direito administrativo iii

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EMERJ CP III

Direito Administrativo III

Tema IBens Pblicos. Domnio pblico e domnio eminente. Classificao dos bens pblicos. Afetao e Desafetao. Bens privados afetados a servios pblicos. Gesto dos bens pblicos.

Notas de Aula1 1. Bens pblicos A terminologia bem pblico d a entender que tal bem seja necessariamente pertencente ao Estado. Vale lembrar, porm, que o Estado no o dono dos bens: o gestor, eis que os bens so pertencentes coletividade. Por isso, a expresso domnio pblico surge com mais de um significado, a depender do ponto de vista: partindo do Estado, o bem que a este pertence, ou seja, do qual gestor; do ponto de vista do particular, administrado, bem seu, do qual proprietrio. E veja que bastante comum considerar-se o domnio pblico como sendo o todo bem dado gesto do Estado, mas na verdade o domnio pblico a condio antecedente prpria gesto. Em suma, domnio pblico a caracterstica com a qual a administrao conta para, legitimamente, administrar o bem pblico. O professor Jos Cretella Jnior entende que domnio pblico o conjunto de bens mveis e imveis, de uso direto pelo Poder Pblico ou colocado disposio da coletividade, regulamentados os bens pela administrao pblica, pautada no regime do direito pblico. A questo conceitual dos bens pblicos, modernamente, altamente relevante quando se cogita do seu alcance: possvel se aplicar o regime dos bens pblicos a bens que sejam de domnio privado, como os de concessionrios do servio pblico, por exemplo? Esta questo ser respondida ao longo do estudo. Conceito importante, nesta seara, o de domnio eminente. Este domnio consiste no poder poltico do Estado. Estado a pessoa jurdica politicamente organizada, formado pelo povo, territrio e governo soberano; quando se fala que o domnio eminente se refere ao poder poltico do Estado, se est referindo soberania, ou seja, ao elemento governo: refere-se capacidade de autogesto, de tutela sobre seu territrio. Por isso, se pode concluir que o domnio eminente a capacidade que o Estado tem de subjugar todas as coisas em seu territrio. Este domnio se materializa pelos institutos da interveno do Estado na propriedade privada, quais sejam, a desapropriao, a servido administrativa, a limitao administrativa, a ocupao temporria, a requisio e o tombamento. O domnio eminente traduz o potencial de disponibilidade que o bem possui. E mesmo sendo o Estado soberano, seu domnio eminente no pleno, no ilimitado, porque direitos h que so indisponveis ao Estado, tais como os direitos personalssimos. Trs conceitos so referentes idia de domnio eminente: o de bens pblicos, o de bens privados, e o de bens alheios ao regime normal de propriedade, tais como o espao areo, e as guas de alto mar.

1.1. Classificao dos bens pblicos quanto destinao1

Aula ministrada pelo professor Srgio Alexandre Cunha Camargo, em 11/3/2009.

Michell Nunes Midlej Maron

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Quanto titularidade, os bens pblicos so federais, estaduais, municipais ou distritais, sendo classificao bem simples, dispensando comentrios. Quanto ao destinatrio, os bens podem ser de uso comum do povo, de uso especial ou dominicais2, tal como dita o artigo 99 do CC:Art. 99. So bens pblicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praas; II - os de uso especial, tais como edifcios ou terrenos destinados a servio ou estabelecimento da administrao federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimnio das pessoas jurdicas de direito pblico, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Pargrafo nico. No dispondo a lei em contrrio, consideram-se dominicais os bens pertencentes s pessoas jurdicas de direito pblico a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Vejamos cada espcie desta classificao em separado, lembrando que por destinatrio do bem deve ser entendido aquele que dele se pode valer, pois que titular do bem pblico, qualquer um, sempre a coletividade. 1.1.1. Bens de uso comum do povo Estes bens, em regra, so dados utilizao geral, de todo e qualquer do povo. O destinatrio do uso deste bem, como a prpria nomenclatura da classificao do bem faz depreender, a coletividade, o povo em geral. Por isso, seu uso, em regra, gratuito. O sentido tcnico de propriedade no pode ser transposto para o bem de uso comum do povo. No h, nestes bens, a nota patrimonial, tal como o direito civil estabelece. A ausncia de natureza patrimonial, diga-se, no natural (pois claro que uma praa em um lugar valorizado tem enorme valor comercial): uma fico jurdica, estabelecida em prol da essncia destes bens. E a ausncia de cunho patrimonial leva a uma conseqncia fundamental, qual seja, a de que o bem afetado ao uso comum, de forma perene. Assim, a afetao no a causa do bem ser de uso comum do povo: a conseqncia de este bem no ter cunho patrimonial. Significa, isto, que este bem de uso comum, mesmo que desafetado por lei, no poder ser alienado, porque no tem cunho patrimonial. Por isso, uma praa, por exemplo, no pode ser alienada, mesmo que uma lei determine a sua desafetao3. So bens de uso comum, por exemplo, os rios, praas, estradas, praias, enfim, os logradouros usados pela populao em geral. Sendo assim, no haveria, em tese, uma praia privada, por exemplo, pois do povo; mas nada impede que o Estado restrinja o uso de determinada rea, se entender necessrio, porque o fato de o bem ser de uso comum do povo no elide a gesto estatal que sobre ele paira. 1.1.2. Bens de uso especial2

H quem entenda que a expresso correta seria bens dominiais, referindo-se ao domnio eminente, mas prevalece a terminologia dominical. 3 A afetao ou desafetao, em regra, feita por lei; mas h, hodiernamente, o conceito de afetao ou desafetao ftica, tcita, determinada pelo uso ou desuso ftico do bem pelo Poder Pblico.

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Tais bens visam execuo de servios administrativos e de servios pblicos em geral. Mesmo por isso, como a nota caracterstica do bem de uso especial a sua dedicao execuo de servio pblico, h quem defenda que se a propriedade do bem de uma entidade privada, mas que est no desempenho de servio pblico, este bem deve ser merecedor da categorizao em bem pblico de uso especial, recebendo suas protees especiais. Assim, a barca Rio-Niteri, propriedade privada, no pode ser penhorada, eis que considerada afetada ao servio pblico de transporte. Veja que caminha-se uniformizao do regime de direito pblico para os servios pblicos em geral, e isto tem reflexos nos bens de uso especial dedicados ao servio pblico, mesmo que de titularidade privada. O utilizador dos bens de uso especial, em maior monta, o prprio Estado. Assim se percebe, por exemplo, quando se analisa a situao de um imvel que sedia servio pblico. O prdio do Tribunal de Justia, por exemplo: um imvel de uso especial, usado primariamente pelo Estado judicante. Ocorre que o fato de ser o Estado o utilizador do bem no significa que seja o destinatrio deste: o bem se destina coletividade, porque a atividade judicante prestada populao, s por isso se justificando a afetao do bem. Os bens de uso especial, ao contrrio dos bens de uso comum, tm cunho patrimonial, no sendo abarcados na fico jurdica que alcana os bens de uso comum do povo. E esta noo precede a de afetao ou no afetao do bem: o carter patrimonial no guarda referncia com a afetao do bem, sendo da sua natureza, enquanto a afetao refere-se ao uso dado ao bem. O primrio destinatrio do bem relevante para as classificao, como se sabe. Um bom exemplo seria um estdio de futebol pblico: o bem de uso especial, porque a gesto dada ao Poder Pblico, em prol da efetivao de um interesse pblico, qual seja, o fomento ao desporto. Mesmo que os destinatrios, em ltima instncia, sejam os particulares clubes e torcedores , o bem gerido pelo Estado, e tal qual um prdio pblico qualquer, no de uso comum. O bem de uso especial no tem uso necessariamente gratuito, porque se a gesto pblica melhor entender que seja oneroso, assim o tornar. E o estdio aparece como melhor exemplo desta situao. De fato, todos os prdios dos poderes estatais so de uso especial, mas no significa que apenas imveis se incluam nesta classificao. Viaturas policiais, por exemplo, e at mesmo semoventes do Estado, so bens de uso especial. Bens privados que se encontrem em regime de delegao do servio estatal, por conta de alguma das formas de descentralizao do Estado concesso do servio pblico, por exemplo, a delegao negocial contratual concedida , so considerados bens de uso especial? A maioria da doutrina vem entendendo que estes bens devem, sim, ser considerados, por fico, como bens pblicos de uso especial. por isso que as barcas RioNiteri no podem ser penhoradas: so afetadas execuo do servio pblico, e como tal devem ser tratadas como bem pblico, de uso especial. Isto porque o que se pretende proteger, aqui, o destinatrio final o povo , que seria prejudicado caso o bem privado dedicado ao servio coletivo fosse atingido. H, claro, vozes que defendem o contrrio, reputando indevida esta fico jurdica.

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Vale ressaltar que somente o bem privado que seja dedicado consecuo da atividade pblica final alcanado por esta fico jurdica; os demais, so essencialmente privados e como tal permanecem. 1.1.3. Bens dominicais O primeiro carter, muito simplista, para se identificar estes bens, o residual: so dominicais os bens pblicos que no sejam de uso comum ou de uso especial. Todavia, h outra perspectiva mais tcnica: os bens de uso comum ou especial so afetados 4 finalidade pblica. Destarte, os bens dominicais so aqueles desafetados a qualquer finalidade pblica. So dominicais, por excelncia, as terras devolutas, desocupadas, vazias. No tendo finalidade pblica, so dominicais, mas no deixam de fazer parte do domnio pblico, sob qualquer tica: o Estado seu gestor e a coletividade sua dona. 1.2. Classificao dos bens pblicos quanto disponibilidade Os bens pblicos podem ser indisponveis, patrimoniais indisponveis, ou patrimoniais disponveis. Vejamos. 1.2.1. Bens pblicos indisponveis Os bens puramente indisponveis so aqueles que no tm carter patrimonial, e por esta razo so naturalmente indisponveis. Assim so, por exemplo, os bens de uso comum do povo. Este bem indisponvel por sua prpria essncia no-patrimonial. No podem ser onerados, alienados, ou alheados de sua finalidade essencial. Estes bens tm que ser conservados pelo Poder Pblico, justamente pela ltima imposio que sua natureza dita, qual seja, a necessria adstrio finalidade essencial. Desta forma, a manuteno das praas, das praias, etc, vinculativamente imposta ao Estado. Mas claro que na casustica, especialmente diante do famigerado princpio da reserva do possvel, a manuteno dos bens indisponveis pode ser detrida em funo do resguardo de outros bens, como a sade e a vida pelo fornecimento de medicamentos, por exemplo. Repare que, mesmo que haja ato formal de desafetao de um bem pblico indisponvel, qualquer dos bens de uso comum do povo, por exemplo, este jamais ser alienvel: no h esta correlao entre afetao e indisponibilidade nos bens desta espcie. 1.2.2. Bens pblicos patrimoniais indisponveis Como se v, estes bens tm, essencialmente, natureza patrimonial. Esta classificao leva em considerao esta natureza patrimonial, ou seja, o valor econmico reconhecido ao bem. Ocorre que, a lei ou a vida, consagrou este bem a alguma finalidade pblica, e desde ento se tornou indisponvel.

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H quem ainda se utilize do termo consagrao, ao invs de afetao, termo que , de fato, o originalmente criado para identificar esta situao de dedicao atividade pblica.

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Repare, ento, que a principal diferena desta indisponibilidade para aquela do bem pblico puramente indisponvel a correlao entre a afetao e a indisponibilidade: o bem pblico patrimonial s indisponvel enquanto afetado funo pblica. Em uma assertiva sinttica, pode-se dizer, ento, que o limite da indisponibilidade do bem pblico patrimonial a sua afetao: enquanto consagrado, enquanto afetado funo pblica, este bem indisponvel; desafetado, passa a ser disponvel. Ao contrrio, como se viu, os bens puramente indisponveis no encontram limite algum a esta indisponibilidade: so indisponveis por essncia. Exemplos claros de bens patrimoniais indisponveis so os bens de uso especial. 1.2.3. Bens pblicos patrimoniais disponveis Os bens dominicais so desta categoria. So disponveis porque, tendo contedo patrimonial, so desafetados a qualquer finalidade pblica, e portanto at de interesse pblico que sejam alienados, eis que no atendem a nenhum tipo de fim pblico. A disposio destes bens, claro, no ampla e irrestrita: salvo as excees do artigo 17 da Lei 8.666/93 o qual ser estudado adiante , devem observar rito licitatrio. 1.3. Afetao e desafetao Esta terminologia, como j se pde antever, tem correlao com a finalidade do bem. Se presta a determinar a finalidade do bem pblico, ou seja, se este ou no dedicado a atender ao interesse pblico, diretamente, como no caso dos bens de uso comum, ou indiretamente, como nos bens de uso especial. A afetao pode se dar formalmente, mediante lei lato sensu que d expressa destinao ao bem; e, modernamente, se entende que pode se dar tambm tacitamente, sem diploma expresso, pela simples postura legtima em finalidade pblica. Assim, se o bem utilizado para atender um fim coletivo qualquer, est afetado ao interesse pblico. Mas veja que no a mera utilizao pelo gestor que leva afetao: o bem deve ser adquirido legitimamente pela administrao, e posto em uso dedicado a uma finalidade pblica. Desde que legitimamente adquirido, o bem estar faticamente afetado ao servio pblico. Os prprios civilistas concordam que a afetao, hoje, tem muito mais ligao lgica com fatos administrativos do que com a formalidade da lei. Jos dos Santos Carvalho Filho conceitua a afetao como o fato administrativo pelo qual se atribui ao bem pblico um fim especial, de interesse direto ou indireto da administrao. Exemplo claro de bem pblico afetado o prdio de uma escola pblica: bem pblico de uso especial afetado prestao do servio de educao. Suponha-se, agora, que esta escola sofra incndio, vindo a deixar de servir ao que se prestava. Neste caso, passa a ser desafetada faticamente, por conta do fato administrativo consubstanciado no incndio, e desde ento bem dominical. relevante ressaltar que, afetados ou desafetados, os bens pblicos no sero adquiridos pelo particular por meio de usucapio, questo isenta de dvidas, hoje. Mas a desafetao torna o bem alienvel.

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Bens privados afetados ao servio pblico sempre foram considerados bens pblicos, para a doutrina clssica, a exemplo de Hely Lopes Meirelles. Bom exemplo o da Petrobrs, sociedade de economia mista federal, que tem bens eminentemente privados, em regra. Mas os bens que a Petrobrs utilize na consecuo do interesse pblico as plataformas, por exemplo , so considerados pblicos, vez que dedicados5 ao servio pblico. Esta questo veio a gerar polmica quando o Decreto-Lei 509/69 criou a Empresa de Correios e Telgrafos, estabelecendo, em seu artigo 12, a seguinte premissa:Art. 12 - A ECT gozar de iseno de direitos de importao de materiais e equipamentos destinados aos seus servios, dos privilgios concedidos Fazenda Pblica, quer em relao a imunidade tributria, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e servios, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.

Nesta oportunidade, deu-se prerrogativa de bem pblico a impenhorabilidade a um bem privado, por conta de sua destinao, gerando as interpretaes que se exps. Jos dos Santos Carvalho Filho discorda da tese que dispe que o bem privado, por estar afetado ao servio pblico, se torne pblico. Para ele, mais importante do que a afetao, para tanto, a funo social que o bem desempenha. Ao analisar se um hospital ter seus bens penhorados, no meramente a afetao prestao de sade que levar o bem a no ser penhorvel; a funo social de alta relevncia da atividade que assim determina. Por isso, qualquer que seja a categoria da entidade privada, o tratamento de bem pblico ser dispensado se assim impuser a ateno funo social de seu prstimo. E veja que mesmo sendo atividade econmica, se o seu impacto social for tamanho que demande esta equiparao, assim ser feito. E novamente a Petrobrs o melhor exemplo: sua atividade no , essencialmente, servio pblico, mas a funo social tamanha que todos os seus bens privados dedicados atividade fim recebem tratamento de bem pblico. De fato, qualquer petrolfera, como a Shell, ter o mesmo benefcio. 1.3.1. Alienabilidade condicionada No correta a assertiva de que os bens pblicos sejam inalienveis; mais correto mencionar que so de alienabilidade condicionada. J se pde introduzir este conceito, ao longo do estudo, ao mencionar que os bens de uso comum so, estes sim, absolutamente inalienveis, mas no os bens de uso especial, tampouco os bens dominicais. claro que, mesmo quando o bem pblico for alienvel, h uma certa formalidade para realizar esta alienao. E esta previso normativa, da Lei 8.666/93, que faz condicionada a alienao do bem pblico, provindo esta tambm de algumas outras normas, a exemplo do DL 25/37, que no artigo 22 trata da questo, ao abordar a alienao de bens tombados que, por esta essncia, recebem alguns tratamentos dispensados a bens pblicos, vez que, como visto, mais importa hoje o elemento material no caso, a memria nacional do que o elemento subjetivo, ou seja, a quem pertence. Veja:

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sedutora a idia de se utilizar, aqui, o termo afetao para este bem privado, mas no tcnico, ainda, valer-se de tal terminologia para bem pertencente a pessoa privada. melhor o uso do termo dedicado, pois os bens no so de domnio pblico.

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Art. 22. Em face da alienao onerosa de bens tombados, pertencentes a pessasnaturais ou a pessas jurdicas de direito privado, a Unio, os Estados e os municpios tero, nesta ordem, o direito de preferncia. 1 Tal alienao no ser permitida, sem que prviamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preo, Unio, bem como ao Estado e ao municpio em que se encontrarem. O proprietrio dever notificar os titulares do direito de preferncia a us-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perd-lo. 2 nula alienao realizada com violao do disposto no pargrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferncia habilitado a sequestrar a coisa e a impr a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que sero por ela solidariamente responsveis. A nulidade ser pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o sequestro, o qual s ser levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferncia no tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias. 3 O direito de preferncia no inibe o proprietrio de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca. 4 Nenhuma venda judicial de bens tombados se poder realizar sem que, prviamente, os titulares do direito de preferncia sejam disso notificados judicialmente, no podendo os editais de praa ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificao. 5 Aos titulares do direito de preferncia assistir o direito de remisso, se dela no lanarem mo, at a assinatura do auto de arrematao ou at a sentena de adjudicao, as pessas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir. 6 O direito de remisso por parte da Unio, bem como do Estado e do municpio em que os bens se encontrarem, poder ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto do arrematao ou da sentena de adjudicao, no se podendo extrar a carta, enquanto no se esgotar ste prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferncia.

Os instrumentos comuns da alienabilidade condicionada so aqueles arrolados na Lei 8.666/93, no artigo 17, I:Art. 17. A alienao de bens da Administrao Pblica, subordinada existncia de interesse pblico devidamente justificado, ser precedida de avaliao e obedecer s seguintes normas: I - quando imveis, depender de autorizao legislativa para rgos da administrao direta e entidades autrquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, depender de avaliao prvia e de licitao na modalidade de concorrncia, dispensada esta nos seguintes casos: a) dao em pagamento; b) doao, permitida exclusivamente para outro rgo ou entidade da administrao pblica, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alneas f e h; (Redao dada pela Lei n 11.481, de 2007) c) permuta, por outro imvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; d) investidura; e) venda a outro rgo ou entidade da administrao pblica, de qualquer esfera de governo; (Includa pela Lei n 8.883, de 1994) f) alienao gratuita ou onerosa, aforamento, concesso de direito real de uso, locao ou permisso de uso de bens imveis residenciais construdos, destinados ou efetivamente utilizados no mbito de programas habitacionais ou de regularizao fundiria de interesse social desenvolvidos por rgos ou entidades da administrao pblica; (Redao dada pela Lei n 11.481, de 2007) g) procedimentos de legitimao de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberao dos rgos da

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Administrao Pblica em cuja competncia legal inclua-se tal atribuio; (Includo pela Lei n 11.196, de 2005) h) alienao gratuita ou onerosa, aforamento, concesso de direito real de uso, locao ou permisso de uso de bens imveis de uso comercial de mbito local com rea de at 250 m (duzentos e cinqenta metros quadrados) e inseridos no mbito de programas de regularizao fundiria de interesse social desenvolvidos por rgos ou entidades da administrao pblica; (Includo pela Lei n 11.481, de 2007) (...)

E h instrumentos especficos de alienao, tais como a concesso de uso, a investidura (que o direito de extenso dado ao particular, quando tem seu bem desapropriado parcialmente, deixando rea inutilizada em seu poder); a incorporao; a retrocesso; e a legitimao de posse.

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Casos Concretos Questo 1 Conceitue o candidato o que entende por desafetao formal e tcita, exemplificando ambas as modalidades. Resposta Questo 1 Desafetao formal a que vem da lei, em que a destinao a determinado servio pblico expressamente elidida. Como exemplo, uma lei que declara desocupado e imprestvel ao servio pblico um determinado prdio pblico. A tcita, por sua vez, aquela em que a prpria situao ftica determina o fim da destinao pblica do bem. Como exemplo, a desafetao de um prdio pblico que se tornou intil por sofrer um incndio. Questo 2 Determinada concessionria de servio pblico, ao ser executada, nomeou bens penhora. A exeqente no aceitou a nomeao ofertada e requereu que a penhora recasse sobre valores depositados em conta corrente de titularidade da executada. O pedido da exeqente foi deferido. A concessionria recorreu daquela deciso alegando que, alm de ser essa forma mais gravosa para ela, o que atentaria contra o art. 620 do CPC, seriam impenhorveis os seus bens, afetados que so por ser concessionria de servio pblico. Decida a questo. Resposta Questo 2 Em que pese haver esta impenhorabilidade, de fato, sobre bens desta concessionria, ela somente recai naqueles que so faticamente dedicados consecuo da finalidade pblica, e no sobre todos eles. E o dinheiro, em regra, no bem dedicado ou vinculado atividade final da concessionria, e por isso perfeitamente penhorvel. Veja o que diz a ementa do RE 407.099, e a transcrio constante do informativo 353 do STF, pela ordem: EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTRIO. EMPRESA BRASILEIRA DECORREIOS E TELGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTRIA RECPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONMICA E EMPRESA PBLICA PRESTADORA DE SERVIO PBLICO: DISTINO. I. - As empresas pblicas prestadoras de servio pblico distinguem-se das que exercem atividade econmica. A Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos prestadora de servio pblico de prestao obrigatria e exclusiva do Estado, motivo por que est abrangida pela imunidade tributria recproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido. A Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos - ECT est abrangida pela imunidade tributria recproca prevista no art. 150, VI, a, da CF, haja vista tratar-se de prestadora de servio pblico de prestao obrigatria e exclusiva do Estado

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("Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios:... VI - instituir impostos sobre: a) patrimnio, renda ou servios, uns dos outros;"). Com base nesse entendimento, a Turma reformou acrdo do TRF da 4 Regio que, em sede de embargos execuo opostos por Municpio, entendera que a atual Constituio no concedera tal privilgio s empresas pblicas, tendo em conta no ser possvel o reconhecimento de que o art. 12 do Decreto-Lei 509/69 garanta o citado benefcio ECT. Afastou-se, ainda, a invocao ao art. 102, III, b, da CF, porquanto o tribunal a quo decidira que o art. 12 do mencionado Decreto-Lei no fora, no ponto, recebido pela CF/88. Salientou-se, ademais, a distino entre empresa pblica como instrumento de participao do Estado na economia e empresa pblica prestadora de servio pblico. Leia o inteiro teor do voto do relator na seo de Transcries deste Informativo. Precedente citado: RE 230072/RJ (DJU de 19.12.2002).

Questo 3 O prefeito de uma cidade litornea decide incrementar a orla do municpio mediante a liberao de espaos no calado para a instalao de quiosques. O chefe do Poder Executivo municipal decide consultar a Procuradoria para saber o que deve fazer para viabilizar essa utilizao do espao pblico por particulares. Diferenciando os institutos da autorizao de uso, permisso de uso e concesso de uso, esclarea qual o mais adequado para a situao concreta e se haver necessidade de prvia licitao. Resposta Questo 3 Mesmo sendo formas precrias de cesso do uso do bem pblico, a autorizao ainda mais precria do que a permisso. mais instvel porque o interesse que pretende atender quase que puramente do particular autorizatrio. A permisso, por sua vez, mesmo sendo precria, divide os interesses envolvidos: h tambm um certo interesse pblico no uso permitido, concorrendo com o interesse privado. Dito isto, a explorao do quiosque de interesse concorrente entre particular e coletividade, e por isso demanda permisso, tecnicamente havendo quem entenda que, a depender do caso, bastaria autorizao.

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Tema IIBens Pblicos da Unio, dos Estados e dos Municpios. Regime jurdico: inalienabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade, no-onerabilidade. Uso privado dos bens pblicos. Aquisio de bens pblicos.

Notas de Aula6 1. Bens pblicos da Unio, dos Estados e dos Municpios A partilha constitucional dos bens pblicos no contempla os Municpios. O artigo 20 da CRFB arrola os bens da Unio; o artigo 26, os bens dos Estados. Os bens dos Municpios, ento, vm por excluso: o que no da Unio ou dos Estados, dos Municpios. Veja os dispositivos:Art. 20. So bens da Unio: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribudos; II - as terras devolutas indispensveis defesa das fronteiras, das fortificaes e construes militares, das vias federais de comunicao e preservao ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de gua em terrenos de seu domnio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros pases, ou se estendam a territrio estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limtrofes com outros pases; as praias martimas; as ilhas ocenicas e as costeiras, excludas, destas, as que contenham a sede de Municpios, exceto aquelas reas afetadas ao servio pblico e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redao dada pela Emenda Constituciona n 46, de 2005) V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econmica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidrulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrneas e os stios arqueolgicos e pr-histricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios. 1 - assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios, bem como a rgos da administrao direta da Unio, participao no resultado da explorao de petrleo ou gs natural, de recursos hdricos para fins de gerao de energia eltrica e de outros recursos minerais no respectivo territrio, plataforma continental, mar territorial ou zona econmica exclusiva, ou compensao financeira por essa explorao. 2 - A faixa de at cento e cinqenta quilmetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, considerada fundamental para defesa do territrio nacional, e sua ocupao e utilizao sero reguladas em lei. Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as guas superficiais ou subterrneas, fluentes, emergentes e em depsito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da Unio; II - as reas, nas ilhas ocenicas e costeiras, que estiverem no seu domnio, excludas aquelas sob domnio da Unio, Municpios ou terceiros;6

Aula ministrada pela professora Alexandra da Silva Amaral, em 12/3/2009.

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III - as ilhas fluviais e lacustres no pertencentes Unio; IV - as terras devolutas no compreendidas entre as da Unio.

H uma referncia, no inciso IV do artigo 20, supra, ao domnio insular, que exclui do domnio federal as ilhas que sejam sede de Municpios. Este artigo 20 ainda trata das terras devolutas, que so imveis dominicais, desafetados, no inciso II, mas h tambm referncia a estas terras no inciso IV do artigo 26, o que demonstra que tais terras podem ser da Unio, expressamente delineadas, ou do Estado, residualmente. O inciso III do artigo 20 trata do domnio pblico que se refere tanto s guas, em si, quanto aos terrenos marginais, terrenos reservados, que so da Unio. A doutrina j discutiu amplamente a titularidade destes terrenos, outrora, erigindo teses de que seriam terrenos pertencentes aos particulares donos das terras ribeirinhas contguas, mas esta discusso no persiste, quer pela expresso no artigo 20, III, quer pela redao da smula 479 do STF, pacificando a questo:Smula 479, STF: As margens dos rios navegveis so de domnio pblico, insuscetveis de expropriao e, por isso mesmo, excludas de indenizao.

Diogo de Figueiredo diz que esta previso do constituinte consistiu em verdadeira expropriao constitucional de natureza confiscatria, porque antes da CRFB assim dispor, a propriedade destes terrenos era privada. O inciso II do artigo 26 trata das ilhas estaduais, e diz, in fine, que terceiros podem ter domnio sobre ilhas. Ocorre que, mesmo sendo possvel haver ilhas particulares, situao muito rara, havendo, em geral, apenas a concesso ou permisso de uso especial do ente pblico dominante ao particular. No inciso V do artigo 20 se v que no so as reas ali mencionadas que so de titularidade da Unio, mas apenas os recursos que dali provierem. O mar territorial, porm, de domnio da Unio, pois que o artigo 20, VI, claro em assim dizer. O alto mar, ao contrrio, res nullius, ou seja, patrimnio da humanidade, e no de titularidade restrita a um ou outro ente. Os terrenos de marinha, como est claro no artigo 20, VII, da CRFB, so bens da Unio. Contudo, o artigo 49, 3, do ADCT, tem grande relevncia, ao estabelecer previso sobre a enfiteuse, ou aforamento, instituto de direito civil que a forma de utilizao do terreno de marinha. Veja:Art. 49. A lei dispor sobre o instituto da enfiteuse em imveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extino, a remio dos aforamentos mediante aquisio do domnio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos. 1 - Quando no existir clusula contratual, sero adotados os critrios e bases hoje vigentes na legislao especial dos imveis da Unio. 2 - Os direitos dos atuais ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicao de outra modalidade de contrato. 3 - A enfiteuse continuar sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurana, a partir da orla martima. 4 - Remido o foro, o antigo titular do domnio direto dever, no prazo de noventa dias, sob pena de responsabilidade, confiar guarda do registro de imveis competente toda a documentao a ele relativa.

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Nestas reas, a nua propriedade da Unio, esta sendo o senhorio direto; no entanto, o domnio til, se h enfiteuse, pertence ao particular, foreiro significando que pode alienar, ceder, transferir, usar e gozar sua vontade. Ocorre que, a cada transferncia deste domnio til, no momento da averbao, aquele que recebe o domnio passa a ter um encargo importante: deve pagar o laudmio ao senhorio, Unio, consistente, em regra, em seis dcimos de percentual (podendo ainda ser estabelecido foro anual, em determinados casos). O terreno de marinha o nico bem passvel desta modalidade de uso privado de bem pblico. O particular tem o domnio til do imvel, restando a Unio o senhorio. Veja o artigo 49 do ADCT:Art. 49. A lei dispor sobre o instituto da enfiteuse em imveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extino, a remio dos aforamentos mediante aquisio do domnio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos. 1 - Quando no existir clusula contratual, sero adotados os critrios e bases hoje vigentes na legislao especial dos imveis da Unio. 2 - Os direitos dos atuais ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicao de outra modalidade de contrato. 3 - A enfiteuse continuar sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurana, a partir da orla martima. 4 - Remido o foro, o antigo titular do domnio direto dever, no prazo de noventa dias, sob pena de responsabilidade, confiar guarda do registro de imveis competente toda a documentao a ele relativa.

O inciso IX do artigo 20 d titularidade Unio apenas sobre os recursos minerais, e os do subsolo, explorao que pode ser concedida a outras entidades, designando percentual do produto da lavra ao particular proprietrio do solo, pelo incmodo gerado pela explorao contra a qual no pode se opor, diga-se. O inciso XI deste artigo 20 trata das terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios, que so tidas por bens da Unio. O artigo 231 da CRFB tem relao direta com esta previso:Art. 231. So reconhecidos aos ndios sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies, e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo Unio demarc-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. 1 - So terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios as por eles habitadas em carter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindveis preservao dos recursos ambientais necessrios a seu bem-estar e as necessrias a sua reproduo fsica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradies. 2 - As terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. 3 - O aproveitamento dos recursos hdricos, includos os potenciais energticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indgenas s podem ser efetivados com autorizao do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participao nos resultados da lavra, na forma da lei. 4 - As terras de que trata este artigo so inalienveis e indisponveis, e os direitos sobre elas, imprescritveis.

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5 - vedada a remoo dos grupos indgenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catstrofe ou epidemia que ponha em risco sua populao, ou no interesse da soberania do Pas, aps deliberao do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hiptese, o retorno imediato logo que cesse o risco. 6 - So nulos e extintos, no produzindo efeitos jurdicos, os atos que tenham por objeto a ocupao, o domnio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a explorao das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse pblico da Unio, segundo o que dispuser lei complementar, no gerando a nulidade e a extino direito a indenizao ou a aes contra a Unio, salvo, na forma da lei, quanto s benfeitorias derivadas da ocupao de boa f. 7 - No se aplica s terras indgenas o disposto no art. 174, 3 e 4.

A terra ser considerada indgena a partir da demarcao, mas veja que a terra demarcada no pertence ao ndio: pertence Unio, os ndios tendo direito posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas. E, diga-se, a demarcao tem natureza declaratria, ou seja, a rea demarcada aparece como se sempre houvesse pertencido Unio. Quando na demarcao se constatar que h ocupao da terra por pessoas alheias populao indgena a que se destina a terra, como fazendeiros, por exemplo, no h direito subjetivo em favor deste ocupante, a no ser o merecimento de indenizao por benfeitorias que tenha realizado de boa-f. 1.1. Regime jurdico dos bens pblicos Os atributos clssicos dos bens pblicos so os j sabidos: a inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade. Mas h que se ter cuidado ao analisar tais componentes do regime jurdico dos bens pblicos, sobremaneira a inalienabilidade. Vejamos. 1.1.1. Inalienabilidade A inalienabilidade claramente relativa, especialmente diante da referncia ao j transcrito artigo 17 da Lei 8.666/93. Primeiro, ressalte-se: este artigo no dedicado apenas a bens pblicos, mas sim bens da administrao pblica, o que muito mais amplo pois coloca a os bens das estatais, que so regidos pelo direito privado, e mesmo assim so sujeitos a estas condicionantes. claro que alguns requisitos so dedicados apenas aos bens estritamente pblicos como o inciso I, que s serve a imveis pblicos. O caput, porm, aplicvel a todo bem da administrao, em geral. Destarte, interesse pblico na alienao se exige para todos os casos; a alienao de bens imveis, na forma do inciso I, alm disso, tambm demanda autorizao legislativa. Vale ressaltar, ainda, sobre este artigo 17, que as hipteses que arrola so de dispensa de licitao, no dispensando a avaliao, porm. Mesmo quando a licitao dispensada ou dispensvel, a avaliao de preo de mercado, de cotao do dia, sempre imponvel. Como dito, a inalienabilidade relativa, e a premissa fundamental para se falar em alienao de bem pblico a desafetao. Como visto, a forma natural de desafetao do bem pblico a legal, feita por lei e segundo Carvalho Filho, tambm por ato normativo.Michell Nunes Midlej Maron 14

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Mas h tambm, reconhecidamente, a desafetao ftica, por fato jurgeno (expresso de Diogo de Figueiredo), fato da vida que desperte relevo jurdico. Exemplo de desafetao ftica seria um abandono total de um bem, ou o mais famoso exemplo, aquele em que um prdio pblico vem abaixo por incndio. Destarte, desafetado o bem pblico, e cumpridos os requisitos do artigo 17 da Lei 8.666/93, pode-se falar em alienao deste bem. 1.1.2. Impenhorabilidade, ou no onerabilidade O bem pblico no pode ser sujeito a penhora, ou qualquer outro gravame ou nus, tais como arresto ou seqestro. Esta regra, hoje, tem sofrido algumas mitigaes importantes, na jurisprudncia. at comum ver situaes em que o descumprimento de comandos judiciais acarreta o bloqueio de verbas pblicas, com o fito de fazer cumprida a ordem. Esta exceo vista com at certa freqncia quando a ordem referente a atendimento de sade, ou seja, aquisio de medicamentos e custeio de tratamentos. Justamente por no se permitir penhora, o artigo 100 da CRFB traz a regra: a ordem de precatrios, cumprida na forma deste artigo; ademais, a execuo da Fazenda Pblica, j que no se sujeita normal constrio de bens, especialmente tratada no artigo 730 do CPC. Veja os dispositivos:Art. 100. exceo dos crditos de natureza alimentcia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentena judiciria, far-se-o exclusivamente na ordem cronolgica de apresentao dos precatrios e conta dos crditos respectivos, proibida a designao de casos ou de pessoas nas dotaes oramentrias e nos crditos adicionais abertos para este fim. 1 obrigatria a incluso, no oramento das entidades de direito pblico, de verba necessria ao pagamento de seus dbitos oriundos de sentenas transitadas em julgado, constantes de precatrios judicirios, apresentados at 1 de julho, fazendo-se o pagamento at o final do exerccio seguinte, quando tero seus valores atualizados monetariamente. (Redao dada pela Emenda Constitucional n 30, de 2000) 1-A Os dbitos de natureza alimentcia compreendem aqueles decorrentes de salrios, vencimentos, proventos, penses e suas complementaes, benefcios previdencirios e indenizaes por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentena transitada em julgado. (Includo pela Emenda Constitucional n 30, de 2000) 2 As dotaes oramentrias e os crditos abertos sero consignados diretamente ao Poder Judicirio, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a deciso exeqenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depsito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedncia, o seqestro da quantia necessria satisfao do dbito. (Redao dada pela Emenda Constitucional n 30, de 2000) 3 O disposto no caput deste artigo, relativamente expedio de precatrios, no se aplica aos pagamentos de obrigaes definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentena judicial transitada em julgado. (Redao dada pela Emenda Constitucional n 30, de 2000) 4 So vedados a expedio de precatrio complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartio ou quebra do valor da execuo, a fim de que seu pagamento no se faa, em parte, na forma estabelecida no 3 deste

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artigo e, em parte, mediante expedio de precatrio. (Includo pela Emenda Constitucional n 37, de 2002) 5 A lei poder fixar valores distintos para o fim previsto no 3 deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito pblico. (Pargrafo includo pela Emenda Constitucional n 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda Constitucional n 37, de 2002) 6 O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidao regular de precatrio incorrer em crime de responsabilidade. (Pargrafo includo pela Emenda Constitucional n 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda Constitucional n 37, de 2002) Art. 730. Na execuo por quantia certa contra a Fazenda Pblica, citar-se- a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta no os opuser, no prazo legal, observar-se-o as seguintes regras: (Vide Lei n 9.494, de 10.9.1997) I - o juiz requisitar o pagamento por intermdio do presidente do tribunal competente; II - far-se- o pagamento na ordem de apresentao do precatrio e conta do respectivo crdito.

Mas como se compatibilizar a impenhorabilidade do errio pblico com as decises de bloqueio de verbas pblicas? Esta questo intrincada, e a soluo dada em perspectiva constitucional: se, ponderados os valores, a impenhorabilidade perder diante do postulado contraposto, ser penhorado o bem. Esta soluo ocorre com freqncia, por exemplo, em casos de fornecimento de tratamento mdico pelo Estado. A questo ser abordada em concreto, adiante. 1.1.3. Imprescritibilidade Os bens pblicos no esto sujeitos usucapio. Este tema sempre foi muito controvertido, e a frao civilista da doutrina, a exemplo de Silvio Rodrigues, sempre defendeu que os bens dominicais seriam usucapveis, eis que naturalmente desafetados, imprestveis ao interesse pblico. Esta tese civilista no prevaleceu jamais, e a smula 340 do STF assim esclareceu:Smula 340, STF: Desde a vigncia do Cdigo Civil, os bens dominicais, como os demais bens pblicos, no podem ser adquiridos por usucapio.

Com a CRFB de 1988, a questo sedimentou-se mais ainda, com a previso expressa dos artigos 183, 3, e 191, pargrafo nico:Art. 183. Aquele que possuir como sua rea urbana de at duzentos e cinqenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, utilizando-a para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-lhe- o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural. (...) 3 - Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio. Art. 191. Aquele que, no sendo proprietrio de imvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposio, rea de terra, em zona rural, no superior a cinqenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua famlia, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe- a propriedade. Pargrafo nico. Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio.

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H instituto que chega a guardar semelhana com a usucapio, mas com esta no se confunde: trata-se da concesso especial de uso de bens pblicos, que veio pela Medida Provisria 2.220/01. Este instituto d titulo ao concessionrio, mas jamais d propriedade do bem pblico concedido a este, e por isso no se trata de usucapio, jamais. 2. Uso privado de bens pblicos H diversas modalidades de uso de bens pblicos por particulares, sob diversos ttulos. H modalidades unilaterais, contratuais e at mesmo institutos de direito privado assim facultando o uso de tais bens. So modalidades unilaterais: autorizao de uso; autorizao de uso urbanstica (da MP 2.220/01); permisso de uso; e cesso de uso. As modalidades unilaterais, por bvio, no so contratos, o que significa que no geram direitos subjetivos em favor dos particulares envolvidos. So todas modalidades discricionrias e precrias, podendo ser revogadas a qualquer tempo, sem que qualquer indenizao seja devida. A autorizao de uso urbanstica, porm, precisa de maior ateno. Ali, o Poder pblico no est obrigado a dispor do uso do bem para o particular, mesmo que haja o preenchimento dos requisitos que a dita MP estabelece. Ocorre que Jos dos Santos Carvalho filho comenta que esta discricionariedade persiste somente at o momento da outorga, e que desde quando concedido o uso, nos termos desta MP, a revogao no ser to livre quanto a das demais modalidades unilaterais: h que se observar os requisitos da MP para tal destituio da posse do concessionrio urbanstico. Uma vez concedido o uso, nasce o direito subjetivo do concessionrio a ali permanecer, a no ser que haja motivao legal para sua retirada. Veja o artigo 9 da MP 2.220/01:Art. 9o facultado ao Poder Pblico competente dar autorizao de uso quele que, at 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, at duzentos e cinqenta metros quadrados de imvel pblico situado em rea urbana, utilizando-o para fins comerciais. 1o A autorizao de uso de que trata este artigo ser conferida de forma gratuita. 2o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse de seu antecessor, contanto que ambas sejam contnuas. 3o Aplica-se autorizao de uso prevista no caput deste artigo, no que couber, o disposto nos arts. 4o e 5o desta Medida Provisria.

2.1. Modalidades contratuais As modalidades contratuais de uso do bem pblico por particulares, por sua vez, j garantem a estes alguns direitos, dada sua natureza. claro que ainda h que ser atendida, nestes casos, a finalidade pblica naquele uso, pois assim, genericamente, que se fundamenta este uso particularizado. Tais so as modalidades: concesso de uso; concesso de direito real de uso (DL 271/67); e concesso de uso urbanstica (MP 2.220/01). A pura concesso de uso a mais genrica possvel, cedendo ao particular a utilizao do bem imvel, em regra, desde que atinja, genericamente, o interesse pblico.

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A concesso de direito real de uso um tanto diferente, pois recai sobre terreno desocupado, e s pode se prestar industrializao, cultivo, edificao, ou seja: o interesse pblico a ser alcanado, aqui, mais especfico do que o mirado na mera concesso de uso. E a peculiaridade maior desta modalidade a possibilidade de indeterminao do prazo, o que contraria a regra geral dos contratos administrativos, que tm prazo determinado. Por fim, h a concesso de uso urbanstica, da mencionada MP 2.220/01, que bastante peculiar, assim como na j abordada autorizao de uso urbanstica. De fato, esta concesso guarda uma s diferena com a autorizao do artigo 9 desta MP: a finalidade a moradia, e a concesso de uso urbanstico no tem discricionariedade em sua outorga. Preenchidos os requisitos legais para obter esta concesso, nasce direito subjetivo para tal candidato a concessionrio. Veja os artigos relevantes da MP 2.220/01:Art. 1o Aquele que, at 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, at duzentos e cinqenta metros quadrados de imvel pblico situado em rea urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua famlia, tem o direito concesso de uso especial para fins de moradia em relao ao bem objeto da posse, desde que no seja proprietrio ou concessionrio, a qualquer ttulo, de outro imvel urbano ou rural. 1o A concesso de uso especial para fins de moradia ser conferida de forma gratuita ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 2o O direito de que trata este artigo no ser reconhecido ao mesmo concessionrio mais de uma vez. 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legtimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que j resida no imvel por ocasio da abertura da sucesso. Art. 2o Nos imveis de que trata o art. 1o, com mais de duzentos e cinqenta metros quadrados, que, at 30 de junho de 2001, estavam ocupados por populao de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, onde no for possvel identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concesso de uso especial para fins de moradia ser conferida de forma coletiva, desde que os possuidores no sejam proprietrios ou concessionrios, a qualquer ttulo, de outro imvel urbano ou rural. 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse de seu antecessor, contanto que ambas sejam contnuas. 2o Na concesso de uso especial de que trata este artigo, ser atribuda igual frao ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimenso do terreno que cada um ocupe, salvo hiptese de acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo fraes ideais diferenciadas. 3o A frao ideal atribuda a cada possuidor no poder ser superior a duzentos e cinqenta metros quadrados. Art. 3o Ser garantida a opo de exercer os direitos de que tratam os arts. 1o e 2o tambm aos ocupantes, regularmente inscritos, de imveis pblicos, com at duzentos e cinqenta metros quadrados, da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, que estejam situados em rea urbana, na forma do regulamento. Art. 4o No caso de a ocupao acarretar risco vida ou sade dos ocupantes, o Poder Pblico garantir ao possuidor o exerccio do direito de que tratam os arts. 1 o e 2o em outro local. Art. 5o facultado ao Poder Pblico assegurar o exerccio do direito de que tratam os arts. 1o e 2o em outro local na hiptese de ocupao de imvel: I - de uso comum do povo;

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II - destinado a projeto de urbanizao; III - de interesse da defesa nacional, da preservao ambiental e da proteo dos ecossistemas naturais; IV - reservado construo de represas e obras congneres; ou V - situado em via de comunicao. Art. 6o O ttulo de concesso de uso especial para fins de moradia ser obtido pela via administrativa perante o rgo competente da Administrao Pblica ou, em caso de recusa ou omisso deste, pela via judicial. 1o A Administrao Pblica ter o prazo mximo de doze meses para decidir o pedido, contado da data de seu protocolo. 2o Na hiptese de bem imvel da Unio ou dos Estados, o interessado dever instruir o requerimento de concesso de uso especial para fins de moradia com certido expedida pelo Poder Pblico municipal, que ateste a localizao do imvel em rea urbana e a sua destinao para moradia do ocupante ou de sua famlia. 3o Em caso de ao judicial, a concesso de uso especial para fins de moradia ser declarada pelo juiz, mediante sentena. 4o O ttulo conferido por via administrativa ou por sentena judicial servir para efeito de registro no cartrio de registro de imveis.

3. Aquisio de bens pblicos A administrao pode adquirir bens pblicos por uma grande gama de formas. Pode adquirir bens por: contratos; usucapio; desapropriao; acesso; aquisio causa mortis; arrematao; adjudicao; e resgate na enfiteuse. Os contratos para aquisio de bens no so administrativos: so contratos da administrao, nos quais o Poder Pblico aparece negocialmente com equivalncia ao particular, e no em prerrogativa do seu jus imperii. A anlise da res, da coisa adquirida, tambm relevante para determinar que este contrato no regido pelo direito pblico: se a coisa privada, sua aquisio deve ser regida por regime privado; se a coisa pblica, a aquisio ser regida por regime de direito pblico. Veja o artigo 62, 3, I, da Lei 8.666/93:Art. 62. O instrumento de contrato obrigatrio nos casos de concorrncia e de tomada de preos, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preos estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitao, e facultativo nos demais em que a Administrao puder substitu-lo por outros instrumentos hbeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorizao de compra ou ordem de execuo de servio. (...) 3o Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locao em que o Poder Pblico seja locatrio, e aos demais cujo contedo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado; (...)

Como j se viu, o particular no pode usucapir bem pblico; mas pode, a administrao, usucapir bem privado, sem qualquer bice. A desapropriao, modalidade de aquisio originria, uma das mais intrincadas maneiras de aquisio de bens pblicos, que ter estudo prprio dedicado, adiante.

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A acesso, aqui, exatamente o mesmo instituto do direito privado: consiste no acrscimo, por diversas causas, a bem que j pertencia ao Poder Pblico, tal como a aluvio, os lveos abandonados, etc. A aquisio mortis causa interessante. Por muito tempo, o Poder Pblico figurava no rol de sucessores legtimos, sendo os ltimos da lista, no CC de 1916. Hoje, na vigncia do novo Cdigo Civil, o Estado deixou de ser exatamente um sucessor, passando a ser titular do bem apenas quando nenhuma outra forma de sucesso se operou, ou seja, no havendo nenhum herdeiro ou legatrio do bem, aps todos os trmites legais para tal verificao, este bem passar ao patrimnio estatal. Em regra, integrar o patrimnio do ente federativo em que se localizar o bem, qualquer que seja o ente. A arrematao de um bem, em um leilo, por exemplo, pode ser realizada pela administrao pblica, tambm sem qualquer bice ou diferena em relao arrematao feita por particulares. A adjudicao tambm possvel: o Poder Pblico credor, exeqente, pode exercer o direito de adjudicar compulsoriamente o bem do executado, devedor da administrao. O resgate, na enfiteuse, o reingresso do bem que fora dado ao particular no domnio direto da Unio, que era apenas senhoria, at ento. Por fim, vale dizer que sempre haver, na aquisio de bens pela administrao, a necessria ateno ao interesse pblico: toda aquisio dever ser justificada. E, diga-se, a tendncia atual de no aquisio de bens imveis, ao menos, pelo Poder Pblico, que tem pendido desestatizao de imveis do patrimnio pblico.

Casos Concretos Questo 1

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Hugo Reyes, portador da sndrome da deficincia imunolgica adquirida (AIDS), pleiteou judicialmente, com pedido de tutela antecipada, que o Estado do Rio de Janeiro custeasse o tratamento para dessa doena, inclusive com os remdios necessrios, afirmando, ainda, ser hipossuficiente econmico, o que o impede de adquirir os medicamentos. Requereu, tambm, que, caso o Estado no fornecesse o tratamento, que o Poder Judicirio promova o bloqueio de verbas pblicas para efetivar o pedido. O Juiz concedeu a liminar e, ante a inrcia do Estado, determinou o bloqueio das verbas pblicas. Em decorrncia dessa deciso, o Estado do Rio de Janeiro, atravs da Procuradoria do Estado, interps agravo de instrumento, alegando que o julgado atacado viola frontalmente o art. 100, CF, que determina o pagamento de dbitos judiciais mediante precatrio; bem como que, face a caracterstica da impenhorabilidade do bem pblico, abusivo o bloqueio de verbas pblicas. Na qualidade de relator do agravo de instrumento do Estado do Rio de Janeiro, descompatibilize as controvrsias e resolva a questo. Resposta Questo 1 A questo tem sido muito debatida na jurisprudncia. O ativismo judicial sobre as polticas pblicas tem-se demonstrado, para uns, verdadeira substituio do administrador pblico pelo juiz; por outro lado, h quem defenda que se as polticas pblicas, a cargo do Estado, no so cumpridas a contento, servio do Judicirio ter esta postura ativa, e com este raciocnio prevalecendo, o bloqueio de verbas pblicas ganha justificativa suficiente. Veja, a respeito, os informativos 292 e 294 do STJ, pela ordem:FORNECIMENTO. MEDICAMENTOS. ESTADO. BLOQUEIO. VERBAS PBLICAS. A Turma deu provimento ao recurso, ao entendimento de que cabvel, inclusive contra a Fazenda Pblica, a aplicao de multa diria (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatria ou de sentena definitiva de obrigao de fazer ou entregar coisa (arts. 461 e 461-A do CPC). Em se tratando da Fazenda Pblica, qualquer obrigao de pagar quantia, ainda que decorrente da converso de obrigao de fazer ou de entregar coisa, est sujeita a rito prprio (art. 730 do CPC e art. 100 da CF/1988), que no prev, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito ordem de pagamento dos precatrios judicirios), a possibilidade de execuo direta por expropriao mediante seqestro de dinheiro ou de qualquer outro bem pblico, que so impenhorveis. Todavia, em situaes de inconcilivel conflito entre o direito fundamental sade e o regime de impenhorabilidade dos bens pblicos, prevalece o primeiro sobre o segundo. Sendo urgente e impostergvel a aquisio do medicamento sob pena de grave comprometimento da sade do demandante, no se pode ter por ilegtima, ante a omisso do agente estatal responsvel, a determinao judicial do bloqueio de verbas pblicas como meio de efetivao do direito prevalente. REsp 840.782RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 8/8/2006. FORNECIMENTO. MEDICAMENTO. ESTADO. Trata-se de recurso contra acrdo que, ao apreciar agravo de instrumento, deferiu a tutela antecipada para que o estado entregasse remdio ao ora recorrido sob pena de bloqueio de verbas pblicas. A Turma negou provimento ao recurso, por entender que cabvel a aplicao de multa diria (astreintes) como forma cabvel de impor o cumprimento de medida antecipatria ou de sentena definitiva de obrigao de fazer ou entregar coisas (art. 461 e 461-A do CPC), inclusive contra a

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Fazenda Pblica. Aduziu ainda que a obrigao de pagar quantia, mesmo oriunda de converso ou obrigao de fazer ou entregar coisa, rege-se por procedimento prprio (art. 730 do CPC e art. 100 da CF/1988) que no prev, salvo excepcionalmente, a possibilidade de execuo direta por expropriao por meio de seqestro de bens ou qualquer outro bem pblico, que so impenhorveis. Contudo o regime da impenhorabilidade dos bens pblicos e da submisso dos gastos pblicos decorrentes de ordem judicial prvia indicao oramentria deve se coadunar com os demais princpios constitucionais. Logo prevalece o direito fundamental sade sobre o regime de impenhorabilidade dos bens pblicos, sendo legtima a determinao judicial do bloqueio de verbas pblicas para que se efetive o direito aos medicamentos, alm de que, na espcie, no se pe em dvida a necessidade e a urgncia para sua aquisio. Precedentes citados: AgRg no Ag 646.240-RS, DJ 13/6/2005, e REsp 155.174-SP, DJ 6/4/1998. REsp 852.593-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 22/8/2006.

A questo resume-se ponderao dos valores contrapostos: de um lado, as limitaes oramentrias e a impenhorabilidade de bens pblicos; de outro, o direito sade e vida. fcil identificar o resultado de tal sopeso: claro que a vida mais, a dignidade da pessoa humana sobrejacer proteo do patrimnio pblico, e por isso o agravo improcedente. No h supremacia dos interesses pblicos, que so to ponderveis quanto quaisquer outros. Anote-se que esta medida, o bloqueio, a ultima ratio: se nada mais surtir efeitos, ser cabvel, mas havendo medidas outras busca e apreenso, astreintes , sero prioritrias. Nesse tema, vale abordar ainda outro argumento de que se vale o Estado, a fim de descumprir as ordens judiciais que se lhe so impostas: a reserva do possvel. As limitaes oramentrias, a responsabilidade fiscal do ordenador de despesas, tudo isto aparece como bice ao cumprimento de ordens estatais. Contudo, esta alegada limitao no tem tido peso, pela seguinte lgica: a teoria vlida, legtima, sendo tese perfeitamente oponvel ao cumprimento, mas desde que ultrapasse a mera natureza de alegao em abstrato: se o Estado comprovar, ftica e matematicamente, a impossibilidade do cumprimento do que lhe instado, em concreto, estar protegido pela reserva do possvel; quando apenas alega em tese, argumento vazio. Esta a leitura que o STF d a esta tese, como se v no informativo 407 desta Corte, na ementa do RE 436.996 e em trecho de suas transcries:EMENTA: CRIANA DE AT SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PR-ESCOLA. EDUCAO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL EDUCAO. DEVER JURDICO CUJA EXECUO SE IMPE AO PODER PBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICPIO (CF, ART. 211, 2). RECURSO EXTRAORDINRIO CONHECIDO E PROVIDO. (...) Cumpre advertir, desse modo, que a clusula da "reserva do possvel" - ressalvada a ocorrncia de justo motivo objetivamente afervel - no pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigaes constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificao ou, at mesmo, aniquilao de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Da a correta observao de REGINA MARIA FONSECA MUNIZ ("O Direito Educao", p. 92, item n. 3, 2002, Renovar), cuja abordagem do tema - aps qualificar a educao como um dos direitos fundamentais da pessoa humana - pe

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em destaque a imprescindibilidade de sua implementao, em ordem a promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida de todos, notadamente das classes menos favorecidas, assinalando, com particular nfase, a propsito de obstculos governamentais que possam ser eventualmente opostos ao adimplemento dessa obrigao constitucional, que "o Estado no pode se furtar de tal dever sob alegao de inviabilidade econmica ou de falta de normas de regulamentao" (grifei). (...)

Questo 2 JOS DOS SANTOS titular do domnio til de rea prxima ao mar. Ao ser turbado em sua posse, decide ingressar com ao para a sua manuteno. Seu advogado, por entender que aquele terreno tem como senhorio direto a Unio, leva o seu pedido para a apreciao e julgamento de um dos juzes federais daquela regio. Qual deve ser a deciso daquele magistrado? Qual o regime utilizado pela Unio para admitir o uso daquela rea por particulares? Resposta Questo 2 Deve declarar-se incompetente, eis que a discusso gira em torno do domnio til do bem, detido pelo particular, e no pela Unio, pois que o regime o da enfiteuse, do artigo 49, 3, do ADCT. O particular proprietrio do domnio til, sendo a Unio apenas nuaproprietria, senhoria do bem. E por isso que no h competncia da Justia Federal, porque a Unio no tem participao de discusses sobre domnio til, que no lhe pertence. Esta foi a deciso exarada no CC 17.510, do STJ:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETNCIA. JUSTIA COMUM E FEDERAL. AO DE MANUTENO DE POSSE DISPUTADA ENTRE PARTICULARES EM TERRENO DE MARINHA. AUSNCIA DE INTERESSE DA UNIO RECONHECIDA PELO JUZO FEDERAL. COMPETNCIA DA JUSTIA COMUM. Afastada da relao processual, pelo juzo competente, sem qualquer recurso, a pessoa jurdica de direito pblico que ensejaria a incidncia do art. 109, I, Constituio, a competncia para processar e julgar a ao s pode ser do Juzo de Direito em virtude da deciso proferida, no sendo o caso de se suscitar o conflito, mas to-somente de devolver os autos justia estadual. Conflito no conhecido.

Questo 3 Em 1971, um grupo de pessoas se reuniu e constituiu um condomnio. Chamou-o de Condomnio Horizontal Pro Indiviso, formado segundo as normas da Lei 4591/64. Assim, nomearam de "quinho" as 82 unidades de fraes ideais, atribuindo ao adquirente de cada quinho o direito de proprietrio exclusivo e, definindo como coisas de uso comum todas as benfeitorias e acesses que, por sua natureza, fossem utilizadas por todos os condminos, tais como caminhos e passagens, jardins e vegetao, instalaes de iluminao das partes comuns, canalizao de gua e de esgoto, postes etc. A Conveno foi lavrada em Ofcio de Notas e levada ao Registro de Ttulos e Documentos. OMichell Nunes Midlej Maron 23

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Municpio, em janeiro de 2000, com o fim de implementar a gesto de um sistema virio, iniciou a construo de rodovia que d acesso a determinada praia da regio. Para isso, mandou demolir porto e muro que isolavam o referido condomnio, que se situa em rea contgua a terreno de marinha. Os condminos insurgiram-se contra tal ato. Entenderam que a Conveno anterior Lei 6.766/79, no havendo que se falar em hiptese de loteamento. Toda a rea constitui propriedade privada, excluda do poder de interveno da autoridade municipal. razovel que o Municpio clame pelo domnio das vias e espaos livres, j que, efetivamente, foram os condminos que arcaram com toda a despesa na construo das benfeitorias comuns?A Lei 4.591/64 foi derrogada pelo novo Cdigo Civil? Resposta Questo 3 Sim, razovel. Em que pesem as alegaes dos particulares envolvidos, de que o fechamento de vias pblicas medida de implemento da segurana, rea em que o Estado deficitrio, o fechamento irregular do condomnio no pode prevalecer. S se permite o fechamento do condomnio quando h respeito s regras de loteamento e anuncia do Poder Pblico. Fechado revelia da Lei de Loteamentos, 6.766/79, irregular, mesmo que feito este fechamento antes deste diploma vir ao ordenamento: surgido o diploma, a adequao e regularizao era imperiosa, porque a rua bem pblico, no podendo ser fechada vontade do particular diga-se, sequer sendo necessria a lei em questo para assim se concluir. A diferena que, quando regularmente institudo o condomnio loteado, as reas comuns so bens privados: nada h de irregular, portanto, em se murar bens privados de uma coletividade as ruas dali so ruas privadas. O bem pblico, por sua vez, no pode ser restrito pelo particular, revelia do Poder Pblico, no importa se antes ou depois desta lei o bem pblico de qualquer forma. Por isso, andou bem a municipalidade. A Lei 4.591/64, mesmo que anterior Lei 6.766/79 no foi derrogada nem por esta nem pelo CC, porque continua regendo a matria naquilo que no contrariar as novas normas. Veja o julgado na apelao cvel 2002.001.08679:APELAO. Mandado de segurana. Unidades residenciais (82) cujas respectivas fraes ideais so de propriedade privada, em rea contgua a terreno de marinha, mediante conveno que classifica o empreendimento de condomnio horizontal pro-indiviso. Loteamento travestido de condomnio fechado . Sujeio Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei n 6.766/79). Inexistncia de direito lquido e certo, tutelvel pela via mandamental, edificao, sem licena, de muro e porto que isolam o condomnio e impedem a passagem de rodovia municipal. Legalidade do ato administrativo que determinou a demolio. Segurana denegada. Desprovimento do recurso.

A questo seria a mesma em qualquer caso de restrio de acesso de bem pblico feita por particular, revelia do Poder Pblico no permitida. Questo 4

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SUZANA SILVA impetrou Mandado de Segurana contra ato do Ministro da Justia, consistente na edio de Portaria, pela qual declarou como de posse indgena parte da Fazenda Jarar, de sua propriedade. Alega a inexistncia de ndios na rea da Fazenda, e que o direito de propriedade, garantido constitucionalmente, foi ferido pela Portaria, que no estipulou prazo certo para a interdio. Aduz que a Fazenda antiga, bem demarcada, e que nela h 800 (oitocentas) cabeas de gado, trezentos alqueires de invernada plantada, curral, casas de trabalhadores, sede e serraria, alm de 30 (trinta) quilmetros de estradas, construdas com recursos prprios, o que exigiu um substancial investimento, na faixa de U$ 500.000 (quinhentos mil dlares). A autoridade apontada como coatora - Ministro da Justia - prestou informaes, no sentido de inexistir direito lquido e certo da impetrante e de ser denegado o mandamus. Parecer da Subprocuradoria-Geral da Repblica, opinando pelo no conhecimento do writ. Perguntase: a) A Unio pode intervir na propriedade privada para demarcar administrativamente rea indgena? b) H alguma ilegalidade na Portaria do Ministrio da Justia? c) Diante das alegaes da proprietria da Fazenda, deve ser concedida ou no a segurana? Respostas fundamentadas. Resposta Questo 4 a) Sim, sua competncia constitucional, e dever da Unio zelar pelos indgenas, especialmente na demarcao de terras de reserva. claro que se no h consenso com o proprietrio em questo, a interveno necessria. b) A portaria no estipula prazo para a interdio, sem facultar qualquer postulao nos autos do processo administrativo, e esta ausncia foi reputada como ilegalidade pela impetrante. Ocorre que esta situao mesmo uma ilegalidade, pois o processo administrativo tem dois princpios importantes: o da verdade real e o do informalismo. Sendo assim, ainda que a portaria no previsse a postulao expressamente, pelo puro direito de petio, constitucional, este direito estava garantido. Por isso, esta alegada omisso da portaria uma ilegalidade, de fato. c) A segurana no deve ser concedida, vez que no h o direito subjetivo lquido e certo do impetrante, por conta do que dispe o 6 do artigo 231 da CRFB:(...) 6 - So nulos e extintos, no produzindo efeitos jurdicos, os atos que tenham por objeto a ocupao, o domnio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a explorao das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse pblico da Unio, segundo o que dispuser lei complementar, no gerando a nulidade e a extino direito a indenizao ou a aes contra a Unio, salvo, na forma da lei, quanto s benfeitorias derivadas da ocupao de boa f. (...)

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O nico direito deste particular indenizao pelas benfeitorias, e no manuteno das terras, e esta discusso no vir em sede de mandamus, pois no comporta dilao probatria ser discutida na ao demarcatria, que ter efeito declaratrio, ex tunc, sobre a propriedade do particular, ou seja, reputando como se a terra sempre fosse da Unio, dada aos ndios. A respeito, veja o MS 2.046, do STJ:MANDADO DE SEGURANA - AREA INDIGENA - DECLARAO DE POSSE E DEFINIO DE LIMITES PARA DEMARCAO ADMINISTRATIVA PORTARIA MINISTERIAL DECORRENTE DE PROPOSIO DA FUNAI - INTERDIO DA AREA - TITULO DOMINIAL PRIVADO - CONSTITUIO FEDERAL, ART. 231 - ADCT, ART. 67 - LEI N. 6001/73 - DECRETO FEDERAL N. 11/91 - DECRETO FEDERAL N. 22/91 -. 1. O DIREITO PRIVADO DE PROPRIEDADE, SEGUINDO-SE A DOGMATICA TRADICIONAL (CODIGO CIVIL, ARTS. 524 E 527), A LUZ DA CONSTITUIO FEDERAL (ART. 5., XXII, C. F), DENTRO DAS MODERNAS RELAES JURIDICAS, POLITICAS, SOCIAIS E ECONOMICAS, COM LIMITAES DE USO E GOZO, DEVE SER RECONHECIDO COM SUJEIO A DISCIPLINA E EXIGENCIA DA SUA FUNO SOCIAL (ART. 170, II E III, 182, 183, 185 E 186, C. F.). A PASSAGEM DO ESTADO - PROPRIETARIO PARA O ESTADO SOLIDARIO, TRANSPORTANDO-SE DO "MONOSSISTEMA" PARA O "POLISSISTEMA" DO USO DO SOLO (ARTS. 5., XXIV, 22 II, 24, VI, 30, VIII, 182, PARAGRAFOS 3. E 4., 184 E 185, C. F.). 2. NA "AREA INDIGENA" ESTABELECIDA O DOMINIALIDADE (ART. 20, XI E 231, C. F.), A UNIO NUA - PROPRIETARIA E OS INDIOS, SITUAM-SE COMO USUFRUTUARIOS, FICANDO EXCEPCIONADO O DIREITO ADQUIRIDO DO PARTICULAR (ART. 231, PARAGRAFOS 6. E 7., C. F.), PORM, COM A INAFASTAVEL NECESSIDADE DE SER VERIFICADA A HABITAO O OCUPAO TRADICIONAL DOS INDIOS, SEGUINDO-SE A DEMARCATORIA NO PRAZO DE CINCO ANOS (ART. 67, ADCT). 3. ENQUANTO SE PROCEDE A DEMARCAO, POR SINGELO ATO ADMINISTRATIVO, EX ABRUPTO, A PROIBIO, ALM DO IR E VIR, DO INGRESSO, DO TRANSITO E DA PERMANENCIA DO PROPRIETARIO OU PARTICULAR USUFRUTUARIO HABITUAL, A TITULO DE INTERDIO, MALFERE RECONHECIDOS DIREITOS. A INTERVENO, "SE NECESSARIA" SOMENTE SERA VIAVEL NOS ESTRITOS LIMITES DA LEGALIDADE E DECIDIDA PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA (ART. 20, LEI 6001/73). 4. NO CONFERINDO A LEI O DIREITO A "INTERDIO" (NO ESTA PREVISTA NA LEI 6001/73) UNICAMENTE BASEADA NO DECRETO N. 22/91, A SUA DECRETAO REVELA ACINTOSO DIVORCIO COM A LEGALIDADE. 5. SEM AGASALHO LEGITIMO A MALSINADA "INTERDIO" DA PROPRIEDADE, ANULA-SE O ITEM III, DA PORTARIA DO SENHOR MINISTRO DA JUSTIA, FULMINANDO-SE O LABU FLUENTE, NESSA PARTE, DO ATO ADMINISTRATIVO ILEGAL. 6. SEGURANA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

Tema IIIInterveno do Estado na Propriedade Privada. Fundamento, competncia, modalidades de interveno, procedimento e limites.

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Notas de Aula7 1. Interveno do Estado na propriedade privada O direito fundamental propriedade um dos pilares do Estado moderno, como dispe o artigo 5, XXII, da CRFB:(...) XXII - garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atender a sua funo social; XXIV - a lei estabelecer o procedimento para desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, ou por interesse social, mediante justa e prvia indenizao em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituio; XXV - no caso de iminente perigo pblico, a autoridade competente poder usar de propriedade particular, assegurada ao proprietrio indenizao ulterior, se houver dano; (...)

Por isso, qualquer intruso neste direito, pelo Estado, precisa de justificativa suficiente, e h apenas duas possveis: o jus imperii na persecuo do interesse pblico, ou a necessidade de se compelir que haja implemento da funo social da propriedade, qual esta condicionada no inciso XXIII, supra. Os incisos seguintes, XXIV e XXV, tratam justamente dos casos em que a propriedade ser mitigada, cunhando ali os fundamentos para que o Estado possa intervir. O conceito de domnio eminente relevante, aqui. Domnio eminente a soberania do Estado sobre todas as coisas em seu territrio, quer estejam elas em domnio privado ou em domnio pblico. o domnio eminente que permite ao Estado intervir na propriedade privada, pois na propriedade pblica, a gesto que o Estado j tem sobre as coisas de domnio pblico torna desnecessria qualquer interveno: ele, Estado, quem domina a coisa, no sendo preciso, ou mesmo lgico, se falar em interveno em coisa prpria, por assim dizer. A competncia para legislar sobre a matria da Unio, por fora dos incisos I a III do artigo 22 da CRFB: Art. 22. Compete privativamente Unio legislar sobre:I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrrio, martimo, aeronutico, espacial e do trabalho; II - desapropriao; III - requisies civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; (...)

Mas h tambm uma parcela de competncia para os entes federativos menores, para legislarem em aspectos de interesse regional e local, como determinam os artigos 24, VI, e 30, I e II, da CRFB:Art. 24. Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:7

Aula ministrada pela professora Alexandra da Silva Amaral, em 12/3/2009.

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(...) VII - proteo ao patrimnio histrico, cultural, artstico, turstico e paisagstico; (...) Art. 30. Compete aos Municpios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislao federal e a estadual no que couber; (...)

A competncia administrativa entenda-se competncia executria, para promoo dos atos materiais de interveno , concorrente, de todos os entes federados, nela baseando-se, inclusive, a necessria outorga de poder de polcia para agir nestas intervenes. Como exemplo, a expedio de decreto expropriatrio, na desapropriao, incumbe a qualquer que seja o ente federativo expropriante. 1.1. Modalidades A primeira idia que se deve passar a de gradao na intensidade das intervenes. As intervenes podem ser brandas, que so apenas restritivas; ou drsticas, que so supressivas. A maioria das modalidades branda, infligindo apenas restries ao uso e gozo da propriedade aos particulares. Exemplo claro a ocupao temporria. As supressivas, drsticas, so supressivas da propriedade, impingindo a perda do bem pelo particular desapropriao o mais claro exemplo, e s no o nico porque a requisio pode aparecer como expropriatria, quando o bem requisitado for consumvel (o que ser mais bem abordado adiante, pois a regra que a requisio seja branda). A definio de cada tipo relevante porque por vezes uma interveno pode vir nomeada de uma forma restritiva, mas ter efeitos de interveno supressiva, ou pode mesmo acontecer de, iniciada de forma restritiva, tornar-se supressiva em seu curso. Dito isto, vejamos cada espcie de interveno. 1.1.1. Servido administrativa A servido administrativa tem uma peculiaridade distintiva, mpar, das demais espcies de interveno: trata-se de um gravame, de um nus, de um direito real incidente sobre o bem. Isto significa que, uma vez instituda, a servido acompanhar a coisa, a esta se aderindo. O direito civil a sede original da servido, tanto assim que o direito administrativo se apropria dos conceitos e adequa sua seara, sem haver uma disciplina prpria para estas servides administrativas. O que existe, normativamente, apenas um apontamento na Lei Geral de Desapropriaes, o Decreto-Lei 3.365/41, no seu artigo 40:Art. 40. O expropriante poder constituir servides, mediante indenizao na forma desta lei.

O que esta norma diz apenas que, havendo a constituio de uma servido no bojo de uma desapropriao, haver necessidade de indenizao. Se a servido vem no curso da

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expropriao, constar tambm do ato expropriatrio; se autnoma, demanda decreto prprio, dedicado a firm-la. Um exemplo de servido no bojo de processo de desapropriao seria o seguinte: desapropriada uma determinada rea, fez-se necessria a passagem de tneis de gasodutos ao longo e s margens desta rea, mas em terreno que ainda restaria de titularidade do particular. Desapropriado o terreno central, que serviria passagem de uma rodovia, a desapropriao dos terrenos contguos se fazia desnecessria, sendo bastante a servido acompanhando a desapropriao do principal. Caracterstica fundamental da servido a definitividade. Como dito, esta interveno um gravame que acompanha a coisa, e por isso permanente. A servido administrativa s se extingue pelo perecimento do bem, ou pela perda do interesse pblico em manter esta interveno. H quatro formas de instituio da servido administrativa, que so as formas que o DL 3.365/41 traou para a desapropriao. So elas: por acordo; por sentena; manu militari, ou ex vi legis. A servido por acordo a melhor soluo: o particular, cedendo ao apelo do Estado, consente em que haja a instituio do gravame, a troco da indenizao cabvel. H dois requisitos para esta instituio: a formalidade e a publicidade, o que impe que haja a escritura pblica para tanto. A servido por sentena aquela obtida pelo Estado junto ao Poder Judicirio, quando o particular resiste pretenso de instaurao do gravame. A servido manu militari bem peculiar, bastante diferente. Consiste naquela feita sem qualquer formalidade, instituda por ato de fora do Poder Pblico, e ainda assim vlida, pois que calcada no interesse pblico, na funo social da propriedade, e, mais expressamente, pelo permissivo legal do artigo 35 do DL 3.365/41 (destinado para a desapropriao, mas tomado, tambm aqui, por emprstimo):Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados Fazenda Pblica, no podem ser objeto de reivindicao, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriao. Qualquer ao, julgada procedente, resolver-se- em perdas e danos.

A servido ex vi legis ainda mais controvertida. A professora Di Pietro entende que a servido pode ser imposta no apenas por ato concreto do Poder Executivo o decreto, como dito , mas tambm diretamente pela prpria lei. D exemplos: o Cdigo Brasileiro de Aeronutica estabelece que, acima de determinado gabarito, os prdios dever ter em sua cobertura uma luz vermelha perene, a fim de dar segurana ao trfego areo imposio que uma servido, para ela, posta pela lei. Outro exemplo o artigo 18 do DL 25/37, que versa sobre o tombamento, dispositivo este que diz:Art. 18. Sem prvia autorizao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, no se poder, na vizinhana da coisa tombada, fazer construo que lhe impea ou reduza a visiblidade, nem nela colocar anncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objto, impondo-se nste caso a multa de cincoenta por cento do valor do mesmo objto.

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Jos dos Santos Carvalho Filho, por seu turno, entende que no existe servido imposta por lei. Para ele, toda servido um ato concreto, que incide sobre determinada propriedade, e nunca pode ser imposta por um ato geral e abstrato, como a lei. O ponto nodal do estudo de qualquer interveno, de fato, o cabimento ou no de indenizao. Para a maioria da doutrina, e para a jurisprudncia, na servido administrativa h cabimento de indenizao eventual, desde que provado o prejuzo econmico do particular. Esta regra da eventualidade na indenizao, porm, tem uma exceo, j mencionada: quando a servido vier no bojo de uma desapropriao, ser devida a indenizao, a despeito de prova do prejuzo. O objeto da servido, para a quase totalidade da doutrina, o bem particular imvel. H quem, modernamente, entenda possvel servido sobre servios, algo que de difcil concepo na teoria, mas que se percebe facilmente na prtica. Como exemplo, o fato de o oficial de justia ter livre trnsito em transportes pblicos concedidos seria uma servido de servios. tese sem muita expresso, porm. Pode haver servido de bem pblico, novamente tomando-se os moldes da desapropriao de bem pblico, versada no DL 3.365/41, na forma do artigo 2, 2, deste diploma:Art. 2o Mediante declarao de utilidade pblica, todos os bens podero ser desapropriados pela Unio, pelos Estados, Municpios, Distrito Federal e Territrios. (...) 2o Os bens do domnio dos Estados, Municpios, Distrito Federal e Territrios podero ser desapropriados pela Unio, e os dos Municpios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato dever preceder autorizao legislativa. (...)

Esta hierarquia federativa imponvel servido, portanto, mas com a seguinte ressalva: na servido no necessria a autorizao legislativa, como impe este 2, supra, para a desapropriao. Veja o que disse o STJ, em julgado constante do seu informativo 244:TOMBAMENTO. MUNICPIO. BEM. ESTADO. Ao municpio tambm atribuda a competncia para o tombamento de bens (art. 23, III, da CF/1988). Note-se que o tombamento no importa transferncia de propriedade a ponto de incidir a limitao constante do art. 2, 2, do DL n. 3.365/1941 quanto desapropriao de bens do estado pela municipalidade. RMS 18.952-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 26/4/2005.

A lgica que a autorizao legislativa s imposta quando a interveno implica em perda da propriedade, e no na mera interveno restritiva do uso ou gozo. Veja que o princpio da hierarquia federativa no afastado, por bvio, qualquer que seja o caso. 1.1.2. Requisio administrativa

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A requisio tem fundamento constitucional, no artigo 5, XXV, da CRFB, j transcrito. E este dispositivo, de fato, bem esclarecedor, pois deixa ver o fundamento ftico que justifica a requisio, na casustica: a presena de perigo pblico iminente. O objeto da requisio tambm constitucional: a propriedade particular, qualquer que seja, e esta expresso literal: pode ser propriedade mvel ou imvel, consumvel ou inconsumvel de qualquer natureza, em verdade. Como a requisio temporria, a devoluo do bem inclume faz com que seja gratuita, ou, novamente, de indenizabilidade eventual: havendo dano, h que ser indenizado. Se a requisio retorna o bem sem qualquer dano, da modalidade branda: no retirou a propriedade; se o bem no puder ser retornado um bem consumvel, por exemplo , ser da modalidade drstica, pois que retirou a propriedade resolver-se- em perdas e danos. A requisio auto-executvel: no depende de forma determinada, sendo exercida de imediato quando a situao de perigo pblico assim demandar. por isso que a doutrina exemplifica sempre com a requisio de um veculo particular para empreender perseguio policial: o fato imediato que permite a requisio imediata. Da mesma forma, a requisio se extingue de forma automtica: assim que cessa a necessidade imposta pelo perigo pblico, cessa a interveno. Sendo assim, se se perdurar a interveno aps a cessao do perigo, no poder mais ser chamada de requisio a situao que assim se demonstrar. No possvel a requisio de bem pblico, pela delimitao constitucional propriedade particular. da vontade do constituinte que assim seja. 1.1.3. Ocupao temporria A ocupao incide sobre terreno desocupado, que servir de apoio a obra pblica em cercanias deste terreno. Este objeto e finalidade, traados pela doutrina, se encontram no artigo 36 do DL 3.365/41:Art. 36. permitida a ocupao temporria, que ser indenizada, afinal, por ao prpria, de terrenos no edificados, vizinhos s obras e necessrios sua realizao. O expropriante prestar cauo, quando exigida.

Findando a obra, finda a ocupao. Se perdurar, estar havendo outra interveno qualquer, mas no mais a ocupao, que delimitada apenas ao perodo da obra pblica. A provisoriedade imanente ocupao, que temporria por natureza. E veja que, se a permanncia implicar em construo de qualquer obra pblica permanente, ter-se- operado a desapropriao indireta, que ser estudada em tema prprio e por isso o particular deve estar atento para defender sua posse, uma vez findada a obra que ensejou a ocupao. H uma ocupao de presena constitucional, no artigo 136, 1, II, da CRFB, que muito criticada pela doutrina. Veja:Art. 136. O Presidente da Repblica pode, ouvidos o Conselho da Repblica e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pblica ou a

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paz social ameaadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes propores na natureza. 1 - O decreto que instituir o estado de defesa determinar o tempo de sua durao, especificar as reas a serem abrangidas e indicar, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: (...) II - ocupao e uso temporrio de bens e servios pblicos, na hiptese de calamidade pblica, respondendo a Unio pelos danos e custos decorrentes. (.