dicionario de filosofia escolar

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Dicionário de Filosofia “A Posteriori” - Aquilo que é estabelecido e afirmado em virtude da experiência. “A Priori” - Independente da experiência sensível Absoluto - O que não comporta nenhuma limitação, restrição ou dependência. O contrário de relativo. Abstração - Operação pela qual o espírito separa mentalmente coisas de fato inseparáveis. Abstrato - O que resulta de uma abstração. O contrário de concreto. Acidente - O que pode ser modificado ou suprimido sem que a coisa em que existe mude de natureza ou desapareça. Aforismo deriva de aforizo, delimitar, separar, distinguir. Delimitar para provocar o advento do que é sem limites. Aforismo e horizonte procedem do mesmo verbo, ambos circunscrevem o campo do visível, ambos se movimentam com os que se movimentam. (SCHÜLLER, Donald. Heráclito e seu [Dis]curso). Análise - Operação pela qual o espírito vai do composto ao simples, do todo para suas partes componentes. Analogia - Argumentação pela semelhança, segundo a qual, do fato de um atributo convir a um sujeito, se deduz a sua conveniência com um sujeito semelhante. Antropocentrismo - Doutrina que coloca o homem no centro do universo e medida de todas as coisas. Antropomorfismo - Doutrina que representa todos os seres tomando por modelo a natureza humana. Argumento - É a expressão verbal de um raciocínio.

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Page 1: Dicionario de Filosofia Escolar

Dicionário de Filosofia“A Posteriori” - Aquilo que é estabelecido e afirmado em virtude da experiência.

“A Priori” - Independente da experiência sensível

Absoluto - O que não comporta nenhuma limitação, restrição ou dependência. O contrário de relativo.

Abstração - Operação pela qual o espírito separa mentalmente coisas de fato inseparáveis.

Abstrato - O que resulta de uma abstração. O contrário de concreto.

Acidente - O que pode ser modificado ou suprimido sem que a coisa em que existe mude de natureza ou desapareça.

Aforismo deriva de aforizo, delimitar, separar, distinguir. Delimitar para provocar o advento do que é sem limites. Aforismo e horizonte procedem do mesmo verbo, ambos circunscrevem o campo do visível, ambos se movimentam com os que se movimentam. (SCHÜLLER, Donald. Heráclito e seu [Dis]curso). Análise - Operação pela qual o espírito vai do composto ao simples, do todo para suas partes componentes.

Analogia - Argumentação pela semelhança, segundo a qual, do fato de um atributo convir a um sujeito, se deduz a sua conveniência com um sujeito semelhante.

Antropocentrismo - Doutrina que coloca o homem no centro do universo e medida de todas as coisas.

Antropomorfismo - Doutrina que representa todos os seres tomando por modelo a natureza humana.

Argumento - É a expressão verbal de um raciocínio.

Page 2: Dicionario de Filosofia Escolar

Automatismo - Movimento que escapa à direção dos centros superiores. Atividade psíquica inconsciente.

Axiologia - Teoria dos valores em geral, especialmente dos valores morais (do grego “axios”: valioso, desejável, estimado)

Axioma - Verdade que não se precisa demonstrar, por ser evidente por si mesma.

Belo - No sentido objetivo, é o esplendor do ser. No sentido subjetivo, é aquilo cuja contemplação causa prazer.

Bem - Aquilo que possui um valor moral positivo, constituindo o objeto ou o fim da ação humana.

Ceticismo - Concepção filosófica segundo a qual o conhecimento certo e definitivo sobre algo pode ser buscado, mas não atingido.

Ciência - Objetivamente, é um conjunto de verdades certas, logicamente encadeadas entre si, de modo a fornecer um sistema coerente. Subjetivamente, é um conhecimento certo das coisas por suas causas ou por seus princípios.

Conceito - Representação intelectual de um objeto. O mesmo que idéia ou noção.

Concreto - Aquilo que é efetivamente real ou determinado.

Conhecimento - Apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista dominá-los e utilizá-los.

Conotação - Significado segundo, figurado, às vezes subjetivo, dependente de experiência pessoal de um signo.

Page 3: Dicionario de Filosofia Escolar

Consciência - Em moral, é a faculdade que o homem tem de julgar o valor moral dos seus atos.

Contradição - Ato de afirmar e de negar, ao mesmo tempo, uma mesma coisa.

Cosmo - Designa o mundo enquanto ele é ordenado e se opõe ao caos: mundo considerado como um todo organizado, como uma ordem hierarquizada e harmoniosa.

Cosmogonia - Teoria sobre a origem do universo geralmente fundada em lendas ou em mitos e ligada a uma metafísica.

Cosmologia - Parte da filosofia que tem por objeto o estudo do mundo exterior, isto é, da essência da matéria e da vida.

Crítica - Atitude que consiste em separar o que é verdadeiro do que é falso, o que é legítimo do que é ilegítimo, o que é certo do que é verossímil.

Dedução - Raciocínio que nos permite tirar de uma ou várias proposições uma conclusão que delas decorre logicamente.

Definição - Do latim definitione. Definir, segundo a lógica formal, é dizer o que a coisa é, com base no gênero próximo e na diferença específica.

Denotação - Significado primeiro e imediato de um signo (palavra, imagem etc.). Ver conotação.

Dever - Necessidade de realizar uma ação por respeito à lei civil ou moral.

Devir - Transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constróem e se dissolvem noutras coisas através do tempo.

Dialética - Arte de discutir; tensão entre os opostos.

Page 4: Dicionario de Filosofia Escolar

Disciplina - a raiz latina dessa palavra significa aprender. Uma mente disciplinada é uma mente capaz de aprender, que é oposto de uma mente capaz de amoldar-se. (KRISHNAMURTI, J. Sobre a Aprendizagem e o

Conhecimento, p. 35.)

Dogma - Em filosofia, doutrina ou opinião filosófica transmitida de modo impositivo e sem contestação por uma escola ou corrente filosófica. Em religião, doutrina religiosa fundada numa verdade revelada e que exige o acatamento e a aceitação dos fiéis. No catolicismo, o dogma possui duas fontes: as Escrituras e a autoridade da Igreja.

Dogmatismo - Doutrina dos que pretendem basear seus postulados apenas na autoridade, sem admitir crítica nem discussão.

Doutrina - Conjunto de princípios, de idéias, que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico ou científico.

Doxa - Em grego significa opinião, juízo, ponto de vista, crença filosófica e também a fama, a glória humana.

Dúvida - Estado da mente em que não há assentimento firme sobre um juízo, por que se teme ser falso.

Dúvida Hiperbólica - Método de conhecimento que tem por objetivo descobrir a verdade (Descartes).

Educação - Consiste em transmitir normas de comportamento técnico-científica (instrução) e moral (formação do caráter) que podem ser compartilhadas por todos os membros da sociedade. (ARANGUREN, J. L.

Comunicação Humana, p. 144.)

Empirismo - Caráter comum dos sistemas filosóficos que consideram a experiência como único critério de verdade.

Epifenômeno - Concepção que faz da consciência um fenômeno acessório e secundário, um simples reflexo, sem influência sobre os fatos de pensamento e conduta.

Page 5: Dicionario de Filosofia Escolar

Epistemologia - (episteme, “ciência”): estudo do conhecimento científico do ponto de vista crítico, isto é, do seu valor; crítica da ciência; teoria do conhecimento. Estudo da natureza e dos fundamentos do saber, particularmente de sua validade, de seus limites, de suas condições de produção. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber)

Erro - É o conhecimento que não reflete fielmente a realidade e por isso mesmo não corresponde à realidade.

Escatologia - Doutrina que diz respeito aos fins últimos da humanidade, da natureza ou do indivíduo depois da morte.

Escolástica - Escola filosófica da Idade Média, cujo principal representante é Santo Tomás de Aquino. No sentido pejorativo, que decorre da escolástica decadente, o termo escolástico se refere a todo pensamento formal, verbal, estagnado nos quadros tradicionais.

Esotérico - Todo o ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes. Saber secreto. Em oposição, exotérico é o saber público, aberto a todos.

Espaço e tempo - Espaço é meio de coexistência, enquanto tempo é o meio da sucessão. (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p. 66.)

Especulação - Criação do saber apenas pelo exercício do pensamento, geralmente sem qualquer outro objetivo que o próprio conhecimento.. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber)

Essência - Aquilo que a coisa é ou que faz dela aquilo que ela é.

Eternidade - Caráter do ser subtraído à mudança e ao tempo. Posse indivisível, perfeita e simultânea de uma vida sem fim.

Ética - Parte da Filosofia que se ocupa com o valor do comportamento humano. Investiga o sentido que o homem imprime à sua conduta para ser verdadeiramente feliz.

Page 6: Dicionario de Filosofia Escolar

Ética e Moral - Curiosamente, a palavra "ética" é, hoje em dia, bem aceita nos discursos, enquanto o termo "moral" é rejeitado em nome de uma conotação vagamente religiosa ou bem-pensante. No entanto, trata-se de dois sinônimos, derivados um do grego e o outro do latim, evocando a arte de escolher um comportamento, distinguir o bem do mal. (JACQUARD, A.

Filosofia para não Filósofos, p. 37.)

Evidente - Aquilo que se impõe a nós de modo direto e imediato.

Existência - O fato de a coisa estar aí, sem necessidade, de modo contingente (existencialismo).

Existencialismo - Conjunto de doutrinas que se opõem ao racionalismo e ao idealismo e que admitem que o objeto próprio da filosofia é a realidade existencial, isto é, existência concreta e vivida, e que o único meio que possuímos para entrar em contato com ela consiste no sentimento ou emoção.

Explicar, vem de ex-plicare, verbo latino que significa desembrulhar. Plicare, fazer pregas, rugas, explicare, desenrugar, desfazer, por exemplo, um pacote. (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p. 20.). Plica em latim significa dobra. Ex-plicare significa desdobrar, ou seja, abrir as dobras. Explicação, isto é, explicar uma coisa significa reproduzir discursivamente, na mente e no discurso, o desdobramento de uma determinada coisa.(CIRNE-LIMA, C. Dialética para Principiantes)

Facticidade - Caráter do que existe como puro fato.

Fato social - São todas as formas de associações e as maneiras de agir, sentir e pensar, padronizadas e socialmente sancionadas.

Fenômeno - Aquilo que se oferece à observação intelectual, isto é, à observação pura

Fenomenologia - No sentido geral, é o estudo descritivo de um conjunto de fenômenos tais como se manifestam no tempo ou no espaço, em oposição às leis abstratas e fixas desses.

Page 7: Dicionario de Filosofia Escolar

Fideísmo - Doutrina segundo a qual as verdades fundamentais da ordem especulativa ou da ordem prática não devem ser justificadas pela razão, mas simplesmente aceitas como objeto de pura crença.

Filosofia - Sistema de conhecimentos naturais, metodicamente adquiridos e ordenados que tende a explicar todas as coisas por seus primeiros princípios e suas razões fundamentais.

Fim - Via de regra, na terminologia filosófica, este vocábulo não designa o mero termo, ou seja, o último de uma série, mas sim “aquilo pelo qual (id, propter quod) alguma coisa existe ou se faz (fit).

Gnose - Conhecimento esotérico e perfeito das coisas divinas pela qual se pretende explicar o sentido profundo de todas as religiões.

Gnoseologia - Teoria do conhecimento que tem por objetivo buscar a origem, a natureza, o valor e os limites da faculdade de conhecer.

Hermenêutica - Parte da crítica histórica que consiste em decifrar, traduzir e interpretar os textos antigos.

Heterodoxia - Crença contrária aos princípios aceitos na época.

Heurístico - Aquilo que se refere à descoberta e serve de idéia diretriz numa pesquisa. Um método é heurístico quando leva o aluno a descobrir aquilo que se pretende que ele aprenda.

Ideal - O que se concebe como um tipo perfeito.

Idealismo - Caráter geral dos sistemas filosóficos que negam a objetividade do conhecimento e reduzem o ser ao pensamento.

Idéia - Representação intelectual de um objeto.

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Imagem - Representação sensível de um objeto.

Imaginação - Faculdade de representar ou de combinar imagens.

Imanente - O que está contido na natureza de um ser.

Inato - Tudo aquilo que existe num ser desde seu surgimento e que pertence à sua natureza. opõe-se a adquirido, aprendido.

Indeterminismo - Doutrina segundo a qual o homem é dotado de livre-arbítrio.

Indução - Raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual passamos do particular ao universal, do especial ao geral, do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis.

Instinto - Atividade automática, existente sobretudo no animal, caracterizada por um conjunto de reações bem determinadas hereditárias, específicas, idênticas na espécie. Não confundir com intuição.

Introduzir é, em primeiro lugar, inquietar, por em questão, no duplo sentido desta expressão: formular a questão e perguntar pelo seu sentido, isto é, descobrir a sua origem. É iniciar, isto é, tomar o caminho da indagação e comunicar em primeiro lugar a necessidade da própria indagação. (DELEULE, D. La Psicologia, Mito Cientifico)

Intuição - Forma de conhecimento que permite à mente captar algo de modo direto e imediato.

Inútil - Significa o que não tem um fim noutro, ou seja, não tem fim algum, ou tem um fim em si mesmo.

Inveja - Invejar vem do latim (invidere) e significa não ver. Trata-se portanto de uma negação da visão da Bondade, Beleza e Verdade. Negamos o que é bom para nós e do que dependemos para sermos felizes e nos realizarmos. Devido à inveja, negamos as virtudes e qualidades dos outros o que reverte em nosso próprio prejuízo. Quando negamos nossas agressões e erros, criando mais

Page 9: Dicionario de Filosofia Escolar

obstáculos com os quais procuramos brecar o desenvolvimento. (CHAMADOIRA, L. C. Netto.[et al.] A Educação Integral pela Trilogia Analítica)

Irmão/Fraternidade - A palavra "irmão" deriva de uma palavra latina que não fazia qualquer alusão a um vínculo de parentesco. Frater designava qualquer membro de espécie humana, da "família humana". (JACQUARD, A. Filosofia para não Filósofos, p.47.)Juízo - Faculdade ou ato de julgar, de afirmar relações de conveniência ou desconveniências entre duas idéias.

Justiça - No sentido restrito, é a constante e perpétua vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade; no sentido moral, significa o respeito que há em cada um de dar a cada um o que é seu.

Lei - Relação necessária entre dois acontecimentos. Lei científica: aquela que estabelece entre os fatos relações mensuráveis, universais e necessárias, autorizando a previsão.

Lei Moral - Compreende o conjunto de normas éticas resultantes da situação do homem na realidade e que, anteriormente a toda estipulação ou convenção, obrigam fundamentalmente a todos os homens.

Lei Natural - Em sentido filosófico, é uma ordenação para determinada atividade insita nas coisas naturais. Recebe o nome de lei, porque por meio desta disposição foi dada aos seres da natureza uma necessidade para operar, necessidade diversa, segundo a natureza da coisa: é diferente no domínio inorgânico, no orgânico e no humano-espiritual. Neste último domínio, lei natural eqüivale a lei moral natural; sua necessidade consiste no dever da obrigação.

Liberalismo - Doutrina que preconiza a liberdade política ou a liberdade de consciência.

Liberdade - Capacidade de poder agir por si mesmo, com autodeterminação, independentemente de toda a coerção exterior.

Livre-Arbítrio quer dizer juízo livre. É a capacidade de escolha pela vontade humana entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, conscientemente conhecidos.

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Lógica - Ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-los corretamente na pesquisa e na demonstração da verdade.

Logos - Designa muitas coisas. Homero emprega o verbo lego, da mesma raiz de logos, para o processo de recolher alimentos, armas e ossos, para reunir homens. Cada uma dessas operações implica comportamento criterioso; não se reúnem armas, por exemplo, sem as distinguir de outros objetos. Concomitantemente, logos significa uma reunião de coisas sob determinado critério. Armas misturadas com ossos sem critério algum não formariam logos, provocariam sentimento de desordem, caos. Logos corresponde, portanto, ao com-um, não de palavras apenas mas também de seres.(SCHÜLER, D. Heráclito e seu (Dis)curso, p.17.) Fala-se também em discurso, verbo.

Maiêutica - Método socrático de interrogação, como a parteira dá à luz os corpos, procura “dar à luz” os espíritos para levar seus interlocutores a descobrirem a verdade que eles trazem em si sem o saber. Por extensão, método pedagógico que permite ao mestre apenas dirigir a pesquisa do aluno, este devendo encontrar a verdade por sua própria reflexão.

Marxismo - Teoria econômica, social, política e filosófica elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels, utilizada ao mesmo tempo como método de análise dos fenômenos sociais e como princípios de uma prática revolucionária.

Materialismo - Doutrina segundo a qual toda a realidade, inclusive a espiritual, se reduz à matéria e suas modificações.

Materialismo Dialético - O materialismo dialético é a união do materialismo clássico com a dialética de Hegel, e representa o núcleo filosófico do marxismo.

Metafísica - Parte da filosofia que procura os princípios e as causas primeiras e que estuda o ser enquanto ser.

Método - Derivado do grego methodos, formado por meta, "para", e hodos, "caminho". Poder-se-ia, então, traduzir a palavra por "caminho para" ou, então, "prosseguimento", "pesquisa".

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Misticismo - Crença numa ordem de realidades sobrenaturais e na possibilidade de uma união íntima e direta com Deus.

Mito - Relato fabuloso contando uma história que serve ao mesmo tempo de origem e justificação de um grupo social.

Monismo - Teoria segundo a qual a realidade é formada de uma única substância, pois só existe um princípio fundamental, seja a matéria, seja o espírito.

Monoideísmo - Estado patológico, caracterizado pela tendência de uma pessoa retornar sempre em seu pensamento e em sua palavra a um só tema, uma idéia fixa, que é propriamente a monomania.

Moral - Conjunto de costumes e juízos morais de um indivíduo ou de uma sociedade; teoria que visa orientar a ação humana submetida ao dever e com vistas ao bem; conjunto de normas livre e conscientemente aceitas que visam organizar as relações dos indivíduos na sociedade.

Moralismo - Apego excessivo à letra das regras morais em detrimento de seu espírito. Atitude prática que consente em cultivar apenas a perfeição moral sem se preocupar com o bem a ser realizado.

Mundividência - É a compreensão global da essência, origem, valor, sentido e finalidade do mundo e da vida humana. O mesmo que cosmovisão (concepção de universo).

Necessidade - Necessário é o que não se pode ser de outra maneira ou aquilo cuja contraditória é impossível.

Niilismo - É a doutrina que admite que o nada, além de ser, ou de haver, é capaz de ser pensado.

Númeno - De acordo com Kant, guarda relação com o verbo pensar, mas de fato, aparece mais equivalente a pensado, como oposto a percebido pelos sentidos.

Page 12: Dicionario de Filosofia Escolar

Objetivo - O que existe fora do espírito e independente do conhecimento do sujeito. O contrário de subjetivo.

Objeto - Aquilo sobre que incide o conhecimento ou recai a ação. Oposto ao sujeito que é o que exerce a ação ou o conhecimento.

Ontologia - Parte da Filosofia que se ocupa do ser enquanto ser, ou seja, do ser concebido na sua totalidade e na sua universalidade.

Opinião - Juízo que adotamos sem termos a certeza de sua verdade.

Ortodoxia - Posição a favor das crenças vigentes.

Paidéia ou educação do homem para a filosofia e conseqüentemente para a política.(BUZZI, A. R. Introdução ao Pensar, p. 46.)

Palingenesia - (Do grego palin, outra vez, e genesis, nascimento). Literalmente, é o novo nascimento ou regeneração; na Teologia religiosa, é o renascimento das idéias de uma doutrina esquecida, ou a nova vida dos indivíduos.

Panteísmo - (Do grego pan, tudo, e Theos, Deus = tudo é Deus). Doutrina que afirma que o cosmo nada mais é que a manifestação do próprio Deus.

Paradoxo - (Do grego para e doxa, opinião). Estado de coisas (ou declaração que se faça sobre elas), que aparentemente implica alguma contradição, pois uma análise mais profunda faz desvanecê-la.

Pensar, na significação etimológica do termo, quer dizer sopesar, por na balança para avaliar o peso de alguma coisa, ponderar. (BUZZI, A. R. Introdução ao Pensar, p.11.)

Percepção - É a apreensão sensorial global de um complexo de dados sensíveis.

Page 13: Dicionario de Filosofia Escolar

Personalidade - Caráter do ser que tem consciência de ser portador de si mesmo, que tem consciência de sua individualidade e de seu papel.

Política - Do grego politikós (polis) que significa tudo o que diz respeito à cidade.

Potência pode ser conceituada de duas maneiras: 1) potência é o poder que uma coisa tem de provocar uma mudança noutra coisa; 2) potência é a potencialidade existente numa coisa de passar a outro estado. Esta 2.ª Aristóteles considera a mais importante pela sua metafísica. (MORA, J. F. Dicionário de Filosofia)

Pragmatismo - Sistema filosófico de William James, que subordina a verdade à utilidade e reconhece a primazia da ação sobre o pensamento.

Práxis - Os gregos chamavam práxis à ação de levar a cabo alguma coisa; também serve para designar a ação moral; significa ainda o conjunto de ações que o homem pode realizar e, neste sentido, a práxis se contrapõe à teoria. No marxismo significa união dialética da teoria e da prática.

Preconceito - Definido aqui como um julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo, o conceito deriva do latim prejudicium, que designa um julgamento ou decisão anterior, um precedente ou um prejuízo. As anotações básicas incluem inclinação, parcialidade, predisposição, prevenção.

Princípio - É aquilo, donde, de algum modo, uma coisa procede quanto ao ser, ao acontecer ou ao conhecer.

Problema - Vem das palavras gregas pro (na frente) e ballein (jogar). Problema: jogar na frente. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber). Nem toda a questão se denomina problema, mas tão-só aquele que, por causa da dificuldade que lhe é intrínseca, não logra ser resolvida sem especial esforço.

Problema X problemática - Problemática é o quadro no qual se situa o problema e não o próprio problema. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber)

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Raciocínio - É aquela atividade mental, mercê da qual, da afirmação de uma ou mais proposições passamos a afirmar uma outra, em virtude da intelecção de sua conexão necessária.

Racional - Pelo termo “racional” (do latim ratio: razão, designamos em geral o modo especificamente humano do conhecimento conceptual-discursivo.

Racionalismo - Doutrina filosófica moderna (séc. XVII) que admite a razão como única fonte de conhecimento válido; a superestima do poder da razão. Principais representantes: Descartes, Leibniz. Doutrina oposta ao empirismo.

Realidade - Na hodierna terminologia filosófica, o termo “real” designa, via de regra, o ente, o que existe em oposição tanto ao que é apenas aparente quanto ao que é puramente possível.

Reflexão - Em sentido lato e pouco rigoroso, reflexão significa meditação comparativa e examinadora contraposta à percepção simples ou aos juízos primeiros e espontâneos sobre um objeto. No sentido ontológico, mais preciso e profundo, significa, ao mesmo tempo, uma volta do espírito à sua essência mais íntima. Esta volta (reflexio = re-flexão) é o sentido próprio do vocábulo.

Salvação é um transcender, um não limitar-se a "este mundo", um ir além dele, fora dele, ou nele, por sua superação. (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p.26.)Sensação - Significa, na linguagem corrente, qualquer vivência imediata.

Ser - designa aquela perfeição, pela qual alguma coisa é um ente.

Síntese - Significa etimologicamente “composição”. Em linguagem filosófica, síntese designa a união de vários conteúdos cognoscitivos num produto global de conhecimento, união que constitui uma das mais importantes funções da consciência.

Sistema - É a multiplicidade de conhecimentos articulados segundo uma idéia de totalidade.

Page 15: Dicionario de Filosofia Escolar

Socialismo - Nome genérico das doutrinas que pretendem substituir o capitalismo por um sistema planificado que conduza a resultados mais eqüitativos e mais favoráveis ao pleno desenvolvimento do ser humano. Designação das correntes e movimentos políticos da classe operária que visam a propriedade coletiva dos meios de produção. O socialismo utópico (Saint Simon, Fourier, Proudhon etc.) foi criticado pelo socialismo científico (Marx e Engels). Para Marx, o socialismo é a primeira fase revolucionária após a destruição do Estado burguês e supõe ainda a existência de um aparelho estatal; após esta fase, deveria surgir o comunismo propriamente dito.

Sociologia - É a ciência da sociedade. Vem de societas (sociedade) e logos (estudo, ciência). É a ciência que estuda as estruturas sociais e as leis de seu desenvolvimento. Implica na análise do “fato social”.

Sócrates significa força (krátos) que salva (sôs). (BUZZI, A. R. Introdução ao Pensar, p. 41.)

Sofisma - É um raciocínio falso que se apresenta com aparência de verdadeiro.

Substância - Etimologicamente, é “que está debaixo” ou o que permanece debaixo das aparências ou dos fenômenos. Substância é o que tem seu ser, não em outro, mas em si ou por si. O contrário de acidente.

Sujeito - (Do latim subiectum = que está por debaixo) significa etimologicamente “o que foi posto debaixo”, “o que se encontra na base”. Ontologicamente, denota essencialmente uma relação a outra realidade que “descanse sobre ele”, que é “sustida” por ele.

Teleologia - Teoria dos fins. Doutrina segundo a qual o mundo é um sistema de relações entre meios e fins.

Tema [em francês, sujet, "sujeito"] indica que estamos em presença de um enunciado que determina para o pensamento uma situação - momentânea e provisória, certamente - de sujeição ao que se nos impõe quando fazemos um exercício. Paradoxalmente, o tema de dissertação deve aqui ser considerado como um "Mestre" ao qual no submetemos. (FOLSCHEID, Dominique e WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia Filosófica, p.172.)

Page 16: Dicionario de Filosofia Escolar

Tempo é meio da sucessão. "É o período que vai de um acontecimento anterior a um acontecimento posterior". "Uma mudança contínua (geralmente considerada como contínua), pela qual o presente se torna passado". (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p. 66.)Teologia - É a ciência que tem Deus por objeto.

Teomania - designa a atitude que o ser humano adota de querer ser Deus, devido à inveja. Etimologicamente significa mania de querer ser um deus, desejando ser criador e dono da verdade, ao invés de simples ser criado e submisso a Ele. (CHAMADOIRA, L. C. Netto.[et al.] A Educação Integral pela Trilogia Analítica)Teoria - O vocábulo “teoria” é usado, as mais das vezes em oposição a prática, significando neste caso, o conhecimento puro, a pura consideração contemplativa; ao passo que prática designa qualquer espécie de atividade fora do conhecimento, especialmente a atividade dirigida ao exterior.

Totalidade - Falamos de totalidade, quando muitas partes de tal modo estão ordenadas que, reunidas, formam uma unidade (o todo).

Transcendente - Em Kant, os princípios do entendimento puro além dos limites da experiência.

Universalismo - é a visão do todo, da grandeza e vastidão cósmica, da universalidade, oposta à limitação míope e mesquinha a valores parciais ou a interesses particulares.

Útil - Significa tudo aquilo que tem um fim noutro e não em si mesmo.

Utopia - (U-topos, “nenhum lugar”): que não existe em nenhum lugar; descrição de uma sociedade ideal; refere-se a um ideal de vida proposto. No sentido pejorativo, refere-se a um ideal irrealizável.

Verdade - Na acepção mais geral designa uma igualdade ou conformidade entre a inteligência (conhecimento intelectual) e o ser (adaequatio intellectus et rei), e, em sentido mais elevado, uma completa interpenetração de inteligência e ser.

Vício - É o pendor para agir de forma inadequada. É o oposto da virtude.

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Vida - É o conjunto dos fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e de reprodução), que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou produção do germe) até a morte.

Virtude - Equivale a capacidade, aptidão, e significa a habilidade, facilidade e disposição para levar a efeito determinadas ações adequadas ao homem.

Virtudes Cardeais - São assim denominadas (do latim cardo = gonzo), porque toda a vida moral gira em torno delas, como a porta em torno dos gonzos (dobradiças). São: prudência, fortaleza, temperança e justiça.

Vivência - É todo fato de consciência, na medida em que seu sujeito se apreende a si mesmo (de modo reflexo ou não reflexo) como encontrando-se numa determinada situação psíquica.

(Org. por Sérgio Biagi Gregório)

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em Lisboa em 2003 na Plátano Editora.

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Com mais de 400 entradas, o DEF inclui inovadores índices temáticos que

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cronologia que abrange os principais acontecimentos filosóficos e culturais de 600

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Page 19: Dicionario de Filosofia Escolar

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Dicionário de filosofia escolar.

.: A :.a dicto secundum quid ad dictum simpliciter

Expressão latina que significa "da asserção qualificada para a não qualificada";

trata-se de uma falácia informal. Por exemplo: "Todo o deus omnipotente

pode fazer tudo; logo, todo o deus pode fazer tudo". DM

a dicto simpliciter ad dictum secundum quid

Expressão latina que significa "da asserção não qualificada para a qualificada";

defende-se por vezes que se trata de uma falácia informal. Por exemplo:

"Nenhum cavalo pode voar; logo, nenhum cavalo alado pode voar". DM

a fortiori

Expressão latina que significa "por maioria de razão". Se todas as opiniões são

inúteis, então a fortiori a sua opinião também o é. AA

a priori / a posteriori

1. Uma distinção entre modos de conhecimento. Conhecemos a priori uma

dada proposição quando não recorremos à experiência para a conhecer. Por

exemplo, uma pessoa sabe a priori que 23 + 12 = 35 quando faz um cálculo

mental, não recorrendo à experiência. Conhecemos a posteriori uma dada

proposição quando recorremos à experiência para a conhecer. Por exemplo,

uma pessoa sabe a posteriori que o céu é azul quando olha para o céu e vê

que é azul. Considera-se, tradicionalmente, que a lógica, a matemática e a

filosofia são disciplinas a priori porque têm por objecto problemas cuja

solução implica recorrer ao pensamento puro. A história, a física e a

economia, por exemplo, são disciplinas a posteriori porque têm por objecto

de estudo fenómenos que só podem ser conhecidos através da experiência;

por exemplo: para saber em que ano Buzz Aldrin e Neil Armstrong foram à Lua

é necessário consultar documentos históricos; para saber qual a taxa de

inflação em Portugal em 2003 é necessário consultar dados económicos.

2. Diz-se que um argumento é a priori quando todas as suas premissas

são conhecíveis a priori; e diz-se que é a posteriori quando pelo menos uma

Page 20: Dicionario de Filosofia Escolar

das suas premissas só pode ser conhecida a posteriori. Não se deve confundir

o a priori / a posteriori com o analítico/sintético, nem com

necessário/contingente. DM

absoluto/relativo

Diz-se que é absoluto o que depende apenas de si próprio, não se submete a

quaisquer condições e não tem restrições. Pelo contrário, o que tem uma

natureza dependente e não existe por si mesmo é relativo. Por exemplo, dizer

que há normas morais absolutas é dizer que essas normas não dependem da

época, da sociedade, da opinião das pessoas, etc. Por sua vez, ao dizer que as

normas morais são relativas, estamos a afirmar que tais normas dependem de

algo que, neste caso, devemos especificar, sendo por isso variáveis. O termo

"absoluto" é também utilizado por alguns filósofos como substantivo, para

referir uma espécie de ser supremo, espiritual, único e autoconsciente. Um

exemplo disso encontra-se na filosofia idealista de Hegel. AA

abstracção

O processo psicológico que consiste em isolar as características comuns a um

dado conjunto de objectos. Também se costuma chamar abstracção ao

resultado deste processo. Segundo John Locke, trata-se do processo através

do qual adquirimos os conceitos (ver conceito) de homem, árvore, azul, etc.

Isso implica que, de entre a variedade de características que cada objecto

exemplifica, se retenham apenas as que são comuns a todos os objectos da

mesma classe. Assim, o conceito de árvore inclui apenas as características que

se podem observar em todas as árvores, sejam elas pinheiros, oliveiras,

laranjeiras, etc., e não características particulares como o tamanho, a forma

da copa, o textura do tronco, ou a cor e a quantidade de folhas de cada

árvore. Para Locke, os animais não são capazes de abstracção; apenas os seres

humanos, residindo aí a principal diferença entre ambos. Por sua vez,

Berkeley nega a existência da abstracção, pois considera que isso nos leva a

conceber coisas que não existem em lado algum, como objectos sem cor, etc.

Para este filósofo não há ideias abstractas, defendendo que todas as ideias

são concretas. Ver também abstracto/concreto. AA

abstracto/concreto

Page 21: Dicionario de Filosofia Escolar

Muitas pessoas utilizam o termo "abstracto" para referir algo impreciso, vago,

sem conexão com a realidade e sem objectividade. Mas isso é incorrecto. Um

termo refere algo abstracto se aquilo que é referido por esse termo não tem

existência espácio-temporal, isto é, se não existe num lugar qualquer nem

num determinado momento. Por exemplo, a justiça é uma entidade

abstracta, pois não tem localização espácio-temporal, não se podendo

confundir com os casos concretos de situações justas, que têm localização

espácio-temporal. As propriedades são, pois, exemplos típicos de "coisas"

abstractas; a propriedade de ser árvore, por exemplo, não se confunde com

as próprias árvores. Cada árvore em particular é concreta, dado que existe no

espaço e no tempo; mas a própria propriedade de ser árvore é abstracta dado

que não existe no espaço nem no tempo. Supostamente, os números e as

proposições (ver proposição) também não têm existência espácio-temporal,

pelo que são exemplos comuns de entidades abstractas. Por sua vez, diz-se

que uma entidade é concreta se tem uma existência espácio-temporal, ou

seja, se existe ou existiu numa dada ocasião, num certo sítio. Assim, a árvore

que está neste momento à entrada do portão principal da minha escola é uma

entidade concreta. Exemplos de entidades concretas são também a dor de

dentes que tive hoje à tarde, o suspiro de Pedro ao ver Inês, a ponte Vasco da

Gama, a Marisa Cruz, etc. Esta distinção nem sempre é pacífica: os

nominalistas, por exemplo, rejeitam a existência de entidades abstractas. AA

absurdo

1. Em lógica e filosofia, uma afirmação absurda é uma afirmação sem sentido;

por outras palavras, sem valor de verdade, como "As ideias verdes dormem

furiosamente juntas". Não basta desconhecer o valor de verdade de uma

afirmação para ela ser absurda; é preciso que a afirmação não tenha

realmente valor de verdade. Por exemplo, desconhece-se se a afirmação "Há

vida microscópica em Marte" é verdadeira, mas a afirmação não é absurda,

dado que tem um valor de verdade, apesar de ser desconhecido.

2. Diz-se que a vida ou a existência é absurda quando não tem sentido

(ver sentido da vida).

3. Diz-se que uma afirmação é absurda quando é disparatada, ou

evidentemente falsa. DM

absurdo, redução ao

Page 22: Dicionario de Filosofia Escolar

Ver redução ao absurdo.

acção

Aquilo que é feito intencionalmente por alguém; um acontecimento que

resulta directamente da vontade de um agente. Uma pode pessoa causar um

acontecimento sem que o tivesse previsto, desejado ou controlado (como

quando chuta uma pedra involuntariamente e esta acerta num carro). Neste

caso, não se trata de uma acção. Apenas aos acontecimentos causados por

alguém de forma intencional (ver intenção), e que têm em vista obter algum

resultado, se pode apropriadamente chamar "acções" (como atirar uma pedra

a um cão para o afastar do meio da estrada). O movimento corporal não é

necessário nem suficiente para assinalar a existência de uma acção: é vulgar

alguém fazer a acção de se defender de um cão feroz permanecendo imóvel;

e há movimentos quando espirramos sem que isto represente qualquer acção.

APC

acção afirmativa

Ver discriminação positiva.

acidente

Ver substância/acidente.

ad baculum, argumentum

Expressão latina que significa apelo à força. Ver falácia do apelo à força.

ad consequentiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo às consequências. Ver falácia do apelo às

consequências.

ad hoc

Expressão latina que significa literalmente "para isso". Por exemplo, quando

se introduz uma hipótese numa teoria em dificuldades para a salvar, diz-se

que a hipótese é ad hoc. AA

ad hominem, argumentum

Expressão latina que significa ataque pessoal. Ver falácia ad hominem.

ad hominem, falácia

Ver falácia ad hominem.

Page 23: Dicionario de Filosofia Escolar

ad ignorantiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo à ignorância. Ver falácia do apelo à

ignorância.

ad infinitum

Expressão latina que significa literalmente "até ao infinito".

ad misericordiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo à piedade. Ver falácia do apelo à

piedade.

ad populum, argumentum

Expressão latina que significa apelo ao povo. Ver falácia do apelo ao povo.

ad verecundiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo à autoridade. Ver argumento de

autoridade.

afirmação

O mesmo que enunciado.

afirmação da consequente, falácia

Ver falácia da afirmação da consequente.

agente

Aquele que age; a pessoa que faz uma acção. Na tradição filosófica são

apontadas pelo menos duas exigências para que se considere que alguém tem

a propriedade de ser um agente: a primeira, ser capaz de avaliar e escolher

entre as várias opções de acção disponíveis; a segunda, ser capaz de

concretizar a escolha que fizer. O problema filosófico da agência consiste em

saber se as acções são apenas acontecimentos que envolvem pessoas (ou seres

racionais em geral), ou se são acontecimentos causados pelos agentes e,

nesse caso, como se dá tal causalidade. Ver causa/efeito e livre-arbítrio. APC

agnosticismo

A suspensão da crença em relação à existência de Deus. O agnosticismo forte

é a ideia de que nunca poderemos descobrir se Deus existe ou não. CT

Agostinho, Santo

Ver Santo Agostinho.

Page 24: Dicionario de Filosofia Escolar

alegoria da caverna

Situação imaginada por Platão no Livro VII de A República (trad. 2001,

Gulbenkian) para representar os diferentes tipos de ser que, segundo ele,

existem e a condição em que nos encontramos em relação ao seu

conhecimento. Vários prisioneiros estão amarrados de pés e mãos numa

caverna e só podem olhar para a parede diante deles. Por detrás existe um

fogo e entre eles e o fogo passam pessoas transportando vários objectos, cuja

sombra se reflecte na parede diante dos prisioneiros, o que os leva a pensar

que as sombras são a verdadeira realidade. Só os prisioneiros que são capazes

de se libertar (os filósofos), sair da caverna (mundo sensível) e contemplar a

realidade e o Sol (mundo inteligível e ideia de Bem) são capazes de

compreender como até essa altura viveram num mundo de aparências e

ignorância. AN

aletheia

Termo grego que significa "verdade" e de onde deriva o adjectivo "alético".

alienação

Conceito que se refere a um conjunto de situações em que um ser não se

reconhece porque perdeu algo da sua essência. Em Hegel a alienação era uma

condição necessária da realização do Absoluto como Espírito que tudo

governa. Em Marx o sujeito da alienação é o homem e a alienação é uma

degradação física e moral de que urge salvá-lo. Para Marx a alienação

fundamental é a económica: o trabalhador é obrigado a vender o seu trabalho

para satisfazer necessidades que não são especificamente humanas (comer,

beber...). A exploração do trabalho aliena o trabalhador, isto é, desumaniza-o.

Na raiz da degradação está a propriedade privada dos meios de produção. Só

o comunismo, ao abolir esta situação, poderá salvar o homem. LR

ambiguidade

Uma frase é ambígua quando exprime mais de uma proposição. Por exemplo,

a frase "O João está no banco" é ambígua porque tanto pode querer dizer que

o João está numa instituição financeira como que o João está sentado num

banco. Podemos distinguir dois tipos de ambiguidades: semântica e sintáctica.

O exemplo dado é uma ambiguidade semântica. As ambiguidades semânticas

resultam da ambiguidade do significado das palavras que ocorrem na frase; no

Page 25: Dicionario de Filosofia Escolar

exemplo dado, resulta dos diferentes significados da palavra "banco". A

ambiguidade sintáctica não resulta da ambiguidade do significado das palavras

que ocorrem na frase, mas antes do modo como as palavras estão

encadeadas. Por exemplo, a frase "O João viu a Maria com os binóculos" pode

exprimir duas proposições: que quando o João olhou para a Maria ela estava

com binóculos, ou que o João viu a Maria através de binóculos. Algumas

ambiguidades são consideradas sintácticas na lógica clássica, mas híbridas ou

até semânticas em linguística. É o caso das ambiguidades que dependem da

ordem dos quantificadores, como a presente em "Toda a rapariga gosta de um

actor" (que pode querer dizer que há um só actor de que todas as raparigas

gostam, ou que cada rapariga gosta de um actor diferente). DM

âmbito

O âmbito de um operador (por exemplo "alguns" ou "não") ocorrente numa

expressão linguística é a parte da expressão a que ele se aplica. Por exemplo,

na frase "Alguns estudantes gostam de filosofia mas detestam estudar", o

quantificador "alguns" tem por âmbito toda a sequência que se lhe segue

(está a dizer-se, de alguns estudantes, que gostam de filosofia e, além disso,

que detestam estudar); pelo contrário, na frase "Alguns estudantes gostam de

filosofia mas o Paulo não" o âmbito do quantificador "alguns" não abrange a

oração que começa por "mas". A noção usa-se tanto no estudo da linguagem

corrente como no da lógica. Na lógica, o âmbito dos operadores é assinalado

por meio de parêntesis, impedindo a ocorrência de ambiguidades. A

linguagem corrente, porém, é rica em ambiguidades de âmbito. Por exemplo,

a frase "Todos os estudantes amam uma actriz americana" tem duas

interpretações: a de que todos os estudantes amam alguma actriz americana,

e a de que há uma actriz americana específica que é amada por todos eles;

cada uma destas interpretações corresponde à atribuição de âmbitos

diferentes aos quantificadores "todos" e "uma". Para representar uma

ambiguidade de âmbito é necessário analisar o papel dos operadores da

linguagem corrente por meio de uma linguagem formal (como a do cálculo de

predicados), onde os diferentes significados das frases ambíguas possam

distinguir-se claramente. PS

analítico/sintético

Page 26: Dicionario de Filosofia Escolar

Uma distinção semântica, isto é, baseada no significado dos termos usados.

Uma frase é analítica se, e só se, o seu valor de verdade é conhecível

unicamente com base no significado dos termos usados. Por exemplo,

"Nenhum solteiro é casado" é uma frase analítica porque para saber que é

verdadeira basta saber o significado dos termos usados. Uma frase é sintética

se, e só se, o seu valor de verdade não é conhecível unicamente com base no

significado dos termos usados. Por exemplo, a frase "Nenhum solteiro é feliz"

é uma frase sintética porque para saber se é verdadeira ou falsa não basta

saber o significado dos termos usados. Kant definia estas noções de forma

diferente. Partindo do falso pressuposto de que todas as frases têm uma

estrutura sujeito-predicado (como "Sócrates é mortal"), defendeu que uma

frase é analítica quando o predicado está "contido" no sujeito. É evidente que

por este critério uma frase evidentemente analítica, como "Chove ou não

chove" não seria analítica; nem uma frase como "Se Sócrates é grego, é

grego", que é evidentemente analítica, pode contar como analítica segundo a

definição de Kant. Não se deve confundir o analítico/sintético com o a priori

/ a posteriori, nem com necessário/contingente. DM

analogia

Fazer uma analogia é estabelecer uma relação de semelhança entre coisas

distintas. Por exemplo, quando se diz que tal como qualquer artefacto

também a natureza mostra sinais de um criador, estamos a estabelecer uma

analogia entre a natureza e os artefactos. Ver argumento por analogia. CT

anamnese

O processo que, segundo Platão, nos leva a recordar o que já tínhamos

aprendido num estado de existência anterior e que estava como que

adormecido na nossa alma. No seu diálogo Ménon, um jovem sem qualquer

tipo de instrução consegue mostrar conhecimento de noções geométricas,

respondendo apenas às perguntas que lhe são feitas por Sócrates. Platão

pretende mostrar com isso que o conhecimento não se adquire neste mundo,

mas se alcança por anamnese, salientando assim o seu carácter inato. Ver

também ideias inatas. AA

anamnêsis

Termo grego que significa anamnese ou reminiscência.

Page 27: Dicionario de Filosofia Escolar

antecedente

Numa condicional com a forma "Se P, então Q" chama-se antecedente a P. Por

exemplo, a antecedente de "Se Sócrates é um homem, então é mortal" é

"Sócrates é um homem". DM

antinomia

Contradição ou paradoxo, aparente ou real, entre dois princípios (ver

princípio) ou conclusões (ver conclusão) de raciocínios que parecem

igualmente justificados. Em Kant, na Crítica da Razão Pura (trad. 1997,

Gulbenkian), as antinomias são contradições em que a razão pura cai

necessariamente quando procura o incondicionado nos fenómenos e trata o

mundo da experiência (ver experiência) como se tivesse realidade em si.

Cada antinomia tem uma tese e uma antítese mutuamente contraditórias,

para as quais existem aparentemente razões convincentes. Para além das

antinomias da razão pura, existem uma antinomia da razão prática,

respeitante ao conceito de soberano bem; uma antinomia do juízo

teleológico, respeitante ao mecanismo e à finalidade; e uma antinomia do

gosto. AN

antítese

De um modo geral, a oposição entre dois termos ou proposições (ver

proposição). Mas a palavra tem também um uso mais específico. Em Kant

designa o segundo termo da oposição dialéctica que constitui as antinomias

(sendo o primeiro a tese). Na dialéctica de Hegel e no materialismo dialéctico

(ver materialismo), da oposição entre tese e antítese resulta uma síntese que

supera ambas. AN

apeiron

Termo grego que significa "ilimitado". O filósofo pré-socrático Anaximandro de

Mileto (610-656 a.C.) defendia ser o apeiron a origem do universo, e concebia

o apeiron como algo infinito e sem ordem. Ver finitude/infinitude.

apelo à força, falácia do

Ver falácia do apelo à força.

apelo à ignorância, falácia

Ver falácia do apelo à ignorância.

Page 28: Dicionario de Filosofia Escolar

apelo à piedade, falácia do

Ver falácia do apelo à piedade.

apelo ao povo, falácia do

Ver falácia do apelo ao povo.

apelo às consequências, falácia do

Ver falácia do apelo às consequências.

aporia

Um problema ou situação aparentemente sem saída. Diz-se por vezes que os

chamados diálogos socráticos de Platão são aporéticos porque neles Sócrates

discute problemas para os quais não se consegue encontrar uma solução. AA

aposta de Pascal

Argumento indirecto a favor da existência de Deus da autoria de Blaise Pascal

(1623-62), segundo o qual acreditar em Deus é a melhor aposta. Na ausência

de argumentos decisivos a favor ou contra a existência de Deus, o melhor que

temos a fazer é decidir se acreditar Nele é ou não uma boa aposta. O melhor

resultado possível é Deus existir e termos apostado em acreditar Nele, o que

implica a felicidade eterna — o Paraíso. O pior resultado possível é Deus

existir e não acreditarmos Nele, o que implica a infelicidade eterna — o

Inferno. Logo, o apostador racional deverá apostar em acreditar em Deus. Um

dos problemas apontados a este argumento é o facto de partir da ideia de que

nada podemos saber acerca de Deus, mas presumir, em contradição com esta

ideia, que Deus irá reagir bem a um crente oportunista e mal a um descrente

racionalmente íntegro. CT

Aquino, S. Tomás de

Ver Tomás de Aquino.

Page 29: Dicionario de Filosofia Escolar

archê

Termo grego que significa origem, princípio ou ponto de partida. A palavra foi

introduzida no vocabulário filosófico para referir a substância de que são

feitas todas as coisas, ou a partir da qual todas surgiram, e que constituiu o

objecto de estudo dos primeiros filósofos pré-socráticos. AA

aretê

Termo grego que significa "virtude", "excelência moral" ou "bem humano". A

tradução é problemática porque não existe um termo português que

corresponda exactamente ao conceito grego original. Platão usava o termo

para falar das virtudes ou bens essenciais para uma vida boa, e distinguia

quatro virtudes cardinais: sabedoria (phronêsis), moderação (sôphrosynê),

coragem (andreia) e justiça (dikaiosynê). Aristóteles ligava o termo à

satisfação da função correcta do ser humano, e portanto à eudemonia ou

felicidade. DM

Aufklärung

Termo alemão que significa "iluminismo".

argumento

Um argumento é um conjunto de afirmações de tal modo estruturadas que se

pretende que uma delas (a conclusão) seja apoiada pelas outras (as

premissas). Por exemplo: "A vida tem de fazer sentido porque Deus existe" é

um argumento; a premissa é "Deus existe" e a conclusão é "A vida tem de

fazer sentido". Mas "Ou Deus existe, ou a vida não faz sentido" não é um

argumento, dado ser apenas uma afirmação que não está a ser apoiada por

outras afirmações. Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não

podem ser verdadeiros ou falsos. Um argumento é válido quando as suas

premissas apoiam a sua conclusão (ver validade/invalidade). Há dois grandes

grupos de argumentos: os dedutivos e os não dedutivos (ver dedução e

indução).

Não se deve confundir argumentos com explicações (ver explicação

científica). Para que um argumento seja bom, a conclusão não pode ser mais

plausível do que as premissas. Mas esta exigência não existe numa explicação:

a "conclusão" das explicações é quase sempre mais plausível do que as

"premissas". Por exemplo: "Existem estações do ano nas latitudes elevadas

Page 30: Dicionario de Filosofia Escolar

porque o eixo da Terra está inclinado, o que provoca, juntamente com o

movimento em torno do Sol variações na intensidade com que os raios do Sol

chegam à Terra". Se pensarmos que estas afirmações formam um argumento,

cuja conclusão é "Existem estações do ano nas latitudes elevadas", trata-se de

um argumento muitíssimo mau, dado que as premissas são muitíssimo menos

evidentes do que a conclusão. Contudo, esta é uma boa explicação da razão

pela qual há estações do ano. Assim, num argumento procura-se persuadir

alguém da verdade de uma conclusão, ao passo que numa explicação procura-

se explicar a alguém a razão pela qual uma dada afirmação é verdadeira. Por

isso, num bom argumento parte-se geralmente de premissas mais plausíveis

ou evidentes do que a conclusão, o que não acontece numa boa explicação.

DM

argumento bom

Um argumento válido, dedutivo ou não, que tem premissas verdadeiras e é

racionalmente persuasivo. Ver validade/invalidade, argumento forte. DM

argumento cosmológico

Tipo de argumento a favor da existência de Deus segundo o qual se tudo na

natureza tem uma causa, então tem de existir algo que não dependa de nada

que seja a causa de tudo. A conclusão é que esse algo é Deus. A versão mais

discutida deste argumento é a de S. Tomás de Aquino. A ideia é a de que

dado que as cadeias causais (Ver cadeia causal) não podem regredir

infinitamente, tem de existir algo de natureza distinta das coisas naturais que

seja a causa de tudo. O maior problema que este argumento enfrenta é o de

que, no máximo, apenas mostraria que existe algo responsável pela existência

de tudo, mas não que esse algo seja Deus. CT

argumento de autoridade

Um argumento baseado no testemunho de outras pessoas, em geral com uma

forma lógica "X disse que P; logo, P", sendo X uma pessoa ou grupo de pessoas

e P uma afirmação qualquer. Por exemplo: "Einstein disse que nada pode

viajar mais depressa do que a luz; logo, nada pode viajar mais depressa do

que a luz". Não há regras de inferência precisas para argumentos de

autoridade, mas ao avaliar um argumento de autoridade devemos ter em

mente os seguintes princípios: 1) O especialista invocado (a autoridade) tem

Page 31: Dicionario de Filosofia Escolar

de ser um bom especialista da matéria em causa. 2) Os especialistas da

matéria em causa (as autoridades) não podem discordar significativamente

entre si quanto à afirmação em causa. 3) Só podemos aceitar a conclusão de

um argumento de autoridade se não existirem outros argumentos mais fortes

ou de força igual a favor da conclusão contrária. 4) Os especialistas da

matéria em causa (as autoridades), no seu todo, não podem ter fortes

interesses pessoais na afirmação em causa. Precisamente porque em questões

filosóficas disputáveis, por definição, os especialistas não concordam entre si,

em filosofia os argumentos de autoridade são quase sempre falaciosos.

Contudo, a maior parte do conhecimento de cada ser humano baseia-se em

argumentos de autoridade, no sentido em que se baseia no testemunho de

outras pessoas. Ver falácia. DM

Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Cap. 9 (Lisboa: Plátano, 2003).

argumento dedutivo

Ver dedução.

argumento do desígnio

Argumento por analogia a favor da existência de Deus. A premissa da analogia

é a de que os objectos naturais se assemelham a artefactos. Como tal, do

mesmo modo que os artefactos têm um criador (um desígnio) responsável pela

sua existência, também os objectos da natureza têm de o ter. Dada a

complexidade e ordem da natureza, o criador por detrás da natureza tem de

possuir uma inteligência divina. A conclusão é que esse criador é Deus. O

argumento foi criticado por David Hume nos Diálogos sobre a Religião

Natural. Um dos problemas é que a analogia entre artefactos e objectos

naturais parece fraca. CT

argumento forte

1. Um argumento não dedutivo é forte quando as suas premissas são

verdadeiras e a verdade destas torna muito baixa a probabilidade de a

conclusão do argumento ser falsa. Por exemplo, o argumento indutivo

seguinte é forte: "Todos os corvos observados até hoje são pretos; a cor dos

corvos está geneticamente determinada; só poderia alterar-se em condições

ambientais diferentes das geralmente escolhidas pelos corvos para viver;

logo, todos os corvos são negros".

Page 32: Dicionario de Filosofia Escolar

2. Quando não sabemos se as premissas de um argumento dedutivo

válido são verdadeiras mas achamos que são plausíveis dizemos que o

argumento é forte. Por exemplo, muitas pessoas consideram que o seguinte

argumento dedutivo válido é forte, pois consideram que a única premissa que

não é evidentemente verdadeira (a primeira) é fortemente plausível: "Se os

animais sentem dor, é imoral maltratá-los; dado que os animais sentem dor, é

imoral maltratá-los". Aristóteles chamava "dialécticos" a este tipo de

argumentos. Note-se que a força de um argumento válido é precisamente

igual à plausibilidade da sua premissa menos plausível: é por isso que para

argumentar bem a favor de algo é uma boa ideia partir de premissas menos

discutíveis do que a sua conclusão. Ver argumento sólido,

validade/invalidade, indução. DM

argumento fraco

1. Um argumento não dedutivo é fraco quando a verdade das suas premissas

não torna elevada a probabilidade de a sua conclusão ser verdadeira. Por

exemplo, o seguinte argumento indutivo é fraco: "Todos os corvos que vi até

hoje nasceram antes do ano 2100; logo, todos os corvos vão nascer antes do

ano 2100".

2. Quando não sabemos se as premissas de um argumento dedutivo

válido são verdadeiras mas achamos que são implausíveis dizemos que o

argumento é fraco. Por exemplo, muitas pessoas podem considerar que o

seguinte argumento dedutivo válido é fraco porque pensam que a única

premissa que não é evidentemente verdadeira (a segunda) é implausível: "Os

animais não têm deveres; quem não tem deveres, não tem direitos; logo, os

animais não têm direitos". Por vezes, diz-se também que um argumento

dedutivo inválido é fraco. Ver argumento sólido, validade/invalidade,

indução. DM

argumento indutivo

Ver indução.

argumento ontológico

Argumento a priori a favor da existência de Deus; isto é, um argumento cujas

premissas são todas a priori (ver a priori / a posteriori). Uma das versões

mais discutidas do argumento é a de S. Anselmo, que parte da definição de

Page 33: Dicionario de Filosofia Escolar

Deus como "o ser maior do que o qual nada pode ser pensado". A ideia é que

se Deus não existisse, então não seria o ser maior do que o qual nada pode ser

pensado, o que contradiz o ponto de partida; logo, Deus existe. O argumento

foi criticado pelo monge Gaunilo, contemporâneo de Anselmo, que

argumentou que através do mesmo tipo de argumento se poderia provar a

existência de uma ilha perfeita, o que seria absurdo. CT

argumento por analogia

Argumento em que uma das premissas consiste numa analogia entre coisas

semelhantes em alguns aspectos para se concluir que também são

semelhantes em relação a outros aspectos específicos. Por exemplo, se os

animais, tal como as pessoas, reagem quando sentem dor, então, por

analogia, também eles devem sentir emoções. Um dos argumentos por

analogia mais famosos é o argumento do desígnio a favor da existência de

Deus. CT

argumento sólido

Um argumento válido com premissas verdadeiras. Por exemplo, o argumento

"Se Sócrates era francês, era europeu; ele era francês; logo, era europeu" é

válido (é um modus ponens) mas não é sólido, porque a segunda premissa não

é verdadeira. Aristóteles chamava "demonstrações" aos argumentos sólidos e

"argumentos dialécticos" aos argumentos válidos baseados em premissas cuja

verdade não é conhecida. Ver validade/invalidade, argumento forte. DM

argumento válido

Ver validade/invalidade.

argumentos, tipos de

Há dois tipos gerais de argumentos: os dedutivos e os não dedutivos. Nos

argumentos não dedutivos, a validade ou invalidade não depende

exclusivamente da forma lógica; por exemplo: "Todos os corvos observados

até hoje são pretos; logo, todos os corvos são pretos". Há dois tipos de

argumentos dedutivos: aqueles cuja validade ou invalidade depende

exclusivamente da sua forma lógica, como "Se Deus existe, a vida faz sentido;

logo, se a vida não faz sentido, Deus não existe"; e aqueles cuja validade ou

invalidade é de carácter conceptual, como "O céu é azul; logo, é colorido".

Pode chamar-se aos primeiros "argumentos formais" e "argumentos

Page 34: Dicionario de Filosofia Escolar

conceptuais" aos segundos. Os argumentos formais podem dividir-se em dois

grupos: os que são estudados pela lógica clássica (como o exemplo dado

acima) e os que são estudados pelas lógicas não clássicas (como "A água é

necessariamente H2O; logo, a água é possivelmente H2O"). Finalmente, todos

estes tipos de argumentos são de carácter proposicional (como "Sócrates e

Platão são mortais; logo, Sócrates é mortal") ou predicativo (como "Sócrates é

mortal; logo, há seres mortais"). DM

Aristóteles

(384-322 a. C.) Um dos mais influentes filósofos de sempre. Nasceu em

Estagira, no norte da Grécia. Foi discípulo de Platão em Atenas e mestre de

Alexandre Magno, na Macedónia. Depois da morte de Platão, fundou em

Atenas a sua própria escola, a que deu o nome de Liceu. Os seus interesses

eram os mais variados. Não houve quase nenhum domínio do conhecimento

sobre o qual não tivesse escrito e atribuía uma grande importância à

observação da natureza. Ele próprio procedeu a estudos minuciosos nos

domínios da física, biologia, psicologia e linguagem. Como é típico nos

melhores filósofos, era muito rigoroso na justificação das suas opiniões e

meticuloso na ponderação dos argumentos contrários, evitando chegar a

conclusões precipitadas. Entre as disciplinas filosóficas que desenvolveu

contam-se a lógica, a metafísica, a ética, a filosofia política, e a estética.

Pode mesmo dizer-se que foi o fundador da Lógica, começando o seu estudo

praticamente do nada. Se bem que limitada e com várias deficiências, a

teoria lógica aristotélica foi o resultado de um trabalho notável de

Page 35: Dicionario de Filosofia Escolar

inteligência, de tal modo que, no essencial, se manteve incontestada e

estudada até ao final do séc. XIX. Aristóteles procurou determinar as formas

válidas de inferência, isto é, as inferências cuja forma nos impede de chegar

a uma conclusão falsa a partir de premissas verdadeiras (ver premissa). E

estabeleceu um conjunto de regras para identificar as boas e evitar as más

inferências (ver lógica aristotélica). Organon é o nome dado ao conjunto das

suas obras de lógica. Na Metafísica, uma das suas obras mais marcantes

(assim chamada apenas porque foi publicada a seguir à Física), Aristóteles

descreve esta disciplina como o estudo do "ser enquanto ser", isto é, o estudo

do ser em geral, independentemente do modo particular como as coisas são.

Muitos dos conceitos metafísicos ainda hoje utilizados foram introduzidos por

si. Em Ética a Nicómaco (assim chamada por ter sido dedicada a seu filho

Nicómaco), Aristóteles argumenta, entre outras coisas, a favor da ideia de

que as virtudes morais, como a generosidade e a honestidade, não são inatas.

Só o hábito de evitar excessos de qualquer tipo nos pode tornar pessoas

virtuosas. Por isso, a virtude adquire-se com a prática. Sobre filosofia política

escreveu a Política e sobre estética a Poética, entre outros livros. AA

Aristóteles, Categorias (Lisboa: Instituto Piaget, 2000)

Aristóteles, Da Alma (Lisboa: Edições 70, 2001)

Aristóteles, Poética (Lisboa: INCM, 1994)

Aristóteles, Retórica (Lisboa: INCM, 1998)

Aristóteles, Tratado da Política (Mem Martins: Europa-América, 1977)

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulo 4 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, capítulo 2 (Lisboa: Presença, 1989)

Ross, David, Aristóteles (Lisboa: D. Quixote, 1987)

arte, filosofia da

Ver filosofia da arte.

artefacto

Os objectos que são construídos ou manufacturados, como martelos, livros,

filmes, casas, esculturas, etc. Distinguem-se das coisas naturais, como as

ondas do mar, as nuvens e as árvores. Em geral os filósofos da arte consideram

que as obras de arte são artefactos. Daí que um belo pôr-do-sol não seja uma

Page 36: Dicionario de Filosofia Escolar

obra de arte. Contudo, visto que os movimentos que constituem uma peça de

bailado, ou os sons que um cantor produz são frequentemente considerados

arte, o termo "artefacto" tem sido interpretado de modo a incluir também

esse tipo de acontecimentos. Ainda assim, podem encontrar-se outros casos

na arte contemporânea que desafiam a ideia de que uma obra de arte tem

que ser um artefacto. AA

asserção

Acto linguístico que consiste na produção de uma frase declarativa com valor

assertórico, ou seja, um acto linguístico através do qual o seu autor se

compromete com a veracidade da proposição expressa. Muitas vezes uma

frase declarativa parece ter valor assertórico mas não é susceptível de ser

classificada como verdadeira ou como falsa, não fazendo qualquer asserção

(por exemplo, "Prometo chegar a horas amanhã"). Ver também pragmática. PS

ataraxia

Termo grego que significa "imperturbabilidade da alma" ou "tranquilidade

interior". Os epicuristas e estóicos consideravam-na o mais perfeito estado de

felicidade. Ver epicurismo e estoicismo. AA

ateísmo

A afirmação de que Deus não existe. CT

atitude estética

Disposição para nos relacionarmos com as obras de arte (e também com

certos objectos ou aspectos da natureza) de forma meramente contemplativa

e desinteressada. Esta caracterização sugerida por Kant significa que a

apreciação das obras de arte não tem qualquer intuito prático, sendo isso que

distingue a experiência estética de qualquer outro tipo de experiência. A

atitude estética é, assim, a forma peculiar como encaramos a arte e as coisas

belas, pelo que não deve ser confundida com outras atitudes como a religiosa,

prática, moral, etc. Há, contudo, filósofos que rejeitam a existência de uma

atitude peculiar que caracterize o modo como encaramos a arte em geral. O

filósofo americano George Dickie (n. 1926) é autor de um ensaio intitulado O

Mito da Atitude Estética (1964), onde argumenta que o desinteresse diz-nos

mais acerca dos motivos de quem observa uma obra de arte do que acerca do

modo como, em geral, nos relacionarmos com ela. AA

Page 37: Dicionario de Filosofia Escolar

autonomia/heteronomia

Um agente é autónomo quando as suas acções são autodeterminadas. Segundo

Kant é a característica de uma vontade que cumpre o dever, não sendo

condicionada por qualquer inclinação sensível (interesses, temores, desejos).

A vontade autónoma considera imperativo categórico ou incondicional a

obediência à lei moral. Esta exige que ao cumprir o dever apenas sejamos

influenciados pela intenção de o cumprir (cumprir o dever pelo dever). À

autonomia opõe-se a heteronomia. A vontade heterónoma pode cumprir o

dever mas com a intenção, por exemplo, de agradar, de obter recompensas ou

de evitar castigos (não cumpre o dever pelo dever). A vontade autónoma "dá a

lei a si mesma". Dá a si mesma a forma como cumpre o dever e encontra no

cumprimento da lei moral a razão suficiente das suas decisões.

Autodetermina-se. Liberta de qualquer influência das inclinações sensíveis, a

vontade autónoma é a vontade de um sujeito que toma decisões enquanto ser

racional e se submete unicamente à lei da sua razão. Deus, os interesses, a

sociedade podem ser fonte de normas morais concretas mas não da lei moral,

lei puramente formal que não nos diz o que devemos fazer mas de que forma

devemos cumprir o dever. É a autonomia da vontade que torna a vontade boa.

"Vontade autónoma" e "vontade boa" são termos equivalentes. LR

auto-refutação

Uma afirmação é auto-refutante se o próprio facto de ser produzida implica a

falsidade do que está a ser afirmado. Quem produzir afirmações como "Eu não

estou aqui", "Paulo Portas é ambicioso mas eu não acredito nisso" e,

provavelmente, "O significado de uma frase ou de um texto escapa-se-nos

infindavelmente" está a auto-refutar-se. PS

axiologia

Teoria dos valores. A axiologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza dos

valores. Alguns filósofos consideram que o problema central da axiologia é a

justificação dos juízos práticos em geral, confundindo-se em grande parte

com a filosofia da acção e, mais recentemente, com a teoria da decisão.

Outros acham que se trata da justificação dos juízos morais em particular. AA

axioma

Page 38: Dicionario de Filosofia Escolar

Em lógica e matemática, um axioma é uma proposição que não se demonstra,

mas que serve de base para se demonstrar outras proposições, a que se chama

"teoremas". Os teoremas são demonstrados partindo dos axiomas e usando

regras de inferência. Por exemplo, partindo dos axiomas (P ∧ Q) → P e P → (P

∨ Q) podemos derivar o teorema (P ∧ Q) → (P ∨ Q), com base na regra

conhecida pelo nome de "silogismo hipotético". Figurativamente, chama-se

"axioma", no discurso corrente, a qualquer afirmação dada como evidente e

com base na qual se podem fazer outras afirmações. Contudo, não se deve

pensar que os axiomas, quer em sentido figurado, quer no sentido rigoroso da

lógica e matemática, são Verdades monolíticas arbitrárias que não podem ser

colocadas em causa nem discutidas. Um bom axioma não pode ser arbitrário e

tem de resistir à discussão crítica: tem de ser realmente indisputável, ou pelo

menos muitíssimo plausível. Caso contrário, tudo o que se disser com base

nesse "axioma" será tão implausível, ou mais, do que o próprio "axioma". DM

.: B :.Bedeutung

Termo alemão que significa "referência" e se opõe a Sinn (sentido). Frege

introduziu esta distinção para separar o que um termo refere da maneira

como o termo refere: os termos "Mestre de Platão" e "O filósofo que bebeu a

cicuta" referem a mesma coisa (Sócrates), mas referem essa coisa de

maneiras diferentes: têm diferentes sentidos. DM

Berkeley, George

(1685-1753) Filósofo e bispo irlandês. Berkeley defende uma forma extrema

de idealismo, segundo a qual "esse est percipi" (ser é ser percepcionado). Por

outras palavras, uma árvore, por exemplo, não tem qualquer existência

material independente da nossa percepção da sua cor, textura, solidez, etc.

Apesar disso, a árvore não é menos real nem a sua existência menos

Page 39: Dicionario de Filosofia Escolar

objectiva, dado que a nossa percepção dela é involuntária. Assim, o idealismo

de Berkeley, apesar de radical, é objectivista, ainda que seja comum dizer-se,

erradamente, que ele é um idealista subjectivista (ver objectivo/subjectivo).

O idealismo de Berkeley tem tendência para parecer uma ilustração das

ideias disparatadas típicas de filósofos ociosos; mas esta impressão falsa só

subsiste quando não se compreendem os problemas a que Berkeley estava a

dar resposta. No contexto filosófico da época, o dualismo cartesiano (ver

Descartes) introduzia um fosso entre as ideias (ou a mente) e o mundo físico;

e Berkeley considerava que a resposta de Locke era insatisfatória, tendo

como consequência o ateísmo e o cepticismo. Ao eliminar a materialidade do

mundo, Berkeley procura eliminar o fosso entre a mente e o mundo. O valor

de Berkeley não reside tanto na conclusão a que chegou e que nunca foi muito

levada a sério, mas no vigor e brilho da sua defesa, clara e articulada,

honesta e acessível ao leitor comum. O Tratado do Conhecimento Humano

(1710) é uma defesa brilhante e sintética das suas ideias; os Três Diálogos

entre Hilas e Filonous (1713), menos sintéticos, são uma exposição mais

literária e popular das ideias da obra anterior. DM

Berkeley, George, Tratado do Conhecimento Humano / Três Diálogos (Lisboa: INCM,

2000).

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 14 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 6 (Lisboa, Presença, 1989).

bicondicional (↔)

Uma afirmação com a forma "P se, e só se, Q", como "Uma coisa é arte se, e

só se, for bela". No discurso corrente omite-se muitas vezes um dos ses:

"Ofereço-te um livro se passares de ano" quer em geral dizer "se, e só se,

passares de ano". Uma bicondicional é uma conjunção de duas condicionais: "P

se, e só se, Q" é o mesmo que "Se P, então Q, e se Q, então P" (ver

condicional). Uma bicondicional só é verdadeira quando ambas as proposições

têm o mesmo valor de verdade e por isso chama-se-lhe também

"equivalência". As definições mais rigorosas usam bicondicionais para conectar

o que se está a definir com o que o define. DM

bioética

Page 40: Dicionario de Filosofia Escolar

Ramo da ética aplicada relativo às questões morais suscitadas pela medicina e

pela biologia. Na bioética discute-se, por exemplo, a moralidade do aborto,

da eutanásia, das experiências com animais, da clonagem, da manipulação

genética ou dos transplantes de órgãos. A discussão destas questões exige não

só um conhecimento médico e científico especializado, mas também um

domínio das teorias éticas normativas que os filósofos propõem. Ver

normativo/descritivo. PG

.: C :.cadeia causal

Sucessão de acontecimentos relacionados entre si como causa e efeito (Ver

causa/efeito). Por exemplo, o acontecimento de o João ter partido a janela

da escola com a bola, tem a seguinte cadeia causal: o atirar da bola pelo João

como causa e o partir da janela como efeito. Mas a cadeia causal não pára

aqui. Por exemplo, o João pode ter atirado a bola contra a janela por se

sentir frustrado com a nota de filosofia. E o que causou a sua frustração foi

não ter estudado o suficiente, e assim por diante. As cadeias causais podem

mesmo regredir infinitamente. CT

cálculo de predicados

O tipo de linguagem que contém o cálculo proposicional e ainda símbolos

predicativos, quantificadores (ver quantificador), variáveis e constantes

individuais (as traduções formais de nomes de indivíduos), bem como regras

de inferência (e, eventualmente, axiomas) apropriadas para eles. Ao

contrário do cálculo proposicional, o cálculo de predicados permite analisar a

estrutura predicativa das proposições e assim representar relações lógicas

como as existentes entre 1) "Todos os seres vivos são mortais" e 2) "O Rui é um

ser vivo imortal" (contradição) e entre 1 e 3) "Não é verdade que alguns seres

vivos não sejam mortais" (equivalência). As fórmulas bem formadas desta

linguagem predicativa são usadas em derivações, que são versões formais de

argumentos formulados em linguagem corrente (ver cálculo lógico). Desde o

início do séc. XX, o cálculo de predicados tem ocupado o lugar da lógica

aristotélica como o instrumento de análise lógica por excelência, e é

geralmente considerado a linguagem formal na qual a esmagadora maioria dos

Page 41: Dicionario de Filosofia Escolar

padrões do raciocínio válido é representável rigorosamente. É ainda utilizado

como meio (ou pelo menos como inspiração) para o estudo sistemático de

muitas subtilezas sintácticas e semânticas da linguagem corrente. Ver

também lógica, lógica clássica, lógica formal. PS

cálculo lógico

Um sistema formal que permite derivar (ver derivação) conclusões a partir

de premissas por meio de regras de inferência. Um cálculo lógico contém

uma linguagem bem definida nos seus símbolos básicos e nas regras de

construção de fórmulas, além de uma especificação das regras de inferência

(e, nos casos de existirem, dos axiomas) admitidas. O conjunto destas

especificações determina quais as derivações admitidas no sistema (ver

sintaxe). O cálculo proposicional e o cálculo de predicados são exemplos

canónicos de sistemas deste tipo. Assim caracterizados, os cálculos lógicos são

apenas linguagens formais cujas fórmulas são manipuláveis através de regras,

de modo a obterem-se outras fórmulas; mas é evidente que eles serviriam de

muito pouco se as suas derivações não fossem modelos dos nossos raciocínios

válidos. Assim, para além destas especificações sintácticas, um cálculo lógico

pode ser interpretado (ver interpretação, semântica), isto é, podem ser

atribuídos significados aos seus símbolos básicos e fórmulas, e as suas

derivações podem ser avaliadas como válidas ou inválidas. Idealmente, todas

as derivações admitidas num cálculo lógico são válidas e todos os argumentos

válidos representáveis na sua linguagem correspondem a derivações nele

admitidas. O cálculo proposicional e o cálculo de predicados têm esta

característica, a que se chama "completude". Ver também lógica, lógica

clássica.

cálculo proposicional

O tipo de linguagem onde são representadas as relações logicamente

relevantes entre proposições (ou entre as frases que exprimem essas

proposições): negação, conjunção, disjunção, condicional, bicondicional.

Contém letras do alfabeto, como P, Q e R (cada uma delas representando uma

proposição), e constantes lógicas (ver conectiva), que são definidas como

operadores verofuncionais que actuam sobre as letras proposicionais para

construir fórmulas (correspondentes à frases da linguagem corrente). Contém

ainda regras de inferência (e, eventualmente, axiomas), o que permite que

Page 42: Dicionario de Filosofia Escolar

as fórmulas bem formadas da linguagem sejam usadas em derivações (versões

formais de argumentos formulados em linguagem corrente — ver cálculo

lógico). No cálculo proposicional são representáveis inferências como "Se o

Rui é um ser vivo, então é mortal; o Rui é um ser vivo; logo, é mortal"; mas

não são representáveis inferências como "Todos os seres vivos são mortais; o

Rui é um ser vivo; logo, o Rui é mortal". Isto deve-se ao facto de, ao contrário

do que acontece com o cálculo de predicados, no cálculo proposicional não

ser possível representar a estrutura predicativa das proposições (de modo que

a segunda inferência seria nele desinformativamente representada apenas

como P; Q; logo, R, o que não daria conta da sua validade). Ver também

lógica, lógica clássica, lógica formal. PS

caprichoso, pensamento

Ver pensamento caprichoso.

caracterização

Caracteriza-se algo quando se apresentam algumas das suas propriedades ou

características importantes. Por exemplo, pode-se caracterizar o álcool como

um líquido transparente que usamos para desinfectar feridas, que é muito

inflamável e volátil, etc. Em suma, escolhemos um conjunto de propriedades

que reputamos importantes ou típicas e apresentamos essas propriedades. As

caracterizações distinguem-se das definições explícitas (ver definição

explícita) por não apresentarem obrigatoriamente condições necessárias nem

suficientes (ver condição necessária e condição suficiente). As

caracterizações são auxiliares preciosos para a compreensão e podem ser

usadas para complementar definições que, apesar de mais correctas, são

muitas vezes menos informativas. DM

Murcho, Desidério, "Definição de "Definição"" in A Natureza da Filosofia e o seu Ensino

(Lisboa: Plátano, 2002).

Page 43: Dicionario de Filosofia Escolar

Carnap, Rudolf (1891-1970)

Filósofo americano nascido na Alemanha. Positivista lógico, foi um dos

filósofos mais importante do séc. XX. Carnap foi aluno de Frege tendo sido

profundamente influenciado por este, assim como por Russell e Wittgenstein.

Leccionou nas universidades de Viena e Praga, mudando-se para os EUA em

1935. As suas principais contribuições são em semântica formal (Meaning and

Necessity, 1937), filosofia da ciência, lógica e teoria da probabilidade (The

Logical Foundations of Probability, 1950). Numa das suas primeiras obras (Der

logische Aufbau der Welt, 1928), defendeu a redução de todo o conhecimento

humano aos dados dos sentidos ligados pela relação de recordação de

semelhança. Posteriormente, reconsidera esta posição abrindo uma excepção

para o caso da física. A sua posição anti-metafísica segundo a qual as

afirmações metafísicas não têm significado por não serem empiricamente

verificáveis (ver verificacionismo) tornou-se emblemática do positivismo

lógico. Carnap defende ainda a redução das verdades da matemática e da

lógica à linguagem, considerando-as assim de meras verdades por convenção.

Pensava também que o único método de fazer filosofia é através da análise

lógica da linguagem. Defendia a unidade da ciência e a centralidade da

noção de confirmação para o método científico. CT

cartesiano

Que se refere a Descartes.

catarse

O processo psicológico de libertação de maus sentimentos e de purificação

dos bons. Segundo Aristóteles, a arte proporciona-nos essa oportunidade,

contribuindo para nos tornar melhores. AA

categorias

Page 44: Dicionario de Filosofia Escolar

O termo foi usado pela primeira vez por Aristóteles para designar as classes

mais gerais de seres (ver ser) ou os predicados (ver predicado) que podem ser

afirmados de um sujeito. Para Aristóteles, as categorias são dez: substância,

quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, acção e paixão.

A palavra é mais tarde retomada por Kant para designar doze conceitos (ver

conceitos) puros do entendimento, formas a priori de conhecimento, que

agrupa sob quatro grandes classes: quantidade, qualidade, relação e

modalidade. AN

categórica, proposição

Ver proposição categórica.

categórico, imperativo

Ver imperativo categórico.

causa/efeito

Os dois termos de uma relação causal. Chama-se "causa" ao que provoca algo;

e "efeito" ao que é provocado. Do ponto de vista temporal, é comum pensar-

se que a causa é anterior ao efeito, mas alguns fenómenos estudados na física

quântica parecem desmentir esta crença. O modo como se estabelece a

relação entre a causa e o efeito tem sido objecto de amplo debate entre os

filósofos, especialmente a partir de Hume, no séc. XVIII. Acontecimentos,

mudanças e estados (físicos ou mentais) exemplificam aquilo que pode estar

causalmente relacionado: quando afirmamos "o calor dilata os metais",

estamos a enunciar uma relação causal em que o aumento da temperatura é a

causa e a dilatação dos metais é o efeito. Numa cadeia causal, a causa

próxima é aquela que antecede um dado efeito sem a mediação de qualquer

outro acontecimento ou estado; pelo contrário, quaisquer outras causas

existentes nessa cadeia são causas remotas. Se existir, a Causa Primeira é

aquela que causou todas as cadeias causais sem que ela própria tivesse sido

causada. Alguns teístas (ver teísmo) identificam-na com Deus. Ver argumento

cosmológico. APC

causalidade

Ver causa/efeito, relação causal e cadeia causal.

caverna, alegoria da

Page 45: Dicionario de Filosofia Escolar

Ver alegoria da caverna.

cepticismo

A perspectiva que nega total ou parcialmente a possibilidade do

conhecimento. De acordo com o céptico, se bem procurarmos, encontramos

sempre boas razões para duvidar mesmo das nossas crenças mais fortes. Há

dois grupos de argumentos cépticos: o primeiro baseia-se nas diferenças de

opinião, mesmo entre as pessoas mais conhecedoras; o segundo, baseia-se nas

ilusões perceptivas. Há diferentes tipos de cepticismo. Uma forma radical de

cepticismo é geralmente atribuída a Pirro de Élis (c.360 a. C.-c.270 a. C.),

para quem devíamos suspender o nosso juízo em relação a todas as coisas. A

resposta habitual a este tipo de cepticismo é procurar mostrar que é auto-

refutante (ver auto-refutação), pois se podemos afirmar que nada sabemos é

porque já sabemos precisamente isso. Também Descartes procurou responder

aos argumentos cépticos, mostrando que há pelo menos uma coisa que resiste

à dúvida mais insistente: que existimos. Além do cepticismo radical há outros

tipos de cepticismo que limitam o seu âmbito apenas a certas áreas. Este tipo

de cepticismo parcial pode aplicar-se a aspectos metodológicos: empiristas,

como Hume, são cépticos em relação ao conhecimento a priori do mundo (ver

a priori/a posteriori), enquanto que alguns racionalistas duvidam do

conhecimento empírico. Mas também se pode dirigir apenas a determinado

tipo de entidades: o conhecimento de outras mentes, a existência de Deus, o

conhecimento do futuro, a indução (ver problema da indução), o

conhecimento de verdades éticas, o conhecimento do mundo exterior, etc.

Sexto Empírico (c. 150-c.225) e Michel de Montaigne (1533-92) são dois dos

mais destacados defensores do cepticismo. AA

certeza

Grau máximo de convicção acerca da verdade de uma certa proposição.

Quando afirmamos "Tenho a certeza absoluta de que P!", estamos a exprimir a

nossa completa convicção de que P é verdade. Mas podemos perfeitamente

estar enganados. A certeza não implica a verdade, ao contrário do

conhecimento. APC/DM

ciência

Page 46: Dicionario de Filosofia Escolar

As disciplinas que agrupamos sob a designação "ciência" incluem as ciências

formais e as ciências empíricas (ver empírico).

As principais ciências formais, assim chamadas pelo facto de os seus

objectos de estudo não terem existência concreta (ver abstracto/concreto),

são a matemática e a lógica.

As ciências empíricas são aquelas que estudam, com base na

experiência, os fenómenos naturais e sociais. A finalidade de tais ciências é

descobrir e explicar os padrões e regularidades desses fenómenos,

enunciando-os rigorosamente sob a forma de leis. As leis genuinamente

científicas 1) constituem generalizações corroboradas acerca dos fenómenos

que descrevem, 2) permitem realizar previsões rigorosas e 3) são passíveis de

ser testadas. Estas três características diferenciam-nas dos enunciados da

filosofia, da religião, do senso comum e das pseudociências (como a

alquimia, a astrologia ou a parapsicologia). Outro aspecto que diferencia a

ciência dos demais saberes, e também das pseudociências, é o recurso

sistemático a métodos formais de prova. Saber se as ciências sociais têm por

objectivo, como as naturais, a elaboração de leis, é ponto de discórdia entre

os especialistas.

O conjunto de procedimentos dos cientistas no seu trabalho constitui o

método científico. Em filosofia da ciência discute-se se existe um método

científico único e como poderemos descrevê-lo apropriadamente, sendo

particularmente importantes a este respeito os trabalhos de Imre Lakatos

(1922-1974), Karl Popper, Paul Feyerabend e Thomas Khun.

A cisão moderna entre a filosofia e a ciência dá-se progressivamente

com os trabalhos de Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630), Galileu e

Newton (1642-1727), que impulsionaram decisivamente o recurso à

experimentação e a matematização da ciência. Ver explicação científica,

observação, método científico, método experimental, método hipotético-

dedutivo, corroboração, generalização, problema da indução,

verificacionismo, verificabilidade, falsibicabilidade, falsificacionismo,

critério de demarcação, positivismo e Comte. APC

ciência, filosofia da

Ver filosofia da ciência.

Page 47: Dicionario de Filosofia Escolar

científico, método

Ver método científico.

coerentismo

Perspectiva epistemológica (ver epistemologia), segundo a qual o nosso

conhecimento não carece de qualquer tipo de fundamento. O conhecimento é

antes encarado à maneira de uma teia ou sistema de crenças coerentes entre

si, que se sustentam mutuamente, dispensando qualquer necessidade de uma

crença — ou de um conjunto de crenças — em que todas as outras se apoiem.

O filósofo austríaco Otto Neurath (1882-1945) ilustra esta perspectiva com

uma célebre metáfora, conhecida como Barco de Neurath: tal como é possível

a um barco navegar sem se afundar, apesar de ser composto de inúmeras

partes e de nenhuma delas suportar todas as outras, o mesmo acontece com o

conhecimento. Cada uma das nossas convicções é como cada uma das peças

do barco. Ligadas umas às outras, formam uma totalidade consistente e auto-

sustentada. Este é o modo como, de facto, se estrutura a justificação das

nossas crenças, demarcando-se o coerentismo tanto do cepticismo como do

fundacionismo. Para um céptico, é impossível encontrar justificações

satisfatórias para as nossas crenças, coisa que um coerentista rejeita; para

um fundacionista, as nossas crenças justificam-se a partir de um número

limitado de crenças mais evidentes e fundamentais, como sustenta Descartes

com o célebre cogito ergo sum, coisa que o coerentismo também rejeita. AA

cogito

Nome por que é conhecido o famoso argumento (segundo alguns) ou

afirmação (segundo outros) de Descartes "penso, logo existo" e que em latim

é "cogito ergo sum".

cogito ergo sum

Expressão latina utilizada por Descartes que significa "penso, logo existo". Ver

também dúvida metódica.

cognitivismo estético

Perspectiva filosófica acerca da arte, segundo a qual ela tem valor na medida

em que serve para aumentar o nosso conhecimento. O cognitivismo estético é

uma teoria funcionalista (ou instrumentalista), pois reconhece que a arte tem

uma função, ao contrário do esteticismo. Um dos mais destacados defensores

Page 48: Dicionario de Filosofia Escolar

do cognitivismo estético é o filósofo americano Nelson Goodman. Ver também

funcionalismo estético. AA

compatibilismo/incompatibilismo

O problema do livre-arbítrio consiste em saber se a crença de que somos

livres é compatível com a crença de que o mundo é governado por leis e que

no mundo todos os acontecimentos, incluindo as nossas acções, são

determinados pelas suas causas (ver causa/efeito). Em geral, existem dois

tipos de teorias que respondem a este problema: as teorias compatibilistas e

as teorias incompatibilistas.

O compatibilismo é uma concepção metafísica que afirma que o livre-

arbítrio é compatível com o determinismo. A posição compatibilista pode ser

expressa com a seguinte afirmação condicional: se tudo for determinado, é

possível que exista livre-arbítrio.

O determinismo moderado é a teoria compatibilista mais influente. Um

determinista moderado, como David Hume, aceita que a acção seja

determinada por causas; no entanto, sustenta que essa acção pode ser livre

se o agente, ao praticá-la, puder agir de outra forma e se tiver um controlo

sobre o desejo e a crença que causam a acção. Por exemplo, entregar um

telemóvel a um ladrão é uma acção livre caso nos seja possível recusar fazê-la

e se o desejo de viver, assim como a crença de que entregar o telemóvel

permite preservar a vida, forem as causas dessa acção.

O incompatibilismo é o conjunto de concepções metafísicas que negam

que o livre-arbítrio seja compatível com o determinismo. A posição dos

incompatibilistas é a seguinte: se tudo for determinado, não é possível que

exista livre-arbítrio. As duas teorias incompatibilistas mais importantes são o

determinismo radical e o libertismo. Os deterministas radicais argumentam

que o livre-arbítrio não existe porque todas acções são efeito de causas

remotas e incontroláveis. Os libertistas afirmam que o livre arbítrio existe

porque nem todas as acções são o efeito de causas remotas e incontroláveis.

APC

composição, falácia da

Ver falácia da composição.

compreensão

Page 49: Dicionario de Filosofia Escolar

Segundo a chamada lógica de Port-Royal, a compreensão é o conjunto de

atributos que são consequência semântica de um termo ou conceito. Assim,

atributos como substância, material, viva e sensível constituem a

compreensão do conceito animal. A compreensão de um termo ou conceito

distingue-se da sua extensão. Esta é o conjunto de indivíduos ou entidades a

que o termo ou conceito se aplica. A extensão do conceito de animal inclui

todo e qualquer animal que exista, tenha existido ou venha a existir. A

compreensão de um termo ou conceito não é alterada pelo número de

indivíduos a que se aplique esse conceito: o conceito de animal permanece o

mesmo quer se aplique a um indivíduo, a milhões de indivíduos ou a nenhum

indivíduo. Ver extensão, intensão. LR

Comte, Auguste (1798-1857)

Filósofo francês, pai do positivismo do séc. XIX. É também considerado um

dos fundadores da sociologia. Comte chamava à sua filosofia "positiva" porque

acreditava no progresso do conhecimento em todos os domínios, procurando

identificar os diferentes estados ou fases por que as nossas concepções do

mundo tiveram de passar até chegar ao seu estado definitivo. Os três estados

são o teológico, o metafísico e o positivo. No primeiro, procuravam-se as

causas primeiras de todos os fenómenos, recorrendo-se a entidades

sobrenaturais e a explicações de tipo religioso. No segundo, as nossas

concepções evoluíram no sentido de substituir as entidades sobrenaturais por

forças abstractas. No estado positivo ou científico, o "espírito humano" deixa

de querer conhecer "as causas íntimas dos fenómenos, para se dedicar apenas

à descoberta, pelo uso bem combinado do raciocínio e da observação, das

suas leis efectivas, isto é, das suas relações invariáveis de sucessão e

similitude". Para Comte só a ciência pode satisfazer adequadamente a nossa

Page 50: Dicionario de Filosofia Escolar

necessidade de conhecimento, já que só a ciência é capaz de formular leis da

natureza e de fazer previsões apoiadas em dados empíricos. As ideias de

Comte foram muito criticadas, mas também influenciaram filósofos tão

importantes como Stuart Mill. Curso de Filosofia Positiva (1830-42) é o título

da sua obra mais importante. AA

conceito

Os constituintes dos pensamentos (ou proposições). A proposição de que

Lisboa é uma bela cidade, tem como um dos seus constituintes o conceito de

cidade. Possuir um conceito é saber usá-lo. Por exemplo, se alguém apontar

para uma bola e disser que é um tigre é porque não possui o conceito de

tigre; mas se for competente no uso do termo "tigre", possuiu o conceito em

causa. Uma das muitas questões em aberto é a de saber se os conceitos são

entidades abstractas independentes da mente ou se dependem desta para

existirem. CT

conceito aberto/conceito fechado

Um conceito é aberto se não houver um conjunto de características fixas, ou

condições necessárias e suficientes, a partir das quais ele possa ser definido,

isto é, a partir das quais se torna possível encontrar a sua extensão. Caso seja

possível apresentar um conjunto de características fixas capazes de

identificar os objectos que fazem parte da extensão de um dado conceito,

então esse conceito é fechado. Isto significa que um conceito aberto é

reajustável, podendo ser corrigido de modo a alargar o seu uso a casos

completamente novos. Esta noção surgiu com o filósofo austríaco

Wittgenstein, que deu como exemplo o conceito de jogo. Segundo

Wittgenstein, não é possível identificar um conjunto fixo de características

comuns a todos os jogos, além de que podem ser inventados jogos com

características completamente diferentes dos que já existem. O mesmo se

passa, segundo o filósofo americano Morris Weitz (1916-87), com o conceito

de arte, até porque a arte é sempre criativa e inovadora. Por isso, a arte

também não pode ser definida em termos de condições necessárias e

suficientes. Ver também parecença familiar. AA

conclusão

Page 51: Dicionario de Filosofia Escolar

A afirmação que se defende, num argumento, recorrendo a premissas. Por

exemplo, a conclusão do argumento "Os animais não têm direitos porque não

têm deveres" é a afirmação "Os animais não têm direitos". DM

condição necessária

Uma condição necessária para ser F garante que tudo o que for F satisfaz essa

condição, mas não garante que tudo o que satisfaz essa condição é F (não é

uma condição suficiente). Por exemplo, ser grego é uma condição necessária

para ser ateniense, mas não é uma condição suficiente, já que se pode ser

grego sem ser ateniense. Uma condição necessária é expressa pela

consequente de uma condicional; por exemplo: se alguém é ateniense, é

grego. Numa afirmação com a forma "Todo o F é G", o G é uma condição

necessária de F; por exemplo: todos os atenienses são gregos. Ver definição

explícita. DM

condição necessária e suficiente

Uma condição necessária e suficiente para ser F garante a coincidência entre

F e essa condição. Por exemplo, uma condição necessária e suficiente para ser

água é ser H2O. Isto significa que tudo o que for H2O é água, e tudo o que for

água é H2O. Exprime-se muitas vezes uma condição necessária e suficiente

usando uma bicondicional; por exemplo: Sócrates era ateniense se, e só se,

nasceu em Atenas. Encontrar condições necessárias e suficientes é o objectivo

da definição explícita e parte integrante de uma compreensão aprofundada

das coisas. DM

condição suficiente

Uma condição suficiente para ser F garante que tudo o que satisfaz essa

condição é F, mas não garante que tudo o que é F satisfaz essa condição (não

é uma condição necessária). Por exemplo, ser ateniense é uma condição

suficiente para ser grego, mas não é uma condição necessária, já que se pode

ser grego sem ser ateniense. Uma condição suficiente é expressa pela

antecedente de uma condicional; por exemplo: se alguém é ateniense, é

grego. Numa afirmação com a forma "Todo o F é G", o F é uma condição

suficiente de G; por exemplo: todos os atenienses são gregos. Ver definição

explícita. DM

condicional (→)

Page 52: Dicionario de Filosofia Escolar

Uma afirmação com a forma "Se P, então Q", como "Se a música é arte, é

bela". Chama-se "antecedente" a P e "consequente" a Q. No discurso corrente

usa-se muitas vezes condicionais como formas extremamente abreviadas de

modus tollens ou modus ponens: "Se Deus não existisse, não poderia haver

universo" pode ser uma forma abreviada de argumentar a favor da conclusão

omitida "Deus existe", omitindo também a premissa ("Há universo"). E "Se a

dor tem importância moral, não devemos maltratar os animais" pode ser uma

forma abreviada de argumentar a favor da conclusão "Não devemos maltratar

os animais", omitindo também a premissa "A dor tem importância moral".

Na lógica clássica, encara-se uma condicional como uma afirmação que

só é falsa caso a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa. Isto

provoca problemas (discutidos em filosofia da linguagem), pois em muitas

circunstâncias achamos que uma condicional com antecedente e consequente

falsa não é verdadeira, como afirma a lógica clássica, mas sim falsa: "Se

Durão Barroso é francês, é asiático" é intuitivamente falsa, mas do ponto de

vista da lógica clássica é verdadeira, dado que a sua antecedente é falsa.

Intuitivamente, é-se levado a pensar que esta condicional é falsa porque a

interpretamos como um caso particular da seguinte condicional geral: "Se

alguém é francês, é asiático". Dado que esta condicional geral é

efectivamente falsa (é equivalente à afirmação universal falsa "Todos os

franceses são asiáticos"), é-se levado a pensar que a primeira também o é.

Quando as condicionais gerais associadas às particulares são verdadeiras, as

intuições linguísticas não diferem da definição clássica da condicional: a

condicional "Se Sócrates é lisboeta, é português" é intuitivamente verdadeira

(porque "Se alguém é lisboeta, é português" é verdadeira) e é verdadeira

segundo a lógica clássica (porque a antecedente é falsa).

As condicionais tipicamente usadas em filosofia exprimem conexões

conceptuais. Uma condicional como "Se Kant vivia numa ilha, era um ilhéu" é

intuitivamente verdadeira, porque há uma conexão conceptual entre viver

numa ilha e ser ilhéu que garante a verdade da seguinte condicional: "Se

alguém vive numa ilha, é um ilhéu". Assim, para negar uma condicional

filosófica como "Se Deus existe, a vida faz sentido", não é necessário provar

que é verdade que Deus existe e falso que a vida faz sentido; basta mostrar

que não há conexão conceptual entre a antecedente e a consequente da

Page 53: Dicionario de Filosofia Escolar

condicional — isto é, que seria conceptualmente possível existir Deus apesar

de a vida não ter sentido. DM

Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Cap. 4 (Lisboa: Plátano, 2003).

Newton-Smith, W. H., Lógica: Um curso introdutório, Cap. 2 (Lisboa: Gradiva, 1998).

Priest, Graham, Lógica, Cap. 7 (Lisboa: Temas e Debates, 2002).

condições de verdade

Ver tabela de verdade.

conectiva

Aquelas expressões que servem para gerar frases a partir de frases. Por

exemplo, a conectiva "e", quando colocada entre duas frases (por exemplo,

"Aristóteles é um filósofo" e "Aristóteles foi aluno de Platão"), gera a seguinte

frase complexa: "Aristóteles é um filósofo e foi aluno de Platão". As conectivas

são classificadas em função do número mínimo de frases que podem ligar. Por

exemplo, as conectivas como "e" e "ou", são binárias pois precisam no mínimo

de duas frases para gerar uma frase complexa. Já a conectiva "não" é unária,

pois apenas precisa de uma frase para formar outra. Por exemplo, se

juntarmos "não" à frase "Aristóteles é um filósofo" ficamos com a seguinte

frase falsa: "Aristóteles não é um filósofo". As conectivas mais usadas são as

verofuncionais (ver operador verofuncional): "e", "ou", "não" e "se, então"

apesar de ser discutível se esta última é verofuncional (ver condicional). CT

confirmação

Num bom argumento indutivo (ver indução), as premissas confirmam a

conclusão num grau elevado. Por exemplo, se observamos muitos corvos e

constatamos que não há um único que não seja negro, encontramos assim

dados que confirmam a hipótese de que todos os corvos são negros.

Obviamente, não podemos ter a certeza de que esta hipótese é verdadeira,

mas à medida que vamos observando cada vez mais corvos negros a

probabilidade de a hipótese ser verdadeira (isto é, o seu grau de confirmação)

vai aumentando. Ver implicação, corroboração. PG

conhecimento

Os verbos conhecer e saber são sinónimos e costumam ser utilizados de três

maneiras diferentes. Na frase "a Ana sabe nadar", o termo "sabe" serve para

atribuir à Ana uma determinada competência ou capacidade; por sua vez, na

Page 54: Dicionario de Filosofia Escolar

frase "a Ana conhece o primeiro-ministro" o termo "conhece" significa que a

Ana é capaz de identificar alguém (ou algo), ou também pode significar que

ela tem ou teve algum tipo de contacto com essa pessoa (ou coisa);

finalmente, na frase "a Ana sabe que Paris é a capital da França", o que se

afirma que a Ana sabe é algo que tanto pode ser verdadeiro como falso. Neste

último caso, o que vem a seguir a "sabe que" é uma outra frase que exprime

uma proposição. Este é o sentido proposicional de "conhecer" que é objecto

de estudo da epistemologia. Não existe uma definição satisfatória de

"conhecimento", mas há pelo menos três condições necessárias que, em

geral, os filósofos aceitam: não há conhecimento sem crença; a crença tem de

ser verdadeira; além de verdadeira, a crença tem também de ser justificada.

Quer isto dizer que não podemos conhecer algo em que não acreditamos; que

não podemos conhecer falsidades; e que não há conhecimento se as nossas

crenças, apesar de verdadeiras, não forem justificadas. AA

conjunção (∧)

Qualquer afirmação com a forma "P e Q", como "Deus existe e a vida tem

sentido". Uma conjunção é verdadeira se, e só se, ambas as proposições, P e

Q, que a constituem forem verdadeiras. Em qualquer outra circunstância é

falsa. É preciso ter em consideração que não se está a falar de conjunção em

sentido gramatical. Assim, frases com as formas "P mas Q", "P, apesar de Q",

"Não só P como Q", ou "P, Q e R" são conjunções. Por outro lado, frases como

"Dá-me uma cerveja e eu fico feliz", que são superficialmente conjunções,

não o são de facto (neste caso, trata-se de uma condicional: "Se me deres

uma cerveja, eu fico feliz". AA

conotação

1.Termo equivalente ao mais corrente "intensão".

2. Frequentemente, diz-se que um termo tem certo tipo de conotações

se estiver tipicamente associado a ideias, modos de pensar ou práticas

expecíficas (por exemplo, o termo "alma", ao contrário do termo "mente",

tem conotações religiosas). Ver também compreensão, denotação, sentido.

PS

consciência moral

Page 55: Dicionario de Filosofia Escolar

O reconhecimento do carácter moral de algumas das nossas acções. Uma

pessoa com consciência moral é alguém que sabe que algumas das suas acções

podem ser boas ou más, morais ou imorais e que tem isto conta quando age.

Pelo contrário, uma pessoa sem consciência moral é alguém que não tem em

conta esse aspecto das suas acções. Por exemplo, uma pessoa sem consciência

moral poderá roubar outra pessoa sem ter em consideração o facto de o seu

acto ser imoral. Ver ética, egoísmo psicológico. DM

consequência

1. ( ) Uma proposição P é uma consequência de um dado conjunto de

proposições quando P se pode concluir validamente desse conjunto de

proposições (ver validade/invalidade). Ter atenção às consequências das

nossas afirmações é muito importante, pois por vezes elas têm consequências

indesejadas. Por exemplo, afirmar que tudo é relativo tem como

consequência que isto que se está a dizer também é relativo, o que derrota a

própria ideia que se queria defender.

2. Noutros contextos, usa-se o termo "consequência" como sinónimo de

"efeito", nomeadamente efeito causal. Por exemplo, uma bola move-se em

consequência de um pontapé. DM

consistência/inconsistência

Duas ou mais proposições são consistentes se, e só se, podem ser

simultaneamente verdadeiras; e são inconsistentes se, e só se, não podem ser

simultaneamente verdadeiras. Por exemplo, as afirmações "Deus existe" e

"Sócrates era um filósofo" são consistentes; e as afirmações "Deus existe" e

"Deus não existe" são inconsistentes. Nem sempre é fácil saber quando duas

proposições são consistentes ou inconsistentes. A mais leve complexidade

lógica pode provocar enganos. Por exemplo, há razões para pensar que as

afirmações "Todos os lobisomens são peludos" e "Nenhum lobisomem é peludo"

não são inconsistentes; mas, intuitivamente, estas afirmações parecem

inconsistentes. Note-se que a lógica aristotélica não se aplica a proposições

que contenham classes vazias, como "lobisomens"; se excluirmos as classes

vazias, quaisquer duas proposições com a forma "Todo o A é B" e "Nenhum A é

B" serão efectivamente inconsistentes (ver quadrado de oposição).

Page 56: Dicionario de Filosofia Escolar

Outras vezes, é muito difícil saber se duas proposições são consistentes

ou não. Por exemplo, em filosofia discute-se o chamado problema do mal,

que consiste em saber se as duas afirmações seguintes são consistentes: "Deus

existe e é omnipotente, omnisciente e sumamente bom" e "Há mal no mundo".

Não se deve confundir inconsistência com contradição; todas as

contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências são

contradições. Por exemplo, uma vez que há seres humanos, as afirmações

"Todos os seres humanos são mortais" e "Nenhum ser humano é mortal" são

inconsistentes, mas não são contraditórias entre si. Não se deve igualmente

dizer que uma teoria ou proposição "é consistente com o mundo"; as teorias

ou proposições só podem ser consistentes entre si e não com o mundo.

Relativamente ao mundo, as teorias e proposições são verdadeiras ou falsas,

consoante descrevem fielmente ou não o modo como as coisas são. DM

contexto

A realidade, situação ou linguagem que rodeia a enunciação de uma palavra,

frase ou discurso (ver discursivo) de que pode depender a determinação do

seu significado e, em última instância, a sua interpretação e compreensão.

Numa frase como "Hoje ofereci-lhe um ramo de flores.", aquilo que "hoje" e

"lhe" referem e, consequentemente, o significado da frase e o valor de

verdade da proposição que a frase exprime, dependem do seu contexto de

uso (quando é enunciada, quem a enuncia, a quem a frase se refere, etc.).

Para eliminar a ambiguidade de certos termos, como "aqui", e frases, como "O

Speedy é do outro mundo" tem de se ter em conta o contexto em que esses

termos e frases são usados. Ver indexical, uso/menção. AN

contingente

Ver necessário/contingente.

continuidade/descontinuidade

A expressão "continuidade/descontinuidade" (ou "continuidade/ruptura") tem

sido usada para referir três problemas diferentes de filosofia da ciência: 1) o

problema da demarcação, que consiste em saber se existe e qual é o critério

que estabelece a fronteira entre, por um lado, o conhecimento científico e,

por outro, o conhecimento não científico (como o senso comum, a filosofia

ou a religião) e pseudocientífico (como a parapsicologia, a alquimia e a

Page 57: Dicionario de Filosofia Escolar

astrologia); 2) o problema da unidade da ciência, em que se discute se existe

e qual é a descrição apropriada de um único método científico comum às

várias ciências; 3) o problema do desenvolvimento das ciências, que consiste

em discutir se existe continuidade ou ruptura entre diferentes estádios de

desenvolvimento das ciências, e até entre estes e os estádios pré-científicos.

A propósito de 1, ver explicação científica, critério de demarcação,

verificabilidade, verificacionismo, corroboração, falsibicabilidade e

Popper; a propósito de 2, ver método experimental, método hipotético-

dedutivo, Galileu Galilei, positivismo, Comte e Paul Feyerabend; a

propósito de 3, ver Popper, paradigma, incomensurabilidade e Thomas

Kuhn. APC

contra-argumento

O objectivo de um contra-argumento é refutar a conclusão estabelecida no

argumento de um opositor. Um contra-argumento, que é também um

argumento, deverá concretizar pelo menos um dos seguintes objectivos: 1)

demonstrar que o argumento do opositor é inválido, isto é, que as premissas

não apoiam a conclusão; 2) mostrar que pelo menos uma das premissas do

argumento do opositor é falsa; 3) mostrar que a conclusão do argumento do

opositor é falsa, ou tem consequências inverosímeis ou contraditórias. Por

exemplo, uma forma muito simples de concretizar o primeiro objectivo

consiste em imaginar um contra-argumento com a mesma forma lógica do

argumento a refutar, mas cujas premissas sejam evidentemente verdadeiras e

cuja conclusão seja evidentemente falsa. A validade do argumento "Todas as

coisas têm uma causa; logo, há uma causa de todas as coisas" pode refutar-se

com o argumento seguinte, obviamente inválido: "Todas as pessoas têm uma

mãe; logo, há uma mãe de todas as pessoas". Ver premissa, conclusão,

verdade/falsidade, validade, consequência, contradição, refutação,

redução ao absurdo, falácia. APC

contradição

1. Uma falsidade lógica; isto é, uma proposição cuja falsidade se pode

determinar exclusivamente por meios lógicos. Por exemplo, a afirmação

"Sócrates é mortal e não é mortal" é uma contradição.

Page 58: Dicionario de Filosofia Escolar

2. Duas proposições são mutuamente contraditórias quando têm valores

de verdade opostos em qualquer circunstância logicamente possível. Por

exemplo, as afirmações "Tudo é relativo" e "Algumas coisas não são relativas"

são contraditórias. Não se deve confundir inconsistência com contradição;

todas as contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências

são contradições. Ver consistência/inconsistência. DM

contra-exemplo

Um exemplo que se destina a mostrar que uma dada afirmação é falsa. Os

contra-exemplos são muito importantes em filosofia, pois são um método

eficaz de refutação de teorias (ou afirmações) e uma maneira de as pôr à

prova. Por exemplo, será a afirmação "só quem tem deveres pode ter direitos"

verdadeira? Um contra-exemplo é que as crianças recém-nascidas não têm

deveres, mas têm direitos. Isto mostra que a afirmação anterior é falsa.

Muitas vezes encontrar contra-exemplos claros a uma determinada teoria

filosófica não é fácil, exigindo-se informação relevante, alguma criatividade e

sentido crítico. É importante referir que afirmações como "alguns países

europeus que foram no passado colonizadores são hoje ricos" não admitem

contra-exemplos. Dizer que Portugal foi colonizador no passado mas não é

rico, não é um contra-exemplo. Mas é um contra-exemplo da afirmação

universal "todos os países europeus que foram no passado colonizadores são

hoje ricos". Assim, só há contra-exemplos a afirmações universais e

condicionais. AA

contratualismo

O contratualista concebe a ética como uma espécie de acordo ou contrato —

as acções são certas ou erradas em virtude de obedecerem ou não aos

princípios que seriam objecto do acordo. Alguns contratualistas, como

Hobbes, sustentam que o contrato ético é motivado pelo interesse pessoal

(ver egoísmo psicológico). Para outros contratualistas, no entanto, a

motivação subjacente ao acordo é o respeito recíproco entre pessoas livres e

iguais. Além de diferirem entre si quanto à maneira como concebem a

motivação do contrato, os contratualistas também divergem no modo como

definem as circunstâncias, geralmente idealizadas, em que o mesmo tem

lugar. Ver egoísmo ético, Rawls. PG

Page 59: Dicionario de Filosofia Escolar

corroboração

Na sua filosofia da ciência, Popper rejeita a indução e, consequentemente, a

ideia de que uma hipótese ou teoria científica pode ser confirmada por dados

empíricos. Assim, no seu falsificacionismo a noção de confirmação dá lugar à

de corroboração. Uma hipótese ou teoria científica é corroborada por dados

empíricos quando sobrevive a testes experimentais, isto é, quando não é

refutada depois de ter sido posta à prova. E, quanto mais severos são os

testes, maior é o grau de corroboração que a teoria adquire. PG

crença

O termo é usado para referir 1) um estado mental disposicional, que tem

como conteúdo uma proposição, verdadeira ou falsa (ver verdade/falsidade),

ou 2) para referir a proposição que constitui o conteúdo desse estado mental.

Quando tomamos "crença" na segunda acepção, ela é independente de quem

quer que a pense e o estado mental correspondente constitui uma atitude

proposicional, uma atitude de crença numa proposição, que envolve certo

grau de confiança na verdade dessa proposição (daí a relação próxima entre

crença e verdade). O facto de as crenças, enquanto estados mentais, serem

disposicionais significa que podemos ter uma disposição para agir de certa

forma devido às crenças que temos. Uma concepção comum de filosofia,

presente, por exemplo, em Bertrand Russell, vê esta como a análise crítica

das crenças (na segunda acepção) instintivas, com o objectivo de determinar

quais as justificadas e construir, assim, um sistema coerente de crenças

instintivas nas quais todas as outras se fundem. Ver fundacionismo. AN

critério de demarcação

Critério de acordo com o qual se distinguem as teorias científicas das teorias

pseudocientíficas, isto é, daquelas que não sendo científicas procuram passar

por tal. O filósofo Karl Popper defende que uma teoria só é científica se

puder ser testada. Por sua vez só pode ser testada se for falsificável, coisa

que não acontece, segundo Popper, com as pseudociências, como a astrologia

e a parapsicologia. Ver também falsificabilidade. AA

crítica

O acto de examinar cuidadosamente uma obra, teoria ou opinião, procurando

determinar se são boas ou verdadeiras e avaliando os argumentos ou ideias

Page 60: Dicionario de Filosofia Escolar

em que se apoiam. A filosofia é uma actividade crítica, pois procura-se

sempre determinar se as ideias, teorias ou opiniões filosóficas propostas são

verdadeiras e se se apoiam em bons argumentos. Para o filósofo, uma opinião

que não seja sustentada por bons argumentos, ainda que seja verdadeira, não

passa de um preconceito. A crítica não tem de ser negativa. Podemos ser

críticos concordando com as opiniões dos outros, desde que encontremos boas

razões para concordar com elas. Mas ser crítico implica também ter abertura

de espírito para discutir racionalmente as nossas próprias ideias e até para as

abandonar, caso não existam boas razões a seu favor. A atitude da pessoa

crítica opõe-se à atitude da pessoa dogmática. Ver também dogma. AA

cultura

1. Conjunto de conhecimentos e práticas aprendidos e ensinados, por

contraste com o que é inato. Por exemplo, se um pássaro não tem de

aprender a fazer o ninho, fazendo-o instintivamente, então esse ninho não é

um produto cultural; mas se tiver de ser ensinado a fazê-lo, então esse ninho

é um produto cultural. Os seres humanos são os maiores produtores de cultura

do planeta.

2. O conjunto de práticas e de produções materiais, espirituais,

artísticas, etc. que servem para identificar um povo ou nação e distingui-lo de

outros povos.

3. Opõe-se por vezes a cultura às ciências, usando o primeiro termo

para falar das artes e das letras, como a pintura e a poesia. Esta oposição é

polémica. DM

.: D :.dasein

Termo alemão introduzido por Heidegger e que significa "ser-aí". Para este

filósofo, o ser humano é um ser-aí no sentido em que a sua natureza consiste

em estar no mundo. DM

datum

Termo latino que significa "dado": o que é dado nos sentidos, por exemplo.

Opõe-se ao que é inferido, nomeadamente com base nos sentidos. Por

exemplo, o que eu vejo ao olhar para uma maçã é apenas uma forma e uma

Page 61: Dicionario de Filosofia Escolar

cor; mas infiro que é um objecto real com base em vários outros dados,

nomeadamente dados de outros sentidos. DM

decadentismo

Doutrina estética que coloca a arte acima da ética, defendendo que arte pode

mesmo ser imoral, sem que isso lhe retire qualquer valor. É uma doutrina

associada às teorias da "arte pela arte", ou esteticismo. O esteta e escritor

irlandês Oscar Wilde (1854-1900) é um dos seus mais ilustres representantes.

AA

dedução

Um argumento cuja validade depende unicamente da sua forma lógica, ou da

sua forma lógica juntamente com os conceitos usados. Por exemplo, o

argumento seguinte é dedutivo: "Se os animais têm direitos, têm deveres;

dado que não têm deveres, não têm direitos". É dedutivo porque a sua

validade depende unicamente da sua forma lógica, que neste caso é a

seguinte: "Se P, então Q; não Q; logo, não P". O argumento seguinte é

dedutivo porque a sua validade depende unicamente da sua forma lógica

juntamente com os conceitos usados: "A neve é branca; logo, tem cor". Não é

verdade que nos argumentos dedutivos se parta sempre do geral para o

particular. O argumento seguinte é dedutivo e tanto a sua premissa como a

sua conclusão são particulares: "Alguns filósofos são gregos; logo, alguns

gregos são filósofos". Ver indução. DM

definição

Uma maneira de dizer o que uma coisa é. Por exemplo, quando se pergunta o

que é a água pode-se responder que é H2O; quando se pergunta o que é o azul

pode-se apontar para o céu, o mar, etc. A primeira é uma definição explícita;

a segunda é uma definição implícita. Em filosofia, as definições são

importantes por duas razões: para que o nosso discurso seja mais claro e

como meio para uma compreensão mais substancial dos nossos conceitos mais

importantes. Mas as definições filosóficas são objecto de disputa porque são

surpreendentemente difíceis de obter. Isto acontece porque os conceitos que

queremos definir em filosofia são por vezes tão centrais na nossa economia

conceptual que se tornam difíceis de definir. Por exemplo: a física consegue

definir "massa", mas torna-se cada vez mais difícil definir, sem cair em

Page 62: Dicionario de Filosofia Escolar

circularidade, os conceitos com que se define a massa, nomeadamente

"energia" e "corpo". E depois será necessário definir os conceitos que usamos

para definir esses conceitos, e acabaremos por entrar em problemas

filosóficos. As definições que interessam na filosofia são difíceis porque são

definições de conceitos tão básicos e centrais que é difícil encontrar outros

conceitos mais básicos e mais simples que possamos usar para os definir. DM

Murcho, Desidério, "Definição de "Definição"" in A Natureza da Filosofia e o seu Ensino

(Lisboa: Plátano, 2002).

definição essencialista

Uma definição que apresenta as condições necessárias e suficientes que algo

satisfaz não apenas de facto, mas que é impossível

.: E :.egoísmo ético

Perspectiva normativa (ver normativo/descritivo) segundo a qual qualquer

agente humano deve agir sempre e unicamente em função daquilo que é

efectivamente melhor para si. PG

egoísmo psicológico

Perspectiva descritiva (ver normativo/descritivo) segundo a qual qualquer

agente humano age sempre tendo em vista apenas aquilo que julga ser

melhor para si. Assim, qualquer acto aparentemente altruísta (por exemplo,

arriscar a própria vida para salvar outra pessoa) esconde um motivo egoísta

(por exemplo, parecer corajoso aos olhos dos outros). PG

eidos

Termo grego que significa "forma" ou "ideia". Platão considerava que as

Formas ou Ideias eram imutáveis, imateriais e não podiam ser percepcionadas

pelos sentidos, mas eram a realidade última, sendo as coisas quotidianas

apenas uma pálida semelhança das Formas. DM

elenchos

Termo grego que significa "interrogatório", e que costuma ser usado para

referir o método usado por Sócrates, que consistia em fazer perguntas aos

Page 63: Dicionario de Filosofia Escolar

seus interlocutores com o objectivo de descobrir verdades importantes acerca

de conceitos filosóficos centrais, como justiça, bem e verdade. DM

emoção estética

O tipo de sentimento que, segundo alguns filósofos, só as obras de arte

conseguem despertar em nós e que se distingue dos sentimentos provocados

por quaisquer outros objectos. De acordo com esses filósofos, o que nos

permite identificar uma verdadeira obra de arte é o facto de ela provocar em

nós um tipo peculiar de emoção, a emoção estética. O filósofo e crítico de

arte Clive Bell (1881-1964) considera que há nas obras de arte, e só nelas,

uma certa propriedade que provoca em nós emoções estéticas. A essa

propriedade dá o nome de forma significante. Nem todos os filósofos

admitem a existência de emoções estéticas. AA

emotivismo

Teoria metaética segundo a qual não há factos morais e, portanto, os juízos

morais não têm valor de verdade. Para o emotivista, ao fazer um juízo moral

estamos apenas a exprimir certos sentimentos ou atitudes. Isto significa que

quando uma pessoa diz, por exemplo, que o aborto é errado, está só a

exprimir uma atitude pessoal de reprovação relativamente ao aborto — não

está a fazer uma afirmação sobre o aborto que possa ser avaliada como

verdadeira ou falsa. Tal como o subjectivismo moral, o emotivismo nega a

objectividade da ética. Ver objectivismo/subjectivismo. PG

empírico

Diz-se do que se refere à experiência sensível. Assim, uma afirmação é

empírica se descrever ou de algum modo estiver relacionada com a descrição

de um estado de coisas de que temos experiência e puder ser confirmada ou

falsificada pela experiência sensível. E o mesmo se aplica em relação às

nossas crenças. Ao afirmar que há seres inteligentes extraterrestres estamos a

defender uma tese empírica; ao afirmar que Lisboa é maior do que Faro

estamos a exprimir uma crença empírica. Isto contrasta com teses ou crenças

não empíricas (isto é, conceptuais), como a tese de que 30 + 60 = 90, ou a

crença de que o vermelho é uma cor (o que é diferente da crença de que um

dado objecto é vermelho). Podemos ainda falar de qualidades empíricas

quando dizemos, por exemplo, que determinado objecto é azul. Neste caso

Page 64: Dicionario de Filosofia Escolar

trata-se de uma qualidade empírica porque referimos uma característica que

pode ser directamente observada, enquanto que as qualidades teóricas são

inferidas (ver inferência). Ver também a priori/a posteriori e empirismo.

AA

empirismo

Perspectiva filosófica de acordo com a qual todo o nosso conhecimento

substancial deriva da experiência e das impressões colhidas pelos cinco

sentidos (ver a priori/a posteriori). O empirismo divide-se, em geral, em

duas posições. A posição segundo a qual todo o conhecimento deriva da

experiência, não havendo espaço para o conhecimento a priori (esta é a

posição empirista radical); e a posição segundo a qual, apesar de todo o nosso

conhecimento substancial derivar da experiência, existe conhecimento a

priori, só que este não é substancial, nada nos diz acerca do mundo

exprimindo meras relações entre os conceitos (esta é a posição empirista

moderada). Um dos primeiros grandes filósofos empiristas foi o inglês do séc.

XVII John Locke. Este defendeu que a nossa mente se compara a uma folha de

papel em branco (ou a uma tábua rasa, como dizia Aristóteles) na qual os

nossos sentidos vão deixando registadas as impressões colhidas do exterior. A

mente era vista como uma espécie de recipiente que se vai enchendo à

medida que o contacto com o mundo à nossa volta o permite, mas incapaz de

ter uma intervenção activa que não seja a interpretação e manipulação dos

dados sensíveis. O desrespeito pelos dados sensíveis é que está, segundo o

empirista, na origem das interpretações abusivas em que se apoiam as nossas

crenças falsas. O empirismo opõe-se, pois, ao racionalismo, o qual defende

que podemos obter conhecimento a priori substancial acerca do mundo. O

filósofo escocês do séc. XVIII David Hume enfrentou, sempre numa

perspectiva empirista, algumas das dificuldades apontadas pelos racionalistas,

acabando por tirar a conclusão céptica (ver cepticismo) de que era impossível

basear na experiência ideias tão importantes para a ciência como as de

causalidade e de universalidade (ver universais). Os ingleses Stuart Mill (séc.

XIX), o alemão Rudof Carnap e o filósofo americano W. V. Quine estes já no

séc. XX, são alguns dos mais destacados empiristas. São duas as grandes

dificuldades que qualquer teoria empirista enfrenta, explicar a forte intuição

de que temos conhecimento a priori substancial, e explicar a forte intuição

Page 65: Dicionario de Filosofia Escolar

de que existem verdades necessárias. Ver também coerentismo,

fundacionismo, indução, pragmatismo, verificacionismo. AA

Blackburn, Simon, Pense: Uma Introdução à Filosofia, capítulo 1 (Lisboa: Gradiva,

2001).

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulos 12 e 14 (Lisboa:

Temas e Debates, 1999).

Nagel, Thomas, O Que Quer Dizer Tudo Isto?, capítulo 2 (Lisboa: Gradiva, 1995).

Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia, capítulos V-X (Coimbra: Almedina,

2001).

entimema

Um argumento com uma premissa não formulada. Chama-se muitas vezes

"premissa implícita" à premissa não formulada. Na argumentação quotidiana

estamos habituados a omitir premissas óbvias. A premissa implícita do

argumento "O António devia ser despedido porque roubou dinheiros públicos" é

razoavelmente clara: "Todas as pessoas que roubam dinheiros públicos devem

ser despedidas". Mas qual será a premissa implícita do argumento "A droga

deve ser proibida porque provoca a morte"? Se a premissa implícita for o

princípio geral de que tudo o que provoca a morte deve ser proibido, o seu

locutor está obrigado a aceitar que a condução de automóveis deve também

ser proibida, o que o autor do argumento original pode não estar disposto a

aceitar. Descobrir as premissas implícitas das nossas ideias ou das ideias dos

filósofos é uma parte importante do trabalho filosófico. DM

enunciado

Termo utilizado correntemente com o significado de frase, ou mais

especificamente, de frase declarativa com sentido, mas que na lógica e na

filosofia significa antes aquilo que é expresso por intermédio de uma frase

declarativa com sentido. Ver proposição. AN

Page 66: Dicionario de Filosofia Escolar

epicurismo

Juntamente com o estoicismo e o cepticismo, uma das três grandes filosofias

do período helenístico. Tem origem na filosofia de Epicuro (341-271 a. C),

filósofo grego que em 306 fundou em Atenas uma escola chamada "Jardim". O

epicurismo retoma e desenvolve o atomismo de Leucipo e Demócrito,

defendendo que os únicos existentes per se são os corpos, constituídos por

átomos, e o espaço vazio, ambos infinitos. O universo é eterno e infinito e o

nosso mundo é apenas um entre muitos. O prazer é o único bem e o objectivo

natural do ser humano, ao qual todos os outros se subordinam. O sofrimento é

o único mal e não existe qualquer estado intermédio. O nosso objectivo

principal é minimizar o sofrimento, o que se consegue através de um modo de

vida simples e do estudo da física, o qual elimina as duas principais fontes de

angústia, o receio dos deuses e da morte, e permite alcançar um estado de

tranquilidade ou imperturbabilidade (ataraxia), que constitui a forma de

felicidade mais elevada e o objectivo correcto da vida. Ver hedonismo, mal

moral, mal natural. AN

episteme

Termo grego que significa "conhecimento" e de onde deriva a palavra

"epistemologia". Aristóteles usava o termo no sentido de conhecimento

sistemático racional, a que hoje chamamos "ciência", mas que para ele incluía

a filosofia. DM

epistemologia

A disciplina tradicional da filosofia, também conhecida por teoria do

conhecimento, que trata de problemas como "o que é o conhecimento?", "o

que podemos conhecer?", "qual é a origem do conhecimento?", "como

justificamos as nossas crenças?", envolvendo um conjunto de noções

relacionadas entre si, como "conhecer", "perceber", "prova", "crença",

Page 67: Dicionario de Filosofia Escolar

"certeza", "justificação" e "confirmação", entre outras. O nome deriva de

epistêmê, termo do antigo grego que significa conhecimento. A esse termo

opunha-se o termo doxa, que significa opinião. Isto porque, como Platão

começou por sublinhar, não é possível conhecer falsidades, sendo contudo

possível — e até frequente — ter opiniões falsas. Assim, um dos problemas que

desde logo se coloca é o de saber como se alcança o conhecimento e se evita

a mera opinião. A célebre teoria das ideias de Platão continha uma resposta

para esse problema. Para Platão, só através de um processo racional de

afastamento das impressões sensíveis somos conduzidos à contemplação das

Ideias perfeitas, de que os objectos captados pelos nossos sentidos são

simples cópias imperfeitas. É nas Ideias que reside a verdade, pelo que o

chamado "conhecimento sensível" não deve, em rigor, ser considerado

conhecimento. A discussão acerca do papel dos sentidos na formação do

conhecimento e na justificação das nossas crenças acabou por dar lugar a

duas grandes doutrinas epistemológicas rivais: o empirismo e o racionalismo.

Empiristas como os britânicos Locke, Hume e Berkeley defendem que todo o

conhecimento substancial provém da experiência sensível, enquanto os

racionalistas, como o francês Descartes e o alemão Leibniz, consideram que

o conhecimento, se correctamente entendido, deve exibir as marcas da

universalidade (ver universal) e da necessidade (ver necessário),

características que de modo algum dependem da experiência. Assim, para os

racionalistas nem todo o conhecimento deriva da experiência sensível. Kant,

procurou determinar com exactidão como se constitui o conhecimento,

concluindo que este depende tanto da matéria fornecida pelos sentidos como

das formas a priori do pensamento a que os dados sensíveis têm de se

submeter. Kant opõe-se assim tanto ao empirismo como ao racionalismo

tradicional.

A justificação das nossas crenças é outro dos problemas epistemológicos

que têm gerado importantes debates. Há filósofos que defendem que por

muito boas que sejam, as nossas justificações nunca conseguem ser

inteiramente satisfatórias, vendo-nos assim permanentemente confrontados

com dúvidas insuperáveis. Este problema é também conhecido por "problema

do cepticismo", uma vez que os cépticos acabam por concluir, aparentemente

de forma justificada, que o conhecimento não é possível. No sentido de evitar

Page 68: Dicionario de Filosofia Escolar

o cepticismo, muitos filósofos procuraram um fundamento para o

conhecimento, isto é, um reduzido número de certezas inabaláveis a partir

das quais se estrutura todo o nosso sistema de crenças. Essas certezas tanto

podem pertencer ao domínio da razão como da experiência, consoante as

inclinações racionalistas ou empiristas do filósofo. A este ponto de vista

chama-se fundacionismo, e Descartes constitui um dos exemplos mais

conhecidos. Mas há também quem não aceite qualquer tipo de fundamento

último para o conhecimento, sem contudo aderir ao cepticismo. É o caso dos

defensores do coerentismo, para quem as nossas crenças se apoiam

mutuamente umas nas outras sem precisarem que uma delas sustente as

restantes. À maneira de uma rede ou das inúmeras peças de madeira de que é

feito um barco, permitindo-lhe flutuar no mar sem se afundar — esta é a

metáfora de Otto Neurath (1882-1945) —, o importante é que as crenças

sejam coerentes entre si.

Mais directamente ligado ao que se passa com a ciência, embora não só,

há o chamado problema da indução, a propósito do qual se discute se o tipo

de justificação baseado em inferências indutivas é ou não aceitável. Podemos

ainda encontrar problemas de epistemologia da religião, tratando-se aí da

justificação das crenças religiosas; epistemologia da matemática, etc. AA

Blackburn, Simon, Pense, Capítulo 1 (Lisboa: Gradiva, 2001).

Dancy, Jonnathan, Epistemologia Contemporânea (Lisboa: Edições 70, 1990).

Nagel, Thomas, O Que Quer Dizer Tudo Isto?, Capítulo 2 (Lisboa: Gradiva, 1995).

Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia (Coimbra: Almedina, 2001).

Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, Capítulo 4 (Lisboa: Gradiva, 1998).

epochê

Termo grego que refere a suspensão da crença. O termo era usado pelos

cépticos da Antiguidade Grega, como Pirro de Élis (c. 365-275 a. C.), o

fundador do cepticismo grego, para referir o estado de não comprometimento

por ele defendido perante teses ou teorias opostas; assim, perante a questão

de saber se Deus existe ou não, Pirro defenderia a suspensão da crença ou

epochê em relação a ambas as teses. O mesmo termo foi usado já no séc. XX

por Edmund Husserl (1859-1938), o fundador da fenomenologia, para referir o

acto de "pôr entre parênteses" as nossas crenças de senso comum,

Page 69: Dicionario de Filosofia Escolar

nomeadamente a de que o mundo exterior existe, adoptando uma postura

mais reflectida e genuinamente filosófica. DM

equivalência

Duas afirmações são equivalentes se se implicam mutuamente (ver

implicação). Há portanto tantos tipos de equivalência quantos os tipos

admitidos de implicação. Por exemplo, a equivalência material entre duas

afirmações P e Q ocorre quando elas se implicam materialmente entre si, isto

é, quando não se tem que P é verdadeira e Q falsa nem vice-versa (ou seja,

quando P e Q têm o mesmo valor de verdade); neste caso, é o mesmo que

bicondicional. Um tipo de equivalência mais forte (e mais próximo do uso

corrente do termo) verifica-se quando duas afirmações são logicamente

equivalentes, caso em que têm necessariamente o mesmo valor de verdade

(ver necessário/contingente). PS

eros

Termo grego que significa "amor erótico". Na Antiguidade Grega, os filósofos

contrastavam o amor erótico com a amizade entre amigos, a que chamavam

philia e de onde deriva o termo português "filial". Mais tarde, os filósofos

cristãos opunham o amor erótico ao amor cristão pelo próximo (agapê). DM

esse est percipi

Expressão latina que significa "ser é ser percepcionado". Ver Berkeley.

essência

A essência de uma coisa é uma propriedade essencial individuadora dessa

coisa. Ou seja, é uma propriedade que uma coisa tem, que não poderia deixar

de ter e que a distingue de todas as outras coisas. Por exemplo, a essência da

água é ser H2O. Não se deve confundir essência com propriedade essencial,

pois nem todas as propriedades essenciais são individuadoras. Por exemplo, o

código genético de um organismo é uma propriedade essencial desse

organismo; mas não é uma propriedade que o distingue de outros organismos

que podem ter o mesmíssimo código genético — os seus irmãos gémeos. DM

essencialista, definição

Ver definição essencialista.

estado

Page 70: Dicionario de Filosofia Escolar

A noção moderna de estado surgiu com Maquiavel e Hobbes, e inclui os

seguintes aspectos: a) uma população formada por membros socialmente

relacionados entre si; b) um território; c) um governo que tem o poder de

estabelecer leis e usar a coerção, de modo a regular o comportamento dos

indivíduos dentro de certos limites; d) independência e reconhecimento

político de outros estados. Um debate importante em filosofia política é o de

saber qual deve ser o papel do estado na regulação da vida dos indivíduos.

Filósofos como John Locke e Robert Nozick (1938-2002) defendem que o papel

do estado deve ser muito limitado, de modo a não pôr em causa a liberdade

individual (ver liberalismo). John Rawls, por sua vez, acha que o estado deve

intervir para garantir uma maior justiça social. Os anarquistas defendem que

a existência do estado não se justifica. AA

estética

Uma das disciplinas tradicionais da filosofia, que aborda um conjunto de

problemas e conceitos por vezes muito diferentes entre si. A estética

começou por ser sobretudo uma teoria do belo, depois passou a ser entendida

como teoria do gosto e nos nossos dias é predominantemente identificada

com a filosofia da arte. Há fortes razões para considerar que estas três

formas de encarar a estética não são apenas diferentes maneiras de abordar

os mesmos problemas. É certo que gostamos de coisas belas que também são

arte, mas não deixa de ser verdade que as coisas que consideramos belas,

aquelas de que gostamos e as que são arte, formam conjuntos distintos.

Afinal, até é banal gostarmos de coisas que não são belas e muito menos arte;

assim como podemos nomear obras de arte de que não gostamos nem

consideramos belas.

Enquanto teoria do belo, a estética defronta-se com problemas como "O

que é o belo?" e "Como chegamos a saber o que é o belo?". Estas são perguntas

que já Platão colocava no séc. IV A.C e que só indirectamente diziam respeito

à arte, pois a arte consistia, para ele, na imitação das coisas belas. Razão

pela qual Platão tinha uma opinião desfavorável à arte, ao contrário do seu

contemporâneo Aristóteles, para quem a imitação de coisas belas tinha os

seus próprios méritos.

Já para os filósofos do séc. XVIII, como Hume e Kant, é no campo da

subjectividade que se encontra a resposta para o problema do belo. A estética

Page 71: Dicionario de Filosofia Escolar

transformou-se, assim, em teoria do gosto, cujo problema central passou a

ser o de saber como justificamos os nossos gostos. O subjectivismo estético é

a doutrina defendida por estes dois filósofos, embora com tonalidades

diferentes. A doutrina rival é o objectivismo estético e é bem representado

pelo filósofo americano contemporâneo Monroe Beardsley (1915-85), para

quem o belo não depende dos gostos pessoais, mas da existência de certas

características nas próprias coisas.

Finalmente, as revoluções artísticas dos dois últimos séculos, ao alargar

de tal modo o universo de objectos que passaram a ser catalogados como

arte, acabaram por despertar nos filósofos vários problemas que se tornaram

o centro das disputas estéticas. É o caso dos problemas de filosofia da arte

como "O que é arte?" e "Qual o valor da arte?", entre outros. Quanto ao

problema da definição de arte, há três tipos de teorias: as essencialistas —

teorias da representação, da expressão e formalista —, as não-essencialistas —

teorias institucionais, de filósofos como o americano George Dickie (n. 1936)

— e as que, inspiradas no filósofo austríaco Wittgenstein, consideram ser

impossível definir "arte". Relativamente ao problema do valor da arte,

encontramos dois tipos de teorias: as que defendem que a arte tem valor em

si — teorias da arte pela arte, tendo Oscar Wilde (1854-1900) como defensor

mais conhecido — e as que defendem que a arte tem valor porque tem uma

função (teorias funcionalistas), seja ela social, moral, terapêutica, lúdica ou

cognitiva. A função cognitiva é das mais discutidas e o filósofo americano

contemporâneo Nelson Goodman é um dos seus mais importantes defensores,

considerando a arte uma importante forma de conhecimento. Ver também

cognitivismo estético, esteticismo, funcionalismo estético. AA

Graham, Gordon, Filosofia das Artes (Lisboa: Edições 70, 2001).

Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, capítulo 7 (Lisboa: Gradiva, 1998).

Townsend, Dabney, Introdução à Estética (Lisboa: Edições 70, 2002).

esteticismo

Doutrina segundo a qual a arte tem valor em si e não porque cumpre alguma

função ou propósito exterior a si. O esteticismo opõe-se às teorias

funcionalistas (ver funcionalismo estético), de acordo com as quais a arte

tem uma função, seja ela moral, política, lúdica, cognitiva ou outra qualquer.

Oscar Wilde (1854-1900), um dos mais destacados defensores do esteticismo,

Page 72: Dicionario de Filosofia Escolar

considera que a arte se eleva acima de tudo o resto precisamente porque é

inútil. Isto não significa que não existam obras de arte que são criadas tendo

em vista certos objectivos (é o caso das obras de arte religiosa e da arte de

intervenção), mas o seu valor não depende de tais objectivos serem ou não

alcançados. O que torna uma obra de arte bela ou digna de admiração são as

suas características internas e tudo o mais constitui, em muitos casos, um

defeito que só prejudica a própria obra. O esteticismo identifica-se em

grande parte com a conhecida teoria da arte pela arte, que surgiu em França

com figuras como o poeta Baudelaire (1821-67). Ver também formalismo

estético. AA

estoicismo

Corrente filosófica fundada por Zenão de Cítio (332-264 a.C.) no terceiro séc.

antes da era cristã e que está associada a pensadores como Séneca (4 a.C.-65

d.C.), Epicteto (50-138 d. C.) e o imperador romano Marco Aurélio (121-180 d.

C.). Para os estóicos, a filosofia tem como finalidade essencial formar o

homem sábio. A Sabedoria consiste na prática da virtude, em viver de acordo

com a natureza ou a ordem racional (logos) do universo. O logos é a divindade

imanente ao mundo e tudo governa necessariamente. O Sábio, com

serenidade e autodomínio, compreende o carácter necessário do que

acontece. O estoicismo desenvolveu a primeira moral de tipo universal

fundada na igualdade de princípio de todos os homens (considerados cidadãos

do mundo — cosmopolitismo). Em lógica devemos a Crisipo (279-206 a.C.) a

análise de enunciados compostos tais como condicionais e disjuntivos e a

identificação das formas padrão de raciocínio que vieram a ser conhecidas

pelo nome de modus ponens e modus tollens. LR

ética

Disciplina tradicional da filosofia, também conhecida por filosofia moral, que

enfrenta o problema de saber como devemos viver.

A área da ética que lida com este problema da forma mais directa é a

ética normativa. A ética normativa ocupa-se em grande medida de dois

problemas mais específicos: 1) O que é agir de uma forma moralmente

acertada? 2) O que torna boa ou valiosa a vida de uma pessoa? Ao tentar

responder a esta perguntas, os filósofos propõem, respectivamente, teorias

Page 73: Dicionario de Filosofia Escolar

da obrigação e teorias do valor. As primeiras só floresceram a partir do séc.

XVIII e exprimem-se em princípios, como o imperativo categórico de Kant,

que nos proporcionam um padrão para determinar aquilo que é moralmente

obrigatório ou permissível fazer. Há dois tipos fundamentais de teoria da

obrigação. Quem, como Mill, Hare ou Singer, defende uma ética

consequencialista, pensa que para determinar o que devemos ou podemos

fazer precisamos apenas de avaliar as consequências dos nossos actos: a

melhor opção ética é sempre aquela que dará origem aos melhores

resultados. Quem, como Kant, defende uma ética deontológica, julga que a

nossa prioridade enquanto agentes morais é evitar realizar certos tipos de

actos — ou, como dizem alguns deontologistas, respeitar certos direitos.

O interesse pelas teorias do valor remonta à Antiguidade. Filósofos como

Aristóteles, bem como os representantes do epicurismo, do estoicismo e de

outras escolas, esforçaram-se por compreender o que é ter uma vida boa.

Grande parte do debate sobre esta questão constitui-se a partir de duas

perspectivas contrárias: enquanto alguns autores defendem que temos uma

vida boa na medida em que conseguimos satisfazer os nossos desejos, outros

pensam que aquilo que torna a nossa vida boa é a presença de certos bens

que têm valor independentemente de serem desejados, como o

conhecimento, a amizade e a apreciação da beleza. Entre os filósofos que

subscrevem esta segunda perspectiva, encontramos os defensores do

hedonismo, que pensam que na verdade há um único bem fundamental: o

prazer.

O desenvolvimento da ética normativa conduziu, há algumas décadas,

ao aparecimento de outra área da filosofia moral — a ética aplicada. Nesta

área discute-se o que é obrigatório ou permissível fazer pensando em certos

problemas morais concretos que dividem as pessoas. Discute-se, por exemplo,

em que circunstâncias é permissível uma mulher fazer um aborto, se a pena

de morte é errada, se as pessoas devem ter o direito de usar armas, até que

ponto é aceitável o uso de animais em experiências científicas e que tipo de

conduta é apropriado durante uma guerra. Um segmento importante da ética

aplicada, no qual se incluem algumas destas questões, é a bioética.

A metaética é a terceira área principal da filosofia moral, distinguindo-

se das outras duas não só por ser mais abstracta (ver abstracto/concreto),

Page 74: Dicionario de Filosofia Escolar

mas também por não possuir um carácter normativo (ver

normativo/descritivo). Nesta área, o objectivo não é saber o que devemos

fazer ou valorizar, isto é, não é defender determinados juízos morais — na

metaética discute-se antes o que querem dizer os nossos juízos morais e como

podemos avaliá-los. Ver contratualismo, ética das virtudes. PG

Singer, Peter, Ética Prática (Lisboa: Gradiva, 2000).

ética aplicada

Ramo da ética também designado "ética prática" em que, diferentemente da

metaética e das teorias normativas da ética, se discutem directamente

questões práticas da ética como o aborto, a eutanásia, a pena de morte, a

clonagem, a pobreza, o ambiente, a pornografia, etc. Ver também bioética.

AA

ética das virtudes

Inspirados em Aristóteles, os que defendem uma ética das virtudes procuram

geralmente uma alternativa tanto à ética consequencialista como à ética

deontológica. Ao passo que estes dois tipos de ética se concentram na

procura de princípios morais que regulem a conduta, a ética das virtudes

tenta examinar os traços de carácter próprios de um agente virtuoso, como a

coragem, a benevolência ou a honestidade. Assim, para muitos defensores da

ética das virtudes o que interessa primariamente não é saber que actos

devemos realizar, mas que tipo de pessoa devemos ser. PG

ética deontológica

Quem defende uma ética deontológica, por oposição a quem defende uma

ética consequencialista, pensa que agir moralmente não é apenas uma

questão de produzir bons resultados e evitar maus resultados. Os

deontologistas defendem que temos deveres que nos obrigam a não realizar

certos tipos de actos, de tal maneira que não podemos realizá-los mesmo

quando a sua realização permitiria evitar um mal maior. Afirmam, por

exemplo, que temos o dever de não matar pessoas inocentes, querendo dizer

com isso que é errado matar uma pessoa inocente mesmo que matá-la seja a

única maneira de impedir que alguém mate várias pessoas inocentes. Ver

dever, direitos, imperativo categórico. PG

eudaimonia

Page 75: Dicionario de Filosofia Escolar

Termo grego para eudemonia: bem-estar ou felicidade. Segundo Aristóteles, a

felicidade não consiste na posse de bens materiais e é o máximo bem a que

todas as pessoas naturalmente aspiram. Para o estoicismo, a felicidade não é

um fim (telos), como para Aristóteles, mas simplesmente algo que resulta da

vida harmoniosa. AA

Êutifron, dilema de

Ver dilema de Êutifron.

exclusão, falácia da

Ver falácia da exclusão.

existência

A questão de saber que coisas existem é o tema central em ontologia.

Discutem-se assuntos como a existência ou não de objectos abstractos, tais

como universais, proposições (ver proposição) e números, e que tipo de

existência têm objectos ficcionais como Sherlock Holmes ou Frodo Baggins.

Uma segunda questão é a de saber o que é a existência. Alguns filósofos

defendem que a existência é (pelo menos por vezes) uma propriedade de

objectos isto é, uma propriedade de primeira ordem como a propriedade de

ser alto ou bonito. Outros filósofos defendem que a existência nunca é uma

propriedade de objectos, mas antes uma propriedade de propriedades isto é,

uma propriedade de segunda ordem. Ou seja, quando dizemos que Pégaso não

existe, não estamos a dizer que Pégaso não tem a propriedade da existência

mas que a propriedade de ser Pégaso não tem objectos na sua extensão isto

é, nada existe com a propriedade de ser Pégaso. CT

existência, sentido da

Ver sentido da vida.

existencial, quantificador

Ver quantificador existencial.

existencialismo

Movimento filosófico constituído por diversas doutrinas unidas por dois

aspectos fundamentais: 1) o objecto da sua reflexão é a existência humana

entendida como realidade individual concreta que não se explica nem se

demonstra mas unicamente se descreve; 2) reage contra a identificação

Page 76: Dicionario de Filosofia Escolar

hegeliana entre realidade e racionalidade porque a existência não está

iluminada pela luz da razão. Afirmar, como o fez Hegel que tudo o que é real

é racional implica desvalorizar os aspectos dramáticos, angustiantes,

imprevisíveis e absurdos que caracterizam a existência humana. O

existencialismo pretende falar do ser humano concreto. Nada lhe dizem as

ideias ou noções abstractas nem os grandes sistemas racionais que tudo

julgam poder explicar e solucionar. O que lhe interessa é descrever o

indivíduo, a realidade singular em devir, dramaticamente comprometida ou

envolvida nas suas escolhas e opções. O principal representante da corrente

existencialista é Sartre, embora se considere que as raízes da filosofia

existencialista remontam pelo menos a Kierkegaard. O filósofo dinamarquês

revoltou-se contra a crença tipicamente hegeliana de que a razão podia

resolver os problemas fundamentais da vida fossem eles morais, religiosos,

políticos ou artísticos. O resultado desta confiança cega na razão foi a

construção de poderosos sistemas filosóficos que tudo pretendiam explicar

mas cujo grau de abstracção era tal que perdiam de vista a realidade

concreta individual ou lhe atribuíam pouca importância. Autenticidade,

responsabilidade, escolha, angústia, singularidade, absurdo, são alguns dos

conceitos que o movimento existencialista encontra em Kierkegaard e

utilizará conforme a orientação dos seus representantes. Sartre representa o

existencialismo ateu, Gabriel Marcel o existencialismo cristão. Outros

pensadores, como Heidegger e Karl Jaspers (1883-1969), e Albert Camus

(1913-1960), são por alguns historiadores da filosofia incluídos neste

movimento muito heterogéneo. LR

experiência

Conhecimento que se obtém directamente da observação do mundo à nossa

volta. Diz-se que se obtém directamente porque não é o resultado de

qualquer inferência. Em termos mais precisos, dá-se o nome de "experiência"

aos dados dos sentidos, ou sensações, em que tal conhecimento se baseia.

Finalmente, o termo usa-se ainda, no sentido de experimentação, para referir

o que os cientistas fazem para testar e compreender as consequências das

suas teorias, nomeadamente através da manipulação de fenómenos e de

simulações laboratoriais. Ver também empirismo. AA

experiência estética

Page 77: Dicionario de Filosofia Escolar

Diz-se muitas vezes que uma experiência é estética se for originada por

objectos belos ou obras de arte. Alguns filósofos consideram este um tipo

especial de experiência, diferente de qualquer outra experiência, e que só

ocorre quando contemplamos objectos estéticos. Kant procura caracterizar

(se bem que indirectamente, referindo-se antes aos juízos) a diferença que há

entre uma experiência estética e uma experiência não-estética, dizendo que

aquela é desinteressada e esta não. Quer com isso dizer que a experiência

estética não procura satisfazer qualquer tipo de necessidade prática nem tem

qualquer finalidade exterior a si. Esta caracterização não é aceite por aqueles

que consideram haver experiências marcadas pelo desinteresse, mas que não

são estéticas, como jogar matraquilhos. Alguns filósofos defendem que a

estética consiste na análise e discussão da experiência estética. Outros, como

o filósofo americano George Dickie (n. 1926), acham que não existe tal coisa.

Ver também atitude estética e juízo estético. AA

experiência mental

Na impossibilidade de realizar experiências científicas (ver experiência),

muitos filósofos desenvolvem situações ou acontecimentos imaginários, a que

se dá o nome de "experiências mentais". As experiências mentais são uma

forma de saber até que ponto as teorias filosóficas são plausíveis e,

simultaneamente, uma forma de argumentar, estabelecendo casos possíveis

que as possam refutar. De filósofos antigos, como Platão e a sua alegoria da

caverna, a contemporâneos, como John Searle e o seu Quarto Chinês,

passando por Descartes e o seu génio maligno, são muitos os que recorrem a

experiências mentais. AA

experiência religiosa

1. Diz-se daquele tipo de experiência em que se tem uma percepção ou se

sente a manifestação de uma divindade. Um exemplo de uma experiência

desse tipo é a que é atribuída aos Pastorinhos de Fátima quando afirmam ter

visto Nossa Senhora. A existência ou não de experiências religiosas tem um

papel importante em filosofia da religião, pois estas são por vezes usadas

como prova da existência de Deus. A experiência religiosa é discutida no

âmbito da epistemologia da religião.

Page 78: Dicionario de Filosofia Escolar

2. Num sentido popular, as actividades decorrentes da prática de uma

religião, como ir à missa e rezar, são vistas como experiências religiosas. Ver

milagres, filosofia da religião. CT

explicação científica

Numa explicação, o explanandum é aquilo que queremos explicar; o

explanans consiste na informação aduzida para explicar aquilo que queremos

explicar. Segundo a perspectiva padrão, todas ou muitas das explicações

científicas obedecem ao modelo nomológico-dedutivo. De acordo com este

modelo, explicar cientificamente um acontecimento é mostrar que, dadas as

condições reunidas na altura da sua ocorrência (as chamadas "condições

iniciais") e as leis da natureza, esse acontecimento tinha de ocorrer. Por

exemplo, imagine-se que queríamos explicar a dilatação de um certo pedaço

de metal. A explicação poderia apresentar-se assim: 1) Todo o metal dilata

quando é aquecido; 2) Este pedaço de metal foi aquecido; 3) Logo, este

pedaço de metal dilatou. Em 3 encontramos o explanandum, isto é, o

acontecimento que queremos explicar. Em 1 e 2 encontramos o explanans —

uma lei da natureza e uma condição inicial, respectivamente. Explicamos o

acontecimento deduzindo 3 da lei e da condição. Muitos filósofos pensam que

este modelo não se aplica às ciências sociais. Ver argumento, dedução, lei da

natureza, unidade da ciência. PG

explícita, definição

Ver definição explícita.

extensão

1. A extensão de um termo é a totalidade dos objectos a que se refere. Por

exemplo, a extensão do predicado "ser português" é o conjunto dos

portugueses. Dois termos com a mesma extensão podem exprimir conceitos

diferentes e assim ter intensões (com s) diferentes: "O Presidente da

República em 2003" e "O marido de Maria José Ritta" têm ambos como

extensão Jorge Sampaio, mas identificam-no através de condições diferentes.

Diz-se que, numa frase, uma expressão ocorre num contexto extensional

quando pode ser substituída por uma expressão com a mesma extensão sem

que isso altere o valor de verdade da frase; caso contrário, diz-se que ocorre

num contexto intensional. Assim, em "João viu a Miss Portugal", a expressão

Page 79: Dicionario de Filosofia Escolar

nominal "a Miss Portugal" ocorre num contexto extensional, pois se a

substituirmos por "a filha do Mendes" (por hipótese, com a mesma extensão) o

valor de verdade da frase original não se altera. Pelo contrário, em "João

procura a Miss Portugal", a mesma expressão ocorre num contexto intensional,

visto que essa frase e "João procura a filha do Mendes" podem ter valores de

verdade diferentes (o João pode procurar a Miss Portugal sem saber que ela é

a filha do Mendes).

2. A propriedade daquilo que é extenso, isto é, do que tem existência

material (ver matéria). Ver também intensão, referência. PS

.: F :.facto/valor

Ver juízo de facto / juízo de valor.

falácia

Um argumento inválido que parece válido. Por exemplo: "Todas as coisas têm

uma causa; logo, há uma só causa para todas as coisas". Do ponto de vista

estritamente lógico não há qualquer distinção entre argumentos inválidos que

são enganadores porque parecem válidos, e argumentos inválidos que não são

enganadores porque não parecem válidos. Mas esta distinção é importante,

uma vez que são as falácias que são particularmente perigosas. Os

argumentos cuja invalidade é evidente não são enganadores e, se todos os

argumentos inválidos fossem assim, não seria necessário estudar lógica para

saber evitar erros de argumentação. Prova-se que um argumento é falacioso

mostrando que é possível, ou muito provável, que as suas premissas sejam

verdadeiras mas a sua conclusão falsa. Quando se diz que uma definição, por

exemplo, é falaciosa, quer-se dizer que é enganadora ou que pode ser usada

num argumento que, por causa disso, será falacioso. Ver refutação. DM

falácia ad hominem

(ataque à pessoa) falácia pela qual se pretende refutar (ver refutação) uma

afirmação, atacando, ou desvalorizando de alguma maneira, a pessoa que a

defendeu. Pode assumir a forma de ataques ao carácter, à raça, à religião ou

à nacionalidade da pessoa. Exemplo: "O meu pai diz que não se deve fumar,

mas fuma. Logo, não há razões para deixar de fumar". Neste caso, pretende-

Page 80: Dicionario de Filosofia Escolar

se refutar a ideia de que não se deve fumar atacando a pessoa que a

defendeu por ela ser incoerente. JS

falácia da afirmação da consequente

falácia que consiste em supor que da condicional "Se P, então Q" e da

afirmação da consequente dessa condicional, "Q", se pode concluir "P".

Exemplo: "Se jogamos bem, então ganhamos o jogo. Ganhámos o jogo. Logo,

jogámos bem." É fácil apresentar uma refutação desta forma de argumento

com um contra-exemplo com a mesma forma lógica: o argumento "Se isso é

sardinha então isso é peixe. É peixe. Logo, é sardinha.", implicando a

falsidade "Basta ser peixe para ser sardinha", mostra que este padrão

argumentativo é falacioso. JS

falácia da circularidade

1. Um argumento cuja conclusão esteja explícita ou implicitamente contida

nas premissas; chama-se petição de princípio ou petitio principii a este tipo

de falácia. Os casos mais evidentes são aqueles em que a conclusão se limita

a repetir a premissa: "Deus existe porque diz na Bíblia e a Bíblia é a palavra

de Deus". Os casos mais subtis incluem variações gramaticais: "Os animais não

têm direitos porque não são contemplados na legislação". É falso que nos

argumentos dedutivos válidos a conclusão esteja "contida" nas premissas,

como por vezes se pensa. Pois há argumentos dedutivos válidos cujas

conclusões não estão "contidas" nas premissas: "Sócrates é grego; logo,

Sócrates é grego ou os livros estão errados". E há argumentos dedutivos

inválidos cujas conclusões estão "contidas" nas premissas: "Se Sócrates tivesse

nascido em Estagira, seria grego; Sócrates era grego; logo, Sócrates nasceu

em Estagira".

2. Uma definição é falaciosamente circular se definir A em termos de B

e depois B em termos de A, sem com isso esclarecer A. Por exemplo: "Uma

pessoa solteira é uma pessoa não casada". E o que é uma pessoa casada? "É

uma pessoa não solteira". Um certo grau de circularidade nas definições é

aceitável, desde que se trate de uma circularidade informativa. Por exemplo,

as definições científicas de massa, peso, energia, força, etc., acabam por ser

circulares, mas são informativas. DM

falácia da composição

Page 81: Dicionario de Filosofia Escolar

falácia que consiste em concluir que, por as partes de um todo ou os

elementos de uma classe terem uma propriedade, o todo ou a classe também

devem ter tal propriedade. Exemplo: "As células não têm consciência.

Portanto, o cérebro, que é feito de células, não tem consciência." Provamos

que esta forma de argumento é falaciosa com exemplos simples como, por

exemplo, "O oxigénio e o hidrogénio não são bebíveis. Logo, a água não é

bebível". JS

falácia da divisão

falácia que consiste em atribuir às partes de um todo ou aos elementos de

uma classe uma propriedade do todo ou da classe. "F é uma excelente equipa.

i joga na equipa F. Logo, i é um excelente jogador." contra-exemplo: "A classe

dos números é infinita. Ora 2 é um número. Logo, 2 é infinito". JS

falácia da exclusão

São frequentes os argumentos que omitem conhecimentos relevantes para

avaliar uma conclusão. Por exemplo: uma pessoa empenhada em provar que

as guerras são inevitáveis e que se limite a coleccionar os exemplos favoráveis

oferecidos pela história, incorre nesta falácia por excluir conhecimentos

relevantes — deveria, por exemplo, explicar por que razão a Suíça, estando

trezentos anos sem guerrear, não é um contra-exemplo que arruína a sua

tese. JS

falácia da falsa analogia

Um argumento analógico é fraco quando sobrevaloriza as semelhanças entre

duas ou mais coisas ou quando despreza diferenças relevantes. Os casos mais

extremos são falsas analogias. O argumento "Uma casa teve um arquitecto e

tem um senhor; assim o Universo, a casa de todos, teve um arquitecto e tem

um senhor — Deus" é um caso óbvio de falsa analogia porque a pretensa

semelhança entre "casa" e "Universo" é apenas um efeito literário e retórico.

Ver também falácia, analogia e argumento por analogia. JS

falácia da negação da antecedente

falácia que consiste em supor que, se uma condicional, "Se P, então Q", e a

negação da sua antecedente, isto é, "não P", forem verdadeiras, a negação da

sua consequente, isto é, "não Q", também é verdadeira. Exemplo: "Se

copiaste, acertaste. Não copiaste. Logo, não acertaste". Apesar de ser fácil

Page 82: Dicionario de Filosofia Escolar

apresentar contra-exemplos — "Se Camões é espanhol, então é ibérico.

Camões não é espanhol. Logo, Camões não é ibérico" — é uma falácia muito

frequente. JS

falácia da pergunta complexa

Pergunta formulada de tal modo que uma resposta directa compromete a

pessoa com mais do que uma afirmação. Cria-se esta falácia incluindo na

pergunta afirmações ou suposições às quais o interrogado ainda não assentiu.

A pergunta "Já deixaste de copiar?" só deve ser aceite por quem já

reconheceu ter copiado porque tanto o "sim" como o "não" são

comprometedores: o "sim" será interpretado como confissão de que a pessoa

copiou; o "não" será interpretado como confissão de que a pessoa ainda copia.

JS

falácia do apelo à força

Argumento que, para defender a sua conclusão, apresenta ameaças em vez

de razões. As ameaças podem ser directas ou consequências possíveis e

apenas sugeridas. Exemplo: "Isso talvez seja verdadeiro mas se o afirmar a

empresa terá de prescindir dos seus serviços". O apelo à força é legítimo em

algumas circunstâncias, por exemplo para fazer cumprir a lei ou como

conselho técnico destinado a evitar acidentes. JS

falácia do apelo à ignorância

argumento em que, confessada a ignorância sobre a verdade de uma

afirmação, se conclui que a afirmação é falsa (ou que da ignorância sobre se

uma afirmação é falsa se conclui que ela é verdadeira). Exemplos clássicos de

apelos à ignorância falaciosos (ver falácia): "Ninguém provou que Deus existe.

Logo, Deus não existe", "Não há provas de que Deus não exista. Logo, Deus

existe", "Ninguém sabe qual é a causa natural de X. Logo, X tem uma causa

sobrenatural". Há apelos à ignorância não falaciosos. Por exemplo: se uma

pessoa acusa o nosso pacato vizinho de ser um ladrão mas não apresenta

indícios, devemos rejeitar a acusação. Em geral, o apelo à ignorância é

legítimo se a negação da sua conclusão colide com o conhecimento comum. JS

falácia do apelo à piedade

Um apelo à piedade do auditório é falacioso (ver falácia) se puser em segundo

plano os factos ou critérios que devem justificar uma afirmação. Exemplo: "O

Page 83: Dicionario de Filosofia Escolar

professor deve dar-me o 18 porque de outra maneira não entro em medicina e

a minha vida atrasa-se." é um apelo ao sentimento de piedade do professor

para que este altere os seus critérios. JS

falácia do apelo ao povo

Esta falácia caracteriza-se pelo apelo às emoções de um grupo ou à suposta

sabedoria partilhada por todos (povo). Em regra, este apelo a emoções ou

saberes comuns apela a motivos e não a razões. Exemplo: "Todas as pessoas

sensatas rejeitam X. Logo, deves rejeitar X". Neste caso, espera-se que o

desejo de ser incluído na classe das pessoas sensatas leve o auditório a

aprovar a conclusão. JS

falácia do apelo às consequências

Falácia, ou classe de falácias, em que possíveis consequências práticas de

uma proposição são usadas como prova. Exemplo: "Se toda a ordem fosse

apenas aparente, o mundo seria inquietante. Logo, a ordem não é apenas

aparente." Neste caso espera-se que o desejo de segurança do auditório o

leve a rejeitar uma proposição e a tomar a sua negação como verdadeira. JS

falácia do falso dilema

Falácia que consiste na suposição de que, sobre um determinado assunto, só

há duas alternativas quando de facto há mais. Exemplos: "Estás com a

América ou contra a América.", "És rico ou pobre.", "És bom ou mau". Estas

suposições falsas são muitas vezes usadas como premissas de argumentos

dedutivos válidos (ver validade), do género: "Estás com a América ou contra a

América: Não estás com a América; logo, estás contra a América". Ver

também disjunção. JS

falácia do homem de palha

Esta falácia consiste em atacar as ideias de uma pessoa apresentando-as

numa versão deficiente ou distorcida. Constitui uma violação do princípio de

caridade — a exigência de que, no debate racional, se ataque a versão mais

sólida das ideias que queremos contestar. Exemplos desta falácia: "A única

razão para defender a pena de morte é o desejo primitivo de vingança.",

"Reprovaram-me porque só olharam para o meu comportamento". JS

falácia genética

Page 84: Dicionario de Filosofia Escolar

Esta falácia ocorre quando, para avaliar uma teoria ou afirmação, se invocam

factores do contexto de descoberta que são irrelevantes como prova. Em

regra, é falacioso apelar a contextos históricos ou sociais ou às circunstâncias

psicológicas em que surgiu uma teoria para legitimar um juízo sobre essa

teoria. Exemplos: os nazis cometeram a falácia genética ao desvalorizar as

teorias de Einstein por este ser judeu; muitas pessoas acreditam

falaciosamente que o casamento monogâmico é a única forma de família

legítima apenas com base na sua longa história. Ver também relativismo. JS

falácia post hoc

Falácia também designada "depois disso, por causa disso" porque consiste em

presumir que se dois acontecimentos são sucessivos, então o primeiro é causa

do segundo. "Ingeriu o mel e a constipação passou. Logo, o mel é bom para

tratar constipações.", "Rezou e a sorte mudou. Logo, rezar é eficaz para

mudar o curso dos acontecimentos". Na base desta falácia pode estar a

sobrevalorização de sequências acidentais, o descarte de possíveis causas

subjacentes ou o simples desejo de acreditar. JS

falsa analogia, falácia da

Ver falácia da falsa analogia.

falsidade lógica

Ver contradição.

falsificabilidade

Diz-se do que é falsificável. Uma teoria (ou proposição) é falsificável quando

pode ser submetida a testes empíricos que a possam refutar. E uma teoria

está falsificada quando é realmente refutada por dados empíricos quando se

mostra que é falsa. Não se pode confundir a noção de falsificado com a de

falsificável. Se uma teoria foi falsificada, então é falsa. Todas as boas teorias

científicas são falsificáveis, mas não são, claro está, todas falsas. Por

exemplo, a proposição de que a Lua gira em torno da Terra é falsificável, pois

seria possível observar que a Lua afinal não girava em torno da Terra, se ela

não girasse. Mas a proposição de que a posição dos astros influencia o

comportamento das pessoas não é falsificável, pois não é possível observar

seja o que for que a falsifique. Karl Popper usou esta noção, central na sua

Page 85: Dicionario de Filosofia Escolar

filosofia da ciência, para responder ao problema da demarcação (ver critério

de demarcação). Ver falsificacionismo. CT

falsificacionismo

Teoria de filosofia da ciência proposta por Karl Popper como forma de

responder ao problema da indução. Em A Lógica da Pesquisa Científica (1934,

trad. Cultrix, 1974) e Conjecturas e Refutações (1963; trad. Almedina, 2003)

Popper defende que os cientistas não chegam às suas teorias pelo método de

generalizações a partir de observações. A ideia é que os cientistas começam

por propor as suas teorias (ou conjecturas) sujeitando-as depois a rigorosos

testes. Ou seja, o que está na base do método científico não é a indução,

mas um processo de conjecturas e refutações. Quando uma teoria passa o

teste empírico, diz-se que foi corroborada (ver corroboração) continuando a

ser desenvolvida e testada. Quando falha o teste, é falsificada e

consequentemente abandonada. Uma teoria é tanto melhor quanto maior for

o seu grau de falsificabilidade, dado que quantas mais previsões fizer maiores

serão os riscos de refutação. Ver critério de demarcação. CT

falsificado

Ver falsificabilidade.

falsificável

Ver falsificabilidade.

falso dilema, falácia do

Ver falácia do falso dilema.

Crença na existência de um Deus ou deuses. Em contextos não religiosos, a

palavra refere-se unicamente a uma crença muito forte; por exemplo, quando

dizemos que temos fé na recuperação de uma doença. Ver, filosofia da

religião, fideísmo. CT

fenómeno

Palavra de origem grega que, em geral, designa o que aparece à consciência e

tem origem nos sentidos, por oposição ao que é apreendido apenas pelo

intelecto. Em Platão, o fenómeno é o que pertence ao mundo sensível,

enquanto o númeno (a ideia ou Forma) pertence ao mundo inteligível. Para

Page 86: Dicionario de Filosofia Escolar

Kant, o fenómeno é o objecto da experiência possível, o que é dado no

espaço e no tempo e opõe-se ao númeno ou coisa em si. AN

fenomenologia

Termo pelo qual é designado o movimento filosófico surgido a partir da obra

de Edmund Husserl (1859-1938) e que tem por objectivo principal a

investigação e a descrição dos fenómenos (ver fenómeno) tal como ocorrem

na consciência, independentemente de quaisquer preconceitos, pressupostos

ou teorias explicativas. É possível detectar pelo menos quatro tendências

principais neste movimento: a fenomenologia realista, que põe ênfase na

descrição das essências (ver essência) universais (Nicolai Hartman, Max

Scheler); a fenomenologia constitutiva, que procura dar conta dos objectos

em termos da consciência que temos deles (Dorion Cairns, Aron Gurwitsch); a

fenomenologia existencial (ver existência), que realça a existência humana

no mundo (Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty); e a

fenomenologia hermenêutica (ver hermenêutica), que realça o papel da

interpretação em todas as esferas da vida (Hans-Georg Gadamer, Paul

Ricoeur). AN

Feyerabend, Paul (1924-1994)

Filósofo da ciência americano, de origem austríaca, que advogava a

inutilidade da própria filosofia da ciência. Segundo Feyerabend, qualquer

tentativa de identificar um método, ou sequer um conjunto de métodos, na

história da ciência está condenada ao fracasso. Isto acontece porque, segundo

ele, a ciência tem tanto de racional — e de irracional — como qualquer outra

actividade humana, seja ela a religião, a alquimia ou o ocultismo. O chamado

Page 87: Dicionario de Filosofia Escolar

"sucesso" da ciência deve tanto à razão como ao desleixo, ao caos, ao acaso, à

incompetência, à retórica ou ao oportunismo dos cientistas. Longe de se

procurar eliminar estes aspectos, é até desejável que eles actuem livremente

no seio da ciência. Por isso Feyerabend se opõe à ideia de método e defende

uma concepção anarquista da ciência. Considera também irrelevante a

questão de saber o que distingue a actividade científica de outras actividades

não-científicas. As ideias de Feyerabend, principalmente defendidas em obras

como Contra o Método (1975; trad. 1993, Relógio d'Água) e Adeus à Razão

(1987; trad. 1991, Edições 70), foram fortemente criticadas por vários

filósofos da ciência, entre os quais Karl Popper. Ver também método

científico. AA

fideísmo

A tese segundo a qual as crenças religiosas não são susceptíveis de discussão

racional. A ideia é que as questões religiosas não podem ser justificadas por

meio de argumentos ou provas, mas apenas pela fé. Os fideístas mais radicais,

como Kierkegaard, defendem que justificar a nossa crença em Deus é não só

impossível, pois Deus está para lá da nossa compreensão, como uma má

opção, pois ao fazê-lo estamos a retirar o que há de essencial à própria fé.

Este tipo de fideísmo é assim uma forma de irracionalismo cujo mote é:

"acredito porque é absurdo". Já Blaise Pascal (1623-1662) e Santo Agostinho

defendem uma forma mais moderada de fideísmo segundo a qual, apesar de a

fé ter um estatuto privilegiado em matérias religiosas, podemos apelar à

razão para a fundamentar. Ver Aposta de Pascal. CT

filosofia

O estudo dos problemas de carácter mais geral e conceptual que afectam o

nosso pensamento científico, religioso, artístico e quotidiano, para os quais

não há respostas científicas. Eis alguns exemplos de problemas filosóficos:

Será tudo relativo e mera opinião? Será que temos livre-arbítrio? O que é o

conhecimento? Será o conhecimento possível? Como devemos viver? O que é o

bem moral e qual é o seu fundamento? O que é a justiça? Dizer que os

problemas da filosofia são conceptuais é dizer que não são problemas que se

possam decidir recorrendo à experiência. Neste aspecto, a filosofia é como a

matemática, e não como a história ou a física.

Page 88: Dicionario de Filosofia Escolar

O método da filosofia é a discussão racional de argumentos. Isto

significa que não há métodos formais nem científicos de prova, como na

matemática ou na física; tudo o que se pode fazer é pensar tão

correctamente quanto possível, procurando soluções adequadas.

Os primeiros filósofos não faziam uma distinção profunda entre as

diferentes áreas do conhecimento. Aristóteles, por exemplo, dedicou-se não

apenas ao que hoje reconhecemos como filosofia, mas também à física,

astronomia, biologia, etc. Para os primeiros filósofos, o estudo da filosofia

tinha muito mais em comum com a biologia, a matemática ou a história, do

que com outras manifestações culturais como a arte ou a religião. E o que

tinha em comum era o estudo racional da natureza das coisas e a procura da

verdade. A filosofia surge assim associada, juntamente com as outras áreas do

conhecimento, à própria ideia de investigação livre, opondo-se à atitude

dogmática que consiste em proclamar pretensas "verdades" que não se podem

colocar em causa.

A filosofia não é coisa do passado. Apesar da sua longa história (ver

filosofia, história da), a filosofia continua viva; na verdade, há talvez mais

filósofos hoje em dia do que ao longo de toda a história da humanidade. E

também não é verdade que não exista progresso em filosofia; sem dúvida que

a compreensão actual dos problemas, teorias e argumentos da filosofia é

superior à de qualquer época do passado. Simplesmente, talvez não haja na

filosofia o tipo de progresso por acumulação de resultados que podemos

encontrar na ciência. O progresso da filosofia é um alargamento da

compreensão. Podemos continuar sem conseguir provar se temos ou não livre-

arbítrio, ou se Deus existe ou não, ou sequer como se pode justificar a nossa

crença no mundo exterior; mas a compreensão que temos hoje destes

problemas é mais profunda do que a que se tinha no passado.

Não se pode exigir do filósofo, ou do estudante de filosofia, respostas

definitivas como temos em medicina, por exemplo, em que é possível dizer

exactamente o que provoca a diabetes, ou como se cura a tuberculose. Mas

isto não significa que as opiniões dos filósofos, ou do estudante de filosofia,

sejam "meras opiniões", incomensuráveis, subjectivas e pessoais,

insusceptíveis de avaliação racional e de estar mais ou menos próximas da

verdade ou da plausibilidade. A opinião que se espera de um filósofo, ou de

Page 89: Dicionario de Filosofia Escolar

um estudante de filosofia, é como a opinião que se espera de um médico

quando vamos a uma consulta: uma opinião fundamentada e informada, que

se pode discutir e avaliar racionalmente. O objectivo do estudo da filosofia é

saber avançar "diagnósticos", tão bons quanto possível, relativamente aos

problemas tradicionais da filosofia. Isto exige um bom conhecimento do que

está em causa e das diferentes respostas que tentam resolver esse problema,

tanto antigas como modernas. Exige a capacidade para compreender os

diferentes aspectos dos problemas, os diferentes mecanismos de

argumentação ou fundamentação e as diferentes maneiras como uma teoria

ou ideia pode ser melhorada para responder a objecções e contra-exemplos.

As principais disciplinas da filosofia merecem artigos próprios neste

dicionário: metafísica, epistemologia, ética, lógica, filosofia da religião,

filosofia política, estética, filosofia da ciência, filosofia da mente, filosofia

da linguagem, filosofia da acção. DM

Nagel, Thomas, Que Quer Dizer Tudo Isto? (Lisboa: Gradiva, 1995).

Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia (Coimbra: Almedina, 2001).

Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia (Lisboa: Gradiva, 1988).

filosofia analítica

Corrente surgida nos finais do séc. XIX na Inglaterra, Áustria e Alemanha. A

filosofia analítica nunca foi um movimento unitário, sendo antes uma

designação genérica para várias correntes particulares: 1) A abordagem de

Russell e Frege, que procurava usar novos instrumentos lógicos para analisar

a linguagem que usamos para exprimir os aspectos mais centrais da realidade;

2) O positivismo lógico austríaco, com origem em Moritz Schlick (1882-1936)

e Carnap, e importado para o Reino Unido por A. J. Ayer (1910-1989); 3) A

filosofia da linguagem corrente de Cambridge e Oxford, com origem em J. L.

Austin (1911-1960). As duas últimas correntes foram entretanto abandonadas,

e a primeira perdeu a sua centralidade. Hoje em dia, a filosofia analítica

caracteriza-se por retomar os ideais gregos de discussão pública, racional e

crítica de ideias, opondo-se sobretudo à prática académica da chamada

"filosofia continental", que tende a identificar a filosofia com a sua história e

o trabalho filosófico com a interpretação de textos. DM

filosofia da acção

Page 90: Dicionario de Filosofia Escolar

A filosofia da acção é uma disciplina com ligações à filosofia da mente e à

metafísica e, ainda, à Psicologia e à Teoria da Decisão. Trata-se de uma área

interdisciplinar e especializada da filosofia que tem como objecto central a

acção e a razão prática.

Alguns dos problemas que trata são tipicamente metafísicos: O que é

uma acção? O que distingue uma acção de qualquer outro acontecimento no

mundo? Como distinguir as acções umas das outras? Como distinguir acções

básicas de acções não básicas? Será o livre-arbítrio compatível com o

determinismo?

Acerca do que é uma acção, os filósofos dividem-se entre concebê-la

como um acontecimento particular concreto (ver abstracto/concreto),

localizado no espaço e no tempo e discernível de qualquer outro; ou concebê-

la como uma entidade abstracta que não tem localização espácio-temporal,

mas que pode ser exemplificada através dos actos concretos realizados por

um agente. Para estes últimos filósofos, a acção de estudar, por exemplo, é

algo que não está localizado no espaço ou no tempo. Já para os primeiros

filósofos, não existe a acção de estudar em abstracto — o que existe são

pessoas concretas que estudam, num dado momento e num certo local. A

resposta aos problemas da distinção das acções e da diferenciação entre

acções básicas e acções não básicas depende da concepção de acção que cada

filósofo partilha.

Outros problemas de filosofia da acção apelam a questões centrais da

filosofia da mente, como a de saber qual o papel dos estados mentais

intencionais na acção (ver intenção) e o de saber como se enquadra a acção

nas relações de causalidade entre a mente e o corpo (ver

dualismo/monismo).

Os filósofos da acção utilizam, ainda, os dados empíricos (ver empírico)

acerca do comportamento proporcionados pela Psicologia para discutir o

problema de saber se a crença na racionalidade humana é compatível com a

irracionalidade exibida em numerosos comportamentos humanos (como a

fraqueza da vontade ou as preferências irracionais); e recorrem aos

instrumentos proporcionados pela moderna Teoria da Decisão (uma área da

matemática aplicada) para a análise rigorosa da racionalidade das decisões.

Page 91: Dicionario de Filosofia Escolar

Uma questão ainda mais abstracta diz respeito à natureza das

explicações filosóficas da acção: serão elas teorias que apenas descrevem o

modo como os seres humanos habitualmente agem? Ou, serão elas teorias que

propõem modelos ideais segundo os quais todos os seres humanos racionais

deveriam agir? Alguns filósofos inclinam-se para o carácter descritivo das

teorias da acção, mas outros defendem o seu carácter normativo (ver

normativo/descritivo). Uma vez mais, está em causa a justificação da crença

na racionalidade humana. APC

Dennett, Daniel C., "A intencionalidade — a abordagem dos sistemas intencionais" in

Tipos de Mentes (Lisboa: Temas e Debates, 2001).

Ricoeur, Paul, O Discurso da Acção (Lisboa: Edições 70, 1988).

Searle, John R., "Intenção e Acção" in Intencionalidade (Relógio d'Água, 1999).

filosofia da arte

Ramo da estética que se ocupa dos problemas filosóficos colocados pela arte,

nomeadamente os problemas da definição de arte, do valor da arte e da

avaliação das obras de arte. Os problemas acerca do gosto e do belo, não são,

em rigor, problemas da filosofia da arte, mas da estética em geral, pelo que

nem sequer são discutidos por muitos filósofos da arte. Apesar de gostarmos

de muitas obras de arte por as considerarmos belas, não temos de gostar de

um objecto para ser classificado como arte, assim como também não é

necessário que seja belo. A ideia de que arte e beleza se identificam está

bastante enraizada, porque durante muito tempo os próprios artistas

perseguiram algum ideal de beleza. A filosofia da arte é actualmente uma

disciplina filosófica com grande vitalidade, incluindo áreas mais

especializadas da filosofia da arte, como a filosofia da música e a filosofia da

literatura. Ver também problema do gosto e teoria do belo. AA

filosofia da ciência

Disciplina que estuda os problemas filosóficos levantados pelas ciências da

natureza e pelas ciências sociais. Embora muitos desses problemas tenham

recebido uma atenção considerável pelo menos desde Aristóteles, foi

sobretudo a partir do séc. XX que, graças a filósofos como Carnap, Popper e

Quine, a filosofia da ciência se afirmou como disciplina.

Page 92: Dicionario de Filosofia Escolar

Uma preocupação central na filosofia da ciência é compreender o

método científico. Proporcionar tal compreensão implica enfrentar

problemas como os seguintes: Que tipos de raciocínio figuram nas teorias

científicas? O que torna uma teoria melhor do que outra? As teorias científicas

podem dar-nos um conhecimento objectivo (ver objectivo/subjectivo) da

realidade? Qual é a natureza e o papel da observação científica? Em que

consiste uma explicação científica de um acontecimento? Será que todas as

ciências usam o mesmo método fundamental?

Para além destes problemas, que se situam sobretudo no domínio da

epistemologia, os filósofos da ciência ocupam-se de problemas de natureza

metafísica. Por exemplo, os cientistas descobrem leis da natureza e dizem-

nos como certos acontecimentos causam outros — os filósofos querem saber o

que é uma lei da natureza e em que consiste a causalidade.

O desenvolvimento da filosofia da ciência tem levado ao aparecimento

de áreas mais especializadas, como a filosofia da biologia ou a filosofia das

ciências sociais. Nestas áreas, para além de se procurar uma compreensão

minuciosa dos métodos das ciências em causa, examina-se o conteúdo de

certas teorias científicas para esclarecer questões filosóficas. Na filosofia da

física, por exemplo, tenta-se saber até que ponto a mecânica quântica apoia

o indeterminismo.

Os filósofos do positivismo lógico investigaram o conhecimento

científico de um modo muito abstracto (ver abstracto/concreto), sem

atender ao seu desenvolvimento e à maneira como os cientistas trabalham.

Mas nas últimas décadas, em grande medida devido à influência de Kuhn, a

filosofia da ciência tem prestado uma atenção considerável ao estudo da

história e da sociologia da ciência. Ver confirmação, corroboração,

falsificacionismo, fisicalismo, paradigma, reducionismo, unidade da

ciência. PG

Harré, Rom, As Filosofias da Ciência (Lisboa: Edições 70, 1988).

Losee, John, Uma Introdução Histórica à Filosofia da Ciência (Lisboa: Terramar,

1997).

Warburton, Nigel, "Ciência" in Elementos Básicos de Filosofia (Lisboa: Gradiva, 1998).

filosofia da linguagem

Page 93: Dicionario de Filosofia Escolar

A filosofia da linguagem estuda o funcionamento da linguagem corrente

(designadamente no que diz respeito ao significado), socorrendo-se muitas

vezes de linguagens formais como as da lógica clássica. A linguagem é objecto

de interesse filosófico explícito pelo menos desde Platão, mas só no séc. XX a

filosofia da linguagem se tornou tecnicamente rigorosa (particularmente na

filosofia analítica). Associadamente, tornou-se popular a tese de que a

filosofia da linguagem é a mais fundamental das disciplinas filosóficas, no

sentido em que a discussão das teorias e dos argumentos pertencentes às

outras pode ser identificada com a discussão do uso correcto dos termos

usados nessas teorias e argumentos. Esta tese perdeu entretanto aceitação,

mas é ainda uma preocupação típica dos filósofos analíticos a clareza e o rigor

com que expõem os seus pontos de vista. Uma vez que se ocupa do significado

linguístico, a filosofia da linguagem tem uma relação estreita com a

metafísica (pois é chamada a pronunciar-se sobre os tipos de entidades extra-

linguísticas com os quais nos comprometemos quando usamos a linguagem) e

com a filosofia da mente (pois analisa quer a nossa capacidade de produzir

sequências linguísticas quer os conteúdos mentais que são comunicáveis

linguisticamente). Como aconteceu em outras áreas da filosofia, muitos dos

problemas e teorias historicamente associados à filosofia da linguagem

autonomizaram-se e são hoje do domínio de outras disciplinas (por exemplo, a

semântica e a pragmática). Tópicos estudados tipicamente em filosofia da

linguagem são, além do significado, a referência, a verdade, a metáfora e a

relação do significado com o uso da linguagem pelos falantes. PS

filosofia da mente

Na tradição filosófica, termos como "alma", "espírito" ou "intelecto" foram

usados para referir, embora em contextos filosóficos diferentes e com

significados nem sempre coincidentes, aquilo que os filósofos contemporâneos

referem com o termo "mente". A filosofia da mente é a disciplina que discute

os problemas relacionados com a mente e os fenómenos mentais — a sua

existência, a sua natureza, a sua relação com o mundo. Estes problemas

possuem estreitas ligações com problemas da metafísica, da filosofia da

linguagem, da epistemologia e da filosofia da ciência, mas não devem ser

confundidos com os problemas empíricos da Psicologia (ver problema

filosófico).

Page 94: Dicionario de Filosofia Escolar

Sendo uma das disciplinas filosóficas que mais interesse suscitou ao

longo da história, particularmente no séc. XX, os seus problemas centrais são

a relação mente/corpo, o solipsismo, a causalidade mental e a

intencionalidade (ver intenção). Por exemplo, os filósofos da mente procuram

respostas para perguntas como: O que é a mente? Qual o seu lugar na

natureza? Existe uma relação causal entre a mente e a matéria? Que razões

temos para acreditar que existem outras mentes para além da nossa? O que é

a intenção e qual é o seu papel na acção? Qual é a natureza dos

acontecimentos mentais? O que está em causa quando falamos de

pensamento, memória, emoção, sentimento ou imaginação? Será correcto

dividir as funções mentais, ou existirá nelas uma certa unidade? Poderão as

máquinas ser conscientes?

A variedade destes problemas suscitou o aparecimento de teorias que,

não sendo as únicas, são porventura as mais influentes em filosofia da mente:

as teorias dualistas sobre a relação mente/corpo, a que se opõem doutrinas

monistas (ver dualismo/monismo) como o fisicalismo; o externalismo, que se

caracteriza pela defesa de que quaisquer conteúdos mentais dependem

causalmente de estados do mundo que são exteriores à mente, e a que se

opõe o internalismo; e o funcionalismo, segundo o qual os estados mentais

devem ser descritos, não em virtude de quaisquer propriedades intrínsecas

(ver propriedade), mas em virtude da relação causal que mantêm com outros

estados mentais e da função que têm relativamente ao comportamento. Ver

crença, desejo, idealismo e filosofia. APC

Nagel, Thomas, Que Quer Dizer Tudo Isto?, Cap. 3 (Lisboa: Gradiva, 1995).

Sagal, Paul, Mente, Homem e Máquina (Lisboa: Gradiva, 1996).

Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, Capítulo 6 (Lisboa: Gradiva, 1998).

filosofia da religião

O estudo filosófico dos conceitos e afirmações religiosas. Apesar da

multiplicidade de religiões com diferentes cultos, mitos e práticas, os

filósofos têm-se tradicionalmente centrado nas religiões dominantes no

ocidente o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Uma das razões deve-se ao

facto de estas religiões fornecerem visões complexas acerca do modo como o

mundo e o universo se comportam, ao contrário do que se passa com as

religiões orientais como o hinduísmo, o budismo e o confucionismo que se

Page 95: Dicionario de Filosofia Escolar

preocupam mais em propor formas de conduta e de viver. O que interessa em

geral aos filósofos é saber se a visão religiosa do universo é ou não verdadeira.

Comum às religiões ocidentais é a crença na existência de Deus. Deus é

caracterizado como uma pessoa incorpórea e eterna, que criou o universo,

que é sumamente boa (moralmente perfeita), que é toda-poderosa

(omnipotente), que sabe tudo (omnisciente), que está em todo o lado

(omnipresente), etc. Diz-se que este deus é o Deus teísta, e chama-se teísmo

à crença na sua existência, de modo que não é de estranhar que os problemas

que mais têm atraído a atenção dos filósofos sejam o da coerência do

conceito de Deus e o da existência de Deus.

Um dos paradoxos clássicos relativamente à coerência do conceito de

Deus é o de saber se Deus pode criar uma pedra tão pesada que Ele não a

possa levantar. Se Deus é omnipotente, então pode criar tal pedra, mas se a

criar então não é omnipotente, porque depois não pode levantá-la. Por outro

lado, se não a pode criar, então não é omnipotente. Uma resposta a este

problema é a de que Deus não pode criar impossibilidades lógicas. Outro

problema é o de saber se a existência de Deus é compatível com a liberdade

humana: se Deus sabe tudo, então sabe o que vamos fazer; mas, se sabe o

que vamos fazer, então o que vamos fazer já está determinado; logo, não

pode haver livre-arbítrio.

A questão de saber se Deus existe é a que mais tem interessado aos

filósofos. São vários os argumentos a favor da existência de Deus, muitos

deles apresentados na Idade Média. Por exemplo, só da autoria de Tomás de

Aquino há cinco argumentos a favor da existência de Deus. Os principais tipos

de argumentos a favor da existência de Deus são: o argumento ontológico, o

argumento cosmológico e o argumento do desígnio. Estes argumentos

ganharam um novo fôlego nas mãos de teístas contemporâneos como Alvin

Plantinga (n. 1932) e Richard Swinburne (n. 1934), que defendem versões

mais sofisticadas de alguns deles. Chama-se "teologia natural" ao estudo

racional de Deus. A "teologia revelada" é o estudo de Deus baseado na fé e na

revelação.

Dois outros problemas igualmente muito discutidos são o papel dos

milagres enquanto provas da existência de Deus, a que David Hume levantou

fortes objecções (ver milagre), e o problema do mal.

Page 96: Dicionario de Filosofia Escolar

Muitos filósofos fideístas (ver fideísmo) defendem que a questão de

saber se Deus existe não é susceptível de discussão racional: é uma questão

fé.

Outros problemas igualmente importantes são os seguintes: Será que a

existência de Deus é compatível com a liberdade humana? Será que existe

vida depois da morte? Como compreender conceitos como o de fé, salvação e

criação, entre outros? CT

Swinburne, Richard, Será que Deus Existe? (Lisboa: Gradiva, 1998).

Blackburn, Simon, Pense: Uma introdução à Filosofia, Capítulo 5 (Lisboa: Gradiva,

2001).

Ward, Keith, Deus, Fé e o Novo Milénio (Mem Martins: Publicações Europa-América,

2000).

Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, Capítulo 1 (Lisboa: Gradiva, 1998).

filosofia política

Disciplina filosófica centrada na natureza e função do estado que está muito

ligada à ética e que, tal como esta, tem um carácter normativo (ver

normativo/descritivo).

O problema fundamental desta disciplina é o de saber como deve o

estado relacionar-se com os cidadãos. Este problema dá origem a questões

mais específicas: o que legitima a autoridade do estado? Até que ponto e para

que fins pode o estado limitar a liberdade dos cidadãos? Em que medida e em

que aspectos deve o estado fomentar a igualdade entre os cidadãos? O que é

(ou seria) um estado que exibisse uma perfeita justiça social? Se a

democracia é a melhor forma de governo, o que explica a sua superioridade?

Será que mesmo num estado democrático o recurso à desobediência civil por

vezes se justifica? E o recurso à discriminação positiva? Será uma forma

aceitável de reagir a desigualdades profundas?

Ao procurar respostas satisfatórias para estas perguntas, os filósofos

propõem teorias que têm frequentemente resultados práticos importantes,

mas por vezes inesperados. A filosofia política de Marx, por exemplo,

desencadeou revoluções em inúmeros países. E o pensamento de Mill

promoveu a liberdade de expressão e a igualdade política entre homens e

mulheres. Apesar de ser uma das disciplinas filosóficas mais cultivadas desde

a Antiguidade, durante o século passado a filosofia política acusou um certo

Page 97: Dicionario de Filosofia Escolar

declínio até que, nos anos 70, Rawls revitalizou a reflexão neste domínio com

Uma Teoria da Justiça (1971, trad. 2001 Presença)

.: G :.

Galileu Galilei (1564-1642)

Cientista e filósofo italiano. Foi julgado por defender o heliocentrismo

sobretudo no seu Diálogo dos Grandes Sistemas (1632; trad. 1980, Gradiva), o

que nessa época se opunha à doutrina oficial da igreja, ao senso comum e à

autoridade de Aristóteles. Acabou por ser condenado a prisão domiciliária e

morreu cego. As suas ideias acerca do método científico, assim como os

resultados práticos da sua aplicação, deram origem à ciência moderna. Tais

ideias conduziram também ao abandono de uma concepção da natureza

herdada de Aristóteles e com mais de dois mil anos de tradição. Esta foi a

razão pela qual Galileu travou uma intensa luta contra os argumentos de

autoridade em que se refugiavam os académicos de então, batendo-se pela

autonomia da ciência e pela investigação directa e metódica da natureza.

Defendeu a aplicação da matemática na explicação dos fenómenos naturais, o

que fez pela primeira vez em relação ao movimento, e que se tornou uma

característica fundamental da ciência. A sua concepção mecanicista (ver

mecanicismo) da natureza articulava-se com a posição epistemológica do

realismo crítico e com a ideia de que as características que observamos nos

objectos se dividem em qualidades primárias e qualidades secundárias. AA

Geist

Termo alemão que significa "alma" ou "espírito". Ver Hegel.

generalização

Um tipo muito comum de inferência indutiva (ver indução), que estabelece

uma conclusão geral como, por exemplo, "os portugueses são machistas" a

Page 98: Dicionario de Filosofia Escolar

partir de casos menos gerais. Atribui-se assim a mesma propriedade, a

propriedade de ser machista, a uma certa classe de indivíduos ou objectos, a

classe dos portugueses. Apesar de o raciocínio indutivo não se fazer apenas

por generalização, grande parte do raciocínio comum é desse tipo. AA

génio maligno

Hipótese introduzida por Descartes com o fim de dramatizar os argumentos

cépticos contra a ideia de que sabemos seja o que for, convidando-nos a

imaginar que os nossos pensamentos e percepções estão sistematicamente a

ser manipulados por uma espécie de Deus enganador. Claro que, sendo

enganador, não poderia ser bom e, portanto também não poderia ser Deus,

dado que a bondade é uma das características de Deus. Daí dizer que se trata

de um génio maligno. O poder desse génio faria com que nos enganássemos de

tal modo que tomássemos sempre como verdadeiro aquilo que não passa,

afinal, de meras ilusões. Esta hipótese é rejeitada pelo próprio Descartes,

concluindo que de uma coisa tal génio não o pode enganar: que existe, dado

que está a ser enganado por ele. Uma versão mais actual da hipótese do génio

maligno é a experiência mental do "cérebro numa cuba", apresentada pelo

filósofo americano Hilary Putnam (n. 1926). O filme The Matrix parte da

mesma ideia. AA

Gestalt

Termo alemão que significa "configuração". Foi introduzido na psicologia

cognitiva para designar o facto de a percepção de objectos não se dar em

termos atómicos, objecto a objecto, como até então era comum supor-se,

mas antes em termos de grandes configurações ou grupos de percepções.

Wittgenstein foi influenciado por estas teorias, tendo defendido, na obra

Investigações Filosóficas, uma teoria do significado "gestaltista", por oposição

à sua própria anterior teoria pictórica do significado, que era atomista. DM

gnosiologia

O mesmo que teoria do conhecimento, ou também epistemologia. Alguns

filósofos utilizam este termo de origem latina para se referirem ao conjunto

de conceitos e de problemas acerca do conhecimento. AA

gnothi se auton

Page 99: Dicionario de Filosofia Escolar

Expressão grega que significa "conhece-te a ti mesmo". Inscrita no pórtico de

Delfos, na Grécia antiga, Sócrates declarou ter dedicado a sua vida ao auto-

conhecimento. Deste modo, Sócrates parecia conceber a filosofia como uma

actividade prática, que envolvia todo o ser humano, e não apenas os aspectos

teóricos do conhecimento. Aristóteles partilhava a mesma perspectiva, mas

mais por considerar que nenhuma actividade de investigação racional nos é

estranha enquanto seres humanos, pois somos seres racionais. DM

Goodman, Nelson (1906-1998)

Filósofo americano. Conhecido sobretudo pelo seu trabalho relativo ao

problema da indução, as suas ideias abrangem também temas da metafísica

e da filosofia da arte.

Relativamente ao problema da indução, Goodman apresenta em Facto,

Ficção e Previsão (1954; trad. 1991, Presença) o famoso Novo Enigma da

Indução que procura mostrar que este problema não depende unicamente da

relação de confirmação mas também da adequação dos predicados usados

para fazer induções.

Na metafísica, Goodman defendeu, em Modos de Fazer Mundos (1978;

trad. 1995, Asa), uma versão extrema de idealismo, segundo a qual só há

inúmeras versões diferentes de "mundos", não existindo um mundo

independente das nossas representações.

Na filosofia da arte, defendeu, em Linguagens da Arte (1976; trad.

2003, Gradiva), uma versão sofisticada da teoria institucional da arte, o valor

cognitivo da arte e o artificialismo da distinção entre artes e ciências.

Partindo do positivismo lógico, aceita algumas das ideias centrais deste

movimento, como o nominalismo (a crença de que não há universais, como a

brancura), rejeita outras (como a suposta superioridade da ciência na tarefa

de conhecer o mundo) e abraça algumas das consequências mais polémicas

Page 100: Dicionario de Filosofia Escolar

desse movimento (o extremo anti-realismo, que declara ser tudo uma

construção linguística). DM

gosto, padrão de

Ver padrão de gosto.

gosto, teoria do

Ver teoria do gosto.

.: H :.

Hare, R. M. (1919-2002)

Filósofo inglês que exerceu uma grande influência na ética. No domínio da

metaética, Hare rejeitou o realismo moral, mas, influenciado por Kant,

defendeu a racionalidade e objectividade do pensamento ético propondo o

prescritivismo universal. De acordo com esta perspectiva, os juízos morais não

são simples descrições de factos, pois parte do seu significado é

irredutivelmente prescritivo ou normativo (ver normativo/descritivo). Por

exemplo, quem afirma "Deves dizer a verdade" ou "Não dizer a verdade é

errado", está a dizer algo como "Diz a verdade!". No entanto, as prescrições

morais não são arbitrárias, pois têm de ser universalizáveis — quando

prescrevemos moralmente que alguém diga a verdade, estamos a prescrever

que todas as pessoas em circunstâncias semelhantes nos aspectos relevantes

digam a verdade. Hare sustentou que esta maneira de conceber os juízos

morais conduz a uma versão de utilitarismo segundo a qual devemos

satisfazer tanto quanto possível os desejos ou preferências dos que poderão

ser afectados pela nossa conduta. Entre as suas obras mais importantes

contam-se Moral Thinking (1981) e Sorting Out Ethics (1997). Ver imperativo

categórico, Singer. PG

hedonismo

Page 101: Dicionario de Filosofia Escolar

Doutrina segundo a qual o prazer é o único verdadeiro bem. Há três tipos de

hedonismo: o psicológico, que sustenta que as pessoas procuram

inevitavelmente o prazer; o ético (ver ética), que considera que a obrigação

dos seres humanos é procurar o prazer; e o reflexivo, que afirma que aquilo

que dá valor a qualquer ocupação é o prazer. Nalgumas teorias

consequencialistas, como o utilitarismo de Jeremy Bentham (1748-1832) e de

John Stuart Mill, o prazer constitui o critério para julgar as acções. Na

Antiguidade, o hedonismo está sobretudo associado aos Cirenaicos e aos

Epicuristas. Ver epicurismo. AN

Hegel, Georg Wilhelm (1770-1831)

Pensador alemão que atribui à filosofia a tarefa de ultrapassar concepções

dualistas e parciais da realidade em nome do princípio de que "a verdade é o

todo". Para a filosofia ser "sistema do Absoluto" importa negar a separação

entre o Infinito (Espírito absoluto) e o finito (o mundo e o homem). Para tal, o

Absoluto assume a condição finita, primeiro na Natureza e depois na História

humana. Ultrapassando cada forma espácio-temporalmente limitada da sua

odisseia histórica, o Absoluto transforma o finito em momento da sua vida

infinita, em auto-limitação momentânea. Nada existe ou é verdadeiro fora do

Absoluto. A filosofia é a forma superior de exposição do movimento dialéctico

mediante o qual o Espírito divino se diz absoluto ao negar que o finito exista

fora de si. Ser absoluto é fazer-se absoluto. Na Fenomenologia do Espírito e

em A Razão na História (trad. 1995, Edições 70), entre outras obras, é exposta

esta visão do Espírito como auto-realização. LR

Page 102: Dicionario de Filosofia Escolar

Heidegger, Martin (1905-1976)

Filósofo alemão, cuja reflexão, centrando-se na questão do sentido do ser,

desenvolve essencialmente um tema: o esquecimento ou olvido do Ser. Acusa

a filosofia ocidental de, a partir de Platão, ter esquecido o sentido original do

Ser: para os primeiros filósofos gregos o Ser era desocultação, luz e abertura

que torna possível que as coisas (os entes) sejam ditas e pensadas. Não sendo

um ente, não sendo isto ou aquilo, o Ser manifesta-se em todos os entes

ocultando-se. Esquecendo a diferença ontológica (a diferença Ser-ente) e o

sentido original do Ser, a metafísica ocidental concebeu este como a causa ou

a explicação da totalidade dos entes. Na maioria dos casos, a causa dos entes

seria Deus, o ente supremo. Preocupada com a explicação dos entes, a

metafísica ocidental desenvolveu uma concepção instrumental do Ser

reduzindo-o a entidade que produz ou causa algo quando o que o Ser faz é

"deixar ser" o ente. O momento culminante de tal concepção é a

transformação dos entes em objectos a manipular, consumir e explorar. A

principal consequência do olvido do Ser é a submissão do mundo e da

natureza aos imperativos da técnica. Em Sobre a Essência da Verdade (1943;

trad. 2001, Porto Editora), O Que é a Metafísica? (1929) e A Questão da

Técnica (1949), por exemplo, são expostas estas ideias. LR

hermenêutica

Originalmente, teoria ou método de interpretação da Bíblia e de outros

textos religiosos. Friedrich Schleiermacher (1768-1834) formulou uma teoria

da interpretação dos textos e do discurso, que Wilhelm Dilthey (1833-1911)

aplicou a todos os actos e produtos humanos e Heidegger estendeu ao ser

humano (Dasein). Associada à hermenêutica está a ideia de círculo

hermenêutico: não podemos compreender completamente um todo (por

Page 103: Dicionario de Filosofia Escolar

exemplo, um texto filosófico) a menos que entendamos as suas partes, ou

completamente as partes a menos que entendamos o todo. Heidegger e Hans-

Georg Gadamer (1900-2002) fizeram disto uma característica de todo o

conhecimento e actividades humanos. Ver interpretação. AN

heteronomia

Ver autonomia/heteronomia.

hipotética, proposição

Ver proposição hipotética.

história da filosofia

Ver filosofia, história da.

Hobbes, Thomas (1588-1679)

Filósofo inglês. Na sua obra mais influente, Leviatã (1650; trad. 1995,

Imprensa Nacional), Hobbes propôs uma visão materialista do universo e da

natureza humana (ver fisicalismo), advogou o determinismo e apresentou

uma teoria contratualista para justificar o poder político do soberano. O seu

contratualismo parte da ideia de estado da natureza. Nessa condição, não há

qualquer poder político e os seres humanos, tendo uma força

aproximadamente igual, vivem numa permanente guerra de todos contra

todos. Para ultrapassar este estado de coisas, sustentou Hobbes, precisamos

de concordar ser governados por um monarca com poder absoluto, pois só ele

será capaz de garantir uma coexistência pacífica. PG

holismo

A ideia de que o todo tem prioridade sobre as partes. Na filosofia da ciência,

a perspectiva segundo a qual as diversas hipóteses que constituem uma teoria

científica não podem ser testadas uma a uma. Testar uma teoria científica

implica confrontá-la com a observação. Para fazer isso é preciso deduzir (ver

Page 104: Dicionario de Filosofia Escolar

dedução) da teoria certas previsões observacionais. O holista sustenta que

não se pode deduzir tais previsões de hipóteses isoladas — na verdade, deduz-

se a previsão de todo um conjunto bastante vasto de hipóteses. Assim, se a

previsão fracassar tudo o que podemos inferir é que pelo menos uma dessas

hipóteses é falsa — não podemos concluir que uma certa hipótese específica

foi refutada. Esta perspectiva, também conhecida por tese de Duhem-Quine,

sugere que não é fácil falsificar conclusivamente hipóteses científicas. Em

epistemologia o coerentismo é um exemplo de holismo. Ver

falsificacionismo, método científico. PG

homem de palha, falácia do

Ver falácia do homem de palha.

Hume, David (1711-76)

Filósofo, ensaísta e historiador escocês, pertence à tradição empirista

britânica, cujos antecessores foram Locke e Berkeley. É talvez o primeiro

filósofo a procurar trazer para a filosofia o tipo de atitude que tantos

resultados produziu nas ciências da natureza do seu tempo. Ficou famoso o

seu conselho de que devemos deitar à fogueira tudo o que não for ciência

empírica ou disciplinas matemáticas. Este tipo de atitude voltaria a ser

popular, sobretudo junto dos filósofos do positivismo lógico. Para não correr o

risco de ser ele próprio deitado à fogueira, pelo menos metaforicamente, só

permitiu que os Diálogos sobre a Religião Natural (1779) fossem publicados

depois da sua morte. Nesta obra, Hume apresenta uma análise hoje clássica

dos argumentos contra e a favor da existência de Deus. O seu argumento

contra os milagres foi exposto também no Ensaio sobre o Entendimento

Humano.

Page 105: Dicionario de Filosofia Escolar

A sua primeira obra, o Tratado da Natureza Humana (1739-40), procura

ambiciosamente estabelecer os fundamentos de uma teoria empírica da

natureza humana. Nesta obra encontram-se algumas das ideias que mudaram

a face da filosofia moderna, nomeadamente no que respeita à epistemologia

e à ética. Porque os seus contemporâneos não lhe prestaram grande atenção,

Hume tentou apresentar aproximadamente as mesmas ideias, de forma mais

clara, nas obras Investigação sobre o Entendimento Humano (1748) e

Investigação sobre os Princípios da Moral (1751).

No que respeita à epistemologia, Hume introduz de forma clara a

distinção entre conhecimento a priori e a posteriori, a que ele chamou,

respectivamente, "relações de ideias" e "questões de facto". O conhecimento

a priori tem por objecto unicamente as matemáticas; todo o conhecimento do

mundo é baseado na experiência, não sendo possível estabelecer a priori nem

mesmo os princípios mais gerais que regulam as verdades empíricas, como o

princípio de causalidade. A teoria da causalidade de Hume baseia-se na

projecção psicológica: perante sucessões repetidas de acontecimentos do

mesmo tipo, os seres humanos são levados a inferir fantasiosamente a

existência de uma conexão causal entre esses acontecimentos.

Hume adopta a mesma estratégia projectivista em ética. Traçando uma

distinção profunda entre factos e valores, declara que não se podem extrair

os últimos dos primeiros, e que a ética é apenas o resultado da projecção de

valores humanos sobre os factos do mundo, valores estes ancorados no

sentimento e não na razão. O seu argumento baseia-se na ideia de que os

factos são objecto de crença e que as crenças não são motivadoras, isto é,

não têm o poder de nos levar a agir; só os desejos têm esse poder. Tanto no

âmbito da epistemologia como da ética, as ideias de Hume foram das mais

influentes de sempre na história da filosofia. DM

Hume, David, Investigação sobre os Princípios da Moral (Lisboa: INCM, no prelo).

Hume, David, Obras de Filosofia da Religião (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

no prelo).

Hume, David, Tratado da Natureza Humana (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2002).

Hume, David, Investigação sobre o Entendimento Humano (Lisboa: INCM, 2002).

Page 106: Dicionario de Filosofia Escolar

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 14 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 7 (Lisboa, Presença, 1989).

hylê

Termo grego que significa "substrato" ou "matéria". Aristóteles usava o termo

para falar do que permanece para lá da mudança: quando se faz uma estátua

de um pedaço de barro, por exemplo, muda a forma, mas não a matéria ou

substrato. Berkeley chamou Hilas a uma das personagens dos seus Diálogos —

o defensor da teoria aristotélica da existência da matéria. Husserl usou o

mesmo termo para falar do tipo de experiências perceptivas que podem ser

enganadoras, como quando parece que vemos uma pessoa à distância e afinal

era um boneco. DM

.: I :.idealismo

Vulgarmente diz-se que uma pessoa é idealista quando se bate por ideais e

orienta as suas acções em função deles. Mas o significado filosófico do termo

é substancialmente diferente. Em filosofia chama-se "idealista" a qualquer

doutrina que afirme que a natureza última da realidade é mental, opondo-se

ao realismo. Isto tanto pode querer dizer que os objectos físicos não existem

a não ser como objectos para uma mente, ou que são apenas conteúdos

mentais, ou que são algo intrínseca e essencialmente mental. O fundador do

idealismo foi o filósofo irlandês George Berkeley para quem só existem dois

tipos de coisas: mentes e ideias. Os chamados "objectos físicos" não passam,

de acordo com Berkeley, de impressões do sujeito capaz de sentir. Assim, a

maçã que temos diante de nós é apenas o conjunto das sensações de cor,

sabor, odor, forma, textura, etc., que estão perante a nossa mente quando a

percepcionamos. Daí a célebre afirmação de Berkeley de que o seu esse

(existência) é percipi (ser percepcionada), o que equivale a dizer que só as

sensações são reais. Mas as sensações nada mais são, segundo Berkeley, do

que conteúdos mentais ou ideias. Daí o nome "idealismo" e a conclusão de que

os objectos não existem fora de alguma mente que os percepcione. O

idealismo de Berkeley tem um cariz marcadamente ontológico (ver

Page 107: Dicionario de Filosofia Escolar

ontologia), na medida em que defende que toda a realidade é mental. Outra

forma de idealismo, de pendor mais epistemológico (ver epistemologia), é o

chamado "idealismo transcendental" de Kant. Kant admite a existência de

uma realidade independente da mente, mas afirma que dela nada podemos

saber. É idealista na medida em que defende que o mundo tal como o

conhecemos é o produto das leis que o sujeito impõe aos objectos quando os

percepciona. Os objectos da experiência não são, assim, entidades

independentes. Essas leis fazem parte do que Kant designa como "estrutura

transcendental" do sujeito. Daí o nome por que é conhecido este tipo de

idealismo. Há ainda um terceiro tipo de idealismo, o idealismo absoluto,

defendido por Fichte (1762-1814), e sobretudo por Hegel. Para Hegel toda a

realidade é expressão do Espírito Absoluto, que toma consciência de si

exteriorizando-se e manifestando-se nos objectos físicos. Aquilo a que

chamamos "realidade exterior" é a expressão concreta de uma entidade

espiritual única e universal. AA

ideia

O termo tanto pode, como em Platão, designar realidades objectivas,

inteligíveis (ver inteligível), eternas, imutáveis e transcendentes (ver

transcendente), que são modelos e causas do mundo sensível, como,

sobretudo a partir do séc. XVII com Descartes, Locke, Berkeley e Hume,

designar quaisquer conteúdos mentais subjectivos (percepções, recordações,

sonhos, pensamentos), que são vistos frequentemente como representações

(ver representação) dos objectos do mundo exterior. Isto origina vários

problemas interessantes, como o de saber se as ideias são representações

adequadas da realidade ou se conhecemos alguma coisa para além das ideias.

AN

ideias inatas

Conteúdos mentais anteriores a qualquer experiência e que dela são

independentes. Trata-se de ideias com as quais já nascemos e que, portanto,

não são adquiridas. Descartes deu o exemplo das ideias de Deus, de infinito,

de imortalidade e de perfeição, as quais defendia que nada de empiricamente

observável pode ter originado. Estas ideias constituem, alegadamente, um

tipo de conhecimento que veio a chamar-se conhecimento a priori. A

existência ou não de ideias inatas esteve no centro das disputas entre o

Page 108: Dicionario de Filosofia Escolar

racionalismo e o empirismo. Empiristas como Locke e Hume opõem-se à

afirmação de que há ideias inatas ou conhecimentos a priori. Kant defende

que há noções a priori, mas que tais noções são apenas formais, não podendo,

só por si, ser consideradas conhecimento. Mas hoje em dia a discussão entre

empiristas e racionalistas não se foca em torno desse aspecto, mas em torno

do a priori. O conhecimento a priori é diferente do conhecimento inato: o

primeiro é aquele que adquirimos pelo pensamento apenas, o segundo não é

adquirido, nascemos com ele. AA

identidade

Uma afirmação como "Sócrates é Platão" exprime uma identidade — falsa,

neste caso. Uma identidade com a forma lógica "m = n" só é verdadeira caso

os nomes simbolizados por m e n denotem o mesmo particular: "Véspero é

Vénus" exprime uma identidade verdadeira porque os dois nomes denotam o

mesmo particular. Chama-se "numérica" a esta identidade, que só ocorre

entre um particular e ele próprio. Assim, qualquer frase com a forma "n = n" é

logicamente verdadeira. Chama-se por vezes "princípio ou lei da identidade" a

esta verdade lógica.

Distingue-se a identidade numérica da identidade qualitativa, que diz

respeito à completa partilha de propriedades. Por exemplo, quando alguém

diz que o António é igual ao Miguel, não está a dizer que eles são a mesma

pessoa, mas que têm muitas características (ou propriedades) em comum. É

um problema filosófico em aberto saber se dois objectos numericamente

distintos podem todavia ser qualitativamente idênticos, isto é, se podem ter

exactamente as mesmas propriedades.

Não se deve pensar que todas as frases como "F é G" exprimem

identidades, pois podem também exprimir predicações: "Platão é alto" não

exprime a identidade entre Platão e ser alto, mas antes a ideia de que Platão

tem a propriedade de ser alto. Ver também ser. DM

ignoratio elenchi

Expressão latina por que também é conhecida a falácia da conclusão

irrelevante. Trata-se de um argumento em que se prova uma coisa diferente

do que está em causa. Veja-se o argumento: "É através dos impostos que o

governo arranja dinheiro para ajudar os cidadãos mais carenciados; mas, dado

Page 109: Dicionario de Filosofia Escolar

que ainda há muitas pessoas com carências, o governo deve aumentar os

impostos". Este argumento não prova o que pretende, ou seja, que as

carências dos cidadãos se resolvam com a subida de impostos. Pode ser até

que o aumento de impostos coloque em situação de carência algumas pessoas

que não estavam nessa situação. AA

igualdade

Na filosofia política, atribuir a máxima importância à igualdade é defender o

igualitarismo — a perspectiva segundo a qual os bens sociais devem ser

distribuídos tão equitativamente quanto possível (ver justiça). Advogar a

igualdade de oportunidades é pensar que a posição que as pessoas ocupam na

sociedade deve resultar de uma competição justa entre indivíduos. Em ética,

usa-se frequentemente a noção de igualdade para exprimir a ideia de que

todas as pessoas têm a mesma importância ou estatuto moral — na ética

deontológica de Kant, sustenta-se que todos nós devemos ser tratados como

fins em si (ver imperativo categórico), e os utilitaristas, como Hare ou

Singer, afirmam que os interesses de qualquer pessoa (ou animal capaz de

sofrer) merecem uma igual consideração. Nenhuma destas teorias morais

implica o igualitarismo político. Ver Rawls, utilitarismo. PG

iluminismo

Movimento cultural que floresceu na Europa do séc. XVIII. A confiança resoluta

na racionalidade humana é o traço mais saliente dos pensadores deste

movimento. Os iluministas insurgiram-se contra o pensamento supersticioso

associado à religião, advogaram a difusão do conhecimento científico e

esforçaram-se por promover o progresso humano não só em questões teóricas,

mas também em questões políticas e morais. Hume e Kant contam-se entre

os filósofos iluministas mais influentes. PG

imanente

1. O que faz parte da própria natureza de uma coisa ou pessoa, como sua

característica interna ou intrínseca. Opõe-se a transcendente, isto é, o que é

exterior ou ultrapassa essa coisa ou pessoa.

2. O panteísmo concebe Deus como um ser imanente, pois identifica-o

com o próprio mundo ou natureza. Pelo contrário, para o teísmo Deus é

transcendente, pois é exterior ao mundo por si criado.

Page 110: Dicionario de Filosofia Escolar

3. Diz-se que a crítica a uma teoria é imanente quando se apoia nas

afirmações da própria teoria criticada. AA

imediatez/mediação

São conceitos indispensáveis para a compreensão do pensamento de Hegel. A

imediatez é a potencialidade, o estado do que ainda não se desenvolveu e

actualizou. A mediação é a condição de actualização, aquilo sem o que uma

coisa não se pode realizar. O mediato é o que está entre a apresentação

imediata e incompleta de uma coisa e o momento da sua actualização

completa. Na transição, ou devir, a negação desempenha um papel

importante. A semente é a maçã sob a sua forma imediata (abstracta). Irá

superar a sua imediatez transformando-se em flor e fruto, isto é, negando-se

como semente. A maçã é resultado de um processo que nega mas conserva

como necessários os momentos ultrapassados (a semente, a flor). LR

imperativo categórico

Na ética deontológica de Kant, o imperativo categórico é o princípio ou lei

moral fundamental. Tal princípio é categórico, por oposição a hipotético,

porque se nos apresenta como uma obrigação absoluta ou incondicional. Kant

pensava que, como conhecemos este princípio a priori (ver a priori/a

posteriori), temos de o aceitar sejam quais forem os nossos desejos ou

interesses particulares. Há várias maneiras de formular o imperativo

categórico. Uma das fórmulas capta uma exigência de universalidade: "Age

apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela

se torne uma lei universal". Segundo esta fórmula, é errado agir segundo

máximas que não possamos querer universalizar — se não podemos querer que

todas as pessoas procedam de acordo com uma certa máxima, então nós

próprios não a podemos adoptar. É errado, por exemplo, agir segundo a

máxima "Faz promessas com a intenção de não as cumprires", pois não

podemos querer que todos adoptem esta máxima, já que se todos fizessem

promessas com a intenção de as não cumprirem ninguém confiaria em

ninguém e a própria prática de fazer promessas desapareceria. Outra fórmula

do imp

.: J :.

Page 111: Dicionario de Filosofia Escolar

juízo

Na lógica aristotélica, tal como foi sistematizada pelos filósofos medievais,

chamava-se juízo ao acto de estabelecer uma relação entre um sujeito e um

predicado, que costuma simbolizar-se como "S é P"; por exemplo: "Sócrates é

mortal". DM

juízo de facto/juízo de valor

Um juízo de facto, como "Beethoven compôs nove sinfonias" ou "A pena de

morte foi abolida em Portugal", é apenas uma tentativa de descrever as

coisas. Um juízo de valor, como "As sinfonias de Beethoven são belas" ou "A

pena de morte é injusta", envolve já uma apreciação positiva ou negativa das

coisas. Os juízos de facto têm valor de verdade, mas há quem pense que não

se pode dizer o mesmo relativamente aos juízos de valor (ver emotivismo).

Grande parte da metaética é uma tentativa de compreender o significado dos

juízos de valor com conteúdo moral. Ver juízo estético,

normativo/descritivo. PG

juízo de valor

Ver juízo de facto/juízo de valor.

juízo estético

Às afirmações que fazemos acerca do que é belo ou feio, acerca do que

gostamos ou não e acerca dos objectos de arte chamamos "juízos estéticos".

Exemplos de juízos estéticos são "este pôr-do-sol é belo", ou "gosto da

paisagem alentejana", ou ainda "aquela peça de dança tem ritmo e

elegância". Deve, contudo, notar-se que nem todos os juízos acerca da arte

são estéticos. Por exemplo, o juízo "A Quinta Sinfonia de Beethoven tem

quatro andamentos", não é um juízo estético. Kant procurou caracterizar os

juízos estéticos, distinguindo-os dos juízos de conhecimento, defendendo que

os estéticos não têm qualquer carácter prático e que são subjectivos, ao

contrário dos juízos de conhecimento. Por isso, os juízos estéticos são, para

Kant, juízos de gosto. Ponto de vista que muitos dos filósofos posteriores

rejeitam. Ver também atitude estética, experiência estética, filosofia da

arte, problema do gosto e subjectivismo estético. AA

justiça

Page 112: Dicionario de Filosofia Escolar

Desde Aristóteles, distingue-se a justiça retributiva da justiça distributiva.

Quando se discute a justificação do castigo (ver liberdade), há quem apele ao

conceito de justiça retributiva dizendo que um criminoso deve sofrer um mal

para pagar pelo mal que fez. O conceito de justiça distributiva tem um

âmbito diferente. Clarificá-lo implica responder a este problema central na

filosofia política: como devem ser distribuídos os bens sociais (riqueza,

oportunidades, etc.) pelas diversas pessoas ou grupos de pessoas de uma

sociedade? Algumas teorias insistem numa distribuição fortemente igualitária;

outras privilegiam factores como a maximização do bem-estar (ver

utilitarismo) ou o mérito pessoal. Ver igualdade, Rawls. PG

.: K :.

Kant, Immanuel (1724-1804)

Filósofo alemão. Kant nasceu em Königsberg (actual Kaliningrado), na Prússia

oriental, onde estudou, trabalhou e viveu toda a sua vida, tornando-se um dos

mais influentes filósofos de sempre. Durante mais de uma década trabalhou

como preceptor e em 1755 juntou-se ao corpo docente da universidade de

Königsberg, onde leccionou as mais variadas disciplinas: lógica, metafísica,

matemática, geografia, antropologia, pedagogia, etc. É habitual dividir a sua

vida intelectual em dois períodos: o "período pré-crítico" e o "período crítico".

Durante o primeiro período, Kant escreveu trabalhos menos influentes, nos

quais se pode constatar a grande influência de Wolff (1679-1754), discípulo de

Leibniz, e do próprio Leibniz. Kant foi também fortemente influenciado por

Locke, Hume e Jean-Jacques Rousseau (1712-78). O seu período crítico teve

início em 1770 com a publicação da sua Dissertação de 1770.

A Crítica da Razão Pura (1781) é a sua primeira grande obra. O problema

que a domina é o de saber como é o conhecimento a priori acerca do mundo

Page 113: Dicionario de Filosofia Escolar

possível (ver a priori/a posteriori), ou para usar a sua terminologia, como é o

conhecimento sintético a priori possível (ver analítico/sintético). Kant

defendeu que não é possível saber como o mundo é em si,

independentemente da nossa experiência. Sucintamente, a ideia de Kant é

que o nosso aparato cognitivo, seja ele perceptivo ou puramente intelectual

(ou teórico), impõe certas estruturas ao mundo. Kant defendeu que uma

metafísica científica deve usar criticamente a razão na procura dos seus

próprios limites: temos de procurar as "formas" que o nosso aparato cognitivo

impõe ao mundo. Esta é a "revolução copernicana" de Kant: para sabermos o

que podemos conhecer, temos de saber como o conhecemos.

Na Crítica da Razão Prática (1788), Kant procura os fundamentos da

nossa razão prática, isto é, os fundamentos do nosso raciocínio moral.

Defende que agir racionalmente é agir moralmente, é agir de acordo com o

nosso dever, é agir de acordo com o imperativo categórico. Na Crítica da

Faculdade do Juízo (1790), volta a defender a objectividade da razão, mas

desta vez relativamente aos juízos estéticos. Contudo, esta não é meramente

uma obra de estética. Nela, Kant fornece-nos uma visão global do seu sistema

filosófico. CT

Kant, Immanuel, Crítica da Razão Pura (Lisboa: FCG, 1989).

Kant, Immanuel, Crítica da Razão Prática (Lisboa: Edições 70, 1997).

Kant, Immanuel, Crítica da Faculdade do Juízo (Lisboa: INCM, 1992).

Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes (Lisboa: Edições 70,

1991).

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 16 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 8 (Lisboa: Presença, 1989).

kátharsis

Termo grego que significa catarse.

Page 114: Dicionario de Filosofia Escolar

Kierkegaard, Søren (1813-1855)

Pensador dinamarquês cuja obra tem um só objectivo: esclarecer o que

significa a fé cristã. A fé em Deus é uma forma de vida terrivelmente exigente

porque dá muito mais importância a Deus do que às coisas humanas e

terrenas. Em Temor e Tremor (1843; trad. 1990, Guimarães Editores), Abraão,

exemplo do amor e submissão absolutos a Deus, é considerado o modelo do

homem de fé, pois para ele Deus está sempre em primeiro lugar e nem o amor

a um filho lhe pode ser superior. Sem Deus o homem está condenado ao

desespero. Podemos escolher uma vida dedicada ao prazer e ao divertimento

(existência estética) ou ao cumprimento do dever, das obrigações morais e

sociais (existência ética), mas o cristão autêntico aposta no Desconhecido e

encontra nessa entrega o sentido pleno (existência religiosa). A fé cristã é

sofrimento. Reina a incerteza (não sei se Deus existe) e a incompreensão dos

outros, pois colocar Deus acima de tudo implica frequentemente contrariar a

moral socialmente estabelecida. Critica Hegel por este ter querido tornar

acessíveis à razão os dogmas da fé cristã e as Igrejas por a transformarem

num hábito tranquilo e rotineiro. Um dos principais representantes do

fideísmo, defende que a fé é superior à razão. Apresenta-nos uma

interpretação da sua própria obra em Ponto de Vista Explicativo da Minha

Obra Como Escritor (1859; trad. 1986, Edições 70). LR

Kuhn, Thomas (1922-96)

Page 115: Dicionario de Filosofia Escolar

Filósofo americano da ciência, cujas ideias acerca da noção de progresso

científico se tornaram muito populares, sobretudo após a publicação de A

Estrutura das Revoluções Científicas (1962; trad. bras. Editora Perspectiva,

1995). Aí apresenta uma caracterização sociológica da ciência, na medida em

que parte da análise do funcionamento concreto da comunidade científica ao

longo da história. Defende a ideia de que a ciência apresenta longos períodos

de acumulação de conhecimentos, a que dá o nome de "ciência normal",

sendo os cientistas essencialmente conservadores, na medida em que

trabalham no interior e para a preservação do paradigma dominante. Durante

esse período a pesquisa científica consiste em resolver quebra-cabeças que de

forma alguma põem o paradigma em causa, procurando, pelo contrário,

alargar o âmbito da sua aplicação. Esses períodos de ciência normal são

intercalados por breves períodos de ciência extraordinária, em que, devido à

descoberta de sérias anomalias no paradigma dominante, surgem as crises e

as revoluções científicas. As revoluções científicas consistem basicamente na

mudança de paradigma. A sua tese mais ousada é, contudo, a de que os

paradigmas são incomensuráveis (ver incomensurabilidade), correspondendo

a maneiras completamente distintas de encarar a realidade. Esta tese é

polémica porque implica o relativismo e a ideia de que, em rigor, não

podemos falar de progresso científico. AA

.: L :.lei da natureza

Afirmação geral acerca do modo como a natureza se comporta. Normalmente,

as leis da natureza têm a forma de afirmações universais do tipo, "Todo o A é

B", como por exemplo, "Todas as moléculas de água têm a mesma massa". CT

Leibniz, Gottfried Wilhelm (1646-1716)

Page 116: Dicionario de Filosofia Escolar

Filósofo racionalista alemão. Leibniz nasceu em Leipzig e morreu em Hanover.

Começou a frequentar a universidade aos treze anos, doutorando-se em

direito aos vinte anos. Fez importantes contribuições para a filosofia, a

lógica, a geologia, a linguística, a historiografia, a matemática, a teologia, a

economia, a política, a física, etc. Descobriu o cálculo infinitesimal

independentemente de Newton (1642-1727). Fundou a Academia de Berlim.

Leibniz é o autor de um dos três grandes sistemas racionalistas do séc.

XVII. Leibniz distingue as verdades da razão, as quais são necessárias, e as

verdades de facto, as quais são contingentes (ver analítico/sintético). No

domínio das verdades da razão encontram-se as verdades da matemática e da

lógica, no domínio das verdades de facto encontram-se as verdades físicas e

históricas. Formulou ainda o princípio da não contradição, segundo o qual é

falso tudo aquilo que leva a uma contradição e o princípio da razão

suficiente, do qual dependem as verdades de facto, que nos diz que nenhuma

proposição pode ser verdadeira sem que haja uma razão suficiente para que

seja assim e não de outra forma. Defendeu a existência de ideias inatas. Em

metafísica, defendeu a existência de mónadas, entidades espirituais

individuais (os existentes actuais) e entidades ideais. Em teologia é autor de

uma teodiceia, isto é, de uma solução para o problema do mal, segundo a

qual este é o melhor dos mundos possíveis. Formulou o famoso princípio de

identidade, conhecido como lei de Leibniz: se dois objectos são idênticos,

então partilham exactamente as mesmas propriedades; e o "princípio da

identidade dos indiscerníveis": se dois objectos têm exactamente as mesmas

propriedades, então são idênticos. CT

Leibniz, G. W., Discurso de Metafísica (Lisboa: Colibri, 1995).

Leibniz, G. W., Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano (Lisboa: Colibri, 1993).

Leibniz, G. W., Princípios de Filosofia ou Monadologia (Lisboa: INCM, 1987).

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 13 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

liberalismo

Uma das filosofias políticas mais influentes e, após a queda dos regimes da

Europa de Leste que se inspiravam nas ideias de Marx, a filosofia política

dominante no mundo ocidental. O liberalismo surgiu no séc. XVI como

resposta ao aparecimento dos estados-nação modernos e caracteriza-se pela

Page 117: Dicionario de Filosofia Escolar

importância que atribui aos direitos, às liberdades (de pensamento, de

expressão, de associação, de escolha, de religião e, mais recentemente, de

preferência sexual) e à autonomia do indivíduo. Por este motivo, muitos

liberais pensam que o papel do estado é em larga medida o de assegurar e

proteger estes direitos e liberdades. No entanto, nos Estados Unidos, em

reacção a posições extremas como, por exemplo, o libertarianismo de Robert

Nozik (1938-2002), o liberalismo tem-se recentemente identificado com a

defesa de um Estado-providência que actue em áreas como a educação, a

saúde e a segurança social. Em Portugal, o liberalismo filosófico é

frequentemente identificado com o "liberalismo económico" ou "neo-

liberalismo" que, ao contrário daquele, é uma doutrina que dá grande

importância ao mercado e a uma economia de laissez-faire. Contudo, esta

identificação é fruto de uma confusão e é até frequente, como no caso de

John Stuart Mill ou de Bertrand Russell, a existência de liberais que são

também socialistas. O liberalismo tem sido ultimamente contestado por

pensadores como o americano Michael Walzer (n. 1935), o canadiano Charles

Taylor (n. 1931) e o escocês Alasdair MacIntyre (n. 1929), normalmente

apelidados de "comunitarianos", e que criticam o alegado facto de o

liberalismo se apoiar numa concepção inadequada de pessoa e de negligenciar

ou mesmo minar o papel da família, das tradições e da comunidade. Alguns

dos principais filósofos liberais, além dos já referidos, são John Locke, Adam

Smith (1723-1790), Immanuel Kant e, mais recentemente, Isaiah Berlin (1909-

1997), John Rawls e Ronald Dworkin (n. 1931). AN

Rawls, John, O Liberalismo Político (Lisboa: Presença, 1997).

liberdade

Noção central na filosofia política, que pode ser entendida em dois sentidos.

A liberdade negativa consiste na ausência de coerção. Neste sentido, um

indivíduo é livre desde que ninguém o force a agir ou o proíba de agir de certa

maneira. A liberdade positiva consiste num controlo efectivo da própria vida.

Um alcoólico, por exemplo, tem liberdade negativa caso ninguém o obrigue a

beber, mas ainda assim não tem liberdade positiva. Isaiah Berlin (1909-1997),

que introduziu esta distinção no artigo "Dois Conceitos de Liberdade",

defendeu que o conceito positivo de liberdade é politicamente perigoso, pois

autoriza interferências indevidas do estado na vida dos indivíduos. Um

Page 118: Dicionario de Filosofia Escolar

problema fundamental da filosofia política, aliás, é determinar em que

medida é aceitável o estado limitar a liberdade (negativa) dos cidadãos. E um

dos aspectos importantes deste problema é o da justificação do castigo: por

que pode o estado castigar os cidadãos privando-os da sua liberdade? Não se

deve confundir estas questões políticas com o problema metafísico do livre-

arbítrio. PG

libertismo

Teoria que defende uma concepção da acção incompatível quer com o

determinismo, quer com o indeterminismo. Os libertistas defendem que o

ser humano é um ser essencialmente livre, considerando o dilema de Hume

um falso dilema. A responsabilidade do agente decorre do facto de as suas

acções nem serem determinadas por causas remotas e incontroláveis (como

defendem os deterministas), nem serem aleatórias (como defendem os

indeterministas). O libertismo, por vezes chamado "libertarianismo", é uma

teoria metafísica que não deve ser confundida com o liberalismo económico e

político, nem com o libertinismo moral. Ver causa/efeito, relação causal e

compatibilismo. APC

livre-arbítrio

A capacidade para fazer escolhas. Por exemplo, eu posso aparentemente

escolher ficar em casa ou ir ao café; mas não posso escolher ter ou não uma

dor de cabeça. O problema filosófico do livre-arbítrio consiste em saber se as

escolhas aparentes são compatíveis com o determinismo. O determinismo

radical, o determinismo moderado, o indeterminismo e o libertismo

constituem as respostas clássicas a este problema, sendo classificadas ora

como teorias compatibilistas, ora como teorias incompatibilistas. Ver acção,

compatibilismo/incompatibilismo, dilema de Hume, responsabilidade e

vontade. APC

Page 119: Dicionario de Filosofia Escolar

Locke, John (1632-1704)

Filósofo empirista inglês. Defendeu, contra Descartes, a inexistência de

ideias inatas. Segundo Locke, a mente é como uma tábua rasa, possuindo

poderes de raciocínio, mas não quaisquer conteúdos inatos. Contudo, é

defensável que Locke não era realmente empirista, pois admite a existência

de dois tipos de experiência (a externa e a interna), e igualmente de três

tipos de conhecimento: intuitivo, que é directo e com o grau máximo de

certeza; demonstrativo, que é indirecto e dá origem ao conhecimento lógico e

matemático; e sensível, que diz respeito ao conhecimento da existência de

objectos exteriores. Baseando-se na diferença entre qualidades primárias e

secundárias das coisas, distinguiu o mundo tal como é em si do mundo tal

como é para nós. Para Locke, a abstracção era uma componente central do

conhecimento, que permitia a formação de ideias abstractas a partir de

impressões sensíveis concretas. A distinção entre essência nominal e real é

também central na sua teoria do conhecimento: assim, a essência real da

água, por exemplo, é a sua constituição intrínseca, ao passo que a sua

essência nominal são apenas as qualidades que atribuímos à água, mas que

não correspondem à sua natureza intrínseca. É no Ensaio sobre o

Entendimento Humano (1690) que Locke expõe estas ideias, entre outras.

Em ética, Locke defendeu uma versão da teoria dos mandamentos

divinos; em filosofia política, defendeu o valor da tolerância política e

religiosa, e a separação da igreja e do estado. As suas doutrinas da

legitimação da propriedade privada, da justificação da autoridade do estado e

da legitimidade da revolta contra o estado injusto são ainda hoje muitíssimo

discutidas, e são apresentadas no Segundo Tratado sobre o Governo (1689). As

suas ideias sobre a tolerância são apresentadas em Carta sobre a Tolerância

(1689). DM

Page 120: Dicionario de Filosofia Escolar

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 12 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Locke, John, Ensaio sobre o Entendimento Humano, 2 vols. (Lisboa: Gulbenkian,

1999).

Locke, John, Carta sobre a Tolerância (Lisboa: Edições 70, 1997).

Locke, John, Ensaio sobre a Verdadeira Origem, Extensão e Fim do Governo Civil

(Lisboa: Edições 70, 1999).

Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 6 (Lisboa, Presença, 1989).

lógica

O estudo da argumentação válida (ver validade/invalidade). A lógica formal

estuda a argumentação cuja validade depende exclusivamente da forma

lógica. A lógica informal estuda a argumentação cuja validade não depende

unicamente da forma lógica. A lógica foi fundada por Aristóteles, que pela

primeira vez usou a noção de forma lógica para distinguir os argumentos

válidos dos inválidos (ver lógica aristotélica). A lógica conheceu

relativamente poucos desenvolvimentos até Gottlob Frege e Bertrand Russell

terem revolucionado a disciplina. Hoje em dia há muitos sistemas diferentes

de lógica, que procuram resolver os problemas em aberto na disciplina. A

chamada "lógica clássica", de Frege e Russell, é encarada como a "lógica

canónica", e é essa que geralmente se começa por estudar.

Repare-se no seguinte argumento: 1) "Platão e Aristóteles eram

filósofos; logo, Platão era um filósofo". A lógica clássica (mas não a

aristotélica) permite explicar por que razão este argumento é válido. Dado

que a validade deste argumento depende inteiramente da sua forma lógica,

qualquer argumento que tenha a mesma forma lógica será igualmente válido.

Podemos ilustrar a forma lógica do argumento assim: "P e Q; logo, P" — sendo

"P" e "Q" símbolos que representam proposições. Assim, se "P" for a proposição

expressa pela frase "O aborto é um mal" e "Q" a proposição expressa pela frase

"Os animais têm direitos", obtemos o seguinte argumento válido: 2) "O aborto

é um mal e os animais têm direitos; logo, o aborto é um mal". A lógica

permite também compreender por que razão são inválidos os argumentos

inválidos; e permite compreender que alguns argumentos que parecem válidos

são de facto inválidos (as falácias). Repare-se no seguinte argumento: 3) "Tem

de haver uma só causa para todas as coisas porque todas as coisas têm uma

Page 121: Dicionario de Filosofia Escolar

causa". Este argumento parece válido, mas é inválido. A lógica explica por que

razão o argumento é inválido. Repare-se que o argumento seguinte é

obviamente inválido: 4) "Tem de haver uma mãe para todas as pessoas porque

todas as pessoas têm uma mãe". O argumento 4 tem a mesma forma lógica do

argumento 3. Mas porque o argumento 3 é mais abstracto, parece válido,

apesar de o não ser. Dado que os argumentos filosóficos são geralmente muito

abstractos, a lógica tem um papel crucial na filosofia: ajuda-nos a evitar erros

no pensamento filosófico.

A lógica clássica tem duas partes distintas: a lógica proposicional e a

lógica de predicados (também chamada "lógica quantificada"). Na lógica

proposicional (ver cálculo proposicional) estudam-se argumentos cuja

validade depende exclusivamente de certos aspectos da forma lógica

proposicional (argumentos como 1 e 2). Os aspectos da forma lógica

proposicional que contam na lógica proposicional clássica decorrem

inteiramente do uso de cinco tipos de operadores: a negação, a conjunção, a

disjunção, a condicional e a bicondicional (ver operador verofuncional).

Assim, os argumentos 1 e 2 são válidos porque ambos dependem

exclusivamente do operador de conjunção ("e").

Na lógica quantificada ou de predicados (ver cálculo de predicados)

estudam-se os argumentos que dependem exclusivamente da quantificação

(ver quantificador), como é o caso dos argumentos 3 e 4. A quantificação

ocorre quando se afirma ou nega que uma certa propriedade ou relação é

exemplificada um certo número de vezes. Por exemplo, afirmar que há

filósofos é dizer que a propriedade de ser filósofo é exemplificada por

algumas coisas (nomeadamente, pessoas); afirmar que não há lobisomens é

dizer que a propriedade de ser um lobisomem não é exemplificada por coisa

alguma. Há muitos tipos de quantificação, mas na lógica clássica estuda-se

apenas dois desses tipos: a universal e a existencial (ver quantificador

universal e quantificador existencial).

Há dois aspectos fundamentais em qualquer lógica: a sua linguagem e a

lógica propriamente dita. A linguagem lógica é uma forma de traduzir certos

aspectos relevantes da linguagem de todos os dias numa linguagem mais

transparente. O objectivo é destacar e explicitar com rigor os aspectos que se

quer estudar por serem relevantes para o tipo de argumento que se tem em

Page 122: Dicionario de Filosofia Escolar

vista. Assim, um argumento como "Se a vida não faz sentido, Deus não existe;

dado que a vida não faz mesmo sentido, Deus não existe" pode ser

formalizado do seguinte modo: ¬P → ¬Q, ¬P Q. A formalização, com os seus

símbolos estranhos (ver Apêndice: Símbolos lógicos), é um instrumento

crucial para se compreender com rigor a estrutura lógica do pensamento, o

que por sua vez é crucial para determinar a sua validade, o que por sua vez é

crucial para determinar a verdade das nossas conclusões.

Na lógica propriamente dita desenvolvem-se métodos para testar a

validade das formas lógicas que se exprimem por meio da linguagem lógica

(que por sua vez traduz a linguagem quotidiana). Entre esses métodos

contam-se os inspectores de circunstâncias e as derivações (ver derivação).

DM

Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Capítulos 4 e 5 (Lisboa: Plátano,

2003).

Newton-Smith, W. H., Lógica: Um curso introdutório, Capítulos 1, 2, 3 e 5 (Lisboa:

Gradiva, 1998).

Priest, Graham, Lógica (Lisboa: Temas e Debates, 2002).

lógica aristotélica

A lógica introduzida por Aristóteles (384-322 a.C.), e que foi posteriormente

sistematizada, na idade média. Foi a única lógica conhecida no ocidente até

ao advento da lógica clássica, já no séc. XIX. Trata-se de uma lógica que

trabalha unicamente com quatro formas lógicas: 1) universais afirmativas

("Todo o A é B"; exemplo: "Todo o homem é mortal"); 2) universais negativas

("Nenhum A é B"; exemplo: "Nenhum deus é mortal"); 3) particulares

afirmativas ("Alguns A são B"; exemplo: Alguns homens são baixos"); e 4)

particulares negativas ("Alguns A não são B"; exemplo: "Alguns homens não são

baixos"). A lógica aristotélica compreende duas partes: a teoria da conversão,

que estuda argumentos com uma única premissa (como "Alguns homens são

franceses; logo, alguns franceses são homens"), e a teoria do silogismo, que

estuda argumentos com duas premissas (como "Todas as aves têm penas; todos

os pardais são aves; logo, todos os pardais têm penas"). Aristóteles explicitou

as relações lógicas entre as quatro formas lógicas do seu sistema, distinguindo

a relação de consequência lógica (subalternidade ou implicação), a relação de

Page 123: Dicionario de Filosofia Escolar

contradição e a de contraditoriedade (ver quadrado de oposição). Apesar de

constituir um genial monumento intelectual, a lógica aristotélica é muito

restrita, carece de um fragmento proposicional (ver cálculo proposicional),

aplica-se unicamente a classes que não sejam vazias, a sua aplicação à

linguagem e pensamento correntes é limitadíssima e não estabelece regras de

inferência válida (as chamadas "regras do silogismo" não são realmente regras

de inferência, mas proibições ad hoc.). O seu interesse é hoje em dia

meramente histórico. DM

Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, cap. 6 (Lisboa: Plátano, 2003).

lógica clássica

A lógica fundada por Gottlob Frege, e também por Bertrand Russell e Alfred

North Whitehead (1861-1947), que abrange a lógica proposicional e de

predicados. Caracteriza-se por aceitar o princípio do terceiro excluído, o

princípio da não-contradição e a bivalência, operadores verofuncionais de

formação de frases e a exclusão de nomes sem denotação. Foi o primeiro

desenvolvimento revolucionário da lógica depois de 2400 anos de quase

estagnação. Ver operador verofuncional, lógica, lógica formal. DM

lógica formal

O estudo da argumentação válida que depende exclusivamente da forma

lógica. Por exemplo, a validade do seguinte argumento depende inteiramente

da sua forma lógica: "Alguns homens são mortais; logo, alguns mortais são

homens". A forma lógica deste argumento é a seguinte: Alguns A são B; logo,

alguns B são A. Não é difícil ver que qualquer argumento que tenha esta forma

lógica é válido. Não se deve pensar que só a lógica clássica é formal; a lógica

aristotélica é igualmente formal, apesar de em geral se usar menos símbolos.

Os argumentos cuja validade não depende inteiramente da sua forma lógica

são o objecto de estudo da lógica informal. Ver lógica. DM

lógica informal

O estudo da argumentação válida que não depende exclusivamente da forma

lógica. Por exemplo, os seguintes argumentos são válidos mas não dependem

exclusivamente da sua forma lógica: "Sócrates era casado; logo, não era

solteiro"; "Todos os corvos observados até hoje são pretos; a cor dos corvos

está geneticamente determinada; só poderia alterar-se em condições

Page 124: Dicionario de Filosofia Escolar

ambientais diferentes das geralmente escolhidas pelos corvos para viver;

logo, todos os corvos são negros". Os tipos mais estudados de argumentos

informais são as induções (generalizações e previsões), argumentos de

autoridade, argumentos por analogia e argumentos causais. Os estóicos

introduziram o estudo dos aspectos pragmáticos da argumentação,

anteriormente estudados na retórica, e que visam tornar os argumentos

sólidos racionalmente persuasivos. Ver lógica, argumento de autoridade,

indução. DM

logos

Termo grego que significa, entre outras coisas, "razão", "argumento",

"discurso". O termo foi introduzido na filosofia por Heraclito (cerca de 535-475

a. C.), para referir a ordem racional subjacente a toda a mudança. Opõe-se

muitas vezes o logos, o pensamento racional, ao mythos, o discurso dos mitos

tradicionais. Os filósofos gregos distinguiram-se por terem introduzido a ideia

de que tudo é susceptível de discussão racional, incluindo as tradições

religiosas e os mitos tradicionais a elas associados. DM

.: M :.maiêutica

Nome pelo qual a personagem Sócrates, no Teeteto de Platão, designa o seu

método de perguntas e respostas. O interesse da expressão está no facto de

pôr ênfase no lado positivo do processo, uma vez que se trata de partejar as

almas dos interlocutores de modo a que estes dêem à luz as ideias que de

forma não consciente já contêm em si e que pode, por isso, ser entendido

como um processo complementar da reminiscência. Nesse sentido, talvez

seja mais uma noção platónica do que socrática. AN

mal moral

O mal que resulta das más acções humanas. Por exemplo, assassínios, guerras,

etc. CT

mal natural

O mal que resulta da natureza. Por exemplo, cheias, terramotos, doenças,

etc. CT

Page 125: Dicionario de Filosofia Escolar

mal, problema do

Ver problema do mal.

mandamentos divinos, teoria dos

Ver teoria dos mandamentos divinos.

Maquiavel, Niccolò (1469-1527)

Filósofo italiano de enorme importância na história do pensamento político.

Foi considerado imoralista, adepto da ideia de que os fins justificam sempre

os meios. É falso. Maquiavel não rejeita pura e simplesmente a moral, não diz

que bem e mal são conceitos sem qualquer sentido. Separa a moral da

política. O bom homem de estado é o que alcança e mantém o poder e não

tem para tal de ser moralmente bom ou virtuoso. Seguir a moral pode ser uma

desgraça para o interesse público. Em nome deste pode permitir-se, quando

necessário, infracções à moral (mentiras, astúcias, crimes). A política não

pode subordinar-se à moral. Se o governante quiser ser virtuoso, que o seja na

sua vida privada. O realismo político de Maquiavel nega radicalmente a visão

medieval e cristã da política e a perspectiva platónica, o que se pode

confirmar pela leitura de O Príncipe (1532; trad. Europa-América, 1994), a

sua obra mais conhecida. LR

Marx, Karl (1818-1883)

Page 126: Dicionario de Filosofia Escolar

Filósofo alemão que apresenta uma interpretação materialista da história,

cujo objectivo é transformar a sociedade mediante uma actividade

revolucionária consciente das condições objectivas em que se exerce. A

economia é a chave da compreensão dos acontecimentos históricos. Mais do

que negar a importância das ideias, Marx nega que, só por si, elas possam

mudar a vida dos seres humanos. As ideias dominantes são sempre as da classe

economicamente dominante. Mas nenhuma classe domina para sempre e nem

sempre haverá luta de classes. A exploração e a alienação terminarão com o

advento da sociedade comunista, uma sociedade sem classes. No Manifesto

do Partido Comunista (1848; trad. 1999, Editorial Avante) e em A Ideologia

Alemã (1846; trad. 1980, Presença), Marx pretende ter apresentado uma visão

dialéctica, científica e não utópica da história: cada forma de organização

social desenvolve dentro de si própria as condições da sua inevitável negação.

LR

matéria

Aquilo, seja o que for, que tem existência física e ocupa espaço; que tem

forma, tamanho e se pode mover. Muitos filósofos sintetizam, dizendo que os

objectos materiais são substâncias que têm extensão (ver substância), mas os

cientistas têm levantado muitas dúvidas acerca da noção tradicional de

matéria. Algumas formas de idealismo negam a existência de objectos

materiais e algumas formas de materialismo defendem que só há objectos

materiais. AA

materialismo

teoria segundo a qual toda a realidade é de natureza material ou redutível

(ver reducionismo) a processos de natureza material e que, em geral, nega a

existência de estados mentais independentes desses processos. A doutrina foi

advogada pela primeira vez por Leucipo e Demócrito, filósofos gregos do séc.

V a. C., que viram naquilo a que chamaram átomos, juntamente com o

espaço, os constituintes de tudo o que existe. Os filósofos actuais, no

entanto, preferem falar de fisicalismo em vez de materialismo, uma vez que

a física moderna concebe a matéria como sendo composta de protões,

neutrões e electrões. O materialismo é ainda importante como uma possível

solução para o problema da mente-corpo. Ver epicurismo,

dualismo/monismo. AN

Page 127: Dicionario de Filosofia Escolar

máxima

Na ética deontológica de Kant, as máximas são os princípios que indicam o

que leva as pessoas a agir. Pode-se fazer a mesma coisa segundo máximas

diferentes, e para Kant o valor moral de um acto depende primariamente,

não daquilo que se faz, mas da máxima que está subjacente àquilo que se faz.

Um comerciante que não engana os clientes pode agir segundo a máxima

"Devemos ser honestos", sendo motivado pela honestidade, mas também pode

agir segundo a máxima "Não enganes os outros se não queres perder clientes",

sendo neste caso motivado pelo interesse pessoal. Kant afirma que só no

primeiro caso o acto do comerciante tem valor moral. Ver também dever,

imperativo categórico, vontade boa. PG

mecanicismo

Concepção da natureza, típica de filósofos e cientistas modernos, como

Galileu, Descartes e Newton, segundo a qual tudo o que acontece se pode

explicar à luz de forças físicas que provocam "puxões" e "empurrões". Tal como

qualquer máquina, a natureza é composta por inúmeras "peças" ligadas entre

si, cujo funcionamento regular e previsível pode ser reduzido a um conjunto

limitado de leis, as leis da mecânica. Por isso o mecanicismo é uma forma de

reducionismo. O mecanicismo surgiu como oposição às concepções

organicista e animista da natureza, herdadas de Aristóteles e dos teóricos

medievais. As descobertas do físico escocês James Maxwell (1831-79) acerca

da radiação electromagnética abalaram seriamente a concepção mecanicista

da natureza. AA

mediação

Ver imediatez/mediação.

metaética

Área da ética que, em vez de se ocupar de teorias normativas (ver

normativo/descritivo) relativas àquilo que devemos fazer ou ao tipo de

pessoa que devemos ser, investiga a própria natureza dessas teorias e da

moralidade em geral. Na metaética discute-se, por exemplo, até que ponto e

em que sentido a ética depende da razão ou da emoção. Outro problema

importante é o de saber por que motivo havemos de agir moralmente. Uma

questão central nesta área é a de saber se e como os juízos morais são

Page 128: Dicionario de Filosofia Escolar

objectivos (ver objectivo/subjectivo). Entre as teorias que procuram

esclarecer esta questão, contam-se o realismo moral, o subjectivismo moral,

o emotivismo, o relativismo moral e a teoria dos mandamentos divinos. Ver

Hare. PG

metafilosofia

Chama-se "metafilosofia" às teorias acerca da natureza da filosofia. Estas

teorias não tratam conceitos como, por exemplo, os de verdade, bem,

justiça, dever, beleza, ser, conhecimento, etc.; nem respondem a

problemas como, por exemplo, o de saber se todas as desigualdades são

injustas ou se existe um sentido da vida, etc.. Em metafilosofia examina-se a

natureza dos problemas filosóficos, como se devem estudar as teorias e os

argumentos da filosofia, ou que papel desempenha a interpretação de textos,

o conhecimento do contexto histórico ou o domínio da lógica no trabalho

filosófico. Por exemplo, quando se discute a utilidade, a historicidade ou a

universalidade da filosofia está-se em pleno campo metafilosófico. APC

metafísica

O estudo dos aspectos conceptuais mais gerais da estrutura da realidade. Por

exemplo: Serão todas as verdades relativas, ou haverá verdades absolutas? E o

que é a verdade? Ao longo do tempo um ser humano muda de personalidade,

fica fisicamente diferente, perde cabelo, etc. — como se pode então dizer

que é a mesma pessoa? Será que a vida faz sentido? Será que temos livre-

arbítrio? A ontologia é a disciplina da metafísica que estuda quais as

categorias de coisas que há. Por exemplo: Será que há números, ou são meras

construções humanas? Terão os universais, como a brancura, existência

independente dos particulares, isto é, das coisas brancas? Serão as

possibilidades não realizadas reais, ou meras fantasias? O que hoje em dia se

chama "lógica filosófica" abrange em grande parte os temas da metafísica

tradicional, introduzidos na obra Metafísica, de Aristóteles, designadamente o

problema da identidade e persistência de objectos ao longo do tempo. A

designação de "metafísica", contudo, não foi introduzida por Aristóteles, que

usava a expressão "filosofia primeira", muito corrente ainda no séc. XVII, mas

hoje pouco usada — o que é uma pena, pois não permite o trocadilho

informativo que consiste em dizer que a filosofia primeira estuda as questões

últimas. No sentido popular do termo, "metafísica" quer dizer algo totalmente

Page 129: Dicionario de Filosofia Escolar

diferente: o "estudo" de questões que transcendem a realidade material:

ocultismo, espiritismo, etc. Em filosofia, a metafísica não é nada disto.

A metafísica é uma das disciplinas centrais e mais gerais da filosofia;

muitas outras disciplinas abordam problemas metafísicos particulares. Por

exemplo: a filosofia da acção estuda, entre outras coisas, o problema

metafísico de saber o que é e como se individua uma acção (isto é, como se

distinguem as acções umas das outras); a filosofia da ciência estuda, entre

outras coisas, o problema ontológico de saber se as entidades inobserváveis

postuladas pelas ciências (como os quarks) têm existência real e

independente de nós, ou se são meras construções humanas.

Com o desenvolvimento da ciência moderna, a partir do séc. XVII, a

metafísica começou a sofrer ataques por não produzir resultados à

semelhança da ciência; afinal, era a ciência empírica, como a física, que

produzia conhecimento seguro sobre a natureza última das coisas, e não a

metafísica. Esses ataques começam com Kant. Posteriormente, algumas

escolas de filosofia, como o positivismo lógico, encaravam a metafísica como

coisa mítica do passado. Contudo, na filosofia contemporânea, a força dos

problemas metafísicos voltou a impor-se, e o seu estudo floresceu uma vez

mais. DM

Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia, Caps. 9 e 10 (Coimbra: Almedina, 2001).

Nagel, Thomas, Que Quer Dizer Tudo Isto?, Caps. 9 e 10 (Lisboa: Gradiva, 1995).

metáfora

Um recurso literário em que se usa uma ideia ou imagem para falar de outra

coisa que não essa ideia ou imagem. A alegoria da caverna de Platão, por

exemplo, é usada não para falar de cavernas e escravos, mas para falar de

alguns aspectos importantes do conhecimento e da atitude das pessoas

relativamente a ele. Assim, o interesse de uma metáfora não é a ideia ou

imagem usada, mas o que esse uso significa. DM

método científico

Conjunto de procedimentos usados pelos cientistas para obter um

conhecimento tão certo (ver certeza) e seguro quanto possível na sua área

de investigação. Até aos primeiros anos do séc. XX, uma concepção de método

baseada na indução e derivada das ideias de Francis Bacon (1561-1626) e de

Page 130: Dicionario de Filosofia Escolar

Galileu Galilei teve a preferência dos cientistas. A descoberta de que algumas

teorias científicas, consideradas verdadeiras com base nesse método eram,

na realidade, falsas, levou à formulação de metodologias alternativas, das

quais a mais importante e conhecida é o falsificacionismo de Karl Popper.

Outras tentativas de explicar a investigação científica, como a de Thomas

Kuhn, que, em vez de formular teorias normativas e racionalistas (ver

racionalismo) da ciência, procura descrever (ver normativo/descritivo) a

forma como progride, ou como a de Paul Feyerabend, ao defender a

inexistência do método científico e a ideia de que "qualquer coisa serve", têm

sido por muitos consideradas irracionalistas (ver irracionalismo). Ver

experiência, explicação científica, falsibicabilidade, filosofia da ciência,

generalização, incomensurabilidade, método experimental, método

hipotético-dedutivo, problema da indução, verificabilidade,

verificacionismo. AN

método experimental

O método experimental é o conjunto de procedimentos científicos que

incorporam sistematicamente a experimentação como forma de estabelecer a

verdade/falsidade de uma certa hipótese científica. A padronização dos

testes experimentais possibilita a sua repetição em quaisquer situações

análogas e permite uma confirmação independente dos resultados pela

comunidade científica, o que não acontece com os enunciados não científicos

e pseudocientíficos. Dada a importância da exactidão dos dados a utilizar, o

método experimental exige um aparato técnico progressivamente mais

sofisticado, com o qual se ampliam as limitadas capacidades naturais de

percepção humana. Embora exista uma concepção largamente difundida do

método experimental segundo a qual este consiste na sequência observação

— hipótese — experimentação — lei ou reformulação da hipótese, em filosofia

da ciência discute-se a correcção desta descrição. Ver Galileu,

falsificabilidade, corroboração, método científico e método hipotético-

dedutivo. APC

método hipotético-dedutivo

Trata-se de um método empregue na ciência para avaliar uma certa hipótese

acerca dos fenómenos em estudo. Neste método, formula-se uma dada

hipótese sob a forma de uma premissa com a forma lógica de uma afirmação

Page 131: Dicionario de Filosofia Escolar

condicional, que se submete a um teste que a confronta com os factos,

deduzindo-se então se é, ou não, uma hipótese correcta (ver dedução).

Imagine-se que um cientista, ao descobrir uma dada substância, formula a

seguinte hipótese: "Se esta substância é água, então entra em ebulição a 100º

centígrados". Em seguida, o cientista vai testar esta hipótese submetendo a

substância à temperatura de 100º centígrados. Se a substância não entrar em

ebulição àquela temperatura, o cientista deduz que não é água e que a

hipótese era falsa (ver verdade/falsidade). O seu raciocínio tem a forma

lógica de um modus tollens e pode ser formalizado da seguinte maneira:

Premissa da hipótese: Se esta substância é água, então entra em ebulição a

100º centígrados. Premissa do teste: Esta substância não entra em ebulição a

100º centígrados. Conclusão: Logo, esta substância não é água.

Pelo contrário, se a substância entrar em ebulição àquela temperatura, a

hipótese é corroborada (ver corroboração). Em filosofia da ciência é habitual

contrastar o método hipotético-dedutivo com o método indutivo (ver indução

e Mill), em que as leis são generalizações feitas com base na experiência de

um número significativo de fenómenos particulares. Ver falsificabilidade,

generalização, explicação científica, método científico e método

experimental. APC

milagres

Intervenções divinas que violam uma lei da natureza. Exemplos de milagres

são fenómenos como a levitação de santos, a transformação de água em

vinho, etc. Os milagres são por vezes usados como premissas de argumentos a

favor da existência de Deus: se os milagres são o resultado da intervenção

divina, então revelam a existência de Deus. Hume objectou à existência de

milagres, defendendo que é sempre mais provável que os relatos de milagres

sejam falsos do que tenham de facto acontecido as coisas extraordinárias que

relatam. Ver filosofia da religião. CT

Page 132: Dicionario de Filosofia Escolar

Mill, John Stuart (1806-1873)

Filósofo inglês, tornou-se o principal representante do empirismo no séc. XIX.

Mill defendeu que todo o conhecimento científico — até o matemático —

resulta de inferências indutivas realizadas a partir da experiência sensível

(ver indução), propôs um conjunto de métodos para avaliar tais inferências e

introduziu a concepção nomológico-dedutiva das explicações científicas (ver

explicação científica). Na ética, Mill destacou-se como defensor do

utilitarismo, tendo associado esta teoria a uma versão peculiar de

hedonismo, segundo a qual, mais do que a quantidade, interessa a qualidade

dos prazeres de que desfrutamos. Contra o hedonismo do seu predecessor,

Jeremy Bentham (1748-1832), sustentou que os prazeres mentais são

intrinsecamente superiores aos corporais, de tal modo que os primeiros são

preferíveis seja qual for a duração e intensidade dos segundos. Na filosofia

política, Mill advogou o liberalismo. Argumentou decisivamente a favor da

liberdade de pensamento e expressão, bem como da igualdade entre homens

e mulheres. Algumas das suas obras mais importantes são Utilitarismo (1861;

trad. 1976, Atlântida Editora), Sobre a Liberdade (1859; trad. 1997, Europa-

América). PG

mimêsis

Termo grego para "imitação". Segundo Platão e Aristóteles, trata-se de uma

noção central da estética. A ideia é que as artes imitam o mundo real. A

noção foi submetida a fortes críticas, a mais notória das quais foi a de Nelson

Goodman. DM

modus ponens

O nome da seguinte forma válida da lógica proposicional: "Se P, então Q; P;

logo, Q". Por exemplo: "Se a vida é sagrada, o aborto é um mal; a vida é

sagrada; logo, o aborto é um mal". Trata-se de uma das formas lógicas mais

Page 133: Dicionario de Filosofia Escolar

usadas na argumentação corrente; é tão usada, que muitas vezes se omite a

segunda premissa e a própria conclusão, afirmando-se apenas a primeira

premissa. DM

modus tollens

O nome da seguinte forma válida da lógica proposicional: "Se P, então Q; não

Q; logo, não P". Por exemplo: "Se Deus existe, o mal não existe; mas o mal

existe; logo, Deus não existe". Trata-se de uma das formas lógicas mais usadas

na argumentação corrente; é tão usada, que muitas vezes se omite a segunda

premissa e a própria conclusão, afirmando-se apenas a primeira premissa. DM

mónada

Termo popularizado por Gottfried Wilhelm Leibniz na obra Princípios de

Filosofia Ou Monadologia (trad. 1987, INCM) para designar as substâncias

básicas individuais (ver substância) que constituem o universo. As mónadas

são entidades únicas, indestrutíveis, imateriais, sem extensão nem partes,

semelhantes a almas, e dotadas de percepção (representação das coisas) e

de apetição (tendência para ter sucessivas percepções). As mónadas diferem

pelo grau de percepção de que são capazes e, embora não tenham quaisquer

relações entre si, estão perfeitamente sincronizadas umas com as outras por

intermédio de uma harmonia pré-estabelecida. Os objectos do mundo

material são colecções de mónadas. AN

moral

O mesmo que ética. Contudo, usa-se por vezes o termo "moral" não como

sinónimo de ética mas para referir os costumes de um povo,

independentemente de serem relevantes ou não para a ética, costumes esses

enraizados em determinadas tradições, muitas vezes de carácter religioso.

Assim, uma pessoa pode considerar que é imoral trabalhar ao Sábado, não no

sentido filosófico de ser eticamente condenável, mas apenas no sentido de ser

proibido pela sua tradição religiosa. Do ponto de vista ético, trabalhar ou não

trabalhar ao Sábado poderão ser escolhas igualmente legítimas. É neste

sentido que se distingue um moralista de um eticista. Um moralista é alguém

que defende ou condena certos costumes com base em tradições religiosas ou

culturais; um eticista é um especialista em ética, que defende ou condena

certas práticas com base numa argumentação filosófica. DM

Page 134: Dicionario de Filosofia Escolar

mundo exterior

O mundo que percepcionamos através dos sentidos, do qual também fazemos

parte e no qual agimos no nosso dia-a-dia. Diz-se "exterior" para o distinguir

de conteúdos mentais, como pensamentos, ideias, desejos, crenças, etc., de

que temos experiência directa e que, portanto, constituem o nosso mundo

interior ou mental. Saber se temos ou não acesso directo ao mundo exterior,

ou até se existe algo a que possamos chamar mundo exterior, é alvo de

disputa entre os partidários do realismo e do idealismo. AA

mundo sensível

O mundo da maneira como é percepcionado pelos nossos sentidos. Platão

considerava que esse era um mundo de falsas imagens e ilusões, contrapondo-

o ao "mundo inteligível", apenas acessível à razão e onde podemos encontrar

a verdade. Ver também alegoria da caverna. AA

mutatis mutandis

Expressão latina que significa "fazendo as mudanças necessárias". Por

exemplo, pode-se dizer que as críticas de Sócrates à sociedade superficial e

acrítica do seu tempo se podem fazer à sociedade de hoje, mutatis mutandis.

DM

.: N :.não-contradição, princípio da

Chama-se "princípio da não-contradição" à ideia de que duas afirmações

contraditórias não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Por

exemplo: dado que as afirmações "Sócrates é alto" e "Sócrates não é alto" são

contraditórias, o princípio declara que não podem ser ambas verdadeiras nem

ambas falsas. Quando uma lógica aceita o princípio da não-contradição

significa que qualquer afirmação com a forma "P e não P" será uma falsidade

lógica. Algumas lógicas modernas recusam este princípio, como é o caso da

lógica paraconsistente. Não se deve confundir a não-contradição com o

princípio da bivalência: este último é a ideia de que só há dois valores de

verdade e que todas as proposições têm um dos dois, e só um dos dois. Não se

deve também pensar que a não-contradição é de alguma maneira um axioma

Page 135: Dicionario de Filosofia Escolar

da lógica clássica; na verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não

um ponto de partida. Aristóteles defende o princípio na sua obra Metafísica (Γ

4). Note-se que a redução ao absurdo só é válida caso se aceite o princípio

da não-contradição. DM

necessário/contingente

Diz-se que uma verdade é necessária se não podia ter sido falsa. Ou seja,

sejam quais forem as circunstâncias, é verdadeira. Por exemplo, sejam quais

forem as circunstâncias, dois mais dois são quatro. Diz-se que uma verdade é

contingente quando é verdadeira mas poderia ter sido falsa. Por exemplo, é

verdade que Aristóteles foi um filósofo, mas isto poderia ter sido falso. Se

Aristóteles, por exemplo, se tivesse dedicado exclusivamente à agricultura,

não teria sido um filósofo. Há filósofos que rejeitam esta distinção. Não se

deve confundir o necessário/contingente com o analítico/sintético, nem com

o a priori / a posteriori. CT

negação (¬)

Uma proposição da forma "não P", que é verdadeira se P for falsa e vice-versa.

Por exemplo: "A vida não tem sentido" é a negação de "A vida tem sentido". A

negação é por vezes enganadora. Intuitivamente, a negação de "Todas as

verdades são relativas" é "Nenhuma verdade é relativa"; mas isto é falso. A

negação correcta é "Algumas verdades não são relativas". DM

negação da antecedente, falácia

Ver falácia da negação da antecedente.

neopositivismo

Ver positivismo lógico.

Nietzsche, Friedrich (1844–1900)

Page 136: Dicionario de Filosofia Escolar

O pensamento deste filósofo alemão é uma radical crítica à cultura ocidental,

segundo Nietzsche envenenada por uma atitude antinatural que desvaloriza o

mundo sensível (o mundo do devir), tudo o que é corpóreo e sobrevaloriza a

razão. Sócrates e Platão são os criadores desta perspectiva, mas é a moral

cristã que sofre as mais violentas críticas porque a desenvolveu e popularizou,

como procura mostrar em Para a Genealogia da Moral (1887). A moral cristã

transformou em dever o desprezo pelo que é terreno. O fundamento da

mensagem religiosa e moral que, em nome de um paraíso artificial,

transforma a vida num inferno é Deus. Um tal Deus é incrível. A "morte de

Deus" significa que a fé em Deus morreu, como anuncia em O Anticristo

(1888). Nietzsche pensa que a "morte de Deus" é uma "Boa Nova" porque

permitirá libertar a vida de uma negação doentia. Sobre a vida humana já não

pesa o fardo do Além nem a ameaça do Juízo Final. Contudo, se encaminhar a

vida para Deus era um grandioso desperdício, será um mesquinho desperdício

não criar novos valores. O não a Deus deve ser acompanhado pelo sim à vida,

o não ao céu pelo sim à terra. Para vencer o niilismo que desde Sócrates

intoxicou a cultura ocidental devemos colocar esta vida acima de qualquer

negação, preferi-la a todo e qualquer outro valor. É por isso que, ao contrário

do que às vezes se diz, Nietzsche não é niilista. Opõe-se aos valores criados

pela moral cristã e pela cultura ocidental, na medida em que, eles sim,

reduzem a nada (nihil) o valor deste mundo. Encobriu-se esse niilismo com

expressões como "reino de Deus", "vida eterna" e "o outro mundo", com a

finalidade de negar o mundo terreno, passando a ideia de que, em si, nada é.

A "sagração da vida", do mundo do devir, um "sim sem reservas" e para sempre

ao único mundo real, eis o que definirá o novo modelo de Homem, tão

exigente e difícil de conseguir como o sim à vida em todos os seus aspectos.

Por isso, Nietzsche dar-lhe-á o nome de Super-homem.

Há também quem considere Nietzsche imoralista, como parece patente

no próprio título de Para Além do Bem e do Mal (1886). Mas isso só é correcto

se por tal se entender que pretende destruir a moral cristã, a moral do não à

vida. O seu objectivo é libertar a vida da moral cristã substituindo-a por uma

moral que celebre a vida na sua totalidade, mesmo nos seus aspectos

chocantes e dolorosos. Nietzsche recusou-se escrever no estilo dos filósofos

tradicionais, exprimindo-se através de afirmações contundentes e aforísticas.

Page 137: Dicionario de Filosofia Escolar

A sua escrita é bastante metafórica e com um recorte literário evidente,

como se verifica em Assim Falava Zaratustra (1883-91), a sua obra mais

aclamada. LR

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulo19, (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 11 (Lisboa: Presença, 1989).

Nietzsche, Friedrich, Assim Falava Zaratustra (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).

Nietzsche, Friedrich, O Anticristo; Ecce Homo; Nietzsche Contra Wagner (Lisboa:

Relógio d'Água, 2000).

Nietzsche, Friedrich, Para a Genealogia da Moral (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).

Nietzsche, Friedrich, Para Além do Bem e do Mal (Lisboa: Relógio d'Água, 1999).

Reale, Giovanni e Antiseri, Dário, História da Filosofia, volume 3 (São Paulo: Edições

Paulinas,1990).

Vattimo, Gianni, Introdução a Nietzsche (Lisboa: Presença, 1990).

niilismo (do latim "nihil", que significa "nada")

Designa a convicção de que a existência e a vida não têm sentido ou

finalidade. O niilista nega que haja princípios morais aceitáveis. Associa-se o

termo a uma concepção radicalmente pessimista que considera a vida um erro

e propõe a negação da vontade de viver. A noção de niilismo desempenha um

papel importante na filosofia de Nietzsche. O problema central do seu

pensamento é como ultrapassar o niilismo. Considera-o uma interpretação da

existência que negou os valores autênticos e a vontade de viver esta vida por

si mesma. Tal interpretação começou, segundo Nietzsche, com Platão e

Sócrates e foi popularizada e reforçada pelo Cristianismo. A célebre

declaração "Deus morreu" é a consequência lógica do desenvolvimento da

metafísica e da moral ocidentais que tornaram Deus indigno de crença. A

morte de Deus torna claro para quem a sabe interpretar que os valores

tradicionais nada valiam e exige a criação de valores que consagrem o que em

seu nome se negou: esta vida e este mundo. LR

noesis

Termo grego usado por Platão para referir o mais elevado tipo de

conhecimento. DM

non sequitur

Page 138: Dicionario de Filosofia Escolar

Expressão latina que significa literalmente "não se segue". Diz-se dos

argumentos (falaciosos) em que a conclusão não se segue das premissas. Ver

falácia. AA

normativo/descritivo

Uma oposição quando à maneira como se faz a correspondência entre as

afirmações e a realidade (o que os filósofos chamam "o sentido da

correspondência"). Numa afirmação normativa pretende-se fazer corresponder

a realidade à afirmação; numa afirmação descritiva pretende-se fazer

corresponder a afirmação à realidade. Por exemplo: "Não devemos maltratar

os animais" é uma afirmação normativa, pois pretende que aconteça na

realidade o que se afirma; e "A Terra é redonda" é uma afirmação descritiva,

pois pretende que a afirmação represente a realidade. Alguns filósofos

defendem, contudo, que esta distinção é superficial e enganadora. Por

exemplo, diz-se por vezes que a ética e a lógica são disciplinas normativas;

mas é perfeitamente possível defender que são disciplinas que procuram

descrever o que o bem e a validade realmente são e não o que as pessoas

pensam que são — e, neste caso, são disciplinas descritivas como a história ou

a física. Ver juízo de facto / juízo de valor. DM

nous

Termo grego para "mente". O termo foi usado por Platão e outros filósofos

anteriores a Aristóteles, mas foi este último que lhe deu um significado mais

sistemático, muito semelhante ao que hoje entendemos por "espírito",

"mente" ou a res cogitans de Descartes: a parte cognitiva do ser humano. DM

númeno

Conceito utilizado por Kant para designar qualquer realidade que não possa

ser objecto da nossa experiência (intuição sensível). Como o conhecimento

humano não se estende além da experiência, o númeno é inacessível (por

exemplo, Deus). Opõe-se ao fenómeno porque este está ao alcance da

intuição sensível e do conhecimento científico. Como os limites do nosso

conhecimento não têm de ser os limites da realidade, podemos pensar que,

apesar de incognoscível, o númeno existe. O númeno é o que pode ser

pensado como existente em si. O fenómeno existe como algo que pode ser

conhecido. LR

Page 139: Dicionario de Filosofia Escolar

.: O :.objectivismo estético

Doutrina acerca da justificação dos juízos estéticos, de acordo com a qual

juízos como "x é belo" dependem da existência de certas características em x.

Há, assim, características objectivas em virtude das quais as coisas belas são

belas. Esta doutrina opõe-se ao subjectivismo estético, dado que, na opinião

do objectivista, o belo não é subjectivo nem depende dos gostos das pessoas.

O que conta não são os sentimentos que temos quando apreciamos os

objectos, mas o que faz parte integrante dos próprios objectos. O filósofo

americano Monroe Beardsley (1915-85) é um dos representantes

contemporâneos do objectivismo estético. AA

objectivismo/subjectivismo

Distinção fundamental acerca da natureza das afirmações da metafísica, mas

também da epistemologia, da ética e da estética. O objectivismo defende

que as verdades de alguma ou algumas áreas do conhecimento são

independentes do nosso conhecimento ou experiência delas. Assim, por

exemplo, o objectivismo em ética é a ideia de que o valor de verdade dos

juízos éticos, como "Não se deve torturar pessoas inocentes", é independente

do que possamos pensar desse juízo, ou das perspectivas de cada sujeito. Em

oposição a isso, os subjectivistas defendem que o valor de verdade dos juízos

éticos, estéticos, metafísicos ou epistemológicos depende fortemente da

perspectiva que cada sujeito tem da "realidade". O subjectivismo estético,

por exemplo, defende que não se pode dizer que a Nona Sinfonia de

Beethoven é bela ou não: a beleza está nos olhos do observador. Note-se que

é possível defender o subjectivismo ético, por exemplo, e ao mesmo tempo

rejeitar o subjectivismo metafísico, sem qualquer contradição. AA

objectivo/subjectivo

Distinção entre o que é independente do sujeito e o que depende apenas do

sujeito (sentimentos, pensamentos, crenças, desejos, etc.). Ver

objectivismo/subjectivismo e qulidades primárias e secundárias. AA

obra de arte

Page 140: Dicionario de Filosofia Escolar

Saber quais são os objectos que podem ser classificados como obras de arte é

um dos principais problemas da filosofia da arte: o problema da definição de

arte. Alguns filósofos pensam que há propriedades essenciais (ver definição

essencialista) às obras de arte, que permitem classificá-las como tal,

divergindo entre si quanto à identificação de tais propriedades. Outros

pensam que existem propriedades necessárias e suficientes (ver condição

necessária e suficiente), mas não essenciais, sendo antes de carácter

contextual e institucional. Outros ainda, afirmam não ser possível identificar

um conjunto de propriedades fixas, comuns a todas as obras de arte. Deve

salientar-se que não são apenas objectos físicos, como quadros e esculturas,

que contam como obras de arte. Uma canção, uma interpretação teatral ou o

conjunto de movimentos que constituem uma peça de dança também podem

ser obras de arte. Ver também definição explícita e parecença familiar. AA

observação

Quando é espontânea consiste em pouco mais do que ter experiências (ver

experiência) ou sensações casuais e tem pouco interesse científico. A

observação sistemática, pelo contrário, permite produzir e testar teorias e,

por isso, é de grande importância para as ciências empíricas. A observação

científica realiza-se em condições controladas, procura responder a questões

previamente estabelecidas e exige a recolha, o exame e o registo sistemáticos

e objectivos (ver objectivo/subjectivo) dos dados observados. O termo é

também frequentemente usado para designar uma das fases do método

experimental. Ver experiência científica, verificabilidade. AN

Ockham, William of (1285-1347)

Também conhecido por Guilherme de Ockham. Filósofo e teólogo franciscano

inglês, Ockham fez contribuições importantes para diversas áreas da filosofia

como a lógica, a metafísica, a teoria do conhecimento, a ética e a filosofia

Page 141: Dicionario de Filosofia Escolar

política. É, no entanto, conhecido sobretudo pela sua defesa do nominalismo,

o ponto de vista segundo o qual os universais (ver universal) não são coisas

reais, mas apenas nomes ou conceitos (ver conceito); e pelo princípio

metodológico conhecido como "navalha de Ockham" ou princípio da

parcimónia ("as entidades não devem ser multiplicadas para além do

necessário"), que recomenda a simplicidade como critério na construção de

teorias (ver teoria). A polémica em que se envolveu com o Papa João XXII

sobre a "pobreza apostólica" conduziu, em 1328, à sua excomunhão e fuga

para Pisa e depois para Munique, cidade onde, sob a protecção de Luís da

Baviera, passou o resto dos seus dias e onde escreveu sobretudo defendendo a

separação entre a Igreja e o Estado. AN

ontologia

Disciplina da metafísica que estuda quais as categorias de coisas que há. Por

exemplo: Será que há números, ou são meras construções humanas? Terão os

universais, como a brancura, existência independente dos particulares, isto é,

das coisas brancas? Serão as possibilidades não realizadas reais, ou meras

fantasias? Por que razão há coisas e não nada? Por vezes, usa-se erradamente

o temo "ontologia" para falar de metafísica, isto é, para falar do estudo da

natureza última das coisas. DM

operador verofuncional

Um operador verofuncional é uma conectiva proposicional (por exemplo, a

conjunção "e" ou o advérbio "não") que se combina com uma ou mais frases

para originar outra, mais complexa. Por exemplo, as frases "Cavaco Silva quer

ser Presidente" e "Santana Lopes quer ser Presidente" podem combinar-se por

meio da conectiva "e" para formar a frase complexa "Cavaco Silva quer ser

Presidente e Santana Lopes quer ser Presidente". Quando temos um operador

verofuncional, o valor de verdade da frase mais complexa é determinado

apenas pelos valores de verdade das frases que a compõem; diz-se então que

esse valor de verdade é uma função dos valores de verdade das frases

componentes — daí a designação "verofuncional". Defende-se usualmente que

conectivas como "e" e "ou" são verofuncionais (do mesmo modo que as suas

traduções " " e " " do cálculo proposicional). Com efeito, é razoável defender

que frases da forma [A e B] são verdadeiras se quer A quer B forem

verdadeiras e são falsas se pelo menos uma delas for falsa; e frases da forma

Page 142: Dicionario de Filosofia Escolar

[A ou B] são falsas se quer A quer B forem falsas, e verdadeiras se pelo menos

uma delas for verdadeira. Pelo contrário, operadores como o de crença

("acredita que") não são verofuncionais: o valor de verdade da frase "o João

acredita que Paulo Portas é culpado" não depende, de nenhum modo, do da

frase "Paulo Portas é culpado". O modo como cada operador verofuncional

determina o valor de verdade das frases em que ocorre é representado numa

tabela de verdade. PS

opinião

A expressão de uma crença. Uma distinção fundamental em epistemologia,

introduzida por Platão, é a distinção entre crença (ou opinião) e

conhecimento. Podemos achar que vamos almoçar fora, e acabarmos por não

ir. Mas se soubermos que vamos almoçar fora (se isso for verdadeiramente

conhecimento), então vamos mesmo almoçar fora. Isto significa que o

conhecimento, mas não a crença, é factivo; isto é, podemos acreditar em

coisas falsas, mas não podemos saber coisas falsas. Por outras palavras,

podemos acreditar em falsidades, mas não podemos saber falsidades. CT

oposição, quadrado de

Ver quadrado de oposição.

organon

Termo grego para "instrumento". Aristóteles usou o termo para designar um

conjunto de obras que tratam de lógica, formal e informal, que ele

considerava um instrumento da filosofia e do conhecimento em geral. DM

ousia

Termo grego para "substância" ou, literalmente, "ser". Aristóteles usava o

termo para referir a primeira das suas categorias. O ser ou a substância de

uma coisa é o que subjaz a todas as mudanças que uma coisa sofre ao longo

do tempo. DM

.: P :.padrão de gosto

Diz-se daquilo que tem agradado, de um modo geral, às pessoas de diferentes

épocas e lugares e que serve de critério para justificar os nossos juízos de

Page 143: Dicionario de Filosofia Escolar

gosto. Para Hume o padrão de gosto é algo que pode ser empiricamente

observado. Como subjectivista, Hume defende que os juízos estéticos são

juízos de gosto. Mas defende também que daí não se segue que os gostos são

todos iguais. Os gostos discutem-se na medida em que existe um critério geral

de justificação: o padrão de gosto. O padrão de gosto surge da nossa

disposição para reagir com agrado ou desagrado a certas características dos

objectos. É por isso que, para qualquer pessoa informada e com um gosto

refinado, isto é, conhecedora do padrão de gosto, se torna disparatado

afirmar que a música do Quim Barreiros é melhor do que a de Beethoven. Ver

também subjectivismo estético e teoria do gosto. AA

panteísmo

A concepção de Deus, segundo a qual todas as coisas que existem são partes

ou manifestações de uma única realidade divina. Assim, Deus e o mundo são

uma e a mesma coisa, pelo que Deus é imanente e não transcendente. A

ideia de um Deus criador e providencial é afastada pelo panteísta, pelo que

este se afasta, simultaneamente, das concepções monoteístas e politeístas;

distingue-se também do teísmo, do deísmo e do ateísmo, embora alguns

filósofos teístas o considerem uma forma disfarçada de ateísmo. O panteísmo

costuma ser associado aos estóicos (ver estoicismo), mas os seus mais

destacados defensores foram Espinosa (1632-77) e Hegel. AA

paradigma

1. Um modelo de algo.

2. Em filosofia da ciência é uma noção introduzida por Thomas Kuhn e

que desempenha um papel central na maneira como esse filósofo caracteriza

a actividade científica. O termo nem sempre é usado por Kuhn da mesma

maneira. Mas há dois sentidos principais e complementares: por um lado

refere a teia de crenças, valores, processos, técnicas e instrumentos

partilhados pelos membros da mesma comunidade científica; por outro,

designa um tipo de resultado particular que se torna exemplar e, por isso, se

constitui como modelo na base do qual os cientistas acabam por trabalhar. A

"Astronomia Ptolomaica" e a "Astronomia Copernicana" constituem diferentes

paradigmas, assim como a "Óptica Corpuscular" e a "Óptica Ondulatória". AA

paradoxo

Page 144: Dicionario de Filosofia Escolar

1. Estamos perante um paradoxo quando um argumento aparentemente sólido

conduz a uma afirmação aparentemente falsa ou contraditória. Porque a

afirmação é falsa ou contraditória, somos levados a recusá-la; mas, por outro

lado, não é fácil ver como se pode fazê-lo, dado que há um argumento

aparentemente sólido a seu favor. Por exemplo, a afirmação "Esta afirmação é

falsa" é paradoxal porque se for verdadeira, é falsa, e se for falsa, é

verdadeira. Mas isto colide com a ideia de que não pode haver frases

declarativas com valor assertivo que não sejam verdadeiras nem falsas. Nem

sempre é fácil ver que argumento é colocado em causa por um paradoxo.

Resolve-se um paradoxo mostrando que o argumento em que se baseia não é

sólido: porque é inválido ou porque depende de premissas falsas. Muitas

vezes, a descoberta das premissas falsas envolvidas num paradoxo está na

origem de descobertas fundamentais na área teórica em causa. Mais

raramente, resolve-se um paradoxo afirmando que a conclusão que parecia

falsa ou contraditória não o é. Não se deve confundir paradoxo com falácia.

2. Em termos populares, chama-se paradoxo apenas a qualquer

afirmação contraditória. DM

parcimónia, princípio da

Também conhecido como navalha de Ockham, em referência ao filósofo

nominalista medieval Guilherme de Ockham (c. 1285-1349), este princípio

afirma que não devemos postular a existência de entidades sem necessidade.

É comum usar este princípio para decidir entre duas teorias concorrentes. Por

exemplo, se uma teoria explicar o movimento dos átomos através de forças de

atracção e repulsão e outra apelar a essas mesmas forças mais um diabo

responsável pela deslocação desses átomos, então a primeira teoria é melhor.

CT

parecença familiar

Certas coisas exemplificam um mesmo conceito, porque partilham certas

características, apesar de estas poderem ser diferentes de caso para caso.

São tais semelhanças que permitem estabelecer uma relação de familiaridade

entre coisas que podem até ser muito diferentes entre si. Tal como um filho

pode ter os olhos parecidos com os da mãe, o nariz com o do avô e a boca

com a do bisavô, mas não haver qualquer característica comum a todos. Esta

Page 145: Dicionario de Filosofia Escolar

ideia deve-se a Wittgenstein, que deu o exemplo do conceito de jogo, e é

utilizada na filosofia da arte pelo filósofo Morris Weitz (1916-87). Segundo

Weitz, o conceito de arte não pode ser definido, embora possamos reconhecer

como arte obras completamente inovadoras, o que acontece devido a haver

parecenças familiares entre estas e alguma das obras anteriores. AA

particular

Em metafísica, um particular é aquilo que é único e irrepetível, como Jorge

Sampaio, Coimbra e a minha bicicleta. Os particulares distinguem-se dos

universais, como a brancura, a circularidade e a sabedoria, que são

propriedades exemplificadas por particulares numericamente distintos, isto é,

por várias coisas. AA

Pascal, aposta de

Ver aposta de Pascal.

pensamento caprichoso

Falácia com a seguinte forma: "Era bom que fosse verdade que P; logo, P". Por

exemplo: era bom que me saísse a lotaria; logo, vai-me sair a lotaria. Se em

contextos práticos a falácia é imediatamente visível, em contextos filosóficos

é menos evidente: "Se Deus não existisse, a vida não faria sentido; mas seria

horrível que a vida não fizesse sentido; logo, Deus existe". DM

per accidens

Expressão latina: "por acidente". Usa-se sobretudo na lógica aristotélica para

referir os seguintes padrões de inferência, a que se chamam "conversão per

accidens": "Todo o A é B; logo, algum B é A"; e "Nenhum A é B; logo, algum B

não é A". As duas inferências só são válidas pressupondo que há objectos da

classe A. DM

per se

Expressão latina que significa "por si mesmo". Alguns teólogos afirmam que

Deus existe per se. AA

percepção

A percepção é o modo como tomamos consciência dos objectos, em especial

daquilo que nos é dado pelos sentidos. A pergunta que muitos filósofos

colocam acerca da percepção é a seguinte: será que o facto de

Page 146: Dicionario de Filosofia Escolar

percepcionarmos objectos é suficiente para justificar a existência desses

objectos fora da nossa consciência? A distinção entre aparência e realidade

parece indicar que há diferença entre aquilo que as coisas são e a maneira

como tomamos consciência delas, isto é, a maneira como as percepcionamos.

O modo como funciona a percepção dá lugar a grandes disputas filosóficas e é

um tema central nas discussões acerca da natureza do conhecimento. Há três

grandes teorias da percepção, com diferentes implicações em termos

epistemológicos: o realismo directo, o realismo representativo e o idealismo.

Ver também realismo crítico e realismo ingénuo. AA

pergunta complexa, falácia da

Ver falácia da pergunta complexa.

petição de princípio

Ver falácia da circularidade.

petitio principii

Expressão latina: petição de princípio. Ver falácia da circularidade.

phronêsis

Termo grego que refere a prudência, isto é, o conhecimento prático e moral.

Aristóteles usou o termo para referir o tipo de raciocínio recto em matérias

éticas que é de esperar de uma pessoa virtuosa. DM

physis

Termo grego que significa "natureza física" e também "ordem natural". Na

Antiguidade Grega opunha-se a physis ao nomos (leis ou costumes humanos) e

debatia-se se as leis humanas (nomeadamente éticas e políticas) estavam

inscritas na natureza das coisas, ou se eram meras convenções. Ver

relativismo e ética. DM

Platão (427-347 a. C.)

Page 147: Dicionario de Filosofia Escolar

Filósofo grego que, juntamente com Sócrates, seu mestre, e Aristóteles, seu

discípulo, é uma das figuras mais importantes da filosofia ocidental. Nasceu

em Atenas, numa família aristocrática, e, como era comum na época e nos

jovens da sua classe, ter-se-ia dedicado à política activa não o tivesse dela

afastado, primeiro, o governo dos Trinta Tiranos e, depois, a execução de

Sócrates, em 399. Apesar disso, fez várias viagens à Sicília com o objectivo de

influenciar Dionísio II, tirano de Siracusa, e a sua filosofia está profundamente

marcada por preocupações de carácter ético (ver ética) e político (ver

filosofia política). Fundou em Atenas, em 387, uma escola dedicada ao ensino

e à investigação, chamada Academia, onde ensinou até ao final da sua vida.

Com excepção da Apologia de Sócrates (trad. 1993, INCM), todas as outras

obras que escreveu são diálogos, que é comum distribuir por três períodos:

juventude, maturidade e velhice. As obras do primeiro período tratam de

conceitos morais específicos, como a piedade (Êutifron) ou a coragem

(Laques) e nelas Sócrates é a figura central; as obras de maturidade expõem

as suas principais teorias (teoria das ideias, da imortalidade e transmigração

das almas); e nas obras de velhice, critica e revê algumas das teorias dos

diálogos de maturidade. Defendeu que aquilo que várias acções justas têm em

comum é o facto de participarem da ideia ou Forma de justiça. As Ideias são

eternas e imutáveis, ao passo que as coisas sensíveis, que delas participam,

são perecíveis e mutáveis. Existe uma hierarquia do ser, desde as imagens,

artefactos (ver artefacto) e seres vivos, que constituem o mundo sensível e

que são objecto de opinião, até às entidades matemáticas e às Ideias (de que

a suprema é a Ideia incondicionada de Bem), que constituem o mundo

inteligível e cujo conhecimento consiste na recordação (ver reminiscência)

daquilo que a alma imortal contemplou aquando da sua existência separada

do corpo. A justiça consiste em cada um desempenhar na cidade a função

para a qual a sua natureza é mais adequada e a sociedade justa é aquela em

que os cidadãos estão distribuídos por três classes, de acordo com a sua

natureza: guardiões, que têm a seu cargo o governo; guerreiros, que

protegem a cidade dos inimigos; e artesãos, a que pertencem a generalidade

dos habitantes. As contribuições de Platão para vários domínios da filosofia

são tão importantes que houve quem afirmasse que toda a filosofia posterior

Page 148: Dicionario de Filosofia Escolar

é apenas uma nota de rodapé à sua obra. Ver alegoria da caverna, dialéctica,

inteligível, universais. AN

Hare, R. M., O Pensamento de Platão, (Lisboa: Presença, 1998).

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 3 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Koyré, Alexandre, Introdução à Leitura de Platão, (Lisboa: Presença, 18987).

Koyré, Alexandre, Galileu e Platão (Lisboa: Gradiva, 1986).

Magee, Brian, Os Grandes Filósofos, cap. 1 (Lisboa: Presença, 1989).

Platão, Êutifron, Apologia de Sócrates, Críton (Lisboa: INCM, 1993).

Platão, Laques, (Lisboa: Edições 70, 1989).

Platão, Hípias Maior (Lisboa: Ed. 70, 2000).

Platão, Hípias Menor (Coimbra: INIC, 1990).

Platão, Cármides (Coimbra: INIC, 1988).

Platão, Lísis (Coimbra: INIC, 1990).

Platão, Íon (Lisboa: Editorial Inquérito, 1988).

Platão, Protágoras (Lisboa: Relógio D'Água, 1999).

Platão, Górgias (Lisboa: Edições 70, 1997).

Platão, Ménon, (Lisboa: Colibri, 1992).

Platão, Fédon (Coimbra: Minerva, 1998).

Platão, Crátilo, (Lisboa: Sá da Costa Ed., 1994).

Platão, Fedro, (Lisboa: Edições 70, 1997).

Platão, O Banquete, (Lisboa: Edições 70, 1991).

Platão, A República (Lisboa: Gulbenkian, 2001).

Platão, Parménides, (Lisboa: Instituto Piaget, 2001).

política, filosofia

Ver filosofia política.

Page 149: Dicionario de Filosofia Escolar

Popper, Karl (1902-1994)

Filósofo da ciência britânico (nascido na Áustria) cuja obra teve um grande

impacto não só entre os filósofos, mas também entre os próprios cientistas.

Em Viena partilhou com os fundadores do positivismo lógico um interesse

profundo pelo conhecimento científico. O avanço do nazismo levou-o a

emigrar para a Nova Zelândia e, mais tarde, para Inglaterra. A filosofia da

ciência de Popper, conhecida por falsificacionismo, proporciona uma solução

original para estes dois problemas: 1) O que distingue as teorias científicas

das não científicas? 2) O que caracteriza o método científico? Popper

responde a 1 defendendo que uma teoria é científica apenas se for

falsificável, isto é, se for incompatível com algumas observações possíveis.

Assim, quando uma teoria genuinamente científica é falsa, em princípio

podemos revelar a sua falsidade recorrendo à observação. Já as teorias

pseudo-científicas, como as que encontramos na astrologia, permanecem

intactas perante quaisquer observações — mas por essa razão acabam por

nada dizer sobre aquilo que observamos. Quanto a 2, Popper defendeu uma

certa perspectiva do método científico. Defendeu, mais precisamente, que a

melhor maneira de fazer ciência é elaborar imaginativamente teorias ou

conjecturas ousadas, mas submetê-las depois a testes rigorosos concebidos

para as refutar ou falsificar. As melhores teorias científicas são as que

resistem a tais testes. Um aspecto importante da perspectiva da filosofia da

ciência de Popper é a sua rejeição da indução. Outro aspecto a salientar é a

sua crítica ao relativismo de filósofos como Kuhn: contra estes filósofos,

Popper sustentou que a ciência nos proporciona conhecimento objectivo e

uma imagem do mundo cada vez mais próxima da verdade (ver realismo).

Popper destacou-se ainda na filosofia política pela sua firme oposição a todas

as formas de totalitarismo, tendo criticado a este respeito as ideias de

Platão, Hegel e Marx. Ver corroboração. PG

Page 150: Dicionario de Filosofia Escolar

Losee, John, Uma Introdução Histórica à Filosofia da Ciência, Capítulo XI (Lisboa:

Terramar, 1998).

Popper, Karl, A Lógica da Pesquisa Científica (São Paulo: Cultrix, 1974).

Popper, Karl, A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, 2 vols. (Lisboa: Fragmentos,

1993).

Popper, Karl, Conjecturas e Refutações (Coimbra: Almedina, 2003).

Popper, Karl, O Mito do Contexto (Lisboa: Edições 70, 1999).

positivismo

Posição filosófica introduzida pelo filósofo e sociólogo francês Auguste Comte,

segundo a qual o verdadeiro conhecimento advém dos dados dos sentidos. O

positivismo é assim uma forma radical de empirismo. Comte defendeu que o

pensamento humano se divide em três estádios evolutivos: o religioso, o

metafísico e o científico. Os primeiros são estádios primitivos de aquisição de

conhecimento, os quais serão eventualmente abolidos à medida que

evoluímos. O positivismo de Comte é uma teoria descritiva e normativa do

conhecimento humano. Descritiva, porque pretende dar conta do modo como

o nosso conhecimento de facto evolui. Normativa, porque pretende fornecer

regras acerca do modo como devemos alcançar o conhecimento. Esta posição

deu origem a outras versões de positivismo, entre elas o positivismo lógico.

CT

positivismo lógico

Também conhecido por neopositivismo e por empirismo lógico, este

movimento filosófico começou nos anos vinte do séc. passado com o Círculo

de Viena e foi muito influente nas décadas seguintes. Empenhados em

promover uma maneira científica de fazer filosofia, os positivistas lógicos

advogaram um empirismo radical hostil à metafísica, defenderam a unidade

da ciência e propuseram a verificabilidade como critério de significado. No

âmbito da metaética, a adopção deste critério motivou o emotivismo. Os

positivistas lógicos desenvolveram estudos incontornáveis em áreas como a

filosofia da linguagem e a filosofia da ciência. Alguns dos seus membros mais

influentes foram Moritz Schlick (1882-1936), que fundou o movimento,

Carnap, Otto Neurath (1882-1945) e Friedrich Waismann (1896-1959).

Wittgenstein foi uma presença informal no grupo, Popper o seu mais

acérrimo crítico e A. J. Ayer (1910-89) o seu divulgador britânico. PG

Page 151: Dicionario de Filosofia Escolar

possibilidade/impossibilidade

Uma possibilidade é algo que pode ser verdade, ainda que não seja realmente

verdade. Por exemplo, Sócrates chamava-se "Sócrates", mas poderia ter-se

chamado "Diógenes". Evidentemente, tudo o que é realmente verdade é uma

possibilidade. E todas as necessidades são também possibilidades: por

exemplo, se admitirmos que é necessário que 2 + 2 = 4, então é possível que 2

+ 2 = 4 (ver necessidade/contingência). Uma impossibilidade é algo que não

pode ser verdade, além de não ser realmente verdade. Por exemplo, não só

não é verdade que 2 + 2 = 5, como é impossível que 2 + 2 = 5. Evidentemente,

nada do que é realmente verdade é impossível. A lógica modal estuda a

argumentação que envolve os conceitos de possibilidade e necessidade.

Apesar de os exemplos dados se referirem à matemática, há filósofos que

defendem que nem todas as necessidades são de carácter matemático ou

lógico (como "A água é H2O" ou "Sócrates era um ser humano"). DM

post hoc ergo propter hoc

Expressão latina que significa literalmente "depois disso, logo por causa

disso". Ver falácia post hoc.

post hoc, falácia

Ver falácia post hoc.

postulado

Uma proposição que se admite como verdadeira sem qualquer prova.

Desejavelmente, os postulados são auto-evidentes ou pelo menos amplamente

aceitáveis. DM

pragmática

A pragmática analisa os aspectos do significado que dependem do modo como

a linguagem é usada e das intenções comunicativas dos falantes —

distinguindo-se por isso da semântica, que se ocupa tipicamente do

significado literal das expressões linguísticas. Por outras palavras, a

pragmática estuda os significados implícitos que a elocução (ou a escrita) de

uma frase ou sequência de frases pode ser capaz de comunicar. Por exemplo,

eu posso responder a uma pergunta sobre o paradeiro do Rui dizendo "Está um

carro amarelo em frente da casa da Ana", o que permite ao meu interlocutor

inferir que o Rui está em casa da Ana (e que tem um carro amarelo). As regras

Page 152: Dicionario de Filosofia Escolar

de funcionamento deste mecanismo de comunicação de significados implícitos

são, desde que ele foi descoberto pelo filósofo H.P. Grice (1913-88), objecto

privilegiado do estudo da pragmática. Mais geralmente, a disciplina estuda os

princípios que regem a produção de sequências linguísticas, consideradas

como acções (ou actos de fala). J.L. Austin (1911-60) e J. Searle (n. 1932)

formularam teorias gerais dos actos de fala. Os tópicos de que a pragmática

se ocupa foram originalmente discutidos em filosofia da linguagem, e esta

disciplina tem com a pragmática o mesmo tipo de problemas de fronteira que

tem com a semântica. Ver também asserção. PS

pragmatismo

Corrente filosófica segundo a qual a eficácia na aplicação prática fornece o

critério para determinar a verdade das proposições (ver proposição). Assim,

uma proposição é verdadeira se for, na prática, vantajoso sustentá-la, ou, na

versão de William James (1842-1910), se funcionar. Isto significa que o

conhecimento é um instrumento para organizar a experiência e os conceitos

(ver conceito) são hábitos de crença ou regras de acção. Os pragmatistas

pensam que a experiência humana é um processo histórico, contingente (ver

necessário/contingente) e evolutivo e consideram que muitos dos problemas

filosóficos têm origem em dualismos (como teoria-prática e realidade-

aparência), que derivam de teorias do conhecimento que concebem as

crenças como representações (ver representação) e, por isso, chamaram a

atenção para a continuidade entre experiência e natureza, e para a

reciprocidade entre teoria e prática, entre conhecimento e acção e entre

factos e valores (ver valor). O pragmatismo começou com a adopção por

Charles S. Peirce (1839-1914), por volta de 1870, da descrição de uma crença

como um hábito de acção em vez de uma representação da realidade, e entre

os pragmatistas clássicos contam-se também William James e John Dewey

(1859—1952). Para Peirce, o significado de uma proposição é determinado

pelas suas consequências experimentais observáveis, que permitem

estabelecer padrões objectivos (ver objectividade/subjectividade) de

verdade. Para James, ao contrário, é a ideia de eficácia e de sucesso das

pessoas individuais que fornece o padrão de apreciação de uma proposição.

Dewey, por seu lado, vê a investigação como um processo cujos

procedimentos e normas têm de ser avaliados e revistos à luz da experiência

Page 153: Dicionario de Filosofia Escolar

subsequente. Esta revisão é, no entanto, um processo social e comunitário,

feito com base nos valores das pessoas vulgares. Assim, desde o início que

existem duas tendências no pragmatismo, uma objectivista, associada à obra

de Peirce e outra, subjectivista, mais próxima das posições de James.

Actualmente, a influência do pragmatismo faz-se sentir na obra de filósofos

americanos contemporâneos como W. V. Quine, Donald Davidson (1917-2003),

Hilary Putnam (n. 1926) e Richard Rorty (n. 1931). AN

James, William, O Pragmatismo (Lisboa: INCM, 1997).

prática

Termo que significa "acção" ou "actividade" e que foi introduzido por

Aristóteles para, por oposição a theoria (teoria) e poiêsis (arte), referir as

acções (ver acção) que têm origem numa escolha deliberada e pertencem à

esfera da vida ética e da política. O termo foi usado por Marx e pelos

marxistas posteriores (Gramsci, Lukács e Sartre) para afirmar a primazia da

actividade humana concreta, consciente e livre, capaz de transformar a

natureza, a sociedade e o homem, sobre a teoria. Na linguagem comum, a

prática é frequentemente entendida em oposição a teoria. Ver alienação,

teoria. AN

prática, razão

Ver razão prática.

práxis

Ver prática.

predicado

Uma palavra (ou conjunto de palavras) que exprime uma propriedade ou uma

relação. Por exemplo, o predicado "é alto" exprime a propriedade de ser alto.

Os predicados podem ser relacionais ou não relacionais. Um predicado é

relacional quando relaciona pelos menos dois particulares. Por exemplo, o

predicado "é filho de" na frase "O João é filho de Miguel", relaciona o João

com o Miguel. CT

premissa

Page 154: Dicionario de Filosofia Escolar

Uma afirmação usada num argumento para sustentar uma conclusão. Por

exemplo, a premissa do argumento "O aborto não é permissível porque a vida

é sagrada" é a afirmação "A vida é sagrada". Ver entimema. DM

pré-socráticos

O termo refere-se aos filósofos que surgiram antes de Sócrates, sendo que

muitos deles procuravam compreender a origem, a constituição e a natureza

do mundo físico, tendo apresentado as primeiras teorias cosmológicas. Os pré-

socráticos mais importantes foram Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes

(da escola jónia de meados do séc. VI a. C.), Pitágoras de Samos (c. 429-347

a. C.), Heraclito de Éfeso (c. 560-475 a. C.), Empédocles de Agrigento (c. 493-

c. 433 a. C.), os eleatas Parménides (n. c. 515 a. C.) e Zenão (n. c. 490 a. C.),

os atomistas Demócrito (460-370 a. C.) e Leucipo (c. 450 a. C.) e ainda

Anaxágoras de Clazómenas (c. 499- 427 a. C.). AA

prima facie

Expressão latina que significa "à primeira vista". Em ética, distinguem-se os

deveres prima facie dos deveres absolutos. Dizer, como Kant, que temos o

dever absoluto de não mentir é pensar que mentir é sempre errado. Dizer que

não mentir é um dever prima facie implica reconhecer que, embora à partida

seja errado mentir, mentir é a melhor opção ética em certas circunstâncias

excepcionais. PG

princípio

As ideias mais gerais e elementares nas quais se procura basear qualquer

investigação, conduta, sistema teórico, etc. Em filosofia os princípios

abundam em todas as áreas. Há o princípio do terceiro excluído em lógica, o

princípio do duplo efeito em ética, o princípio da verificação em filosofia da

linguagem, o princípio da perfeição em metafísica, etc. Princípios esses que

nem sempre são aceites por todos os filósofos, estando frequentemente

associados a determinadas doutrinas filosóficas. AA

princípio do terceiro excluído

Chama-se "princípio do terceiro excluído" à ideia de que, para qualquer

afirmação P, é verdade que P ou não P. Ou seja: o princípio declara que não há

uma terceira possibilidade, entre P e não P, seja qual for a afirmação. Por

exemplo: relativamente à afirmação "Sócrates é alto", só há estas duas

Page 155: Dicionario de Filosofia Escolar

alternativas: "Sócrates é alto" ou "Sócrates não é alto". Quando uma lógica

aceita o princípio do terceiro excluído significa que qualquer afirmação com a

forma "P ou não P" será uma verdade lógica. Algumas lógicas modernas

recusam este princípio, como é o caso da lógica intuicionista. Não se deve

confundir o terceiro excluído com o princípio da bivalência: este último é a

ideia de que só há dois valores de verdade e que todas as proposições têm um

dos dois, e só um dos dois. A relação precisa entre o terceiro excluído e a

bivalência é objecto de disputa filosófica. Não se deve também pensar que o

terceiro excluído é de alguma maneira um axioma da lógica clássica; na

verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não um ponto de partida.

DM

problema da demarcação

Ver critério de demarcação.

problema da indução

Problema de responder ao argumento de Hume cuja conclusão é que os

argumentos indutivos (ver indução), por muito fortes que pareçam, não têm o

menor fundamento. Hume sugere que os argumentos indutivos pressupõem

um princípio da uniformidade da natureza. Por exemplo, depois de

observarmos muitos pedaços de metal que dilataram ao serem aquecidos,

inferimos indutivamente que todos os pedaços de metal dilatam quando são

aquecidos ou que o próximo pedaço de metal que aquecermos também

dilatará, mas uma inferência como esta só é razoável sob o suposto de que a

natureza tem uma forte estabilidade. No entanto, que razões temos para

acreditar que a natureza é uniforme? Podemos dizer o seguinte: temos

observado que a natureza é uniforme; logo, a natureza em geral é uniforme e

continuará a ser uniforme. O problema é que esta justificação para o princípio

da uniformidade da natureza consiste ela própria num argumento indutivo e,

portanto, pressupõe também a ideia de que natureza é uniforme. Assim,

torna-se impossível evitar uma regressão infinita quando tentamos justificar

a indução e, deste modo, parece que as inferências indutivas não têm

justificação racional. Popper aceitou o cepticismo de Hume a este respeito,

mas procurou preservar a racionalidade da ciência defendendo que esta só

recorre à dedução. PG

Page 156: Dicionario de Filosofia Escolar

problema do gosto

Há quem defenda que os juízos estéticos, como "isto é belo", são apenas

juízos de gosto, sendo portanto subjectivos. Ora, isso levanta o seguinte

problema: como é possível manter o carácter subjectivo desse tipo de juízos

estéticos sem cair no cepticismo? Se tais juízos são subjectivos, então as

pessoas não estão a falar da mesma coisa quando afirmam "isto é belo", pelo

que não é possível discutir o assunto. Mas é contraditório dizer que a estética

é a discussão daquilo que não se pode discutir, pelo que o subjectivismo

estético tem de responder a esta objecção. AA

problema do mal

O problema de reconciliar a existência do Deus teísta com o mal existente no

mundo. A formulação clássica do problema do mal é da autoria de Epicuro

(341-270 a. C.): "Quer Ele [Deus] impedir o mal, mas não pode? Então é

impotente. Pode, mas não quer? Então é malévolo. Será que pode e quer?

Donde vem então o mal?". Há várias formas de responder a este problema.

Uma das respostas mais populares entre os filósofos consiste em defender que

se não existisse mal no mundo, os seres humanos nunca poderiam exibir

aquilo que de mais valioso têm, nomeadamente, as suas qualidades morais

não existiriam Madres Teresas nem heróis. Outra das respostas consiste em

defender que se não existisse mal, não poderíamos ter livre-arbítrio. E é

melhor um mundo com mal mas no qual temos livre-arbítrio do que um mundo

sem mal mas sem livre arbítrio. CT

problema filosófico

A filosofia, tal como a ciência, procura resolver problemas que nos afectam a

todos. A diferença está no tipo de problemas que a filosofia enfrenta. A

filosofia trata de problemas conceptuais, para os quais não dispomos de meios

empíricos de prova, acerca dos fundamentos da ciência, da religião, da arte,

e até do nosso dia-a-dia. Por exemplo, problemas como o de saber o que é a

justiça, o que é o conhecimento, qual o mecanismo através do qual os nomes

referem as coisas que referem, etc. Muitas vezes tomam-se como filosóficos

problemas que claramente o não são. Por exemplo, saber se a religião

contribui para a coesão das sociedades não é um problema filosófico, mas

sociológico. Ver também filosofia. AA

Page 157: Dicionario de Filosofia Escolar

proposição

O pensamento literalmente expresso por uma frase declarativa. Diferentes

frases ou afirmações podem exprimir a mesma proposição: "Lisboa é uma

cidade" e "Lisbon is a city" exprimem a mesma proposição. DM

proposição categórica

Tradicionalmente, aquelas proposições da forma sujeito-predicado prefixada

por um quantificador. Aristóteles distinguiu quatro tipos de proposições

categóricas:

Tipo A: Universal Afirmativa: Todo o S é P; Todos os filósofos são inteligentes.

Tipo E: Universal Negativa: Nenhum S é P; Nenhum filósofo é inteligente.

Tipo I: Particular Afirmativa; Algum S é P; Alguns filósofos são inteligentes.

Tipo O: Particular Negativa; Algum S não é P; Alguns filósofos não são inteligentes.

Contudo, as proposições de tipo A e E são, na verdade condicionais

quantificadas. Ver proposição hipotética, silogismo. CT

proposição hipotética

Tradicionalmente, proposições condicionais (ver condicional), como a

expressa pela frase "Se Sócrates é homem, então é mortal". Ver proposição

categórica, implicação. CT

propriedade

1. Uma qualidade ou característica que algo possui. Por exemplo, dizer que

João é inteligente é dizer que João tem a propriedade de ser inteligente. As

propriedades são expressas através de predicados não relacionais (ver

predicado). As propriedades são os exemplos típicos de universais.

2. Noutro sentido, o termo "propriedade" refere o património de

alguém, aquilo que pode ser adquirido ou dispensado por alguém. Num

sentido mais amplo, "propriedade" pode servir para referir as posses não

materiais de alguém, como a liberdade e a vida. CT

pura, razão

Ver razão pura.

.: Q :.quadrado de oposição

Page 158: Dicionario de Filosofia Escolar

Diagrama que ilustra as diversas relações lógicas entre as quatro formas

lógicas da lógica aristotélica:

Assim, entre as formas lógicas A e I, por um lado, e E e O, por outro, há

uma relação de subalternidade: A implica I, e E implica O. Esta relação é

falsa, a menos que se excluam classes vazias; mas sem ela a lógica

aristotélica cai por terra. De modo que é necessário excluir todas as

proposições que falsificam a relação de subalternidade. Para isso, exclui-se

todas as proposições que se refiram a classes vazias (classes como

"lobisomens", que não têm elementos). Com base na mesma exclusão de

classes vazias é possível afirmar que as formas A e E são contrárias, isto é,

que não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser ambas falsas. Ainda

com base na mesma exclusão é possível afirmar que as formas I e O são

subcontrárias, isto é, que não podem ser ambas falsas, mas podem ser ambas

verdadeiras. A única relação do quadrado que não depende da exclusão de

classes vazias é a de contraditoriedade ou negação, que existe entre A e O,

por um lado, e entre E e I, por outro. Isto significa que A e O têm sempre

valores de verdade opostos: se A for verdadeira, O será falsa e vice-versa; se E

Page 159: Dicionario de Filosofia Escolar

for verdadeira, I será falsa, e vice-versa. O diagrama é ainda hoje útil para

ilustrar a negação correcta de proposições universais. DM

Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, cap. 6 (Lisboa: Plátano, 2003).

qualidades estéticas

As características ou propriedades que certos objectos supostamente

exemplificam e que os fazem ter valor estético. Assim, um objecto que não

exemplifique qualquer qualidade estética também não tem qualquer valor

estético. Apenas os partidários do objectivismo estético defendem a

existência de qualidades estéticas. Intensidade, complexidade, unidade,

equilíbrio formal e proporção costumam ser referidas como qualidades

estéticas. AA

qualidades primárias e secundárias

Distinção entre qualidades ou características dos objectos. As primárias são

qualidades intrínsecas dos objectos, independentes da mente ou sujeito que

as percebe. Por isso são às vezes chamadas "qualidades objectivas". As

secundárias apenas são causadas pelos objectos percepcionados, na medida

em que têm essa capacidade, mas que dependem da maneira como a mente

do sujeito reage quando os percepciona. Por isso são às vezes chamadas

"qualidades subjectivas". Forma, tamanho e estrutura interna são qualidades

primárias, enquanto a cor, o odor e o sabor são qualidades secundárias. Esta

distinção é feita por Galileu, Descartes e Locke, estando subjacente à

ciência moderna. Mas filósofos idealistas como Berkeley rejeitam-na. Ver

também realismo. AA

quantificador

Qualquer dispositivo linguístico usado para dizer quantos particulares (ou

propriedades) exemplificam uma dada propriedade. Por exemplo, podemos

dizer que alguns filósofos são gregos; estamos nesse caso a dizer que um

número indeterminado de particulares (os filósofos) tem uma certa

propriedade (são gregos). Ou podemos dizer que algumas cores são brilhantes;

estamos neste caso a dizer que um número indeterminado de propriedades (as

cores) tem uma certa propriedade (são brilhantes). Assim, termos como

"alguns", "todos", "pelo menos cinco", "mais de cem", "a maioria", "poucos",

"nenhuns", "apenas um", etc., são quantificadores. Na lógica clássica e

Page 160: Dicionario de Filosofia Escolar

aristotélica usam-se apenas dois quantificadores: o quantificador universal e

o quantificador existencial; contudo, a lógica clássica permite definir muitos

outros quantificadores com base nestes, como "exactamente três", por

exemplo (mas não quantificadores como "a maioria de"). DM

quantificador existencial

Expressões como "alguns", "pelo menos um", etc., são quantificadores

existenciais, simbolizados habitualmente na lógica clássica com um E ao

espelho: ∃. A negação de um quantificador existencial é um quantificador

universal, porque negar que alguns filósofos são imortais é o mesmo do que

afirmar que todos os filósofos são mortais. Ver quantificador. DM

quantificador universal

Expressões como "todos", "nenhum", etc., são quantificadores universais,

simbolizados habitualmente na lógica clássica com um A (da palavra alemã

Alle, tudo) ao contrário: ∀. A negação de um quantificador universal é um

quantificador existencial, porque negar que todos os filósofos são gregos é o

mesmo do que afirmar que alguns filósofos não são gregos. Ver quantificador.

DM

Quine, Willard van Orman (1908-2000)

Filósofo americano e um dos filósofos contemporâneos mais influentes. Após o

doutoramento, Quine viajou para a Europa, onde contactou com o lógico

polaco Tarski (1901/2-83) e com os filósofos do Círculo de Viena (ver

positivismo lógico), os quais exerceram uma influência determinante na sua

formação intelectual. Quine defendeu uma forma radical de empirismo na

qual não há lugar para o conhecimento a priori (ver a priori/a posteriori). A

sua rejeição da distinção analítico/sintético é ainda hoje extremamente

influente. Esta rejeição mostrou as fraquezas do projecto positivista de salvar

o conhecimento a priori reduzindo-o (ver reducionismo) ao mero

Page 161: Dicionario de Filosofia Escolar

conhecimento linguístico, e mostrou também as dificuldades que as noções de

significado e de necessidade levantam para uma filosofia naturalista. Quine

defendeu que os únicos factos cientificamente aceitáveis para estabelecer

uma teoria do significado são factos acerca do comportamento linguístico dos

falantes, o que o levou a concluir que o significado é indeterminado. Entre as

suas obras mais importantes encontram-se From a Logical Point of View

(1953), Word and Object (1960) e The Ways of Paradox and Other Essays

(1966). CT

.: R :.raciocínio

O mesmo que inferência. DM

racionalismo

1. A posição filosófica segundo a qual a razão tem um papel preponderante na

aquisição de conhecimento. O racionalismo é assim o oposto do empirismo.

Tal como existem versões radicais de empirismo que negam à razão qualquer

papel na aquisição de conhecimento, também as versões mais radicais de

racionalismo negam aos sentidos qualquer papel na aquisição de

conhecimento. Contudo, ao passo que ainda hoje em dia há quem defenda

posições empiristas radicais, as posições racionalistas radicais só foram

populares na Grécia antiga. As versões mais moderadas de racionalismo

defendem que tanto a razão como os sentidos são fontes substanciais de

aquisição de conhecimento. Há que não confundir a ideia de que podemos

adquirir conhecimento a priori acerca do mundo com a ideia de que o

conhecimento não seria possível sem termos experiência do mundo. Uma

coisa é como adquirimos os conceitos relevantes usados na formulação das

nossas crenças acerca do mundo, os quais podem ser adquiridos através da

experiência; outra coisa é saber se, na posse dos conceitos relevantes,

podemos ou não saber coisas acerca do mundo sem recorrer à experiência.

Por exemplo, o facto de termos adquirido os conceitos de azul e de vermelho

através da experiência perceptiva não nos impede de saber a priori que um

objecto todo vermelho não pode ser azul.

Page 162: Dicionario de Filosofia Escolar

Não se deve confundir as posições racionalistas tradicionais com a

defesa de uma capacidade racional de intuição responsável pelo nosso

conhecimento a priori. Por exemplo, como sabemos que ou chove ou não

chove? Porque num certo sentido podemos "ver" através da nossa intuição

racional que isso é verdade. Os primeiros grandes filósofos racionalistas foram

Descartes, Leibniz e Espinosa. As posições racionalistas foram praticamente

rejeitadas durante o séc. XIX com a descoberta de geometrias não-

euclidianas. Graças ao trabalho de filósofos como Thomas Nagel (n. 1937) e

Laurence Bonjour (n. 1943) o racionalismo volta a estar hoje na ordem do dia.

2. Num sentido mais geral, o racionalismo é a ideia de que só

racionalmente podemos chegar às verdades acerca do mundo. Tanto a

experiência como a razão são métodos racionais de aquisição de

conhecimento, por oposição aos processos místicos, como a fé ou a revelação

divina. CT

Rawls, John (1921-2002)

Filósofo moral e político americano considerado o principal filósofo político do

séc. XX. As ideias de Rawls inserem-se na tradição do contrato social de

Locke, Rousseau e Kant. Rawls pensa que se as pessoas tiverem de escolher

os princípios (ver princípio) de justiça sem saber como poderão ser por eles

afectados, escolherão princípios justos. Imagina, assim, uma experiência

mental em que todas as pessoas se encontram numa "posição original" sob um

"véu de ignorância", isto é, em que desconhecem quais as suas aptidões,

posição social, riqueza, religião e concepção de valor e de bem. Nesta

situação, pensa Rawls, as pessoas chegarão por um contrato social hipotético

àquilo a que chama justiça como equidade. Esta concepção de justiça é

expressa por dois princípios, um que garante liberdades básicas iguais (ver

Page 163: Dicionario de Filosofia Escolar

liberdade) para todos — como as políticas, de expressão e reunião, de

consciência e de pensamento, etc. —, e outro que estabelece que as

desigualdades devem ser distribuídas de forma a beneficiarem todos e que

devem decorrer de posições e funções a que todos tenham acesso. Este último

princípio implica que a riqueza seja distribuída de modo a fazer com que os

que estão em pior situação fiquem tão bem quanto possível. Uma sociedade

justa será liberal (ver liberalismo), democrática (ver democracia) e um

sistema de mercado no qual se procede à distribuição da riqueza e em que

pessoas com capacidades e motivações iguais têm possibilidades iguais de

sucesso, independentemente da classe social em que tenham nascido. AN

Kukathas, Chandran, et.al., Rawls: Uma Teoria da Justiça e os Seus Críticos (Lisboa:

Gradiva, 1995).

Rawls, John, Uma Teoria da Justiça (Lisboa: Presença, 2001).

Rawls, John, O Liberalismo Político (Lisboa: Presença, 1997).

Rawls, John, A Lei dos Povos (Coimbra: Quarteto, 2000).

razão

A faculdade de raciocinar, compreender, ponderar, ajuizar, etc. Os filósofos

dividem-se quanto à confiança que depositam na razão. Os mais cépticos

duvidam dos seus produtos; alguns, como Hume, confiam mais nas emoções e

sentimentos. Outros, como Descartes ou Kant, confiam mais no poder da

razão para descobrir verdades importantes. A racionalidade instrumental

permite, perante fins dados, determinar os melhores meios para os atingir;

por exemplo, quando tenho sede e sei que há água na cozinha, um meio de

matar a sede é ir à cozinha. A racionalidade não instrumental, negada por

filósofos como Hume, permite determinar os próprios fins. DM

razão prática

Um raciocínio prático é um argumento cuja conclusão se refere à acção. Por

exemplo: "Se quiser beber água, tenho de ir à cozinha; eu quero beber água;

logo, tenho de ir à cozinha". O raciocínio moral é uma parte própria do

raciocino prático, referindo-se às acções moralmente relevantes: "Causar

sofrimento aos animais é moralmente errado; consumir produtos de origem

animal contribui para o sofrimento dos animais; logo, devo deixar de consumir

Page 164: Dicionario de Filosofia Escolar

produtos de origem animal". Kant usava a expressão "razão prática" para se

referir à faculdade humana que produz os raciocínios práticos. DM

.: S :.S. Tomás de Aquino

Ver Tomás de Aquino.

saber

O mesmo que conhecer. Ver conhecimento, opinião.

salva veritate

Expressão latina que significa "mantendo a verdade". Usa-se a expressão em

filosofia da linguagem para referir os contextos linguísticos em que se pode

substituir uma expressão por outra "mantendo a verdade" (os chamados

contextos "extensionais"). DM

Santo Agostinho (354-430)

Filósofo cristão que realiza a síntese entre a filosofia antiga de inspiração

platónica e o cristianismo. Nas Confissões (c. 400; trad. 2001, INCM) descreve

a sua conversão à fé cristã. Quanto à relação entre razão e fé afirma na

Doutrina Cristã que a reflexão filosófica parte das verdades reveladas pelas

Sagradas Escrituras e deve esclarecê-las. Repudiar a razão, crer sem

compreender, é rejeitar um dom de Deus. A filosofia é um meio para a plena

fruição da fé. Desafio para a fé e para a razão é o problema do mal. Não

podendo ser criado por Deus, Supremo Bem, o mal é uma deficiência da

vontade humana que prefere bens inferiores ao Criador. Marcada pelo pecado

Page 165: Dicionario de Filosofia Escolar

original, a vontade só com a intervenção da Graça divina pode fazer o bem. O

amor das coisas efémeras e o desprezo do que é eterno deram origem à

cidade terrestre em radical oposição à Cidade de Deus (411; trad. 1991, FCG).

A história é o palco da luta entre estes dois reinos. O triunfo da cidade celeste

consistirá na criação de uma comunidade universal de justos e fraternos

vivendo segundo a lei e o amor de Deus. LR

Sartre, Jean-Paul (1905-1980)

Filósofo, dramaturgo, romancista e militante político francês cuja obra

desenvolve essencialmente uma tese: o homem é liberdade e define-se pelo

que faz. No ser humano, a existência precede a essência, afirma Sartre em O

Existencialismo é um Humanismo (1946; trad. 1970, Presença). Quer dizer:

não há qualquer ideia que se possa fazer sobre um homem antes de ele existir

e agir porque não há qualquer modelo pré-definido, nenhum destino

previamente traçado. A radical afirmação da liberdade humana exige a

negação da existência de Deus (em O Ser e o Nada (1643) diz que Deus é uma

paixão inútil). Não existe Deus para nos dizer o que fazer e como viver. A

liberdade humana é o fundamento de todos os valores e exige do ser humano

um compromisso permanente, uma renovação constante por meio de escolhas

e actos, porque é o nosso modo de ser como sujeitos conscientes. O

existencialismo de Sartre é um humanismo porque afirma depender do homem

ser o senhor do seu destino. LR

semântica

1. O ramo da linguística que estuda o significado literal das expressões

linguísticas e a sua relação com a realidade extra-linguística. Uma teoria com

grande aceitação é a de que uma das tarefas principais da semântica consiste

em definir as condições de verdade das frases de uma língua natural e em

explicar como essas condições de verdade resultam, por um lado, dos

significados parciais das expressões que compõem essas frases e, por outro,

Page 166: Dicionario de Filosofia Escolar

da sua estrutura sintáctica (ver sintaxe). Outras tarefas tipicamente

associadas à semântica são a de especificar as diferentes componentes do

significado das expressões linguísticas (por exemplo, o seu sentido e a sua

referência) e a de relacionar sistematicamente o significado das frases com o

seu potencial inferencial (ou lógico). Alguns tópicos abrangidos pela

semântica (por exemplo significado, verdade, referência) são comuns à

filosofia da linguagem, de modo que não existe uma fronteira nítida entre as

duas disciplinas. É, porém, razoável dizer que a semântica dá ênfase ao

estudo empírico das línguas naturais, ao passo que a filosofia da linguagem se

dedica sobretudo à análise dos conceitos necessários para esse estudo.

2. A semântica de uma linguagem formal (ver cálculo lógico) resulta da

atribuição de significados aos seus símbolos básicos e fórmulas, as quais

recebem um valor de verdade — ver interpretação. No cálculo de

predicados, por exemplo, isto permite ver quais as derivações admitidas pela

sintaxe da linguagem que são válidas. Ver também pragmática. PS

sensibilidade

1. Mais vulgarmente refere a disposição para valorizar de modo especial as

atitudes e as emoções. A doutrina ética do emotivismo, por exemplo, dá um

relevo especial a este tipo de disposição das pessoas.

2. Em estética, sensibilidade significa o mesmo que refinamento do

gosto.

3. Em epistemologia, particularmente na filosofia de Kant, a

sensibilidade é a capacidade perceptiva do sujeito que, apoiada nos órgãos

dos sentidos, fornece a matéria para o conhecimento. AA

sensível, mundo

Ver mundo sensível.

senso comum

O conjunto mais alargado de crenças que uma comunidade tem por

verdadeiras e partilha durante um certo período de tempo. O senso comum é

um "saber" que resulta da experiência de vida individual e colectiva. Os

hábitos e costumes, as tradições e rituais, os "ditos" e provérbios, as opiniões

populares, etc., são habitualmente referidos como manifestações do senso

comum. A sua aprendizagem é uma condição necessária para a socialização de

Page 167: Dicionario de Filosofia Escolar

cada membro da comunidade, funcionando como um mecanismo regulador do

seu pensamento e da sua acção. Do ponto de vista da ciência e da filosofia,

os processos de justificação das crenças de senso comum afiguram-se

muitíssimo superficiais e falíveis, e é frequente tais crenças resistirem mal a

um exame crítico mais minucioso, pelo que a sua ampla aceitação não é uma

garantia de que sejam verdadeiras. Alguns filósofos têm discutido a

continuidade/descontinuidade entre o senso comum e a ciência e a filosofia,

tendo particular relevância, nessa discussão, o problema da demarcação. Ver

crença, verdade/falsidade, crítica, critério de demarcação. APC

sentido

Aquilo que uma pessoa associa a uma expressão quando a compreende. Frege

distinguiu o sentido de uma expressão da sua referência no seu famoso artigo

"Über Sinn und Bedeutung" ("Sobre o Sentido e a Referência", 1892). Duas

expressões podem referir o mesmo objecto mas ter diferentes sentidos. Por

exemplo, as expressões "Estrela da Manhã" e "Estrela da Tarde" referem a

mesma coisa, nomeadamente, Vénus, mas têm sentidos diferentes (têm

diferentes modos de apresentação). Esta distinção está intimamente

relacionada com a distinção entre conotação e denotação, e entre intensão

ou compreensão e extensão. Ver filosofia da linguagem. CT

sentido da existência

Ver sentido da vida.

sentido da vida

Em geral, dizemos que uma certa actividade é absurda ou não tem sentido

quando não tem qualquer objectivo. Por exemplo, não faz sentido passar a

vida aos saltos se isso não tiver qualquer objectivo; mas faz sentido, se o

objectivo for exercitar os músculos. Em geral, dizemos também que uma

certa actividade não tem sentido, apesar de ter um objectivo, se esse

objectivo não puder ser alcançado ou não tiver qualquer valor, mesmo que

possa ser alcançado. Por exemplo, não faz sentido passar a vida a tentar

chegar à Lua a saltar, porque nunca o iremos conseguir; e não faz sentido

passar a vida a tentar fazer passar um elefante por debaixo da porta da

cozinha, não só porque nunca o vamos conseguir, mas também porque, mesmo

que o conseguíssemos, isso não teria aparentemente importância alguma.

Page 168: Dicionario de Filosofia Escolar

Assim, responder ao problema do sentido da vida é responder às

seguintes três perguntas: Terá a vida humana, no seu todo, um ou vários

objectivos? Será esse objectivo (ou objectivos) alcançável? Terá esse objectivo

(ou objectivos) algum valor? A resposta da maior parte dos filósofos consiste

em dizer que o objectivo da vida humana é a felicidade; mas depois diferem

no modo como entendem o que constitui a felicidade. As tradições religiosas

defendem em geral que a vida só faz sentido se Deus existir; alguns filósofos

aceitaram esta ideia, mas acrescentaram que a vida absurda tem de ser então

abraçada precisamente porque Deus não existe (ver existencialismo).

Contudo, muitos filósofos não concebem o sentido da vida como algo que

dependa da existência ou não de Deus, e é costume chamar "humanista" a

esta tradição. DM

sentidos, dados dos

Aquilo que apreendemos pelos sentidos e sem recorrer à inferência. Os dados

dos sentidos são, assim, os objectos imediatos da percepção. Diz-se que os

objectos são "imediatos" precisamente porque não se obtêm por inferência.

Por exemplo, quando olho para o livro amarelo que está à minha frente

apreendo sem recorrer à inferência uma certa cor e uma certa forma. Esta

cor e esta forma não podem ser confundidas com o objecto físico — o próprio

livro — que acredito estar diante de mim, pois é possível duvidar da existência

do livro mas não duvidar dos dados dos sentidos. Por isso dizemos que há

diferença entre aparências e realidade. Ainda que não exista qualquer livro,

eu tenho consciência de alguma coisa amarela. Assim, os dados dos sentidos

são as entidades, sejam elas quais forem e seja qual for a sua natureza (física

ou mental), que estão directamente perante a mente. A expressão foi

introduzida por Russell, mas filósofos como Locke, Berkeley e Hume

utilizavam de modo semelhante as expressões "ideias dos sentidos",

"qualidades sensíveis" e "impressões dos sentidos", respectivamente, para

referir os objectos da percepção. Dependendo da teoria da percepção

adoptada, as opiniões dos filósofos divergem quanto ao tipo de relação que os

dados dos sentidos têm com os objectos físicos. Os filósofos empiristas dão

uma importância especial aos dados dos sentidos, pois encontram neles o

fundamento para o conhecimento empírico. Note-se que os dados dos sentidos

não constituem, em si, conhecimento proposicional. AA

Page 169: Dicionario de Filosofia Escolar

ser

O verbo "ser" é claramente ambíguo, podendo ter, entre outros, os seguintes

significados: 1) atributivo, como em "O João é alto"; 2) identitativo, como em

"O João é o amante secreto da Ana"; 3) constitutivo, como em "Esta mesa é de

madeira"; 4) inclusivo, como em "As baleias são mamíferos"; e, mais

exoticamente, 5) existencial, com em "Deus é". Confundir estes usos pode dar

origem a afirmações sem sentido ou a falácias (por exemplo, de "As baleias

são mamíferos" não se pode inferir que o conjunto das baleias é idêntico ao

conjunto dos mamíferos). A questão de saber o que é ser ou existir e que tipos

de coisas realmente existem (será que os números, ou as proposições, ou

Deus, existem?) é uma questão metafísica perene. Esta questão foi por vezes

distinguida da questão de saber quais as entidades que usufruem de um modo

especial de ser, caracterizado pela consciência da sua própria existência e

pela liberdade de escolha (ver existencialismo). Foi também distinguida da

questão de saber como caracterizar esse exemplar único de um tipo de

entidade primordial, o Ser (não necessariamente identificável com Deus),

fonte da existência de todos os "entes". Este tipo de preocupação, típica de

filósofos como Heidegger, foi alvo de objecções por parte, sobretudo, de

filósofos da tradição analítica (ver filosofia analítica). A crítica mais comum é

a de que, sendo "ser" um verbo, ele só pode ser usado como tal (por exemplo,

numa das várias acepções mencionadas acima), e que o seu uso como

substantivo (com ou sem maiúscula) dá origem a frases sem sentido e

portanto a equívocos filosóficos. Ver também existência. PS

significado

Aquilo que é compreendido quando algo nos é comunicado através de sons ou

inscrições. Por exemplo, quando ouvimos a palavra "água" processamos esse

som relacionando-o com a coisa que essa palavra refere (ver referência),

nomeadamente, a água. O que isto sugere é que o significado de uma

expressão é de algum modo composto por dois elementos: aquilo que se passa

em nós quando apreendemos a expressão e aquilo de que a expressão fala.

Muito se tem discutido sobre como funcionam esses dois componentes, se é

que existem. A questão de saber o que é o significado é uma das questões

centrais da filosofia da linguagem. CT

Page 170: Dicionario de Filosofia Escolar

silogismo

Nome dado aos argumentos estudados pela lógica aristotélica compostos

unicamente por duas premissas e uma conclusão. Por exemplo: "Todos os

mortais são infelizes; todos os homens são mortais; logo, todos os homens são

infelizes". Por vezes, usa-se a expressão "silogismo" como sinónimo de

"argumento" ou "raciocínio". Ver lógica aristotélica. DM

símbolos lógicos

Expressões usadas para abreviar certos aspectos relevantes para a

determinação da forma lógica. Por exemplo, no cálculo proposicional usa-se

os símbolos P, Q, R, etc., como abreviaturas de proposições e como

abreviatura de "Se…, então…". Toda a lógica formal precisa de símbolos. Isto

porque a lógica formal estuda aqueles argumentos cuja validade depende

inteiramente da sua forma lógica; e para exibir a forma lógica de um

argumento é necessário usar símbolos. Assim, na lógica aristotélica, por

exemplo, é necessário exibir a forma lógica das proposições universais

afirmativas, o que se pode fazer recorrendo a letras que simbolizam classes:

em "todo o A é B" A e B simbolizam qualquer classe. Assim, uma afirmação

como "todos os homens são mortais" tem a forma de uma universal porque se

substituirmos "homens" por A e "mortais" por B obtemos "todos os A são B", que

é apenas uma variação gramatical logicamente irrelevante de "todo o A é B". É

na lógica clássica, contudo, que a formalização é mais profunda e

sistemática. Ao passo que na lógica aristotélica se formaliza geralmente

apenas os nomes das classes, na lógica clássica é mais comum formalizar

tudo. Contudo, é falso que exista algo de intrinsecamente formal ou simbólico

na lógica clássica que não existe na lógica aristotélica, pois tanto se pode

formalizar completamente a lógica aristotélica, como se pode formalizar

apenas parcialmente a lógica clássica. Ver Apêndice: Símbolos lógicos. DM

Page 171: Dicionario de Filosofia Escolar

Singer, Peter (n. 1946)

Filósofo utilitarista (ver utilitarismo) nascido na Austrália que, influenciado

por Hare, contribuiu decisivamente para o florescimento da ética aplicada.

No âmbito da bioética, Singer discutiu muitos problemas rejeitando a

perspectiva da santidade da vida humana, segundo a qual toda a vida

humana, seja qual for a sua qualidade, tem um valor absoluto. Recusando o

especismo (isto é, a discriminação baseada na espécie), Singer defendeu que

os interesses dos animais têm de receber a mesma consideração que os

interesses dos seres humanos e, com o seu livro Libertação Animal (1975;

trad. 2000, Via Óptima), impulsionou o movimento de defesa dos animais.

Entre as suas obras mais importantes contam-se também Ética Prática (1993;

trad. 2000, Gradiva) e Um Só Mundo (2002; trad. 2003, Gradiva). PG

Sinn

Termo alemão que significa "sentido" e se opõe a "referência". Frege

introduziu esta distinção para separar o que um termo refere da maneira

como o termo refere: os termos "Mestre de Platão" e "O filósofo que bebeu a

cicuta" referem a mesma coisa (Sócrates), mas referem essa coisa de

maneiras diferentes: têm diferentes sentidos. DM

sintaxe

1. O sistema de regras de geração das frases gramaticais de uma língua

(consideradas como manifestações gráficas ou fonéticas de estruturas de

palavras). O termo designa também o ramo da linguística que estuda esses

sistemas. Questões tipicamente associadas aos estudos sintácticos são as de

saber que regras são infringidas pelas frases agramaticais (como "férias estive

de Agosto em") e qual a estrutura das frases gramaticais.

Page 172: Dicionario de Filosofia Escolar

2. O vocabulário e as regras de formação das fórmulas de uma

linguagem formal (por exemplo, a do cálculo de predicados). Num cálculo

lógico, essas fórmulas são por sua vez usadas em derivações, segundo certas

regras de inferência. PS

Sócrates (c. 469-399 a. C.)

Uma das figuras mais carismáticas e enigmáticas da história da filosofia.

Embora nada tenha escrito, a sua influência é enorme e é responsável pela

viragem da filosofia das questões da natureza para as questões humanas.

Pouco mais se sabe acerca da sua vida, para além de que participou na guerra

do Peloponeso e foi condenado à morte sob a acusação de impiedade e de

corromper a juventude. Também se sabe pouco acerca do seu pensamento,

embora seja a figura central de muitos diálogos de Platão, uma vez que é

difícil diferenciar o Sócrates histórico da personagem platónica. Para

Sócrates, a filosofia é um modo de vida e, por isso, fazia filosofia na ágora

(praça pública), no ginásio ou nas ruas de Atenas, dialogando com aqueles que

estivessem dispostos a investigar com ele um qualquer conceito moral.

Começava por pedir ao seu interlocutor a definição de uma virtude, como a

justiça, e depois, por intermédio de perguntas e respostas, levava-o a chegar

a uma conclusão contraditória (ver contradição) com a definição que tinha

apresentado. Com este método de refutação (elenchus) procurava mostrar

àqueles que pretendiam ser sábios que as suas crenças (ver crença) eram

inconsistentes (ver inconsistência) e, deste modo, levá-los a formular crenças

mais adequadas. Apesar de afirmar não saber as respostas às questões que

punha sobre as definições, há algumas ideias que parece ter assumido. As

mais importantes são que a virtude, embora não possa ser ensinada, é

conhecimento; que ninguém faz o mal (ver mal moral) voluntariamente; que

não se pode fazer mal a um homem bom; que é pior fazer do que sofrer o

Page 173: Dicionario de Filosofia Escolar

mal; e que todas as virtudes se reduzem a uma, o conhecimento do que é e

não é bom para um ser humano. Ver dialéctica, ética das virtudes, ironia,

maiêutica. AN

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 3 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Magee, Brian, Os Grandes Filósofos, cap. 1 (Lisboa: Presença, 1989).

Platão, Êutifron, Apologia de Sócrates, Críton (Lisboa: INCM, 1993).

Platão, Laques, (Lisboa: Edições 70, 1989).

Platão, Hípias Maior (Lisboa: Edições. 70, 2000).

Platão, Hípias Menor (Coimbra: INIC, 1990).

Platão, Cármides (Coimbra: INIC, 1988).

Platão, Lísis (Coimbra: INIC, 1990).

Platão, Íon (Lisboa: Editorial Inquérito, 1988).

sofisma

Uma falácia apresentada com o intuito de enganar o interlocutor. DM

sofistas

Nome dado por Platão a um conjunto de professores de retórica da Grécia

antiga. Platão e outros filósofos antigos acusavam os sofistas de falta de

honestidade intelectual, afirmando que davam mais atenção à persuasão

irracional do que à procura da verdade. Contudo, pelo menos alguns sofistas

foram filósofos e cientistas destacados, assim como oradores ilustres.

Antifonte (c. 480-411 a. C.), Górgias de Leontinos (c. 483-376 a. C.), Hípias

(c. 485-415 a. C.) e Protágoras de Abdera (c. 490-c. 420 a. C.) foram alguns

dos mais ilustres sofistas. DM

solipsismo

1. Em epistemologia é a perspectiva segundo a qual nada posso conhecer a

não ser os meus próprios conteúdos mentais, dado que só a eles tenho acesso

directo. O solipsista nega assim a possibilidade de conhecer outras coisas

além de si próprio: não posso saber que ao meu lado está uma janela; tudo o

que sei é que tenho na minha mente a ideia ou imagem da janela, o que é

bem diferente.

2. Em ontologia, é a perspectiva relacionada com a anterior, mas mais

radical, de que apenas eu e as minhas próprias experiências são reais. Os

Page 174: Dicionario de Filosofia Escolar

objectos físicos e as outras mentes não têm existência a não ser na minha

mente. Os críticos sublinham que, na prática, ninguém se comporta como um

verdadeiro solipsista. AA

stoa

Termo grego que significa "pórtico" e que deu o nome ao estoicismo porque os

estóicos ensinavam sob um pórtico. DM

Stuart Mill, John

Ver Mill, John Stuart.

subjectivismo

Ver objectivismo/subjectivismo.

subjectivismo estético

Doutrina acerca da justificação dos juízos estéticos, de acordo com a qual

juízos como "x é belo" exprimem apenas os nossos sentimentos ou emoções

pessoais acerca de x, independentemente de quaisquer características de x.

Assim, o juízo estético, sendo subjectivo, nada mais é do que um juízo de

gosto, uma vez que se limita as exprimir as nossas preferências. Kant e

Hume, embora com algumas diferenças importantes, são partidários do

subjectivismo estético, ao qual se opõe o objectivismo estético. AA

subjectivismo moral

Teoria metaética segundo a qual os factos morais são subjectivos (ver

objectivo/subjectivo). Segundo o subjectivista, quem diz, por exemplo, "O

aborto é errado", está na verdade a dizer algo como "Eu reprovo o aborto".

Assim, para o subjectivista os juízos morais descrevem apenas atitudes

pessoais de aprovação ou reprovação. Ver emotivismo. PG

sublime

Uma das duas grandes categorias, juntamente com o belo, da estética do séc.

XVIII. A experiência do sublime dá-se, supostamente, quando presenciamos

espectáculos naturais como montanhas rasgando os céus e tempestades no

mar. Trata-se de algo invulgarmente grandioso e fascinante, que só se

manifesta perante objectos que ultrapassam e desafiam os limites da nossa

imaginação, impondo respeito e, até, intimidando-nos com a sua majestade.

Nesse sentido distingue-se claramente do belo. Kant considera que o

Page 175: Dicionario de Filosofia Escolar

sentimento do sublime nos confronta com a nossa pequenez, obrigando-nos a

elevar acima da vulgaridade. Entretanto, praticamente deixou de se dar

importância à noção de sublime e quase não é referida na estética

contemporânea. AA

substância/acidente

Segundo Aristóteles o que existe pode ser de dois modos: ou como substância

ou como acidente. A substância é o que existe em si e não num outro ser

(independência ontológica) e por isso não é dita de um sujeito mas é sujeito

de outras coisas. O acidente é o que existe num outro ser, numa substância,

como sua propriedade ou característica (será predicado de um sujeito). Assim,

os acidentes não possuem um ser próprio (dependência ontológica).

Dependem do ser da substância porque são algo que sucede ou acontece a

esta. João, indivíduo concreto, não é algo que exista num outro indivíduo,

tem um ser próprio, não é propriedade de outra coisa. O peso do João já é um

acidente porque só existe como medida do corpo do João e não em si. A

teoria aristotélica da substância é exposta em Categorias e na Metafísica,

livros VII a IX. Ver também ontologia. LR

.: T :.tabela de verdade

Dispositivo gráfico que permite exibir as condições de verdade de uma forma

proposicional dada (não se aplica a formas predicativas ou quantificadas). As

condições de verdade são as circunstâncias em que uma dada afirmação é

verdadeira ou falsa. Por exemplo, mesmo que não se saiba se a afirmação

"Deus existe e a vida faz pleno sentido" é verdadeira ou não, sabe-se que só

será verdadeira caso as duas afirmações componentes ("Deus existe" e "A vida

faz pleno sentido") sejam verdadeiras. Assim, as condições de verdade da

afirmação original podem resumir-se numa tabela. Para isso, isola-se a forma

lógica da afirmação, que neste caso é "P e Q". E agora constrói-se uma tabela

de verdade:

P Q P e Q

V V V

Page 176: Dicionario de Filosofia Escolar

V F F

F V F

F F F

As filas da tabela exibem as condições de verdade de "P e Q": caso P

seja verdadeira (V) e Q também, a frase é verdadeira; em todos os outros

casos a frase é falsa (F). As tabelas de verdade permitem assim exibir as

condições de verdade dos operadores verofuncionais.

Mas permitem também determinar se uma afirmação, complexa ou não,

é uma verdade lógica (ver tautologia), uma falsidade lógica (ver contradição)

ou uma contingência lógica. Só devolve resultados correctos quando se aplica

a afirmações cuja verdade, falsidade ou contingência lógicas resultam

exclusivamente da sua forma proposicional verofuncional. Por exemplo, para

saber se a afirmação "Se Sócrates era um homem, era um homem" é uma

verdade lógica começa-se por captar a forma lógica da afirmação, que é a

seguinte: "Se P, então P". Agora, faz-se uma tabela de verdade:

P Se P, então P

V V

F V

Conclui-se que a afirmação é uma verdade lógica porque não há

qualquer circunstância em que a afirmação seja falsa. Se não fosse uma

verdade lógica, não seria verdadeira em todas as circunstâncias. Ver

inspector de circunstâncias. DM

tábua rasa

Nome por que é conhecida a analogia utilizada por Aristóteles, mas por vezes

também associada ao filósofo empirista inglês John Locke para ilustrar a ideia

de que todo o conhecimento tem origem na experiência. Locke compara a

nossa mente a uma folha de papel em branco, ou a uma superfície

completamente lisa e sem qualquer sinal nela inscrito ("tabula rasa", em

latim), mas onde as impressões colhidas do exterior pelos nossos sentidos

deixam as suas marcas. É a partir dessas impressões — que a nossa mente se

limita a organizar — que se formam todas as ideias, mesmo as mais

Page 177: Dicionario de Filosofia Escolar

abstractas. Não há, pois, conhecimentos a priori nem ideias inatas. Todo o

conhecimento é adquirido através dos sentidos. Ver também empirismo, a

priori / a posteriori. AA

tabula rasa

Expressão latina que significa tábua rasa.

tautologia

Em termos correntes, uma tautologia é uma proposição sem qualquer valor

informativo, como "Todos os gatos são gatos". Mas em lógica usa-se este termo

para qualquer forma proposicional logicamente verdadeira, o que inclui

formas extraordinariamente informativas e complexas. Neste sentido, uma

tautologia é apenas uma proposição verdadeira cuja verdade depende

inteiramente da sua forma lógica, como a forma {(Q ∨ P) ∧ [(¬R → ¬P) ∧ (S ∨

¬Q)]} → (¬S → R). Uma forma de determinar se uma dada forma proposicional

é uma tautologia é construir uma tabela de verdade: a forma é tautológica

se, e só se, resulta verdadeira em todas as atribuições de valores de verdade

às suas variáveis proposicionais (ver variável). DM

technê

Termo grego que refere o conhecimento técnico envolvido quando em práticas

como a medicina ou o trabalho artesanal. Em algumas das suas obras, Platão

defende que a filosofia é uma technê, no sentido de uma arte de viver

virtuosamente. DM

teísmo

Concepção acerca da natureza de Deus que defende serem as seguintes as

suas características ou atributos: é o único criador do universo, é omnipotente

(pode fazer tudo), é omnisciente (sabe tudo), é livre e é infinitamente bom.

Esta ideia de Deus está associada às grandes religiões monoteístas e a

discussão acerca da existência de Deus tem sido, em grande parte, a

discussão acerca da existência de um Deus com estas características. É o Deus

teísta que está em causa quando, em filosofia, se discute o argumento

ontológico, o argumento cosmológico, o argumento do desígnio, e o

problema do mal. Ver também Deus e filosofia da religião. AA

telos

Page 178: Dicionario de Filosofia Escolar

Termo grego que significa "finalidade". A noção era especialmente importante

na filosofia de Aristóteles, que entendia que todas as coisas tinham uma

finalidade natural. Este tipo de pensamento finalista é implausível em física,

mas é mais adequado na biologia e na ética. DM

teoria

Um conjunto de proposições estruturadas entre si que visam resolver um

problema ou explicar um fenómeno. Diz-se que são proposições estruturadas

porque numa teoria as suas diferentes partes se articulam, isto é, apresentam

uma estrutura lógica. As teorias não podem ser válidas ou inválidas no mesmo

sentido em que um argumento é válido ou inválido; as teorias são verdadeiras

ou falsas, tal como as proposições (e tal como as proposições podem ser

fecundas ou estéreis, interessantes ou triviais, etc.). Não há uma receita

automática para avaliar teorias, mas os seguintes aspectos devem ser tidos

em conta: 1) Se o problema que uma teoria procura resolver é absurdo, a

teoria é absurda; 2) Se uma teoria não resolve os problemas que se propunha

resolver, ou não explica o que se propunha explicar, é inadequada; 3) Se uma

teoria for inconsistente (ver consistência/inconsistência), é falsa; 3) Se uma

teoria tiver consequências falsas, é falsa; 4) Se os argumentos que sustentam

uma teoria forem maus, a teoria é má. DM

teoria das ideias

Platão refere em alguns dos seus diálogos (Fédon, Simpósio, República, etc.)

a existência de entidades supra-sensíveis, a que dá o nome de "Ideias" (ou

"Formas"), com a finalidade de explicar por que razão nos parece que quando

estamos a referir objectos particulares como Sócrates, Einstein e Eusébio

estamos, afinal, a falar da mesma coisa: homens. A razão é que todos eles

exemplificam a Ideia ou Forma de Homem. Assim, dizemos que Sócrates,

Einstein e Eusébio, são homens porque exemplificam, imitam ou participam

da Ideia de Homem, ou de humanidade. As Ideias não são entidades mentais,

mas extra-mentais e não são apreensíveis pelos sentidos; apenas pela razão.

São também únicas (não há várias ideias de Homem, ou de Igualdade, Beleza,

Justiça, etc.), perfeitas (não há exemplos perfeitos de coisas belas, mas a

Ideia de Beleza é perfeita) e imutáveis (a beleza das coisas altera-se e é

diferente de objecto para objecto, mas a Ideia de Beleza é inalterável). A

Page 179: Dicionario de Filosofia Escolar

Teoria das Ideias, apesar de ser uma teoria metafísica, tem importantes

implicações epistemológicas. Ver também universais. AA

teoria do gosto

Concepção estética que toma como problema central desta disciplina o

problema do gosto. Para os filósofos do séc. XVIII, como Hume e Kant, os

juízos estéticos como "esta música é bela" são subjectivos, sendo assim juízos

de gosto. A caracterização e discussão dos juízos de gosto, nomeadamente os

problemas de saber se os juízos de gosto são ou não universais (Kant) e se

existe um padrão de gosto (Hume), passam a ocupar o centro das disputas

acerca da estética. AA

teoria dos mandamentos divinos

Teoria metaética segundo a qual os factos morais são instituídos por Deus.

Quem subscreve esta perspectiva pensa, por exemplo, que mentir é errado

unicamente porque Deus decretou ou estipulou que mentir é errado. Ockham

conta-se entre os poucos filósofos que defenderam esta teoria. Tal como o

relativismo moral, a teoria dos mandamentos divinos apresenta os factos

éticos como simples convenções. Ver dilema de Êutifron. PG

terceiro excluído, princípio do

Ver princípio do terceiro excluído.

tese

Em geral, proposição ou doutrina apresentada para prova ou para

consideração. Na filosofia de Kant, a tese é o primeiro termo da oposição

dialéctica que constitui as antinomias (sendo o segundo a antítese), enquanto

na de Hegel designa o primeiro termo de um sistema formado por tese,

antítese e síntese, em que as duas primeiras se opõem uma à outra e a última

as supera estabelecendo um ponto de vista superior, em que as outras se

conciliam. AN

tipos de argumentos

Ver argumentos, tipos de.

Page 180: Dicionario de Filosofia Escolar

Tomás de Aquino (1225-74)

Um dos maiores filósofos do período medieval. Nasceu no seio de uma família

aristocrata em Roccasecca em Itália. Estudou na escola dos monges

beneditinos de Monte Cassino e na Universidade de Nápoles. Em 1244 juntou-

se à Ordem dos dominicanos. Estudou em Paris e em Colónia com Alberto

Magno. Sob a influência deste, tornou-se estudioso de Aristóteles e escreveu

extensamente sobre a sua filosofia. As suas maiores obras são a Summa contra

Gentiles ("Contra os Erros dos Infiéis") e a Summa Theologiae (1266-73). Foi

nesta última que expôs as suas famosas cinco vias ou argumentos a favor da

existência de Deus. De todos, o mais conhecido é o argumento cosmológico,

o qual é ainda bastante influente. Esta obra tornou-se um marco

incontornável da filosofia medieval.

Uma das maiores preocupações de Tomás de Aquino consistiu em

conciliar a doutrina cristã com o aristotelismo. Essa preocupação levou-o à

defesa de uma teologia natural. Defendeu que algumas verdades religiosas

são susceptíveis de ser descobertas e compreendidas pela razão, como é o

caso da existência de Deus daí os seus argumentos a favor da existência de

Deus. Contudo, achava que nem todas as verdades religiosas são susceptíveis

de confirmação racional. No caso da doutrina da Trindade e da Incarnação,

defendeu uma teologia revelada; ou seja, a verdade de tais doutrinas só pode

ser conhecida através da revelação divina. A relação entre a fé e a razão tem

um papel central na filosofia de Tomás de Aquino. Defendeu que tanto a fé

como a razão são modos de chegar à verdade. Mas se a razão chegar a um

resultado contrário à fé é porque cometemos um erro de raciocínio. A ideia é

que a fé é uma forma infalível de chegar à verdade em questões religiosas.

Tomás de Aquino preocupou-se ainda com questões éticas, epistemológicas e

metafísicas. Em todas estas áreas tentou conciliar a doutrina cristã com o

aristotelismo. Em 1323 foi canonizado pelo Papa João XXII que argumentou

Page 181: Dicionario de Filosofia Escolar

que apesar de Tomás de Aquino não ter feito milagres, cada problema

filosófico a que respondeu representa um verdadeiro milagre. CT

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 8 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Tomás de Aquino, O Ente e a Essência (Lisboa: Instituto Piaget, 2000).

tomismo

Corrente filosófica baseada nas ideias de Tomás de Aquino.

transcendental

Termo muito importante na filosofia de Kant, sobretudo na sua

epistemologia. Significa "condição de possibilidade a priori de algo". Refere-

se na Crítica da Razão Pura a estruturas não empíricas que, contudo, se

aplicam a objectos da experiência. Assim, a) espaço e tempo são formas a

priori da sensibilidade que tornam possível a recepção dos dados empíricos;

b) as categorias do entendimento são conceitos a priori que tornam possível o

conhecimento científico dos dados recebidos pela sensibilidade; c) as ideias

da razão (como a Ideia de Deus) são formas a priori que tornam possível não o

conhecimento mas sim o progresso do conhecimento científico indicando ao

entendimento um ideal: procurar explicações cada vez mais englobantes

como se fosse possível atingir a explicação definitiva de todos os fenómenos.

Transcendental distingue-se de transcendente porque, apesar de não ter

origem empírica, está limitado à experiência. Transcendente é o que

ultrapassa a nossa experiência possível, é a característica do que não

pertence ao mundo natural. Deus é um ser transcendente mas a ideia de Deus

é transcendental. LR

transcendente

Ver imanente, transcendental.

.: U :.Übermensch

Termo alemão usado por Nietzsche para designar o "sobre-humano", "além-

humano" ou "super-homem": o ser que ultrapassa as limitações dos seres

Page 182: Dicionario de Filosofia Escolar

humanos, evoluindo para um estádio superior, livre de ilusões, nomeadamente

as impostas pelas moralidades religiosas. DM

unidade da ciência

A ideia de unidade da ciência está associada a duas teses. Segundo uma delas,

algumas ciências podem ser reduzidas a outras (por exemplo, a biologia à

química), de tal maneira que em última análise todas as ciências podem, em

princípio, ser reduzidas a uma única ciência englobante (geralmente a física).

Há várias maneiras de entender a redução em causa (ver reducionismo).

Pode-se sustentar, por exemplo, que as ciências são redutíveis à física no

seguinte sentido: todas as afirmações de qualquer disciplina científica podem,

em princípio, ser traduzidas para a linguagem da física (ver fisicalismo). A

outra tese associada à ideia de unidade da ciência diz-nos que todas as

ciências obedecem essencialmente ao mesmo método e procuram fazer-nos

perceber a realidade da mesma maneira. Os defensores desta tese costumam

afirmar que há um modelo de explicação científica aplicável a todas as

ciências. Alguns críticos desta perspectiva, como Wilhelm Dilthey (1833-1911),

opõem a explicação à compreensão, sustentando que o recurso a esta última

torna as ciências sociais muito diferentes das ciências da natureza. Quem,

como os filósofos do positivismo lógico, advoga a unidade da ciência,

costuma ter em mente apenas as ciências empíricas e, portanto, coloca a

matemática e a lógica numa categoria distinta. Ver lei da natureza, método

científico. PG

universais

Um universal é uma propriedade exemplificada por diferentes objectos (ou

particulares). Por exemplo, quando digo "Sócrates é sábio", a propriedade de

ser sábio é exemplificada pelo particular Sócrates. Mas é também

exemplificada por outros particulares: Platão, Gandhi, etc. Assim, o chamado

"problema dos universais" consiste em saber se, além de particulares, como

Sócrates e Platão, há coisas como a sabedoria, a brancura, a circularidade,

etc. Os nominalistas afirmam que só há particulares e os realistas defendem

que há universais. Mas se há universais, onde se localizam? Esta pergunta dá

origem a diferentes tipos de realismo: transcendente e imanente. E será que

há universais que não são exemplificados por particulares? Esta pergunta dá

origem outros dois tipos de realismo: o platónico e o aristotélico. Os

Page 183: Dicionario de Filosofia Escolar

universais servem, alegadamente, para explicar a semelhança que se verifica

entre objectos numericamente distintos. Há também diferentes tipos de

nominalismo. AA

universal afirmativa, proposição

Uma proposição com a forma "Todo o F é G", como "Todos os homens são

mortais". A negação de uma universal afirmativa é uma particular negativa:

"Alguns F não são G". Assim, a negação de "Todos os homens são mortais" é

"Alguns homens não são mortais". Ver quadrado de oposição. DM

universal negativa, proposição

Uma proposição com a forma "Nenhum F é G", como "Nenhum homem é

eterno". A negação de uma universal negativa é uma particular afirmativa:

"Alguns F são G". Assim, a negação de "Nenhum homem é eterno" é "Alguns

homens são eternos". Ver quadrado de oposição. DM

universal, proposição

Uma proposição dominada pelo quantificador "Todo", como "Todos os homens

são mortais", "Nenhum homem é imortal", etc. A negação de uma proposição

universal é sempre uma particular. As proposições universais estão

intimamente relacionadas com as condicionais (ver condicional); pode-se

parafrasear qualquer universal dada numa condicional: a universal "Todos os

homens são mortais" é equivalente à condicional "Se alguém é homem, é

mortal". DM

universal, quantificador

Ver quantificador universal.

uso/menção

Qual é a diferença entre "Beja é quente" e ""Beja" tem quatro letras"? No

primeiro caso, estamos a usar a primeira palavra para referir a cidade

alentejana; no segundo caso, estamos a mencionar a própria palavra "Beja".

No discurso escrito, o uso e a menção das palavras distingue-se pela utilização

de aspas: se as palavras são usadas, não são escritas entre aspas; se são

mencionadas, são escritas entre aspas. No discurso oral, só o contexto da

elocução nos permite determinar se uma palavra está a ser usada ou

mencionada. A distinção uso/menção é importante para evitar uma confusão

Page 184: Dicionario de Filosofia Escolar

entre as propriedades das coisas e as propriedades das palavras, como

aconteceria ao dizermos que a palavra "Beja" é quente ou que a cidade

alentejana tem quatro letras. APC

utilitarismo

Uma forma de ética consequencialista segundo a qual a nossa única

obrigação fundamental é promover imparcialmente a felicidade ou o bem-

estar, isto é, dar o mesmo peso aos interesses de todos os que serão afectados

pela nossa conduta. Alguns utilitaristas, como Mill, defendem o hedonismo,

mas outros, como Hare e Singer, concebem o bem-estar de um ser em termos

da satisfação dos seus desejos ou preferências. Alguns utilitaristas defendem

que temos de maximizar o bem-estar, isto é, promovê-lo tanto quanto

possível. PG

utopia

Etimologicamente, o termo deriva das palavras gregas "ου" (não) e "τοπος"

(lugar) e significa "que não está em nenhum lugar". O seu uso tem origem na

obra Utopia (1516) de Thomas More, em que uma sociedade concebida para a

prática da virtude e a obtenção da felicidade, donde estão excluídos o

dinheiro e a propriedade, é apresentada como a solução para o egoísmo da

vida privada e pública da Europa de então. Contudo, já antes de More outros

autores tinham apresentado utopias, sem usar esse nome: é o caso de A

República (trad. 2001, Gulbenkian), de Platão. Uma utopia é uma descrição

de um lugar ou de uma sociedade humana ideais e, a maior parte das vezes,

constitui, ao mesmo tempo, uma crítica da sociedade do autor e uma

sugestão de reformas sociais a implementar ou de objectivos a atingir. AN

.: V :.vagueza

Uma afirmação é vaga quando dá origem a casos de fronteira indecidíveis. Por

exemplo, a frase "Sócrates era calvo" é vaga porque apesar de ser obviamente

verdadeira caso Sócrates tenha zero cabelos, e falsa caso tenha muitos

milhares, há casos intermédios em que não se sabe se a frase é verdadeira ou

falsa. Toda a linguagem é vaga, mas devemos tentar ser tão pouco vagos e tão

precisos quanto possível, particularmente em filosofia. Por exemplo, no dia-a-

Page 185: Dicionario de Filosofia Escolar

dia diz-se que o Fédon, de Platão, "tem a ver com" a imortalidade da alma, e

que "remete para" problemas metafísicos. Mas em filosofia quer-se maior

precisão: uma formulação e discussão clara dos problemas, teorias e

argumentos discutidos e apresentados no Fédon. DM

validade formal/material

A validade formal e material é uma forma popular e confusa de falar de

contradição e de verdade. Dizer que uma afirmação como "Os círculos são

quadrados" não tem "validade formal" é apenas uma maneira confusa de dizer

que essa afirmação é uma contradição (que não resulta, ironicamente, da sua

forma lógica). E dizer que uma afirmação como "A neve é branca" tem

"validade material" é apenas dizer que a afirmação é verdadeira. Em nenhum

dos casos se trata realmente de validade/invalidade. Ver também a priori /

a posteriori. DM

validade/invalidade

A correcção ou incorrecção de um argumento. Há dois tipos de validade: a

dedutiva e a não dedutiva. Um argumento dedutivo é válido quando é

impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se

isso for possível, o argumento é inválido. Um argumento não dedutivo é válido

quando é improvável, mas não impossível, que as suas premissas sejam

verdadeiras e a sua conclusão falsa; se for provável, é inválido. Não deve

confundir-se este sentido lógico dos termos "validade" e "invalidade" com o

seu sentido popular, que significa "com valor" e "sem valor". Assim,

popularmente diz-se que uma proposição é válida ou inválida, querendo dizer

que tem valor ou que não tem valor (e, muitas vezes, que é verdadeira ou

falsa). Mas não se pode dizer que uma proposição é válida ou inválida no

sentido lógico do termo. No sentido lógico do termo só os argumentos podem

ser válidos ou inválidos; as proposições são verdadeiras ou falsas,

interessantes ou entediantes, e muitas outras coisas, mas nunca podem ter a

propriedade da validade argumentativa. Ver verdade. DM

valor

Quando reconhecemos um valor nas coisas (por exemplo, considerando-as

belas, justas ou sagradas), inclinamo-nos a ter uma atitude favorável para

com elas que se reflecte nos nossos actos e escolhas (ver acção). Quem tem

Page 186: Dicionario de Filosofia Escolar

uma postura objectivista em relação aos valores julga que as coisas são

valiosas independentemente de as valorizarmos, mas para um subjectivista as

coisas são valiosas simplesmente porque as valorizamos. Atribuir valor

instrumental a uma coisa é considerá-la valiosa apenas em virtude de esta ser

um meio para alcançar aquilo que julgamos ter valor em si — isto é, aquilo

que julgamos ter valor intrínseco. Ver hedonismo,

objectivismo/subjectivismo, juízo de facto/juízo de valor. PG

valor de verdade

Ver verdade, valor de.

variável

Em lógica, um símbolo usado para representar um objecto ou uma proposição.

No cálculo proposicional as letras P, Q, etc. são normalmente usadas como

variáveis proposicionais para representar qualquer proposição. Por exemplo, a

expressão "Se P, então Q" permite representar a afirmação "Se está a chover,

não vou à praia", representando P "Está a chover" e Q "Não vou à praia". No

cálculo de predicados as letras x, y, etc., são normalmente usadas como

variáveis predicativas para representar qualquer objecto de um conjunto

especificado de objectos. Por exemplo, dado o conjunto dos seres humanos, o

símbolo x pode ser usado em "x é mortal", para representar qualquer um de

nós. Ver lógica e símbolos lógicos. CT

verdade lógica

Ver tautologia.

verdade, condições de

Ver tabela de verdade.

verdade, tabela de

Ver tabela de verdade.

verdade, valor de

O valor de verdade de uma proposição é o facto de essa proposição ser

verdadeira ou falsa. Por exemplo, o valor de verdade de "A neve é branca" é

"verdadeiro", e o valor de verdade de "A neve é azul" é "falso". Alguns filósofos

defendem que há outros valores de verdade; outros que nem todas as

proposições têm valor de verdade. Do ponto de vista estritamente lógico

Page 187: Dicionario de Filosofia Escolar

pode-se ter os valores de verdade que se quiser; a dificuldade é saber se

estamos apenas a inventar ficções ou a falar de valores de verdade reais. DM

verdade/falsidade

A verdade e a falsidade são propriedades de afirmações ou de proposições, e

não de argumentos, conceitos ou coisas extra-linguísticas. Os argumentos

não podem ser verdadeiros nem falsos, mas são válidos ou inválidos (ver

validade, invalidade); por exemplo: o modus tollens não pode ser verdadeiro

nem falso. Os conceitos não podem ser verdadeiros nem falsos, mas têm

extensão ou não; por exemplo, o conceito homem imortal não tem extensão

porque não há homens imortais. E as coisas extra-linguísticas não podem ser

verdadeiras nem falsas (excepto metaforicamente), mas são reais ou não; por

exemplo: uma laranja ou uma obra de arte não podem ser verdadeiras nem

falsas. Uma afirmação como "A neve é branca" é verdadeira se, e só se, a neve

é branca; e é falsa se a neve não for branca. Esta é a noção central de

verdade e falsidade, que por vezes se exprime assim: Uma afirmação "P" é

verdadeira se, e só se, P. Há várias teorias que tentam desenvolver esta noção

central de verdade, nomeadamente teorias da verdade como coerência,

correspondência, descitação, etc. DM

verificabilidade

Diz-se de uma afirmação que é verificável. Por exemplo, a frase "Há relva

verde" é verificável, pois podemos observar a relva para ver se a frase é ou

não verdadeira. Já a frase "As ideias incolores verdes dormem furiosamente

juntas" não é verificável, pois nada há que possamos observar de modo a

podermos ver se é ou não verdadeira. Este princípio só se aplica a frases

sintéticas (ver analítico/sintético). Os positivistas lógicos (ver positivismo

lógico) defendiam que as frases que não são verificáveis nem analíticas não

têm sentido. Ver verificacionismo. CT

verificacionismo

Tese central do positivismo lógico segundo a qual o significado de uma frase é

o seu método de verificação. Esta tese foi usada pelos positivistas nos seus

ataques à metafísica. Para eles, as frases de natureza metafísica não eram

verificáveis, e como tal a metafísica devia ser abandonada. Por "verificação"

entende-se em geral "verificação empírica", de modo que este princípio

Page 188: Dicionario de Filosofia Escolar

apenas se aplica a frases sintéticas (ver analítico/sintético). Dado que para os

positivistas as frases analíticas não tinham conteúdo factual, isto é, não eram

acerca do mundo, esta tese não se lhes aplicava. Quine foi um dos maiores

opositores do verificacionismo, defendendo que as frases não podem ser

verificadas isoladamente; têm de o ser em conjunto (ver holismo). Ver

Carnap, Wittgenstein. CT

verificável

Ver verificabilidade.

vida, sentido da

Ver sentido da vida.

virtude

Ver ética das virtudes.

vontade

O poder de desejar um certo resultado. Muitos filósofos distinguiram a

vontade do simples apetite ou inclinação, reservando para aquela um estatuto

mais elevado por depender da capacidade de antecipar resultados, que por

sua vez depende do raciocínio. Jean-Jacques Rousseau (1712-78), no seu livro

O Contrato Social (1762, trad. 1981, Europa-América) defendeu que a

vontade geral é a vontade da sociedade civil concretizada nas instituições

políticas. Para Kant, a vontade boa é aquela que, lutando contra os desejos e

inclinações egoístas, determina a acção de acordo com o imperativo moral, e

a vontade santa é aquela que o faria espontaneamente e sem tal luta. Para

Nietzsche, a vontade de poder é a característica fundamental da natureza

humana. Ver razão, desejo e intenção. APC

vontade boa

Designa, em Kant, a vontade que respeita a lei moral por si mesma,

considerando imperativo cumprir o dever incondicionalmente. Qualquer outro

sentimento, qualquer cálculo interessado ou outras inclinações sensíveis

retiram todo o valor moral às decisões e acções da vontade, tornando-a

dependente de algo exterior, ou seja, heterónoma. Obedecendo unicamente

às exigências da razão (a lei moral é uma lei puramente racional) a vontade

boa é a vontade autónoma. LR

Page 189: Dicionario de Filosofia Escolar

.: W, Z :.Weltanschauung

Termo alemão que significa "concepção geral do mundo".

Wittgenstein, Ludwig (1889-1951)

Filósofo austríaco. Wittgenstein nasceu em Viena e estudou filosofia, em

Cambridge, sob a orientação de Russell. Enquanto prisioneiro de guerra

terminou, em 1919, o manuscrito do seu Tractatus Logico-Philosophicus, com

o qual pensava ter resolvido todos os problemas filosóficos genuínos. Depois

de um interregno, em que foi professor primário e jardineiro, regressou à

Universidade de Cambridge em 1929. Durante a Segunda Guerra Mundial

chegou a trabalhar como porteiro, mas em 1945 voltou a dar aulas em

Cambridge. Desagradado com a vida académica, demitiu-se em 1947. Morreu

de cancro em 1951. O contributo de Wittgenstein para a filosofia costuma,

por facilidade, dividir-se em dois períodos, identificados pelas suas duas mais

representativas obras (o Tractatus, publicado em 1921 e as Investigações

Filosóficas, publicadas postumamente em 1953; ambos trad. 1995,

Gulbenkian). Na primeira expõe a sua teoria pictórica da linguagem, segundo

a qual as proposições expressas em frases com significado são como

representações pictóricas dos factos a que se referem (na medida em que se

deixam analisar em elementos básicos que correspondem aos indivíduos e às

relações entre indivíduos que constituem esses factos). Para além de

proposições com conteúdo factual determinado e tautologias, nada pode dar

origem a frases com sentido (as afirmações éticas, estéticas e a esmagadora

maioria das teses defendidas pelos filósofos ao longo da história, em

Page 190: Dicionario de Filosofia Escolar

particular metafísicas, são assim desqualificadas como destituídas de sentido

— uma concepção adoptada pelos positivistas lógicos). Na segunda fase da

sua vida filosófica, Wittgenstein adoptou um ponto de vista diferente acerca

da linguagem e do tipo de deficiências que a podem afectar. Preocupou-se,

em particular, com a relação entre a linguagem e as intenções com as quais a

usamos em contextos particulares, praticando assim alguma acção (por

exemplo, pedir, perguntar, ordenar, informar, etc.). A cada tipo de acção (e de

intenção associada) corresponde um "jogo de linguagem" com regras próprias,

cuja infracção leva à produção de sequências linguísticas sem sentido (de

modo que aquilo que Wittgenstein considerava ser a esterilidade da filosofia

tradicional é agora visto como o resultado deste tipo de infracção). O ponto

comum às duas fases da filosofia de Wittgenstein é a preocupação com os

limites da linguagem e com as pseudo-afirmações, pseudo-argumentos e

pseudo-teses que o desrespeito desses limites pode gerar. A sua concepção da

filosofia como disciplina essencialmente terapêutica, cujo objectivo é apenas

curar-nos das "enfermidades" conceptuais resultantes desse desrespeito,

manteve-se constante. A visão catastrófica de Wittgenstein acerca dos

problemas filosóficos tradicionais deixou de ter aceitação, mas a sua

influência (sobretudo na filosofia analítica) no modo como os filósofos se

precavêem contra o uso incorrecto, impreciso ou superficial da linguagem

perdurou até hoje. Por outro lado, as suas tendências místicas e o seu versátil

conceito de "jogo de linguagem" influenciam ainda hoje algumas correntes

filosóficas e, em alguma medida, as ciências humanas (o referido conceito

inspira frequentemente teorias relativistas — ver relativismo). Wittgenstein

produziu ainda contributos importantes em filosofia da matemática e em

filosofia da mente, e a sua ênfase na relação entre linguagem e acção foi

uma influência decisiva no desenvolvimento da pragmática. Além do

Tractatus e das Investigações, outras obras importantes de Wittgenstein são

Remarks on the Foundations of Mathematics (1956) e O Livro Azul (1958;

trad. 1992, Edições 70) e O Livro Castanho (1958; trad. 1992, Edições 70). Ver

também filosofia da linguagem. PS

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 22 (Lisboa: Temas e

Debates, 1999).

Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 15 (Lisboa: Presença, 1989).

Page 191: Dicionario de Filosofia Escolar

Zeitgeist

Termo alemão que significa "espírito do tempo", isto é, a mentalidade de uma

dada época. DM