presidentes das províncias e
pela oligarquia rural. Nessa época, o voto no Brasil era vulnerável a todo tipo de
fraude. Apenas em 1881, a Lei Saraiva (Decreto n° 3.029) instituiu o voto direto no
Brasil, as juntas paroquiais de qualificação foram extintas, o alistamento foi entregue
à magistratura, o título de eleitor foi instituído, substituindo o título de qualificação
criado em 1875, e o analfabeto foi proibido de votar.3
A Primeira Lei Eleitoral Brasileira foi elaborada por uma Assembleia
Constituinte e Legislativa, convocada por Dom Pedro, por meio de um decreto em 3
de junho de 1822, composta de deputados da Província do Brasil. Naquela época,
os sistemas eleitorais adotados eram chamados “Instruções para a realização de
eleições”, hoje conhecido como Lei Eleitoral. A economia social naqueles tempos
privilegiava os proprietários de engenhos, terras, administradores de fábricas e
fazendas, criados da Casa Real (com hierarquia superior) e etc., onde o direito
1 Refere-se à compilação de leis em Portugal durante o período de algum rei.2 Em rigor, não havia cédula eleitoral. No dia da votação, os eleitores traziam os nomes escolhidos em uma relação que era assinada e depositada na urna.3 A lei Saraiva impôs vedação expressa ao voto do analfabeto, inaugurando o chamado censo literário, responsável pelo decréscimo no eleitorado.
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político assentava-se sobre bases econômicas, pois acreditavam que os pobres
venderiam aos ricos, se os mesmos tivessem direitos ao voto.
A Proclamação da República, em 1889, inaugurou um novo momento na
história eleitoral do Brasil. A Constituição de 1891 criou o sistema presidencialista, o
presidente e o vice-presidente passaram a ser eleitos pelo voto direto por maioria
absoluta dos votos válidos. Outra medida foi a eliminação do voto censitário. Essas
modificações, embora importantes, tiveram pouca repercussão prática, já que o voto
ainda era restrito – analfabetos e mulheres não votavam – e o processo eleitoral
continuava permeado por toda sorte de fraudes4.
As eleições da república velha foram marcadas pela manipulação e controle
dos coronéis. O voto de cabresto era uma prática comum no país. O primeiro Código
Eleitoral do Brasil resultou na revolução de 30. Esse movimento lutaria pela
renovação das eleições. Sua primeira medida foi a criação de uma comissão de
reforma eleitoral, cujas principais mudanças foram: a criação da justiça eleitoral, a
instituição do voto secreto, do voto feminino e o sistema de representação em dois
turnos. O Código fez a primeira referência aos partidos políticos, embora fossem
permitidas candidaturas avulsas. Essas conquistas democráticas foram suspensas
durante a ditadura militar5.
No período do governo militar, 1964 a 1985, foram anunciadas várias medidas
que adequavam o processo eleitoral aos interesses do regime. Os generais no poder
alteraram a duração do mandato, cassaram direitos políticos, decretaram eleições
indiretas, entre outras ações, que garantiram a ditadura durante 21 anos no Brasil. O
regime autoritário teve o seu fim coma promulgação da Constituição de 1988. A
partir de então, o Brasil viveu o momento mais democrático de sua história, com a
elaboração de uma lei permanente, a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que
assegurou uma legislação eleitoral democrática. Os elementos mais importantes na
legislação eleitoral brasileira são: uma lei eleitoral permanente; a definição prévia
das datas das eleições; a possibilidade de alternação de partidos no poder;
pluralismo político; possibilidades de alianças entre partidos; ampla divulgação nos
veículos de comunicação e a liberdade de organização partidária6.
4 Antes não havia um registro nacional, cada um dos TREs realizava um registro de forma independente, o que abria espaço para a existência de fraudes no cadastramento eleitoral.5 Período que durou de abril de 1964 a março de 1985.6 Art. 17 CF: é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana.
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Com a atual Constituição vigente, o eleitorado aumentou consideravelmente,
o número de eleitores cadastrados é de 141.824.607 (Cento e quarenta e um
milhão, oitocentos e vinte quatro mil, seiscentos e sete) eleitores7.
Atualmente, o voto é obrigatório para todo o brasileiro com mais de 18 anos e
facultativo aos analfabetos e para quem tem 16 a 17 anos ou mais de 70 anos. São
inalistáveis os estrangeiros e os conscritos.
2.2 CONCEITO DE DIREITO ELEITORAL
No ordenamento jurídico, é de suma importância que se conheça o objetoa
ser estudado. Na conceituação de Almeidao Direito eleitoral é:
“o ramo do Direito Público que se dedica ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, com o objetivo de se estabelecer uma precisa adequação entre a vontade do povo e a atividade governamental.”(ALMEIDA, 2011, p.39)
Cabe então ao Direito Eleitoral o processo civil eleitoral do alistamento até a
diplomação dos eleitos, que compreende: alistamento, a filiação partidária, as
convenções partidárias, registro de candidaturas, propaganda política eleitoral,
votação, apuração dos votos, proclamação dos resultados, diplomação dos eleitos,
as medidas e garantias relacionadas ao exercício do sufrágio popular. Além disso, o
Direito Eleitoral cuida da parte referente ao processo penal eleitoral, ou seja,
disciplina o que são crimes eleitorais e suas formas8.
2.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO ELEITORAL
O conhecimento dos princípios do Direito Eleitoral ajuda a compreender a
dogmática da normatividade eleitoral e propicia uma visão capaz de explicar,
justificar ou rebater a validade jurídica – filosófica e epistemológica – dos diversos
institutos submetidos a sua averiguação.
7 Levantamento feito pela justiça eleitoral, divulgado em 9 de maio de 2014.8 Condutas que ofendem os princípios resguardados pela legislação eleitoral e, em especial, os bens jurídicos protegidos pela lei penal eleitoral.
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Segundo delimitação doutrinária feita por Gomes (2008, p 131), são
princípios do Direito Eleitoral a Democracia, Democracia partidária, Estado
Democrático de Direito, Poder Soberano, Republicano, Federativo, Sufrágio
Universal, Legitimidade, Moralidade, Probidade, Igualdade ou Isonomia. Entretanto,
a pesquisa abarcará somente alguns, que julgo serem de maior relevância para
compreender a normatividade eleitoral.
2.3.1 Democracia
A Constituição estabelece, desde seu artigo 1º, as prerrogativas e a forma de
fundamentação do Estado e como tudo deve se suceder durante o texto
constitucional. Sendo assim, deste artigo temos a previsão que a República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados-membros, Distrito
Federal e Municípios, constitui-se num Estado Democrático de Direito. O artigo 1º é
importante na medida em que traça soberania, cidadania, valores sociais do
trabalho, dignidade da pessoa humana e pluralismo político como fundamentos
desse Estado. A redação desse artigo possibilitou aalternância de regime, ditatorial
antes de 1988 para um regime democrático a partir de então. Constituição
Federativa do Brasil.
Dois elementos são importantes para a caracterização de uma democracia:
respeito das diferenças, que na Constituição aparece como pluralismo político, e a
dignidade da pessoa humana. Num relacionamento entre poder e povo, há uma
tolerância, um reconhecimento sem perseguições daqueles que, por mais diferentes
que sejam dentro da sociedade, do âmbito do povo, não serão perseguidas pelo
Estado. Os cidadãos, independentes de suas características, participação popular,
qualidade financeira, crença, credo e cor devem ser respeitados como pessoas
humanas. A democracia precisa possibilitar aos indivíduos que eles tenham o direito
de participar, de serem ouvidos pelo Estado.
2.3.2 Princípio republicano
A expressão latina res publica significa “a coisa pública” – é o conjunto de
bens e direitos pertencentes por todos os integrantes do povo. No Brasil, vige um
regime democrático representativo, no qual o povo, soberano e detentor do poder,
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elege seus representantes para o exercício de mandatos políticos, por prazo
determinado. Essas são as características da República - a eletividade, a
temporalidade, e a alternânciano comando do Estado. Ainda que:
“Na forma republicana de governo, tanto o chefe do Poder Executivo quanto os membros do Legislativo cumprem mandato, sendo diretamente escolhidos pelos cidadãos em eleições diretas, gerais e periódicas”.(GOMES 2010, p. 37)
Percebe-se que a essência do princípio republicano reside no fato de que os
mandatos, exercidos por delegação de poder do povo aos seus representantes
eleitos, devem ser temporários e renovados periodicamente, de modo a não permitir
a perpetuação de pessoas no poder. Dessa forma, o Tribunal Superior Eleitoral
entende que:
“O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto” (TSE, Respe 32539, j. 17/12/2008).
O princípio republicano impede a terceira eleição não apenas no mesmo
município, mas em relação a qualquer outro município da federação. Caso contrário,
tornaria possível a existência do denominado ‘prefeito itinerante’, o qual muda seu
domicílio eleitoral na tentativa de burlar a vedação a um terceiro mandato.
2.3.3 Princípio da igualdade ou isonomia
A igualdade é um direito humano que leva em conta diferenças individuais,
mas reforça a igualdade fundamental entre todas as pessoas. Ela pode implicar
tratar desigualmente os desiguais, mas não para restringir direitos. Está garantida no
artigo 5º da Constituição que estipula: “todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à (...) igualdade (...).”
No âmbito eleitoral,a própria Constituição assegura a normalidade, a
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regularidade, a legalidade das eleições, mas também a sua legitimidade.Portanto, o
princípio da igualdade dá fundamento constitucional a uma série de disposições
legais.
Com a possibilidade da reeleição dos cargos executivos,após a emenda
constitucional, artigo 14, § 5º da Constituição Federal, previu-se outra possibilidade
de afastamento. Como é sabido, o chefe do executivo pode disputar a reeleição
concomitantemente ao cargo. Por isso, buscou-se contemplar algumas condutas
consideradas as mais sérias que se praticadas pelo governante, ou por agente
público, pudessem levar a graves sanções. Tentando com isso desestimular a
prática de tais atos e proibir o uso da máquina pública durante as eleições. As
condutas vedadas aos agentes públicos arroladas no artigo 73 a 77 da Lei n°
9.504/97 têm a finalidade de coibir as desigualdades entre os partidos. Impedem
assim, que o candidato à reeleição não possa usar de bens, de servidores, de
recursos públicos em favorecimento de sua própria campanha ou de alguém que
pertença ao seu partido ou mesmo em detrimento da campanha do partido do
candidato adversário.
As condutas vedadas são, na dicção da jurisprudência da justiça eleitoral,
meras espécies do gênero abuso do poder político, o qual a legislação já vedava,
por força da própria Constituição e da Lei Complementar 64/1990, como veda
também o abuso do poder econômico e o abuso indevido dos meios de
comunicação. Sempre com o intuito de garantir a oportunidade de igualdade de
condições na disputa eleitoral, para aquele que tenha mais recursos não prevaleça
em detrimento dos seus adversários, mas também para que aquele que tenha
acesso ao poder, que esteja no efetivo exercício de um cargo, não possa se valer
desse posto para beneficiar sua campanha ou prejudicar o adversário. É importante
que se compreenda a lógica da legislação e esses princípios que moldam a norma,
valores constitucionais de natureza ética, para que se compreenda porque o
legislador optou por estabelecer as condutas vedadas.
2.3.4 Princípio do sufrágio universal
No contexto jurídico, o sufrágio constitui o direito público subjetivo de votar e
ser votado. Sua base constitucional está no artigo 14, caput, da Constituição: “A
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soberania popular será exercida pelo sufrágio universal (...)”. Ou seja, o voto –
regido pelos princípios de igualdade, livre manifestação e sigilo - é a forma de
exercer o direito ao sufrágio. O sufrágio universal se define:
Pela concessão genérica de cidadania, a qual só é limitada excepcionalmente. Nele, não se admitem restrições ou exclusões pormotivos étnicos, de riqueza, de nascimento ou capacidade intelectual.Imperam os princípios da igualdade e da razoabilidade, de sorte que a todosdevem ser atribuídos direitos políticos. As exceções devem ocorrer somentequanto àqueles que, por motivos razoáveis, não puderem participar do processo político-eleitoral. (GOMES 1998, p.36)
2.3.5 Princípio da probidade, moralidade e legitimidade das eleições
A Emenda Constitucional de Revisão n° 4, de 1994, demonstrando a
preocupação do Poder Constituinte Derivado Revisor em dar assento constitucional
aos princípios que valorizam a ética e a moral no processo eleitoral consignou no
artigo 14, § 9°, da Constituição: “(...) a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato
(...)”.
O artigo 14, § 9°, passou a ter a seguinte redação:
Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Observa-se, na redação do parágrafo supracitado, que os três princípios são
igualmente importantes no contexto dos valores ético-morais e no procedimento
legal nas eleições. O princípio da moralidade é responsável pela ética no sistema
eleitoral, vedando o mandato obtido por meio de práticas ilícitas. O Princípio da
Legitimidade garante uma eleição correta, justa e adequada seguindo as
prerrogativas pautadas em lei e moralidade. O princípio da probidade determina que
a probidade administrativa seja protegida, o que é feito por intermédio de hipóteses
de inelegibilidade para o agente ímprobo9.
9 Condição de servidor público que comete atos administrativos ilegais, instituídos com má-fé, ou com prejuízo ao ente público.
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O processo eleitoral deve ser arrolado pelo cumprimento de todos os
princípios essenciais à inalterabilidade e integridade no resultado das eleições.
3. ABUSO DE PODER
3.1 ORIGEM E DEFINIÇÃO
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O abuso de poder originou-se do direito privado e tomou força com o direito
público, sendo controlado pela Constituição que definiu limites aos abusos.
Anteriormente, os direitos pessoais eram absolutos, com poucas exceções, nos
quais, com o passar do tempo verificou-se o abuso do poder dentro do direito. O
abuso é o uso ilegal das situações, objetos, causas, poderes e faculdades, ou seja,
são atos corruptos que se opõem as leis eleitorais, mudando a direçãoda prática dos
direitos subjetivos dos justos e os devidos resultados que devem ser obtidos pelo
ordenamento jurídico eleitoral. (RIBEIRO 1998, p.19,20)
No intuito de identificar atos abusivos, Garcia (2006, p.4) apresenta duas
teorias sobre o abuso de direito: a primeira, leva em conta a intenção de prejudicar o
interesse alheio; a segunda, toma por base o exercício anormal do direito. O
exercício do direito de modo anormal, com a intenção de prejudicar terceiros incide
em abuso de direito, podendo ser responsabilizado civilmente. Determina-se,
portanto, o caráter relativo dos direitos, haja vista que são colocadas condições para
que o seu exercício seja considerado regular.
Gomes (2011, p. 173) compreende por abuso de poder:
a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário ou a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.
Identificam-se três formas de abuso de poder no direito eleitoral, quais sejam:
abuso do poder econômico, abuso do poder político e o abuso de poder nos meios
de mídia e de comunicação.
3.2 FORMAS DO ABUSO DE PODER ELEITORAL
3.2.1 Abuso de poder econômico
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O abuso de poder econômico ter inúmeras nuances, dependendo do local,
do meio, das condições econômicas do sítio onde é realizado. (CONEGLIAN2008,
p.168) Sendo assim, não é possível estabelecer um conceito único para o abuso de
poder econômico. O conhecimento dos preceitos de alguns autores possibilita uma
ideia geral de como se compõe esse abuso.
Para Mendes (1994, p. 26), o abuso consistiria no financiamento dospartidos
políticos e candidatos, antes ou durante a campanha eleitoral, de formacontrária ao
que preceitua a legislação eleitoral e atingindo a igualdade de oportunidades entre
os candidatos. Na afirmação de Decomain (2004, p. 163) o abuso de poder é
caracterizado pelo:
emprego de recursos produtivos (bens e serviços de empresas particulares, ou recursos próprios do candidato que seja maisabastado), fora da moldura para tanto traçada pelas regras definanciamento de campanha constante na Lei nº 9.504/97, como objetivo de propiciar a eleição de determinado candidato.
Já Costa (2004, p. 531) restringe o alcance do conceito de abuso de poder
econômico, afirmando ser este a “vantagem dada a uma coletividade de eleitores,
indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente, ou não, com a
finalidade de obter-lhes o voto”. O autor considera condutas próximas à captação
ilícita de sufrágio com a ressalva da necessária potencialidade de influência no pleito
dessas práticas, entendimento proferido antes da vigência da Lei Complementar nº
135/2010. No entanto, esse entendimento não contempla irregularidades na
arrecadação de recursos de fontes vedadas.
Gomes (2011, p. 256) esclarece que o abuso de poder econômico:
“pode decorrer do emprego abusivo de recursos patrimoniais, como no mau uso de meios de comunicação social ou do descumprimento de regras atinentes à arrecadação e ao uso de fundos de campanha”.
Essa concepção é importante uma vez que a configuração do abuso de poder
econômico pode ocorrer de forma autônoma, ou seja, não relacionada às contas a
serem prestadas ou aos gastos de campanha.
Cabe salientar, que é moralmente admissível e lícito o uso do poder
econômico feito por meio dos partidos e com obediência da lei. Sendo irregular o
uso deste poder, quando agindo por interesses próprios e contrariando a legislação
eleitoral para obter proveitos nos resultados das eleições.
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Verifica-se a abordagem da matéria em vários dispositivos como, por
exemplo,na Constituição Federal no artigo 14, §§ 9º e 10; no Código Eleitoral, no
artigo 237; naLei Complementar n.º 64/90, nos artigos 1º, 19 e 22; na Lei n.º
9.504/97, nos artigosque tratam da arrecadação e aplicação de recursos nas
campanhas eleitorais (artigo 17 a 27); além das formas de infração eleitoral previstas
nos artigo 299, do CódigoEleitoral, e do artigo 41-A da Lei nº 9.504/97.
3.2.1.1 Abuso de poder econômico com base no artigo 41-A da Lei 9.504/97
A Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999, introduziu na Lei nº 9.504/97, o art. 41-A:
Art. 1º - A Lei nº 9504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo:Art.41-A - Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ouvantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive,sob pena de multa de 1.000 a 50.000 UFIRs, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64/90.Art. 2º - O § 5º do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 73 § 5º - Nos casos de descumprimento dos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (NR)[...]Art. 3º - O inciso IV do art. 262, da Lei nº 4737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral, passa a vigorar com a seguinte redação:"Art. 262 – Omissis
[...]IV - Concessão ou denegação do diploma em manifesta contradição com a prova dos autos, nas hipóteses do art. 222 desta Lei, e do art. 41-A da Lei nº 9504, de 30 de setembro de 1997." (NR)
O artigo 41-A, que dispõe acerca da captação ilícita de sufrágio, possui como
consequência a cassação do registro ou do diploma, razão pela qual o candidato fica
impedido de disputar a eleição. Justamente por este motivo, presumiu-se uma causa
de inelegibilidade disciplinada por lei ordinária e não por lei complementar, tal como
preceitua o artigo 14 § 9º da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal,
numa decisão do relator Gilmar Mendes, na ação direta de inconstitucionalidade
3592-4/2006, julgou-a improcedente.
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3.2.2 Abuso de poder político
A Emenda Constitucional n.º 16/97 autorizou no Brasil a reeleição, para um
único período subsequente, do Presidente da República, dos Governadores de
Estado e do Distrito Federal, dos Prefeitos e quem os houver sucedido, ou
substituído no curso dos mandatos, permitindo assim que os chefes do Poder
Executivo (Federal, Estadual e Municipal) disputassem as eleições sem precisar se
afastar dos cargos já ocupados. Frente a essa realidade, para impedir que o
detentor do poder se beneficie de sua posição para agir de modo a influenciar o
eleitor, em detrimento da liberdade de voto, os governantes (e agentes públicos em
geral) devem, obrigatoriamente, agir conforme o estabelecido na Constituição e
demais leis vigentes no ordenamento jurídico, de forma a sempre buscarem o
interesse coletivo. Cabe salientar que não só por ação pode-se abusar de poder
político, como também por omissão.
No § 9º, artigo 14, da Carta Magna, o constituinte expressa sua vontade de
proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. O Código Eleitoral,
além da cláusula geral expressa no artigo 237, traz como tipo de crime eleitoral
(artigo 300): "valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a
votar ou não votar em determinado candidato ou partido", podendo ser punido com
até seis meses de detenção”.
A Lei n° 9.504/97 proibiu aos agentes públicos, servidores ou não, a
consumação de certas condutas, denominadas condutas vedadas, previstas nos
artigos 73 a 78. Para Mello (2002, p. 219), os agentes públicos são os “sujeitos que
servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de suavontade ou ação,
ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente”. Alegislação eleitoral
traz conceito abrangente de agente público, definido no artigo 73,§ 1º, da Lei nº
9504/1997:
quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional.
Dentre as hipóteses de condutas vedadas estão: ceder ou usar, em benefício
de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à
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administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios; usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos
ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e
normas dos órgãos que integram; ceder servidor público ou empregado da
administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo,
ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido
político ou coligação, durante o horário de expediente normal; fazer ou permitir uso
promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição
gratuita de bens e serviços de caráter sociais custeados ou subvencionados pelo
Poder Público; entre outras hipóteses previstas na lei. (BARROS. 2010, p. 222)
Compreende-se, então, que para a não caracterização do abuso de poder
político, o candidato ou órgãos partidários não devem utilizar da máquina pública
como serviços e bens advindos da administração pública direta ou indireta, para
favorecer sua candidatura ou a de certo candidato. É a observância dessas
condutas, portanto, que servirão de base para a averiguação da existência de
abuso.
A Lei Complementar nº. 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que alterou a Lei
Complementar nº. 64/1990, também acrescentou rigor na punição por abuso de
poder político, estabelecendo, em seu artigo 22, XIV, no âmbito da ação de
investigação judicial eleitoral que:
(...) julgada procedente a representação ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou do diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.
Pode-se concluir, da leitura do dispositivo supracitado, que a ação de
investigação judicial eleitoral por abuso de poder - independente do momento em
que seja julgada - irá cassar o registro ou o diploma do candidato. Garantindo,
assim, os valores estabelecidos pela Carta Magna sobre a legitimidade e
normalidade das eleições.
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3.2.3 Abuso de poder da mídia e dos meios de comunicação social
É inegável que os meios de comunicação social, representados por emissoras
de rádio e televisão, Internet, jornais têm grande poder de influência na opinião
pública. Por isso, no âmbito do processo eleitoral eles sofrem restrições e a eventual
conduta abusiva desses veículos pode configurar uso indevido de meio de
comunicação social.
A propaganda política deve obedecer aos princípios da legalidade, liberdade,
liberdade de expressão, liberdade de informação, veracidade, igualdade,
responsabilidade e controle judicial. As regularidades advindas da propaganda
políticas estão sujeitas as sanções previstas na Lei nº 9504/97: multa (artigo 36,
§3º); restauração do bem e multa (artigo 37, §1º); retirada do outdoor e multa (artigo
39, §8º); perda do direito à veiculação de propaganda (artigo 53, §1º); impedimento
de reapresentação de propaganda (artigo 53, §2º); perda de tempo no horário
eleitoral gratuito (artigo 55,parágrafo único); suspensão da programação normal da
emissora (artigo 56, caput)
A Lei Complementar nº 64/90 aduz a possibilidade de que irregularidades na
Propaganda política venham a caracterizar abuso de poder econômico ou abuso de
poder político, podendo resultar na decretação de inelegibilidade e cassação do
registro.
São tipos de propaganda política: propaganda partidária, propaganda
intrapartidária, propaganda institucional e propaganda eleitoral.
A propaganda partidária é garantida pela Constituição Federal, em seu artigo
17, §3º, no qual consta: “Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo
partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”. O parágrafo 1º
do artigo 45 da Lei nº9096/1995 veda a participação de filiado do partido que não o
responsável pelo programa e de candidatos a cargos eletivos, inclusive
aapresentação de candidatos, além da proibição de promoção pessoal e de
interesses de outros partidos. Caso essas situações ocorram, ficam
descaracterizados os objetivos da propaganda partidária. Cabendo ajuizamento de
representações diante de irregularidades dessa modalidade, podendo resultar na
perda de tempo de propaganda, nos termos do §5º do mesmo artigo.
24
A propaganda intrapartidária destina-se aos filiados dos partidos e ocorre nos
quinze dias que antecedem as convenções partidárias de escolha dos futuros
candidatos. O artigo 36, §1º, da Lei das Eleições veda a sua realização por meio de
rádio, televisão e outdoor. Qualquer divulgação destinada aos eleitores,
desrespeitando os objetivos e limites deste tipo de propaganda, pode configurar
propaganda eleitoral extemporânea, nos termos do parágrafo terceiro do dispositivo
supracitado.
A propaganda institucional é aquela feita pelo Poder Público para prestação
de conta de suas atividades perante a população. A vedação dessa propaganda aos
órgãos públicos, durante o período eleitoral, visa coibir o desequilíbrio das eleições
em favor dos candidatos que contam com o apoio da administração, muitas vezes se
valendo dos recursos públicos durante a campanha, mesmo que indiretamente.
Sobre esse tipo de propaganda a Constituição Federal estabelece:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(...)§1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhasdos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou deorientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ouimagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ouservidores públicos.
Para Pinto (2008, p. 256) a possibilidade de reeleição é fator agravante nesse
tipo de irregularidades ocorridas, haja vista a desnecessidade de
desincompatibilização do candidato que pretende se reeleger. Diante disso, a Lei
das Eleições tenta coibir a prática abusiva de publicidade institucional, proibindo-a
durante os três meses anteriores ao pleito, salvo para situações graves e de urgente
necessidade pública, nos termos do artigo 73, VI, “b”, além de vedar, no ano
eleitoral, gastos para esse fim destinados maiores do que a média dos gastos nos
três anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição,
conforme artigo 73, VII. Além disso, a violação da norma constitucional sobre o tema
caracteriza abuso de autoridade prevista artigo 74 da referida lei.
A propaganda eleitoral destina-se ao convencimento do eleitor na tentativa de
captar seu voto. Sua veiculação é permitida a partir do dia 6 de julho do ano
eleitoral, devendo cessar no dia do pleito, conforme artigo 7da Lei nº 12034/2009.
O Código Eleitoral em seu artigo 243 veda algumas propagandas:
25
Art. 243. Não será tolerada propaganda:I - de guerra, de processos violentos para subverter o regime, aordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classes;II - que provoque animosidade entre as forças armadas ou contraelas, ou delas contra as classes e instituições civis;III - de incitamento de atentado contra pessoa ou bens;IV - de instigação à desobediência coletiva ao cumprimento da lei deordem pública;V - que implique em oferecimento, promessa ou solicitação dedinheiro, dádiva, rifa, sorteio ou vantagem de qualquer natureza;VI - que perturbe o sossego público, com algazarra ou abusos deinstrumentos sonoros ou sinais acústicos;VII - por meio de impressos ou de objeto que pessoa inexperiente ourústica possa confundir com moeda;VIII - que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha aposturas municiais ou a outra qualquer restrição de direito;IX - que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem comoórgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.
Também é proibida a propaganda eleitoral em outdoors, uso de símbolos,
frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgãos de
governo, empresa pública ou sociedade de economia mista; limitações à
propaganda em bens particulares, e ao uso de trios elétricos; em suma, regula a
propaganda eleitoral na imprensa, rádio, televisão e internet. (Lei 9504/97, artigo 36)
3.2.4 Requisito da potencialidade do ato lesivo
Para a aprovação da cassação prevista no artigo 22 da Lei Complementar nº
64/90, não há necessidade de provar o envolvimento ou responsabilidade do
candidato beneficiado. Basta a comprovação de que o ato praticado tenha,
efetivamente, influenciado os resultados da eleição. No entanto, com a edição da lei,
presumiu-se a necessidade do nexo de causalidade para configurar a conduta ilegal,
ou seja, seria preciso que a eleição do candidato beneficiado tivesse decorrido de
ato ilícito praticado, sendo necessário o requisito da potencialidade do ato lesivo10.
Diante das dificuldades para avaliação do requisito da potencialidade, o
legislador alterou o quesito exigido para caracterização da infração, conforme inciso
XVI, do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90:
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
10 Práticas significativamente capazes de causar influência da ação.
26
Sendo assim, o abuso de poder eleitoral não mais possui, para sua
configuração, a exigência da presença do pressuposto da potencialidade do fato
alterar o resultado das eleições, sendo necessária tão somente a caracterização da
gravidade das circunstâncias do ato tido por abusivo (FILHO 2014, p.94). Cabendo
então ao julgador analisar o caso diante da gravidade dos fatos, aplicando as
sanções cabíveis prevista no artigo 22, inciso XIV, da LC nº 64/90, inelegibilidade e
cassação:
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar. (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
A título de exemplificação para o inciso supracitado, apresenta-se a Ação de
Investigação Judicial Eleitoral n.º 425-12.2012.6.26.0410 julgada precedente pelo
Tribunal Regional Eleitoral em São Paulo (TRE-SP) que determinou em abril de
2013, a cassação dos diplomas de Alessandro Magno de Melo Rosa (PSDB) e
Horácio Carmo Sanchez (PSBD), respectivamente prefeito e vice-prefeito eleitos no
município de Ibaté. Houve ainda aplicação de multa. O ex-prefeito do município José
Luiz Parella (PSDB), que apoiou os candidatos eleitos, também foi condenado ao
pagamento de multa11.
A condenação teve como fundamento a ocorrência de abuso de poder
econômico e político (art. 22 da Lei Complementar n.º 64/90), além da realização de
propaganda institucional no período de três meses que antecede a eleição (vedada
pelo artigo 73, VI, b, da Lei n.º 9504/97). O abuso de poder econômico e político
configurou-se pela veiculação, realizada por Parella, de outdoors com propaganda
de obras da prefeitura, em alguns casos contendo propaganda eleitoral dos
candidatos apoiados pelo então prefeito, e a realização, por parte da prefeitura, de
três grandes eventos artísticos durante o período eleitoral. Além disso, ficou
11 Edital do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) de 16 de novembro de 2012, p.87.
27
caracterizada a ocorrência de propaganda institucional em período vedado, pois o
site oficial do município continuou a divulgar notícias sobre as realizações da
administração e havia também placas da prefeitura afixadas em obras públicas.
3.3 AÇÕES JUDICIAIS ELEITORAIS
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Dentre as ações colocadas à disposição ao Ministério Público, a ação de
impugnação de mandato eletivo (AIME) e a ação de investigação judicial eleitoral
(AIJE) destacam-se para coibir os ilícitos que comprometem a normalidade nas
campanhas eleitorais.
3.3.1 Ação de impugnação de mandato eletivo
A ação de impugnação de mandato eletivo é uma ação eleitoral que tem por
objetivo impugnar o mandato obtido com abuso depoder econômico, corrupção ou
fraude. Possui seu fundamento na Constituição Federal, art. 14, §§ 10 e 11:
§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoralno prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.
§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará emsegredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.
A Lei Complementar n° 64 de 18 de maio de 1990 (Lei das Inelegibilidades)
prevê que:
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou de poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político (...)
Observa-se, no artigo supracitado, que não é possível ao eleitor o pedido de
abertura de investigação judicial. Para Pinto (2008, p. 225), essa exclusão é
prejudicial à democracia. Segundo o autor, candidatos, partidos e coligações, por
conveniência política, deixam de denunciar irregularidades graves cometidas por
adversários na campanha, que, informados à Justiça Eleitoral, levariam os infratores
à perda do mandato. Garcia (2004, p. 167) corrobora a reflexão e afirma que a
prática abusiva que possa comprometer a normalidade e legitimidade no pleito
importará em lesão ao sistema democrático, já que o ideal de participação popular
encontra-se entrelaçado como o de legitimidade de representação, vislumbrando-se
29
cada qual como relação de causa e efeito sobre o resultado do pleito. Desta forma, o
abuso acarretará lesão ao direito do eleitor, individualmente considerado – o qual
futuramente poderá ter o autor do abuso como seu governante – e ao direito de todo
o colégio eleitoral, já que a vontade deste estará maculada em havendo
incongruências entre o resultado do pleito, importando na submissão a um
representante ilegítimo.
A Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar 135, de 4 de julho de 2010, que
alterou a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, estabelece de acordo
com o § 9º do artigo 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de
cassação e determina outras providências, incluindo hipóteses de inelegibilidade que
visam à probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.
Com relação aos prazos da ação de impugnação de mandato eletivo, resume-
se: petição inicial em quinze dias da diplomação, contados da diplomação;
contestação em sete dias; alegações finais em cinco dias; sentença; recurso em três
dias12.
As sanções e os efeitos da decisão da ação de impugnação de mandato
eletivo geram a cassação de mandato eletivo e anulação dos votos. Da cassação do
mandato, é importante ressaltar que a decisão proferida na ação de impugnação de
mandato eletivo tem eficácia imediata e não sofre a aplicação da regra prevista no
artigo 216 do Código Eleitoral que diz: enquanto o Tribunal Superior não decidir o
recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o
mandato em toda a sua plenitude.
Sobre a anulação dos votos, verifica-se no Código Eleitoral - Artigo 222 e 224:
Art.222.É também anulável a votação, quando o viciado de falsidade, fraude, coação, usa de meio de que trata o artigo 237 do referido código, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágio vedado por lei.
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.§ 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente a punição dos culpados.
12O prazo tem natureza decadencial, não é interrompido aos sábados, domingos e feriados e exclui o dia do começo e inclui o do vencimento.
30
Os artigos 222 e 224 do Código Eleitoral devem ser interpretados de modo
que as normas neles contidas se revistam de maior eficácia para contemplar,
também, a hipótese dos votos atribuídos aos acusados em ação de impugnação de
mandato eletivo para declará-los nulos, antes da descoberta superveniente de que a
vontade manifestada nas urnas não foi livre. (AC-TSE, de 18.12.2007, no MS nº
3.649)
A ação impugnação de mandato eletivo corre em segredo de justiça, nos
termos do artigo 14, da Carta Magna de 1988. Isso significa que, embora o
julgamento seja publicado, o andamento do processo se dá em segredo de justiça.
(AC-TSE nº 31/98 e Res-TSE º 21.283/2000).
3.6.2 Ação de investigação judicial eleitoral
A ação de investigação judicial eleitoral vem sendo usada amplamente nas
campanhas eleitorais, como forma de coibição aos candidatos que venham a abusar
do poder econômico ou político, tornando-se um instrumento eficaz na
fundamentação de recurso contra a diplomação ou de ação de impugnação de
mandato eletivo e tem sido de grande valia para declaração de inelegibilidade e
cassação de registro de candidato.
Costa (2004, p. 509-510) aduz que essa investigação judicial tinha natureza
pré-processual de inquérito, de cunho administrativo, que servia para produzir
provas necessárias para posterior interposição de recurso contra a diplomação
(previsto no artigo 262 do mesmo diploma). Já Oliveira (2005, p.47) asseverou
ostentar o procedimento caráter meramente instrumental, sendo sua finalidade a
instrução de futuro recurso contra a diplomação. A Constituição Federal, artigo 14,
§§ 10 e 11, dispõe que a ação de investigação, assume natureza de medida
preparatória à ação de impugnação de mandato eletivo ou de recurso contra a
diplomação, em hipóteses que a decisão seja proferida após as eleições.
Uma vez que atua como instrumento na apuração de infração e crimes
eleitorais, essa ação também é de natureza investigatória. Apresenta-se ainda como
de natureza jurisdicional de caráter constitutivo, ao impor a algum candidato ou
colaborador a cassação do registro, do mandato ou do diploma eleitoral, e quando
31
declara inelegibilidade de algum candidato ou colaborador, tem natureza
declaratória.
Ação de investigação judicial eleitoral possui previsão legal no artigo 14, §§
10 e 11 da Carta Magna, disposições essas disciplinadas nos artigos 19 e seguintes
da Lei Complementar 64/90.
São legitimados para propor essa ação, conforme determina a Lei
Complementar 64/90 no seu artigo 22, os partidos políticos, coligação, candidato, o
Ministério Público Eleitoral e os pré-candidatos que não têm seus registros deferidos
pela Justiça Eleitoral. A ação busca oferecer aos envolvidos no processo eleitoral
condições de normalidade e a legitimidade nas eleições e resguardar o interesse
público que tem por objetivo a lisura do pleito.
A ação de investigação é interposta perante a Corregedoria-Geral e sendo um
processo administrativo, deve obedecer ao devido processo legal, a teor do artigo
5°, LV e XXXIV, da Constituição Federal. Sendo apurada a irregularidade, ou seja, o
delito eleitoral, as peças devem ser remetidas ao Ministério Público Eleitoral para
que se instaure o devido processo criminal, pois a ação de investigação eleitoral por
si só não tem caráter criminal.
Nas eleições municipais a competência da Justiça Eleitoral é restrita aos
Juízes Eleitorais de 1° grau de jurisdição. Essa competência pode ser designada ao
Juiz-Corregedor da Propaganda Eleitoral, por indicação dos Tribunais Regionais
Eleitorais, não havendo essa indicação e caso haja no município mais de uma Zona
Eleitoral, terá competência o Juiz Eleitoral nos quais os fatos passíveis de
investigação venham a ocorrer. Em se tratando de eleições estaduais, compete aos
Corregedores dos Tribunais Regionais Eleitorais, ao Corregedor-Geral do Superior
Tribunal Eleitoral a competência sobre as eleições presidenciais.
O artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90 dispõe sobre o rito da ação que
pode ser ajuizada até a data da diplomação. Com relação aos prazos da ação de
investigação judicial eleitoral, resume-se: petição inicial (máximo seis testemunhas),
defesa em cinco dias; alegações finais prazo comum para as partes e o Ministério
Público, em dois dias; relatório final em três dias; remessa ao tribunal no dia
seguinte; vistas ao Ministério Público no tribunal, por 48 horas; julgamento; recurso
em três dias.
A petição inicial deve relatar e indicar provas, indícios e circunstâncias. O
termo Notificação equivale à citação, a qual informará a parte sobre o processo e a
32
necessidade de defesa. No momento da defesa, devem ser apresentados
documentos e indicadas às testemunhas. Se o réu não apresentar defesa, não
haverá revelia nem confissão.
O Corregedor pode indeferir a inicial quando não for caso de representação
ou lhe faltar algum requisito da Lei Complementar 64/90. Essa regra não se aplica
em se tratando de eleições municipais, quando caberá, recurso, no caso de
indeferimento da petição inicial, ou caberá a invocação, perante o Tribunal Regional
Eleitoral, do Inciso III dos citados artigos, no caso de demora.
Com relação às sanções, dispõe o artigo 22, I, “b” da Lei Complementar
64/90, julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos
eleitos, o tribunal declarará a inelegibilidade do candidato e de todos os seus
colaboradores para a prática do ato, ficando inelegível por oito anos subsequentes à
eleição em que se praticou o ilícito, cassará o registro ou o diploma do candidato
diretamente beneficiado pela interferência do pode econômico ou pelo desvio ou
abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação. Será determinada,
também a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral para instauração de
processo disciplinar e, se for o caso, de ação penal, juntamente com quaisquer
outras providências que a espécie comportar.
CONCLUSÃO
33
O ordenamento jurídico eleitoral brasileiro busca coibir o abuso do poder
econômico ou político e o uso indevido da mídia e dos meios de comunicação social
nas campanhas eleitorais visando à lisura nas eleições. No entanto, as sanções
severas a quem pratica esses atos ilícitos, como a cassação do diploma e a
inelegibilidade, são punições que precisam da colaboração de todos os membros da
sociedade para que efetivamente aconteçam.
É fundamental que haja uma fiscalização nas campanhas dos candidatos,
principalmente daqueles que disputam a reeleição, a fim de garantir que não haja
uso de bens, servidores e recursos públicos em favorecimento da própria campanha
ou de alguém que pertença ao partido, pois a linha que separa atos administrativos
dos de cunho eleitoreiros é muito tênue. Sabe-se que há inúmeros casos de
corrupção advindos desse sistema, os quais precisam ser combatidos na classe
política.
As leis são instrumentos importantes disponíveis ao serviço jurídico e devem
ser revistas e complementadas à medida que novas práticas ocorram. A criação de
outras leis para acrescentar rigor na punição por abuso de poder eleitoral, como foi o
caso da Lei nº. 135/2010 - conhecida como a Lei da Ficha Limpa -, são
indispensáveis no processo de mudança da política brasileira. Contudo, essas leis
de nada adiantarão se a educação moral é cívica do eleitor não permear seu direito
político. O eleitor é peça fundamental nas ações criadas no intuito de promover uma
verdadeira democracia no Brasil, pois é ele que deve recusar e reagir prontamente
contra o candidato que tentar captar ilicitamente seu voto, denunciando essa prática
deletéria aos órgãos competentes que devem apurar com rigor as denúncias de
abusos de poder e extirpar definitivamente esses atos que comprometem o exercício
soberano da nossa democracia.
É de suma importância que a sociedade entenda seu papel e exerça de
maneira consciente a manifestação de seu voto, procurando se envolver ao máximo
nas questões políticas e sociais.
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34
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disponível <http://www.tse.jus.br/> Acesso em: 07 nov. 2014.