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Direito Constitucional aplicado à profissão Direitos fundamentais como base da ordem normativa de condutas profissionais e dos códigos de ética empresarial Este texto versa sobre a utilização do Direito Constitucional, principalmente no tocante aos Direitos Fundamentais, no contexto empresarial e a relação da ordem jurídica com a deontologia profissional. Sumário: 1. Conceito de Constituição. 2. Importância da Constituição Federal de 1988 para o profissional. 3. Direitos Fundamentais ou Direitos Humanos? 4. As quatro gerações de Direitos Humanos. 5. Direitos Fundamentais. 6. Direitos Individuais. 7. Direitos Coletivos. 8. Direitos Sociais. 9. Direitos da Nacionalidade. 10. Direitos Fundamentais aplicados à profissão. 11. Introdução à deontologia profissional. 12. Conceito e Função de Código de Ética. 13. Bases para um Código de Ética. INTRODUÇÃO Este texto versa de maneira sucinta sobre a utilização do Direito Constitucional, principalmente no tocante aos Direitos Fundamentais, no contexto empresarial e a relação da ordem jurídica com a deontologia profissional. Não pretendemos versar profundamente sobre um assunto extremamente vasto e complexo, mas tão-somente apresentar os principais conceitos e tentar, de certa forma, associá-los ao cotidiano profissional empresarial. Em função de tal intento, não temos ímpetos de inovar doutrinariamente com relação ao tema proposto, apenas introduzir os temas e, porventura, despertar a curiosidade para uma leitura e pesquisa mais profundas a respeito. Para fins didáticos, este texto foi dividido em dois capítulos. Em "I – Os Direitos Fundamentais e o Cotidiano Profissional", introduziremos o conceito de ordem jurídica e de norma

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Direito Constitucional aplicado à profissãoDireitos fundamentais como base da ordem normativa de condutas profissionais e dos códigos de ética empresarial

Este texto versa sobre a uti l ização do Direito Constitucional, principalmente no tocante aos Direitos Fundamentais, no contexto empresarial e a relação da ordem jurídica com a deontologia profissional.

Sumário: 1. Conce i to de Const i tu ição . 2 . Impor tânc ia da Const i tu ição Federa l de 1988 para o p ro f i ss iona l . 3 . D i re i tos Fundamenta is ou D i re i tos Humanos? 4 . As quat ro gerações de D i re i tos Humanos. 5 . D i re i tos Fundamenta is . 6 . D i re i tos Ind iv idua is . 7 . D i re i tos Co le t i vos . 8 . D i re i tos Soc ia is . 9 . D i re i tos da Nac iona l idade. 10 . D i re i tos Fundamenta is ap l i cados à p ro f i ssão. 11 . In t rodução à deonto log ia p ro f i ss iona l . 12 . Conce i to e Função de Cód igo de É t ica . 13 . Bases para um Cód igo de É t ica .

INTRODUÇÃOEste texto versa de manei ra suc inta sobre a ut i l ização do Di re i to Const i tuc ional , pr inc ipa lmente no tocante aos Di re i tos Fundamenta is , no contexto empresar ia l e a re lação da ordem jur íd ica com a deonto log ia prof iss ional . Não pretendemos versar profundamente sobre um assunto ext remamente vasto e complexo, mas tão-somente apresentar os pr inc ipa is concei tos e tentar , de cer ta forma, associá- los ao cot id iano prof iss ional empresar ia l . Em função de ta l in tento, não temos ímpetos de inovar doutr inar iamente com re lação ao tema proposto, apenas in t roduzi r os temas e, porventura, desper tar a cur ios idade para uma le i tura e pesquisa mais profundas a respei to . Para f ins d idát icos, este texto fo i d iv id ido em dois capí tu los.

Em " I – Os Di re i tos Fundamenta is e o Cot id iano Prof iss ional " , in t roduzi remos o concei to de ordem jur íd ica e de norma fundamenta l , que deve ser seguida em todas as instânc ias deonto lóg icas, se jam a par t i r de atos legais ou in f ra- legais , resguardando e implementando os Di re i tos Fundamenta is , também objeto deste capí tu lo .

Em " I I – Deonto log ia Prof iss ional e Códigos de Ét ica" , tentaremos conectar os pr incíp ios const i tuc ionais e os d isposi t ivos legais como d i re t r izes para a e laboração de normas de conduta para as empresas, a lém de expor um arcabouço teór ico sobre o assunto.

CAPÍTULO I – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O COTIDIANO PROFISSIONAL

1.Conceito de Const i tuição

O Dire i to Const i tuc ional é um ramo do Di re i to Públ ico. Porém, d is t ingue-se dos demais ramos do Di re i to Públ ico, por ser um Dire i to Públ ico fundamenta l , segundo José Afonso da Si lva, por " re fer i r -se d i re tamente à organização e func ionamento do Estado, à ar t icu lação dos e lementos pr imár ios do mesmo e ao estabelec imento das bases da est rutura pol í t ica. " [01] Numa concei tuação mais ac larada: "Podemos def in i - lo como o ramo do Di re i to Públ ico que expõe, in terpreta e s is temat iza os pr incíp ios e normas fundamenta is do Estado." [02] Por tanto, o ob jeto de estudo do Di re i to Const i tuc ional "é const i tu ído pelas normas fundamenta is da organização do Estado, forma de

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governo, modo de aquis ição e exercíc io do poder , estabelec imento dos seus órgãos, l imi tes de sua atuação, d i re i tos fundamenta is do homem e respect ivas garant ias e regras bás icas da ordem econômica e soc ia l " . [03]

Obviamente, como o própr io nome d iz , a pr inc ipa l norma do Di re i to Const i tuc ional é a Const i tu ição. A Const i tu ição é a norma fundamenta l que funda e organiza o Estado. Ou se ja:

"A const i tu ição do Estado, considerada sua Lei fundamenta l , ser ia , então, a organização dos seus e lementos essencia is : um s is tema de normas jur íd icas, escr i tas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquis ição e o exercíc io do poder , o estabelec imento de seus órgãos, os l imi tes de sua ação, os d i re i tos fundamenta is do homem e as respect ivas garant ias. Em síntese, a const i tu ição é o conjunto de normas que organiza os e lementos const i tu t ivos do Estado." (SILVA, 2001, p . 38)

A Const i tu ição Federa l de 1988 [04] é a norma fundamenta l do Di re i to Posi t ivo Bras i le i ro . Por normal izar a democrac ia e restabelecer o Estado Socia l e Democrát ico de Di re i to , a CF/88 é d i ferente das const i tu ições antecedentes. A CF/88 é organizada em nove t í tu los:

" (1) dos pr incíp ios fundamenta is ; (2) dos d i re i tos e garant ias fundamenta is , segundo uma perspect iva moderna e abrangente dos d i re i tos ind iv iduais e co let ivos, dos d i re i tos soc ia is dos t rabalhadores, da nac ional idade, dos d i re i tos pol í t icos e dos par t idos pol í t icos; (3) da organização do Estado, em que est rutura a federação com seus componentes; (4) da organização dos poderes: Poder Legis la t ivo, Poder Execut ivo e Poder Judic iár io , com a manutenção do s is tema pres idencia l is ta , seguindo-se um capí tu lo sobre as funções essencia is à Just iça, com Min is tér io Públ ico, Advocacia Públ ica (da União e dos Estados) , advocacia pr ivada e defensor ia públ ica; (5) da defesa do Estado e das inst i tu ições democrát icas, com mecanismos dos Estado de Defesa, Estado de Sí t io e da segurança públ ica; (6) da t r ibutação e do orçamento; (7) da ordem econômica e f inancei ra; (8) da ordem socia l ; (9) das d isposições gera is . F ina lmente, o Ato das Disposições Transi tór ias. " (SILVA, 2001, p . 89-90)

2. Importância da Const i tuição Federal de 1988 para o Prof issional

No in tu i to de segui r as ordens da coordenação e a ementa deste curso, enfocaremos os aspectos da CF/88 re lac ionados aos d i re i tos e garant ias fundamenta is (Tí tu lo I I – Dos Di re i tos e das Garant ias Fundamenta is , CF/88) . A lguns podem se perguntar : "O que a Const i tu ição tem a ver com o meu cot id iano prof iss ional?" Tem tudo a ver . A CF/88 é a norma fundamenta l e suprema do Estado Bras i le i ro . Por tanto, todas as le is e atos in f ra- legais lhe devem subord inação. Mui to se d iz sobre const i tuc ional idade ou inconst i tuc ional idade de determinadas medidas. Pois bem, a lgo é const i tuc ional se est iver segundo a Const i tu ição. É inconst i tuc ional , se apresentar d isposi t ivo contrár io à Const i tu ição. Ass im, o é com as Leis , com os atos in f ra- legais (decretos, por tar ias e demais atos admin is t ra t ivos, ent re out ros) e com as normas de conduta impostas pelas empresas aos seus func ionár ios.

O empregador tem poderes para d isc ip l inar e ger i r a empresa e as re lações desta com os empregados. Porém, esses poderes são l imi tados. E não podem, de manei ra a lguma, contrar iar d isposi t ivos cont idos na Const i tu ição e na leg is lação [05] , se ja e la admin is t ra t iva, t rabalh is ta , f inancei ra, t r ibutár ia , penal , in ternac ional , c iv i l , comerc ia l , ambienta l , ent re out ras. Quer d izer , mesmo sendo uma pessoa de d i re i to pr ivado, a empresa não pode fazer o que quiser no seu âmbi to in terno, devendo, inc lus ive, respei tar e implementar os Di re i tos Fundamenta is , naqui lo que lhe couber , segundo a Const i tu ição e as Leis . A l iberdade, in casu, é para agi r segundo o que ordenam e o que permi tem as Leis e a Const i tu ição, esta a norma fundamenta l que confere va l idade e nor te ia toda uma ordem jur íd ica nac ional .

A segui r , expl icaremos melhor os Di re i tos Fundamenta is e a sua fundamentação const i tuc ional .

3.Direi tos Fundamentais ou Direi tos Humanos?

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Os Dire i tos do ser humano, por mais fundamenta is que se jam, são Di re i tos His tór icos, segundo o c ient is ta po l í t ico e jur is ta i ta l iano Norber to Bobbio. [06] Devido à ampl iação dos Di re i tos Fundamenta is , no decorrer da h is tór ia , não é tarefa s imples desenvolver um concei to . De acordo com José Afonso da Si lva, há vár ias expressões que, mui tas vezes são ut i l izadas como s inônimos de Di re i tos Fundamenta is , como: "d i re i tos natura is , d i re i tos humanos, d i re i tos do homem, d i re i tos ind iv iduais , d i re i tos públ icos subjet ivos, l iberdades fundamenta is , l iberdades públ icas e d i re i tos fundamenta is do homem." [07] São esses d i re i tos, garant idos const i tuc ionalmente (a lguns deles com regulamentação in f ra-const i tuc ional – v ia Le is , decretos, por tar ias, reg imentos, resoluções, ent re out ros atos normat ivos, t ra tados in ternac ionais , ent re out ros) , os que mais devem ser levados em conta no cot id iano empresar ia l . Atenção. O mero atendimento a esses d i re i tos não ex ime a empresa, considerada como o conjunto de empregadores e empregados, de cumpr i r as out ras obr igações e deveres decorrentes da ordem jur íd ica nac ional .

Numa in terpretação de José Afonso da Si lva, podemos d izer que Di re i tos Humanos é a expressão ut i l izada, com re lação aos Di re i tos Fundamenta is , no p lano in ternac ional (documentos in ternac ionais , pr inc ipa lmente) . Mas que ra ios são os Di re i tos Humanos? Não é redundante d izer Di re i tos Humanos, v is to que todos os d i re i tos são re la t ivos aos homens e mulheres? Af ina l , só o homem pode ser t i tu lar de d i re i tos e deveres. Mas, conforme a lguns autores, já se del ine ia um cer to t ipo de d i re i to especia l de proteção aos animais . [08]

4. As quatro gerações de Direi tos Humanos

Antes de fa larmos especi f icamente de Di re i tos Fundamenta is , fa lemos dos d i tos Di re i tos Humanos, que são d iv id idos em quatro gerações:

4.1. Direi tos Humanos de Primeira Geração

Os Dire i tos Humanos de Pr imei ra Geração são l igados, pr inc ipa lmente, à Revolução Amer icana e à Revolução Francesa. Referem-se bas icamente ao d i re i to de l iberdade (de i r e v i r , de re l ig ião, de ideologia, ent re out ros) , d i re i to de igualdade, d i re i to à v ida e d i re i to à segurança. Outros conf l i tos impor tantes, nessa perspect iva, foram os conf l i tos de re l ig ião. Bobbio expl ica:

"A inversão de perspect iva, que a par t i r de então se torna i r reversíve l , é provocada no in íc io da era moderna, pr inc ipa lmente pelas guerras de re l ig ião, a t ravés das quais se va i a f i rmando o d i re i to de res is tênc ia à opressão, o qual pressupõe um di re i to a inda mais substanc ia l e or ig inár io , o d i re i to do ind iv íduo a não ser opr imido, ou se ja, a gozar de a lgumas l iberdades fundamenta is : fundamenta is porque natura is e natura is porque cabem ao homem enquanto ta l e não dependem do beneplác i to do soberano (ent re as quais , em pr imei ro lugar , a l iberdade re l ig iosa) . ( . . . ) a l iberdade re l ig iosa é um efe i to das guerras de re l ig ião; as l iberdades c iv is , da lu ta dos par lamentos contra os soberanos absolutos" (BOBBIO, 1992, p . 4-5, gr i fos nossos)

A lu ta contra a opressão do poder t raz expl ic i tamente a noção de que o ind iv íduo é inv io lável em sua d ign idade. Isso fo i se consol idando e se d isseminando mundia lmente, a té que essas idé ias foram s is temat izadas na "Declaração Universa l dos Di re i tos Humanos" . Dispõe sobre a l iberdade num âmbi to negat ivo, ou se ja, de não in ter ferênc ia da autor idade estata l sobre o ind iv íduo. Segundo a lguns jur is tas como o professor Fernando Fernandes da Si lva, doutor em Dire i to In ternac ional pe la Univers idade de São Paulo (USP), há d i re i tos que são der ivados dos Di re i tos Humanos de Pr imei ra Geração, como: o d i re i to de formar grupos (ou associar -se ou reuni r -se) , d i re i to ao voto, d i re i to de par t ic ipação pol í t ica e d i re i to de propr iedade pr ivada. Os Di re i tos Humanos de Pr imei ra Geração ter iam equiva lênc ia aos Di re i tos Fundamenta is inser tos na CF/88 nos d isposi t ivos referentes aos Di re i tos e Garant ias Ind iv iduais e Colet ivos.

4.2. Direi tos Humanos de Segunda Geração

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Os Dire i tos Humanos de Segunda Geração, também conhecidos como Dire i tos Socia is , t iveram or igem no f ina l do Século XIX e começo do Século XX. Podemos d izer que o pr inc ipa l mot ivo fo i a Revolução Indust r ia l , levando o capi ta l ismo a um níve l de desenvolv imento jamais v is to out rora. Nessa época, houve igualmente grande cresc imento da c lasse t rabalhadora, po is , como era de se esperar , os propr ie tár ios dos meios de produção eram a minor ia , a burguesia, se ut i l izarmos uma acepção marx is ta. Naquela época, não hav ia rest r ição de idade para a at iv idade labora l , nem um l imi te legal para a jornada d iár ia de t rabalho. A par t i r do Século XX, os Estados Nacionais passaram a in ter fer i r nas re lações soc ia is , regulamentando as questões t rabalh is tas. Antes, os empregadores e os empregados eram l iv res para est ipu larem os termos da at iv idade labora l . Porém, o t rabalhador sempre saía em desvantagem, pois o empregador possuía maior poder de "convencimento" . A lu ta novamente se fez presente:

" ( . . . ) a l iberdade pol í t ica e as l iberdades soc ia is , do nasc imento, cresc imento e amadurec imento do movimento dos t rabalhadores assalar iados, dos camponeses com pouca ou nenhuma ter ra, dos pobres que ex igem dos poderes públ icos não só o reconhecimento da l iberdade pessoal e das l iberdades negat ivas, mas também proteção do t rabalho contra o desemprego, os pr imei ros rud imentos de inst rução contra o anal fabet ismo, depois a ass is tênc ia para a inval idez e a ve lh ice, todas e las carec imentos que os r icos propr ie tár ios podiam sat is fazer por s i mesmos." (BOBBIO, 1992, p . 5-6, gr i fo nosso)Daí , a idé ia de Estado Socia l e Democrát ico de Di re i to . Por soc ia l , entende-se o Estado que in tervêm de forma posi t iva (ou l iberdade num âmbi to pos i t ivo) em pro l das pessoas, pr inc ipa lmente as de menor poder aquis i t ivo. Neste ro l de d i re i tos, a lém dos d i re i tos t rabalh is tas, podemos também inc lu i r o d i re i to à saúde e o d i re i to à educação, por exemplo. Os Di re i tos Humanos de Segunda Geração não possuem um equiva lente à Declaração Universa l dos Di re i tos do Homem (dos Di re i tos Humanos de Pr imei ra Geração) , no p lano in ternac ional . Há, porém, organismos como a Organização In ternac ional do Trabalho (OIT) que tem a pretensão de e laborar normas e uni formizar a leg is lação t rabalh is ta , em termos g lobais . No CF/88, os Di re i tos Humanos de Segunda Geração, estão inser tos em sua maior ia na par te que d iz respei to aos Di re i tos Socia is .

4.3. Direi tos Humanos de Terceira Geração

Dentre os Di re i tos Humanos de Tercei ra Geração, "o mais impor tante deles é o re iv ind icado pelos movimentos ecológicos: o d i re i to de v iver num ambiente não poluído" [09] . Um exemplo de norma in ternac ional correspondente é o Protocolo de Quioto. Na CF/88, os Di re i tos Humanos de Tercei ra Geração estão presentes nos d isposi t ivos referentes ao Meio Ambiente. José Afonso da Si lva, por sua vez, entende que o Meio Ambiente está inc lu ído no ro l dos Di re i tos Socia is , com será v is to poster iormente.

4.4. Direi tos Humanos de Quarta Geração

Os avanços no campo c ient í f ico e tecnológica e a sua re lação com a "v ida" são pr inc ipa l ob jeto dos Di re i tos Humanos de Quar ta Geração. Nas palavras de Bobbio, " re ferentes aos efe i tos cada vez mais t raumát icos da pesquisa b io lóg ica, que permi t i rá manipulações do pat r imônio genét ico de cada ind iv íduo" . O jur is ta a inda lança uma pergunta no ar : "Quais são os l imi tes dessa possíve l (e cada vez mais cer ta no fu turo) manipulação?" [10]

5. Direi tos Fundamentais

Na doutr ina de José Afonso da Si lva, Di re i tos Fundamenta is são "s i tuações jur íd icas, ob jet ivas e subjet ivas, def in idas no d i re i to pos i t ivo, em pro l da d ign idade, igualdade e l iberdade da pessoa humana" [11] . Ou melhor d izendo: "São d i re i tos const i tuc ionais na medida em que se inserem no texto de uma const i tu ição ou mesmo constem de s imples dec laração so lenemente estabelec ida pelo poder const i tu in te. São d i re i tos que nascem e se fundamentam, por tanto, da soberania popular . " [12] E is a lgumas caracter ís t icas dos Di re i tos Fundamenta is :

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" (1) His tor ic idade. São h is tór icos como qualquer d i re i to . Nascem, modi f icam-se e desaparecem. ( . . . ) ;

(2) Ina l ienabi l idade. São d i re i tos in t ransfer íve is , inegociáveis , porque não são de conteúdo econômico pat r imonia l . Se a ordem const i tuc ional os confere a todos, de les não se pode desfazer , porque são ind isponíve is ;

(3) Imprescr i t ib i l idade. ( . . . ) Vale d izer , nunca deixam de ser ex ig íve is . Pois prescr ição é um inst i tu to jur íd ico que somente at inge, coarctando, a ex ig ib i l idade dos d i re i tos de caráter pat r imonia l , não a ex ig ib i l idade dos d i re i tos personal íss imos, a inda que não ind iv idual is tas, como é o caso. ( . . . ) ;

(4) I r renunciabi l idade. Não se renunciam d i re i tos fundamenta is . A lguns deles podem até não ser exerc idos, pode-se deixar de exercê- los, mas não se admi te que se jam renunciados." (SILVA, 2000, p . 185, gr i fos nossos)A CF/88 c lass i f ica dos Di re i tos Fundamenta is [13] em c inco grupos:

5.1. Direi tos Individuais

Dire i tos Ind iv iduais (ar t . 5 . º , CF/88) – "d i re i tos fundamenta is do homem-indiv íduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos par t icu lares, garant indo in ic ia t iva e independência aos ind iv íduos d iante dos demais membros da soc iedade pol í t ica e do própr io Estado" ; [14]

5.2. Direi tos Colet ivos

Dire i tos Colet ivos (ar t . 5 . º , CF/88) – "d i re i tos fundamenta is do homem-membro de uma colet iv idade, que a Const i tu ição adotou como d i re i tos-co let ivos" ; [15]

5.3. Direi tos Sociais

Dire i tos Socia is (ar t . 6 . º e 193 e ss, CF/88) – "d i re i tos fundamenta is do homem-socia l , que const i tuem os d i re i tos assegurados ao homem em suas re lações soc ia is e cu l tura is" ; [16]

5.4. Direi to à Nacional idade

Dire i tos à Nacional idade (ar t . 12, CF/88) – "são d i re i tos fundamenta is do homem-nacional , que são os que têm por conteúdo e objeto a def in ição de nac ional idade e suas faculdades" ; [17]

5.5. Direi tos Pol í t icos

Dire i tos Pol í t icos (ar ts . 14 a 17, CF/88) – "d i re i tos fundamenta is do homem-cidadão, que são os d i re i tos pol í t icos, chamados também di re i tos democrát icos ou d i re i tos de par t ic ipação pol í t ica" ; [18]

Todas essas categor ias de Di re i tos Fundamenta is compõem um todo harmônico e não contrad i tór io ent re s i , que se in f luenciam rec iprocamente. Af ina l , esses d i re i tos, segundo José Afonso da Si lva, estão contaminados de d imensão soc ia l :

"Com isso, t rans i ta-se de uma democrac ia de conteúdo basicamente pol í t ico- formal para uma democrac ia de conteúdo soc ia l , se não de tendência soc ia l izante. Quanto mais prec isos e ef icazes se tornem os d i re i tos econômicos, soc ia is e cu l tura is , mais se inc l ina do l ibera l ismo para o soc ia l ismo. Transforma-se a pauta de va lores: o l ibera l ismo exal ta a l iberdade ind iv idual , formalmente reconhecida, mas, em verdade aufer ida por um pequeno grupo dominante; o

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socia l ismo realça a igualdade mater ia l de todos como a única base só l ida em que o efet ivo e gera l gozo dos d i re i tos ind iv iduais de l iberdade encontra respaldo seguro. A ant í tese in ic ia l ent re d i re i tos ind iv iduais e d i re i tos soc ia is tende a resolver-se numa síntese de autênt ica garant ia para a democrac ia, na medida em que os ú l t imos forem enr iquecendo-se de conteúdo e ef icác ia. " (SILVA, 2001, p . 188, gr i fos nossos)Para f ins deste curso, não versaremos sobre todos os Di re i tos Fundamenta is , por problemas óbvios de pouco tempo para demasiado conteúdo. Então, descar tamos de p lano do conteúdo programát ico os "Di re i tos Pol í t icos" da nossa agenda acadêmica, para nos f ixarmos nos tóp icos mais impor tantes dos Di re i tos Fundamenta is e sua corre lação com a deonto log ia prof iss ional e os Códigos de Ét ica Empresar ia l .

6. Direi tos Individuais

Recapi tu lando. Os Di re i tos Ind iv iduais são os "Di re i tos Fundamenta is do homem-indiv íduo, que são aqueles que reconhecem a autonomia aos par t icu lares, garant indo a in ic ia t iva e independência aos ind iv íduos d iante dos demais membros da soc iedade pol í t ica e do própr io Estado." [19] Quem são seus dest inatár ios? O ar t igo 5.º , "caput" , da CF/88, d iz : "Todos são iguais perante a Lei , sem dis t inção de qualquer natureza, garant indo-se aos bras i le i ros e aos est rangei ros res identes no Bras i l a inv io lab i l idade do d i re i to à v ida, à l iberdade, à igualdade, à segurança, à propr iedade ( . . . ) "

Esses d i re i tos ar ro lados no ar t igo 5.º são assegurados tanto para pessoas f ís icas quanto pessoas jur íd icas. O mesmo se dá para os bras i le i ros, é c laro, e os est rangei ros res identes no Bras i l . Contudo, isso não s ign i f ica que os est rangei ros não res identes não tenham seus d i re i tos amparados. José Afonso da Si lva expl ica: " Isso não quer d izer que os est rangei ros não res identes, quando regularmente se encontrem no ter r i tór io nac ional , possam sofrer o arbí t r io , e não d isponham de qualquer meio, inc lu indo os jur isd ic ionais , para tu te lar s i tuações subjet ivas. Para protegê- los, há out ras normas legais , t raduzidas em leg is lação especia l , que def inem os d i re i tos e a condição jur íd ica do est rangei ro não res idente, que tenha ingressado regularmente no ter r i tór io bras i le i ro . " [20]

O feste jado const i tuc ional is ta d is t ingue t rês grupos de Di re i tos Ind iv iduais : " (1) Di re i tos Ind iv iduais expressos, aqueles expl ic i tamente enunciados nos inc isos do ar t . 5 . º ; (2) Di re i tos Ind iv iduais impl íc i tos, aqueles que estão subtendidos nas regras de garant ia , como o d i re i to à ident idade pessoal , cer tos desdobramentos do d i re i to à v ida, o d i re i to à atuação gera l (ar t . 5 . º , I I ) ; (3) Di re i tos ind iv iduais decorrentes do reg ime e de t ra tados in ternac ionais subscr i tos pelo Bras i l , aqueles que não são nem expl íc i ta nem impl ic i tamente numerados, mas provêm ou podem v i r e prov i r do reg ime adotado, como o Di re i to de Resis tênc ia, ent re out ros de d i f íc i l caracter ização a pr ior i " [21]

Os Di re i tos Ind iv iduais podem ser desdobrados em c inco grandes grupos:

6.1. Direi to à Vida

Dire i to à V ida – "A v ida humana, que é o objeto de estudo do d i re i to assegurando no ar t . 5 . º , caput , in tegra-se de e lementos mater ia is ( f ís icos e psíquicos) e imater ia is (espi r i tua is) . A v ida é in t imidade conosco mesmo, saber-se e dar-se conta de s i mesmo, um ass is t i r a s i mesmo e um tomar pos ição de s i mesmo. Por isso é que e la const i tu i a fonte pr imár ia de todos os out ros bens jur íd icos." [22] Por sua vez o Di re i to à V ida tem suas var iantes:

6.1.1. Direi to à Existência – "Di re i to de estar v ivo, de lu tar pe lo v iver , de defender a própr ia ex is tênc ia" . [23]

6.1.2. Direi to à Integridade Física – "Agredi r o corpo humano é um modo de agredi r a v ida, po is esta se rea l iza nele. A in tegr idade f ís ico-corpora l const i tu i , por isso, um bem v i ta l e revela um d i re i to fundamenta l do ind iv íduo." [24] Neste caso, a CF/88 expl ic i tou a lgumas pro ib ições como a vedação à pena de mor te (ar t . 5 . º , XLVI I , "a" , CF/88) , à comerc ia l ização de órgãos, tec idos e

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substânc ias humanas (ar t . 199, § 4.º , CF/88) , à tor tura ou t ra tamento desumano ou degradante (ar t . 5 . º , I I I ) .

6.1.3. Direi to à Integridade Moral – "A v ida humana não é apenas um conjunto de e lementos mater ia is . In tegram-na, out ross im, va lores imater ia is , como os mora is . A Const i tu ição empresta mui ta impor tânc ia à mora l como valor é t ico-soc ia l da pessoa e da famí l ia , que se impõe ao respei to dos meios de comunicação soc ia l (ar t . 221, IV, CF/88) . E la, mais que as out ras, rea lçou o va lor da mora l ind iv idual , tornando-a mesmo um bem indenizável (ar t . 5 . º V e X, CF/88) . A mora l ind iv idual s in tet iza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação que in tegram a v ida humana como d imensão mater ia l . " [25]

6.2 Direi to à Int imidade

Dire i to à In t imidade – O ar t igo 5.º , X, da CF/88, d ispõe que "são inv io láveis a in t imidade, a v ida pr ivada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o d i re i to à indenização pelo dano mater ia l ou mora l decorrente de sua v io lação" . "Essa v io lação, em a lgumas h ipóteses, já const i tu i i l íc i to penal . A lém d isso, a Const i tu ição fo i expl íc i ta em assegurar , ao lesado, d i re i to à indenização por dano mater ia l ou mora l decorrente da v io lação da in t imidade, da v ida pr ivada, da honra e da imagem das pessoas, em suma do d i re i to à pr ivac idade." [26] Temos, então, do is e lementos d is t in tos: a in t imidade "esfera secreta da v ida do ind iv íduo na qual este tem o poder legal de ev i tar os demais" [27] e a v ida pr ivada "a v ida in ter ior , que se debruça sobre a mesma pessoa, sobre os membros de sua famí l ia , sobre seus amigos" . [28]

6.2.1. Com re lação à int imidade , podemos d izer que esse d i re i to protege a inv io lab i l idade do domicí l io (ar t . 5 . º , XI ) , o s ig i lo de correspondência (ar t . 5 . º XI I , CF/88) e o segredo prof iss ional .

6.2.2. Já com re lação à v ida pr ivada , a Const i tu ição v isa proteger o segredo da v ida pr ivada e a l iberdade da v ida pr ivada. "O segredo da v ida pr ivada é condição de expansão da personal idade." [29] Nesse sent ido também são inv io láveis , por força do ar t igo 5.º , X, da CF/88, a honra ( "conjunto de qual idades que caracter izam a d ign idade da pessoa, o respei to dos concidadãos, o bom nome, a reputação" [30] ) e a imagem (" tu te la do aspecto f ís ico, como é percept íve l v is ive lmente" [31] ) das pessoas.

6.3. Direi to de Igualdade

Dire i to de Igualdade – Todos são iguais perante a Lei ( isonomia formal) . Trata-se de uma igualdade de equiparação de todos com re lação a at r ibu ição de d i re i tos e deveres. Às vezes, contudo, é necessár io t ra tar des igualmente os des iguais , para não incorrer em in just iça. Nesse aspecto, a igualdade é chamada de isonomia mater ia l .

6.3.1. Igualdade entre homens e mulheres – Diz o ar t igo 5.º , I , da CF/88, "homens e mulheres são iguais em d i re i tos e obr igações, nos termos desta Const i tu ição" . Qualquer ato, ou d isposição, em contrár io ofende a Const i tu ição. Contudo, há de se ponderar que, às vezes, há t ra tamento d i ferenc iado à mulher em v i r tude da sua condição f ís ica (aposentador ia c inco anos antes do l imi te imposto aos homens) e progeni tora ( l icença-matern idade, e tc) .

6.3.2. Igualdade da Just iça – " (1) in terd ição ao ju iz de fazer d is t inção ent re s i tuações iguais , ao apl icar a Le i ; (2) como in terd ição ao leg is lador de edi tar le is que poss ib i l i tem o t ra tamento des igual a s i tuações iguais ou t ra tamento igual a s i tuações des iguais por par te da Just iça." [32]

6.3.3. Igualdade tr ibutár ia – "Relac iona-se com a just iça d is t r ibut iva em matér ia f isca l . D iz respei to à repar t ição do ônus f isca l do modo mais justo possíve l . Fora d isso, a igualdade será puramente formal . ( . . . ) A gradação, segundo a capacidade econômica e personal ização do imposto, permi te agrupar os contr ibu intes em c lasses soc ia is , e , dentro de cada uma, que const i tuem s i tuações equiva lentes, a tua o pr incíp io da igualdade." [33]

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6.3.4. Igualdade perante a Lei Penal – " ( . . . ) A mesma Lei Penal e seus s is temas de sanções há de se apl icar a todos quantos prat iquem o fa to t íp ico nela def in ido como cr ime." [34]

6.3.5. Igualdade sem dist inção de qualquer natureza – A CF/88 está a "promover o bem de todos, sem preconcei tos de or igem, raça, sexo, cor , idade e quaisquer out ras formas de d iscr iminação. Proíbe-se também di ferença de sa lár ios, de exercíc io de funções e de cr i tér io de admissão por mot ivo de sexo, idade, cor , estado c iv i l ou posse de def ic iênc ia (ar t . 7 . º , XXX e XXXI, CF/88)" [35] .

6.3.6. Igualdade sem dist inção de sexo e de or ientação sexual .

6 .3.7. Igualdade sem dist inção de or igem, cor e raça – O tóp ico por s i só é auto-ev idente. Expl ic i temos brevemente a lguns concei tos. "O rac ismo ind ica teor ias e compor tamentos dest inados a rea l izar e just i f icar a supremacia de uma raça. O preconcei to e a d iscr iminação são conseqüências dessa teor ia . A cor só não era e lemento bastante, porque d i r ig ida à cor negra. Nem raça, nem cor abrangem cer tas formas de d iscr iminações de nordest inos e de pessoas de or igem socia l humi lde." [36]

6.3.8. Igualdade sem dist inção de idade.

6.3.9. Igualdade sem dist inção de trabalho – L iberdade de exercíc io de qualquer t rabalho, o f íc io ou prof issão (ar t . 5 . º , XI I I , CF/88) e vedação da d is t inção ent re t rabalho manual , técn ico e in te lectual ou ent re os prof iss ionais respect ivos (ar t . 7 . º , XXXI I , CF/88) .

6.3.10. Igualdade sem dist inção de credo rel igioso (ar t . 5 . º VI , CF/88) .

6.3.11. Igualdade sem dist inção de convicções f i losóf icas ou pol í t icas .

6.4. Direi to de Liberdade

Dire i to de L iberdade – "O Concei to de l iberdade humana deve ser expresso no sent ido de um poder de atuação do homem em busca de sua rea l ização pessoal . ( . . . ) l iberdade consis te na poss ib i l idade de coordenação consc iente dos meios necessár ios à rea l ização da fe l ic idade pessoal . " [37] De acordo com a doutr ina de José Afonso da Si lva, a CF/88 contempla c inco grandes grupos de l iberdades, a saber :

6.4.1. Liberdade da Pessoa Física – Trata-se da pr imei ra forma de l iberdade, "é a poss ib i l idade jur íd ica que se reconhece a todas as pessoas de serem senhoras de sua própr ia vontade e de se locomoverem desembaraçadamente dentro do ter r i tór io nac ional" . [38] Aqui , temos duas var iantes, a l iberdade de locomoção e a l iberdade de c i rcu lação.

6.4.1.1 Liberdade de Locomoção (ar t . 5 . º , XV, CF/88) – Expl ic i ta duas s i tuações, em casos de normal idade: "uma é a l iberdade de locomoção no ter r i tór io nac ional ; a out ra é a l iberdade de a pessoa ent rar no ter r i tór io nac ional , ne le permanecer e de le sa i r com seus bens." [39]

6.4.1.2. Liberdade de Circulação – "Di re i to à c i rcu lação é mani festação caracter ís t ica da l iberdade de locomoção: d i re i to de i r , v i r , f icar , parar , estac ionar . O Di re i to de Ci rcu lação (ou L iberdade de Ci rcu lação) consis te na faculdade de des locar-se de um ponto a out ro at ravés de uma v ia públ ica ou afetada ao uso públ ico." [40]

6.4.2. Liberdade de Pensamento – "Trata-se da l iberdade de conteúdo in te lectual e supõe o contato do ind iv íduo com seus semelhantes, pe la qual o homem tenda, por exemplo, a par t ic ipar a out ros suas crenças, seus conhecimentos, sua concepção do mundo, suas opin iões pol í t icas ou re l ig iosas, seus t rabalhos c ient í f icos. ( . . . ) Nesses, termos, e la se caracter iza como exter ior ização do pensamento no seu sent ido mais abrangente." [41] Podem ser :

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6.4.2.1. Liberdade de Opinião – "Trata-se da l iberdade de o ind iv íduo adotar a at i tude in te lectual de sua escolha: quer um pensamento ín t imo, quer se ja a tomada de pos ição públ ica; l iberdade de pensar e d izer o que se crê verdadei ro. " [42] Um dos seus aspectos externos é a l iberdade de mani festação do pensamento, ass im como o d i re i to de não se mani festar .

6.4.2.2. Liberdade de Rel igiosa – Abrange t rês formas de expressão: a- ) l iberdade de crença (ar t . 5 . º , VI , CF/88) , b- ) l iberdade de cu l to (ar t 5 . º , VI , CF/88) e c- ) l iberdade de organização re l ig iosa.

6.4.2.3. Liberdade de Informação e Comunicação – "A l iberdade de comunicação consis te num conjunto de d i re i tos, formas, processos e veícu los, que poss ib i l i tam a coordenação desembaraçada da cr iação, expressão e d i fusão do pensamento e da in formação (ar t . 5 . º , IV, V, IX, XI I e XIV, c /c ar t . 220 a 224, CF/88) . " [43] Por sua vez, a l iberdade de in formação é a l iberdade de in formar e de ser in formado: "a l iberdade de in formação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a d i fusão de in formações ou idé ias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pe los abusos que cometer . " [44] Nessa categor ia , se enquadra a l iberdade de in formação jornal ís t ica, por exemplo.

6.4.2.4. Liberdade de Expressão Intelectual , Art íst ica e Cient í f ica – Essas l iberdades estão prev is tas e asseguradas pelo ar t igo 5.º , IX, da CF/88. Gozam de ampla l iberdade, desde que não contrar iem a Lei , e não passem por c ima da questão per t inente aos Di re i tos Autora is e de Propr iedade In te lectual , por exemplo.

6.4.2.5. Liberdade de Expressão Cultural – Presentes pr inc ipa lmente nos ar t igos 215 e 216 da CF/88. "Aí , se mani festa a mais aber ta l iberdade cu l tura l , sem censura, sem l imi tes: uma v ivência p lena dos va lores do espír i to humano em sua pro jeção cr ia t iva, em sua produção de objetos que revelem o sent ido dessas pro jeções da v ida do ser humano." [45]

6.4.2.6. Liberdade de Transmissão e Recepção do Conhecimento – Ver i f icar o ar t igo 206, I I e I I I , da CF/88. "Trata-se do reconhecimento de l iberdade de uma c lasse de especia l is tas na comunicação do conhecimento, que são os professores. ( . . . ) se d i r ige a qualquer exercente de função de magis tér io , a professores de qualquer grau, dando-se l iberdade de ens inar , e mais a inda porque também abrange a out ra face da t ransmissão do conhecimento, o out ro lado da l iberdade de ens inar ou se ja, a l iberdade de aprender , ass im, como a l iberdade de pesquisar (modo de aquis ição do conhecimento) . " [46]

6.4.3. Liberdade de Expressão Colet iva – De reunião e associação. De cer ta forma, esses d i re i tos são auto-ev identes, o que nos permi te c i tá- los somente "an passand" , já que os veremos no tóp ico seguinte "7. Di re i tos Colet ivos" .

6.4.4. Liberdade de Ação Prof issional – "O d isposi t ivo confere l iberdade de escolha de t rabalho, de of íc io e de prof issão, de acordo com as propensões de cada pessoa e na medida em que a sor te e o esforço própr io possam romper as barre i ras que se antepõem à maior ia do povo. Confere, igualmente, a l iberdade para de exercer o que fora escolh ido, no sent ido apenas de que o Poder Públ ico não pode const ranger a escolher e a exercer out ro. " [47]

6.5. Direi to de Propriedade

Dire i to de Propr iedade – O ar t igo 5.º , XXI I , da CF/88, d iz que "é garant ido o d i re i to de propr iedade" , e que a "propr iedade atenderá a sua função soc ia l " (ar t . 5 . º , XI I I , CF/88) . O Di re i to de Propr iedade, por tanto, não é absoluto, po is , quando necessár io , há de se ceder ao in teresse públ ico. Exemplos t íp icos são a desapropr iação de propr iedades que não cumprem sua função soc ia l (ar t . 182, § 4.º , e 184, CF/88) . Há vár ios t ipos de propr iedade:

6.5.1. Propriedade Públ ica – "É a que tem como t i tu lar ent idades de Di re i to Públ ico: União, Estados, Dis t r i to Federa l e Munic íp ios. " [48]

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6.5.2. Propriedades Especiais – A propr iedade de recursos minera is (ar t . 176, CF/88) , a propr iedade urbana e a propr iedade rura l (ar t . 182. § 2.º , e 184, CF/88) e a propr iedade de empresa jornal ís t ica e de rad iod i fusão sonora e de sons e imagens (ar t . 222, CF/88) não estão d ispostas no t í tu lo re ferentes aos Di re i tos Fundamenta is da Magna Car ta, sendo inc lusos, respect ivamente, nos tóp icos concernentes à ordem econômica e à comunicação soc ia l .

6.5.3. Propriedade Autoral – "O ar t . 5 . º , XXVI I , que assegura o Di re i to Autora l , contém duas normas bem dis t in tas. A pr imei ra e pr inc ipa l confere aos autores o d i re i to exc lus ivo de ut i l izar , publ icar e reproduzi r suas obras, sem especi f icar ( . . . ) , mas, compreendido em conexão com o d isposto no inc iso IX do mesmo ar t igo, conclu i -se que são obras l i terár ias, ar t ís t icas, c ient í f icas e de comunicação. Enf im, aí se asseguram os Di re i tos do Autor de obra in te lectual e cu l tura l , reconhecendo- lhe, v i ta l ic iamente, o chamado d i re i to de propr iedade in te lectual , que compreende Di re i tos Mora is e Patr imonia is . A segunda norma declara que esse d i re i to é t ransmissíve l aos herdei ros pelo tempo que a Lei f ixar . ( . . . ) São Di re i tos Mora is do Autor : (a) o de re iv ind icar , a qualquer tempo, a patern idade da obra; (b) o de ter seu nome, pseudônimo ou s ina l convencional ind icado ou anunciado, como sendo o do autor , na ut i l ização de sua obra; (c) o de conservá- la inédi ta ; (d) o de assegurar- lhe a in tegr idade, opondo-se a quaisquer modi f icações, ou à prát ica de atos que, de qualquer forma, possam pre jud icá- la , ou at ing i - lo , antes ou depois de ut i l izada; ( f ) o de ret i rá- la de c i rcu lação, ou de lhe suspender qualquer forma de ut i l ização já autor izada, quando a c i rcu lação ou ut i l ização impl icarem af ronta à sua reputação e imagem; (g) o de ter acesso a exemplar ún ico e raro da obra, quando se encontre leg i t imamente em pode de out rem, para o f im de, por meio de processo fo tográf ico ou assemelhado, ou audiov isual , preservar sua memór ia, de forma que cause o menor inconveniente possíve l a seu detentor , que em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou pre ju ízo que lhe se ja causa. ( . . . ) Os Di re i tos Patr imonia is do Autor compreendem as faculdades de ut i l izar , f ru i r e d ispor de sua obra, bem como de autor izar sua ut i l ização ou f ru ição por terce i ros no todo ou em par te. Esses d i re i tos são a l ienáveis por e le ou por seus sucessores. O Di re i to Heredi tár io de Propr iedade In te lectual cabe aos herdei ros, descendentes, cônjuges e co latera is , de acordo com ordem de vocação heredi tár ia estabelec ida na le i c iv i l , mas também se defere aos herdei ros testamentár ios. " [49]

6.5.4. Propriedade de Inventos, de Marcas e Indústr ias e de Nome de Empresas [50] – O ar t igo 5.º , XXIX, da CF/88, d ispõe: "a Le i assegurará aos autores de inventos indust r ia is pr iv i lég io temporár io para sua ut i l ização, bem como proteção às cr iações indust r ia is , à propr iedade das marcas, aos nomes de empresas e a out ros s ignos d is t in t ivos, tendo em v is ta o in teresse soc ia l e o desenvolv imento tecnológico e econômico do País. "

6.5.5. Propriedade Bem de Famíl ia – Prev is ta no Código Civ i l : "Ar t . 1 .711. Podem os cônjuges, ou a ent idade fami l iar , mediante escr i tura públ ica ou testamento, dest inar par te de seu pat r imônio para inst i tu i r bem de famí l ia , desde que não u l t rapasse um terço do pat r imônio l íqu ido ex is tente ao tempo da inst i tu ição, mant idas as regras sobre a impenhorabi l idade do imóvel res idencia l estabelec ida em le i especia l . Ar t . 1 .715. O bem de famí l ia é isento de execução por dív idas poster iores à sua inst i tu ição, sa lvo as que prov ierem de t r ibutos re la t ivos ao prédio, ou de despesas de condomínio"

7. Direi tos Colet ivos

O const i tuc ional is ta José Afonso da Si lva destaca os Di re i tos Colet ivos como os que d izem respei to às " l iberdades de expressão co let iva, como as de reunião e de associação" . [51] Mui tos desses Di re i tos Colet ivos, ou de expressão co let iva, foram inser idos no capí tu lo "Di re i tos e deveres ind iv iduais e co let ivos" , da CF/88, out ros, como os "d i re i tos de organização s ind ica l e de greve foram inc lu ídos no capí tu lo dos d i re i tos soc ia is" . [52] A respei to do meio ambiente, ident idade h is tór ica e cu l tura l , há d isposi t ivos per t inentes no t í tu lo da Ordem Socia l , da CF/88. E is a lguns t ipos de Di re i tos Colet ivos:

7.1. Direi to à Informação

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Dire i to à In formação – "No capí tu lo da Comunicação (ar ts . 220 a 224, CF/88) , preordena a l iberdade de in formar completada com a l iberdade de mani festação do pensamento (ar t . 5 . º , IV) . No mesmo ar t . 5 . º , XIV e XXXII I , já temos a d imensão co let iva do Di re i to à In formação. O pr imei ro dec lara assegurado a todos o acesso à in formação. ( . . . ) Outro d isposi t ivo t ra ta de d i re i to à in formação mais especí f ico, quando estatu i que todos têm d i re i to a receber dos órgãos públ icos in formações de in teresse par t icu lar , co le t ivo ou gera l , que serão prestadas no prazo da Lei , sob pena de responsabi l idade, ressalvadas aquelas cu jo s ig i lo se ja impresc indíve l à segurança da soc iedade e do Estado." [53]

7.2. Direi to de Representação Colet iva

Dire i to de Representação Colet iva – " ( . . . ) a Const i tu ição já prev iu casos de representação co let iva de in teresses co let ivos ou mesmo ind iv iduais in tegrados numa colet iv idade. É ass im que se estabelece que as ent idades associat ivas, quando expressamente autor izadas (cer tamente em seus estatutos) , têm leg i t imidade para representar seus f i l iados em ju ízo ou fora dele (ar t . 5 . º , XXI , CF/88) , leg i t imidade essa também reconhecida aos s ind icatos em termos até mais amplos e prec isos, in verb is : ao s ind icato cabe a defesa dos d i re i tos e in teresses co let ivos ou ind iv iduais da categor ia , inc lus ive em questões jud ic ia is ou admin is t ra t ivas (ar t . 8 . º , I I I ) . " [54]

7.3. Direi to de Part ic ipação

Dire i to de Par t ic ipação – De um lado há a par t ic ipação d i re ta dos c idadãos no processo pol í t ico e dec isór io (ar t . 14. I , e I I , ar t , 29, XI I I , e 61, §2.º , CF/88) , de out ro do de par t ic ipação orgânica, expressa mui tas vezes como par t ic ipação corporat iva (ar ts . 10 e 11, CF/88) e não corporat iva – d i re i to de par t ic ipação da comunidade - , "especia lmente de t rabalhadores, empresár ios e aposentados, na gestão da segur idade soc ia l (ar t . 194, VI I , CF/88) , como a par t ic ipação da comunidade nas ações e serv iços públ icos de saúde (ar t . 198, I I I , CF/88) . " [55]

7.4. Direi to dos Consumidores

Dire i to dos Consumidores – O ar t igo 5.º , XXXI I , CF/88, d ispõe: "o Estado proverá, na forma da Lei , a defesa do Consumidor" . Por sua vez, o ar t igo 170, V, inc lu i a defesa do consumidor à condição de pr incíp io da Ordem Econômica. [56] As pr inc ipa is normas sobre esse assunto estão na Lei n . º 8 .078/90, o Código de Defesa do Consumidor .

7.5. Liberdade de Reunião

Liberdade de Reunião – Basta ler o ar t igo 5.º , XVI , CF/88: " todos podem reuni r -se pac i f icamente, sem armas, em locais aber tos ao públ ico, independentemente de autor ização, ex ig íve l prév io av iso à autor idade e desde que não f rust rem outra reunião anter iormente convocada para o mesmo local . " A lém dos agrupamentos momentâneos v isando um objet ivo comum, o concei to de reunião inc luem também as passeatas e as mani festações nos logradouros públ icos.

7.6. Liberdade de Associação

Liberdade de Associação – Tem fundamento no ar t igo 5.º , inc iso XVI I a XXI , que segundo José Afonso da Si lva, "se estatu i que é p lena a l iberdade de associação para f ins pací f icos, vedada a de caráter parami l i tar , que a cr iação de associações e, na forma da le i , a de cooperat ivas independe de autor ização, vedada a in ter ferênc ia estata l em seu func ionamento, que as associações só poderão ser compulsor iamente d isso lv idas ou ter suas at iv idades suspensas por dec isão jud ic ia l , ex ig indo-se no pr imei ro caso, o t râns i to em ju lgado, que n inguém poderá ser compel ido a associar -se ou a permanecer associado, e que as ent idades associat ivas, quando expressamente autor izadas, têm a leg i t imidade para representar seus f i l iados em ju ízo e fora dele ( . . . ) " [57]

8. Direi tos Sociais

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Enquanto os Di re i tos Ind iv iduais , e de cer ta forma os Di re i tos Colet ivos, ambos da CF/88, correspondem aos Di re i tos Humanos de Pr imei ra Geração, podemos associar os Di re i tos Socia is da CF/88 com os Di re i tos Humanos de Segunda Geração. Aqueles eram pr imord ia lmente l igados à um sent ido de prestação negat iva do Estado, ou se ja de não in ter ferênc ia da autor idade com re lação ao ind iv íduo. Já os Di re i tos Socia is "são prestações pos i t ivas proporc ionadas pelo Estado d i re ta ou ind i re tamente, enunciadas em normas const i tuc ionais , que poss ib i l i tam melhores condições de v ida aos mais f racos, d i re i tos que tendem a rea l izar a igual ização de s i tuações soc ia is des iguais" . [58]

Ora, po is . Se os Di re i tos Ind iv iduais e Colet ivos são v is tos sob o pr isma da l iberdade, pr inc ipa lmente, os Di re i tos Socia is são dec larados e concebidos sob o pr isma da igualdade. De acordo com José Afonso da Si lva, a CF/88, do ar t igo 6.º ao 11, enumerou os Di re i tos Socia is em seis c lasses: a- ) Di re i tos Socia is Relat ivos ao Trabalhador ; b- ) Di re i tos Socia is Relat ivos à Segur idade (englobando Di re i tos à Saúde, à Prev idência e Ass is tênc ia Socia l ) ; c - ) D i re i tos Socia is Relat ivos à Educação e à Cul tura; d- ) Di re i tos Socia is Relat ivos à Moradia; e- ) Di re i tos Socia is Relat ivos à Famí l ia , Cr iança, Adolescente e Idoso; f - ) D i re i tos Socia is Relat ivos ao Meio Ambiente. [59]

José Afonso da Si lva d iz que os Di re i tos Socia is também podem ser c lass i f icados em dois grandes grupos: a- ) Di re i tos Socia is do Homem Produtor ; b- ) Di re i tos Socia is do Homem Consumidor :

"Entram na categor ia de Di re i tos Socia is do Homem Produtor os seguintes: a l iberdade de inst i tu ição s ind ica l ( inst rumento de ação co let iva) , o d i re i to de greve, o d i re i to de o t rabalhador determinar as condições de seu t rabalho (contrato co let ivo de t rabalho) , o d i re i to de cooperar na gestão da empresa (co-gestão ou autogestão) e o d i re i to de obter um emprego. São os prev is tos nos ar ts . 7 . º e 11.

Na categor ia dos Di re i tos Socia is do Homem Consumidor ent ram: os d i re i tos à saúde, à segurança soc ia l (segurança mater ia l ) , ao desenvolv imento in te lectual , o igual acesso das cr ianças e adul tos à inst rução, à formação prof iss ional e à cu l tura e garant ia ao desenvolv imento da famí l ia , que são, como se nota, os ind icados no ar t . 6 . º e desenvolv idos no t í tu lo da Ordem Socia l . " (SILVA, 2001, p . 290)

8.1 Direi tos Sociais do Homem Produtor

Encararemos os Di re i tos Socia is Relat ivos aos Trabalhadores [60] como Dire i tos Socia is do Homem Produtor . Neste ponto, José Afonso da Si lva, d iv ide esses d i re i tos em duas ordens. Uma está enumerada no ar t igo 7.º , da CF/88, e versa sobre os d i re i tos dos t rabalhadores em suas re lações ind iv iduais de t rabalho. A segunda tem fundamento const i tuc ional dos ar t igos 9º a 11, que contemplam os d i re i tos co let ivos dos t rabalhadores.

8.1.1 Direi tos dos Trabalhadores

Como este texto não é um t ratado de Di re i to do Trabalho, nem tem ta l pretensão, resolvemos s implesmente expor os d isposi t ivos const i tuc ionais , para f ins de conhecimento, po is suas f ina l idades, em mui tos casos, são auto-ev identes. Abrangem di re i tos sobre as condições de t rabalho, d i re i tos re la t ivos aos sa lár ios (sa lár io mín imo, ar t . 7 . º , IV, CF/88; ad ic ional noturno, ar t . 7 . º , IX, CF/88; 13.º sa lár io , ent re out ros) d i re i tos re la t ivos ao repouso e à inat iv idade do t rabalhador (ar t . 7 . º , XV, XVI I , XIX e XXIV, CF/88) , proteção dos t rabalhadores (v ide Fundo de Garant ia por Tempo de Serv iço – FGTS, por exemplo, ar t . 10, I , do Ato das Disposições Const i tuc ionais Trans i tór ias, da CF/88; seguro desemprego, ar t . 239, CF/88) , d i re i tos re la t ivos aos dependentes do t rabalhador e par t ic ipação nos lucros e co-gestão. A maior ia dos Di re i tos dos Trabalhadores, urbanos e rura is , está e lencada nos inc isos do ar t igo 7.º da CF/88:

" I - re lação de emprego protegida contra despedida arb i t rár ia ou sem justa causa, nos termos de le i complementar , que preverá indenização compensatór ia , dentre out ros d i re i tos;

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I I - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntár io ;

I I I - fundo de garant ia do tempo de serv iço;

IV - sa lár io mín imo, f ixado em le i , nac ionalmente uni f icado, capaz de atender a suas necess idades v i ta is bás icas e às de sua famí l ia com moradia, a l imentação, educação, saúde, lazer , vestuár io , h ig iene, t ranspor te e prev idência soc ia l , com reajustes per iód icos que lhe preservem o poder aquis i t ivo, sendo vedada sua v inculação para qualquer f im;

V - p iso sa lar ia l proporc ional à extensão e à complex idade do t rabalho;

VI - i r redut ib i l idade do sa lár io , sa lvo o d isposto em convenção ou acordo co let ivo;

VI I - garant ia de sa lár io , nunca in fer ior ao mín imo, para os que percebem remuneração var iável ;

VI I I - déc imo terce i ro sa lár io com base na remuneração in tegra l ou no va lor da aposentador ia ;

IX – remuneração do t rabalho noturno super ior à do d iurno;

X - proteção do sa lár io na forma da le i , const i tu indo cr ime sua retenção dolosa;

XI – par t ic ipação nos lucros, ou resul tados, desv inculada da remuneração, e , excepcionalmente, par t ic ipação na gestão da empresa, conforme def in ido em le i ;

XI I - sa lár io- famí l ia pago em razão do dependente do t rabalhador de baixa renda nos termos da le i ;

XI I I - duração do t rabalho normal não super ior a o i to horas d iár ias e quarenta e quatro semanais , facul tada a compensação de horár ios e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção co let iva de t rabalho;

XIV - jornada de se is horas para o t rabalho rea l izado em turnos in in ter ruptos de revezamento, sa lvo negociação co let iva;

XV - repouso semanal remunerado, preferenc ia lmente aos domingos;

XVI - remuneração do serv iço ext raord inár io super ior , no mín imo, em c inqüenta por cento à do normal ;

XVI I - gozo de fér ias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o sa lár io normal ;

XVI I I - l icença à gestante, sem pre juízo do emprego e do sa lár io , com a duração de cento e v in te d ias;

XIX - l icença-patern idade, nos termos f ixados em le i ;

XX - proteção do mercado de t rabalho da mulher , mediante incent ivos especí f icos, nos termos da le i ;

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XXI - av iso prév io proporc ional ao tempo de serv iço, sendo no mín imo de t r in ta d ias, nos termos da le i ;

XXI I - redução dos r iscos inerentes ao t rabalho, por meio de normas de saúde, h ig iene e segurança;

XXI I I - ad ic ional de remuneração para as at iv idades penosas, insa lubres ou per igosas, na forma da le i ;

XXIV - aposentador ia ;

XXV - ass is tênc ia gratu i ta aos f i lhos e dependentes desde o nasc imento até se is anos de idade em creches e pré-escolas;

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos co let ivos de t rabalho;

XXVII - proteção em face da automação, na forma da le i ;

XXVI I I - seguro contra ac identes de t rabalho, a cargo do empregador , sem exc lu i r a indenização a que este está obr igado, quando incorrer em dolo ou cu lpa;

XXIX - ação, quanto aos crédi tos resul tantes das re lações de t rabalho, com prazo prescr ic ional de c inco anos para os t rabalhadores urbanos e rura is , a té o l imi te de dois anos após a ext inção do contrato de t rabalho;

XXX - pro ib ição de d i ferença de sa lár ios, de exercíc io de funções e de cr i tér io de admissão por mot ivo de sexo, idade, cor ou estado c iv i l ;

XXXI - pro ib ição de qualquer d iscr iminação no tocante a sa lár io e cr i tér ios de admissão do t rabalhador por tador de def ic iênc ia;

XXXI I - pro ib ição de d is t inção ent re t rabalho manual , técn ico e in te lectual ou ent re os prof iss ionais respect ivos;

XXXII I - pro ib ição de t rabalho noturno, per igoso ou insalubre a menores de dezoi to e de qualquer t rabalho a menores de dezesseis anos, sa lvo na condição de aprendiz , a par t i r de quatorze anos;

XXXIV - igualdade de d i re i tos ent re o t rabalhador com vínculo empregat íc io permanente e o t rabalhador avulso." [61]Observemos que também se estendem aos t rabalhadores domést icos (ar t . 7 . º , parágrafo único, os seguintes d i re i tos: " IV – sa lár io mín imo; VI - i r redut ib i l idade de sa lár io ; XV – déc imo- terce i ro sa lár io ; XV – repouso semanal remunerado; XVI I – fér ias anuais remuneradas; XVI I I – l icença-gestante; XIX – l icença-patern idade; XXI – av iso prév io; e XXIV – aposentador ia e in tegração à prev idência soc ia l . " [62]

8.1.2. Direi tos Colet ivos dos Trabalhadores

Os Dire i tos Colet ivos dos Trabalhadores são " l iberdade de associação prof iss ional ou s ind ica l , d i re i to de greve, d i re i to de subst i tu ição processual , d i re i to de par t ic ipação labora l e d i re i to de representação na empresa" . [63] A CF/88 prevê dois t ipos de associação, a prof iss ional e a s ind ica l . A associação prof iss ional , em regra, tem atuação na defesa dos in teresses prof iss ionais dos seus membros, a lém de estudos re lac ionados à categor ia . Já o s ind icato é, em tese, o defensor dos d i re i tos co let ivos ou ind iv iduais da categor ia , se ja em instânc ias admin is t ra t ivas ou

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jud ic ia is . Este tem papel fundamenta l nas negociações co let ivas de t rabalho [64] e recebe contr ibu ições. Seus representantes são e le i tos.

Com re lação à l iberdade s ind ica l , isso s ign i f ica que o s ind icato tem: l iberdade de fundação, l iberdade de adesão, l iberdade de atuação e l iberdade de f i l iação. Notemos que os aposentados tem d i re i to ao voto nos s ind icatos, ass im como de serem votados também. O s ind icato não prec isa de autor ização do Estado para ser fundado, porém, deve, como pessoa jur íd ica, segui r todos os processos per t inentes para o reg is t ro dos seus estatutos na repar t ição competente. O ar t igo 149 da CF/88 d ispõe sobre uma Contr ibu ição Socia l (ou Contr ibu ição Sindica l ) , que é compulsór ia e tem f ins t r ibutár ios. Já a Contr ibu ição Confederat iva [65] (ar t . 8 . º , CF/88) não tem caracter ís t icas t r ibutár ias, e seu va lor é dec id ido pela categor ia , em Assemblé ia Gera l .

No Bras i l , pode-se d izer que ex is te un ic idade s ind ica l (só se permi te um s ind icato por categor ia , numa base ter r i tor ia l – um Munic íp io) e p lura l idade de bases s ind ica is (vár ias sedes) .

Outro Di re i to Colet ivo dos Trabalhadores é o Di re i to de Greve, que pode ser de ordem re iv ind icat iva, de so l idar iedade, po l í t ica, ou de protesto. Tem fundamento const i tuc ional no ar t igo 9.º da CF/88. Ver i f icamos, igualmente, que o Di re i to de Greve não é to ta l , po is deve também contemplar os in teresses e necess idades prementes da soc iedade, como versam os §§. 1 . º e 2. º da CF/88.

Se, numa ponta, o Di re i to de Greve é garant ido aos t rabalhadores, os empregadores não podem fazer a lgo semelhantes, po is o " lockout" é pro ib ido pela CF/88 e pela Legis lação Trabalh is ta .

8.2. Direi tos Sociais do Homem Consumidor

O const i tuc ional is ta José Afonso da Si lva d iv ide os Di re i tos Socia is do Homem como Consumidor nas seguintes categor ias: a- ) Di re i tos Socia is Relat ivos à Segur idade (Di re i to à Saúde, Di re i to à Prev idência Socia l , D i re i to À Ass is tênc ia Socia l ) ; b- ) Di re i tos Socia is Relat ivos à Educação e Cul tura; c- ) Di re i tos Socia is Relat ivos à Moradia; d- ) Di re i to Ambienta l (Di re i to ao Lazer e Di re i to ao Meio Ambiente) ; e- ) Di re i tos Socia is da Cr iança e dos Idosos ( inc lu indo proteção à matern idade, à in fânc ia e aos idosos) .

8.2.1 Direi tos Sociais Relat ivos à Seguridade

"A Const i tu ição acolheu uma concepção de segur idade soc ia l , cu jos objet ivos e pr incíp ios se aprox imam bastante daqueles fundamentos, ao def in i - la como um conjunto in tegrado de ações de in ic ia t iva dos Poderes Públ icos e da soc iedade, dest inadas a assegurar os d i re i tos re la t ivos à saúde, à prev idência, e à ass is tênc ia soc ia l (ar t . 194, CF/88) , ao estabelecer seus objet ivos (ar t . 194, parágrafo único, CF/88) e o s is tema de seu f inanciamento (ar t . 195, CF/88) ( . . . ) . " [66]

8.2.1.1. Direi to à Saúde

A CF/88 "dec lara ser a saúde d i re i to de todos e dever do Estado, garant ido mediante pol í t icas soc ia is e econômicas que v isem à redução do r isco de doença e de out ros agravos e ao acesso universa l e igual i tár io às ações e serv iços para sua promoção, proteção e recuperação, serv iços e ações que são de re levância públ ica (ar ts . 196 e 197, CF/88)" . [67]

8.2.1.2. Direi to à Previdência Social

"Prev idência Socia l é um conjunto de d i re i tos re la t ivos à segur idade soc ia l . ( . . . ) funda-se no pr incíp io do seguro soc ia l , de sor te que os benef íc ios e serv iços se dest inam a cobr i r eventos de doença, inva l idez, mor te, ve lh ice e rec lusão, apenas do segurado e dos seus dependentes." [68]Para José Afonso da Si lva, o reg ime de Prev idência Socia l da CF/88 oferece dois t ipos de prestações: " (1) os benef íc ios, que são prestações pecuniár ias, consis tentes: (a) na aposentador ia ,

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por inva l idez (não inc lu ída no § 7.º do ar t . 201, mas suger ida no inc iso I do mesmo ar t igo) , por ve lh ice, por tempo de serv iço, especia l e proporc ional (ar t . 221, §§ 7.º e 8. º , CF/88) ; (b) nos auxí l ios por doença, matern idade, rec lusão e funera l (ar t . 201, I a I I I ) ; (c) no seguro-desemprego (ar t . 7 . , I I , ar t . 201, IV, e ar t . 239, CF/88) ; na pensão por mor te do segurado (ar t . 201, V, CF/88) ; (2) os serv iços, que são prestações ass is tenc ia is : médica, farmacêut ica, odonto lóg ica, hospi ta lar , soc ia l e de reeducação ou readaptação func ional . " [69]

8.2.1.3. Direi to à Assistência Social

Se o Di re i to à Prev idência Socia l ex ig ia prestações, fundadas no pr incíp io do seguro soc ia l , o Di re i to à Ass is tênc ia Socia l tem caráter un iversa l izante. Expl ica José Afonso da Si lva: "será prestada a quem dela necess i tar , independentemente de contr ibu ição (ar t . 203, CF/88)" . [70] E la é dest inada aos "desval idos em gera l " .

8.2.2. Direi tos Sociais Relat ivos à Educação e à Cultura

Como não poder ia de ixar de ser , a CF/88 dotou a cu l tura, no sent ido amplo, de especia l impor tânc ia (a lguns dos d isposi t ivos a respei to são o ar t . 5 . º , IX; ar t . 23, I I I a V; ar t . 24, VI I a IX, ar t . 30, IX, e ar t . 205 a 217) . Embora a educação e a cu l tura se jam consideradas Di re i tos Socia is , o const i tu in te inc lu iu-a na CF/88 no capí tu lo da "Ordem Socia l " . Para José Afonso da Si lva, o ar t igo 205, da CF/88, contém t rês objet ivos da educação: "a) p leno desenvolv imento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercíc io da c idadania; c) qual i f icação da pessoa para o t rabalho" . [71]

Contudo, para que o Di re i to de Ensino se rea l ize, a CF/88 conta com cer tos pr incíp ios cont idos no ar t igo 206: "un iversa l idade (ens ino para todos) , igualdade, l iberdade, p lura l ismo, gratu idade do ens ino públ ico, va lor ização dos respect ivos prof iss ionais , gestão democrát ica da escola e padrão de qual idade ( . . . ) . " [72] O ar t igo 6.º , da CF/88. a lçou a educação ao s tatus de Di re i to Socia l . Combinado com o ar t igo 205, expl icado ac ima, tem a seguinte mensagem: " todos têm o d i re i to à educação e o Estado tem o dever de prestá- la , ass im como a famí l ia . " [73]

Com re lação aos Di re i tos à Cul tura, os mesmos não foram inser idos no ar t igo 6.º , da CF/88. Estão ar ro lados no ar t igo 215, da CF/88: "O Estado garant i rá a todos o p leno exercíc io dos d i re i tos cu l tura is e acesso às fontes da cu l tura nac ional , e apoiará e incent ivará a va lor ização e a d i fusão das mani festações cu l tura is . " De novo, o pr incíp io da universa l idade ent ra em cena. Ou se ja, Di re i tos Cul tura is para todos. Para José Afonso da Si lva, os Di re i tos Cul tura is são:

" (a) d i re i to de cr iação cu l tura l , compreendidas as cr iações c ient í f icas, ar t ís t icas e tecnológicas; (b) d i re i to de acesso às fontes da cu l tura nac ional ; (c) d i re i to de d i fusão da cu l tura; (d) l iberdade de formas de expressão cu l tura l ; (e) l iberdade de mani festações cu l tura is ; ( f ) d i re i to-dever estata l de formação do pat r imônio cu l tura l bras i le i ro e de proteção dos bens de cu l tura, que, ass im, f icam suje i tos a um regime jur íd ico especia l , como forma de propr iedade de in teresse públ ico." (SILVA, 2001, p . 216)

8.2.3. Direi tos Sociais Relat ivos à Moradia

Na CF/88, o Di re i to à Moradia está consignado no ar t igo 6.º e ar t igo 23, IX. Possui duas faces. Uma negat iva; out ra, pos i t iva. "A pr imei ra s ign i f ica que o c idadão não pode ser pr ivado de uma moradia nem impedido de consegui r uma, no que impor ta à abstenção do Estado e de terce i ros. A segunda, que é a nota pr inc ipa l do Di re i to à Moradia, como dos demais Di re i tos Socia is , cons is te no d i re i to de obter uma moradia d igna e adequada, revelando-se como um di re i to pos i t ivo de caráter prestac ional , porque leg i t ima a pretensão do seu t i tu lar à rea l ização do d i re i to por v ia de ação pos i t iva do Estado." [74]

8.2.4. Direi to Ambiental

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O doutr inador José Afonso da Si lva amalgama o Di re i to ao Meio Ambiente propr iamente d i to , o Di re i to ao Lazer (prev is tos no ar t igo 6.º , da CF/88) e o Di re i to à Recreação, sob a a lcunha de Di re i to Ambienta l . D iscorramos brevemente sobre cada caso. "Lazer é a ent rega à oc ios idade repousante. Recreação é a ent rega ao d iver t imento, ao espor te, ao br inquedo. Ambos se dest inam a refazer as forças depois da labuta d iár ia e semanal . " [75]

Com re lação ao Di re i to ao Meio Ambiente, o ar t igo 225 é expl íc i to : " todos têm d i re i to ao meio ambiente ecologicamente equi l ibrado, bem de uso comum do povo e essencia l à sadia qual idade de v ida, impondo-se ao Poder Públ ico e à co let iv idade o dever de defendê- lo e preservá- lo para as presentes e fu turas gerações."

8.2.5. Direi tos Sociais da Criança e do Idoso

Embora a proteção à matern idade e à in fânc ia este jam prev is tos no ar t igo 6.º , da CF/88, como Dire i tos Socia is , sua especi f icação de conteúdo aparece em outros d isposi t ivos da Const i tu ição como capí tu lo da Ordem Socia l : "onde aparece como aspectos do Di re i to de Prev idência Socia l (ar t . 201, I I I : "proteção à matern idade, especia lmente à gestante") , do Di re i to de Ass is tênc ia Socia l (ar t . 203, I : "proteção à famí l ia , à matern idade, à in fânc ia, à adolescência e à ve lh ice" ; I I : "amparo às cr ianças e adolescentes carentes") e no capí tu lo da Famí l ia , da Cr iança, do Adolescente e do Idoso (ar t . 227, CF/88) , sendo de ter cu idado para não confundi r d i re i to ind iv idual da cr iança (Di re i to à V ida, à Dignidade, à L iberdade) com o seu Di re i to Socia l que, a l iás, sa lvo o pr incíp io da pr ior idade, co inc ide, em boa par te, com o de todas as pessoas (Di re i to à Saúde, à A l imentação, à Educação, ao Lazer) , com o d i re i to c iv i l (condições jur íd icas dos f i lhos em re lação aos pais) e com o d i re i to tu te lar do menor (ar t . 227, § 3.º , IV a VI I , e § 4.º , CF/88)" [76] A lém das normas const i tuc ionais e as constantes nas leg is lações c iv is e penais , out ro a l iado na proteção desses d i re i tos é a Lei n . º 8 .069/93, o Estatuto da Cr iança e do Adolescente.

Embora não este ja presente no ar t igo 6.º , o Di re i to dos Idosos são t idos como Dire i tos Socia is . Uma par te in tegra o Di re i to Prev idenciár io (ar t . 201, I , CF/88) , v ide aposentador ia , pr inc ipa lmente, e a out ra, o Di re i to Ass is tenc iár io (ar t . 203, I , CF/88) , "como forma protet iva da ve lh ice, inc lu indo a garant ia de pagamento de um salár io mín imo mensal , quando e le não possui r meios de prover à própr ia subsis tênc ia, conforme d ispuser a Le i . " [77] O ar t igo 230, da CF/88, d ispõe também que a famí l ia , a soc iedade e o Estado têm o dever de "amparar as pessoas idosas, assegurando a sua par t ic ipação na comunidade, defendendo sua d ign idade e bem-estar e garant indo- lhes d i re i to à v ida, bem como a gratu idade dos t ranspor tes co let ivos urbanos e, tanto quanto possíve l , a convivência em seu lar . " [78] Para dar maior a lento a esses precei tos const i tuc ionais , fo i e laborada e aprovada a Lei n . º 10.741/2003, o Estatuto do Idoso.

9. Direi tos da Nacional idade

De acordo com o ar t igo 12, I , da CF/88, são bras i le i ros natos: a- ) os nasc idos no Bras i l ; b- ) os nasc idos no est rangei ro, f i lhos de pais ou mãe bras i le i ros, desde que a serv iço da Repúbl ica Federat iva do Bras i l ; c - ) nasc idos no est rangei ro, f i lho de pai ou mãe bras i le i ros, desde que opte por res id i r no Bras i l . Embora, em regra, se tenha adotado o cr i tér io " jus so l is" para at r ibu ição de nac ional idade (ar t . 12, I , "a" , CF/88) , há resquíc ios de " jus sangüin is" (ar t . 12, I , "b" e "c" ) . A lguns autores d izem que se t ra ta de um cr i tér io misto, ou um " jus so l is" mi t igado. Trata-se de " jus so l is" quando o cr i tér io preponderante para at r ibu ição de nac ional idade é o local onde o su je i to nasce. Com re lação ao " jus sangüin is" , o cr i tér io gu ia é a descendência do su je i to .

A nac ional idade é o v ínculo jur íd ico que o su je i to tem com o Estado, que confere aos nac ionais pr iv i lég ios com re lação aos est rangei ros. A nac ional idade pode ser or ig inár ia , quer d izer , a pessoa nasce com ela, dev ido a cr i tér ios de sangue, ter r i tor ia is ou mistos. Ou a nac ional idade pode ser der ivada, ou se ja, a pessoa a adqui re, vo luntár ia e poster iormente ao nasc imento. Cidadania decorre da nac ional idade. Os Di re i tos da Cidadania são os Di re i tos Pol í t icos. Por tanto, o que se d iz , vu lgarmente, "dupla c idadania" , é , na verdade, dupla nac ional idade.

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São pol ipát r idas, aqueles que possuem mais de uma nacional idade, e apátr idas [79] , os que não têm nacional idade. Um exemplo de apátr ida é o bras i le i ro natura l izado que perdeu a sua condição nac ional em v i r tude de cancelamento jud ic ia l . (ar t . 5 . º , L I , c /c ar t . 5 . º , § 1. º , c /c ar t . 12, § 4. º , CF/88)

O que determina a d i ferença ent re bras i le i ros natos e bras i le i ros natura l izados é o nasc imento dentro do ter r i tór io nac ional ou a f i l iação, ta l como já c i tamos o ar t igo 12, I , e a l íneas, da CF/88. Para natura l izar -se o est rangei ro deve in ic iar um procedimento admin is t ra t ivo e jud ic ia l . [80] Na pet ição, o est rangei ro deve dec larar , de modo expresso, que opta pela nac ional idade bras i le i ra , seguindo o d isposto no ar t igo 12, I I , da CF/88, e na Lei n . º 6 .815/80, o Estatuto do Est rangei ro. A lgumas h ipóteses para a natura l ização podem ser a obtenção de v is to permanente, o casamento com bras i le i ro (a) ou ter f i lhos bras i le i ros.

O ar t igo 12, § 2.º , da CF/88, d ispõe que podem ser natura l izados: 1- ) "os que, na forma da le i , adqui ram a nac ional idade bras i le i ra , ex ig idas aos or ig inár ios de países de l íngua por tuguesa apenas res idência por um ano in in ter rupto e idoneidade mora l " (ar t . 12, § 2. º , I I , "a" , CF/88) ; 2- ) "os est rangei ros de qualquer nac ional idade, res identes na Repúbl ica Federat iva do Bras i l há mais de quinze anos in in ter ruptos e sem condenação penal , desde que requei ram a nac ional idade bras i le i ra" (ar t . 12, § 2. º , I I , "b" , CF/88) .

Aos por tugueses, o const i tu in te confer iu t ra tamento especia l , conforme o ar t igo 12, § 1.º , da CF/88: "Aos por tugueses com res idência permanente no País, se houver rec iproc idade em favor de bras i le i ros, serão at r ibuídos os d i re i tos inerentes ao bras i le i ro , sa lvo os casos prev is tos nesta Const i tu ição."

Um bras i le i ro , em regra, não pode perder a nac ional idade, sa lvo em casos de cancelamento da sua natura l ização, por sentença jud ic ia l , em v i r tude de at iv idade noc iva ao in teresse nac ional (ar t . 12, § 4. º , I , CF/88) ou aquis ição de out ra nac ional idade (ar t . 12, § 4. º , I I , CF/88) . Nesta ú l t ima, há exceções, que mui tas vezes cu lminam em mais de uma nacional idade: 1- ) "aquis ição or ig inár ia de nac ional idade pela le i est rangei ra" (ar t . 12, § 4. º , I I , "a" , CF/88) ; 2- ) " imposição de natura l ização, pe la norma est rangei ra, ao bras i le i ro res idente em Estado est rangei ro, como condição para permanência em seu ter r i tór io ou para o exercíc io de d i re i tos c iv is" (ar t . 12, § 4. º , I I , "b" , CF/88) .

Apesar de ser const i tuc ionalmente pro ib ida a d is t inção ent re bras i le i ros natos e bras i le i ros natura l izados, há a lgumas exceções. O ar t igo 12, § 3.º , da CF/88, apresenta expressamente os cargos pr ivat ivos para bras i le i ros natos, nos seguintes inc isos: " I - de Pres idente e Vice-Pres idente da Repúbl ica; I I - de Pres idente da Câmara dos Deputados; I I I - de Pres idente do Senado Federa l ; IV - de Min is t ro do Supremo Tr ibunal Federa l ; V - da carre i ra d ip lomát ica; VI - de of ic ia l das Forças Armadas; VI I - de Min is t ro de Estado da Defesa."

CAPÍTULO I I – DEONTOLOGIA PROFISSIONAL E CÓDIGOS DE ÉTICA

10.Direi tos Fundamentais Apl icados à Prof issão

Como v is to anter iormente, os Di re i tos Fundamenta is devem ser observados obr igator iamente em qualquer instânc ia compor tamenta l reg ida por uma Const i tu ição. Por tanto, os Di re i tos Fundamenta is , ass im como as demais normas da CF/88, são base de todo o ordenamento jur íd ico bras i le i ro . A CF/88 está no topo da ordem jur íd ica, confer indo fundamento e va l idade para as demais normais que lhes são subord inadas (Le is , Decretos, Atos Admin is t ra t ivos, Regulamentos, Por tar ias, e tc . ) . De acordo com o esquema proposto por Hans Kelsen

Const i tu ição-- - - - - - - - - - - - - - -

Le is Complementares-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Le is Ord inár ias e Medidas Prov isór ias

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- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -Atos Admin is t ra t ivos

"Mesmo nessas c i rcunstânc ias, a empresa ét ica não pode deixar de cumpr i r essas normas incorretas por s imples dec isão de sua admin is t ração. Para deixar de cumpr i r uma norma jur íd ica, e la prec isará de uma decisão jud ic ia l que a autor ize a ass im proceder .

Para ev i tar que as empresas f iquem aguardando os f ina is dos processos jud ic ia is , os ju ízes são autor izados a conceder ordens l iminares ou tu te las antec ipadas, que, na prát ica, são autor izações imediatas para que a empresa deixe de cumpr i r uma norma. Essa dec isão é outorgada no in íc io ou no t ranscorrer de um processo no qual a empresa p le i te ie o reconhecimento do v íc io de i legal idade e/ou inconst i tuc ional idade de uma norma.

A Const i tu ição atual permi te que cer tas associações de c lasse, de âmbi to nac ional , também ple i te iem junto ao Judic iár io , em nome dos seus associados, o reconhecimento da i legal idade ou inconst i tuc ional idade de uma norma jur íd ica." (MOREIRA, 2002, p . 21, gr i fo nosso)

Vemos, então, que a empresa não pode descumpr i r as Leis , exceto se e las forem consideradas i legais ou inconst i tuc ionais , desde que haja expressa autor ização jud ic ia l . Af ina l , n inguém, em tese, ser ia obr igado a cumpr i r o que d iz uma Lei i legal ou inconst i tuc ional , segundo o esquema ac ima expl icado. Em regra, por tanto, a empresa deve segui r a leg is lação que serv i rá , a lém dos pr incíp ios ét icos, para a formação e manutenção das normas de conduta empresar ia l . Ass im, o entendem Klaus M. Le is inger e Kar in Schimi t t , ampl iando e expl ic i tando, a inda, o concei to de Di re i to e a sua função no resguardo de va lores mora is :

" ’D i re i to , ass im def ine Ot f r ied Höf fe , é ‘a essência das obr igações normat ivas (normas, mas também est ruturas e processos, ass im como a conduta que lhes corresponde) que – em v igor num determinado tempo e para uma determinada comunidade pol í t ica concreta – regulam formalmente a convivência ’ . Este amplo concei to do Di re i to abrange normas jur íd icas, Di re i to Posi t ivo e normas soc ia is . O Di re i to estabelece quem deve fazer e ex ig i r o quê, como também contém concei tos mora is do t ipo ‘ lea ldade e fé ’ , ‘bons costumes’ ou ‘esper teza’ . Desta manei ra, a t ravés de mandamentos, pro ib ições e regras de procedimento o Di re i to contr ibu i dec is ivamente para estabelecer as condições para que numa soc iedade a convivência se ja o mais possíve l isenta de conf l i tos. O Di re i to é também um meio ef icaz para preveni r ou ev i tar um compor tamento cr iminoso ou grossei ramente negl igente." (LEISINGER & SCHIMITT, 2002, p . 46-47, gr i fos nossos)10.1Normas Jur íd icas Básicas para as Empresas

Aprovei tamos a s is temat ização de Joaquim Manhães More i ra , para ar ro lar uma l is ta de normas jur íd icas que consideramos básicas para as empresas, consideradas em seus re lac ionamentos. Embora não concordemos com todas as c lass i f icações, ass im as d ispomos, para f ins meramente d idát icos, no in tu i to de mostrarmos a impor tânc ia da leg is lação nac ional com re lação ao cot id iano prof iss ional . Na nossa concepção, a CF/88 é apl icável e norma base para todos os t ipos de re lac ionamentos da empresa, se ja com: a- ) c l ientes; b- ) consumidores; c- ) concorrentes; d- ) empregados; e- ) sóc ios e ac ion is tas; f - ) autor idades, candidatos e governo; g- ) públ ico em gera l .

Para Klaus Leis inger e Kar in Schimi t t , não basta encarar como agentes mora is somente os ac ion is tas (shareholders) . Devem ser considerados também como agentes mora is , com quem há de se re lac ionar ét ica e legalmente, os s takeholders. Que ra ios são os s takeholders? Um concei to genér ico para o ambiente soc ia l de uma empresa, composto de, à semelhança do parágrafo anter ior : "a- ) c l ientes; b- ) ecolog is tas; c- ) v iz inhos; d- ) fornecedores; e- ) concorrentes; f - ) s ind icatos; g- ) associações; h- ) autor idades e seus representantes; i - ) representantes da v ida

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pol í t ica. " [83] Os in teresses dos s takeholders são legí t imos e devem ser levados em consideração pelos d iversos setores est ruturados da empresa.

Há de se levar em conta a leg is lação e os pr incíp ios ét icos para se l idar com os s takeholders, tendo em v is ta que o ordenamento jur íd ico é um todo harmonioso e, em tese, não contrad i tór io . Daí , as Leis , num sent ido amplo, devem ser in terpretadas em seu conjunto e não apenas iso ladamente. Há de se prestar a tenção também no fa to de as Leis não serem dogmas in tocáveis , po is estão su je i tas a reformas leg is la t ivas. E ta is re formas podem se dar mui to ráp ido. Ass im, é necessár io estar a tento a ta is modi f icações. Suger imos v is i tar constantemente o s i te da Pres idência da Repúbl ica [84] , po is lá estão prat icamente todas as Leis Federa is , a tua l izadas constantemente.

10.1.1 Relacionamento com Cl ientes [85]

-Código de Defesa do Consumidor (Le i n . º 8 .078, de 11 de setembro de 1990) ;

-Le i n . º 8 .884/94 (Repressão ao Abuso de Poder Econômico) ;

- Le i n . º 8 .666/93 (L ic i tações e Contratos Públ icos) ;

- Decreto n.º 1 .171/94 (Código de Ét ica Prof iss ional do Serv idor Públ ico Federa l ) ;

- Código Civ i l ;

- Código Comerc ia l .

10.1.2. Relacionamento com Consumidores [86]

- Le i n . º 8 .884/94 (Repressão ao Abuso de Poder Econômico) ;

- Le i n . º 9 .609, de 19 de fevere i ro de 1998 (Proteção aos Programas de Computadores) ;

- Código Civ i l ;

- Código Comerc ia l ;

- Le i n . º 9 .279, de 14 de maio de 1996 (Nova Lei de Patentes) .

10.1.3. Relacionamento com Concorrentes [87]

- Le i n . º 8 .884, de 11 de setembro de 1994 (Repressão ao Abuso de Poder Econômico) ;

- Le i n . º 9 .279, de 14 de maio de 1996 (Nova Lei de Patentes) .

10.1.4. Relacionamento com Empregados [88]

- Const i tu ição Federa l de 1988, ar t igos 5.º e 6. º ;

- Consol idação das Leis do Trabalho (CLT) , Decreto-Lei n . º 5 .452, de 1.º de maio de 1943;

10.1.5. Relacionamento entre Sócios e Acionistas [89]

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- Le i n . º 6 .404/76 (Le i das Sociedades Anônimas, cu jos d isposi t ivos pr inc ipa is são também apl icáveis às Sociedades por Quota de Responsabi l idade L imi tada) .

10.1.6. Relacionamento com Autoridades, Candidatos e Governo [90]

- Código Penal (Decreto-Lei n . º 2 .848, de 7 de dezembro de 1940) ;

- Le i n . º 9 .100, de 20 de setembro de 1995 (Disc ip l ina e d ispõe l imi tes para doações dest inadas às campanhas e le i tora is) .

10.1.7. Relacionamento com o Públ ico em Geral [91]

- Le i n . º 9 .065, de 17 de fevere i ro de 1998 (Punições às condutas les ivas ao meio ambiente) ;

- Le i n . º 9 .613, de 1.º de março de 1998 (Punições às at iv idades de lavagem de d inhei ro) .

11. Introdução à deontologia prof issional

Em 1834, o f i lósofo e jur is ta ing lês Jeremy Bentham – pai da Escola Ut i l i tar is ta – cunhou o termo "deonto log ia" . Deonto log ia é um ramo da ét ica normat iva que estuda os fundamentos do dever e as normas mora is , ou se ja, é uma teor ia do dever . A deonto log ia prof iss ional , por sua vez, descreve e prescreve o agi r cor reto de uma determinada prof issão. Senhoras e senhores. Façamos um adendo. Expl iquemos o que vem a ser a ét ica e o que vem a ser a mora l , segundo Klaus M. Le is inger e Kar in Schimi t t : "Por ‘mora l ’ entendemos determinadas normas que or ientam o compor tamento prát ico (sobretudo para com o próx imo, mas também para com a natureza e para consigo mesmo). A ‘é t ica ’ , como c iênc ia, ocupa-se com o tema de uma manei ra descr i t iva e comparat iva, mas também como uma aval iação cr í t ica da mora l . " [92]

A mora l const i tu i -se de va lores e de normas. Os va lores or ientam a mora l , já as normas são as ex igências que lhe conferem imperat iv idade. Como era de se esperar , as normas mora is só possuem ef icác ia quando são ev identes para o ind iv íduo, a ler tam Leis inger e Schimi t t . Daí , é necessár ia uma just i f icat iva quando ta is normas mora is não são ev identes e, mui ta vezes, o "convencimento" . Por que a just i f icat iva e o convencimento? Porque, mui tas vezes, o que representa um valor para um pode ser um desvalor para out ro. Esse ju ízo de va lor , segundo Vic tor Kraf t , tem dois componentes: "o caráter de va lor , is to é, a propr iedade do va lor (por exemplo, ‘bom’ ou ‘mau’ ) , e o ob jeto (por exemplo, s incer idade, fa ls idade) , ao qual o caráter de va lor é at r ibuído." [93]

Diante d isso, há de se tomar cu idado com o "mora l ismo", ou " fa lso mora l ismo". "O mora l ismo reduz a ét ica a banal idades, t ransforma a v ida mora l em assunto de t r iv ia l impor tânc ia. E le amputa rad ica lmente a complex idade da ét ica, reduzindo-a a d imensões manipuláveis de pequenez mora l , capaz de ser reduzida a um código, cu jo seguimento t ranqüi l iza a consc iênc ia. " [94] Por isso, antes de se tomar ju ízos prec ip i tados, é prec iso anal isar todas as var iáveis possíve is , o contexto do problema, os agentes envolv idos, a leg is lação e os pr incíp ios ét icos. Com calma, se possíve l , e buscando co locar-se no lugar dos out ros. Com re lação aos s takeholders, há de se perguntar :

"Quem são os s takeholders, e quais os seus in teresses?

Quais as poss ib i l idades pos i t ivas e as potenc ia is ameaças que podem par t i r de les?

Que responsabi l idades (econômicas, soc ia is , ecológ icas e out ras) resul tam da te ia de re lações ent re a empresa e e les?

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Qual a est ratég ia correta para l idar com estas pessoas e seus in teresses?" (LEISINGER & SCHIMITT, 2001, p . 109)Para não nos atermos, ademais, as def in ições terminológicas. Trataremos deonto log ia empresar ia l como s inônimo de ét ica empresar ia l .

11.1. Julgamento Ét ico

Antes de versarmos sobre o ju lgamento ét ico, devemos fazer um in ter lúd io. Prec isamos de uma def in ição de rea l idade. Para Paul Watz lawick, segundo Leis inger e Schmi t t , ex is te uma real idade de pr imei ra ordem e uma real idade de segunda ordem. Que ra ios são cada uma? Leis inger e Schmi t t expl icam:

"A rea l idade de pr imei ra ordem refere-se aos fa tos f ís icos, is to é, àqueles aspectos da rea l idade re lac ionados com o consenso da percepção, e sobretudo com as conf i rmações exper imenta is , que podem ser repet idas e desta manei ra ver i f icadas. A rea l idade de segunda ordem baseia-se exc lus ivamente na at r ibu ição de sent ido e de va lor às co isas. Esta ‘segunda’ rea l idade está marcada por exper iênc ias presentes e passadas e pelo estado de conhecimento das pessoas, por seus desejos, sonhos e pesadelos. Tais fa tores in f luenciam as idé ias das pessoas a respei to do ‘bem’ e do ‘mal ’ , seus concei tos de sabedor ia e loucura. No âmbi to das rea l idades de segunda ordem não tem sent ido d iscut i r sobre o que é rea lmente rea l . " (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 113, gr i fos nossos)A real idade de pr imei ra ordem refere-se ao mundo onto lóg ico, aqui lo que é. Já a rea l idade de segunda ordem diz respei to ao mundo deonto lóg ico, aqui lo que deve ser . A ét ica e o Di re i to movimentam-se nos meandros da rea l idade de segunda ordem, ou se ja, no mundo do dever ser , que não corresponde necessar iamente àqui lo que tem que ser . Ocorre que nessa rea l idade de segunda ordem, nem tudo é igual para todos. Aquele que crê que a sua concepção de rea l idade é a única c lass i f icará as vozes d iscordantes com valores negat ivos, como "bobos" , "maus" ou " loucos" . Por tanto, não basta apenas af i rmar-se numa convicção. É necessár io levar o out ro em conta.

Para Leis inger e Schmi t t , o f i lósofo Hans Jonas soube l idar com esse problema de manei ra exemplar . O pr incíp io da responsabi l idade, de Hans Jonas, versa que é necessár ia uma nova ét ica, que leve em conta "a responsabi l idade concreta pelo que é dado aqui e agora, e por seus efe i tos no fu turo" . [95] Isso não s ign i f ica negar o mundo mater ia l , mui to pe lo contrár io . "Pelo menos eu in terpreto is to no sent ido de que, em seu concei to de progresso, o essencia l é a per fe ição ét ica dos ind iv íduos e da soc iedade como um todo. Dentro deste concei to , o progresso mater ia l também tem lugar ; o que e le re je i ta é a ceguei ra mater ia l para com todos os va lores imater ia is do homem e da d ign idade humana." [96]

Obviamente, a at iv idade empresar ia l v isa o lucro, porém, como ressal ta Hans Jonas, não se pode permi t i r o lucro a qualquer custo. Há l imi tes para a obtenção desse lucro, que pode ser conquis tado, desde que respei te os va lores da d ign idade humana. Em outras palavras. A corr ida pelo lucro e pelo sucesso empresar ia l é l íc i ta desde que não ofenda Const i tu ição, a Legis lação e, pr inc ipa lmente, os Di re i tos Fundamenta is do ser humano.

O ju lgamento ét ico deve levar tudo isso em consideração – as questões de fa to (da rea l idade de pr imei ra ordem – ou mundo onto lóg ico) e as questões ét icas e jur íd icas (da rea l idade de segunda ordem – ou mundo deonto lóg ico) – e mais : os sent imentos de empat ia . Por empat ia , entendemos, em termos s imples, o co locar-se no lugar do out ro. [97] A l iás, as tomadas de dec isões devem ser levadas em conta todas as opin iões, mesmo as contrár ias: "Nos complexos processos de dec isão sempre devem ser inc lu ídas vozes d iss identes (d iss ident vo ices) – tudo prec isa ser co locado sobre a mesa, não somente os fa tos mas também todas as opin iões possíve is , por menos s impát icas que possam parecer . A contrad ição de quem pensa de manei ra d i ferente, mesmo quando pareça inconveniente e contrár ia à tendência gera l das opin iões, tem que ser rac ionalmente refutada ou superada nas d iscussões de grupo, e não ser sem discussão ou por razões ideológicas varr idas para debaixo do tapete." [98]

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Essa preocupação se estende também ao meio ambiente e às conseqüências que determinada at iv idade o in f luencia, ass im com os demais agentes em redor :

"Como regra prát ica va le que, com a grav idade e a in tens idade dos efe i tos para a soc iedade e para o mundo ambiente, aumenta a necess idade de leg i t imação do agi r empresar ia l . Ex igências fe i tas contra a vontade dos at ing idos necess i tam, em todos os casos, de uma leg i t imação especia l , do contrár io e las representam uma def ic iênc ia mora l da ação da empresa. Pois a l iberdade das pessoas consis te também em que são e las, e não out ras, que devem decid i r sobre o va lor e a impor tânc ia de seus desejos e in teresses." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 116, gr i fo nosso)Para se ev i tar preconcei tos ou pré-condenações, e dec isões por demais genera l izantes, há de se esquemat izar todo o processo de ju lgamento ét ico, inser ido no contexto da ét ica empresar ia l . Le is inger e Schimi t t , c i tando Tödt , mostram os passos do ju lgamento ét ico:

"1. Percepção do problema: Em que consis te o problema ét ico? Trata-se rea lmente de um problema ét ico, ou será que a problemát ica se encontra em outro p lano in te i ramente d i ferente? Em todos os casos, é necessár ia aqui uma percepção in tegra l do problema, is to é, os problemas parc ia is têm que ser in tegrados dentro de um contexto mais amplo, para que sua impor tânc ia ét ica possa ser reconhecida.

2. Anál ise da s i tuação: Quais os contextos re levantes? Pelo problema que se apresenta nesta s i tuação especí f ica, quem se encontra em obr igação ou em uma responsabi l idade especia l?

3. Ju lgamento das opções de conduta: Como devem ser ju lgadas a longo prazo, num mundo de incer tezas e contrad ições sob o ponto de v is ta ét ico, as so luções técnicas e pragmát icas imediatas e aparentemente natura is? Quais as a l ternat ivas, quais suas conseqüências e seus efe i tos co latera is?

4. Anal isar as normas, os bens e as perspect ivas: Que normas e padrões têm que ser empregados para estabelecer as a l ternat ivas possíve is de conduta, e para aval iar a opção preferenc ia l? Que bens devem ser prefer idos em determinadas s i tuações?

5. Anál ise da obr igator iedade ét ica e comunicat iva: Será que, nesta s i tuação e sob estes mesmos pressupostos v i ta is , as out ras pessoas podem compor tar -se como é imposto pela dec isão em v is ta?

6. Decisão adotada: Qual o resul tado da ponderação e combinação dos c inco fa tores precedentes? A que conduta leva esta v isão e dec isão?" (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 116-117, gr i fos nossos)

11.2. Dos Males, o Menor?

Estamos d iante de um di lema ét ico [99] , quando nos encontramos em s i tuações l imi te . Mesmo que tenhamos nos precavido e nos guiado pelos pr incíp ios ét icos e jur íd icos, mais os se is passos para o ju lgamento ét ico, mui tas vezes, teremos que dec id i r ent re a l ternat ivas que não são de todo boas em s i , nem t razem 100% de conseqüências benéf icas. O ideal , como gostar íamos sempre – agindo segundo a Lei Mora l , nos precei tos de Immanuel Kant - , ser ia obedecer as normas. Mas e se obedecer as normas cegamente ocasionar um resul tado p ior que desobedecê- las? E se, mesmo obedecendo as normas, chegássemos a conclusões que causassem, cada qual num determinado grau de grandeza, um mal? Dos males, o menor . Ass im, d iz ia o ve lho d i tado popular .

Como agi r d iante de ta is s i tuações? Ci tando Georges Ender le , Le is inger e Schmi t t , propõem quatro regras?

"1. Decida sempre a par t i r de um ponto de v is ta imparc ia l .

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2. Decida dentro de um s is tema de objet ivos e d i re i tos, de ta l forma que os d i re tamente at ing idos se jam o mais possíve l respei tados em seus d i re i tos bás icos, e que o seu confor to não se ja in f luenciado por considerações de vantagens.

3. Decida de ta l forma que a ex igência de jogo l impo em re lação às pessoas se ja levada em consideração.

4. Decida de ta l forma que os recursos tenham um aprovei tamento ót imo, respei tando da melhor manei ra possíve l as t rês regras mencionadas ac ima." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 121, gr i fos nossos)Lembremos sempre, que v is lumbramos, em regra, um cenár io de normal idade, em que as empresas operam diante de desaf ios possíve is em caso de paz, e não de guerra. Por tanto, impor tante sa l ientar , qualquer que se jam as dec isões tomadas, e las não podem v io lar os d i re i tos bás icos, ou os Di re i tos Fundamenta is , dos d i re tamente afetados, como ass ina la o i tem 3. A imparc ia l idade deve marcar não só as dec isões, mas todo procedimento que levou a tomada das dec isões, mostrando, inc lus ive, t ransparência para todos os envolv idos. Tudo isso tem o in tu i to de ev i tar – ou d iminui r , se for o caso –, o máximo possíve l , os danos que, porventura, v ierem a ocorrer por causa das dec isões.

12. Conceito e Função de Código de Ét ica

Os códigos de ét ica empresar ia l são conjuntos de normas estabelec idas pela empresa no in tu i to de regular os compor tamentos. Na verdade, em vez de "Código de Ét ica" , prefer imos o termo "Código de Conduta" . Como já v imos, é t ica é a par te da f i losof ia , ou c iênc ia, que tem por ob jeto a mora l , esta re la t iva no tempo e no espaço. Ser ia s impl is ta reduzi r , então, a ét ica a um apanhado de normas codi f icadas por uma empresa. No máximo, poder íamos fa lar em deonto log ia prof iss ional que tem como referenc ia l de rac ional idade para procedimentos dec isór ios e de regulação de compor tamentos um código de normas. Mas como já fo i popular izado o termo "Código de Ét ica" , usaremos o d i to cu jo. Fazer o quê, né? Antes fa lemos do poder normat ivo das empresas e das normas empresar ia is .

A empresa tem poder de d i reção que lhe confere, de cer ta forma, um poder normat ivo no seu âmbi to de atuação. Quer d izer , por e laborar normas empresar ia is , que "são d i re t r izes ét icas de or ientação e ação postas em v igor por in ic ia t iva própr ia da empresa, is to é, sem que ex is ta imposição legal , mas mesmo ass im obr igando todos os co laboradores" [100] . Ta is normas não são fe i tas à toa. Têm uma função: "contr ibu i r para que se jam v isados e at ing idos da manei ra mais harmoniosa possíve l os objet ivos econômicos, soc ia is e ecológ icos da empresa. ( . . . ) sobretudo para grupos que atuam a níve l in ternac ional , que prec isam ocupar-se com as mais d iversas condições jur íd icas, soc ia is e cu l tura is . " [101] Para Leis inger e Schmi t t , têm as seguintes funções:

- "E las a judam a empresa a ident i f icar e def in i r suas responsabi l idades não-econômicas.

- Servem de or ientação nas s i tuações et icamente confusas, desta manei ra tornando desnecessár ias dec isões ad hoc.

- * Atuam em sent ido contrár io a uma progress iva regulamentação pelo Estado e suas autor idades, desta forma contr ibu indo para se chegar à l iberdade empresar ia l .

- D iminuem os custos soc ia is das t ransações." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 124, gr i fos nossos)As normas empresar ia is devem ser re ferenc ia is para a so lução de problemas reais , tendo em sua e laboração o d iá logo como um dos pr inc ipa is ingredientes. Essas normas empresar ia is podem ser compi ladas em forma de um código. Gera lmente, as empresas denominam essa compi lação de "Código de Ét ica" . Segundo Joaquim Manhães More i ra , "Código de Ét ica é um padrão de conduta para pessoas com di ferentes v isões e exper iênc ias apl icadas a at iv idades empresar ia is complexas.

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Pode serv i r como prova legal da in tenção da empresa" . [102] Ev i tar as deturpações na in terpretação e apl icação de pr incíp ios legais e ét icos é uma das pr inc ipa is preocupações:

"O Código de Ét ica tem a missão de padronizar e formal izar o entendimento da organização empresar ia l em seus d iversos re lac ionamentos e operações. A ex is tênc ia do Código de Ét ica ev i ta que os ju lgamentos subjet ivos deturpem, impeçam ou rest r in jam a apl icação p lena dos pr incíp ios. A lém d isso o Código de Ét ica, quando adotado, implantado de forma correta e regularmente obedecido, pode const i tu i r uma prova legal da determinação da admin is t ração da empresa, de segui r os precei tos nele re f le t idos." (MOREIRA, 1999, p . 33-34, gr i fos nossos)

13. Bases para um Código de Ét ica

Seremos breves neste tóp ico, po is cremos que Leis inger e Schmi t t s in tet izaram de forma coerente os pr incíp ios bás icos para a e laboração de um Código de Ét ica Empresar ia l , que deve levar em consideração: a- ) c l ientes; b- ) empregados; c- ) invest idores; d- ) fornecedores e parce i ros; e- ) empresas concorrentes; f - ) soc iedade.

13.1. Para uma Relação Ét ica com os Cl ientes

Leis inger e Schmi t t a f i rmam o óbv io. Todos os c l ientes, se jam d i re tos ou ind i re tos, devem ser t ra tados com respei to . Isso s ign i f ica que os produtos e serv iços devem ter a máxima qual idade possíve l de acordo com as necess idades dos seus c l ientes. Esse jogo l impo se refere "à l isura e honest idade em todas as t ransações de negócios, à p lena sat is fação, e a um serv iço e uma assessor ia prestat ivas, bem como a correção dos er ros" . [103] Outras preocupações de ext rema impor tânc ia são a consideração com a saúde e segurança dos c l ientes, se ja no aspecto da conservação se ja no aspecto do favorec imento. Ampl iando esse rac iocín io , os produtos e serv iços da empresa não podem deter iorar o meio ambiente, devendo preservá- lo e corr ig i - lo , na medida do possíve l . "A ofer ta de produtos e serv iços da empresa, bem como suas medidas de market ing e propaganda, têm que respei tar a d ign idade humana e proteger a in tegr idade cu l tura l de seus c l ientes." [104]

13.2. Para uma Relação Ét ica com os Empregados

Como não poder ia de ixar de ser , é c laro, os in teresses e a d ign idade dos empregados devem ser preservados. Le is inger e Schmi t t expl icam ta is pr incíp ios: [105]

- "cr iar e conservar vagas de t rabalho, bem como pagar sa lár ios que melhorem as condições de v ida dos empregados;

- cu idar de um c l ima e de condições de t rabalho que correspondam à d ign idade humana e proteger os empregados de doenças e fer imentos ev i táveis ;

- comunicar-se com s incer idade com os empregados, compar t i lhar as in formações com eles aber tamente, sem outras l imi tações que não se jam os deveres legais e compet i t ivos de s ig i lo ;

- estar f rancamente aber tas às idé ias, propostas, sugestões, perguntas e queixas dos empregados, ouv i - los, e , quando possíve l , ag i r de acordo com is to ;

- negociar f ie lmente com os empregados e suas associações quando ocorrerem conf l i tos;

- não admi t i r nem prat icar d iscr iminação por razão de sexo, idade, raça, re l ig ião e out ras d i ferenças;

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- co locar os empregados da melhor manei ra possíve l de acordo com suas capacidades, favorecer suas apt idões, bem como encora já- los e apoiá- los, a f im de que ampl iem seus conhecimentos e habi l idades;

- em todas as dec isões da empresa exercer seu dever de cu idado para com os empregados, bem como t ra tar com ser iedade e sensib i l idade os grandes problemas soc ia is do desemprego." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 194-195, gr i fos nossos)13.3 Para uma Relação Ét ica com os Invest idores

De acordo com Leis inger e Schmi t t , a empresa deve corresponder à conf iança que os invest idores nela deposi taram, tendo o dever de:

- "ger i r os negócios de uma manei ra prof iss ional , cu idadosa e inovadora, que garanta a rentabi l idade do capi ta l empregado pelos invest idores;

- conservar e ampl iar os bens de seus invest idores;

- ter uma comunicação f ranca com os invest idores e in formá- los sobre todos os assuntos impor tantes que, por razões legais ou de concorrênc ia, não devam permanecer sob s ig i lo ;

- respei tar as perguntas, propostas, queixas e resoluções formais dos invest idores, e atender a suas necess idades na medida do possíve l . " (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 195)13.4. Para uma Relação Ét ica com Fornecedores e Parcei ros

O respei to e a conf iança mútua devem pautar as re lações da empresa com seus fornecedores e parce i ros. Para que isso se mantenha, Le is inger e Schmi t t recomendam:

- "na escolha de seus fornecedores e parce i ros, cu idar que e les assumam responsabi l idades do ponto de v is ta soc ia l e ecológ ico, e que suas condições de emprego respei tem a d ign idade humana;

- cu l t ivar re lações constantes com os fornecedores cu jos produtos e serv iços se jam compet i t ivos no tocante a va lor , qual idade e segurança, e também quanto à conf iab i l idade;

- em todas as re lações comerc ia is com fornecedores e parce i ros agi r com l isura, conf iab i l idade e f ide l idade;

- ev i tar pressão e desnecessár ias questões jur íd icas, ou resolvê- las pac i f icamente;

- prestar aos fornecedores e parce i ros in formações re levantes e inc lu i - los em processos de p lanejamento;

- pagar pontualmente aos fornecedores, como fo i acer tado." (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 195)

13.5. Para uma Relação Ét ica com as Empresas Concorrentes

No Bras i l , há prev isão const i tuc ional legal e const i tuc ional de defesa da concorrênc ia, de regulação e proteção da propr iedade indust r ia l e dos d i re i tos autora is . A l iás, este é um dos precei tos fundamenta is da economia de mercado, contr ibu indo para a produção de r iqueza e d is t r ibu ição de bens e serv iços. Para cumpr i r esse in tu i to , as empresas devem:

- "apoiar a aber tura dos mercados para o comérc io e os invest imentos;

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- cont r ibu i r em toda par te para a cr iação e conservação de uma economia de mercado ecologicamente compat íve l , favorecendo-a e protegendo-a da observação de suas regras;

- mostrar l isura e respei to aos concorrentes no mercado;

- não i r a t rás de pagamentos ou favores quest ionáveis , nem prestar ta is favores, v isando conservar duv idosas vantagens de concorrênc ia;

- respei tar os d i re i tos de propr iedade mater ia l e in te lectual ;

- não adqui r i r in formações economicamente re levantes com métodos desonestos ou ant ié t icos;

- mot ivar as empresas concorrentes, e out ros ramos, a empregarem os mesmos pr incíp ios, e apoiá-las em seus esforços pelo emprego das máximas da ét ica empresar ia l . " (LEISINGER & SCHMITT, 2001, p . 196)13.6. Para uma Relação Ét ica com a Sociedade

Leis inger e Schmi t t a f i rmam que as empresas, como par te de uma soc iedade g lobal , têm o dever de apoiar uma reforma para a defesa e implantação dos d i re i tos humanos e do meio ambiente. As empresas devem ainda apoiar os legí t imos in teresses dos governos e as pol í t icas que v isem o desenvolv imento humano duradouro. O econômico não deve se sobrepôr aos in teresses soc ia is , nem v ice-versa. Ambos devem ser conci l iados. "Por ú l t imo, como bons membros da comunidade g lobal , const i tu i par te do dever das empresas, sempre que possíve l , poss ib i l i tarem a juda comuni tár ia , doações car i ta t ivas, cont r ibu ições para a formação e a cu l tura, bom como a par t ic iparem das at iv idades e in ic ia t ivas da comunidade e dos c idadãos." [106]

Bib l iograf iaBOBBIO, Nober to. A Era dos Di re i tos. 1 . ª ed. Rio de Janei ro (RJ) : Edi tora Campus, 1992.

ECO, Umber to; MARTINI , Car lo Mar ia . Em que crêem os que não crêem. Tradução de El iana Aguiar . R io de Janei ro (RJ) : Record, 2001. Traduzido de In cosa crede ch i no crede?

LEISINGER, Klaus M. & SCHIMITT, Kar in . Petrópol is (RJ) : Edi tora Vozes, 2001.

MOREIRA, Joaquim Manhães. A Ét ica Empresar ia l no Bras i l . 1 . ª ed. São Paulo (SP) : P ionei ra / Thomson Learn ing, 1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de Di re i to Const i tuc ional Posi t ivo. 19.ª ed. São Paulo (SP) : Malhei ros Edi tores, 2001.

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Ét ica é a par te da f i losof ia , ou c iênc ia, que tem como objeto de estudo a mora l , concei tuou o mexicano Adol fo Sánchez Vázques. No entanto, não há unanimidade ent re os autores. Porém, ét ica é ref lexão teór ica, a lgo que va i a lém da prát ica mora l , a desconst ró i , funda-a, re formula-a, expl ica José Renato Nal in i . No sent ido normat ivo, sa l ienta Nal in i , a é t ica é normat iva, porém não leg is la t iva, po is tem a função cr í t ica das normas.

Por re lac ionar-se com valores, a ét ica é ax io lóg ica, ou se ja, uma teor ia dos va lores – daqui lo que é o bem. Aqui se ver i f ica um impasse. Diante do dever e do va lor , qual a l ternat iva segui r : o que é o correto segundo a norma mora l ou jur íd ica, ou o que é considerado como val ioso (conduta, r iqueza, be leza, ent re out ros)?

Enf im, assunto para polêmicas. A inda mais ex is tem dois pos ic ionamentos contrár ios, com re lação à perenidade ou universa l idade das normas mora is . A corrente re la t iv is ta e empir is ta considera a norma é mutável , convencional e subjet iva. Ou se ja, var ia conforme a época e o lugar , sendo f ru to da vontade humana. Por out ro lado, a corrente absolut is ta e apr ior is ta prega uma moral un iversa l e ob jet iva, ens ina Nal in i (p . 23) .

As doutr inas mora is são agrupadas em quatro denominações, ou escolas ét icas, no entendimento de Eduardo García Maynez, corroborado por Nal in i : a- ) é t ica empír ica; b- ) é t ica de bens; c- ) é t ica formal ; d- ) é t ica va lorat iva.

ÉTICA EMPÍRICA

De acordo com a concei tuação de Immanuel Kant , a f i losof ia empír ica é baseada na exper iênc ia, já a pura em pr incíp ios rac ionais . “S ingelamente, é t ica empír ica é aquela que pretende der ivar seus pr incíp ios da mera observação dos fa tos” , narra Nal in i (p . 27) . Enfat iza-se o exame da v ida mora l , como o homem realmente é, em seu estado natura l . Mas, cada cabeça, uma sentença. Aí , resvala-se no re la t iv ismo e no subjet iv ismo mora l .

No subjet iv ismo mora l , cada um del ine ia o padrão de conduta que lhe é mais adequado, or ig inando o subjet iv ismo ét ico ind iv idual is ta e o subjet iv ismo ét ico soc ia l (ant ropologismo ou subjet iv ismo ét ico especí f ico) . “Em outras palavras, se nada é absolutamente bom, o caminho aber to é procurar condutas que pareçam mais benéf icas à soc iedade e ao ind iv íduo, fazendo do út i l o precei to mora l supremo”, fa la Nal in i (p . 28) .

As t rês ver tentes da ét ica empír ica são: a- ) é t ica anarquis ta, b- ) é t ica ut i l i tar is ta , c- ) é t ica cet ic is ta .

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ÉTICA EMPÍRICA ANARQUISTA

Anarquismo, do grego, s ign i f ica sem governo. A l iberdade incondic ional humana é a tôn ica dessa escola. Repudia as normas e os va lores, ass im, comenta Nal in i (p . 28) : “Di re i to , mora l convencional ismos soc ia is , re l ig ião, tudo const i tu i ex igência arb i t rár ia , nasc ida da ignorância, da maldade e do medo. Ass im, as le is não são legí t imas, se jam morais , se jam jur íd icas. E las desrespei tam a autonomia da vontade de cada um. A única regra a ser seguida é a determinação ind iv idual . ”

Se o que va le é a vontade humana, l iv re de cerceamentos, então, predomina a vontade do mais for te , que submetem os mais f racos a s i . Há também um para le lo inev i tável ent re o anarquismo e o hedonismo, já que apregoa a busca do prazer e a fuga da dor . Mas e se a busca do prazer const i tu i r -se em fazer bem ao out ro? O egoísmo veste a capa do a l t ru ísmo.

Frequentemente, o anarquismo combate as organizações soc ia is , pr inc ipa lmente, o Estado. Os anarquis tas ind iv idual is tas não são credores da v io lênc ia. Acredi tam que a razão progr ide a passos lentos e gradat ivos a uma forma de organização soc ia l em que o cerne da questão é a l iberdade absoluta.

Os anarquis tas comunis tas, por sua vez, pregam que, se necessár io , far -se-á o uso da v io lênc ia, que encontra leg i t imidade na recuperação da verdadei ra l iberdade, pr inc ipa lmente com o f im da propr iedade pr ivada.

Egoísmo ao ext remo? Não é bem ass im. Trata-se de uma v ida em cooperação e associação espontâneas, v isando a excelênc ia no desenvolv imento da ind iv idual idade. Anarquis tas são d i ferentes dos ind iv idual is tas. Estes propõem uma l iv re associação de egoís tas, d iz Nal in i (p . 29) , sem demonizar a propr iedade pr ivada, porém, demonizando o associat iv ismo.

ÉTICA EMPIRISTA UTILITARISTA

O ut i l i tar ismo é uma doutr ina que se or ig inou na Ing later ra, tendo como pr inc ipa is autores Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuar t Mi l l (1806-1873) . A l iás, Bentham fo i o mestre de Stuar t Mi l l , que lançou as bases da democrac ia l ibera l . Também conhecido como moral ismo br i tân ico ou pensamento rad ica l , l ibera l ismo c láss ico ou pos i t iv ismo ing lês, o ut i l i tar ismo in f luencia o pensamento ét ico- f i losóf ico, econômico e jur íd ico por pe lo menos dois séculos. De acordo com Luis A lber to Peluso (p. 202) , fo i a pr imei ra escola f i losóf ica, em sent ido est r i to , que se or ig inou no mundo de fa la ing lesa. Essa doutr ina é mui to atua l e seus argumentos são ut i l izados f requentemente nos processos dec isór ios, se ja no âmbi to par t icu lar , mi l i tar ou pol í t ico, justamente por se enfocar mais nas consequências. Trata-se de uma teor ia ét ica consequencia l is ta , na qual se def inem anter iormente os bens a serem at ing idos ou protegidos. E o Di re i to ser ia o meio de consegui - los. Uma cur ios idade. Essa doutr ina também inspi rou, qu içá, programas contemporâneos de ent reten imento, na l inha dos rea l i ty shows, como o famigerado “Big Brother” . Qualquer semelhança com o Panopt icon de Bentham poderá não ser mera semelhança.

Bentham: revolucionário e conservador

Bentham nasceu em Londres, um dos se is f i lhos de um advogado de renome e corretor de imóveis . Quando t inha 12 anos, ent rou no Queen’s Col lege, em Oxford, sagrando-se bachare l em Humanidades em 1763. Estudou numa das escolas de Di re i to de Londres ( Inn ’s of Cour t ) , a L incoln ’s Inn, mas vo l tou a Oxford, para estudar com Si r Wi l l iam Blackstone, a quem cr i t icou severamente pela sua teor ia dos Di re i tos Natura is , a qual , para Bentham, era i r rac ional . Seguiu a t rad ição empir is ta de John Locke e de David Hume. Não quis advogar , po is decepcionou-se com a manei ra como era conduzida a prát ica da prof issão naquela época.Em 1766, tornou-se mestre em Humanidades e retornou para Londres. Era um reformador po l í t ico e inventor . Em suas aulas, Peluso at r ibu i a invenção de um protót ipo inc ip iente de geladei ra a

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Bentham. Apesar dos avanços “ rad ica is” , Bentham também era um conservador . T inha preocupação em preservar a soc iedade ing lesa do furor que ocorreu na França e nos Estados Unidos, a revolução.Escreveu vár ios l iv ros como “Fragmento sobre o governo” e “ In t rodução aos pr incíp ios da mora l e da leg is lação” . Bentham cr iou a palavra “deonto log ia” , ou se ja, o conjunto de pr incíp ios mora is e legais ap l icados às at iv idades prof iss ionais . A expressão Di re i to In ternac ional também é uma cr iação at r ibuída a Bentham, antes ut i l izava-se o termo “Di re i to das Gentes” .Tornou-se uma pessoa in f luente e seu grupo a judou a fundar a Univers idade de Londres. Morreu aos 84 anos, em 1832. Seu cadáver fo i embalsamado e d isposto na Univers idade de Londres (ver fo to) . Toda vez que o co leg iado se agrega, o cadáver de Bentham par t ic ipa da reunião.

O princípio da ut i l idade

Para Wayne Morr ison (p. 222) , o ut i l i tar ismo de Bentham fo i uma tentat iva de se cr iar uma c iênc ia ob jet iva da soc iedade e da pol í t ica. Pensava-se em se l iv rar do subjet iv ismo, ta l como da in f luência re l ig iosa e dos ac identes h is tór icos. In teresse e razão se combinavam e o ponto arquimediano (de equi l íbr io) estar ia na própr ia natureza: o pr incíp io da ut i l idade.O f rancês Helvet ius escreveu que o homem é governado pelo prazer e pe la dor . Essa fo i a base do l iv ro “ In t rodução aos pr incíp ios da mora l e da leg is lação” . Escreveu Bentham: “A natureza co locou a humanidade sob o domínio de dois senhores soberanos, a dor e o prazer . Só a e les compete ind icar o que devemos fazer , ass im como determinar o que faremos. A seu t rono estão at re lados, por um lado, o cr i tér io que d i ferenc ia o cer to do er rado, e , por out ro, a cadeia das causas e dos efe i tos. ”O ser humano busca o prazer e foge da dor . E este ser ia o embasamento para uma f i losof ia jur íd ica cr í t ica e também como modelo para o leg is lador hábi l cont ro lar e d i r ig i r o compor tamento soc ia l . “Nesse sent ido, e le defendeu a idé ia de que o pr incíp io que rege tanto as ações ind iv iduais quanto as soc ia is é : ‘a busca da fe l ic idade para o maior número de pessoas’ . Esse pr incíp io da ut i l idade dar ia consis tênc ia a uma Ét ica capaz de produzi r o melhor dos ind iv íduos e a melhor das co let iv idades. Por tanto, a busca do prazer pe la fuga da dor é o pr incíp io mot ivador da ação humana, tanto ind iv idual quanto co let iva. Disso decorr ia uma Ét ica para ind iv íduos rac ionais , capazes de buscar seus própr ios in teresses, amantes da v ida. Enf im, uma Ét ica com todos os ingredientes da v isão I lumin is ta do mundo que ter ia caracter izado os séculos XVI I e XVI I I ” , ass ina la Peluso (p. 13-14) .Peluso descreve os pr incíp ios (P) e as regras (R) mora is do ut i l i tar ismo de Bentham (p. 24-25) :

“ I – Pr incíp io da Ut i l idade:P1. Todo ser humano busca sempre maior prazer possíve l .R1. Busque sempre o maior prazer e fu ja da dor .I I – Pr incíp io da Ident idade de In teresses:P2. O f im da ação humana é a maior fe l ic idade de todos aqueles cu jos in teresses estão em jogo. Obr igação e in teresse estão l igados por pr incíp io .R2. A ja de forma que sua ação possa ser modelo para os out ros.I I I – Pr incíp io da Economia dos Prazeres:P3. A ut i l idade das co isas é mensurável e a descober ta da ação apropr iada para cada s i tuação é uma questão de ar i t imét ica mora l .R3. Faça o cá lcu lo dos prazeres e das dores e def ina o bem em termos genér icos.IV – Pr incíp io das Var iáveis Concorrentes:P4. O cá lcu lo mora l depende da ident i f icação do va lor ar i tmét ico de sete var iáveis : In tens idade/Duração/Cer teza/Prox imidade/Fecundidade/Pureza/Extensão.R4. Procure maximizar a ob jet iv idade e a exat idão de suas aval iações mora is .V – Pr incíp io da Comiseração:P5. O sof r imento é sempre um mal . E le só e admissíve l para ev i tar um sof r imento maior .R5. A l iv ie o sof r imento a lhe io.VI – Pr incíp io da Ass imetr ia :

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P6. Prazer e dor possuem valores ass imétr icos, po is a e l iminação da dor sempre agrega prazer .R6. Escolha sempre a ação que resul ta na maior quant idade de prazer , agregando o prazer da e l iminação de sof r imento. ”

O papel do Direi to

Para Bentham, ét ica, mora l e Di re i to eram a mesma coisa. Pretendia in ic iar uma nova c iênc ia do Di re i to , ta l como reformar a soc iedade, tornando-a moderna e d isc ip l inada. “Contrar iamente aos jur is tas mais destacados desse per íodo, Bentham defendeu a idé ia de que as le is são revogáveis e aper fe içoáveis” , sa l ienta Peluso (p. 19) .Porém, a medida também era conservadora: “Bentham sempre temeu as revoluções que, em seu tempo, v iu varrer o cont inente europeu e as Amér icas. A ordem e a segurança eram preocupações centra is , ass im como era cruc ia l poder contar com essa prev is ib i l idade da in teração e da cer teza do resul tado. O comérc io ex ige um s is tema jur íd ico que faça cumpr i r as promessas e assegure as expectat ivas legí t imas” , narra Morr ison (p. 225) . Também f r isa Peluso (p. 209) : “Educação e d isc ip l ina soc ia l são as duas p i last ras que garantem a soc iedade e a c iv i l ização. A soc iedade é um s is tema de recompensas e punições, e a tarefa do governo consis te em garant i r a est rutura para a implementação das punições e as condições para que os ind iv íduos possam desf rutar das recompensas que se seguem de seus própr ios esforços. ”O Di re i to , então – para Bentham - , assume impor tânc ia de destaque. O leg is la t ivo só deve e laborar e aprovar le is segundo o pr incíp io da ut i l idade. As le is devem ser produzidas para aumentar a fe l ic idade do maior número de pessoas. As le is poder iam ser pr inc ipa is (se d i r ig idas aos c idadãos) , ou subsid iár ias (para as autor idades fazerem cumpr i r as pr imei ras) . “Contudo, o ut i l i tar ismo não se esgota nessa Ét ica do sucesso. E le também t ransforma em mot ivo ét ico o f racasso. Pois que, em seu pro jeto, se o pr incíp io da ação humana é a busca do prazer e a e l iminação da dor , e le estabelece um vínculo causal ent re o prazer do agente ind iv idual e o sof r imento que possa, de a lguma forma, estar associado à sua ação. Ass im, o agente mora l é responsável pe la e l iminação de todas as formas de sof r imento ident i f icadas na convivência soc ia l . A e l iminação do sof r imento a lhe io se torna mot ivo da ação mora l de cada um”, comenta Peluso (p. 14) .

A verdadei ra função do Di re i to ser ia d isc ip l inar as pessoas, como ensina Peluso (p. 209) : “Nesse sent ido a educação e a d isc ip l ina soc ia l são ingredientes ind ispensáveis para o func ionamento da soc iedade. Pessoas sem educação f requentemente buscam a opor tun idade de se aprovei tar das recompensas dev idas a out ros, ou a inda procedem sem levar em consideração os verdadei ros efe i tos, em termos de prazer e de dor , de sua conduta pessoal . ”Houve também especia l a tenção às sanções e punições, já que o prazer e a dor a t r ibuem verdadei ros va lores aos atos e também são causas ef ic ientes do compor tamento, expl ica Morr ison (p. 227) . Paul Smi th complementa: “Para Bentham, por tanto, a ut i l idade (prazer ou fe l ic idade) def ine o benef íc io . Essa concepção é usada para determinar o que é Di re i to . Bentham propõe o pr incíp io da ut i l idade ou da maior fe l ic idade. Esse é o pr incíp io que ‘aprova ou não toda ação’ de acordo com sua tendência de ‘aumentar ou d iminui r ’ a fe l ic idade. Apl ica-se a toda ação, apenas às dos ind iv íduos, mas também as do governo.”Comenta Smi th (p . 162) que, de acordo com Bentham, os e lementos essencia is e a est rutura do ut i l i tar ismo ser iam a concepção do benef íc io como prazer ou fe l ic idade (ut i l idade) e o Di re i to ser ia s implesmente a lgo para aumentar essa fe l ic idade. A ação correta ser ia aquela que atendesse melhor aos desígnios da ut i l idade, a maior fe l ic idade ou o prazer para o maior número possíve l de pessoas. “F ica ev idente que, na formulação de Bentham, a in terpretação do pr incíp io de ut i l idade impl ica a co inc idência ent re o prazer par t icu lar e o bem públ ico. Nesse sent ido, a fe l ic idade a lhe ia é desejada porque está associada com a própr ia fe l ic idade do su je i to mora l ” , exp l ica Peluso (p. 18) . Morr ison (p. 229) complementa: “O d i re i to ob jet iva aumentar a fe l ic idade to ta l da soc iedade ao desest imular os atos que possam gerar más consequências. Um ato cr iminoso ou i legal representam, por def in ição, uma prát ica c laramente pre jud ic ia l à fe l ic idade do corpo soc ia l ; somente um ato que, de a lguma forma especí f ica, in f l i ja na prát ica a lgum t ipo de dor – d iminuindo, ass im, o prazer de um ind iv íduo ou grupo especí f ico – deve ser ob jeto da preocupação do Di re i to . ”

As sanções como força vinculatór ia

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Just i f ica-se, ass im, que os d i re i tos de uma minor ia se jam sacr i f icados em nome dos d i re i tos de uma maior ia . Porém, isso não é tão s imples. É prec iso saber ca lcu lar o prazer e a dor . As sanções dão força v inculatór ia a uma regra de conduta ou le i , exp l ica Morr ison (p. 227) , e são, no to ta l , de quatro t ipos: f ís icas, públ icas, mora is ou re l ig iosas. Ser iam as sanções ameaças de dor . “Na v ida públ ica, o leg is lador entende que os homens se sentem l igados a cer tos atos somente quando estes têm uma sanção c lara a e les associados, e ta l sanção consis te em a lguma forma de dor se o t ipo de conduta determinado pelo leg is lador for in f r ing ido pelo c idadão. Por tanto, a pr inc ipa l preocupação do leg is lador é dec id i r que formas de compor tamento tenderão a aumentar a fe l ic idade da soc iedade, e quais sanções serão mais passíve is de produzi r essa maior fe l ic idade. ( . . . ) A lém d isso, Bentham adotou a pos ição de que, sobretudo na esfera soc ia l em que o d i re i to opera, a le i só pode puni r aqueles que rea lmente in f l ig i ram sof r imento, qualquer que se ja seu mot ivo, a inda que se admi tam a lgumas exceções” , assevera Morr ison (p. 228) .A teor ia da punição proposta pelo ut i l i tar ismo é s imples e mais capaz de at ing i r seus objet ivos. Porém, considerava Bentham que a punição é um mal em s i , po is acarreta em sof r imento e dor . Só se ut i l iza a punição, então, no in tu i to de puni r um mal maior . Deve e la ser ú t i l para que, ao f ina l se tenha mais prazer e fe l ic idade. Desta fe i ta , não se t ra ta de reta l iação ou de v ingança pura. “A punição não dever ia ser in f l ig ida ( i ) quando for in fundada; por exemplo, quando inef icaz, no sent ido de não ser capaz de impedi r um ato pre jud ic ia l ; ( i i ) quando for inef icaz, no sent ido de não ser capaz de impedi r um ato pre jud ic ia l ; por exemplo, quando uma le i cr iada depois do ato for re t roat iva, ou ex post facto, ou quando uma le i já ex is te mas não fo i publ icada. A punição também ser ia inef icaz quando est ivessem envolv idos uma cr iança, um louco ou um bêbado, a inda que Bentham admi t isse que nem a in fânc ia nem a in tox icação eram bases suf ic ientes para a ‘ impunidade absoluta ’ . A punição também não deve ser in f l ig ida ( i i i ) quando for improf ícua ou excess ivamente onerosa, ‘quando os danos em que resul tasse fossem maiores do que aqui lo cu ja ocorrênc ia impedisse’ ; ( iv ) quando for desnecessár ia , ‘quando o dano puder ser impedido ou in ter rompido sem ela, is to é, a um menor custo ’ , sobretudo nos casos ‘que consis tem na d isseminação de pr incíp ios pern ic iosos em matér ia de dever ’ , uma vez que em ta is casos a persuasão é mais ef icaz do que a força” , d iz Morr ison (p. 230) .

No programa de te lev isão “B ig Brother” , todos os par t ic ipantes são v ig iados a todo momento por câmeras de te lev isão. Essa sensação de ser observado a todo momento não é nov idade. Esse mecanismo que ut i l izar o o lhar a lhe io como meio de se co ib i r compor tamentos fo i concebido por Bentham. Ele concebeu um t ipo de prédio com uma arqui te tura s ingular e o denominou de Panopt icon. Nesse imóvel , as pessoas conf inadas ser iam v ig iadas constantemente, para condic ionar o compor tamento humano. Esse modelo poder ia ser ap l icado às pr isões, porém, ser ia aber to ao públ ico, que, durante as v is i tações, examinar ia a arqui te tura e manter ia a v ig i lânc ia sobre os rec lusos. O f rancês Michel Foucaul t , no l iv ro “V ig iar e Puni r ” , escreveu um capí tu lo especí f ico sobre o Panopt icon. Vale a pena confer i r e comparar com o “B ig Brother” .

Ética empír ica cet ic ista

O cét ico não crê em coisa a lguma, sem se deter a qualquer dogma. A l iás, não ju lga, não toma par t ido a lgum, de af i rmar , ou negar . De cer ta manei ra, remonta à f rase de Sócrates: “Só se i que nada se i . ” Porém, duv idar de tudo sempre leva a a lguma coisa?

Necessár io , então, d i ferenc iar a dúv ida metódica da dúv ida s is temát ica. Como método a dúv ida é uma suspensão do ju ízo t rans i tór ia , no in tu i to de se at ing i r a cer teza. Ou se ja, é a lgo normal que fecunda a ref lexão e a pesquisa, para se tomar as dec isões corretas, e não acredi tar em tudo que se co loca p iamente em seu caminho, as meras aparências. É uma dúvida saudável , em busca de um índice maior de cer teza. Já a dúv ida s is temát ica é caracter ís t ica dos que tudo duv idam, e sempre.

O cet ic ismo absoluto é compl icado. Os cét icos, a l iás, ver i f icam a necess idade de uma moral e a lguns va lores: o va l ioso se encontra na natureza, usar a moderação para sat is fazer as necess idades humanas, reconhecer as le is e costumes que rea lmente mereçam isso e d ign i f icar o t rabalho, d iz Nal in i (p . 36) .

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O posi t iv ismo lóg ico, do Círcu lo de Viena, tem um cr i tér io empír ico de s ignf icado, no qual um enunciado não tem s ign i f icado se não pode ser ver i f icado empir icamente, por qualquer um dos sent idos. Ass im, mui tos desses ju ízos de va lor ser iam apenas expressões de emoções. Hans Kelsen, jusf i lósofo, re forçou esse entendimento, ao separar rad ica lmente mora l de Di re i to . Só pode ser aprec iado o que é objet ivo, a norma posta, cr iada pelo Estado. O resto é subjet iv ismo e não tem val idade.

ÉTICA EMPÍRICA SUBJETIVISTA

No subjet iv ismo ét ico, o ind iv íduo é a fonte da conduta mora l . A ét ica subjet iv is ta const i tu i , assevera Nal in i (p . 39) , a forma mais comum de ét ica empír ica, já que todas as co isas são observadas pelo ponto de v is ta pessoal . Adota-se a conduta mais adequada com a escala de va lores que o própr io su je i to const ru iu . Por isso mesmo, se d iz que a or igem do subjet iv ismo está no sof is ta Protágoras de Abdera: “O homem é a medida de todas as co isas. ”

Nal in i (p . 40) tece uma per t inente cr í t ica e que corrobora com o subjet iv ismo ind iv idual is ta : “Cada homem é a medida do bem e do mal e seu própr io parâmetro. V ive-se uma época em que não é d i f íc i l demonstrar o a lcance dessa compreensão do mundo. In teressante observar que o subjet iv ismo não só permanece na pós-modern idade, como se espra iou em todos os setores da ex is tênc ia humana. ( . . . ) Compreender o tsunami de subjet iv ismo que tomou conta do pensamento universa l pode aux i l iar no enf rentamento do ‘va le- tudo’ contemporâneo, em que os temas os mais d iversos, desde os aparentemente s ingelos até os mais complexos, adqui rem versões as mais díspares, a depender do ângulo de v isão de quem os anal ise. ”

Entretanto, também exis te o subjet iv ismo soc ia l ou especí f ico. No subjet iv ismo ét ico soc ia l , busca-se o consenso, como uma imensa enquete de “B ig Brother” . Busca-se objet iv idade por meio do consenso, bastando a voz da maior ia . Contudo, mui to cu idado nessa hora. O senso comum e os preconcei tos batem for te nesse momento, o que pode levar a conseqüências funestas, como a perseguição de minor ias étn icas ou a conf l i tos de re l ig ião.

O cr i tér io ut i l idade é o parâmetro de objet iv idade do subjet iv ismo ét ico especí f ico. “Essa ref lexão se faz também em re lação ao verdadei ro, ao bom, ao justo. Se a lgo é verdadei ro para um também é verdadei ro para out rem, ou não é verdadei ro. Ex is te uma re lação de ident idade na af i rmação da mesma verdade. Ass im, o verdadei ro é o soc ia lmente verdadei ro, o bom é o soc ia lmente bom e o justo, o soc ia lmente justo” , ens ina Nal in i (p . 42) .

ÉTICA DE BENS

A ét ica de bens, dos f ins, ou te leo lóg ica, é contrár ia ao re la t iv ismo. Por tanto, estabelece um valor fundamenta l , ou “ té los” , um f im ú l t imo que é estabelec ido como parâmetro ou meta a ser a t ing ida pelo ser humano. “O supremo bem da v ida consis t i rá na rea l ização do f im própr ia da cr ia tura humana. Esse objet ivo, na h ierarquia dos bens, é o que se chama bem supremo”, fa la Nal in i (p . 43) . E o que é o bem supremo? Nal in i (p . 44) ar remata: “Para se estabelecer a h ierarquia dos f ins, basta ver i f icar qual de les pode ser , s imul taneamente, f im e meio para a obtenção de out ro f im. Quando a lguém se def ronta com um bem que não pode ser meio de qualquer out ro, então esse é o seu bem supremo.Ética dos bens: eudemonismo, ideal ismo e hedonismo

Há t rês matr izes fundamenta is na ét ica dos bens, o eudemonismo, o ideal ismo ét ico e o hedonismo. Apr imoram-se as v i r tudes para se at ing i r o bem. Eudemonia, em grego, s ign i f ica fe l ic idade. Eudêmones eram habi tantes da Arábia Fel iz , narra Nal in i (p . 44) : “O eudemonismo aval ia como et icamente pos i t ivas todas as at i tudes que aprox imem o homem daqui lo que e le considera fe l ic idade. Inc luem-se nessa compreensão as doutr inas que fazem da ventura o va lor supremo. Par tem do pressuposto de que a tendência à fe l ic idade é inata ao homem. ( . . . ) Todos os out ros bens da v ida podem ser meios para a obtenção daquele que é o eternamente apetecíve l em s i , insuscet íve l de ser conver ter em meio para uma f ina l idade que fosse a inda super ior a e la . ”

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Prat icar o bem é a f ina l idade do ser humano, de acordo com o ideal ismo. O ideal is ta , ou estó ico, busca ser bom, o que pode co inc id i r , ou não, com ser fe l iz . A v i r tude é um f im nela mesma, e não um meio. “ Impõe-se a cr ia tura ser v i r tuosa, a inda que d isso não se ext ra ia prazer a lgum. A h is tór ia do homem está rep leta de modelos ideal is tas. No passado e mesmo no presente, a inda podem ser apontadas f iguras que oferecem o seu esforço, o seu ta lento e a sua dedicação a uma causa” , sa l ienta Nal in i (p . 44) .

O bem supremo do hedonismo é o prazer , se ja na sua faceta sensual , do dele i te , da at iv idade in te lectual ou ar t ís t ica. Nada mais atua l que o hedonismo, a busca do prazer desenfreado, sem se preocupar necessar iamente com as conseqüências ou com o bem-estar ou consideração com o out ro. Há vár ias doutr inas associadas com o hedonismo.

Essas t rês ver tentes podem se misturar , apregoa Nal in i (p . 45) : “Há o eudemonismo ideal is ta , para o qual a fe l ic idade é o f im supremo, mas o caminho único a at ing i - la é a v i r tude. O eudemonismo hedonis ta e legeu a fe l ic idade como f im, mas o prazer como meio. ”

Ética dos bens: Sócrates, Platão e Aristóteles

No in íc io da F i losof ia , o foco era na or igem da natureza, do mundo e, por re f lexo, as re lações ent re os homens. Porém, com o movimento dos sof is tas no século V antes de Cr is to , houve uma ruptura, no qual o homem é co locado no centro das d iscussões f i losóf icas. Os sof is tas – sábios – foram os pr imei ros professores, mas não formaram uma escola propr iamente d i ta , já que vár ios dos seus pensamentos d iverg iam entre s i .Com uma re la t iva estabi l ização pol í t ica da Gréc ia Ant iga (século V a.C.) , no chamado Século de Pér ic les, não hav ia tanta necess idade de cu l t ivar as v i r tudes (arete) dos guerre i ros. Nessa época, f loresceram as ar tes, a mi to log ia, a f i losof ia , a l i teratura, a h is tór ia e a po l í t ica. Os fa tores que contr ibuí ram para isso, segundo Bi t tar e A lmeida (p. 92) , foram a par t ic ipação popular nos inst rumentos de poder , pr inc ipa lmente com a est ruturação da democrac ia de Atenas, a expansão das f ronte i ras gregas, acúmulo de r iquezas e in tens i f icação do comérc io, inc lus ive com outros povos, e a ut i l ização do “ fa lar bem” para assemblear , a lém de se ter conhecimentos gera is .

Os sof istas e a democracia grega

Foram os sof is tas uma resposta às necess idades da democrac ia grega, ou se ja, exercer a c idadania por meio do d iscurso. “ Isso não há que se negar como dado comum a todos os sof is tas: são e les homens dotados de domínio da palavra, e que ens inam a seus audi tór ios (audi tór ios aber tos ou c í rcu los de in ic iados) a ar te da retór ica, com v is ta no incremento da ar te persuasiva (pe i tho)” , escrevem Bi t tar e Ass is (p . 93) .O domínio da ar te re tór ica, por par te de homens dotados da técnica ( techné) da ut i l ização das palavras, expl icam Bi t tar e A lmeida (p. 94) , era necessár io não somente na praça públ ica (agorá) , mas também para atuar perante os magis t rados, na t r ibuna: “As palavras tornaram-se o e lemento pr imord ia l para a def in ição do justo e do in justo. A técnica argumentat iva facul ta ao orador , por mais d i f íc i l que se ja sua causa jur íd ica, suplantar as barre i ras dos preconcei tos sobre o justo e o in justo e demonstrar aqui lo que aos o lhos vu lgares não é imediatamente v is íve l . ”Talvez se tenha noção, vu lgarmente, de que os sof is tas – mui tos deles est rangei ros - formaram uma única escola, por estarem no cenár io das polêmicas com Sócrates (469-399 a.C) e seu d iscípu lo P latão (427-347 a.C.) . “Os sof is tas sempre foram mal in terpretados por causa das cr í t icas que a e les f izeram Sócrates e Platão. A imagem de cer ta forma car icatura l da sof ís t ica tem s ido ree laborada na tentat iva de resgatar a sua verdadei ra impor tânc ia” , ass ina lam Mar ia Lúc ia de Arruda Aranha e Mar ia Helena Pi res Mar t ins (p . 120) .Sócrates acusou os sof is tas de “prost i tu ição” s implesmente porque estes ens inavam para aqueles que pudessem pagá- los, sendo os pr imei ros “professores” , na concepção atual da palavra, ens inam Aranha e Mar t ins (p . 120) : “Cabe aqui um reparo: na Gréc ia Ant iga, apenas a ar is tocrac ia se ocupava com o t rabalho in te lectual , po is gozava do óc io, ou se ja, da d isponib i l idade de tempo, já que o t rabalho manual , de subsis tênc ia, era ocupação de escravos. Ora, os sof is tas, gera lmente per tencentes à c lasse média, fazem das aulas seu of íc io , por não serem suf ic ientemente r icos para se darem ao luxo de f i losofarem.”

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No entanto, os sof is tas s is temat izaram o ens ino, formando um curr ícu lo, expl icam Aranha e Mar t ins (p . 120) : “gramát ica (da qual são in ic iadores) , re tór ica e d ia lé t ica; por in f luência dos p i tagór icos, desenvolvem a ar i tmét ica, a geometr ia , a ast ronomia e a música. ”“O homem é a medida de todas as co isas” , d isse o sof is ta Protágoras de Abdera (485-411 a.C.) . Ass im, o ser humano passa a ser o centro das atenções, como expl icam Car los Eduardo Bianca Bi t tar e Gui lherme de Ass is A lmeida (p. 90) : “É esse o contexto de f loresc imento do movimento sof ís t ico, mui to mais l igado que está, por tanto, à d iscussão de in teresses comuni tár ios, a d iscursos e e locuções públ icas, à mani festação e à del iberação em audiênc ias pol í t icas, ao convencimento dos pares, ao a lcance da notor iedade no espaço da praça públ ica, à demonstração pelo rac iocín io dos ard is do homem em in teração soc ia l . ”Os sof is tas foram os pr imei ros a estabelecer uma d i ferença ent re natureza (phys is) e le i humana (nomos) , sem, no entanto, cont rapô- las, expl ica F lamar ion Tavares Lei te (p . 23) , na etapa or ig ina l . O justo e o in justo, para os sof is tas, não se or ig inará na natureza das co isas, mas nas opin iões e convenções humanas, na forma da le i (nomos) , or iunda da sua opin ião (doxa) . Em semelhança ao que versa o pos i t iv ismo jur íd ico atual , segundo e les, o justo é o que está segundo a le i , e in justo o que a contrar ia . Numa segunda etapa, os sof is tas af i rmar iam que a natureza se opõe à le i humana. “Nesta, encontra-se fundada a igualdade natura l de todos os homens; naquela, sua des igualdade ant inatura l ” , ens ina Lei te (p . 23) .Com os sof is tas, oposi tores rad ica is da t rad ição, surg ia o re la t ivo, o provável , o possíve l , o instável , o convencional , a f i rmam Bi t tar e A lmeida (p. 94) Nessa segunda etapa, de predomínio da le i humana (nomos) sobre a natureza, os sof is tas optaram pela prevalênc ia desta, que l iber tar ia os humanos dos laços de barbár ie . A del iberação sobre o conteúdo das le is não ter ia or igem na natureza ou na d iv indade (nem mesmo com base nas deusas da just iça, Thémis e Diké) , mas na vontade humana. A just iça é def in ida por cr i tér ios humanos, e não natura is . Se fossem natura is , todas as le is ser iam iguais . Pode parecer democrát ico tudo isso. Mas atenção. A lguns cu l tores da sof ís t ica ass ina lavam, conforme Bi t tar e A lmeida (p. 96) , que “os homens dever iam submeter-se ao poder daquele que ascendesse ao contro le da c idade por meio da força; a just iça é vantagem para aquele que domina e não para aquele que é dominado (Trasímaco)” .O concei to de just iça, para os sof is tas, é igualado ao de le i . Justo é o que está na le i , o que fo i d i to pe lo leg is lador . “Em outras palavras, a mesma inconstânc ia da legal idade (o que é le i ho je poderá não ser amanhã) passa a ser ap l icada à just iça (o que é justo hoje poderá não ser amanhã) . Nada do que se pode d izer absoluto ( imutável , perene, e terno, incontestável . . . ) é acei to pe la sof ís t ica. Está aber to campo para o re la t iv ismo da just iça” , fa lam Bi t tar e A lmeida (p. 96) .

Sócrates e o nascimento da ét ica

“Só se i que nada se i ” . O autor da f rase, Sócrates – um oposi tor fer renho aos sof is tas - de ixou uma marca ind iscut íve l no modo de se pensar no Ocidente. F igura polêmica, por não ter de ixado escr i tos, mui tos d izem, inc lus ive, que não ex is t iu , fo i apenas um personagem que ter ia s ido inventado por seus supostos a lunos Platão e Xenofonte. Foi , então, pr inc ipa lmente por meio dos escr i tos desses dois , que o legado de Sócrates não pereceu. Convivendo na Era de Pér ic les (século V a.C.) , de apogeu da Gréc ia, junto ao povo nas praças públ icas (agorá) , da c idade (pól is ) de Atenas, Sócrates s i tuou sua doutr ina na natureza humana e seus desdobramentos ét ico-soc ia is . V ia na prudência (phónesis) uma v i r tude essencia l para a ordem socia l , v isando uma educação c idadã.De or igem s imples, Sócrates era f i lho de um escul tor e de uma par te i ra . Estudou l i teratura, música, g inást ica, re tór ica, geometr ia e ast ronomia, ta l como as obras dos out ros f i lósofos e também dos sof is tas, conta Andreas Drosdek (p. 15) . Enquanto conscr i to no serv iço mi l i tar , lu tou com bravura pela sua c idade. Par t ic ipou por mui to tempo da Assemblé ia de Atenas, mas não apoiava normas que considerava in justas. “Não apoiou, por exemplo, o governo dos Tr in ta T i ranos, no ano 404, que mandava para a pr isão, por s imples capr icho, v í t imas inocentes. Provavelmente, só fo i sa lvo da fúr ia dos t i ranos graças à contrar revolução, ocorr ida pouco tempo depois” , sa l ienta Drosdek (p. 16) .Sócrates t inha um método baseado na i ron ia e na maiêut ica. Na pr imei ra fase do método, a i ron ia, Sócrates – d iante de out ra pessoa que d iz ia conhecer um assunto – d iz ia que nada sabia. E le só faz ia perguntas, a té desmontar o out ro, que acabava por demonstrar , na verdade, sua ignorância. Na segunda fase, a maiêut ica (par to em grego, em homenagem à sua mãe Fenareta) , Sócrates dava luz às novas idé ias, const ru indo novos concei tos, mesmo que não se chegasse a conclusões

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def in i t ivas. Indagava sobre o sent ido dos costumes e as d isposições de caráter dos atenienses, d i r ig indo-se à soc iedade e ao ind iv íduo.A professora Mar i lena Chauí (p . 311) é contundente sobre o método de Sócrates: “As perguntas socrát icas terminavam sempre por revelar que os atenienses respondiam sem pensar no que d iz iam. Repet iam o que lhes fora ens inado desde a in fânc ia. Como cada um havia in terpretado à sua manei ra o que aprendera, era comum, quando um grupo conversava com o f i lósofo, uma pergunta receber respostas d i ferentes e contrad i tór ias. Após cer to tempo de conversa com Sócrates, um ateniense v ia-se d iante de duas a l ternat ivas: ou zangar-se com a imper t inência do f i lósofo perguntador e i r embora i r r i tado, ou reconhecer que não sabia o que imaginava saber , d ispondo-se a começar , na companhia de Sócrates, a busca f i losóf ica da v i r tude e do bem.”Devido a essa at i tude, ao mesmo tempo em que ar reg imentava seguidores, Sócrates teve um grande número de in imigos, que, poster iormente, consegui ram ar t icu lar po l i t icamente a sua condenação à mor te, com respaldo popular , sob a acusação de negar as d iv indades (cr iando out ras) e de corromper a juventude. Condenado ao su ic íd io , Sócrates bebeu um veneno chamado c icuta. Poder ia ter optado pelo exí l io de Atenas ou apelado por miser icórd ia, mas não o fez. “No entanto, a ét ica de respei to às le is , e , por tanto, à co let iv idade, não permi t ia que ass im agisse” , narram Bi t tar e A lmeida (p. 102) . “A fuga, por tanto, era impensável para e le , po is se ass im agisse não estar ia mais serv indo a Atenas” , completa Drosdek (p. 17) .Sócrates desaf iava a ordem v igente nos c í rcu los soc ia is da sua época, po is quest ionava o re la t iv ismo dos sof is tas, pregando uma verdade perene, que in f luenciar ia s is temas f i losóf icos poster iores como o p la ton ismo, o ar is to te l ismo e o esto ic ismo.Desse modo, para Sócrates, er ro é f ru to da ignorância, e toda v i r tude é conhecimento. O f i lósofo, ass im, t inha como missão “par i r ” o conhecimento que está dentro das pessoas. “Daí a impor tânc ia de reconhecer que a maior lu ta humana deve ser pe la educação (paidé ia) , e que a maior das v i r tudes (areté) é a de saber que nada se sabe” , escrevem Bi t tar e A lmeida (p. 99) De onde será que os par t idos e os pol í t icos t i raram a bandei ra da “educação” ac ima de tudo?A Sócrates pode ser a t r ibuída a or igem da ét ica (ou f i losof ia mora l ) , tendo como ponto de par t ida a consc iênc ia do agente mora l , ar remata Chauí (p . 311) : “É su je i to ét ico ou mora l somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os f ins de sua ação, o s ign i f icado de suas in tenções e de suas at i tudes e a essência dos va lores mora is . Sócrates af i rma que apenas o ignorante é v ic ioso ou incapaz de v i r tude, po is quem sabe o que o é bem não poderá deixar de agi r v i r tuosamente. ”A ét ica de Sócrates res ide no conhecimento e na fe l ic idade. Como ass im conhecimento? Aquele que comete o mal crê prat icar a lgo que o leve à fe l ic idade, por ter seu ju ízo enganado por meros “achismos” . Por isso é prec iso, antes, conhecer a s i mesmo. Depois de dotado de conhecimento, a í , s im, va lorar acerca do bem e do mal . A fe l ic idade, para e le , não se resumia a bens mater ia is , r iquezas, confor to ou s tatus perante os demais homens. Conforme Bi t tar e A lmeida (p. 101) : “O cu l t ivo da verdadei ra v i r tude, consis tente no contro le efet ivo das paixões e na condução das forças humanas para a rea l ização do saber , é o que conduz o homem à fe l ic idade.” Sua ét ica é, por tanto, te leo lóg ica, ou se ja, tem como f im da ação a fe l ic idade.Para Sócrates o co let ivo t inha pr imazia sobre o ind iv idual , mas se opunha à concepção de que Di re i to é a expressão dos mais for tes, sendo melhor sof rer uma in just iça do que cometê- la . A f i losof ia , de acordo com Sócrates, é buscar a maior per fe ição possíve l se ja na v ida, quanto na mor te. “Para e le , a c idade e suas le is são necessár ias e respondem às ex igências da natureza humana. A obediênc ia às le is da c idade é um dever sempre e para todos. Por isso Sócrates submete-se à condenação da c idade, a inda que reconhecendo a in just iça de que é v í t ima” , d isser ta Le i te (p . 24-25) . Complementam Bi t tar e A lmeida (p. 102) : “E isso porque a ét ica socrát ica não se afer ra somente à le i e ao respei to dos deveres humanos em s i e por s i . Transcende a isso tudo: inscreve-se como uma ét ica que se at re la ao porv i r (post mor tem). ( . . . ) Isso a inda s ign i f ica d izer que a verdade e a just iça devem ser buscadas com v is ta em um f im maior , o bem v iver post mor tem. E não há out ra razão pela qual se deseje f i losofar senão a de preparar-se para a mor te. ”Embora t ivesse conhecimento de que a le i humana (nomos) – ar t i f íc io humano e não da natureza – poder ia ser justa ou in justa, Sócrates pregava a i r rest r i ta obediênc ia à le i . O Di re i to – conjunto de le is , em termos s impl is tas – ser ia um inst rumento de coesão soc ia l que levar ia à rea l ização do bem comum, entendido como o “desenvolv imento in tegra l de todas as potenc ia l idades humanas, a lcançadas por meio do cu l t ivo das v i r tudes” , ens inam Bi t tar e A lmeida (p. 104) . A le i ser ia e lemento de ordem no todo da c idade (pól is ) e , por isso, não dever ia ser contrar iada, mesmo que se vo l tasse contra s i mesmo, sob pena de se insta lar a desordem socia l . “O homem integrado enquanto in tegrado ao modo pol í t ico de v ida deve ze lar pe lo respei to absoluto, mesmo em

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detr imento da própr ia v ida, às le is comuns a todos, às normas pol í t icas (nómos póleos)” , completam Bi t tar e A lmeida (p. 106-107) .O ind iv íduo nas suas e lucubrações poder ia quest ionar os cr i tér ios de just iça de uma le i pos i t iva (externa) , mas somente cr i t icá- la , sem desobedecê- la , ev i tando, ass im, o caos por levar out ras pessoas a desobedecê- la . Dizem Bi t tar e A lmeida (p. 108) : “Em outras palavras, para Sócrates, com base num ju ízo mora l , não se podem derrogar le is pos i t ivas. O foro in ter ior e ind iv idual dever ia submeter-se ao exter ior e gera l em benef íc io da co let iv idade.” Prossegue Lei te (p . 25) : “Efet ivamente, a just iça, para Sócrates, consis te no conhecimento e, por tanto, na observância das verdadei ras le is que regem as re lações ent re os homens, tanto das le is da c idade como das le is não-escr i tas. Segundo Sócrates, que propugna pela obediênc ia incondic ional às le is da c idade, o justo não se esgota no legal , posto que ac ima da just iça humana ex is te uma just iça natura l e d iv ina. ”B i t tar e A lmeida (p. 109) enumeram os mot ivos que levaram Sócrates a optar pe lo su ic íd io : “concatenação da le i mora l com a leg is lação c ív ica; o respei to às normas e à re l ig ião que governavam a comunidade, no sent ido do sacr i f íc io da par te pe la subsis tênc ia do todo; a impor tânc ia e imperat iv idade da le i em favor da co let iv idade e da ordem do todo; a subst i tu ição do pr incíp io da rec iproc idade, segundo o qual se respondia ao in justo com in just iça, pe lo pr incíp io da anulação de um mal com o seu contrár io , ass im, da in just iça com um ato de just iça; o reconhecimento da sobrev ivência da a lma, para um ju lgamento def in i t ivo pelos deuses, responsável pe lo verdadei ro veredi to dos atos humanos.”

Platão, as idéias e a hierarquia social

Platão, o mais famoso dos d iscípu los de Sócrates, nasceu no se io de uma das mais t rad ic ionais famí l ias da ar is tocrac ia po l í t ica de Atenas. Ao completar 20 anos, conheceu seu mentor , que mudar ia para sempre o rumo da sua v ida. “P latão era de famí l ia ar is tocrát ica, o que torna notável o fa to de e le acredi tar que os governantes não dever iam ser escolh idos por sua or igem, e s im pela in te l igência e força de caráter . Ac ima de tudo, o opor tun ismo dos pol í t icos atenienses, que acabou cu lminando no ju lgamento e na sentença de mor te de Sócrates, convencera Platão a considerar com mui ta ser iedade as qual idades necessár ias a um bom l íder” , expl ica Drosdek (p. 26) .Em 387 a.C. P latão cr iou a Academia, o pr imei ro centro de ens ino super ior do Ocidente, a f i rma Lei te (p . 27) : “Até então, a educação super ior nunca hav ia assumido essa forma corporat iva, organizada, sedentár ia , com dis t r ibu ição de cursos e matér ias, que impr imiu Platão à Academia. ” Seus pr inc ipa is l iv ros são “A Repúbl ica” , “O Pol í t ico” e “As Leis” .Com re lação à sua doutr ina, é in teressante recorrer ao “mi to da caverna” , inc lu ído no l iv ro VI I de “A Repúbl ica” , recomendam Aranha e Mar t ins (p . 121) : “P latão imagina uma caverna onde pessoas estão acorrentadas desde a in fânc ia, de ta l forma que, não podendo ver a ent rada dela, apenas enxergam o seu fundo, no qual são pro je tadas as sombras das co isas que passam às suas costas, onde há uma foguei ra. Se um desses ind iv íduos conseguisse se so l tar das correntes para contemplar à luz do d ia os verdadei ros objetos, ao regressar , re la tando o que v iu aos seus ant igos companhei ros, esse o tomar iam por louco e não acredi tar iam em suas palavras. ”Aqui , em termos re lac ionados ao conhecimento (ep is temologia) , faz uma separação ent re mundo sensíve l (dos fenômenos) e mundo in te l ig íve l (das idé ias gera is) . O mundo sensíve l é percebido pelos sent idos, sendo i lusór io , múl t ip lo , com répl icas imper fe i tas do verdadei ro. Para Platão, o mundo das idé ias gera is re f le t ia a doutr ina de Parmênides, nos quais o ser é imóvel , enquanto o mundo sensíve l se espelhava em Herác l i to , que af i rmava a mutabi l idade essencia l do ser . Na v ida ter rena, se exper imenta a mutabi l idade; no Hades (a lém-v ida) , a permanência. “As a lmas cumprem seus c ic los num longo per íodo de provas, durante o qual permanecem indo e v indo ent re duas rea l idades” , asseveram Bi t tar e A lmeida (p. 121) .A l iando o arsenal teór ico de Parmênides e de Sócrates, P latão cr ia a pa lavra “ idé ia” , para denominar as in tu ições in te lectuais , super iores às sensíve is . O mundo real , para Platão, ser ia o mundo das idé ias gera is (as únicas verdades) , que ser ia at ing ido pela contemplação e depuração dos enganos dos sent idos. Asseveram Aranha e Mar t ins (p . 122) : “Para Platão há uma d ia lé t ica que fará a a lma e levar-se das co isas múl t ip las e mutáveis às idé ias unas e imutáveis . As idé ias gera is são h ierarquizadas, e no topo delas está a idé ia do Bem, a mais a l ta em per fe ição e a mais gera l de todas: os seres e as co isas não ex is tem senão enquanto par t ic ipam do Bem. E o Bem supremo é também a Suprema Beleza. É o Deus de Platão. ”

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A alma humana recupera, as idé ias que lhes estão la tentes, por remin iscência. O esquecimento se deu na passagem do pós-v ida (Hades) para a Terra. No pós-v ida, as a lmas escolher iam um reencontro próx imo com um corpo carnal , com base em exper iênc ias e hábi tos de v ida anter iores, expl icam Bi t tar e A lmeida (p. 119) : “Nesse sent ido, tendo em v is ta a l iberdade de escolha de cada a lma, podiam ser escolh idas v idas animais ou humanas; após a escolha, cada a lma recebia seu demônio, que lhes encaminhar ia nas d i f icu ldades da v ida. ”Passa-se, agora, à in terpretação pol í t ica do “mi to da caverna” . O f i lósofo (semelhante ao homem que conseguiu sa i r da caverna) contempla a verdadei ra rea l idade, passando da opin ião (doxa) à c iênc ia (ep is teme). Aí , comentam Aranha e Mar t ins (p . 122) , deve “ re tornar ao meio dos out ros ind iv íduos, para or ientá- los ( . . . ) , ens iná- los e governá- los” . P latão ideal iza o sábio ( f i lósofo) como re i para que o Estado se ja bem governado, sendo prec iso que “os f i lósofos se tornem re is , ou que os re is se tornem f i lósofos” . Como se lerá, a par t i r do parágrafo seguinte, isso nor teou a teor ia ét ico-pol í t ica de Platão.A just iça, escreve Platão em “A Repúbl ica” , é a v i r tude do c idadão e do f i lósofo que tem predominância sobre as out ras (sabedor ia , coragem e temperança) . É a just iça que ordena as v i r tudes que regem cada uma das t rês par tes (ou potênc ias) da a lma humana, a rac ional (poss ib i l i ta o conhecimento das idé ias) , a i r rasc ib i l idade ( impulsos e afetos) e a concupiscente (necess idades mais e lementares) . A razão ser ia governada pela sabedor ia ou prudência (sophia ou phrónesis) , a i r rascíve l pe la coragem (andre ia) . Tanto a i r rasc ib i l idade e a concupisc iênc ia dever iam submeter-se à razão, por meio da temperança ou moderação (sophrosyne) .As v i r tudes, para Platão, dependem de aper fe içoamento constante por par te dos humanos, com a predominância – é c laro, da a lma rac ional sobre as tendências i rascíve is e concupiscíve is . Ex is te harmonia (armonía) ao se dominar os inst in tos ferozes, o descontro le sexual e a fúr ia dos sent imentos, versam Bi t tar e A lmeida (p. 114) , permi t indo que a a lma f rua dos prazeres espi r i tua is e in te lectuais : “O víc io , ao contrár io da v i r tude, está onde re ina o caos ent re as par tes da a lma. De fa to, onde predomina o levante das par tes in fer iores com re lação à a lma rac ional , a í está implantado o re ino do desgoverno, isso porque ora manda o pei to , e suas ordens e mandamentos são tor rentes incontro láveis (ód io, rancor , inve ja, ganância. . . ) , ora manda a paixão l igada ao baixo ventre (sexual idade, gu la. . . ) . ” O recado, completam Bi t tar e A lmeida (p. 115) , é c laro: “Sacr i f icar -se pela causa da verdade s ign i f ica abandonar os desejos do corpo, e fazer da a lma o fu lcro de condenação da conduta em s i e por s i . ”Essa teor ia da a lma ser ia associada, por P latão, à teor ia da c idade. P latão d iv id iu a soc iedade em t rês c lasses, cada qual com uma função. No topo da soc iedade estar iam os governantes f i lósofos, gu iados pela sabedor ia (sophia) , em seguida, os guerre i ros imiscuídos da coragem (andre ia) e , abaixo, os ar tesãos e agr icu l tores, a base econômica. Os guerre i ros e os ar tesãos e agr icu l tores acei tar iam o governo dos que têm sabedor ia , e a temperança, que lhes é pecul iar , lhes cast rar ia o ímpeto de tomar o poder . Em suma, os f i lósofos ser iam a cabeça; os guerre i ros, o pe i to ; e os ar tesãos e comerc iantes o baixo ventre do corpo pol í t ico.A doutr ina pol í t ica de Platão é ar is tocrát ica: “Nesse contexto, a just iça corresponde: aos magis t rados ( f i lósofos) devem governar ; os guard iões, defender a c idade das desordens in ternas e dos ataques externos; os ar tesãos e agr icu l tores, produzi r . Devem fazer apenas isso, sem in t romissão naqui lo que não lhes compete pelo of íc io ou c lasse. Just iça, po is , é cada um fazer o que lhe é comet ido, sem in t rometer-se na seara dos demais. Is to s ign i f ica que nenhuma das v i r tudes poder ia ex is t i r sem a just iça. A in just iça ser ia a ruptura desta ordem, a sedição das potênc ias in fer iores contra a razão” , escreve Lei te (p . 29) .Just iça para Platão é manter essa ordem or ig ina l , ou as formas de governo (c inco, em “A Repúbl ica” ) degenerar iam. Para e le , a ún ica forma de governo legí t ima e justa ser ia o governo dos sábios, que poder ia ter a forma de monarquia. As demais ser iam formas degeneradas da pura, nas quais não se efet ivar ia just iça. Com os guerre i ros no poder , haver ia a t imocrac ia, o governo que preza honrar ias. Caso os r icos f icassem no comando, ser ia uma o l igarquia, que d iv id i r ia os c idadãos ent re os mais abastados e os pobres. A o l igarquia provocar ia maior acumulação de bens para os r icos, desequi l ibrando e d iv id indo a c idade em duas, abr indo caminho para a democrac ia (a desordem). Com a desordem da democrac ia, um único homem t i rar ia provei to da s i tuação para sagrar-se no poder , inaugurando a t i ran ia, a forma que mais se opõe à just iça.Já, em “O Pol í t ico” , P latão descreve t rês formas legí t imas de governo (monarquia, ar is tocrac ia e democrac ia moderada, em ordem decrescente de preferênc ia) e t rês formas i legí t imas de governo (democrac ia turbulenta, o l igarquia e t i ran ia, da menos para a mais corrupta) . “Em “As Leis” , P latão acrescenta uma forma à c lass i f icação exposta em ‘O Pol í t ico ’ : a forma mista de governo, que é uma mescla de monarquia e democrac ia” , narra Lei te (p . 32) .

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Al iás, havendo uma real idade d iv ina (mundo das idé ias gera is) , a lém desta rea l idade (mundo sensíve l ) , impl ica-se, igualmente, na ex is tênc ia de uma just iça d iv ina, super ior à just iça fa lha e imper fe i ta dos homens. Se é in te l ig íve l , per fe i ta , absoluta e imutável essa just iça pode ser contemplada para, daí , ext ra i r pr incíp ios para governar e manter a saúde do corpo soc ia l .Não se t ra ta, po is , de uma just iça apenas dos homens, mas de uma outra, metaf ís ica, presente no Hades (a lém-v ida) , no qual a just iça universa l se dá pela doutr ina da paga (punição para o mal comet ido, recompensa para o bem real izado. “A conduta ét ica e seu regramento possuem raízes no Além (Hades) , de modo que o sucesso ter reno (homic idas, t i ranos, l iber t inos. . . ) e o insucesso ter reno (Sócrates. . . ) não podem representar cr i tér ios de mensurabi l idade do caráter de um homem (se justo ou in justo) . No re ino das aparências (mundo ter reno, sensíve l ) , o que parece ser justo, em verdade, não o é; o que parece ser in justo, em verdade, não o é” , comentam Bi t tar e A lmeida (p. 121) .Em Platão, se v iu que a a lma rac ional deve contro lar as out ras par tes da a lma, para que haja a harmonia da v i r tude. Caso isso não ocorra, prevalece o v íc io . Porém, esse p lano é metaf ís ico, e não ter reno. A paidé ia ( formação) da a lma dever ia prepará- la para at ing i r o Bem Absoluto. Esta ser ia uma tarefa do Estado, para que o c idadão pudesse melhor aprovei tá- lo e também melhor serv i - lo . Essa v isão de Platão sobre o papel do Estado na v ida do c idadão pode ser v is ta como paternal is ta . Para o f i lósofo Kar l Popper , a f i losof ia po l í t ica de Platão é autor i tár ia . Assunto para mais po lêmicas, enf im, que podem ser temas de out ro texto.

Ética dos bens: epicurismo

Após Sócrates, P latão e Ar is tó te les, a f i losof ia tomou outros rumos, pr inc ipa lmente, por d iverg i r sobre a natureza do bem supremo. Dois grandes grupos surg i ram: o ep icur ismo, para o qual o bem supremo é o prazer ; e os estó icos, cu jo bem supremo é a v i r tude.

Para Epicuro (342-270 a.C.) , predomina o caos e a ceguei ra no Cosmos, já que o universo possui comandos mecanic is tas e mater ia l is tas. Não nega os deuses, porém, prega que os homens devem persegui r o prazer e o gozo da v ida, ens ina Nal in i (p . 53) : “Pois a fe l ic idade é o bem úl t imo da ex is tênc ia e consis te, exatamente, no prazer . Mas ex is te uma h ierarquia ent re os prazeres. Não se deve persegui r o prazer sensual , a luxúr ia , o gozo insensato. At ing i -se o prazer mediante inúmeras f ru ições, dentre as quais as mais e levadas são as do espír i to . O sábio ident i f icará a h ierarquia dos va lores e pr ior izará o prazer in te lectual ao sensíve l , o sereno ao v io lento, o estét ico ao grotesco. V ia Epicuro na amizade um dos gozos mais in tensos e puros da v ida. ”

E le d iv id iu os prazeres em natura is e necessár ios, natura is e não necessár ios, não natura is e nem necessár ios, corpora is , espi r i tua is , v io lentos e serenos. Os prazeres natura is e necessár ios, por exemplo, são a sat is fação moderada dos apet i tes. Os prazeres natura is e não necessár ios podem ser exempl i f icados pela gu la. Já os prazeres nem natura is e necessár ios podem ser c i tados na g lór ia (no sent ido de orgulho, soberba) .

Qual é a f ina l idade dessa c lass i f icação? “O ser humano prec isa renegar os prazeres não natura is e não necessár ios, como o excesso de bens mater ia is e as g lór ias, l imi tar a f ru ição dos prazeres natura is e não necessár ios, ta is como a gula e a embr iaguez. O ideal é conduzi r -se pelo natura l e necessár io” , responde Nal in i (p . 54) .

Como se sabe, mui tas vezes a dor é inev i tável . O epicur ismo prega que e la pode ser caminho para prazeres a inda maiores. Não se t ra ta, contudo, de masoquismo. O homem sábio tem como v i r tude a prudência, que o aux i l iará a escolher o caminho mais adequado, ou o melhor naquele momento. Segundo Epicuro, a ét ica tem duas f ina l idades, uma cr í t ica ( l iv rar os seres humanos das superst ições que conduzem ao medo) e out ra const rut iva (demonstrar as normas ou regras que levarão o ind iv íduo à fe l ic idade.

Na jornada para a fe l ic idade, depara-se o ser humano com o medo da mor te e o temor aos deuses. Não se deve temer a mor te, ass ina la Epicuro, po is e la não é da a lçada do homem v ivo. “A mor te nada é para nós, po is enquanto somos, e la não é e quando e la chega, já não somos. ( . . . )

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Igualmente, não se deve temer aos deuses, po is , seres per fe i tos e d is tantes, não estão preocupados com a imper fe ição humana. ( . . . ) Os deuses encontram-se ent regues cont inuamente às suas própr ias v i r tudes e acolhem exc lus ivamente seus semelhantes. Consideram est ranho tudo o que não é semelhante a e les” , esc larece Nal in i (p . 54) .

No epicur ismo, a ét ica é ind iv idual is ta , po is a conduta é pessoal , e não tem âmbi to co let ivo. O sábio tem in teresse no seu bem-estar e na sua v i r tude, e não na dos out ros. A sabedor ia tem como cr i tér io o prazer tendo no temor a preocupação. De cer ta manei ra, comenta Nal in i , o ep icur ismo antec ipa-se ao ut i l i tar ismo. O epicur ismo é uma ét ica eudemonis ta hedonis ta, ind iv idual is ta e egoís ta. O f i lósofo, para Epicuro, não deve fazer po l í t ica, mas “v iver escondido” , fa la Nal in i (p . 55) : “A just iça é o f ru to de um pacto de ut i l idade. Cada ind iv íduo des is te de molest rar os demais, em t roca de também não ser molestado. O Estado tem o dever de ve lar pe lo cumpr imento do contrato soc ia l e puni r seus in f ra tores. ”

Epicuro recei tou quatro remédios para se l iber tar a humanidade do medo, se ja das d iv indades, se ja da mor te, se ja do sof r imento, ou da dor . Trata-se do té t rapharmakon, expõe Nal in i (p . 55) : “ I – O ser bem-aventurado e incorrupt íve l não tem e le mesmo preocupações e não as causa em outrem; de forma que e le não está su je i to nem à có lera nem à benevolênc ia: po is tudo isso é própr io de um ser f raco. I I – A mor te não é nada em re lação a nós; po is o que é d isso lv ido não sente, e o que não sente não é nada em re lação a nós. I I I – O l imi te da grandeza dos prazeres é a e l iminação de toda a dor . Por toda par te em que se encontre o prazer , durante o tempo que e le dura, não há lugar para a dor , o sof r imento, ou os deuses ao mesmo tempo. IV – A dor não dura de uma manei ra in in ter rupta na carne, mas naquela que é ext rema o tempo não é mais breve, e aquela que apenas u l t rapassa o prazer corpóreo não dura inúmeros d ias; quanto às doenças de longa duração, e las se acompanham para a carne mais de prazer do que de dor . ”

Ética dos bens: estoicismo

A escola estó ica teve t rês grandes per íodos: esto ic ismo ant igo (Zenon de Cí t io , C leantes e Cr is ipo; esto ic ismo médio (Panécio e Poss idônio) ; e esto ic ismo novo (Sêneca, Musônio Rufo, Epic teto e Marco Auré l io) . A l iás, o esto ic ismo fo i uma das doutr inas f i losóf icas que mais in f luenciou o cr is t ian ismo. Le ia mais a respei to : h t tp : / / t reeofhopes.b logspot .com/2010/03/prof .h tml .

Ensina Nal in i (p . 56) que duas fórmulas representam o esto ic ismo: v iver de acordo consigo mesmo e v iver de acordo com a natureza. Como a natureza humana se curva perante à razão, v iver segundo a natureza é v iver segundo a razão. A v i r tude é ter a razão imperando sobre os sent idos, e l iminando as paixões, ou doenças da a lma. V i r tude é o único bem, e o v íc io o ún ico mal . V iver de manei ra v i r tuosa é v iver conforme a natureza, não b io lóg ica, mas pela natureza rac ional .

Ex is te no mundo uma ordem universa l que o governa. O c ic lo predeterminado “o ano cósmico” é o ca lendár io de tudo que nasce e morre. Tudo se repete, há um “eterno retorno” , como se fo i aprovei tado poster iormente em “A insustentável leveza do ser” , de Mi lan Kundera. Diante dessa ordem, o ser humano deve agi r com indeferença (apat ia) , ou se ja, acei tar as co isas como e las são e desejá- las desse je i to , e não desejá- las de um modo que e le quer .

Deve o ser humano desl igar-se do mundo exter ior para at ing i r a apat ia , l iber tando-se das inc l inações e afetos, a pato log ia humana. O prazer é afe ição, por tanto, deve ser ev i tado. E a v i r tude é autárquica, ou se ja, basta a s i mesma. “A v i r tude é única – n isso fundam-se em Sócrates - , e ent re a v i r tude, bem único, e o v íc io , ún ico mal , não há meio- termo. Tudo o mais vem a ser e t icamente ind i ferente – adiáforas. Esse r igor ismo fo i temperado pelos d iscípu los de Zenon, ao d is t ingui r os bens desejáveis e os bens condenáveis . Não se confunde o desejável com o et icamente bom. Mas ostenta va lor enquanto est imula a prát ica da v i r tude. O censurável , ou condenável , não se confunde com o mal , mas representa empeci lho ao exercíc io da at iv idade v i r tuosa” , ens ina Nal in i (p . 56) .

Ética do bem: estoicismo romano

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O f i lme “Gladiador” , com o neozelandês Russel Crowe, fo i um sucesso de b i lheter ia . No começo do f i lme, hav ia cenas com o Imperador de Roma, Marco Auré l io , v iv ido pelo ator neozelandês Richard Harr is . Marco Auré l io fo i um f i lósofo estó ico. A l iás, uma rami f icação romana de estó icos fo i personi f icada por Sêneca (4 a. C. a 65 d. C) , Epí te to (50 a 138) e Marco Auré l io (121 a 180) . Também impor tante f io Marco Túl io Cícero (106 a 43 a. C.) , que conjugou o esto ic ismo e o p la ton ismo. Defendia Cícero um igual i tar ismo soc ia l esto ico. “Sustenta que todos os homens têm uma essencia l d ign idade. Todos possuem razão e conhecem o honesto e o desonesto, conseguem dis t ingui r o justo do in justo. É f requente em sua obra o uso da expressão ‘humani tas ’ , no sent ido da formação humana e espi r i tua l , s igno da e levada condição do homem. Por isso é que e le a l imenta generosa conf iança na natureza humana. Sua in f luência fo i grande porque durante os séculos seguintes houve d isseminação de seu pensamento e das doutr inas do esto ic ismo, em especia l no per t inente ao Di re i to Natura l . Impor tante enfat izar que o esto ic ismo – na sua submissão às dores e ao sof r imento – está presente e é per fe i tamente ident i f icável no Cr is t ian ismo. Mesmo porque o pensamento c iceroninano a l imentou a obra dos Padres da Igre ja Ocidenta l , especia lmente Lactânc io, Santo Ambrós io e Santo Agost inho” , d iz Nal in i (p . 57) .

O ser humano, segundo essa ver tente esto ica, é uma cr ia tura in termediár ia , que pode se tornar v i r tuoso, ou um v ic iado (o mais provável ) . Essa mistura ent re o bem e o mal , o f rág i l e o for te t ransformou o ser humano em algo que está em constante t ransformação, para o apr imorar ou o deter iorar . E a ét ica ser ia o caminho para a v i r tude a saúde da a lma ou a força da a lma.

Ética formal

A ét ica empír ica e a ét ica dos bens referem-se aos resul tados da conduta humana. Já a ét ica formal , cu jo pr inc ipa l representante é o a lemão Immanuel Kant (1724-1804) , precei tua que o s ign i f icado do compor tamento mora l está na pureza da vontade e na ret idão dos propósi tos do agente considerado, e não nos resul tados externos, escreve Nal in i (p . 58) . A l iás, magis t ra lmente, Kant faz uma d i ferenc iação ent re mora l idade ( foro ín t imo, l iberdade in terna, autonomia) e legal idade ( foro externo, l iberdade externa, heteronomia) . Le ia mais sobre Kant e a d i ferença ent re mora l e Di re i to : h t tp : / / t reeofhopes.b logspot .com/2010/02/ immanuel -kant- le is-natura is-e- le is .h tml .

Kant , em sua contr ibu ição para a ét ica, re t i rou as idé ias de prazer e de ut i l idade da mora l . No campo mora l , a conduta só é va l iosa se sua mot ivação é o reconhecimento ao bem. No entanto, se agiu para obter a lgo em t roca, não se t ra ta de ação mora lmente pos i t iva. Já no Di re i to o va lor supremo é a l iberdade. “Sob in f luência de Cr is t iano Tomásio, d is t inguiu a mora l do Di re i to , entendendo que a pr imei ra se ocupar ia com o mot ivo da ação, que dever ia ident i f icar -se com o amor ao bem, enquanto para o segundo o re levante ser ia o p lano exter ior das ações. Os d i re i tos natura is , que ident i f icou com a l iberdade, poder iam ser conhecidos a pr ior i pe la razão e independer iam da leg is lação externa. O Di re i to Posi t ivo, em contrapar t ida, não v incula sem uma leg is lação externa” , ar remata Nal in i (p . 63) .

Ética dos valores

Com uma ét ica formal , Kant procurou ev i tar o re la t iv ismo h is tór ico e o eudemonismo. Outro ponto de v is ta fo i o adotado por Max Scheler , no entanto, com base nos va lores exper imentados ser ia possíve l obter a un iversa l idade da ét ica. Há uma separação ent re a in tu ição dos va lores (problema epis temológico) e a ex is tênc ia do va lor (problema onto lóg ico) . “Para a f i losof ia va lorat iva, o va lor mora l não se baseia na idé ia de dever , mas dá-se o inverso: todo dever encontra fundamento em um valor . Só deve ser aqui lo que é va l ioso e tudo o que é va l ioso deve ser . A noção de va lor passa a ser o concei to ét ico essencia l . E va lor não arb i t rar iamente convencionado. Pois o que é va l ioso va le por s i , a inda quando seu va lor não se ja conhecido nem aprec iado. ( . . . ) É nossa consc iênc ia que nos adver te da ex is tênc ia dos va lores. Mas não foram cr iados por e la , senão por e la descober tos. Só pode ser descober to o que já ex is te” , escreve Nal in i (p . 64) .

Mas o que é va lor? Há vár ias d iscussões a seu respei to , porém, nada fechado. A lguns tentaram ancorar ta l concei to na razão prát ica, com base na ex is tênc ia de va lores objet ivos. Porém, out ros dec lararam a re la t iv idade dos va lores. Assunto, então, nada pací f ico, nem c laro, po is os va lores parecem di f íce is de serem concei tuados, porém, são percept íve is , por suas qual idades. Isso é

Page 42: Direito Constitucional aplicado à profissão

estudado pr inc ipa lmente pela F i losof ia do Di re i to , que co loca em xeque, mui tas vezes, o pos i t iv ismo jur íd ico, ou a r íg ida separação ent re mora l e Di re i to .

Os va lores ex is tem e não possuem forma de se exter ior izar , sendo sent idos ou in tuídos. Fazem par te os va lores do mundo imater ia l , percebido pelo in te lecto. Fazem par te das idé ias, e não da ordem real , do mundo mater ia l . São absolutos os va lores enquanto ser e re la t ivos quanto à apreensão, ass ina la Nal in i (p . 67) : “A consc iênc ia é a instânc ia encarregada de confrontar os va lores mora is e de inspi rar a ação.”

Há uma h ierarquia dos va lores, por tanto, u t i l izada para escolher a ação. Segundo Scheler , para ident i f icar os va lores mais a l tos dos mais ba ixos, é prec iso ver i f icar sua maior durabi l idade, menor extensão e d iv is ib i l idade, quanto mais profunda é a sat is fação e quanto menos re la t iva é a percepção sent imenta l . Quanto mais permanece, mais durável é o va lor . É mais e levado se há menos necess idade de d iv id i - lo com outra pessoa. E o va lor que tem como fundamento out ro va lor ( fundamentado) sempre in fer ior ao que lhe deu or igem ( fundamentante) . “Ass im, a v ida, ent re os d i re i tos fundamenta is , é o bem por excelênc ia. Todos os demais d i re i tos são bens da v ida, nesta fundamentados e, por tanto, in fer iores à própr ia v ida. A sat is fação co inc ide com a v ivência de cumpr imento, não com o estado de prazer gerado pela posse do va lor . E a escala de re la t iv idade dos va lores aux i l ia a afer i r o grau de super ior idade dele. Há va lores v inculados ao agradável , os va lores da v ida que são re la t ivos aos seres v iventes, e há va lores puros, como os va lores mora is , que tem caráter absoluto, não re la t ivo. Mas Scheler esboçou uma c lass i f icação dos va lores sob enfoque h ierárquico, d is t inguindo-os em: a- ) va lores do agradável e do desagradável ; b- ) va lores v i ta is ; c- ) va lores espi r i tua is ; d- ) va lores re l ig iosos. Ignorar ou subver ter essa h ierarquia é fonte de não pequenos nem s imples problemas da soc iedade contemporânea. O amor ocupa lugar pr iv i leg iado nessa h ierarquia. ” , fundamenta Nal in i (p . 68) . E o va lor supremo é Deus.