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abril de 2014 Leonor Amaro Gonçalves Vieira Actos de perseguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia – análise do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z Universidade do Minho Escola de Direito Leonor Amaro Gonçalves Vieira Actos de perseguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia – análise do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z UMinho|2014

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abril de 2014

Leonor Amaro Gonçalves Vieira

Actos de perseguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia – análise do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z

Universidade do Minho

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Trabalho efetuado sob a orientação da

Prof.ª Doutora Patrícia Jerónimo Vink

Leonor Amaro Gonçalves Vieira

Escola de Direito

Dissertação de Mestrado Mestrado em Direito da União Europeia

Actos de perseguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia – análise do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z

abril de 2014

Universidade do Minho

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iii

RESUMO

Actos de perseguição religiosa e protecção dos refugiados na União Europeia – análise

do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z

A presente dissertação de mestrado versa sobre o conceito de “perseguição”, tal

como este é entendido para efeitos da concessão do estatuto de refugiado. Procura-se

aqui entender a protecção que é concedida aos refugiados na União Europeia, que

requisitos há a preencher para que haja lugar ao reconhecimento do estatuto.

Analisaremos o modo como o conceito de “perseguição” é definido na Convenção de

Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados, bem como na Directiva

2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas

relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para

poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos,

necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e

relativas ao conteúdo da protecção concedida, mas centraremos a nossa atenção,

especificamente, no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia Y e Z, de 2012,

onde é discutido o termo “acto de perseguição religiosa”. Em uma sociedade

democrática, a liberdade religiosa, incluindo a liberdade de expressar e de manifestar

determinada religião, é de importância vital para o respeito dos direitos humanos. Este

tema é discutido desde os trabalhos preparatórios da Convenção de Genebra e a União

Europeia procurou densificar o conceito de “perseguição” na Directiva do Conselho

referida supra. O Tribunal de Justiça sempre teve um papel proactivo no

reconhecimento dos direitos humanos, veremos até que ponto, analisando o Acórdão Y e

Z, o Tribunal contribuiu para a discussão da noção de perseguição religiosa, quais os

efeitos práticos da sua decisão. No Acórdão, a discussão centra-se no facto de saber se a

perseguição por motivos religiosos associada à manifestação da religião em locais

públicos cabe no conceito de perseguição para efeitos da concessão do estatuto de

refugiado.

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v

ABSTRACT

Acts of religious persecution and refugee protection in the European Union - analysis of

the Judgment of the Court of Justice Bundesrepublik Deutschland v. Y and Z

This master thesis is about the concept of “persecution”, such as it is understood

in concern to granting refugee status. Hereby we try to understand the protection that is

given to the refugees within the European Union, which requirements need to be

fulfilled for the refugee status recognition to take place. We will analyze the way the

concept of “persecution” is defined in the 1951 Geneva Convention relating to the

Status of Refugees, as well as in the Council Directive 2004/83/EC of 29 April 2004, on

minimum standards for the qualification and status of third country nationals or stateless

persons as refugees or as persons who otherwise need international protection and the

content of the protection granted, but we will focus specifically on the Judgment of the

Court of Justice Y and Z, of 2012, where it is discussed the concept of “acts of religious

persecution”. In a democratic society, the religious freedom, including the freedom to

demonstrate and manifest certain religion, is crucial to the respect of human rights. This

theme is discussed since the preparatory work of the Geneva Convention, and the

European Union tried to densify the concept of “persecution” in the Council Directive

mentioned above. The Court of Justice always had a proactive role in the recognition of

human rights. We will see how the Court, analyzing the Judgment Y and Z, contributed

to the discussion of the notion of religious persecution and what was the impact of its

decision. In the Judgment, the discussion focuses on knowing if the persecution for

religious motives, associated to the religious manifestation in public places, fits on the

concept of persecution in concern to granting refugee status.

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vii

ÍNDICE

RESUMO ........................................................................................................................ iii

ABSTRACT ..................................................................................................................... v

ÍNDICE ........................................................................................................................... vii

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1

CAPÍTULO I – A PROTECÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS ............... 5

1. A evolução histórica da protecção dos refugiados no Direito Internacional ............ 5

2. A Convenção de Genebra de 1951 ......................................................................... 11

2.1. A protecção concedida ..................................................................................... 13

2.2. A definição de refugiado .................................................................................. 14

2.2.1. Fundado receio .......................................................................................... 16

2.2.2. Perseguição ................................................................................................ 19

2.2.3. Factores de perseguição ............................................................................. 22

2.2.4. Ausência do país da nacionalidade ou residência ...................................... 25

2.2.5. Impossibilidade ou falta de vontade de pedir protecção ao país de origem,

ou de a ele voltar .................................................................................................. 26

CAPÍTULO II – A PROTECÇÃO DOS REFUGIADOS NA UNIÃO EUROPEIA .... 29

1. A construção de uma política comum de asilo ....................................................... 29

2. A Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004 ............................. 38

2.1. Trabalhos preparatórios .................................................................................... 39

2.2. Conteúdo da Directiva ...................................................................................... 42

2.3. Análise ao artigo 9.º da Directiva 2004/83/CE ................................................ 46

CAPÍTULO III – O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Y E Z ...................... 53

1. A jurisprudência proactiva do TJUE em matéria de asilo ...................................... 53

2. O Acórdão Y e Z ...................................................................................................... 56

2.1. Os factos ........................................................................................................... 56

2.2. Questões prejudiciais ....................................................................................... 59

2.3. As conclusões do Advogado-Geral .................................................................. 60

2.4. A decisão do Tribunal de Justiça ..................................................................... 63

2.5. O impacto do Acórdão ..................................................................................... 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 73

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viii

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 75

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1

INTRODUÇÃO

O asilo1 é uma matéria sensível, pois requer um equilíbrio entre a soberania

estadual sobre o controlo das fronteiras e dos acessos ao respectivo território e a

protecção dos direitos humanos dos indivíduos que abandonam os seus países de

origem, onde as suas vidas se tornaram insustentáveis devido à perseguição por motivos

políticos e religiosos2. Foi, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial, que produziu

milhares de deslocados, que a comunidade internacional despertou para este problema,

tendo chegado à conclusão de que são os Estados que devem conceder protecção aos

indivíduos perseguidos no seu próprio país. Ora, toda esta discussão deu origem, em

1951, à Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, ainda hoje o mais

importante texto internacional sobre protecção de refugiados, que serviu de base para

outros instrumentos regionais.

A União Europeia (daqui em diante, UE) nem sempre teve responsabilidade

sobre a matéria de asilo, justamente por respeito pela soberania dos Estados-Membros.

Estes decidiram concertar esforços neste âmbito após a abolição das fronteiras internas

dentro da União, procurando-se a construção de um mercado interno. O objectivo na UE

passou a ser a construção de um Sistema Europeu Comum de Asilo, instituído em 1999,

e que até os dias de hoje tem evoluído. Em diversas fases, foram sendo adoptadas

diversas Directivas, mas também alguns Regulamentos, sobre certos aspectos relativos

aos refugiados. Quanto ao tema aqui explorado, cumpre mencionar a Directiva

2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas

relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para

poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos,

necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e

relativas ao conteúdo da protecção concedida. Mais de cinquenta anos após a

Convenção de Genebra, esta Directiva do Conselho procura explicitar de forma mais

clara alguns dos conceitos cruciais para a aplicação do estatuto de refugiado.

Vejamos algumas estatísticas no que concerne a refugiados na UE. O Eurostat,

organismo oficial de estatísticas da UE, divulgou no ano transacto alguns números

1 Neste trabalho, os termos asilo e refúgio são utilizados de forma equivalente.

2 Este trabalho não segue as regras do novo Acordo Ortográfico.

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2

importantes sobre asilo na Europa a 27. Em 2012, registaram-se 332 000 pedidos de

asilo, estimando-se que 90% dos mesmos correspondam a novos pedidos e que 10%

sejam pedidos repetidos (em 2011 os pedidos rondaram os 302 000). 6% da totalidade

dos pedidos foram feitos por nacionais do Paquistão3. A Alemanha, a França, a Suécia,

o Reino Unido e a Bélgica registaram 70% do total de candidatos, mas foi na Alemanha

que o número foi mais elevado (77 500 pedidos, representando 23% do total). Das

decisões em primeira instância, 73% foram rejeições (pedidos inadmissíveis ou

infundados), 14% foram decisões favoráveis à concessão do estatuto de refugiado, 10%

foram decisões positivas para protecção subsidiária e 2% foram autorizações de

permanência no país por razões humanitárias (exemplos desta última categoria são

pessoas que não possam ser expulsas por razões de saúde e menores não

acompanhados)4.

Procuramos neste trabalho discutir o que pode ser considerado “perseguição”,

que condições deve um acto preencher para tal ser considerado. Uma parte significativa

dos pedidos de asilo é motivada por perseguição religiosa. E muitos deles são rejeitados,

isto porque o conceito de perseguição religiosa é ainda muito controverso, apesar de já

ser debatido a nível internacional há muito tempo. A liberdade de religião está

intrinsecamente ligada à dignidade do ser humano, princípio fundamental da UE. A

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (daqui em diante, CDFUE) diz-nos

no segundo parágrafo do seu preâmbulo: “[c]onsciente do seu património espiritual e

moral, a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser

humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da

democracia e do Estado de direito”5.

Concentraremos os nossos esforços no Acórdão do Tribunal de Justiça da União

Europeia (TJUE) Y e Z, de 2012, onde se discute a interpretação do conceito de

3 Este dado não contabilizou os números da Holanda, por razões técnicas.

4 Cfr. Eurostat – Asylum in the EU27: the number of asylum applicants registered in the EU27

rose to more than 330 000 in 2012, STAT/13/48, 22.03.2013, disponível em www.europa.eu/rapid/press-

release_STAT-13-48_en.htm [15.04.2013]. Para estatísticas de anos anteriores, v. Comissão das

Comunidades Europeias – Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo, COM (2007)

301 final, Bruxelas, 06.06.2007, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2007/com2007_0301pt01.pdf [06.02.2014], pp. 22-29.

5 O texto da Carta encontra-se disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012P/TXT&from=PT [08.04.2014].

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perseguição religiosa, segundo a Directiva 2004/83/CE do Conselho. A discussão é

centrada nas manifestações da religião em público, em que medida a violação dessa

liberdade pode dar origem a um acto de perseguição religiosa, logo, sendo a vítima da

perseguição elegível para o reconhecimento do estatuto de refugiado. Importa

compreender, por um lado, que avanços é que este Acórdão produziu na interpretação

destes conceitos no seio da União, e, por outro, que impacto é que essa decisão produziu

na aplicação prática das políticas de asilo nos Estados-Membros da UE.

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5

CAPÍTULO I

A PROTECÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS

1. A evolução histórica da protecção dos refugiados no Direito

Internacional

Em termos etimológicos, a palavra refugiado tem origem no vocábulo latino

refugium, que significa abrigo ou fuga6. Asilo deriva da palavra grega que significa

inviolável7. Do sentido de lugar onde se busca protecção, asilo passou, com o tempo, a

designar a própria protecção concedida8. Nas palavras de Andreia Sofia Pinto Oliveira,

“[a]través dele [do asilo], um detentor de poder, dentro dos limites espaciais em que se

exerce o seu poder, protege uma ou mais pessoas contra um outro poder”9.

A perseguição de pessoas, pelos mais variados motivos, é um fenómeno antigo.

O seu significado foi evoluindo, resultando em diferentes formas de protecção ao longo

da história da Humanidade. Pense-se, por exemplo, na protecção concedida, na Grécia

Antiga, pelos Deuses nos seus templos sagrados, a criminosos, devedores, escravos e

exilados, ou na protecção concedida pela Igreja Católica, sobretudo na Idade Média,

6 Cfr. Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the

European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 10.

7 Cfr. Constança Urbano de SOUSA – Introdução ao estudo do direito dos estrangeiros, s/d,

disponível em www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/CUS_MA_1146.doc [18.04.2013], p. 48; José Noronha

RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional, Universidade dos Açores,

Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 5.

8 Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional,

Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 4.

9 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 18, interpolação nossa.

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6

através da concessão de refúgio nos seus lugares de santuário e da intercessão junto das

autoridades civis a favor dos delinquentes10

.

Com a edificação dos Estados modernos, a concessão de asilo religioso decaiu

significativamente, o que se compreende atento o interesse dos Estados em afirmar a sua

soberania. Não deixaram de existir iniciativas no sentido de oferecer protecção jurídica

a pessoas vítimas de perseguição por motivos políticos, como correlato do

reconhecimento do valor da pessoa humana (refira-se, por exemplo, a Constituição

francesa de 1793, pós-revolução liberal, que consagrava o direito de asilo “aos

estrangeiros banidos da sua pátria pela causa da liberdade”11

). As poucas iniciativas de

consagração de algum tipo de protecção àquelas pessoas foram, no entanto, pouco

10

Sobre esta evolução histórica que, por brevidade de discurso, trataremos de forma

perfunctória, cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa:

Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 19-61; S. Prakash

SINHA – Asylum and international law, XII, Haia, Martinus Nijhoff, 1971, pp. 5-13; José Noronha

RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional, Universidade dos Açores,

Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], pp. 5-12; Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek

asylum in the European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 10; Thais Silva MENEZES –

“Direitos Humanos e direito internacional dos refugiados: uma relação de complementaridade”, in 3º

Encontro Nacional ABRI 2011, 3, São Paulo, 2011, disponível em

www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000122011000300050&script=sci_arttext

[18.04.2013], p. 2; ACNUR – “Introdução à protecção internacional dos refugiados”, in ACNUR,

Colectânea de estudos e documentação sobre refugiados, Lisboa, ACNUR, 1997, H-RLD 1, pp. 6-8;

Márcia Constantino GONÇALVES – O princípio do non-refoulement, Tese de mestrado, Ciência

Jurídico-Internacionais, Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, s/e, 2009, p. 4; Inês Filipa Pires

MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em sede do

quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa, 2003, pp. 3-4.

11 Artigo 120.º: “Il donne asile aux étrangers bannis de leur patrie pour la cause de la liberté. - Il

le refuse aux tyrans”. Texto disponível em http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-

constitutionnel/francais/la-constitution/les-constitutions-de-la-france/constitution-du-24-juin-

1793.5084.html [19.03.2014]. A Constituição, no entanto, nunca chegou a entrar em vigor, dada a

agitação contra-revolucionária que se viveu em França naquela altura.

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7

significativas, sendo que, nesta época, o asilo era mais uma prática tolerada, não

existindo garantias jurídicas para aqueles que fugiam por motivos políticos.

No período entre as duas grandes guerras mundiais, a concessão de asilo tornou-

se especialmente difícil, em virtude dos entraves colocados à circulação de pessoas, mas

foi também neste período que foram dados os primeiros passos da comunidade

internacional no sentido de definir o estatuto jurídico do refugiado. Em 1921, sob a

égide da Sociedade das Nações, foi criado o Alto Comissariado para os Refugiados. O

primeiro Comissário foi Fridtjof Nansen. Este nome iria ficar para sempre ligado à

história da protecção dos refugiados. Isto porque, a partir de 5 de Julho de 1922,

refugiados provenientes da Rússia passaram a possuir o chamado “passaporte Nansen”,

que lhes permitia deslocarem-se com maior facilidade. Mais tarde, o passaporte passou

a poder ser utilizado por arménios, sírios e turcos. A 28 de Outubro de 1933, foi

assinada uma Convenção relativa ao estatuto dos refugiados12

, que consagrava a

proibição de expulsão dos refugiados para países onde alegavam sofrer perseguição. A

sua eficácia ficou, no entanto, diminuída à partida, uma vez que poucos Estados a

ratificaram. Mesmo os que o fizeram, apuseram várias reservas aos respectivos

instrumentos de ratificação.

Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o maior conflito

armado da história da Humanidade, todos os avanços conseguidos até então, mesmo que

pontuais, foram deixados em suspenso. A Segunda Guerra Mundial pôs em fuga, por

toda a Europa, milhões de pessoas13

, o que trouxe novamente para primeiro plano a

questão da protecção internacional dos refugiados. Entretanto, os horrores do holocausto

nazi haviam demonstrado que a tutela dos direitos humanos não podia ser inteiramente

confiada aos Estados, já que estes eram, frequentemente, os responsáveis pelas mais

horríveis formas de abuso e de perseguição.

Desta forma, a comunidade internacional passou a assumir um papel mais activo

na protecção dos direitos humanos, o que se traduziu, desde logo, na inclusão do

12

Convention Relating to the International Status of Refugees, 28 de Outubro de 1933, League

of Nations, Treaty Series, vol. CLIX, n.º 3663, disponível em

http://www.refworld.org/docid/3dd8cf374.html [15.03.2014].

13 Cfr. Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito Internacional e no

Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de

Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 264.

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respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela dignidade da

pessoa humana, entre os principais objectivos da Organização das Nações Unidas (daqui

em diante, ONU), como se comprova pelo artigo 1.º da Carta das Nações Unidas14

, e na

adopção, em 10 Dezembro de 1948, pela Assembleia-Geral da ONU, da Declaração

Universal dos Direitos Humanos (daqui em diante, DUDH)15

. Em cumprimento e

desenvolvimento dos princípios enunciados na DUDH, foram, posteriormente, firmados

vários tratados de direitos humanos, incluindo os dois Pactos de 1966 (Pacto

Internacional relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e Pacto

Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos16

), a Convenção internacional sobre

a eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1965, a Convenção contra a

tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, de 1984, entre

outros. A DUDH também serviu (e serve), como fonte de inspiração para a generalidade

dos tratados de direitos humanos de âmbito regional (tais como, a Convenção Europeia

para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 195017

, e a

Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de 198118

), bem como para

inúmeras constituições estaduais (veja-se, por exemplo, o artigo 16.º, n.º 2, da

Constituição da República Portuguesa).

Ora, esta responsabilidade que a comunidade internacional assumiu na defesa

dos direitos humanos repercutiu-se em diversas matérias especiais, entre as quais a

protecção dos refugiados. Afinal, como observa Gil Loescher, as violações de direitos

14

Assinada em São Francisco, a 26 de Junho de 1945, entrou em vigor a 24 de Outubro de 1945.

O texto encontra-se disponível em http://www.un.org/en/documents/charter/index.shtml [13.02.2014].

15 Texto disponível em http://dre.pt/util/pdfs/files/dudh.pdf [19.03.2014].

16 Os textos destes tratados encontram-se disponíveis em

http://www.refugiados.net/cid_virtual_bkup/asilo2/2pidesc.html e

http://www.refugiados.net/cid_virtual_bkup/asilo2/2pidcp.html [10.03.2014].

17 Também conhecida como Convenção Europeia dos Direitos do Homem (daqui em diante,

CEDH). O texto da Convenção encontra-se disponível em

http://dre.pt/pdf1s/1978/10/23600/21192145.pdf [19.03.2014].

18 O texto da Carta encontra-se disponível em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-

internacionais-dh/tidhregionais/carta-africa.html [25.03.2014].

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9

humanos que ocorrem hoje conduzirão a situações de refugiados no futuro19

. A defesa

dos direitos dos refugiados passou, assim, a consubstanciar uma prioridade.

A DUDH contém uma menção expressa ao direito de asilo, estabelecendo, no

seu artigo 14.º, que “[t]oda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de

beneficiar de asilo em outros países”. Na opinião de S. Prakash Sinha, aquela previsão

sofre uma limitação: ao indivíduo é dada a liberdade de procurar asilo, mas os Estados

não estão obrigados a concedê-lo20

. Guy S. Goodwin-Gill acrescenta que aquela

previsão foi insuficiente, pois os Estados nem sequer mostraram a intenção de assumir

uma obrigação moral quanto a esta matéria21

. Apesar das dificuldades políticas, em

1951, foi adoptada a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados22

, através de uma

Conferência de plenipotenciários das Nações Unidas, sendo actualmente 145 os seus

Estados-Parte23

. Devido à importância que esta Convenção reveste, será analisada com

mais pormenor mais à frente.

Ainda no âmbito mundial, é importante realçar um organismo, o Alto

Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (daqui em diante, ACNUR).

Criado pela Assembleia-geral da ONU, em 194924

, o ACNUR encontra-se em funções

desde 1 de Janeiro de 195125

. O Alto Comissariado desempenha um papel de guardião

19

“[T]oday’s human rights abuses are tomorrow’s refugee problems”. Cfr. Gil LOESCHER–

“Refugees: a global human rights and security crisis”, in Tim Dunne e Nicholas J. Wheeler (editores),

Human Rights in global politics, 8ª reimpressão, Cambridge, University Press, 2004, p. 244.

20 Cfr. S. Prakash SINHA – Asylum and international law, XII, Haia, Martinus Nijhoff, 1971, p.

90; Marcos WACHOWICZ – “Nota breve acerca do direito de asilo”, in Revista Jurídica da Associação

Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, números 2 e 3, Lisboa Nova Série, 1985, p. 226.

21 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 175.

22 O texto da Convenção está disponível em

http://www.cidadevirtual.pt/acnur/refworld/refworld/legal/instrume/asylum/conv-0.html [14.02.2014]. 23

Informação disponível em

https://treaties.un.org/Pages/ViewDetailsII.aspx?&src=UNTSONLINE&mtdsg_no=V~2&chapter=5&Te

mp=mtdsg2&lang=en#Participants [10.01.2014].

24 Através da Resolução 319 (IV), de 3 de Dezembro de 1949.

25 A sua sede situa-se em Genebra, mas existem várias delegações espalhadas pelo mundo. O seu

Estatuto foi criado através da Resolução 428 (V), de 14 de Dezembro de 1950. Texto disponível em

http://www.cidadevirtual.pt/acnur/acn_lisboa/a-estat.html [10.01.2014]. O Comissário é eleito pela

Assembleia Geral, sob nomeação do Secretário-Geral (Capítulo III, n.º 13, do Estatuto do ACNUR).

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10

dos refugiados26

, pessoas privadas da protecção do seu Estado de nacionalidade ou

residência habitual (no caso dos apátridas), cujos direitos fundamentais básicos não

estão garantidos. Este tem ainda a função de promover a conclusão e a ratificação das

convenções internacionais para a protecção dos refugiados e de velar pela sua

aplicação27

, tendo um papel consultivo em todo o processo28

. Portanto, o ACNUR, sem

se substituir aos Estados, procura garantir que estes estão conscientes das suas

obrigações para com aqueles que procuram asilo dentro das suas fronteiras, e, por isso

mesmo, a cooperação dos Estados é imprescindível para garantir uma resolução rápida

do problema dos refugiados29

.

A nível regional europeu, foi adoptada, em 1950, sob a égide do Conselho da

Europa, a CEDH, a que fizemos referência supra30

. Com vista a assegurar o respeito

pelos direitos consagrados na Convenção, foi criado o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem, visto como o guardião da Convenção31

. A CEDH não reconhece

expressamente o direito de asilo, mas muitos dos seus preceitos (direito à vida,

proibição da tortura) contribuem para a tutela dos refugiados, como tem vindo a ser

sublinhado na doutrina32

.

Desde a sua criação, foram eleitos 10 Comissários, sendo o cargo actualmente ocupado pelo antigo

primeiro-ministro português, António Guterres, desde 2005. Cfr.

http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/alto-comissario-das-nacoes-unidas-para-refugiados/

[10.01.2014].

26 Capítulo I, n.º 1 e Capítulo II, n.º 8, do Estatuto do ACNUR.

27 Capítulo II, n.º 8, alínea a), do Estatuto do ACNUR. O objectivo será a harmonização, isto é, a

construção de padrões comuns entre os Estados, que assegure uma cooperação internacional neste âmbito.

28 Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 41.

29 Cfr. Erika FELLER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa, Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 36. Artigos 35.º e 36.º da Convenção de Genebra de 1951.

30 Assinada em Roma, a 4 de Novembro de 1950. A CEDH entrou em vigor a 3 de Setembro de

1953, existindo até à data 14 protocolos adicionais. São signatários da CEDH todos os países pertencentes

ao Conselho da Europa onde, por sua vez, se encontram todos os Estados-Membros da União Europeia.

31 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 69.

32 Como lembra Andreia Sofia Pinto Oliveira, “[a] CEDH consagra um conjunto de direitos

inalienáveis da pessoa humana, independentemente da sua nacionalidade, que os Estados-parte estão

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11

2. A Convenção de Genebra de 1951

É assim designada a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada

em Genebra, a 28 de Julho de 1951, e em vigor desde 22 de Abril de 195433

. A

preparação da Convenção teve lugar de 1947 a 1950, surgindo da necessidade de se

adoptar um estatuto legal que se aplicasse a pessoas desprovidas de protecção de

qualquer Estado34

. Na origem desta iniciativa está também a pressão da comunidade

internacional para que se pusesse cobro às deslocações incontroláveis que estavam a

ocorrer na Europa, após a Segunda Guerra Mundial35

.

A Convenção de Genebra reconhece o carácter social e humanitário da questão

dos refugiados, sendo até hoje o instrumento jurídico mais relevante nesta matéria36

.

obrigados a respeitar; sempre que a execução de uma medida de expulsão possa pôr em causa algum

desses direitos, o Estado-parte não pode aplicar a dita medida”. Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O

Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra,

Coimbra Editora, 2009, p. 69. A protecção concedida pela CEDH pode ser, desta forma, caracterizada

como “indirecta”, sendo proibido o refoulement, isto é, um Estado não pode expulsar uma pessoa para um

país onde esta corra o risco de ser perseguida. Cfr. Jane MCADAM – Complementary protection in

international refugee law, Oxford, Oxford University Press, 2007, p. 137.

33 A Convenção de Genebra foi completada pelo Protocolo Adicional relativo ao Estatuto dos

Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de Janeiro de 1967, que entrou em vigor a 4 de Outubro de

1967. Sendo um instrumento jurídico independente, os Estados podem aderir ao Protocolo sem terem

aderido anteriormente à Convenção. À data, são 146 os Estados-Parte do Protocolo de Nova Iorque.

Informação disponível em

https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=UNTSONLINE&tabid=2&mtdsg_no=V-

5&chapter=5&lang=en#Participants [10.01.2014].

34 Cfr. ACNUR – “Introdução à protecção internacional dos refugiados”, in ACNUR, Colectânea

de estudos e documentação sobre refugiados, Lisboa, ACNUR, 1997, H-RLD 1, p. 14.

35 Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional,

Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 17.

36 “A Convenção também se reveste de um significado de natureza jurídica, política e ética que

vai muito além dos seus termos concretos – jurídica na medida em que estipula as normas básicas que

devem presidir às acções assentes nos princípios supracitados; política, na medida em que constitui um

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Pode argumentar-se que as suas normas colidem com o direito soberano de cada Estado

de regular as entradas realizadas através das suas fronteiras, mas, como bem lembra

Erika Feller, esta é “uma excepção necessária relativamente a uma categoria específica

de pessoas”37

. O objecto da Convenção de Genebra é a protecção de direitos humanos

de pessoas que no momento não gozam de protecção pelo seu próprio país (de

nacionalidade ou residência habitual) tendo o direito a gozar de protecção num outro

local. Assim, esta forma de protecção internacional é substituta, pois só actua em casos

onde a protecção nacional falha38

.

As negociações do texto da Convenção foram particularmente difíceis,

especialmente devido ao desacordo quanto à definição de refugiado. As dificuldades de

entendimento centraram-se também na obrigação de non-refoulement, hoje considerada

um princípio de Direito internacional consuetudinário39

. A Convenção veio, assim,

preencher uma lacuna jurídica existente até então, pois, até à data, as situações de

refugiados eram resolvidas através de acordos internacionais pontuais, uma vez que a

Convenção de 1933 não teve o impacto esperado40

.

A Convenção de Genebra tem vindo a ser criticada há várias décadas,

principalmente pelo facto de se percepcionar que a mesma não consegue responder a

quadro verdadeiramente universal no âmbito do qual os Estados podem cooperar entre si e partilhar os

encargos resultantes da deslocação forçada; e ética, na medida em que constitui uma declaração única na

qual os 139 Estados partes se comprometem a defender e a proteger os direitos de algumas das pessoas

mais vulneráveis e desfavorecidas do mundo”. Cfr. Erika FELLER – Em direcção a um Sistema Comum

Europeu de asilo, Lisboa, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 36.

37 Cfr. Erika FELLER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa, Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 37.

38 “Sempre que possível, a protecção nacional tem primazia sobre a protecção internacional”.

Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado:

de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa,

ACNUR, 1996, p. 25.

39

Cfr. Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito Internacional e no

Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de

Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 265.

40 Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional,

Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], pp. 17-18.

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13

situações actuais de deslocações forçadas de indivíduos ou populações41

. No entanto,

como observa Inês Filipa Pires Marinho, “não deverá questionar-se a importância e

valor da Convenção de Genebra, antes repensar o sistema por forma a revitalizá-lo, mas

integrando as mais valias que este instrumento nele encerra”42

.

2.1. A protecção concedida

A Convenção começa por ressalvar, no seu artigo 5.º, que as suas disposições

não prejudicam outros direitos dos refugiados que poderão existir em determinado

Estado43

. Os refugiados não podem ser discriminados (artigo 3.º), devendo beneficiar de

reciprocidade no que toca ao regime instituído para os estrangeiros no país de

acolhimento. A liberdade religiosa é objecto do artigo 4.º, onde pode ler-se que “[o]s

Estados Contratantes concederão aos refugiados nos seus territórios um tratamento pelo

menos tão favorável como o concedido aos nacionais no que diz respeito à liberdade de

praticar a sua religião e no que se refere à liberdade de instrução religiosa dos seus

filhos”.

O estatuto de refugiado confere aos seus titulares diversos direitos, entre os

quais, o direito de propriedade, o direito de associação, o direito ao livre exercício de

profissão, o direito a habitação, o direito à educação, o direito à assistência pública, o

direito de livre circulação, o direito a possuir documentos de identidade e de viagem, o

direito à igualdade de tratamento no que concerne a encargos fiscais, entre outros,

plasmados nos artigos 12.º a 29.º da Convenção de Genebra.

De notar que os refugiados não podem ser submetidos a sanções penais se

entraram ou se encontram de forma irregular no país de acolhimento, segundo o artigo

41

Cfr. Márcia Constantino GONÇALVES – O estatuto de refugiado e o direito de asilo,

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2006, p. 39.

42 Cfr. Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e

soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do

Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, p. 27.

43 Artigo 5.º: “Nenhuma disposição desta Convenção prejudica outros direitos e vantagens

concedidos aos refugiados, independentemente desta Convenção”.

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31.º da Convenção44

. Desta forma, é excluída qualquer ilicitude que possa ter ocorrido,

como falsificação de documentação necessária à circulação da pessoa entre o território

de origem, onde sofria perseguição, e o país de acolhimento45

. Isto desde que, agindo de

boa-fé, o refugiado se apresente às autoridades o quanto antes e exponha o seu caso.

A proibição de devolução é talvez o direito mais importante dos refugiados que

caibam na definição da Convenção, consagrado no artigo 33.º, n.º 1, da mesma. Este

direito não é absoluto, sendo que a Convenção elenca um conjunto de excepções, no n.º

2 da referida norma46

.

O refugiado também tem deveres em relação ao Estado que o acolhe, entre os

quais, “a obrigação de acatar as leis e regulamentos” (artigo 2.º).

2.2. A definição de refugiado

O artigo 1.º A (2) da Convenção de Genebra define o termo refugiado, tendo

sido o debate desta norma dos mais complicados, durante os trabalhos preparatórios.

Posteriormente, vários organismos tentaram clarificar este conceito.

A definição de refugiado engloba qualquer pessoa “que, em consequência de

acontecimentos ocorridos antes de l de Janeiro de 1951, e receando com razão ser

perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo

social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a

44

Artigo 31.º: “1. Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais, devido a entrada ou

estada irregulares, aos refugiados que, chegando directamente do território onde a sua vida ou liberdade

estavam ameaçadas no sentido previsto pelo artigo 1.º, entrem ou se encontrem nos seus territórios sem

autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas

válidas para a sua entrada ou presença irregulares”.

45 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 68.

46 Artigo 33.º: “1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de

que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em

virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas. 2.

Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões

sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo sido objecto de

uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a

comunidade do dito país”.

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nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção

daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua

residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito

receio, a ele não queira voltar”.

Devido às novas proporções e complexidade das situações de refugiados a

necessitar de ajuda por todo o globo, o Protocolo de Nova Iorque, referido supra, veio

eliminar a limitação temporal existente nesta norma, tornando a Convenção

verdadeiramente universal47

.

A definição de refugiado dada pela Convenção de Genebra tem sido objecto de

várias críticas ao longo das últimas décadas. Kay Hailbronner diz-nos que “o conceito

actual de protecção de refugiados não é suficientemente flexível para poder lidar com

categorias de refugiados diferentes”48

. Noronha Rodrigues aponta dois outros aspectos

negativos, sendo um deles o facto de os fundamentos para a concessão do estatuto de

refugiado estarem apenas ligados a direitos civis e políticos, “ignorando por completo

os direitos económicos, sociais e culturais”. A outra crítica prende-se com a prática

diferenciada de atribuição deste estatuto em várias partes do mundo, essencialmente

devido à não determinação de conceitos como os de “receio fundado” e de

“perseguição”49

. Na opinião de outros autores, no entanto, esta definição de refugiado

continua a ser válida hoje50

. É também essa a perspectiva da Comissão Europeia,

segundo a qual “[a] definição do termo «refugiado», tal como formulada no ponto A, n.º

47

Artigo 1.º, n.º 2: “Para os efeitos do presente Protocolo, o termo refugiado deverá, excepto em

relação à aplicação do parágrafo 3 deste artigo, significar qualquer pessoa que caiba na definição do

artigo 1, como se fossem omitidas as palavras como resultado de acontecimentos ocorridos antes de l de

Janeiro de 1951 e... e as palavras... como resultado de tais acontecimentos, no artigo 1-A (2)”. Texto

disponível em http://www.cidadevirtual.pt/acnur/acn_lisboa/protoc.html [13.01.2014]. 48

Cfr. Kay HAILBRONNER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa,

Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 101.

49 Cfr. José Noronha RODRIGUES – A história do direito de asilo no direito internacional,

Universidade dos Açores, Working Paper Series 18/2006, 2006, disponível em

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/1151/1/WPaper%2018-2006%20%28Rodrigues%29.pdf

[04.02.2014], p. 22.

50 Cfr. Volker TÜRK, e Frances NICHOLSON – “Refugee protection in international law: an

overall perspective”, in Erika Feller, Volker Türk e Frances Nicholson (editores) – Refugee protection in

international law: UNHCR's global consultation on international protection, Cambridge University

Press, 2003, p. 38.

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2, do artigo 1.º da Convenção de Genebra de 1951, bem como a própria Convenção,

conservam actualmente toda a sua pertinência e são suficientemente flexíveis,

completas e gerais para garantir uma protecção internacional a grande parte das pessoas

que dela necessitam”51

.

Mesmo por isso, justifica-se que analisemos os vários termos em que se

decompõe a definição de refugiado dada pela Convenção de Genebra, o que faremos nas

páginas que se seguem.

2.2.1. Fundado receio

Pode dividir-se este critério em dois: o receio, que é um elemento subjectivo, e a

fundamentação desse mesmo receio, um elemento objectivo52

.

51

Cfr. Comissão das Comunidades Europeias – Proposta de Directiva do Conselho que

estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e

apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos,

necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto,

COM/2001/0510 final - CNS 2001/0207, disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN-

PT/TXT/?uri=CELEX:52001PC0510&from=EN [26.03.2014].

52 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 316; C. W. WOUTERS –

International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on

refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the

International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia,

Intersentia, 2009, p. 83; Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito

Internacional e no Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof.

Doutor Martim de Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p.

269; ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado:

de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa,

ACNUR, 1996, p. 12; ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to the Status of

Refugees, Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], pp. 3-4; Márcia Constantino GONÇALVES – O

estatuto de refugiado e o direito de asilo, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, s/e, 2006, p.

14; Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas

reflexões em sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado,

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, p. 16.

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17

Concordamos com C. W. Wouters, que defende que o elemento subjectivo, o

medo, enquanto mero estado emocional, não pode ser decisivo para o reconhecimento

do estatuto de refugiado, pois poderia desencadear desigualdades de tratamento. Há

pessoas mais destemidas que outras. Bebés ou pessoas com deficiências mentais não

têm noção dos perigos que podem correr, mas, no entanto, naturalmente, merecem a

mesma protecção que qualquer outra pessoa. Nestes casos, é necessário que o elemento

objectivo pese mais na decisão a tomar53

. Andreia Sofia Pinto Oliveira defende mesmo

que o receio é apenas um indicador de perseguição, não sendo de todo um pressuposto

para o reconhecimento do estatuto de refugiado54

. De resto, para se determinar o

elemento subjectivo, é necessário realizar uma avaliação à personalidade do requerente,

isto porque cada indivíduo tem a sua própria forma de lidar com este tipo de situações55

.

O receio não é quantificável56

. Tendo em conta o perigo de perseguição, é

necessário avaliar o contexto social e político (objectivo, portanto) em que o indivíduo

se insere, para ser possível determinar se esse receio é justificável. Este é um exercício

que deve ter em conta também actos de perseguição já sofridos no passado e não apenas

o risco ou uma forte possibilidade de ocorrerem actos de perseguição no futuro. Mas

esta não é uma condição suficiente, nem sequer necessária, para o reconhecimento do

estatuto de refugiado. A perseguição que possa ter ocorrido no passado releva para a

avaliação da situação futura do requerente, mas apenas na medida em que permitirá

desenhar um padrão que ajude o examinador a chegar à conclusão de que aquela pessoa

corre um sério risco de vir a ser perseguida no futuro. Isto porque, mesmo que tenham

53

Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 84. V. também ACNUR – Manual de

procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção

de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, pp. 52-53.

54 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 317.

55 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 12.

56 Cfr. Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e

soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do

Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, p. 16, nota de rodapé nº 56.

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18

ocorrido actos de perseguição no passado, tal facto não significa necessariamente que

ocorrerão novamente no futuro, se não existirem fortes condições para que isso

aconteça. Portanto, o risco de perseguição deve ser actual57

.

O Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se, em diversos casos, sobre este

assunto, afirmando que deveria existir uma "probabilidade considerável" de o sujeito ser

perseguido caso regressasse ao país de origem. O principal factor a ter em conta seria a

existência de determinados elementos objectivos que permitam concluir, de acordo com

o senso comum, que é razoável que aquela pessoa receie ser perseguida58

.

Guy S. Goodwin-Gill chama a atenção para a importância que poderá ter o facto

de a perseguição ser intencional, isto porque será mais fácil de provar um receio

fundamentado59

. Mas esta não é uma condição necessária, pois imporia ao requerente

um fardo demasiado pesado para provar intenção dolosa por parte do autor da

perseguição. Uma interpretação contrária iria contra o espírito da Convenção de

Genebra, que procura proteger as pessoas em risco, e não responsabilizar os agentes de

perseguição60

.

57

Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 85; Karen MUSALO – “Claims for

protection based on religion or belief”, in International Journal of Refugee Law, volume 16, número 2,

2004, pp. 196-197; Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 251.

58 Cfr. ACNUR – “Estudos sobre assuntos de protecção na Europa Ocidental: tendências

legislativas e posições tomadas pelo ACNUR”, in ACNUR, Colectânea de estudos e documentação sobre

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1997, 2J, p. 27; Márcia Constantino GONÇALVES – O estatuto de

refugiado e o direito de asilo, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, s/e, 2006, p. 15.

59 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 51. Na mesma esteira, v. C. W. WOUTERS –

International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on

refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the

International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia,

Intersentia, 2009, pp. 77-78.

60 Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

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19

2.2.2. Perseguição

A Convenção de 1951 não possui nenhuma definição deste termo, o que pode

explicar-se pela intenção de evitar deixar de fora algum aspecto importante, atenta a

circunstância de o ser humano estar constantemente a inventar novas formas de

perseguir o seu semelhante61

. De resto, não existe uma definição deste termo que seja

universalmente aceite.

O ACNUR, no seu Manual de procedimentos e critérios, diz-nos, desde logo,

que ameaças à vida e à liberdade, baseadas num dos fundamentos da Convenção,

constituem sempre perseguição, bem como violações graves de direitos humanos62

.

Pode dizer-se que já há consenso no que toca à necessidade do dano infligido ao

indivíduo dever revestir-se de uma certa gravidade ou seriedade63

. Isto, porque nem

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 79.

61 “[T]he drafters intended that all future types of persecution should be encompassed by the

term”. Cfr. ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to the Status of Refugees,

Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914

[16.01.2014], p. 5. Com a mesma opinião, v. Volker TÜRK, e Frances NICHOLSON – “Refugee

protection in international law: an overall perspective”, in Erika Feller, Volker Türk e Frances Nicholson

(editores) – Refugee protection in international law: UNHCR's global consultation on international

protection, Cambridge University Press, 2003, p. 39; Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in

international law, 2ª edição, colecção Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 69.

62 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, pp. 14-15. Com a mesma opinião, v. Guy S. GOODWIN-GILL – The

refugee in international law, 2ª edição, colecção Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p.

69; Márcia Constantino GONÇALVES – O estatuto de refugiado e o direito de asilo, Faculdade de

Direito da Universidade de Lisboa, s/e, 2006, p. 16. Esta última autora acrescenta atentados à dignidade e

à integridade da pessoa humana.

63 “[T]he term can be characterised as requiring a certain level of severity or seriousness; a level

that is determined by the type, nature and scale of human rights violations”. Cfr. C. W. WOUTERS –

International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on

refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the

International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia,

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20

todo e qualquer tipo de discriminação pode consubstanciar uma perseguição. É

necessário que aquela tenha uma natureza suficientemente grave, que restrinja os

direitos individuais e que a vítima dessa perseguição não tenha possibilidade de viver o

seu dia-a-dia de uma forma considerada normal64

. Mas as disparidades de opiniões e

argumentos começam aí, discutindo-se, por exemplo, se bastará um acto isolado para

ser possível a existência de perseguição, ou se serão necessários vários actos que se

repitam ao longo do tempo65

. Na nossa opinião, pode existir perseguição com um único

acto, se ficar provado que há grandes possibilidades de outros ocorrerem no futuro, caso

contrário a pessoa não necessitará de protecção.

Na opinião de Karen Musalo, presume-se que constituam perseguição tentativas

de agressão e ataques à integridade física do indivíduo que resultem em danos graves,

sendo que essa presunção continua a existir mesmo quando os actos não sejam

repetitivos66

. Livia Elena Bacaian define perseguição como abuso, maus-tratos ou

assédio67

.

Concordamos com Goodwin-Gill quando defende que existe perseguição se as

medidas em causa afectam a integridade e a dignidade humanas, a um nível considerado

inaceitável segundo os padrões internacionais de direitos humanos comummente

aceites68

. Este autor defende que é necessário ter-se em conta três factores, para poder

Intersentia, 2009, p. 58. V. também Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição

Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 316.

64 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 15.

65 Cfr. Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in International

Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, p. 175.

66 “Serious harm in the form of an assault or attack on the physical integrity of an individual is

presumed to constitute persecution, and the presumption of persecution applies even if the harm was not

repetitive or ongoing”. Cfr. Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in

International Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, p. 187.

67 “[I]t might be understood as the act of abusing, illtreating or harassing a person”. Cfr. Livia

Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the European Union”, in

Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 12.

68 “Persecution results where the measures in question harm those interests and the integrity and

inherent dignity of the human being to a degree considered unacceptable under prevailing international

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concluir-se que determinada restrição consubstancia perseguição: a natureza da

liberdade ameaçada, a natureza e a severidade da restrição em si mesma e a

probabilidade de aquela restrição ser imposta à pessoa considerada69

. Este autor conclui

que é deixada uma ampla margem de apreciação aos Estados para que interpretem o

termo perseguição70

.

Põe-se, naturalmente, o problema da prova. Como nos diz o ACNUR, “[f]alsas

declarações não constituem, por si só, motivo para a recusa do estatuto de refugiado”71

.

Assim, se o essencial da história contada pelo indivíduo é credível, o facto de ter faltado

à verdade em alguns pormenores ou exagerado com o intuito de fortalecer a sua

pretensão, não conduz necessariamente à negação do reconhecimento do estatuto72

.

Gina Clayton fala-nos dos efeitos traumáticos em pessoas torturadas, que podem ter

consequências na sua memória, devendo este aspecto ser tido em conta73

.

Ao requerente incumbe o ónus da prova. No processo de reconhecimento do

estatuto de refugiado, no entanto, os elementos de prova estão, muitas vezes,

inacessíveis. Por isso mesmo, neste campo, há regras mais flexíveis. Se toda a

explicação do requerente for coerente e plausível, mesmo que este não consiga provar

todos os elementos necessários, deve ser-lhe concedido o benefício da dúvida74

.

standards or under higher standards prevailing in the State faced with determining a claim to asylum or

refugee status”. Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 77.

69 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 68.

70 Cfr. Guy S. GOODWIN-GILL – The refugee in international law, 2ª edição, colecção

Clarendon paperbacks, Oxford University Press, 1998, p. 67.

71 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 50.

72 Cfr. Gina CLAYTON – Textbook on immigration and asylum law, XLIV, Oxford University

Press, 2004, pp. 398-399; Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in

International Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, p. 224.

73 Cfr. Gina CLAYTON – Textbook on immigration and asylum law, XLIV, Oxford University

Press, 2004, p. 399.

74 Cfr. Gina CLAYTON – Textbook on immigration and asylum law, XLIV, Oxford University

Press, 2004, p. 400. Para explicações mais detalhadas acerca do processo de reconhecimento do estatuto

de refugiado, cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

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22

2.2.3. Factores de perseguição

Os motivos de perseguição que podem conduzir ao reconhecimento do estatuto

de refugiado são: raça, religião, nacionalidade, pertença a certo grupo social e opiniões

políticas. Uma pessoa pode ser vítima de perseguição por apenas um dos motivos, ou

por vários.

Raça deve ser interpretada de forma a abranger a definição dada pela Convenção

Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de

196575

, e que inclui: raça, cor, descendência e origem nacional ou étnica76

.

Segundo o ACNUR, a nacionalidade não inclui apenas a ligação entre o

indivíduo e o Estado de origem, isto é, a cidadania77

. Deve abarcar também

comunidades unidas por motivos étnicos, religiosos, culturais e linguísticos78

.

No que respeita à pertença a um grupo social, importa referir que um grupo

social possui determinadas características intrínsecas que unem os seus membros, tais

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, pp. 49-51.

75 Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 252.

76 Artigo 1.º, n.º 1. Texto disponível em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-

internacionais-dh/tidhuniversais/pd-eliminacao-discrimina-racial.html [16.02.2014].

77 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 19; ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention

Relating to the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], p. 7.

78

Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 252.

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23

como interesses, valores, aspirações, estatuto social ou actividades79

, podendo ser

identificado pelas próprias pessoas que o compõem, pela sociedade em geral e pelas

autoridades estaduais80

. Para que sejam reconhecidos como tal, os membros de

determinado grupo não precisam de se conhecer ou de se reunir. Podemos dar como

exemplo de grupos sociais para efeitos do artigo 1.º da Convenção de Genebra, as

mulheres chinesas forçadas a serem esterilizadas se tiverem mais do que um filho,

devido à política do filho único existente naquele país; as mulheres africanas que são

submetidas a mutilação genital feminina, assim que atingem determinada idade; os

homossexuais, etc.

Quando a perseguição se baseia em opiniões políticas, o que acontece é que a

pessoa sujeita a perseguição possui opiniões contrárias às dos seus perseguidores. Este

termo deve ser interpretado amplamente, como podendo significar opiniões sobre o

funcionamento, as decisões e as medidas tomadas pelo governo81

, o Estado, a sociedade

ou uma causa pública. Concordamos com a visão do ACNUR, que considera que pode

ser considerado refugiado alguém que não sofre no momento perseguição devido às

suas convicções políticas, isto porque ainda não são conhecidas, mas determinados

factores podem levar-nos à conclusão razoável de que, mais cedo ou mais tarde, essas

opiniões serão expressadas, logo, o risco de perseguição é sério82

.

Para o objectivo deste trabalho, o mais importante motivo de perseguição é a

religião, razão que nos dias de hoje motiva muitas pessoas a fugir do seu território de

origem. De notar que o conceito de religião tem evoluído nos últimos 50 anos,

79

Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 252. V. também Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição

Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 312.

80 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 312-313.

81 Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the

present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 253.

82 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 21.

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24

abrangendo hoje também as convicções filosóficas83

. Segundo o ACNUR, “[a]

perseguição «em virtude da religião» pode assumir várias formas, tais como a proibição

de fazer parte de uma comunidade religiosa, de praticar o culto em privado ou em

público, da educação religiosa ou a imposição de graves medidas discriminatórias sobre

pessoas por praticarem a sua religião ou pertencerem a uma dada comunidade

religiosa”84

. Mas é preciso ter em conta aquilo que Andreia Sofia Pinto Oliveira nos diz:

“o direito fundamental que é objecto de privação pode não ser o direito de liberdade

religiosa. A vítima de perseguição pode ter autêntica liberdade religiosa e, no entanto,

sofrer discriminações por se identificar como membro de determinada comunidade

religiosa”85

. Isto, porque a pessoa perseguida pode ver outros direitos fundamentais

reprimidos, não necessariamente o da liberdade religiosa, pode sofrer discriminações,

pelo facto de pertencer a determinado grupo religioso, ou por não aderir à religião do

Estado, por exemplo.

Pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado com base em motivos

religiosos levantam alguns problemas de credibilidade86

. Isto, porque o indivíduo pode

83

Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 72; Catrinel BRUMAR – “Definition of

refugee in International Law: challenges of the present times”, in Lex et Scientia International Journal,

XVI-1, 2009, disponível em www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-

9f3e-78eb7af6922e [18.04.2013], pp. 252 e 257. Sobre os diversos elementos que o termo “religião” pode

comportar, v. ACNUR – Guidelines on international protection: Religion-Based Refugee Claims under

Article 1A (2) of the 1951 Convention and/or the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees,

HCR/GIP/04/06, 28.04.2004, disponível em http://www.refworld.org/pdfid/4090f9794.pdf [13.03.2014],

pp. 3-4.

84 Cfr. ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de

refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos

refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 19. V. também Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de

Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra

Editora, 2009, p. 309.

85 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 309.

86 Cfr. ACNUR – Guidelines on international protection: Religion-Based Refugee Claims under

Article 1A (2) of the 1951 Convention and/or the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees,

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25

alegar pertencer a determinado grupo religioso com o único fim de lhe ser concedida

autorização para permanecer no país. Podem realizar-se testes ao requerente, para testar

o seu conhecimento da religião em causa, bem como estudar o seu comportamento face

às exigências comuns da sua crença. Mas Karen Musalo aponta vários problemas a esta

abordagem: a crença do indivíduo poderá ser irrelevante, quando o agente de

perseguição o vê como seguidor de uma religião (ainda que este o não seja); o

conhecimento de determinada religião não implica, necessariamente, uma crença na

mesma; o examinador pode não ter conhecimentos suficientes da religião em causa para

realizar uma correcta avaliação87

. Este é um exercício complexo, e por isso deve ser

feito com muita cautela.

2.2.4. Ausência do país da nacionalidade ou residência

Independentemente de possuir um receio fundado de ser perseguida, mesmo que

por um dos motivos elencados na Convenção, se uma pessoa ainda se encontra no seu

país de origem ou residência nunca poderá ser considerada um refugiado, mas apenas

um deslocado interno88

.

HCR/GIP/04/06, 28.04.2004, disponível em http://www.refworld.org/pdfid/4090f9794.pdf [13.03.2014],

pp. 10-11.

87 Cfr. Karen MUSALO – “Claims for protection based on religion or belief”, in International

Journal of Refugee Law, volume 16, número 2, 2004, pp. 218 e 225. Numa avaliação do conhecimento do

individuo em relação à religião em causa, devem ser tidos em conta factores educacionais, culturais e

psicológicos, bem como as eventuais limitações à prática da religião no país de origem. V. também C. W.

WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the

prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human

Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture,

Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 72; ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to

the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], p. 7.

88 Cfr. Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the

European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 12; ACNUR – Manual de

procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção

de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 22.

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Pode ser qualificado como refugiado, tanto aquele que foge do seu país de

origem por receio de perseguição, como aquele que se encontra num outro país, mas

que, por determinada circunstância, passa a ter um receio de perseguição fundado, caso

retorne ao país de origem. Estes são designados refugiados sur place89

.

Em casos de dupla ou múltipla nacionalidade, a pessoa perseguida não

preencherá os requisitos necessários para ser reconhecida como refugiado, se um dos

países da qual é nacional estiver em condições de lhe oferecer protecção90

.

2.2.5. Impossibilidade ou falta de vontade de pedir protecção ao país

de origem, ou de a ele voltar

Quando a Convenção nos diz “não possa”, está a referir-se ao facto de o país de

origem da pessoa não estar em condições de lhe proporcionar uma protecção

adequada91

, sendo que isto nada tem que ver com a vontade da própria pessoa. Esta

89

Cfr. Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito Internacional e no

Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de

Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 270; Catrinel

BRUMAR – “Definition of refugee in International Law: challenges of the present times”, in Lex et

Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 251; ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to the Status of

Refugees, Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], p. 9; ACNUR – Manual de procedimentos e

critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o

Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, pp. 23-24; Inês Filipa

Pires MARINHO – O direito de asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em

sede do quadro geral da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito

da Universidade de Lisboa, 2003, pp. 16-17.

90 Cfr. Margarida Salema D’Oliveira MARTINS – “O refugiado no Direito Internacional e no

Direito Português”, in Jorge Miranda (coordenador), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de

Albuquerque, volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 269.

91 Não tem de existir, necessariamente, uma intenção deliberada do Estado de prejudicar o

indivíduo. Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

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27

protecção é concretizada através do respeito pelos direitos fundamentais e pelas

liberdades individuais92

. Já a utilização dos vocábulos “não queira” está ligada à

vontade da pessoa, mas a própria Convenção esclarece esse assunto, acrescentando que

a pessoa não quer pedir protecção no seu país devido ao receio que sente em ser

perseguida no território desse país. Tanto em uma situação como na outra, portanto, o

indivíduo perseguido pode procurar protecção internacional, e, por isso mesmo, este

tipo de protecção é subsidiário em relação à protecção nacional93

.

Concordamos com a posição dos autores que defendem que os agentes de

perseguição não têm, necessariamente, de actuar em nome do Estado94

. Embora a

opinião contrária fosse generalizada há algum tempo atrás, recentes discussões

assumem como possível que a perseguição seja levada a cabo por agentes privados, até

porque nada no texto da Convenção aponta para o contrário95

. Os defensores da

definição mais restritiva argumentam que o mais comum seria a perseguição ser

efectuada por agentes do Estado, e, quando não o era, o Estado acabaria por compactuar

com a situação, ao recusar ou ao ser incapaz de travar a perseguição e proteger os seus

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 80.

92 Alguns autores defendem que aquela protecção é apenas diplomática ou consular. Cfr. Volker

TÜRK, e Frances NICHOLSON – “Refugee protection in international law: an overall perspective”, in

Erika Feller, Volker Türk e Frances Nicholson (editores) – Refugee protection in international law:

UNHCR's global consultation on international protection, Cambridge University Press, 2003, p. 40.

93 Como já foi referido supra. Cfr. Catrinel BRUMAR – “Definition of refugee in International

Law: challenges of the present times”, in Lex et Scientia International Journal, XVI-1, 2009, disponível

em www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 253.

94 “In UNHCR’s view, the source of the feared harm is of little, if any, relevance to the finding of

whether persecution has occurred, or is likely to occur”. Cfr. ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951

Convention Relating to the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], p. 6.

95 Cfr. Serge BODART – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa, Serviço

de Estrangeiros e Fronteiras, 2001, p. 112; ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention

Relating to the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], p. 6; Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de

asilo na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da

Convenção de Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa, 2003, p. 19.

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28

nacionais96

. Dado o elevado número de pedidos de asilo existentes na Europa, Kay

Hailbronner defende que deveriam ser criados outros mecanismos de protecção para

determinadas categorias de refugiados, como os que são perseguidos por agentes não

estatais em cenários de guerra civil, por exemplo, uma vez que na sua grande maioria

são situações temporárias. Este autor argumenta que, desta forma, o procedimento

administrativo de reconhecimento do estatuto de refugiado seria mais rápido, simples e

justo97

.

96

Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito

de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 327; Catrinel BRUMAR –

“Definition of refugee in International Law: challenges of the present times”, in Lex et Scientia

International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], pp. 257-258.

97 Cfr. Kay HAILBRONNER – Em direcção a um Sistema Comum Europeu de asilo, Lisboa,

Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 2001, pp. 100-101.

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29

CAPÍTULO II

A PROTECÇÃO DOS REFUGIADOS NA UNIÃO EUROPEIA

1. A construção de uma política comum de asilo

Antes da criação do mercado único na UE e da abolição das fronteiras internas, a

política de asilo era da exclusiva competência de cada Estado-Membro, sendo estes a

definir e a controlar todo o processo de reconhecimento do estatuto de refugiado98

. O

número de requerentes de asilo na Europa sempre foi muito variável. Países que

recebiam uma grande quantidade de pedidos tinham tendência para restringir as suas

políticas99

, enquanto outros Estados se tornavam mais atractivos para quem procurava o

reconhecimento do estatuto de refugiado. Por norma, os países que recebiam um maior

número de pedidos eram os mais populosos e ricos, pois ofereciam mais oportunidades

económicas aos refugiados100

. Um dos problemas consistia no facto de muitos

imigrantes por razões económicas utilizarem o asilo como forma de entrada na União.

As diferenças entre regimes nacionais dificultavam uma distribuição harmonizada dos

custos dos sistemas de asilo entre os países da UE101

.

Com a abolição das fronteiras internas, através do Acordo de Schengen de 15 de

Junho de 1985, surgiu a necessidade de harmonização de diversas políticas entre os

98

Cfr. Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the

European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 23.

99 Cfr. Rosemary BYRNE, Gregor NOLL, e Jens VEDSTED-HANSEN – “Understanding

refugee law in an enlarged European Union”, in European journal of international law, volume 15,

número 2, Oxford University Press, 2004, pp. 359-360; Inês Filipa Pires MARINHO – O direito de asilo

na União Europeia: problemas e soluções: algumas reflexões em sede do quadro geral da Convenção de

Genebra relativa ao Estatuto do Refugiado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003, p. 9.

100 Cfr. Anita BÔCKER, e Tetty HAVINGA – Asylum migration to the European Union:

Patterns of origin and destination, Luxemburgo, Office for Official Publications of the European

Communities, 1998, p. 29.

101

Cfr. Nadine EL-ENANY, e Eiko THIELEMANN – “The impact of EU asylum policy on

national asylum regimes”, in Sarah Wolff, Flora Goudappel e Jaap de Zwaan (editores), Freedom,

security and justice after Lisbon and Stockholm, Haia, T∙M∙C∙Asser Press, 2011, p. 102.

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30

Estados-Membros em matéria de imigração e asilo102

. A primeira tentativa de

coordenação destas políticas remonta a Outubro de 1986, quando os ministros da

administração interna dos Estados-Membros criaram o “grupo ad hoc imigração”103

.

Mas o primeiro passo para a harmonização em matéria de asilo foi dado a 15 de Junho

de 1990, com a adopção da Convenção de Dublin, que fixou critérios para determinar

qual o Estado-Membro responsável pela análise de determinado pedido de asilo104

,

segundo o princípio da exclusividade ou da oportunidade única. Pretendeu-se fixar

critérios objectivos e justos, evitando movimentos desnecessários dos requerentes de

asilo entre os Estados-Membros105

. Assim, a Convenção veio garantir que o requerente

apenas apresenta um pedido de asilo, evitando-se também o chamado forum shopping,

através do qual a pessoa à procura de refúgio apresenta vários pedidos de asilo

(sucessivos ou simultâneos), em vários Estados-Membros, para maximizar a

probabilidade de obter o estatuto de refugiado106

. Entretanto, para assegurar a eficácia

da Convenção, foi criado o EURODAC, sistema de comparação de impressões digitais

de requerentes de asilo107

.

102

Cfr. Jenny MONHEIM, e Marie OBIDZINSKY – Optimal discretion in asylum law making,

Agosto de 2007, disponível em

www.researchgate.net/publication/23693559_Optimal_discretion_in_asylum_lawmaking/file/32bfe50ed2

30123a23.pdf [18.04.2013], p. 23.

103 Cfr. Francisco Lucas PIRES – “O direito e a política de asilo na União Europeia: por uma

maior juridificação do direito comunitário de asilo”, in António José Avelãs Nunes et al, A inclusão do

outro, Coimbra, 2002, p. 32.

104 Convenção sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo

apresentado num Estado-Membro das Comunidades Europeias, JO C 254, 19.08.1997.

105 Objectivo ainda hoje não totalmente atingido. Cfr. Comissão das Comunidades Europeias –

Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu Comum de Asilo, COM (2007) 301 final, Bruxelas,

06.06.2007, disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2007/com2007_0301pt01.pdf

[06.02.2014], p. 11.

106 Cfr. Gina CLAYTON – Textbook on immigration and asylum law, XLIV, Oxford University

Press, 2004, p. 403; Nadine EL-ENANY, e Eiko THIELEMANN – “The impact of EU asylum policy on

national asylum regimes”, in Sarah Wolff, Flora Goudappel e Jaap de Zwaan (editores), Freedom,

security and justice after Lisbon and Stockholm, Haia, T∙M∙C∙Asser Press, 2011, pp. 101-102; Francisco

Lucas PIRES – “O direito e a política de asilo na União Europeia: por uma maior juridificação do direito

comunitário de asilo”, in António José Avelãs Nunes et al, A inclusão do outro, Coimbra, 2002, p. 34.

107 Instituído através do Regulamento (CE) n.º 2725/2000 do Conselho, de 11 de Dezembro de

2000, relativo à criação do sistema “Eurodac” de comparação de impressões digitais para efeitos da

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Com a assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992, as matérias referentes ao

asilo passaram a fazer parte do terceiro pilar, relativo à cooperação nos domínios da

justiça e dos assuntos internos. Devido à complexidade do mecanismo instituído em

Maastricht, poucos passos foram dados, naquela altura, com vista à harmonização. No

entanto, o Conselho da União Europeia adoptou, em 1993, as chamadas Resoluções de

Londres. Nestas, foram focados diversos aspectos com vista à harmonização, entre os

quais: a definição do que poderia consubstanciar um pedido de asilo infundado ou

abusivo, segundo os critérios estabelecidos pela Convenção de Genebra de 1951 e o

Protocolo de Nova Iorque de 1967108

, a definição de país terceiro de acolhimento109

e a

definição de país seguro110

. Em 1995, o Conselho da União Europeia adoptou, em

Bruxelas, uma resolução sobre as garantias mínimas nos processos de asilo111

.

Todos os Estados-Membros da UE são signatários, tanto da Convenção relativa

ao Estatuto dos Refugiados, como do seu Protocolo adicional de 1967. Em 1996, o

Conselho da União Europeia adoptou uma posição comum com vista à aplicação

harmonizada do termo “refugiado”, presente na Convenção de Genebra112

, dando

especial ênfase à definição de “receio fundado” e de “perseguição”113

.

aplicação efectiva da Convenção de Dublim, JO L 316, 15.12.2000. Este sistema está operacional desde

Janeiro de 2003.

108 O texto da Resolução encontra-se disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3f86bbcc4 [20.03.2014].

109 O texto da Resolução encontra-se disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3f86c3094 [20.03.2014].

110 O texto da Resolução encontra-se disponível em http://www.refworld.org/cgi-

bin/texis/vtx/rwmain?docid=3f86c6ee4 [20.03.2014]. Para uma exposição mais pormenorizada, cfr. Livia

Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in the European Union”, in

Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], pp. 25-26.

111 Resolução do Conselho, de 20 de Junho de 1995, relativa às garantias mínimas dos processos

de asilo, JO C 274, 19.09.1996.

112 Posição Comum de 4 de Março de 1996 definida pelo Conselho com base no artigo K.3 do

Tratado da União Europeia sobre a aplicação harmonizada da definição do termo “refugiado” na acepção

do artigo 1.º da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados

(96/196/JAI), JO L 63, 13.03.1996. Resumo disponível em

http://europa.eu/legislation_summaries/other/l33060_en.htm [05.02.2014].

113 Cfr. Teresa Regina COTOSKY – Vistos, asilo, imigração e outras políticas relativas à livre

circulação de pessoas, Lisboa, s/e, 1999, p. 8.

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32

No Tratado de Amesterdão, de 1997, a evolução da política europeia de asilo foi

tratada como um dos objectivos para o desenvolvimento da área de liberdade, segurança

e justiça. Significa isto que esta matéria foi transferida para o primeiro pilar, onde os

poderes comunitários são mais fortes, enquanto anteriormente existia apenas cooperação

intergovernamental nestes domínios. Com vista a alcançar as metas propostas, foi

adoptado o Plano de Acção de Viena, em 1998114

.

O Conselho Europeu de Tampere, realizado a 15 e 16 de Outubro de 1999,

assumiu o objectivo de instituir o Sistema Europeu Comum de Asilo115

. Daí surgiram

várias conclusões, tendo sido fixados alguns objectivos, entre os quais, nas palavras da

Comissão Europeia, “um método claro e operacional para determinar o Estado

responsável pelo exame de um pedido de asilo, normas comuns para um processo de

asilo equitativo e eficaz, condições mínimas comuns de acolhimento dos requerentes de

asilo e uma aproximação das normas em matéria de reconhecimento e de conteúdo do

estatuto de refugiado”116

. Iniciou-se aqui a primeira fase da implementação do Sistema

Europeu Comum de Asilo, que se estendeu até 2004. Nesta fase inicial, muitos foram os

instrumentos legislativos adoptados no âmbito da política de asilo.

A 28 de Setembro de 2000, foi adoptada a Decisão 2000/596/CE do Conselho,

que criou o Fundo Europeu para os Refugiados, um “mecanismo de solidariedade”

destinado a assegurar uma repartição equilibrada dos esforços financeiros assumidos

pelos Estados-Membros117

.

114

Plano de acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do

Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça – texto

aprovado pelo Conselho de Justiça e Assuntos Internos de 3 de Dezembro de 1998, JO C 19, 23.01.1999.

115 De uma forma geral, ao longo de todo o processo de construção do Sistema Europeu Comum

de Asilo, se denotou que os padrões de protecção existentes nos diversos Estados-Membros foram

progredindo, fruto, essencialmente, da transposição de várias Directivas comunitárias para os sistemas

nacionais.

116 Cfr. Comissão das Comunidades Europeias – Proposta de Directiva do Conselho que

estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e

apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos,

necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto,

COM/2001/0510 final - CNS 2001/0207, disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN-

PT/TXT/?uri=CELEX:52001PC0510&from=EN [26.03.2014].

117 Decisão 2000/596/CE do Conselho, de 28 de Setembro de 2000, que cria o Fundo Europeu

para os Refugiados, JO L 252, 6.10.2000.

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A CDFUE, assinada a 7 de Dezembro de 2000, consagrou o direito de asilo no

seu artigo 18.º118

. Diz-nos a CDFUE que “[é] garantido o direito de asilo, no quadro da

Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 e do Protocolo de 31 de Janeiro de 1967,

relativos ao Estatuto dos Refugiados, e nos termos do Tratado da União Europeia e do

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”. Apesar de não ter sido

imediatamente dotada de força jurídica vinculativa, o que só veio a acontecer com o

Tratado de Lisboa, em 2009, a CDFUE constituiu, desde o início, um importante

referente em matéria de direitos fundamentais na União.

Com o Tratado de Nice, de 2001, foi instituído um processo de co-decisão em

matérias de asilo e imigração. Significa isto que a adopção, pelo Conselho, de legislação

nestas matérias, passou a ter de passar pelo crivo do Parlamento Europeu119

. Em Julho

de 2001, foi adoptada a Directiva sobre protecção temporária, procurando-se um

equilíbrio de esforços entre os Estados-Membros que acolhem essas pessoas deslocadas,

impossibilitadas de regressar ao seu país de origem de forma segura e duradoura120

.

Em 2003, foi adoptado o Regulamento Dublin II, que veio substituir a

Convenção de Dublin de 1990. Este regulamento estabelece novas regras para a

determinação do Estado-Membro responsável pela apreciação de um pedido de asilo por

parte de um nacional de um Estado terceiro121

. Ficaram assim mais próximos os

118

A CDFUE foi adoptada pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão.

119 Concordamos com a visão dos autores que defendem que este sistema tornou todo o processo

mais eficaz e justo, pois incentivou a cooperação entre aqueles órgãos. Cfr. Livia Elena BACAIAN –

“The protection of refugees and their right to seek asylum in the European Union”, in Collection

Euryopa, volume 70, 2011, disponível em www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf

[18.04.2013], p. 31. Ao ampliar a participação do Parlamento Europeu no processo de produção

normativa, este pode sempre impedir a adopção de um acto comunitário com o qual não concorda. No

entanto, não poderá impor a sua adopção, se o Conselho se opuser. Desta forma, o processo de tomada de

decisão é mais equilibrado, o poder é repartido, não pertencendo totalmente a um só órgão.

120 Directiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de Julho de 2001, relativa a normas mínimas em

matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a

medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros

ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento, JO L 212,

07.08.2001.

121 Regulamento (CE) n.º 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os

critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de

asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro, JO L 50, 25.02.2003.

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34

objectivos de eliminação do forum shopping, i.e., vários pedidos de asilo (sucessivos ou

simultâneos), pela mesma pessoa, em vários Estados-Membros, bem como dos

chamados “refugiados em órbita”, requerentes de asilo que andam de Estado-Membro

em Estado-Membro, sem que nenhum se considere competente para analisar o seu

pedido122

.

A Directiva 2003/9/CE do Conselho estabeleceu normas mínimas em matéria de

acolhimento dos requerentes de asilo123

. Esta Directiva regula as condições em que os

requerentes de asilo têm direito a alojamento, gozam de liberdade de circulação, têm

acesso ao mercado de trabalho e os menores ao sistema de ensino, bem como a cuidados

médicos. A matéria relativa ao direito ao reagrupamento familiar que pode ser exercido

por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados-

Membros, onde se incluem os refugiados, foi tratada na Directiva 2003/86/CE do

Conselho124

. A Directiva define reagrupamento familiar como “a entrada e residência

num Estado-Membro dos familiares de um nacional de um país terceiro que resida

legalmente nesse Estado, a fim de manter a unidade familiar”. Estão aqui abrangidos o

cônjuge do requerente e os seus filhos menores, sendo que a Directiva prevê alguns

casos em que os Estados-Membros podem legislar no sentido de alargar as categorias de

pessoas abrangidas por este direito de reunião familiar (artigo 4.º).

Já em 2004, foi adoptada a chamada Directiva de Qualificação. Trata-se da

Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, de crucial importância para

o tema deste trabalho, sendo por isso analisada mais à frente. Esta Directiva estabelece

normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou

Entrou em vigor a 1 de Setembro de 2003, tendo sido posteriormente reformulado, dando origem ao

Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, que

estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um

pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país

terceiro ou por um apátrida, JO L 180, 29.06.2013.

122 Cfr. Christian KAUNERT, e Sarah LÉONARD – “The EU asylum policy: towards a common

area of protection and solidarity?”, in Sarah Wolff, Flora Goudappel e Jaap de Zwaan (editores),

Freedom, security and justice after Lisbon and Stockholm, Haia, T∙M∙C∙Asser Press, 2011, p. 85.

123 Directiva 2003/9/CE do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, que estabelece normas mínimas

em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-Membros, JO L 31, 06.02.2003.

124 Directiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativa ao direito ao

reagrupamento familiar, JO L 251, 03.10.2003.

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35

apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado125

. É importante ter presente

que as Directivas necessitam de transposição para o Direito interno, sendo possível a

cada Estado-Membro adoptar padrões mais elevados do que os que estão presentes na

Directiva, que funcionam apenas como padrões mínimos126

. Para que o Sistema

Europeu Comum de Asilo esteja totalmente consagrado, a harmonização terá de evoluir

até um ponto onde existam critérios fixos e não apenas mínimos, como acontece com as

Directivas, existindo um procedimento de asilo único, sendo os pedidos de protecção

internacional examinados por uma única entidade127

. Significa isto que os Estados-

Membros deixariam de ter qualquer margem de liberdade na escolha dos meios e

formas de transposição das Directivas comunitárias não podendo, por exemplo, adoptar

normas mais favoráveis, mesmo que seguindo o espírito do próprio acto. Jenny

Monheim e Marie Obidzinsky defendem que os padrões fixos destroem os benefícios

dos padrões mínimos, pois os primeiros não têm em conta as especificidades de cada

país, e, por isso mesmo, representam apenas um ajustamento possível128

. Concordamos

com Monheim e Obidzinsky, na medida em que os padrões mínimos permitem obter

determinados benefícios que não existem nos padrões fixos, pois os Estados-Membros

podem transpor Directivas tendo em conta o seu Direito interno, os seus interesses e a

125

Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas

relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar

do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem

como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida, JO L 304,

30.09.2004. Esta Directiva entrou em vigor a 20 de Outubro de 2004. O texto encontra-se disponível em

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2004:304:0012:0023:PT:PDF

[05.02.2014].

126 Como está explicitado, no caso da Directiva 2004/83/CE, no seu artigo 3.º, sob a epígrafe

“normas mais favoráveis”. Desta forma, os Estados-Membros possuem uma margem de

discricionariedade naqueles termos.

127 Cfr. Jenny MONHEIM, e Marie OBIDZINSKY – Optimal discretion in asylum law making,

Agosto de 2007, disponível em

www.researchgate.net/publication/23693559_Optimal_discretion_in_asylum_lawmaking/file/32bfe50ed2

30123a23.pdf [18.04.2013], p. 24.

128 Cfr. Jenny MONHEIM, e Marie OBIDZINSKY – Optimal discretion in asylum law making,

Agosto de 2007, disponível em

www.researchgate.net/publication/23693559_Optimal_discretion_in_asylum_lawmaking/file/32bfe50ed2

30123a23.pdf [18.04.2013], p. 24.

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36

realidade nacional. Os critérios mínimos permitem uma maior flexibilização, tendo

como objectivo a aproximação das legislações nacionais e não a sua uniformização.

O procedimento relativo ao reconhecimento do estatuto de refugiado encontra-se

regulado na Directiva 2005/85/CE do Conselho129

. Esta Directiva garante aos

requerentes o direito de permanência no Estado-Membro onde o pedido foi realizado

durante a apreciação do pedido (artigo 7.º), embora não fiquem habilitados a uma

autorização de residência. Os artigos 10.º e 11.º enumeram as garantias e as obrigações

dos requerentes de asilo, respectivamente, sendo que os Estados-Membros podem

prever outras obrigações. Os requerentes têm ainda direito a assistência jurídica (artigos

15.º e 16.º). Está expresso nesta Directiva o papel do ACNUR no procedimento de

reconhecimento do estatuto de refugiado (artigo 21.º). O capítulo V diz respeito aos

recursos perante órgãos jurisdicionais que podem ser interpostos pelos requerentes após

uma decisão desfavorável. No anexo II encontra-se a definição de país de origem

seguro. Este instrumento legislativo ainda faz parte da primeira fase do Sistema

Europeu Comum de Asilo pois, apesar de a Directiva não ter sido formalmente

adoptada até 2004, os Estados-Membros já tinham chegado a um acordo político quanto

ao seu texto.

A segunda fase do Sistema Europeu Comum de Asilo vai de 2005 a 2010. O

programa que havia sido acordado em Tampere foi substituído pelo chamado

“Programa de Haia”, em 2004. A UE deu novamente mostras de querer ir além dos

padrões mínimos comuns, procurando estabelecer um procedimento comum de asilo e

um estatuto uniforme para os requerentes de asilo e de protecção temporária130

.

A 1 de Dezembro de 2009, entrou em vigor o Tratado de Lisboa. Com o Tratado

sobre o Funcionamento da União Europeia (daqui em diante, TFUE), mais precisamente

com o seu artigo 78.º, percebemos que ainda se esperam desenvolvimentos na

129

Directiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de Dezembro de 2005, relativa a normas mínimas

aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membros, JO L

326, 13.12.2005.

130 V. Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – Espaço de liberdade,

de segurança e de justiça: balanço do programa de Tampere e futuras orientações, COM (2004) 401

final, Bruxelas, 02.06.2004, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2004:0401:FIN:PT:PDF [06.03.2014].

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construção do Sistema Europeu Comum de Asilo131

. Como nos diz a Comissão

Europeia, num livro verde sobre o futuro deste sistema, “[o]s sistemas de asilo dos

Estados-Membros são cada vez mais considerados como elementos de um espaço

regional de protecção único”132

. A Comissão fala-nos também da necessidade de

definir, aprofundada e pormenorizadamente, os meios para identificar e satisfazer as

necessidades especiais dos requerentes de asilo mais vulneráveis, como pessoas

traumatizadas, vítimas de tortura e de tráfico de seres humanos e menores não

acompanhados133

. O Tratado de Lisboa trouxe-nos ainda uma mudança institucional.

Todos os instrumentos jurídicos sobre asilo passam a ser adoptados através do

procedimento legislativo ordinário, de acordo com o artigo 294.º do TFUE. O

Parlamento Europeu ganhou, assim, mais poder no processo de decisão134

.

No Tratado de Lisboa é utilizado o vocábulo asilo, enquanto no Tratado de

Amesterdão o termo adoptado era “refugiado”. Isto porque procurou dar-se, no

primeiro, um sentido mais amplo ao termo, sendo que quem se candidata a asilo num

Estado-Membro pode tornar-se um refugiado segundo as condições da Convenção de

Genebra de 1951. Mas no Tratado de Lisboa estão ainda previstas mais duas formas de

protecção: a protecção subsidiária, para aqueles que necessitam de protecção

internacional mas não se encaixam nos critérios de reconhecimento do estatuto de

refugiado, e ainda a protecção temporária, destinada a lidar com grandes influxos de

131

Texto disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0047:0200:pt:PDF [05.02.2014]. É

importante realçar desta norma, que toda a legislação secundária da UE sobre asilo terá de estar em

conformidade com a Convenção de Genebra de 1951, como nos é dito logo no seu n.º 1.

132 Cfr. Comissão das Comunidades Europeias – Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu

Comum de Asilo, COM (2007) 301 final, Bruxelas, 06.06.2007, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2007/com2007_0301pt01.pdf [06.02.2014], p. 16.

133 Cfr. Comissão das Comunidades Europeias – Livro Verde sobre o futuro Sistema Europeu

Comum de Asilo, COM (2007) 301 final, Bruxelas, 06.06.2007, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2007/com2007_0301pt01.pdf [06.02.2014], p. 8.

134 Cfr. Christian KAUNERT, e Sarah LÉONARD – “The EU asylum policy: towards a common

area of protection and solidarity?”, in Sarah Wolff, Flora Goudappel e Jaap de Zwaan (editores),

Freedom, security and justice after Lisbon and Stockholm, Haia, T∙M∙C∙Asser Press, 2011, p. 91.

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38

pessoas que fugiram do seu país de origem e não podem a ele regressar a breve

trecho135

.

Na prática, os desenvolvimentos legislativos da segunda fase de construção do

Sistema Europeu Comum de Asilo foram muito inferiores aos da primeira fase. Um dos

passos mais importantes foi dado em 2010, com a criação do Gabinete Europeu de

Apoio em matéria de Asilo136

. Este organismo tem como principais tarefas providenciar

apoio operacional aos Estados-Membros que estejam a sofrer uma particular pressão

nos seus sistemas de asilo, bem como providenciar apoio científico e técnico quanto à

política e à legislação sobre asilo.

Iniciado em 2010, está actualmente em vigor o “Programa de Estocolmo”137

, a

terceira fase do Sistema Europeu Comum de Asilo. Mais do que uma área de protecção

comum, onde várias conquistas foram já conseguidas, procura-se agora aprofundar a

solidariedade entre os Estados-Membros. Pretende-se, assim, que os encargos

decorrentes do acolhimento de requerentes de asilo sejam repartidos de forma mais

equitativa, tendo especial atenção aos países com maior afluência de pessoas a

necessitar de protecção.

2. A Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004

Esta Directiva estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por

nacionais de países terceiros ou apátridas, para poderem beneficiar do estatuto de

refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional,

135

Cfr. Livia Elena BACAIAN – “The protection of refugees and their right to seek asylum in

the European Union”, in Collection Euryopa, volume 70, 2011, disponível em

www.unige.ch/ieug/publications/euryopa/Bacaian.pdf [18.04.2013], p. 32.

136 Regulamento (UE) n.º 439/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de

2010, que cria um Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, JO L 132, 29.05.2010.

137 Programa de Estocolmo – uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos, 2010/C

115/01, texto disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52010XG0504(01)&from=PT [15.04.2014]. O Plano de Acção de

aplicação do Programa de Estocolmo encontra-se disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52010DC0171&from=PT [15.04.2014].

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39

bem como normas relativas ao respectivo estatuto e relativas ao conteúdo da protecção

concedida138

.

Por ser fundamental para o objectivo deste trabalho, iremos primeiramente

explicar o essencial dos seus trabalhos preparatórios, passando pelo seu conteúdo e

detendo-nos especificamente no seu artigo 9.º, que incide sobre a definição de actos de

perseguição.

2.1. Trabalhos preparatórios

No âmbito da primeira fase de implementação do Sistema Europeu Comum de

Asilo, fixado no Conselho Europeu de Tampere de 1999, a Comissão propôs, no

segundo semestre de 2001, uma Directiva do Conselho que abrangesse aquelas matérias.

A Comissão discutiu depois, com os Estados-Membros, a melhor forma de

definir regras relativas ao reconhecimento e ao conteúdo do estatuto de refugiado.

Foram consultados diversos organismos, entre os quais, o ACNUR, organizações não

estatais competentes neste domínio, peritos académicos e representantes do poder

judiciário. A proposta da Comissão Europeia baseou-se num estudo académico

realizado pelo Centro de Estudos sobre os Refugiados (Refugee Studies Centre), da

Universidade de Oxford, bem como nas conclusões de um seminário organizado pela

Presidência sueca da UE intitulado “Protecção internacional no âmbito de um processo

de asilo único”, realizado em Norrköping, Suécia, nos dias 23 e 24 de Abril de 2001. A

138

Esta Directiva foi, mais tarde, reformulada, dando origem à Directiva 2011/95/UE do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às

condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de

protecção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para protecção

subsidiária e ao conteúdo da protecção concedida (reformulação), JO L 337, 20.12.2011. A nova

Directiva não altera os artigos analisados neste trabalho. As principais alterações contribuem para

melhorar a qualidade do processo de decisão e para prevenir situações de fraude. A nova Directiva

harmoniza os direitos concedidos aos beneficiários de protecção internacional quanto ao acesso ao

emprego e a cuidados de saúde, alarga o prazo de validade das autorizações de residência dos

beneficiários de protecção subsidiária, os interesses dos menores e as questões de género ganham

importância redobrada na análise dos pedidos de asilo, e, por fim, melhora o acesso dos beneficiários de

protecção internacional aos direitos e às medidas de integração.

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40

interpretação da definição de refugiado foi um dos pontos centrais debatidos no

seminário.

O objectivo principal desta Directiva consiste em assegurar um nível mínimo de

protecção a todas as pessoas necessitadas, reduzindo-se as diferenças práticas existentes

entre os diversos Estados-Membros neste domínio. Portanto, “[q]uaisquer diferenças

existentes entre os Estados-Membros que não se devam exclusivamente a factores

familiares, culturais ou históricos e que sejam susceptíveis de influenciar de uma forma

ou de outra os fluxos de requerentes de asilo deverão desaparecer na medida do

possível, sempre que estes movimentos se devam exclusivamente a diferenças entre os

quadros jurídicos”139

. Na opinião da Comissão, a proposta procura salvaguardar a

aplicação da Convenção de Genebra de 1951, assegurando que o princípio do non-

refoulement é aplicado às pessoas sujeitas a perseguição no seu país de origem.

A Comissão começa logo por deixar de fora da definição de refugiado os

cidadãos da União (artigo 2.º, alínea c), da proposta). Inovou, também, ao admitir a

possibilidade de a protecção ser concedida a quem seja perseguido por agentes privados

(artigo 9.º, n.º 1, alínea c), da proposta). Quanto à definição de actos de perseguição

(artigo 11.º, n.º 1, da proposta), a Comissão limitou-se a elaborar uma lista

exemplificativa. A proposta tomou em consideração a situação e as necessidades

específicas das mulheres que são discriminadas com base no sexo (artigo 18.º, n.º 3,

parte final). Por último, é de realçar a cláusula de não discriminação inserida nas

disposições finais da proposta (artigo 35.º).

O Parlamento Europeu sugeriu que no texto final estivesse previsto um sistema

de sanções para reforçar a garantia das normas nacionais de transposição da

Directiva140

.

139

Cfr. Comissão das Comunidades Europeias – Proposta de Directiva do Conselho que

estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e

apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos,

necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto,

COM/2001/0510 final - CNS 2001/0207, disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52001PC0510&from=EN&lang3=choose&lang2=choose&lang1=PT

[03.04.2014].

140 Cfr. European Parliament – Legislative resolution on the proposal for a Council directive on

minimum standards for the qualification and status of third country nationals and stateless persons as

refugees or as persons who otherwise need international protection, COM(2001) 510 – C5-0573/2001 –

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41

O Comité das Regiões ressaltou a necessidade de criação de serviços de

acolhimento nas autarquias locais, coordenadas a nível regional e nacional. Propôs

também que as autarquias, através do Fundo Europeu para os Refugiados, pudessem

providenciar serviços de apoio especializados para fazer face a necessidades específicas

destas pessoas. Estes serviços deveriam estar distribuídos de forma equilibrada por

várias regiões, evitando a concentração das comunidades de refugiados apenas em

determinadas áreas. O Comité apoiou ainda a criação de novos programas que visassem

a inclusão social destas pessoas mais vulneráveis, sobretudo através de políticas de

educação e emprego141

.

O Comité Económico e Social também se pronunciou, emitindo um parecer, a

13 de Maio de 2002. O Comité realçou que, no âmbito da protecção de pessoas que

sofrem de perseguição, “[a]s normas podem ser «mínimas» desde que reconheçam,

respeitem e protejam os Direitos Fundamentais e Universais do Homem consagrados

nos textos internacionais no âmbito dos direitos humanos”142

.

Muitas das sugestões da Comissão presentes na proposta inicial foram adoptadas

pelo Conselho na versão final da Directiva. Entre as normas mais importantes,

encontramos a que trata dos agentes de perseguição (artigo 9.º, n.º 1, alínea c), da

proposta e artigo 6.º, alínea c), da Directiva). No entanto, é de aplaudir o facto de o

Conselho, em algumas normas, ter ido mais além do que a Comissão propôs

inicialmente. Uma das normas mais importantes prevê a possibilidade de a perseguição

consubstanciar um cúmulo de medidas que, em si mesmas consideradas, não são

2001/0207(CNS), disponível em http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-

//EP//NONSGML+TA+P5-TA-2002-0494+0+DOC+PDF+V0//EN [26.03.2014], p. 4.

141 Cfr. Comité das Regiões – “Parecer sobre a Proposta de Directiva ao Conselho que estabelece

normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e apátridas para

poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção

internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto”, in Jornal Oficial nº 278 de

14.11.2002, p. 0044-0048, disponível em www.eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52002AR0093(04):PT:HTML [15.04.2013].

142 Cfr. Comité Económico e Social – Parecer sobre a “Proposta de Directiva ao Conselho que

estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e

apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos,

necessite de protecção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respectivo estatuto”, 2002/C

221/11, disponível em www.eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2002:221:0043:0048:PT:PDF [15.04.2013], p. 2.

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42

suficientemente gravosas para constituírem um acto de perseguição (artigo 9.º, n.º 1,

alínea b), da Directiva). Um dos exemplos de actos de perseguição do artigo 9.º, n.º 2,

da Directiva não se encontrava previsto na proposta (“[a]ctos cometidos

especificamente em razão do sexo ou contra crianças”). Quanto ao princípio do non-

refoulement, o Conselho incluiu na versão final os casos específicos em que pode haver

lugar ao afastamento do refugiado (artigo 19.º da proposta e artigo 21.º da Directiva).

No entanto, o Conselho não seguiu algumas recomendações da Comissão. A cláusula de

não discriminação (artigo 35.º da proposta) não se encontra na Directiva, havendo

apenas uma breve referência no preâmbulo, no seu considerando 11. Quanto à definição

de actos de perseguição, é de notar que o texto final contém uma menção aos direitos

inderrogáveis, segundo o artigo 15.º, n.º 2, da CEDH (artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da

Directiva), particularidade não incluída na proposta. Apesar de este ser um elenco

exemplificativo, a Directiva coloca o foco nos direitos inderrogáveis, o que poderá

restringir a protecção à vítima de perseguição quando estejam em causa direitos

derrogáveis, como a liberdade religiosa, que pode sofrer restrições para salvaguardar os

direitos de outrem ou a ordem e a segurança públicas.

2.2. Conteúdo da Directiva

Como resulta do seu texto preambular, os principais objectivos desta Directiva

são, por um lado, a aplicação pelos Estados-Membros de critérios comuns, que

permitam identificar as pessoas necessitadas de protecção internacional, e, por outro

lado, a garantia de que essas pessoas usufruem de um conjunto de direitos no país que

as acolhe143

. Portanto, reduzindo as disparidades existentes entre as legislações e as

práticas dos Estados-Membros, pretende-se alcançar o objectivo de reduzir movimentos

de pessoas à procura de refúgio, com base unicamente nos diferentes direitos e

benefícios concedidos aos refugiados nos diversos países da UE, mas também assegurar

que todos os requerentes de asilo beneficiam de condições mínimas.

Esta Directiva define as regras para a concessão de protecção internacional,

tanto na forma de estatuto de refugiado, como na forma de protecção subsidiária. A

143

V. considerando 6 da Directiva 2004/83/CE do Conselho.

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diferença entre estas duas figuras reside no facto de, quanto a esta última, a pessoa em

causa não caber na definição de refugiado da Convenção de Genebra, apesar de se

comprovar que corre risco de perseguição no seu país de origem144

. É de ressalvar que

pessoas necessitadas de protecção por motivos humanitários não estão abrangidas por

esta Directiva, como nos diz o considerando 9 do texto preambular.

Tanto uma como outra formas de protecção garantem determinados direitos às

pessoas por elas abrangidas, incluindo: non-refoulement, unidade familiar, concessão de

permissão de residência e documentos de viagem, acesso ao emprego, educação,

segurança social, saúde e liberdade de circulação no território do Estado-Membro de

acolhimento145

. Não podemos esquecer o considerando 8 e o artigo 3.º da Directiva,

onde se ressalva o facto de a harmonização ser realizada quanto a padrões mínimos, o

que significa que cada Estado pode prever condições mais favoráveis à concessão do

estatuto de refugiado e respectivo conteúdo.

A Directiva 2004/83/CE deixa bem claro que a Convenção de Genebra é o seu

principal guia, devendo ser sempre tomada em consideração146

. No entanto, a legislação

comunitária foi ainda mais longe, tentando definir alguns termos que geram

controvérsia. As mais importantes definições que podemos encontrar na Directiva são as

de agentes da perseguição, actos de perseguição e motivos da perseguição.

Um dos avanços mais importantes da Directiva 2004/83/CE foi o seu artigo 6.º,

que nos fala dos agentes de perseguição. Como referimos supra, a Convenção de

Genebra não é clara quanto a este aspecto, tendo este sido um dos motivos das

discussões em torno do estatuto de refugiado. Ora, a Directiva 2004/83/CE reconhece

que o Estado não é o único agente de perseguição e que esta pode também ser levada a

cabo por agentes particulares. O ACNUR aplaudiu este esclarecimento, afirmando

esperar que ele se reflicta de forma clara nas transposições efectuadas pelos Estados-

Membros. Efectivamente, a maioria dos Estados-Membros da UE apenas reconhecia o

Estado como agente de perseguição relevante para o reconhecimento do estatuto de

refugiado. Podemos assim afirmar que esta foi uma importante melhoria no padrão de

144

V. artigo 2.º, alíneas c) e e), da Directiva 2004/83/CE do Conselho.

145 V. capítulo VII da Directiva 2004/83/CE, intitulado “Conteúdo da protecção internacional”.

146 V. considerandos 3, 16 e 17 da Directiva 2004/83/CE do Conselho.

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44

protecção daqueles que sofrem perseguição147

. Concordamos, no entanto, com o

ACNUR quando este observa que a utilização das palavras “se puder ser provado”, na

alínea c), não será a mais feliz, pois o facto de o Estado proporcionar ou não protecção

ao requerente do estatuto de refugiado não deverá constituir um ónus de prova para este.

Assim, ao comprovar-se que existe um receio fundado de perseguição, a falta de

protecção do Estado deve ser presumida148

.

O principal objectivo da Directiva 2004/83/CE é fixar padrões mínimos para a

definição de refugiado e do respectivo estatuto, com vista a auxiliar as autoridades

nacionais a aplicar a Convenção de Genebra. Bahija Aarrass argumenta que a Directiva

não consegue alcançar aquela meta no que toca ao conceito de perseguição, presente no

seu artigo 9.º, pois não faz muito mais do que repetir o que já foi dito no Manual de

procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado, do

ACNUR149

. Como explicitaremos mais adiante, consideramos que as interpretações do

TJUE no acórdão Y e Z esclarecem alguns pontos importantes quanto ao conceito de

perseguição, e por isso os Estados-Membros já poderão aplicar mais eficazmente a

Directiva de Qualificação.

147

Cfr. Christian KAUNERT, e Sarah LÉONARD – “The EU asylum policy: towards a common

area of protection and solidarity?”, in Sarah Wolff, Flora Goudappel e Jaap de Zwaan (editores),

Freedom, security and justice after Lisbon and Stockholm, Haia, T∙M∙C∙Asser Press, 2011, p. 86. Para

mais informações sobre a transposição da Directiva de Qualificação nos diversos Estados-Membros,

consultar Comissão Europeia – Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a

aplicação da Directiva 2004/83/CE, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às

condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do

estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem

como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida, COM (2010) 314

final, Bruxelas, 16.06.2010, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2010:0314:FIN:PT:PDF [05.03.2014].

148 Cfr. ACNUR – UNHCR annotated comments on the EC Council Directive 2004/83/EC of 29

April 2004 on minimum standards for the qualification and status of third country nationals or stateless

persons as refugees or as persons who otherwise need international protection and the content of the

protection granted (OJ L 304/12 of 30.9.2004), 28.01.2005, disponível em

www.refworld.org/docid/4200d8354.html [18.04.2013], pp. 17-18.

149 Cfr. Bahija AARRASS – “Religious persecution in the qualification directive: the «core» of

fundamental rights as a core business of EU asylum law?”, in European Law Blog, 10.05.2012,

disponível em http://europeanlawblog.eu/?p=488 [18.04.2013].

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45

Quanto aos motivos de perseguição, temos também uma inovação face ao texto

da Convenção de Genebra. A Directiva diz-nos expressamente que é irrelevante o facto

de a pessoa possuir ou não a característica que a associa a um dos fundamentos de

perseguição, desde que o agente de perseguição veja a pessoa enquanto tal,

perseguindo-a por esses mesmos motivos150

.

Existem ainda outras diferenças entre o regime instituído através desta Directiva

e o Direito internacional. Por exemplo, enquanto a Convenção de Genebra se aplica a

qualquer pessoa, a Directiva 2004/83/CE apenas pode ser aplicada a pessoas com

origem num país terceiro, isto é, fora da UE151

, situação aliás criticada pelo ACNUR152

.

Hélène Lambert considera que esta limitação viola, tanto o princípio da não

discriminação em razão do país de origem (consagrado no artigo 3.º da Convenção de

Genebra), como o artigo 42.º da mesma Convenção, que proíbe reservas ao seu artigo

1.º, onde se define o conceito de refugiado153

. Portanto, Lambert considera que, dado

não só o conteúdo de algumas normas, mas também a forma como as mesmas são

interpretadas, o Direito internacional está em condições de oferecer melhores padrões de

150

V. artigo 10.º, n.º 2, da Directiva 2004/83/CE do Conselho. A Comissão diz-nos que o

reconhecimento do estatuto de refugiado de pessoas provenientes do mesmo país de origem, e, por isso

mesmo, muitas vezes com motivos semelhantes de perseguição, ainda varia muito, dependendo do

Estado-Membro onde o pedido de protecção é realizado. Cfr. Comissão das Comunidades Europeias –

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social

Europeu e ao Comité das Regiões: Plano de Acção em matéria de asilo – uma abordagem integrada da

protecção na UE, COM (2008) 360 final, Bruxelas, 17.06.2008, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2008:0360:FIN:PT:PDF [05.03.2014], p. 5.

151 V. artigo 2.º, alíneas c) e e), da Directiva 2004/83/CE do Conselho.

152 Cfr. ACNUR – UNHCR annotated comments on the EC Council Directive 2004/83/EC of 29

April 2004 on minimum standards for the qualification and status of third country nationals or stateless

persons as refugees or as persons who otherwise need international protection and the content of the

protection granted (OJ L 304/12 of 30.9.2004), 28.01.2005, disponível em

www.refworld.org/docid/4200d8354.html [18.04.2013], p. 10.

153 Cfr. Hélène LAMBERT – “The EU asylum qualification directive, its impact on the

jurisprudence of the United Kingdom and international law”, in International and Comparative Law

Quarterly, volume 55, Janeiro de 2006, disponível em

www.academia.edu/171665/THE_EU_ASYLUM_QUALIFICATION_DIRECTIVE_ITS_IMPACT_ON

_THE_JURISPRUDENCE_OF_THE_UNITED_KINGDOM_AND_INTERNATIONAL_LAW

[18.04.2013], p. 178.

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46

protecção do que a Directiva da UE154

. Não concordamos com esta posição, uma vez

que o regime estabelecido na Directiva tem inteira razão de ser. Todos os Estados-

Membros da UE são Estados de Direito democráticos, pelo que é de presumir que

respeitam os direitos humanos, que não perseguem os seus cidadãos e que possuem

mecanismos de protecção se estes forem perseguidos por outros agentes. Este é o

motivo pelo qual os cidadãos da UE não estão incluídos no âmbito subjectivo da

Directiva 2004/83/CE.

2.3. Análise ao artigo 9.º da Directiva 2004/83/CE

O artigo 9.º dispõe sobre actos de perseguição e estipula o seguinte: “1. Os actos

de perseguição, na acepção do ponto A do artigo 1.º da Convenção de Genebra, devem:

a) Ser suficientemente graves, devido à sua natureza ou persistência, para constituírem

grave violação dos direitos humanos fundamentais, em especial os direitos que não

podem ser derrogados, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º da Convenção Europeia de

Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; ou b) Constituir um

cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, suficientemente

graves para afectar o indivíduo de forma semelhante à referida na alínea a)”.

O n.º 2 do artigo 9.º elenca exemplificativamente algumas formas de

perseguição. Pode ler-se: “2. Os actos de perseguição, qualificados no n.º 1, podem

designadamente assumir as seguintes formas: a) Actos de violência física ou mental,

incluindo actos de violência sexual; b) Medidas legais, administrativas, policiais e/ou

judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória; c)

Acções judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias; d) Recusa de

acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;

154 Cfr. Hélène LAMBERT – “The EU asylum qualification directive, its impact on the

jurisprudence of the United Kingdom and international law”, in International and Comparative Law

Quarterly, volume 55, Janeiro de 2006, disponível em

www.academia.edu/171665/THE_EU_ASYLUM_QUALIFICATION_DIRECTIVE_ITS_IMPACT_ON

_THE_JURISPRUDENCE_OF_THE_UNITED_KINGDOM_AND_INTERNATIONAL_LAW

[18.04.2013], p. 182.

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e) Acções judiciais ou sanções por recusa em cumprir o serviço militar numa situação

de conflito em que o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou

acto abrangidos pelas cláusulas de exclusão previstas no n.º 2 do artigo 12.º; f) Actos

cometidos especificamente em razão do sexo ou contra crianças”.

Após cinquenta anos de discussões à volta do conceito de “perseguição”, ainda

existem várias interpretações divergentes. Francesco Maiani aponta-nos a vantagem

deste conceito ainda não estar completamente definido, a definição de refugiado é,

assim, mais flexível, podendo adaptar-se e evoluir consoante as circunstâncias. Mas não

deixamos de concordar com este autor, quando nos aponta a desvantagem desta

indeterminação: a flexibilidade do conceito pode torná-lo vulnerável a manipulação e a

interpretações restritivas, que em nada favorecem a protecção dos direitos humanos. Um

outro problema é o facto de o conceito ser interpretado de forma diferente em diversas

jurisdições, o que vai criar padrões de protecção diferenciados155

. Para Francesco

Maiani, a perseguição é um tipo de dano que é infligido por um ser humano (não por

catástrofes naturais), é discriminatória e cruel, e é persistente, isto é, não se concretiza

em episódios isolados, mas sim em ameaças sistemáticas156

.

O Conselho, na sua Posição Comum 96/196/JAI, já mencionada supra, definiu

“perseguição” como actos que violem gravemente os direitos humanos, tais como o

direito à vida, o direito à liberdade ou à integridade física, ou que impeçam de forma

manifesta que a pessoa atingida continue a viver no seu país de origem (n.º 4).

Para o ACNUR, a interpretação do termo “actos de perseguição” terá de ser

flexível, de forma a poder adaptar-se a diferentes formas de perseguição que vão

surgindo, não devendo ser apenas encarado como violação séria dos direitos humanos.

Por isso mesmo, aplaude a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º da Directiva, reforçando que

vários actos discriminatórios, mesmo que por si só não constituam perseguição, quando

tomados em consideração de forma cumulativa, podem justificar o receio fundado de

155

Cfr. Francesco MAIANI – “The concept of «persecution» in refugee law: indeterminacy,

context-sensitivity, and the quest for a principled approach”, in Les Dossiers du Grihl, Les Dossiers de

Jean-Pierre Cavaillé, de la persecution, 28.02.2010, disponível em www.dossiersgrihl.revues.org/3896

[18.04.2013], § 9, 13 e 16.

156 Cfr. Francesco MAIANI – “The concept of «persecution» in refugee law: indeterminacy,

context-sensitivity, and the quest for a principled approach”, in Les Dossiers du Grihl, Les Dossiers de

Jean-Pierre Cavaillé, de la persecution, 28.02.2010, disponível em www.dossiersgrihl.revues.org/3896

[18.04.2013], § 7.

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perseguição, dada a severidade que adquirem juntos, especialmente se impedem a

pessoa de gozar direitos fundamentais, trazendo-lhe um sentimento de insegurança e

obrigando-a a fugir. O critério-chave passa, assim, pela avaliação da situação da pessoa

no seu país de origem, de modo a determinar se o seu dia-a-dia se tornou insustentável e

se a pessoa tem de procurar refúgio157

.

O ACNUR sublinha que qualquer violação de um direito absoluto (ou seja,

aqueles direitos que não podem ser restringidos por motivos de segurança, ordem ou

saúde públicas, nem podem ser derrogados em casos em que é decretado o estado de

emergência) pode ser vista como um acto de perseguição. As violações de direitos

fundamentais não absolutos também poderão ser considerados perseguição, se forem

suficientemente graves, pela sua natureza ou repetição158

.

Contrariando a opinião do ACNUR, C. W. Wouters critica a Directiva pela

distinção que esta faz entre direitos derrogáveis e não derrogáveis, com base na CEDH.

Isto porque o artigo 9.º da Directiva de Qualificação foi projectado para interpretar o

termo “perseguição” tal como ele é referido na Convenção de Genebra. Concordamos

com o autor quando defende que a Directiva não deveria fazer referência a um texto

regional (a CEDH), deveria sim remeter para o Pacto Internacional relativo aos Direitos

Civis e Políticos, de 1966. Wouters tem ainda um outro argumento de peso, pois a lista de

direitos não derrogáveis, presente no Pacto Internacional, é mais abrangente do que a da

157

Cfr. ACNUR – UNHCR annotated comments on the EC Council Directive 2004/83/EC of 29

April 2004 on minimum standards for the qualification and status of third country nationals or stateless

persons as refugees or as persons who otherwise need international protection and the content of the

protection granted (OJ L 304/12 of 30.9.2004), 28.01.2005, disponível em

www.refworld.org/docid/4200d8354.html [18.04.2013], p. 20. Na mesma esteira, C. W. WOUTERS –

International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on

refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the

International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia,

Intersentia, 2009, p. 60.

158 Cfr. ACNUR – UNHCR statement on religious persecution and the interpretation of article

9(1) of the EU Qualification Directive, 17.06.2011, disponível em

www.refworld.org/docid/4dfb7a082.html [18.04.2013], p. 8. Na mesma esteira, C. W. WOUTERS –

International legal standards for the protection from refoulement: a legal analysis of the prohibitions on

refoulement contained in the Refugee Convention, the European Convention on Human Rights, the

International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention against Torture, Antuérpia,

Intersentia, 2009, p. 60.

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CEDH. Por exemplo, um direito importante para o tema deste trabalho – o direito à

liberdade de pensamento, consciência e religião (artigo 18.º do Pacto Internacional

relativo aos Direitos Civis e Políticos, e artigo 9.º da CEDH) – é derrogável sob a

CEDH, mas não sob o Pacto159

.

Apoiando-se no Direito internacional penal, embora admitindo que o escopo do

termo “perseguição” seja diferente, Andreia Sofia Pinto Oliveira enumera os elementos

necessários que devem estar presentes, cumulativamente, para que exista perseguição:

privação de direitos fundamentais, intencionalidade, gravidade e discriminação160

.

Primeiro, é necessário comprovar-se que o requerente sofreu uma privação de

direitos fundamentais. E surge logo aqui um problema, que catálogo de direitos é

relevante nesta situação? Na opinião de Andreia Sofia Pinto Oliveira, os direitos a ter

aqui em conta serão os inscritos nas Constituições nacionais161

. Isto porque o direito de

asilo é uma forma de protecção de um bem jurídico considerado fundamental por cada

ordem jurídica. Não concordamos neste ponto com Andreia Oliveira. A evolução

histórica da protecção da dignidade humana de pessoas perseguidas pelos seus próprios

Estados mostra-nos que este é um valor universal, devendo procurar-se definições e

procedimentos globais, por forma a que os padrões de protecção não sejam demasiado

díspares, consoante a parte do mundo onde um refugiado procura asilo. Concordamos

com a autora quando nos diz que não é necessária uma privação absoluta do direito

fundamental para que exista perseguição, no entanto, mesmo que relativa, essa privação

terá de ser grave.

Quanto ao elemento intencionalidade, a prática do acto de perseguição é

voluntária, pressupõe que o agente tem consciência dos efeitos que as suas acções

produzem na pessoa afectada. Pode dizer-se que toda a perseguição é intencional. No

entanto, devemos abordar este requisito com prudência. Como nos diz Andreia Sofia

159

Cfr. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, p. 61.

160 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa:

Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 265-299.

161 A autora fala aqui, especificamente, da Constituição da República Portuguesa. Cfr. Andreia

Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa: Âmbito de protecção de um

direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 275.

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Pinto Oliveira, não devemos “entender apenas relevante a perseguição quando haja

intenção de produzir danos concretos previamente definidos e previstos na esfera

jurídica de uma pessoa concreta”162

. Por isto mesmo é que não cabem na definição de

refugiado vítimas de catástrofes naturais.

A privação intencional de direitos humanos tem de ser grave, para que se possa

falar em perseguição. A aplicação desde requisito é especialmente difícil. Em termos

gerais, podemos falar da importância que o bem jurídico em causa terá. Andreia Sofia

Pinto Oliveira propõe a utilização de vários critérios para se aferir a gravidade daquela

privação: a gravidade dos bens atingidos, a gravidade das medidas e a gravidade dos

motivos. Quanto à gravidade dos bens atingidos, poderá existir uma hierarquia de

direitos humanos? Seguindo jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, Andreia

Sofia Pinto Oliveira diz-nos que esta avaliação deve ser feita utilizando o princípio da

inviolabilidade da dignidade humana. Assim, se a vida, a liberdade ou a integridade

física são ameaçadas, a perseguição pode ser considerada grave. Se estes bens jurídicos

não estão em risco, a gravidade da perseguição será avaliada através da intensidade com

que a dignidade humana é afectada. Quanto à gravidade das medidas, devemos falar

particularmente das que consistem em sanções penais163

. Estas só serão consideradas

perseguição se, por um lado, no Estado de acolhimento não se considerar crime o acto

que o requerente cometeu ou, por outro, se, embora seja considerado crime, a medida

sancionatória é desproporcionada face ao ilícito cometido164

. Quanto à gravidade dos

motivos que conduzem à privação de direitos fundamentais, pode considerar-se uma

162

Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa:

Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 280.

163 V. Nicholas BLAKE, e Raza HUSAIN – Immigration, asylum and human rights, colecção

Blackstone’s human rights, Oxford University Press, 2003, pp. 76-77.

164 V. C. W. WOUTERS – International legal standards for the protection from refoulement: a

legal analysis of the prohibitions on refoulement contained in the Refugee Convention, the European

Convention on Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights and the

Convention against Torture, Antuérpia, Intersentia, 2009, pp. 68-71; ACNUR – Interpreting Article 1 of

the 1951 Convention Relating to the Status of Refugees, Abril de 2001, disponível em

http://www.refworld.org/cgi-bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914 [16.01.2014], pp. 5-6. A Directiva

2004/83/CE do Conselho dissipa qualquer dúvida, incluindo vários exemplos que cabem nesta definição

no seu artigo 9.º, n.º 2, nomeadamente as suas alíneas b), c) e d).

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perseguição grave quando aqueles, nas palavras de Andreia Sofia Pinto Oliveira,

“repugnam vivamente à consciência jurídica da comunidade de acolhimento”165

.

Por fim, a privação de direitos fundamentais deve ser discriminatória, embora

nem todo o tipo de discriminação constitua perseguição. Discriminação significa,

correntemente, que uma pessoa é impedida de gozar de determinado direito ou

liberdade. Mas pode também estar presente em casos em que a pessoa é vítima de uma

acção repressiva. Há discriminação quando a pessoa é vítima, pelo simples facto de

possuir certa característica, justificação não plausível perante os direitos fundamentais

aceites em uma comunidade específica. Esta definição não abrange vítimas de

catástrofes naturais nem de conflitos armados166

. Será isto justo, uma vez que existem

pessoas privadas de direitos fundamentais graves, embora de carácter não

discriminatório? Concordamos com Andreia Sofia Pinto Oliveira quando argumenta

que, apesar de essas pessoas merecerem tanta protecção quanto os refugiados, para estas

situações específicas, outros mecanismos internacionais devem ser criados167

.

Concordamos com o ACNUR quando observa que, tendo em conta o artigo 4.º,

n.º 3, alínea c), da Directiva 2004/83/CE, ao avaliar se certa medida restritiva constitui

um acto de perseguição, as autoridades competentes devem ter em conta as

circunstâncias individuais daquele caso, pois o mesmo acto pode afectar de forma

165

Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa:

Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 294. A autora dá-

nos o exemplo da obrigatoriedade da utilização, na Alemanha nazi, da estrela de David pelos Judeus, na

sua roupa. Estava em causa o direito à imagem. Podendo argumentar-se que, se o sinal distintivo for de

reduzida dimensão, a violação do direito não deve ser considerada grave, o motivo da obrigatoriedade do

seu uso provoca nas comunidades de Estados de Direito democráticos uma repulsa tal, que justifica a

gravidade da violação do direito fundamental.

166 Excepto em casos em que a guerra tem como principal objectivo uma limpeza étnica ou

religiosa.

167 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa:

Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 298-299. V.

também ACNUR – Interpreting Article 1 of the 1951 Convention Relating to the Status of Refugees, Abril

de 2001, disponível em http://www.refworld.org/cgi-bin/texis/vtx/rwmain?docid=3b20a3914

[16.01.2014], pp. 6-7.

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diferente diversas pessoas, consoante o seu perfil, crenças e vulnerabilidade168

. Essas

restrições devem ser proporcionais, não podendo ser impostas com razões

discriminatórias.

Pode concluir-se que, quanto mais importante for o direito humano atingido,

menos gravosa tem de ser a medida que o afecta, para que a perseguição seja

considerada grave. Um acto de perseguição pode revestir muitas formas, seria

impossível tentar enumerar todas as formas possíveis de perseguição. Cada caso deve

ser avaliado de forma individual, pois saber se determinado acto pode ser considerado

perseguição depende, em grande medida, dos factos de cada caso e das suas

circunstâncias específicas.

168

Cfr. ACNUR – UNHCR statement on religious persecution and the interpretation of article

9(1) of the EU Qualification Directive, 17.06.2011, disponível em

www.refworld.org/docid/4dfb7a082.html [18.04.2013], p. 9.

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CAPÍTULO III

O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Y E Z

1. A jurisprudência proactiva do TJUE em matéria de asilo

Hoje, o respeito pelos direitos fundamentais está previsto no Tratado da União

Europeia, mas nem sempre foi assim. Coube ao Tribunal de Justiça um importante papel

neste âmbito, quando começou a pronunciar-se sobre a forma como as instituições

europeias e os Estados-Membros respeitavam estes direitos. O respeito pelos direitos

fundamentais foi um dos princípios que o Tribunal de Justiça deduziu dos Direitos

nacionais dos Estados-Membros. A sua jurisprudência neste campo foi vital para que

não se criassem situações de ruptura com as concepções jurídicas vigentes nos

Estados169

. Em matéria de direitos individuais, cabe recordar os acórdãos que

representaram uma viragem de paradigma, confirmados em jurisprudência posterior.

Foram eles o Acórdão Internationale Handelsgesellschaft, de 17 de Dezembro de

1970170

, e o Acórdão Nold, de 14 de Maio de 1974171

, onde o Tribunal de Justiça

confirmou o respeito pelos direitos fundamentais como princípio geral de Direito cuja

observância é por ele garantida.

O TJUE interpreta normas jurídicas inseridas na política de asilo da UE desde o

Tratado de Amesterdão, altura em que passou a ter jurisdição sobre estas matérias.

Desta forma, o Tribunal de Justiça supervisiona a aplicação pelos Estados-Membros das

respectivas políticas de asilo, assim se alcançando a harmonização jurídica desejada em

matéria de asilo. A actividade do Tribunal de Justiça nesta área conduziu a um reforço

169

Cfr. João Mota de CAMPOS, e João Luiz Mota de CAMPOS – Manual de Direito

Comunitário: o sistema institucional, a ordem jurídica, o ordenamento económico da União Europeia, 5ª

edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 345-346.

170 Acórdão do Tribunal de Justiça Internationale Handelsgesellschaft mbH e Einfuhr- und

Vorratsstelle für Getreide und Futtermittel, de 17 de Dezembro de 1970, processo 11/70, texto disponível

em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61970CJ0011&rid=2 [29.03.2014].

171 Acórdão do Tribunal de Justiça J. Nold Kohlen- und Baustoffgroßhandlung contra Comissão

das Comunidades Europeias, de 14 de Maio de 1974, processo 4/73, texto disponível em http://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61973CJ0004&rid=2 [29.03.2014].

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54

da protecção jurídica dos direitos dos requerentes de asilo, pois o TJUE tem

interpretado amplamente várias normas de algumas Directivas neste campo. Vejamos

alguns exemplos.

No Acórdão Elgafaji, de 17 de Fevereiro de 2009172

, no âmbito da protecção

subsidiária regulada na Directiva 2004/83/CE do Conselho, o TJUE interpretou

amplamente a expressão “ameaça grave e individual” do artigo 15.º, alínea c), da

Directiva. Diz-nos o TJUE que a pessoa ameaçada não tem de ser visada

especificamente em razão da sua situação pessoal, acrescentando que o termo “abrange

as ofensas de que os civis são objecto independentemente da respectiva identidade,

quando o grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito armado em curso

[seja] de um nível tão elevado que existem motivos significativos para acreditar que um

civil expulso para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa, poderia

correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer a

ameaça grave a que se refere o artigo 15.º, alínea c), da directiva”173

.

Já no Acórdão Bolbol, de 17 de Junho de 2010174

, o TJUE teve de interpretar o

artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2004/83/CE, que descreve uma das situações

em que uma pessoa é excluída da qualidade de refugiado. O estatuto de refugiado não

pode ser reconhecido a uma pessoa que está a receber protecção ou assistência por parte

de órgãos ou agências das Nações Unidas, que não seja o ACNUR. Neste caso, o

tribunal de reenvio questionou o TJUE se esta norma requeria que a pessoa estivesse

efectivamente a receber ajuda, pois, no caso em apreço, a pessoa era apenas elegível

para receber protecção por parte da Agência das Nações Unidas de Assistência aos

Refugiados da Palestina no Próximo Oriente. O Tribunal de Justiça considerou que

“uma pessoa beneficia da protecção ou da assistência de uma instituição das Nações

172

Acórdão do Tribunal de Justiça Meki Elgafaji e Noor Elgafaji contra Staatssecretaris van

Justitie, de 17 de Fevereiro de 2009, processo C-465/07, texto disponível em http://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62007CJ0465&rid=3 [29.03.2014].

173 § 35 do Acórdão do Tribunal de Justiça Meki Elgafaji e Noor Elgafaji contra Staatssecretaris

van Justitie, de 17 de Fevereiro de 2009, processo C-465/07, interpolação nossa.

174 Acórdão do Tribunal de Justiça Nawras Bolbol contra Bevándorlási és Állampolgársági

Hivatal, de 17 de Junho de 2010, processo C-31/09, texto disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62009CJ0031&rid=2 [29.03.2014].

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55

Unidas diferente do UNHCR, quando recorra efectivamente a essa protecção ou a essa

assistência”175

.

Por fim, no Acórdão B e D, de 9 de Novembro de 2010176

, o TJUE teve de

interpretar novamente o artigo 12.º da Directiva de Qualificação, desta vez as alíneas b)

e c) do n.º 2. Ali pode ler-se: “O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído

da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que: b) Praticou crime

grave de direito comum fora do país de refúgio, antes de ter sido admitido como

refugiado [;] poderão ser classificados como crimes de direito comum graves os actos

particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objectivos

alegadamente políticos; c) Praticou actos contrários aos objectivos e princípios das

Nações unidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.º e 2.º da Carta das Nações

unidas”. Neste caso, o tribunal de reenvio alemão perguntou ao Tribunal de Justiça se é

passível de estar incluído em alguma destas duas situações um indivíduo que pertence a

uma organização envolvida em actos terroristas, sendo que apoiou activamente a luta

armada dessa mesma organização. O TJUE respondeu que estas circunstâncias “não

pode[m] suscitar automaticamente uma suspeita grave de que essa pessoa cometeu um

«crime grave de direito comum» ou «actos contrários aos objectivos e princípios das

Nações Unidas»”177

. O Tribunal de Justiça esclareceu que “a constatação, em tal

contexto, de que existem suspeitas graves de que uma pessoa cometeu um crime dessa

natureza ou praticou tais actos está sujeita a uma apreciação casuística de factos

precisos a fim de determinar se actos praticados pela organização em causa preenchem

os requisitos estabelecidos pelas referidas disposições e se é possível imputar à pessoa

em causa uma responsabilidade individual pela prática desses actos”178

.

175

§ 53 do Acórdão do Tribunal de Justiça Nawras Bolbol contra Bevándorlási és

Állampolgársági Hivatal, de 17 de Junho de 2010, processo C-31/09.

176 Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra B e D, de 9 de Novembro

de 2010, processos apensos C-57/09 e C-101/09, texto disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62009CJ0057&rid=3 [29.03.2014].

177 § 99, primeiro parágrafo do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland

contra B e D, de 9 de Novembro de 2010, processos apensos C-57/09 e C-101/09, interpolação nossa.

178 § 99, segundo parágrafo do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland

contra B e D, de 9 de Novembro de 2010, processos apensos C-57/09 e C-101/09.

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56

2. O Acórdão Y e Z

A imprecisão do conceito de perseguição religiosa conduz a dificuldades

práticas no que concerne à concessão do estatuto de refugiado na UE. Um bom exemplo

destas dificuldades é o caso objecto de um acórdão recente do TJUE de 5 de Setembro

de 2012179

, proferido em resposta a um reenvio prejudicial com origem na Alemanha,

num processo contra dois nacionais paquistaneses requerentes de asilo. O que se discute

ali, essencialmente, é se interferências com manifestações públicas de religião podem

constituir aquilo que se designa por “acto de perseguição religiosa”, conceito incluído

na Directiva 2004/83/CE.

2.1. Os factos

Em Janeiro de 2004 e em Agosto de 2003, Y e Z entraram em território alemão,

requerendo que lhes fosse concedido asilo e reconhecido o estatuto de refugiados. Da

norma constitucional sobre asilo, retirou o Tribunal Constitucional alemão vários

direitos, tais como o direito de entrada e permanência no território daquele Estado, o

direito a uma protecção efectiva contra novas perseguições e o direito de recurso

jurisdicional de decisões que indefiram um pedido de asilo180

. A Constituição alemã, no

seu artigo 3.º, n.º 3, proclama o princípio da não discriminação com base na religião.

Esta Constituição incorpora, ainda, a chamada dimensão negativa da liberdade de

religião, afirmando que ninguém pode ser obrigado a participar de qualquer cerimónia

religiosa, ou a praticar um acto religioso181

. O § 2 da Lei sobre o processo de asilo

(Asylverfahrensgesetz) prevê que as pessoas que beneficiam do direito de asilo em solo

179 Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de Setembro

de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11, texto disponível em http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62011CJ0071:PT:HTML [10.03.2014].

180 Cfr. Andreia Sofia Pinto OLIVEIRA – O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa:

Âmbito de protecção de um direito fundamental, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 114.

181 Cfr. Alejandro Saiz ARNAIZ et al. (coordenador) – Religious practice and observance in the

EU Member States, Fevereiro de 2013, disponível em

www.europarl.europa.eu/committees/en/studiesdownload.html?languageDocument=EN&file=91550

[18.04.2013], pp. 20-21.

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alemão gozam do estatuto definido na Convenção de Genebra. As condições para ser

considerado refugiado estão plasmadas no § 3, n.º 1, da Lei de asilo alemã: um

estrangeiro é considerado refugiado na acepção da Convenção de Genebra quando, no

Estado de que tem a nacionalidade, esteja exposto aos riscos referidos no § 60, n.º 1 da

Lei sobre a residência, o trabalho e a integração dos estrangeiros no território federal. O

§ 60, n.º 1, dispõe que, em aplicação da Convenção de Genebra, um estrangeiro não

pode ser conduzido à fronteira a fim de ser afastado para um Estado onde a sua vida ou

a sua liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, da sua religião, da sua

nacionalidade, das suas convicções políticas ou do facto de pertencer a um determinado

grupo social. A Alemanha transpôs literalmente o artigo 9.º, n.º 2, da Directiva

2004/83/CE do Conselho, que nos dá exemplos do que pode constituir um acto de

perseguição182

.

Perante as autoridades alemãs, Y e Z argumentaram que tiveram de fugir do seu

país de origem, o Paquistão, por pertencerem à comunidade muçulmana Ahmadiyya, um

movimento minoritário reformista islâmico oprimido pela maioria sunita. O Islão foi

declarado como religião oficial do Estado do Paquistão na Constituição de 1973. O

tribunal de reenvio esclarece as condições em que os ahmadis vivem naquele país. Os

seus locais de oração, na maioria das vezes, não chegam a ter permissão para serem

construídos e os já existentes são por vezes fechados e outras vezes invadidos por

grupos extremistas. As forças policiais do Estado recusam-se a oferecer protecção

efectiva aos ahmadis contra tal violência183

.

Em particular, Y alegou ter sido agredido e apedrejado continuamente, no local

de orações que frequentava. Os agressores ameaçaram-no de morte e denunciaram-no

por insultos ao profeta Maomé. Já Z afirmou ter sido maltratado e feito prisioneiro

182

Cfr. European Council on Refugees and Exiles – The impact of the EU qualification directive

on international protection, European Legal Network on Asylum, Outubro de 2008, disponível em

www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=3&cad=rja&ved=0CEEQFjAC

&url=http%3A%2F%2Fwww.ecre.org%2Fcomponent%2Fdownloads%2Fdownloads%2F130.html&ei=

DRyaUZMM9I_sBse7gdgM&usg=AFQjCNG181tbC0BYYMb8yvOmxWURUolQXQ&sig2=9EQI4ihft

860kks2A_-E-Q&bvm=bv.46751780,d.ZGU [18.04.2013], p. 20.

183 Cfr. Federal Administrative Court – Request to the European Court of Justice for a

preliminary ruling to clarify the preconditions required for persecution on account of violation of

religious freedom under Directive 2004/83/EC, 9.12.2010, disponível em

http://www.bverwg.de/medien/pdf/ent_en/10_c_19_09.pdf [13.03.2014], p. 6.

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58

devido às suas crenças religiosas. O artigo 298.º C do Código Penal paquistanês prevê

que os membros da comunidade Ahmadiyya sejam punidos com pena de prisão até três

anos, ou com uma sanção pecuniária. Isto acontece sempre que esses membros exijam

ser considerados muçulmanos, pratiquem a sua religião em público, difundam a sua

crença ou convidem outros a juntar-se à sua fé. Quem profanar o nome sagrado do

profeta Maomé ou os símbolos e locais associados ao Islão, pode ser punido com pena

de morte ou prisão perpétua e sanção pecuniária, nos termos do artigo 295.º C do

Código Penal paquistanês184

. Apesar do que alegaram, Y e Z viram os seus pedidos de

asilo indeferidos pela autoridade administrativa responsável, o Serviço Federal para as

Migrações e os Refugiados (Bundesamt für Migration und Flüchtlinge), que considerou

que não estavam preenchidas as condições para o reconhecimento do estatuto de

refugiado, pois não ficou provado um receio fundado de perseguição.

Y recorreu para o Tribunal Administrativo de Leipzig (Verwaltungsgericht

Leipzig), que anulou a decisão anterior da autoridade administrativa. Z recorreu para o

Tribunal Administrativo de Dresden (Bundesamt no Verwaltungsgericht Dresden), mas

este negou provimento ao seu recurso. O representante federal para os assuntos

relacionados com o asilo (Bundesbeauftragter für Asylangelegenheiten) e Z recorreram,

em 2008, para o Tribunal Administrativo Superior do Land de Saxe (Sächsisches

Observerwaltungsgericht). Este tribunal considerou que, tanto Y, como Z, preenchiam

os requisitos para serem considerados refugiados, sendo proibido às autoridades alemãs

expulsarem-nos para o Paquistão. Mais especificamente, o tribunal argumentou que o

facto de Y e Z terem sido ameaçados pessoalmente é pouco importante para o caso, pois

sendo ahmadis activos estarão sempre sujeitos a perseguição. Se voltarem ao Paquistão,

Y e Z não poderão praticar a sua religião em público, facto que consideram essencial

para conservarem a sua identidade religiosa, sem se colocarem em perigo, constituindo

essa situação uma grave violação da liberdade de religião.

O Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht) foi chamado a

intervir, quando o Serviço Federal para as Migrações e os Refugiados e o representante

federal para os assuntos relacionados com o asilo interpuseram recurso da decisão

anterior, considerando a interpretação do Tribunal Administrativo Superior do Land de

184

Sobre a aplicação destas normas, v. International Religious Freedom Report for 2012 - United

States Department of State, Bureau of Democracy, Human Rights and Labor, disponível em

http://www.state.gov/documents/organization/208324.pdf [13.03.2014].

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59

Saxe demasiado ampla. Os recorrentes apontaram para a jurisprudência vigente na

Alemanha antes da transposição da Directiva 2004/83/CE, em 2007, em que só se

poderia considerar uma perseguição relevante nestes termos, quando fosse violado o

“núcleo essencial” da liberdade de religião ou o “mínimo religioso vital” do Homem185

.

Assim, não estaria aqui incluída a prática da religião em público186

, questão essencial no

caso dos ahmadis. Perante todos estes argumentos, o órgão jurisdicional onde a disputa

se travava decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE algumas questões

prejudiciais.

2.2. Questões prejudiciais

O tribunal de reenvio colocou as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de

Justiça:

1) Deve o artigo 9.°, n.º 1, alínea a), da Directiva 2004/83/CE ser interpretado no

sentido de que nem todas as ingerências na liberdade religiosa que violem o artigo 9.°

da CEDH representam um acto de perseguição, apenas se verificando uma grave

violação da liberdade religiosa como direito humano fundamental quando é atingido o

núcleo essencial desta?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: a) O núcleo essencial da

liberdade religiosa restringe‑se à profissão de fé e à prática de actos religiosos em casa

ou na vizinhança, ou um acto de perseguição também pode consistir no facto de o

exercício da religião em público representar, no país de origem, um risco para a própria

vida, integridade ou liberdade físicas, levando o requerente a abdicar do referido

exercício?; b) Caso o núcleo essencial da liberdade religiosa também possa abranger a

185

Para um maior desenvolvimento quanto à evolução da jurisprudência alemã quanto a este

tópico, v. ACNUR – UNHCR statement on religious persecution and the interpretation of article 9(1) of

the EU Qualification Directive, 17.06.2011, disponível em www.refworld.org/docid/4dfb7a082.html

[18.04.2013], pp. 5-8.

186 V. observação da Alemanha no artigo 12.º, alínea b), num documento do Conselho da União

Europeia de análise à proposta de Directiva do Conselho, que corresponde ao artigo 10.º, n.º 1, alínea b),

da Directiva 2004/83/CE, disponível em

http://register.consilium.europa.eu/doc/srv?l=PT&t=PDF&gc=true&sc=false&f=ST%207882%202002%

20INIT [15.03.2014].

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60

prática de determinados actos religiosos em público: neste caso, para que se verifique

uma grave violação da liberdade religiosa, é suficiente que o requerente considere que

este tipo de prática de actos religiosos é imprescindível para a preservação da sua

identidade religiosa; ou é ainda necessário que a comunidade religiosa a que o

requerente pertence considere a prática destes actos religiosos um elemento essencial da

sua doutrina religiosa; ou poderão mais restrições resultar ainda de outras

circunstâncias, como por exemplo, a situação geral que se vive no país de origem?

3) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: existe um receio

justificado de perseguição, na acepção do artigo 2.°, alínea c), da Directiva, quando está

assente que, após o regresso ao país de origem, o requerente continuará a praticar

determinados actos religiosos – não incluídos no núcleo essencial da liberdade religiosa

–, apesar de estes representarem um risco para a própria vida, integridade ou liberdade

físicas, ou pode exigir‑se ao requerente que renuncie futuramente a este tipo de actos?

2.3. As conclusões do Advogado-Geral

O Advogado-Geral nestes processos apensos foi Yves Bot. Nas suas conclusões,

Bot começa por chamar a atenção para o facto de a liberdade de manifestar a fé não se

revestir de carácter absoluto. Ou seja, esta liberdade não protege todos os actos

motivados por uma qualquer convicção, podendo ainda ser sujeita a restrições, nas

condições definidas no artigo 9.º, n.º 2, da CEDH187

e no artigo 52.º, n.º 1, da

CDFUE188

.

Significa isto que Bot defende que existe, efectivamente, um “núcleo essencial”

do direito à liberdade religiosa? Não necessariamente. O Advogado-Geral argumenta

que o exercício de tentar circunscrever esse núcleo desembocaria em definições

187

O tribunal de reenvio também adopta esta perspectiva. Cfr. Federal Administrative Court –

Request to the European Court of Justice for a preliminary ruling to clarify the preconditions required

for persecution on account of violation of religious freedom under Directive 2004/83/EC, 9.12.2010,

disponível em http://www.bverwg.de/medien/pdf/ent_en/10_c_19_09.pdf [13.03.2014], p. 12.

188 V. § 37 das Conclusões do Advogado-Geral Yves Bot apresentadas em 19 de Abril de 2012

(processos apensos C‑71/11 e C‑99/11), Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, texto disponível em

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62011CC0071:PT:HTML [12.07.2013].

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61

díspares, isto porque esta é uma questão demasiado subjectiva, que se altera consoante a

cultura. Em seu entender, o objectivo da Directiva 2004/83/CE não pode ser este, pois o

que se procura é estabelecer uma base comum a todos os Estados-Membros, e, por isso,

não podemos relativizar um conceito tão essencial para o reconhecimento do estatuto de

refugiado, que pode facilmente mudar consoante a época e o espaço em que nos

encontramos. Por tudo isto, Yves Bot defende uma interpretação ampla da liberdade de

religião, que integre as suas componentes privada e pública, individual e colectiva189

.

Para determinar se estamos perante um acto de perseguição, Bot defende que

devemos analisar a situação concreta do indivíduo no seu país de origem, isto é, o acto

em questão deve estar revestido de uma gravidade tal que torna intolerável a vida da

pessoa afectada naquele território. Yves Bot considera que a perseguição é uma forma

de negação da pessoa humana, visando excluí-la da vida em sociedade190

.

Ora, segundo o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2004/83/CE, estamos

perante um acto de perseguição quando se constate uma violação de um direito

inderrogável segundo o artigo 15.º, n.º 2, da CEDH, desde que essa perseguição ocorra

por um dos motivos descritos no artigo 10.º da Directiva. E quando o fundamento do

pedido de asilo não é a violação de um desses direitos absolutos? Yves Bot diz-nos que

certas limitações ao direito à liberdade religiosa são necessárias ao equilíbrio da vida

numa sociedade democrática, para que as diferentes religiões presentes num Estado de

Direito possam conviver pacificamente, em nome do pluralismo religioso. Assim, o

189

V. § 50 das Conclusões do Advogado-Geral Yves Bot apresentadas em 19 de Abril de 2012

(processos apensos C‑71/11 e C‑99/11), Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z: “A manifestação

religiosa é indissociável da fé e constitui uma componente essencial da liberdade religiosa, quer ela seja

exercida de forma pública ou privada. Como recordou a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, a

alternativa «em privado ou em público» referida nos textos significa apenas permitir ao fiel que manifeste

a sua fé, de uma ou de outra forma, e não deve ser interpretada como excluindo-se mutuamente ou como

deixando uma opção aos poderes públicos”. Na mesma esteira, v. Alliance Defense Fund – Federal

Republic of Germany v Y and Federal Republic of Germany v Z: understanding freedom of religion, s/d,

disponível em www.adfmedia.org/files/2012-04-23_Y_Update.pdf [18.04.2013], p. 6.

190 V. § 54 a § 56 das Conclusões do Advogado-Geral Yves Bot apresentadas em 19 de Abril de

2012 (processos apensos C‑71/11 e C‑99/11), Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z.

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62

Advogado-Geral conclui que a perseguição se revela numa desproporção entre a

liberdade que é atingida e as sanções susceptíveis de serem adoptadas191

.

Yves Bot considera que o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2004/83/CE,

deve ser interpretado no sentido de que uma violação grave da liberdade religiosa é

susceptível de constituir um acto de perseguição quando o requerente de asilo corre um

risco real de ser executado ou sujeito a tortura, a tratos ou a penas desumanos ou

degradantes, de ser sujeito a escravidão ou a servidão ou de ser perseguido ou preso de

forma arbitrária192

. No caso em apreço, estão em causa sanções criminais

desproporcionadas, previstas no Código Penal paquistanês, para os membros da

comunidade Ahmadiyya. Cabe às autoridades responsáveis pela análise do pedido de

asilo verificar se esta legislação em concreto é efectivamente aplicada no Paquistão193

,

através de relatórios regulares emitidos pelos Estados e pelas organizações de protecção

dos direitos humanos. Para além da liberdade de religião, Yves Bot considera que este

caso viola também as liberdades de expressão e de associação194

.

Quanto à terceira questão, o Advogado-Geral discorda inteiramente da

interpretação de que o requerente se deve abster de actos futuros que possam conduzir a

situações de perseguição. Em primeiro lugar, a letra da Directiva de Qualificação não

deixa antever nenhum sinal de que essa interpretação possa ser feita. Em nenhuma

norma se fala da necessidade de encontrar uma solução que permita que o requerente de

asilo resida no seu país de origem, sem recear ser exposto a violência. Em segundo

lugar, Yves Bot argumenta que esta interpretação iria contra a CDFUE e o princípio da

191

V. § 64, § 65, § 68 e § 69 das Conclusões do Advogado-Geral Yves Bot apresentadas em 19

de Abril de 2012 (processos apensos C‑71/11 e C‑99/11), Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z.

192 V. § 77 das Conclusões do Advogado-Geral Yves Bot apresentadas em 19 de Abril de 2012

(processos apensos C‑71/11 e C‑99/11), Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z.

193 Artigo 4.º, n.º 3, alínea a), da Directiva 2004/83/CE do Conselho. Desde a implementação da

norma sobre blasfémia no Código Penal paquistanês, estima-se que cerca de dois mil processos criminais

foram abertos contra ahmadis. Cfr. Federal Administrative Court – Request to the European Court of

Justice for a preliminary ruling to clarify the preconditions required for persecution on account of

violation of religious freedom under Directive 2004/83/EC, 9.12.2010, disponível em

http://www.bverwg.de/medien/pdf/ent_en/10_c_19_09.pdf [13.03.2014], p. 6.

194 Artigos 11.º e 12.º da CDFUE e 10.º e 11.º da CEDH, respectivamente. V. § 84 das

Conclusões do Advogado-Geral Yves Bot apresentadas em 19 de Abril de 2012 (processos apensos

C‑71/11 e C‑99/11), Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z.

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dignidade humana, pois, sendo a liberdade de religião essencial para a identidade de

cada um, se se aceitar que o requerente deve renunciar a alguns direitos, será o mesmo

que o fazer negar-se a si próprio. Se assim fosse, a Directiva perderia o seu efeito útil,

não protegendo os indivíduos perseguidos por manifestarem a sua religião.

2.4. A decisão do Tribunal de Justiça

O TJUE respondeu à primeira e à segunda questões em conjunto. Ora, procurava

aqui saber-se se o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2004/83/CE deve ser

interpretado no sentido de que qualquer violação à liberdade de religião, tal como está

prevista no artigo 10.º, n.º 1, da CDFUE195

, é susceptível de constituir um “acto de

perseguição”, para efeitos do reconhecimento do estatuto de refugiado. Ou seja, haverá

uma diferença entre o “núcleo essencial” da liberdade de religião e a sua manifestação

exterior?

O artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Directiva de Qualificação exemplifica como

actos de perseguição os direitos inderrogáveis garantidos no artigo 15.º, n.º 2, da CEDH,

como foi dito supra. Ora, a liberdade de religião não é um deles. No entanto, o Tribunal

de Justiça falou da importância deste direito na sociedade enquanto direito fundamental,

concluindo que “[u]ma ingerência no direito à liberdade de religião pode ter uma

gravidade equiparável aos casos visados no artigo 15.º, n.º 2, da CEDH”196

. Mas o

TJUE esclareceu que, de facto, nem todas as violações do direito à liberdade de religião

podem consubstanciar actos de perseguição. O artigo 9.º da Directiva de Qualificação

fala-nos em “grave violação dos direitos humanos fundamentais”. O Tribunal

argumentou que as violações à liberdade da pessoa têm de afectar a sua vida de forma

significativa, sendo “excluídos liminarmente os atos que constituem restrições ao

exercício do direito fundamental à liberdade de religião na aceção do artigo 10.º, n.º 1,

195

Artigo 10.º, n.º 1, da CDFUE: “Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de

consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem

como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou colectivamente, em

público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos”.

196 V. § 57 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de

Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11.

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da Carta, previstas pela lei, sem, porém, violarem este direito, uma vez que são

abrangidos pelo artigo 52.º, n.º 1, da Carta”197

.

O Tribunal de Justiça afirmou que, para se determinar o conceito de “acto de

perseguição” do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2004/83/CE, não é correcto

fazer-se a distinção entre o núcleo essencial da liberdade de religião (o chamado forum

internum) e as actividades religiosas em público, individuais ou colectivas (o chamado

forum externum). O TJUE argumentou que esta distinção não está de acordo com o

artigo 10.º, n.º 1, alínea b), da Directiva, pois a definição de “religião” ali presente é

mais ampla198

. Por isso mesmo, o Tribunal de Justiça considerou que as violações que

interfiram com os ritos religiosos públicos também devem ser consideradas

suficientemente graves, de acordo com o artigo 9.º da Directiva de Qualificação,

consubstanciando, assim, actos de perseguição199

. Ou seja, os actos de perseguição não

devem ser identificados através do elemento da liberdade de religião que foi atingido,

mas sim através da natureza e gravidade da restrição imposta e das consequências que a

mesma traz à pessoa afectada200

. O Tribunal de Justiça concluiu que “uma violação do

direito à liberdade de religião é suscetível de constituir uma perseguição na aceção do

artigo 9.º, n.º 1, alínea a), da diretiva quando o requerente de asilo, devido ao exercício

dessa liberdade no seu país de origem, corre um risco real, nomeadamente, de ser

perseguido ou de ser submetido a tratamentos ou a penas desumanas ou degradantes por

parte de um dos agentes referidos no artigo 6.º da diretiva”201

.

197

V. § 60 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de

Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11.

198 Artigo 10.º, n.º 1, alínea b), da Directiva 2004/83/CE: “A noção de religião abrange,

designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de

participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com

outras pessoas, noutros actos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento

pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas”.

199 V. § 62 e § 63 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z,

de 5 de Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11.

200 O TJUE segue aqui a opinião do Advogado-Geral Yves Bot, como se comprova pelo § 52 das

suas Conclusões.

201 V. § 67 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de

Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11.

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65

O TJUE chamou ainda a atenção para os critérios a ter em conta na avaliação

daquele risco. Um dos elementos a ter em conta é o carácter subjectivo que aquele

específico rito público assume para a identidade religiosa do interessado, mesmo que

aquela prática não consubstancie um elemento central para a comunidade religiosa em

causa202

. O Tribunal de Justiça justificou esta interpretação com a redacção do artigo

10.º, n.º 1, alínea b), da Directiva 2004/83/CE, pois “o âmbito de proteção do motivo de

perseguição relacionado com a religião abrange tanto as formas de comportamento

pessoal ou comunitário que a pessoa considere necessárias para si própria,

designadamente, as que são «fundadas em credos religiosos», como as que são

determinadas pela doutrina religiosa, designadamente, as que são «impostas [por estes

credos]»”203

.

Quanto à terceira questão prejudicial, o tribunal de reenvio procurava saber se o

receio do requerente é fundado se este puder renunciar ao exercício de determinados

actos religiosos, evitando assim ser perseguido. Primeiramente, o Tribunal de Justiça

esclareceu que “[a] apreciação da importância do risco [de perseguição] que, em todos

os casos, deve ser efetuada com vigilância e prudência [assenta] unicamente numa

apreciação concreta dos factos e das circunstâncias em conformidade com as regras que

figuram, designadamente, no artigo 4.º da diretiva”204

. O TJUE argumentou que

nenhuma norma da Directiva nos dá a entender que este critério seja pertinente. Assim,

se as autoridades competentes estabelecerem que é razoável que o interessado, tendo em

conta a sua situação pessoal, regressado ao seu país de origem, praticará actos religiosos

que o possam expor a um risco real de perseguição, deve ser-lhe reconhecido o estatuto

202

V. § 70 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de

Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11. Na nossa opinião, o facto de os requerentes

continuarem a praticar a sua religião na Alemanha constitui um forte indício de que a manifestação da sua

fé é um acto deveras importante para a sua identidade religiosa.

203 V. § 71 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de

Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11.

204 V. § 77 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de

Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/1, interpolação nossa.

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de refugiado, segundo o artigo 13.º da Directiva 2004/83/CE, pois o receio do

requerente em ser perseguido é fundado205

.

2.5. O impacto do Acórdão

O Tribunal de Justiça acompanhou, no essencial, a opinião do Advogado-Geral,

embora este fosse mais longe no que concerne à resposta à segunda pergunta do tribunal

de reenvio. Enquanto o TJUE apenas deu como exemplos de actos de perseguição o

facto de o sujeito “corre[r] um risco real, nomeadamente, de ser perseguido ou de ser

submetido a tratamentos ou a penas desumanas ou degradantes”206

, Yves Bot apontou o

risco “de ser executado ou sujeito a tortura, a tratos ou a penas desumanos ou

degradantes, de ser sujeito a escravidão ou a servidão ou de ser perseguido ou preso de

forma arbitrária”207

. Estes são os direitos referidos no artigo 15.º, n.º 2, da CEDH, são

os chamados direitos “absolutos” ou “inalienáveis” de qualquer pessoa e não podem ser

objecto de qualquer limitação. Considera-se que a sua violação tem um carácter grave e

irreparável208

.

Quanto à forma como o acórdão foi recebido pela doutrina, podemos apontar

várias opiniões. Bahija Aarrass concorda com o TJUE no sentido em que não é qualquer

infracção da liberdade de religião que pode conduzir a um acto de perseguição, é

necessária uma grave violação. Este autor acrescenta ainda que as limitações de um

direito devem estar previstas na lei, e obedecer ao princípio da proporcionalidade, isto é,

devem ser necessárias e de acordo com o interesse geral209

. José Luis Bazán aplaude

205

V. § 78 e § 79 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z,

de 5 de Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11.

206 V. § 67 do Acórdão do Tribunal de Justiça Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z, de 5 de

Setembro de 2012, processos apensos C‑71/11 e C‑99/11, interpolação nossa.

207 V. § 77 das Conclusões do Advogado-Geral Yves Bot apresentadas em 19 de Abril de 2012

(processos apensos C‑71/11 e C‑99/11), Bundesrepublik Deutschland contra Y e Z.

208 Estes direitos estão mencionados, respectivamente, nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 7.º da CEDH e

nos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 49.º da CDFUE.

209 Cfr. Bahija AARRASS – “The Court of Justice on religious persecution: no need to hide!”, in

European Law Blog, 05.10.2012, disponível em http://europeanlawblog.eu/?p=974 [18.04.2013]. V.

também ACNUR – UNHCR statement on religious persecution and the interpretation of article 9(1) of

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esta interpretação do Tribunal de Justiça, considerando que um direito fundamental

como o da liberdade de religião não pode estar confinado à sua expressão privada,

sendo que a sua esfera pública constitui um componente de elevada importância. A

liberdade religiosa não compreende apenas o direito ao culto, não se reduz a um mero

acto de consciência interna210

. O ACNUR defende ainda que o facto de se fazer uma

distinção entre forum internum e forum externum da liberdade de religião não significa

que uma violação deste último seja menos grave que uma violação do primeiro211

.

Quanto à terceira questão prejudicial, o ACNUR acrescenta que a crença religiosa ou

modo de vida de alguém deve ser visto como fundamental para a identidade do

indivíduo, e que, por isso mesmo, ninguém deve ser obrigado a esconder, mudar ou

renunciar a ela com vista a evitar a perseguição212

. Bahija Aarrass critica em parte esta

resposta dada pelo Tribunal de Justiça, argumentando que as autoridades poderão

interpretá-la no sentido de que não se pode esperar que o interessado se abstenha de

praticar actos religiosos apenas em locais previamente determinados. A avaliação dos

locais onde o requerente praticará actos religiosos será realizada por aquelas mesmas

autoridades213

.

the EU Qualification Directive, 17.06.2011, disponível em www.refworld.org/docid/4dfb7a082.html

[18.04.2013], p. 11.

210 Cfr. José Luis BAZÁN – “Reinforcing religious freedom through asylum”, in Europeinfos,

Outubro de 2012, disponível em www.comece.eu/europeinfos/en/archive/issue153/article/5138.html

[18.04.2013]; José Luis BAZÁN – “Religious persecution: a serious ground for granting asylum”, in

Europeinfos, Junho de 2012, disponível em

www.comece.eu/europeinfos/en/archive/issue150/article/4942.html [18.04.2013].

211 Cfr. ACNUR – UNHCR statement on religious persecution and the interpretation of article

9(1) of the EU Qualification Directive, 17.06.2011, disponível em

www.refworld.org/docid/4dfb7a082.html [18.04.2013], p. 10.

212 Cfr. ACNUR – UNHCR statement on religious persecution and the interpretation of article

9(1) of the EU Qualification Directive, 17.06.2011, disponível em

www.refworld.org/docid/4dfb7a082.html [18.04.2013], p. 12. Na mesma esteira, v. Catrinel BRUMAR –

“Definition of refugee in International Law: challenges of the present times”, in Lex et Scientia

International Journal, XVI-1, 2009, disponível em

www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=d3e94ea3-653f-469a-9f3e-78eb7af6922e

[18.04.2013], p. 257. A perseguição não deixa de ser perseguição só porque o indivíduo passa a exercer

os seus direitos e liberdades de forma mais discreta.

213 Cfr. Bahija AARRASS – “The Court of Justice on religious persecution: no need to hide!”, in

European Law Blog, 05.10.2012, disponível em http://europeanlawblog.eu/?p=974 [18.04.2013].

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O TJUE deu uma resposta aceitável às questões prejudiciais que lhe foram

colocadas, ou poderia ter ido mais longe? O conceito de perseguição religiosa tem sido

sujeito a um amplo debate internacional desde a Convenção de Genebra de 1951, sendo

importante percebermos se esta decisão do TJUE é útil para futuras aplicações da

Directiva 2004/83/CE por parte dos Estados-Membros.

A liberdade de religião é essencial numa sociedade democrática, está

intimamente ligada à dignidade da pessoa humana, sendo um dos valores fundamentais

da UE. Este direito é um elemento central da identidade religiosa de cada um de nós,

representando uma importância particular para todos, quer sejamos crentes, ateus ou

agnósticos. Assim, no âmbito deste trabalho, é importante convocar o artigo 9.º da

CEDH, cuja epígrafe é liberdade de pensamento, de consciência e de religião214

. De

notar que o artigo 10.º, n.º 1, da CDFUE tem um conteúdo idêntico ao n.º 1 daquela

norma.

Nas palavras de Ireneu Cabral Barreto, “esta liberdade implica, nomeadamente,

a de aderir ou não a uma religião e a de a praticar ou não”215

. A religião está

intimamente ligada à identidade de cada pessoa, e, por isso, é também importante para

aqueles que escolhem não professar qualquer culto. Aquele mesmo autor chama a

atenção para uma situação: o ensino de uma religião, que se pode considerar uma

tentativa de “convencer o seu próximo”, não atinge a liberdade de mudar de

214

Artigo 9.º da CEDH: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de

consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a

liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público e em

privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. 2. A liberdade de manifestar a

sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão

as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança

pública, à protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à protecção dos direitos e liberdades de

outrem”. Esta norma corresponde ao artigo 18.º da DUDH.

215 Cfr. Ireneu Cabral BARRETO – A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, 4ª

edição revista e actualizada, Coimbra, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 263. V.

também ACNUR – UNHCR statement on religious persecution and the interpretation of article 9(1) of

the EU Qualification Directive, 17.06.2011, disponível em www.refworld.org/docid/4dfb7a082.html

[18.04.2013], pp. 9-10.

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confissão216

. Outro aspecto importante é o facto de esta liberdade poder ser exercida

individual ou colectivamente, não podendo existir ingerências arbitrárias dos Estados217

.

Não podemos deixar de aplaudir o TJUE, quando nitidamente separou situações

suficientemente graves que podem consubstanciar actos de perseguição, das situações

onde, legalmente, é possível existir uma restrição do direito à liberdade de religião. Isto

porque, onde várias religiões convivem, é natural que surja a necessidade de impor

certas limitações, desde que estas sejam proporcionais e tenham em vista assegurar o

respeito pelas diversas convicções.

Louvamos também a interpretação do Tribunal de Justiça quanto ao facto de

uma ingerência no forum externum da liberdade de religião poder constituir um acto de

perseguição suficientemente grave que possa originar o reconhecimento do estatuto de

refugiado. Na nossa opinião, este direito não pode ser visto de tal forma que a separação

entre a sua manifestação pública e a manifestação privada dê origem à conclusão de que

esta última merece maior protecção. Precisamente porque a religião está estreitamente

relacionada com a identidade de cada um de nós, a sua manifestação pública é de

extrema relevância, para algumas pessoas os actos de culto público podem até ser mais

importantes que os praticados na esfera privada. Todos devemos ter a liberdade de

escolha de professar determinada religião, tanto em privado, como em público, sozinhos

ou em comunidade.

O TJUE deu como exemplos de actos de perseguição o facto de a pessoa

“corre[r] um risco real, nomeadamente, de ser perseguido ou de ser submetido a

tratamentos ou a penas desumanas ou degradantes”. Como já foi referido supra, no

conceito de perseguição, segundo a Directiva 2004/83/CE, estão incluídos os direitos

inderrogáveis do artigo 15.º, n.º 2, da CEDH. Nesta questão em particular seguimos a

216

Cfr. Ireneu Cabral BARRETO – A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, 4ª

edição revista e actualizada, Coimbra, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 264. V.

também Ana Maria Guerra MARTINS – Direito Internacional dos Direitos Humanos, Coimbra, Edições

Almedina, 2012, p. 244; ACNUR – Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o

estatuto de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto

dos refugiados, Lisboa, ACNUR, 1996, p. 19.

217 Cfr. Ireneu Cabral BARRETO – A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, 4ª

edição revista e actualizada, Coimbra, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 265; Ana

Maria Guerra MARTINS – Direito Internacional dos Direitos Humanos, Coimbra, Edições Almedina,

2012, pp. 243-244.

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opinião, já explicitada supra, de C. W. Wouters. Ora, como o artigo 9.º da Directiva

2004/83/CE tentou definir o termo “acto de perseguição” tal como ele é referido na

Convenção de Genebra, a Directiva de Qualificação deveria fazer referência a um

tratado internacional, o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, e não à

CEDH, um instrumento regional. Para além disso, Wouters chama ainda a atenção para

um outro argumento que poderá ser decisivo. O Pacto faz referência a um elenco de

direitos inderrogáveis mais extenso que o da CEDH. Na nossa opinião, esta situação

seria benéfica, no sentido em que proporcionaria uma maior protecção aos requerentes

de asilo, permitindo que o conceito de perseguição fosse mais amplo. No entanto,

defendemos que será sempre uma tarefa irrealizável tentar definir o conceito de acto de

perseguição, daí a designação genérica do Tribunal de Justiça. Cada situação implica

uma avaliação individual das circunstâncias, só assim se pode chegar à conclusão se

determinado acto constitui perseguição.

Quanto à terceira questão prejudicial, seguimos de perto a apreciação do

Tribunal de Justiça, que considerou inadmissível que a pessoa perseguida deveria agir

com recato na manifestação pública da sua religião, no regresso ao país de origem,

dessa forma conseguindo evitar novas perseguições. De facto, outra não poderia ter sido

a resposta, caso contrário os direitos do requerente de asilo não estariam, de todo,

assegurados. O TJUE utilizou o termo “renunciará” e seria impensável que o indivíduo

tivesse de renunciar ao seu direito à liberdade de religião. Não se pode pressupor que a

vítima de perseguição ponderará cada acto de culto que realiza em público, avaliando se

poderá praticá-lo em segurança ou não, procurando, assim, escapar a nova perseguição.

Compreendemos a crítica que é feita por Bahija Aarrass, no caso de as autoridades

responsáveis decidirem quais os locais onde haverá probabilidade de a vítima de

perseguição praticar actos religiosos. A objectividade que se pretende seria, assim,

esbatida, podendo originar indeferimentos de pedidos de reconhecimento do estatuto de

refugiado onde efectivamente existisse um perigo real de perseguição. No entanto, não

consideramos que essa interpretação possa ser feita a partir do texto do Acórdão. O

Tribunal de Justiça falou na razoabilidade do requerente praticar actos religiosos que

conduzam a um risco de perseguição, não especificando qualquer local. Ora, para que a

protecção seja efectiva, a pessoa deve ter liberdade de expressar a sua religião de

qualquer forma, em qualquer local, seja ele público ou privado, destinado

especificamente a ritos religiosos ou não.

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Não podemos deixar de considerar que as respostas dadas pelo Tribunal de

Justiça às questões prejudiciais do tribunal de origem constituem um avanço, são

interpretações que permitirão uma melhor aplicação da Directiva 2004/83/CE por parte

dos Estados-Membros, daqui em diante. Os esclarecimentos do TJUE permitem a

definição mais concreta de parâmetros comuns entre todos os Estados-Membros, na

avaliação individual de pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado com base

em motivos religiosos. Desta forma, o TJUE contribuiu para uma protecção mais ampla

dos refugiados, estabelecendo uma linha abaixo da qual os Estados não poderão descer,

e perante determinadas circunstâncias terão de reconhecer a existência de um acto de

perseguição, e, logo, oferecer protecção internacional à pessoa perseguida, cuja

liberdade religiosa foi sujeita a restrições graves no seu país de origem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em matéria de asilo, a evolução operada no seio da UE tem sido obtida com

lentidão, e, não raras vezes, com algumas dificuldades, essencialmente devido às

diferenças de interesses entre os Estados-Membros. Não existe ainda uma visão

uniforme na UE relativamente a países terceiros, e, por isso, em muitas situações,

pedidos provenientes de nacionais do mesmo país, com motivações semelhantes, obtêm

resultados diferentes consoante o Estado-Membro da União em que são registados.

A ausência de fronteiras internas na UE traz a debate um problema de segurança.

Mas, do ponto de vista humanitário, há que encontrar um ponto de equilíbrio, a

segurança territorial não se pode sobrepor à segurança das pessoas. Deve garantir-se que

a legislação europeia seja um baluarte dos princípios da liberdade e da justiça, que estes

valores sejam efectivamente postos em prática, para que aqueles que não os encontram

nos seus países de origem possam encontrar refúgio num Estado-Membro da UE.

Desta forma, a UE tem procurado legislar no sentido de harmonizar as políticas

de asilo implementadas nos diversos Estados-Membros, e, ao TJUE, tem cabido o

importante papel de interpretar o Direito produzido pelas instâncias da União.

Em particular, o termo “perseguição”. O Homem tem conseguido superar-se a si

próprio, inventando novas formas de perseguir o seu semelhante, e, por isso, seria um

risco demasiado elevado tentar incluir em uma norma todos os actos que podem

consubstanciar perseguição, para efeitos de reconhecimento do estatuto de refugiado. Só

nos poderemos socorrer de critérios gerais. Desta forma, poderemos estar perante um

acto de perseguição quando uma certa medida restritiva constitui uma privação de

direitos fundamentais, mesmo que essa restrição não afecte todo o conteúdo do direito.

Essa privação deve ser, por um lado, intencional e discriminatória, e, por outro lado,

grave. A gravidade da privação de um direito fundamental pode ser aferida através da

importância que o bem jurídico possui na comunidade, que, por sua vez, pode ser

avaliada pela gravidade das medidas restritivas e pela gravidade dos motivos que

conduziram à restrição. Podemos afirmar que a natureza do acto e a sua repetição são de

importância vital para se aferir da existência de perseguição. De resto, terá de ser na

análise casuística que se pode encontrar a resposta a esta questão, pois dependendo das

circunstâncias do caso em apreço poderemos estar, ou não, perante um acto de

perseguição, sendo que o mesmo acto pode afectar de forma diferente cada indivíduo. É

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importante avaliar as condições em que a pessoa vive no seu país de origem, de modo a

determinar se a sua situação se tornou insustentável, a tal ponto, que obriga a vítima a

fugir e a procurar asilo em outro Estado.

Quanto à interpretação do termo “perseguição religiosa”, o TJUE contribuiu,

com o seu Acórdão Y e Z, para esta discussão. A liberdade religiosa é um valor

relacionado com a dignidade humana. É verdade que nem todas as ingerências em essa

liberdade podem constituir perseguição. No entanto, a manifestação exterior de uma

religião, seja através de um rito ou cerimónia, de pregação ao próximo, ou de simples

actos como usar certa peça de vestuário, não pode ser restringida quando não esteja em

causa a protecção dos direitos de outrem ou uma situação de ordem pública. E, é por

isto mesmo, que não se pode esperar que uma pessoa perseguida deva abster-se de

praticar certos actos com o intuito de evitar nova perseguição. Todos devem ser livres

de manifestar as suas crenças da forma que entenderem. Esta decisão do Tribunal de

Justiça, que desde cedo produziu importante jurisprudência, quer no campo dos direitos

fundamentais, quer no âmbito específico do asilo, dotou os Estados-Membros de

ferramentas que lhes permitem uma aplicação mais correcta da Directiva 2004/83/CE,

em casos onde esteja em causa a manifestação exterior de uma religião. Os padrões de

protecção dos requerentes de asilo estão, hoje, mais elevados, devido a esta

interpretação do TJUE, que delineou um limite abaixo da qual os Estados-Membros não

poderão descer, tendo de reconhecer o estatuto de refugiado a certas pessoas vítimas de

actos de perseguição religiosa.

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