diagnóstico psicologico walter trinca

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DIAGNÓSTICO PSICOLOGICO A Prática Clínica WALTER TRINCA e.p.u editora. 1984: São Paulo

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  • DIAGNSTICO PSICOLOGICO

    A Prtica Clnica

    WALTER TRINCA

    e.p.u editora. 1984: So Paulo

  • Prefcio geral da Coleo

    A Coleo Temas Bsicos de Psicologia tem por finalidade apresentar de forma didtica e despretensiosa tpicos que so ministrados em vrias disciplinas dos cursos superiores de Psicologia ou outros em cujo curriculum constem disciplinas psicolgicas. O objetivo fundamental oferecer leituras introdutrias que sirvam como roteiro bsico para o aluno e que ajudem ao professor na elaborao e desenvolvimento do contedo programtico.

    Neste sentido, selecionamos autores com vasta experincia didtica em nosso meio, os quais, em virtude da profundidade de seus conhecimentos e do contato prolongado com alunos, cientes da dificuldade de adaptao da literatura importada para o nosso estudante, se dispuseram a colaborar conosco.

    Esperamos, assim, contribuir para a formao de profissionais psiclogos ou no, sistematizando e transmitindo, de forma simples, o conhecimento acadmico e prtico adquirido por nossos colaboradores ao longo dos anos, e tambm tornando a leitura um evento produtivo e agradvel.

    Clara Regina Rappaport

    Coordenadora

  • Prefcio XIII

    Este livro procura oferecer ao leitor uma viso bastante condensada daquilo que se passa no contexto psicodiagnstico. Esse contexto constitudo por tudo o que ocorre desde o incio do contato com o paciente e/ou seus responsveis (ou, mesmo, desde o contato prvio com a pessoa que o encaminhou) at o final desligamento do caso. Um dos principais elementos que compem o contexto psicodiagnstico o processo de realizao que se estabelece, isto , a seqncia de fases ou passos estruturados e orientados em funo de determinados embasamentos tericos e prticos que existem para a consecuo dos objetivos diagnsticos. Na viso introduzida por este livro destacam-se estudos e observaes a respeito dos principais ingredientes do processo diagnstico, tendo como propsito a fundamentao da prtica clnica, bem como servir de recurso auxiliar efetivao da mesma.

    Ao falar de psicodiagnstico referimo-nos, aqui, especificamente ao trabalho feito por pisclogos clnicos em situao de diagnstico individual, que se manifesta em relao bipessoal (incluindo psiclogo-paciente e psiclogo-famlia do paciente). No abordamos, pois, temas relacionados a psicodiagnsticos de casal, de famlia, de outros grupos e de situaes existentes fora do mbito da clnica psicolgica. O texto, como um todo, abrange questes a respeito do diagnstico psicolgico aplicvel a todas as idades; contudo, algumas passagens so dedicadas exclusivamente ao diagnstico infantil. A orientao geral do livro norteada pelo processo diagnstico de tipo compreensivo, tal como o descrevemos no captulo 2

    Somos reconhecidos ao Dr. Oswaldo Dante Milton Di Loreto que foi, em nosso meio, quem por primeiro concebeu a existncia de diagnsticos que coloca nfase em um posicionamento do psiclogo estribado no uso de suas prprias habilidades clnicas, derivadas de suas experincias de contato com a vida mental. Neste sentido, indispensvel que os alunos de cursos de graduao e os profissionais prin-ipiantes complementem a leitura do texto com a prtica do atendimento supervisionado. Em grande pate, este trabalho refere-se a informaes a que tm acesso aqueles que fazem uso da prtica clnica voltada para a realidade psquica individual e suas expresses nos grupos. uma abordagem que difere, portanto, das concepes psicodiagnsticas fundamntadas em modelos psicomtricos.

    Nosso trabalho tem em vista contribuir para a preparao do profissional quanto melhor utilizao dos recursos facilmente disponveis (entrevistas clnicas, observaes clnicas, tcnicas de investigao clnicas da personalidade etc.), libertando-o da dependncia de mtodos e processos custosos e de difcil alcance. Estes, geralmente, no se coadunam com a realidade brasileira. Ao obter maior domnio da orientao aqui proposta, o psiclogo provavelmente ter melhores condies para exercitar atividades psicolgicas comunitrias, entre outras.

    O plano desta obra est em conformidade com os programas dos cursos de graduao em Psicologia, segundo a proposta desta coleo. Como foi dividido entre vrios colaboradores, cada qual desenvolveu livremente a sua parte, ainda que se guiando por um referencial geral. No entanto, o tratamento que deu sua parte, os conceitos emitidos, a nfase em determinados aspectos etc., nem sempre coincidem com

  • a opinio do organizador ou dos demais autores. Isto no fez com que a obra, em seu conjunto, viesse a sofrer prejuzos em sua estrutura, coerncia e unidade. So aspectos que acrescentam contribuies ao debate dos assuntos.

    Em que medida este livro pode contribuir para o processo criativo do psiclogo em sua prtica clnica? Pensamos que, em primeiro lugar, ele proporciona uma viso do contexto diagnstico como um todo e, dentro dessa totalidade, das partes que merecem maior ateno. Em segundo lugar, oferece parmetros prtica diagnstica orientada para uma direo que tem-se revelado eficaz no atendimento de pacientes. Assim, indica os referenciais tericos e prticos bsicos e os meios de se atingir a realizao da tarefa. Finalmente, um esboo de um sistema estruturado. Isto significa que o diagnstico psicolgico concebido como um corpo organizado e significativo de princpios, mtodos e tcnicas compreensivos como processos que se caracterizam por uma sntese harmnica e descritiva do conjunto dos dados.

    Procuramos, sempre que possvel, mencionar as principais questes que hoje se colocam a propsito do tema, como proposta de abertura para discusses entre professores e alunos (entre profissionais, ou como subsdios para futuras pesquisas). Para isso, inserimos uma bibliografia geral, alm da bibliografia especfica de cada capftu lo.

    Alguns esclarecimentos, ainda, se fazem necessrios. Deliberada- mente, os autores no procuraram uniformizar entre si o uso de termos como: a) cliente e paciente; b) diagnstico psicolgico, psicodiagnstico, estudo de caso e avaliao diagnstica. Estes termos so empregados tanto como sinnimos, quanto de acordo com o sentido que tm no contexto de cada captulo. Outro aspecto, lacunar no trabalho que .ora apresentamos, a insuficincia de ilustraes clnicas, que se deve restrio do nmero de pginas programadas pela Editora (devido s caractersticas prprias da coleo Temas Bsicos de Psicologia).

    Apesar de todas as dificuldades, cremos que se torna imprescindvel neste momento apresentar uma tentativa de sistematizao metodolgica do diagnstico psicolgico.

    Walter Trinca

  • Sumrio

    Prefcio geral da Coleo XI

    Prefcio XIII

    1. Contexto geral do diagnstico psicolgico (Marlia Anco na-Lopes)

    1. 1. O termo diagnstico

    1 .2. A Psicologia Clnica e as abordagens psicodiagnstica

    1 .3. Teoria e prtica

    1 .4. Bibliografia

    2. Processo diagnstico de tipo compreensivo (Walter Trinca)

    2.1. Introduo

    2 .2. Fatores estruturantes do processo compreensivo

    2.3. Outros aspectos

    2.4. Bibliografia

    3. Referenciais tericos do processo diagnstico de tipo com preensiv (Walter Trinca)

    3. 1. Introduo

    3.2. Processos intrapsquicos

    3.3. Desenvolvimento e maturao

  • 3.4. Dinmica familiar

    3 .5. Relaes psiclogo-paciente

    3 .6. Teorias que fundamentam os testes psicolgicos .

    3 .7. Bibliografia

    4. A relao psiclogo-cliente no psicodiagnstico infantil (Tnia Maria Jos Aiello Tsn)

    4.1. Introduo

    4.2. Definio de cliente

    4.3. A instrumentao da relao psiclogo-cliente .

    4.4. A instrumentao da relao do ponto de vista epistemolgico

    4.5. A relao psiclogo-cliente do ponto de vista tcnico

    4.6. A relao psiclogo-cliente do ponto de vista tico

    4.7. Bibliografia

    5. Procedimentos clnicos utilizados no Psicodiagnstico (Gilberto Safra)

    5. 1. Introduo

    5.2. O jogo de rabiscos

    5.3. O procedimento de desenhos e estrias

  • 5.4. O ludodiagnstico

    5 . 5. A entrevista verbal com a criana

    5.6. Testes psicolgicos usuais no psicodiagnstico

    5.7. Bibliografia

    6. Entrevistas clnicas (Mary Dolores Ewerton Santiago) .

    6.1. Introduo

    6.2. A importncia de um marco referencial na estru tura da entrevista

    6.3. A relao psiclogo-paciente na entrevista psicolgica

    6.4. A entrevista inicial

    6.5. As entrevistas subseqentes

    6.6. As entrevistas devolutivas

    6.7. Bibliografia

    7. O pensamento clnico e a integrao dos dados no diagnstico psicolgico (Ana Maria Trap Trinca e Elisabeth Becker)

    7.1. Introduo

    7.2. Estudos sobre indicadores de integrao nos testes projetivos

    7.3. Estudos sobre a integrao de contedos no pro cesso diagnstico

  • 7.4. Formas de pensamento clnico em diagnstico da personalidade

    7 . 5. O pensamento clnico e as condies bsicas para o seu funcionamento

    7.6. Bibliografia

    8. O trmino do processo psicodiagnstieo (Snia Regina Jubelini)

    8.1. Introduo

    8.2. Encaminhamentos

    8.3. Consideraes gerais sobre o informe psicolgico

    8.4. Sugestes para a composio do informe psicolgico

    8.5. Bibliografia

    9. Bibliografia geral

    ]

  • 1 Contexto geral do diagnstico psicolgico

    Marlia Ancona-Lopez

    1. 1. O termo diagnstico

    1 . 1 . 1. Sentido amplo e restrito A palavra diagnstico origina-se do grego diagnstiks e significa

    discernimento, faculdade de conhecer, de ver atravs de. Compreendido dessa forma, o diagnstico inevitvel, pois, sempre que explicitamos nossa compreenso sobre um fenmeno, realizamos um de seus possveis diagnsticos, isto , discernimos nele aspectos, caractersticas e relaes que compem um todo, o qual chamamos de conhecimento do fenmeno. Para chegarmos a esse conhecimento, utilizamos processos de observaes, de avaliaes e de interpretaes que se baseiam em nossas percepes, experincias, informaes adquiridas e formas de pensamento. nesse sentido amplo que a compreenso de um fenmeno confunde-se com o diagnstico do mesmo. Em sentido mais restrito, utiliza-se o termo diagnstico para referir-se possibilidade de conhecimento que vai alm daquela que o senso comum pode dar, ou seja, possibilidade de significar a realidade que faz uso de conceitos, noes e teorias cientficas.

    Quando procuramos ler determinado fato a partir de conhecimentos especficos, estamos realizando um diagnstico no campo da cincia ao qual esses conhecimentos se referem. Uma folha de papel pode ser compreendida atravs de um estudo do material que a compe, de seu custo, da sua utilidade social ou de seu surgimento histrico, dependendo dos conhecimentos colocados a servio da busca de compreenso. Evidentemente, nem todos os conhecimentos podem ser aplicados a todos os fatos. Conhecimentos de lgebra dificilmente nos sero teis para a compreenso da Histria do Brasil e vice-versa. Se, porm, o objeto de estudo de diversas cincias for o mesmo, ser possvel aplicar a esse objeto os conhecimentos de todas essas cincias. Por exemplo, ao estudar um animal utilizando conhecimentos da Zoologia, enriqueceremos esse estudo recorrendo Biologia.

    1 . 1 .2. O diagnstico psicolgico

    A Psicologia se insere no conjunto das Cincias Humanas. Utilizamos seus

    conhecimentos para a compreenso de qualquer fenmeno humano. Esse mesmo fenmeno poder tambm ser objeto de estudo de outras cincias, o que permitir integrar conhecimentos, enriquecendo nossa compreenso. Porm, ainda que empreguemos dados de outras cincias, ao tratarmos das funes do psiclogo, estaremos sempre nos referindo ao conjunto de fenmenos possveis de serem estudados pela Psicologia e ao conjunto de conhecimentos psicolgicos que se desenvolveram a partir do estudo desses fenmenos. De fato, o objeto de estudo, os conhecimentos e mtodos utilizados caracterizam nosso trabalho, delimitam nosso campo de competncia e permitem que se desenvolva nossa identidade profissional.

    Os conhecimentos dentro do campo da Psicologia, como de qualquer outra cincia, no se agrupam indiscriminadamente. Constituem e esto constitudos em teorias das quais decorrem os procedimentos e as tcnicas.

  • Na histria da Psicologia encontramos inmeras teorias que definem de forma diferente seu objeto de estudo e o mtodo a utilizar. Algumas tomaram mtodos emprestados das cincias naturais, def inindo em funo dos mesmos o fenmeno a estudar, e algumas buscaram criar mtodos prprios. Mesmo a classificao da Psicologia como cincia humana, ou como cincia natural, e o reconhecimento da existncia de teorias psicolgicas foram e so muitas vezes questionados pelos estudiosos do conhecimento. Porm, estas so as organizaes do conhecimento que encontramos no atual estgio do desenvolvimento da Psicologia. So as que estudamos, frente s quais nos posicionamos e com as quais trabalhamos.

    Neste livro trataremos do diagnstico psicolgico. O diagnstico psicolgico busca uma forma de compreenso situada no mbito da Psicologia. Em nosso Pas, uma das funes exclusivas do psiclogo garantidas por lei (Lei n. 4119 de 27-8-1962, que dispe sobre a formao em Psicologia e regulamenta a profisso de psiclogo). Outras funes exclusivas so a orientao e seleo profissional, orientao psicopedaggica, soluo de problemas de ajustamento, direo de servios de Psicologia, ensino e superviso profissional, assessoria e percias sobre assuntos de Psicologia.

    Quando nos dispomos a realizar um psicodiagnstico, presumimos possuir conhecimentos tericos, dominar procedimentos e tcnicas psicolgicas. Como so muitas as teorias existentes, e nem sempre convergentes, a atuao do psiclogo em diagnstico, assim como nas outras funes privativas da profisso, varia consideravelmente. Em outras palavras, porque a atuao profissional depende de uma forma de conhecimento, mtodo de estudo e procedimentos utilizados considerando que na Psicologia estes so muitas vezes incipientes , que se encontram muitas concepes e estruturaes diferentes do diagnstico psicolgico. O prprio uso do termo varia, de acordo com essas concepes. Encontra-se, muitas vezes, ao invs de diagnstico psicolgico, a utilizao dos termos psicodiagnstico, diagnstico da personalidade, estudo de caso ou avaliao psicolgica. Cada um desses termos utilizado preferencialmente por grupos de profissionais posicionados de formas diferentes diante da Psicologia.

    Assim, antes de nos propormos a atuar profissionalmente, ser interessante explicitarmos sobre que fenmenos pretendemos atuar, quais sero os referenciais tericos, os mtodos e procedimentos a utilizar.

    1 . 2. A Psicologia Clnica e as abordagens psicodiagnsticas

    O termo Psicologia Clnica foi utilizado, pela primeira vez, em 1896, referindo-se a procedimentos diagnsticos utilizados junto clnica mdica, com crianas deficientes fsicas e mentais. O interesse por esse diagnstico surgiu a partir do momento em que as doenas mentais foram consideradas semelhantes s doenas fsicas. Passaram, ento, a fazer parte do universo de estudo da cincia, e no mais da religio, como anteriormente, quando eram consideradas castigos divinos ou possesses.

    Pareadas com as doenas fsicas, foi necessrio observar as doenas mentais, verificar sua existncia como entidades especficas, descrev-las e classific-las. Dessa forma, a par da Psiquiatria, atividade mdica destinada a combater a doena mental, desenvolveu-se a Psicopatologia, ou seja, o ramo da cincia voltado ao estudo do comportamento anormal, definindo-o, compreendendo seus aspectos subjacentes, sua etiologia, classificao e aspectos sociais. Do mesmo modo, a par do desenvolvimento da Psicologia, isto , do estudo sistemtico da vida psquica em geral, desenvolveu-se a

  • Psicologia Clnica, como atividade voltada preveno e ao alvio do sofrimento psquico. 1 .2. 1. A busca de um conhecimento objetivo

    A forma de atuao inicial em psicodiagnstico refletiu a postura predominante, na poca, entre os cientistas. Estes consideravam possvel chegar-se ao conhecimento objetivo de um fenmeno, utilizando uma metodologia baseada em observao imparcial e experimentao. Esta postura, na qual a confirmao de hipteses se baseia em marcos referenciais externos, conhecida em sentido amplo como postura positivista, predominou principalmente no continente americano. Dentro dessa orientao, desenvolveram-se o modelo mdico de psicodiagnstico, o modelo psicomtrico e o modelo behaviorista. a) O modelo mdico

    O trabalho em diagnstico psicolgico junto aos mdicos marcou o incio da atuao profissional. Houve uma transposio do modelo mdico para o modelo psicolgico. Este adquiriu algumas caractersticas: enfatizou os aspectos patolgicos do indivduo, usando como quadros referenciais as nosologias psicopatolgicas e enfatizou o uso de instrumentos de medidas de determinadas caractersticas do indivduo. No campo da Psicopatologia, multiplicaram-se as tentativas de estabelecer diferenas entre desordens orgnicas, endgenas, e desordens funcionais, exgenas, procurando-se estabelecer relaes entre as mesmas e os distrbios de comportamento. Estabeleceram-se, tambm, relaes de causalidade entre os distrbios orgnicos e os distrbios psicolgicos, principalmente nas reas da Neurologia e da Bioqumica. Na procura do estabelecimento de quadros classificatrios das doenas mentais, precisos e mutuamente exclusivos, buscou-se organizar sndromes sintomticas que caracterizassem esses quadros e pudessem ser observadas. Os comportamentos considerados patolgicos passaram a ser descritos detalhadamente. Elaboraram-se testes para determinar e detectar os processos psquicos subjacentes, inclusive detectar tendncias patolgicas.

    O objetivo desses testes, na prtica, era fornecer informaes aos mdicos que as utilizavam, como ubsdios para determinar os diagnsticos psicopatolgicos. Procuravam-se tambm, nos testes, sinais de distrbios orgnicos que, pareados aos dados sintomticos, justificassem pesquisas mdicas mais aprofundadas.

    As dificuldades encontradas nessa abordagem ligavam-se ao fato de que os quadros sintomticos nem sempre se adequam ao quadro apresentado pelo sujeito. Alm disto, os mesmos sintomas podiam ter muitas vezes causas diversas e, vice-versa, as mesmas causas podiam provocar diferentes sintomas.

    Do ponto de vista do psiclogo, a grande nfase nos aspectos psicopatolgicos deixava em segundo plano caractersticas no-pato- lgicas do comportamento das pessoas, limitando o estudo e o conhecimento sobre o indivduo.

    Apesar dessas dificuldades, utilizam-se at hoje classificaes psicopatolgicas, principalmente no que se refere aos grandes grupos nosolgicos. Convm lembrar que, dentro da Psicopatologia, h diferentes classificaes, e estas obedecem a diferentes critrios. A utilizao de critrios classificatrios justifica-se, porm, pela busca de uma linguagem comum. b) O modelo psicomtrico

  • O desenvolvimento dos testes foi, aos poucos, estabelecendo um campo de atuao exclusivo para o psiclogo e garantindo sua identidade profissional, embora precria, j que condicionada autoridade do mdico a qu&m cabia solicitar esses testes e receber os resultados dos mesmos.

    Na atuao, foi com o uso de testes, principalmente junto a crianas, que os psiclogos ganharam maior autonomia. Nesse trabalho, esforavam-se por determinar, atravs dos testes, a capacidade intelectual das crianas, suas aptides e dificuldades, assim como sua capacidade escolar. Esses resultados, com o tempo, deixaram de ser obrigatoriamente entregues a outros profissionais. Utilizados pelos prprios psiclogos, serviam agora para orientar pais, professores ou os prprios mdicos. Na utilizao dos resultados dos testes, tornou-se menos importante detectar distrbios e classific-los psicopatologicamente, mas sim estabelecer diferenas individuais e orientaes especificas.

    A viso de homem subjacente ao modelo psicomtrico implicava a existncia de caractersticas genricas do comportamento humano. Essas caractersticas, de ordem gentica e constitucional, eram consideradas relativamente imutveis. Os testes visavam a identific-las, classific-las e medi-las. Entre as teorias da Psicologia que procuraram explicitar essa viso, encontram-se a Tipologia, a Psicologia das Faculdades e a Psicologia do Trao, cada uma delas definindo um conceito de homem e indicando uma forma de diagnostic-lo.

    O desenvolvimento da Psicologia nessas direes foi bastante influenciado por acontecimentos histricos, principalmente nos Estados Unidos. Neste pas, durante a Segunda Guerra Mundial atribuiu-se Psicologia a funo de selecionar indivduos, aptos ou no para o exrcito, e avaliar os efeitos da guerra sobre os que dela retornavam. Foi destinada maior verba s pesquisas psicolgicas e proliferaram os testes. Estes foram amplamente difundidos no Brasil. c) O modelo behaviorista

    Enfatizando a postura positivista, desenvolveram-se as teorias behavioristas. Estas, partindo do princpio de que o homem pode ser estudado como qualquer outro fenmeno da natureza, incluram a Psicologia entre as cincias naturais e transportaram seus mtodos para o estudo do homem. A fim de poder aplicar o mtodo das cincias naturais, necessitavam de um objeto de estudo observvel e mensurvel, e declararam o comportamento observvel como o nico objeto possvel de ser estudado pela Psicologia.

    Consideraram que o comportamento humano no decorre de caractersticas inatas e imutveis, mas aprendido, podendo ser modificado. Passaram a estud-lo, preocupando-se em alcanar as leis que o regem e as variveis que nele influem, a fim de se poder agir sobre ele, mantendo-o, substituindo-o, modelando-o ou modificando-o.

    Os behavioristas criaram formas prprias de avaliao do comportamento a ser estudado. No utilizaram o termo psicodiagnstico, valendo-se dos termos levantamentos de repertrio ou anlises de comportamento. 1 .2.2. A importncia da subjetividade

    Paralelamente a essas tendncias, desenvolveu-se uma nova forma de conhecimento que repercutiu consideravelmente na Psicologia. Desde o incio do sculo, alguns filsofos insurgiram-se contra a viso de cincia que considerava possvel uma total separao entre o sujeito e o objeto de estudo. Para esses filsofos,

  • todo o conhecimento estabelecido pelo homem, no se podendo negar a participao de sua subjetividade. Dessa forma, no possvel admitir como vlida uma psicologia positivista, objetiva e experimental. O homem no pode ser estudado como um mero objeto, fazendo parte do mundo, pois o prprio mundo no passa de um objeto intencional para o sujeito que o pensa. Desse modo, os mtodos das cincias naturais no poderiam ser transpostos para as cincias humanas, j que estas possuem caractersticas especficas.

    Esta forma de pensar foi marcante para a Psicopatologia e para a Psicologia. No campo desta ltima, deu origem Psicologia Fenomenolgico-existencial e Psicologia Humanista. Todas essas correntes afirmam que a conscincia, a vida intencional, determina e determinada pelo mundo, sendo fonte de significao e valor. Salientam o carter holstico do homem e sua capacidade de escolha e autodeterminao. Partindo dessa posio frente ao homem e incia, inmeras escolas surgiram e encararam de formas diversas a questo do psicodiagnstico. a) O Humanismo

    As correntes humanistas, evitando posies reducionistas ao lidar com o homem, procuraram manter uma viso global do mesmo e compreender seu mundo e seu significado, sem as referncias tericas anteriores. Insurgiram-se contra o diagnstico psicolgico, criticando seu aspecto classificatrio e o uso do indivduo atravs dos testes. Procuraram restifuir ao ser humano sua liberdade e condies de desenvolvimento, repudiando o psicodiagnstico e considerando-o um verdadeiro leito de Procusto. Para os humanistas, os procedimentos diagnsticos so artificiais. Constituem-se em racionalizaes, acompanhadas de julgamentos baseados em constructos tericos que descaracterizam o ser humano. Esses psiclogos no se utilizam de diagnsticos e de testes, considerando que, atravs do relacionamento estabelecido com o cliente, durante a psicoterapia ou aconselhamento, alcanam uma compreenso do mesmo. b) A Psicologia Fenomenolgico-existencial

    Algumas correntes da Psicologia Fenomenolgico-existencial reformularam a viso do psicodiagnstico. Para estes psiclogos, os dados obtidos em entrevistas e/ou em testes podem ser teis e trazer informaes a respeito das pessoas, ajudando-as no caminho do autoconhecimento. Esses dados devem ser discutidos diretamente com os clientes, estabelecendo-se com os mesmos as possveis concluses. Apesar de empregarem testes e informaes derivadas de diferentes correntes do conhecimento psicolgico, utilizam-nas apenas como recursos ou estratgias a serem trabalhadas com os clientes. O psicodiagnstico considerado mais do que um estudo e avaliao. Salienta-se o seu aspecto de interveno, diluindo-se os limites que separam o psicodiagnstico da interveno teraputica. c) A Psicanlise

    Decorrente da mesma postura que no considera possvel a completa objetividade, assim como no aceita a completa subjetividade e atribui significao particular a todo comportamento humano, desenvolveu-se a Psicanlise. Sua influncia, sentida inicialmente na Europa, fez-se notar no continente americano, principalmente no

  • perodo da Segunda Guerra Mundial, quando houve uma grande imigrao de psicanalistas europeus.

    A Psicanlise prov uma revoluo na Psicologia, explicitando o conceito de inconsciente e explicando, atravs de processos intrapsquicos, os diferentes comportamentos que procura compreender. Atravs da tica psicanaltica, rediscutem-se a determinao psquica, a dinmica da personalidade, revem-se os comportamentos psicopatolgicos, sua origem e prognstico.

    Embora, desde o incio, os estudos psicolgicos tenham se preocupado em definir e conhecer a personalidade, foi a Psicanlise que props o complexo mais completo de formulaes sobre sua formao, estrutura e funcionamento. Entre os psicanalistas, desenvolveram-se vrias escolas, que se diferenciam pela nfase colocada em diferentes aspectos da personalidade, e pelas explicaes sobre o desenvolvimento das mesmas. Todas concordam quanto aos conceitos psicanalticos fundamentais.

    Apesar das diferenas entre as correntes psicanalticas, sua influncia na prtica do psicodiagnstico foi a mesma. Acentuou-se o valor das entrevistas como instrumento de trabalho, o estudo da personalidade atravs da utilizao de observaes e tcnicas projetivas e se desenvolveu uma maior considerao da relao do psiclogo e do cliente com a instrumentalizao dos aspectos transferenciais e contratransferenciais. Enfim, a Psicanlise desenvolveu instrumentos diagnsticos sutis, que permitem verificar o que se passa com o indivduo por detrs de seu comportamento aparente. 1 .2.3. A procura de integrao

    Todas as abordagens em Psicologia, que surgiram e foram se desenvolvendo ao longo do tempo, tm seus equivalentes atuais. Isto quer dizer que, hoje, entre os psiclogos, encontramos aqueles que atuam a partir de conceitos do homem e da cincia positivistas, fenomenolgico-existenciais, humanistas e psicanalticos. Estas seriam as grandes tendncias encontradas em Psicologia. Podemos dizer que, apesar de apresentarem diferenas fundamentais, muitas vezes se interseccionam, no sendo sempre possvel detectar as fronteiras entre as mesmas. Apesar dos diferentes marcos referenciais, a conceituao de cada uma dessas tendncias muito ampla e cada uma delas apresenta inmeros desdobramentos, de tal forma que, na prtica da Psicologia e, portanto, na prtica do psicodiagnstico, temos, como j foi dito, vrias formas de atuao, muitas das quais no podem ser consideradas decorrentes exclusivamente de uma ou de outra dessas abordagens. Em outras palavras, quando olhamos concretamente para a Psicologia Clnica, verificamos grandes variaes de conhecimentos e atuaes. Alguns podem ser agrupados em blocos razoavelmente organizados, outros so ainda muito empricos e com desenvolvimento bastante incipiente.

    Na transcorrer da histria da Psicologia, algumas teorias psicolgicas provocaram grande entusiasmo por parte dos profissionais. Parecia que sanariam as dificuldades internas desta cincia e preencheriam as lacunas de conhecimento, alm de proverem-na de instrumentos efetivos de atuao. Em alguns momentos, isto aconteceu com mais de uma teoria. Estas teorias, desenvolvendo-se s vezes em direes diferentes, criaram em certos perodos verdadeiras disputas entre profissionais, que procuravam provar a maior ou menor qualidade de suas propostas. O fato que nenhuma teoria, at agora, mostrou-se suficiente para responder a todas as questes colocadas pela Psicologia.

    O que se nota hoje, na maioria dos psiclogos, j no uma acirrada batalha no sentido de fazer prevalecer sua posio, mas sim uma postura crtica diante do conhecimento psicolgico, e a procura de uma integrao entre as diversas conquistas

  • at agora realizadas em seu campo. Este processo de integrao reflete-se tambm no trabalho de psicodiagnstico.

    Atualmente, todas as correntes em Psicologia concordam, embora partindo de pressupostos e mtodos diferentes, que, para se compreender o homem, necessrio organizar conhecimentos que digam respeito sua vida biolgica, intrapsquica e social, no sendo possvel excluir nenhum desses horizontes. Em relao aos aspectos biolgicos do sujeito, ao realizarem o psicodiagnstico, os psiclogos se preocupam com os fatores de desenvolvimento e maturao, com especial ateno organizao neurolgica refletida no exerccio das funes motoras. A avaliao dessas funes ocupa um local de importncia no psicodiagnstico infantil (ao lado da avaliao cognitiva), pois est diretamente ligada ao pragmatismo e ao sucesso escolar. Ainda, nesta avaliao, cabe ao psiclogo perguntar-se sobre possveis causas orgnicas subjacentes queixa apresentada. Caso suspeite da existncia de distrbios fsicos, deve remeter o cliente ao mdico. Evitar, deste modo, os riscos da psicologizao, isto , fornecer explicaes psicolgicas a distrbios de outra origem. A avaliao dos processos intrapsquicos, principalmente da estrutura e dinmica da personalidade, constitui-se no cerne do psicodiagnstico. E ao redor dela que se organizam os demais dados. A relao do cliente com o psiclogo, assim como os papis familiares e sociais, valores e expectativas, no deixam de ser considerados. A maior responsabilidade do psiclogo, porm, reside no trabalho de integrao desses dados, j que a diviso dos mesmos no passa de um artifcio para permitir um trabalho mais sistemtico.

    Apesar da busca de integrao, sabemos que um psicodiagnstico, por mais completo que seja, refere-se a um determinado momento de vida do indivduo, e constitui sempre uma hiptese diagnstica. Isto porque a Psicologia, como qualquer outra cincia, no pode ser considerada um corpo de conhecimentos acabado, completo e fechado. 1 .3. Teoria e prtica

    E muito importante conhecermos a situao na qual se encontra a Psicologia, por dois motivos. Primeiro, porque sabendo dos problemas de conhecimento com os quais nossa profisso se depara, no podemos deixar de lado questes de Filosofia e de Epistemologia, que nos impediro de cair numa atuao acrtica e alienada, isto , uma atuao na qual se utilizem, indiscriminadamente, diferentes conceitos, noes e prticas, sem explicit-los e sem definir nossa posio frente aos mesmos. Em segundo lugar, porque conhecendo as dificuldades que a Psicologia encontra, podemos compreender com maior facilidade como estas se refletem na prtica, e encontrar formas de atuao, junto aos clientes, que nos permitam agir com segurana e tranqilidade.

    A relao entre a prtica e a teoria em diferentes cincias e, portanto, tambm em Psicologia, uma das questes que ocupa os estudiosos. Para alguns, a prtica deve decorrer estritamente de uma postura e mtodos tericos. Para outros, o importante a explicitao do cinturo de conceitos e noes no qual o sujeito se apia, sem que, obrigatoriamente, esse cinturo esteja organizado anteriormente em uma teoria, O fato que a prtica e a teoria se alimentam mutuamente. Uma no se desenvolve sem a outra, no podendo haver desvinculao e nem subordinao total entre elas. A incompreenso dos aspectos implicados nessa relao pode levar a uma desqualificao do trabalho prtico do profissional, por parte daqueles que se consideram produtores do conhecimento, ou a uma atuao desvinculada da teoria e que se descaracterizaria como

  • prtica profissional. Por outro lado, a total subordinao da prtica teoria restritiva e improdutiva para ambas. 1 .3. 1. A prtica do psicodiagnstico

    Na prtica da Psicologia Clnica visa-se, basicamente, a aliviar o sofrimento psquico do cliente. Na prtica do psicodiagnstico, o objetivo organizar os elementos presentes no estudo psicolgico, de forma a obter uma compreenso do cliente a fim de ajud-lo. Na concretizao dessa prtica, muitas atuaes baseiam-se em solues pragmticas, mais do que em solues decorrentes de uma abordagem terica. Isto porque, na prtica, entram em jogo novas dimenses.

    Ao atuar em psicodiagnstico, o psiclogo est atendendo a objetivos definidos teoricamente. Est aplicando conhecimentos tericos, validando-os ou modificando-os. As observaes decorrentes dessa aplicao, se pesquisadas e informadas, traro subsdios teis a revises e reformulaes tericas. Est tambm cumprindo sua funo profissional de ajudar o cliente. Desempenhando essa funo, afirma o papel do psiclogo, preserva o espao da profisso e atende necessidade da mesma. Alm desses objetivos, inerentes profisso, o psiclogo estar servindo a outros desgnios que decorrem das condies sociais e organizacionais onde atua. Estas condies determinam o contexto no qual vai se desenvolver a atuao. Assim, ao realizarmos um psicodiagnstico, tendo definido para ns mesmos as questes ligadas ao conhecimento psicolgico e prtica profissional, devemos considerar o contexto no qual essa atuao est insenda.

    1 .3.2. O contexto da atuao

    O maior desenvolvimento dos modelos de psicodiagnstico atuais deu-se em consultrios privados, no atendimento a uma clientela socialmente privilegiada. A valorizao do psiclogo como profissional liberal contribuiu para a preferncia pela atuao autnoma, em detrimento da atuao em instituies. Nestas, a mera transposio dos modelos de psicodiagnstico utilizados em consultrios, mostrou-se ineficiente. A situao passou a incluir, alm do psiclogo e do cliente, um terceiro elemento, a instituio, que modificou a estruturao do trabalho. Nem sempre a instituio, os psiclogos e os clientes apresentam necessidades e objetivos coincidentes.

    A atuao em psicodiagnstico prev o conhecimento das necessidades do cliente. Questes ticas propem ao psiclogo o conhecimento e a elaborao de suas prprias necessidades e desejos, a fim de que os mesmos no interfiram no trabalho profissional, prejudicando-o. Consideramos necessrio que as influncias institucionais sejam reconhecidas tambm, O psiclogo, ao atuar em creches, hospitais, presdios e outras organizaes, encontra-se freqentemente sob orientao estranha aos interesses de sua profisso. Apesar da regulamentao prever, como funo exclusiva do psiclogo, a direo de servios de Psicologia, essa regulamentao nem sempre respeitada. O psiclogo muitas vezes pressionado a servir primordialmente aos interesses da instituio. Esta, atravs de regulamentos internos ou de poder burocrtico, determina a quantidade de trabalho a produzir, local, tempo e recursos a serem usados. A prpria utilizao dos resultados do trabalho, por parte da instituio, pode ser contrria aos interesses do psiclogo e do cliente. Presses de mercado e questes trabalhistas limitam a autonomia do profissional.

  • Alm da influncia das condies organizacionais, a demanda da atuao profissional claramente influenciada por condies sociais. Essa demanda pode ser verificada mais facilmente em servios institucionais, dado o grande afluxo de pessoas aos mesmos. Ao examinarmos as caractersticas gerais da populao que procura esses servios, podemos reconhecer alguns determinantes sociais. A maioria pertence a segmentos populacionais desvalorizados social- mente, por no constiturem fora produtiva. A procura do servio psicolgico decorre de encaminhamentos de terceiros, verificando-se raramente a busca espontnea. A expectativa, nesses casos, de adequao rpida s exigncias exteriores. O profissional nem sempre encontra a seu dispor as tcnicas mais adequadas ao caso em atendimento. A maioria das tcnicas disposio foi desenvolvida em outros pases, e o acesso s mesmas depende de sua divulgao e comercializao. A obteno de certos materiais implica em alto custo financeiro. Nessa situao, com poucos instrumentos disponveis, o psicodiagnstico pode transformar-se na repetio estereotipada de uma seqncia fixa de testes, que nem sempre seriam os escolhidos pelo profissional, ou os que melhor serviriam ao cliente. O reconhecimento das influncias organizacionais e sociais s quais o psiclogo est submetido importante, na medida em que lhe permite compreender melhor a funo social que a profisso est desempenhando e com a qual o profissional est sendo conivente. Permite tambm que este colabore, efetivamente, na produo e divulgao de tcnicas e formas de trabalho voltadas nossa realidade scio-econmica e cultural.

    Como vemos, no fcil trabalhar em psicodiagnstico. Podemos, porm, utilizar todos os conhecimentos e recursos a nosso dispor, de forma criativa e coerente, se lembrarmos que o conhecimento contingente, as tcnicas no so regras imutveis, e toda sistematizao provisria e passvel de reestruturao.

    1 .4. Bibliografia Coelho, A. M. F. Gomes. Psicodiagnstico: uma convenincia ou uma necessidade? Monografia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1982. Fischer, Constance. T. Individualized Assessment and Phenomenological Psychology. Journal of Personality Assessment, 43(2), 1979. Japiassu, Hilton. Introduo Epistemologia da Psicologia. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1977. Jaspers, Karl. Psicopatologia General. Buenos Aires, Ed. Beta, 1971. Korchin, Sheldon J. Modern Clinicai Psychoiogy. New York, Basic Books mc., Publishers, 1976. Macedo, R. M. (org.) Psicologia e Instituio. Novas Formas de A tendimento. So Paulo, Cortez Editora, 1984. Melio, Sylvia Leser. Psicologia e Profisso em So Paulo. So Paulo, tica, 1975. Merleau-Ponty, M. Cincias do Homem e Fenomenologia. So Paulo, Saraiva, 1973. Nudler, Oscar, (org.) Problemas Epistemolgicos de ia Psicologia. Mxico, Editorial Trillas, 1979. O Campo, M. L. S. e Arzeno, M. E. O. Las Tcnicas Projectivas y ei Proceso Psicodiagnstico. Buenos Aires, Ed. Nueva Visin, 1976. Rotter, Julian B. Psicologia Clnica. Rio de Janeiro, Zahar, 1967. Sonenreich, Carol. Notas sobre a atividade cientfica do Psiquiatra. Temas, 2 (3-4), 1972. Trinca, Walter. O Pensamento Clnico em Diagnstco da Personalidade. Petrpolis, Vozes, 1983.

  • 2 Processo diagnstico de tipo compreensivo Walter Trinca

    2. 1. Introduo

    Processo diagnstico a forma resultante de determinada organizao e estruturao dos elementos de um estudo de caso, realizado segundo uma certa concepo diagnstica. Expressa-se na seqncia de fases e nos passos que se do para a consecuo dos objetivos diagnsticos. Estes so estruturados e orientados em funo de determinados embasamentos tericos e prticos. Segundo a estruturao que lhe dada, um processo diagnstico pode ser classificado de conformidade com os tipos existentes (Maher, 1974). Os principais tipos so: Processo psicomtrico. aquele que tem, no psiclogo, um simples aplicador e avaliador de testes psicolgicos, cuja finalidade auxiliar o trabalho de outros profissionais. O psiclogo entra em contato somente com aspectos parciais da personalidade do paciente, de modo objetivo, evitando maiores compromissos profissionais com a vida pessoal e afetiva do mesmo. Nestes casos, fica prejudicada a integrao dos dados numa viso globalizadora. O instrumental psicomtrico , aqui, desenvolvido a partir da matemtica e da estatstica.

    Processo comportamental.

    Consideram-se prioritrios os dados de observao objetiva, com excluso de apreciaes a respeito do mundo interno. Os referenciais so, neste processo, extrados da Psicologia da Aprendizagem. Enfatizam-se os programas desenvolvidos pela Psicologia Experimental, os quais fazem uso das noes de condicionamentos clssico e operante.

    Processo psicanaltico.

    A Psicanlise constitui-se em modelo de trabalho para os profissionais que se utilizam deste tipo de processo. A concepo predominante a de que o diagnstico deve configurar uma espcie de anteviso dos fenmenos que a prtica psicanaltica bem-sucedida encontraria no paciente, e com os quais lidaria.

    Processo baseado no modelo mdico.

    Trata-se de transposio, para o diagnstico psicolgico, de noes advindas do diagnstico clnico em medicina. A viso mdica, que impregna o diagnstico psicolgico neste processo, toma a vida emocional em termos similares queles empregados para o organismo, ou seja, um objeto concebido como doente, prprio para ser manipulado, dissecado, tratado etc. A conduta do psiclogo, como, tradicionalmente, a do mdico, despersonalizar-se para no prejudicar a coleta de informaes e o pensamento clnico.

    Processo compreensivo.

    A idia de um processo de tipo compreensivo decorreu da necessidade de uma designao bastante abrangente, que abarcasse a multiplicidade de fatores em jogo na realizao de estudos de casos, tal como a encontramos hoje em nosso meio. O termo

  • deriva de compraehendere que, em latim, significa abraar, tomar e apreender o conjunto. Designa, presentemente, no diagnstico psicolgico, uma srie de situaes que inclui, entre outros aspectos, o de encontrar um sentido para o conjunto das informaes disponveis, tomar aquilo que relevante e significativo na personalidade, entrar empaticamente em contato emocional e, tambm, conhecer os motivos profundos da vida emocional de algum. Embora este processo possa incluir partes de outros j mencionados, caracteriza-se de modo inconfundvel, na Psicologia Clnica, como aquele tipo que leva em conta a natureza especfica da tarefa diagnstica (que apresenta problemas particulares, exigindo metodologia prpria para solucion-los); considera a necessidade do emprego de referenciais mltiplos, a fim de evitar a unilateralidade que se encontra nos demais processos; e ponto de confluncia de uma viso totalizadora do indivduo humano. J tivemos oportunidade de nos referir a este processo (Trinca, 1983, p. 17) como abrangente das dinmicas intrapsquicas, intrafamiliares e scio-culturais. como foras e conjuntos de foras em interao, que resultam em desajustamentos individuais, tendo presente os dinamismos de desenvolvimento e maturao do indivduo, tanto do ponto de vista do desajustamento quanto da normalidade. s vezes, de conformidade com o que requeira a situao, a avaliao pode enfatizar determinados aspectos (intelectual, psicomotor, emocional) sem perder de vista o indivduo como um todo.

    A descrio da forma pela qual um tipo de processo diagnstico estruturado ajuda-nos a fazer idia mais clara a respeito do mesmo. O processo de tipo compreensivo tem seus fatores estruturantes: so aqueles que lhe imprimem caractersticas e identidade prprias, distinguindo-o dos demais tipos.

    2. 2. Fatores estruturantes do processo compreensivo

    No caso do processo diagnstico de tipo compreensivo encontramos, comumente associados em um mesmo estudo de caso, os seguintes principais fatores estruturantes:

    2.2. 1. Objetivo de elucidar o significado das perturbaes

    Um dos principais fatores estruturantes a importncia dada pelo psiclogo ao esclarecimento do significado dos desajustamentos que ocasionaram a procura do atendimento psicolgico. H um compromisso do profissional para com a compreenso profunda das queixas, sintomas e perturbaes, em termos de apreenso de contedos inconscientes da vida mental do paciente. Se usssemos o modelo mdico, diramos que importa atingir uma explicao etiolgica; todavia, sob o modelo compreensivo, dizemos que o diagnstico psicolgico abrange a explicitao das funes das perturbaes e dos motivos inconscientes que as mantm. Por exemplo, falando-se particularmente de determinada criana, a funo de sua enurese pode ser: fazer sentir a uma me possessiva e dominadora que ela, criana, independente e livre; que seus motivos profundos para a manuteno do sintoma haver uma rea, em sua personalidade, livre da influncia materna. O sintoma, neste caso, tanto pode ser a expresso de um conflito com a me real, quanto um conflito intrapsquico com a figura materna internalizada. Ao psiclogo coloca-se o objetivo de elucidar os determinantes e, se possvel, a origem das perturbaes da personalidade. Assim sendo, sua viso alcana mais alm do que imediatamente visvel, usando, para isso, o referencial psicanaltico.

  • Nem sempre o significado das perturbaes de uma criana, reside na clarificao dos determinantes do mundo externo (famlia, instituies etc.). necessrio um esforo do psiclogo, no sentido da elucidao dos componentes do mundo interno do paciente.

    Sobretudo daqueles que so responsveis pelos conflitos e pela organizao da personalidade em determinados moldes. Em termos kleinianos, seria a tentativa de apreenso dos pontos nodais de angstias e fantasias inconscientes que provocam desajustamentos na personalidade (mas que, vistos de outro prisma, so fontes para o desenvolvimento do indivduo).

    2.2.2. nfase na dinmica emocional inconsciente

    A estruturao do processo diagnstico de tipo compreensivo requer a familiarizao do profissional com a abordagem psicanaltica dos fenmenos mentais. Ele deve estar apto a reconhecer os fenmenos inconscientes que incluem, principalmente, a dinmica encoberta dos conflitos, a estrutura e a organizao latentes da personalidade. Necessita, ainda, adotar o referencial psicanaltico para o conhecimento da dinmica familiar, uma vez que o jogo de foras que opera nas relaes familiares , em grande parte, de natureza inconsciente. O psiclogo costuma prestar ateno aos fenmenos da transferncia e da contratransferncia, que se do durante o processo diagnstico, reconhecendo-os e lidando com os mesmos.

    A crescente importncia que tm assumido as entrevistas livres e semi-estruturadas, a realizao de anamnese detalhada, o uso de testes projetivos e de procedimentos intermedirios entre estes e as entrevistas livres atestam a nfase no referencial psicanaltico. Este tem, na associao livre do paciente, a sua pedra angular. No caso de crianas, os pais e responsveis so convidados a exprimir, atravs de entrevistas livres, a natureza e a dinmica do funcionamento do ambiente da criana e a interao criana-ambiente. Este expediente constitui um uso modificado da tcnica de associao livre com finalidades diagnsticas.

    A decifrao do contedo inconsciente das mensagens que emergem no processo diagnstico depende, contudo, da experincia clnica do profissional; de estar, ele prprio, habituado a lidar com os contedos do mundo interno, principalmente atravs de anlise pessoal. Tendo experimentado em si mesmo a passagem do inconsciente para o consciente, pode mais facilmente reconhecer contedos de natureza semelhante naqueles com quem entra em contato profissional.

    2.2.3. Consideraes de conjunto para o material clnico

    O psiclogo interessado em estruturar um diagnstico psicolgico de tipo compreensivo realiza um levantamento exaustivo de dados e informaes, abrangendo os mltiplos aspectos da personalidade do paciente, do ambiente familiar e social deste, e da interao entre esses fatores, enfim, de tudo que interessa ao esclarecimento dos problemas que demandaram a busca de atendimento. Tal atitude contrasta com a do psiclogo que meramente aplica alguns testes e apresenta seus resultados, configuradamente parciais e uni- laterais. A ampla coleta de informaes abrange tudo o que relevante no estudo de caso, definindo um contexto diagnstico. Este contexto , precisamente, a totalidade dos dados, incluindo observaes, entrevistas, resultados de testes psicolgicos e de outras tcnicas de investigao, fatores da personalidade do psiclogo que so utilizados para a compreenso clnica (impresses, sentimentos, pensamentos etc.), contedos do material clnico, de teorias e referenciais etc. Neste

  • caso apresentado de modo amplo , contexto diagnstico tudo o que ocorre de modo significativo na realizao de determinado estudo diagnstico, desde o incio do contato com o paciente e/ou familiares (ou, mesmo, desde anteriores contatos com quem encaminha o caso), at o desligamento final do paciente. o contexto que encaminha a investigao, determina a forma e o contedo do pensamento clnico, tendo implicaes sobre as concluses diagnstics. Dissemos, em outro trabalho, que um detalhe apreciado em fno desse contexto, e as hipteses diagnsticas levam em conta a totalidade dos dados (Trinca, 1983, p. 19). A idia de totalidade que norteia o profissional concita-o a que no deixe fora do campo de observao nada do que essencial para a compreenso do caso. Em outras palavras, ele assume o caso como um todo. Considera cada elemento como parte de um conjunto no qual esse elemento adquire sentido. A viso , sempre, uma viso de conjunto para o material clnico, de modo que o sentido de um aspecto o sentido que ele faz dentro do todo. Assim, o psiclogo no apenas descreve suas observaes, mas estabelece relaes e conexes entre os diferentes nveis do observado, realizando uma anlise globalstica. 2.2.4. Busca de compreenso psicolgica globalizada do paciente

    Para o tipo de diagnstico que estamos descrevendo, a avaliao psicolgica uma operao que atinge o paciente em sua totalidade. Isto difere de uma avaliao em que certos aspectos da personalidade so considerados independentemente de outros. Por exemplo, uma avaliao do nvel intelectual, realizada por testes psicolgicos, que no leva em considerao o sentido dos resultados face vida atual e histria clnica do paciente. Na avaliao diagnstica compreensiva, realizamos um balanceamento geral das foras que nos compete examinar. Interessam-nos, principalmente, as estruturas psicopatolgicas e as disfunes dinmicas que se inserem no arcabouo sadio da personalidade, as bases de funcionamento da personalidade em seus vrios nveis, os traos de carter, a organizao e a estruturao da personalidade, com ateno especial distino entre estruturas neurticas e psicticas, os elementos constitutivos da personalidade, sua interao com o mundo externo etc. Esta viso, totalizadora e integradora, considera a personalidade em si mesma como indecomponvel e em constante vir a ser. Considera o diagnstico psicolgico como uma sntese dinmica e estrutural da vida psquica.

    A procura de uma compreenso psicolgica globalizada leva em conta a existncia de diferentes fatores em interao na personalidade, dentre os quais destacamos: a) foras intrapsquicas, aquelas que no s se expressam no momento atual da vida do paciente como, ainda, aquelas que trazem a marca de processos evolutivos; b) foras intrafamiliares, principalmente aquelas que so decisivas em termos psicopatolgicos e psicopatognicos, sendo o paciente por elas determinado como, tambm, as pode determinar; c) foras scio-culturais, que, por se constiturem em dados bsicos, no podem ser negligenciadas. 2.2.5. Seleo de aspectos centrais e nodais

    Este tipo de processo diagnstico pressupe que o profissional saiba discernir quais dados so significativos para compor o estudo de caso, de modo a exigirem uma escolha seletiva. Ele focaliza os aspectos essenciais, separando-os dos incidentais. Importa assinalar que mesmo os aspectos no relevantes so considerados, dentro do pensamento clnico. Mas o psiclogo no mistura os aspectos relevantes com os irrelevantes. Deste modo, a concluso decorrente de uma orientao segura, em que os

  • fatores determinantes se sobressaem dos demais. No caso das perturbaes emocionais, trata-se de discriminar os aspectos mais graves e examin-los luz de conhecimentos psicolgicos atualizados. Com alguma experincia, o psiclogo pode visualizar, no contexto diagnstico, as principais foras e conjuntos de foras psicopatolgicas e psicopatognicas que se ressaltam por sua intensidade, repetio, colorido emocional, modo peculiar de se comportar, dano produzido etc.

    Nos desajustamentos emocionais, pode-se perceber a presena de angstias e fantasias inconscientes, responsveis pela existncia e manuteno das perturbaes. H angstias e fantasias inconscientes que so centrais e nodais, na caracterizao dos problemas psquicos. Elas necessitam ser trazidas luz, como constituintes fundamentais dos processos patolgicos. So, por assim dizer, ncleos destes processos e devem ser diferenciadas dos aspectos secundrios que, inevitavelmente, gravitam ao redor dos ncleos. Por isso, um dos objetivos da realizao do diagnstico da personalidade levantar e descrever os principais focos de angstia e fantasias inconscientes que provocam desajustamentos emocionais, bem com os mecanismos defensivos utilizados pelo indivduo. No entanto, devemos nos recordar de que a personalidade um devenir dialeticamente em mudana. Portanto, a constelao de fatores que fundamental em determinado momento pode deixar de s-lo em outro momento da vida quando, sob diferente organizao, a personalidade pode se centrar em novas orientaes, angstias e fantasias inconscientes.

    A escolha seletiva empresta unidade, ordem e coeso tarefa do psiclogo. Em vez da descrio de algo fragmentrio, temos a prevalncia do princpio de considerar aqueles fatores nucleares que do sentido aos dados. 2.2.6. Predomnio do julgamento clnico

    Na dcada de 1950, alguns profissionais da sade mental estabeleceram, nos Estados Unidos, uma controvrsia a respeito do valor preditivo de afirmaes diagnsticas, provenientes do julgamento clnico, em comparao com o valor preditivo de afirmaes provenientes de instrumentos diagnsticos estatisticamente validados (vide Meehl, 1954; Holt, 1958). A tendncia lominante, na poca, parecia emprestar grande importncia diagnstica aos testes psicolgicos objetivos, aqueles cujos resultados eram expressos o mais quantitativamente possvel, e que tinham origem e desenvolvimento no modelo experimental. Concluses de estudos psicolgicos oriundos do mtodo clnico no seriam consideradas plenamente vlidas, a no ser que fossem corroboradas ou subsidiadas por instrumentos de comprovada eficcia experimental e estatstica. Felizmente, esta posio foi revista ao longo do tempo, uma vez que conduzia a um estado de impasse na Psicologia Clnica. Entre outras coisas, verificou-se no somente que os testes psicolgicos objetivos no podiam abarcar a maioria dos problemas humanos com que um psiclogo clnico habitualmente se defronta, como, ainda, que o julgamento clnico era capaz de realizar, seguramente, o quanto esses instrumentos se propunham. Hoje se reconhece, largamente, que para se poder lidar profissionalmente com a heterogeneidade das situaes mentais, os fatores decisivos so uma slida formao profissional aliada sensibilidade humana e experincia clnica.

    O julgamento clnico conseqncia natural da permisso que o psiclogo se concede de usar os recursos de sua mente para avaliar os dados de um caso, e o que decide, em ltima instncia, sobre a importncia e significado dos dados. O modelo diagnstico de tipo compreensivo no dispensa o uso de testes psicolgicos objetivos; coloca-os a servio do julgamento clnico. Este, por sua vez, depende do grau de

  • evoluo profissional e maturidade alcanado pelo psiclogo em suas atividades clnicas. 2.2.7. Subordinao do processo diagnstico ao pensamento clnico

    Em trabalho anterior (Trinca, 1983), caracterizamos, ilustramos e discutimos quinze diferentes formas de pensamentos clnicos em diagnstico da personalidade. Vimos ali que a adoo do ponto de vista das formas de pensamentos pode transformar todo o atual referencial terico com que se enfoca o diagnstico psicolgico. Agora, podemos afirmar que, no diagnstico psicolgico de tipo compreensivo, a estruturao do processo diagnstico fica subordinada forma de pensamento que se realiza em cada caso clnico. Isto significa que, ao invs da existncia de um prvio processo diagnstico relativamente uniforme e imutvel para todos os casos, o que realmente encontramos uma grande flexibilidade para enfocar e tratar das situaes mentais emergentes. Cada caso clnico permite que ocorra pelo menos uma forma de pensamento a ele relativa. O processo diagnstico se estrutura em conformidade com essa forma. Assim, o aparecimento ou no de determinados elementos no contexto diagnstico (testes psicolgicos, por exemplo) fica na dependncia das exigncias do pensamento clnico em questo. O que se depreende, ento, que o processo diagnstico estruturado no contexto de relaes significativas dadas pelo pensamento clnico, e no atravs de justaposies cegas de elementos ou arranjos das informaes como colchas de retalhos. Isto torna o assunto amplo e interessante, descortinando-se-lhe horizontes de imensas possibilidades.

    2.2.8. Prevalncia do uso de mtodos e tcnicas de exame fundamentados na associao livre

    Para a estruturao de um processo diagnstico, normalmente se empregam tcnicas e mtodos especializados de exame psicolgico. No processo de tipo compreensivo, ocupam lugar de relevo a entrevista clnica, a observao clnica, os testes psicolgicos, os testes psicolgicos usados como formas auxiliares de entrevistas, demais tcnicas de investigao clnica da personalidade etc. Temos verificado que o uso desses procedimentos determinado por sua capacidade de eliciar material clnico significativo. A maioria deles foi desenvolvida a partir da entrevista clnica, como uma espcie de desdobramento desta, especialmente quando se aplica a crianas. Um aspecto que chama a ateno no emprego de mtodos e tcnicas no diagnstico compreensivo a escolha daqueles procedimentos que permitem maior liberdade para a emergncia de material clnico. Os mais usados so justamente aqueles que se fundamentam nos princpios de associao livre de Freud. o caso, por exemplo, do Jogo de Rabiscos (Winnicott, 1971), da Observao Ldica ou Hora de Jogo (Aberastury, 1962) e do Procedimento de Desenhos-Estrias (Trinca, 1976). So procedimentos que apresentam, habitualmente, uma situao de estmulos no estruturados ou semi-estruturados, incentivando os pacientes a exprimir suas dificuldades emocionais. Alguns deles se adaptam facilmente ao modo peculiar de comunicao de crianas e de adolescentes.

    Outros facilitam a expresso emocional dos adultos, em funo de conterem o princpio da associao livre (cuja tendncia de se dirigir para setores da personalidade em que o indivduo emocionalmente mais sensvel). A avaliao desses procedimentos clnicos feita geralmente atravs da livre inspeo do material, com base na experincia do profissional.

    2.3. Outros aspectos

  • Alm dos fatores referidos, a estruturao do processo diagnstico de tipo

    compreensivo influenciada e pode ser estudada a partir dos seguintes aspectos: a) Como uma forma da relao do psiclogo com o seu trabalho. Para este tipo

    de diagnstico, o psiclogo releva a importncia do background de suas experincias e aprendizagem, no s aquelas especificamente profissionais como, tambm, sua formao humanstica e desenvolvimento emocional. Isto indica uma direo de escolha profissional que coloca, em primeiro plano, a pessoa do psiclogo como instrumento, com o qual deve contar para o desempenho de suas atividades.

    b) Como uma forma da relao psiclogo-paciente. O relacionamento psiclogo-paciente uma situao propcia para a observao e apreenso de fenmenos emocionais. Tanto o paciente como seus familiares costumam transportar emocionalmente, para esta situao, fenmenos de natureza semelhante queles que sucedem no ambiente externo (por exemplo, nas relaes familiares). Alm disso, verifica-se, a, a emergncia de atitudes inconscientes, conhecidas em psicanlise como transferncia e contratransferncia: repeties automticas, diante do psiclogo ou diante do paciente, de reaes emocionais originrias em acontecimentos do passado da vida emocional do sujeito. De sorte que o psiclogo, levando em conta a existncia desses fenmenos, procura respeitar as condies nas quais se do e lidar com eles em benefcio de suas atividades. Quando isto acontece, instala-se uma situao aberta, favorvel eliminao das barreiras de comunicao e observao dos movimentos emocionais com que se defrontam os participantes do relacionamento.

    c) Como um leque de finalidades prticas. Tomado em sua acepo compreensiva, o diagnstico tem-se mostrado um recurso til para:

    a avaliao global da personalidade; a determinao da natureza, intensidade e relevncia dos distrbios; a orientao psicolgica ao paciente, aos pais e responsveis, escola etc.; o fornecimento de subsdios a demais profissionais; indicaes e encaminhamentos teraputicos; a definio do tipo de interveno psicoteraputica; a determinao dos objetivos, reas relevantes e intensidade da interveno

    psicoteraputica (planejamento psicoteraputico); o prognstico do caso; o prognstico da evoluo teraputica; a pesquisa psicolgica etc. d) Como um posicionamento epistemolgico do psiclogo. Face s vrias

    correntes de pensamento que se ocupam de sua disciplina, o psiclogo que estrutura o diagnstico compreensivo opta por excluir as influncias de concepes estritamente deterministas, associacionistas, elementaristas e mecanicistas. Ele se orienta, predominantemente, por uma viso que toma a personalidade como nica e indecomponvel, como uma totalidade estrutural organizada, em que existem experincias subjetivas e dinmica psquica inconsciente. Leva eM considerao noes fenomenolgicas, gestlticas, existenciais e psicodinmicas.

    e) Como um sistema de referenciais mltiplos. Os conceitos terico-prticos fundamentais do diagnstico de tipo compreensivo sero apresentados no prximo captulo.

    2.4. Bibliografia Aberastury, A. Teoria y Tcnica dei Psicoaniisis de Ninios. Buenos Aires, Paids, 1962.

  • Freud, A. infncia Normal e Patolgica: Determinantes do Desenvolvimento. Trad. de lvaro Cabral. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. Holt, R. H. Clinical and statistical prediction: a reformulation and some new data. Journai of Abnormal and Social Psychology, 56: 1-12, 1958. Maher, B. Introduccin a la investigacin en Psicopatologia. Trad. de A. Leroux. Madrid, Josefina Betancor, 1974. Meehl, P. E. Clinical versus Statistical Prediction. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1954. Ocampo, M. L. S. de et alii. Las Tcnicas Proyectivas y ei Proceso Psicodiagnstico. Buenos Aires, Nueva Visin, 1976, 2v. Trinca, W. investigao Clnica da Personalidade: O Desenho Livre como Estmulo de Apercepo Temtica. Belo Horizonte, Interlivros, 1976. O Pensamento Clnico em Diagnstico da Personalidade. Petrpolis, Vozes, 1983. Wnnicott, D. W. Processus de Maturation chez lEnfant: Dveloppement Affectif et Environnement. Trad. de J. Kalmanovitch. Paris, Payot, 1970.

  • 3. Referenciais tericos do processo diagnstico de tipo compreensivo Walter Trinca

    3.1. Introduo

    O diagnstico psicolgico em Psicologia Clnica tem, como propsito bsico, a explorao e o estudo dos fatores intrapsquicos, interpessoais e scio-culturais, cuja interao acarreta desajustamentos no paciente. Para a realizao de um exame desse tipo, o psiclogo estrutura um processo diagnstico, que composto por mltiplos elementos. Os elementos que mais freqentemente surgem no processo so: identificao do paciente, enquadramento da atividade diagnstica, entrevistas e outras tcnicas de investigao clnica da personalidade, anamnese, testes psicolgicos, exames adicionais, orientaes, encaminhamentos etc. A atitude do profissional, as tcnicas por ele utilizadas e demais fatores que desempenham um papel em cada fase do processo so, em parte, decorrentes das bases tericas em que o profissional se alicera. Em Psicologia Clnica, as bases tericas implicam a fundamentao dos passos do processo diagnstico, bem como das tcnicas psicolgicas de que se faz uso.

    primeira vista, pode parecer que a proliferao de elementos do processo diagnstico, incluindo a multiplicao de seus instrumentos tcnicos (diferentes testes e tcnicas de investigao, por exemplo), constitui uma espcie de Torre de Babel em que o conflito estabelece o seu imprio, e no a harmonia. Tal, porm, no o que se verifica na prtica do atendimento. Observando aquilo que realmente ocorre nessa prtica, encontramos que o estudo diagnstico, em seus mltiplos componentes, est lastreado em princpios gerais relativamente coerentes entre si. Esses princpios so os referenciais tericos do diagnstico psicolgico, como ele hoje realizado.

    H, pelo menos, cinco classes ou categorias que melhor caracterizam os princpios tericos bsicos:

    1. estudos sobre os processos intrapsquicos; 2. estudos sobre os processos de desenvolvimento e maturao; 3. estudos sobre a dinmica familiar e sua interao com a vida psquica do

    paciente; 4. estudos sobre as relaes psiclogo-paciente; 5. estudos das teorias que fundamentam as tcnicas de exame psicolgico.

    3 . 2. Processos intrapsquicos

    O psiclogo clnico que realiza um diagnstico, nos moldes que estamos considerando, fundamenta-se na teoria da personalidade que indiscutivelmente mais tem contribudo para o conhecimento da vida psquica: a Psicanlise. O grande inovador que foi Sigmund Freud estabeleceu os pilares da construo que permite o acesso vida mental profunda. Freud legou-nos imensa e fecunda obra que ex- piora mltiplas dimenses da mente humana. Ele se preocupou, entre inmeros aspectos, com trs fatores essenciais para o psiclogo que trabalha na realizao de estudos diagnsticos: a relao do paciente com a realidade (externa e psquica), a formao de sintomas (o sintoma concebido como um meio de comunicao daquilo que existe no plano inconsciente), e a vida instintiva tomada como um processo evolutivo. Em relao a este fator, de particular relevncia a descoberta de que a vida instintiva se processa por fases de desenvolvimento (oral, anal, flica e genital) e que h duplo aspecto em cada

  • uma dessas fases: progresso e regresso. Existe, tambm, uma instintividade associada libido, outra agresso. A teoria freudiana, ao se desenvolver, adicionou novas observaes e ampliou a esfera do conhecimento humano. Das teorias topogrficas da mente, Freud passou a considerar, conseqentemente, uma teoria estrutural. Dessas bases, o psiclogo extrai um perfil diagnstico bastante razovel. A partir do referencial freudiano, Anna Freud elaborou um esboo de perfil diagnstico, no qual o psiclogo encontra indicaes para a localizao, em um estudo de caso, de fatores intrapsquicos que provocam desajustamentos. Ela estende e clarifica concepes de Freud, aplicveis especialmente a estudos de crianas.

    Todavia, como sabemos, o desenvolvimento da Psicanlise no se deteve em seu descobridor. As concluses de Melanie Klein, a respeito dos estgios mais precoces do desenvolvimento emocional do ser humano, constituem uma disciplina terica aprofundada, que lastreia o trabalho do psiclogo clnico. Melanie Klein enfatiza que h duas formas bsicas de ansiedade. A primeira forma de ansiedade de natureza persecutria. A atuao do instinto de morte, internamente, d origem ao medo de aniquilao, e este a causa primordial da angstia persecutria. Desde o comeo da vida ps-natal, os impulsos destrutivos contra o objeto provocam medo retaliao. Estes sentimentos persecutrios, oriundos de fontes internas, so intensificados por experincia externas dolorosas, visto que, logo no incio da vida, a frustrao e o desconforto originam na criana sensaes de que est sendo atacada.

    Mas h, ainda, o que se pode chamar de foras boas. A criana dirige sentimentos de gratificao e amor para o seio bom, e seus impulsos destrutivos e sentimentos de perseguio para o seio frustrador, o mau seio. Nesse estgio, o processo de ciso se acha no apogeu: h separao entre o bom e o mau seio, entre amor e dio. Alm da ciso, predominam, tambm, negao, onipotncia e idealizao nos trs ou quatro meses de vida (situao denominada posio esquizoparanide). A relativa segurana da criana neste estgio obtida pela fantasia de um objeto idealizado, extremamente bom, que a protege do objeto persecutrio. Entretanto, em condies normais de evoluo, a partir do 6. ms de vida do indivduo humano, a crescente capacidade de integrao e sntese do ego conduz percepo e introjeo da me como pessoa inteira. Este fato resulta na segunda forma de ansiedade bsica: a depressiva. Amor e dio e, conseqentemente, os bons e maus aspectos dos objetos vo sendo sintetizados. Desejos e impulsos hostis da criana para com o seio mau so, agora, sentidos como perigosos para o seio bom. A ansiedade depressiva incrementada porque a criana sente que destruiu ou est destruindo um objeto inteiro, total, de quem ela depende. A sntese das emoes permite criana sentir que seus impulsos destrutivos esto dirigidos contra uma pessoa amada. Essas ansiedades e defesas constituem, para Melanie Klein, a posio depressiva, cuja essncia a angstia e a culpa relacionadas a ataques, destruio e perda de objetos amados (internos e externos). Com base nas posies esquizoparanide e depressiva que se instalam processos os mais variados de reaes objetais, entre os quais a formao de um superego extremamente primitivo e cruel, e o incio do complexo de dipo. Tudo isto desempenha importncia capital na gnese das psicoses e nas escolhas neurticas dos indivduos. Melanie Klein alargou, tambm, a partir de Freud e Abrabam, a teoria do desenvolvimento libidinal, incluindo impulsos sdicos que se expressam por fantasias sdico-orais, sdico-uretrais e sdico-anais.

    Modernamente, as teorias kleinianas receberam impulso devido s contribuies de Bion, entre outras. Bion aprofundou o conhecimento do funcionamento da parte psictica da personalidade. Uma de suas afirmaes sustenta que o paciente faz uso de

  • identificaes projetivas patolgicas, sentindo que aloja objetos fragmentados dentro de um outro indivduo, assim como partes de um outro indivduo so sentidas como alojadas dentro da personalidade do paciente. Por outro lado, de grande utilidade clnica sua concepo de reverie nos processos da comunicao me-criana. Ele configurou em bases mais slidas nossos conhecimentos para a diferenciao entre personalidades psicticas e no-psicticas.

    3 .3. Desenvolvimento e maturao

    O psiclogo, em seu trabalho diagnstico, depende de teorias do desenvolvimento e maturao que, felizmente, constituem reas de pesquisa bastante exploradas. Ele se interessa pelo conhecimento de todas as reas do desenvolvimento humano. As observaes acumuladas a respeito das diversas etapas da vida so-lhe preciosas, no apenas para a diferenciao entre normal e patolgico, como ainda para a construo de teorias, de instrumentos de medida, para o julgamento clnico etc. Chamam-lhe bastante ateno, por sua relevncia, os estudos realizados sobre etapas precoces da vida, como o fizeram Geseil e Amatruda e inmeros outros. Dentre vrios aspectos do desenvolvimento humano (motor, intelectual, social etc.), o psiclogo clnico tem especial interesse pelo aspecto emocional. As teorias que, aqui, tm oferecido expressivas contribuies so as de Spitz, Mahler e Winnicott. Devido a suas peculiaridades, permitindo uma abordagem prtica imediata, ressaltamos as concepes de Winnicott. Ele parte do princpio de que, no incio do desenvolvimento emocional, a criana necessita de uma me suficientemente boa.

    Devido fragilidade do ego da criana, necessrio que no incio da vida exista uma sustentao para o mesmo o que corresponde, na linguagem de Winnicott, aos elementos diatrficos do ego feita pela me ou quem a substitua. Se tudo correr bem, no sentido de uma relao me-criana adequada, o processo de maturao caminha em direo integrao cada vez maior da personalidade, obteno da personalizao e a uma relao de objetos calcada em bases relativamente harmnicas. O beb, tendo uma me suficientemente boa, tem, tambm, uma necessria experincia de onipotncia, que o auxilia a fazer face s angstias inimaginveis (de tipo psictico) que surgem no incio do desenvolvimento. A dependncia do beb me, que absoluta nos primeiros 6 meses, passa a ser relativa de 6 meses a 2 anos, caminhando em direo independncia a partir dos 2 anos de idade. A me que possui preocupao maternal primria ajuda seu beb a realizar um abandono progressivo das experincias de onipotncia, em direo a uma crescente adaptao realidade. Falhas na relao primria entre o beb e a me podem conduzir psicose, ao comportamento anti-social, personalidade esquizide etc. Isto devido a que carncias e privaes precoces colocam em risco a continuidade da existncia da criana e dos processos de integrao (avolumam-se defesas primitivas como ciso, fragmentao etc.). O psiclogo clnico que orienta seu trabalho alicerado em teorias de desenvolvimento e maturao do indivduo encontra, em Winnicott, um referencial indispensvel.

    3.4. Dinmica familiar

    O indivduo humano um ser social, sendo sua primeira socie dade a famlia. Celiula mater, ncleo de conflitos, mas, ao mesmo tempo, de conforto, segurana, e preenchimento das possibilidades de crescimento e realizao. Assim sendo, os psiclogos clnicos viram-se na contingncia de estudar a dinmica familiar. Perceberam que, nela, operam foras e conjuntos de foras que incidem sobre os

  • pacientes, tanto provocando processos psicopatolgicos, como processos de sade e evoluo mental. A nfase dos estudos dada sobre a psicopatognese, razo pela qual os psiclogos se interessam, primeiramente, pelos fatores que fazem originar e manter as perturbaes emocionais. A famlia patognica observada, seja como unidade dinamicamente configurada, seja atravs da dissociao e exame de per si da personalidade de cada um de seus componentes. A justificativa para esses estudos est embasada no fato, s vezes verif icvel, de que os pacientes melhoram relativamente quando a famlia, ao ser tratada como um todo, melhora. Todavia, essas confirmaes tm-se mostrado vlidas, principalmente, para os casos de psicose psicognica. Nos casos de distrbios em que est em jogo a prevalncia da dinmica de conflitos neurticos da personalidade, parece que a importncia dos fatores externos minimizada.

    Geralmente, os estudos sobre a concorrncia da psicopatologia familiar para a perturbao do paciente enfatizam trs aspectos: a) a relao precoce entre me e beb; b) a internalizao dos pais, pela criana, durante os anos iniciais de vida; e c) as foras externas, que operam durante toda a vida do indivduo, para a criao, desencadeamento e manuteno de distrbios.

    Deste modo, necessrio recorrer a teorias psicolgicas de relaes entre casais (relaes simtricas, complementares etc.), teorias descritivas do funcionamento psquico da me (me esquizofrenognica, me que estabelece relao por duplo vnculo etc.), teorias do jogo de foras intrafamiliar, teorias a respeito do papel do pai (ausente, autoritrio, cruel etc.), entre outras.

    Contudo, parece que as principais teorias psicolgicas sobre famlias psicopatognicas so aquelas que se referem famlia do esquizofrnico. Nestas esto exacerbados os fatores mais difceis de serem observados nos demais grupos familiares perturbados. A f amlia esquizofrenognica tem a tendncia de criar um doente mental que se caracteriza, prioritariamente, pelo fato de ele ser o bode expiatrio das perturbaes de todos os demais membros da mesma. Por exemplo, ele se desdobra para contentar a todos, com renncia inclusive de sua prpria individualidade, e esfora-se para manter a famlia unida (especialmente os pais). Ele se aniquila, servindo como depositrio dos fracassos de cada membro e dos aspectos pato- lgicos de cada um. Geralmente, nestas famlias, o pai no participante como mediador e aplacador das angstias emergentes, e a me, ansiosa (exasperada e exasperante), sem critrios emocionais claramente definidos, funciona atravs de mensagens contraditrias entre si.

    Temos verificado que essas teorias, ao isolar e estudar alguns fatores patognicos nas famlias, habitualmente tm o cuidado de pr em evidncia que eles no so os nicos e, sim, que fazem parte de um conjunto complexo de fatores em interao. 3.5. Relaes psiclogo-paciente

    Em outro captulo deste livro ser examinada a importncia das relaes psiclogo-paciente no diagnstico psicolgico. No presente tpico, insistimos, apenas, em apontar que essa relao dual fundamentada em certas teorias.

    Neste aspecto, o diagnstico psicolgico influenciado por teorias psicanalticas, que consideram a transferncia e a contratransferncia. Houve poca em que o psiclogo clnico, encoberto pela capa da objetividade, mantinha com o paciente uma relao por assim dizer assptica, ou seja, no havia evidncia de que o psiclogo experimentava reaes emocionais no contato com o paciente. Isto se traduzia por uma atitude profissional distante, instrumentada como mero aplicador e avaliador de testes

  • psicolgicos. Hoje, felizmente, auxiliado pela larga difuso clnica da Psicanlise, o psiclogo, quando ele prprio analisado, pode utilizar suas emoes para participar da vida emocional do paciente, de modo a poder penetrar em camadas profundas desta, sem necessariamente perder a objetividade. Mas necessrio que o psiclogo, clnico tome conscincia das implicaes decorrentes do contato com a vida psquica do paciente, a fim de que possa adquirir melhor controle do prprio comportamento enquanto profissional.

    A ttulo de exemplo, referimo-nos a algumas teorias associadas a transferncia e contratransferncia que, costumeiramente, aparecem em estudos de caso: a) Teorias sobre doena e cura

    O paciente, logo nos primeiros contatos, expressa fantasias de doena e esperanas de que possa ser compreendido pelo profissional. Estas teorias foram desenvolvidas por Aberastury, do grupo psicanaltico argentino. b) Teorias sobre depositante, depositrio e depositado

    Formuladas por Pichon-Rivire, mostram o interjogo de papis entre os participantes do estudo diagnstico, durante todas as fases do processo. Aquilo que depositado, ora o em um, ora em outro participante da relao, em concordncia com as concluses de Freud e Klein sobre transferncia e contratransferncia. c) Teorias sobre contra-identificao projetiva Estas teorias sublinham o uso, por parte do profissional, de identificaes projetivas patolgicas no decurso do processo diagnstico. Alertam para o fato de que ele pode ser o receptculo de partes infantis e patolgicas do paciente, e que estas, invadindo-o, provocam reaes de sua parte que conduzem a lacunas e impedimentos realizao da tarefa.

    De modo geral, as teorias das relaes psiclogo-paciente enfatizam que, ao longo da realizao de um estudo diagnstico, o paciente transfere pessoa do psiclogo contedos inconscientes de sua vida mental infantil, seja nas entrevistas, na aplicao de testes psicolgicos, no momento da orientao ou em qualquer outra circunstncia. O psiclogo, por sua vez, mobilizado em suas fantasias e angstias primitivas. Estas podem ser deslocadas para a situao de trabalho, interferindo no andamento da mesma. Nos casos bem-sucedidos, ao se defrontar com essas ocorrncias, tanto a transferncia quanto sua contrapartida, a contratransferncia, so reconhecidas e utilizadas em prol da compreenso diagnstica.

    3.6. Teorias que fundamentam os testes psicolgicos

    Os testes psicolgicos recebem sua fundamentao terica das mais diversificadas fontes e origens. Nos assim chamados testes objetivos, encontramos a fundamentao a partir de experimentao e pesquisa. Teorias de desenvolvimento, aprendizagem, cognitivas etc. desempenham, aqui, um importante papel. Em estudos de personalidade, o prato da balana parece pender a favor do incremento do uso de testes e tcnicas projetivos, cuja fundamentao predominantemente psicanaltica. Como cada teste psicolgico recebe fundamentao prpria, no nos deteremos em

  • consideraes sobre os referenciais tericos de cada um, mas recomendamos ao leitor uma anlise especfica daqueles instrumentos de que faa uso clnico, a Um fator, porm, deve ser frisado, para esclarecer o problema das bases tericas do estudo de caso: nenhum teste psicolgico usado de modo isolado, de sorte que sempre prevalece uma orientao de conjunto que o psiclogo empresta ao processo diagnstico. Ainda que algum ou alguns elementos sejam conflitantes em certo nvel, eles tendem integrao, unidade e coerncia em outro nvel, o nvel do pensamento clnico. As bases tericas que norteiam a atividade do psiclogo clnico so, geralmente, coerentes e unitrias, quando o processo tomado como um todo.

    Para finalizar, diramos que, embora as teorias sejam fatores importantes no background do profissional, mister que sua atividade clnica seja empreendida com o mnimo de interferncia de suas teorias sobre sua capacidade de observar e captar os fatos relevantes.

    O captulo 5 deste livro aborda, especificamente, os principais testes psicolgicos e procedimentos clnicos utilizados na prtica do diagnstico em nosso meio. 3 . 7. Bibliografia Aberastury, A. Teoria y Tcnica dei Psicoanalisis de Nuulos. Buenos Aires, Paids, 1962. Ackerman, N. W. Diagnstico y Tratamiento de ias Relaciones Familiares . Psicodinamismos de la Vida Familiar. 3. cd. Trad. H. Friedenthal. Buenos Aires, Horm, 1971. Baranger, W. Posio e Objeto na Obra de Melanie Kiein. Trad. M. N. Folberg. Porto Alegre, Artes Mdicas, 1981. Bateson, C. F. et alii. Famiiy Processes and Schizophrenia. New York, Science House, 1968. Bion, W. R. Volviendo a Pensar. Trad. D. R. Wagner. Buenos Aires, Horm, 1972. Brenner, C. Noes Bsicas de Psicanlise introduo Psicologia Psicanaltica. Trad. A. M. Spira. 2.a cd. Rio de Janeiro, Imago, 1973. Freud, A. infncia Normal e Patolgica Determinantes do Desenvolvimento. Trad. A. Cabral. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. Freud, 5. Obras Completas. Trad. L.-B. y de Torres. Madrid, Biblioteca Nueva, 1948, 2v. Geets, C. Melanie Klein. Trad. F. C. Ferro. So Paulo, Melhoramentos USP, 1977. Geseil, A. e Amatruda, C. Diagnstico dei Desarroilo. Trad. B. Serebrinsky. Buenos Aires, Paids, 1966. Grinberg, L. et alii. introduo s idias de Bion. Trad. T. O. Brito. Rio de Janeiro, Imago, 1973. Klein, M. Obras Completas. Trad. 5. Zysman. 2.a cd. Buenos Aires, PaidsHorm, 1979, 6v. Mahler, M. S. On Human Symbiosis and the Vicissitudes of Individuation. New York, Int. Univ. Press, 1968. Meyer, L. Famlia: Dinmica e Terapia Uma Abordagem Psicanaltica. So Paulo, Brasiliense, 1983. Pichon-Rivire, E. Teora dei Vnculo. Buenos Aires, Nueva Visin, 1979. Pincus, L. & Dare, e. Psicodinmica da Famlia. Porto Alegre, Artes Mdicas, 1981. Rackcr, H. Estudios sobre Tcnica Psicoanaitica. Buenos Aires, Paids, 1960. Segal, H. Introduo Obra de Melanie Klein. Trad. M. B. Lopes. So Paulo, Ed. Nacional, 1966.

  • Spitz, R. A. El Primer Afio de Vida dei Nifio Genesis de las Primeras Relaciones Objetales. Trad. P. Barcelo e L. F. Cancela. 3a cd. Madrid, 1968. Winnicott, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturao Estudos sobre a Teoria do Desenvolvimento Emocional. Trad. 1. C. S. Ortiz. Porto Alegre, Artes Mdicas, 1982.

  • 4 A relao psiclogo cliente no psicodiagnstico infantil

    Tnia Maria Jos Aiello Tsu 4. 1. Introduo

    O processo de realizao de um psicodiagnstico infantil se d atravs do encontro de pelo menos trs partes o psiclogo, a criana e seus pais no sendo raros os casos em que ocorre a participao de outros elementos como a escola ou o mdico. Evidentemente, a criana sempre o foco do trabalho, na medida em que estamos tratando de diagnstico infantil e no familiar. Com a criana, o psiclogo estabelece uma relao que, em seus diferentes momentos, pode ser mediada pelo uso de instrumentos psicolgicos especficos. Entretanto, imprescindvel acrescentar que a relao criana-prof issional se encontra inserida numa complexa rede de relaes, quai se adiciona a figura do psiclogo, criando outras tantas ligaes (figs. 4. 1 e 4.2). Fazer um psicodiagnstico infantil uma tarefa altamente complexa que demanda o delineamento de um modelo especfico de trabalho que difere do psicodiagnstico de adultos e dos processos psicoteraputico e psicanaltico. 4.2. Definio de cliente

    O contato com a prtica mais freqente de realizao de um diagnstico e a consulta literatura disponvel descortinam uma seqncia de eventos sempre presente: entrevista ou entrevistas com os pais, que apresentam a queixa e fornecem os dados de anamnese, e entrevistas com a criana, usualmente utilizadas para aplicao de testes. primeira vista, esse esquema parece adequado, tendo em conta que as crianas, principalmente numa sociedade complexa, no so indivduos psicossocialmente autnomos. Entretanto, um exame dessa prtica comum suscita algumas questes, sendo a primeira delas, porque a mais fundamental, a seguinte: quem o cliente do psiclogo no processo de psicodagnstico infantil?

    A rigor, essa questo deve ser colocada sempre que a pessoa que contrata o servio psicolgico no a mesma que recebe o atendimento. Em clnica deparamo-nos com situaes desse tipo em dois casos: em primeiro lugar quando lidamos com adultos que, em funo de seu prprio estado psquico, no se reconhecem como necessitados de ajuda, e, em segundo lugar, quando somos solicitados a atender crianas. No caso do psicodiagnstico infantil, surge a seguinte pergunta: quem devemos considerar como cliente, a criana, em relao qual apresentada a queixa, seus pais, que contratam nossos servios, ou o mdico, por exemplo, que solicita um parecer psicolgico?

    A resposta depende do critrio subjacente definio do termo cliente, sendo dois os pontos de vista mais comuns. Assim, para alguns o cliente aquele que se apresenta ou apresentado por outros como objeto de atendimento. Para outros profissionais o cliente quem contrata o servio, apresenta queixa relativa a outrem e tem particular interesse no trabalho contratado. Esses pontos de vista partem de consideraes iniciais distintas, de modo que o primeiro parece provir da tradio mdica, que entende como paciente aquele que recebe a ateno clnica, seja quem for a pessoa que venha a se encarregar do pagamento de honorrios. O segundo ponto de vista se assenta sobre uma base de carter nitidamente contratual.

    Observamos, na experincia clnica, que o servio psicolgico , via de regra, procurado pelos pais espontaneamente ou por indicao da escola. As coisas se encaminham habitualmente de forma tal que aquele que procura a ajuda profissional j

  • vem com uma definio prvia de quem o cliente, no sentido de portador do problema. Mesmo em situaes que exibem claramente, para o profissional, o comprometimento de toda uma dinmica familiar, observamos, freqentemente, a apresentao de queixa focalizada sobre uma suposta criana-problema. Por exemplo, o setor de psicologia de uma instituio, aqui em So Paulo, foi procurado por um casal a fim de que uma menina de oito anos fosse examinada psicologicamente. A criana vinha apresentando, h alguns meses, agressividade acentuada, enurese noturna, choro constante e incapacidade de permanecer s no prprio quarto, mesmo com adultos em outras dependncias da casa. Os pais no tinham dvida acerca do fato de que essa era uma criana-problema. Entretanto, o psiclogo, atravs de seu trabalho, logo se deparou com uma realidade familiar bastante problemtica, da qual a menina era um emergente. Veio a constatar que a pessoa que se apresentara como me da criana havia se casado recentemente com o pai, e que a me verdadeira abandonara o lar h poucos meses. Esses acontecimentos geravam um clima de muita ansiedade e insegurana em todos os membros da famlia. O profissional concluiu, ento, que o que parecia ao casal como algo que brotava patologicamente do interior da criana revelava-se como indissoluvelmente ligado ao seu contexto de vida, gerando ansiedades atuais e reativando ansiedades mais antigas. Por seu turno, o estado emocional perturbado da menina levava-a a comportar-se de forma a promover um incremento de ansiedade nos outros membros da famlia. Essas constataes determinaram o encaminhamento que foi dado ao caso, na medida em que ficou claro que tanto o casal quanto a criana necessitavam de atendimento.

    Atravs desse exemplo vemos que, se o leigo j vem com uma definio acerca de quem o indivduo-problema, o profissional no pode aceitar acriticamente essa colocao, sob pena de adotar uma posio ingnua. bem verdade, como tm estudado os socilogos interessados em problemas de sade mental, que muita coisa ocorre, na rede de relaes sociais que contm a criana, antes da procura de ajuda profissional. Em primeiro lugar, algum fato, no dia-a-dia familiar, selecionado. Por exemplo, a enurese noturna de uma menina de quatro anos passa a receber maior ateno por parte da famlia e a ser manifestamente considerada como objeto de preocupao. Em um segundo passo, o grupo familiar decide se o fato deve ou no ser interpretado como problemtico, sendo freqentes, nessa etapa, as consultas informais