direito civil brasileiro v 6 direito de família - 8ª edição - carlos roberto gonçalves

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Direito Civil Brasileiro - Famílias de Carlos Roberto Gonçalves

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  • 1. DIREITO CIVIL 6 Direito de Famlia
  • 2. DIREITO CIVIL 6 Direito de Famlia 8 edio revista e atualizada 2011 Carlos Roberto Gonalves Mestre em Direito Civil pela PUCSP. Desembargador aposentado do Tribunal de Justia de So Paulo. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil.
  • 3. ISBN Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gonalves, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de famlia / Carlos Roberto Gonalves. 8. ed. rev. e atual. So Paulo : Saraiva, 2011. Bibliograa. 1. Direito civil - Brasil 2. Direito de famlia - Brasil I. Ttulo. 10-12409 CDU-347.6(81) ndice para catlogo sistemtico: 1. Brasil : Direito de famlia : Direito civil 347.6(81) Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da Editora Saraiva. A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal. Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo Pinto Diretor de produo editorial Luiz Roberto Curia Gerente de produo editorial Lgia Alves Editor Jnatas Junqueira de Mello Assistente editorial Sirlene Miranda de Sales Assistente de produo editorial Clarissa Boraschi Maria Preparao de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan Arte e diagramao Cristina Aparecida Agudo de Freitas Ldia Pereira de Morais Reviso de provas Rita de Cssia Queiroz Gorgati Wilson Imoto Servios editoriais Ana Paula Mazzoco Vinicius Asevedo Vieira Capa Casa de Ideias / Daniel Rampazzo Produo grfica Marli Rampim Impresso Acabamento Data de fechamento da edio: 2-12-2010 Dvidas? Acesse www.saraivajur.com.br FILIAIS AMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRE Rua Costa Azevedo, 56 Centro Fone: (92) 3633-4227 Fax: (92) 3633-4782 Manaus BAHIA/SERGIPE Rua Agripino Drea, 23 Brotas Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 Fax: (71) 3381-0959 Salvador BAURU (SO PAULO) Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 Centro Fone: (14) 3234-5643 Fax: (14) 3234-7401 Bauru CEAR/PIAU/MARANHO Av. Filomeno Gomes, 670 Jacarecanga Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384 Fax: (85) 3238-1331 Fortaleza DISTRITO FEDERAL SIA/SUL Trecho 2 Lote 850 Setor de Indstria e Abastecimento Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 Fax: (61) 3344-1709 Braslia GOIS/TOCANTINS Av. Independncia, 5330 Setor Aeroporto Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 Fax: (62) 3224-3016 Goinia MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO Rua 14 de Julho, 3148 Centro Fone: (67) 3382-3682 Fax: (67) 3382-0112 Campo Grande MINAS GERAIS Rua Alm Paraba, 449 Lagoinha Fone: (31) 3429-8300 Fax: (31) 3429-8310 Belo Horizonte PAR/AMAP Travessa Apinags, 186 Batista Campos Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 Fax: (91) 3241-0499 Belm PARAN/SANTA CATARINA Rua Conselheiro Laurindo, 2895 Prado Velho Fone/Fax: (41) 3332-4894 Curitiba PERNAMBUCO/PARABA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS Rua Corredor do Bispo, 185 Boa Vista Fone: (81) 3421-4246 Fax: (81) 3421-4510 Recife RIBEIRO PRETO (SO PAULO) Av. Francisco Junqueira, 1255 Centro Fone: (16) 3610-5843 Fax: (16) 3610-8284 Ribeiro Preto RIO DE JANEIRO/ESPRITO SANTO Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 Vila Isabel Fone: (21) 2577-9494 Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Av. A. J. Renner, 231 Farrapos Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 Porto Alegre SO PAULO Av. Antrtica, 92 Barra Funda Fone: PABX (11) 3616-3666 So Paulo Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira Csar So Paulo SP CEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SACJUR: 0800 055 7688 De 2 a 6, das 8:30 s 19:30 [email protected] Acesse: www.saraivajur.com.br 198.832.008.001
  • 4. 5 NDICE INTRODUO CAPTULO NICO DIREITO DE FAMLIA 1. Noo de direito de famlia ......................................................... 17 2. Contedo do direito de famlia ................................................... 18 3. Princpios do direito de famlia ................................................... 21 4. Natureza jurdica do direito de famlia ....................................... 25 5. Famlia e casamento .................................................................... 28 6. Evoluo histrica do direito de famlia ..................................... 31 7. O direito de famlia na Constituio de 1988 e no Cdigo Civil de 2002 ........................................................................................ 32 DO DIREITO PESSOAL TTULO I DO CASAMENTO CAPTULO I DISPOSIES GERAIS 1. Conceito ...................................................................................... 37 2. Natureza jurdica ......................................................................... 40 3. Caracteres do casamento ............................................................. 43 4. Finalidades do casamento ........................................................... 46
  • 5. 6 CAPTULO II DO PROCESSO DE HABILITAO PARA O CASAMENTO 1. Da capacidade para o casamento ................................................ 48 1.1. Requisitos gerais e especficos ............................................ 50 1.2. Suprimento judicial de idade ............................................... 52 1.3. Suprimento judicial do consentimento dos representantes legais .................................................................................... 55 2. O procedimento para a habilitao ............................................. 57 2.1. Documentos necessrios ...................................................... 58 2.1.1. Certido de nascimento ou documento equivalente... 61 2.1.2. Autorizao das pessoas sob cuja dependncia legal estiverem, ou ato judicial que a supra ....................... 62 2.1.3. Declarao de duas pessoas maiores, parentes ou no, que atestem conhecer os nubentes e afirmem no existir impedimento ................................................... 65 2.1.4. Declarao do estado civil, do domiclio e da residn- cia dos contraentes e de seus pais, se forem conheci- dos .............................................................................. 65 2.1.5. Certido de bito do cnjuge falecido, da anulao do casamento anterior ou do registro da sentena de divrcio ...................................................................... 65 CAPTULO III DOS IMPEDIMENTOS 1. Conceito e espcies ..................................................................... 67 2. Impedimentos resultantes do parentesco (consanguinidade, afi- nidade e adoo) ......................................................................... 69 2.1. A consanguinidade .............................................................. 69 2.2. A afinidade .......................................................................... 72 2.3. A adoo .............................................................................. 74 3. Impedimento resultante de casamento anterior .......................... 75 4. Impedimento decorrente de crime .............................................. 79 CAPTULO IV DAS CAUSAS SUSPENSIVAS 1. Introduo ................................................................................... 83
  • 6. 7 2. Confuso de patrimnios ............................................................ 84 3. Divrcio ...................................................................................... 86 4. Confuso de sangue (turbatio sanguinis) ................................... 87 5. Tutela e curatela .......................................................................... 88 6. Observaes finais ...................................................................... 88 CAPTULO V DA OPOSIO DOS IMPEDIMENTOS E DAS CAUSAS SUSPENSIVAS 1. Da oposio dos impedimentos .................................................. 90 1.1. Pessoas legitimadas ............................................................. 90 1.2. Momento da oposio dos impedimentos ........................... 91 1.3. Forma da oposio ............................................................... 92 2. Da oposio das causas suspensivas ........................................... 94 2.1. Pessoas legitimadas ............................................................. 94 2.2. Momento da oposio das causas suspensivas .................... 95 2.3. Forma da oposio ............................................................... 96 CAPTULO VI DA CELEBRAO DO CASAMENTO 1. Formalidades ............................................................................... 97 2. Momento da celebrao .............................................................. 100 3. Suspenso da cerimnia .............................................................. 102 4. Assento do casamento no livro de registro ................................. 103 5. Casamento por procurao ......................................................... 106 CAPTULO VII DAS PROVAS DO CASAMENTO 1. Introduo ................................................................................... 111 2. Prova especfica: certido do registro ......................................... 112 3. Posse do estado de casados: conceito e elementos ..................... 113 3.1. Validade como prova do casamento de pessoas falecidas ou que no possam manifestar vontade .................................... 115 3.2. Importncia na soluo da dvida entre as provas favor- veis e contrrias existncia do casamento ......................... 116
  • 7. 8 4. Prova do casamento celebrado no exterior ................................. 117 5. Casamento cuja prova resultar de processo judicial ................... 120 CAPTULO VIII ESPCIES DE CASAMENTO VLIDO 1. Casamento vlido ........................................................................ 121 2. Casamento putativo ..................................................................... 122 2.1. Conceito ............................................................................... 122 2.2. Efeitos .................................................................................. 125 3. Casamento nuncupativo e em caso de molstia grave ................ 130 4. Casamento religioso com efeitos civis ........................................ 133 4.1. Retrospectiva histrica ......................................................... 133 4.2. Regulamentao atual .......................................................... 135 5. Casamento consular .................................................................... 137 6. Converso da unio estvel em casamento ................................. 138 CAPTULO IX DA INEXISTNCIA E DA INVALIDADE DO CASAMENTO 1. Casamento inexistente ................................................................ 140 1.1. Diversidade de sexos ........................................................... 142 1.2. Falta de consentimento ........................................................ 146 1.3. Ausncia de celebrao na forma da lei .............................. 146 2. Casamento invlido ..................................................................... 147 2.1. Casamento e a teoria das nulidades ..................................... 147 2.2. Casamento nulo ................................................................... 151 2.2.1. Casos de nulidade ...................................................... 151 2.2.2. Pessoas legitimadas a arguir a nulidade .................... 153 2.2.3. Ao declaratria de nulidade ................................... 154 2.3. Casamento anulvel ............................................................. 157 2.3.1. Defeito de idade ........................................................ 159 2.3.2. Falta de autorizao do representante legal ............... 161 2.3.3. Erro essencial sobre a pessoa do outro cnjuge ........ 162 2.3.3.1. Erro sobre a identidade do outro cnjuge, sua honra e boa fama .......................................... 164 2.3.3.2. Ignorncia de crime ultrajante ..................... 169
  • 8. 9 2.3.3.3. Ignorncia de defeito fsico irremedivel ou de molstia grave ......................................... 170 2.3.3.4. Ignorncia de doena mental grave .............. 172 2.3.4. Vcio da vontade determinado pela coao ............... 173 2.3.5. Incapacidade de manifestao do consentimento ...... 176 2.3.6. Realizao por mandatrio, estando revogado o man- dato ............................................................................ 177 2.3.7. Celebrao por autoridade incompetente .................. 178 3. Casamento irregular .................................................................... 179 CAPTULO X DA EFICCIA JURDICA DO CASAMENTO 1. Efeitos jurdicos do casamento ................................................... 180 1.1. Efeitos sociais ...................................................................... 181 1.2. Efeitos pessoais ................................................................... 183 1.3. Efeitos patrimoniais ............................................................. 186 2. Deveres recprocos dos cnjuges ................................................ 189 2.1. Fidelidade recproca ............................................................ 190 2.2. Vida em comum, no domiclio conjugal .............................. 191 2.3. Mtua assistncia ................................................................. 193 2.4. Sustento, guarda e educao dos filhos ............................... 194 2.5. Respeito e considerao mtuos .......................................... 195 3. Direitos e deveres de cada cnjuge ............................................. 198 4. O exerccio de atividade empresria pelos cnjuges .................. 199 CAPTULO XI DA DISSOLUO DA SOCIEDADE E DO VNCULO CONJUGAL 1. Distino entre sociedade conjugal e vnculo matrimonial ......... 201 2. Inovao introduzida pela Emenda Constitucional n. 66/2010 .. 202 2.1. Breve escoro histrico......................................................... 203 2.2. Interpretao histrica, racional, sistemtica e teleolgica da alterao constitucional. Desaparecimento da separao de direito............................................................................... 204 2.3. Extino das causas subjetivas e objetivas da dissoluo do casamento ............................................................................. 211
  • 9. 10 3. Causas terminativas da sociedade e do vnculo conjugal ............ 212 4. Morte de um dos cnjuges. Morte real e morte presumida ......... 213 5. Nulidade ou anulao do casamento............................................ 217 6. Separao judicial e extrajudicial ................................................ 219 6.1. Separao de direito ocorrida antes do advento da Emenda Constitucional n. 66/2010..................................................... 219 6.2. Modalidades de divrcio....................................................... 219 6.3. Efeitos decorrentes da PEC do Divrcio........................... 220 6.4. Espcies e efeitos da separao judicial e extrajudicial ....... 221 6.5. Carter pessoal da ao ........................................................ 223 6.6. Tentativa de reconciliao e presena de advogado ............. 225 SEPARAO JUDICIAL POR MTUO CONSENTIMENTO 6.7. Caractersticas. Requisito .................................................... 227 6.8. Procedimento. Clusulas obrigatrias ................................. 227 6.9. Promessa de doao na separao consensual ..................... 232 6.10. O procedimento administrativo, mediante escritura pblica, para a separao e o divrcio consensuais .......................... 233 6.10.1. Inexistncia de filhos menores ou incapazes do casal. 235 6.10.2. Consenso do casal sobre todas as questes emergen- tes da separao ou do divrcio.................................. 236 6.10.3. Lavratura de escritura pblica por tabelio de notas... 238 6.10.4. Observncia dos prazos legais para a separao e o divrcio consensuais................................................... 240 6.10.5. Assistncia de advogado ......................................... 241 SEPARAO JUDICIAL A PEDIDO DE UM DOS CNJUGES 6.11. Espcies ............................................................................. 242 6.12. Grave infrao dos deveres do casamento ......................... 244 6.12.1. Adultrio ............................................................... 246 6.12.2. Abandono voluntrio do lar conjugal ................... 249 6.12.3. Sevcia e injria grave ........................................... 252 6.12.4. Abandono material e moral dos filhos .................. 255 6.12.5. Imputao caluniosa ............................................. 255
  • 10. 11 6.13. Confisso real e ficta .......................................................... 255 6.14. Insuportabilidade da vida em comum ................................ 258 6.15. Ruptura da vida em comum ............................................... 263 6.16. Separao por motivo de grave doena mental .................. 266 6.17. Separao de corpos .......................................................... 270 7. O uso do nome do outro cnjuge ................................................ 276 8. Restabelecimento da sociedade conjugal .................................... 279 DIVRCIO 9. Introduo ................................................................................... 280 10. Modalidade nica de divrcio. Extino do divrcio-conver- so ............................................................................................... 284 11. Divrcio direto............................................................................. 285 12. Procedimentos do divrcio judicial e da separao de corpos..... 286 13. O uso do nome do cnjuge aps o divrcio................................. 289 PROTEO DA PESSOA DOS FILHOS 14. Proteo pessoa dos filhos na separao judicial ou divrcio .... 290 14.1. A guarda unilateral.............................................................. 293 14.2. A guarda compartilhada...................................................... 294 15. Proteo aos filhos na separao de fato .................................... 299 16. Direito de visita ........................................................................... 299 17. A sndrome da alienao parental................................................ 305 TTULO II DAS RELAES DE PARENTESCO CAPTULO I DISPOSIES GERAIS 1. Introduo ................................................................................... 309 2. O vnculo de parentesco: linhas e graus ..................................... 312 3. Espcies de parentesco ............................................................... 315
  • 11. 12 CAPTULO II DA FILIAO 1. Introduo ................................................................................... 318 2. Presuno legal de paternidade ................................................... 320 2.1. A presuno pater is est ...................................................... 320 2.2. A procriao assistida e o novo Cdigo Civil ..................... 324 3. Ao negatria de paternidade e de maternidade ....................... 329 4. Prova da filiao ......................................................................... 337 CAPTULO III DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS 1. Filiao havida fora do casamento .............................................. 340 2. Reconhecimento voluntrio ........................................................ 342 2.1. Modos de reconhecimento voluntrio dos filhos ................. 342 2.2. Oposio ao reconhecimento voluntrio ............................. 348 3. Reconhecimento judicial: investigao de paternidade e mater- nidade .......................................................................................... 351 3.1. Legitimidade para a ao ..................................................... 353 3.2. Fatos que admitem a investigao de paternidade ............... 359 3.3. Ao de investigao de maternidade .................................. 365 3.4. Meios de prova .................................................................... 365 4. Efeitos do reconhecimento dos filhos havidos fora do casa- mento .......................................................................................... 372 CAPTULO IV DA ADOO 1. Conceito e natureza jurdica ....................................................... 376 2. Antecedentes histricos .............................................................. 378 3. A atual disciplina da adoo ....................................................... 382 4. Quem pode adotar ....................................................................... 386 5. Quem pode ser adotado .............................................................. 396 6. Requisitos da adoo .................................................................. 398 7. Efeitos da adoo ........................................................................ 401 7.1. Efeitos de ordem pessoal ..................................................... 401 7.2. Efeitos de ordem patrimonial .............................................. 405 8. Adoo internacional .................................................................. 406
  • 12. 13 CAPTULO V DO PODER FAMILIAR 1. Conceito ...................................................................................... 412 2. Caractersticas ............................................................................. 414 3. Titularidade do poder familiar .................................................... 415 4. Contedo do poder familiar ........................................................ 417 4.1. Quanto pessoa dos filhos .................................................. 417 4.2. Quanto aos bens dos filhos .................................................. 423 5. Extino e suspenso do poder familiar ..................................... 426 5.1. Extino e perda ou destituio do poder familiar .............. 427 5.2. Suspenso do poder familiar ................................................ 431 DO DIREITO PATRIMONIAL TTULO I DO REGIME DE BENS ENTRE OS CNJUGES 1. Disposies gerais ....................................................................... 436 2. Regime de bens: princpios bsicos............................................. 437 2.1. Da imutabilidade absoluta mutabilidade motivada............ 438 2.2. Variedade de regimes............................................................ 446 2.3. Livre estipulao................................................................... 447 3. Administrao e disponibilidade dos bens .................................. 448 3.1. Atos que um cnjuge no pode praticar sem autorizao do outro .................................................................................... 453 3.2. Suprimento da autorizao conjugal..................................... 459 4. Pacto antenupcial......................................................................... 461 5. Regime da separao legal ou obrigatria ................................... 464 6. Regime da comunho parcial ou limitada.................................... 469 6.1. Bens excludos da comunho parcial.................................... 469 6.2. Bens que se comunicam, no regime da comunho parcial... 477 7. Regime da comunho universal................................................... 479 7.1. Bens excludos da comunho universal................................ 481 7.2. Outras disposies................................................................ 485 8. Regime da participao final nos aquestos.................................. 486 9. Regime da separao convencional ou absoluta.......................... 490
  • 13. 14 TTULO II DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAO DOS BENS DE FILHOS MENORES 1. Exerccio do usufruto e da administrao.................................... 494 2. Autorizao judicial para a prtica de atos que ultrapassem a simples administrao.................................................................. 495 3. Colidncia de interesses entre os pais e o filho ........................... 496 4. Bens excludos do usufruto e da administrao dos pais............. 497 TTULO III DOS ALIMENTOS 1. Conceito e natureza jurdica ........................................................ 498 2. Espcies ....................................................................................... 500 3. Obrigao alimentar e direito a alimentos................................... 507 3.1. Caractersticas da obrigao alimentar................................. 508 3.2. Caractersticas do direito a alimentos................................... 519 3.3. Pressupostos da obrigao alimentar. Objeto e montante das prestaes ....................................................................... 530 3.4. Pressupostos subjetivos: quem deve prestar alimentos e quem pode reclam-los................................................................... 539 4. Alimentos decorrentes da dissoluo da sociedade conjugal e da unio estvel............................................................................ 548 5. Meios de assegurar o pagamento da penso................................ 552 5.1. Ao de alimentos ................................................................ 553 5.2. Ao revisional de alimentos................................................ 560 5.3. Meios de execuo da prestao no satisfeita..................... 564 6. Alimentos gravdicos................................................................... 575 TTULO IV DO BEM DE FAMLIA 1. Introduo.................................................................................... 580 2. Bem de famlia voluntrio ........................................................... 583 3. Bem de famlia obrigatrio ou legal ........................................... 589
  • 14. 15 DA UNIO ESTVEL TTULO NICO DA UNIO ESTVEL E DO CONCUBINATO 1. Conceito e evoluo histrica...................................................... 602 2. Regulamentao da unio estvel antes do Cdigo Civil de 2002 ............................................................................................. 606 3. A unio estvel no Cdigo Civil de 2002 .................................... 608 4. Requisitos para a configurao da unio estvel ......................... 611 4.1. Pressupostos de ordem subjetiva .......................................... 612 4.2. Pressupostos de ordem objetiva............................................ 615 5. Deveres dos companheiros .......................................................... 625 6. Direitos dos companheiros .......................................................... 627 6.1. Alimentos ............................................................................. 627 6.2. Meao e regime de bens...................................................... 630 6.3. Sucesso hereditria ............................................................. 636 7. Contrato de convivncia entre companheiros.............................. 638 8. Converso da unio estvel em casamento.................................. 641 9. As leis da unio estvel e o direito intertemporal........................ 643 10. Aes concernentes unio estvel............................................. 644 DA TUTELA E DA CURATELA TTULO I DA TUTELA 1. Conceito....................................................................................... 649 2. Espcies de tutela......................................................................... 651 2.1. Tutela testamentria.............................................................. 652 2.2. Tutela legtima...................................................................... 655 2.3. Tutela dativa.......................................................................... 656 3. Regulamentao da tutela............................................................ 657 3.1. Incapazes de exercer a tutela ................................................ 657 3.2. Escusa dos tutores................................................................. 659 3.3. Garantia da tutela.................................................................. 663 3.4. A figura do protutor.............................................................. 666 3.5. Exerccio da tutela ................................................................ 668 3.5.1. O exerccio da tutela em relao pessoa do menor.... 669
  • 15. 16 3.5.2. O exerccio da tutela em relao aos bens do tute- lado............................................................................. 670 3.6. Responsabilidade e remunerao do tutor............................ 677 3.7. Bens do tutelado ................................................................... 679 3.8. Prestao de contas............................................................... 680 4. Cessao da tutela........................................................................ 682 TTULO II DA CURATELA 1. Conceito....................................................................................... 685 2. Caractersticas da curatela ........................................................... 686 3. Espcies de curatela..................................................................... 688 3.1. Curatela dos privados do necessrio discernimento por en- fermidade ou deficincia mental........................................... 691 3.2. Curatela dos impedidos, por outra causa duradoura, de ex- primir a sua vontade ............................................................. 693 3.3. Curatela dos deficientes mentais, brios habituais e vicia- dos em txicos...................................................................... 693 3.4. Curatela dos excepcionais sem completo desenvolvimento mental ................................................................................... 695 3.5. Curatela dos prdigos........................................................... 696 3.6. Curatela do nascituro............................................................ 699 3.7. Curatela do enfermo e do portador de deficincia fsica...... 700 4. O procedimento de interdio...................................................... 702 4.1. Legitimidade para requerer a interdio............................... 706 4.2. Pessoas habilitadas a exercer a curatela................................ 709 4.3. Natureza jurdica da sentena de interdio ......................... 714 4.4. Levantamento da interdio.................................................. 716 5. Exerccio da curatela.................................................................... 717 Bibliografia ........................................................................................ 719
  • 16. 17 INTRODUO CAPTULO NICO DIREITO DE FAMLIA Sumrio: 1. Noo de direito de famlia. 2. Contedo do direito de famlia. 3. Princpios do direito de famlia. 4. Natureza jurdica do direito de famlia. 5. Famlia e casamento. 6. Evoluo histrica do direito de famlia. 7. O direito de famlia na Constituio de 1988 e no Cdigo Civil de 2002. 1. Noo de direito de famlia O direito de famlia , de todos os ramos do direito, o mais intimamen- te ligado prpria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua exis- tncia, mesmo que venham a constituir nova famlia pelo casamento ou pela unio estvel. J se disse, com razo, que a famlia uma realidade sociolgica e constitui a base do Estado, o ncleo fundamental em que repousa toda a organizao social. Em qualquer aspecto em que considerada, aparece a famlia como uma instituio necessria e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteo do Estado. A Constituio Federal e o Cdigo Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem no entanto defini-la, uma vez que no h identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia. Dentro do prprio direito a sua natureza e a sua extenso variam, conforme o ramo. Lato sensu, o vocbulo famlia abrange todas as pessoas ligadas por vnculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoo. Compreende os cnjuges e companheiros, os parentes e os afins. Segundo JOSSERAND, este primeiro sentido , em princpio, o nico verdadeiramente jurdico, em que a fam- lia deve ser entendida: tem o valor de um grupo tnico, intermdio entre o
  • 17. 18 indivduo e o Estado1 . Para determinados fins, especialmente sucessrios, o conceito de famlia limita-se aos parentes consanguneos em linha reta e aos colaterais at o quarto grau. As leis em geral referem-se famlia como um ncleo mais restrito, constitudo pelos pais e sua prole, embora esta no seja essencial sua con- figurao. a denominada pequena famlia, porque o grupo reduzido ao seu ncleo essencial: pai, me e filhos2 , correspondendo ao que os romanos denominavam domus. Trata-se de instituio jurdica e social, resultante de casamento ou unio estvel, formada por duas pessoas de sexo diferente com a inteno de estabelecerem uma comunho de vidas e, via de regra, de terem filhos a quem possam transmitir o seu nome e seu patrimnio. Identificam-se na sociedade conjugal estabelecida pelo casamento trs ordens de vnculos: o conjugal, existente entre os cnjuges; o de parentesco, que rene os seus integrantes em torno de um tronco comum, descendendo uns dos outros ou no; e o de afinidade, estabelecido entre um cnjuge e os parentes do outro. O direito de famlia regula exatamente as relaes entre os seus diversos membros e as consequncias que delas resultam para as pessoas e bens. O objeto do direito de famlia , pois, o complexo de dispo- sies, pessoais e patrimoniais, que se origina do entrelaamento das mlti- plas relaes estabelecidas entre os componentes da entidade familiar3 . 2. Contedo do direito de famlia Os direitos de famlia, como foi dito, so os que nascem do fato de uma pessoa pertencer a determinada famlia, na qualidade de cnjuge, pai, filho etc. Contrapem-se aos direitos patrimoniais, por no terem valor pecunirio. Distinguem-se, nesse aspecto, dos direitos das obrigaes, pois caracterizam-se pelo fim tico e social. Embora sejam tambm direitos re- lativos, no visam uma certa atividade do devedor, mas envolvem a inteira pessoa do sujeito passivo. A infrao aos direitos obrigacionais resolve-se em perdas e danos, enquanto a violao dos direitos de famlia tem sanes 1 Derecho civil, t. I, v. II, p. 4. 2 Jos Lamartine Corra de Oliveira e Francisco Jos Ferreira Muniz, Direito de famlia, p. 9. 3 Cunha Gonalves, Direitos de famlia e direitos das sucesses, p. 10; Ricardo Pereira Lira, Breve estudo sobre as entidades familiares, in A nova famlia: problemas e perspectivas, p. 25; Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 32. ed., v. 2, p. 1.
  • 18. 19 bem diversas: suspenso ou extino do poder familiar, dissoluo da so- ciedade conjugal, perda de direito a alimentos etc.4 . Podem os direitos de famlia, todavia, ter um contedo patrimonial, ora assemelhando-se s obrigaes, como nos alimentos (CC, art. 1.694), ora tendo o tipo dos direitos reais, como no usufruto dos bens dos filhos (art. 1.689). Na realidade, tal acontece apenas indiretamente, como nos exemplos citados e ainda no tocante ao regime de bens entre cnjuges ou conviventes e administrao dos bens dos incapazes, em que apenas apa- rentemente assumem a fisionomia de direito real ou obrigacional. O direito de famlia constitui o ramo do direito civil que disciplina as relaes entre pessoas unidas pelo matrimnio, pela unio estvel ou pelo parentesco, bem como os institutos complementares da tutela e curatela, visto que, embora tais institutos de carter protetivo ou assistencial no advenham de relaes familiares, tm, em razo de sua finalidade, ntida conexo com aquele5 . Conforme a sua finalidade ou o seu objetivo, as normas do direito de famlia ora regulam as relaes pessoais entre os cnjuges, ou entre os ascendentes e os descendentes ou entre parentes fora da linha reta; ora disciplinam as relaes patrimoniais que se desenvolvem no seio da fam- lia, compreendendo as que se passam entre cnjuges, entre pais e filhos, entre tutor e pupilo; ora finalmente assumem a direo das relaes assis- tenciais, e novamente tm em vista os cnjuges entre si, os filhos perante os pais, o tutelado em face do tutor, o interdito diante do seu curador. Re- laes pessoais, patrimoniais e assistenciais so, portanto, os trs setores em que o direito de famlia atua6 . O Cdigo Civil de 2002 destina o Livro IV da Parte Especial ao direi- to de famlia. Trata, em primeiro lugar, sob o ttulo Do direito pessoal, das regras sobre o casamento, sua celebrao, validade e causas de disso- luo, bem como da proteo da pessoa dos filhos. Em seguida, dispe sobre as relaes de parentesco, enfatizando a igualdade plena entre os filhos consolidada pela Constituio Federal de 1988. No segundo ttulo (Do direito patrimonial), cuida do direito patri- monial decorrente do casamento, dando nfase ao regime de bens e aos 4 Cunha Gonalves, Direitos de famlia, cit., p. 8-9. 5 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v. 5, p. 3-4. 6 Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies de direito civil, v. 5, p. 33.
  • 19. 20 alimentos entre parentes, cnjuges e conviventes. Disciplina, tambm, o usufruto e a administrao dos bens de filhos menores, bem como o bem de famlia, que foi deslocado da Parte Geral, Livro II, concernente aos bens, onde se situava no Cdigo de 1916. O Ttulo III dedicado unio estvel e seus efeitos, como inovao e consequncia de seu reconhecimento como entidade familiar pela Constitui- o Federal (art. 226, 3). Em cinco artigos o novo diploma incorporou os princpios bsicos das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, que agora tm carter subsidirio. Trata, nesses dispositivos, dos aspectos pessoais e patrimoniais, deixando para o direito das sucesses o efeito patrimonial sucessrio. Em face da equiparao do referido instituto ao casamento, aplicam-se-lhe os mesmos princpios e normas atinentes a alimentos entre cnjuges. Por fim, no Ttulo IV, o Cdigo de 2002 normatiza os institutos pro- tetivos da tutela e da curatela, a exemplo do Cdigo de 1916. A ausncia, que neste ltimo diploma situava-se no livro Do direito de famlia, foi todavia deslocada para a Parte Geral do novo, onde encontra sua sede natural. Nessa sistematizao, destacam-se os institutos do casamento, da fi- liao, do poder familiar, da tutela, da curatela, dos alimentos e da unio estvel. O casamento, pelos seus efeitos, o mais importante de todos. Embora existam relaes familiares fora do casamento, ocupam estas plano secundrio e ostentam menor importncia social. O casamento o centro, o foco de onde irradiam as normas bsicas do direito de famlia, sendo es- tudado em todos os seus aspectos, desde as formalidades preliminares e as de sua celebrao, os seus efeitos nas relaes entre os cnjuges, com a imposio de direitos e deveres recprocos, e nas de carter patrimonial, com o estabelecimento do regime de bens, at a sua invalidade por falta de pressupostos fticos, nulidade e anulabilidade, alm da questo da dissolu- o da sociedade conjugal, com a separao judicial e o divrcio7 . A condio jurdica dos filhos assume tambm significativo relevo no direito de famlia. O instituto da filiao sofreu profunda modificao com a nova ordem constitucional, que equiparou, de forma absoluta, em todos os direitos e qualificaes, os filhos havidos ou no da relao de casamen- to, ou por adoo, proibindo qualquer designao discriminatria (CF, art. 227, 6).A qualificao dos filhos envolve questes de suma importncia, 7 Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies, cit., v. 5, p. 34.
  • 20. 21 ligadas contestao da paternidade e investigao da paternidade e da maternidade. A proteo da pessoa dos filhos subordinados autoridade paterna constitui dever decorrente do poder familiar, expresso esta considerada mais adequada que ptrio poder, utilizada pelo Cdigo de 1916. Uma inovao foi a retirada de toda a seo relativa ao ptrio poder quanto aos bens dos filhos, constante deste ltimo diploma, transferindo-a para o Ttu- lo II, destinado ao direito patrimonial no novo Cdigo, com a denominao Do Usufruto e da Administrao dos Bens de Filhos Menores (Subttulo II). Trata-se, todavia, de matria relativa ao poder familiar. Os institutos de proteo ou assistncia desdobram-se em tutela dos menores que se sujeitam autoridade de pessoas que no so os seus geni- tores, e curatela, que, embora no se relacione com o instituto da filiao, regulada no direito de famlia pela semelhana com o sistema assistencial dos menores. No tocante aos alimentos, o Cdigo Civil de 2002 traa regras que abrangem os devidos em razo do parentesco, do casamento e tambm da unio estvel, trazendo, como inovao, a transmissibilidade da obrigao aos herdeiros (art. 1.700), dispondo de forma diversa do art. 402 do diploma de 1916. A obrigao alimentar alcana todos os parentes na linha reta. Na linha colateral, porm, limita-se aos irmos, assim germanos como unilate- rais (arts. 1.696 e 1.697). A unio estvel, como foi dito, mereceu destaque especial, sendo disciplinada em ttulo prprio (Ttulo III), em seus aspectos pessoais e pa- trimoniais. O direito a alimentos e os direitos sucessrios dos companheiros so tratados, todavia, respectivamente, no subttulo concernente aos alimen- tos e no Livro V, concernente ao Direito das sucesses. 3. Princpios do direito de famlia O Cdigo Civil de 2002 procurou adaptar-se evoluo social e aos bons costumes, incorporando tambm as mudanas legislativas sobrevindas nas ltimas dcadas do sculo passado. Adveio, assim, com ampla e atua- lizada regulamentao dos aspectos essenciais do direito de famlia luz dos princpios e normas constitucionais. As alteraes introduzidas visam preservar a coeso familiar e os va- lores culturais, conferindo-se famlia moderna um tratamento mais con-
  • 21. 22 sentneo realidade social, atendendo-se s necessidades da prole e de afeio entre os cnjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade. Rege-se o novo direito de famlia pelos seguintes princpios: a) Princpio do respeito dignidade da pessoa humana, como decor- rncia do disposto no art. 1, III, da Constituio Federal. Verifica-se, com efeito, do exame do texto constitucional, como assinala GUSTAVO TEPEDINO, que a milenar proteo da famlia como instituio, unidade de produo e reproduo dos valores culturais, ticos, religiosos e econmicos, d lugar tutela essencialmente funcionalizada dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos. De outra forma, aduz, no se consegue explicar a proteo constitucional s entidades familiares no fundadas no casamento (art. 226, 3) e s fa- mlias monoparentais (art. 226, 4); a igualdade de direitos entre homem e mulher na sociedade conjugal (art. 226, 5); a garantia da possibilidade de dissoluo da sociedade conjugal independentemente de culpa (art. 226, 6); o planejamento familiar voltado para os princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel (art. 226, 7) e a previso de ostensiva interveno estatal no ncleo familiar no sentido de proteger seus integrantes e coibir a violncia domstica (art. 226, 8)8 . O direito de famlia o mais humano de todos os ramos do direito. Em razo disso, e tambm pelo sentido ideolgico e histrico de excluses, como preleciona RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, que se torna imperativo pensar o Direito de Famlia na contemporaneidade com a ajuda e pelo n- gulo dos Direitos Humanos, cuja base e ingredientes esto, tambm, dire- tamente relacionados noo de cidadania. A evoluo do conhecimento cientfico, os movimentos polticos e sociais do sculo XX e o fenmeno da globalizao provocaram mudanas profundas na estrutura da famlia e nos ordenamentos jurdicos de todo o mundo, acrescenta o mencionado autor, que ainda enfatiza: Todas essas mudanas trouxeram novos ideais, provo- caram um declnio do patriarcalismoe lanaram as bases de sustentao e compreenso dos Direitos Humanos, a partir da noo da dignidade da pes- soa humana, hoje insculpida em quase todas as constituies democrticas9 . 8 A disciplina civil-constitucional das relaes familiares, in A nova famlia: problemas e perspectivas, p. 48-49. 9 Famlia, direitos humanos, psicanlise e incluso social, Revista Brasileira de Direito de Famlia, v. 16, p. 5-6.
  • 22. 23 O princpio do respeito dignidade da pessoa humana constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a rea- lizao de todos os seus membros, principalmente da criana e do adoles- cente (CF, art. 227)10 . b) Princpio da igualdade jurdica dos cnjuges e dos companheiros, no que tange aos seus direitos e deveres, estabelecido no art. 226, 5, da Constituio Federal, verbis: Os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. A regula- mentao instituda no aludido dispositivo acaba com o poder marital e com o sistema de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas domsticas e procriao. O patriarcalismo no mais se coaduna, efetivamente, com a poca atual, em que grande parte dos avanos tecnolgicos e sociais est diretamente vinculada s funes da mulher na famlia e referenda a evolu- o moderna, confirmando verdadeira revoluo no campo social. O art. 233 do Cdigo Civil de 1916 proclamava que o marido era o chefe da sociedade conjugal, competindo-lhe a administrao dos bens comuns e particulares da mulher, o direito de fixar o domiclio da famlia e o dever de prover manuteno desta. Todos esses direitos so agora exer- cidos pelo casal, em sistema de cogesto, devendo as divergncias ser so- lucionadas pelo juiz (CC, art. 1.567, pargrafo nico). O dever de prover manuteno da famlia deixou de ser apenas um encargo do marido, incum- bindo tambm mulher, de acordo com as possibilidades de cada qual (art. 1.568). O diploma de 1916 tratava dos direitos e deveres do marido e da mulher em captulos distintos, porque havia algumas diferenas. Em virtude, porm, da isonomia estabelecida no dispositivo constitucional retrotranscrito, o novo Cdigo Civil disciplinou somente os direitos de ambos os cnjuges, afastando as referidas diferenas. c) Princpio da igualdade jurdica de todos os filhos, consubstanciado no art. 227, 6, da Constituio Federal, que assim dispe: Os filhos, havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao. O dispositivo em apreo estabelece absoluta igualdade entre todos os filhos, no admitindo mais a retrgrada distino entre filia- o legtima ou ilegtima, segundo os pais fossem casados ou no, e adoti- 10 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p. 21.
  • 23. 24 va, que existia no Cdigo Civil de 1916. Hoje, todos so apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros em sua constncia, mas com iguais di- reitos e qualificaes (CC, arts. 1.596 a 1.629). O princpio ora em estudo no admite distino entre filhos legtimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucesso; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; probe que conste no assento do nascimento qualquer referncia filiao ilegtima; e veda designaes discriminatrias relativas filiao. d) Princpio da paternidade responsvel e planejamento familiar. Dispe o art. 226, 7, da Constituio Federal que o planejamento familiar livre deciso do casal, fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel. Essa responsabilidade de ambos os genitores, cnjuges ou companheiros. A Lei n. 9.253/96 regulamentou o assunto, especialmente no tocante responsabilidade do Poder Pblico. O Cdigo Civil de 2002, no art. 1.565, traou algumas diretrizes, proclaman- do que o planejamento familiar de livre deciso do casal e que ve- dado qualquer tipo de coero por parte de instituies pblicas e privadas. e) Princpio da comunho plena de vida baseada na afeio entre os cnjuges ou conviventes, como prev o art. 1.511 do Cdigo Civil. Tal dispositivo tem relao com o aspecto espiritual do casamento e com o companheirismo que nele deve existir. Demonstra a inteno do legislador de torn-lo mais humano. Como assinala GUSTAVO TEPEDINO11 , com a Carta de 1988 altera-se o conceito de unidade familiar, antes delineado como aglutinao formal de pais e filhos legtimos baseada no casamento, para um conceito flexvel e instrumental, que tem em mira o liame substancial de pelo menos um dos genitores com seus filhos tendo por origem no apenas o casamento e inteiramente voltado para a realizao espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros. Priorizada, assim, a convivncia familiar, ora nos defrontamos com o grupo fundado no casamento ou no companheirismo, ora com a famlia monoparental sujeita aos mesmos deveres e tendo os mesmos direitos. O Estatuto da Criana e do Adolescente outorgou, ainda, direitos famlia substituta. Os novos rumos conduzem famlia socioafetiva, onde prevale- cem os laos de afetividade sobre os elementos meramente formais12 . Nes- 11 A disciplina civil-constitucional, cit., p. 50. 12 Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies, cit., v. 5, p. 6.
  • 24. 25 sa linha, a dissoluo da sociedade conjugal pelo divrcio tende a ser uma consequncia da extino da affectio, e no da culpa de qualquer dos cn- juges. O princpio ora comentado reforado pelo art. 1.513 do Cdigo Civil, que veda a qualquer pessoa jurdica, seja ela de direito pblico ou de direi- to privado, a interferncia na comunho de vida instituda pela famlia. f) Princpio da liberdade de constituir uma comunho de vida familiar, seja pelo casamento, seja pela unio estvel, sem qualquer imposio ou restrio de pessoa jurdica de direito pblico ou privado, como dispe o supramencionado art. 1.513 do Cdigo Civil. Tal princpio abrange tambm a livre deciso do casal no planejamento familiar (CC, art. 1.565), intervin- do o Estado apenas para propiciar recursos educacionais e cientficos ao exerccio desse direito (CF, art. 226, 7); a livre aquisio e administrao do patrimnio familiar (CC, arts. 1.642 e 1.643) e opo pelo regime de bens mais conveniente (art. 1.639); a liberdade de escolha pelo modelo de formao educacional, cultural e religiosa da prole (art. 1.634); e a livre conduta, respeitando-se a integridade fsico-psquica e moral dos compo- nentes da famlia13 . O reconhecimento da unio estvel como entidade familiar, institudo pela Constituio de 1988 no art. 226, 3, retrotranscrito, e sua regula- mentao pelo novo Cdigo Civil possibilitam essa opo aos casais que pretendem estabelecer uma comunho de vida baseada no relacionamento afetivo. A aludida Carta Magna alargou o conceito de famlia, passando a integr-lo as relaes monoparentais, de um pai com seus filhos. Esse redi- mensionamento, calcado na realidade que se imps, acabou afastando da ideia de famlia o pressuposto de casamento. Para sua configurao, deixou- -se de exigir a necessidade de existncia de um par, o que, consequentemen- te, subtraiu de sua finalidade a proliferao14 . 4. Natureza jurdica do direito de famlia J foi dito que a famlia constitui o alicerce mais slido em que se assenta toda a organizao social, estando a merecer, por isso, a proteo 13 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p. 21. 14 Ivone Coelho de Souza e Maria Berenice Dias, Famlias modernas: (Inter)seces do afeto e da lei, Revista Brasileira de Direito de Famlia, v. 8, p. 65.
  • 25. 26 especial do Estado, como proclama o art. 226 da Constituio Federal, que a ela se refere como base da sociedade. natural, pois, que aquele quei- ra proteg-la e fortalec-la, estabelecendo normas de ordem pblica, que no podem ser revogadas pela vontade dos particulares e determinando a partici- pao do Ministrio Pblico nos litgios que envolvem relaes familiares. Este aspecto destacado por JOS LAMARTINE CORRA DE OLIVEIRA: No Direito de Famlia, h um acentuado predomnio das normas imperativas, isto , normas que so inderrogveis pela vontade dos particulares. Signifi- ca tal inderrogabilidade que os interessados no podem estabelecer a orde- nao de suas relaes familiares, porque esta se encontra expressa e impe- rativamente prevista na lei (ius cogens). Com efeito, no se lhes atribui o poder de fixar o contedo do casamento (por exemplo, modificar os deveres conjugais, art. 231); ou sujeitar a termo ou condio o reconhecimento do filho (art. 361); ou alterar o contedo do ptrio poder (art. 384)15 . Os dispositivos legais citados so do Cdigo Civil de 1916, cabendo ainda observar que a expresso ptrio poder foi substituda, no novo di- ploma, por poder familiar. Ao regular as bases fundamentais dos institutos do direito de famlia, o ordenamento visa estabelecer um regime de certeza e estabilidade das relaes jurdicas familiares. PONTES DE MIRANDA enfatiza essa caractersti- ca, afirmando que a grande maioria dos preceitos de direitos de famlia composta de normas cogentes. S excepcionalmente, em matria de regime de bens, o Codigo Civil deixa margem autonomia da vontade16 . Embora em alguns outros casos a lei conceda liberdade de escolha e deciso aos familiares, como nas hipteses mencionadas no item anterior (livre deciso do casal no planejamento familiar, livre aquisio e adminis- trao do patrimnio familiar, liberdade de escolha pelo modelo de forma- o educacional, cultural e religiosa da prole e livre conduta, respeitando-se a integridade fsico-psquica e moral dos componentes da famlia), a dispo- nibilidade relativa, limitada, como sucede tambm no concernente aos alimentos, no se considerando vlidas as clusulas que estabelecem a re- nncia definitiva de alimentos, mormente quando menores ou incapazes so os envolvidos. 15 Direito de famlia, cit., p. 17. 16 Tratado de direito de famlia, v. I, p. 71.
  • 26. 27 Em razo da importncia social de sua disciplina, predominam no direito de famlia, portanto, as normas de ordem pblica, impondo antes deveres do que direitos. Todo o direito familiar se desenvolve e repousa, com efeito, na ideia de que os vnculos so impostos e as faculdades con- feridas no tanto para atribuir direitos quanto para impor deveres. No principalmente o interesse individual, com as faculdades decorrentes, que se toma em considerao. Os direitos, embora assim reconhecidos e regu- lados na lei, assumem, na maior parte dos casos, o carter de deveres17 . Da por que se observa uma interveno crescente do Estado no cam- po do direito de famlia, visando conceder-lhe maior proteo e propiciar melhores condies de vida s geraes novas. Essa constatao tem con- duzido alguns doutrinadores a retirar do direito privado o direito de famlia e inclu-lo no direito pblico. Outros preferem classific-lo como direito sui generis ou direito social. Malgrado as peculiaridades das normas do direito de famlia, o seu correto lugar mesmo junto ao direito privado, no ramo do direito civil, em razo da finalidade tutelar que lhe inerente, ou seja, da natureza das rela- es jurdicas a que visa disciplinar. Destina-se, como vimos, a proteger a famlia, os bens que lhe so prprios, a prole e interesses afins. Como assi- nala ARNALDO RIZZARDO, a ntima aproximao do direito de famlia ao direito pblico no retira o carter privado, pois est disciplinado num dos mais importantes setores do direito civil, e no envolve diretamente uma relao entre o Estado e o cidado. As relaes adstringem-se s pessoas fsicas, sem obrigar o ente pblico na soluo dos litgios. A proteo s famlias, prole, aos menores, ao casamento, aos regimes de bens no vai alm de mera tutela, no acarretando a responsabilidade direta do Estado na observncia ou no das regras correspondentes pelos cnjuges ou mais sujeitos da relao jurdica18 . A doutrina em geral comunga desse entendimento, sendo de destacar a manifestao de PONTES DE MIRANDA: Sob esse ttulo, os Cdigos Civis modernos juntam normas de direito que no pertencem, rigorosamente, ao direito civil: ora concernem ao direito pblico, ora ao comercial, ora ao penal e ao processual. Esses acrscimos no alteram, todavia, o seu carter preponderante de direito civil19 . 17 Eduardo Espnola, A famlia no direito civil brasileiro, p. 14, n. 3. 18 Direito de famlia, p. 6. 19 Tratado de direito de famlia, cit., v. I, p. 70.
  • 27. 28 Efetivamente, alguns dos princpios integrantes do direito de famlia, por concernirem a relaes pessoais entre pais e filhos, entre parentes con- sanguneos ou afins, formam os denominados direitos de famlia puros. Outros envolvem relaes tipicamente patrimoniais, com efeitos diretos ou indiretos dos primeiros, e se assemelham s relaes de cunho obrigacional ou real, cuja preceituao atraem e imitam20 . Uma outra caracterstica dos direitos de famlia a sua natureza per- sonalssima: so direitos irrenunciveis e intransmissveis por herana. Desse modo, ningum pode transferir ou renunciar sua condio de filho. O marido no pode transmitir seu direito de contestar a paternidade do filho havido por sua mulher; ningum pode ceder seu direito de pleitear alimen- tos, ou a prerrogativa de demandar o reconhecimento de sua filiao havida fora do matrimnio21 . Preleciona MESSINEO que o carter peculiar do direito de famlia demonstrado, alm do mais, pelo exerccio do direito ou do poder, da parte do sujeito que dele investido; no preordenado para a satisfao de um interesse do prprio sujeito, mas para atender necessidade de satisfazer certos interesses gerais (a interdio, a inabilitao, impedimento matrimo- nial, etc.); o que ainda melhor confirmado pelo fato de ser o poder exer- cido pelo Ministrio Pblico22 . 5. Famlia e casamento O Cdigo Civil de 1916 proclamava, no art. 229, que o primeiro e principal efeito do casamento a criao da famlia legtima. A famlia estabelecida fora do casamento era considerada ilegtima e s mencionada em alguns dispositivos que faziam restries a esse modo de convivncia, ento chamado de concubinato, proibindo-se, por exemplo, doaes ou benefcios testamentrios do homem casado concubina, ou a incluso desta como beneficiria de contrato de seguro de vida. Os filhos que no procediam de justas npcias, mas de relaes extra- matrimoniais, eram classificados como ilegtimos e no tinham sua filiao assegurada pela lei, podendo ser naturais e esprios. Os primeiros eram os 20 Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies, cit., v. 5, p. 31. 21 Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 6, p. 14. 22 Manuale di diritto civile e commerciale, v. 1, p. 400.
  • 28. 29 que nasciam de homem e mulher entre os quais no havia impedimento matrimonial. Os esprios eram os nascidos de pais impedidos de se casar entre si em decorrncia de parentesco, afinidade ou casamento anterior e se dividiam em adulterinos e incestuosos. Somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos, embora apenas os legitimados pelo casamento dos pais, aps sua concepo ou nascimento, fossem em tudo equiparados aos leg- timos (art. 352). O art. 358 do mencionado Cdigo Civil de 1916 proibia, no entanto, expressamente, o reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos. O aludido dispositivo s foi revogado em 1989 pela Lei n. 7.841, depois que a Constituio Federal de 1988 proibiu, no art. 227, 6, qualquer designa- o discriminatria relativa filiao, proclamando a igualdade de direitos e qualificaes entre os filhos, havidos ou no da relao do casamento. Antes mesmo da nova Carta, no entanto, aos poucos, a comear pela legislao previdenciria, alguns direitos da concubina foram sendo reco- nhecidos, tendo a jurisprudncia admitido outros, como o direito meao dos bens adquiridos pelo esforo comum (STF, Smula 380). As restries existentes no Cdigo Civil passaram a ser aplicadas somente aos casos de concubinato adulterino, em que o homem vivia com a esposa e, concomitan- temente, mantinha concubina. Quando, porm, encontrava-se separado de fato da esposa e estabelecia com a concubina um relacionamento more uxorio, isto , de marido e mulher, tais restries deixavam de ser aplicadas, e a mulher passava a ser chamada de companheira. As solues para os conflitos pessoais e patrimoniais surgidos entre os que mantinham uma comunho de vida sem casamento eram encontradas, todavia, fora do direito de famlia. A mulher abandonada fazia jus a uma indenizao por servios prestados, baseada no princpio que veda o enri- quecimento sem causa. Muitas dcadas foram necessrias para que se vencessem os focos de resistncia e prevalecesse uma viso mais socializa- dora e humana do direito, at se alcanar o reconhecimento da prpria so- ciedade concubinria como fato apto a gerar direitos, ainda que fora do mbito familiar, datando de meados do sculo passado a consolidao des- se entendimento23 . Ao longo do sculo XX, as transformaes sociais foram gerando uma sequncia de normas que alteraram, gradativamente, a feio do direito de 23 Helosa Helena Barboza, O direito de famlia brasileiro no final do sculo XX, in A nova famlia: problemas e perspectivas, p. 102.
  • 29. 30 famlia brasileiro, culminando com o advento da Constituio Federal de 1988. Esta alargou o conceito de famlia, passando a integr-lo as relaes monoparentais, de um pai com os seus filhos. Esse redimensionamento, calcado na realidade que se imps, acabou afastando da ideia de famlia o pressuposto de casamento. Para sua configurao, deixou-se de exigir a necessidade de existncia de um par, o que, consequentemente, subtraiu de sua finalidade a proliferao24 . Assinala, a propsito, EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE que a singeleza ilusria de apenas dois artigos, os arts. 226 e 227 da Constituio Federal, gerou efeitos devastadores numa ordem jurdica, do Direito de Famlia, que se pretendia pacificada pela tradio, pela ordem natural dos fatos e pela influncia do Direito Cannico25 . O citado art. 227, aduz, redimen- sionou a ideia de filiao, enquanto o art. 226 incluiu no plano constitucio- nal o conceito de entidade familiar, quer decorrente da unio estvel entre homem e mulher, quer daquele oriundo da comunidade entre qualquer dos pais e seus descendentes, previsto no art. 226, 4, da Constituio Federal. O novo e instigante dispositivo constitucional reconheceu a existncia das famlias monoparentais, que passam, a partir de ento, a ser protegidas pelo Estado. Ao lado do casamento (legalizado), o constituinte reconheceu a unio livre (no legalizada), e entre os dois extremos vaga, indefinida, a noo de famlia monoparental, ainda aguardando integral definio, es- truturao e limites pela legislao infraconstitucional. Ao reconhecer como famlia a unio estvel entre um homem e uma mulher, a Carta Magna conferiu juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento. Todavia, somente em 29 de dezembro de 1994 que surgiu a primeira lei (Lei n. 8.971) regulando a previso constitucional, mas que se revelou tmida. Em 10 de maio de 1996 surgiu a Lei n. 9.278, com maior campo de abrangncia, j que no quantificou prazo de convivncia e albergou as relaes entre pessoas somente separadas de fato, gerando a presuno de que os bens adquiridos so fruto do esforo comum26 . Finalmente, o Cdigo Civil de 2002 inseriu ttulo referente unio estvel no Livro de Famlia, incorporando, em cinco artigos, os princpios bsicos das aludidas leis, que tm agora carter subsidirio, tratando, nesses artigos, dos aspectos pessoais e patrimoniais. 24 Ivone Coelho de Souza e Maria Berenice Dias, Famlias modernas, cit., v. 8, p. 65. 25 Famlias monoparentais, p. 7-8. 26 Ivone Coelho de Souza e Maria Berenice Dias, Famlias modernas, cit., v. 8, p. 66.
  • 30. 31 Verifica-se, assim, que a Constituio Federal, alterando o conceito de famlia, imps novos modelos. Embora a famlia continue a ser a base da sociedade e a desfrutar da especial proteo do Estado, no mais se origina apenas do casamento, uma vez que, a seu lado, duas novas entidades fami- liares passaram a ser reconhecidas: a constituda pela unio estvel e a formada por qualquer dos pais e seus descendentes27 . 6. Evoluo histrica do direito de famlia No direito romano a famlia era organizada sob o princpio da autori- dade. O pater familias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis). Podia, desse modo, vend-los, impor-lhes castigos e penas corporais e at mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordina- da autoridade marital e podia ser repudiada por ato unilateral do marido. O pater exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes no emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. A famlia era, ento, simultaneamente, uma unidade econmica, religiosa, poltica e jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe poltico, sacerdote e juiz. Coman- dava, oficiava o culto dos deuses domsticos e distribua justia. Havia, inicialmente, um patrimnio familiar, administrado pelo pater. Somente numa fase mais evoluda do direito romano surgiram patrimnios individu- ais, como os peclios, administrados por pessoas que estavam sob a auto- ridade do pater. Com o tempo, a severidade das regras foi atenuada, conhecendo os romanos o casamento sine manu, sendo que as necessidades militares esti- mularam a criao de patrimnio independente para os filhos. Com o Im- perador Constantino, a partir do sculo IV, instala-se no direito romano a concepo crist da famlia, na qual predominam as preocupaes de ordem moral. Aos poucos foi ento a famlia romana evoluindo no sentido de se restringir progressivamente a autoridade do pater, dando-se maior autono- mia mulher e aos filhos, passando estes a administrar os peclios castren- ses (vencimentos militares)28 . 27 Helosa Helena Barboza, O direito de famlia, cit., p. 104. 28 Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies, cit., v. 5, p. 26-27; Arnoldo Wald, O novo direi- to de famlia, p. 10-12.
  • 31. 32 Em matria de casamento, entendiam os romanos necessria a affectio no s no momento de sua celebrao, mas enquanto perdurasse. A ausn- cia de convivncia, o desaparecimento da afeio era, assim, causa neces- sria para a dissoluo do casamento pelo divrcio. Os canonistas, no en- tanto, opuseram-se dissoluo do vnculo, pois consideravam o casamen- to um sacramento, no podendo os homens dissolver a unio realizada por Deus: quod Deus conjunxit homo non separet. Durante a Idade Mdia as relaes de famlia regiam-se exclusivamen- te pelo direito cannico, sendo o casamento religioso o nico conhecido. Embora as normas romanas continuassem a exercer bastante influncia no tocante ao ptrio poder e s relaes patrimoniais entre os cnjuges, obser- vava-se tambm a crescente importncia de diversas regras de origem germnica. Podemos dizer que a famlia brasileira, como hoje conceituada, sofreu influncia da famlia romana, da famlia cannica e da famlia germnica. notrio que o nosso direito de famlia foi fortemente influenciado pelo direito cannico, como consequncia principalmente da colonizao lusa. As Ordenaes Filipinas foram a principal fonte e traziam a forte influncia do aludido direito, que atingiu o direito ptrio. No que tange aos impedi- mentos matrimoniais, por exemplo, o Cdigo Civil de 1916 seguiu a linha do direito cannico, preferindo mencionar as condies de invalidade. S recentemente, em funo das grandes transformaes histricas, culturais e sociais, o direito de famlia passou a seguir rumos prprios, com as adaptaes nossa realidade, perdendo aquele carter canonista e dogm- tico intocvel e predominando a natureza contratualista, numa certa equiva- lncia quanto liberdade de ser mantido ou desconstitudo o casamento29 . 7. O direito de famlia na Constituio de 1988 e no Cdigo Civil de 2002 O Cdigo Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no sculo pas- sado, regulavam a famlia constituda unicamente pelo casamento, de mo- delo patriarcal e hierarquizada, como foi dito, ao passo que o moderno enfoque pelo qual identificada tem indicado novos elementos que compem as relaes familiares, destacando-se os vnculos afetivos que norteiam a 29 Arnaldo Rizzardo, Direito de famlia, cit., p. 7-8.
  • 32. 33 sua formao. Nessa linha, a famlia socioafetiva vem sendo priorizada em nossa doutrina e jurisprudncia. A Constituio Federal de 1988 absorveu essa transformao e ado- tou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa huma- na, realizando verdadeira revoluo no Direito de Famlia, a partir de trs eixos bsicos. Assim, o art. 226 afirma que a entidade familiar plural e no mais singular, tendo vrias formas de constituio. O segundo eixo transformador encontra-se no 6 do art. 227. a alterao do sistema de filiao, de sorte a proibir designaes discriminatrias decorrentes do fato de ter a concepo ocorrido dentro ou fora do casamento. A terceira gran- de revoluo situa-se nos artigos 5, inciso I, e 226, 5. Ao consagrar o princpio da igualdade entre homens e mulheres, derrogou mais de uma centena de artigos do Cdigo Civil de 191630 . A nova Carta abriu ainda outros horizontes ao instituto jurdico da famlia, dedicando especial ateno ao planejamento familiar e assistncia direta famlia (art. 226, 7 e 8). No tocante ao planejamento familiar, o constituinte enfrentou o problema da limitao da natalidade, fundando-se nos princpios da dignidade humana e da paternidade responsvel, procla- mando competir ao Estado propiciar recursos educacionais e cientficos para o exerccio desse direito. No desconsiderando o crescimento populacional desordenado, entendeu, todavia, que cabe ao casal a escolha dos critrios e dos modos de agir, vedada qualquer forma coercitiva por parte de institui- es oficiais ou particulares (art. 226, 7)31 . Quanto assistncia direta famlia, estabeleceu-se que o Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes (art. 226, 8). Nessa consonncia, incumbe a todos os rgos, instituies e categorias sociais envidar esforos e empenhar recursos na efetivao da norma constitucional, na tentativa de afastar o fantasma da misria absolu- ta que ronda considervel parte da populao nacional. Todas as mudanas sociais havidas na segunda metade do sculo pas- sado e o advento da Constituio Federal de 1988, com as inovaes men- cionadas, levaram aprovao do Cdigo Civil de 2002, com a convocao 30 Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, Direito de famlia e o novo Cdigo Civil, Prefcio. 31 Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies, cit., v. 5, p. 37.
  • 33. 34 dos pais a uma paternidade responsvel e a assuno de uma realidade familiar concreta, onde os vnculos de afeto se sobrepem verdade biol- gica, aps as conquistas genticas vinculadas aos estudos do DNA. Uma vez declarada a convivncia familiar e comunitria como direito fundamen- tal, prioriza-se a famlia socioafetiva, a no discriminao de filhos, a cor- responsabilidade dos pais quanto ao exerccio do poder familiar, e se reco- nhece o ncleo monoparental como entidade familiar32 . O Cdigo de 2002 destina um ttulo para reger o direito pessoal, e outro para a disciplina do direito patrimonial da famlia. Desde logo enfa- tiza a igualdade dos cnjuges (art. 1.511), materializando a paridade no exerccio da sociedade conjugal, redundando no poder familiar, e probe a interferncia das pessoas jurdicas de direito pblico na comunho de vida instituda pelo casamento (art. 1.513), alm de disciplinar o regime do ca- samento religioso e seus efeitos. O novo diploma amplia, ainda, o conceito de famlia, com a regula- mentao da unio estvel como entidade familiar; rev os preceitos perti- nentes contestao, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se jurisprudncia dominante; reafirma a igualdade entre os filhos em direitos e qualificaes, como consignado na Constituio Federal; atenua o princpio da imutabilidade do regime de bens no casa- mento; limita o parentesco, na linha colateral, at o quarto grau, por ser este o limite estabelecido para o direito sucessrio; introduz novo regime de bens, em substituio ao regime dotal, denominado regime de participao final nos aquestos; confere nova disciplina matria de invalidade do ca- samento, que corresponde melhor natureza das coisas; introduz nova disciplina do instituto da adoo, compreendendo tanto a de crianas e adolescentes como a de maiores, exigindo procedimento judicial em ambos os casos; regula a dissoluo da sociedade conjugal, revogando tacitamen- te as normas de carter material da Lei do Divrcio, mantidas, porm, as procedimentais; disciplina a prestao de alimentos segundo nova viso, abandonando o rgido critrio da mera garantia dos meios de subsistncia; mantm a instituio do bem de famlia e procede a uma reviso nas normas concernentes tutela e curatela, acrescentando a hiptese de curatela do enfermo ou portador de deficincia fsica, dentre outras alteraes. 32 Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies, cit., v. 5, p. 39.
  • 34. 35 As inovaes mencionadas do uma viso panormica das profundas modificaes introduzidas no direito de famlia, que sero objeto de detidos estudos no desenvolvimento desta obra. Frise-se, por fim, que as alteraes pertinentes ao direito de famlia, advindas da Constituio Federal de 1988 e do Cdigo Civil de 2002, de- monstram e ressaltam a funo social da famlia no direito brasileiro, a partir especialmente da proclamao da igualdade absoluta dos cnjuges e dos filhos; da disciplina concernente guarda, manuteno e educao da prole, com atribuio de poder ao juiz para decidir sempre no interesse desta e determinar a guarda a quem revelar melhores condies de exerc- -la, bem como para suspender ou destituir os pais do poder familiar, quan- do faltarem aos deveres a ele inerentes; do reconhecimento do direito a alimentos inclusive aos companheiros e da observncia das circunstncias socioeconmicas em que se encontrarem os interessados; da obrigao imposta a ambos os cnjuges, separados judicialmente (antes da aprovao da Emenda Constitucional n. 66/2010) ou divorciados, de contriburem, na proporo de seus recursos, para a manuteno dos filhos etc.
  • 35. 37 DO DIREITO PESSOAL TTULO I DO CASAMENTO CAPTULO I DISPOSIES GERAIS Sumrio: 1. Conceito. 2. Natureza jurdica. 3. Caracteres do ca- samento. 4. Finalidades do casamento. 1. Conceito O casamento, como todas as instituies sociais, varia com o tempo e os povos. WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO1 afirma no existir, provavel- mente, em todo o direito privado instituto mais discutido. Enquanto nume- rosos filsofos e literatos o defendem, chamando-o de fundamento da sociedade, base da moralidade pblica e privada ou a grande escola fun- dada pelo prprio Deus para a educao do gnero humano, outros o condenam, censurando-lhe a constituio e a finalidade, como SCHOPE- NHAUER, para quem, em nosso hemisfrio mongamo, casar perder me- tade de seus direitos e duplicar seus deveres. Inmeras so as definies de casamento apresentadas pelos escritores, a partir da de MODESTINO, da poca clssica do direito romano, muitas delas refletindo concepes ou tendncias filosficas ou religiosas. A aludida definio do sculo III e reflete as ideias predominantes no perodo cls- sico: Nuptiae sunt conjunctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani juris communicatio, ou seja, casamento a conjuno do 1 Curso de direito civil, 32. ed., v. 2, p. 11.
  • 36. 38 homem e da mulher, que se unem para toda a vida, a comunho do direito divino e do direito humano. Essa noo um tanto grandiosa e sacramental desfigurou-se com o tempo e com a evoluo dos costumes, desaparecendo a aluso ao direito divino e a referncia perenidade do consrcio de vidas na definio atri- buda a ULPIANO, encontrada nas Institutas de JUSTINIANO: Nuptiae autem sive matrimonium est viri et mulieris conjunctio individuam vitae consue- tudinem continens. O Cristianismo, como obtempera CAIO MRIO, elevou o casamento dignidade de um sacramento, pelo qual um homem e uma mulher selam a sua unio sob as bnos do cu, transformando-se numa s entidade fsica e espiritual (caro una, uma s carne), e de maneira indissolvel (quos Deus coniunxit, homo non separet)2 . PORTALIS, um dos elaboradores do Cdigo Civil francs, pretendendo ser objetivo, assim definiu o casamento: a sociedade do homem e da mulher, que se unem para perpetuar a espcie, para ajudar-se mediante socorros mtuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum destino.Vrias crticas foram feitas a essa conceituao, especialmente por apresentar a vida como um fardo e no se referir ao carter legal e civil do casamento, podendo servir tambm para certas unies de fato. JOSSERAND, depois de igualmente criticar a definio de PORTALIS, adu- zindo que ela tambm comete o equvoco de fazer da procriao dos filhos a finalidade essencial do casamento, apresenta o conceito que entende mais adequado: Casamento a unio do homem e da mulher, contrada solene- mente e de conformidade com a lei civil3 . Falta, s definies apresentadas, a noo de contrato, essencial ao conceito moderno e forma igualitria do casamento atual. No direito bra- sileiro, duas definies so consideradas clssicas. A primeira, de LAFAYET- TE RODRIGUES PEREIRA, proclama: O casamento um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recpro- ca de fidelidade no amor e da mais estreita comunho de vida4 . Ressente- -se tambm, ao conceituar o casamento como um ato, da referncia sua natureza contratual, porque a religio o elevava categoria de sacramento. 2 Instituies de direito civil, v. 5, p. 51-52. 3 Derecho civil, t. I, v. II, p. 15. 4 Direitos de famlia, p. 34.
  • 37. 39 A segunda definio referida a de CLVIS BEVILQUA, nestes termos: O casamento um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relaes se- xuais, estabelecendo a mais estreita comunho de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e a educar a prole, que de ambos nascer5 . PON- TES DE MIRANDA6 , embora a considere mais jurdica e mais acorde com os nossos tempos, a critica por se referir indissolubilidade do vnculo, quan- do no so, todavia, indissolveis os seus efeitos, e por se referir a apenas um deles. A definio de BEVILQUA tem a virtude de aderir concepo contratualista e de enfatizar a tradicional e estreita comunho de vida e de interesses, realando o mais importante dos deveres, que o relacionado prole. Na realidade a referncia prole no essencial. Basta lembrar, como o faz CUNHA GONALVES7 , que, embora os cnjuges normalmente objetivem ter filhos, tal no ocorre, por exemplo, no casamento in articulo mortis, que pode dissolver-se logo depois de celebrado. A falta de filhos no afeta o casamento, pois podem casar-se pessoas que, pela idade avanada ou por questes de sade, no tm condies de procriar. E nunca se pensou em anular todos os casamentos de que no advenha prole. Merecem referncia as definies de WASHINGTON DE BARROS MONTEI- RO e PONTES DE MIRANDA. Para o primeiro, casamento a unio permanen- te entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos8 . Para o segundo, o casamento contrato solene, pelo qual duas pessoas de sexo diferente e capazes, conforme a lei, se unem com o intuito de conviver toda a existn- cia, legalizando por ele, a ttulo de indissolubilidade do vnculo, as suas relaes sexuais, estabelecendo para seus bens, sua escolha ou por impo- sio legal, um dos regimes regulados pelo Cdigo Civil, e comprometendo- -se a criar e a educar a prole que de ambos nascer9 . Esta ltima, por se referir capacidade dos nubentes e aos efeitos do casamento, tornou-se muito extensa, como o seu prprio autor reconhece. Por essa razo, afirma o notvel jurista citado, poderia ser ela simplificada 5 Direito de famlia, 6, p. 46. 6 Tratado de direito de famlia, v. I, p. 86-87. 7 Direitos de famlia e direitos das sucesses, p. 19. 8 Curso, cit., v. 2, p. 12. 9 Tratado de direito de famlia, cit., v. I, p. 93.
  • 38. 40 da seguinte forma: Casamento o contrato de direito de famlia que regu- la a unio entre marido e mulher. Impossvel ser original, diante de tantas definies, antigas e modernas. Por essa razo, entendemos desnecessrio formular qualquer outra, prefe- rindo aderir, por sua conciso e preciso, apresentada por JOS LAMARTINE CORRA DE OLIVEIRA, que considera casamento o negcio jurdico de Di- reito de Famlia por meio do qual um homem e uma mulher se vinculam atravs de uma relao jurdica tpica, que a relao matrimonial. Esta uma relao personalssima e permanente, que traduz ampla e duradoura comunho de vida10 . Esclarece o saudoso mestre paranaense que o casa- mento negcio jurdico bilateral e que no utilizou a expresso contrato pela circunstncia de que, no Brasil, a palavra contrato tem, de regra, aplicao restrita aos negcios patrimoniais e, dentre eles, aos negcios jurdicos bilaterais de direito das obrigaes. Elogivel, tambm, o conceito de casamento encontrado no art. 1.577 do Cdigo Civil portugus de 1966, um dos poucos diplomas do mundo a definir tal instituto: Casamento o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir famlia mediante uma plena comunho de vida, nos termos das disposies deste Cdigo. 2. Natureza jurdica No h um consenso, na doutrina, a respeito da natureza jurdica do casamento. A concepo clssica, tambm chamada individualista ou contratualista, acolhida pelo Cdigo Napoleo e que floresceu no sculo XIX, considerava o casamento civil, indiscutivelmente, um contrato, cuja validade e eficcia decorreriam exclusivamente da vontade das partes. A Assembleia Constituinte, instalada aps a ecloso da Revoluo Francesa de 1789, proclamou que la loi ne considre le mariage que comme un contrat civil. Tal concepo representava uma reao ideia de carter religioso que vislumbrava no casamento um sacramento. Segundo os seus adeptos, aplica- vam-se aos casamentos as regras comuns a todos os contratos. Assim, o con- sentimento dos contraentes constitua o elemento essencial de sua celebrao 10 Direito de famlia, p. 121.
  • 39. 41 e, sendo contrato, certamente poderia dissolver-se por um distrato. A sua dis- soluo ficaria, destarte, apenas na dependncia do mtuo consentimento11 . Em oposio a tal teoria, surgiu a concepo institucionalista ou su- praindividualista, defendida pelos elaboradores do Cdigo Civil italiano de 1865 e escritores franceses como HAURIOU e BONNECASE. HENRI DE PAGE tambm entende que o que prevalece no casamento o carter institucional: tout resiste dans le mariage lide de contrat, sauf le consentement des futurs poux, qui lui donne naissance12 . Para essa corrente o casamento uma instituio social, no sentido de que reflete uma situao jurdica cujos parmetros se acham preesta- belecidos pelo legislador. Na lio de PLANIOL e RIPERT13 , atribuir ao casa- mento o carter de instituio significa afirmar que ele constitui um con- junto de regras impostas pelo Estado, que forma um todo ao qual as partes tm apenas a faculdade de aderir, pois, uma vez dada referida adeso, a vontade dos cnjuges torna-se impotente e os efeitos da instituio produ- zem-se automaticamente. O casamento constitui assim uma grande instituio social, que, de fato, nasce da vontade dos contraentes, mas que, da imutvel autoridade da lei, recebe sua forma, suas normas e seus efeitos... A vontade individual livre para fazer surgir a relao, mas no pode alterar a disciplina estatuda pela lei14 . No Brasil, LAFAYETTE15 , demonstrando averso corrente contratualis- ta, afirmou que o casamento, atenta a sua natureza ntima, no um con- trato, antes difere dele profundamente, em sua constituio, no seu modo de ser, na durao e alcance de seus efeitos. Nessa polmica surgiu uma terceira concepo, de natureza ecltica ou mista, que considera o casamento ato complexo, ao mesmo tempo con- trato e instituio. Trata-se de um contrato especial, um contrato de direito de famlia. Nessa linha, afirma CARVALHO SANTOS: um contrato todo especial, que muito se distingue dos demais contratos meramente patrimo- 11 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 2, p. 13; Silvio Rodrigues, Comentrios ao Cdigo Civil, v. 17, p. 3. 12 Trait de droit civil belge, v. 1, p. 635. 13 Trait pratique de droit civil franais, t. 2, n. 69. 14 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 2, p. 13. 15 Direitos de famlia, p. 34.
  • 40. 42 niais. Porque, enquanto estes s giram em torno do interesse econmico, o casamento se prende a elevados interesses morais e pessoais e de tal forma que, uma vez ultimado o contrato, produz ele efeitos desde logo, que no mais podem desaparecer, subsistindo sempre e sempre como que para mais lhe realar o valor16 . EDUARDO ESPNOLA filia-se a essa corrente, obtemperando: Parece-nos, entretanto, que a razo est com os que consideram o casamento um con- trato sui generis, constitudo pela recproca declarao dos contratantes, de estabelecerem a sociedade conjugal, base das relaes de direito de famlia. Em suma, o