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Dimensão social: disputa de um espaço dentro do Mercosul Leticia Diniz Nogueira 1 RESUMO: O presente trabalho apresenta como o Mercosul nasce com um viés extremamente comercial, em um momento de forte globalização e competitividade internacional em 1991, a partir da assinatura do Tratado de Assunção. Explicaremos como o início do processo de integração comercial atingiu os trabalhadores do bloco, além de elucidar qual foi a reação da classe trabalhadora, articulada em sindicatos, para fazer frente à este novo contexto. Desta forma, o questionamento que move esta pesquisa é: seria então o Mercosul Social uma tentativa de corrigir a estrutura do pensamento comercial do bloco? O objetivo principal é evidenciar a dimensão social disputando um espaço dentro do Mercosul. Para isso, a metodologia utilizada neste trabalho baseia-se na pesquisa bibliográfica. Palavras- chave: Mercosul; Globalização; Competitividade; Sindicatos; Dimensão Social. INTRODUÇÃO Os países latino-americanos encontram-se na seguinte situação: necessitam desenvolver-se socialmente, porém este desenvolvimento depende de uma inserção competitiva no mercado mundial. Esta situação coloca estes países em um dilema, por um lado precisam incrementar o fator tecnológico dos bens e serviços exportados, ao mesmo tempo a abertura ao exterior aprofunda ainda mais as graves desigualdades sociais no interior da sociedade latino- americana. Para entender quais são os impactos dessa necessidade de ser competitivo e globalizado para a sociedade latino-americana iremos analisar a participação social no Mercosul. De forma que possamos entender como a dimensão social foi desde seu início a disputa de um espaço dentro do bloco, o objetivo principal é compreender como se dá este movimento. Deste modo, estruturamos o trabalho em três partes. A primeira refere-se 1 Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestranda do Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPG-ICAL) na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). E-mail: [email protected]

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Dimensão social: disputa de um espaço dentro do Mercosul

Leticia Diniz Nogueira1

RESUMO:

O presente trabalho apresenta como o Mercosul nasce com um viés

extremamente comercial, em um momento de forte globalização e

competitividade internacional em 1991, a partir da assinatura do Tratado de

Assunção. Explicaremos como o início do processo de integração comercial

atingiu os trabalhadores do bloco, além de elucidar qual foi a reação da classe

trabalhadora, articulada em sindicatos, para fazer frente à este novo contexto.

Desta forma, o questionamento que move esta pesquisa é: seria então o

Mercosul Social uma tentativa de corrigir a estrutura do pensamento comercial

do bloco? O objetivo principal é evidenciar a dimensão social disputando um

espaço dentro do Mercosul. Para isso, a metodologia utilizada neste trabalho

baseia-se na pesquisa bibliográfica.

Palavras- chave: Mercosul; Globalização; Competitividade; Sindicatos; Dimensão Social. INTRODUÇÃO

Os países latino-americanos encontram-se na seguinte situação:

necessitam desenvolver-se socialmente, porém este desenvolvimento depende

de uma inserção competitiva no mercado mundial. Esta situação coloca estes

países em um dilema, por um lado precisam incrementar o fator tecnológico dos

bens e serviços exportados, ao mesmo tempo a abertura ao exterior aprofunda

ainda mais as graves desigualdades sociais no interior da sociedade latino-

americana.

Para entender quais são os impactos dessa necessidade de ser

competitivo e globalizado para a sociedade latino-americana iremos analisar a

participação social no Mercosul. De forma que possamos entender como a

dimensão social foi desde seu início a disputa de um espaço dentro do bloco, o

objetivo principal é compreender como se dá este movimento.

Deste modo, estruturamos o trabalho em três partes. A primeira refere-se

1Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestranda

do Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPG-ICAL) na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). E-mail: [email protected]

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à uma breve retrospectiva histórica de como duas ideias dominantes alcançam

as mentes latino-americanas: a globalização e a competitividade. A segunda

parte do trabalho explica o início da criação do bloco, que reside na oposição

dos interesses entre os trabalhadores, organizados em sindicatos e os

interesses do mercado, representado pelas empresas.

E assim, por último iremos reconstruir brevemente a história de como

surgiu a dimensão social do Mercosul, a partir do marco conceitual e institucional

do bloco. Nossa hipótese consiste na ideia de que desde a criação do Mercosul

a lógica competitiva se impõe deixando pouca margem para pensar o lado social,

nessa correlação de forças, quando as demandas do mercado prevalecem,

pouco lhe sobra ao terreno social.

Esta análise contribui para compreender como os interesses da sociedade

são incorporados na agenda da integração regional e quais foram os

mecanismos criados para o aumento da participação da sociedade.

1. Globalização e Competitividade na América Latina

Para entender como a globalização e a competitividade se apresentam na

América Latina vamos fazer um breve histórico dos fatores que levaram à

aparição destes fenômenos, para isso abordaremos o neoliberalismo. O ideário

neoliberal tem origem no pensamento do economista austríaco Friedrich Hayeck,

na década de 1940, é mais tarde aperfeiçoado pelo autor norte-americano Milton

Friedman. O neoliberalismo pode ser resumido como um modelo ideológico

econômico que reside na crença de que o mercado atua como fator regularizador

social, adota como princípio a redução da participação estatal na economia e a

adoção do livre mercado (TENÓRIO, 2013).

Este modelo neoliberal é predominante na década de 1990 na América

Latina, neste contexto temos a intensificação da globalização com o

desenvolvimento de novas tecnologias na área da comunicação: satélites

artificiais, redes de fibra ótica que interligam pessoas por meios eletrônicos,

permitindo a aceleração da circulação das informações e dos fluxos financeiros.

Além disso, a globalização traz a ideia de um sistema cultural que homogeneíza

e que afirma o mesmo a partir da introdução de identidades culturais diversas

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que se sobrepõem aos indivíduos (RIBEIRO, 2002).

Com o neoliberalismo, o Estado nacional acaba perdendo força e

desgastando-se, onde os Estados neoliberais acabam abandonando o modelo

keynesiano, com forte participação estatal (TENÓRIO, 2013).

Foi assim como nasceu o chamado “Consenso de Washington” durante

as décadas de 80 e 90, o consenso foi o responsável pela normatização do

neoliberalismo no mundo, a partir da imposição de medidas relativas à

austeridade fiscal, privatização e liberalização do mercado (TENÓRIO, 2013).

Para Milton Santos a globalização é, de certa forma, o ápice do processo

de internacionalização do mundo capitalista (SANTOS, 2006). O autor revela em

seu documentário “Por uma outra Globalização”2 que o Consenso de

Washington representou “um fruto envenenado para a América Latina”, pois

apesar de ter resultados satisfatórios nos índices de inflação, como era previsto,

foi um período repleto de crises, recessões e ajustes fiscais draconianos. Além

disso, as medidas não foram capazes de diminuir a desigualdade social, assim

como outros indicadores que evidenciam os índices de pobreza no continente,

como a qualidade de vida, o saneamento básico, habitação popular, educação e

mortalidade infantil apresentaram performances medíocres (TENÓRIO, 2013).

É desta forma como a Teoria da Competitividade começa a permear o

ideário de empresários na América Latina, durante a década de 1990. A ideia de

Vantagem Competitiva desenvolvida por Michael Porter, um dos seus principais

teóricos, nada mais é do que uma espécie de atualização da teoria da Vantagem

Comparativa, enunciada pelo economista clássico David Ricardo, em 1817.

Com isso queremos dizer que a aceitação da teoria da vantagem

comparativa, de David Ricardo, implica na ideia de que as nações devem se

especializar na exportação dos bens cuja produção requer uso intenso dos

recursos localmente abundantes, ou seja, focar na produção do setor que tem

mais “vantagem”. Esta teoria teve diversas críticas pelos países em

desenvolvimento, principalmente por exemplos históricos que não comprovam

2 Documentário “Milton Santos, Por uma outra globalização”. Silvio Tendler, 2006. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WLYZmfJXEDY> Acesso em 09 Jul 2019.

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esta teoria, como o caso dos tigres asiáticos que seguiram estratégias nacionais

que contrariam a teoria da vantagem comparativa (MARIOTTO, 1991).

Outra crítica é de que a teoria tende a favorecer nações ricas e poderosas

e seria uma justificativa para manter o status quo do sistema internacional, a

diferença é que Porter descarta a ideia de “nação competitiva”, pois são nos

segmentos produtivos em que uma nação é competitiva, isto é, são as empresas

eficientes que competem nos mercados internacionais (MARIOTTO, 1991).

Devemos ressaltar que a necessidade de manutenção das estruturas

internacionais de dependência e subordinação da América Latina fazem com

que o sistema se reinvente ou atualize velhas ideias com algumas novas

características, a partir de neologismos, que na verdade contém a mesma

essência. Desta forma, Porter explica que pra ser competitivo as nações devem

agir de forma global e é assim como surgem diversas multinacionais, as

consequências desta teoria revela-se na criação de regiões estratégicas para

produzir o que o mercado demanda, isto é, como as empresas fazem uso

corporativo dos territórios.

Assim, diante deste cenário latino-americano em 1990 começam acordos

sub-regionais de políticas unilaterais de liberalização em um contexto de

políticas de abertura das economias nacionais, procura-se formas de reativação

econômica que possam aumentar o comércio regional, para dinamizar as

relações econômicas exteriores e é assim como surgem propostas de integração

como é o caso do Mercosul (SCARLATO,2002).

Não nos deteremos a explicar detalhadamente os antecedentes do bloco,

apenas como este surgiu. A criação de um mercado comum no Sul em seu

projeto original, durante Sarney e Alfonsín, era diferente em suas modalidades

institucionais e foram modificadas devido a razões políticas, pois as novas

administrações de Carlos Saúl Menem, na Argentina e do presidente Fernando

Collor, no Brasil, introduziram mudanças neoliberais nas políticas econômicas

dos países.

Desta forma, o Mercosul começou a ser implementado em um período em

que o Consenso de Washington e o neoliberalismo imperavam, o discurso de

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livre comercio era dominante e assim o bloco converteu-se, nas mãos de

Fernando Collor e Carlos Menem em um bloco que passou a priorizar apenas o

livre comercio, abandonando os objetivos antigos dos acordos de 1986 e 1988.

Desta forma, ao priorizar a integração comercial praticou-se o “regionalismo

aberto” (SOUZA,2012).

Sendo assim, procuramos demonstrar como o Mercosul nasce no berço

da era da liberalização econômica e da competitividade, para compreender essa

contraposição de interesses entre Mercado e sociedade, utilizaremos o autor

austríaco Karl Polanyi, utilizando conceitos e ideias presentes em sua obra “A

Grande Transformação”. Sabemos que Polanyi escreve no século XX e explica

as estruturas do liberalismo, porém entendemos que dentro do neoliberalismo,

apesar de serem usados novos conceitos e existam mudanças de algumas

estruturas, ainda continua presente e fortemente arraigado este credo liberal.

Isto é, o pensamento liberal se torna um credo, no sentido de que os liberais

sempre projetam o mercado como autorregulado e por isso defendem a ideia de

que não seria necessária a proteção social do Estado (POLANYI, 1980).

Entendemos que a teoria da Competitividade tornou-se na década de

1990 uma norma, e esta normatização do mercado desterritorializou e atacou

diretamente os direitos sociais justificada e amparada pelo neoliberalismo.

Sendo assim, abordaremos as diferentes fases da participação ou tentativa de

participar, da sociedade civil dentro do Mercosul.

2. Primeira fase: participação sindical na criação do Mercosul

De antemão, devemos ressaltar que os intercâmbios e as transações

comerciais que fazem parte de um processo de integração impactam

diretamente na qualidade de vida dos habitantes. Isto significa que devido ao

contexto de liberalização dos fluxos de comércio e de capitais, combinados às

políticas neoliberais referentes à abertura geral com reformas do Estado,

provocam fortes assimetrias nos níveis de emprego, assim como o rebaixamento

dos direitos sociais e trabalhistas, impactando na capacidade do Estado em

poder intervir nessas relações de trabalho para conseguir reverter esses novos

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fenômenos (VIGEVANI, 1996).

Esta diminuição da capacidade de intervir nas relações de trabalho e na

elaboração de políticas sociais é uma das faces da globalização na América

Latina, onde as grandes empresas, as transnacionais, que acabam sendo as que

mais se beneficiam do processo, estão em busca de mão de obra barata no

continente e acabam debilitando o papel do movimento sindical nestes países, a

partir da concentração de poder e riqueza nas mãos das empresas e da lógica

das corporações (VIGEVANI, 1996).

Para entender melhor como funciona essa economia política, o autor

Polanyi explica que a moderna economia de mercado e o moderno Estado-

nação, ocasionam a contraposição de interesses entre sociedade e mercado.

Podemos assim interpretar a partir desta ideia e aplicando à este contexto, que

existe uma lógica corporativa que mercantiliza as relações sociais dentro do

bloco e que deixa pouca margem para refletir sobre a questão social. Isto porque

os estados acordaram em criar este mercado, a partir de um interesse

meramente comercial, que levou em consideração apenas pautas econômicas e

de mercado, enquanto que os interesses humanitários, como direitos humanos,

meio ambiente, exclusão, pobreza e desigualdade ficam alienados deste

processo. Direitos que o autor denomina como “extra mercantis” (POLANYI,

1980).

A principal disputa desta fase do bloco está entre: os interesses dos

sindicatos dos países membros de um lado em oposição aos empresários do

Mercosul e seus ideais de competitividade por outro. Principalmente porque os

trabalhadores perceberam o recuo de seus direitos sociais quando as demandas

do mercado começaram a operar no início do bloco. Sendo assim, pretendemos

entender as motivações que levaram à participação do movimento sindical dos

quatro países do Mercosul durante a criação do mesmo (Brasil, Argentina,

Paraguai e Uruguai).

Para compreender como se deu essa participação dos sindicatos, iremos

contextualizar de forma sucinta a relação trabalhista no modo capitalista, a partir

dos autores Giovanni Alves e Ricardo Antunes:

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Desde a sua origem, o modo capitalista de produção pressupõe um

envolvimento operário, ou seja, formas de captura da subjetividade

operária pelo capital, ou, mais precisamente, da sua subsunção à

lógica do capital (observando que o termo “subsunção” não é

meramente “submissão” ou “subordinação”, uma vez que possui um

conteúdo dialético – mas é algo que precisa ser reiteradamente

afirmado). O que muda é a forma de implicação do elemento subjetivo

na produção do capital, que, sob o taylorismo/fordismo, ainda era

meramente formal e com o toyotismo tende a ser real, com o capital

buscando capturar a subjetividade operária de modo integral

(ANTUNES, 2004, p.344).

Desta forma, podemos entender que esta subsunção do trabalho ao

capital, nas relações trabalho/capital, além de o trabalho subordinar-se ao capital

ele é um elemento vivo, que está em permanente medição de forças, capaz de

gerar conflitos e oposições ao outro polo formador da unidade: a relação e o

processo social capitalista (ANTUNES, 2004).

Podemos entender que o trabalho segundo Marx é a atividade por meio

da qual o ser humano produz sua própria existência, no sentido de que o ser

humano não existe em função do trabalho, mas é por meio dele que produz os

meios para sobreviver.

Por isso, entende-se que os impactos do trabalho e das relações de

trabalho exercem grande influência na construção dos indivíduos, por isso

sabemos que quando as relações de trabalho alteram-se durante a história,

consequentemente as estruturas sociais também mudam, surgem novas

posições na hierarquia social, assim como novas formas de segregação e

exclusão.

Devemos ressaltar que os sindicatos, por vocação, estão vinculados às

reivindicações dos trabalhadores, para manutenção de sua própria continuidade

e sua força. No entanto, precisamos salientar uma particularidade dos sindicatos

no Mercosul, suas atitudes estão baseadas na percepção de que era preciso

utilizar a integração regional para justificar as políticas internas, ou seja, utilizar

as negociações acerca dos temas relativos à integração com o intuito de ganhar

maior poder de barganha e espaço político no âmbito nacional (VIGEVANI,

1996).

Em 1991 é assinado o Tratado de Assunção que tem como objetivo

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principal a criação do Mercado Comum do Sul, este objetivo foi um forte

motivador da participação e das reivindicações sindicais nos anos 1992 e 1993.

Diversas questões colocavam os trabalhadores numa situação defensiva,

onde surgiam ameaças aos direitos sociais conquistados, tanto pela abertura

comercial interna e externa ao Mercosul, pelos riscos da desregulamentação do

mercado de trabalho e por pressões no sentido de homogeneizar de acordo com

padrões salariais mais baixos entre os quatro países. Isso levou aos

trabalhadores a discutirem atitudes a serem tomadas nesse novo contexto, essa

luta pela manutenção dos direitos sociais e as ameaças aos trabalhadores

evidencia como a competitividade coloca desafios tanto para os trabalhadores

de um grupo de países que buscam a integração regional, assim como frente

aos externos ao grupo (VIGEVANI, 1996).

Consideramos três fases referentes aos diversos posicionamentos dos

sindicatos no Mercosul. A primeira fase (1986-1991) começa em 1986 a partir da

aproximação do Brasil e da Argentina, partindo das ideias de Sarney e Alfonsín

de integração como já exposto na primeira seção deste trabalho. A postura dos

sindicatos foi débil e afastada do debate integracionista, adotando uma atitude

defensiva em que acusavam os governos de instrumentalizar a integração

regional apenas para promover projetos neoliberais e os interesses das

empresas transnacionais (VIGEVANI,1996).

A segunda fase (1991-1992) é uma fase considerada intermediária em

relação à posição dos sindicatos, onde começa a delinear- se uma posição mais

crítica em relação à integração, entretanto os Estados acabam balizando as

ações sindicais, tornando a participação sindical precária e retórica. Isso é

evidenciado no ano de 1991 caracterizado por políticas neoliberais, encabeçado

pelas empresas locais e transnacionais que não levavam em conta os interesses

dos trabalhadores(VIGEVANI,1996).

Neste mesmo ano, o autor Oscar Ermida Uriarte explica que essa

“ofensiva sócio laboral” tem seu primeiro fruto, pois os sindicatos elaboram uma

Carta Social, esta proposta é entregue aos ministros do Trabalho em Foz do

Iguaçu, em dezembro de 1991 onde reivindica-se a criação do Subgrupo de

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Trabalho nº11, objetivo atendido pelos governos, onde os sindicatos

reconheciam a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul como instância

supranacional interlocutora dos governos, porém este reconhecimento

supranacional acaba sendo abandonado logo em seguida, devido à discordância

por parte dos Estados (URIARTE,2004). No entanto, em dezembro de 1991

temos a agenda sindical parcialmente absorvida pelos governos com a criação

do subgrupo de trabalho nº 11, onde a Coordenadora foi um agente essencial, o

subgrupo discutia problemas trabalhistas como as relações de trabalho,

emprego e seguridade social, instalado efetivamente em 1992.

Esta percepção de que era necessário articular-se com os governos

nacionais levou à mudança de posição dos sindicatos, que configura a próxima

fase do Mercosul. Em dezembro de 1992 realiza-se o seminário de avaliação do

processo de integração do Mercosul em Montevideo, que junto aos governos e

os empresários, assinala a passagem para uma fase mais participativa dos

sindicatos.

Sendo assim, em 1993 temos efetivamente a terceira fase da

participação dos sindicatos no Mercosul. Os sindicatos realizam uma tentativa

de elaborar uma Carta dos Direitos Fundamentais do Mercosul, a proposta

reconhecia a dificuldade de articulação regional dos sindicatos, por isso

elaborou-se esta Carta com 80 artigos onde reconhece-se a necessidade da

integração e articulação das centrais, fundamentando-se as propostas e as

solicitações nos enunciados do Tratado de Assunção (VIGEVANI, 1996).

Aqui temos mais um exemplo empírico do embate entre as forças do

mercado e da sociedade civil, onde as demandas do mercado se sobrepõem,

pois as propostas da Carta dos Direitos Fundamentais passaram de

reivindicações sociais e trabalhistas para objetivos de desenvolvimento nacional,

modernização tecnológica, políticas industriais e agrícolas e exigia timidamente

modificações dentro dos organismos do bloco para maior participação social.

Devido à extrema abrangência da Carta, esta acabou oferecendo

dificuldades para a articulação sindical, não foi aprovada pelos governos, por

questões de substância e pelo medo da supranacionalidade no bloco, uma

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posição indesejável tanto pelo governo brasileiro, como para os empresários.

Outra questão que acabou fragilizando a coordenação regional das sindicais foi

a negociação direta dos sindicatos no âmbito nacional com seus governos

(VIGEVANI, 1996).

Por isso, entendemos que o processo de integração regional do Mercosul

foi idealizado e implementado no seio do aparelho estatal, em que a intervenção

dos atores sociais e dos sindicatos foram quase nulas.

Isto confirma nossa hipótese de que no momento de criação do Mercosul,

a lógica competitiva se impõe deixando pouca margem para pensar o lado social,

mesmo com a tentativa dos sindicatos em criar grupos como o Sub 11 foram de

alguma forma cerceados pelas demandas do mercados e moderados através

dos Estados. Vale ressaltar que os sindicatos tiveram algumas conquistas

materiais como foi a criação da Carta Social, que no entanto se olhamos de

forma crítica serve apenas para comedir os trabalhadores.

Assim, como afirma a autora Silva “A integração do Mercosul ocorre

portanto, na medida em que as formações sócio espaciais vão sendo preparadas

internamente para garantir a produtividade e fluidos do território às corporações”

(SILVA, 1998, p.151).

A própria ideia de integração competitiva vende uma imagem de um

comércio livre e amplificado, que é a ideia de regionalismo aberto, no entanto é

uma integração regulada pelos Estados e pelos interesses do mercado que

controlam os sindicatos no Mercosul.

Essa dinâmica ocorre da seguinte maneira: o mercado impondo suas

demandas enquanto os trabalhadores sentem o esmagamento dos seus direitos

e por isso os reivindicavam. Por isso, houve um receio de que o aumento dessa

pressão levaria à um movimento social com muita força e voz dentro do bloco,

logo a lógica de mercado permitiu ganhos aos trabalhadores, ainda que muito

pequenos, para assim poder limitá-los em sua participação.

Desta forma, o questionamento que podemos fazer a partir desta

conjuntura é: seria então o Mercosul Social uma tentativa de corrigir a estrutura

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do pensamento comercial do bloco? Para isso, abordaremos na próxima seção

a dimensão social e seus reflexos.

3. Segunda Fase: Criação da Dimensão Social do Mercosul

Nesta seção explicaremos em primeiro lugar como se dá a acumulação

conceitual no Mercosul, quais são as preocupações dos governantes e como isto

reflete na criação de uma dimensão que pensa o lado social. Em segundo lugar,

será exposto o marco institucional do bloco, isto é, como esses novos conceitos

refletem na criação de instituições que visam consolidar a dimensão social

pensada pelos países do Mercosul.

A partir dos anos 2000 a questão social retorna nas agendas públicas dos

governantes, para corrigir as consequências da globalização. A questão social

permeia os debates dos organismos multilaterais e da sociedade em geral, no

sentido de recuperar as discussões acerca do trabalho como mecanismo de

integração, as realidades de pobreza e exclusão social (ROSAVALLON, 1995).

A consequência deste novo momento histórico foi a mudança na concepção do

que era desenvolvimento humano.

Fazendo esta breve retrospectiva histórica podemos perceber que houve

mudanças políticas de extrema importância para pensar no início de uma

dimensão social para o Mercosul, sem o apoio dos governantes progressistas

que colocaram como prioridade a integração regional em suas agendas,

provavelmente o lado social não teria lugar.

O autor Mirza defende a ideia de que a incorporação dos temas sociais

no Mercosul não foi produto de um planejamento sobre o desenvolvimento ou

até mesmo a exigência do sistema, devido à maturação do processo de

integração, foi o resultado da decisão dos governos nacionais de corrigir as

consequências de uma integração meramente econômica e comercial, por isso,

caberia ressaltar que a construção da dimensão social em sua concepção foi

uma decisão política, que dava resposta aos efeitos das crises do começo do

século XXI e da correção do modelo de desenvolvimento do Mercosul de 1991

(MIRZA, 2014).

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A utilização do conceito “dimensão social” nasce no sentido de posicionar

as políticas sociais como parte intrínseca dos modelos de desenvolvimento,

através da integração social, isso significa que os temas sobre direitos humanos,

devem ser transversais e multidimensionais para alcançar as raízes da questão

social nos países membros (MIRZA, 2014).

Esse novo marco conceitual no âmbito social do Mercosul que visa não

apenas a redução da pobreza, mas políticas sociais em direção à igualdade

social, que considera a exclusão e a vulnerabilidade social como pautas

essenciais levou aos países membros a pensar em ações coordenadas,

protocolos de abordagem e atenção às múltiplas manifestações das questões

sociais, gerando as novas estruturas institucionais do Mercosul Social.

Devemos então salientar que a criação de instituições está diretamente

ligada à coerência com o papel que as políticas sociais têm para elaborar

modelos de desenvolvimento dentro dos Estados membros. Sendo assim, temos

a criação do Instituto Social do Mercosul (ISM), a Comissão da Coordenação de

Ministros e Autoridades Sociais do Mercosul (CCMASM), a figura do Alto

Representante Geral do Mercosul (ARGM) de quem depende a Unidade de

Participação Social (UPS), o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos

(IPPDH) e o Plano Estratégico de Ação Social (PEAS) que foi a materialização

desses processos e contém as prioridades que devem ser abordadas em matéria

social a nível regional (MIRZA, 2014).

Para complementar nossa analise, é importante frisar o papel do Fórum

Consultivo Econômico Social (FCES), que nasce a partir do Protocolo de Ouro

Preto, é um órgão de representação dos setores econômicos e sociais do

Mercosul. No entanto, ressaltamos que a própria estrutura do bloco coloca o

Fórum com caráter consultivo, isto é, não permite que sejam fóruns decisórios

(URIARTE, 2004).

O maior desafio que se discute no âmbito social do bloco refere-se à

superar o fracasso das políticas sociais implementadas nas décadas passadas

e a tentativa de reduzir desigualdades, assim como garantir o acesso e

apropriação de maiores níveis de cidadania.

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Devemos ressaltar, a importância de pensar em uma dimensão social

para o Mercosul, como forma de reduzir os danos causados pela

competitividade/globalização à população, isto é um fator essencial para pensar

no tipo de integração que almejamos.

Além disso, o avanço do lado social contribuiria para a mudança na

concepção de que os trabalhadores são apenas reprodutores do capital e

instrumentos do sistema competitivo na integração, pois se a integração exige a

participação de todos, os trabalhadores devem tornar-se de fato sujeitos deste

processo.

Sendo assim, entendemos que o processo de participação social dentro

do Mercosul passou por diferentes momentos. Em um primeiro momento a

participação dos sindicatos no Mercosul se deu a partir de uma posição crítica

às consequências da integração competitiva, porém acabaram sendo

incorporados para elaborar propostas para reduzir os danos ao trabalhador.

Depois, temos o aumento da participação social a fim de corrigir as

consequências da globalização, através da criação da Dimensão Social e de

instituições que representam as temáticas sociais. Isto responde nossa pergunta

inicial de que o Mercosul Social foi criado para corrigir as consequências do

Mercosul competitivo do início dos anos 90. Além disso, ressaltamos que é

primordial o contínuo fortalecimento desta dimensão social, para permitir não

apenas o avanço das reivindicações da sociedade civil, mas também para

preservar todos os avanços das lutas sociais que já foram travadas dentro do

bloco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, apesar do aumento da participação social dentro do Mercosul,

a crítica que tecemos neste trabalho é de que que a estrutura social do bloco,

apesar de ter um marco conceitual e institucional, ainda deixa a desejar, pois

tem um caráter que continua sendo apenas consultivo, enquanto que outros

órgãos são deliberativos.

Como por exemplo, os órgãos referentes à regulação trabalhista, ou seja,

continua a reprodução da lógica da competitividade de regular mercadorias, pois

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os trabalhadores são vistos apenas como mercadorias, que devem ser

reguladas.

A dimensão social do Mercosul pode ser considerada fruto de decisões

políticas, em que a partir dos anos 2000 temos o começo de uma nova lógica

mundial, que nasce para corrigir as graves consequências da globalização e traz

uma nova concepção do conceito de Desenvolvimento Humano, é um momento

mundial onde começa a prevalecer as discussões sobre questões sociais em

detrimento da competitividade.

Notamos que a disputa por um espaço social no meio competitivo se deu

por diversas razões: a primeira refere-se à lógica internacional imperante, como

foi o caso da globalização e da competitividade, que ajudou na criação do bloco,

assim como a lógica do novo momento paradigmático sobre desenvolvimento

humano, o qual acabou refletindo diretamente na criação de uma dimensão

social para o bloco.

O segundo fator que podemos atribuir ao aumento da prioridade da

dimensão social é a posição dos governos, pois foi de extrema importância a

abertura para um diálogo com a população do Mercosul a partir dos anos 2000,

onde procurou-se dar um “rosto mais humano” para a integração regional.

E o terceiro fator refere-se à resistência e a pressão dos povos dentro do

bloco, dos povos originários, dos negros/as, das mulheres e todos os grupos

sociais que sentiram quase que de forma visceral todas as consequências da

globalização e da integração competitiva, grupos que precisamos ressaltar sua

relevância e coragem no modo de resistir à mazelas provocadas pelo capital que

os oprime e os explora.

Ao observar que ainda estamos à passos de formiga para consolidar de

fato uma dimensão social no Mercosul, principalmente com o retorno de

governos conservadores na América Latina, em 2019 - o que pode reafirmar o

lado competitivo, reduzindo novamente o lado social- a indagação a ser feita é:

até quando a América Latina continuará reproduzindo acriticamente padrões

internacionais? Importando modelos prontos que não se encaixam na nossa

realidade? Deixamos a provocação e afirmamos que talvez a particularidade da

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América Latina seja não compará-la o tempo todo, não será com fórmulas

prontas que poderemos avançar e dar voz ao povo na nossa integração regional.

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