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  • 8/14/2019 Diagnstico Pesca Maritima Comercial Rio de Janeiro

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    1DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA

    NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    relatrio de pesquisa

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    INSTITUIES EXECUTORAS

    FAERJ - FEDERAO DA AGRICULTURA, PECURIA E PESCA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRORodolfo Tavares - Presidente

    SEBRAE-RJ - SERVIO DE APOIO AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

    Rodolfo Tavares - Presidente

    Sergio Malta - Superintendente

    Evandro Peanha - Diretor

    INSTITUIES PARCEIRAS

    SENAR-RIO

    Maria Cristina Teixeira de Carvalho Tavares - Superintendente

    Carla Ribeiro Valle - chefe do Depto Tcnico

    Marcos Andr Ravizzini Lima

    REDETEC - REDE DE TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO

    Paulo Alcantara Gomes

    Armando Clemente

    Paula Gonzaga

    Teresa Trinckquel

    UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    LABORATRIO DE BIOLOGIA E TECNOLOGIA PESQUEIRA DEPTO. BIOLOGIA MARINHA

    Prof. Dr. Marcelo Vianna - coordenador

    Beatriz Corra de Freitas

    Mrcio Luis Chagas Macedo

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    OUTROS AUTORES

    Ana Lusa de Souza Soares

    Ana Maria Torres Rodrigues

    Antnio Olinto vila da Silva

    Daniela Sarcinelli Occhialini

    Fernando Antonio Sampaio de Amorim

    Fernando Augusto Galheigo

    Mauricio A. Nepomuceno de Oliveira

    Paula Ritter

    Rafael Botelho Duarte Coelho

    DIAGRAMAO, IMPRESSO E ACABAMENTO

    Editora Populis

    PROGRAMAO VISUALRaquel Sacramento

    REVISO

    Alexandre Rodrigues Alves

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    D526Diagnstico da cadeia produtiva da pesca martima no Estado do Rio de Janeiro : relatrio de

    pesquisa / organizador Marcelo Vianna - Rio de Janeiro : FAERJ : SEBRAE-RJ, 2009.il.

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-87533-09-8

    1. Pesca - Aspectos econmicos - Rio de Janeiro (Estado). 2. Pesca - Aspectos sociais - Riode Janeiro (Estado). 3. Poltica pesqueira - Rio de Janeiro (Estado). 4. Recursos pesqueiros- Rio de Janeiro (Estado). I. Vianna, Marcelo. II, Federao da Agricultura, Pecuria e Pescado Estado do Rio de Janeiro. II. SEBRAE/RJ.

    09-1746. CDD: 338.3727098153CDU: 338.43:639.2(815.3)

    14.04.09 24.04.09 012176

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    5DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    APRESENTAO

    O Diagnstico do Setor Pesqueiro do Estado do Rio de Janeiro o resultado de mais uma parceria entre a Faerj e o

    Sebrae-RJ, que tem como visada a qualificao dos problemas da pesca, para que, atravs do conhecimento, tenhamos

    a coragem de enfrent-los, junto com o poder pblico e a sociedade fluminense.

    A estratgia de unir a pesquisa cientfica ao conhecimento emprico tem produzido resultados excelentes na

    transferncia de tecnologia aos atores das cadeias produtivas do estado, trabalhadores e empreendedores.

    justo, portanto, registrar nossos agradecimentos ao Prof. Dr. Marcelo Vianna, coordenador do Depto de Biologia

    Marinha da nossa Universidade Federal do Rio de Janeiro, e demais tcnicos que integraram a equipe da Rede deTecnologia.

    Fica aqui o desafio para a nossa gerao: olharmos o territrio do Estado do Rio de Janeiro com a incluso da zona

    econmica exclusiva martima, por sua importncia, para o desenvolvimento e o progresso do Estado e do Pas.

    Esse trabalho uma homenagem da Faerj/Sebrae-RJ aos homens do mar, na saudosa memria de Igncio Baltazar do

    Couto, eterno presidente do Sindicato dos Armadores de Pesca do Estado do Rio de Janeiro - Saperj.

    Rodolfo TavaresPresidente - Faerj

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    7DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    SUMRIOPrefcio 9

    1 Pesca Fluminense: Histria, Sociologia e Perspectivas 13

    2 A Produo Pesqueira do Estado do Rio de Janeiro 47

    3 O Mercado e a Cadeia Produtiva do Pescado Fluminense 61

    4 Anlise da Frota Pesqueira do Estado do Rio de Janeiro 91

    5 Infraestrutura Costeira Ligada Atividade Pesqueira Fluminense 123

    6 Bases Legais para a Atuao da Pesca Fluminense 141

    7 Panorama Atual e Perspectivas para a Pesca Industrial do Estado do Rio de Janeiro 181

    Os autores 189

    Pesquisadores e Instituies que Atuam na Pesca no Estado do Rio de Janeiro 191

    Bibliografia 195

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    9DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    Apesar de o Brasil no apresentar proporcionalmente um alto consumoper capita de pescado, a balana comercialbrasileira apresenta-se geralmente deficitria neste item. Invariavelmente importamos mais pescados dos que

    exportamos. Este dficit mostra a existncia da demanda nacional para o produto. Importamos no s pescados que

    no encontramos na costa brasileira - como o salmo e o bacalhau - mas tambm produtos tpicos de nossas guas

    - como as pescadas e as sardinhas - para suprir o mercado interno. Mesmo a costa brasileira no sendo uma regio

    predominantemente rica em pescado, a produo nacional poderia ser maior. Pesquisas com dados histricos mostram

    uma reduo drstica na captura de pescados com grande importncia econmica destinados exportao, como, por

    exemplo, o camaro-rosa do sudeste/sul.

    A manuteno da pesca como atividade econmica vivel e autossustentvel ecologicamente tem grande importncia

    social e cultural, pois qualifica os membros de comunidades tradicionais em reas afins sua histria de vida, impedindo

    que estes sejam incorporados a outras atividades secundrias, que acabam por promover uma descaracterizao

    cultural. Este processo geralmente resulta na marginalizao dessas populaes, causando srios problemas em curtoprazo. Entretanto, consenso que, se estas atividades estiverem relacionadas histria de vida dessas comunidades,

    facilita a implantao e absoro das tcnicas necessrias para a boa execuo.

    A queda na produo nacional de pescarias tradicionais devida em grande parte degradao das reas costeiras

    de criadouro, como os manguezais e os esturios, e ao gradativo aumento da sobrepesca incidindo sobre boa parte

    dos recursos pesqueiros costeiros. Em consequncia disto, boa parte da atividade pesqueira est em crise e tem

    necessitado uma maior ateno, para fazer com que o setor se torne mais eficiente e competitivo. Medidas como censo

    pesqueiro, capacitao da mo-de-obra, agregao de valor ao pescado capturado, reduo dos custos de operao,

    direcionamento da pesca incidindo sobre recursos pouco explorados, fomento criao de pescados em cativeiro

    e adequao da infraestrutura de desembarque, so urgentes para o setor. Ou seja, uma ampla administrao da

    atividade baseada em conceitos tcnicos e cientficos.

    A caracterstica interdisciplinar da atividade pesqueira, como suas inmeras interfaces com a economia, sociologia,

    antropologia, biologia, engenharia e diversas outras cincias, faz com que o setor s seja passvel de ser analisado

    atravs de um estudo que atue em todas as etapas da cadeia produtiva. exatamente neste ponto que a proposta

    deste estudo se insere, diagnosticando as demandas e propondo atuaes em conjunto entre o poder pblico, o

    empresariado e a comunidade pesqueira fluminense.

    Segundo o Art. 36, para os efeitos de Lei de Crimes Ambientais (n. 9.605, 12 de fevereiro de 1998), considera-se pesca

    todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espcimes dos grupos peixes, crustceos,

    moluscos e vegetais hidrbios, suscetveis ou no de aproveitamento econmico, ressalvadas as espcies ameaadas

    de extino, constantes nas listas oficiais de fauna e flora.

    PREFCIO

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    Legalmente, pesca uma atividade muito maior do que se supe.

    a retirada de qualquer organismo vivo (animal ou vegetal) da gua por

    qualquer pessoa.

    MAS O QUE PESCA ?

    Outra questo importante quando se trata da pesca a heterogeneidade da atividade. Quem exerce essa atividade?

    Quais so as categorias de pesca? Uma forma de responder a essas perguntas dividirmos a atividade em categorias:

    esportiva/recreativa (amadora);subsistncia (amadora); ecomercial (profissional) - a que nos interessa nesse estudo.

    Mas mesmo a pesca comercial tambm pode ser subdividida e analisada de forma distinta, segundo a sua escala de

    atuao, como:

    pequena (artesanal);mdia (empresarial/industrial); egrande (empresarial/industrial).

    Apesar de extremamente interessante, diagnosticar os entraves ao desenvolvimento do setor pesqueiro no tarefa

    fcil. Por ser uma atividade basicamente extrativista, descentralizada e cercada de grande informalidade, um dos

    principais problemas da pesca a quantificao da sua importncia econmica e social.

    As aes desenvolvidas neste estudo tm se destacado como sendo uma boa estratgia a ser adotada na identificao

    da relevncia do setor pesqueiro, no gerenciamento da produo de pescados e na ocupao de reas litorneas. A

    atividade pesqueira, quando bem planejada, mantm a ocupao ordenada da zona costeira, fornece produtos de boa

    qualidade, estimula o turismo litorneo e ajuda a conservar o meio ambiente. Principalmente em um estado com as

    caractersticas ambientais e culturais como o Rio de Janeiro, cujo povo tem orgulho de ter sua histria relacionada

    ao litoral. Entretanto, se a atividade for tratada de forma errada ou mal planejada, pode resultar em srios problemas

    sociais pelo uso competitivo do espao costeiro, alm de ser invivel do ponto de vista econmico e com srias

    consequncias ambientais.

    Este estudo tem por objetivo promover, utilizando uma linguagem de fcil compreenso ao pblico no especializado,um diagnstico do setor pesqueiro do Estado do Rio de Janeiro, identificando entraves ao desenvolvimento e lacunas

    de conhecimento.

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    11DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    A anlise integrada final prope uma serie de orientaes e medidas a serem implementadas, atravs de aes viveis

    de serem exercidas em curto e mdio prazo e com respostas rpidas.

    A proposta do estudo obter informaes que possam servir para subsidiar polticas pblicas em mbitos federal,

    estadual e municipal, orientando o setor produtivo atual e possveis investidores. A inteno no simplesmente

    aumentar a captura de pescado, mas propor caminhos e alternativas para o setor aumentar a rentabilidade econmica

    da pesca.

    O escopo deste documento se restringe pesca extrativa comercial - realizada em escala empresarial no ambiente

    marinho. No contempla a pesca de subsistncia, esportiva/recreativa e artesanal. Tampouco considera a atividade de

    maricultura.

    Distintos enfoques acadmicos (sociolgicos, econmicos, biolgicos e outros) foram adotados no presente estudo,

    respeitando-se o carter interdisciplinar da atividade pesqueira. Estes enfoques contriburam para a elaborao

    do diagnstico, que a anlise integrada consolida, propondo estratgias futuras para o desenvolvimento da pesca

    fluminense.

    A Sociologia da Pesca

    Traz o levantamento do perfil scio-econmico-cultural do pescador - caracteriza a histria da atividade, levanta a

    legislao trabalhista regente, diferencia sociologicamente as distintas categorias produtivas, a estruturao das

    organizaes representativas de classe e outros aspectos relacionados.

    A Economia da Pesca

    Trabalha a conceituao da cadeia produtiva da pesca fluminense, tece consideraes histricas sobre a balana

    comercial, descreve a cadeia produtiva do pescado e o panorama do mercado, realizando uma anlise do panorama

    econmico futuro da pesca fluminense.

    A Biologia da Pesca

    Trata da contextualizao da pesca fluminense, posio atual e perspectivas da atividade. A situao histrica da pesca

    Marinha no Brasil, costa sudeste e comparao do Rio de Janeiro com outros estados brasileiros. Identifica os principais

    recursos pesqueiros capturados no estado pelas distintas frotas, nvel atual de explorao dos respectivos recursos e

    orienta quanto a recursos potenciais sobexplotados em reas mais afastadas da costa.

    A Tecnologia da Pesca

    Elabora o perfil tecnolgico e desenhos conceituais da frota. Faz uma descrio tecnolgica dos diferentes tipos de

    unidade produtiva, seus petrechos e fainas, a estimativa da frota atuante nas diferentes modalidades e a anlise doestgio tecnolgico da frota fluminense. Permite considerar o quanto o estado est defasado tecnologicamente,

    quando comparado a referncias nacionais e estrangeiras, quais so os diferenciais competitivos.

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    O Estudo Situacional

    Identifica, referencia geograficamente e descreve, em todos os municpios da costa fluminense, a infraestrutura de

    apoio e suporte disponvel ao setor pesqueiro empresarial no Rio de Janeiro. Identifica a distribuio dessa estruturade apoio pesca ao longo da costa do Estado.

    As Bases Legais da Pesca

    Analisam toda a legislao pesqueira vigente, que foi levantada, mapeada e analisada quanto abrangncia e rgo

    instrutor, observando a pertinncia das normativas.

    A Anlise Integrada

    Apresentada no final do documento discute e agrega as informaes levantadas. Faz proposies de estratgias para

    o desenvolvimento da pesca no Rio de Janeiro, com sugestes de medidas para a orientao de polticas pblicas para

    o setor.

    Prof. Dr. Marcelo ViannaOrganizador

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    13DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    PESCA FLUMINENSE: HISTRIA, SOCIOLOGIA E PERSPECTIVASPaula Ritter e Fernando Augusto Galheigo

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    15DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    INTRODUO

    A atividade pesqueira envolve uma srie de fatores (histrico-culturais, ambientais, sociais, polticos e econmicos) e,

    nesse sentido, coloca-se a necessidade de articular conhecimentos, saberes e cincias para propiciar uma viso mais

    integrada da pesca e perceber a riqueza e as nuances deste universo.

    Este texto no pretende dar conta da diversidade que envolve a pesca, pescadores e pescarias. Tambm no tem

    como objetivo fornecer respostas s inmeras questes de todos os atores envolvidos com a temtica. Contudo,

    atravs da articulao entre os conhecimentos, prticas e demandas do setor, pretende realizar uma reflexo crtica

    que possibilite e estimule o dilogo entre os diferentes atores, vislumbrando uma gesto articulada e de acordo com

    as particularidades fluminenses.

    Em um primeiro momento, realizaremos uma sistematizao do histrico da pesca, no Brasil e sua influncia no Estado

    do Rio de Janeiro. Inmeros pesquisadores j se debruaram sobre o tema, contribuindo para o melhor entendimento

    do atual cenrio da pesca. Enfocaremos as polticas pblicas direcionadas pesca, as quais auxiliam a compreender os

    diferentes espaos reservados atividade no pas, nos diferentes momentos ao longo da histria. Alm dos instrumentos

    legais, existem outras perspectivas que ficam restritas ao universo dos antroplogos, socilogos e historiadores. Neste

    texto, procuraremos nos apropriar de alguns destes elementos, para ampliar as possibilidades de reflexo, entendendo

    a pesca enquanto atividade produtora de divisas, de formas de sociabilidades, de categorias produtivas e de classes.

    Na segunda parte deste captulo, a anlise ser direcionada para os pescadores fluminenses e suas condies

    de trabalho. A partir dos dados apresentados, teremos elementos que permitiro compreender a importncia das

    polticas pblicas e sociais, como benefcios previdencirios e o seguro-desemprego para o pescador, que podem ser

    considerados grandes conquistas desses trabalhadores. A partir de dados secundrios, apresentaremos e discutiremos

    questes que tm marcado o cenrio da atividade, que necessitam ser esclarecidas e debatidas conjuntamente, no

    sentido buscar solues que possibilitem o avano e o desenvolvimento da pesca fluminense.

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    PESCA NO BRASIL E NO RIO DE JANEIROBreve resgate histrico

    A pesca uma das mais antigas atividades econmicas realizadas pelo homem. No litoral brasileiro, os diferentes

    grupos j a praticavam como forma de subsistncia antes do descobrimento do pas (Diegues, 1983). A presena de

    sambaquis em diversas localidades de nosso litoral corrobora esta afirmao. O estudo do sambaqui de Camboinhas

    (Niteri) permitiu identificar os hbitos dos grupos que habitavam a regio da Baa da Guanabara e mostrou uma

    predominncia da atividade de pesca, seguida da coleta de mariscos (Kneip e Pallestrini, 1984).

    No Brasil, a atividade pesqueira foi influenciada por diferentes culturas, principalmente a portuguesa e a espanhola.

    Este legado permitiu o surgimento de culturas litorneas regionais ligadas pesca, entre elas: a do jangadeiro - no litoral

    nordestino (do Cear at o sul da Bahia); a do caiara - no litoral entre o Rio de Janeiro e So Paulo; e do aoriano - no

    litoral de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Diegues, 1999). A influncia de outras culturas e suas tcnicas pesqueiras

    vem acontecendo ao longo da histria. Como exemplo, podemos mencionar a pesca do bonito-listrado com vara

    e isca-viva, provenientes de Cabo Verde, na dcada de 1980 (Martins, 2006)1 . Recentemente, em 2000, a pesca deemalhe industrial foi introduzida no Brasil, por embarcaes espanholas, direcionadas para o peixe-sapo (Wahrlich et

    all., 2004). Em 2002, foi introduzida a pesca de polvo com pote, inicialmente no Estado de So Paulo (Toms e vila da

    Silva, 2006).

    Durante o perodo colonial, a pesca representava a base alimentar das comunidades estabelecidas no litoral. Ela

    era realizada pelos indgenas, no quadro da policultura litornea, e tambm como uma atividade marginal nos

    latifndios para abastecer a mesa dos senhores-de-engenho (Diegues, 1983). Nessa poca, as atividades manuais eram

    desvalorizadas, assim como a pesca, e, portanto, eram realizadas pelos escravos. Neste sentido, Silva (1998) aponta que,

    no Rio de Janeiro, em 1872, antes da Abolio, o segundo maior grupo de escravos trabalhava nos ofcios martimos e

    o terceiro era o dos pescadores escravos.

    1 Esta informao corroborada pelo depoimento de um migrante portugus, hoje proprietrio de embarcao vinculada ao Sindicato dos

    Armadores de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Saperj), que indica que nos anos 1970 a pesca com vara e isca-viva do atum j era

    realizada na Ilha da Madeira.

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    17DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    No Rio de Janeiro, a pesca era praticada principalmente nas lagoas litorneas e nos fundos das enseadas pelosindgenas e pelos primeiros povoadores europeus, destacando-se, marinheiros, militares foragidos e fugitivos da

    justia (Bernardes, 1958). Ao longo do litoral fluminense, os ndios tupinambs utilizavam canoas, pirogas cavadas em

    tronco de rvore e tambm piperis (igapebas), jangadas feitas de paus amarrados, na pesca e coleta (Diegues, 1999).

    Os indgenas praticavam a pesca de linha, utilizando espinhas presas a linhas de tucum, e os europeus introduziram

    a rede, empregada inicialmente em praias, onde trabalhavam escravos e homens brancos assalariados. Estes

    formavam pequenos vilarejos ao redor das lagoas que, posteriormente, originariam as cidades de Saquarema, Maric,

    Mangaratiba, Cabo Frio e Maca. Devido miscigenao entre indgenas e europeus, nas populaes do entorno das

    lagoas litorneas predominam os tipos que revelam claramente traos indgenas, sendo raros os pescadores com

    descendncia unicamente portuguesa (Bernardes, 1950 e 1958).

    No Estado do Rio de Janeiro, a contribuio dos portugueses e espanhis em relao s artes de pesca martima

    tambm foi bastante significativa. Eles introduziram tcnicas como as redes de cerco e o arrasto de portas na regio

    da Baa da Guanabara. Alm da sua tradio, a piscosidade da baa e a proximidade com a cidade do Rio de Janeiro

    contriburam para o desenvolvimento da pesca no entorno, onde se formaram diversos ncleos pesqueiros (Bernardes,

    1958). Algumas destas comunidades pesqueiras se localizavam em plena rea urbana, como na Ponta do Caju e na

    Praa XV de Novembro. Outras estavam distribudas ao longo de praias e ilhas no interior da baa - Ilha do Governador,

    de Jurujuba, de Maria Angu, de Inhama e de So Gonalo (Bernardes, 1958).

    Portugueses da regio da cidade do Porto, mais especificamente, de Pvoa do Varzim, denominados poveiros, foram

    os primeiros pescadores do nosso litoral a se aventurar no mar aberto, fazendo com que se especializassem na pesca de

    linha ao largo. Eles pescavam nos Parcis dos Abrolhos e do Mar Novo (no litoral da Ilha Grande), utilizando embarcaes

    motorizadas de aproximadamente 50 toneladas, transportando inmeros caques, que eram descarregados nos parcis,

    um a um. Semelhante ao que ocorre hoje em dia com a pesca de caco, tambm conhecida como linha de cada. Este

    grupo se instalou, principalmente, na Praa XV e em Jurujuba. Bernardes (1958) afirma que, em 1958, os poveiros eram

    proporcionalmente mais numerosos nestas duas localidades, dedicando-se prioritariamente pesca ao largo.

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    Os ncleos de pescadores de Paquet, Ilha do Governador, Piedade, Mag, Maria Angu e Inhama dedicavam-se pesca

    na baa e nas desembocaduras dos rios que nela desguam, utilizando aparelhos direcionados principalmente para a

    captura do camaro, como a tarrafa, pu, balo2 , rede arrasto e, at mesmo, os currais apesar de proibidos na poca.

    J aqueles mais prximos das zonas urbanas, como Jurujuba, Ilha da Conceio, So Gonalo, Ponta do Caju e Praa

    XV de Novembro, apresentavam maior diversificao. A Ilha da Conceio, So Gonalo e Ponta do Caju destacavam-

    se pelas atividades de pesca do camaro na baa - e de traineiras, ao largo. Passaram por grande crescimento com

    a expanso da pesca de sardinha pelas traineiras, sobretudo pelo aumento paulatino da potncia dos barcos e do

    tamanho da rede.

    Dentre estes ncleos, destaca-se a Ponta do Caju como principal centro de difuso de tecnologia de captura. A

    comunidade encontrava-se em plena rea urbana do Rio de Janeiro, sendo formada por elevada parcela de portugueses

    ou filhos de portugueses, espanhis e, em menor nmero, brasileiros - vindos principalmente do Esprito Santo. Diante

    da importncia desta regio no que concerne pesca do camaro e da sardinha, optamos por apresentar estas duas

    modalidades de pesca separadamente, a fim de facilitar a sua compreenso.

    A PESCA DO CAMARO

    Apesar de numericamente menos importante, foram os espanhis que desempenharam funo destacada na expanso

    do ncleo do Caju, no incio do sculo XX, principalmente no servio do camaro. Eles inseriram, em 1955, as duas

    portas, para propiciar que apenas uma canoa realizasse a pesca de arrasto de camaro, utilizando redes em forma de

    saco, em miniatura s do arrasto de alto-mar, adaptadas pelos portugueses cinco anos antes, que necessitavam de

    duas canoas para o arrasto. Dois anos depois, em 1957, os portugueses criaram o mancinho ou rede de arco, com

    uma armao de ferro que sustenta a boca aberta, empregada preferencialmente nos fundos pedregosos, porque

    apresentava na base um longo pau que protegia o fundo do saco. Porm, atualmente, no observamos a utilizao

    desta rede em nosso litoral.

    A introduo destes dois novos tipos de redes provocou uma verdadeira revoluo na vida do Caju, passando o

    servio do camaro a ser um bom negcio. Esse fato desencadeou um aumento no nmero de redes, chegando a

    200, entre portas e mancinhos. Um exemplo da importncia do Caju para a pesca fluminense se reflete na quantidade

    comercializada em 1956. Foi registrada a venda de 329.221.700 kg de camaro para o Centro do Rio de Janeiro,

    desconsiderando o realizado diretamente aos comerciantes do mercado ou a outros fregueses (Bernardes, 1958). Alm

    do camaro, o Caju tambm foi o principal ponto das traineiras da Baa da Guanabara que se dedicavam pesca da

    sardinha.

    2 Tpico da Guanabara, empregado pela primeira vez em 1900 e que permaneceu inalterado por no mnimo 50 anos, consistia de uma rede,

    o balo, sustentado por dois longos cabos, presos a uma canoa em movimento; propiciava rendimento muito mais superior ao pu e outras

    tcnicas.

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    19DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    A PESCA DA SARDINHA

    At o final do sculo XIX, a sardinha no tinha importncia econmica. Existiam vrios aparelhos utilizados em sua

    captura, contudo, sem nenhuma especializao e de baixa eficincia. Entre as artes de pesca para a sardinha, menciona-

    se a tarrafa e o alvitranas. O alvitranas consistia em um cerco de emalhar e era a arte mais empregada3 . O cenrio se

    reverteu nas primeiras dcadas do sculo XX, quando a atividade pesqueira assumiu uma escala comercial de grande

    importncia, principalmente com a pesca da sardinha na Ilha Grande e na Baa da Guanabara. Foi s por volta de 1910

    que apareceu pela primeira vez no Rio de Janeiro uma rede de traineira, trazida pronta por pescadores espanhis. Esta

    rede era semelhante empregada, na poca, na Costa Norte da Espanha e tambm na Frana. Esta pesca utilizava

    barcos com uma grande rede de cerco, chamada de traina4 , e acabou nomeando este modelo de embarcao como

    traineira. As traineiras utilizavam entre 15 e 20 homens e, em 1958, diversas traineiras j apresentavam motores de at

    120 HP, variando sua tripulao de 12 a 24 pescadores.

    Com a criao do Entreposto de Pesca da Praa XV, na cidade do Rio de Janeiro, e as facilidades de implantaode fbricas de sardinha em conserva, a pesca de traineiras se modernizou, passando por progressivas melhorias

    na motorizao e equipamentos de apoio. Este processo resultou em uma diminuio dos barcos a remo, que

    predominavam at os anos 1930. Nesta dcada, foram fundadas duas fbricas de enlatamento de pescado em So

    Gonalo - a Rubi, em 1934, e a Coqueiro, em 1937. Este incentivo s empresas de processamento de pescado indica que

    j existiam polticas de desenvolvimento da atividade pesqueira. Entretanto, elas s foram sistematizadas na dcada de

    1960, mais especificamente, conforme Martins (2006), aps o ano de 1967, um marco na histria da atividade pesqueira.

    Por isso, na prxima seo faremos a apresentao das principais normas legais que inf luenciaram a atividade pesqueira,

    nos diferentes perodos histricos do Pas.

    POLTICAS GOVERNAMENTAIS PARA A ATIVIDADE PESQUEIRA

    O primeiro investimento no setor pesqueiro pela Coroa Portuguesa se deu em relao pesca da baleia. Segundo

    Oliveira e Carignatto (2003), a pesca da baleia foi introduzida no Brasil em 1602, pelos bascos (espanhis) 5 . Em 1614,

    a Coroa Portuguesa determinou que a baleia fosse o peixe real e instituiu o monoplio de sua pesca, impedindo,

    assim, a livre pesca (Castellucci-Junior, 2005). Este autor ainda afirma que eram os portugueses e bascos que tinham

    3 Quando cercado, o cardume de sardinha assustava-se com a batida de uma poita na gua e o peixe ficava emalhado. O cerco, como

    era feito em Portugal, nunca foi empregado no Brasil. A rede de espera de emalhar, chamada de sardinheira, foi experimentada, mas no

    chegou a ser adotada.4 Por vrios anos, dois espanhis controlaram a comercializao de redes no Brasil, at que alguns portugueses comearam a encomend-

    las da Espanha, posteriormente de Portugal e do Japo. Apenas em 1950 que um espanhol instalou uma fbrica de redes de traineiras em

    So Paulo, passando a fornecer este material para os pescadores.5 O autor aponta que o primeiro impulso conferido ao monoplio da pesca da baleia, no Brasil, foi resultado de uma poltica empreendida pelo

    Marqus de Pombal, aliado burguesia mercantil do Reino.

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    a concesso para realizar tais pescarias. No Sul do Brasil-Colnia, as primeiras armaes6 foram fluminenses, seguidas

    das de So Paulo e, no sculo XVIII, as de Santa Catarina. Os contratos de concesso eram estabelecidos a partir de

    uma lgica que procurava favorecer e resguardar os interesses da Coroa. Os contratadores, pelo perodo contratado,pescavam as baleias e industrializavam os produtos sem pagamento anual de impostos.

    Os produtos das baleias tinham diversas finalidades, entre elas pode-se citar a utilizao do leo, que servia para a

    iluminao das casas, dos engenhos e das prprias armaes. O leo era ainda utilizado como ligante na argamassa

    destinada construo de prdios, igrejas, fortalezas e casas. As ossadas utilizadas na decorao, residencial e pblica.

    A carne, por sua vez, era considerada produto depreciado e ordinrio e, por isso, era destinada alimentao dos

    escravos que trabalhavam nas armaes, posto que os pescadores que realizavam o trabalho eram principalmente

    os escravos e/ou os negros libertos (Diegues, 1999; Castellucci-Junior, 2005). Devido competio com os pescadores

    norte-americanos, em meados do sculo XIX as armaes tiveram que encerrar suas atividades, tendo o trmino da

    pesca da baleia ocorrido apenas nos anos 1970, com o fechamento da ltima empresa japonesa em Cabedelo/PE.

    Em 1845, foi criada a Capitania dos Portos e Costas e dos Distritos de Pesca e a responsabilidade administrativa pela pesca

    foi atribuda Marinha. Neste cenrio, foi determinada a obrigatoriedade da matrcula para os pescadores profissionais

    que, ao se registrarem, no precisariam servir Guarda Nacional - somente quando a Marinha os convocasse. Em 1912,

    a responsabilidade administrativa da pesca foi transferida para o Ministrio da Agricultura, com a criao da Inspetoria

    de Pesca.

    Em 1920, a Marinha novamente passou a ter tutela sobre os servios de pesca. O principal fator que levou a Marinha

    a assumir a responsabilidade pela gesto da atividade pesqueira foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Naquele

    momento, o Estado precisava redobrar os esforos para defender o litoral, sendo os pescadores o grupo mais indicado

    para tal tarefa, uma vez que tinham um conhecimento profundo sobre o universo marinho (Moraes, 2001). Em 1923, o

    Ministrio da Marinha implantou a Misso do Cruzador Jos Bonifcio, que reunia as preocupaes: social, econmica,

    ecolgica e, enfaticamente, militar (Callou, 2007). Esta misso correspondeu primeira interveno concreta do

    Estado brasileiro na atividade pesqueira, organizando os servios de pesca e saneamento do litoral, estimulando a

    matrcula dos pescadores e sua organizao em colnias cooperativas7 . Ela tambm procurou desenvolver a instruo

    profissional, estimulou a fiscalizao da pesca predatria, incentivou os pescadores na defesa da costa, e os considerou

    reservas da Marinha de Guerra. Alm de estimular o combate verminose, malria e ao alcoolismo (Callou, 2007). Nas

    6 Faziam parte das armaes, as embarcaes, a fbrica, os alojamentos, os armazns, as fornalhas, os tanques, as caldeiras, os escravos,

    as terras, os apetrechos de pesca e de manufatura do azeite, que representavam o capital investido pelo armador monopolista (Castellucci

    Junior, 2005).7 As colnias de pescadores, quando fundadas, no tinham o objetivo de representarem uma classe de trabalhadores, no assumiam

    as caractersticas de uma organizao de classe. A misso era representar todos os profissionais envolvidos na temtica (pescadores,

    comerciantes, comissrios, armadores, grandes empresrios e pescadores embarcados). A criao das cooperativas, da instalao defrigorficos e da organizao do mercado e da grosseira converso dos pescadores-lavradores em pescadores exclusivos, pretendia-se

    destruir uma noo de trabalho anterior, de modo a propiciar a emergncia de uma outra, mais afeita a grupos que se assemelhavam a uma

    consciente e emergente burguesia industrial (Silva, 2004:42).

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    da classe pescadora e a ampliar o Servio de Caa e Pesca (Paiva, 2004). Estas medidas contriburam para o forte

    desenvolvimento das indstrias do Rio de Janeiro e de Angra dos Reis.

    Em 1938, foi adotado o novo Cdigo de Pesca, que inovou ao desvincular a caa da pesca. Era o incio do perodo

    ditatorial e o novo cdigo aumentou o controle sobre os pescadores e suas associaes de classe, restringindo alguns

    aparelhos e embarcaes de pesca. No ano de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), a Marinha passou

    novamente a controlar a atividade (Decreto-Lei 4.890) (Moraes, 2001). Tal fato indica que, em momentos estratgicos,

    a Marinha passava a ter o controle da atividade. Semelhante ao acontecido nos anos 1920, intensificou-se um processo

    que resultou no fortalecimento institucional e garantia da presena da Marinha, mesmo que simblica, ao longo de

    todo litoral brasileiro (Callou, 2007).

    Na dcada de 1950, no governo de Juscelino Kubitschek, o Estado passou a investir em reas como petrleo,

    siderurgia, transporte e comunicao. Nota-se que neste perodo pouca ateno governamental foi dada atividade

    pesqueira, por conta dos interesses polticos nacionais. Destaca-se apenas a formao da Patrulha Costeira (Lei 2.419/55),

    que, em colaborao com o Servio de Caa e Pesca (Ministrio da Agricultura), tinha a funo de defender a faunamartima, a flora aqutica e fiscalizar a pesca no litoral brasileiro; prestar assistncia mdica, profiltica e farmacutica

    aos habitantes das zonas litorneas desprovidas de recursos; e ministrar instrues sistemticas a bordo dos navios da

    Patrulha Costeira.

    A partir dos anos 1960, o Brasil adotou um projeto desenvolvimentista visando o aumento de sua infraestrutura

    (estradas); realizando obras de saneamento (barragens e retificao de rios); formando complexos industriais e

    cidades de mdio e grande porte12; e estimulando a agricultura extensiva (utilizao de maquinaria e de fertilizantes).

    Esse momento poltico teve grande influncia no setor pesqueiro, sendo marcado por polticas para expanso e

    modernizao da atividade.

    Em 1961 foi criado o Conselho de Desenvolvimento da Pesca (Codepe) (Decreto-Lei 50.872), que incentivava a pesquisa,

    o planejamento, a promoo de transformaes estruturais, a formao de recursos humanos e a expanso dosmercados. Este apresentava um carter normativo, dando orientao nica poltica de desenvolvimento pesqueiro,

    em contraposio pulverizao de competncias at ento observada.

    A Superintendncia do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) foi criada em 1962 (Lei Delegada 10/62), estando vinculada

    ao Ministrio da Agricultura, quando da extino da Diviso de Caa e Pesca, do mesmo ministrio. A Sudepe tinha

    como objetivos promover, desenvolver e fiscalizar a atividade pesqueira, bem como prestar assistncia aos pescadores

    na soluo de seus problemas econmicos e sociais, atravs da definio de uma poltica de pesca supor tada por planos

    de desenvolvimento reajustveis s novas condies, considerando os diferentes aspectos naturais e econmicos

    das regies. Para isto, seria fundamental um diagnstico da situao existente para a definio das estratgias, a

    reformulao da velha legislao e a adequao tcnica e administrativa necessria execuo das atribuies

    decorrentes deste mesmo processo de desenvolvimento planejado (Paiva, 2004).

    12 Nas grandes cidades como Rio de Janeiro e So Paulo este processo atraiu pessoas de diferentes regies do pas, que buscavam postos

    de trabalho nos mais diversos setores. Muitos migrantes passaram a trabalhar na cadeia produtiva da pesca.

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    23DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    No ano de 1966, a pesca includa como indstria de base e recebeu recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento

    Econmico (BNDE), atravs do Decreto 58.696. No ano seguinte foi criado o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento

    Pesqueiro do Brasil (PDP) (Decreto 60.401), em decorrncia do convnio realizado entre o Governo do Brasil e o

    Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Meschkat, 1975). J em 1967, foi publicado o Decreto 22113,

    considerado o novo Cdigo de Pesca, o qual vigora at os nossos dias. Este decreto estabeleceu normas para o exerccio

    da atividade pesqueira e, atravs de mecanismos como incentivos fiscais e iseno de impostos, buscava atingir divisas

    para o pas, com a modernizao da atividade pesqueira, principalmente a industrial14. Este documento legal tambm

    disps sobre a estrutura organizacional dos pescadores, instituindo a criao de cooperativas de pesca nos ncleos

    pesqueiros. A partir deste cdigo houve uma reestruturao do setor produtivo, com consequncias diretas, tanto em

    termos ecolgicos como tambm no mbito social. As concesses de incentivos fiscais pesca propiciaram a abertura

    de fbricas de processamento de pescado15, ampliao da frota de embarcaes para o aumento da produo e da

    consequente exportao de produtos (Abdallah e Bacha, 1999).

    O Decreto 65.005 (1969) regulamentou as operaes para a pesca comercial, e tratava das autorizaes para

    embarcaes pesqueiras, operaes de embarcaes de pesca, empresas pesqueiras e o Registro Geral da Pesca. Nestemesmo ano ficou estabelecida16 , pela primeira vez, a necessidade de preenchimento do Mapa de Bordo, resultando

    em um importante avano na administrao pesqueira nacional.

    Em 1974 foi criado o Fundo de Investimento Setorial para a Pesca (FISET/Pesca) - (Decreto-lei 1376), controlado pela

    Sudepe, com os objetivos de controlar a alocao de recursos dos incentivos fiscais, de forma mais centralizada, e

    ajustar o desequilbrio no mercado destes incentivos - identificado no decorrer da vigncia do Decreto 221/67 (Abdallah

    e Bacha, 1999). Os mesmos autores (Abdallah e Bacha, 1999) ressaltam que entre 1967 e 1974 foram concedidos R$

    793,49 milhes (preos de 1994) para a atividade pesqueira, que permitiram um grande aumento na produo nacional

    de pescado. Contudo, afirmam que, dos R$ 688 milhes investidos entre 1967 e 1972, cerca de 70% foram direcionados

    para a indstria e captura do pescado. Nenhum recurso foi investido em pesquisa e levantamento de dados sobre

    estoques pesqueiros. No perodo de 1975 a 1982, os incentivos para fomentar a pesca foram insuficientes para manter

    o crescimento da produo pesqueira nacional, pois a Sudepe teria priorizado realizar o saneamento financeiro dasempresas.

    13 Cabe dizer que ele foi institudo em pleno AI-5, no regime militar.14 Entre os mecanismos para desenvolver a atividade pesqueira, o Decreto 221 inclui a iseno de impostos e taxas federais de qualquer

    natureza sobre produtos de pesca industrializados ou no; a iseno do Imposto de Importao, do Imposto de Produtos Industrializados

    (IPI), de taxas aduaneiras e impostos de qualquer natureza sobre embarcaes de pesca, equipamentos, mquinas, aparelhos, instrumentos

    e acessrios para captura, comercializao, industrializao e transporte de pescado, desde que importados de acordo com projetos

    aprovados pela Sudepe; iseno do Imposto de Produtos Industrializados sobre redes e partes de redes destinadas exclusivamente pesca

    comercial ou cientfica.15 No Estado do Rio de Janeiro em 1965, segundo dados do IBGE (Martins, 2006), existiam 39 fbricas de processamento de pescado,

    localizadas em Angra dos Reis (22), Niteri (03), So Gonalo (05) e Cabo Frio (09). Destas, 22 indstrias eram de preparao e conservade sardinha e 08 comercializavam peixe fresco e refrigerado alm de realizarem salga e secagem, as quais estavam concentradas em Cabo

    Frio.16 Portaria Sudepe n 395, de 04 de novembro de 1969, e Portaria Sudepe n 483, de 10 de novembro de 1972.

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    Ao analisar a ao da Sudepe, Giulietti e Assumpo (1995) afirmam que os resultados obtidos ao longo dos anos pela

    poltica do rgo foram distintos dos objetivos iniciais. Houve um incremento de embarcaes especializadas em um

    tipo de recurso, como, por exemplo, no camaro-rosa e na sardinha. O principal destino do camaro era a exportao;

    o da sardinha, as indstrias de beneficiamento. Tal fato favoreceu a sobrexplotao destes recursos17 . No caso da

    sardinha, ela sustentava as indstrias localizadas principalmente em Niteri e So Gonalo (Neiva, 1990). As fbricas

    passaram a ter capacidade de processamento superior ao abastecimento de matria-prima e, por isso, nos anos 1980

    as importaes de pescado do pas aumentaram (Abdallah e Bacha, 1999). Tal medida foi necessria para atender

    demanda industrial incentivada nos anos anteriores.

    Neiva (1990) destaca o total abandono dos pescadores artesanais nos processos polticos. O direcionamento equivocado

    ao incentivar a produo com vista s exportaes e no ao consumo interno; o estmulo captura de alguns recursos

    pesqueiros acarretou a sua sobrepesca e o seu colapso; a entrada de empresrios sem compromisso com a pesca,

    que visavam vantagens e lucros, contribuiu para o aumento da corrupo, da degradao ambiental e reduo dos

    estoques pesqueiros. Paiva (2004), por sua vez, enfatizou que o enfraquecimento setorial, gerado principalmente

    pela prostituio da poltica de incentivos fiscais e financeiros, levou extino da Sudepe e sua fuso ao InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renovveis (Ibama) (Lei 7.735/1989)18. Com a migrao da Pesca para o

    Ibama, o autor avalia que a administrao pesqueira incorporou a componente ambiental e acabou fragilizada pelas

    outras inmeras atribuies decorrentes da absoro das competncias de quatro grandes rgos pblicos extintos19.

    Neste contexto, foi criado o Grupo Executivo do Setor Pesqueiro (GESPE), subordinado Cmara de Polticas dos Recursos

    Naturais, do Conselho de Governo da Presidncia da Repblica e secretariado pelo Ministrio da Marinha. A criao do

    GESPE apontada como uma alternativa encontrada pelo governo para atender aos anseios dos representantes do

    setor que solicitavam o retorno de posies governamentais mais favorveis s suas demandas (Dias-Neto, 2008). Sua

    desativao se deu em 1998, concomitantemente criao do Departamento de Pesca e Aquicultura (DPA), vinculado

    ao Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA). O DPA foi criado dentro do Ministrio da Agricultura

    e do Abastecimento (Decreto 2.681/1998)20 com a competncia de gerenciar a produo e fomentar as atividades

    pesqueiras, enquanto as polticas de preservao, conservao e uso sustentvel dos recursos naturais permanecem na

    pasta do Ibama/MMA. Sobre esta estruturao, Dias-Neto (2002) afirma que, alm de ter aumentado a disputa no Poder

    Executivo, provocou a ineficincia na gesto e fiscalizao, e trouxe reflexos negativos para todos os envolvidos.

    O Decreto 2.840 (10/11/1998) atribuiu ao DPA a competncia para estabelecer padres referentes aos recursos

    pesqueiros, no que concerne s espcies migratrias e as que estejam sub-explotadas ou inexploradas. Dias-Neto

    (2002) analisa que, em termos conceituais, difcil estabelecer o monitoramento das pescarias que permitam definir o

    status dos recursos pesqueiros. Isto , o momento em que as espcies passem de subexplotadas a sobre-explotadas.

    O DPA permaneceu com suas atribuies at a criao da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP/PR) (Medida

    Provisria 103 de 01/01/2003), vinculada Presidncia da Repblica.

    17A reduo dos estoques pesqueiros levou a uma srie de medidas posteriores, como os perodos de defeso e exigncia de permissionamento/

    licena para as embarcaes capturarem as espcies mais vulnerveis.18 Com a incorporao da Sudepe pelo Ibama, o patrimnio, os recursos humanos e oramentrios tambm foram transferidos.

    19 Os quatro rgos absorvidos pelo Ibama foram o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a Superintendncia da Borracha

    (SUDHEVEA), a Superintendncia de Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) e a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema).20 Regulamenta a Lei n 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispe sobre a organizao da Presidncia da Repblica.

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    25DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    POLTICAS PBLICAS CONTEMPORNEAS

    O que observamos, nos dias de hoje, o ordenamento pesqueiro dividido, principalmente, entre dois rgos

    governamentais, com objetivos e linhas de conduta bem distintos: a SEAP/PR e o Ibama.

    A Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca

    A SEAP/PR (Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca) tem o objetivo de assessorar o Presidente da Repblica na

    formulao de polticas e diretrizes para o desenvolvimento e fomento da produo pesqueira. Em especial, promover

    a execuo de programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da pesca artesanal e industrial. Entretanto, a

    gesto dos recursos pesqueiros sobrexplotados ou ameaados de extino permanecem sob a responsabilidade doIbama. Paiva (2004) j previa que a SEAP/PR nasceria com as mesmas competncias que as do DPA, o que sugeriria a

    continuao de conflitos institucionais com o Ibama, o que de fato veio a ocorrer.

    Entre as aes desta Secretaria podemos citar o investimento na frota com construo, reforma e nacionalizao

    das embarcaes (Pro-Frota); incentivo na infraestrutura de desembarque (Cipar e TPP21); monitoramento por

    satlite; subveno do leo diesel; melhoria nas condies de trabalho atravs da estruturao das comunidades

    pesqueiras (fbricas de gelo, obras nos atracadouros), alm de outros programas, como Pescando Letras, Telecentro

    Mar, Valorizao do Pescador Profissional (Registro Geral da Pesca/RGP). Diante do cenrio da pesca fluminense,

    apresentamos na Tabela I algumas observaes acerca destas aes.

    O Ibama e a Pesca

    Compete ao Ibama o gerenciamento pesqueiro das espcies em risco de extino e das sobre-explotadas ou ameaadas

    de sobre-explotao, estabelecidas por necessidade de definio pela IN Ibama n 05/04. Grande parte dos recursos

    pesqueiros, alvo de inmeras pescarias e algumas das principais espcies da fauna acompanhante esto relacionados

    nesta instruo normativa, o que concede ao Ibama a responsabilidade e poder de gerenciar a operao e rea de

    atuao de quase a totalidade22 das modalidades de pesca costeira existentes em nosso litoral.

    21 Centro Integrado para a Pesca Artesanal (CIPAR) e Terminal Pesqueiro Pblico (TPP)22 Destaca-se como exceo o Ordenamento de Atuns e Afins, que de responsabilidade da SEAP/PR.

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    Tabela I - Consideraes do setor acerca dos principais programas governamentais23

    Observamos, nestes ltimos anos, uma adequao das medidas do Ibama ao estabelecido no Artigo 187 da Constituio

    Federal, que define que toda poltica pesqueira seja planejada e executada com a participao efetiva do setor de

    produo. Esta adequao se desenvolve principalmente em planos de gesto de alguns recursos, ou pela abertura

    de representao do setor em diferentes comits e grupos de estudo. Esta nova postura bem-vista e valorizada pelo

    setor produtivo, que solicita, rotineiramente, pequenas adequaes na sua representatividade nestes comits e grupos

    de trabalho e na abrangncia da pauta pesqueira sobre outros temas, como o licenciamento de empreendimentos e

    atividades martimas, o controle de poluio e principalmente sobre a fiscalizao ambiental.

    23 Estes posicionamentos foram registrados a partir da participao dos autores em diferentes reunies com o setor, bem como divulgados

    na publicao do Saperj, a Revista Pesca e Mar.

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    27DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    Este ltimo tema um dos mais assinalados pelos pescadores, pesquisadores ou governo como a base estrutural para

    a reformulao da conscincia pesqueira, exigindo comprometimento poltico com a destinao de recursos para

    as atividades de fiscalizao especficas para o setor, adequao da legislao ambiental e pesqueira (atualmente

    desconhecidas ou ineficazes) e incentivo para a pesquisa pesqueira.

    PESCADORES FLUMINENSES E SUAS CONDIES DE TRABALHO

    A problemtica de conceituao e caracterizao do setor

    A pesca martima no Brasil pode ser classificada, segundo sua

    finalidade ou categoria econmica em:

    - Pesca amadora;

    - Pesca de subsistncia;

    - Pesca artesanal (ou de pequena escala); e

    - Pesca empresarial/industrial.

    A pesca amadora tem a finalidade de turismo, lazer ou desporto, e

    seus produtos no podem ser comercializados ou industrializados. A

    pesca de subsistncia visa obteno do alimento e praticada com

    tcnicas rudimentares, no tendo como objetivo a comercializao.

    A pesca artesanal aquela com o objetivo comercial, praticada comfinalidade de subsistncia e de comercializao, ou ainda realizada

    como atividade alternativa sazonal (Dias-Neto, 2002).

    Diegues (1983), por sua vez, faz uma caracterizao da atividade e

    de seus trabalhadores. Ele distingue a atividade pesqueira em:

    a) produo de autossubsistncia;

    b) produo realizada nos moldes da pequena

    produo mercantil; e

    c) produo capitalista.

    A produo realizada nos moldes da pequena produo mercantil

    engloba a produo dos pescadores-lavradores e a dos pescadores

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    artesanais. J na produo capitalista, o autor identifica outras duas formas de organizao, a produo dos armadores

    e a das empresas de pesca.

    Maldonado (1993) aponta que a diferena entre a pesca artesanal e a industrial, em pases cujas polticas pblicas

    enfatizam a pesca profissional - como o caso do Canad e pases escandinavos que os pescadores conseguem

    modernizar suas atividades, incorporando equipamentos eletrnicos e de segurana nutica, o que favorece a reduo

    da dicotomia pesca simples/pesca industrial, mantendo-a mais nas relaes sociais de produo do que no nvel

    tecnolgico das pescarias. J em pases asiticos e da Amrica Latina, as diferenas encontram-se nestes dois mbitos,

    o tecnolgico e o social, que assinalado pela autora como a medida catalisadora de conflitos na evoluo da pesca

    nestes pases.

    Apesar da frequente categorizao da pesca em artesanal e industrial, o que se observa que a atividade apresenta um

    dinamismo prprio, dificultando uma classificao precisa, tanto da atividade quanto dos trabalhadores nela envolvidos.

    Em funo deste cenrio, vrios atores tm optado por se referir atividade pesqueira como de pequena, mdia e

    grande escala. Cabe dizer, tambm, que no existe uma classificao ou lei que defina claramente caractersticas para a

    pesca artesanal e para a industrial. O que encontramos na legislao a classificao dos pescadores em profissionais,amadores ou cientficos, que podem atuar na pesca industrial ou artesanal.

    Quando se trata dos pescadores, mencionamos a classificao da SEAP/PR e da Previdncia Social. A Instruo Normativa

    03 (12/5/2004) (SEAP/PR), que dispe sobre o Registro Geral da Pesca (RGP), categoriza os pescadores profissionais em

    artesanais e industriais. Pescador Profissional a pessoa maior de 18 anos que faz da pesca sua profisso ou meio

    principal de vida, podendo atuar no setor pesqueiro industrial ou artesanal.

    Pescador Profissional Industrial: aquele que tem vnculo empregatcio e exerce sua atividade em embarcaes

    pesqueiras de armadores de pesca ou de indstrias.

    Pescador Profissional Artesanal: aquele que, com meios de produo prprios, exerce sua atividade de forma

    autnoma, individualmente ou em regime de economia familiar, ou com o auxlio eventual de parceiros, sem vnculoempregatcio.

    A Previdncia Social, alm dos aspectos mencionados, faz referncia embarcao. Caso o pescador artesanal utilize

    embarcao, esta dever ter at seis toneladas de arqueao bruta (TAB). Ainda que, com auxlio de parceiro, na

    condio exclusivamente de parceiro outorgado, utilize embarcao de at 10 TAB.

    Em termos sociolgicos e antropolgicos, encontramos uma vasta bibliografia acerca das prticas artesanais, enquanto

    os pescadores industriais, aparentemente, no tm sido objeto de estudo nesta rea do conhecimento. Uma possvel

    explicao que os pesquisadores das cincias humanas se dedicam, em grande medida, s prticas culturais das

    populaes tradicionais. Verificamos algumas referncias aos trabalhadores da pesca industrial nas publicaes

    referentes gesto dos recursos pesqueiros, realizadas, entre outros, por bilogos e eclogos. Este fato dificulta o

    entendimento das particularidades desse segmento profissional. Tendo em vista a importncia do tema, e para que

    possamos nos apropriar de elementos j existentes, tomaremos como fio condutor desta seo fundamentalmente as

    ideias propostas por Diegues (1983).

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    para firmas e, em menor escala, pelos atravessadores. Estes, em alguns casos, se apropriam de grande parte da rendados pescadores. A famlia, enquanto grupo social de trabalho, j no to representativa. Exigem-se conhecimentosespecializados (tripulao mais especializada) e as novas formas de partilha introduzidas (remunerao por partes

    sobre o valor da captura e os pescadores recebem em dinheiro) podem sugerir que nem sempre interessante terum parente como camarada. Assim, a igualdade social observada para os pescadores-lavradores j no existe mais napesca artesanal, podendo ou no o proprietrio dos meios de produo participar das pescarias.

    Para Diegues (1983) existem aspectos caracteristicamente relacionados pesca artesanal, entre eles, os conhecimentosadquiridos com a experincia e com histrias de gente mais experiente. Isto diferencia o saberfazer e a sabedoriadestes pescadores. A sabedoria no simplesmente saber usar/manusear os petrechos, mas, fundamentalmente,quando e onde utiliz-los. A amizade e o companheirismo so fundamentais enquanto elementos de coeso do grupoenvolvido na atividade, pois, alm de terem carteira de pescador e de estar associado a uma entidade representativade classe, ser pescador ter vocao e fazer parte de um grupo que domina os segredos do mar. O domnio da arteexige qualidades fsicas e intelectuais conseguidas somente com a experincia, como, por exemplo, conhecer as reasde pesca e saber lidar com os perigos do mar. Manter em segredo a localizao de um bom pesqueiro fundamentalpara guardar a propriedade do local de pesca. Dias-Neto et al. (2008) em pesquisa na Lagoa Feia (RJ) fazem algunscomentrios acerca do sigilo dos pesqueiros. No caso estudado, os pescadores so donos de um segredo legtimo, olocal de um pesqueiro. Portanto, tm o direito de proteg-lo, seja pelo silncio (omisso) ou pela dissimulao (mentira).Se a mentira literalmente o engano dos sentidos e o ato de dizer mentiras a induo ao erro, inventar histriasenganosas sobre onde, como e quanto se pescou, parece ter um sentido bastante peculiar. Os autores mencionam que,dentro da poltica do sigilo, o direito de mentir garantido.

    Diegues (1983) tambm identifica a pesca industrial como a produo capitalista dos armadores e das empresas de pesca.Em ambos os casos, eles visam converter o total da produo em mercadoria (Adams, 2000). Na produo capitalista dosarmadores26, as embarcaes so motorizadas, com maior autonomia e dispem, ainda, de equipamentos auxiliares pesca, como equipamentos para identificao dos cardumes. Isto exige algum treinamento formal para determinadasfunes. Os armadores so proprietrios das embarcaes e dos petrechos de pesca, e no participam de modo diretodo processo produtivo - funo que delegada ao mestre do barco. Entretanto, no Rio de Janeiro, em alguns casos, osarmadores participam do processo, seja na funo de mestre ou como responsvel pela descarga e comercializaodo pescado. Entre as diferentes atribuies dos pescadores, Diegues (1983) cita o motorista (responsvel pela casa demquinas); o cozinheiro (encarregado pela alimentao); os homens de convs (com responsabilidade pelas redes ecaptura propriamente dita) e o gelador.

    Conforme o autor, geralmente, o mestre proveniente da pesca artesanal e detm o conhecimento dos pesqueirosdo melhor momento de fazer um lance. Ele responsvel pela navegao (deve conhecer as cartas de navegao, asleis de trfego martimo e ler os smbolos dos equipamentos de navegao). A ele delegado o poder de gerenciar apescaria e, por conta disso, h um certo isolamento, sendo uma f igura quase mstica. Atualmente, o mestre deve possuircarteira de patro de pesca, obtida atravs de curso de capacitao a cargo da Marinha. O motorista responsvel pormanter o funcionamento do barco e sua funo considerada a segunda mais importante. O gelador cuida do bomandamento da conservao do pescado. O cozinheiro quem prepara as refeies. Os demais trabalhadores, os doconvs, so responsveis por lanar, recolher a rede e descarregar o pescado. Em alguns casos exige-se treinamento

    formal, contudo isso no substitui completamente o saber-fazer dos pescadores e, sobretudo, o do mestre. O sistemade remunerao se d por partes; entretanto, alguns cargos so remunerados por salrio.

    26 Os armadores de pesca podem ser pessoas fsicas ou jurdicas e podem ter uma ou mais embarcaes.

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    31DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    Na pesca industrial empresarial, a empresa proprietria das embarcaes e dos petrechos de pesca. A empresa

    geralmente est organizada em diversos setores e, em alguns casos, congrega as etapas de captura, beneficiamento e

    comercializao do pescado. As embarcaes dispem de mecanizao no s para deslocamento, mas tambm para o

    desenvolvimento das fainas de pesca, como o lanamento e recolhimento das redes. Ainda contam com equipamentos

    para localizar os cardumes e auxiliar na navegao27. Diegues (1983) ainda afirma que a mo-de-obra recrutada entre

    pescadores de pequena escala ou nos barcos de armadores (necessitando de treinamento especfico para a operao

    da maquinaria disponvel). Neste sentido, Adams (2000) refere-se a um estudo de 1979, em Santa Catarina, no qual a

    pesca embarcada garantia a continuidade da pesca artesanal, na medida em que o recurso obtido na pesca de grande

    escala era investido na pesca artesanal. Maldonado (1993) relata as experincias, frustraes e aprendizados de um

    mestre da pesca artesanal paraibano na pesca industrial da sardinha, entre So Paulo e Santa Catarina, na chamada

    pesca de portugus. Aponta que esta migrao/recrutamento de mo-de-obra compreendida pelos mestres

    artesanais como uma busca de novas tcnicas, novas experincias em novos mares, que termina por incorporar outras

    relaes sociais em sua comunidade.

    Os trabalhadores tambm so remunerados por partes (calculadas sobre o valor global da produo), apesar de

    ser comum o regime de salrio mensal ou semanal (salrio fixo) para as funes de motorista e cozinheiro, que noparticipam diretamente da captura de pescado. O percentual recebido depende de cada funo na embarcao. Pode

    variar conforme acordado entre patro e empregado e, tambm, conforme a modalidade de pesca. Para Diegues

    (1983), na equipe de trabalho das grandes embarcaes j no existe mais o grupo de companheiros, pois eles podem

    ser contratados de diferentes locais e no constituem um grupo permanente. Para alguns pescadores provenientes da

    pesca artesanal, estar na pesca de grande escala pode representar a desqualificao de sua profisso. Uma vez que o

    conhecimento emprico, que constitui o cerne do seu trabalho, substitudo pelos equipamentos, como aqueles que

    permitem a identificao de cardumes. H registros de que nos anos da introduo destes equipamentos (ecosonda e

    piloto automtico) alguns mestres os destruam com medo de serem substitudos por eles.

    A classificao feita por Diegues (1983), apesar de antiga, ainda utilizada inclusive como referncia nos documentos

    oficiais. Contudo, seria importante um esforo no sentido de verificar se atualmente ela ainda d conta das

    particularidades da pesca fluminense. Existem dados dos trabalhadores e das formas de operao, mas necessriosistematiz-los e/ou refor-los atravs de levantamentos da frota. Somente a partir do conhecimento e da reunio

    destas informaes seria possvel estabelecer critrios regionais que permitissem classificar a pesca artesanal e

    industrial e/ou de pequena, mdia e grande escala. As dificuldades de classificaes, por conta da escassez de

    informaes sistematizadas, resultam tambm na dificuldade de identificao das prioridades para o direcionamento

    das aes pblicas. O cenrio exposto nas prximas sees ilustrar a realidade fluminense, que refora a urgncia de

    aes direcionadas e em consonncia com as particularidades estaduais.

    Trabalhadores da Pesca no Rio de Janeiro

    Os dados do Recadastramento Nacional dos Pescadores do Brasil (SEAP/PR, 2006) indicaram que o Rio de Janeiro era

    o 10 estado com maior nmero de pescadores registrados no RGP, sendo 3,4% do nmero total de pescadores do

    Brasil28. Na regio Sudeste a concentrao de pescadores registrados no RGP est em So Paulo (16.167 pescadores

    27 Diegues (1983) afirma que o rdio passou a ser um instrumento de comunicao importante para controlar, por terra, o processo de

    captura. Contudo, atualmente, as embarcaes industriais esto equipadas com rastreadores por satlites.28 O Rio de Janeiro ficou atrs dos Estados do Par (77.133; 19,74%), Maranho (45.726; 11,70%), Bahia (36.851; 9,43%), Santa Catarina

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    ou 33,05%), seguido do Rio de Janeiro (13.305 pescadores ou 27,20%). Conforme a SEAP/PR (2006), so 11.064 homens

    (83,16%) e 2. 241 (16,84%) mulheres envolvidos na atividade no Estado do Rio de Janeiro (Figura 1). Dados mais recentes

    apresentados pela SEAP/PR, em Braslia, por ocasio da 2 Oficina de Trabalho para o Desenvolvimento do Plano

    Nacional de Monitoramento da Pesca, em 2008, demonstraram um total de 14.874 pescadores registrados no Rio de

    Janeiro.

    Figura 1

    Distribuio por regio dos pescadores ao longo do territrio brasileiro.

    Adaptao SEAP/PR (2006). Resultados do Recadastramento Nacional dos Pescadores do Brasil.

    A Fundao Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj) realizou um levantamento preliminar junto s colnias

    de pesca do estado e registrou aproximadamente 32.187 pescadores que estariam concentrados nas regies da Baa da

    Guanabara e Regio dos Lagos (Tabela II29) (SEAP/Ibama/Prozee, 2005). Entretanto, estima-se que existam cerca 60 mil

    pescadores no Estado do Rio de Janeiro, entre os trabalhadores no segmento artesanal e industrial; contudo, no h

    registros oficiais que confirmem estes nmeros.

    (24.922; 6,38%), Amazonas (22.760; 5,82%), Rio Grande do Norte (19.934; 5,10%), Rio Grande do Sul (16.467; 4,21%), So Paulo (16.167;

    4,14%), Cear (15.094; 3,86%).29

    Os dados da Fiperj foram levantados em 2008, atravs de contato telefnico com as lideranas das colnias de pescadores, querepresentam o setor artesanal. Cabe mencionar que h casos em que no h registros ou no foi possvel contatar o representante ou os

    mesmos no informaram o nmero de associados. Estes dados representam uma estimativa, pois de modo geral no existem informaes

    precisas acerca dos pescadores cadastrados.

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    33DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    Apesar dos esforos empreendidos pela SEAP/PR, no Rio de Janeiro, o trabalho de cadastramento e recadastramento

    dos pescadores ainda no est concludo. Isto se deve falta de recursos humanos da instituio e dificuldade de os

    pescadores acessarem o nico escritrio da SEAP/PR (por ele estar localizado na capital fluminense). Assim, parcerias

    institucionais poderiam auxiliar na ampliao do nmero de pescadores registrados junto a SEAP/PR. Outra questo

    que ainda dificulta o acesso ao RGP a falta de documentao bsica (RG e CPF) dos pescadores.

    A SEAP/PR (2006) divulgou informaes acerca da escolaridade dos pescadores brasileiros. A partir destes dados,observamos que a situao muito similar, a nvel nacional, inclusive naqueles estados que contam com maiores

    incentivos para a pesca, Santa Catarina e So Paulo, como pode ser observado na Tabela III.

    Tabela II - Estimativa do nmero de pescadores vinculados s colnias de pescadores do Estado do Rio de Janeiro.Informaes levantadas pela Fundao Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj), em 2008.

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    Este cenrio indica que os pescadores carecem de educao bsica, como a maioria da populao brasileira. Apesar

    de existirem programas de alfabetizao especficos, como o Programa Pescando Letras (SEAP/PR)/Brasil Alfabetizado

    com certa flexibilidade de horrios e intensificao da carga horria durante os perodos de defeso, estes no

    encontram pblico no grupo dos pescadores. Entre os principais limites temos que certas categorias de pescadorespassam semanas no mar. Outras, ao final de uma pescaria, precisam se dedicar a diferentes atividades, mesmo que seja

    o descanso ou lazer, e no dispem de tempo para uma rotina em sala de aula. Cabe mencionar tambm que ainda

    forte a expectativa de assistencialismo. No raro os pescadores terem expectativa de receber algum beneficio

    financeiro (bolsas) para se engajar em programas de cunho social. Carvalho e Callou (2008) observam que, o fato de o

    programa Pescando Letras estar ligado ao Programa Brasil Alfabetizado, faz com que os pescadores no distingam ou

    no privilegiem a proposta do Programa da SEAP/PR. Os autores ainda discutem que o Pescando Letras perde sentido

    quando h diferentes pblicos assistindo a um curso, pois a juno de dois programas poderia intimidar a participao

    dos pescadores em programas no especficos para a pesca. Para Carvalho e Callou (2008: 70), o resultado de tal juno

    s colabora com a no incluso educacional proposta pelo Pescando Letras, j que o cumprimento das exigncias

    formais no levado em considerao. O grau de instruo dos trabalhadores da pesca tem consequncia direta tanto

    nas condies de trabalho como no que concerne profissionalizao e legalizao da atividade.

    CONDIES DE TRABALHO NA PESCA FLUMINENSE

    Conforme a Organizao Internacional do Trabalho (OIT), a pesca se caracteriza por ser uma das profisses mais

    perigosas. Cerca de 24.000 pescadores e pessoas ligadas ao setor morrem a cada ano (Colucci e Souza, 2001). Por

    conta das condies de trabalho (muitos dias de mar, o reduzido espao de circulao, a falta de manuteno dos

    equipamentos e a realizao de movimentos repetitivos), os pescadores se envolvem em acidentes e podem desenvolver

    doenas ocupacionais (Santanal et al., 2006). Alm disso, as condies de instabilidade da atividade, tanto em termos

    sociais quanto materiais, se traduzem em um estado de tenso fsico e psquico permanentes, como apontam Pimenta

    e Vidal (2000).

    Tabela III - Grau de instruo baseado no nmero de pescadores, com Registro Geral da Pesca (RGP), nos Estados doRio de Janeiro, So Paulo e Santa Catarina. Fonte: Adaptao SEAP/PR (2006). Resultados do Recadastramento Nacionaldos Pescadores do Brasil.

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    35DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    Esses autores argumentam que o estresse relacionado com o trabalho na pesca um problema organizacional, no uma

    fragilidade do indivduo, sendo necessrio identificar e reduzir as principais causas desse estresse, atravs da melhoria

    da planificao do trabalho e das condies de vida a bordo, o que pode reduzir o risco de doenas relacionadas. Neste

    contexto, o lcool e outras drogas esto, em certa medida, incorporados cultura dos trabalhadores da pesca, uma

    vez que, conforme a anlise de Mariz (2003), o lcool d coragem e ajuda as pessoas a enfrentar as situaes de risco

    e de medo, assim como a religio. O lcool tambm um elemento de socializao, tanto em terra quanto quando

    embarcados. Entretanto, o uso de substncias que alteram os sentidos pode ampliar os riscos de acidentes quando

    embarcados.

    Vrios outros fatores podem levar os trabalhadores a sofrer injrias, como por exemplo, cortes e perfuraes devido

    utilizao de facas, redes, anzis; queimaduras pelos mecanismos de defesa dos animais marinhos; machucados por

    espinhos e dentes do pescado. Entre as doenas que os pescadores podem desenvolver, destacam-se a labirintite,

    dores de cabea, tonturas, insnias, problemas de viso e at mesmo cegueira por conta da radiao solar. A perda de

    audio, em funo dos rudos do motor, bem como desmaios e tonturas, por conta da inalao dos gases provenientes

    da queima de leo, tambm so frequentes (SEAP/PR, 2007). Devem-se mencionar os riscos ergonmicos resultantesde empurrar e lanar o barco no mar, tirar a rede, pegar a caixa de gelo do cho, carregar caixas de pescado, tambores

    de gua e gales de leo. Outras atividades como a confeco de redes, a limpeza de camares e o trabalho das

    descarnadeiras e desconchadeiras podem causar leses por esforo repetitivo (LER), conhecidas no passado como

    doenas de velho, por serem as pessoas mais velhas que se dedicavam a estas atividades (SEAP/PR, 2007).

    Com a reduo da qualidade ambiental da regio costeira e a consequente queda na produo, a presso por retorno

    financeiro levou as pequenas embarcaes, que geralmente atuavam prximo costa, a se deslocar para locais mais

    distantes. Isto significa dizer, em reas no autorizadas pelas Capitanias dos Portos, criando um cenrio ampliado

    de risco aos embarcados. Apesar das tecnologias atualmente disponveis, a maioria das embarcaes de pequeno

    porte no possui equipamentos fundamentais para a segurana do trabalho e do trabalhador, com exceo dos

    barcos maiores que contam com algum investimento dos proprietrios (armadores e empresas). Na pesca artesanal,os acidentes de trabalho acontecem por as embarcaes no possurem equipamentos de segurana e salvatagem

    (rdio-comunicador VHF, coletes salva-vidas, boias e sinalizadores) (SEAP, 2007), tambm pelo fato de os pescadores

    no estarem capacitados a utiliz-los e/ou consert-los.

    Outro fator que amplia as possibilidades de acidentes que a frota pesqueira antiga e no acompanhou a modernizao

    das normas de segurana do trabalho. Alm disso, comum as embarcaes terem passado por reformas em que

    mudaram sua estrutura para atender a uma pescaria diferente daquela para a qual foram originalmente construdas.

    Freitas (2000) assinala que no houve investimento no sentido de trocar as embarcaes mais antigas, de madeira,

    pelas de ao. O autor verificou que no Sudeste brasileiro, nos anos 1990, a idade mdia das embarcaes era de 21 anos,

    sendo, na sua maioria, de madeira. Estes dados so reforados ao observarmos a Tabela IV, que mostra o atual cenrio

    das embarcaes industriais associadas ao Saperj.

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    Tabela IV - Composio da frota vinculada ao Saperj.

    Fonte: Saperj (2008), Documento com colaboraes para adequao do PROFROTA.

    Pimenta e Vidal (2000) realizaram uma pesquisa na regio de Cabo Frio (RJ), entre 1995 e 1998, onde foram registrados,

    pela Estao Costeira Cabo Frio Rdio, 40 acidentes de trabalho. Na rea, a frota pesqueira composta, principalmente,

    por embarcaes de pequeno e mdio porte, apresentando uma minoria de barcos de grande porte ou industriais. Dos

    40 acidentes, seis (15%) ocorreram com embarcaes de capacidade maior ou igual a 20 TAB e 34 (85%) com barcos decapacidade inferior. O nmero de mortes e de feridos registrados foi de 34 em ambos os casos, com uma mdia de 10

    acidentes/ano.

    Ainda segundo o estudo de Pimenta e Vidal (2000), o tipo de acidente mais frequente (n=24, 60%,) foi relativo a

    problemas nas mquinas (motores, alternadores, bateria, falta de leo, perda de hlice etc.), evidenciando a falta de

    manuteno dos equipamentos. Os naufrgios (n=3) e emborcamentos (n=3) (7,5%) totalizaram, respectivamente,

    12 e 20 feridos e 7 e 12 mortes. Os albaroamentos (n=2), encalhes (n=2), desaparecimentos (n=2) e derivas (n=2) de

    embarcaes ocuparam o terceiro lugar em nmero de ocorrncias (5%). A queda de um pescador na gua e o ferimento

    de um tripulante teve uma ocorrncia cada, a frequncia foi de 2,5%, sendo que as duas pessoas morreram. No que

    diz respeito ao nmero de feridos e mortes em cada tipo de acidente, esta pesquisa mostrou que os albaroamentos

    tiveram cinco feridos; os encalhes perfizeram dois feridos e duas mortes; os desaparecimentos contabilizaram 10

    mortes e os barcos que ficaram deriva resultaram na morte de um tripulante. Entre as causas de cada modalidade deacidente, os autores apontam para as ms condies climticas e do mar (naufrgios); falta de estabilidade do barco

    ocasionada, em sua maioria, por transformaes das embarcaes de uma arte de pesca para outra (emborcamentos e

    desaparecimento de embarcao), navegar na rota da frota da Marinha Mercante e no possurem equipamentos como

    refrator de radar e rdio a bordo (albaroamento); a problemas tcnicos, condies climticas desfavorveis e deriva em

    local inadequado.

    A qualificao profissional o melhor caminho para reduzir os acidentes de trabalho, contribuindo tambm para a

    formalizao e profissionalizao do setor. Pimenta e Vidal (2000) apontam para o fato de muitos acreditarem que

    os acidentes da pesca so inerentes atividade, concepo esta que deve ser re-elaborada, trocando a posio de

    indiferena para a de formao em seguridade. Atualmente, existem normas que deveriam ser seguidas e opes de

    qualificao profissional. Muitos dos cursos oferecidos e exigidos, como os da Marinha, exigem primeiro grau completo,

    acabando por no possibilitar que o pescador tenha acesso documentao necessria para o exerccio da atividade,

    e continue assim na ilegalidade. A formao, a capacitao e a atualizao dos pescadores em relao s condies

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    Alm disso, j em 1998, durante o I Encontro Nacional sobre Segurana e Sade na Atividade Pesqueira (Cabo Frio), o ex-

    presidente do Saperj, Sr. Igncio Balthazar do Couto, declarou: 1) Todos os barcos deveriam ser cadastrados e identificados.

    Precisamos saber quantos somos e quem somos; 2) A par tir do momento que exista registro e cadastramento, poder existir

    uma fiscalizao real, eficiente e saneadora. Com isso, conseguiremos tirar a pesca da clandestinidade. No momento o mar

    um grande cameldromo; 3) necessrio facilitar a matrcula do pescador para acabar com a clandestinidade; 4) urgente

    uma parceria confiante, transparente, franca e honesta entre as autoridades e a atividade pesqueira. Somos cidados

    conscientes de novos deveres e de nossos direitos. Temos responsabilidade social. preciso um dilogo permanente entre a

    atividade pesqueira, a Marinha e todas as autoridades governamentais. S assim poderemos tirar a pesca da clandestinidade

    (Couto, 2000:131).

    As demandas do setor para a melhoria das condies de trabalho na pesca, seja ela artesanal ou industrial, so antigas,

    contudo, permanecem bastante atuais, indicando que apesar dos esforos implementados o cenrio no apresentou

    melhorias significativas. Cabe dizer tambm que os trabalhadores da pesca foram sendo incorporados a programas

    sociais especficos, como as protees trabalhistas e o seguro-desemprego, os quais sero analisados na seo

    seguinte.

    DIREITOS E BENEFCIOS SOCIAIS DOS PESCADORES PROFISSIONAIS

    Benefcios previdencirios

    Entre os benefcios da Previdncia Social podemos citar aqueles referentes a aposentaria, auxlios maternidade,

    doena, acidente, penso por morte, entre outros, concedidos pelo Ministrio da Previdncia e Assistncia Social

    (MPAS). Existem particularidades conforme a categoria qual pertencem os pescadores. De acordo com a legislao

    previdenciria os segurados so classificados como obrigatrios ou facultativos. Os obrigatrios so as pessoas fsicas

    que trabalham como empregado, empregado domstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e seguradoespecial. Os facultativos so aqueles que se filiam Previdncia Social por vontade prpria. O contribuinte individual

    presta servios de natureza urbana ou rural, em carter eventual, a uma ou mais empresas, sem relao de emprego,

    ou, exerce, por conta prpria, atividade econmica remunerada de natureza urbana, com fins lucrativos ou no. O

    segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatrio rural, o pescador artesanal e o assemelhado,

    que exeram essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxlio eventual

    de terceiros, bem como seus respectivos cnjuges ou companheiros e filhos maiores de 16 anos de idade ou a eles

    equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

    Garrone-Neto et al. (2005) afirmam que os profissionais da pesca se dividem em quatro categorias: o empresrio

    empregador, o empregado, o pescador artesanal e o cooperado. preciso que o empregado tenha a Carteira de

    Trabalho e Previdncia Social (CTPS) assinada e sua contribuio feita pela empresa onde trabalha; o empresrio e

    o cooperado recolhem para a Previdncia Social como contribuintes individuais. O pescador artesanal consideradosegurado especial, contribuindo para a previdncia conforme a comercializao do seu produto, e o pescador industrial

    se enquadra como empregado regido pela Consolidao das Leis do Trabalho (CLT).

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    39DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    PESCADOR ARTESANAL ENQUANTO SEGURADO ESPECIAL

    Os documentos legais que orientam a questo dos direitos e benefcios dos pescadores artesanais so: a Lei Federal

    8.213 (24/07/1991), a Lei Federal 8.212 (24/07/1991) alterada pela Lei Federal 11.718 (20/06/2008), o Decreto Federal 3.048

    (06/05/1999) e a Instruo Normativa 95 (07/10/2003).

    Pelo Decreto 3.048/99, que regulamenta os Benefcios de Previdncia e Assistncia Social, considera-se pescador

    artesanal31 aquele que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, fazendo da pesca

    sua profisso habitual ou meio de vida, respeitando os critrios de utilizar embarcao. Caso utilize embarcao, esta

    dever ter arqueao bruta de at seis toneladas de arqueao bruta (TAB), ainda que com auxlio de parceiro. Na

    condio exclusivamente de parceiro outorgado, utilize embarcao de at 10 TAB. O pescador que trabalha em regime

    de parceria, meao ou arrendamento em embarcao maior a 6 TAB classificado como contribuinte individual. A Lei

    11.718 (2008) apresentou alguns avanos no que diz respeito possibilidade de contratao de pessoal para auxiliar

    no trabalho familiar, que antes no estava previsto: O grupo familiar poder utilizar-se de empregados contratados

    por prazo determinado (...) em pocas de safra, razo de, no mximo, 120 (cento e vinte) pessoas/dia no ano civil, em

    perodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho.

    Tendo em vista que para fins da legislao a atividade se realiza nos moldes da economia familiar, todos os membros

    da famlia do pescador so registrados sob um nico cadastro (Cadastro Especfico do INSS ou matrcula CEI) ou ainda

    pelo Nmero de Inscrio do Trabalhador (NIT). Para realizar este registro os pescadores devem apresentar a carteira

    de identidade e o CPF.

    A caracterstica deste grupo de segurados que suas contribuies sero mais uma forma de comprovar a atividade,

    para fins da sua aposentadoria, do que propriamente a base de clculo para o recebimento dos benefcios. De modo

    geral, os benefcios previdencirios so da ordem de um salrio mnimo e a carncia de um ano. O segurado especialdeve contribuir baseado na comercializao do seu produto. Conforme o montante comercializado, h um percentual

    de 2,3%32 que deve ser pago no banco atravs de formulrio especf ico. O valor mnimo aceito pelas agncias bancrias

    de R$ 29,00. Isto significa que o segurado especial deve comercializar em torno de R$ 1.265,00 por ms para poder

    pagar a referida taxa bancria. Contudo, em inmeros casos, o segurado especial no consegue comercializar este

    montante durante o ms. Assim, as contribuies no precisam ser mensais, mas cumulativas at perfazerem o valor

    mnimo de recebimento.

    31 Conforme a Lei 11.718 (20/06/2008), a definio legal de segurado especial a pessoa fsica residente no imvel rural ou em aglomerado

    urbano ou rural prximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxlio eventual de terceiros a ttulo

    de mtua colaborao, na condio de: (...) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faa da pesca profisso habitual ou principal

    meio de vida; e cnjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado (...) que,

    comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.32 Deste percentual, 2,0% so direcionados para a Seguridade Social; 0,1% da receita bruta proveniente da comercializao destinado

    para o financiamento dos benefcios em razo do grau de incidncia de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do

    trabalho (SAT); e, 0,2% para o Senar (Servio Nacional de Aprendizagem Rural).

  • 8/14/2019 Diagnstico Pesca Maritima Comercial Rio de Janeiro

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    O pescador precisa comprovar sua atividade para fazer jus aos benefcios, especialmente no caso da aposentaria. Esta

    comprovao pode ser realizada inclusive atravs de documentos que j perderam a validade. Por isso, fundamental

    guardar documentos e carteiras antigos, pois iro comprovar que o pescador exerceu a atividade no perodo. Alm

    destes documentos para fim da aposentadoria, para os demais benefcios previdencirios outros documentos tambm

    so aceitos, tais como:

    a) declarao fundamentada de colnia de pescadores;

    b) bloco de notas do produtor rural;

    c) notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produo, com indicao do

    nome do segurado como vendedor;

    d) comprovantes de recolhimento de contribuio Previdncia Social decorrentes da comercializao da

    produo.

    PESCADORES PROFISSIONAIS INDUSTRIAIS

    Por no atenderem os requisitos caractersticos de pescadores artesanais, os demais pescadores profissionais so

    automaticamente classificados como pescadores industriais, usufruindo alguns benefcios e direitos. Estes profissionais

    se enquadram como empregados regidos pela Consolidao das Leis do Trabalho (CLT). Na pesca, os contratos de

    trabalho so divididos em Vnculo Empregatcio e Contrato de Parceria.

    O Vnculo Empregatcio firmado entre alguns armadores/indstria com alguns funcionrios de terra, denominados

    encarregados, que so responsveis pelo apoio logstico de suprimentos para a embarcao, pela formao de

    equipe de trabalho e pelo acompanhamento: da descarga, manuteno, higienizao, abastecimento e despachoda embarcao. O Contrato de Parceria firmado principalmente com a tripulao embarcada, sempre de maneira

    complementar anotao da Carteira de Trabalho e da Previdncia Social (CTPS), respeitando todos os direitos

    decorrentes. Normalmente, os pescadores entram apenas com sua fora de trabalho, conhecimento e experincia,

    no participando ativamente da administrao das despesas de armao da embarcao, salvo algumas excees

    concedidas ao patro-de-pesca (mestre da embarcao) ou cozinheiro para a compra do rancho, montagem de

    equipamento e escolha de alguns fornecedores de insumos.

    Os principais direitos dos pescadores profissionais com o vnculo de emprego so que apresentam CTPS anotada e

    assinada e registro, na forma da CLT; remunerao mnima conforme estabelecido na Conveno Coletiva de Trabalho;

    13 salrio; frias anuais remuneradas de 30 dias acrescidas de 1/3; alimentao na embarcao; seguro contra acidentes

    pessoais e FGTS, praticamente como os demais trabalhadores abrangidos pela CLT.

  • 8/14/2019 Diagnstico Pesca Maritima Comercial Rio de Janeiro

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    41DIAGNSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DA PESCA MARTIMA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    SEGURO-DESEMPREGO

    O seguro-desemprego um benefcio integrante da seguridade social para os trabalhadores formais e tem por

    finalidade promover a assistncia financeira temporria ao trabalhador desempregado, em virtude da dispensa sem

    justa causa. O valor varia com a faixa salarial e pode ser pago em at cinco parcelas, dependendo da situao do

    beneficirio. Na pesca, o pescador artesanal tem direito a uma modalidade especial de seguro-desemprego, que

    o seguro-defeso33, enquanto os profissionais da pesca industrial tm direito ao seguro-desemprego, nos moldes do

    trabalhador formal.

    No caso dos pescadores artesanais, o seguro-defeso (Lei 10.779 de 25/11/2003) ou simplesmente defeso, est

    diretamente associado aos perodos em que determinadas espcies esto mais vulnerveis, os quais so estabelecidos

    pelo Ibama atrav