235566559 plantao-psicologico

140
Miguel Mahfoud (org) Daniel Marinho Drummond Juliana Mendanha Brandªo John Keith Wood Raquel Wrona Rosenthal Roberta Oliveira e Silva Vera Engler Cury Walter Cautella Junior Plantªo Psicológico: novos horizontes

Upload: jeanne-araujo

Post on 22-Jan-2018

1.028 views

Category:

Education


0 download

TRANSCRIPT

Miguel Mahfoud (org)Daniel Marinho DrummondJuliana Mendanha BrandãoJohn Keith WoodRaquel Wrona RosenthalRoberta Oliveira e SilvaVera Engler CuryWalter Cautella Junior

Plantão Psicológico:novos horizontes

Todos os direitos desta edição estão reservados à

E D I T O R A C . I . L T D A .Rua Florinéia, 38 � Água Fria02334-050 � São Paulo � SPTele/fax: 11 6950-4683

LaPS � Laboratório de Psicologia Social/UFMG

© 1999 by Miguel Mahfoud1ª edição, outubro de 1999

Revisão Miguel MahfoudDaniel Marinho Drummond

Capa e DiagramaçãoNa capa

Juliana de Souza VazPaul Klee, Caminho Principal e Caminhos

Secundários (1929) Coleção C. e A.Vowinckel

Edição do CD-ROMApoio técnico

Daniel Marinho Drummond

SUMÁRIO

Autores ......................................................................................................... 5

Prefácio ......................................................................................................... 7

Introdução ................................................................................................. 11

Plantão de Psicólogos no Instituto SedesSapientiae: uma proposta de atendimentoaberto à comunidadeRaquel Wrona Rosenthal ............................................................... 15

Plantão Psicológico na escola: uma experiência Miguel Mahfoud............................................................................ 29

Plantão Psicológico na escola: presença quemobilizaMiguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira eSilva .................................................................................................. 49

Pesquisar processos para aprender experiências:Plantão Psicológico à provaMiguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira eSilva .................................................................................................. 81

Plantão Psicológico em Hospital Psiquiátrico:Novas Considerações e desenvolvimentoWalter Cautella Junior.................................................................... 97

Plantão Psicológico em Clínica-EscolaVera Engler Cury ......................................................................... 115

Psicólogos de plantão...Vera Engler Cury ......................................................................... 135

5

AUTORES

Autores

Daniel Marinho Drummond é psicólogo, mestrandono Programa de Pós-Gradução em Psicologiada Universidade Federal de Minas Gerais.

John Keith Wood Ph.D. em Psicologia pelo The UnionInstitute (E.U.A.), foi professor na California StateUniversity em San Diego (E.U.A.) ondetambém fez plantão psicológico no Hospital eno Centro de Aconselhamento, e, no Brasil, foiprofessor no Programa de Pós-Graduação emPsicologia Clínica da PUC-Campinas. Amigoíntimo e colaborador direto de Carl Rogers porquinze anos desenvolvendo uma Psicologia degrandes grupos e vários projetos internacionais.

Juliana Mendanha Brandão é psicóloga pelaUniversidade Federal de Minas Gerais, pós-graduanda em Psicopedagogia pelo CentroUniversitário de Belo Horizonte.

6

Plantão Psicológico: novos horizontes

Miguel Mahfoud é professor adjunto do Departamentode Psicologia da Faculdade de Filosofia eCiências Humanas da Universidade Federal deMinas Gerais, Doutor em Psicologia pelaUniversidade de São Paulo.

Raquel Wrona Rosenthal é psicóloga pela PUC-SP,com Especialização em AconselhamentoPsicológico pela Universidade de São Paulo eCurso de Estudos Avançados da AbordagemCentrada na Pessoa (Rosenberg/Wood).Coordenadora do Curso de Especialização emAbordagem Centrada na Pessoa promovidopelo Centro de Psicologia da Pessoa em SãoPaulo. Psicoterapeuta e facilitadora de grupos.

Roberta Oliveira e Silva é psicóloga pela UniversidadeFederal de Minas Gerais.

Vera Engler Cury é professora do Instituto dePsicologia e Fonoaudiologia da PUC-Campinas, Coordenadora do Departamento dePsicologia Clínica, Doutora em Psicologia pelaPUC-Campinas.

Walter Cautella Junior é psicólogo, mestrando peloInstituto de Psicologia da Universidade de SãoPaulo, Chefe do Departamento de Psicologia ePsicoterapia da Casa de Saúde Nossa Senhorade Fátima, Coordenador e supervisor doprograma de estágios em psicologia institucionale Presidente do Centro de Estudos daquelamesma instituição.

7

Prefácio

PREFÁCIO

Este livro traz boas novas.Primeiramente, apresenta evidências de que o

Plantão Psicológico é um serviço viável para atenderadolescentes, estudantes universitários e outrosmembros da comunidade, abastados ou não.

O contato com esse serviço ajuda as pessoasa lidarem efetivamente com os predicamentos davida, não os tratando como problemas que requeremtratamento psiquiátrico. Por exemplo, uma pessoaem uma �crise espiritual� não está confrontando umproblema. Não está tendo um comportamentonormal ou anormal. É um predicamento envolvendoquestões filosóficas, buscando significados,identidade.

O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustraeste ponto de vista em um relato sobre experiênciasem um colégio. Plantão seria �um espaço onde oaluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar erefletir suas questões�. Naturalmente, tal atividade

8

Plantão Psicológico: novos horizontes

não é apenas uma conversa entre amigos. Emsituações onde uma forma diferente de psicoterapiaé mais apropriada, a pessoa recebe a indicação deum(a) profissional competente.

Uma outra boa nova é que plantão psicológicopode promover uma experiência de aprendizagemeficaz para estagiários(as). Confrontando a pessoa inteirano contexto completo da sua existência, o estagiário(a)necessariamente deve ampliar sua visão do papel dapsicoterapia. O filósofo e matemático inglês AlfredNorth Whitehead observou que, �O conhecimentode segunda-mão do mundo instruído é o segredo dasua mediocridade�. O tipo de problemas que as pessoasenfrentam são, em geral, de primeira-mão. A ajudaque necessitam é de ordem prática. Esta forma deaprendizagem é prática.

Assim, ambos os participantes � o plantonistae o indagador(a) � participam e se beneficiam de umaeducação intuitiva cujo objetivo é a auto-realização.Em um encontro de pessoa a pessoa como este, ondese procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhorparte do outro com o propósito de curar a mente, ocorpo e a natureza, a essência da psicoterapia está, defato, sendo redefinida.

O mesmo observa Walter Cautella Junior,descrevendo seu trabalho em um hospitalpsiquiátrico: �A experiência do plantão psicológicoleva a instituição a reformar sua visão do indivíduoinstitucionalizado�.

Há promessas de mais boas novas. A palavra�plantão� vem do francês planton, quando era aplicadoem linguagem militar para designar a pessoa que ocupauma posição fixa, alerta dia e noite. Seu uso modernorefere-se ao suporte, fora do horário normal,oferecido por médicos em hospitais ou, como aqui,por um psicólogo. Além disso, sua relevância está no

9

fato de que a origem da palavra planton vem do latin:plantare, plantar.

Um significado dessa palavra refere-se a �plantado pé�. Assim, o plantão psicológico pode ser vistocomo tendo seus pés no chão. Sendo prático.Respondendo às necessidades imediatas dos clientes(que poderão ser psicológicas ou de qualquer outraordem).

O segundo sentido de �plantar,� é �meter umorganismo vegetal na terra para enraizar�. Essa é outracaracterística do Plantão Psicológico descrito nestelivro: estar plantado na cultura brasileira com suasdeficiências e seus nutrientes. Principalmente, é umorganismo vivo e crescendo. Assim, como lembramas palavras de Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, �Uma éticadas relações interpessoais, sutil mas poderosa, feita depequenos gestos e acenos suaves, simples e ainda assimdeterminada, parece conduzir os projetos do PlantãoPsicológico�.

Se for possível ficar imune e não se deixarrestringir por dogmas e modismos filosóficos poderácontinuar a se desenvolver efetivamente de acordo comas necessidades da população desse tempo e lugar.

John Keith WoodJaguariúna, Agosto 1999

Prefácio

11

INTRODUÇÃO

1 MAHFOUD,

Miguel. A vivênciade um desafio:plantão psicológico.In: ROSENBERG,Rachel Lea (Org.).Aconselhamentop s i c o l ó g i c ocentrado napessoa. São Paulo:EPU, 1987, p.75-83.(Série Temas Bási-cos de Psicologia,Vol. 21)

Introdução

Frutos Maduros do PlantãoPsicológico

Miguel Mahfoud

Desde a primeira sistematização � nos idosde 1987

1 � da inicial experiência de Plantão

Psicológico no Brasil, que se apresentava comodesafio a ser vivenciado, como semente que mudade cor e se alastra no terreno de sempre com brotosfrágeis mas injetando a verde esperança que tudotransforma, desde então a proposta de umAconselhamento Psicológico aberto às mudanças denosso tempo, de nossa cultura e de nossa realidadesocial foi brotando e formando raízes.

Que solo seria o mais propício ao desenvolvimentode algo que prometia vitalidade senão o nosso próprio,nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais?Aprender da experiência a partir de um empenho com arealidade assim como ela é para de dentro transformá-la. Assim, em nosso solo brasileiro a experiência de PlantãoPsicológico tomou corpo de maneira original.

O presente livro quer comunicar a sistematizaçãode um exercício de aprendizagem a partir da experiência

12

Plantão Psicológico: novos horizontes

de empenho em diferentes contextos institucionais.Diversas experiências de Plantão Psicológico que dãovida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológicoque aceitou romper os limites estabelecidos pelodescompromisso teorizado de tantas psicologias, peloreducionismo sentimental de algumas propostas depsicologia que se querem humanistas.

Veremos aqui os desafios serem enfrentados emnovos horizontes. Tantos desafios permanecem osmesmos para a psicologia desde muito: desafios sociaiscomo as dificuldades econômicas e de trabalho,desafios educacionais, desafios de uma psicologiahumanista atuante dentro das instituições... A novidadevem da vitalidade da experiência mesma de umatendimento que aceita outros parâmetros para orientarseu desenvolvimento. Os novos horizontes sãoindicados pela própria aprendizagem significativasistematizada com rigor para acolher a vitalidade quecom surpresa emerge.

Queremos que o leitor possa entrar em contatocom a vitalidade da experiência, e com a forçaprovocadora que algo acontecido de fato pode noscomunicar: a força do possível. Mais do que modelos,encontramos aqui provocações.

Uma das provocações significativas é a integraçãode trabalhos de base humanista inserido em instituições.Tantas vezes ouvimos o refrão quase automaticamenterepetido de que as instituições têm objetivos diversosdaqueles que movem a Psicologia Humanista já queesta quer acentuar a centralidade da pessoa e seusprocessos autênticos. As experiências aqui comunicadasindicam uma possibilidade de trabalhos claramente debase humanista que aceitam � com nossos própriossujeitos � o desafio de continuamente buscar, nocontexto assim como se apresenta, a afirmação dosinteresses propriamente humanos. Se realmente fosseimpossível para nós, de que maneira poderíamos esperar

13

Introduçâo

que fosse possível para nossos clientes? Se não fossepossível para nós, só nos restaria propor o atendimentopsicológico como espaço alternativo, e por issoinevitavelmente alienante. Encontramos aquiexperiências que podem abrir novos horizontes nestesentido.

Em se tratando de uma novidade que estavaapenas brotando, por muitos anos a comunidade psiacolheu a proposta de Plantão Psicológico como algo�alternativo�. No sentido que seria algo outro emrelação ao estabelecido como campo seguro e própriodo saber e da técnica psicológica. Desconfianças,dúvidas, reticências... cultivadas em compasso deespera, até que os frutos amadurecessem e se pudesseconhecer de fato esse Plantão. O próprio ConselhoFederal de Psicologia chegou a se pronunciar emdocumento oficial, classificando Plantão Psicológicodentre as técnicas alternativas emergentes. Alternativade maneira distinta daquelas de origem confusa ouexotérica, mas entendida como proposta inovadora, queem certa medida rompe parâmetros estabelecidos portécnicas tradicionais e que ainda estava aguardando umaavaliação mais rigorosa de sua eficácia pelas instituiçõesde ensino superior e de pesquisa.

Pois bem, os frutos amadureceram e são aquioferecidos. Amadureceram no trabalho sistemático, naobservação atenta, na sistematização com rigormetodológico com base em pesquisas de basefenomenológica. São esses frutos que agora, aqui, sãooferecidos à comunidade para que possamos promovera experiência de Plantão Psicológico com umaconcepção clara, de maneira tal a possibilitar suacorrespondente avaliação.

Neste sentido este livro dá um passo histórico.Já não podemos falar em Plantão Psicológico técnicaalternativa. O atual e crescente interesse documentadopela presença de mesas redondas e/ou de comunicação

14

Plantão Psicológico: novos horizontes

de pesquisa sobre Plantão Psicológico emdiversos congressos nacionais e regionais já era umindício dessa mudança. A apresentação dessasexperiências sistematizadas e pesquisadas colocam umponto final.

É claro que trata-se de um ponto final só nocaráter de alternativo. Sabemos bem que estamos noinício. Plantão tem ainda muito em que crescer paraexprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutosmaduros apresentam o Plantão; e sabemos, agora maisdo que nunca, que vale a pena cultivá-lo, que há terrenopropício, que há horizonte amplo onde mirar.

Bom terreno, boas sementes, bons frutos... : bomproveito!

15

O Plantão Psicológico no Instituto Sedes Sapientiae

O Plantão de Psicólogos no InstitutoSedes Sapientiae: uma proposta de

atendimento aberto à comunidadeRaquel Wrona Rosenthal

No final da década de 70, parte do grupo deprofissionais que antes se reunia como �Grupo dePsicologia Humanista�, decide constituir no InstitutoSedes Sapientiae, o Centro de Desenvolvimento daPessoa, CDP.

Estimulado pelo entusiasmo de Rachel LeaRosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudosteóricos, grupos de supervisão e reflexão sobre aprática clínica, promovia workshops abertos ao público,ciclos de encontros de profissionais paulistas e tambémencontros nacionais, constituindo-se em importantereferência para os interessados em discutir e aprofundaro conhecimento da ACP, Abordagem Centrada naPessoa.

Sempre atenta ao potencial transformador daACP, considerando tanto a dimensão individual quantoa social / comunitária, Dra. Rosenberg propõe a criaçãode um serviço de Plantão de Psicólogos, inspiradonas experiências das walk-in clinics, surgidas nos Estados

16

Plantão Psicológico: novos horizontes

1 ROGERS, Car l

Ramson. As Condi-ções necessárias esuficientes para amudança terapêu-tica da personali-dade. In: WOOD,John Keith et alii(Org.s). Aborda-gem centrada napessoa, Vitória:Fundação CecilianoAbel de Almeida /Universidade Fede-ral do Espírito San-to, 1995, p.157-179.

2 ROGERS, Car l

R a m s o n .Psicoterapia econsulta psico-lógica , 1ª

ª ed . ,

São Paulo: MartinsFontes, 1987 (Cole-ção Psicologia ePedagogia), p.207-208.

Unidos para prestar atendimento imediato àcomunidade. Até então o Serviço de AconselhamentoPsicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sobsua coordenação, já vinha oferecendo o que chamava�plantão�, e que consistia, naquele caso, em umadisponibilidade mais atenciosa de recepção aos clientesque procuravam inscrição para atendimento regularem aconselhamento psicológico. Daí surgiram asprimeiras reflexões sobre as potencialidades de umserviço de �Plantão Psicológico�: o podertransformador da escuta atenciosa, não diretiva,centrada no cliente, confiante na tendência aodesenvolvimento das potencialidades inerentes à pessoa(tendência atualizante), e na possibilidade dessatendência ser estimulada, mesmo através de um únicoencontro com o profissional, desde que este últimopossa oferecer sua presença inteira, através de suaprópria congruência, capacidade de empatia e aceitaçãoincondicional do outro, atitudes pilares da ACP.

1

É de Carl Rogers, o criador a AbordagemCentrada na Pessoa, a ponderação:

�Se atendermos à complexidade da vida humana comolhar justo, temos que reconhecer que é altamenteimprovável que possamos reorganizar a estrutura davida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limitee nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus,poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, deesclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemospermitir ao cliente que exprima seus problemas esentimentos de forma livre, e deixá-lo com o reconhecimentodas questões que enfrenta.� 2

Muitas pessoas, em determinada circunstânciade suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essainterlocução diferenciada, que lhes propiciasse umaoportunidade também de escutar a si mesmos,

17

O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

3 INSTITUTO

S E D E SSAPIENTIAE: Cartade Princípios, s/d(mineo.).

identificando e reconhecendo seus própriossentimentos e possibilidades de auto direção, nomomento em que enfrentam a dificuldade, sem quenecessariamente tenham que se submeter a atendimentosistemático, prolongado, como tradicionalmenteoferecem as psicoterapias.

Coube a mim a coordenação e supervisão doPlantão de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeiravez em agosto de 1980, como um dos chamados�cursos de expansão�do Instituto Sedes Sapientiae. Ocurso tinha duração semestral, e prestava, através de seusalunos, atendimento psicológico aberto à população.

O Instituto Sedes Sapientiae ou Sedes, como hojeo chamamos, fundado em São Paulo em 1975, é umimportante centro de prestação de serviços, ensino epesquisa ligados às áreas da Psicologia e da Educação,tendo como compromisso

�assumir sua parcela de responsabilidade natransformação qualitativa da realidade social, estimulandotodos os valores que acelerem o processo histórico no sentidode justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoahumana� 3

Feliz associação de ideais, nosso Plantão tinhalugar certo para acontecer!

As atividades iniciaram-se pela seleção dosplantonistas. Os critérios adotados pediam que fossempsicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP,que tivessem experiência mínima de um ano ematendimento clínico e estivessem especialmentesensibilizados pela natureza do serviço proposto.

Contávamos com um grupo de dozeplantonistas e uma supervisora e estabelecemos ohorário das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras

18

Plantão Psicológico: novos horizontes

4 BELLAK, Leopold

& SMALL, Leonard.Psicoterapia deEmergência eP s i c o t e r a p i aBreve, Porto Ale-gre: Artes Médicas,1980.

para os atendimentos e nossas reuniões. Dedicamosaproximadamente um mês e meio ao planejamento e àdivulgação do novo serviço, período em que pudemoscompartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacandonossa ansiedade, acentuada pela ausência de bibliografiaespecífica sobre plantão psicológico. Não haviaqualquer menção, nas diversas bibliotecasespecializadas que consultamos, às walk-in clinics dasquais Rachel Rosenberg nos falara.

Sabíamos que a possibilidade de psicoterapiasde curta duração vinha sendo considerada por autoresque adotavam diferentes abordagens, como porexemplo, os trabalhos de Bellak e Small,

4 de orientação

psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo,desde a década de 70, grande implemento e pesquisa,mas nada de sistemático havia sobre outras experiênciasde curta duração ou mesmo de sessões únicas deatendimento.

Dra.Rosenberg, ao refletir sobre variações notempo de atendimento, apontava o caráter preventivode uma intervenção no momento oportuno:

�A duração prevista para um atendimentopossivelmente eficaz em terapia tem sofridomodificações de várias espécies. Comprovaçõesempíricas de resultados satisfatórios justificam o usode atendimentos com um número pré-determinadoou máximo de horas. Cria-se uma metodologiaespecífica para este tipo de atendimento em linhasteóricas variadas [...], o atendimento de curta duraçãose insere como aplicação natural, bem sucedida e cadavez mais utilizada. Mesmo no caso de problemas gravesou dificuldades antigas, conclui-se que o princípio detudo-ou-nada � ou seja ,terapia profunda eprolongada ou nenhuma assistência psicoterápica �não tem real validade. Especialmente em pontos

19

O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

5 ROSENBERG,

Rachel Lea. Terapiapara Agora. InROGERS, CarlRamson &R O S E N B E R G ,Rachel Lea. APessoa comoCentro, São Paulo:E.P.U., 1977, p.52.

6 Madre Cristina,

nascida Célia SodréDória, cônega deSanto Agostinho,educadora, psicó-loga e fundadora doInstituto SedesS a p i e n t i a e ,personalidade ines-quecível para aPsicologia e para aHistória brasileiras.

críticos do desenvolvimento ou da vivência, umaintervenção adequada tem, além de efeitos terapêuticos,caráter preventivo de conflitos maiores posteriores�.

5

Alguns alunos supunham que, devido ao caráterimediato do atendimento, certamente receberíamosmuitos clientes em crise emocional aguda e insistiamna necessidade de contarmos com um psiquiatraplantonista. Precisamos esclarecer que nossa propostanão era criar um serviço para emergências psiquiátricase sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa nomomento da dificuldade, sem que necessariamente aintensidade dessa dificuldade tivesse atingido um pontocrítico que representasse ameaça iminente à suaintegridade ou à de outros; não era destinado ao suicidaem potencial, como sugeria a divulgação recente doCVV, Centro de Valorização da Vida, cuja equipe deplantonistas era constituída por leigos em psicologia eprestava atendimento inicial por telefone. Porprecaução, tratamos de pesquisar e organizar umarelação de instituições e serviços particulares depsiquiatria, caso viéssemos a necessitar.

A preocupação de Madre Cristina 6 era de que

o novo serviço não viesse aumentar as já enormesfilas de espera para psicoterapia naquela clínica, tãosolicitada devido à tradicional qualidade dos serviçosprestados. Insistíamos em esclarecer que a intenção nãoera fazer triagem, embora pudéssemos, eventualmente,realizar encaminhamentos. O Plantão Psicológico nãofoi concebido como uma alternativa �tampão� paraacabar com filas de espera em serviços de assistênciapsicoterapêutica, já que não pretende substituir apsicoterapia. Não acreditamos que uma única sessãoseja capaz de resolver sérios problemas emocionaisou promover resultados reconstrutivos dapersonalidade. Somente mais tarde é que viemos adescobrir as possibilidades terapêuticas do plantão.

20

Plantão Psicológico: novos horizontes

7 um destes cartazes

e n c o n t r a - s edigitalizado no CD-ROM anexo ao livro.

Fizemos várias reuniões em torno de aspectoséticos das formas de divulgação: tratava-se de umanova proposta e aberta à comunidade em geral. Comodivulgá-la, transmitindo sua originalidade eacessibilidade, sem banalizá-la? Optamos pelaimpressão de cartazes

7, que foram afixados em diversas

escolas, igrejas, hospitais, bibliotecas públicas efaculdades com o destaque: �Psicólogos de Plantão �e o texto:

�Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocaridéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você nomomento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.�

Seguia-se o nome da psicóloga responsável eseu número de inscrição no CRP, o endereço e horáriosdo atendimento.

Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedesonde se desenvolviam outros cursos, para anunciar oatendimento e esclarecer dúvidas a respeito. Osprimeiros a nos procurar foram justamente algunsalunos desses cursos, uns motivados por questõespessoais, outros, pelo interesse profissional emconhecer melhor o Plantão.

Houve uma divulgação num programa da TVCultura, uma reportagem extensa que entrevistouplantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foiao ar às vésperas da interrupção do serviço devido àsférias. Este fator diminuiu o impacto de suarepercussão, pois os clientes que nos procuraram emseguida à edição do programa da TV não puderamser atendidos.

O jornal Folha de São Paulo publicou reportagemdo jornalista Paulo Sérgio Scarpa sobre o PlantãoPsicológico, destacando sua utilidade pública.Interessante assinalar que a seção onde se inseriu a matéria

21

O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

8 Estas matérias se

encontram digita-lizadas no CD-ROManexo ao livro.

intitulava-se �A Folha e as respostas da sociedade àcrise�(07/11/81). Outras menções ao serviço já haviamsido feitas por esse mesmo jornal, em edição de 16/01/81 e em seu caderno �Folhetim�, cuja edição ,em 20/09/81, era dedicada ao tema �Desemprego eInsegurança�

8. Hoje, passados 19 anos, podemos

reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas.

O primeiro grupo de doze plantonistastrabalhou de agosto a dezembro de 1980, divididoem sub-grupos de seis que se alternavam entreatendimento e supervisão: enquanto metade prestavaplantão às segundas- feiras, a outra parte reunia-se parasupervisão; às quintas-feiras, invertiam-se as funções.A supervisão também era acessível ao plantonistadurante o transcorrer de um atendimento, casoprecisasse dela. A duração de uma sessão deatendimento poderia variar de uma a duas horas,dependendo de haver ou não outros clientes à espera.

Dispúnhamos de sete salas, sendo seis destinadasao atendimento e uma para as reuniões de supervisão.

Madre Cristina, confiante na importância dainiciativa, ofereceu-se para recepcionar os clientes. Assim,quem procurava o Plantão Psicológico, mesmo nasnoites mais frias do inverno, encontrava-a logo àentrada do Sedes, sentada atrás de uma pequena mesa,apoiada num travesseiro para respaldar suas costas,que tão vigorosamente suportaram, com coragem edignidade, as pressões da luta por justiça social emnosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e asala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza,já despertando nele uma disposição receptiva aoencontro com o profissional.

No primeiro semestre de 1981 foi feita novaseleção de plantonistas e alguns dos ex-alunos,entusiasmados que estavam, se re-inscreveram.

22

Plantão Psicológico: novos horizontes

Novamente, para o terceiro curso, no segundosemestre de 1981, tivemos re-inscrições.

Em 1982 não foi renovada a proposta. Asupervisora, preparando-se para sua terceira gravidez,embevecida que estava pelo novo, decidiu-se peladedicação mais intensa às suas filhas, enquanto seafastava do Sedes, levando muito para refletir a respeitode seus plantões e suas � plantinhas�. Mais tarde, éconvidada a oferecer Plantão Psicológico aosfuncionários do mesmo instituto, atividade quedesenvolveu até dezembro de 97. Esse convite atestao reconhecimento da importância da proposta e arepercussão que o Plantão Psicológico alcançou dentrodaquela instituição .

Trataremos aqui de apresentar como foidesenvolvido o Plantão Psicológico aberto àcomunidade.

OS CLIENTESNos três semestres do Plantão de Psicólogos,

realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos.Tínhamos estabelecido três retornos como possibilidademáxima para cada cliente no mesmo semestre.Entendíamos que, caso nos procurasse com maiorfreqüência, isto indicaria a conveniência de encaminhá-lo à psicoterapia. Tínhamos uma relação de instituiçõesque prestavam atendimento gratuito, como era nossocaso, e também uma relação de psicoterapeutasdispostos a trabalhar por honorários simbólicos.

Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% erammulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros;o nível de escolaridade dos clientes variou de semi-alfabetizados a curso superior completo; 17% eramprofissionais liberais (advogado, economista, psicólogo,fisioterapeuta), e o restante composto por outrasocupações (escriturário, comerciário, comerciante,motorista, vendedor, feirante, office-boy, técnicos em

23

O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

serviços diversos). Procurou-nos também uma pessoaque declarou como ocupação, ser �pedinte�. Mesesdepois, a plantonista que o atendeu o encontraria numdos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre ospassageiros.

Após cada atendimento, era solicitado ao clienteque depositasse numa urna um comentário escrito, semnecessidade de se identificar. Dos 68 depoimentosrecolhidos, destacamos alguns, para ilustrar arepercussão imediata ao encontro:

�Eu nunca havia participado de uma entrevista compsicólogos. Fiquei até com receio pois não sabia comoiria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fácil do queimaginava. O �à vontade� com que a psicóloga conduziuo bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo oque vinha me inquietando, chegando mesmo a tirarconclusões ou elucidar dúvidas com o simples desabafo deminhas preocupações. Senti-me pois tão satisfeita comose tivesse recebido um presente de Natal �.

�Não acho que o atendimento recebido tenha resolvido omeu problema, mas tenho plena convicção de que abriu-me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir.Creio que agora estou mais apto a resolvê-lo e muitootimista por saber que posso�.

�Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazeresta �pré-análise� antes de se definir pelo terapeuta�.

�Não fez minha cabeça�.

�Como é bom ter e sentir que podemos sentar e conversarcom uma pessoa. Falar de nossos problemas sem pensarque vamos ser censurados�.

24

Plantão Psicológico: novos horizontes

�Achei ótima a idéia desse Plantão. Psicólogos ouvindopessoas em casos de emergência �emocional�. Deve continuare se expandir em vários locais e ser divulgado e �ensinado�,dado como curso nas escolas de Psicologia�.

�Acho essa iniciativa muito válida e isso, acredito eu,vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezesreprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmosendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam,nossas 23 horas restantes e dias posteriores serãomelhores�.

De maneira geral, os comentários aludiam àimportância de ser ouvido, faziam referências ao alíviopelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveriaser pago, apontavam a necessidade de maior divulgaçãodo serviço e a ampliação dos horários de atendimentoe alguns revelaram frustração da expectativa de quepudessem receber atendimento prolongado.

OS PLANTONISTASOs plantonistas se referiam com freqüência à

sua experiência como estagiários durante o tempo dafaculdade, declarando o quanto �sofreram� ao sedesligar do cliente por ocasião da conclusão do cursode graduação. Agora, a questão do vínculo, a separaçãodo cliente, a ansiedade em função desse único encontro,a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade(sessão seguinte) para eventual �reparação� de suaatuação, tudo era discutido sistematicamente nassupervisões. Suponho que uma das conseqüênciasdessas dificuldades dos alunos foi o número deencaminhamentos realizados e a quantidade deintervenções de natureza diretiva, com tendência aoferecer respostas e sugestões.

Outra questão diz respeito à superação doestereótipo de que uma relação de ajuda psicológica

25

O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

deva se estender no tempo, de que profundidade eintensidade sejam diretamente proporcionais à duraçãodo atendimento. A possibilidade de que umaintervenção de natureza breve pudesse ser suficientepara o cliente não era claramente percebida pelosalunos, limitação que podemos atribuir à formação quereceberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitaçãodo psicólogo estava mais voltada para a atividade clínicada psicoterapia ou do psicodiagnóstico através de testes.

Também em relação às intervenções diretivasobservamos, muitas vezes, que o sentimento deimpotência do plantonista diante de clientes de menorpoder aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistase, de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houvecasos em que o aluno procurava encontrar soluçõesimediatas, dar conselhos e sugestões ou mesmo insistirem encaminhamentos muitas vezes não percebidoscomo necessários pelo próprio cliente.

Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempodepois iniciaria também como supervisora oatendimento psicológico do tipo plantão em postosde saúde através da Clínica das Faculdades SãoMarcos, fez a seguinte reflexão sobre sua experiência:

�A questão dos valores do psicólogo éimportante em qualquer processo psicoterapêutico, masquando se trata de sua �vontade de ajudar� pessoascom problemas de subsistência, a visão que ele temda �pobreza� e de seu próprio lugar na sociedade modelaseus objetivos explícitos e implícitos e suas atitudes.O psicólogo tem a tendência a se preocupar mais como �como� de sua atuação do que com o �porquê�, ouseja, com as implicações pessoais e ideológicas de suasintervenções. Por exemplo, não terá a mesma posturase acredita que uma tomada de consciência individualpossa ser um fator de mudança, ou se acredita quesomente uma mudança social e política possa trazer

26

Plantão Psicológico: novos horizontes

9 Extraído de rela-

tório pessoal nãopublicado (1982).Parágrafo aquireproduzido sobpermissão daautora.

soluções para as situações individuais.[...] Ele deve, maisdo que nunca, estar atento às incongruências de seussentimentos com os pressupostos intelectuais: até queponto ele realmente confia nos recursos da pessoa paraenfrentar suas dificuldades e modificar seu mundo?�

9

O SERVIÇO E O CURSOQuanto à estruturação do serviço, que

acompanhava o calendário dos cursos do InstitutoSedes Sapientiae, percebemos que a propostasemestral, com constantes interrupções devido às férias,além de truncar o afluxo de clientes, tornava muitocurto o período de preparação do plantonista,preparação que nos parece requerer bastante empenho,especialmente no que diz respeito às bases conceituaisda Abordagem Centrada na Pessoa e aos valorespessoais do profissional. Isto pôde ser confirmadopelo número de re-inscrições dos alunos para ossemestres seguintes, evidenciando que não sóreconheciam a relevância e efetividade do PlantãoPsicológico, como também a consciência que tinhamda necessidade de aperfeiçoamento. O tempo breveda relação com o cliente talvez torne mais perceptível,tanto para o supervisor como para o próprio aluno,o grau de consistência na adoção da ACP comoreferencial para sua atuação. A ausência de solidez na�atitude centrada na pessoa� prejudicará a qualidadeda relação de ajuda, gerando no plantonistacomportamentos incongruentes e condutas diretivas

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANTÃONossas próprias �descobertas� antecipam o que

diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder:

�A grande descoberta deste século para as CiênciasHumanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não hámelhor entendimento que alguém possa nos prestar do

27

O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

10 BONDER, Nilton �

Elul, O mês daescuta, Kol � BoletimInformativo daComunidade Judaicado Brasil, Rio deJaneiro, Ano III, n.7,agosto 1998, p.1.

que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quaseimperceptíveis de nossa existência� 10.

Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas nãoé. Ouvir implica acompanhar, estar atento, estar presente.Presença inteira. Que quer dizer �presença inteira�?Todos sabemos o que significa presença �parcial�.Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor estejarealmente nos ouvindo? Mesmo que alguém, ao serquestionado �Você está �mesmo� me ouvindo?� sejacapaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir,a repetição soará vazia, oca de sentido, se sua presençaestiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso nãosignifica ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemosaté perceber, sem mesmo ter consciência de quepercebemos - pela própria �densidade� de olhar dooutro, pelo tipo de brilho desse olhar - a denúncia da�parcialidade� da presença. Um olhar nosso ao olhardo interlocutor poderá revelá-la. A repetição, mesmoquando se torne uma reprodução, isto é, quando procure�re-produzir�, sintetizando o conteúdo daquilo que foiouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca,é apenas e simplesmente um eco.

Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava acompanhia dos homens e dos deuses e não se importavacom o Amor. Pã, apaixonado por ela e irritado com suaindiferença, fez que os pastores da região adespedaçassem, espalhando os despojos pelascampinas. Eco, dispersada por muitos lugares, limita-se a repetir os sons que se produzem por perto.

Ouvir realmente, e não apenas �ecoar�, requerconcentração do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.).Não é possível ouvir estando disperso como Eco. Enão estou me referindo a concentração apenas comocapacidade de focalizar a atenção (no cliente ou nafala do cliente), mas quero ressaltar a concentraçãodo terapeuta em si mesmo.

28

Plantão Psicológico: novos horizontes

Proponho refletirmos sobre �concentração�como �congruência�. Parece estranho? Congruênciapode ser entendida como o alinhamento de váriasesferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamentefalando, significaria ter as dimensões do pensar, sentire agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter �todosos centros num mesmo centro�. Congruência éportanto con-centração, tomar dentro de si como únicocentro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamentointerno, concentração, presença inteira.

A Abordagem Centrada na Pessoa, enfatizando asqualidades da relação (aceitação incondicional, empatia econgruência) como fator mobilizador do crescimento(tendência atualizante) se confirma como perfeitoreferencial para o �Plantão Psicológico�, modalidade deatendimento que vem abrir também novas perspectivasde contribuição social para o psicólogo.

Relembrando a expressão tão rica de sentidosdo Prof. Miguel Mahfoud, podemos confirmar o PlantãoPsicológico como presença que mobiliza.

29

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

1 O presente texto

foi originalmenteapresentado no VIIIEncuentro Latino-americano del Enfo-que Centrado en laPersona, promovidopela UniversidadeIberoamericana daCidade do México epela UniversidadeAutônoma deAguascalientes, emAguascal ientes ,México, em 1996,com apoio daFAPEMIG.

Plantão Psicológico na escola: umaexperiência

Miguel Mahfoud

O desempenho profissional é fruto possívelde raízes filosóficas, e é verdade que se conhece aárvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenhoprofissional não morrer, ficará só; se morrer um pouco,para uma reflexão mais profunda e para se misturarcom o que dá vida, produzirá cem por um.

Por isso quero agradecer a possibilidade decompartilhar experiências

1, a oportunidade de pensar

um pouco mais no que faço; oportunidade de meenriquecer pela consciência de que também eu fuiplantado e que também eu sou árvore com raiz e fruto,e oportunidade de comunicar. O sentido maisprofundo do fruto não é semear de novo?

A Educação tem pedido técnicas à Psicologia.Mas o risco é o de não se clarear a finalidade geral daeducação, respondendo segundo objetivos precisosmas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco é ode não explicitarmos (nem a nós mesmos) que a

30

Plantão Psicológico: novos horizontes

finalidade da educação é a formação da pessoa, equerermos responder a tantas demandas com diversosobjetivos definidos (aumento do rendimento escolar,auxílio na expressão verbal e escrita, aplacamento decomportamentos anti-sociais...) que podem nos ocuparmuito, podemos até obter resultados, mas poderíamosainda assim não estar respondendo à verdadeirafinalidade da educação. Se a explicitarmos, daremo-nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos,métodos e técnicas. E, ainda mais importante, daremosa nós mesmos a oportunidade de sermos educadores,isto é, testemunhas de uma consciência ampla possível,que já começa a ser uma rota de orientação dentro dadesorientação cultural em que vivemos, e que as nossascrianças e adolescentes não têm como evitar.

É nesse sentido que um pouco ousadamenteevitei assumir uma função psico-pedagógica na escolaem que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamosuma condição de trabalho incomum, não sendochamados a desempenhar as funções de orientaçãoeducacional, ou coordenação pedagógica ou disciplinar- funções estas exercidas por outros profissionais. Pudeentão me preocupar com uma contribuiçãopropriamente psicológica no âmbito escolar.

Devido à minha formação marcada pelaAbordagem Centrada na Pessoa logo quis que tambémna escola a psicologia pudesse contribuir primeiramenteconstituindo um espaço para o aluno como pessoa. Umespaço onde se retomasse a finalidade da educação atravésda formação da pessoa naquele contexto, assim como é,com todos os seus recursos e limites, já. Em um contextoinstitucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmentepartícipe da desorientação cultural que todos vivemos,eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valore a potência inovadora e criadora da pessoa que crescecom consciência de si e da realidade.

31

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

2 Cf. MAHFOUD,

Miguel. A Vivênciade um Desafio:Plantão Psicoló-gico. In Rosenberg,R.L.(Org.), Acon-selhamento Psi-cológico Centra-do na Pessoa,São Paulo: EPU,1987, pp.75-83.(Série Temas Bási-cos de Psicologia,Vol. 21)

Assumindo isso como finalidade, a técnica deatendimento breve que tem sido chamada de �PlantãoPsicológico�

2 serviu como método de presença entre

os alunos e professores.Sabemos bem que a imagem de um Serviço de

psicologia dentro da escola é visto por todos comoalgo muito diferente disso que propomos, e assimquisemos afirmar essa nova ótica para todos, masprincipalmente - e a partir - dos alunos, a quem aqueleServiço de psicologia queria servir. Preparamos, então,folhetos de divulgação da proposta, que penso possamajudar a explicar a vocês também um pouco do quevem a ser um Plantão Psicológico na escola.

Aos alunos de nível colegial foi entregue umfolheto com trechos da música �Quase sem querer�do grupo Legião Urbana, e alguns comentáriosapresentando o Plantão Psicológico. Trazia os seguintesdizeres:

�Tenho andado distraído,Impaciente e indecisoE ainda estou confuso....Quantas chances desperdiceiQuando o que eu mais queriaEra provar pra todo mundoQue eu não precisavaProvar nada pra ninguém

...Como um anjo caídoFiz questão de esquecerQue mentir pra si mesmoÉ sempre a pior mentira.Mas não sou maisTão criança a ponto de saberTudo....

32

Plantão Psicológico: novos horizontes

3 As i lustrações

dos panfletosapresentados nestecapítulo são deDurval Cordas, aquem agradecemosa autorização parapublicação.

Sei que às vezes usoPalavras repetidasMas quais são as palavrasQue nunca são ditas?�

de �Quase Sem Querer�(Dado Villa-Lobos/ Legião Urbana)

PLANTÃO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO

� uma ajuda para quem não quer viverdesperdiçando chances (com os amigos,com a família, no colégio...)

� um espaço para procurar ouvir em si aspalavras mais profundas e verdadeiras.

� uma possibilidade para todo aluno que nãoquer viver �quase sem querer�.

Os pedidos de encontro com opsicólogo podem ser feitos pessoalmente todasas 3as e 6as feiras nos intervalos da manhã nasala 45 (próximo à biblioteca e à informática).

Ou por escrito, todos os dias deixandona portaria do Colégio um bilhete destinadoao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seunome, número e classe, data e assinatura.

� Querendo, apareça!

Já o folheto preparado e entregue aos alunosde nível ginasial foi o seguinte

3:

33

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

34

Plantão Psicológico: novos horizontes

35

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

36

Plantão Psicológico: novos horizontes

37

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

38

Plantão Psicológico: novos horizontes

A resposta dos alunos foi bastante positiva. Noinício a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipode atendimento era o mais marcante, e vagarosamentefoi se instalando como um espaço para as pessoas, maisdo que para os problemas. Isso fez com que mesmoquando precisávamos chamar alguém para conversar porpedidos da coordenação pedagógica ou disciplinar, oupor pedido de algum professor, a disponibilidade detratar dos problemas era já diferente, porque o interesseera por ele, e não por suas notas ou comportamentos.Então até suas notas e comportamentos eram discutidos;suas queixas intermináveis, ouvidas; mas sua pessoacontinuava a ser o centro, e a resposta à situação assimcomo é ainda cabe a ele, que pode agora ter alguém aquem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar.A consciência ampla do educador ali frente ao aluno setraduz também em disponibilidade e cumplicidade paraque o aluno viva com realismo e com cuidado consigomesmo. De modo geral isso é mobilizado rapidamentee o psicólogo permanece como referência para o alunona escola, também para outras ocasiões mais tarde, e aexperiência permanece como referência dentro do aluno- espero para sempre.

A consciência de si e da realidade pede, antesde mais nada, discriminação. Quem é quem na escola?Com quem você pode contar? Quais são os recursosdisponíveis na rede de relacionamentos?

Mas se provoco os alunos a estarem atentos àrealidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presençana escola, é porque procuro fazer o mesmo ali. Tambémeu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer asdiferentes contribuições dos vários professores ecoordenadores que convivem muito mais diretamentecom os alunos do que eu, e por isso podem ser umcontato importante para o meu trabalho e para diferentesformas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem

39

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

4 Este fo lheto

encontra-se degita-lizado no CD-ROMque acompanha olivro.

me dar feed-back de minhas intervenções, podem cooperarquando também eles se abrem a um tipo de compreensãodos acontecimentos que considere o lado dos alunos eas outras dimensões normalmente deixadas à margemda sala de aula.

Na verdade a manutenção desse tipo deproposta pede um empenho constante, edisponibilidade a manter um diálogo continuamenteretomado � com os professores, com os alunos ecom o conjunto da instituição - para se esclarecer alinha do trabalho, e para que se tenha atenção com osentido que o trabalho vai tomando para a instituição:

COM OS PROFESSORESQuanto aos professores, é fácil que em um

primeiro momento eles sintam que somos �defensores�dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem-se incompreendidos. Chamá-los a colaborar conosco naatenção com os alunos nem sempre é potente pararomper aquela impressão. Às vezes é preciso que elesvejam alguns passos que estão sendo dados pelo aluno eque se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se aexplicitá-los nem sempre é fácil, mas é sempre importante.

COM OS ALUNOSQuanto aos próprios alunos, é importante

retomar a proposta de que eles próprios podem nosprocurar, e estar atentos às tensões que nossa presençasuscita entre eles, para poder lidar com elas tambémenquanto escola no seu conjunto, além do âmbito deatendimento individual ou de pequenos grupos.

Como exemplo, apresento a vocês um folheto4

que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalharcomigo no Colégio, e aproveitamos para lidar tambémcom a tensão existente entre os alunos, ligada ao fatode que alguns deles se encontravam conosco.

40

Plantão Psicológico: novos horizontes

41

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

42

Plantão Psicológico: novos horizontes

43

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

44

Plantão Psicológico: novos horizontes

Assim, brincamos um pouco com a tensão, e oprojeto foi re-proposto.

COM A INSTITUIÇÃOQuanto à necessidade de recolocar continuamente

a proposta, a nível institucional a questão também não ésimples. Às vezes nos sentimos um pouco �marcianos�.Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder àsdemandas da instituição retomando sempre o pontode partida da centralidade da pessoa. De fato, isso émuito desafiador e criativo. Criamos métodos einstrumentos novos ao procurar responder aos pedidose necessidades da instituição retomando a finalidade daeducação e as contribuições da Psicologia.

Gostaria de citar dois exemplos:

1) O primeiro se refere a um pedido que adireção da escola nos fez de nos ocuparmos deOrientação Profissional, sugerindo a aplicação de testes.

Na nossa visão, para aqueles alunos, o problemase localizava no tema da escolha. Sendo alunos de classesócio-econômica �A�, poderiam escolher o quequisessem - mas na verdade não podem escolher porquenão sabem o que querem, ou porque o caminhoprofissional já está traçado por herança familiar (aempresa da família, o consultório do pai...). Nãoqueríamos aplicar testes, porque não os ajudaria em nadaa enfrentar o problema de não se conhecerem, e o deassumirem conscientemente um caminho para si na vidae na sociedade. Não queríamos substituí-los nessa tarefade escolha que é tão importante, e assinala uma passagempara o mundo adulto.

A atenção a isso nos deu criatividade parautilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentoscriados a partir de outros parâmetro teóricos.Utilizamos textos da cultura brasileira, por exemplo oda música �Caçador de Mim� (Sérgio Magro/Luís

45

5 Cf. MARTINS, C.R.

Psicologia doComportamentoVocacional. SãoPaulo: EPU/EDUSP,1978.

6 FRANKL, V. E.

Psicoterapia esentido da vida:fundamentos dalogoterapia eanálise existen-cial . São Paulo:Quadrante, 1973

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

Carlos Sá) como imagem da busca de si que aquelemomento de escolha envolve; ou o poema �Que é oHomem?� de Carlos Drummond de Andrade para abrirespaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo numhorizonte amplo.

Mas desenvolvemos um novo método deOrientação Vocacional adaptando o Método de Históriade Vida apresentado por Julius Huizinga no IV FórumInternacional da Abordagem Centrada na Pessoa, noRio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos paradesenharem o gráfico de sua história de vida, assinalandoas experiências mais significativas desde o nascimentoaté o momento presente, avaliando-as como positivasou negativas em diferentes graus. Depois pedimos queredijam um texto apresentando um dia comum nofuturo, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho épossível extrair o critério pessoal com o qual cada umdeles olha, avalia e se engaja na própria vida. Então sepropõe enfrentar a questão da escolha profissional comaqueles critérios pessoais, tendo em vista as profissõesque mais favoreceriam a expressão e o desenvolvimentode suas características; ao invés de perseguir a questãode onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz -questão esta que parte de uma posição alienada ealienante. Só depois de explicitados esses critério emobilizado esse processo de busca é que utilizamos,eventualmente, testes de personalidade (como o dePfister) e o Modelo de Holland

5 de grupos profissionais

associados a características de personalidade. A propostaé a de enriquecer e ampliar a reflexão sobre si comoser-no-mundo, único e irrepetível,

6 ao invés de esperar

daqueles instrumentos uma resposta.

2) Outro exemplo, para nós muito significativo,foi quanto à dificuldade da instituição em trabalharexplicitamente a questão das drogas, que preocupamuito a todos - direção, professores, pais e alunos.

46

Plantão Psicológico: novos horizontes

8 MAHFOUD, Miguel

& BRANDÃO, SílviaRegina. EducaçãoAfetiva. In. I Con-gresso Internodo Instituto dePsicologia daUSP, São Paulo,1991, p. Z6.

7 Cf. CARLINI, E.A.;

CARLINI-COTRIN,B. & SILVA FILHO,A.R., Sugestõespara programasde prevenção aoabuso de drogasno Brasil, SãoPaulo: CEBRID,1990.

Frente à necessidade de um trabalho deprevenção ao uso de drogas e frente às dificuldadesinstitucionais de tratar do tema, nos pareceu maisadequado procurar utilizar o método que vem sendochamado de Educação Afetiva

7, que procura modificar

fatores pessoais considerados disponentes à utilizaçãode drogas (como auto-estima, identidade, resistência apressão de grupo etc.) sem necessariamente enfocar otema drogas.

Assim, Sílvia Regina Brandão e eu elaboramoso primeiro material brasileiro de Educação Afetiva

8,

sempre retomando a questão da centralidade da pessoa,e abordando principalmente o tema da identidade apartir da existência, do ser-no-mundo e o tema daconjugação entre desejo e limite.

SITUAÇÃO DESAFIADORAPara terminar, eu não seria verdadeiro comigo

mesmo se não citasse uma situação que para mim temsido muito difícil e desafiadora: trata-se da situação demorte de alunos, em particular quando há suspeita desuicídio. Por um lado retomo com muita força aquestão da finalidade da educação no que se refere àformação da pessoa e à formação de uma consciênciaampla de si e da realidade. Uma morte assim nos colocaem xeque, tolhe a possibilidade de lutar e de construircom aquela pessoa, significa que ela não aceitou areferência que quisemos propor e evidencia o mistérioda liberdade do homem.

Mas também nesse momento a nossacontribuição de adultos, educadores e psicólogos passapela consciência ampla que podemos testemunhar. Econsciência ampla nesse momento significa poder ficarfrente ao mistério da vida e da morte, perplexos, aolado dos adolescentes desorientados. E isso só épossível para nós adultos se com eles retomamos aúltima frase do caderno Educação Afetiva: �retomar

47

Plantão Psicológico na escola: uma experiência

sempre o que é importante para mim, me ajuda a fazerescolhas, me ajuda a verificar as pessoas e os gruposque mais podem me ajudar a nunca deixar de desejar ebatalhar para ser feliz�.

Isso não é dado por nenhuma identidade social,por nenhuma formação universitária e por poderalgum. Isso só pode ser dado por uma companhiaviva, de horizonte de vida amplo, à qual cada um denós pode ou não aceitar pertencer.

Passa por aí o sentido do nosso trabalho, quenão será dado pela instituição em que trabalhamos,mas ao contrário, será a instituição que crescerá comsentido se o carregarmos conosco ao vivermos ali.

Parafraseando a introdução do cadernoEducação Afetiva, quero desejar a cada um de vocês omesmo que desejo àqueles com quem trabalho: quetambém o seu trabalho �ajude a encontrarmos caminhossempre novos - para cada um e para a convivênciaentre nós - na constante batalha para ser feliz!�.

49

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

1 Expressamos o

reconhecimento dosplantonistas quecolaboraram emuma primeira siste-matização destae x p e r i ê n c i a :Alessandra R.Alvarenga, IvanaCarla B. C. Santos,Lil ian Rocha daSilva, RominaMagalhães, RonnaraKelles Ribeiro eTânia Coelho deAlcântara.

Plantão Psicológico na escola:presença que mobiliza

Miguel MahfoudDaniel Marinho DrummondJuliana Mendanha Brandão

Roberta Oliveira e Silva

Comunicar uma experiência1, explicitar seu

método, ressaltar a potencialidade de uma proposta, darvisibilidade a um processo real: são objetivos do presentecapítulo. Impactar-se com a força do possível que emergede uma experiência: eis a motivação destas páginas.

Experiência, é claro, se dá em tempo, espaço econtexto social determinados; e da compreensão de seuselementos fundamentais depende a continuidade de suapresença mobilizadora ao longo do tempo. Na verdade,se assim não fosse, nem ao menos poderíamos chamá-lade experiência. Procuramos, então, aqui, explicitar opalmilhar de um percurso feito. Compartilhado ocaminho com o leitor, a continuidade da experiência jáserá objeto de atenção de todos nós, cada qual em seutempo, espaço e contexto social.

TEMPO, ESPAÇO E CONTEXTO SOCIALRelatamos aqui a implantação de um Serviço de

Plantão Psicológico em uma escola pública de segundo

50

Plantão Psicológico: novos horizontes

2 A experiência aqui

relatada se deu em1997.

3 Confira o capítulo�Plantão Psicoló-gico na escola: umaexperiência�, deMiguel Mahfoud,neste mesmo livro.

grau num bairro operário na periferia de Belo Horizonte(MG)

2, estabelecendo um campo de estágio da

disciplina �Aconselhamento Escolar: PlantãoPsicológico� no curso de Psicologia da UniversidadeFederal de Minas Gerais, a partir da proposta de PlantãoPsicológico no contexto escolar elaborada peloprofessor

3.

Trata-se de uma aplicação original � cunhadaem comum entre professor e estagiários � iniciada elevada a cabo com atenção a potencializar os recursospessoais e materiais que aquele grupo e aquela instituiçãoapresentavam. Trata-se, então, não de aplicaçãomecânica de um novo modelo, mas de atualização deuma atenção viva às pessoas que compunham a equipe,de maneira tal que atentas à própria experiência secolocassem no contexto escolar mobilizando a mesmaatenção; de maneira tal que disponíveis ao encontrocom o novo se inserissem na escola despertando odesejo de encontro e de crescimento que constitui todohomem; de maneira tal que atentos aos movimentosde transformação e crescimento se desenrolando entrenós da equipe, se dispusessem a observar, acolher efacilitar, com curiosa e discreta abertura, cadamovimento promovido no contexto institucional.

Aquela escola específica foi escolhida por estarinserida em uma comunidade muito ativa em termosde movimentos sociais, comunitários e culturais. Aprópria escola foi idealizada e construída pelacomunidade local (construída enquanto instituição mastambém enquanto espaço físico). Poder contar comesse perfil dinâmico e mobilizador da comunidade parao desenvolvimento do nosso trabalho foi uma dasintenções, de maneira tal que as relações entre oatendimento individual, a instituição e a comunidadeem que estão inseridos fossem objeto de atenção; demaneira tal que o atendimento aos alunos dentrodaquela escola pudesse concretamente contribuir �

51

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

ainda que de maneira simples � com um movimentosocial mais amplo que, por posicionamento político ecultural, valorizamos.

Estabelecemos um contrato com a escola,através de sua diretora, oferecendo um Serviço deatendimento em Plantão Psicológico nas dependênciasda escola, nos horários normais de aulas, para receberalunos que solicitassem ajuda psicológica. Emcontrapartida, a escola garantiria alguns aspectosfundamentais para o andamento do trabalho: espaçofísico adequado para acomodação dos estagiários ondepudessem ser feitos os atendimentos; autorização aosalunos para saírem de sala de aula para procurar oServiço; o não encaminhamento dos alunos ao PlantãoPsicológico por parte de professores e direção.

Uma vez que para atingir nossos objetivos demobilizar os alunos era fundamental abrir para elesum espaço em que a busca por ajuda pudesse ser livrede qualquer imposição ou limitação de horários porparte da escola, era fundamental que eles tivessem aliberdade de procurar-nos no momento que fizessemais sentido para eles, do modo que achassem melhor,para falar sobre o que desejassem.

A diretoria da escola recebera de bom grado aproposta e sentia-se honrada em ser o público númeroum de um projeto piloto em Belo Horizonte, emconjunto com a nossa universidade.

PREPARAR: DA APREENSÃO À ATITUDE DE ESCUTA PROFUNDAHabitualmente, ao se pensar em presença de

psicólogos no contexto escolar emergem duasconcepções: a da intervenção psico-sociológicatradicionalmente considerada � com planejamento apartir de uma leitura diagnóstica da instituição � e a daintervenção de base clínica, voltada a favorecer asuperação de dificuldades localizadas no aluno, em seudesenvolvimento e/ou saúde mental. Essas concepções

52

Plantão Psicológico: novos horizontes

se apresentam insistentemente a quem se dispõe aadentrar aquele contexto, e a proposta de um modelooutro, baseado em acolher as demandas dos alunosenquanto pessoas � normalmente desconhecidas antesque se inicie o trabalho � e que procura acompanharas ressonâncias institucionais de mobilizações pessoais� que se verificarão só a partir da intervenção � nãopode deixar de provocar apreensão.

A proposta de Plantão Psicológico em si mesmajá requer uma abertura ao não-planejado; quando seacrescenta a vinculação institucional a ser delineada nodecorrer do processo, a exigência de disponibilidadea acompanhar um processo sem um planejamentoprévio é ainda maior. Frente à inevitável apreensão,uma sugestão: observar atentamente para conhecer;ouvir profundamente para facilitar a expressão do quede mais significativo será trazido a nós; estar realmentepresente, disponível, e atentar à mobilização que podenascer daí.

Contato com literatura especializada e relatosde experiências de intervenções nessa modalidade deAconselhamento Psicológico (cf. Mahfoud, 1987, 1989,1992; Mahfoud, Morato & Eisenlohr, 1993), ajudaramque se estabelecesse uma posição de ativo empenhocom a proposta � que é mesmo um tantodesconcertante �, respaldados também na literaturafundamental acerca da Abordagem Centrada na Pessoaelaborada por Rogers.

A proposta era disponibilizar-se em termos detempo e de escuta. Ou seja, os estagiários comporiamuma equipe sempre presente na escola: estariamliteralmente de plantão ali à disposição dos alunos,cobrindo todos os horários de funcionamento daquelainstituição, disponíveis ao atendimento à pessoa do alunono momento em que ele estivesse precisando de ajuda,não sendo assim necessário marcar horário comantecedência e não estaria implicada necessariamente

53

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

uma continuidade de atendimento. O que dirige opercurso é a necessidade da pessoa, garantida apermanência da disponibilidade da equipe de plantonistase contando com a iniciativa dos próprios alunosbuscarem atendimento quando fizer sentido para eles.

Mas afinal o que estaríamos oferecendo nesteserviço? Um espaço onde o aluno pudesse buscar ajudapara rever, repensar e refletir suas questões. O objetivoera possibilitar aos alunos a oportunidade de se cuidar,de estarem atentos ao que é realmente importante paraeles naquele momento, e então de se posicionaremdiante disso. O psicólogo neste tipo de serviço nãoestá ali atento a solucionar algum problema masprocura estar presente acolhendo a pessoa e escutando-a ativamente, possibilitando com isso que ela semobilize frente à sua situação; procura estar centradona pessoa mais do que no problema.

Esse momento de preparação fora fundamentaldo ponto de vista do método, pois pôde ficar claroque ouvir � escuta ativa, profunda � é uma intervenção,e que aquilo que verbalizamos para a pessoa, aquiloque pontuamos ou refletimos devolvendo para ela éuma intervenção complementar à escuta, vem comoque acoplada. A escuta, enquanto postura básica, ésaber ouvir o outro, estar preparado e disponível parareceber a vivência que estiver trazendo, tomando-a emsua complexidade original, em seus múltiploshorizontes, de maneira tal a facilitar que a pessoa examinecom cuidado as diversas facetas de sua experiência.Essa escuta solicita de nós uma atenção a umamultiplicidade de perspectivas, mas sobretudo requeruma atenção à perspectiva que aquela pessoa escolhe� ou pode �no momento examinar para adentrar sempremais profundamente na própria experiência; e issorequer mais respeito ao caminho empreendido pelaprópria pessoa do que qualquer habilidade preditivapor parte do plantonista. Abertura ao novo

54

Plantão Psicológico: novos horizontes

incansavelmente emergente em cada pessoa queexamina sua vivência; abertura maravilhada diante domistério da liberdade de cada ser humano, e daqueleali em particular: é o primeiro passo para entrar emcontato com a realidade das pessoas.

Nos permitimos entrar em contato com o ouvirnão só do ponto de vista teórico (cf. Rogers, 1983;Amatuzzi, 1990) mas reconhecendo nossa experiência,sabendo que está em nós o recurso fundamental parafacilitar que o outro se escute a si próprio.Reconhecemos, então, o fundamento do PlantãoPsicológico naquela atitude que propicia a facilitaçãode um processo que é do cliente, e portanto a funçãodo psicólogo não é conduzir esse processo masacompanhá-lo.

Mas, na prática, o que seria ouvir? O querepresentaria esse tipo de atenção para com o outroali diante de mim? Preocupação primária e fonte deansiedade para os iniciantes em atendimentopsicológico, mas preocupação e ansiedade em outramedida sempre presente também para quem, por anosa fio, busca se colocar diante do outro com a aberturaconfiante necessária para que se dê um processo nadireção do crescimento e da mobilização, para que sedê um processo de mudança em função do sentidotão próprio àquele que pede ajuda.

E na supervisão não poderia ser diferente:atentar para os recursos ali presentes, enquanto pessoa,e acolhê-los, sobretudo para que cada estagiário pudessedescobrir-se como terapeuta no decorrer do contatocom o outro, mobilizando seus próprios recursosafetivos e intelectuais. Todos nós, diante desse tipo deescuta, livres de interpretações, generalizações e pré-concepções, estaríamos mais propícios a nos percebere perceber o outro. O grande segredo é o aprendizadocom a própria experiência. E esse segredo se revelaefetivamente só com o decorrer do próprio trabalho.

55

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

CONTATOS INICIAISNos primeiros contatos de toda a equipe do

Plantão Psicológico com a escola confirmamos, daparte deles, o interesse e a disponibilidade em colaborar.Porém, já de início eram perceptíveis as expectativasda instituição quanto ao trabalho: a de queresponderíamos a demandas pré-definidas por eles,ligadas ao que consideravam ser os problemas maisgraves, recorrentes e emergenciais como, por exemplo,abuso de álcool e gravidez na adolescência.

Nos parecia natural que frente à novidade daproposta, surgisse na escola � juntamente àdisponibilidade e abertura � alguma dificuldade emcolocar-se numa perspectiva diferente, centrada noaluno e a partir de um posicionamento diverso porparte da Psicologia. Demo-nos conta de que não erapreciso que a escola entendesse, imediatamente, tudoo que iríamos fazer ali: o fundamental naquele momentoé que aceitasse o desafio e possibilitasse nossa atuação.Afinal, quem de nós sabia o que estava por vir? Era oinício de nossa presença ali; e sabíamos que clarificar,continuamente, nossa proposta era mesmo parte denosso trabalho. No vivo da interação com a instituiçãoíamos repropondo e reafirmando os princípios e osfundamentos. Era imprescindível que fôssemos firmesem nossa proposta assim como nas exigênciasnecessárias para colocá-la em prática. E então, melhordo que argumentar seria mostrar a que viemos.

APRESENTANDO A PROPOSTAOrganizamos uma apresentação da equipe de

plantonistas e de nossa proposta para os alunos � quesabíamos ser útil a todo o quadro da escola. Evitamospassar de sala em sala, ou reunir a todos para explicar oque é Plantão Psicológico. A apresentação da propostaao público interessado precisava ter impacto para marcarnossa presença e nosso trabalho entre eles, sem deixar

56

Plantão Psicológico: novos horizontes

também de explicitar com clareza nosso objetivo. Alémdo quê, era preciso desmistificar a Psicologia, aproximá-la da realidade daqueles adolescentes, mostrando a elesque psicólogo não é �pra doido�, como muitas pessoascostumam pensar, mas para todos que tenham interesseem se conhecer melhor, olhar para si e se reconhecer emsuas vivências, cuidar para vivê-las de um modo maissaudável e consciente; era preciso afirmar que estaríamosali disponíveis para acompanhá-los em sua experiência.

Para alcançar tal objetivo elaboramos umaapresentação que fosse clara e próxima dos alunos,procurando utilizar uma linguagem própria da idadedeles e que pudesse abarcar ao máximo a realidade emque vivem. Utilizamos recursos musicais e teatrais pois,além de provocar certo impacto, era uma maneira emque nos sentíamos muito à vontade. Estávamoslançando mão de nossos próprios recursos, oferecendonossa disponibilidade, cada um podendo se colocarcom o que tem para oferecer tornando o grupo umaequipe coesa e disponível, cada um com suas diferenças,facilitando assim que as diversidades se aproximassem.

Essa forma de se apresentar aconteceu nos trêsturnos, aproveitando o horário do recreio, porconsiderarmos ser o momento em que poderíamos estarmais próximos dos alunos e para passar a mensagem queestávamos propondo um espaço realmente voltado a elesna escola. Preparamo-nos sem que os alunos soubessem;apenas a diretoria estava ciente do que iríamos fazer.Quando tocou o sinal para o recreio e os alunoscomeçaram a sair das salas e se dirigirem para o pátio nóscomeçamos a tocar uma música e iniciamos a apresentação,distribuímos panfletos com a letra de uma músicacomposta por nós e no verso uma explicação do queseria o Plantão Psicológico. Utilizamos algumas músicasjá conhecidas, com temática bem jovem e atual, que traziamquestões propícias a se mobilizar em direção a se cuidar,como por exemplo as de Legião Urbana, Kid Abelha,

57

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

Lulu Santos, Ultraje a Rigor. Criamos também algumasmúsicas-paródia e até compusemos �O Rap do Plantão�.

Seguem alguns exemplos:

Rap do Plantão

Cheguei em casa da escola tô cansado de estudarMeu pai não me entende não adianta conversarMinha mãe me repreende não tenho com quem falarLiguei pra namorada e ela não estava láProcurei por meus amigosMe disseram: Sai pra lá!

NinguémQuer me entenderNinguémQuer me responder

Em minha cabeça tudo roda e eu não sei o que fazerQuem sou?De onde vim?Pra onde vou?O que fazer, o que fazer?Não consigo esclarecer tá difícil de entenderNão consigo me acalmar tá difícil de aguentarMil problemas me esquentamMil questões me atormentam

E os outros no meu péCada um com seu palpiteMinha cabeça dá um nóE não há quem acredite

E eu?O que que eu faço desta vida?E eu?Qual vai ser a minha história?E eu?

58

Plantão Psicológico: novos horizontes

Reggae do Plantão(Paródia de �Pensamento�, do grupo Cidade Negra)

Eu preciso falar do que se passa aqui dentroVou procurar o plantãoPreciso de alguém que me escute e me entendaPrá eu também me entenderÉ este mundoÉ minha vidaQuero mudarQuero aproveitar

Quem não se cuidaNão curte a vidaFica parado sem sair do lugar

Exibem poesia as palavras de um reiFaça sua parteQue eu te ajudarei

Twist do Plantão(Paródia de �Twist and Shout�)

Vou conversar no Plantão (no Plantão) Não sei se tem solução (solução) É um espaço pra mim (para mim) É disto que eu tô afim. Ah... Ah... Ah... Ah... Ah...

Melô do Plantão

No plantão falar é �bão�Muito �bão� (Repete 3x)Muito �bão�.No plantão falar é �bão�.

59

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

4 Uma breve edição

em vídeo de filma-gens feitas duranteestas apresenta-ções está incluídano CD-ROM anexoao livro. As músicastambém podem serouvidas já integra-das ao vídeo ouatravés de um CD-player convencio-nal (faixas 2, 3, 4, e5)

Pretendíamos criar um momento deapresentação em que eles se reconhecessem epudessem estar mais atentos à explicação que iríamosdar posteriormente sobre o Serviço.

Elaboramos uma dramatização que pudesserepresentar bem a vivência de um adolescenteincompreendido em sua própria casa e que por fimresolve buscar ajuda no Plantão Psicológico como meiode pensar e refletir sobre suas questões.

De início os alunos pareciam espantados e aospoucos foram se ambientando, começaram a interagirconosco cantando as músicas e batendo palmas, e atémesmo dançando. Nos entremeios de uma música eoutra e o teatro íamos falando de forma espontâneaquem éramos nós e o que estávamos fazendo ali.

Procuramos tocá-los no que diz respeito à vivênciade ser adolescente cheio de questões, dúvidas, inquietaçõese à dificuldade de contar com alguém que possa estarjunto com ele acompanhando-o nessa experiência.Estávamos propondo a eles que uma maneira �legal� dese cuidar, de manter-se bem em meio aos problemas edificuldades, é dar-se a oportunidade de falar dessas coisas,pensando sobre elas e sobre como eles podem estarvivendo de forma consciente cada situação, podendo atépassar a vê-la de modo diferente. Divulgamos assim oServiço de forma descontraída sem perder a seriedadedo nosso compromisso com a proposta.

4

OS ATENDIMENTOS E AS DEMANDASNo dia seguinte à apresentação da proposta aos

alunos, os estagiários começaram a ficar de plantão, nasala disponibilizada pela escola, e imediatamente osatendimentos começaram. Os estagiários se dividiampelos três turnos de aulas, de segunda a sexta-feira, etambém no sábado de manhã, o que fazia com que semprehouvesse um ou dois estagiários na sala do Plantão,disponíveis para os alunos.

60

Plantão Psicológico: novos horizontes

Nos atendimentos procurávamos acompanhar aorganização própria dos alunos, pois era centrando naexperiência destes que descobríamos como proceder.Esta atenção ao movimento que os alunos faziam aobuscar o Plantão Psicológico nos indicava comoresponder à este movimento. Sendo assim, o númerode alunos que participava de uma sessão, a duração desta,a marcação de uma nova, e o próprio andamento decada sessão acompanhavam a necessidade do momentoe não uma regra pré-estabelecida. O que mantínhamosfirme sempre era nossa disponibilidade para ouvi-los,ajudá-los a examinar sua experiência, e a proposta deque o Plantão Psicológico era para qualquer aluno quequisesse �se cuidar�. Atendemos então indivíduos egrupos, em uma ou mais de uma sessão, que duraramde quinze minutos a uma hora e meia.

Nos casos em que os alunos voltavam, sendoatendidos diversas vezes, e se percebia uma necessidadede ajuda que ia além da proposta de atendimento emPlantão Psicológico (ver abaixo a categoria �Incômodocom a maneira de ser e de reagir à situações�), nós osencaminhávamos para Serviços ou clínicas sociais queoferecessem psicoterapia a um baixo custo ougratuitamente. Foram poucos os casos encaminhados,já que na maioria não houve esta necessidade.

Ao final do primeiro semestre, realizadosatendimentos no período de abril a junho, havíamosatendido 11,9% do total de alunos da escola (124 deum total de 1035), em 134 sessões (ver tabela I napróxima página). Note que o número de alunosatendidos e de sessões é diferente, já que um alunopode ter sido atendido em mais de uma sessão e váriosalunos, em grupo, podem ter sido atendidos em umaúnica sessão. Para chegarmos a este total de alunosatendidos contabilizamos as sessões efetivas, (ou seja,aquelas em que os alunos haviam se movimentadofrente à alguma questão) deixando de lado, para efeito

61

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

TABELA IDados quantitativos sobre cada turno

ALUNOS MATRICULADOS

Número dealunos

matriculadosem cada

turno

% de alunosmatriculadosem relaçãoao número

total dealunos da

escola

Número depessoas

atendidas noturno

Manhã

ALUNOS ATENDIDOS ATENDIMENTOS (SESSÕES)

% de pessoasatendidas no

turno emrela-ção ao

total dealunos ma-

triculados nomesmo turno

% de pessoasatendidas noturno em re-

lação aototal depessoas

atendidos naescola

Número deatendimentos

no turno

% deatendimentosno turno emrelação aototal de

atendimentosna escola

423 40,9% 31 7,3% 25 36 26,9

Tarde 126 12,2% 46 36,5% 37,1 14 10,4

Noite 486 46,9% 47 9,7% 37,9 84 62,7

Total 1035 100% 134 100% 100% 124 100%

62

Plantão Psicológico: novos horizontes

de contagem, as situações em que os alunos passavamrapidamente pela sala do Plantão Psicológico para dizerolá, espiar, ou fazer um comentário, e aquelas em queos alunos permaneciam conosco por algum tempoconversando �fiado� ou querendo saber mais sobrenossa proposta, fazendo perguntas do tipo �O que émesmo o Plantão?�. Vale dizer que algumas situaçõescomo estas serviram como via de acesso à ajuda, ouseja, o aluno chegava como quem não quer nada paralogo em seguida, já ambientado, conseguir falar de si,transformando a �visita� em um atendimento, que eraentão contabilizado.

Durante todo o semestre os atendimentos eramdiscutidos nos encontros semanais de supervisão. Paracada sessão ou atendimento era feito um relatórioescrito. Nestes encontros, além dos atendimentos,conversávamos também sobre a instituição em seusdiferentes âmbitos, ou seja, falávamos dos professores,da diretoria, dos turnos, do que observávamosenquanto estávamos na escola.

Queríamos estar atentos para as repercussõesque nossa presença estava tendo na escola. Isto tambémera parte de nossa proposta de Plantão Psicológico.Ao escutar os alunos, estávamos intervindo tambémna instituição, ajudando estes a se dar conta de suasnecessidades frente à escola, o que poderia mobilizá-los a atuar nesta para transformá-la. Ao escutar ainstituição em cada um de seus âmbitos estávamostambém intervindo, pois surgiam então respostas quepoderiam ser dadas ao grupo.

Um exemplo disto foi nossa atuaçãodiferenciada em relação à características singulares queo turno da tarde tinha em relação aos outros turnos:

No turno da tarde funcionavam três turmas,todas do primeiro ano do segundo grau, totalizandocento e vinte e seis alunos. No início do trabalho, osalunos deste turno não procuraram o Plantão

63

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

Psicológico, diferenciando-se dos outros turnos ondea procura foi imediata, acontecendo já no primeiro diade funcionamento do Serviço. Através de observaçõesque os estagiários haviam feito enquanto aguardavamatendimento e de conversas informais com os alunos,principalmente no horário do recreio, levantamosalgumas características específicas deste turno quepoderiam explicar a não-procura pelos atendimentosnaquele turno. Concluímos que a procura poderia estarsendo dificultada por:

- um maior controle sobre os alunos, por partede quem ocupava a direção da escola naqueleperíodo, no sentido de evitar que os alunosficassem fora de sala de aula no horário letivo;- um maior controle dos alunos sobre ospróprios alunos. Neste turno haviam poucasturmas, o que fazia cada aluno estar maisexposto. Todos eles eram novatos na escola �já que eram turmas de 1

a série do científico � e

estavam provavelmente tentando se �enturmar�,fazer amigos, e a busca por um Serviço deatendimento psicológico poderia atuarnegativamente neste sentido, pela imagemtradicional do psicólogo como alguém queatende �loucos�. De fato os alunos que falavamem procurar o Plantão Psicológico eramcaçoados pelos colegas.Entendemos que precisávamos intervir

diferenciadamente neste turno para facilitar o acesso àajuda. Criamos para isto uma estória em quadrinhosque foi colocada em um cartaz bem visível aos alunosdeste turno. Essa estória retratava a situação de umaluno que queria ir ao Plantão Psicológico mas seintimidava pois os colegas caçoavam quandoexpressava esta vontade. Ele conversa então com umoutro colega que havia ido mas que se recusa a explicaro que havia acontecido lá, dizendo que �No plantão falar

64

Plantão Psicológico: novos horizontes

é bão�, com uma expressão muito satisfeita, indicandoque este deveria descobrir por si mesmo. O alunodecide então ir ao Plantão Psicológico. Com este cartazestávamos espelhando a situação dos alunos para elesmesmos. Era já uma escuta.

Uma outra intervenção desse gênero foi a deuma estagiária, que envolveu um grupinho de alunos,convidando-os para a ajudarem a confeccionar umcartaz onde foi escrito �Plantão Psicológico� para sercolocado na porta de nossa sala. Buscava com issoaproximar mais os alunos do nosso espaço deatendimento, desmistificando também o psicólogocomo distante e como �coisa para doido�.

A resposta a estas intervenções foi imediata. Nodia seguinte à fixação da estória em quadrinhos numcorredor da escola, um grupo de alunos apareceu paraconversar. Os atendimentos começaram então aacontecer também no turno da tarde, no qual foramatendidos 46 alunos, ou seja, 37,1% do total de alunosatendidos na escola. O número de atendimentos nesteturno foi de 14, que corresponde a 10,4% dosatendimentos realizados na escola. A diferença entre onúmero de atendimentos e o de alunos atendidos égrande pois houveram vários atendimentos em gruponeste turno. Esta �preferência� dos alunos pelos grupos,e o fato dos atendimentos terem acontecido geralmenteno horário do recreio ou quando algum professor nãocomparecia para dar aula, pode ser entendida: se é ogrupo que comparece, diminui o controle individualque as características de contexto descritas mais acimaexerciam sobre os alunos.

Os turnos da manhã e da noite tinham umnúmero bem próximo de alunos matriculados, sendo423 no da manhã e 486 no da noite. Nestes dois turnosos alunos procuravam o Plantão Psicológico emqualquer horário, ou seja, no recreio ou durante as aulas,quando queriam ser atendidos. No turno da manhã,

65

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

foram atendidos 31 alunos (7,3% do total de alunosatendidos na escola), em 36 atendimentos (26,9% dototal de atendimentos realizados na escola). Houveramatendimentos em grupo, embora não tantos quanto noturno da tarde. O turno da noite se diferencia nesteaspecto pois quase não houveram atendimentos emgrupo. Neste turno ocorreram a maior parte dosatendimentos realizados na escola (62,7% do total),sendo atendidos 47 alunos (37,9% do total). Quanto àporcentagem de pessoas atendidas em cada turno emrelação ao total de alunos naquele mesmo turno, osturnos da manhã e da tarde se assemelham, comrespectivamente 7,3% e 9,7% de seus alunos atendidos.Já o turno da tarde se destaca pois teve 36,5% dosseus alunos atendidos, geralmente em grupos, como jáfoi dito.

Após passarmos pela experiência de umprimeiro semestre atendendo em Plantão Psicológico,surgiu a necessidade de organizar essa experiência,buscando entender com clareza as necessidadesdaqueles sujeitos que nos procuravam. Essaorganização nos daria, através de uma leitura maissistematizada das demandas dos alunos, um maiorconhecimento sobre os sujeitos que atendíamos e,conseqüentemente, uma ajuda para o entendimento dadinâmica da instituição escolar e até para nossasintervenções ali. Além disso, seria importante para oretorno que daríamos à escola sobre nosso trabalho e,de forma mais geral, sobre as questões mais discutidaspelos alunos. Esse retorno, por sua vez, poderia levara escola a rever sua visão e sua posição frente aos alunos.

Deste modo, passamos um semestre atendendoem Plantão Psicológico, ouvindo cada pessoa enquantopessoas únicas, com demandas próprias, que iam, àmedida em que eram escutadas e se escutavam, fazendoseu movimento em direção à mudança (cf. Mahfoud,1989). Mas a singularidade do movimento de cada

66

Plantão Psicológico: novos horizontes

um não ocultava que muitos alunos ali atendidos vinhamfalar de coisas que às vezes eram comuns a outros. Efoi em busca do que fosse comum que fizemos umacategorização das demandas que os alunos da escolatraziam, a partir dos relatórios dos atendimentos queeram escritos pelos plantonistas.

É importante frisar que as categorias dedemandas não foram criadas antes de examinarmosatentamente os relatórios, para que tentássemosencaixar nelas os �problemas já-categorizados� dosalunos, pois se fizéssemos assim, correríamos o riscocerteiro de distorcer a experiência do alunoenquadrando-o em �pré-suposições� nossas. Aocontrário, optando por uma metodologiafenomenológica, deixamos que as categorias�emergissem�, fossem �des-cobertas�, após discussõesconcentradas sobre os diversos casos.

Assim, discutimos qual o tema central de cadaatendimento, qual a principal demanda que ali sesobressaía como uma questão importante para o aluno,na perspectiva dele. Não tentamos ver o que estava�por trás� do que ele dizia e nem nos guiar em direçãodaquilo que mais se chocava aos nossos olhos � maisque aos deles � como a violência, que por vezespermeava suas realidades.

Algumas vezes, a questão principal de um sujeitosó aparecia ao final de um atendimento, após seremdiscutidos outros assuntos ou mesmo problemas. Maso momento em que o tema central aparecia era aqueleem que a demanda tornava-se nítida, através de indícioscomo uma maior emoção, atenção, entusiasmo,constrangimento, �brilhos no olhar� ou até a revelaçãoda própria pessoa dizendo que aquela era sua demandaprincipal, era o principal motivo pelo qual estava ali.

As diversas questões principais �descobertas�eram comparadas entre si a fim de se descobrirsemelhanças entre elas. Questões que envolviam um

67

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

mesmo tipo de dificuldade, incômodo ou mesmo buscaforam, então, agrupadas sob uma mesma expressão queas abarcasse todas.

Desta forma, elaboramos 15 categorias, além deuma chamada �demanda indeterminada�. Quando umapessoa vinha ao Plantão Psicológico e durante oatendimento várias questões apareciam como igualmenteimportantes para ela, o atendimento era considerado�demanda indeterminada�. Também dentro destacategoria foram incluídos os casos em que não foiidentificada nenhuma demanda claramente ou aquelesem grupo em que cada pessoa trazia uma diferentequestão, aparecendo então uma multiplicidade dedemandas principais na mesma sessão. Essaimpossibilidade de se identificar a demanda se deveuem alguns casos a relatórios mais interpretativos do quedescritivos que, dando mais ênfase na visão do plantonistado que na fala do aluno atendido, nos impossibilitou deidentificar sua demanda principal. Perceber essa falhanos relatórios foi uma indicação valiosa para futurosrelatos de atendimentos e até para atendimentos em si,nos quais se corre o risco de abandonar a atençãocentrada na pessoa que busca o Plantão Psicológico paravoltá-la para elocubrações que a ultrapassam.

A escola tinha expectativas quanto às questõesque mais seriam abordadas pelos seus alunos.Esperavam, por exemplo, que os alunos falassem degravidez na adolescência, de seus professores ediretoras e ainda de abuso de álcool. Nós mesmosesperávamos que o tema �violência� aparecesseenquanto uma categoria isolada, já que essa questãofoi muito abordada nos atendimentos. Notamos, noentanto, que esses temas eram na maior parte das vezes,�apenas� subjacentes àquilo que mais os incomodava.Como se fosse um cenário às particulares histórias dosvários sujeitos que procuravam atendimento ou mesmomais uma contingência difícil de suas vidas.

68

Plantão Psicológico: novos horizontes

Foi muito importante entender que, muitasvezes, o que era atordoante para os plantonistas � comoa violência sexual, familiar e de rua � e que talvez porisso esperávamos que fosse o mais importante eatordoante também para a pessoa que nos procurava,às vezes, podia não se apresentar assim. Desse modo,percebemos que, atendendo pessoas que vivem umarealidade diferente da nossa e categorizando essesatendimentos segundo suas demandas, devíamoscuidar para que nossa atenção centrada na pessoa eem sua perspectiva não fosse abandonada em funçãode nossos próprios valores.

Entre as categorias de cujo aparecimento haviaalguma expectativa de nossa parte, apenas a demanda�dificuldade com drogas�(4) foi realmentecategorizada. No entanto, surgiu apenas um caso emque essa demanda, enquanto principal, foi apresentada.

De um modo geral, em nossa categorização, aquestão da �violência� apareceu associada a outras,incluídas na categoria �insatisfação com as atribuiçõese contingências� (11). As pessoas cujos atendimentosforam aí categorizados queixavam-se de insatisfaçãocom as condições externas a elas, o que asincomodavam, mas que independiam de suas ações. Oque se poderia fazer, então, era quase que suportar talrealidade e se colocar em relação a ela de maneiradiferente. Um exemplo de um caso incluído nestacategoria seria aquele em que o aluno queixa-se de suamãe que é alcoólatra, de seu pai violento e foi�atribuído� a ele, cuidar dos irmãos mais novos. Tudoisso, são contingências de sua vida que o incomodamcom as quais tem que lidar e que lhe foram impostaspor outros, no caso, o pai e a mãe.

Na categoria �preocupação com conseqüênciasde ações ou decisões passadas� (14), foram agrupadosos casos em que havia uma ansiedade acerca dedecisões ou atos já realizados, como o da aluna com

69

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

medo de estar grávida ou do rapaz preocupado com asimplicações de ter montado um trailler e como conciliariaisto com seus estudos. Uma outra categoria, �dificuldadeem fazer escolhas�(6), foi criada para aqueles casosem que uma pessoa tinha diante de si opções entre asquais deveria escolher uma, a qual poderia mudar orumo de sua vida. Incluímos, nessa categoria, asdemandas de orientação profissional e tambémdemandas relacionadas a outras decisões a seremtomadas na vida pessoal.

Os casos em que sujeitos tinham que aprendera lidar com alguma perda que haviam sofridoconfiguraram a categoria �elaboração de perdas�(7)que incluiu perdas por morte ou por separação, comotérmino de relacionamento amoroso.

Já a categoria �arrependimento e culpa� (1)abarcou os casos em que as repercussões de atos edecisões já efetuados levavam a estes sofrimentosespecificados. Havia um questionamento relacionadoà adequação de tais ações e decisões já tomadas,fazendo com que sentimentos de culpa ligados avalores pessoais e sociais emergissem. Um exemplodessa categoria seria o da aluna que se sentiaarrenpendida e culpada por ter feito um aborto. Estacategoria se diferencia da categoria �preocupação comas conseqüências de ações passadas� pelo fato de quenesta, havia uma ansiedade (uma pré-ocupação) emtorno das ações já realizadas, como que um medo desofrer pelas conseqüências, e na categoria�arrependimento e culpa�, a conseqüência de um atojá está causando sofrimento.

As demandas ligadas à categoria �sexualidade�eram, em sua maioria, associadas a uma necessidadede discussão, por parte de alunas, a respeito devirgindade, valores da sociedade sobre a sexualidade,a posição e idéias de cada aluna frente ao assunto.Todos os atendimentos dessa categoria foram feitos

70

Plantão Psicológico: novos horizontes

em grupo e no turno da tarde, no qual, talvez pelaidade dos alunos (eram mais novos que os dos outrosturnos), tais assuntos despertassem maior interesse.

Uma outra categoria: �dificuldades com aescola�(5) englobou os assuntos relacionados à vidaescolar dos alunos, desde dificuldades com umdeterminado professor até problemas de atenção, notase aprendizagem.

Na categoria �busca de reconhecimento�,agrupamos os casos em que os alunos nos procuravampara nos contar como estavam lidando bem com osdesafios que lhes eram colocados pela vida. Eles jáhaviam tomado uma decisão, gostavam da própriamaneira de ser e precisavam apenas de alguém que, decerta forma, poderia os deixar mais seguros sobre oque estavam fazendo ou sobre seu próprio jeito de ser.

Ao nosso ver, o aparecimento da demanda�busca de reconhecimento� em nossa categorização éum sinal do diferencial que uma proposta como oPlantão Psicológico em Escola representa, em relaçãoa outras propostas de atendimentos psicológicos eminstituições de ensino. Isso porque, ao situar o psicólogoem um espaço também para o que é saudável, para o�se cuidar� e não apenas para o �se tratar�, o PlantãoPsicológico abre um caminho para o sujeito que estábem se expressar de maneira total, obtendo uma escutaaberta ao seu modo de viver sua própria vida.

Uma outra categoria � �incômodo com a maneirade ser e de reagir às situações�(10) � abarcou justamenteos casos opostos à última categoria explicada. Aspessoas que entraram nessa categoria queixavam-se denão estarem felizes com algo no seu jeito de ser, comonervosismo, timidez, solidão, ou com a forma comosempre reagiam a situações específicas. Um exemplodeste caso, seria o da mulher que sempre choravaquando o marido se atrasava. Ela não gostava destasua própria reação ao marido, já que não a ajudava em

71

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

nada. Este tipo de sofrimento, um sofrimento que sódependia do próprio sujeito para que pudesse seralterado, foi o que mais demandou atendimentos(totalizaram 24 sessões) e sobre o qual mais pessoas sequeixaram (14 pessoas com essa demanda). Através darelação entre o número de pessoas nessa categoria e onúmero de sessões, podemos ver que, para este tipode demanda é necessário, na maior parte das vezes,que uma mesma pessoa seja atendida mais de uma vez.

Por causa das características desta demanda,cujos atendimentos visam uma mudança estrutural namaneira de ser de uma pessoa, e do tempo maiornecessário para que isso aconteça, começamos a pensarna possibilidade de encaminhar os sujeitos com essademanda para uma psicoterapia, o que fizemos emalguns casos. Isso não quer dizer que o espaço doPlantão Psicológico não seja suficiente para que umamudança estrutural aconteça, pois vimos que elaocorreu em alguns atendimentos. Porém, é umaproposta de atendimento por AconselhamentoPsicológico, especialmente adequado a mobilizarmudanças situacionais, ligadas a questões que ossujeitos trazem em um determinado momento, causadaspor algo que os aflige ou acontece agora. Essasquestões situacionais se adaptam muito bem ao espaçodinâmico do Plantão Psicológico. As mudançasestruturais podem ser trabalhadas mais calmamenteatravés da psicoterapia com atendimentos maisregulares, mais �garantidos� (porque haverá menoschance de outra pessoa estar com o psicólogo nomomento da procura) e dentro de um processo quepode ser mais longo e contínuo (bem maior que operíodo letivo ao qual o Plantão Psicológico na escolaestá atrelado). O encaminhamento de pessoas comessas demandas para uma psicoterapia ainda possibilitaque mais pessoas com as outras demandas sejamatendidas no Plantão Psicológico.

72

Plantão Psicológico: novos horizontes

Quatro categorias de demandas dizem respeitoa relacionamentos:

A primeira delas � �desconfiança nosrelacionamentos�(3) � relacionada a relacionamentosem geral: amorosos, de amizade, familiares etc.Compreende os casos em que o aluno tem uma pessoade quem gosta e por quem se empenha, essa pessoaparece também agir dessa forma, mas o aluno desconfiada legitimidade dos sentimentos dos outro para comele. Essa desconfiança vem muitas vezes acompanhadade insegurança.

Já a categoria �insatisfação nos relacionamentoscom a família�(12) envolve as dificuldades que o alunopode ter com qualquer membro de sua família, exceto ocônjuge, que podem se modificar dependendo de comose coloca frente a elas. Isso é, basicamente, o que difereessa categoria da �insatisfação com atribuições econtingências�, na qual as dificuldades existemindependentemente do aluno, como algo realmenteexterno a ele. Um exemplo para essa categoria 12, seria odo filho que não consegue conversar e ser mais próximodo pai, embora este se mostre bastante disponível.

As outras categorias que envolvemrelacionamentos � �falta de correspondência nos rela-cionamentos amorosos�(8) e �falta de reciprocidade nosrelacionamentos já estabelecidos�(9) � têm uma diferençabásica que é justamente o já-estabelecimento ou não dorelacionamento amoroso. A primeira categoria citada éaquela na qual os relacionamentos ainda não estãoestabelecidos e uma frase que a explicaria seria: �eugosto de alguém que não gosta de mim�. Já no segundocaso, já há um compromisso �firmado�, de namoro,casamento, noivado etc, pressupondo-se que duaspessoas pelo menos se gostam. No entanto, ocorre queo empenho das duas neste relacionamento não érecíproco. Um se empenha mais que o outro e essafalta do outro é que traz o sofrimento. É interessante

73

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

colocar aqui que todas as pessoas aí categorizadas forammulheres que se queixam dos relacionamentos com oscompanheiros.

Por fim, resta falar da categoria �obter opiniãoprofissional�(13) que abarca os casos em que a pessoaprocura o Plantão Psicológico realmente para obteropinião profissional sobre assuntos diversos, comoeducação de filhos, escolha de nomes para eles,psicopatologias de membros da família etc. O assuntode tais atendimentos não vai se tornando mais pessoalou profundo, embora os atendimentos possam durarmais de 40 minutos. Nestes atendimentos, às vezes,temos a impressão, que estas pessoas têm uma outraquestão ou incômodo embutidos no que expressam.A sessão poderia ter um desenvolvimento baseadonisso, porém, em todos aqueles casos isso nãoaconteceu, talvez porque a demanda principal dossujeitos fosse realmente obter informação.

Era claro que as pessoas que nos procuravamcom esta demanda queriam de nós uma resposta àssuas indagações. Nesses momentos, nos firmávamosem nossa posição de escuta aberta, empática e centradana pessoa, mas sem nos esquecer de que seria elaprópria quem deveria encontrar seus próprios recursospara lidar com suas dúvidas e angústias. Tentávamossempre remetê-las a si mesmas, aos seus sentimentosem relação ao seu �dilema� e à sua capacidade deresolvê-lo, o que às vezes era bem difícil de se fazer ecaíamos na tentação de dar respostas. A maior partedas pessoas que procurou o Plantão Psicológico comessa demanda obteve a informação que buscava.Algumas voltaram para outros atendimentos já comoutras demandas.

ACEITAÇÃO DA PROPOSTA E MOBILIZAÇÕESPartindo da consideração de que nosso trabalho

é uma proposta inovadora, ou pelo menos desconhecida,

74

Plantão Psicológico: novos horizontes

tivemos um retorno positivo; as pessoas mostraram terentendido a proposta e mais do que isso a aceitaram,colocando-se à disposição para que ela funcionasse, eapostaram nisso. Não foi necessário esperar o términodo trabalho para constatar essas evidências: a resposta ànossa presença apareceu durante o decorrer deste.Algumas mudanças perceptíveis mostraram isso.

Um fato muito interessante aconteceu: a vice-diretora nos procurou pedindo ajuda psicológica, disseque gostaria de conversar com um dos estagiários sobreas questões que a incomodavam naquele momento desua vida e que influenciavam seu trabalho na escola.Comentou que ao ver ao alunos se mobilizando parabuscar atendimento deu-se conta de que ela tambémtinha aquela necessidade mas não estava podendoreconhecê-la até então. Diante desse pedido nosmantivemos firmes à proposta de prestar atendimentoapenas aos alunos. Mas não deixamos de pontuar �também consonantes à proposta � que era muitoimportante que ela estivesse procurando ajuda nessemomento que ela julgava crucial, e que a iniciativa dese cuidar era valorizada e reconhecida por nós. A vice-diretora pediu licença na escola e iniciou psicoterapia.Trata-se da mesma pessoa que tínhamos identificadocomo um fator determinante quanto ao controle sobreos alunos tão diferenciado no turno da tarde. Aoretornar no segundo semestre estava sensivelmentediferente, em seu modo de agir e inclusive na aparência,estava mais cuidadosa e flexível no relacionamentocom os alunos e consigo mesma. Vimos esse fato comoresultante da nossa presença propícia à mobilizaçãoem direção à mudança. Nossa escuta em relação à não-procura dos alunos do turno da tarde por atendimento,levando-nos a intervir com os cartazes, e a ter comoresposta a estes a procura pelo Serviço, é indício deque podemos mobilizar também o grupo com umaação pontual e eficaz.

75

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

No final do primeiro semestre fizemos ummomento musical para anunciar o encerramento denosso trabalho na escola, para um período de férias.Alguns alunos, do turno da manhã ao nos veremtocando e cantando, se aproximaram e pediram paratocar e cantar ao microfone. A princípio ficamos surpre-sos, mas acolhemos essa iniciativa e o resultado foi umagrande integração entre nossa equipe e os alunos. Nosturnos da tarde e noite, devido ao resultado da manhã,resolvemos convidar os alunos para ocupar tambémaquele espaço de expressão. Alguns alunos timidamenteforam se apresentando e expondo seus dotes artísticos.A participação dos alunos dos três turnos nos fez ficaratentos para como o Plantão Psicológico vinha susci-tando neles a iniciativa de se expressarem, de semostrarem sujeitos, além do espaço da �salinha� Plantão.Foi surpreendente ver a repercussão que esse momentoteve entre os professores. Um aluno que era margina-lizado pelos colegas e desqualificado pelos professores,por não ter um bom desempenho escolar, e que diziatocar vários instrumentos musicais � o que alguns nãoacreditavam � teve sua imagem mudada, a partir dessedia, ao se aproximar de nossa equipe, no �palco�improvisado, e tocar algumas músicas ao teclado. Todosse impressionaram com seu dote artístico e o aplaudirame elogiaram muito. A partir de então, pelo menos osprofessores, passaram a vê-lo como uma pessoa, dotadade outras capacidades, além de ser mais um aluno dentreos outros. Em uma reunião do corpo docente, no iníciodo segundo semestre, foi discutida e muito valorizadaessa forma de expressão dos alunos, o que inclusivedeu margem à iniciativa de criar um momento musical,em periodicidade regular, em que a participação dosalunos se tornasse efetiva, podendo vir no futuro a serassumida por eles próprios. Percebemos nesses profes-sores um movimento de reconhecimento da pessoa doaluno, com quem eles interagiam no dia-a-dia em sala

76

Plantão Psicológico: novos horizontes

de aula, e da importância de se permitir que esse alunose expresse enquanto tal. Essa mudança de atitude,também dos professores, documenta o quanto a nossapresença na escola é mobilizadora.

Ainda no primeiro semestre, no encerramento,resolvemos colher informações com os alunos sobre oPlantão Psicológico. Distribuímos folhetos com aseguinte pergunta: �O que você achou do PlantãoPsicológico? Dê sua opinião mesmo que você não tenhaido.�, e pedimos que eles respondessem e colocassemem uma urna no pátio. Queríamos saber como os alunosestavam entendendo nosso trabalho, nossa proposta eter uma idéia de como estávamos sendo vistos por eles.Após a leitura de cada resposta acabamos por criarcategorias que facilitassem o levantamento de um perfildo que seriam o reconhecimento, a aceitação e a adesãoà proposta do Plantão Psicológico. Algumas respostascontinham o que eles reconheciam como característicasdo Plantão, como por exemplo disponibilidade dosatendentes a qualquer hora que eles precisassem; apossibilidade de expressar-se naquele espaço, falandode si e de suas questões; a eficácia do serviço quepossibilita um resultado efetivo; o Plantão Psicológicocomo transformador, proporcionando mudanças deatitude etc. Além dessa percepção do PlantãoPsicológico, falaram do uso que fizeram dele, revelandoprocessos pessoais, ou seja, a tomada de consciência desua postura diante do problema, e reconhecendo arepercussão do Serviço no âmbito coletivo, citandomudanças e transformações entre grupos de colegas eaté na relação com a instituição. Até mesmo os alunosque não foram atendidos se expressaram com umaavaliação positiva elogiando o Plantão Psicológico.Alguns destes disseram pretender procurar o serviçono segundo semestre. Dentre esses alunos apareceramtambém algumas categorias que foram citadas pelosalunos atendidos.

77

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

De um modo geral, vários indícios nosmostraram a efetividade dessa proposta, tanto nodecorrer do trabalho quanto no encerramento doprimeiro semestre. Pudemos perceber nas opiniões queos alunos deixaram escritas: nos folhetos de avaliaçãofinal; no próprio retorno que eles nos davam doatendimento quando vinham nos contar como haviamresolvido sua questão, ou como lidavam com ela agora;na fala dos professores e da diretora em uma reuniãocom eles no fim do primeiro semestre, em que disseramter notado mudanças em alguns alunos no decorrerdo tempo em que o Plantão Psicológico funcionou;na nossa percepção subjetiva no momento doatendimento, em que estávamos acompanhando omovimento do aluno durante o percurso da sessão.

Nossa presença de escuta atenta nos permitiudistinguir que há tanto pessoas que apoiam quantoaquelas que não vão se dispor a colaborar, podendoinclusive boicotar, prejudicando o trabalho. A experiêncianos ensinou que é fundamental identificar as pessoascom quem podemos contar. Apostar no contato comessas pessoas é mais favorável para manter a proposta,bem como efetivá-la. Estar consciente que é possívelhaver resistências faz parte do trabalho, estar atentopara identificá-las e atuar de modo a mostrar-lhes obenefício dos resultados é mais eficaz do que lutarcontra elas. Por isso é necessário repropor continuamentea proposta. Mesmo que algumas pessoas dêem indíciosde que já entenderam, outras podem continuar insistindonuma compreensão errada da mesma, como por exemploalunos pedindo nossa interferência direta quanto aproblemas com professores ou direção, e professoresou diretoria pedindo nossa ajuda para aqueles que julgamser alunos-problema. Ter firme uma postura que confir-me e reafirme a proposta inicial é elemento fundamentalpara mantê-la, além de intervir diretamente, quandonecessário, para explicitá-la de modo claro e eficiente.

78

Plantão Psicológico: novos horizontes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMATUZZI, Mauro Martins. O que é ouvir?. Estudosde Psicologia / Instituto de Psicologia daPUCCAMP, v. X, n. 2, Campinas: Átomo,Agosto/Dezembro 1990, p.86-97.

MAHFOUD, Miguel. A vivência de um desafio: plantãopsicológico. In: ROSENBERG, Rachel Lea (Org.).Aconselhamento psicológico centrado napessoa. São Paulo: EPU, 1987, p.75-83. (SérieTemas Básicos de Psicologia, Vol. 21)

MAHFOUD, Miguel. O Eu, o Outro e o Movimento emFormação. Anais da XIX Reunião Anual daSociedade de Psicologia de Ribeirão Preto,Ribeirão Preto: SPRP, 1989, p.545-549.

MAHFOUD, Miguel & BRANDÃO, Sílvia Regina.Educação Afetiva. Resumos � I CongressoInterno do Instituto de Psicologia da USP,São Paulo, 1991, p.Z6.

MAHFOUD, Miguel. Plantão Psicológico: por umacontribuição propriamente psicológica à educação.Resumos de comunicações científicas � XXIIReunião Anual da Sociedade Brasileira dePsicologia. Ribeirão Preto: SBP/Legis Summa,1992, p.282.

MAHFOUD, Miguel; MORATO, Henriette T.P. &EISENLOHR, Maria Gertrudes V. O Adolescenteem Movimento: plantão psicológico. Caderno deResumos do II Congresso Interno doInstituto de Psicologia da USP, São Paulo,IPUSP, 1993, p. P11.

MAHFOUD, Miguel, ALCÂNTARA, Tânia Coelhode, ALVARENGA, Alessandra R., BATISTA,

79

Matilde Agero, BRANDÃO, Juliana Mendanha,DRUMMOND, Daniel Marinho, MAGA-LHÃES, Romina, RIBEIRO, Ronnara Kelles,SANTOS, Ivana Carla B. C., SILVA, LilianRocha da, SILVA, Roberta Oliveira e. PlantãoPsicológico na escola: a psicologia em campo e as respostasda comunidade. 1º Encontro das Escolas dePsicologia de Belo Horizonte. Programa eresumos de comunicações. Belo Horizonte,MG, 1997, p.41-42.

MAHFOUD, Miguel, ALCÂNTARA, Tânia Coelhode, ALVARENGA, Alessandra R., BATISTA,Matilde Agero, BRANDÃO, Juliana Mendanha,DRUMMOND, Daniel Marinho, MAGA-LHÃES, Romina, RIBEIRO, Ronnara Kelles,SANTOS, Ivana Carla B. C., SILVA, LilianRocha da, SILVA, Roberta Oliveira e. PlantãoPsicológico na escola: presença que mobiliza. VEncontro Estadual de Clínicas-Escola.Caderno de Resumos, São Paulo: UniversidadeSão Judas, 1997, p.68.

MAHFOUD, Miguel, BRANDÃO, Juliana Mendanha,DRUMMOND, Daniel Marinho, SILVA,Roberta Oliveira e. Plantão Psicológico na Escola:facilitando o acesso a ajuda e o surgimento de demandas.VII Semana de Iniciação Científica �Caderno de Resumos, Belo Horizonte: UFMG,1998, p.371

MAHFOUD, Miguel & DRUMMOND, DanielMarinho. Site Plantão Psicológico: mensagens recebidas,necessidades explicitadas. VII Semana de IniciaçãoCientífica � Caderno de Resumos, BeloHorizonte: UFMG, 1998, p.371

ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983.

Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza

81

Pesquisar processos para apreender experiências

Pesquisar processos paraapreender experiências: Plantão

Psicológico à prova

Miguel MahfoudDaniel Marinho DrummondJuliana Mendanha Brandão

Roberta Oliveira e Silva

No capítulo anterior relatamos nossaexperiência em Plantão Psicológico em uma escolade Belo Horizonte, Minas Gerais, ondeapresentamos evidências da eficácia da proposta dePlantão em contexto escolar e identificamos nossapresença como mobilizadora. Buscando uma leituraabrangente, consideramos não apenas os resultadosno âmbito individual, entre os alunos queatendemos, como também no âmbito coletivo, ouseja, como a instituição recebeu e respondeu à nossapresença.

Estávamos, no entanto, interessados emcompreender melhor como ocorriam osatendimentos, em cada sessão, com cada pessoa quenos procurou. Queríamos entender o processo em side cada atendimento, apreender o movimento do queacontecia no momento em que a pessoa estava diantede nós (cf. Mahfoud, 1989). Buscamos identificar noatendimento clínico, propriamente dito, quais as suas

82

Plantão Psicológico: novos horizontes

fases, as mudanças de rumo e o movimento que apessoa realizava durante a sessão.

Sabíamos que nossa presença era mobilizadora nosentido de fazer a pessoa entrar em contato consigo mesmae pensar mais claramente acerca da questão trazida,explorando mais amplamente seu problema e assumindouma posição diante dele. Segundo a Abordagem Centradana Pessoa o nosso papel era o de um ouvinte ativo, apessoa era quem conduzia o próprio processo e nós�apenas� a acompanhávamos, o que não quer dizer queseja pouco. Um olhar minucioso sobre o processo poderianos informar quais movimentos a pessoa fazia no decorrerdo atendimento, permitindo-nos visualizar passo a passoo que existia nesse tipo de atendimento. Partimos, então,para uma investigação mais detalhada do processo deatendimento.

DESCRIÇÃO INICIALComo nosso material de pesquisa utilizamos

relatórios escritos pelos estagiários que haviam realizadoos atendimentos, que descreviam como tinhamtranscorrido as sessões.

À medida em que líamos os relatórios,buscávamos identificar fases que emergiam destes,correspondentes ao movimento do cliente em relaçãoà sua demanda. Se por exemplo, o aluno contasseporque estava procurando nossa ajuda e em seguidacomeçasse a falar sobre formas como já tinha agidofrente à sua questão, identificaríamos duas fases. Osrelatórios que não nos permitiam ter uma visão doprocesso do atendimento, desta movimentação doaluno, foram excluídos da análise, para que tivéssemosum maior rigor na pesquisa.

Ficamos então com 56 relatórios de sessões,que descreviam 37 casos de alunos atendidos. Destes37 casos, 27 consistiram de uma única sessão e 10 demais de uma (entre 2 e 6 sessões).

83

Pesquisar processos para apreender experiências

DE DESCRIÇÃO DE CASOS A APREENSÃO DE FASESDO PROCESSO

Inicialmente, as fases que íamos identificando,eram descritas como no exemplo seguinte:

1. lança dúvida: deixar ou não a escola devido àsdificuldades com matemática.

2. diz que já havia conversado com a professorasobre a dificuldade e esta deu sugestões que elenão seguiu.

3. diz que trabalha e da dificuldade de organizarseu tempo (não estuda em casa).

4. ...etc

Este tipo de descrição parecia-nos um resumodo atendimento, apresentando demasiadamente oconteúdo específico da questão trazida por aquele alunoem particular. Para atingirmos nosso objetivo, era-nosinteressante encontrar uma mesma expressão que fossecapaz de descrever fases similares em atendimentosdiferentes, mesmo que o conteúdo específico fosseoutro. O aluno podia ter procurado o PlantãoPsicológico por estar triste com a morte de alguémou porque não sabia se deveria sair da casa dos paisou não; em qualquer destes casos ele estava falandodo motivo que o havia levado a buscar ajuda. Paraeste momento buscamos encontrar uma expressão.Assim colocamos lado a lado as fases que havíamosencontrado em cada relatório, buscando expressõesque fossem capazes de abarcar momentos similarescom conteúdos diversos. Assim, a expressão 1 doexemplo acima foi classificada como �AQ � Apresentaa Questão�. As expressões 2 e 3 foram classificadas emconjunto como �EQ � Explora a Questão�.

Reunimos um conjunto destas expressões, queà medida em que eram criadas substituíam as frasesque havíamos separado em cada relatório.

84

Plantão Psicológico: novos horizontes

A primeira fase, na maioria dos atendimentos,foi a que chamamos �AQ � apresenta a questão� na qual oaluno diz porque veio, qual é o seu problema oudificuldade e às vezes diz o que espera dos plantonistas.Um exemplo: Raquel chegou dizendo que queriamostrar algumas coisas aos plantonistas. Queria saberse podiam dar uma opinião. Tirou vários documentosda bolsa, enquanto explicava o caso de seu irmão quehavia desaparecido.

Após apresentar a questão, o sujeito geralmente�apresenta a história (da questão) � AH� ou �explora a questão� ExQ�. Na apresentação da história, o sujeito conta osprecedentes de sua questão até o momento atual,temporalmente e, na exploração, ele mostra váriosâmbitos atuais da questão, explorando-os, explicando-os. No exemplo de Raquel, esta, após o AQ, passou aexplorar o assunto do desaparecimento do irmão,dizendo que apesar de provas policiais de que ele estariamorto e da família acreditar nisto, ela não acreditava etentava provar para a polícia que ele estava vivo. Se aoinvés de explorar a questão, apresentasse a história daquestão, ela poderia contar vários acontecimento desdeo desaparecimento até o momento presente.

Alguns clientes não apresentaram uma únicaquestão. Quando o aluno apresentou mais de uma,quase que simultaneamente, utilizamos a expressão �AV� apresenta várias questões�. Se este então passou a sedebruçar mais sobre uma questão específica dentre asque havia trazido, categorizamos como �ElQ � elegequestão�. Em outros casos, alunos que já haviamapresentado uma questão (AQ) apresentavam umanova, seja após explorar a questão inicial (ExQ) oumudar de perspectiva (MP � ver abaixo) em relação aesta. Para estes casos a expressão �OQ � outra questão�foi atribuída. Uma outra possibilidade encontradarefere-se aos casos em que após apresentar umaquestão (AQ) o aluno a ampliou, ou seja, manteve a

85

Pesquisar processos para apreender experiências

mesma questão mas englobava novos aspectos de suarealidade nesta: chamamos de �AmQ � amplia a questão�.

Outras expressões que utilizamos, para nomearfases foram:�PI � pede informação� � a questão do aluno era um pedido

de informação do tipo �Se eu der para o meu filhoo nome do meu marido faz mal?�. Estes pedidosde informação terminaram sempre com a �obtençãoda informação � OI�.

�RA � reafirma atitude� � quando o aluno reafirma a atitudeque tinha frente ao problema, ou à nova atitude quehavia assumido em uma sessão anterior.

�NC � não comparece� � o aluno marca uma sessão, faltae retorna para uma nova sessão. É diferente do casoem que o aluno marca, falta e não retorna mais, oque encerraria o processo, pois nos casos aquiincluídos entendemos o não-comparecimentocomo parte do processo.

�RQR � relata como a questão se resolveu� � se aplica aoscasos em que entre uma sessão e outra ocorre umamudança na situação do aluno, mudança esta queresolve para este a questão que ele tinha. Umexemplo é o caso do aluno que namorava umagarota mas estava �ficando� com outra e sepreocupava pois havia uma possibilidade danamorada �oficial� estar grávida. Ele retorna aoPlantão Psicológico para uma nova sessão dizendoque a namorada não estava grávida, ou seja, estaquestão estava resolvida e não havia por que sepreocupar. Mas este fato não eliminou sua questãoem relação a estar com as duas pessoas, o que o fazretomar esta questão, já discutida em umatendimento anterior. Este tipo de retomada foichamado � RQ - retoma questão�.

�RQ � retoma questão� (explicação dada no exemplo acima).�RCA � relata como agiu� � após o aluno ter comparecido

a uma sessão ele retorna para contar como agiu

86

Plantão Psicológico: novos horizontes

frente à questão colocada. Estes casos aconteceramapós um �DA � decide agir�, uma �MP � mudança deperspectiva� ou após um �PR � propõe-se a refletir�.

�PR � propõe-se a refletir� � esta categoria foi usada nasituação que ocorre ao término de uma sessãoquando o aluno disse que ia pensar sobre o quehavia conversado com o plantonista. Em todos estescasos os alunos retornaram para uma nova sessão.

�AP � apresenta possibilidades� � quando os alunos apresen-tavam uma ou várias maneiras possíveis para lidarcom sua situação ou resolver seu problema, utiliza-mos esta expressão.

FASES DE ENCERRAMENTO DO PROCESSOQuanto aos encerramentos de atendimentos,

identificamos uma tríade de fases bastante indicativado desfecho do movimento percorrido pelo sujeitoao longo do processo. São elas: �MP � mudança deperspectiva�, �ANA - assume nova atitude� e �DA - decide agir�.a) �MP - mudança de perspectiva�: A primeira diz respeito a

uma mudança na forma de enxergar a questãoapresentada que passa a ser vista sob outro prisma,outra perspectiva; muda a idéia que o sujeito temsobre sua questão. Nesta fase, a ênfase está naquestão, que passa a ser vista de outra forma. Noexemplo de Raquel apresentado anteriormente,ocorreu a MP após uma �I - intervenção� decisiva doplantonista (note-se que isto não é uma regra, emboraaconteça em alguns casos). A aluna discutia se oirmão estava vivo ou morto mas também falava decomo ele era importante na vida dela. O plantonistainterviu dizendo que independente do fato do irmãoestar vivo ou morto, pelo que falava ele fazia umafalta muito grande na vida dela, já que não estavamais com ela. Neste momento a conversa mudoude rumo e a questão não era mais se ele estava vivoou não. Como todo o processo de atendimento pode

87

Pesquisar processos para apreender experiências

ser considerado uma intervenção, apenasdenominamos com a letra I aquelas intervençõesque haviam sido bem marcantes, já que após estas asessão mudou de rumo. As outras intervenções quenão tinham esta característica específica tambémpodem ter feito parte do processo e ajudado.

b) �ANA - assume nova atitude�: Assumir nova atitude jáacarreta lidar com a questão de forma diferente,assumir uma atitude diferente diante do problema. Aênfase está no sujeito diante de sua questão. A alunaRaquel, nessa fase, logo após a MP, disse que se oirmão estivesse vivo, um dia iria aparecer pois �quemtá vivo sempre aparece� o que nos leva a pensar queela está considerando que, no momento, ela deveriaaceitar sua ausência e que ela poderia chegar a saberse ele estava vivo se ele voltasse algum dia.

c) A fase de �decide agir� é observada quando o sujeitoexpressa sua intenção de agir em relação àquelaquestão de modo a tentar resolvê-la. A ênfase estána ação que o sujeito expressa. �DA� é comum emdemandas que exijam ação para serem resolvidascomo �dificuldades em fazer escolhas/decisão� oudificuldade nos relacionamentos e mais raras emdemandas de �elaboração de perdas� nas quais, àsvezes, �assumir nova atitude� já é suficiente para aelaboração de uma questão. Nosso exemplo, apesarde ser da demanda �elaboração de perdas�, mostraessa fase quando a cliente disse que não iria maisficar procurando a polícia e questionando-a sobreo desaparecimento do irmão, como fazia antes.

UM PROCESSO: UMA SEQÜÊNCIA DE FASESA seguir apresentamos um caso ilustrativo da

seqüência de fases AH-AQ-ExQ-MP-ANA-DA.1:

Uma aluna chega apresentando a história de suaquestão (AH). Conta que namorava um primo quandomorava em São Paulo e que a mãe não gostava dele.

1 É importante assi-

nalar que só porqueeste caso estavasuf ic ientementedetalhado e bemdescrito em umrelatório de aten-dimentos, de acordocom a ordem crono-lógica em que osfatos foram sendorelatados, é queessa análise porfases pôde ser feita.

88

Plantão Psicológico: novos horizontes

Veio para Belo Horizonte pensando que iria ficarmais fácil o namoro à distância. Namoraram durantetrês anos dessa forma e diz não saber como conseguiu.Logo conclui que foi porque eles terminaram muitasvezes neste período. Sofreu muito por sua causa (�elepisou muito�). Um vez ele esteve em sua cidade numfinal de semana e só ligou para falar que estava ali: nãoquis se encontrar com ela, não ligou novamente e foiembora.

Após todo esse relato a aluna apresenta suaquestão (AQ): no início da semana (em que foi feito oatendimento) ele havia ligado dizendo que estavaprecisando da ajuda dela e que queria vir à BeloHorizonte para falar-lhe. Pediu que ela pensasse etelefonasse para dar a resposta. Não sabia o que fazer.Essa é uma demanda classificada como �dificuldadeem fazer escolhas/decisão�

2.

A seguir, a aluna passa a explorar a questão(ExQ): Fala que contou o caso para muitas pessoas esó uma sugeriu que ela o deixasse vir. A princípio, eladiz que não sabe se quer que ele venha; está há um mêsnamorando um outro rapaz que estuda em sua escolae está percebendo o quanto é bom ter um namoradopor perto. Antes não ia a festas, pois todos iamacompanhados e ela ficaria sozinha. Quandoperguntavam se ela tinha namorado, dizia que sim eque ele morava em São Paulo. Durante o atendimento,ela passou a dizer que quer �dar um tempo� naquelerelacionamento e que em São Paulo, existe muita gentea quem ele pode pedir ajuda, e que se ele estiver comum problema pessoal ela não quer saber. Além disso,disse temer que a vinda dele atrapalhasse o namorocom o atual namorado.

A partir dessa exploração da questão, a alunaconsegue mudar a perspectiva (MP): diz que não sabeo que fazer, mas sabe que não quer encontrar o ex-namorado agora. Acha que o que ele está querendo é

2 Confira classifi-

cação de demandasno capítulo �PlantãoPsicológico na es-cola: presença quemobiliza�, dos mes-mos autores dopresente capítulo,neste livro.

89

Pesquisar processos para apreender experiências

voltar pra ela, o que ela não deseja porque não �temnada para dar certo� e porque ela está com outronamorado.

Com essa nova perspectiva, a aluna consegueassumir nova atitude diante da questão (ANA), aatitude de quem não quer encontrar o ex-namoradopor três motivos que ela consegue explicitar: apossibilidade de atrapalhar o novo namoro, no qualela quer investir; se o ploblema do ex-namorado forpessoal e não tiver relação com ela, que ele procureoutra pessoa para ajudá-lo; ela quer interromper orelacionamento deles. Neste exemplo, as fases MP eANA são muito ligadas e, na verdade, elas quasecoincidem já que, a atitude da aluna foi imediatamentetransformada quando ela mudou a perspectiva de suaquestão. Lembramos que a maneira de se distinguir asduas fases está no foco central do movimento dosujeito: na fase MP, o foco é a questão, vista sob outraperspectiva, e em ANA, o foco é o sujeito com umanova atitude frente à questão.

A última fase desse atendimento é a do �decideagir� na qual a aluna expressa que iria ligar para o ex-namorado dizendo que iria viajar no final de semana(como sua madrinha havia sugerido) e que, na segunda-feira, ligaria novamente dizendo que não queria queele viesse procurá-la e diria os três motivos.

BUSCANDO UM PADRÃOApós categorizarmos todas as fases dos

processos passamos a buscar algum padrão naseqüência em que essas fases apareciam. Ao se examinaro conjunto dos casos que tínhamos com as fasescategorizadas, vimos que existem algumas queaparecem com a primeira dos atendimentos que serepetem para a grande parte de casos, como as fasesAQ, AH ou AV. Vimos também que, ao final dosatendimentos cujas questões estavam sendo mais bem

90

Plantão Psicológico: novos horizontes

adnameD saossePsadidnetA

seõsseS-asilanA

sadaossePadaCedossecorP

-nemidneperrA.1apluceot

2 2QxE-QA.1

AD-QxE-QA-HA.2

edacsuB.2otnemicehnocer

2 3AR.1

.2 à QR-QxE-ACR à QxE-QR

açnaifnocseD.3-anoicalerson

sotnem0 0 -

edadlucifiD.4sagordmoc

1 4QxE-HA-QA.1 à QxE-ACR à AR

QxE- à PM à ACR

edadlucifiD.5alocsemoc

0 0 -

meedadlucifiD.6oãsiced/sahlocse

4 11

RP-QxE-QmA-I-QA-HA.1 àQO-PM-ACR à PA-QR-RQR à

QxE-ACR à QxE-QO à -I-QRAD-PM

QxE-HA-QA.2AD-ANA-PM-QxE-HA-QA.3

RP-PM-QxE-HA-QA.4 à -PAAD-PM

edoãçarobalE.7sadrep

4 4

PA-QO-PA-I-QO-PA-I-QA.1ANA-QI-PM-QR-I-QxE-QA.2

AD-ANA-PM-I-QxE-QA.3ANA-PM-I-HA-QA.4

edatlaF.8aicnêdnopserroc

-anoicalersonsosoromasotnem

1 1 I-PM-QR-QO-HA-QA.1

edatlaF.9sonedadicorpicer

sotnemanoicalerájsosoromasodicelebatse

6 9

PM-QxE-QR-PA-HA.1 à ARANA-QxE-HA-QA.2

QA.3AD-I-PA-QxE-HA-QA.4 à

AD-ANA-QxE-PM-ACR à ARAD-PM-I-QlE-VA.5 à aunitnoc

3osac,21adnamedanPM-QxE-QlE-I-VA.6

TABELA I

91

Pesquisar processos para apreender experiências

adnameD saossePsadidnetA

seõsseS-asilanA

sadaossePadaCedossecorP

odomôcnI.01edarienamamoc

sàrigaereresseõçautis

9 11

PA-I-QA.1PA-HA-QA.2QO-QxE-QA.3

AD-PM-QxE-QR-QO-QA.4RP-PA-HA-QA.5 à -PM-ACR

QxE-QO à PAAD-PM-QxE-QA.6

VA.7I-QlE-PM-I-QmA-QxE-QO-QA.8

PM-QxE-QA-HA-PA-I-VA.9

oãçafsitasnI.11samoc

eseõçiubirtasaicnêgnitnoc

2 2PA-QVA.1

I-QO-PA-QA-HA.2

oãçafsitasnI.21-anoicaleronamocotnem

ailímaf

4 6

ANA-PA-I-QA.1AD-PA-QxE-HA-QA.2 à CN

2osac,2adnamedanaunitnocàACR.3 à AD-PA-QO-ACR

HA-QA.4 à PM-ACR

oãiniporetbO.31lanoissiforp

2 2I-QxE-I-QA.1

IO-IP.2

oãçapucoerP.41-nêüqesnocmocuoseõçaedsaic

sadassapseõsiced

0 0 -

edadilauxeS.51 0 0 -

adnameD.61adanimretedni

1 1 PA-I-QmA-QA.1

TABELA I - Continuação

92

Plantão Psicológico: novos horizontes

r esolvidas, apareciam as fases MP, ANA e DA nessaordem, mesmo se alguma delas não estivesse presente.Fora estas fases comuns nos inícios e nos finais deatendimento, cada um parecia ter uma história própria,um percurso particular que não se assemelhava a umnúmero significativo de outros casos.

Fizemos então uma organização dos casossegundo as categorias de demandas. Vimos com issoque, dentro de cada categoria, os processos dos casosque estão ali são mais semelhantes, percebendo-seneles um padrão de forma mais clara do que aoolharmos todo o conjunto de casos independentementedas demandas. Em algumas categorias não pudemosdescrever nenhum padrão particular em virtude dopequeno número de casos.

Algumas categorias são bem ilustrativas dessespadrões (ver tabela I na página anterior)

Nota-se ali como é comum que os sujeitosiniciem seus atendimentos no que chamamos de�apresenta a questão�(AQ) e passem logo ao �apresenta ahistória�(AH) e/ou �explora a questão�(ExQ). Pode-seperceber também que à medida em que o sujeito vairesolvendo sua questão, ocorre a �mudança de perspectiva�(MP), ele �assume nova atitude�(ANA) e, quando épossível uma ação, ele �decide agir�(DA). Essa tríadefinal - MP-ANA-DA - é bastante indicativa de que oprocesso pelo qual o sujeito passou, através doatendimento no Plantão Psicológico, foi transformadore bem sucedido. Indica que o sujeito saiu doatendimento tendo mudado sua visão em relação aoque trazia, sua posição para lidar com a questão e aindaa decisão de agir de uma nova maneira.

É interessante notar que, nos casos da demanda�elaboração de perdas�, é comum que não haja a fase�decide agir� no desfecho dos atendimentos.

93

Pesquisar processos para apreender experiências

Provavelmente isso se deve ao fato de que após umaperda de alguém, principalmente se a causa for a morte,o que se pode fazer é aprender a lidar com essa novaquestão, assumindo uma nova atitude diante dela quecause menos sofrimento. Assim, para essa demandapode-se considerar um bom desfecho.

Já a demanda �incômodo com a maneira de sere de reagir às situações� mostrou-se diferente emrelação às outras justamente pela falta de semelhançaentre seus casos, estes em um número suficiente paraque pudesse configurar um padrão. No entanto,pensamos que, por ser esta uma demanda que pedeuma mudança mais estrutural na vida da pessoa e nãoapenas situacional, seu processo será mais dependentedas particularidades de cada sujeito com sua maneirade ser e mais difícil de ser resolvido em apenas um oupoucos atendimentos. Mais do que apontar para limitesdo Plantão Psicológico, isso parece indicar umadelimitação de campos onde psicoterapia e PlantãoPsicológico não substituem um a outro.

CONCLUINDORelatamos aqui uma atividade de pesquisa que

busca olhar com precisão o desenvolvimento dosprocessos de atendimento em Plantão Psicológico(neste caso específico, em contexto escolar), chegandoa identificar fases que nos permitam apreender osdiversos movimentos de que esse processo éconstituído, de maneira a poder chegar a uma avaliaçãorigorosa do resultado de nossas intervenções.

Sabemo-nos assim estar na esteira daspreocupações de sistematização do conhecimentoadvindo da experiência que Rogers (1995, 1995a) commuita clareza realizou, propôs e esperou que fossecontinuada. Trata-se de uma tentativa de continuar asistematizar a experiência subjetiva advertida em seusprocessos apreensíveis, registráveis e mensuráveis

94

Plantão Psicológico: novos horizontes

objetivamente, buscando não perder de vista aespecificidade propriamente humana do processoestudado. E sabemos estar em companhia de outrospesquisadores brasileiros que com rigor têm seempenhado nesse árduo e gratificante desafio (cf.Amatuzzi, 1993)

Para além da possibilidade de uma avaliaçãobastante positiva das intervenções empreendidas, oque nos parece mais importante e indicativo de umgrande potencial do Plantão Psicológico baseado naescuta profunda é o fato de podermos chegar adelinear um processo de características semelhantessegundo o tipo genérico de demanda, quando osconteúdos dos atendimentos são profundamentediversos. É ainda mais impressionante se atentamospara o fato de que também o grupo de plantonistas égrande, com profundas diferenças internas detemperamentos e de experiências, supervisionados porquem dá ênfase na descoberta da maneira própria deconduzir o processo - e ainda assim produz-seprocessos semelhantes!

Longe da tentativa de identificar padrões rígidosque tornasse previsível o processo que permanecesempre misterioso, a identificação de padrões pordemanda em um contexto de equipe técnica tãodiversificada leve-nos a confiar sempre mais noprocesso que com surpresa vemos se desenrolar diantede nós durante o atendimento em Plantão Psicológico.Que possamos dar crédito sempre maior à liberdadedo cliente em sua busca, com a alegria profunda esimples de participar como testemunha de umprocesso que se desenvolve muito além de nósmesmos. Que possamos oferecer sempre maisconfiantes nossa escuta profunda para que cada clientepossa dizer sua palavra própria e autêntica (Amatuzzi,1989), e então, assim que lhe seja concedida aoportunidade, crescer � por rumo seguro.

95

Pesquisar processos para apreender experiências

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMATUZZI, Mauro Martins. O resate da falaautêntica: filosofia da psicoterapia e da educação.Campinas: Papirus, 1989

AMATUZZI, Mauro Martins. Etapas do processoterapêutico: um estudo exploratório. Psicologia: Teoria ePesquisa. Vol. 9, n.1, 1993, p.1-21.

MAHFOUD, Miguel. O Eu, o Outro e o Movimentoem Formação. Anais da XIX Reunião Anual daSociedade de Psicologia de Ribeirão Preto,Ribeirão Preto: SPRP, 1989, p.545-549.

ROGERS, Carl Ransom. A equação do processo dapsicoteraia. In: WOOD, John Keith et alii (Org.s).Abordagem Centrada na Pessoa. 2

a Ed., Vitória:

Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida /Universidade Federal do Espírito Santo, 1995, p.95-122.

ROGERS, Carl Ransom. Pessoa ou ciência? Umaquestão filosófica. In: WOOD, John Keith et alii (Org.s).Abordagem Centrada na Pessoa. 2

a Ed., Vitória:

Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida /Universidade Federal do Espírito Santo, 1995a, p.123-153.

97

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

Plantão Psicológico em hospitalpsiquiátrico: Novas Considerações e

desenvolvimento

Walter Cautella Junior

A intenção deste trabalho é abordar osdesdobramentos que uma experiência de plantãopsicológico bem sucedida gerou em um hospitalpsiquiátrico. Tais mudanças não afetaram somente arotina hospitalar, mas também a forma de concebero fazer psicológico em condições tão específicas. Naverdade, a experiência do plantão psicológico levou ainstituição a reformular sua visão do indivíduoinstitucionalizado.

Para que melhor possamos compreender aamplitude da experiência e seus desenvolvimentos,considero importante fazer uma breve descrição dainstituição e dos moldes de funcionamento dodepartamento de psicologia antes do plantãopsicológico.

Trata-se de um hospital de porte médio e decurta permanência que atende pacientes do sexofeminino em quadro agudo de doença mental. Contacom duas equipes terapêuticas compostas por:

98

Plantão Psicológico: novos horizontes

psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais,assistentes sociais, recreacionistas e enfermeiros.

O serviço de psicologia começou a funcionarem 1988 e utilizava exclusivamente grupospsicoterápicos e atendimentos individuais empsicoterapia breve/focal para atender a demanda daclientela. Com o passar do tempo, percebíamos certaslimitações de tais procedimentos quando utilizadas emsituações com características tão específicas. Como foidescrito anteriormente, este é um hospital de curtapermanência, o que acarreta à intervenção psicoterápicauma séria dificuldade, pois estabelece um limite externoconcreto para o processo. Além disto, sua populaçãopossui características bastante peculiares por tratar-sede pessoas em quadro agudo de doença com diferentesníveis de contato com a realidade. Há uma dificuldademaior para o processo se comparado a pessoas quemantêm um padrão neurótico. Resumidamente,possuíamos pouco tempo para abordagem psicológicae a nossa clientela era muito heterogênea, pois em ummesmo setor do hospital temos várias patologias, taiscomo: neuroses, psicoses, toxicofilias etc.

Ambas as técnicas utilizadas exigem certos prérequisitos para que o indivíduo possa tirar proveitoda intervenção psicológica. A abordagem de grupoexige certo tempo para que a pessoa se integre àdinâmica e assuma uma identidade grupal. Antes disso,a ação psicoterápica é superficial e limita-se aossintomas. Percebíamos que as pessoas que participavamde tais grupos, muitas vezes, compareciammobilizadas por uma demanda institucional e não poruma demanda pessoal. Entende-se por demandainstitucional a pressão exercida pela instituição paraque as pessoas se vinculem a psicoterapia. A instituiçãovê essa necessidade e acredita nas conseqüênciaspositivas que o processo pode trazer. A partir disso,tenta vincular os internos sem o cuidado de que esse

99

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

1 FIORINI, Hector

J. Teoria e Téc-nica de Psicote-rapias. 9ª edição.São Paulo: Fran-cisco Alves Editora,1980

2 Grifo do Autor

processo tenha um significado no quadro referencialdo cliente. Se alguém procura ajuda é porque sentealgo e não se considera apto para resolver sozinho.Sabemos que o trabalho psicológico só é eficientequando o indivíduo identifica sua demanda e se propõea trabalhar com suas questões. Comparecer ao grupopor pressão do médico ou da enfermagem, cria umclima ansiógeno e persecutório que não ajuda noprocesso psicoterápico, mesmo que a intenção sejaboa. A composição dos grupos tornava-seextremamente complicada, visto que a populaçãovariava muito em termos de nível intelectual,capacidade de elaboração e de simbolização etc. Apesarda heterogeneidade na composição dos grupos poderser benéfica pela diversidade de experiências, o poucotempo de intervenção nos levava a tentar potencializarao máximo a ação psicoterápica. Se a ação priorizavaos pacientes delirantes ou deficitários do ponto devista cognitivo, com certeza parte da população eracolocada à margem do processo. Por outro lado,priorizando nossa atuação em integrantes com maiorcapacidade de elaboração e menos comprometidosprivaríamos a maioria da população.

Os atendimentos individuais também sofriam suaslimitações. A técnica da psicoterapia breve determinaque o psicoterapeuta estabeleça um foco para serabordado em um tempo pré determinado. SegundoFiorini

1, �o terapeuta deve se colocar frente ao paciente,

primeiro, em seu próprio terreno, aceitandoprovisoriamente

2 seus pontos de vista sobre o problema,

e só mais tarde � depois de se orientar sobre os motivosreais do paciente � há de procurar utilizar esses motivospara fomentar os objetivos terapêuticos que possamparecer de possível realização�. O curto espaço detempo que os psicoterapeutas dispunham para elegero foco dos atendimentos podiam levar a uma escolhaerrônea. Durante nossa prática percebíamos que muitas

100

Plantão Psicológico: novos horizontes

3 ROGERS, Carl R.

T o r n a - s ePessoa. 381ªedição. São Paulo:Editora FranciscoAlves, 1977.ROGERS, Carl R &STEVENS B. DePessoa paraPessoa: O Pro-blema do SerHumano: UmaNova Tendênciada Psicologia.São Paulo: Pionei-ra, 1976.ROGERS, Carl R. eOutros. Em Buscade Vida: De Te-rapia Centradano Cliente àA b o r d a g e mCentrada naPessoa. SãoPaulo: Summus,1983.WOOD, John K. eOutros (Org.).A b o r d a g e mCentrada naPessoa. Vitória:Editora FundaçãoCeciliano Abel deAlmeida / Univer-sidade Federal doEspirito Santo,1994.

vezes o foco eleito pelo psicoterapeuta não era omesmo que o cliente gostaria de abordar. Com o tempoo cliente conseguia abandonar o foco adotado pelopsicoterapeuta e assumir sua verdadeira demanda,porém este movimento levava tempo. Em umainternação de curto prazo, o tempo é um bem preciosoe que não pode ser desperdiçado.

Frente a essas dificuldades geradas pelascaracterísticas da população e da própria instituição,fomos levados a procurar alternativas terapêuticaseficientes. Nesse momento, o plantão psicológico nospareceu uma possibilidade bastante atraente. No entanto,ficava o desafio de utilizar uma técnica terapêutica quenunca havia sido testada em tais condições.

No ano de 1992 desenvolvemos o primeiroplantão psicológico em hospital psiquiátrico. Oprocedimento consistia em colocar à disposição daclientela um psicólogo preparado para o atendimento,em um lugar pré estabelecido, e por um tempo prédeterminado.

O referencial teórico adotado é amplamenteinfluenciado pelo existencialismo e a fenomenologiae tem como linha teórica principal a abordagem centradano cliente

3. A população alvo foi amplamente avisada

da disponibilidade do profissional e da facilidade deacesso através de cartazes e informações dadas pelosoutros profissionais. Previamente foi feito um trabalhode sensibilização com esses profissionais para quepudessem ter um entendimento básico da técnica e doreferencial teórico adotado e, a partir disso, pudessemfalar da disponibilidade do serviço. Aos poucos, foramse aproximando e aprenderam como utilizar esse novoinstrumento. Na verdade foram estabelecidos várioshorários, em locais diferenciados, uma vez que ohospital possui vários setores.

O plantão psicológico conseguiu colocar-seaberto a demanda da clientela e trabalhar no sentido de

101

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

potencializar os recursos desta. Pelas suas característicase referencial teórico conseguiu ser eficiente frente aheterogeneidade da população, uma vez que centra-sena experiência do cliente. Sendo assim, é possível atendera demanda do psicótico, do neurótico, do deficiente edo paciente cronificado, pois tal técnica não precisa queo cliente possua certos pré requisitos.

Com a premissa básica de colocar-se disponívelfrente às necessidades do cliente no momento doencontro e com a peculiaridade deste poder ser único,conseguimos uma abordagem terapêutica eficiente emcurto espaço de tempo, visto que o nível de ansiedade,irritabilidade e agitação dos internos diminuiusignificantemente após o plantão psicológico.

Após a implantação do serviço, começamos aperceber mudanças significativas nas abordagenspsicoterápicas que já existiam (psicoterapia de grupoe psicoterapia individual). As pessoas que participavamdos grupos psicoterápicos não mais compareciammobilizados por uma demanda alheia (pressãoinstitucional). Utilizando-se do plantão psicológico, osinternos conseguiam identificar melhor a sua demandae isto levava a um salto qualitativo no seu desempenhono grupo psicoterápico.

Os atendimentos individuais também foraminfluenciados pelo plantão psicológico. Atualmente, oprocesso psicoterápico individual inicia-se frente aopedido do cliente. Geralmente, ele procurou o plantãopsicológico, conseguiu identificar sua demanda,estabeleceu o foco do seu trabalho psicológico epreferiu abordá-lo de maneira mais sistematizada napsicoterapia individual, embora muitas das demandasacabem se resolvendo no próprio plantão.

Outras vantagens secundárias ficaram evidentesapós a implantação do serviço. Ficou muito mais fácilfazer os encaminhamentos internos. Após comparecerao plantão, sabemos com clareza em qual setor e em

102

Plantão Psicológico: novos horizontes

4 EY, Henry e

outros. Manualde Psiquiatria.5a edição. Rio deJaneiro: EditoraMasson do BrasilLtda, 1981.

qual grupo psicoterápico determinada pessoa terámelhor benefício. Os encaminhamentos externostambém tornaram-se mais eficientes na medida em quetemos maior conhecimento da demanda pessoal.

O plantão psicológico, apesar de sua grandeeficiência, experimenta algumas limitações no âmbitohospitalar psiquiátrico. Pessoas em quadro delirantegrave, que estão rompidos com a lógica alheia esubmersos em sua realidade paralela, raramenteprocuram o plantão. Colocar-se em contato com ooutro é submeter-se à lógica geral. Conseqüentemente,isto leva a ineficácia da estrutura delirante comométodo defensivo. Pacientes em quadro maníacopodem até procurar o plantão, porém, pela aceleraçãodos seus processos psíquicos

4, geralmente, não conseguem

se deter frente as intervenções. Nesse caso, o caráterterapêutico é estabelecer um limite externo para aaceleração, visto que o interno não é eficiente nessemomento. Quadros de depressão profunda, também,não procuram o plantão psicológico, assim comoquadros catatoniformes.

A resposta positiva dos internos provou aeficácia deste método interventivo, e nos levou apensar a possibilidade de utilizá-lo em outras situaçõesdentro da rotina hospitalar. A instituição evidenciavacertas demandas que pareciam ser da alçada dopsicólogo. Tais como: o atendimento à família e àprópria instituição.

Atualmente parece ser de senso comum queuma ação terapêutica não pode se restringir somenteao indivíduo institucionalizado. Uma das formas deentendermos a doença mental é considerá-la comofruto de um jogo de tensões dentro de um camposocial, onde um membro dessa sociedade não temcondições de lidar com as vicissitudes desse jogo eacaba rompendo em um surto psicótico ou umadescompensação neurótica. Este enfoque nos leva a

103

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

considerar que doente não é somente aquele queapresenta os sintomas, mas sim, todo o contexto a qualpertence, no caso a família.

Aquele que manifesta a doença é internado e ohospital cumpre a sua função terapêutica, no entanto,quando este é devolvido para a família, é, novamente,inserido no jogo de tensões que permanece inalterado.Há uma grande possibilidade de novos surtos surgirematé o momento que o indivíduo possa elaborardefinitivamente sua posição nesse campo de tensões.É importante salientarmos que a família age de maneiradefensiva, não identificando, ou identificando comgrandes dificuldades, a responsabilidade no processode adoecimento do internado. É menos ansiógeno paraa família depositar a doença em um único membro,pois sendo assim, sente-se imune, saudável e protegida.Desta forma, podemos inferir que há um movimentoinconsciente da família, e muitas vezes consciente, nointuito de perpetuar a doença naquele que manifesta osintoma. Tal psicodinâmica explicaria em parte o altonível de reinternações e �cronificações psicológicas�,pois, nesta breve conceituação, não estamosconsiderando bases orgânicas para a doença mental.

O setor de psicologia trabalha com a hipótesede que o indivíduo institucionalizado, através dotrabalho psicológico na instituição, pode se dar contadessa intrincada psicodinâmica e não mais ocupar olugar de representante simbólico da doença social. Nãose trata de negar a fragilidade ou os aspectos individuaiscomo pode parecer, pois se este não suportou astensões sociais é devido, também, a aspectos internosde desenvolvimento pessoal.

O indivíduo abandonando esse papel de doenteirá gerar um desequilíbrio na psicodinâmica estabelecidae isso abrirá espaço para um trabalho elaborativofamiliar, ou para que outro membro manifestepatologicamente o conflito mal resolvido.

104

Plantão Psicológico: novos horizontes

5 BATESON, Gregory

e Outros. Hacia unaTeoría de LaEsquizofrenia.In:SLUZKI, Carlos E.(org.). InteracciónFamiliar: AportesFundamenta lessobre Teoría yTécnica. BuenosAires: EditorialTiempo Contempo-ráneo S.A. , 1971. p.19-56.6 LIDZ, Theodore e

Outros. El MedioIntrafamiliar DelPaciente Esquizo-frénico: La Trans-misión de la Irracio-nalidad. In: SLUZKI,Carlo E. (org.).I n t e r a c c i ó nFamiliar. AportesFundamenta lessobre Teoría yTécnica. BuenosAires: EditorialTiempo Contempo-ráneo S.A. , 1971. p.81-110.7 LAING, R. D. e

ESTERSON A.Cordura, Loucuray Família: Famí-lias de Esquizo-frenicos. Mexico:Fondo de CulturaEconómica, 1967.(Biblioteca de Psico-logia y Psicoanálisis).

Vários autores de várias linhas do pensamentopsicológico abordaram o papel da família e do jogosocial no processo de adoecimento, evidenciando certaunanimidade neste ponto. Dentre eles, podemos citarBateson

5 , Lidz

6, Laing

7 e principalmente Harold F.

Searles em seu artigo The effort to drive the other personcrazy � On element in the aetiology and psychotherapy ofschizophrenia

8.

A prática clínica na instituição, embasada nessamaneira de conceber a psicodinâmica da doençamental, tem gerado efeitos bastante positivos, vistoque o número de pacientes que percebem o seu lugardentro da dinâmica familiar e que pedem atendimentotambém para a família, vem aumentandoprogressivamente. A percepção do lugar que ocupam,e a não mais aceitação de todas as responsabilidadesprojetadas e depositadas sobre estes, levam a umadesorganização familiar caracterizada pelo surgimentode uma angústia generalizada. Tais sintomas foramcomprovados através do aumento do número defamílias que pediam para ser atendidas pelo serviçode psicologia através do serviço social, recepção,funcionários etc. Com o aumento da demanda, fez-senecessário estruturar um espaço onde a angústia familiarpudesse ser contida e trabalhada. Além disso, estávamosotimizando o tratamento psicológico realizado nainstituição abarcando de maneira mais abrangente o�fenômeno patológico�.

Frente ao acima relatado, quatro anos depoisda criação do plantão psicológico, introduzimos umserviço semelhante voltado exclusivamente para osfamiliares dos internos. Foi aberto um espaço onde afamília é recebida como cliente. Não temos a pretensãode acreditar que todas as famílias aceitam esse lugartranqüilamente. Geralmente, o membro da família chegaaté o serviço com o seu discurso voltado ao elementoinstitucionalizado, e cabe ao plantonista fazer uma

105

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

8 SEARLES, Harold

F. The Effort toDrive the OtherPerson Crazy � OnElement in theAetiology andPsychotherapy ofSchizophrenia. In:C o l l e c t e dPapers onS c h i z o p h r e n i aand RealitySubjects. NovaYork: New YorkI n t e r n a t i o n a lUniversities , 1975.p. 254-283.

escuta centrada e seletiva na angústia desse familiarque buscou o serviço.

O atendimento familiar desenvolvido pelo setorde psicologia é bastante diferente dos atendimentosrealizados pelo serviço social e corpo médico. Noplantão psicológico a família é colocada como cliente.Já no atendimento médico-familiar o intuito é obterdados e aprimorar a compreensão da estrutura dadoença através da história do paciente inserido nocontexto familiar. Portanto, não há, prioritariamente,uma ação terapêutica voltada à família. O cliente éaquele que está internado. Quanto ao serviço social, asua ação visa o bem-estar do indivíduo internado e areadaptação deste à sociedade de uma maneira menostraumática. Novamente, o foco encontra-se no pacienteinternado. Ambos os atendimentos são imprescindíveise de grande importância para o processo terapêuticoporém, não abordam de maneira a provocar mudançasna psicodinâmica familiar. A utilização do plantãopsicológico se justifica pelas características da situaçãoe da população alvo. Geralmente, surge uma demandaque estava reprimida pela impossibilidade de encontrarum espaço próprio para que pudesse se manifestar.Na doença o foco recai sempre naquele que manifestaos sintomas. O plantão psicológico abre um espaçopara que a família manifeste seu mal-estar e suasquestões. As características de tal procedimentoparecem-nos facilitar o trabalho com esta situaçãoemergencial, imprevisível e desorganizadora que é oadoecimento. Através do plantão psicológico tentamosaproveitar o momento de ruptura que a doença mentalgera na dinâmica familiar e na vida de quem adoece e,a partir disso, proporcionar uma experiência maissaudável.

Há ainda certos dados de realidade quereforçam a aplicabilidade do plantão familiar nessasituação. A grande maioria da população alvo (família)

106

Plantão Psicológico: novos horizontes

possui pouco acesso a situações que permitam umarelação de ajuda. Isso ocorre por vários motivos: faltade conhecimento de sua própria demanda;desinformação sobre os serviços disponíveis(psicoterapia individual, familiar, etc.); carência derecursos públicos nessa área; e finalmente,indisponibilidade financeira da maioria daqueles queprocuram. O plantão psicológico consegue, de certaforma, diminuir a distância dessas pessoas a umarelação de ajuda eficaz.

Outra justificativa para a utilização do plantãorecai na crença fortemente difundida nos plantonistasque nem toda demanda precisa ser suprida pelapsicoterapia. Todo indivíduo possui uma tendênciainerente para o progresso e uma vez que a situação deimpedimento possa ser abordada, e uma nova vivênciapossa surgir, o cliente está livre para seguir seu rumo,até sentir nova necessidade de parar e se redirecionar.É evidente que muitas vezes a demanda é parapsicoterapia, nesse caso é feito um encaminhamentopara serviços externos.

Colocando a família como foco, estamostambém contribuindo indiretamente com o bem estardo indivíduo institucionalizado e complementando otrabalho psicológico que é realizado durante a internação.

Para que o plantão pudesse ocorrer, foramabertos horários dentro da programação, quecoincidiam com os horários de atendimento familiarrealizado pelos outros membros da equipe. Destaforma, na medida em que os membros da famíliavêm manter contato com o médico, assistente socialou visitar o paciente internado, se desejarem, poderãoter acesso ao atendimento psicológico.

Percebe-se que os métodos e técnicas adotadassão muito semelhantes ao que ocorre para os clientesinternados nesta casa. Essa estrutura de atendimentotem vantagens para alcançar nossos objetivos.

107

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

As pessoas que procuram o plantão psicológiconão o fazem porque foram convocadas. Portanto,podemos inferir que há uma mobilização interna quegerou essa busca. Tal mobilização é fator primordialpara que ocorra mudanças. A convocação para essaforma de atendimento parece-nos pouco eficiente,embora possa ocorrer se for de extrema importânciapara o trabalho psicológico realizado com o indivíduoinstitucionalizado. Desta forma, a família deixa deocupar o lugar de cliente e a ação centra-se noindivíduo institucionalizado. Neste ponto percebemosoutra diferença em relação ao atendimento médico eao de serviço social. Estes não perdem a eficácia pelaconvocação, pois não colocam a família como clienteda mesma forma que colocamos.

O plantão psicológico, com sua característicabásica de abarcar o cliente naquele momento, possibilitaum trabalho psicológico breve, embora, também, hajaa possibilidade de um trabalho mais longo se houvera necessidade. O plantonista e o cliente podem decidirpela sessão única, projeto terapêutico (quatro sessõesaproximadamente) ou pelo encaminhamento dessemembro familiar ou família para um processo maislongo de psicoterapia familiar (fora da instituição).

A equipe e a instituição foram instruídas parafavorecer a aproximação dos familiares a este serviçopsicológico. O acesso da clientela mantém-se o menosburocratizado possível. Foram colocados na recepçãoe demais dependências sociais do hospital, cartazesinformativos sobre a existência do serviço,disponibilidade do psicólogo, local de atendimento etc.

Em três anos de funcionamento o número deatendimentos foi aumentando progressivamente. Deum ano para o outro tivemos um aumento superior a100% no número de clientes.

A carência de suporte externo para os familiaresgerou uma situação atípica. O plantão psicológico

108

Plantão Psicológico: novos horizontes

9 BLEGER, José.

Temas em Psico-logia . BuenosAires: NuevaVision, 1980.

familiar é uma estrutura montada prioritariamente paradar conta das questões familiares durante o períodode internação. No entanto, percebemos o aumentosignificativo da procura do serviço mesmo após a altado cliente principal. Isso acaba gerando uma sobrecargado serviço. Temos como norma básica não recusar oatendimento dessas pessoas, porém tentamosencaminhá-las para serviços externos. Tal procura acabareforçando a consolidação desse espaço de continência.No futuro temos o intuito de desenvolver umambulatório para dar conta dessa demanda na própriainstituição, porém, para isso, precisaremos aumentar aequipe de plantonistas.

Fiéis à idéia de uma ação abrangente do doentemental, começamos a pensar a instituição como umcliente em potencial. Atualmente fica difícil pensarmosem uma ação terapêutica eficiente, sem inserirmos noprocesso aquele que se propõe a �tratar�.

Abordando o hospital com a visão da psicologiainstitucional, o entendemos como um organismo vivoque reage frente a sua população alvo. Desenvolve-seuma relação dialética entre a instituição e a clientela. Asações desta, assim como as reações, vão interferirdiretamente no andamento do processo terapêutico. Aimportância da sanidade institucional sempre foiamplamente discutida e valorizada. Se consideramos oprocesso terapêutico pessoal do profissional de saúdemental como fundamental para a eficácia da abordagem,nada mais razoável que utilizarmos os mesmosparâmetros quando falamos da instituição de saúdemental. José Bleger

9 abordou com precisão a intrincada

psicodinâmica institucional no ato terapêutico. Segundoele, há a tendência da instituição em se burocratizar nasua ação terapêutica. Este processo surge como defesa.As estruturas das instituições são as mesmas de seuobjeto de trabalho. Sendo assim, para trabalharmos com

109

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

10 BLEGER, José.

Psico-Higiene eP s i c o l o g i aI n s t i t u c i o n a l .Porto Alegre: Edi-tora Artes Médicas,1984.

doentes mentais em instituições há a necessidade de�tratarmos� concomitantemente a instituição.

Trabalharmos com a instituição implica emoferecermos aos seus integrantes condições para falarde suas questões, assim como, de sua relação com esta.Buscamos abordar o coletivo através do individual.

Frente ao acima citado tornou-se fundamentaloferecer aos profissionais da casa de saúde um espaçode continência. Não somente para abarcar a instituição,mas também para fornecer subsídios ao funcionárioque vive em contato direto com a doença mental.Quadros psicóticos tendem a ser ameaçadores paraaqueles que não estão preparados psiquicamente. Adesorganização do psicótico tende a ameaçar a ordeminterna de quem convive com estes. Isto é prejudicialpara a saúde psíquica do funcionário e acaba refletindona instituição, uma vez que irá utilizar-se de mecanismosdefensivos que prejudicarão a dinâmica institucional.Como exemplo destes mecanismos podemos citar aindisponibilidade e a irritabilidade no trato com ocliente, faltas ao serviço, grande rotatividade da equipede apoio etc. Além de tais manifestações, havia umademanda explícita por grande parte dos funcionáriosque nos procuravam com a necessidade de falar desuas experiências no cotidiano hospitalar e reorganizá-las de maneira mais saudável.

Oferecer atendimento aos funcionários traziauma série de questões. Primeiramente havia adificuldade de montar uma equipe para atender essanova clientela. Parecia-nos pouco eficiente que osplantonistas da própria instituição atendessem a estepúblico. Tal atitude seria tão incoerente quanto umpsicoterapeuta desenvolver uma �auto-terapia�.Sabíamos da impossibilidade de abarcar a instituiçãofazendo parte dela. Bleger conceituou com precisãoas diferenças entre o psicólogo institucional e opsicólogo na instituição

10. Para que fosse viável,

110

Plantão Psicológico: novos horizontes

trouxemos um plantonista de fora da instituição. Istoresolveu os prováveis conflitos de interesse quesurgiriam se fossem utilizados os profissionais dainstituição. Além disso, a isenção deste plantonistapropiciou maior liberdade para que o funcionárioabordasse suas questões. A própria estrutura do plantãofacilitou o acesso ao serviço. Contamos com adisponibilidade da instituição para que os funcionáriospudessem procurar o serviço durante o período detrabalho. Isto gerou a necessidade de reestruturar asgrades de horários, acarretando maior trabalho daschefias. No entanto, as experiências anteriores bemsucedidas com o plantão facilitaram a superação detais transtornos.

Embora a intenção básica não seja esta, oplantão ao funcionário também pode ser como portade entrada para outras modalidades de atendimento esuporte se for necessário. Assim como com os internose seus familiares, o funcionário pode ser atendido naprópria instituição em esquema de psicoterapia brevee focal, se o caso. Se a demanda for para umapsicoterapia de longo curso, este será encaminhadopara instituições ou consultórios fora do hospital.Paralelamente, montamos grupos operativos para queas questões relacionais e operacionais pudessem serabordadas.

Consolidou-se novo espaço dentro da rotinahospitalar. A experiência vem nos mostrando que se ainstituição passa por períodos mais críticos, comsobrecarga de trabalho, diminuição de funcionáriosou qualquer outra tensão, a procura pelo plantãoaumenta. Sendo assim, além do caráter terapêutico, oplantão oferece elementos para que o plantonista tenhauma visão relativamente precisa da saúde psíquica dainstituição.

Após a implantação deste serviço, diminuiusignificativamente os problemas de relacionamento

111

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

entre os funcionários, conseqüentemente, criou-se umambiente terapêutico mais eficiente.

Até então foram relatadas as mudançasoperacionais que as várias experiências com o plantãopsicológico geraram na rotina hospitalar. Sem dúvida,passou de técnica coadjuvante a um lugar central nofuncionamento do serviço de psicologia. No entanto,a amplitude das mudanças geradas pelo plantãopsicológico não recai somente no aspecto operacional.Acredito que a principal mudança seja subjetiva e sutil.

Como foi dito nas primeiras linhas deste texto,o plantão psicológico propiciou uma reformulaçãona visão institucional do indivíduo institucionalizado.

Existem diferenças significativas na forma deentender e abordar o doente mental entre os váriosprofissionais da saúde. Apesar da proximidade e dasáreas de justaposição, a formação teórica e oembasamento filosófico dos vários profissionais levama esta discrepância na abordagem do doente. Os váriosprofissionais podem utilizar os mesmos conceitos dedoença mental, porém a postura frente ao cliente acabasendo muito diferente. Cada profissional, munido deseus conhecimentos científicos e de sua concepção dehomem e mundo, vai colocar-se frente ao outro demaneira particular na tentativa de promover saúde.

Entre a psicologia e a medicina não é diferente.Há divergências significativas entre as abordagens. Omédico na sua formação, recebe forte influência dasciências naturais. A visão naturalista determina que oobservador de um dado fenômeno tente se manterisento neste processo para não influenciá-lo. A partirdessa premissa, o médico quando se coloca frente aodoente procura manter-se afastado para que possaobservar com isenção. Esta isenção dará segurança paraa escolha da terapêutica necessária. Nesta intervençãoestá implícito que o cliente não sabe sobre si e espera

112

Plantão Psicológico: novos horizontes

11 FREUD, Sigmund.

A História doM o v i m e n t oP s i c a n a l í t i c o :Artigos sobreMetapsicologia .1ª edição. Rio deJaneiro: ImagoEditora, 1974.(Edição StandardBrasileira dasObras PsicológicasCompletas, volumeXIV).

12 PIAGET, J. e

INHELDER, B. APsicologia daCriança. SãoPaulo: Difel, 1974.

13 ROGERS, Carl R.

T o r n a - s ePessoa. 381ªedição. São Paulo:Editora FranciscoAlves, 1977.

que o outro, no caso o médico, realize uma ação sobreele. Considero a palavra �paciente�, termo muito utilizadopor este profissional, bastante esclarecedora e típica dessarelação. O paciente é aquele que espera �pacientemente�a ação de outro para a solução de um desequilíbrio. Suaprincipal característica é a resignação e a conformação.É aquele que espera passivamente um resultado. Todoorganismo possui uma tendência inerente ao equilíbrio.Vários autores abordaram em diferentes momentos estatendência. Freud aborda o �princípio de constância� nosseus artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos

11.

Piaget aborda o princípio da equilibração12

. Rogersquando fala sobre a tendência atualizadora parece-nosressaltar essa tendência inerente do indivíduo a procurarum equilíbrio satisfatório

13. A própria biologia usa este

princípio como regra geral. Caso ele não consiga chegara esta homeostase por seus próprios meios, recorre aoutros no intuito que este atue de maneira técnica parapromover o equilíbrio. Percebe-se que nesta forma deintervenção o médico adota a postura de técnico.

O psicólogo também atua no sentido de ajudaro outro a equilibrar-se, porém a postura pode ser outraquando sua ação é influenciada pela fenomenologia.Enquanto a medicina promove uma ação direta sobreseu paciente, acreditamos que através de uma relaçãoterapêutica com características específicas, podemosfacilitar para que nosso cliente se equilibre. Desta forma,não atuamos sobre o mesmo, porém acompanhamoscomo instrumento facilitador para este equilíbrio.

Mesmo em casos graves, onde a tendência dapessoa em estabilizar-se em um modo saudável defuncionamento parece estar irremediavelmentecomprometido, a postura frente a ele, enfatizando seuaspecto saudável e seu potencial, costuma trazerrespostas positivas. Acreditamos que o psicoterapeutadeva oferecer-se como ferramenta ao seu cliente. A

113

Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

14 BASSIT, W. e

Sonenreich C. OConceito dePs icopato log ia .São Paulo, Manole,1979.

experiência do plantão em hospital psiquiátrico mostraque por maior que seja o comprometimento afetivo,cognitivo, intelectual e relacional do cliente, adisponibilidade do plantonista acaba deflagrando ummovimento saudável do cliente. O plantonista servecomo estímulo para a busca de níveis mais saudáveisde integração psíquica (deixamos de ver o cliente comoreceptor passivo de uma ação terapêutica e o colocamosno lugar de autor no seu processo de aprimoramento ecrescimento). O homem se desenvolve a partir de suaexperiência e a função do plantonista é proporcionarcondições para que o indivíduo possa experienciar, narelação com este, situações que evidenciamcaracterísticas novas e desconhecidas no seu modo defuncionar, experiências diferentes daquelas conhecidasanteriormente e marcadas pela ineficiência e patologia.Com esta concepção, aquele que procura ajudapsicológica, mesmo dentro de um hospital psiquiátrico,perde a marca de �paciente� e adquire o status de agente,pois apropria-se de seus rumos.

O corpo clínico do hospital considera a doençamental como a �patologia da liberdade�

14. Segundo este

conceito, doente mental é o indivíduo que perdeu acapacidade de fazer opções. Ele mostra-se incapaz deestabelecer regras para si, sendo assim, fica prisioneirode seus sintomas. Como exemplo, podemos pensar nosujeito fóbico que restringe sua vida com medo deencontrar o objeto de sua fobia, ou o obsessivo, queapesar de perceber a incoerência de seus pensamentosobsessivos ou de seus rituais mágicos, sente-se impotentefrente a eles. Podemos citar o delirante que interage como mundo de maneira restrita a partir das suas convicçõesdelirantes. Este é um conceito médico, no entanto, elepode ser muito eficiente orientando a ação psicológicaem um hospital psiquiátrico.

Se considerarmos a doença mental como umcerceamento à liberdade, toda a ação terapêutica e o

114

Plantão Psicológico: novos horizontes

ambiente hospitalar devem levar ao livre arbítrio. Apartir desta premissa, o plantão psicológico passa a serum instrumento fundamental para promoção da saúdepelas suas características .

A resposta positiva dos clientes (internos,famílias e funcionários) levou a instituição a mudar aconcepção de doente mental. Este deixou de ser vistocomo um receptor passivo da ação alheia, e foi alçadoa condição de agente de seu processo de mudanças. Ointerno adquiriu a possibilidade de desejar e de trabalharno sentido de viabilizar seus desejos. Esta novaconcepção adquirida pela instituição, criou um ambientemais propício para que os internos façam suas escolhas.Abrindo espaço para que este se posicione e tomeposse de suas experiências, propiciamos o resgate dacidadania do indivíduo institucionalizado. Percebemosportanto, que a experiência do plantão não modificasomente aquele que é alvo da intervenção, mas também,todos os envolvidos indiretamente. O sistema de idéiasque sustenta a prática do plantão psicológico acabapor impregnar o ambiente onde ocorre a experiência.Sendo assim, o plantão psicológico adquire acaracterística de catalisador de mudanças. Mudança éessencial para o desenvolvimento.

115

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

Vera Engler Cury

�A cada novo plantão aprendemos um pouco mais sobreas aflições de nossa comunidade e perdemos o medo deenfrentar nossas próprias angústias, ao tentarmos entrarem contato com o mundo do outro a partir de suaurgência.�

Depoimentos como este fazem parte dosencontros semanais de um grupo de supervisão deorientação humanista, e mais especificamente �centradano cliente,� da Clínica-Escola do Instituto de Psicologiada Pontifícia Universidade Católica de Campinas,localizada na região central da cidade. O serviço depronto-atendimento psicológico foi implantado em 1994,a partir do projeto de dois alunos do Curso deEspecialização em Psicoterapias Institucionais doDepartamento de Psicologia Clínica.

O oferecimento desta modalidade deatendimento clínico-psicológico efetivou-se comodecorrência da constatação de um alto índice dedesistência por parte da clientela que busca ajuda naquelainstituição, frente às longas filas de espera parapsicoterapia e também pela observação de quealgumas pessoas procuram a clínica numa situação deemergência. Em ambos os casos verificava-se aimpossibilidade de o sistema atender à solicitação

116

Plantão Psicológico: novos horizontes

imediata do cliente. O Plantão Psicológico viabilizaum atendimento de tipo emergencial - compreendidocomo um serviço que privilegia a demanda emocionalimediata do cliente - e que funciona sem necessidadede agendamento, destinado a pessoas que a elerecorrem, espontaneamente, em busca de ajuda paraproblemas de natureza emocional.

Operacionalmente, os períodos cobertos pelosplantonistas ainda são restritos, pois nem todos osgrupos de supervisão que atuam na Clínica-Escolaparticipam desta prática. A divulgação é feita atravésde cartazes distribuídos internamente na própriauniversidade e também em postos de saúde, hospitais,escolas e centros comunitários. Cabe às recepcionistasda clínica psicológica controlar o fluxo de pessoas paranão sobrecarregar os horários do plantão e elas o fazemencaminhando os clientes que não terão condições deser atendidos naquele plantão para o próximo. Cadaperíodo perfaz quatro horas com a presença de doisplantonistas. Há flexibilidade quanto à duração de cadasessão, levando-se em conta as idiossincrasias dosclientes e também as limitações que advêm dainexperiência dos estagiários; procura�se, no entanto,manter como parâmetro a hora terapêutica de cinqüentaminutos. Estabeleceu-se como rotina a possibilidadede um retorno, em casos em que isto se fizer necessárioe mediante uma tomada de decisão do próprioplantonista. Embora os clientes atendidos durante osplantões possam ser encaminhados à triagem da própriaclínica - escola para atendimento psicoterápico, grandeparte dos encaminhamentos tem sido externo, frente asignificativa e crônica demanda que congestiona e dáorigem às filas de espera da instituição. No entanto, oobjetivo primordial do plantão é o de constituir�senum serviço alternativo às psicoterapias tradicionais,especificamente voltado àqueles que por inúmerasrazões não se beneficiariam (ou não estariam

117

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

disponíveis) de um atendimento clínico a médio oulongo prazo.

Em termos institucionais, o Plantão Psicológicocompõe o elenco das práticas clínicas sobresponsabilidade dos estagiários do último ano do Cursode Psicologia, juntamente com o serviço de triagem,psicoterapias individuais, grupais e de casal, assim comogrupos de espera, sob supervisão de docentes comdiferentes abordagens teóricas Os plantonistas, sendoalunos do último ano do curso de Formação dePsicólogos, também são responsáveis por outrosatendimentos psicoterápicos - individuais ou grupais -nos moldes tradicionais, já que optaram pelo campo deestágio em clínica-escola como parte de sua formação.

Historicamente, o serviço de plantãopsicológico da PUC-Campinas inspirou-se no modelodesenvolvido pelo Setor de AconselhamentoPsicológico do Instituto de Psicologia da USP de SãoPaulo (cf. Mahfoud, 1987) na década de oitenta, noentanto, apresenta um caráter inovador, representadopela participação de supervisores com abordagensteóricas diferentes - cognitivista e centrada no cliente -numa mesma modalidade de relação de ajudapsicológica. Esta posição coincide com umaperspectiva de integração, proposta e defendida emrelação ao conceito de Clínica-Escola que une estesdocentes-supervisores. Compreendem que a vocaçãode uma instituição como esta é a de enfrentar o desafiode um atendimento psicológico compatível com asnecessidades da comunidade alvo e também voltadopara a formação clínica do aluno, priorizando a relaçãointerpessoal que possibilita o diálogo cliente-estagiário.Insere-se aqui uma tomada de posição mais amplasobre a concepção de atendimento clínico, soltando�o das amarras de um viés que tradicionalmente oatrelou à psicoterapia como única via para aintervenção e com esta a uma temporalidade

118

Plantão Psicológico: novos horizontes

estabelecida a priori - quanto mais longo o processoterapêutico, maior sua eficácia.

Contrariando esta visão, o trabalho em equipedesenvolvido para a implantação do serviço de plantãopsicológico, buscou transcender e subordinar asdiferenças teóricas a um objetivo comum: aflexibilização das práticas de intervenção clínicainstitucional já existentes em prol de uma ajudapsicológica que se mostrasse mais empática aos apelosda comunidade, neste contexto e época. Manteve-se,no entanto, a autonomia de cada supervisor quanto àsestratégias clínicas para efetivação do atendimento.

Para os plantonistas que atendem nos moldesda Abordagem Centrada na Pessoa, esta experiênciatem sido considerada fundamental ao lançá-los numtipo de relacionamento interpessoal de ajuda psicológicaem que suas atitudes e crenças são postas à prova demaneira dramática (vide anexo). Questionam-se sobrea efetividade da ajuda prestada aos clientes, já que oparâmetro de continuidade da intervenção que osamparava num processo psicoterápico tradicional nãoestá disponível: o tempo conspira de forma a exigirdeles uma disponibilidade emocional para o encontrocom o outro imediata e genuína; preservar a autonomiaemocional do cliente, e ainda assim, ativamente,facilitar-lhe o desenvolvimento de um processo geradorde alternativas à angústia vivenciada, eis o desafiorevisitado a cada novo atendimento. A ênfase naativação de um processo experiencial de caráterintersubjetivo colabora para que o plantonista nãotransforme o atendimento numa relação de naturezaautoritária ou filantrópica, face à sedução exercida pelaaparente fragilidade do cliente. Wood (1995) enfatizou:

�esta abordagem se realiza quando alguém dirige a melhorparte de si mesmo à melhor parte do outro e, assim, pode emergiralgo de inestimável valor que nenhum dos dois faria sozinho�.

119

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

A experiência acumulada desde a implantação doserviço tem se mostrado decisiva para uma transformação,tanto dos supervisores envolvidos quanto dos estagiáriose quiçá da própria população atendida, gerando pesquisasque poderão alicerçar novos rumos para as clínicas-escolade Psicologia. Do ponto de vista técnico, o plantonistarecorre a atitudes e estratégias clínicas que objetivam oacolhimento adequado ao cliente de forma a possibilitara explicitação da demanda emocional que o aflige, noexato momento em que busca uma relação de ajudapsicológica. Considera-se como cliente aquele que seapresenta, não importando se a queixa refere-se a umaterceira pessoa, pois o atendimento é de caráter imediatoe não visa necessariamente o encaminhamento a processospsicoterápicos. Ancona-Lopez (1996), em sua tese dedoutorado, corrobora esta posição:

�quando o cliente vem à procura de um psicólogo, elequer ser atendido em suas necessidades, pouco importandosob que nome este atendimento se efetue. Na prática, noentanto, o que acontece com freqüência é que, por nomearsua prática, o psicólogo deixa de fazer a sua parte,postergando sua intervenção e empobrecendo um encontrorico de possibilidades.� (p.15)

Abre-se, portanto, uma ampla gama de possibi-lidades quanto ao desenvolvimento da relação cliente-plantonista, embora esta seja breve. Cabe salientar que aeficácia do serviço prestado não utiliza como critério ograu de resolutibilidade do problema, isto é, não se priorizacomo foco do atendimento a queixa em si, consideradacomo algo objetivável e despida dos significados que lhesão atribuídos, mas sim a pessoa, compreendida comoum todo que se revela em suas formas características deexpressão, matizes de comportamento, atitudes e emoções,visando conferir-lhe autonomia. Também facilitandolhea reflexão, na busca de maneiras ou caminhos possíveis

120

Plantão Psicológico: novos horizontes

para transpor as dificuldades que vivencia.Eventualmente, cabe ao plantonista orientar o cliente,prestando-lhe as informações necessárias paracompreender a instituição e suas alternativas frente a ela,além de abrir-lhe outras possibilidades quanto aos recursosdisponíveis na comunidade.

Deve-se evitar, no entanto, que o entusiasmo nosleve a considerar o plantão como panacéia para todosos males. As limitações existem, já que obviamente nãose pode pretender que uma alternativa de intervençãoclínica venha a suprir as inúmeras carências de nossosistema de Saúde Mental a nível público. Ao possibilitara explicitação da demanda emocional do cliente, oplantonista depara-se com a escassez dos recursosinstitucionais da comunidade para acolher estasnecessidades que muitas vezes brotam do solo fértildas desigualdades sociais e financeiras. O desempregoavoluma-se de maneira assustadora nas grandes cidades,destruindo as esperanças de milhares de famílias queassistem impotentes aos descaminhos de seus filhos maisjovens seduzidos pelo ouro falso do tráfico de drogas edos assaltos. As escolas de periferia parecem andar àderiva frente a realidade avassaladora de uma violênciaurbana que desdenha seus cânones e não acredita maisna educação como possibilidade de ascensão social. Cabeaos plantonistas, sensibilizar-se com este quadro insólitoe transformar o contexto das clínicas-escola no sentidode uma aproximação com um modelo mais comunitário,revertendo a tendência anacrônica de reproduzir osconsultórios particulares, ao flexibilizar o elenco deserviços oferecidos à população dando-lhe voz ecredibilidade pelo desenvolvimento da autonomiaemocional. No âmbito teórico, representa um avanço namedida em que diferentes abordagens psicoterápicaspoderão desenvolver pesquisas sobre a eficácia daadoção de novos modelos, quanto à relação interpessoalde ajuda psicológica.

121

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

A VIVÊNCIA DO PLANTÃO PSICOLÓGICO COMO TEMADE PESQUISA

Numa pesquisa recentemente concluída (cujosresultados parciais foram apresentados durante o �VIEncontro Estadual de Clínicas-Escola�, ocorrido emItatiba, SP, em agosto de1998) sobre as condições destaimplantação, buscou-se caracterizar o modelo depronto�atendimento psicológico oferecido àcomunidade. Adotando uma metodologiafenomenológica, desenvolveu-se um estudo de tipoqualitativo que constou da análise de depoimentoscolhidos junto aos supervisores, plantonistas efuncionários da Clínica-Escola da PUC-Campinas, apartir dos passos propostos por Amedeo Giorgi(1994). O objetivo principal foi o de descrever avivência do plantão para aqueles que se responsabilizampor sua efetivação institucional. O contato com osdiversos sujeitos constou de entrevistas abertas, emnúmero suficiente para contemplar o critério desaturação, isto é, a coleta dos depoimentos foiinterrompida quando não se observou mais nenhumelemento novo no conteúdo das falas dos sujeitospesquisados sobre o tema em questão. Duas questõesbásicas nortearam este estudo:

a)O serviço de pronto-atendimento psicológicooferecido à comunidade pela Clínica-Escola daPUC-Campinas constitui-se, efetivamente, numaalternativa de relação de ajuda psicológica?

b)Quanto à formação do futuro psicólogo, a participaçãocomo plantonista representa uma oportunidade deampliação da experiência clínica?

As entrevistas foram gravadas e realizadasindividualmente, desenvolvendo-se a partir de algumasperguntas que focalizavam o tema da pesquisa, quaissejam:

122

Plantão Psicológico: novos horizontes

* Consulte o anexo�Plantão Psicoló-gico: vivência dosplantonistas� nofinal deste capítulo.

1) O que é para você plantão psicológico?2) Você vê algum tipo de contribuição do plantão para

a formação do aluno?3) Em relação aos pacientes desta clínica, você percebe

algum tipo de contribuição do plantão à comunidade?4) Que tipos de pacientes você encaminharia ao plantão?

As perguntas acima serviram apenas como umroteiro para a entrevistadora; caso o conteúdo,espontaneamente, já incluísse os principais aspectosreferentes ao tema da pesquisa, elas não eramformuladas.

Cada depoimento foi transcrito, textualizado(etapa que corresponde a transformação da transcriçãoem texto escrito) e procedeu�se, então, a uma análisedas unidades de significado de forma a obter�se acompreensão psicológica de cada uma delas.Finalmente, após terem sido estabelecidas algumascategorias a partir das sínteses específicas dos 12 (doze)depoimentos,* compôs-se a síntese geral, ou seja, aestrutura do vivido em relação ao tema.

ANÁLISE DOS RESULTADOS:

Categorias extraídas das Sínteses Específicas:

Conceito sobre o plantão psicológico: consistenum tipo de ajuda, ou atendimento profissionalimediato, aberto às pessoas da comunidade que sesentem desesperadas, com problemas ou em crise;caracteriza-se por fornecer alívio, orientação e apoioem situações de urgência.

Contribuição para a formação do estagiário:possibilita o acesso a uma diversidade de pessoas eproblemas, levando a um contato direto com oinesperado, criando impacto emocional, desenvolvendouma escuta diferenciada e promovendo um raciocínio

123

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

clínico mais rápido e preciso. Também promove umsenso de responsabilidade ampliado, ao retirar o alunode uma situação de aprendizagem mais protegida.

Quanto aos benefícios aos pacientes: sentem-se acolhidos no momento mesmo em que surge umanecessidade de ajuda, ao estarem desorientados, comum problema muito sério, ou simplesmente quandoprecisam desabafar com alguém. O atendimentooferecido pelo plantonista ajuda a diminuir a ansiedade,permite uma compreensão do problema, oferece umaperspectiva e uma visão mais realista do trabalho dopsicólogo, como alguém que sabe ouvir e está ali nahora exata da procura.

Tipos de pacientes que encaminhariam ao plantão:pessoas desorientadas, que chegam aos prantos, queprecisam de alguém naquele momento, mãesdesesperadas, pessoas que esperam por uma vaga parafazer psicoterapia, ou aquelas que apenas queremconversar para tirar dúvidas e receber informações sobreo trabalho do psicólogo e as formas de atendimento dainstituição.

No processo de interpretação (terceira etapa acompor uma análise fenomenológica dos dados, posteriorà descrição e à compreensão) destacaram-se algunselementos do vivido, obtidos a partir das sínteses específicasdos depoimentos de estagiários e supervisores, enquantorepresentantes da equipe de técnicos da instituição. Visandotrazer ao leitor uma compreensão mais particularizada destasvivências, passamos a transcrevê-las abaixo:Estagiários:� inicialmente, ansiedade frente aos períodos de espera

pela chegada de clientes e;� dificuldade em confiar em si mesmo(a), frente ao

inesperado;� frustração pela ausência de uma equipe interdis-

ciplinar para dar suporte aos atendimentos;

124

Plantão Psicológico: novos horizontes

� após alguns atendimentos, desenvolvimento deautoconfiança e iniciativa;

� sentimentos de solidariedade e respeito pelacomunidade;

� amadurecimento pessoal e profissional comodecorrência de uma escuta empática aos clientes;

Supervisores:� entusiasmo frente ao amadurecimento do grupo de

estagiários pela inclusão de plantão psicológico comouma alternativa de atendimento;

� desenvolvimento de confiança nos recursos internosdos plantonistas;

� necessidade de maior entrosamento com outrossupervisores;

� frustração frente à ausência de uma retaguardapsiquiátrica;

� satisfação pela possibilidade ampliada de reflexõese discussões sobre a prática clínica institucional nosgrupos de supervisão;

� grande interesse em dar continuidade a este tipo deserviço, tanto em função dos benefícios à população,quanto pelos objetivos pedagógicos;

Como o Plantão Psicológico é apreendido pelaspessoas que se responsabilizam por este serviço naClínica-Escola da PUC-Campinas:

Supervisores, estagiários e funcionárioscompreendem o Plantão Psicológico como um tipode relação de ajuda imediata, que fornece alívio,orientação e apoio em situações de emergência àspessoas da comunidade que se sentem desesperadasou com problemas muito sérios. Elas parecem grataspor terem sido acolhidas no momento em que buscaramajuda psicológica, ou quando precisavam muitodesabafar com alguém. Este tipo de atendimento pareceajudá-las no sentido de diminuir a ansiedade,

125

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

permitindo uma compreensão do problema, oferecendonovas perspectivas e uma visão mais realista dopsicólogo como aquele que sabe ouvir e está ali nahora exata da procura. O estagiário, por sua vez, torna-se mais acessível e menos rígido, dando a impressãode ter amadurecido, pois já não se espanta tanto com oinesperado e movimenta-se com mais desenvoltura pelaclínica, relacionando-se de maneira mais espontâneacom os clientes e os funcionários.

Os supervisores, cujos alunos participam doPlantão Psicológico, sentem que o grupo amadurece eque os encontros tornam-se uma oportunidade paragratificantes discussões sobre a comunidade, seusproblemas, as possibilidades de ajuda, as frustraçõesfrente aos próprios limites, assim como para a construçãode uma cumplicidade repleta de idealismo e de promessasque aumenta a confiança mútua. Aqueles que nãoparticipam do serviço, mostram-se receosos quanto àfalta de uma retaguarda psiquiátrica na instituição e àinexperiência dos estagiários em lidar com situações maiscomplicadas, principalmente com a possibilidade declientes em surto psicótico. Alguns chegam a alertarpara os riscos de um atendimento deste tipo para oagravamento de uma patologia, já que o acolhimentopoderia mascarar o quadro pela redução dos sintomas.

As funcionárias de um modo geral mostram-seotimistas em relação à existência do Plantão Psicológico,pois este parece aliviar-lhes da árdua tarefa de lidarcom aquelas pessoas confusas, que chegam à instituiçãosem saber o que vieram buscar, ou com as que parecemtão desamparadas e sofridas que chegam a comovê-las.

Esta pesquisa coincide com uma linha deinteresse profissional mais recente da autora comênfase no desenvolvimento de práticas clínicasinstitucionais . Neste sentido, Macedo(1986) jápreconizara a necessidade de que o psicólogo clínico

126

Plantão Psicológico: novos horizontes

fosse levado, desde a sua formação, a refletircriticamente e conscientizar-se do ponto de vista sociale político, para ser capaz de desenvolver uma definiçãoideológica norteadora numa busca por modelosalternativos mais adequados à extensão dos serviçospsicológicos a toda população, desvinculando-os doestereótipo de uma prática específica para as classesprivilegiadas. Identificada com a mesma intenção, amotivação que tem nos conduzido nesta direçãoorigina-se de um questionamento: qual a relevânciade se adotar o enfoque existencial-humanista comoum posicionamento teórico-filosófico e comoperspectiva de atuação clínica numa sociedade comoa brasileira?

O fato de a Abordagem Centrada na Pessoasubmeter a importância dos conhecimentos teóricos edas habilidades técnicas ao desenvolvimento de umtipo de relação interpessoal em que os potenciaishumanos de autodeterminação possam ser liberados epromovidos, requer que o profissional preste-se a ummergulho corajoso em situações da vida cotidiana,acabando por quebrar modelos e estilos tradicionais,aventurando-se em novos contextos, rompendo certoslimites ou, simplesmente, imprimindo visões pessoaisa velhos problemas. O respeito pelas pessoas, oreconhecimento do outro como totalidade e unicidade,a intolerância frente às manifestações de valoresdeterministas que tendem a enfocar o ser humanogenericamente, o compromisso com o devir humano,são denominadores comuns das várias linhas de teoriae psicoterapia com esta inspiração (Cury, 1993). Apsicologia humanista com uma visão que prioriza osaspectos saudáveis do ser humano, assim como aspossibilidades de crescimento, e a Abordagem Centradana Pessoa com sua ênfase na tendência formativa(Rogers, 1980), têm muito a contribuir para a formaçãodo psicólogo clínico, na medida em que permitem uma

127

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

forma de abordar os fenômenos da realidade pautadapela noção de que o ato de compreender já se constituiem um tipo de intervenção. Restitui ao encontro inter-pessoal seu caráter transformador que numa escala maisampla implica em considerar que a evolução de umasociedade depende das condições existentes para queas pessoas, individualmente ou em grupo, possam enga-jar-se em rituais institucionalizados que lhes garantam aoportunidade e o contexto apropriado para compartilharsuas vivências, sentindo-se respeitadas e valorizadas.

A ênfase desta pesquisa incide sobre a área daSaúde Mental Comunitária e a inserção do psicólogoclínico nas práticas institucionais. A sistematização detais práticas faz-se necessária e urgente na medida emque no Brasil está em andamento uma reestruturaçãodas políticas em relação à saúde pública e, comodecorrência, das instituições responsáveis pelosprogramas de saúde mental, tanto em níveis deprevenção e promoção de saúde, quanto no queconcerne à atenção secundária e terciário (Campos,1992), priorizando o desenvolvimento de intervençõescontextualizadas, interdisciplinares e flexíveis. Numaperspectiva mais ampla:

�o objetivo historicamente mais recente da higiene mentaljá não se refere tão somente à doença ou à sua profilaxiae sim também à promoção de um maior equilíbrio, de ummelhor nível de saúde na população. Desta maneira jánão interessa somente a ausência de doença e sim odesenvolvimento pleno dos indivíduos e da comunidadetotal. A ênfase da higiene mental translada-se, assim, dadoença à saúde e, com isto, à atenção sobre a vidacotidiana dos seres humanos. E, isto é, para nós, de vitalimportância e interesse.�(Bleger, 1984, p.22).

A proposta para a aplicação de esforços nosentido de uma prática clínica coerente com o

128

Plantão Psicológico: novos horizontes

posicionamento teórico-filosófico da AbordagemCentrada na Pessoa contida neste texto, necessita daadoção de uma metodologia de pesquisa, cujainterpretação dos dados (intervenções clínicas)contemple uma descrição e compreensão dos mesmosenquanto fenômenos interpessoais, que emergem aolongo de um processo dinâmico de vivências comsignificado próprio e intransferível. O reconhecimentode nossa contribuição será decorrência direta de nossacompetência para comunicar e discutir cientificamentede maneira a confirmar uma prática referendada esubstanciada na realidade sócio-cultural e num modelode intervenção clínica efetivo. O verdadeiro pesquisarem Psicologia é aquele que busca resgatar o que demais íntimo e pessoal pertence a cada um, legitimandoestes significados como um bem coletivo. Nas palavrasde Carl Rogers (1980):

�Minha confiança é no processo pelo qual a verdade édescoberta, alcançada e aproximada. Não é uma confiançana verdade já conhecida ou formulada.�

Finalmente, a experiência vivida e os resultadosdo estudo sugerem que o Plantão Psicológicorepresenta uma flexibilização quanto às formas deatendimento clínico oferecido à população, podendolevar, também, a uma economia para o sistema, namedida em que promove encaminhamentos internos eexternos. De maneira geral, proporciona, efetivamente,uma relação de ajuda suficiente, reduzindo as listas deespera junto ao próprio serviço de triagem. Quanto aoestagiário-plantonista, desenvolve uma compreensãomais abrangente da comunidade, amplia sua capacidadediagnóstica pela diversidade de casos atendidos numespaço de tempo relativamente curto, e aprende aestabelecer um contato emocional com os clientes apartir de uma escuta empática que precisa ocorrer de

129

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

imediato. Também vivencia um processo deamadurecimento pessoal que confere maior autonomiaa sua prática clínica. Os clientes, da forma como sãoapreendidos pela instituição, beneficiam-se daoportunidade de um atendimento psicológico que seconfigura no momento em que há uma demandaemocional, diminuindo o nível de ansiedade eviabilizando o surgimento de recursos pessoais para abusca de soluções para a problemática vivida.

A despeito do Plantão Psicológico sercaracterizado pelos cépticos como apenas mais umtipo de intervenção a dois, breve demais para produzirqualquer mudança duradoura, diríamos que esteserviço tem contribuído para nos aproximar da verdadesofrida que confere realismo ao suor e às lágrimas denosso povo, mas paradoxalmente tem tambémaumentado nossa fé no processo dos relacionamentosinterpessoais, pelos quais transita e é intensificada apossibilidade de recuperação da dignidade humana emsua mais nobre acepção.

Quanto às instituições em geral, e às Clínicas-Escola em particular, deixemos de atribuir a seu andarpaquidérmico todas as culpas: as limitações quanto aoâmbito dos serviços prestados à população decorremcom mais freqüência da facilidade com que se faz usodelas para justificar atitudes conformistas e víciosprofissionais e menos da eficiência de seus entravesadministrativos.

Anexo: Plantão Psicológico:vivência dos plantonistas

�Uma coisa é por idéias arranjadas,outra é lidar com pessoas, de carne esangue, e mil e tantas misérias�.

Guimarães RosaGrande Sertão Veredas

130

Plantão Psicológico: novos horizontes

A experiência de atender no plantão psicológico é umaoportunidade desafiadora, tanto para a formação acadêmica quantopara o desenvolvimento pessoal.

Quando um aluno se propõe a ser plantonista, é necessárioque ele tenha disponibilidade para lidar com situações imprevisíveis,acolhendo pessoas. Independente de quem sejam. Na verdade, quandonos sentamos frente a alguém no plantão, não sabemos nada sobreessa pessoa, quais os motivos pelos quais ela está ali, suas angústias,medos, necessidades, expectativas etc.

No desenrolar do atendimento, entramos em contato com apessoa, da forma como ela se apresenta. A partir desta únicainteração, buscamos ser empáticos, tentamos proporcionar um climapsicológico facilitador para que ela possa expressar-se livremente,entrar em contato com seus sentimentos, e, na medida do possível,possa aliviar a tensão e um pouco da dor pela qual está passando.

Muitas vezes, o motivo da procura pelo Plantão Psicológiconão se refere apenas a angústias ou medos, mas sim, pessoas quevêm em busca de um espaço para se expressar, alguém para ouvi-las, ou mesmo, uma busca por outras alternativas, como por exemplo:solução para problemas de familiares ou terceiros, encaminhamentopara outros profissionais etc.

Ressalta-se que, no Plantão Psicológico, o fator tempo éfundamental, pois, busca-se equacionar a demanda das pessoas, comos recursos que o plantonista e a instituição dispõem, em uma únicasessão. Essa proposta cria uma situação peculiar: o plantonista nãoacompanha o desenrolar do processo.

A oportunidade de experiênciar o atendimento no PlantãoPsicológico, traz em si a possibilidade de entrar em contato comdiferentes experiências de interação: quanto a faixa etária, nível sócio-econômico e cultural, queixas, etc. Conseqüentemente, amplia avivência clínica do aluno de 5o ano.

A experiência como plantonista possibilita ainda, umaplasticidade quanto às perspectivas profissionais, no sentido deviabilizar futuras aplicações deste modelo de pronto atendimento emoutros contextos.

131

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

�Tem sido um desafio constante, praticar o que aprendemosdurante o estágio. A experiência de aprender nessa abordagem, temme mostrado caminhos que antes pareciam mais obstáculos�.

�Atender na Abordagem, mostrou-me o que é �estargenuinamente com alguém�, considerando-se todas as peculiaridades.Requer que você esteja �inteiro�, pois, todo o trabalho desenvolve-se a partir desta relação�.

�Acreditar na capacidade de crescimento do ser humano é oprimeiro passo para o atendimento na Abordagem Rogeriana, quecom certeza deve permear todo o processo terapêutico�.

�Propicia uma nova visão do atendimento clínicoparticularmente no que se refere ao poder do terapeuta no processo,pois há ênfase na capacidade que o próprio indivíduo tem para ocrescimento�.

�No início foi difícil atender na Abordagem Rogeriana ecompreender qual seria o meu papel frente às colocações do clientee muitas dúvidas surgiram, mas estas foram ficando mais claras àmedida em que eu experienciava a relação terapêutica e observavaas conseqüências de minhas atitudes�.

�Há muito tempo, eu desejava atuar na Abordagem Rogeriana,finalmente, este ano pude concretizar minhas aspirações. E, confesso,tem sido melhor do que eu imaginava. Rogers é mesmo incrível... Assituações de aprendizado e crescimento são constantes, seja nassupervisões, nas discussões dos textos, no atendimento, no progressodo cliente, etc. Passamos por momentos inesquecíveis e de valorinestimável� .

�A oportunidade de participar de um grupo em que �abrimosuma roda� e compartilhamos o estudo e o atendimento clínico naperspectiva rogeriana, foi uma experiência valiosa, por diversasrazões. Em especial, pela possibilidade de aprender da compreensãoteórica e clínica de Rogers em um espaço que podemos ouvir edizer as histórias reais de que passamos a fazer parte quandosomos psicoterapeutas� .

132

Plantão Psicológico: novos horizontes

BIBLIOGRAFIA:

ANCONA-LOPEZ, S. A Porta de Entrada: da entrevistade triagem à consulta psicológica. Tese de Doutorado.Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP,1996.

BLEGER, J. Psico-Higiene e PsicologiaInstitucional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

CAMPOS, G.W.S. Reforma da reforma; repensandoa saúde. São Paulo: Huicitec, 1992.

CURY, Vera E. Abordagem Centrada na Pessoa: um estudosobre as implicações dos trabalhos com grupos intensivospara a terapia centrada no cliente. Tese de Doutorado.Faculdade de Ciências Médicas da UniversidadeEstadual de Campinas, 1993

GIORGI, Amedeo A phenomenological perspective on certainqualitative research methods. Journal ofPhenomenological Psychology, 25 (2): 190-220,1994.

MACEDO, R. M.(org.) Psicologia e Instituição: novasformas de atendimento. São Paulo : Cortez, 1986.

MAHFOUD, Miguel. A vivência de um desafio: plantãopsicológico. IN: ROSENBERG, R.L. (org.). Aconse-lhamento Psicológico Centrado na Pessoa. SãoPaulo: EPU, 1987, p.75-83 (Séire Temas Básicos dePsicologia, vol. 21).

ROGERS, C. R. A Way of Being. Boston,Massachusetts: Houghton Mifflin Company, 1980.

133

Plantão Psicológico em Clínica-Escola

ROSENBERG, Rachel L. (Org.). AconselhamentoPsicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: EPU,1987 (Série Temas Básicos de Psicologia, Vol. 21)

WOOD, J.K. et alii (Org.s) Abordagem Centrada naPessoa. 2ª ed., Vitória: Editora Fundação CecilianoAbel de Almeida / Universidade Federal doEspírito Santo, 1995.

135

Psicólogos de plantão...

Psicólogos de plantão...

Vera Engler Cury

Um conjunto de atitudes ao abordar osproblemas de natureza emocional desenvolvido pelaAbordagem Centrada na Pessoa em suas múltiplasaplicações - desde a psicoterapia individual, passandopelos pequenos grupos intensivos até ossurpreendentes encontros de comunidade - geroutambém esta perspectiva de pronto atendimentopsicológico que ao longo destes capítuloscompartilhamos. E é esta mesma vinculação aospressupostos teórico-filosóficos da PsicologiaHumanista, através de um de seus mais ilustresexpoentes, Dr. Carl Ransom Rogers, que tempossibilitado um processo genuíno de troca deexperiências, gerando afinidades, a despeito dasdiferenças quanto a contextos e propostas numarealidade sócio-cultural que nos instiga, a despeito detoda a perplexidade.

Respeitosamente, os plantonistas aguardam porseus clientes, sem saber quem serão, o que os trará,

136

Plantão Psicológico: novos horizontes

como ajudá-los... Quando chegam, repete-se umencontro feito de apertos de mão, olhares, conversas...e assim, despretensiosamente, atitudes simples deacolhimento trazem de volta a magia dos rituais: dehomens primitivos ao redor de fogueiras ancestrais atéa comovida cumplicidade destes momentos refazem-se os elos históricos de nossa humanidade em processode vida. Estas são horas solenes porque nos tornam atodos mais humanos e este mesmo ritual que ao serreencenado perpetua valores e crenças, paradoxalmentetem o dom de transformá-los. E desta mesma sociedadeexaurida por inúmeros conflitos, sacudida por atosviolentos, por vezes tão injusta com as minorias e tãocomplacente com os tiranos, surgem ainda ideais,�sonhos de um mundo mais livre e de uma psicologiamais justa�.

Cabe-nos como psicólogos neste novo séculoque se anuncia a difícil convivência com a AIDS, coma miséria da alienação, com a dor suprema da perda decontato do homem com seus vizinhos - em nome deuma absurda supremacia étnica; porém é nosso tambémo prazer de uma intimidade ímpar e a indescritível alegriade compartilhar a retomada da consciência e daautonomia. Desdenhamos as bolas de cristal, pois épobre adivinhar quando se pode chegar bem perto eao ouvir o outro sentir os ecos de uma empatia revisitada,bebendo da própria fonte. A verdadeira sabedoria nãoreside no domínio dos fatos, mas sim no incrívelmistério de compartilhar com as pessoas a jornada queas levará ao encontro consigo mesmas e da qualemergem fortalecidas.

Não podemos nos omitir ante uma AméricaLatina atormentada por tantas dificuldades. Para tarefatão complexa, nosso compromisso enquantoprofissionais e cidadãos faz-se urgente eimprescindível, já que a Psicologia é por excelência aciência que privilegia os afetos, os vínculos, a integração

137

Psicólogos de plantão...

do indivíduo com o contexto sócio-cultural que ocoletiviza e lhe confere o sentido de pertinência. Numcenário em que sanidade e loucura parecem não terfronteiras definidas, ainda é nossa a tarefa de criarencontros que sejam mais do que simples trocas depalavras; cabe-nos a missão de transformar o mundoatravés de trabalhos empreendidos em salas de aula,consultórios de psicoterapia, empresas, centroscomunitários, presídios, favelas, hospitais, centros desaúde, ou até mesmo nas ruas.

Há, por outro lado, questionamentos de ordemética que incidem sobre os atendimentos institucionais:

�em toda a área de saúde mental questionam-se hoje osobjetivos e os efeitos verdadeiros do atendimentoinstitucional. Trata-se de definir, para além dos limitesexplícitos, a quem, ou ao que, interessam os procedimentosque são oferecidos ao público para seu bem-estar. A umaanálise cuidadosa, muitos fatos se revelam servindo antesà manutenção da própria instituição do que aos seususuários.� (Rosenberg,1987).

Não devemos ingenuamente negligenciar talalerta; o psicólogo-plantonista deve responsabilizar-sepela forma como as diversas instituições compreendeme inserem o serviço do Plantão Psicológico, mantendopara tanto a necessária lucidez quanto à ideologia vigentee impedindo que esta prática sirva aos interessesdaqueles que pretendem pela multiplicidade de mode-los de atendimento, apenas mascarar as diferenças eludibriar a população, substituindo a necessidade realde tratamentos psicológicos pelo oferecimento deserviços e técnicas de caráter amadorístico e sem emba-samento teórico. O risco está em nos aliarmos a umavisão poderosamente discriminadora que vincula a quan-tificação dos atendimentos à eficiência do modeloinstitucional.

138

Plantão Psicológico: novos horizontes

Os mestres que nos precederam Abe Maslow,Carl Rogers, Rachel Rosenberg, tinham em comum acoragem para superar os dogmas e o entusiasmo parabuscar o inédito. As teorias são necessárias mas, com otempo, tornam-se mistificadas; retomar osquestionamentos, redescobrir seus significados,atualizar seus objetivos, impedi-las de cristalizar, eis omaior empreendimento do pesquisador, pois comosabemos toda cronificação é um obstáculo aocrescimento. O conhecimento não é algo linear, aaprendizagem só ocorre quando nos interessamosprofundamente pelo objeto de estudo. E que estranhoobjeto é o nosso: mergulhamos no outro paraemergirmos mais conscientes de nós mesmos. Confiarem nossos clientes nos ensina a ter fé na possibilidadede um mundo mais humano. Pessoas desrespeitadastornam-se violentas, mas aquelas a quem foi outorgadoo privilégio de uma escuta respeitosa geram novosventos para atitudes mais solidárias e altruístas.

A despeito de tudo isto, estamos de plantão, demaneira ativa e pertinaz! Esta parece ser uma alternativasuficientemente contemporânea para levar nossosestagiários ao encontro desta que nos cabe comorealidade, neste tempo e neste país. Já não se podemais esperar pelas �revoluções silenciosas� queembalaram os sonhos do compenetrado Carl. Umaética das relações interpessoais, sutil mas poderosa,feita de pequenos gestos e acenos suaves, simples eainda assim determinada, parece conduzir os projetosdo Plantão Psicológico aqui comunicados.

Que esta conversa-diálogo, por onde transitamnossos testemunhos e crenças, possa contar a você,leitor, um pouco de nossa alma de aventureiros,crédulos demais para desacreditar da dignidadehumana, irremediavelmente psicólogos para dar deombros quando as instituições criadas para ajudarpessoas já não sabem mais reconhecer seus apelos.

139

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ROSENBERG, Rachel L. (Org.)Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa.São Paulo: EPU, 1987 (Série Temas Básicos dePsicologia, Vol. 21)

Psicólogos de plantão...