diagnÓstico diferencial de lesÕes osteolÍticas e

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE LESÕES OSTEOLÍTICAS E PROLIFERATIVAS NO ESQUELETO DE UM INDIVÍDUO DO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA,TAVIRA Carmo, T. 1 ; Marques, C. 2,3 ; Umbelino, C. 2,3 ; Cavaco, S. 4 ; Covaneiro, J. 4 1 Campo Arqueológico de Mértola; 2 CIAS; 3 Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra; 4 Câmara Municipal de Tavira | [email protected] INTRODUÇÃO INDIVÍDUO Crânio Os parietais exibem três lesões: uma perfuração oval com contornos circunscritos em cunha e remodelação óssea - sutura sagital (Fig. 2) duas áreas delimitadas com localização bilateral e posterior nos parietais: macroporosidade coalescente, evidenciando destruição e remodelação óssea (Fig. 2.1). Observa-se um notório aumento da densidade do diploe. Afecta ambas as tábuas cranianas (Fig. 2.2) Clavícula esquerda formação de osso novo ao longo de toda a diáfise (Fig. 3) a região acromial apresenta uma lesão osteolítica circular (5 mm), bem delimitada com rebordos arredondados (Fig. 3) Costelas Três fragmentos, dois vertebrais esquerdos e uma diáfise com alterações: osteolíticas e proliferação óssea (Fig. 4) A etiologia da lesão na sutura sagital, cuja remodelação evidencia a sobrevivência do indivíduo, poderá ser traumática ou devido a uma trepanação, definida como uma remoção ante mortem de uma porção craniana, tendo sido usada ao longo dos tempos como uma prática médica ou ritual 3 . As demais alterações cranianas e pós-cranianas são passíveis de serem atribuídas a dois grupos nosológicos: às doenças infecciosas e às neoplasias a) A disseminação hematogénica de um agente infeccioso deverá ser considerada. A osteomielite (ausência de cloaca ou sequestrum 4 ) é uma etiologia menos provável. Já para outras infecções, como a sífilis, a tuberculose ou fúngicas, o diagnóstico diferencial é limitado, particularmente devido à incompletude óssea, que impediu uma aferição fidedigna do padrão de distribuição. b) As lesões parietais, da clavícula, das costelas e o envolvimento endosteal apoiam uma origem metastática. Contudo, as lesões diafisárias são menos comuns 6 . Similarmente, a preservação impediu a identificação de um envolvimento preferencial das áreas mais ricas em tecido hematopoiético, expectável nesta etiologia 7 . O caso reportado é exemplificativo de como a preservação condiciona o diagnóstico, realçando a importância desta no potencial informativo dos restos ósseos humanos. BIBLIOGRAFIA 1 Buikstra, J., Ubelaker, D. 1994. Standards for Data Collection from Human Skeletal Remains: Proceedings of a Seminar at the Field Museum of Natural History. Arkansas Archeological Survey Research Series 44: Fayetteville, Arkansas. 2 Silva, A. M. 1995. Sex assessment using the calcaneus and talus. Antrop. Port. 13: 107-119. 3 Erdal, Y.; Erdal, Ö. 2011. A review of trepanations in Anatolia with new cases. IJO, 21(5):505-534. 4 Ortner, D. 2003. Identification of pathological conditions in human skeletal remains. 2nd. San Diego: Academic Press. 5 Hackett, CJ. 1976. Diagnostic Criteria of Syphilis, Yaws, and Treponarid (Treponematoses) and of Some Other Diseases in Dry Bones. Springer- Verlag: Berlin. 6 Seeger, L.; Yao, L.; Eckardt, J.1998. Surface lesions of bone. Radiol, 206(1): 17-33. 7 Greenspan, A.; Remagen, W. 1998. Differential Diagnosis of Tumors and Tumor-like Lesions of Bone and Joints. Philadelphia, New York: Lippincott- Raven. ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS Identificação GRAÇA03.PE.21.1 (sep. 21 Indivíduo 1) Antropologia funerária decúbito dorsal, com orientação SE-NO. Braços cruzados sobre o abdómen inumado num caixão de madeira e colocado numa fossa Dados antropológicos adulto jovem 1 do sexo feminino 2 Estado de preservação fraco, com ausência de várias regiões anatómicas (Fig. 1) DISCUSSÃO E CONCLUSÃO No seguimento de trabalhos arqueológicos que tiveram lugar entre 2002 e 2003 no antigo Convento de Nossa Senhora da Graça, Tavira, actual Pousada da Enatur, foram intervencionadas as áreas do Claustro, da Igreja e do Poço do Elevador. Desta última foram postas a descoberto 24 sepulturas que continham 54 indivíduos, com balizas cronológicas situadas entre os séc. XVII e XVIII. Tíbias e fíbulas afecção bilateral das diáfises: reacção do periósteo difusa e acentuada (osso woven e lamelar) (Fig. 5, 5b, 6 e 6b) envolvimento endosteal: ténue espessamento e microporosidade Calcâneo esquerdo osso novo na superfície medial do corpo Figura 1. Ossos presentes (cor roxa) e áreas mal preservadas (tracejado) Figura 5. Tíbia direita (norma anterior). Figura 5b. Pormenor da diáfise (norma lateral). Figura 6b. Pormenor da diáfise (norma medial). Figura 6. Tíbia esquerda (norma anterior). Figura 2. Vista superior do crânio: (a) Lesão da sutura sagital; (b) alteração do parietal direito; (c) Alteração do parietal esquerdo. Figura 2.1. Pormenor da lesão (b). Figura 2.2. Lesão endocraniana (b). Figura 3. Clavícula esquerda (norma anterior). Reacção do periósteo e lesão osteolítica (seta). Figura 4. Fragmento de diáfise de costela (superfície visceral). a [57x40 mm] b [38x39 mm] c [39x30 mm]

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE LESÕES OSTEOLÍTICAS E

PROLIFERATIVAS NO ESQUELETO DE UM INDIVÍDUO

DO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA,TAVIRA

Carmo, T.1; Marques, C.2,3; Umbelino, C.2,3 ; Cavaco, S.4; Covaneiro, J.4 1Campo Arqueológico de Mértola; 2CIAS; 3Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra; 4Câmara Municipal de Tavira | [email protected]

INTRODUÇÃO INDIVÍDUO

Crânio Os parietais exibem três lesões:

• uma perfuração oval com contornos circunscritos em cunha e

remodelação óssea - sutura sagital (Fig. 2)

• duas áreas delimitadas com localização bilateral e posterior nos parietais:

macroporosidade coalescente, evidenciando destruição e remodelação

óssea (Fig. 2.1). Observa-se um notório aumento da densidade do diploe.

Afecta ambas as tábuas cranianas (Fig. 2.2)

Clavícula esquerda • formação de osso novo ao longo de toda a diáfise (Fig. 3)

• a região acromial apresenta uma lesão osteolítica circular (5 mm), bem

delimitada com rebordos arredondados (Fig. 3)

Costelas Três fragmentos, dois vertebrais esquerdos e uma diáfise com alterações:

• osteolíticas e proliferação óssea (Fig. 4)

• A etiologia da lesão na sutura sagital, cuja remodelação evidencia a sobrevivência do indivíduo, poderá ser traumática ou devido a

uma trepanação, definida como uma remoção ante mortem de uma porção craniana, tendo sido usada ao longo dos tempos como

uma prática médica ou ritual3.

• As demais alterações cranianas e pós-cranianas são passíveis de serem atribuídas a dois grupos nosológicos: às doenças

infecciosas e às neoplasias

a) A disseminação hematogénica de um agente infeccioso deverá ser considerada. A osteomielite (ausência de cloaca ou

sequestrum4) é uma etiologia menos provável. Já para outras infecções, como a sífilis, a tuberculose ou fúngicas, o diagnóstico

diferencial é limitado, particularmente devido à incompletude óssea, que impediu uma aferição fidedigna do padrão de distribuição.

b) As lesões parietais, da clavícula, das costelas e o envolvimento endosteal apoiam uma origem metastática. Contudo, as lesões

diafisárias são menos comuns6. Similarmente, a preservação impediu a identificação de um envolvimento preferencial das áreas

mais ricas em tecido hematopoiético, expectável nesta etiologia7.

• O caso reportado é exemplificativo de como a preservação condiciona o diagnóstico, realçando a importância desta no potencial

informativo dos restos ósseos humanos.

BIBLIOGRAFIA

1Buikstra, J., Ubelaker, D. 1994. Standards for Data Collection from

Human Skeletal Remains: Proceedings of a Seminar at the Field Museum

of Natural History. Arkansas Archeological Survey Research Series 44:

Fayetteville, Arkansas.

2Silva, A. M. 1995. Sex assessment using the calcaneus and talus.

Antrop. Port. 13: 107-119.

3Erdal, Y.; Erdal, Ö. 2011. A review of trepanations in Anatolia with new

cases. IJO, 21(5):505-534.

4Ortner, D. 2003. Identification of pathological conditions in human

skeletal remains. 2nd. San Diego: Academic Press.

5Hackett, CJ. 1976. Diagnostic Criteria of Syphilis, Yaws, and Treponarid

(Treponematoses) and of Some Other Diseases in Dry Bones. Springer-

Verlag: Berlin.

6Seeger, L.; Yao, L.; Eckardt, J.1998. Surface lesions of bone. Radiol,

206(1): 17-33.

7Greenspan, A.; Remagen, W. 1998. Differential Diagnosis of Tumors and

Tumor-like Lesions of Bone and Joints. Philadelphia, New York: Lippincott-

Raven.

ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS

Identificação

GRAÇA03.PE.21.1 (sep. 21 – Indivíduo 1)

Antropologia funerária

• decúbito dorsal, com orientação SE-NO. Braços cruzados sobre o abdómen

• inumado num caixão de madeira e colocado numa fossa

Dados antropológicos

• adulto jovem1 do sexo feminino2

Estado de preservação

• fraco, com ausência de várias regiões anatómicas (Fig. 1)

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

No seguimento de trabalhos arqueológicos que tiveram lugar entre

2002 e 2003 no antigo Convento de Nossa Senhora da Graça,

Tavira, actual Pousada da Enatur, foram intervencionadas as

áreas do Claustro, da Igreja e do Poço do Elevador. Desta última

foram postas a descoberto 24 sepulturas que continham 54

indivíduos, com balizas cronológicas situadas entre os séc. XVII e

XVIII.

Tíbias e fíbulas • afecção bilateral das diáfises: reacção do periósteo difusa e acentuada (osso woven

e lamelar) (Fig. 5, 5b, 6 e 6b)

• envolvimento endosteal: ténue espessamento e microporosidade

Calcâneo esquerdo

• osso novo na superfície medial do corpo

Figura 1. Ossos presentes (cor roxa)

e áreas mal preservadas (tracejado)

Figura 5. Tíbia direita

(norma anterior).

Figura 5b. Pormenor da

diáfise (norma lateral).

Figura 6b. Pormenor da

diáfise (norma medial).

Figura 6. Tíbia esquerda

(norma anterior).

Figura 2. Vista superior do crânio: (a) Lesão

da sutura sagital; (b) alteração do parietal

direito; (c) Alteração do parietal esquerdo.

Fig

ura

2.1

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(b).

Fig

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2.2

. Lesão

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(b).

Figura 3. Clavícula esquerda (norma anterior). Reacção do

periósteo e lesão osteolítica (seta).

Figura 4. Fragmento de diáfise de costela

(superfície visceral).

a [57x40 mm]

b [38x39 mm]

c [39x30 mm]