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Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) DILEMAS PÚBLICOS E DEMANDAS CORPORATIVAS: A FORMAÇÃO DA SAÚDE PUBLICA NO BRASIL E AS BASES DA AÇÃO SINDICAL Ronaldo Teodoro dos Santos Universidade Federal de Minas Gerais

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Page 1: DILEMAS PÚBLICOS E DEMANDAS CORPORATIVAS: A … · Nos últimos anos, com alguma frequência, o mercado suplementar de saúde tem se tornado alvo de crescente esforço político

Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas:

aproximando agendas e agentes

23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)

DILEMAS PÚBLICOS E DEMANDAS CORPORATIVAS: A FORMAÇÃO DA

SAÚDE PUBLICA NO BRASIL E AS BASES DA AÇÃO SINDICAL

Ronaldo Teodoro dos Santos – Universidade Federal de Minas Gerais

Page 2: DILEMAS PÚBLICOS E DEMANDAS CORPORATIVAS: A … · Nos últimos anos, com alguma frequência, o mercado suplementar de saúde tem se tornado alvo de crescente esforço político

A crescente preocupação com o sistema de saúde no Brasil1, tem-se tornado um fato tão

notório quanto aberto a um debate controverso. Ao lado do diagnóstico dos seus

impasses, os analistas convergem quanto à dificuldade de se construir uma ampla

coalizão política, entendendo-a como condição necessária à superação dos gargalos

recorrentemente apontados. Dentre os desafios estruturais à qual estaria exposto o

sistema de saúde no Brasil duas teses interessam, particularmente, ao presente artigo: o

subfinanciamento público (Ugá e Marques, 2005) e o hibridismo público-privado de

interesses que historicamente subvenciona as instituições que balizam os serviços de

saúde no país (Bahia, Menicucci, 2003).

Compreende-se que, não obstante à sua força explicativa, tais diagnósticos deixam

encoberto uma dimensão que vem estruturando o desenho da saúde pública no Brasil: a

ação corporativa sindical. Ocupando-se de tais questões, o presente estudo orienta-se

por uma releitura do campo, a qual pretende evidenciar como o pragmatismo que matiza

o comportamento sindical consiste em elemento fundamental à compreensão da política

de saúde no país.

Em um primeiro momento, apresentaremos evidencias de que a reprodução da

assistência à saúde do trabalhador vem produzindo a mercantilização dos serviços de

saúde, implicando, por consequência, em fuga da base social de apoio ao SUS. Nas duas

últimas seções, o esforço consistirá em identificar a existência de um “silêncio

analítico” entre as teses centrais do SUS e as linhas interpretativas do mundo do

trabalho. O argumento se encerra procurando recuperar a literatura que se organiza em

torno da saúde do trabalhador, que, por ora, se encontra marginalizado deste campo de

questões.

Os descaminhos da ação corporativa e o dinamismo mercantil da saúde

1 Utilizando a proposição de Menicucci (2003), por Sistema de Saúde define-se o arcabouço

institucional-legal montado no Brasil pós-88 que, ao criar o SUS, consolidou a assistência à saúde

como um dever do Estado e Direito de todo cidadão. Paralelamente, incluiu ainda o arranjo

complementar e suplementar de atendimento. Esta formalização consolidaria dentro do serviço

público a prestação privada da assistência, que poderia se dar em regime de parceria, estabelecendo

complementaridade, ou de forma autônoma, independente do Estado (suplementar).

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Nos últimos anos, com alguma frequência, o mercado suplementar de saúde tem se

tornado alvo de crescente esforço político em aprofundar a regulação de sua oferta. Em

diálogo com a expansão do setor, difunde-se também uma forte insatisfação dos

usuários com esses serviços. Não obstante, objeto de menor alarde tem sido o singular

interesse das Centrais Sindicais em normatizar essas relações de consumo.

Esta ativa participação se deve ao fato menos óbvio de que, em sua maioria, a

reprodução do setor supletivo tem se iniciado no interior do mercado de trabalho. Em

sua essência, a forte preocupação das entidades trabalhistas, contrapõe-se ao argumento

simplista de que os planos coletivos de saúde seriam “benefícios oferecidos por

empresas”. Esta afirmação, não apenas deslegitima o esforço de politização realizado

pelo setor trabalhista, como também negligenciaria os caminhos pelos quais vem se

desenhando a saúde do trabalhador.

Como se sabe, os vínculos da estrutura privada do setor supletivo de saúde com os

recursos públicos no Brasil, não figuram como informação nova, ou surpreendente, para

os analistas da saúde pública. Todavia, os teóricos do campo veem dispensando pouca

atenção aos efeitos indiretos que a ação coordenada de grupos organizados provoca

neste cenário. Neste sentido, se nos últimos anos a literatura sanitarista diagnosticou

com clareza os muitos caminhos regressivos que vinculam o setor privado aos recursos

públicos, compreende-se que existe uma lacuna na forma como os grupos organizados

participam deste cenário, em específico as entidades sindicais. 2

Nos últimos encontros nacionais que tiveram a saúde do trabalhador como foco3, ao

lado das preocupações com o Sistema Único de Saúde (SUS), as Centrais Sindicais

também se viam pragmaticamente vinculadas a uma agenda pautada por questões afetas

aos planos coletivos privados. De acordo com a ANS, percorrendo o período que se

estende de 2003 a 2012, seria possível observar uma expansão dos planos privados de

2 Esclarece-se que por Entidades Sindicais compreende-se todos os níveis institucionalizados do trabalho

organizado (Sindicatos, Confederações, Federações e as Centrais Sindicais). Tal formalização segue o

debate consensuado no último Fórum Nacional do Trabalho (FNT), realizado em 2004.

3 A título de exemplo, podem ser citados, "O Fórum Nacional Permanente dos Trabalhadores sobre

Saúde Suplementar", de 2008 e o seminário "O trabalhador brasileiro e a saúde suplementar: relações de

consumo", promovido em abril de 2009 pela ANS.

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saúde no Brasil em números absolutos de cobertura à população,4 conforme evidencia o

gráfico abaixo.

Taxa de cobertura (%) por planos privados de saúde (Brasil - 2003-2012)

• Fontes: Sistema de Informações de Beneficiários/ANS/MS - 06/2012 e População - IBGE/Datasus/2010

Nota: Taxa de cobertura refere-se a percentual da população coberta por plano privado de saúde.

Em consonância às informações do gráfico acima, no primeiro semestre de 2009, o

DIEESE também divulgou estudo cujas conclusões são de que a saúde suplementar

vem apresentado forte crescimento no país. Não obstante, chama atenção que este

crescimento não estaria se dando de forma aleatória, revelando, antes, uma tendência de

expansão no que se refere, sobretudo, aos planos coletivos. Ou seja, aqueles que

envolvem os trabalhadores organizados e suas respectivas representações sindicais.

Segundo a nota, entre março de 2000 e setembro de 2008, o total de vínculos

trabalhistas a planos coletivos de saúde tiveram um aumento de 234%, passando de

30% do total de planos privados no país em março de 2000, para 73% ao fim do período

analisado (DIEESE, nº 2 - abril de 2009).

Atualmente, enquadradas sobre o regime de livre concorrência, as operadoras

abrangeriam aproximadamente 50 milhões de usuários de planos e seguros de saúde.

Atualizado para o ano de 2012, a tabela abaixo evidencia que, deste total, o número de

planos coletivos já alcança o percentual de 76,94% desses casos. Esta situação ajuda a

compreender a crescente importância atribuída pelas principais representações sindicais

4 Vale destacar que esta informação é contraposta por Menicucci (2003; 2007). Fundamentada em dados

da PNAD, a autora argumenta que não ha expansão de planos privados em números absolutos, se

contrapondo à informação da ANS.

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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Beneficiários em planos privados de assistência médica com ou sem odontologia Beneficiários em planos privados exclusivamente odontológicos

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em regular o setor.

Tabela 1- Beneficiários de planos privados de saúde, por época de contratação do plano, segundo

cobertura assistencial e tipo de contratação do plano (Brasil – junho/2012)

Cobertura assistencial e tipo de contratação do plano Total Novo Antigo

Assistência médica com ou sem odontologia 48.656.405 40.857.241 7.799.164

Individual ou Familiar 9.940.665 8.409.514 -

Coletivo Empresarial 30.606.297 27.526.784 3.079.513

Coletivo por adesão 6.794.490 4.884.072 1.910.418

Coletivo não identificado 36.871 36.871 1.531.151

Não Informado 1.278.082 - 1.278.082

Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários/ANS/MS - 06/2012

O perfil coletivo dos contratos evidenciados pela Tabela 1 revela que boa parte desses

usuários são trabalhadores e suas famílias. Esta situação sugere que esta política de

saúde vem se consolidando como pratica difundida nas relações de trabalho, tornando-

se, via de regra, uma reivindicação expressa dos trabalhadores.5

Dito de outro modo, a

expansão mercantil dos planos coletivos cria evidências de que haveria participação das

entidades sindicais, se envolvendo como pauta nas mesas de negociação e inserindo-se,

portanto, nos contratos de trabalho. Este cenário confere plausibilidade à conclusão de

que o percurso dessa pressão implica em forte fuga de base social em apoio ao SUS.

Em documento enviado à Agência Nacional de Saúde (ANS), em março de 2008, as seis

maiores centrais sindicais do país reivindicavam, essencialmente, regulamentar a

participação dos sindicatos de cada categoria trabalhista no processo de negociação

destes planos (DIEESE, 2009). Naquela ocasião, a aproximação dos dirigentes sindicais

tinha por preocupação o "aperfeiçoamento da saúde suplementar", tendo em vista um

suposto código de defesa do consumidor. Como resultado desta ação corporativa, a

5 A forte difusão das operadoras nas relações trabalhistas reforçou as iniciativas quanto à criação do

Fórum Nacional Permanente dos Trabalhadores sobre Saúde Suplementar em 2008. Além da ANS,

participam das discussões as seguintes entidades: Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB),

Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT),

Força Sindical, Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) e União Geral dos Trabalhadores

(UGT).

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assistência à saúde assumia características que a distanciava da própria ideia

constitucional de "direito social", para se afirmar enquanto “direito civil” demandado

por grupos organizados em categorias trabalhistas.

Até aqui, teríamos, portanto, dois padrões de ação sindical: (i) por um lado, uma frente

de ação junto às empresas, via negociações coletivas, e, por outro, (ii) uma atuação

voltada para o Estado, junto à ANS – tendo em vista o aperfeiçoamento de seus

parâmetros regulatórios. No primeiro caso se encontrariam os sindicatos de base, e no

segundo as centrais sindicais. Nos dois casos, articulada como uma demanda

corporativa, o que estaria em questão seria a reprodução mercantilizada da saúde do

trabalhador, cuja distribuição da qualidade poderia estar variando em função da

estrutura e do poder sindical.

As preocupações com a expansão do setor privado vis-a-vis o diagnóstico dos gargalos

do SUS é dimensão central à crítica sanitarista elaborada nas últimas décadas. Não

obstante, a participação sindical não figura como objeto de preocupação entre os

analistas do campo. Não se coloca a questão de que o comportamento corporativo dos

interesses trabalhistas, ao impactar decisivamente a mercantilização da assistência,

sustenta e reforça, em alguma medida, os dilemas do padrão institucional híbrido e o

subfinanciamento da saúde pública. Procedendo a uma análise das principais leituras da

área, pode-se observar o percurso desta negligência, tanto entre sanitaristas, quanto nos

estudos que se ocupam da trajetória sindical na história recente da democracia

brasileira.

Sanitaristas e Sindicalistas: razões históricas e teóricas do “não-diálogo”

A problematização que organiza essa seção consiste em perseguir as razões do “frágil

diálogo” que vem demarcando a literatura sanitarista e os principais analistas que

organizam a sociologia do trabalho. As evidências da distância podem ser identificadas

na própria narrativa que fazem de suas trajetórias políticas na republica brasileira.

Tomado em sua perspectiva histórica mais ampla, o desafio central do movimento

sanitarista nos anos 1970 e 1980, explica-se a partir de uma agenda organizada em

torno do enfrentamento de um Estado centralista e setorializado, cuja lógica básica

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consistia na separação estrutural entre saúde pública e assistência médica previdenciária

(Escorel, Nascimento e Edler, 2008). Em fins dos anos 1970, com o amadurecimento

desta percepção crítica, deslegitimava-se o modelo assistencial pregresso, e a razão

sanitarista atribuía crescente centralidade aos mecanismos de participação e controle

social. Este entendimento esclarece, com efeito, porque os analistas do campo

tradicionalizariam a narrativa da Reforma da Saúde no Brasil como um processo mais

profundo de refundação do próprio Estado Nacional (Lima, Fonseca e Hochman, 2008).

Nota-se que a pretendida repactuação institucional da política de saúde, fundada em

bases que garantissem o acesso simétrico e universal a esses serviços, eixo das

preocupações sanitaristas, negava diretamente o debate circunscrito a uma dimensão

classista de acesso aos mesmos. Por conseguinte, afirma-se que, em sua origem, as

motivações políticas que fomentaram a luta pela institucionalização do SUS,

proporcionaram uma aproximação precária com a pragmática corporativista. Esta não

tinha espaço discursivo, e não constava, portanto, como forma histórica articulada de

ação no interior dos esforços de coalizão sanitarista. Não obstante, avalia-se que a cisão

entre essas duas concepções de construção do acesso à saúde, tornou-se secundarizada

no processo posterior de luta guiado à redemocratização do Estado brasileiro.

No inicio dos anos 1990, Faveret e Oliveira argumentavam que a baixa qualidade em

algumas áreas dos serviços públicos de saúde e os limites à expansão da cobertura,

seriam os pilares do fortalecimento da saúde suplementar no Brasil (1990).6 Conforme

observaria Menicucci, para este campo analítico, dada a ineficiência do setor estatal,

vigoraria a ideia de que alguns segmentos sociais teriam migrado para o setor privado

em função da piora da qualidade dos serviços públicos. Nesta relação de causalidade, o

que se supõe, em termos lógicos, é que estes "anteriormente (…) seriam cobertos pelo

sistema público e que [este seria] de qualidade" (Menicucci, 2003). Como

desdobramento “natural”, a conclusão a que podemos chegar é de que só a partir daí os

sindicatos também teriam, por exemplo, intensificado sua opção corporativa pelo setor

supletivo.

6 É possível identificar esta tese em muitos trabalhos na área da saúde, revelando certo limite quanto à

compreensão da própria lógica que fundamenta a formação do estado brasileiro. Para citar alguns

deles, Pina (2005), Santos (2000), Médici (1991) e Mendes (1993).

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Contrapondo-se a esta chave interpretativa, Menicucci (2003; 2007) constrói uma tese

de grande repercussão no campo, argumentando que a expansão do sistema privado não

teria se dado como um efeito inesperado da má estruturação do sistema público. Na

verdade, seria a própria lógica em que se estruturou a política pública de saúde no Brasil

que teria proporcionado o dinamismo do sistema privado. Assim, ao ampliar recursos à

cobertura pública o governo consolidaria repasses ao setor privado, expandindo seu

poder de operacionalização. Dialogando com esta tese, Ligia Bahia organizou uma

importante produção de estudos no campo, apresentando evidências consistentes das

diversas formas de subsídio público à iniciativa privada ao longo das décadas de 70 e

80, esclarecendo o modelo previdenciário pregresso e suas ramificações no pós-88

(Bahia, 2005; 2008).

É na persistência deste legado hibrido de interesses, mantido por mecanismos indiretos

no decorrer do processo de implementação do SUS, que residiria a causalidade dos

limites à plena efetivação da Reforma Sanitária. Visivelmente fundada em outra relação

explicativa, este campo de investigação, não obstante, também considera apenas

residualmente a relevância do sindicalismo a este cipoal de questões (Menicucci, 2003;

Bahia, 2008).

Em artigo publicado em 2007, Menicucci apresenta os desafios de se pensar a

implementação do SUS a partir de uma investigação que considere as “coalizões

políticas”. Nesta publicação, procura atribuir alguma centralidade ao comportamento

sindical brasileiro, sem investigar, contudo, as bases em que se assentavam a saúde do

trabalhador. Em sua analise, a década de 1990 revela que o movimento sindical mais

combativo encontrava-se estruturado em torno de planos privados, e, apesar de declarar

apoio formal ao SUS, encontrava-se pragmaticamente vinculado ao aperfeiçoamento da

oferta por categoria trabalhista. Menicucci localiza no arranjo da previdência das

décadas anteriores a dificuldade de se construir uma identidade coletiva entre o mundo

do trabalho e o projeto sanitarista da saúde pública (2007).

É interessante notar que em seu argumento o princípio corporativo que matizaria as

escolhas sindicais, apesar de enquadrado como “efeito feedback” de políticas anteriores,

é, em larga medida, justificado a partir do contexto liberal dos anos 1990. Este,

orientado pela fragilização das condições de trabalho, contração e consequente

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precarização da estrutura pública de serviços, consumiria “muito das energias do

movimento sindical”, explicando o fortalecimento da luta segmentada por saúde. Aqui,

os constrangimentos institucionais prévios deixam de ser causalidade explicativa, e

cedem lugar ao argumento conjuntural. Assumindo a linguagem de seu instrumental

teórico, pode-se dizer que este desenho abriria espaço à percepção de certo “dinamismo

institucional”, evitando, assim, uma análise enrijecida e estática da trajetória pregressa.

Em seu argumento, a “conjuntura liberal” matiza o comportamento corporativo sindical,

e, apesar de não ser vista como um contexto que cria ou define o híbrido institucional

público-privado, possui grande relevância analítica para explicar o pragmatismo

trabalhista e seu impacto à “inovação limitada” da Reforma Sanitária (Menicucci,

2007).

Respeitando a força deste enquadramento heurístico, o que intuitivamente se conclui é

que num contexto de maior afluência econômica e fortalecimento do valor-trabalho, a

luta corporativa das entidades sindicais por planos privados se arrefeceria. Ora, de

acordo com os dados da tabela 1, nossa conclusão aponta, justamente, em sentido

oposto. Transpondo os desafios do “contexto liberal”, a primeira década do presente

século revela a intensificação do pragmatismo corporativo, sugerindo que este não se

explica por conjunturas, mas se assenta em determinada compreensão da construção

democrática de direitos, que atrela cidadania ao mundo do trabalho.

Por outro lado, a tese que versa sobre o subfinanciamento da saúde pública, ao avaliar

os limites de implementação do SUS, procura salientar o sentido político que orientou a

transformação da “estrutura do gasto nacional em saúde”. Essencialmente, esta tese

privilegia as determinações políticas provenientes da área econômica nas duas últimas

décadas. Com efeito, por não incorporar a herança institucional da previdência social

como dimensão propriamente analítica, o argumento das autoras cede grande espaço

explicativo à influencia conjuntural.

Em sua tese de doutoramento, organizada em 1997, Maria Alicia D. Ugá atem-se

particularmente aos efeitos do ajuste macroeconômico na reforma do setor saúde.

Fundada em uma teoria da convergência, cujo cenário internacional se articulava em

torno do “paradigma neoliberal”, a autora constrói um enquadramento a qual procura

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localizar a racionalidade dos atores. Assim, orientados por esta lógica, teriam dilapidado

o conceito de Seguridade Social forjado na Constituição de 1988.

Dentro desta leitura, os seguintes aspectos ganham relevância explicativa: (i) o corte nos

recursos das contribuições de empregados e empregadores, praticado a partir de 1993,

(ii) a participação precária da CPMF na área da saúde pública, e a (iii) desvinculação de

aportes propiciada pelo antigo Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), posteriormente

DRU. Soma-se a esta correnteza, a regressiva prática histórica de renuncia fiscal ao

rendimento das pessoas física e jurídica, que em 1997 chegaria a 2% do PIB (Ugá,

1997).

Em sua essência, o cenário descrito teria inviabilizado tributariamente o funcionamento

da saúde pública, tanto no que diz respeito à perversão das fontes de arrecadação e

custeio, quanto nos desvios constantes que formataram a destinação dos gastos.

Em artigo publicado em 2005, e reeditado em 2008, ao lado de Rosa Marques, esta

estrutura argumentativa é replicada in totum. Procedendo a uma analise minuciosa das

escolhas políticas que propiciaram o “ajuste macroeconômico”, argumentam que esta

lógica teria comprometido “nada menos que metade do gasto público ao pagamento das

despesas com juros, encargos e amortização da dívida interna e externa” (2008:230).

Ponderam, todavia, que na primeira década deste século, em que pese a permanência da

“desvinculação de recursos” e a “renuncia fiscal”, teria havido avanços, que poderiam

ser atribuídos aos “profissionais da área, aos usuários e prestadores de serviços”

(2008:231).

De um modo geral, a estrutura de interesses que propiciou os descaminhos do

financiamento analisado é abordada de forma generalizante. Mencionam, via de regra, a

existência de “coalizões conservadoras”, a formação de “coalizões de governo”, ou a

“influencia do setor empresarial”, sem apresentar claramente do que isto realmente se

trata. Este desenho permite a conclusão de que a correlação de forças e interesses dos

atores ficaria subordinada à condição de externalidades decorrentes da trajetória

institucional, ou resignificadas pelas pressões conjunturais da área econômica.

Se a inteligência crítica forjada no campo sanitarista atribui uma recepção difusa aos

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interesses classistas nos rumos da política de saúde, avaliamos, por outro lado, que os

analistas do trabalho também invisibilizaram amplamente os efeitos indesejados que a

ação corporativa provocaria no arranjo da saúde pública brasileira.

Os indícios da relação entre o mundo do trabalho e o universo da saúde pública, podem

ser rastreados por diversos caminhos. Em estudo recente, Escorel, Nascimento e Edler

(2008), apontam que nos anos 1970, ao lado do financiamento público proporcionado à

iniciativa privada, e com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social

(INAMPS) em 1966, o financiamento da saúde pública não chegava a 2% do PIB. Por

sua vez, os recursos que garantiam a assistência médica dos trabalhadores formais se

beneficiavam dos elevados índices de crescimento econômico registrados entre 1968 e

1974. Como destacam as autoras, “na década de 70, a assistência médica financiada

pela Previdência Social conheceu seu período de maior expansão em número de leitos

disponíveis, em cobertura e em volume de recursos arrecadados, além de dispor do

maior orçamento da sua história” (2008:61).

Sendo a interpretação da crise deste modelo assistencial, o caminho pelo qual os

teóricos sanitaristas iniciam sua narrativa no interior do movimento maior de

redemocratização do país, por outro lado, o olhar dos analistas do trabalho, neste

mesmo processo, articulariam questões endereçadas ao “Novo Sindicalismo” nascente.

Basicamente, se ocupavam em torno de questões que os vinculava à construção da

“autonomia sindical”. Em sua essência, a crítica formulada fundava-se no desconforto

de se pensar a relação entre corporativismo e democracia, no qual a legislação sindical

varguista tornava-se o grande “mal de origem” a ser denunciado e expurgado (Santos,

2009).

A rigor, a tradição interpretativa do sindicalismo brasileiro que se estruturou ao longo

dos anos 60, 70 e 80, compreenderia a expansão dos direitos trabalhistas num confronto

endereçado não apenas em relação às forças de mercado, mas contra o próprio Estado.

Neste sentido, além dos desafios em se repensar as relações entre “cúpula” e “base”

sindical, os estudos sugeriam estratégias e comportamentos para que os dirigentes

enfrentassem o Estado em suas diversas instâncias, rompendo com a estrutura

institucional a qual se encontravam atrelados (Schumann, 1998; Rodrigues, 1966;

Weffort, 1973; 1978; Boito Jr., 1991).

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Estruturada numa variável sociopolítica, tal vertente interpretativa estaria valorizando

um debate em torno dos efeitos perversos do direito corporativo sobre a prática sindical.

Esta perspectiva analítica traria ao primeiro plano reflexões acerca da Justiça do

Trabalho, do imposto compulsório, da unicidade e da investidura sindicais. Além disso,

manter-se-iam profundamente críticos à estrutura sindical oficial (Sindicatos,

Confederações e Federações), rechaçando categoricamente a legitimidade dessa

representação política, adjetivada pejorativamente de “sindicalismo de Estado” ou

“sindicalismo populista” (Weffort, 1978; 1981; Boito Jr, 1991; Antunes, 2009).

Portanto, afirma-se que é sob esta perspectiva que a relação entre Estado e Sindicatos

tornava-se hegemonicamente interpretada no interior do processo de redemocratização,

cujos apontamentos ainda continuam servindo de arcabouço teórico para boa parte das

análises mais recentes (Boito Jr. 1991, Rodrigues, 1966; 1974; 1992). Como

desdobramento, no plano nacional os sindicatos seriam recorrentemente compreendidos

como instituições pouco representativas e em permanente crise de legitimidade – e

praticamente nulos em termos de influencia na construção de políticas públicas.

A partir desta “critica anti-corporativista”, abre-se espaço à compreensão de que a

vitalidade da ação sindical é tomada em confronto com o Estado e a conquista autêntica

de direitos ocorreria no âmbito corporativo das negociações coletivas. O princípio é que

a partir de tais conquistas decorreriam avanços distributivos, formalizados em contratos

coletivos de trabalho. Nesta perspectiva normativa, o poder de estabelecer livre

negociação a expensas do Estado, revelaria o amadurecimento democrático pelo qual

deveriam passar as relações de trabalho no Brasil (Rodrigues, 1992; Weffort, 1981). Por

conseguinte, é para este ambiente que convergiria uma parcela significativa das

demandas que tem origem na saúde do trabalhador, sugerindo a formação de uma

“cultura corporativa de direitos”.

Por este enquadramento, compreende-se a disjunção entre os termos dominantes do

debate travado na saúde pública e as grandes teses que versam sobre as preocupações

dos analistas do mundo do trabalho no Brasil. Todavia, em que pese este legado

interpretativo, com a criação do SUS, uma serie de mecanismos institucionais vem

forçando o deslocamento desta distância, cujo norteamento consiste em incorporar a

saúde do trabalhador numa perspectiva pública de regulação.

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O elo perdido: por uma leitura sanitarista à saúde do trabalhador.

Destacado como grande estudioso do campo, Francisco Lacaz vem argumentando que

no decorrer do processo de construção do SUS, é possível dividir a saúde do trabalhador

em três fases: (i) primeiramente, entre 1978 e 1986, a qual o autor procura destacar a

“inclusão do mundo do trabalho na reforma sanitária” - intensificada a partir da I

Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST), em que se criou os Programas

de Saúde do Trabalhador (PST’s). (ii) O segundo momento, entre 1987 e 1997, seria

marcado pela realização da II CNST que, acompanhada por esforços de municipalização

na rede pública, intensificou a participação sindical nos Conselhos Gestores de Saúde.

Nesta fase, teria se configurado ainda a implementação dos Centros de Referência em

Saúde do Trabalhador (CRST’s). Em tal contexto o autor identifica uma saudável

alteração de concepções de saúde no meio trabalhista, cujas ações de assistência se

articulariam mais intensamente às ações de vigilância. (iii) Por fim, de 1997 a 2005,

tendo inicio a III CNST, o autor concluía o seu diagnostico apontando que, apesar dos

esforços pregressos, a rede SUS teria ficado “alheia à problemática da saúde/doença

relacionada ao trabalho”. Isto seria perceptível ao se identificar o “impacto pequeno [da

sua] intervenção sobre os ambientes e processos de trabalho” (Gomez e Lacaz, 2005).

Apesar de destacar a institucionalização da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde

do Trabalhador (Renast), em 2002, que procurava reorientar as experiências dos CRT’s,

sua conclusão é de que haveria consistentes impasses interministeriais a este campo de

questões. E, como desdobramento, haveria ainda uma dispersão de ações, que ao

comprometer a coerência de diretrizes nacionais mais amplas, afetaria a organização dos

serviços municipalizados dos CRST’s.

Como se sabe, a saúde do trabalhador é um fato político que no Brasil nasceu atrelado

ao Ministério do Trabalho e não ao Ministério da Saúde.7 Os desafios desta

7 No pós-30, as ações segmentadas de atenção a políticas públicas de saúde se viram aprofundadas com a

criação do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio (MTIC) e do Ministério da Educação e Saúde

Pública (MESP). Como destacado por Hochman, tal separação consolidaria o reconhecimento

diferenciado de direitos sociais no Brasil (2008). Por um lado, a assistência médica individual

previdenciária, desenvolvida pelo MTIC, sistematicamente organizada por uma lógica corporativa, se

tornaria, até a criação do SUS, a principal referência de saúde enquanto direito social no Brasil. De outro,

o MESP, a qual os serviços de saúde coletiva se destinariam aos pobres, aos desempregados e

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aproximação podem explicar, em boa medida, os obstáculos sanitaristas à pauta

negociada na I Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST). E, conforme

salientado por Lacaz (2005), além da completa ausência de uma tradição destes setores

“em programar e efetuar ações articuladas de proteção, promoção e reabilitação da

saúde dos trabalhadores”, esta situação permaneceria ainda com a II CNST, realizada

em 1994. Mesmo que naquele momento, o SUS já assumisse “totalmente as ações em

saúde do trabalhador”, “(...) mediante comissão composta pelos MS, MTE, MPS,

Centrais Sindicais, movimentos populares, Conass e Conasems” (Gomez e Lacaz,

2005).

A princípio, sob coordenação do SUS, a totalidade das ações em saúde do trabalhador

envolveria “a pesquisa, a vigilância, a assistência e a reabilitação”, cujas competências

ficariam distribuídas entre os ministérios. Entretanto, como destaca Lacaz, as resoluções

da II CNST “nunca saíram do papel, seja por resistência expressa dos órgãos do trabalho

e da previdência social, seja pela inexistência de vontade política do setor saúde”

(2005:57). Nestes termos, antes que a integração dos serviços teria ocorrido uma

sobreposição de funções.

Não obstante, para além dos problemas institucionais propriamente ditos, os autores

destacam, por fim, que esta situação também se daria em função do “enfraquecimento

dos movimentos sociais e sindicais dificultando pressões necessárias tanto para a área

acadêmica como para os governos que veem se sucedendo” (Gomez e Lacaz, 2005:09).

É preciso destacar que as contribuições de Lacaz não problematizam, em nenhum

momento, os vínculos que a saúde do trabalhador vem historicamente mantendo com o

setor supletivo. Seu eixo interpretativo procura compreender os desafios à saúde do

trabalhador como uma questão eminentemente afeta à organização do sistema público.

De nossa parte, compreende-se que ao desconsiderar as preocupações pragmáticas que

atrelam a base sindical ao setor privado, Lacaz perde uma dimensão importante à

explicação do “enfraquecimento das pressões sindicais” na organização do serviço

público de saúde, conforme aponta.

trabalhadores informais, negociados via pressão dos médicos sanitaristas (Malloy, 1986).

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Em outra chave interpretativa, Isabela Santos (2000) observa que a sobreposição de

responsabilidades ministeriais teria aberto espaço a que “uma parcela importante das

empresas empregadoras” proporcionassem “assistência à saúde aos seus funcionários

através de contratos com empresas de planos e seguros de saúde”. Neste cenário,

caberia ao Estado uma função marcadamente fiscalizadora. Assim, apesar das definições

normativas primarem pelo controle publico à saúde do trabalhador, observa-se que

grande parte dos serviços do PCMSO e do SESMT, que versam sobre exames

admissionais e demissionais, permaneceriam, por exemplo, frequentemente realizados

por intermédio da própria operadora contratada” – quando não realizadas pelas próprios

empregadores, contando como parte dos serviços de Recursos Humanos (RH) (Santos,

2000).

Esta interpretação corrobora a tese de que os inegáveis esforços de se incorporar a saúde

do trabalhador como uma instância do SUS não impediram a continua prestação

mercantilizada dos serviços neste setor. Todavia, deixa de problematizar a participação

corporativa sindical, assumindo que este cenário é propiciado por “desajustes

regulatórios institucionais”, que acabam motivando a iniciativa empresarial. Este

arranjo explicativo de Santos (2000) despolitiza a ação sindical. Assume, por um lado, a

ineficácia da luta trabalhista ao aperfeiçoamento do SUS, e suprime o interesse sindical

mesmo ao apontar os graves limites da oferta privada. Assim, a saúde do trabalhador

aparece, estranhamente, como ato exclusivo de vontade, e preocupação, patronal.

Como se pode notar, esta literatura, que se ocupa dos descaminhos pelos quais se

explicam a saúde do trabalhador, não se reporta aos grandes temas abordados pelas teses

do subfinanciamento público e do hibridismo institucional. No conjunto das abordagens

aqui analisadas, é possível afirmar que negligenciam amplamente a presença sindical,

sobretudo, em sua relação com a expansão de planos coletivos privados. É neste sentido

que se procurou proceder a uma leitura sistemática deste campo de investigação.

Conclusão

Compreende-se que a coletivização da saúde, princípio norteador da tradição sanitarista,

assume com o SUS uma validação histórica sem precedentes. Todavia, os gargalos à sua

efetiva implementação vem norteando as grandes teses da saúde pública, cuja superação

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repõe o recorrentemente desafio à formação de uma ampla coalizão política. O presente

trabalho se articulou a este campo de questões, procurando problematizar a saúde

pública a partir dos vínculos entre a mercantilização da saúde e o comportamento

corporativo sindical.

Por este caminho, uma parte significativa do universo privado de assistência à saúde

mostrou-se vinculada à esfera de conquistas trabalhistas, reproduzindo a saúde do

trabalhador a partir de uma luta pragmática por estes serviços, implicando em fuga de

apoio social ao SUS.

Esta situação sugeriu evidencias para se pensar a não-centralidade que a assistência

pública assume na tradição de estudos que se ocupam do movimento sindical. Assim,

mesmo com a criação do SUS, em que a aproximação entre a saúde do trabalhador e a

estrutura pública se torna algo factível, notou-se que a expansão do universo privado da

saúde se manteve como preocupação apenas entre as grandes teses do campo sanitarista.

Estas, por sua vez, recorreram a causalidades explicativas que não incorporaram os

percursos pragmáticos da agenda sindical.

Os desdobramentos da cisão entre uma lógica corporativa e a razão pública que

fundamenta o SUS alcançam muitos contornos. Esta situação subsidiou argumentos que

esclarecerem as marcadas contradições políticas que resultam do pragmatismo

corporativo: assim, por um lado, ocorreria a busca segmentada por planos coletivos

privados na “base”, enquanto a “cúpula” disputaria o campo regulatório junto à ANS.

Por outro, haveria a defesa de um projeto sanitarista nas instâncias públicas que regulam

a saúde do trabalhador, seja em Conselhos Gestores, ou junto aos MTE e MPS. Além

disso, a investigação dos limites democráticos de uma construção corporativa de

direitos serviria à problematização da controvertida disputa de interesses que vem

marcando a interação institucional edificada no pós-88, conforme registrada pelos

analistas da saúde do trabalhador.

Nota-se, por fim, que na conjuntura pós-88, a estrutura estratificada de acesso à saúde

que marcava o modelo contributivo corporativo pregresso não foi superada. Em que

pese o seu completo reenquadramento institucional, os vínculos corporativos do setor

privado com o mundo do trabalho se rearranjaram, ganhando legitimidade, desde então,

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ao ser ofertado no mercado aberto via contratos de consumo.

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