dimensão social do mercosul

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  • 7/23/2019 Dimenso Social Do Mercosul

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    A dimenso social

    doMERCOSUL

    Marco conceitual

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    A dimenso social do MERCOSUL

    Marco conceitual

    Reunio de Ministros e Diretores

    de Desenvolvimento Social

    e Estados Associados

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    Aclarao

    Durante o processo de edio deste livro, dois importantes eventos

    polticos ocorreram no MERCOSUL: a suspenso temporal da Repblica

    do Paraguai e adeso da Repblica Bolivariana da Venezuela.

    A Repblica do Paraguai, por meio da Secretaria de Ao Social,

    tem acompanhado todo o processo at o ms de junho de 2012.

    Para abordar o contexto acima, nesta publicao o ISM tem seguido

    as disposies das seguintes normas do MERCOSUL:

    MERCOSUL / CMC / DEC. N 28/12 REGULAMENTAO DE ASPECTOS

    OPERATIVOS DA SUSPENSO DA REPBLICA DO PARAGUAI; e

    MERCOSUL / CMC / DEC. N 27/12 ADESO DA REPBLICA BOLIVARIANA

    DA VENEZUELA AO MERCOSUL.

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    Reunio de Ministros e Diretoresde Desenvolvimento Social (RMADS)

    Ministra de Desenvolvimento Social

    da Repblica Argentina

    ALICIA KIRCHNER

    Ministra de Desenvolvimento Social e Combate Fome

    da Repblica Federativa do Brasil

    TEREZA CAMPELLO

    Ministro de Desenvolvimento Social

    da Repblica Oriental do Uruguai

    DANIEL OLESKER

    Instituto Social do MERCOSUL

    Conselho

    Representantes titulares

    Secretria de Organizao e Comunicao Comunitria do MDS-AR

    INS DEL CARMEN PEZ DALESSANDRO

    Secretrio Executivo Substituto do MDS-BR

    MARCELO CARDONA ROCHA

    Diretor de Polticas Sociais do MIDES-UY

    ANDRS SCAGLIOLA

    Representantes suplentes

    Coordenadora de Articulao de Assuntos

    Internacionais do MDS-AR

    ANA MARA CORTS

    Chefa da Assessoria Internacional do MDS-BR

    ALINE SOARES

    Chefe da Unidade de Assuntos Internacionais do MIDES-UY

    GUSTAVO PACHECO

    Diretor Executivo

    CHRISTIAN ADEL MIRZA

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    Contedo

    Prlogo,Luiz Incio Lula da Silva, 7

    Apresentao,Christian Adel Mirza, 11

    Introduo, 13

    I. MERCOSUL ontem e hoje,23

    II. Polticas pblicas e desenvolvimento social, 35

    III. A agenda social e seus desaos, 57

    Referncias bibliogrcas,75

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    Prlogo 9

    Prlogo

    O MERCOSUL uma das experincias exitosas de integrao regional

    desenvolvidas na Amrica Latina. Apesar da complexidade de qualquer

    processo de integrao, o nosso bloco tem dado mostras de excepcional

    vigor. Basta dizer que, desde que foi criado, em 1991, o uxo comercial

    entre os pases do MERCOSUL passou de 5 para 50 bilhes de dlares, e

    os investimentos produtivos intra-bloco mais do que dobraram. Com a

    entrada da Venezuela, passamos a representar mais de 70% do territrio,

    da populao e do PIB da Amrica do Sul. Somos hoje uma das poucas

    regies do mundo onde no h guerras. Protegemos os direitos humanos

    e estamos aprofundando cada vez mais as nossas democracias.

    No ltimo perodo, avanamos muito, tanto na esfera econmica

    quanto social. Reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. Gera-

    mos empregos, distribumos renda e promovemos incluso social, masainda temos importantes desaos a superar. Apesar das conquistas re-

    centes, na Amrica Latina, segundo a ONU, os 20% mais ricos da po-

    pulao tm uma renda mdia per capita quase 20 vezes maior do que

    os 20% mais pobres. No MERCOSUL no diferente. A injusta distri-

    buio de oportunidades penaliza de forma mais severa as mulheres, os

    jovens, as comunidades afrodescendentes, os trabalhadores rurais e os

    trabalhadores informais.

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    10 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Prlogo 11

    desenvolvimento social do MERCOSUL representa, sem sombra de

    dvida, uma dimenso prioritria da nova maneira de encarar a inte-

    grao regional. A coordenao e harmonizao das polticas de sade,

    educao e previdncia do MERCOSUL, que j foram iniciadas h mais

    tempo, podem e devem se aprofundar. O desenvolvimento econmico e

    o desenvolvimento social so indissociveis, e devem se complementar.

    A agenda regional no pode prescindir da integrao da infraestruturafsica, nanceira e comercial, e todas elas devem contribuir para maior

    bem-estar e dignidade de nossos povos.

    Com a publicao deste livro, o Instituto Social do MERCOSUL

    presta uma importante contribuio ao debate sobre a integrao social.

    Parabenizo a toda equipe do ISM pelo trabalho realizado e recomendo a

    sua leitura aos que sonham com um MERCOSUL cada vez mais demo-

    crtico, social e participativo.

    Luiz Incio Lula da Silva

    Ex-presidente da Repblica do Brasil

    O MERCOSUL ter que se voltar cada vez mais para essa popula-

    o, implementando polticas regionais capazes de atender as suas ne-

    cessidades bsicas de bem-estar. Apenas a livre circulao de bens, ser-

    vios e capitais no d conta de sustentar a integrao econmica e, ao

    mesmo tempo, superar a persistente fratura social existente na regio. A

    harmonizao e a coordenao de politicas pblicas de proteo e pro -

    moo social tornaram-se uma exigncia imperiosa para o desenvolvi-mento regional. Em 2007, quando decidimos criar o Instituto Social do

    MERCOSUL, juntamente com os meus colegas Nstor Kirchner, da

    Argentina, Fernando Lugo, do Paraguai, e Tabar Vsquez, do Uruguai,

    pensvamos precisamente em dar um rosto humano ao MERCOSUL.

    O incio do sculo XXI testemunhou mudanas substantivas,

    transformaes polticas e econmicas muito signicativas na Amrica

    do Sul: na Venezuela (1999), depois na Argentina e no Brasil (2003), Bo-

    lvia e Uruguai (2005) e mais tarde no Equador (2007), Paraguai (2008)

    e Peru (2011), entre outros. Nesses pases os povos elegeram democrati-

    camente novos governantes e decidiram deste modo apontar para novas

    orientaes polticas, econmicas, sociais e culturais. A cidadania ex-

    pressou assim o desejo de mudanas na regio como resposta contun-

    dente s frustraes acumuladas de milhes de latino-americanos queno se resignavam a seguir submetidos pobreza e desigualdade social.

    Desde ento o MERCOSUL assumiu outro enfoque para aprofundar os

    processos de integrao regional, no qual a dimenso social ocupa papel

    fundamental.

    com grande satisfao que recebi o convite para escrever o pr -

    logo deste primeiro trabalho de reexo conceitual, organizado pelo

    ISM, sobre os pressupostos da integrao social do MERCOSUL. O

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    Apresentao 13

    A dimenso social do MERCOSUL deixa em evidncia uma rea-

    lidade plausvel do processo de integrao regional, diferente dos

    aspectos comerciais, alfandegrios ou tarifarios, porm igualmente

    fundamentais. A presente publicao surge da iniciativa da Reunio

    de Ministras, Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social

    do MERCOSUL (RMADS), mbito institucionalizado do qual de-

    pende diretamente o Instituto Social do MERCOSUL (ISM).

    O marco conceitual da dimenso social do MERCOSUL cons -

    titui um passo signicativo na convergncia de olhares, perspectivas

    e enfoques ao redor da questo social contempornea que se con-

    jugaram logo de profundos e extensos debates realizados em quase

    dois anos e com o impulso do Conselho do ISM (CISM).

    Este documento no esgota a discusso relativa s polticas sociais,mas um avano substantivo que contribui ao desenho de polticas plu-

    riestatais e regionais que havero de concretizar o prprio Plano Estrat-

    gico de Ao Social aprovado pelo Conselho Mercado Comum (CMC)

    e na Cpula de Presidentes realizada em junho de 2011 na cidade de

    Assuno. Portanto, deve-se ressaltar o carter aberto na construo do

    seu contedo, o qual haver de cumprir com o seu objetivo sempre que

    motive o debate em crculos cada vez mais amplos do Bloco Regional.

    Apresentao

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    14 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Introduo 15

    A criao do Instituto Social do MERCOSUL (ISM) em 2007 res-

    pondeu necessidade de consolidar o processo iniciado com a insti-

    tucionalizao da Reunio de Ministros de Autoridades de Desenvol-

    vimento Social do MERCOSUL (RMADS), cuja nalidade essencial

    foi precisamente hierarquizar a dimenso social da integrao regio-

    nal. Em efeito, a instaurao daquele Instituto como instrumento

    tcnico-poltico que apoiasse a tais propsitos da RMADS, exigiu

    no s denies na ordem programtica e normativa, mas tambm,

    luz dos avanos obtidos, comprometeu a explicitao do marco

    conceitual que orienta sua tarefa na rea social.

    Por outro lado, a Cpula de Assuno, realizada em junho de

    2011, analisou e aprovou um Plano Estratgico de Ao Social (PEAS)

    que envolve todos os Ministrios e Secretarias com competncia nocampo das polticas sociais no MERCOSUL. Esse Plano havia sido

    visualizado alguns meses antes- como a enunciao das prioridades

    polticas dos Estados Parte no que concerne aos problemas sociais

    que afetam grandes coletivos sociais na Regio e cuja abordagem me-

    recia a convergncia dos mltiplos esforos realizados at o presente.

    O processo teve alguns marcos importantes que merecem ser destaca-

    dos para compreender melhor os resultados obtidos at o momento:

    Introduo

    A consolidao da Comisso de Coordenao de Ministrios da

    rea Social do MERCOSUL (CCMASM), assim como a de diver-

    sos espaos, redes e grupos especializados a nvel regional, estimula

    precisamente a continuar a tarefa de atualizar, ajustar ou ampliar as

    principais concluses e desaos colocados no presente documen-

    to; porque foi assim como se concebeu, como material avanado no

    caminho rumo a mais integrao, mais justia social e equidade, emenos pobreza e desigualdade. Em denitiva: mais e melhor MER-

    COSUL, mais e melhor Desenvolvimento Social.

    Christian Adel Mirza

    Diretor Executivo

    Instituto Social do MERCOSUL

    Assuno, dezembro de 2012

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    16 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Introduo 17

    Adoo por parte do Conselho do Mercado Comum (CMC) do do-cumento preliminar do Plano Estratgico de Ao Social do MER-COSUL; Salvador, Bahia, dezembro de 2008.O documento con-tinha cinco eixos de discusso e dezenove diretrizes. Naquela

    oportunidade os chefes de Estado manifestaram: Acolheu os

    avanos na construo dos Eixos e Diretrizes do Plano Estra-

    tgico de Ao Social do MERCOSUL, para a elaborao doPlano Estratgico encomendado pelos Presidentes e Chefes de

    Estado do MERCOSUL, por ocasio da Cpula Presidencial

    de Crdoba, em 21 de julho de 2006. Salientou a amplitude e

    o enfoque integrado do referido documento, o qual abrange a

    erradicao da fome, o combate pobreza e s desigualdades

    sociais, fortalecimento da assistncia humanitria, circulao

    de pessoas, participao social, direitos humanos e diversida-

    de, sade, educao e cultura, integrao produtiva, agricultura

    familiar, economia solidria e cooperativa. Destacou as inicia-

    tivas aprovadas pela Reunio de Ministros e Altas Autoridades

    de Desenvolvimento Social relacionadas ao combate fome,

    pobreza e s desigualdades sociais e ressaltou o compromisso

    de seus Governos de implement-las.

    Declarao dos Chefes de Estado em Foz do Iguau, dezembro de2010.A mesma destaca: Assinalaram que o documento da Co-misso de Coordenao de Ministros de Assuntos Sociais do

    MERCOSUL (CCMASM) representa uma importante contri-

    buio na consecuo dos objetivos de aprofundamento da di-

    menso social da integrao. Rearmaram que as polticas so-

    Iniciativa de Assuno sobre a Luta contra a Pobreza Extrema. C-pula de Presidentes, junho de 2005. Nessa cpula se expressavaque a consolidao da democracia no MERCOSUL depende

    da construo de uma sociedade mais equitativa e justa, o que

    obriga a assumir a tarefa prioritria de um Plano de Ao de

    maior alcance para responder os graves desaos da atual situa-

    o social.

    Comunicado Conjunto dos Presidentes do MERCOSUL, Cpula dePresidentes, junho de 2005; no seu artigo 27, rearma a priorida-de de denir uma Agenda Social Integral e Produtiva orientada

    a desenvolver iniciativas e polticas ativas para reduzir o dcit

    social, promover o desenvolvimento humano integral e a inte-

    grao produtiva. Neste sentido, reconheceram a importncia

    de elaborar um Plano Estratgico de Ao Social (PEAS) para

    identicar medidas destinadas a impulsionar a incluso social

    e assegurar condies de vida mais dignas para nossos povos.

    Para estes efeitos, instruram os Ministros com competncia na

    temtica social para elaborar linhas estratgicas que dotaro o

    mencionado Plano de contedo.

    Criao do Instituto Social do MERCOSUL pela Deciso 03/07, noRio de Janeiro, janeiro de 2007. Esta instituio inicia suas ativida-

    des em fevereiro de 2011, com toda a equipe tcnica formada

    depois de um rigoroso processo de seleo dos candidatos, re-

    alizado em 2010.

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    18 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Introduo 19

    trados no mercado. O carter estrutural da sociedade do capital, de

    fato, demarca campos, mas no impede a luta e o desejo por aquisi-

    es no mbito da educao, cultura, civilidade, qualidade de vida,

    desenvolvimento humano, autonomia, equidade, avano cientco e

    do campo civilizatrio (Sposati, 2009).

    Em seguida se propem algumas reexes vinculadas relevn-

    cia da dimenso social no contexto da consolidao das democra-cias na Regio e como sustentao tica-poltica dos mandatos da

    cidadania. O captulo I se examina brevemente a gnese e evoluo

    histrica da perspectiva social do Bloco para situar as coordenadas

    contemporneas do debate sobre as polticas sociais e seu lugar no

    processo de integrao regional. O captulo II aborda tpicos de ca-

    rter terico que enquadram as principais categorias analticas e os

    conceitos fundamentais que informam o devir das polticas pblicas

    e as prticas institucionais concretas que desenvolvem na Regio,

    para culminar no captulo III, que aborda os principais desaos da

    Agenda Social do MERCOSUL.

    Democracia, integrao e equidade

    A estabilidade democrtica se deve em boa medida ao normalfuncionamento das instituies e ao cumprimento das regras de

    ouro de qualquer sistema poltico que se considere como tal. No

    entanto, para que efetivamente se possa aprofundar e garantir sua

    permanncia devem-se garantir os direitos civis, polticos e sociais,

    pois um autntico regime democrtico republicano se sustenta na

    defesa irrestrita dos direitos humanos na sua mais ampla acepo,

    isto inclui, necessariamente, a cobertura das necessidades bsicas

    ciais so polticas de Estado que resultaram na diminuio das

    desigualdades sociais e na reduo signicativa da pobreza nos

    pases da regio na ltima dcada. Sublinharam que o PEAS

    reete essa prioridade no mbito regional. Ressaltaram que o

    PEAS representa o elemento central do pilar social do MER-

    COSUL e dar uma contribuio fundamental para os esforos

    dos pases do Bloco para enfrentar desaos compartilhados.

    Aprovao por parte do Conselho do Mercado Comum (CMC)da verso fnal do Plano Estratgico de Ao Social (PEAS), Cpu-la de Assuno, junho de 2011.O documento continha nove eixosprincipais e vinte e seis diretrizes estratgicas. A ideia bsica

    apresentar um marco conceitual pertinente, consistente e co-

    erente para orientar tanto o ISM no seu papel tcnico, como

    guiar a implementao do PEAS, na medida em que se trata

    de uma ao a partir de e sobre uma mesma realidade socio-

    econmica a nvel regional. Em consequncia, este documen-

    to constitui a primeira tentativa de estabelecer um consenso

    sobre o marco conceitual do desenvolvimento social entre os

    Estados Parte do MERCOSUL, no qual se propem algumasideias de referncia em um contexto geral, no qual o padro

    de acumulao, produo e distribuio e consumo continua

    sendo basicamente capitalista.

    No obstante a preciso formulada, fundamental advertir as

    enormes diferenas de abordagem da questo social que os governos

    do Bloco encararam no ltimo decnio em relao s estratgias as-

    sumidas em dcadas passadas nas quais primavam os enfoques cen-

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    20 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Introduo 21

    Transversalidade de um enfoque dirigido a resistir e evitar

    todo tipo de discriminao, seja por questes tnico-raciais,

    por gnero ou geracionais;

    Participao comunitria, sociedade civil fortalecida

    organizacionalmente;

    Perspectiva territorial e descentralizada das intervenes

    pblicas, considerando a reduo das assimetrias intra etransfronteirias.

    Resulta plausvel a correlao direta entre o aanamento da

    democracia e o desenvolvimento social: toda vez que aos cidados

    seja impossvel ou difcil suprir suas necessidades bsicas a demo-

    cracia ser lesionada, e a medida que um segmento da populao se

    mantenha excludo dos frutos do progresso e do avano tecnolgico

    a democracia ser incompleta (Terra, 1990). No se trata somente

    de advertir o que manifesta a abundante evidencia emprica ao res-

    peito, mas principalmente ressaltar o princpio tico-poltico que

    sustenta a relao vinculante entre bem-estar, exerccio pleno dos

    direitos e legitimidade democrtica. O debate sobre as polticas de

    proteo social e seu impacto na construo de um novo patamar dedireitos os direitos sociais e de uma nova dimenso da cidadania

    cidadania social no apenas estaria diretamente vinculado s di-

    menses poltica e civil da democracia, mas seria a prpria base de

    organizao dos estados modernos (Jaccoud, 2009).

    Neste sentido, os avanos notveis em termos de superao da

    pobreza e melhoramento da qualidade de vida de milhes de cida-

    dos da Regio, assim como o descenso da taxa de mortalidade in-

    da populao, a integrao social como pilar fundante e a equidade

    como critrio orientador do sistema.

    Assumir a dimenso social da integrao baseada em um desen -

    volvimento econmico da distribuio equitativa, tendente a garan-

    tir o desenvolvimento humano integral, que reconhece o indivduo

    como cidado sujeito de direitos civis, polticos, sociais, culturais e

    econmicos. Desta maneira, a Dimenso Social da integrao regio-nal se congura como um espao inclusivo que fortalece os direitos

    cidados e a democracia.1

    A Declarao de Princpios do MERCOSUL Social sintetiza os

    temas que tinham ocupado a ateno e gerado acordos nas reunies

    de Ministros e Autoridades do MERCOSUL Social at aquele mo-

    mento.2Os fundamentos conceituais se referem :

    Centralidade da dimenso social da integrao que pretenda

    promover um desenvolvimento humano e social integral;

    Indissociabilidade do social e econmico na formulao, desenho,

    implementao e avaliao das polticas sociais regionais;

    Rearmao do ncleo familiar como eixo de interveno

    privilegiado das polticas sociais na regio;

    Ressaltar a relevncia da segurana alimentar e nutricional;Centralidade do papel do Estado;

    Proteo e promoo social a partir de uma perspectiva de

    direitos, superando a viso meramente compensatria do social;

    1. Declarao de Buenos Aires Por um MERCOSUL com rosto humano e perspectivasocial, Buenos Aires, 14/07/2006.

    2. Se refere VII Reunio de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social doMERCOSUL, Bolvia, Chile, Peru, em 2004; Declarao de Assuno e a De claraode Montevidu, em 2005; e Declarao de Buenos Aires, em 2006.

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    22 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Introduo 23

    programas e projetos sociais regionais, mas tambm sua insero no

    plano do desenho da planicao das polticas sociais, na busca de

    um relacionamento cada vez mais orgnico. Isto e, incorporar no

    s suas demandas dentro de um esquema denido e estruturado

    de ao, mas tambm aquelas propostas que democraticamente se

    denam. Para isso se vislumbram como pr-requisito e desao de

    fortalecimento dos espaos decisrios e de sua mecnica de tomadade decises aos efeitos de dar uma resposta efetiva e a tempo a mais

    demandas, cada vez mais complexas, de uma comunidade ativa e

    participativa. No podemos renunciar ao surgimento de instncias

    concretas que possibilitem um pensamento crtico, capaz de eluci-

    dar permanentemente sobre o rumo das nossas aes. Ser neces-

    srio conjugar a ao poltica com a ao social, de modo que se

    consolide um coletivo hegemnico capaz de sustentar a longo prazo

    as transformaes em curso. Pensar em um MERCOSUL onde os

    cidados se vejam identicados e construir uma identidade regional

    implicam democratizar as relaes de poder e promover a participa-

    o orgnica dentro de um amplo Bloco que continue aprofundando

    seus objetivos de incluso social.

    fantil, a melhora no acesso aos servios de sade e educao, entre

    outras conquistas, no devem nos paralisar, mas ser o estmulo para

    continuar no caminho para erradicar a fome e a indigncia, superar as

    situaes de pobreza e gerar mais oportunidades a muitos cidados

    que ainda no alcanaram os nveis de dignidade que merecem.

    Do mesmo modo, os efeitos redistributivos das polticas so-

    ciais devem ser acompanhados tambm por medidas no plano tribu-trio, de modo que aquelas conquistas sociais sejam sustentveis e

    que se aprofundem as estratgias em direo equidade. A reduo

    da brecha social no pode ser nica e exclusivamente produto da

    aplicao das polticas sociais, estas vo precisamente de mos dadas

    com medidas econmicas, tendentes a reduzir a presso scal dos

    setores sociais vulnerveis.

    Paralelamente, a regularizao dos mercados de trabalho, a

    criao de novas fontes de trabalho decente, e o aumento das re-

    tribuies salariais demostraram ter efeitos diretos na melhora da

    renda familiar e, por conseqncia, na diminuio da desigualdade

    social. Parece evidente que quanto maior o bem-estar geral, maior

    a predisposio a formar parte dos assuntos pblicos, o que resulta

    em outra forma de robustecer a democracia e ampliar os horizontesde participao cidad. Neste sentido, parece indispensvel incor-

    porar aes concretas para criar um novo tipo de relacionamento

    com a sociedade civil. Este deve gerar instncias de participao real

    dos atores sociais3. A participao real compreende no s a incor-

    porao dos cidados de direito para a implementao dos planos,

    3. Movimentos sociais, organizaes de bairros e rurais, organizaes no governamentais...

  • 7/23/2019 Dimenso Social Do Mercosul

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    MERCOSUL ontem e hoje 25

    As origens do MERCOSUL se remontam nos anos 90 e a partir de

    ento em sucessivas etapas o processo de integrao foi aprofun-

    dando sua estrutura, seus objetos e suas conquistas. Desde ento, a

    conformao do Bloco permitiu continuar somando scios da regio

    como uma plataforma estratgica de projeo prpria regio e do

    Cone Sul ao mundo.4

    No contexto atual, o MERCOSUL tem objetivos diferentes

    aos inicialmente propostos. Os primeiros anos se desenvolveram

    sob uma concepo de integrao regional que ponderava quase ex-

    clusivamente os fatores e indicadores de crescimento econmico-

    comercial. Assim, desenvolveu-se na primeira dcada um MERCO-

    SUL mercantilizado at que nalmente a crise do m do milnio

    provocou a diminuio das relaes comerciais intra-regionais, des-vanecendo as perspectivas de crescimento e aumentando os nveis

    de pobreza e desemprego. Mais tarde, o MERCOSUL foi deixando

    para trs aquela concepo centrada exclusivamente no mercado e

    cercada por assuntos aduaneiros, tarifrios e comerciais, para ir in-

    corporando outras facetas da integrao regional, repensando seu

    4. O Bloco regional MERCOSUL est formado pelos Estados Parte fundadores, Argentina,Brasil, Paraguai e Uruguai, mais Venezuela, recentemente incorporado.

    I. MERCOSUL ontem e hoje

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    26 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual MERCOSUL ontem e hoje 27

    vos segmentos da populao denominados novos pobres indiv-

    duos e famlias que se constituram como os principais destinatrios

    das polticas sociais assistencialistas e focalizadas. Desta maneira se

    aprofundou ainda mais a desigualdade, afetando severamente os n-

    veis de coeso, equidade e integrao social nos Estados da Regio.

    Portanto, no contexto atual, os desaos do MERCOSUL so

    amplos, com uma proporo da populao a pesar de todas as me-didas tomadas ainda ausente dos benefcios do esquema atual de

    intercambio comercial ampliado e buscando conciliar uma integra-

    o com objetivos mais amplos das suas polticas. O cenrio regio-

    nal planteado supe a necessidade de outorgar ao MERCOSUL e

    seus Estados associados um novo sentido coordenao de esfor-

    os regionais, aprofundando o processo de integrao e as linhas de

    convergncia em polticas pblicas regionais. A reconceituao dos

    grandes objetivos centrais, na medida em que estes gerarem maiores

    nveis de bem-estar e desenvolvimento6, determinar o desenvolvi-

    mento das sociedades que se relacionam dentro do espao geogr-

    co compartilhado com o Cone Sul das Amricas.

    6. Para Amartya Sen (2000), autor no qual se inspiram as concepes atuais dedesenvolvimento social que elaborou as bases conceituais para uma noo dedesenvolvimento com liberdades, uma concepo adequada de desenvolvimento deveir alm da acumulao de riqueza e do crescimento econmico. Em sua concepo, odesenvolvimento implica a ampliao das liberdades necessrias para que os sujeitospossam tomar decises ao respeito de suas vidas e, portanto, requer o incremento dascapacidades individuais, que esto relacionadas ao aumento das d ecises e oportunidadesdisponveis para cada indivduo. Desta maneira, para promover o desenvolvimento,seria preciso eliminar as principais fontes de privao da liberdade: pobreza e a faltade oportunidades econmicas, e tambm a eliminao da negligncia sistemticae a intolerncia dos ser vios pblicos. Seo Brasil, em A Dimenso Social doMERCOSUL, Reunio de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social doMERCOSUL e Estados Associados, junho de 2006.

    espao territorial com um olhar continental e avanando na dimen-

    so poltica do processo iniciado h mais de vinte anos.

    Nos primeiros anos do presente sculo, a partir de vises pro-

    gressistas a nvel nacional, os diversos governos do Bloco iniciaram

    processos de transformao que gradualmente se projetaram para o

    contexto regional. A partir desse momento, o cenrio da integrao

    se transformou e a ideia de um projeto estratgico e de carter inte-gral comeou a ser aprofundada para dar lugar dimenso social. A

    convergncia de vrios objetivos sociais neste espao comum no foi

    produzida instantaneamente, j que a iniciativa do MERCOSUL,

    em seus incios, minimizava, ou diretamente exclua de sua agenda

    as dimenses social, cultural, poltica, produtiva, ambiental e identi-

    tria no seu modelo de integrao. A crise social, econmica e pol-

    tica que afetou a regio, principalmente entre 1998 e 2002, colocou

    em evidencia as limitaes e o esgotamento daquele modelo de de-

    senvolvimento no mbito dos Estados Parte, debilitando tambm o

    MERCOSUL e as capacidades dos Estados encarregados de levar

    adiante os processos de integrao regional que deixaram de operar

    com a lgica mercantilista e burocrtica nas suas instituies.

    A nova questo social5se plasmou com maior violncia, dei-xando altos nveis de inequidade, pobreza, desemprego e excluso

    social em vrios pases da regio. A este processo se somaram trans -

    formaes e mudanas nas conjunturas regionais, identicando no-

    5. A questo social uma aporia fundamental, na qual uma sociedade experimenta oenigma de sua coeso e trata de impedir o risco de se romper. um desao que interroga,pe em questo a capacidade de uma sociedade existir como conjunto vinculado porrelaes de interdependncia. (Castel, 1997).

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    28 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual MERCOSUL ontem e hoje 29

    A partir de uma viso geral dos grandes desaos a serem abor-

    dados a partir da dimenso social no MERCOSUL, faz-se necess-

    rio e pertinente colocar novos elementos sobre os quais as reexes

    sero orientadoras da nossa reexo em matria de Poltica Social.

    Neste sentido, fundamental a importncia do papel do Estado na

    gesto das polticas sociais as quais j no deveriam ser pensadas

    como subsidirias dos efeitos no desejados do crescimento econ-mico, mas como um eixo transversal que articula todo o processo

    de integrao. Neste sentido tem validez o fato de recuperar as re-

    exes desenvolvidas em seu momento por Alicia Kirchner (2006):

    A Dimenso Social do MERCOSUL no deve ser mais uma parte

    do emaranhado de reas envolvidas, mas tem de ser central, por-

    que o social entendendo-se o social como ao para a promoo

    da pessoa e sua realizao individual em uma sociedade inclusiva-,

    em pases como os nossos, cujos povos sofreram anos de abandono,

    excluso e pobreza, deve constituir a pedra angular que sustente e

    articule toda a rede de polticas pblicas.

    Atualmente, no processo de integrao do MERCOSUL social,

    vem-se discutindo sobre a importncia da incorporao das polti-

    cas sociais no desenho de modelos de desenvolvimento, debate qued lugar questo seguinte, ou seja, ao tipo de polticas sociais que

    se impulsionam, e o papel crucial que elas exercem no desenvol -

    vimento da Regio. A melhora das condies econmicas gerais

    experimentadas na Regio no perodo 2002-2010 e a aplicao de

    planos de programas sociais especcos trouxeram como resultado a

    diminuio da pobreza e da indigncia (CEPAL, 2010) e, em menor

    escala, da desigualdade.

    Conceber o MERCOSUL repens-lo no mbito de um pro-

    jeto poltico e estratgico, que inclui tanto aspectos de integrao

    econmico-social como aqueles que implicam continuar valorizan-

    do as polticas sociais com perspectiva regional, aos efeitos de conti-

    nuar superando o enfoque utilitarista e economicista do bem-estar.

    A relevncia e o entendimento da Dimenso Social no processo

    de integrao regional supe conceber as polticas sociais no comocompensatrias e subsidirias do crescimento econmico, mas assu-

    mir que todas as polticas pblicas conformam uma estratgia de de-

    senvolvimento humano. Em consequncia disso, tanto h condies

    econmicas para o desenvolvimento social, como condies sociais

    para o desenvolvimento econmico. necessrio no perder de vista

    que todas estas aes sero em vo se no geram aes concretas que

    facilitem o acesso, apropriao e exerccio de uma cidadania plena

    dos povos da regio. Esta concepo nos coloca diante do principio

    irrenuncivel de dotar a integrao regional de sua dimenso tica, o

    que essencial se queremos conceber e desenvolver uma integrao

    plena e socialmente justa. Por outro lado, as problemticas sociais

    ho de ser assumidas com toda sua complexidade, procurando com-

    pletar a integridade na resposta aos problemas existentes. Sobre essefundamento o MERCOSUL faz aluso Dimenso Social a partir de

    uma perspectiva de interveno social necessariamente articulada,

    pois a verdadeira dimenso de uma poltica social leva em conside-

    rao todos os campos da realidade, em seus aspectos econmicos,

    sociais, polticos e culturais.7

    7. XIII Reunio de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do MERCOSUL eEstados Associados. Ata N 02/07, anexo 5, Montevidu, 23 de novembro de 2007.

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    30 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual MERCOSUL ontem e hoje 31

    controles adequados, reduo dos recursos e polticas clientelistas

    que afetaram em seu conjunto os dispositivos consolidados em d-

    cadas anteriores.

    Por outro lado, no passado recente (ltimo quarto do sculo

    XX) se aplicaram polticas que abjurando daquele modelo de Es-

    tado, destruram os dispositivos de cobertura e proteo social

    substituindo-os por formulaes minimalistas e exclusivamentecompensatrias que provocaram o desamparo de amplos setores da

    populao e sua excluso do exerccio dos direitos sociais e que agu-

    dizaram um processo que acumulava pobreza h muito tempo atrs.

    Foi com o incio do presente sculo que se superou um conceito do

    Estado Mnimoausente ou prescindvel para retomar um novo ca-

    minho de construo solidria, responsvel e ecaz ante as situaes

    de vulnerabilidade socioeconmica.

    O ex-presidente Luiz Incio Lula da Silva armava desta manei-

    ra que o sculo XIX foi da Europa, e o sculo XX foi dos Estados

    Unidos, no podemos perder a oportunidade de mudar essa histria.

    H 10 anos olhvamos para a Europa e para os Estados Unidos e

    de repente, em dois anos, zemos uma coisa chamada Comunidade

    Sul-americana de Naes e todos ns participamos do MERCO-SUL. Neste sentido, fundamental dirigir o olhar ao interior de

    nossa regio e encontrar as diferenas de cada pas as fortalezas que

    conduzam a uma sinergia regional que possibilite maiores nveis de

    autonomia e desenvolvimento da regio. Optar por um desenvol-

    vimento endgeno, que olhe o interior da nossa Amrica, que re-

    conhea e fortalea as capacidades prprias de cada territrio com

    uma participao ativa das pessoas na construo de poder a partir

    Estes avanos geraram espaos para o debate sobre as polticas

    sociais e se comeou a buscar novos rumos considerando as ques-

    tes estruturais e de mais longo prazo, superando uma inclinao de

    curto prazo e optando por uma viso estratgica. Neste novo hori -

    zonte a poltica social comea a recuperar e reformular uma nova re-

    lao entre poltica social e cidadania (Kirchner, 2006). Em geral, o

    que est sendo discutido o que constitui o maior desao da regio:como superar o fracasso das polticas sociais das dcadas passadas

    em sua tentativa de reduzir a desigualdade8e assegurar polticas que

    fortaleam o acesso e apropriao de maiores nveis de cidadania.

    Consideramos fundamental, e como ponto de partida do pro -

    cesso de integrao regional, optar por um enfoque que busque re-

    cuperar a histria e as particularidades de cada um dos pases em

    relao s diversas formas de abordar a questo social9. A inecin-

    cia das polticas sociais era resultado da impossibilidade de superar

    em seu desenho um enfoque terico da convergncia, que pretendia

    assemelha-se ao Estado de Bem-estar europeu.

    Desta maneira, se pretendia um ideal de desenvolvimento que

    no levava em considerao a realidade prpria de cada pas e, con-

    sequentemente, as possibilidades reais de desenvolvimento. Sendoassim, outros fatores foram decisivos no processo de deteriorizao

    das matrizes de bem-estar clssicas, vinculados formao de fortes

    corporaes com interesses setoriais, burocracias inecientes e sem

    8. Atualmente a Amrica Latina continua sendo o continente mais desigual do mundo.9. A Questo Social foi o reconhecimento de um conjunto de novos problemas vinculados

    s condies modernas de trabalho urbano a partir das grandes transformaes sociais,polticas e econmicas geradas pela Revoluo Industrial na Europa no sculo XIX(Gmes, 1979).

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    32 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual MERCOSUL ontem e hoje 33

    a) Da integridade e das polticas sociais

    Primeiramente se assume que o conjunto de intervenes p-

    blicas parte de um conceito-chave que se refere integralidade des-

    de o desenho original at a implementao de todos os planos e pro-

    gramas sociais. Entendendo por integralidade a incluso das mul-

    tidimenses que operam na realidade, de modo que se obtenham

    resultados plausveis e sustentveis. Assim, so to relevantes osfatores econmicos que condicionam fortemente as possibilidades

    do desenvolvimento humano, como aqueles que vm de trajetrias

    educativas e culturais, como tambm os vetores psicossociais dos

    grupos e setores que so destinatrios daquelas polticas. Por outra

    parte, a integralidade das polticas pblicas implica o desdobramen-

    to articulado das polticas setoriais se apoiando e se complemen-

    tando umas s outras, de modo que os ganhos no sejam limitados

    a certas esferas ou manifestaes dos problemas sociais, mas afetem

    positivamente e sinergicamente o resultado nal. Para ilustrar este

    enfoque basta reconhecer que a cobertura educativa no suciente

    se no se opera simultaneamente no nvel de nutrio desde a remo-

    ta idade e durante a fase de gestao; no possvel que uma criana

    desenvolva plenamente suas capacidades intelectuais se no dispede uma base alimentar adequada.

    b) Dos direitos humanos como argumento tico e polticoEm segundo lugar, cabe precisar que os direitos humanos con-

    sagrados universalmente exigem que os Estados garantam seu ple-

    no gozo sem mais restries que aquelas que permitam um acesso

    igualitrio e equitativo para todos ao conjunto de bens (materiais e

    de uma tica de participao e consenso. Neste sentido as polticas

    sociais tm um papel estratgico neste modelo de desenvolvimento,

    a partir da busca de uma abordagem integral e territorial que arti-

    cule disciplinas, setores e recursos, orientadas a gerar mecanismos

    genunos de integrao social cidad.

    Com a aprovao do Plano Estratgico de Ao Social (PEAS),

    em junho de 2011, se da um passo substantivo na consolidao da di-menso social do MERSOCUL, construindo um guia programtico

    para os quatro Estados Parte que condensa a vontade do conjunto

    do Bloco em dez eixos fundamentais e vinte e seis diretrizes estra-

    tgicas.

    O PEAS contem indicaes e objetivos especcos no que se

    refere a: 1) Erradicar a fome, a pobreza e combater as desigualdades

    sociais; 2) Garantir os direitos humanos, a assistncia humanitria e

    igualdade tica, racial e de gnero; 3) Universalizar da sade pblica;

    4) Universalizar a educao e erradicar o analfabetismo; 5) Valorizar

    e promover a diversidade cultural; 6) Garantir a incluso produtiva;

    7) Assegurar o acesso ao trabalho decente e aos direitos humanos de

    previdncia social; 8) Promover a sustentabilidade ambiental; 9) As-

    segurar o dilogo social; e 10) Estabelecer mecanismos de cooperaoregional para a implementao e nanciamento de polticas sociais.

    O Plano Estratgico de Ao Social se constitui como um guia

    que indica as prioridades em matria de polticas pblicas da re -

    gio, denidas pelo conjunto de ministrios e organismos pblicos

    do MERCOSUL. E se por um lado determina as reas temticas e

    problemas que os quatro Estados Parte enfrentam, por outro h cri-

    trios ou enfoques que os atravessam transversalmente.

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    34 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual MERCOSUL ontem e hoje 35

    de uma famlia do sculo XXI. Assim, uma famlia est formada por

    indivduos conectados por laos afetivos, de sobrevivncia, ou de

    reproduo, sendo um leque to amplo que inclui desde o estere-

    tipo de pai, me e lhos, at o reconhecimento de unidades fami-

    liares constitudas por casais do mesmo sexo com ou sem lhos. Em

    qualquer caso, as polticas apontam a consolidar as unidades bsicas

    de convivncia que asseguram a proteo, o cuidado e a cobertura deseus componentes a m de lhes oferecer as mesmas possibilidades

    de desenvolvimento pessoal em um mbito de satisfao das neces-

    sidades humanas.

    d) Do enfoque de gnero

    Em quarto lugar, o enfoque de gnero nas polticas sociais im-

    plica gerar igualdade de oportunidades de todos os seres no s para

    aceder aos recursos, mas tambm para desenvolver seus potenciais,

    tomar decises e exercer seus direitos. Neste sentido toda poltica

    social deve estar vinculada ao desenvolvimento e promoo das

    relaes equitativas e a eliminao de toda forma de discriminao,

    seja por sexo, gnero, classe ou etnia, ou inclusive pela condio

    de migrantes. A partir disso as polticas sociais devem contemplaras inequidades histricas que se desenvolveram na construo das

    relaes entre homens e mulheres, assim como reformular os papis

    e modelos de identidade excludentes que afetam o desenvolvimento

    das pessoas, tanto de mulheres, como de homens. Em suma, uma

    abordagem de gnero nas polticas sociais implica identicar os di-

    ferentes dispositivos que operam na excluso social das mulheres,

    desenhando estratgias que tendam a restituir direitos ao mesmo

    simblicos) e servios que os satisfaam. Deste modo, os direitos

    sociais, econmicos, civis, polticos e culturais so os pilares funda-

    cionais sobre os quais se constri uma sociedade integrada e inclu-

    siva. No so os direitos humanos meras declaraes retricas, mas

    o fundamento a partir e pelo qual se formulam e instrumentam as

    polticas pblicas. Em consequncia disso, os cidados so sujeitos

    de direitos e no somente objetos passivos, receptores dos produtosdas polticas pblicas. A prpria condio de cidadania leva a um

    direito inerente mesma, isto , o direito no s a participar dos

    frutos do desenvolvimento e do progresso tecnolgico, mas tambm

    de participar ativamente na determinao das prioridades, denio

    dos objetivos e na vigilncia do cumprimento do acordado democra-

    ticamente pelo coletivo social. Dito de outra maneira, no possvel

    uma expanso e robustecimento das democracias se no for atravs

    do respeito e da promoo dos direitos humanos em sua mais ampla

    acepo. Portanto todas as metas das polticas sociais esto refe-

    renciadas para garantir seu mais pleno exerccio, atendendo precisa-

    mente as diferenas emergentes no seu ponto de partida.

    c) Da famlia como centro e foco de ateno

    Em terceiro lugar, tem-se a famlia como ncleo principal de

    ateno das polticas sociais a partir de uma concepo que abarca

    as mltiplas conguraes e estruturas que ela assume nas realida-

    des contemporneas. No se trata aqui de estabelecer taxativamente

    como deve estar constituda uma famlia, mas muito evidente que

    esta no se restringe a um padro tradicional, mas, pelo contrrio,

    as polticas sociais se adaptam variedade de expresses e formas

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    36 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Polticas pblicas e desenvolvimento social 37

    Os enfoques tericos do desenvolvimento social so variantes subs-

    tantivas de duas variveis fundamentais para entender seus correla-

    tos empricos. Isto , as polticas pblicas aplicadas a partir de seu

    fundamento conceitual: por um lado a noo de cidadania no mar-

    co de uma democracia pluralista e, por outro, o papel do Estado

    em uma economia de livre mercado. Por certo que, a partir de uma

    perspectiva no capitalista, aqueles enfoques mudam radicalmente,

    pelo que resulta relevante consider-los tambm no espectro terico

    na medida em que se sustentam em concepes bem diferentes em

    torno ao desenvolvimento e o bem-estar.

    Matrizes de bem-estar

    A partir do modelo de bem-estar, que constituiu o paradigmade proteo social implementado nos Estados europeus e em algu -

    mas das naes latino-americanas nas primeiras dcadas do sculo

    XX at os nossos dias (mesmo reconhecendo as grandes diferen-

    as em termos de conquistas e concrees que distanciam os pases

    do MERCOSUL, particularmente Argentina, Brasil e Uruguai em

    comparao com outras naes do subcontinente), assistimos a pro-

    fundas transformaes de ordem econmica, social e poltica que

    II. Polticas pblicas e desenvolvimento social

    tempo em que recongurem prticas que tendam a gerar uma rela-

    o social igualitria entre homens e mulheres.

    e) Do enfoque territorialEm quinto lugar, a territorialidade e a descentralizao das in-

    tervenes pblicas supem reconhecer que nos bairros das gran-

    des cidades, nos povoados e nas vilas, nos assentamentos rurais ondea populao vive e convive- onde se materializam os planos, progra-

    mas e projetos sociais concretos. Isso implica, em consequncia, re-

    conhecer as assimetrias e desigualdades, as vantagens e desvantagens

    geradas a partir de trajetrias diversas e singulares. A tenso entre

    polticas homogneas e particulares no impede adequar com acerto

    as intervenes pblicas de modo a obter os resultados desejados,

    reequilibrando ou redistribuindo recursos em posse de uma justa

    igualao no acesso e exerccio efetivo dos direitos cidadania. Dito

    enfoque territorial considera as disparidades tanto dentro de cada

    pas, como entre os pases que compem o MERCOSUL, seguindo

    o mesmo princpio de igualao de oportunidades que os Estados

    devem garantir a seus povos.

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    38 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Polticas pblicas e desenvolvimento social 39

    to por J. Locke), desenvolvido por Robert Castel (2003), que sugere

    uma reapropriao por parte dos no proprietrios do produto de

    seu trabalho (ou pelo menos de uma parte dele), atravs de sua ins-

    crio em um sistema de proteo e no por possuir um patrimnio,

    de modo que se constituam em indivduos includos no prprio

    sistema (Castel y Haroche, 2003).

    Desta maneira a identicao das caractersticas especcasdo modelo tradicional do Estado de Bem-estar com um modelo de

    desenvolvimento econmico protecionista (muito prximo ao key-

    nesiano), permite entender o papel reservado ao Estado em sua fun-

    o social. Papel central no desenho e articulao de um sistema de

    coberturas mltiplas para o trabalhador (empregado particular ou

    pblico) e sua famlia, que atendia as contingncias e riscos aos quais

    se devia responder de maneira ecaz, gerando um mecanismo de

    aposentadorias e passividades, mltiplas coberturas por perda tem-

    porria do emprego, diante de doenas ou por invalidez temporria

    ou denitiva, acidentes trabalhistas, folga, etc.

    Lembremos, por outro lado, que no se pode explicar a constru-

    o daquele sistema de protees sem considerar a ao permanente

    e ecaz das organizaes sindicais que, seja pela presso, pela mobi-lizao e negociao como tambm pela auto-gerao de organiza-

    es solidrias, mutuais e de ajuda mtua, contriburam a aumentar

    as bases daqueles modelos de bem-estar. Podia-se armar que de

    algum modo aqueles Estados de bem-estar emergentes nas primei-

    ras dcadas do sculo XX foram o resultado do consenso tcito ou

    explcito entre classes e setores sociais, um acordo implcito entre

    Capital e Trabalho que gerou como resultado conquistas arrebatadas

    impactaram de maneira signicativa nas estruturas estatais, em suas

    funes, em sua capacidade de atender adequadamente os proble-

    mas sociais derivados daquelas mudanas.

    Toda referncia analtica que se faa das polticas sociais faz

    necessria sua vinculao com os modelos de desenvolvimento que

    implcita ou explicitamente os informam e determinam, razo pela

    qual importante ressaltar os marcos tericos e seus correlatos so-ciais. Neste sentido, convm recordar que o velho Estado de bem-

    estar foi tributrio particularmente em alguns pases latino-ameri-

    canos de um modelo de desenvolvimento protecionista sustentado

    na poltica de substituio de importaes e subsdios s indstrias

    nacionais na aposta por dinamizar os mercados internos. Esse mo-

    delo precisava expandir uma classe mdia que ento fosse capaz de

    aumentar o consumo, gerar economias e investimento produtivo.

    Os Estados de Bem-estar se desenvolveram basicamente a par-

    tir da congurao de um conjunto de dispositivos e sistemas de

    proteo social ao trabalhador e sua famlia, implicando uma polti-

    ca social de cunho universalista, de modo a garantir o acesso indis-

    criminado da populao aos bens, servios e s prestaes sociais; e

    no qual as polticas sociais tinham um papel redistributivo da renda.O Estado Social foi o grande ordenador de uma sociedade assegura-

    dora (na denominao de F. Ewald) que deu forma aos esquemas de

    proteo social, como a proviso de suportes necessrios (materiais

    simblicos, relacionais e culturais) para poder contar com a condi-

    o objetiva de possibilidades (Castel y Haroche, 2003) de optar e

    decidir sobre seu prprio destino. o conceito de propriedade so -

    cial (por oposio a propriedade privada como fundamento propos-

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    40 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Polticas pblicas e desenvolvimento social 41

    ao e deciso em matria de polticas pblicas. Cabe consignar que

    no campo das polticas sociais as decises sempre afetam o padro

    redistributivo e, portanto, obrigam os governantes e os decisores a

    selecionar diferentes alternativas que so de natureza poltica por ex-

    celncia e no atend-las como meras questes administrativas ou de

    carter tecnocrtico. Os efeitos destas decises (polticas regressivas

    ou progressistas) comprometem, portanto, uma postura poltica.Certamente o modelo de desenvolvimento exige conjugar uma

    poltica econmica com uma poltica social de maneira equilibrada,

    realista e tambm apelando aos objetivos de mdio e longo prazo

    que abram a rota aos modelos ideais de coeso e integrao social. O

    fundamento de carter tico na promoo e defesa dos direitos hu-

    manos se corresponde ao objetivo da estabilidade social e poltica,

    no para adoar o conito tenaz e persistente, inevitvel ao nal do

    marco de uma economia capitalista, mas para administr-lo a favor

    dos mais desprotegidos. Esta uma das premissas de um Estado ao

    servio do povo.

    Polticas sociais e econmicas: bem-estar e Estado de Bem-estar

    Por outro lado, se aceitamos a distino entre poltica social,bem-estar social e Estado de Bem-estar feita por Gough (2003), po-

    demos estabelecer uma articulao com a poltica econmica, com

    frequncia indiferenciada da poltica social. Ou seja, para alguns no

    h melhor poltica social que uma boa poltica econmica, como se

    a primeira se tratasse de um simples resultado ou efeito autom-

    tico da segunda. Neste sentido, as polticas sociais so produtos

    especcos de governo ou corpos encomendados por governos. So

    e tambm concesses outorgadas, demandas de negociaes entre

    interesses opostos, mas reconciliveis em um ponto, porque havia

    possibilidades reais de satisfazer minimamente as necessidades de

    toda a sociedade.

    Passada a poca de ouro na Europa (os anos gloriosos) e a crise

    petroleira de impacto mundial do ano 1973, e depois da reestrutura-

    o produtiva do capitalismo (a partir de sua crise de acumulao) naAmrica Latina, os traos caractersticos do modelo que se aplicou

    em nosso continente se associaram abertura indiscriminada das

    economias nacionais, o abandono do protecionismo e dos subsdios

    para as indstrias nacionais, a desregularizao crescente dos mer-

    cados de trabalho e privatizaes. Assim foi como a hegemonia do

    capital nanceiro imps uma racionalidade especulativa e de curto

    alcance na matria de investimentos produtivos. Os resultados es-

    tiveram visveis nos anos noventa: precarizao e instabilidade tra-

    balhista, destruio de fontes de emprego, acima de tudo no setor

    manufatureiro, aumento da pobreza e da excluso social. O entendi-

    mento consensuado entre Capital e Trabalho se havia quebrado ig-

    norando as afanosas conquistas do movimento obreiro de outrora.

    As discusses sobre um novo modelo de desenvolvimento im-bricado a uma poltica social no subsidiria da poltica econmica

    ganham especial relevncia quando assistimos a um signicativo giro

    das orientaes polticas a partir das mudanas de governo nos pri-

    meiros anos do presente sculo. Da nossa perspectiva, um modelo

    de desenvolvimento que se preze como desenvolvimento humano, ser

    sempre integral. O foco posto no bem-estar da populao e o au-

    mento sensvel da qualidade de vida se constituem na guia de toda

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    (1986, 1990) sobre o papel da Poltica Social em contextos democr-

    ticos e de transformao social. Para Terra, um sentido restringido

    das polticas sociais supe uma nivelao dos distintos membros da

    sociedade em geral e em particular das camadas subalternas da mes-

    ma, com a nalidade de cobrir as diferentes dimenses siolgicas e

    sociais da reproduo dos indicadores: alimentao, educao, mora-

    dia, vestimenta e calado, lazer e transporte. No entanto, a partir deuma concepo mais ampla, podem-se considerar como o conjunto

    de polticas orientadas para assegurar a satisfao de necessidades

    da populao e a criar as condies propcias ao desenvolvimento

    social e pessoal, em todos aqueles aspectos que no sejam somen -

    te o resultado do estabelecimento da democracia poltica, a paz e

    a ordem pblica, ou do desenvolvimento econmico, cientco ou

    tecnolgico (Terra, 1990).

    Sendo assim, o mencionado enfoque ressalta a condio de in-

    tegridade do conjunto das polticas pblicas e sua anlise sistmica,

    que supe uma articulao equilibrada e congruente entre as polti-

    cas econmicas e as polticas sociais, enfatizando o critrio de inclu-

    so dos sujeitos no desenho, implementao e avaliao das polticas

    e programas de desenvolvimento social (a participao no umavarivel instrumental, mas substantiva que garante a obteno dos

    impactos desejados).

    Regimes de bem-estar

    Os esforos sistemticos por estabelecer um marco normativo

    do Bem-estar, a partir de uma construo analtica de corte compa-

    rativo, recorreram a intricados testes sobre as realidades e processos

    formas de interveno na esfera da reproduo da fora do trabalho

    e a famlia, enquanto que a poltica econmica interveno estatal

    na esfera da produo (Gough, 2003). Deste modo, as polticas

    sociais preservam sua especicidade quando sugerem algumas pr-

    ticas institucionais, processos e resultados perfeitamente distingu-

    veis das polticas econmicas. Para o autor, o bem-estar social se

    refere ao resultado nal na condio de indivduos ou grupos. A me-dida desejvel mais comum do bem-estar na literatura sobre o tema

    a igualdade, no entanto estabelece que ... a ideia de bem-estar

    se expressa melhor a travs do conceito de capacidades enunciado

    por Sen (1992) e de nosso conceito de satisfao da necessidade hu-

    mana (Doyal y Gough, 1991). Um Estado de Bem-estar , ento,

    um conjunto de produtos de polticas que perseguem o objetivo

    de melhorar o bem-estar humano, denido desta maneira (Gough,

    2003). Ou como arma Moreno (2001), o Estado de Bem-estar

    um conjunto de instituies pblicas provedoras de polticas so-

    ciais dirigidas melhora das condies de vida e a promover a igual-

    dade de oportunidades dos cidados.

    A partir desta perspectiva, ambas as categorias de polticas p-

    blicas (econmicas e sociais) devero necessariamente se conectar e seimbricar em uma estratgia unicadora para o desenvolvimento [hu-

    mano]. Concebendo esse desenvolvimento no como o mero cresci-

    mento econmico, ou aumento agregado dos ativos, bens ou servios

    totais produzidos por uma sociedade, mas como o desenvolvimento

    das potencialidades de todos os membros da sociedade, a m de uma

    realizao plena das necessidades humanas (Max Neef, 1986).

    Tambm destacamos as contribuies de Juan Pablo Terra

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    44 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Polticas pblicas e desenvolvimento social 45

    da famlia no mercado; nalmente, 4) o modelomediterrneono qual

    a famlia se constitui como fator essencial de microsolidariedade

    complementar ao estatal.

    Vrios autores examinaram a pluralidade das realidades sociais

    e institucionais a partir da perspectiva latino-americana. Assim, Fil-

    gueira (1998) prope um esquema de anlise sobre a relao entre

    Estado, Famlia e Mercado, a travs de trs modelos de regimes debem-estar: universalismo estratifcado, regimes duais de bem-estar e regi-

    mes excludentes. Em relao ao primeiro, mediante critrios de uni-

    versalidade relativamente ampla, conseguem incorporar uma parte

    importante da populao aos efeitos das polticas sociais, mas este

    acesso est fortemente diferenciado em tipo e qualidade dos bene -

    fcios (assim, estraticado). Nos pases com regimes dualistas de

    bem-estar, esta estraticao tende a excluir, a grosso modo, a me-

    tade da populao nacional. Nos modelos excludentes, por ltimo,

    os benefcios da poltica social so o privilgio de uma minoria. O

    importante desta caracterizao analisar que a integrao social da

    Amrica Latina est dada pela coexistncia destas modalidades que,

    desde o segundo ps-guerra em adiante, ela coexistiu em propores

    variveis de acordo com a sociedade em questo (Isuani, 2008).Desta maneira, um dos aspectos que caracteriza a Regio a

    diferena nos sistemas de proteo social, expressada na convivncia

    entre regimes de poltica social realmente existentes, onde uma par-

    te da populao consegue acessar a coberturas e benefcios de quali-

    dade do Estado nacional e, ainda que o nanciamento seja maiorita-

    riamente provido pelos prprios lares, conta com a proteo relativa

    e indireta, muitas vezes atravs de mecanismos informais. Isso con-

    diversos. Assim, podemos lembrar os estudos de Richard Titmus e

    tambm as transcendentes contribuies de EspingAndersen. De

    acordo com Moreno (2001), dois grandes modelos de bem-estar to-

    maram forma a partir do nal do sculo XIX: o primeiro quando

    se instalou um regime de segurana social pioneiro na Prssia de

    Bismarck10, que implantou um conjunto de prestaes sociais para

    os trabalhadores, regime de carter essencialmente contributivo; e osegundo modelo, anos mais tarde, tipo Beveridge, mais universal nas

    protees sociais ao conjunto da cidadania no Reino Unido.

    A tipologia elaborada por Esping-Andersen, e indo alm das

    crticas multivariadas que lhe formularam, Moreno (2001) reformu-

    la os trs tipos tradicionais com um esquema de quatro tipos: 1) o

    modeloanglo-saxo(de inspirao e fundamento liberal) caracteriza-

    do por prestaes pblicas homogneas, com acesso a subsdios

    e servios de tipo residual e com a demonstrao de rendas (means

    tested) e um papel importante do mercado como provedor dos ser-

    vios e bens; 2) o modelo continental, fortemente inuenciado pelo

    social-cristianismo, de carter contributivo determinado por um sis-

    tema de segurana social que ampara os trabalhadores e suas fam-

    lias, com uma participao complementar dos agentes corporativosna proviso de dados satisfatrios; 3) o modelo escandinavo(de orien-

    tao socialdemocrata) e nanciado por impostos gerais, proviso

    universal e prestaes econmicas generosas e menor participao

    10.Mais precisamente, Bismarck introduziu o Seguro Social como mecanismo de coberturadas situaes derivadas do regime assalariado, tanto em considerao aos acidentes detrabalho, como a ateno da inatividade temporria ou denitiva sobre a base de umregime contributivo.

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    servador que se traduziu na implementao de polticas neoliberais

    de claro efeito regressivo na considerao do papel do Estado como

    o garante da integrao social e a redistribuio da renda por via po -

    lticas sociais de carter universalista.

    A esse respeito, ressaltamos as consideraes de Lo Vuolo

    (1998), com relao ao auge da doutrina e das prticas econmicas

    e institucionais neoliberais dos anos noventa: Passada a denomina-da dcada perdida para nosso continente, instalou-se no debate

    pblico a questo dos modelos ou paradigmas do desenvolvimento,

    com especial nfase no papel das novas polticas sociais que foram

    ensaiadas em forma paralela e com carter subsidirio das polticas

    de estabilizao macroeconmica. E logo, na dcada de noventa,

    implantou-se um esquema consolidado em boa parte do subconti-

    nente, cuja marca relegou as polticas sociais a suas funes amor-

    tecedoras. No foi surpreendente ento a proliferao dos planos

    focalizados para combater a extrema pobreza e a expanso de uma

    mirade de programas nanciados pelos organismos multilaterais, os

    mesmos que recomendaram os pacotes de medidas econmicas que

    inibiram quase por completo as possibilidades de abordar estratgias

    de desenvolvimento social. Os mesmos organismos internacionaisde nanciamento que hoje ressaltam que para que as naes latino-

    americanas possam crescer economicamente devem atacar a fundo o

    problema da pobreza (Banco Mundial, 2006).

    No entanto, o ocorrido nas ltimas dcadas e at o inicio do

    presente sculo, evidenciou uma forte incongruncia e contradio

    entre polticas econmicas e polticas sociais, quando, em realidade

    se tratava de analisar os vetores que impulsionaram o desenvolvi-

    vive com outra parte da populao que obtm, s vezes de maneira

    precria e instvel, uma proteo provida diretamente pelo Estado

    cuja qualidade varia entre mdia e baixa, e um ltimo tero (podia-se

    incluir mais um como produto da nova questo social) est compos-

    to por uma parte da populao cujo acesso s condies mnimas

    de vida no est garantido pelas polticas sociais, salvo pela coinci -

    dncia, muitas vezes efmera, com os mecanismos de focalizao dapoltica assistencial (Andrenacci e Repetto, 2006).

    A partir desta estraticao observamos que a Amrica Lati-

    na aparece como uma sociedade de trs-teros, ainda que as pro-

    posies da populao entre os trs hajam variado com a histria.

    Sobre esta integrao social parcial e estraticada, resultado e ao

    mesmo tempo produtora de uma poltica social incapaz de resolver

    as desigualdades estruturais que deram lugar a um tipo de cidadania

    restringida e muito desigual por setores e territrios, sobrevenho a

    reforma de poltica social da segunda metade dos 80 e acima de

    tudo da dcada de 1990. A qual, dadas as caractersticas sinaladas,

    agudizou os nveis de polarizao e excluso social.

    Crise do Estado de Bem-estar

    Quando aquele modelo econmico de corte protecionista en-trou em crise na Amrica Latina (particularmente para aquelas na-

    es que haviam efetivamente comeado um modelo signicativo

    de proteo), racharam-se os pilares que sustentavam o Estado de

    Bem-estar, o estado providencia,nas palavras de P. Rosanvallon (1981):

    os cimentos cederam ante a impossibilidade de sustentar seu nan-

    ciamento, entre outros fatores, mas tambm o modelo caiu em des-

    graa diante do avano de um discurso ideolgico de cunho neocon-

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    2. A integridade do enfoque social.As polticas sociais deixaramde ser exclusivamente compensatrias, e apontaram a incorporar um

    carter promocional (scio-educativo) e integral, procurando gerar

    as condies para o desenvolvimento social. Em efeito, se nos anos

    noventa as polticas pblicas foram destinadas a corrigir ou mitigar

    os efeitos prejudiciais das polticas econmicas, a perspectiva pro-

    gressista nos pases do MERCOSUL reorientou aquelas em funoda centralidade dos direitos humanos em sua mais ampla acepo.

    No obstante, mantiveram-se programas e projetos sociais de corte

    assistencial e mitigatrio, corretivo e compensador, mas se incor-

    porou uma viso integral com o propsito de superar as limitaes

    mais estruturais e atacar as causas que produzem e reproduzem a

    pobreza. Assim mesmo, esse enfoque ressalta a condio de integra-

    lidade do conjunto das polticas pblicas e sua anlise sistmica, que

    supe uma articulao equilibrada e congruente entre as polticas

    econmicas e as polticas sociais, enfatizando o critrio de incluso

    de cidados no desenho, na implementao e na avaliao das pol-

    ticas e programas de desenvolvimento social.

    3. Inclinando a balana universalidade.Diferentemente do mo-delo neoliberal, que colocou no critrio da focalizao boa parte das

    polticas sociais, o modelo progressista tenta romper com aquela

    lgica para retomar a tendncia universalidade das prestaes e

    servios, garantindo seu acesso a toda a populao. A necessidade de

    reduzir a pobreza e a indigncia se formulava no marco das polti-

    cas neoliberais a partir da individualizao dos problemas sociais e

    a apelao modicao dos padres de conduta dos setores vulne-

    mento e as necessidades para sua instrumentalizao vivel. Para

    ns, a questo central se coloca exatamente quando no epicentro da

    mencionada estratgia se coloca o bem-estar e a qualidade de vida

    das pessoas.

    Polticas sociais emergentes

    J faz uma dcada que polticas sociais de cunho progressistavm se desenvolvendo na Regio, havendo-se registrado as primeiras

    mudanas nas orientaes no Brasil (2003) e na Argentina (2003) e

    um pouco mais tarde no Uruguai (2005) e no Paraguai (2008). Isso

    possibilitou identicar alguns traos que caracterizam as polticas

    sociais regionais acima das diferenas singulares, de modo que se

    valorizem os avanos em matria de dispositivos de proteo social.

    1. O retorno do Estado.Se a consigna dos anos oitenta e noventafoi minimizar o Estado, e desmantelar acima de tudo- os dispositi-

    vos de proteo social, com a promessa de que o mercado autorregu-

    lado iria redistribuir a cada um de acordo com o esforo colocado na

    produo, provendo os bens e servios para o bem-estar, a consigna

    lanada pelas foras da oposio convertidas agora em governo, foiexatamente em direo contrria. O retorno do Estado implicou, a

    partir das novas orientaes progressistas, retomar as responsabi-

    lidades abandonadas e imprimir uma forte interveno nos merca-

    dos, especialmente em alguns casos, em relao regularizao dos

    mercados de trabalho. A tnica da negociao coletiva foi instituda

    como uma prtica desejvel e particularmente em alguns casos, em

    uma prtica institucionalizada e totalmente legitimada.

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    ta simples sua instrumentao gerando altos custos transacionais

    e operativos, com as diculdades adicionais para selecionar com

    preciso os lares em situao de pobreza e extrema pobreza. Suce-

    de que so numerosas as famlias que cam fora dos programas de

    transferncia de renda ou programas alimentares por escassas ou

    mnimas diferenas de renda.

    5. Transferncias de Renda Condicionada em expanso na Regio. Ocombate pobreza mediante transferncias condicionadas uma das

    inovaes j instaladas na Regio. Mas cabem aqui vrios comentrios.

    Em primeiro lugar que ... em nenhum dos casos analisados o investi -

    mento social aplicado aos PTC supera 1% do PIB, ainda que tenham

    um peso considervel dentro do Gasto Pblico Social, o que supe um

    esforo scal signicativo que se soma s contribuies nanceiras

    dos organismos internacionais, muito particularmente do BID que

    renovou vrias linhas de crdito de longo prazo e em condies muito

    especiais. Em segundo lugar, os programas de transferncia condicio-

    nada tiveram impactos signicativos na reduo da extrema pobreza

    e em menor medida no descenso da taxa de pobreza. No entanto,

    no foi importante o impacto na desigualdade social, ainda quandocontriburam de alguma maneira diminuio da desigualdade social

    medida pelo coeciente de Gini. Em terceiro lugar, ... resultou funda-

    mental a ancoragem territorial dos PTC, contemplando precisamente

    as diferenas e singularidades das populaes a nvel local e regional.

    A participao das administraes municipais foi beneciosa na iden-

    ticao dos grupos mais vulnerveis e sua conexo com a malha de

    proteo social em suas distintas expresses institucionais. O risco

    rveis. A premissa do neoliberalismo assumia naturalmente as dife-

    renas e desigualdades sobre a base de uma competio no mercado

    que gerava inevitavelmente perdedores nessa contenda. Precisa-

    mente, o papel do Estado devia se limitar ateno dos cidados em

    situao de pobreza extrema, das sequelas que o ordenamento eco-

    nmico e produtivo deixava para trs. Da mo dos governos carac-

    terizados como de esquerda, progressistas, ou de raiz popular, todospropuseram nos seus discursos a relevncia do universalismo como

    critrio orientador para reencaminhar suas reformas sociais.

    4. A focalizao subsidiria, um conceito atualizado.Se trata deaplicar omean test, ou seja, a comprovao de meios como mecanis-

    mo seletivo das populaes destinatrias dos programas de comba-

    te pobreza e a excluso social, argumenta-se a favor de outro con-

    ceito somado ao de universalidade: a focalizao subsidiria. Dito

    em outros termos, para garantir o pleno exerccio dos direitos faz

    falta, de todos os modos, considerar que os pontos de partida das

    famlias, dos grupos e classes sociais so dspares. Ao armar que a

    igualdade de oportunidades um objetivo bsico das polticas so-

    ciais, ca evidente a assimetria pr-existente entre os cidados parafazer uso destas oportunidades. Entra em jogo ento a ideia de que

    a focalizao dos programas e prestaes no contributivas estaria

    favorecendo o melhor aproveitamento (a efetivao dos direitos de

    cidadania) dos servios e bens pblicos que se declaram de acesso

    universal. A focalizao se justica na medida em que se subordina

    universalidade como critrio direcionador das polticas sociais, e

    no o substitua na prtica institucional. No obstante, no resul-

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    52 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Polticas pblicas e desenvolvimento social 53

    PAL, 2010). Cabe lembrar que durante a crise observada em 2008

    os governos da Regio mantiveram os nveis incrementais do Gasto

    Social no sentido contrrio do que ocorrera na ltima dcada do

    sculo passado. A prioridade colocada na ateno das necessidades

    sociais acima de tudo dos setores mais vulnerveis, demonstra no

    s a especial sensibilidade das esquerdas ante s situaes de po-

    breza e indigncia, mas a intencionalidade de imprimir um carteranticclico ao Gasto Pblico Social (GPS) com a nalidade de que

    opere como freio e absoro dos efeitos negativos das crises do ca-

    pital. No obstante, tanto o gasto pblico em geral, como o gasto

    social, continuam sendo altamente pr-cclicos, especialmente nos

    setores de educao e sade. Porm, para enfrentar a crise nanceira

    internacional, a grande maioria dos pases desenvolveram polticas

    sociais e scais ativas: no s defenderam, mas tambm incremen-

    taram o gasto para incrementar diversos programas de estmulo ao

    emprego e de subsdios e transferncias. Isso demonstra que, diante

    das contradies econmicas, deve-se fortalecer o trabalho em ma-

    tria de poltica social e destinar maiores quantidades de recursos

    precisamente em ditas etapas (CEPAL, 2010).

    7. Reformas sociais. Em vrias das naes da Regio se incremen-taram reformas sociais que foram transformando a sionomia de

    alguns setores fundamentais na esfera de produo de bem-estar.

    Sade e educao foram os setores privilegiados tanto que tambm

    se modicaram algumas das prestaes sociais no contributivas

    histricas como o caso das assinaes familiares no Uruguai e na

    Argentina. A re-estrutura global dos sistemas de sade, aumentando

    de reproduzir as prticas do clientelismo se reduz substancialmente

    quando existem mecanismos de controle social que vigiam e alertam

    quando se descobrem irregularidades ou manuseios sem controle na

    distribuio das prestaes econmicas. Neste sentido, a presena de

    mbitos institucionalizados de participao cidad nos quatro pases

    conferem maior conabilidade e certeza ao processo de seleo e assi-

    nao das prestaes econmicas (Mirza et al., 2010).

    6. Aumento do Investimento Social.Em um mundo convulsiona-do por uma crise nanceira e do modelo de acumulao neoliberal

    que pareceria no ter m, necessrio deixar claro a postura com

    respeito ao conceito de Gasto Pblico Social e sua substituio pelo

    conceito de Investimento Social. Neste sentido, toda vez que se fale

    de gasto social se corre o risco real que seja passvel de corte ora-

    mentrio como uma medida de ajuste diante de situaes de cri -

    se econmica. De fato, este tipo de medidas signicou no passado

    uma transferncia das piores consequncias das crises conjunturais

    da economia globalizada aos setores sociais mais desprotegidos. Ao

    contrrio, a converso do Gasto Social em Investimento Social im-

    plica uma perspectiva de longo prazo, para o desenvolvimento decapacidades, portanto muito mais difcil de ser recortado. No enten-

    dimento de que o Gasto Pblico Social deveria ser reconceitualiza-

    do como um Investimento Social, observou-se uma tendncia ao seu

    aumento, principalmente nos valores destinados sade e educao,

    sendo relevante e mantida nos anos recentes. Assim que a Amrica

    Latina passou de 12,2% do PIB como mdia em 1990-1991 a 18% em

    2007-2008, sendo levemente superior a 20% no MERCOSUL (CE-

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    54 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Polticas pblicas e desenvolvimento social 55

    mbitos a nvel estadual e municipal como os Conselhos de Direitos

    formados por representantes do governo e da sociedade civil, com

    estrutura custeada pelo Estado e poder de voto e/ou consulta sobre

    a denio das polticas pblicas. O propsito de todos eles aponta

    a melhorar a gesto pblica, procurando efeitos sinrgicos das aes

    estatais e reduzindo custos de execuo. Convivem ditos espaos de

    intercmbio e articulao com as esferas especcas e setoriais deatuao, manifestando problemas de competio entre agncias p-

    blicas, diculdades de articulao vertical e prerrogativas excluden-

    tes que inibem a existncia de intervenes similares, o que constitui

    uma soma de barreiras que freiam ou atrasam as mudanas da cultura

    burocrtica.

    9. Polticas sociais e polticas econmicas.As polticas sociais his-toricamente estiveram subordinadas aos desgnios das polticas eco-

    nmicas, especialmente em tempos da hegemonia neoliberal. Para

    algumas teorias, as polticas sociais deveriam somente aplicar cor-

    retivos ou paliativos em funo das consequncias ou efeitos que as

    polticas econmicas produzissem. Para outras, as polticas sociais

    devem se amalgamar s polticas econmicas no marco de uma es -tratgia de desenvolvimento bem denida. O ocorrido nos ltimos

    vinte anos evidenciou uma forte incongruncia e contradio en-

    tre polticas econmicas e polticas sociais. Em efeito, assumia-se

    ento que as polticas sociais deviam esperar as assinaes ora-

    mentrias residuais, uma vez determinada a poltica macroecon-

    mica. Na verdade, a poltica social se subordinava quela poltica,

    que privilegiava os indicadores scais, monetrios, comerciais, entre

    e redistribuindo os recursos pblicos, estabelecendo controles de

    qualidade nas prestaes, privilegiando a ateno primria em sade

    priorizando a promoo e preveno, a descentralizao dos servi-

    os sanitrios com participao de agentes locais e a regularizao

    dos mercados, tudo isso faz que as reformas em curso consolidem

    a universalizao no acesso, uso e desfrute dos direitos correlativos.

    No setor da educao tambm se registraram mudanas relevantesainda que incompletas e insucientes; certamente se elevaram os

    indicadores relativos matrcula (acima de tudo no ensino funda-

    mental), mdia de escolarizao e incorporao dos setores mais

    excludos em zonas urbanas e rurais; tambm se registraram con-

    quistas signicativas na reduo do analfabetismo. Em conjunto as

    reformas ainda so parciais e em alguns casos se focalizaram em uma

    re-engenharia organizacional, com certo descuido dos contedos

    pedaggicos substantivos. No entanto, as transformaes de ambas

    as polticas setoriais do conta de estratgias que foram iniciadas

    tendo como nalidade a integrao social.

    8. Maior preocupao pela articulao de polticas setoriais. H

    vrios anos est em funcionamento o Conselho Nacional de Coor-denao de Polticas Sociais como rgo estatudo formalmente no

    organograma do Estado, tanto na Argentina como no Uruguai. En-

    quanto no Paraguai o Gabinete Social tomou a iniciativa da articula-

    o entre agncias pblicas para o desenvolvimento de planos e pro-

    gramas sociais, no Brasil esta funo est concentrada em boa parte

    na prpria Presidncia e no MDS (Ministrio de Desenvolvimento

    Social e Luta contra a Fome), ainda quando se observam mltiplos

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    56 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual Polticas pblicas e desenvolvimento social 57

    11. Perspectiva territorial e descentralizao das polticas sociais. Fi-nalmente, parece evidente que nesses ltimos anos tanto o desenho

    como a implementao das polticas pblicas sociais incorporaram

    a abordagem a partir e em funo das caractersticas territoriais. A

    diversidade cultural, econmica e geogrca que expressam os espa-

    os fsicos tida no s como dado de referncia que no se pode

    passar por alto, mas tambm como exigncia de adequao das po-lticas pblicas s necessidades singulares das localidades urbanas e

    rurais articuladas com espaos maiores, apontando reduo das

    assimetrias e desvantagens acumuladas em dcadas passadas. Mas,

    sem dvida, a participao dos atores locais constitui um elemento

    central das novas prticas institucionais na construo de respostas

    s problemticas sociais com perspectiva territorial. Neste sentido,

    a descentralizao supe a incorporao da consulta e a participa-

    o das comunidades, o envolvimento direto dos governos locais e a

    transferncia de recursos, competncias e poderes aos mbitos mais

    prximos da populao (juntas locais, conselhos municipais, entre

    outros).

    outros. A mudana de orientaes polticas do ltimo decnio teve

    seu correlato no campo das polticas sociais, que giraram radical-

    mente seu eixo para no comprometer as prioridades determinadas

    pelas situaes extremamente graves e no sujeit-las aos equilbrios

    macroeconmicos. O panorama na Regio reete atualmente uma

    tendncia com descontinuidades e contradies na medida em que

    se aplicaram fortes medidas dirigidas a reduzir a pobreza, mas comimpactos ainda fracos em relao reduo da desigualdade social,

    sendo que, por outro lado, se registraram em alguns anos indica-

    dores de concentrao da riqueza. Certamente, este um dos te-

    mas emergentes das atuais agendas polticas em praticamente todos

    os pases do MERCOSUL, ressaltando a vocao redistributiva e o

    compromisso dos governos que indica uma tendncia contnua.

    10. De objetos da assistncia pblica a sujeitos de direitos. justoreconhecer e advertir que a mudana de perspectiva e conceptu-

    alizao das polticas sociais aposta na maior participao dos ci-

    dados atravs da criao de novos mbitos institucionalizados e

    descentralizao da implementao dos planos e programas sociais.

    Os destinatrios das polticas sociais no se consideram como ob-jetos (passivos) da assistncia pblica, mas como sujeitos de direitos,

    cidados ativos com capacidades para desenvolver uma autonomia

    crtica e participativa. Ainda mais quando algumas das aes vo

    explicitamente direcionadas a gerar e promover um maior grau de

    conscincia sobre os direitos exigveis de vastos contingentes de ci-

    dados que esto em situao de vulnerabilidade socioeconmica.

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    31/43

    A agenda social e seus desaos 59

    III. A agenda social e seus desaos

    Abordar os grandes desaos da atualidade em relao ao tipo de po-

    lticas sociais que necessrio implementar na Regio conduz inde-

    fectivelmente a instalar como eixo transversal das polticas sociais

    o respeito pelos direitos humanos e, em consequncia, a promoo,

    acesso e apropriao dos direitos de cidadania.

    Assim o estipula a Reunio de Ministros e Autoridades do De-

    senvolvimento Social (RMADS) na declarao de seus princpios:

    Do MERCOSUL Social pensamos em cidados, promovemos aes

    em torno da proteo e promoo social a partir de uma perspectiva

    de direitos que se prope o objetivo de garantir a igualdade de opor-

    tunidades no acesso a um real desenvolvimento humano integral.

    No aprovamos as vises fragmentadas da realidade, mas assumimos

    a complexidade das problemticas e buscamos dar uma resposta in-tegral aos problemas existentes, pois a verdadeira dimenso de uma

    poltica social leva em considerao todos os campos da realidade,

    em seus aspectos econmicos, sociais, polticos e culturais11.

    Nesse contexto, fundamental analisar a capacidade do Estado

    na construo da cidadania atravs das polticas sociais, j que na

    11. Declarao de Princpios do MERCOSUL Social.

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    60 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual A agenda social e seus desaos 61

    armar que as polticas sociais so exigentes em relao qualidade

    das instituies sociais que requerem, assim como em relao aos re-

    cursos nanceiros, ecincia, transparncia e integridade. O termo

    capacidade se refere no s proviso direta de servios sociais

    por parte do Estado atravs do gasto pblico, mas tambm capaci-

    dade do Estado para regulamentar e estimular os atores no estatais

    na satisfao dos requerimentos dos setores sociais.Portanto, pensar o Estado no faz-lo unicamente como se

    pretendeu a partir da literatura neoliberal, a partir da sua capacidade

    administrativa ou tecnocrata, mas, mais importante ainda, a partir

    da sua capacidade poltica. Esta dimenso do Estado se orienta no

    sentido de forjar o consenso ou pactos/acordos sociais necessrios

    para coordenar aes, o que do contrrio terminaria em iniciativas

    segmentadas ou divergentes.

    Existe um acordo nos pases do MERCOSUL em relao im -

    portncia de recuperar o papel estratgico do Estado em sua funo

    poltica, como mbito pblico de convergncia dos interesses coleti-

    vos e, portanto, como mxima instncia de articulao social na apli-

    cao de suas polticas governamentais, orientadas ao bem comum.

    Ainda assim, ser necessrio desenhar mecanismos que fortaleamas capacidades Estatais para que possa desempenhar ditas funes.

    Reforar as capacidades estatais implica:

    Um maior nvel de autonomia relativa sobre a necessidade de

    aumentar a margem de liberdade de ao a respeito dos atores

    externos e internos;

    Maiores nveis de efetividade, sobre a possibilidade de produzir

    os impactos esperados em relao aos efeitos buscados, para

    relao entre poltica social e cidadania se podem distinguir dois

    aspectos. Um deles tendeu a identicar criticamente os graus de

    universalidade real e acesso efetivo dos cidados aos conjuntos de

    direitos, habitualmente distinguidos em civis e pessoais, polticos

    e sociais, mais toda uma gama de novas geraes de direitos fusio -

    nveis (Andrenacci, 2003) com estas trs distines bsicas. Outro

    uso, mais recente, associa a noo de cidadania ao exerccio da parti-cipao poltica e cultural efetiva dos cidados em suas comunidades

    locais ou nacionais, e no nvel em que os Estados nacionais e locais

    representam aos cidados ou so permeveis incidncia dos inte -

    resses individuais e coletivos daqueles.

    O aspecto que interessa ressaltar aqui que tanto o sistema de

    direitos e deveres como a participao poltica e cultural efetiva tm

    consequncias materiais de varivel intensidade, as quais tendem a

    consolidar uma posio do indivduo-cidado na estrutura social e

    poltica do Estado-nao. A cidadania materializa, desde este ponto

    de vista, uma sorte de status jurdico, poltico e socioeconmico

    (Andrenacci e Repetto, 2006). Os modelos de proteo e promoo

    de polticas sociais denem modalidades diferentes de cidadania,

    atravs de regimes de bem-estar12que tm como consequnciamodelos diferentes de estraticao social.

    Estas ideias voltam a colocar, ao mesmo tempo em que ex-

    pem, as caractersticas do papel que deve desempenhar o Estado

    como principal agente do pblico e, em particular, de uma poltica

    social baseada em um enfoque de direitos. Neste sentido, se pode

    12. A articulao do Estado com as esferas do mercado, a famlia e a comunidade constitui oregime de bem-estar ( Esping-Andersen, 1990, 1999).

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    62 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitual A agenda social e seus desaos 63

    No devemos deixar de reconhecer o papel do trabalho dig no

    como mecanismo de integrao social por excelncia. O mercado de

    trabalho representa a pea principal entre o crescimento econmi-

    co e a reduo da pobreza, tal como destacou a CEPAL em vrios

    estudos (CEPAL, 2000a, 2000b; Naes Unidas, 2005). A criao

    de emprego, as melhoras das remuneraes reais associadas ao

    aumento da produtividade e a cobertura e caractersticas da pro-teo social dos empregados so os mecanismos que permitem tra-

    duzir o crescime