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1 DIAGNÓSTICO DAS POTENCIALIDADES PRODUTIVAS NO ASSENTAMENTO RURAL 17 DE ABRIL EM TERESINA –PI. Adílson de Apiaim Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ [email protected] Waldirene Alves Lopes da Silva Universidade Estadual do Piauí - UESP / São Raimundo Nonato [email protected] Resumo Elencamos para discussão aqui, o assentamento 17 de Abril pelo fato de convivermos já a alguns anos com a comunidade do mesmo e pelo interesse em Compreender como se dá a relação entre as potencialidades produtivas locais e o desenvolvimento daquele assentamento, o que constitui nosso objetivo geral. Considerando o objeto de estudo, estabelecemos a observação e aplicação de formulários de roteiro de entrevista com questões abertas como procedimento de coleta basilar e de suporte à pesquisa de campo. Com isso, atingimos a elaboração de dois quadros que sintetizam o perfil das atividades produtivas realizadas atualmente e, um perfil das potencialidades mediante o olhar do (a)s assentado (a)s deste assentamento. Palavras-chavs: Assentamentos. Produção. Potencialidades. Introdução Esta pesquisa resulta da realização de uma aula em campo por ocasião da disciplina Tópicos em Geografia Agrária realizada em 2011.2 pelo Curso de Doutorado em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. Esta consistiu, basicamente, na oportunização de um debate sobre o espaço rural piauiense por meio da metodologia de trabalho de campo. O roteiro foi proposto e encaminhado operacionalmente por uma comissão discente apoiada pelos docentes ministrantes, visando atingir espaços e situações que pudessem ilustrar o cenário e contexto, ou contextos, que manifestam a realidade do meio rural piauiense. Diante disso, elencamos para discussão aqui o assentamento 17 de Abril (enquanto segmento desse roteiro) pelo fato de convivermos já a alguns anos com a comunidade do mesmo e pelo interesse em Compreender como se dá a relação entre as potencialidades produtivas locais e o desenvolvimento daquele assentamento, o que constitui nosso objetivo geral. Para atingirmos este objetivo geral estabelecemos objetivos específicos quais sejam: Identificar o(s) espaço(s) da produção já consolidados no Assentamento 17 de abril; Levantar potencialidades locais considerando a avaliação dos assentados (as) e detectar

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DIAGNÓSTICO DAS POTENCIALIDADES PRODUTIVAS NO ASSENTAMENTO RURAL 17 DE ABRIL EM TERESINA –PI.

Adílson de Apiaim

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ [email protected]

Waldirene Alves Lopes da Silva

Universidade Estadual do Piauí - UESP / São Raimundo Nonato [email protected]

Resumo Elencamos para discussão aqui, o assentamento 17 de Abril pelo fato de convivermos já a alguns anos com a comunidade do mesmo e pelo interesse em Compreender como se dá a relação entre as potencialidades produtivas locais e o desenvolvimento daquele assentamento, o que constitui nosso objetivo geral. Considerando o objeto de estudo, estabelecemos a observação e aplicação de formulários de roteiro de entrevista com questões abertas como procedimento de coleta basilar e de suporte à pesquisa de campo. Com isso, atingimos a elaboração de dois quadros que sintetizam o perfil das atividades produtivas realizadas atualmente e, um perfil das potencialidades mediante o olhar do (a)s assentado (a)s deste assentamento. Palavras-chavs: Assentamentos. Produção. Potencialidades.

Introdução

Esta pesquisa resulta da realização de uma aula em campo por ocasião da disciplina

Tópicos em Geografia Agrária realizada em 2011.2 pelo Curso de Doutorado em

Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. Esta consistiu, basicamente, na

oportunização de um debate sobre o espaço rural piauiense por meio da metodologia de

trabalho de campo. O roteiro foi proposto e encaminhado operacionalmente por uma

comissão discente apoiada pelos docentes ministrantes, visando atingir espaços e

situações que pudessem ilustrar o cenário e contexto, ou contextos, que manifestam a

realidade do meio rural piauiense. Diante disso, elencamos para discussão aqui o

assentamento 17 de Abril (enquanto segmento desse roteiro) pelo fato de convivermos

já a alguns anos com a comunidade do mesmo e pelo interesse em Compreender como

se dá a relação entre as potencialidades produtivas locais e o desenvolvimento daquele

assentamento, o que constitui nosso objetivo geral.

Para atingirmos este objetivo geral estabelecemos objetivos específicos quais sejam:

Identificar o(s) espaço(s) da produção já consolidados no Assentamento 17 de abril;

Levantar potencialidades locais considerando a avaliação dos assentados (as) e detectar

2

como a comunidade local associa seus potenciais ao desenvolvimento do assentamento

em suas várias dimensões.

A convivência com a comunidade assentada e suas rotinas nos traz a condição de

levantar considerações sobre a realidade da dinâmica deste espaço, entretanto, Seabra

(2001.p.13) diz que,

O conhecimento é o meio pelo qual se descobre a natureza dos fenômenos pela manifestação de suas aparências, que são captadas mediante o emprego de instrumentos e pelos sentidos do homem, segundo a sua maior ou menor capacidade para perceber o real.

O que nos remete à necessidade constante de buscar a essência dos acontecimentos, o

conhecimento da realidade e seus significados trabalhados em dois níveis: o de senso

comum e o de senso crítico em que estaremos lidando, como matéria, com a aparência e

com a essência respectivamente. Com isso, uma pesquisa precisa ser feita de maneira

sistemática usando métodos e técnicas apropriadas. Gonsalves (2005) chama a atenção

para o fato de que uma pesquisa pode ser classificada segundo critérios variados

conforme os objetivos, os procedimentos de coleta, as fontes de informação ou ainda, a

natureza dos dados.

Diante dos objetivos propostos, entendemos que este estudo apresenta duas

características predominantes: exploratória e explicativa. Pois, respectivamente,

buscamos o esclarecimento de idéias para construção de um panorama sobre a

comunidade e a detecção dos fatores que dão suporte ao panorama apresentado.

Considerando o objeto de estudo, estabelecemos a observação e aplicação de

formulários de roteiro de entrevista com questões abertas como procedimento de coleta

basilar e de suporte à pesquisa de campo a qual, Cruz Neto (1994) aborda enfatizando a

importância para a pesquisa científica enquanto recorte espacial que evidencia uma

dinâmica de interação social e que, demanda também uma construção teórica. Esta terá

como sujeitos de pesquisa as lideranças locais incluindo aí 50% dos representantes dos

Núcleos Familiares do Assentamento a serem entrevistados.

Estes enfoques serão trabalhados sempre em diálogo com a literatura específica

disponível caracterizando assim, a revisão bibliográfica sobre desenvolvimento,

assentamentos rurais e pequena produção no campo dentre outros temas e conceitos a

serem discutidos. Este, é um procedimento importante que põe o pesquisador em

3

contato com o que já foi produzido a cerca do tema em questão como lembra Gonsalves

(2005).

O conceito de campesinato evoluiu desde a sua consideração como segmento social

integrado por unidades domésticas de produção e consumo até a conceituação

agroecológica atual e, mostra-se como uma forma de se relacionar com a natureza

considerando-se parte dela, num processo de coevolução que configura um modo de uso

ou de manejo dos recursos naturais de natureza sócioambiental.

Discutir a agricultura é mais que definir o camponês, o agricultor familiar ou o pequeno

produtor de mercadorias. Seria pensar em camponeidade e seus graus diante da

dinâmica do capitalismo posto que, o campesinato nunca deixou de existir e, atua

configurando espaços.

Grynszpan apud Motta (2010), lembra o campesinato como uma identidade construída e

redefinida em função de fatores diversos, de contextos históricos, sociais, culturais e

mesmo do trabalho de representação de atores políticos como organizações e lideranças

aplicando-se aos trabalhadores rurais logo, camponeses, em geral nas suas diversas

categorias desde os pequenos proprietários até os assalariados. Os quais, em nosso

entendimento, não se apresentarão em categorias estáticas mas, podendo caracterizar

um contexto em que as categorias interagem, complementam-se e coexistem em uma

mesma família ou indivíduo. Pois, a agricultura familiar corresponde a formas de

organização da produção em que a família é, ao mesmo tempo, proprietária dos meios

de produção e executora das atividades produtivas envolvendo assim, especificidades na

forma de gestão do estabelecimento (NEVES apud MOTTA, 2010. p. 25).

Considerando Carneiro (1999), sobre a idéia de classificar, não existe estruturação mais

verdadeira que outra, tratando-se de alternativas pautadas em determinados interesses e

ideologias que orientam o olhar sobre a realidade.

Dessa forma, entendemos o tempo e o espaço enquanto variáveis-chave na evolução da

agricultura e no entendimento da dinâmica que envolve seus sujeitos ante seus

respectivos contextos locais (como as identidades) e globais (como o capitalismo).

Carneiro (1999), traz o debate quanto à incorporação de atividades não agrícolas à

dinâmica da agricultura familiar com a noção de pluriatividade. O mundo rural

brasileiro em seu complexo processo de transformação materializa uma heterogeneidade

de formas de organização social e de produção onde o núcleo familiar dá sentido de

orientação às relações sociais. A análise da unidade familiar de produção agrícola

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demanda dois aspectos a serem observados: as relações entre os indivíduos e os valores

que dão sentido a tais relações sendo estes acionados na formulação das estratégias

familiares.

Assim, classifica as unidades familiares agrícolas partindo dos princípios que orientam

sua reprodução social:

Família agrícola de caráter empresarial com a produção orientada para o mercado;

Família camponesa: centrada em manter a família em determinadas condições culturais

e sociais mantendo a propriedade familiar e a exploração agrícola e, a Família agrícola

rururbana que caracteriza-se pela capacidade de gerar coletivamente o capital

econômico, e social e cultural visando a reprodução biológica e social dos indivíduos.

Cabe citar aqui, outros tipos de famílias rurais relacionadas com a propriedade mas que

não apresentam um trabalho familiar ou pautado na atividade agrícola como os neo-

rurais e os recém assentados rurais de origem urbana. Os primeiros, atuantes com

atividades agrícolas ou não e, sem uma tradição baseada na atividade agrícola são

regidos pela exploração econômica da propriedade (produtiva ou de serviço) com uso de

mão-de-obra assalariada onde o proprietário é um administrador (GIULIANNI, 1990

apud CARNEIRO, 1999). Para os últimos, a relação com a terra se dá como alternativa

às restrições do mercado de trabalho urbano e às limitações à sobrevivência na cidade

(ALENTEJANO, 1997 apud CARNEIRO,1999).

Chamamos a atenção, no sentido de que as categorias de agricultores familiares podem

ainda ser entendidas partindo das estratégias familiares aplicadas, as quais se relacionam

com a atividade agrícola e com o patrimônio familiar significando trajetórias

ascendentes ou descendentes. Dois tipos se destacam: aquelas que investem na

manutenção da atividade agrícola como principal e, aquelas que reorientam o uso da

propriedade e da mão-de-obra familiar para outros setores secundarizando a atividade

agrícola Carneiro (1999).

A secundarização das atividades agrícolas manifesta-se basicamente em três estratégias:

1. Manter a propriedade como reserva de valor ou bem simbólico onde a pluriatividade

preserva a exploração agrícola. Aqui a motivação se dá com a busca em manter uma

identidade social e manter o patrimônio familiar. 2. Investir na formação educacional

dos filhos, visando sua inserção no mercado de trabalho é uma estratégia que atinge

principalmente os jovens e pode levar ao abandono da exploração familiar pela ausência

de sucessores ao chefe da unidade de produção. 3. Diversificação do investimento

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econômico para setores mais rentáveis como o comércio ou prestação de serviços,

podendo levar ao abandono da atividade produtiva.

Os elementos acima destacados nos remetem ao debate levantado por Costa (2011) ao

falar da multiterritorialidade sendo esta,

(...) antes de tudo, a forma dominante, contemporânea ou “pós-moderna” da reterritorialização, a que muitos autores, equivocadamente, denominam desterritorialização. Ela é consequência direta da predominância, especialmente no âmbito do chamado capitalismo pós-fordista ou de acumulação flexível, de relações sociais construídas através de territórios-rede, sobrepostos e descontínuos, e não mais de territórios-zona, que marcaram aquilo que podemos denominar modernidade clássica territorial-estatal.(COSTA, 2011.p.338)

Lembra que as formas antigas coexistem com as novas modalidades de organização

territorial. Isto se dá diante do fato de, ao longo da diversidade de concepções quanto ao

território, estas abrigarem algum elemento que direciona ao entendimento de

territorialização enquanto mediações espaciais do poder, desde o sentido concreto ao

simbólico. O homem é um ser territorial e o seu contexto geográfico somado ao seu

momento histórico, configuram o seu território desde o nível físico-biológico ao

imaterial-simbólico. O território é dinâmico e multidimensional além de multiescalar.

Haesbaert (2002) apud Costa (2011), diferencia a multiplicidade de territorializações

concomitantes no globo em quatro modalidades: Territorializações mais fechadas

(uniterritoriais); Territorializações tradicionais (pautadas em uma lógica de

homogeneidade interna); Territorializações flexíveis (admitem sobreposições e

multifuncionalidade territorial além de intercalação de territórios) e Territorializações

efetivamente múltiplas (resultantes de sobreposição/combinação de controles, funções e

simbolizações).

Entendemos aqui que, mesmo que estas modalidades não se manifestem de forma

excludente devemos ter o olhar direcionado em especial, para as noções que tratam

sobre Territorializações flexíveis e Territorializações efetivamente múltiplas na

configuração da multiterritorialidade associada à noção de pluriatividade no campo

brasileiro.

O autor supra-citado indica como condições para que a multiterritorialidade se

concretize: maior diversidade territorial, grande disponibilidade/acessibilidade a redes-

conexões tanto por mobilidade concreta quanto virtual e, por isso, destaca as grandes

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metrópoles como exemplo de lócus. Entretanto, o campo brasileiro, teria, em algumas

situações alcançado características aproximadamente similares à este perfil. Em escalas

e intensidades diferentes por certo mas, a lembrança da produção de uvas em Petrolina-

PE e em São João do Piauí, da produção de soja no cerrado piauiense dentre outros,

coexistindo com agricultores familiares e assentamentos rurais da Reforma Agrária nos

indicam uma relação espaço-agricultura-sociedade pautada efetivamente no contexto da

multiterritorialidade e da pluriatividade da terra trazendo assim, outras configurações

espaciais ao campo brasileiro bem como à sua produção e aos seus sujeitos.

A constituição do Assentamento 17 de abril. Trabalho patrícia.

Este assentamento é resultado de um processo de ocupação concebido por ação do

Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Tal processo iniciou-se com a

sensibilização de famílias que viviam na região apenas como empregados dos donos de

chácaras, sítios e fazendas mas, principalmente por moradores da periferia sul de

Teresina para ingressarem no MST e realizar a ocupação, a qual se deu margeando a BR

343 entre Teresina e Demerval Lobão em um trecho que fora avaliado pelo Movimento,

apesar de alguns aspectos naturais que implicariam em dificuldades, como favorável à

instalação dos barracos que abrigaram em torno de 500 famílias.

Uma vez levantados os barracos para abrigo, outras dificuldades passaram a se mostrar

como: a segurança daquele grupo conforme a situação de incêndio que destruiu 70%

dos barracos e que permanece até os dias atuais, sem um parecer oficial quanto à origem

do mesmo (se acidental ou criminosa) e, ainda, o acesso à água com ocorrência

superficial não disponível apesar de ser uma região que tem grande ocorrência de

pequenos riachos.

É uma área com mata de cocais e um relevo que apresenta morros porém sem desníveis

abruptos e com oferta hídrica suficiente para suportar cultivo de fruteiras como caju,

manga e banana, além do trabalho com horticultura, rebanhos ovino e bovino.

Estas e outras condições de precariedade no cotidiano dos acampados resultou em forte

mobilização social contribuindo para que as instituições através do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), regularizasse a condição dos acampados com

a criação do assentamento em 2005.

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A ausência do acesso à água enquanto bem vital, levou as famílias à organização de

manifestações que culminaram com o fechamento da BR em 2004 até que a questão

fosse solucionada com a perfuração de poços.

A partir deste acontecimento, a área total do referido assentamento que atinge 1.014 ha

distribuídos em formato de agrovilas, com núcleos familiares compostos em média de

10 famílias (Núcleo Familiar) distribuídos em ruas, cada uma com um lote de 30m x

100m, passou a desenvolver-se. Desenvolvimento este, conduzido em uma formação e

organização política da comunidade que é materializada a partir dos núcleos onde se

escolhe coordenadores por setores: educação, comunicação, formação, direitos

humanos, gênero, finanças, agricultura e produção tendo sido os representantes deste

último, o segmento entrevistado em 50% (4 pessoas) do total (8 pessoas).

Todos os entrevistados participaram efetivamente da constituição do acampamento na

BR 343 em 2004 e, apontaram como dificuldades principais naquela ocasião o acesso à

água (amenizado com a liberação do acesso a um chafariz da U. E. Manoel Nogueira

localizado bem próximo do local do acampamento) e, à alimentação o que era

minimizado com o apoio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA) que distribuía cestas básicas para as famílias acampadas e também com a

horta construída coletivamente pelos acampados para consumo interno. Estes foram

momentos primeiros do processo que gerou a atual configuração do Assentamento 17

de Abril no entorno de Teresina – Pi.

Andrade (?) relata a constituição histórica deste assentamento enquanto “rito de

passagem” onde se tem, como pontos estruturantes deste processo, a ocupação das terras

da então Fazenda Junco com uma área de 1.886 ha e a regularização da área

desapropriada para a categoria de assentamento rural em 2005. Destaca que a

mobilização conduzida pelo MST deu-se com trabalhadores desempregados da periferia

urbana de Teresina principalmente da zona sul e que das 500 famílias participantes da

ocupação, a área regularizada abrigou 78 tendo sido as demais distribuídas por outros

assentamentos.

Do período da regularização em 2005 aos dias atuais, a dinâmica social e espacial

assumiu feições variadas. Principalmente considerando que, inicialmente, as famílias

receberam os lotes apenas como espaço para residir, ou seja, sem nenhuma

infraestrutura de água, energia elétrica etc. já que, as casas que hoje estão levantadas são

resultado de parceria entre INCRA e Caixa Econômica Federal (CEF) e foram

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construídas em etapas. Com isso, as famílias, permaneceram dependentes inclusive, do

recebimento de cestas básicas fornecidas pelo INCRA o que aconteceu apenas por 6

meses.

Findado este período deveria ser repassado pelo INCRA, o recurso do auxilio fomento

que é federal para que fossem desenvolvidas as primeiras atividades produtivas,

entretanto, este recurso permanece sem liberação até o momento atual. Assim, pequenas

roças e criações foram começadas por aqueles que conseguiam sustentar tais atividades

enquanto outros, passaram a buscar fonte de renda no trabalho assalariado ou com

prestação de pequenos serviços em Teresina, nas empresas de alimentos e clubes

existentes nas imediações e no comercio informal. A implementação da Unidade

Escolar Lucas Meirelles em 2008 representou um novo espaço de fonte de renda, pois,

à medida em que os assentado(a)s vêm adquirindo formação, são incorporados no

quadro da mesma a partir de uma parceria com o Governo do Estado/Secretaria

Estadual de Educação desde a sua fundação.

A configuração atual do Assentamento 17 de abril.

Os acontecimentos dados no Assentamento 17 de Abril entre 2004 e 2005 , construíram

uma determinada configuração naquele território, configuração que continua a ser

construída diante da dinâmica inerente ao espaço e ao contexto em que os grupos sociais

se desenvolvem.

Santos (2002) indica que o espaço pode adquirir várias leituras, entretanto, se atém ao

espaço humano ou social, o qual contém ou é contido por toda a diversidade já citada.

Afirma, ainda, que há grandes dificuldades para a definição do espaço humano por este

representar a morada, o lugar de vida e trabalho do homem. Além de demonstrar que as

definições sobre o mesmo não podem ser imutáveis, fixas, eternas. Nesse sentido, este

autor, afirma que o espaço pode ser conceituado a partir da sua dimensão universal

(definições de acordo com a conjuntura científica) e da dimensão histórica (a

significação dos objetos, seu conteúdo e suas relações), interagindo e sendo antecedido

pela idéia de lugar, ou seja, pela porção discreta de espaço total.

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O espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante de nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções. O espaço é, então, um verdadeiro campo de forças cuja aceleração é desigual. Daí porque a evolução espacial não se faz de forma idêntica em todos os lugares. (SANTOS, 2002. p. 153).

Entretanto, esse espaço demanda uma organização viabilizada por meio de um conjunto

de práticas que cria, mantém, desfaz e refaz as formas e interações espaciais. São as

práticas espaciais, isto é, um conjunto de ações espacialmente localizadas que impactam

diretamente sobre o espaço, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o em suas

formas e interações espaciais.

De acordo com Corrêa (2009) as práticas espaciais se manifestam de cinco formas

gerais: seletividade espacial, fragmentação e remembramento, antecipação espacial,

marginalização espacial e reprodução da região produtora.

A seletividade espacial ocorrerá de acordo com o fato de os atributos do lugar

atenderem ou não aos interesses do homem de forma isolada ou combinada. A

fragmentação, remembramento espacial, que indica o seccionamento do espaço em

unidades menores representa a possibilidade de controle político sobre as mesmas. A

antecipação espacial vislumbra a localização de uma atividade em um local, antes do

estabelecimento de condições favoráveis a ela.

A marginalização espacial considera o valor atribuído a um lugar, como um valor que

pode ser modificado por motivos econômicos, político ou culturais, podendo deixá-lo à

margem da rede de lugares vinculados, isto pode afetar a oferta de empregos pelo

fechamento de unidades, por exemplo.

A reprodução da região produtora demanda a valorização produtiva do espaço, o que

viabilizará as condições de produção com práticas localizadas e associadas à gestão do

território, num processo contínuo de funcionamento desse espaço.

Eis o espaço geográfico, a morada do homem. Absoluto, relativo, concebido como planície isotrópica, representado através de matrizes e grafos, descrito através de diversas metáforas, reflexo e condição social, experienciado de diversos modos, rico em simbolismo e campo de lutas, o espaço geográfico é multidimensional. Aceitar esta multidimensionalidade é aceitar por práticas sociais distintas. (CORRÊA, 2009. p. 44).

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Camargo (2008) destaca que, o espaço é acumulação desigual dos tempos e, sua

organização resulta do equilíbrio entre fatores de dispersão e concentração em dado

momento da história no espaço. A organização do espaço é conjunto de objetos criados

pelo homem e dispostos na superfície terrestre refletindo uma materialidade social. A

paisagem geográfica é, assim, resultado cumulativo desses tempos. O espaço é a

totalidade e envolve dinâmica social e natural sua apreensão se dá por meio das

categorias que o compõem: forma, processo, estrutura e função. O tempo, ou a flecha do

tempo, é propriedade fundamental na relação entre as mesmas as quais, estão

subordinadas ao todo e aos seus movimentos, uma variável atua sobre a outra

conhecendo uma evolução interna. A complexidade das inter-relações, tornam

inseparáveis as influências sobre um espaço.

Acompanhando as reflexões supracitadas, o espaço não poderá ser apreendido somente

enquanto porção delimitada, área, etc. É necessário o reconhecimento, a compreensão

de suas dimensões diversas e oriundas de práticas sociais também diversas.

Diante das considerações destes autores é que pensamos analisar como as atividades

produtivas desenvolvidas no assentamento em estudo representam e são representadas

em sua conjuntura atual partindo dos elementos apresentados no quadro abaixo:

Quadro 01: Principais atividades produtivas no Assentamento 17 de Abril de 2005 a 2012.

ATIVIDADES

PRODUTIVAS

ESPAÇO UTILIZADO SUBSÍDIO

Roça de milho, feijão e

mandioca

Espaço coletivo Individual, Casa de farinha

e Cinturão verde

Criação de galinhas Quintal de casa Individual

Criação de suínos Quintal de casa Individual

Produção de frutas Quintal de casa Individual Fonte: Pesquisa direta 2012.

Para os quatro entrevistados (dois homens e duas mulheres), a atividade principal da

família é o funcionalismo público na condição de vigilante, secretária e merendeira da

escola local, o que assegura uma renda fixa com a qual os mesmos podem contar

mensalmente. Ao ritmo de vida, esta função apresenta como limitação os plantões fixos

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em dados momentos. Assim é preciso planejar os momentos de trato com as atividades

ligadas à terra. Ao tempo que, em outros momentos, apresenta-se compatível com as

atividades secundárias diante da estrutura de funcionamento da escola (principalmente

tarde e noite.

Destacam também, o papel da escola como espaço para reuniões recebimento de cursos

e outras atividades como elemento favorecedor de uma maior aproximação e integração

entre os assentado(a)s já que, também apontam como limitação ao desenvolvimento do

assentamento o individualismo e dificuldades em consolidar interesses coletivos. A

entrevistada 4 ressalta ainda que, “além de ter esta renda fixa, estou prestando serviço

na escola que estudei e na comunidade que vivo”.

Para os entrevistados, as atividades secundárias se configuram da seguinte forma:

Dos quatro entrevistados, os entrevistados 1 e 2 haviam deixado de fazer roça

justificando que não havia condições técnicas e nem recursos financeiros suficientes

para superar a dureza do solo e a ausência de água superficial em quantidade necessária.

Os demais a mantém produzindo feijão, milho e mandioca (para farinhada). A escolha

do local para a roça de mandioca é livre na área coletiva observando a conservação da

natureza e, ambos apontam como limitação a oferta da água, que precisa ser captada de

dois poços que abastecem o assentamento além de falta de assistência técnica

permanente. Os entrevistados afirmam ainda, que esta atividade apresenta rendimento

pequeno por não utilizar defensivos mas, suficiente para consumo próprio e também

para venda a qual se dá por meio do programa Compra Direta e venda por procura

espontânea de pessoas das redondezas.

Outra atividade desenvolvida é a avicultura de pequeno porte com a criação de galinhas.

Desenvolvida por todos os entrevistados, esta tem foco na galinha caipirão, tipo

intermediário entre frango e galinha caipira resultante de alimentação e medicação

específicas. As principais limitações apontadas são custos com alimentação (apesar de o

farelo de milho ser quebrado no próprio assentamento) e medicação necessária além da

falta de assistência técnica. A entrevistada 3 afirmou que o acompanhamento técnico

que há é voluntário e não consegue atender regularmente todos os criadores. Uma

grande vantagem apontada, é a possibilidade de consumo próprio e a venda fácil, a qual

se dá por meio do Programa compra direta e por procura espontânea de pessoas das

redondezas. Reforçando o que observa a entrevistada 3 “... que o Assentamento é tido

hoje, como grande produtor de galinha caipira na região”.

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A criação de suínos para consumo e venda aparece para dois dos entrevistados os quais,

utilizam farelo de milho quebrado no próprio assentamento para alimentá-los,

entretanto, os custos com manutenção do padrão alimentar necessário para quantidades

grandes são onerosos além da falta de assistência técnica. Esta produção é mais

direcionada para consumo próprio e venda por procura espontânea.

A produção de frutas se dá nos quintais dos quatro entrevistados com: manga, coco,

jenipapo, tamarindo, tangerina etc. apenas para consumo interno pois, “a terra do lote

tem o solo duro necessitaria de brocar com trator e queimar pois, manualmente é

inviável” conforme entrevistado 1, porém, o entrevistado 4 entende que o quintal dele

apresenta um solo melhor pelo fato de o mesmo remanejar toda a folhagem caída das

árvores para as áreas mais desnudas, amenizando a dureza do solo local e melhorando a

produtividade das fruteiras.

Os entrevistados apresentaram a realidade que vivenciam em termos de produção

atualmente, ao tempo em que vislumbram a chegada de condições materiais para a

implementação de outras atividades que julgam passíveis de realizar conforme

apresentam no ítem a seguir.

As potencialidades produtivas: limites e possibilidades.

Partindo das entrevistas realizadas, chegamos ao elenco das atividades produtivas ainda

não implementadas ou consolidadas no Assentamento sintetizadas no quadro que se

segue:

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Quadro 02: Potenciais produtivos no Assentamento 17 de Abril .

ATIVIDADES

PRODUTIVAS

ESPAÇO UTILIZADO SUBSÍDIO

Criatório de peixes Açude desativado INCRA, Instituições

governamentais

Horto medicinal Área coletiva Associação de moradores e

Instituições

Horta escolar Espaço da escola Comunidade escolar e

assentada

Frutas exóticas Quintal de casa Individual

Expansão da área irrigada Área coletiva Associação e instituições Fonte: Pesquisa direta 2012.

Três dos entrevistados indicaram como viáveis para ser implementadas no assentamento

é a psicultura já que há um açude abandonado na área do assentamento e que poderia ser

revitalizado com apoio de recursos governamentais como o PRONAF e o recurso de

fomento, que deveria ter sido disponibilizado desde 2006 e ainda não foi

disponibilizado.

O cultivo de hortas foi citado por três dos entrevistados pois tem boa possibilidade de

venda entretanto, isso somente seria possível com intervenção institucional no sentido

de acesso a recursos e assegurar a água necessária para a atividade além, da

organização da comunidade em cooperativa de produtores. Há uma projeção da horta na

escola representando um avanço na articulação entre escola e comunidade já que

atualmente, boa parte das atividades da comunidade são realizadas no espaço da escola

ou em integração com a mesma.

Um Horto medicinal próximo ao poço como potencialidade produtiva foi citado por um

dos entrevistados, sendo necessário para que o mesmo se concretize e consolide, o

acesso ao crédito e a mobilização da associação de moradores nesse sentido.

Um entrevistado citou o plantio de fruteiras para consumo próprio mas com vistas a

uma futura expansão para venda dos frutos, principalmente de alguns exóticos à nossa

região como cacau, açaí e cupuaçu apontando uma potencialidade produtiva também de

polpas. Coloca o solo duro como uma limitação mas, aponta que dependendo da

conservação do mesmo a produtividade surge.

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Destaca-se ainda a expansão do campo irrigado (Cinturão verde) visando a produção de

hortaliças e, a criação de ovelhas com recursos do fomento. Estas atividades

incorporariam a juventude com a qual demonstram preocupação por esta estar ficando

ociosa à medida em que concluem os estudos. Para tal seria importante que as

instituições assegurassem condições de acesso a financiamentos e infra-estrutura de

disponibilização de água dentre outras.

Cabe destacar que todos os entrevistados ressaltaram a necessidade da presença do

incentivo institucional em infraestrutura e recurso financeiro para o início de qualquer

dessas atividades diante do solo ser duro para arar manualmente e haver pouca água

superficial. Isto poderia representar um quadro de território fadado à dependência das

instituições porém, o entrevistado 1 esclarece que o grande intuito da população

assentada é obter o apoio das instituições para iniciar e, com o desenvolvimento e

consolidação da atividade não mais precisar recorrer a tais programas. Pois, se os

recursos, infraestrutura e assistência técnica acontecerem de maneira correta e adequada

a atividade se estabelece e até as matrizes (sementes, reprodutores etc.) poderão passar a

ser produzidas pelo próprio assentado de forma natural “sem esse negócio de

manipulado. Aí dá pra confiar na semente que agente faz e sabe que dali vai dar alguma

coisa” como afirmou o Entrevistado 1.

Conclusões

As definições apresentadas por Carneiro (1999) e Motta (2010) apontam para a

configuração atual do Assentamento 17 de abril à medida em que o contexto que

envolve este assentamento é um contexto rural de proximidade com a capital piauiense,

a qual impõe demandas de diversificação nas atividades rurais do seu entorno mas que,

apresenta-se como lócus de absorção da produção deste assentamento. O qual procura

manter pela formação política e educacional a valorização de sua produção familiar.

Como a região não apresenta recursos hídricos superficiais no local, as atividades de

criações de pequeno porte e plantio de fruteiras são realizadas nos quintais de casa para

facilitar o manejo diário. Acontecendo em áreas reduzidas e de forma individual não

chegam a ter grande representatividade na renda familiar, porém, a criação de galinhas

foi lembrada pelos entrevistados como atividade muito praticada no assentamento e com

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isso, reconhecida externamente já que pessoas das redondezas e de Teresina deslocam-

se até lá em busca das aves.

As roças de milho, feijão e mandioca são realizadas em área coletiva devido à

necessidade de maior espaço e irrigação na realização da mesma, demandando a

infraestrutura propiciada pelo programa cinturão verde no caso do campo irrigado (que

produz legumes e frutas), e da casa de farinha no caso do processamento e produção da

farinha. Das atividades citadas no quadro 1, apenas a produção de frutas nos quintais

não é atingida pelo Programa Compra Direta que viabiliza a aquisição de produtos

locais para utilização na merenda escolar por ter uma produção pequena e irregular.

Há preocupações com a qualidade do que produzem no sentido de evitar o uso de

agrotóxico e procurar desenvolver atividades que, mesmo necessitando de apoio

institucional para iniciar, sejam compatíveis com as inclinações naturais da área quando

indicam o criatório de peixes em estrutura já existente porém, abandonada no local.

Observando o panorama apresentado podemos concluir que o assentamento 17 de abril

identifica claramente seus potenciais bem como os limites que levam tais

potencialidades a não serem aproveitadas. A população assentada tem total ciência de

que estes fatos, não repercutem apenas na renda familiar mas também, na formação da

juventude e por sua vez na consolidação da identidade local e daquele espaço conforme

apontado por Camargo (2008) e Santos (2010).

Referências

ANDRADE, Patrícia soares de. O assentamento 17 de abril em Teresina – Piaui: uma politica de inclusão social? http://www.ufpi.edu.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/eventos/evento2009/GT.6_GT.11/06_Patricia%20Soares%20de%20Andrade.pdf acessado em 02.07.2012 às 22:40h. CAMARGO, Luís Henrique Ramos de. A ruptura do meio ambiente conhecendo as mudanças ambientais do planeta através de uma nova percepção da ciência: a geografia da complexidade. 2 ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2008. (p. 81-111). CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço: um conceito-chave da Geografia In CASTRO, Iná Elias de. Geografia: conceitos e temas. 12.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. (p.15 a 47). CARNEIRO, Maria José. Agricultores familiares e pluriatividade: tipologias e políticas. In COSTA, Luiz Flávio Carvalho et all (org.). Mundo rural e tempo presente. Rio de Janeiro: Mauad,1999.

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