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COMMUNICARE COMMUNICARE CIP - Centro Interdisciplinar de Pesquisa Co unicare Revista de Pesquisa Co unicare mm mm Faculdade Cásper Líbero 6 Vol. 6 - nº 1 - 1º semestre 2006 - ISSN 1676-3475 1 Revista de Pesquisa Nesta edição: • Comunicação: Teorias e Metodologias • Comunicação, Política e Sociedade • Evolução dos Meios de Comunicação e Linguagens • Comunicação e Mercado

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Faculdade Cásper LíberoAv. Paulista 900 - 6º andar - São Paulo - SP (Brasil) CEP: 01310-940Telefax: (11) 3170-5878 www.facasper.com.br/cip - [email protected]

Revista de Pesquisa

Co unicaremmmmFaculdade Cásper Líbero

6Vol. 6 - nº 1 - 1º semestre 2006 - ISSN 1676-3475

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Revista de Pesquisa

Nesta edição:• Comunicação:

Teorias e Metodologias• Comunicação, Política e

Sociedade• Evolução dos Meios

de Comunicação e Linguagens

• Comunicação e Mercado

Revista Communicare

Vol. 6 – nº 1 – 1º semestre 2006 – ISSN 1676-3475

COMMUNICARE

COMMUNICARE

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Revista de PesquisaRevista de Pesquisa

CIP - Centro Interdisciplinar de Pesquisa

Vol. 6 - nº 1 - 1º semestre 2006 - ISSN 1676-3475

1

Faculdade Cásper Líbero

Communicare: revista de pesquisa / Centro Interdisciplinar dePesquisa, Faculdade Cásper Líbero. – v. 6, nº 1 (2006). – São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2006.

SemestralISSN 1676-3475

1. Comunicação social periódicos I. Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero

CDD 302.2

Faculdade Cásper Líbero

Faculdade Cásper Líbero

Fundação Cásper Líbero

Presidente da Fundação Cásper Líbero: Paulo CamardaSuperintendente Geral: Sérgio Felipe dos SantosDiretor da Faculdade: Tereza Cristina Vitali

Centro Interdisciplinar de Pesquisa

Coordenador Geral do CIP: José Eugenio de Oliveira MenezesMonitoria do CIP: Arthur Fujii, Camila Ploennes, Gabriela Watson Aurazo e Leika Ejiri

Revista Communicare

Faculdade Cásper Líbero

Editor: José Eugenio de Oliveira Menezes

Conselho Consultivo:Adriano Duarte Rodrigues (Universidade Nova de Lisboa) / Alberto Efendy Maldonado (Unisinos) / Cláudio Novaes Pinto Coelho (FCL) / Dimas Antonio Künsch (FCL) / Erasmo de Freitas Nuzzi (FCL) / Guilhermo Orozco Gómez (Universidad de Guadalajara) / Heloíza Gomes de Matos (FCL) / Ivone Lourdes de Oliveira (PUC-MG) / Joana Puntel (Sepac) / Juremir Machado da Silva (PUC-RS) / Laan Mendes de Barros (FCL) / Liana Gottlieb (FCL) / Luiz Carlos Assis Iasbeck (UPIS-DF e UCB-DF) / Luiz Henrique de Toledo (UFSCar)/ Magda Rodrigues da Cunha (PUC-RS) / Malena Segura Contrera (UNIP e Mackenzie) / Margarida Maria Krohling Kunsch (USP) / Maria Aparecida Baccega (USP e ESPM) / Maria Tereza Quiroz Velasco (Universidad de Lima) / Nilda Jacks (UFRGS) / Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pirez (PUC-MG) / Wilson da Costa Bueno (UMESP).

Comissão Editorial desta edição:

Versão para o inglês: Marta Reyes Gil Passos.

Versão para o espanhol: Antón Castro Míguez.

Ilustrações: Andréa Florentino Barletta e Arthur Fujii.

Revisão: Antón Castro Míguez, Débora Marie Tamayose, Dimas Antonio Künsch, Sonia Breitenwieser Alves dos Santos Castino e Thais Montenegro Chinellato.

Projeto gráfico e arte: TERRA Comunicação Editorial.

Diagramação: Eduardo Veronesi.

Tiragem: 1.000 exemplares.

RedaçãoFaculdade Cásper LíberoAv. Paulista, 900 - 6º andar - São Paulo - SP - CEP: 01310-940Telefax: (11) 3170-5878E-mail: [email protected]

Deseja-se permuta / Exchange is desiredExemplares avulsos: www.facasper.com.br/cip

Pesquisadores docentes no 1º semestre de 2006 e pesquisas em desenvolvimento

Adalton Franciozo Diniz“O Jornal A Província de São Paulo e a idéia de uma ‘pátria paulis-tana’ nos anos finais do Império”

Andréa Florentino“A sedução do olhar: o design gráfico como estratégia de comu-nicação da marca”

Antón Castro Míguez“A Columna - o início da imprensa judaica no Brasil. Imigração e organização comunitária dos judeus sefaradim no Brasil através da análise do jornal A Columna”

Antonio Roberto Chiachiri Filho“Ícones do sabor. A comunicação por meio de imagens gastronômica”

Bruno Hingst“As novas tecnologias integradas no processo de comunicação or-ganizacional nas grandes empresas”

Débora Marie Tamayose“O implícito nos discursos sobre responsabilidade social das or-ganizações”

Dimas Antonio Künsch“Jornalismo e pensamento complexo”

Edson Flosi“Por trás da notícia: o processo de criação das grandes reportagens”

Ethel Shiraishi Pereira“Mercantilização da cultura: espaços públicos e a presença das empresas no universo dos eventos”

Hamilton Dertonio“A personificação do super-herói como estratégia do consumo infantil”

Igor Fuser“O jornal O Estado de S. Paulo e a política externa brasileira durante o regime militar (1964-1985)”

Irineu Guerrini Jr.“Rádios educativas: o ideal e o real”

Liráucio Girardi Júnior“A produção social de sentido nos estudos de recepção: a questão da ‘eficácia simbólica’”

Luiz Adriano Daminello“Folclore e modernização: um estudo a partir das pesquisas de Mário de Andrade”

Magaly Prado“Rádio na Web como uma alternativa eficiente de comunicação”

Maurício Luis Marra“Panoramas e cenários da comunicação hospitalar paulistana”

Maria Juvêncio Sobrinho“A politização do discurso sobre globalização e abertura da eco-nomia brasileira na imprensa paulista - O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo”

Mônica Brincalepe Campo“Olhar eletrônico e televisão Gazeta: a produção independente e sua parceria com a televisão aberta dos anos 80”

Reinaldo Miranda de Sá Teles“Turismo no Parque Nacional de Iguaçu:estratégias de comunicação”

Roselita Lopes de Almeida Freitas“A construção biográfica numa perspectiva jornalística. Um ensaio sobre o Sr. João Jorge Saad e o futuro da Comunicação em Massa no Brasil na era da globalização”

Thais Montenegro Chinellato“Gêneros textuais: análise de modelos representativos”

Vicentina Aparecida Schmidt“Feiras internacionais comerciais: um estudo das estratégias de co-municação a partir da perspectiva antropológica e multicultural”

Walter Freoa“A recepção da mensagem publicitária on-line entre os jovens brasileiros”

Pesquisadores discentes no 1º semestre de 2006 e pesquisas em desenvolvimento

Alessandra de Assis Perrechil“O espaço da violência no filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino”

Cinthia dos Santos Montagner“A poesia como estratégia argumentativa em anúncios publicitários”

Daniele Lopes Cardoso“A internet como meio de comunicação nas Relações Públicas”

Denis Paulo“A vida da morte em Dragon Ball”

Francisco Egydio de Carvalho“O instrumento musical erudito: protagonista de um discurso não utilitário”

Guilherme Augusto Pichonelli“Da teoria crítica à nova crítica alemã: os conceitos de imagem e corpo em Dietmar Kamper”

Izabelle Cristine Carbonar do Prado“O discurso feminino na Revolução Farroupilha: o processo de adaptação de uma obra literária para a televisão”

João Guilherme Bertholini Massaro“O incentivo, a crítica e a incorporação da cultura yuppie no ci-nema americano”

Lucilene Melhado Isler“Marketing promocional e cultura brasileira: Copa do Mundo de 2006”

Marcela Rosa Mastrocola“Aventuras na História: intermediários culturais, mercado editorial e cultura de consumo”

Sônia Michelle Campestrini de Almeida“A pesquisa acadêmica nos cursos de turismo das Instituições de Ensino Superior da cidade de São Paulo” William Youshio Lima Koike“A presença da publicidade e da propaganda nos programas infantis”

SumárioAPRESENTAÇÃO

Cultura de Pesquisa: saber e saborResearch culture: knowledge and tasteJosé Eugenio de Oliveira Menezes...........................................................................................9

ARTIGOS

COMUNICAÇÃO: TEORIAS E METODOLOGIAS

Comunicação e cognição: reflexões sobre os vínculos entre estética, ética e semiótica Communication and cognition: reflections on the links between aesthetics, ethics, and semioticsLuciana de Souza e Maria Drigo............................................................................................13

COMUNICAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE

Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta no cenário sociocultural de São Paulo dos anos quarenta e cinqüentaRadio for the elite: the role of Gazeta Radio in the social and cultural scenario of São Paulo in the 1940s and the 1950sIrineu Guerrini Jr...................................................................................................................25

Meeting points: shopping centers de São PauloMeeting points: shopping malls in São PauloVander

Publicidade: compromisso com o socialAdvertising: a commitment with the social fieldMaria Helena Steffens de Castro............................................................................................47

EVOLUÇÃO DOS MEIOS E LINGUAGENS

A revista Recreio e o X-Men: a imagem dos super-heróis para o público infantilRecreio magazine and X-Men: the image of superheroes for childrenHamil

Primeiras poéticas do videoclipe e alguns desdobramentos do gêneroFirst video clip poetic pieces and some outcomes of this genreCarlos Eduardo de Almeida Sá...............................................................................................69

Entre o jornalismo e a literatura: a belle époque e o new journalism no BrasilBetween journalism and literature: the belle époque and the new journalism in Brazil

COMUNICAÇÃO E MERCADO

A legitimação acadêmica do campo do jornalismo empresarialAcademic legitimation of the business journalistic area Suz

Indústria cultural e cultura da mídia: produção e distribuição do entretenimento na sociedade globalCulture Industry and Media Culture: Production and distribution of entertainment in global societyRenato Márcio Martins de Campos.....................................................................................105

Reflexões sobre a pesquisa e o ensino da Comunicação AudiovisualReflections on research and tuition of Audiovisual CommunicationJoão Baptista Winck............................................................................................................115

RESENHAS

Mimese: possibilidades de produção de sentido GEBAUER, Gunter; WULF, Christoph. Mimese na Cultura: agir social, rituais e jogos, produções estéticas.Liráucio Girardi Júnior........................................................................................................127

A iconografia e seus significadosFABRIS, Annateresa; KERN, Maria Lúcia Bastos (Orgs.). Imagem e conhecimento.Marl

Reinterpretando a recepçãoSOUSA, Mauro Wilton de. (Org.). Recepção mediática e espaço público: novos olhares.Eliany Salvatierra Machado................................................................................................137

Profissionalismo nas ondas do rádioPRADO, Magaly. Produção de Rádio: um manual prático. São Paulo: Campus/Elsevier, 2006.Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva...............................................................................141

Normas para o envio de originais 143

Apresentação

José Eugenio de Oliveira Menezes

Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USPDocente e Coordenador Geral de Pesquisa

da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Cultura de Pesquisa: saber e sabor

Research culture: knowledge and taste

A presente edição da Communica-re, publicada em dezembro de 2006, apresenta um conjunto de

artigos de docentes da Faculdade Cásper Líbero e de diversas instituições de ensino de várias regiões brasileiras. Indica que o conhecimento na área das Ciências da Comunicação é fruto tanto de perguntas que instigam os profissionais a conhecer o estado da questão acerca dos objetos ou temas de estudo, como também da apurada atenção aos fatos em constante mutação. Revela, com renovado vigor, que as ativi-dades de pesquisa, marcadas pelo sabor da construção do saber, necessitam de pelo menos dois ingredientes para serem bem sucedidas: uma política consistente, integrada e a longo prazo de pesquisa das instituições e um real envolvimento dos protagonistas.

Em termos institucionais, observamos o investimento das instituições, como a Faculdade Cásper Líbero, na construção de políticas de pesquisa que de fato pro-piciem o ambiente investigativo desde a iniciação científica até a pós-graduação, incentivando as relações entre a graduação e a pós-graduação, bem como as interações entre ensino, pesquisa e extensão.

Em termos do envolvimento dos docentes e discentes pesquisadores é notório o empenho de tantos que, moti-vados pelos desafios contemporâneos de uma sociedade articulada por processos e aparatos comunicativos, saboreiam com prazer o sabor da construção do saber. Tal postura engendra atitudes dialógicas no ambiente universitário e gestos de atenção solidária às pessoas e instituições compro-metidas com a construção de espaços de

Cultura de Pesquisa: saber e sabor

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intercâmbio e gestação de conhecimentos inovadores.

Em plena era das redes de informação, não bastam mais pesquisadores desbravan-do novo conhecimento isoladamente nas instituições. Pelo fato de as mídias serem espaços de ação com o objetivo de conectar iniciativas até então separadas, urge o diá-logo entre os pares e a divulgação científica. Afinal, como afirma Siegfried Zielinski em Arqueologia da Mídia (São Paulo: Anna-blume, 2006), a história da pesquisa em comunicação não é o resultado do avanço previsível e necessário de aparatos primi-tivos para aparelhos mais complexos. Mais do que celebrarmos as constantes inovações

técnicas no campo da so-ciedade em rede, trata-se de investigarmos as possi-bilidades de construção de diálogos tanto na interação face a face com aqueles que conosco convivem, como na interação mediada por instrumentos técnicos que velozmente nos interco-nectam ao mundo.

Neste contexto esta edição impressa, que tam-bém está disponível na Internet (www.facasper.

com.br), apresenta as inquietações, as pers-pectivas e os gestos de escuta dos desafios colocados pela comunicação na contem-poraneidade. Eles poderão ser observados tanto nos artigos de resgate histórico como Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta no cenário sociocultural de São Paulo dos anos quarenta e cinqüenta de Irineu Guer-rini Jr., ou Entre o jornalismo e a literatura: a belle époque e o new jornalism no Brasil, de Alessandro Carvalho Sales, como nos artigos sobre Comunicação e Cognição: reflexões sobre os vínculos entre estética, ética e semiótica, de Luciana de Souza e Maria Ogécia Drigo ou Meeting points:

shopping centers de São Paulo, de Vander Casaqui. Entre os artigos, destaca-se tam-bém a preocupação com as relações entre ensino e pesquisa, manifestada no texto Reflexões sobre a pesquisa e o ensino da Comunicação Audiovisual, de João Batista Winck. Ao leitor caberá julgar a qualidade e dialogar com os diversos autores dos artigos e resenhas.

A Faculdade Cásper Líbero desenvol-ve sua política de pesquisa institucional por meio das pesquisas de docentes e discentes do CIP – Centro Interdisciplinar de Pesquisa e do Programa de Mestrado, com sua nova área de concentração Co-municação na Contemporaneidade e suas duas Linhas de Pesquisa: Processos midiáticos: tecnologia e mercado e Pro-dutos midiáticos: jornalismo e entreteni-mento. A Faculdade estimula o diálogo entre as Linhas de Pesquisa do CIP e da Pós-graduação como parte do processo de construção de uma política integrada de pesquisa da Instituição.

A partir do contínuo aperfeiçoamento dos docentes e discentes, durante o segun-do semestre de 2006 o Centro Interdisci-plinar de Pesquisa reformulou as ementas das Linhas de Pesquisa para 2007. As três Linhas de Pesquisa do CIP são agora assim denominadas: LP 1. Comunicação: tecnologia e política, LP 2. Comunicação: meios e mensagens e LP 3. Comunicação e mercado.

Assim, se você tem interesse em cola-borar nas próximas edições, saiba que os textos da Communicare serão editados de acordo com as ementas das três linhas de pesquisa também divulgadas na página eletrônica do CIP na Internet.

Que o diálogo com os autores, parece-ristas, revisores, monitores, tradutores e outros que participaram desta edição repre-sente um passo no desenvolvimento de uma cultura de pesquisa marcada pelo sabor na compreensão e gestação do saber.

Artigos

Comunicação: teorias e metodologias

Luciana C. Pagliarini de SouzaDoutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Docente da Universidade de Sorocaba - [email protected]

Maria Ogécia DrigoDoutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Docente da Universidade de Sorocaba - [email protected]

Resumo

Propõe-se refletir sobre os vínculos entre estética, ética e semiótica ou lógica, ao se considerar a relação entre comunicação e cognição. Explicita-se, inicialmente, em linhas gerais, a partir de Bernard Miège, as tendências no desenvolvimento da história do pensamento comunicacional. Em seguida, considerando que os processos comunicacionais ocorrem num amálgama de linguagens, propõe-se o entendimento da cognição como ação de signos (semiose) na mente humana e observa-se, à luz das idéias de Charles Sanders Peirce, como a estética, a ética e a lógica ou semiótica estão imbricadas.

Palavras-chave: estética, ética, lógica, semiótica, cognição, comunicação.

Abstract

We propose a reflection on the links between aesthetics, ethics, and semiotics or logic, when one considers the relation be-tween communication and cognition. First, we clarify in general terms, from the viewpoint of Bernard Miège, the trends in the development of the history of communicational thought. Then, considering that the communicational processes occur in a language amalgam, we propose the understanding of the cognition as sign exertion (semiosis) in the human mind and observe, based on Charles Sanders Peirce’s theory, how aesthetics, ethics and logic or semiotics are imbricated.

Key words: aesthetics, ethics, logic, semiotics, cognition, communication.

Resumen

Se propone reflexionar sobre los vínculos entre estética, ética y semiótica o lógica, al considerarse la relación entre co-municación y cognición. Se explicita, inicialmente, en líneas generales, a partir de Bernard Miège, las tendencias en el desarrollo de la historia del pensamiento comunicacional. Enseguida, considerando que los procesos comunicacionales ocurren en una amalgama de lenguajes, se propone el entendimiento de la cognición como acción de signos (semiosis) en la mente humana y se observa, a la luz de las ideas de Charles Sanders Peirce, como la estética, la ética y la lógica están imbricadas.

Palabras clave: estética, ética, lógica, semiótica, cognición, comunicación.

Comunicação e cognição: reflexões sobre os vínculos entre estética, ética

e semiótica

Communication and cognition: reflections on the links between aesthetics, ethics, and semiotics

Comunicação e cognição: reflexões sobre...

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1 Bernard Miège. O pensamento comunicacional, p. 24-25.2 Bernard Miège. Op. cit., p. 25.

3 Moles, Abraham. Théorie structurale de la communi-cation e la société.

4 Bernard Miège. Op. cit., p. 34-35.

Introdução

comunicação era conside-rada, inicialmente, segundo Miège, como processo para

o qual contribuíam meios diversificados, bem como os resultados desse processo1. Assim, se estudavam os mecanismos que favoreciam o desenvolvimento das rela-ções humanas com ênfase nos fenômenos de simbolização e nos mecanismos de transmissão de conteúdos.

Ainda na esteira de Miège2, acrescen-ta-se que no final dos anos 40, Abraham Moles criou o esquema canônico da comu-nicação: emissor-canal-receptor, que pode-ria abarcar a multiplicidade dos aspectos

e fenômenos criados pelo mass media e pelas tele-comunicações através do espaço ou do tempo, re-duzindo a diversidade de situações reais à unidade de um esquema básico3. Tal esquema simboliza a ligação espaço-temporal e a transferência das formas pela utilização de um universo de repertórios ou de códigos comuns e permitia, desta maneira, analisar os diferentes

tipos possíveis de comunicação. Esse es-quema, que possibilitava estabelecer uma classificação dos atos de comunicação, foi objeto de sucessivas complementações – os fenômenos de retroação ou de reação por retroalimentação (feedback).

Para Miège4, outro modelo para o ato comunicacional emerge em meio à aborda-gem empírico-funcionalista dos meios de comunicação de massa, cujos precursores foram Paul Lazarsfeld, Carl Hovland e Harol Lasswell. Para Lasswell um ato de comunicação se descreve ao responder às seguintes perguntas: Quem? Diz o quê? Em que canal? Para quem? Com que efeitos? Estudos realizados em comunicação e que

Aaderiam a este modelo, de modo geral, se concentravam em uma ou outra das perguntas já anunciadas. O especialista do “quem” se dedica ao estudo dos fato-res que iniciam e dirigem a comunicação – subdivisão do campo que se designa por análise de controle (control analysis). Aquele que focaliza o “diz o quê” ocupa-se da análise de conteúdo e o que estuda o rádio, a imprensa, o cinema e os outros canais de comunicação participa da análi-se da audiência (audience analysis) e caso o problema abordado seja o impacto sobre os receptores, faz-se análise de efeitos (effect analysis).

Em seguida, ao predominar o método estrutural e suas aplicações lingüísticas, o pensamento comunicacional toma três direções: a da análise estrutural das narra-tivas; da análise das mensagens visuais e o da documentação informatizada (ou auto-matização da informação, principalmente, a informação profissional especializada).

Na primeira se enfatizava o estudo dos textos comunicacionais: discursos da imprensa, mensagens e argumentações publicitárias que levaram ao questiona-mento da primazia da tradicional análise do conteúdo temático; na segunda, se su-perou o quadro simplista da comunicação estritamente lingüística e houve uma evo-lução resultante de teorias de Hjelmslev, Greimas, Jakobson e, sobretudo, das de Peirce, cujas propostas são objeto de um interesse crescente entre os especialistas da comunicação.

Por último, uma outra evolução con-sistiu em considerar, em uma perspectiva relacionada com a semântica, o discurso como um discurso em ato: em particular, a partir dos trabalhos de Émile Benveniste e de Oswald Ducrot, se distingue o conceito

15Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Luciana C. Pagliarini de Souza e Maria Ogécia Drigo

5 Yves Winkin. La nouvelle communication.6 Bernard Miège. O pensamento comunicacional, p. 67. 7 Muniz Sodré. Antropológica do espelho, p. 221.

8 Muniz Sodré. Op. cit., p. 235.9 Muniz Sodré. Op. cit., p. 234.

10 Muniz Sodré. Op. cit., p. 235.

de enunciação, entre os papéis do locutor, do receptor, do enunciador e do destina-tário. Por outro lado, segundo as idéias de John L. Austin e de John Searle, a pragmá-tica das ações de linguagem visa mostrar em que aspecto a enunciação é fonte de certos poderes sobre o destinatário. Quanto ao terceiro, deve-se acrescentar os trabalhos inspirados na análise estru-tural do discurso que ajudam a encontrar soluções para o problema de representação dos conhecimentos.

No final dos anos 60, o pensamento comunicacional recebeu propostas de cooperação de várias outras correntes: a) a sociologia da cultura de massa com as idéias de Morin; b) o pensamento crítico; c) a psicossociologia e d) o pensamento mcluhaniano. McLuhan exerce seu poder de sedução com três intuições: 1) a idéia de que o fato essencial na comunicação não são os discursos, mas a própria mídia; 2) a transposição dessa idéia para a histó-ria cultural das sociedades e 3) um certo otimismo norte-americano, colorido de humanismo, que o leva a passar desper-cebidamente na evolução dos meios de comunicação, nos conflitos de interesse e na intervenção das forças sociais.

Nos anos 70 e 80 há ampliação da pro-blemática do campo comunicacional, que não se explica somente pelas profundas mudanças culturais e socioeconômicas – a reestruturação da economia mundial na seqüência do esgotamento da rentabi-lidade dos capitais – uma vez que, a partir delas, as teorias elaboradas acompanham mudanças sociais essenciais que contam com a emergência das tecnologias da in-formação e da comunicação.

Nas tendências mais atuais, a comu-nicação é tratada como processo social permanente que integra múltiplos modos de comportamento: a palavra, o gesto, o olhar, a mímica, o espaço individual etc., sem, no entanto, estabelecer uma oposição entre a comunicação verbal e a comunica-ção não verbal5.

Segundo Miège ao se considerar a comunicação como um fenômeno social integrado que estabelece uma ponte entre o que regula as relações interpessoais e as relações sociais, as teorias que a funda-mentam se colocam como uma reação aos modelos do esquema canônico e aos que davam primazia à linguagem e à palavra6.

Para Sodré7, embora a comunicação envolva ações e práticas diversas, quanto à prática discursiva, ela pode ser deli-mitada em três campos semânticos: (1) veiculação ou midiatização – que trata das “antropotécnicas eticistas ou prá-ticas de natureza empresarial (privada ou estatal), voltadas para a relação ou o contacto entre os sujeitos sociais por meio das tecnologias da informação, como imprensa escrita, rádio, televisão, publicidade etc.” 8; (2) vinculação, que se reporta às formas diversas de trocas entre os indivíduos envolvidos em processos comunicacionais, “diferentemente da pura relação produzida pela mídia auto-matizada”9 e (3) cognição, que trata das “práticas teóricas relativas à posição de observação e sistematização das práticas de veiculação e das estratégias de vincula-ção”10. A vinculação envolve a apreensão cognitiva do sujeito e do outro, o que leva a questão comunicacional para além do midiático. O processo interativo caminha das representações – dimensão imaginária – para as práticas sociais, os valores.

Outra questão a se destacar é a de que o crescente aumento dos meios de comunicação – jornal, fotografia, cinema, televisão, vídeo, imagens digitais – con-duz os indivíduos a interagir com signos distintos dos verbais. A proliferação de signos é intensa e pode ser observada

Comunicação e cognição: reflexões sobre...

16C o m m u n i c a r e

11 Lúcia Santaella. Semiótica Aplicada, p. 13.12 José Ferrater Mota. Dicionário de Filosofia, p. 245-251.

“desde o advento da fotografia e do ci-nema, desde a explosão da imprensa e das imagens, seguida pelo advento da revolução eletrônica que trouxe consigo o rádio e a televisão, então, com todas as formas de gravação sonoras, também com o surgimento da holografia e hoje com a revolução digital que trouxe consigo o hipertexto e a hipermídia”11.

Faz-se necessário dialogar com toda essa miscelânea de signos, uma vez que para conhecer e compreender algo, sig-nos se interpõem entre o ser humano e o real. Outros tipos de signos, distintos dos signos verbais, bem como a mistura deles, intervêm e são necessários à condução do pensamento e das linguagens. Mas a

mistura de signos é uma característica de todas as linguagens – formas sociais de comunicação e de signifi-cação que inclui a linguagem verbal articulada, mas envol-ve também, por exemplo, a matemática, a arte, a lingua-gem do computador etc.

Signos, linguagens, se-miose, processos comu-nicacionais – segundo as idéias de Charles Sanders Peirce – levam a destacar a importância das qua-

lidades de sentimento na autogeração dos signos (pensamento ou cognição) e dos hábitos de sentimentos para a con-duta (ação). Ao se considerar a semiose guiada de modo preponderante pelas qualidades de sentimento e as ações, pelos hábitos de sentimento, uma nova relação entre estética, ética e semiótica ou lógica vem à tona.

Para esclarecer tal relação, segundo as idéias peirceanas, se apresenta o lugar da estética na classificação das ciências por ele empreendida, em consonância com as categorias fenomenológicas e, em seguida, faz-se comentários sobre os tipos de inter-pretantes, os significados dos signos.

A relação entre esté-tica, ética e semiótica ou lógica

O termo “ética”12 deriva do grego e significa “costume”. A ética, portanto, foi definida como a doutrina dos costumes, principalmente nas correntes de orienta-ção empírica.

Para Aristóteles importavam as virtu-des éticas. Assim, havia a preocupação de saber se uma ação, uma qualidade, uma “virtude” ou um modo de ser eram “éticos”. As virtudes éticas eram as que se desenvolviam na prática e que eram orientadas para a consecução de um fim, enquanto as dianoéticas eram as virtudes propriamente intelectuais. Às primeiras pertencem as virtudes que servem para a realização da ordem na vida do Estado – a justiça, a amizade, o valor etc. – e têm sua origem direta nos costumes e no hábito, razão pela qual podem chamar-se virtudes de hábitos ou tendência. Às segundas, pertencem as virtudes fundamentais, as que são como os princípios das éticas, as virtudes da inteligência ou da razão: sabedoria e prudência.

Na evolução posterior do sentido do vocábulo, o ético identificou-se mais com o moral, e a ética chegou a significar propriamente a ciência que se ocupa dos objetos morais em todas as suas formas, a filosofia moral.

As reflexões sobre o agir do homem não cabem somente a Sócrates, Platão e Aristóteles, entre os gregos no período de 500 a 300 a.C., no entanto, eles são mencio-nados, pois importa a questão do summun bonum retomada por Peirce.

Nos Diálogos, Platão (427-347 a.C.), discípulo de Sócrates, parte da idéia de que todos os homens buscam a felicida-de. Assim, durante a vida eles deveriam

Mas a mistura de signos é uma característica de todas as linguagens

17Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Luciana C. Pagliarini de Souza e Maria Ogécia Drigo

13 José Ferrater Mota. Op. cit., p. 231.14 Charles Hartshorne, Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Collected Papers of Charles Sanders Pierce, v.1, p. 180-181.15 Charles Hartshorne, Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v.1, p. 183.16 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v.1, p. 183.17 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v.1, p. 184.18 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v.1, p. 242.

procurar contemplar as idéias, e princi-palmente a idéia mais importante, a do Bem. Dialética e virtude deveriam cami-nhar juntas, uma vez que a primeira era necessária para se contemplar as idéias, e a segunda, possibilitaria adequar a vida pessoal às idéias supremas. Por meio da virtude, o homem aprende a desprender-se do corpo com tudo o que este tem de terreno e de sensível, e desprender-se do mundo do aqui e agora para contemplar o mundo ideal – o mundo das idéias perfeitas – imutável e eterno, onde está o summun bonum (Sumo Bem).

O summun bonum, em Aristóteles, não isola o bem supremo, mas considera vários bens, tais como a amizade, a saúde e a ri-queza. Mas quais seriam os melhores bens? Para Aristóteles, o homem tem o seu ser no viver, no sentir e na razão, sendo que esta para não deixar de ser desordenada precisa da vida virtuosa – da vida teorética ou teórica, a vida da inteligência.

Assim, pode-se dizer a busca do bom e do belo, em última instância se resumia a busca da beleza, do prazer, do que era agradável? Mas isto não significa que a ética grega era uma estética?

O problema capital da estética, segundo Alexander Baumgartemz13, é o da essência do belo, que foi vinculada pelos gregos, principalmente por Platão e Aristóteles, ao bom na unidade do real perfeito.

Para explicitar os vínculos entre ética e estética em Peirce, optou-se por apresentar, inicialmente, o lugar dessas ciências na classificação das ciências por ele empreendida.

Sobre a classificação das ciências

A classificação das ciências empreen-dida por Peirce se assentava nas principais afinidades dos objetos de estudo dessas ciências. Tal classificação não tomava todas as ciências possíveis, nem os muitos ramos do conhecimento, mas considerava

as ciências em processo14. As categorias fenomenológicas: primeiridade, secundi-dade e terceiridade desempenham o papel de guia nessa classificação e de todas as ramificações, que quando existem, são três. Pode-se observar o movimento das ca-tegorias no diagrama (figura 1), elaborado a partir das classificações mencionadas por Peirce. O diagrama exibe as subdivisões da Filosofia, uma vez que uma delas trata das ciências normativas, em que a estética, a ética e a lógica ou semiótica se inserem.

Toda ciência pode ser classificada, inicialmente, como Ciência da Descoberta ou Ciência da Revisão ou Ciência Prática. A Ciência da Revisão se ocupa de pôr em ordem os resultados das descober-tas, começando com a sistematização e passando pelo esforço de construir uma filosofia da ciência15.

A Ciência da Descoberta se subdivide em: Matemática, Filosofia ou Ideosco-pia16. A Matemática é a única ciência que não depende de nenhuma outra e “estuda o que é e o que não é logicamente possível, sem se fazer responsável por sua existência real”17.

A filosofia “lida com verdades po-sitivas, pois, de fato, satisfaz-se com observações tais que são pertinentes às experiências normal e diária de todo ho-mem, e nas mais das vezes, em toda hora consciente de sua vida”18. Divide-se em três ramos – observar o diagrama (figura 1): Fenomenologia, ciência normativa e metafísica, sendo que a:

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18C o m m u n i c a r e

19 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v.1, p. 186.20 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v.1, p. 487.

21 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v.1, p. 191.

22 Lúcia Santaella. Estética de Platão a Peirce, p.13.23 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 3, p. 444.

(...) Fenomenologia apura e estuda os ti-pos de elementos presentes no fenômeno (...). A Ciência Normativa distingue o que deveria ser daquilo que deveria não ser, e faz outras divisões e arranjos subservien-tes para sua distinção dualista original. A metafísica parece dar conta do universo da mente e matéria19 e consiste nos resultados da aceitação absoluta dos princípios lógi-cos não meramente como regularidades válidas, mas como verdades de ser20.

Para a ciência normativa, os ramos são: estética, ética e semiótica ou lógica, sendo que:

A estética é a ciência dos ideais, ou daquilo que é objetivamente admirável sem qualquer razão ulterior. (...) Ética, ou ciência do certo e errado, a Estética está em seu auxílio na determinação do

summum bonum. É a teoria da conduta autocrontroloda ou deliberada. A Lógica é a teoria do pensamento autocon-trolado e deliberado; e como tal, deve buscar na ética seus princípios. Ela depende da fe-nomenologia e da matemática. Embora todo pensamento se constitua pelos significados dos signos, a lógica deve ser considerada como a ciência das leis gerais dos signos21.

A lógica se alicerça na ética e esta, por sua vez, na estética. A estética envolve

ideais que guiam nossas ações; a lógica se ocupa do pensamento como atividade deliberada ou autocontrolada, tendo por objetivo discriminar formas corretas e in-corretas de raciocínio, enquanto as metas que justificam as regras criadas são dadas pela ética. Assim, a lógica, por meio da ética, está vinculada à estética. Sendo a lógica a teoria do pensamento autocon-trolado, o viável seria perguntar como o pensamento pode ter autocontrole sem autocrítica e, por sua vez, como isso seria possível sem um ideal regulador? Sendo a estética a ciência dos ideais, então, a lógica precisa de ajuda da estética.

As ciências normativas são assim deno-minadas porque estão voltadas para a compreensão dos fins, das normas e ideais que regem o sentimento, a conduta e o pensamento humanos. Elas não estudam os fenômenos tal como aparecem, quer dizer, na sua aparência, pois essa é a função da fenomenologia, mas os estudam na medida em que podemos agir sobre eles e eles sobre nós. Elas estão voltadas, assim, para o modo geral pelo qual o ser humano, se for agir deliberadamente e sob autocontrole, deve responder aos apelos da experiência22.

Quanto ao termo lógica, convém escla-recer que Peirce o utiliza em dois sentidos, sendo que, no

(...) sentido mais estrito, é a ciência da con-dição necessária na obtenção da verdade. No sentido mais amplo, é a ciência das leis necessárias do pensamento ou, melhor ainda (pensamento sempre se dando pelos significados dos signos), é a semiótica geral, que trata não meramente da verda-de, mas também das condições gerais de signos sendo signos, também das leis de evolução do pensamento, o que coincide com o estudo da transmissão de significa-do por signos de uma mente a outra, e de um estado da mente para outro23.

A semiótica geral ou lógica é tratada como lógica no sentido amplo. São três os seus ramos e cada um deles depende dos que o precedem. O primeiro, a gramática especulativa, trata do estudo dos signos propriamente ditos e da classificação em ícones, índices e símbolos, bem como descreve e analisa esses tipos de signos; o segundo, a lógica crítica, se ocupa dos tipos de raciocínio: abdução, dedução e indução, enquanto o terceiro, a retórica especulati-va, “estuda os métodos que deveriam ser

A lógica se alicerça na ética e esta, por sua vez, na estética

19Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Luciana C. Pagliarini de Souza e Maria Ogécia Drigo

utilizados na investigação, na exposição e na aplicação da verdade”24. Esta divisão sugere que as categorias fenomenológicas operam na lógica interna do signo.

A gramática especulativa fornece as definições e as classificações para aná-lise de todos os tipos de linguagens, ou seja, dela se extrai metodologias para a leitura e análise de processos empíricos de signos.

A seguir algumas idéias sobre as cate-gorias fenomenológicas e discussões de como elas permeiam as divisões da ciência normativa, bem como a definição de signo e os tipos de interpretantes.

Sobre as categorias fenomenológicas e a tríade signo/objeto/interpretante

A seguir, resumidamente, as catego-rias fenomenológicas. Peirce começou a

estudar lógica desde muito jovem e ao completar 28 anos, em 1867, publicou o artigo intitulado: Sobre uma nova lista de categorias. Neste artigo comprova que os três conceitos, a saber: de referência a um fundamento, a um objeto e a um interpretante, são os conceitos funda-mentais da lógica.

Segundo Peirce um estudo completo da lógica dos relativos (...) mostra que termos lógicos são: mônadas, díades, ou políadas, e que esta última não introduz qualquer elemento diferente daqueles encontrados nas tríades25.

A idéia pura de uma mônada é a de que ela não é um objeto. Deve ser algu-ma determinação, ou talidade. Deve ser uma talidade especial com algum grau de determinação, não, entretanto, pen-

Diagrama das ciências - subdivisão da filosofia

24 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 3. p. 293.25 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 293.

Ciências

Ciências da Revisão (Sistemáticas)

Ciências da Descoberta (Heurística)

Ciências Práticas (Ciências Aplicadas)

Figura 1 (Diagrama elaborado de acordo com os Collected Papers)

2. Filosofia

1. Matemática

3. Ideoscopia (Ciências Especiais)

2.1. Fenomenologia

2.2. Ciência Normativa

2.3. Metafísica

2.2.1. Estética

2.2.2. Ética

2.2.3. Lógica ou Semiótica

2.2.3.1. Gramática Especulativa

2.2.3.2. Lógica Crítica

2.2.3. Metodêutica

Comunicação e cognição: reflexões sobre...

20C o m m u n i c a r e

26 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 303.27 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 303.28 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 328.29 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p..326.30 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 346-347.31 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 284.

samento como mais ou menos26. Uma vaga, não objetivada e ainda menos, não subjetivada, sensação de vermelhidão, ou do gosto do sal, ou de uma dor, ou de tristeza ou alegria, ou de uma pro-longada nota musical, são exemplos de mônadas27. O ser de uma qualidade monádica é uma mera potencialidade, sem existência28.

A díade

consiste de dois objetos trazidos para a unidade. Estes objetos têm seus próprios modos de ser, e eles também têm seus mo-dos de ser, como primeiro e segundo etc., em conexão um com outro. Eles são dois, se não realmente, pelo menos no aspecto. Há também um tipo de união deles. A dí-ade não é o objeto, ela tem os objetos como

um elemento dela. Ela tem, além disso, uma talidadade característica monádica; e tem talidade, ou talidade, peculiar dela como uma díade. A díade traz os objetos juntos, e fazendo assim conceder uma caracterís-tica para cada uma delas29.

As relações triádicas não podem ser construídas de relações diádicas ou monádicas30. Na figura 2, as representações gráficas para mônada, com uma cauda; díade, com duas

caudas e tríade, com três caudas, res-pectivamente.

Unindo as extremidades das caudas em uma díade, a relação ainda é diádica. Um gráfico de três caudas não pode ser feito a partir de gráficos de uma ou duas

caudas e qualquer gráfico com mais de três caudas pode ser construído com combina-ções de gráficos de três caudas.

Admitindo-se que as relações que as coisas do mundo estabelecem entre si, classificam-se em monádicas, diádicas e triádicas e que as mônadas estão livre de díades e tríades; díades estão livres de trí-ades, mas envolvem necessariamente mô-nadas, e tríades envolvem o que é próprio das mônadas e das díades, Peirce reduziu a variedade de fenômenos a apenas três elementos. Desta idéia ele concebeu as categorias fenomenológicas.

As categorias foram elaboradas após um estudo minucioso de como os fenô-menos se apresentam à experiência, sen-do que “fenômeno é o total coletivo de tudo aquilo que está de qualquer modo presente na mente, sem qualquer consi-deração se isto corresponde a qualquer coisa real ou não”31.

Em 1885, ele publicou um estudo de-nominado: Um, dois, três: categorias fun-damentais do pensamento e da natureza, onde as categorias retornam ampliadas à natureza, isto porque suas investigações empíricas se prolongaram por muitos anos e ele constatou a presença delas em diversas áreas do conhecimento como, por exemplo, a psicologia, a metafísica, a fisiologia, a física.

Há três modos pelos quais se constitui a nossa experiência, a saber: por meio da qualidade (relação monádica), da alte-ridade (relação diádica) e da mediação (relação triádica) e tais modos de aparecer

Há três modos pelos quais se constitui nossa experiência

Figura 2

mônada díade tríade

21Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Luciana C. Pagliarini de Souza e Maria Ogécia Drigo

32 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 346-347.

33 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 324.34 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1. p. 322.

35 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 5. p. 66.

36 Charles Sanders Peirce. Semiótica, p. 63.37 Charles Sanders Peirce. Semiótica, p. 61.

38 Lúcia Santaella. Cultura das mídias, p. 60.

constituem as categorias denominadas: primeiridade, secundidade e terceiridade, respectivamente32.

Como primeiridade se tem um modo do aparecer dado pelas qualidades do fenômeno. É algo do fenômeno que não reage, que se apresenta como um objeto que não resiste. As qualidades da cor, do som, do odor, do prazer estão presentes em fenômenos completos em si mesmos e que se constituem em livres possibilidades de experiência.

A qualidade de sentimento é monádica, ela não depende de outra coisa do mundo, em nenhum aspecto. A vermelhidão, por exemplo, existe independente de alguém imaginá-la ou percebê-la em uma realiza-ção, ou seja, ela existe independente de um confronto ou de uma idéia que a mente humana possa construir envolvendo-a. Assim, ela é livre, tem frescor. É pura pos-sibilidade. Quando se é tomado por uma qualidade de sentimento, não há confronto e não há tempo. Não há cognição.

Outro modo do fenômeno aparecer é o da alteridade, o lado da contrariedade, da resistência. É algo que se opõe à vontade, à expectativa.

Estamos continuamente colidindo com o fato duro. Esperávamos uma coisa ou passivamente tomávamo-la por admissível e tínhamos sua imagem em nossas mentes, mas a experiência força esta idéia ao chão e nos compele a pensar muito diferente-mente33. É ação mútua entre duas coisas sem considerar qualquer tipo de terceiro ou meio e, em particular, sem considerar qualquer lei de ação34.

Este modo de aparecer objetual é característica da secundidade. Por outro lado, a terceiridade não se reduz às qua-lidades ou aos embates da secundidade. “É a idéia daquilo que é tal qual é por ser um Terceiro ou Meio entre um Segundo e seu Primeiro”35. Terceiridade é, portanto, sinônimo de mediação.

Um signo, ou representamen, é um Primei-ro que se coloca numa relação triádica ge-nuína tal como um Segundo, denominado seu objeto, que é capaz de determinar um Terceiro, denominado Interpretante, que assume a mesma relação triádica com seu objeto na qual ele próprio está em relação com o mesmo objeto36.

Assim, neste sentido amplo, signo é mediação. De acordo com Peirce37, “re-presentar é estar no lugar de, isto é, estar numa relação com um outro que, para cer-tos propósitos, é considerado por alguma mente como se fosse outro”.

Logo,

um signo só é signo porque esse corpo material que o constitui está para alguma coisa que não é ele mesmo. Ele só fun-ciona e age como signo porque substitui, representa, está no lugar de alguma coisa que não é ele. Nessa medida, o signo é tão material quanto aquilo que chamamos de realidade, ao mesmo tempo que carrega o poder de representar para alguém isso que é chamado de realidade38.

Mas por ser sempre parcial - por represen-tar para alguém o que é chamado de realidade – o signo tenta resgatar esta dívida para com o objeto gerando interpretantes. O interpretante seria uma outra representação relativa ao

Figura 3

Signo (Representâmen)

Objeto Interpretante

Comunicação e cognição: reflexões sobre...

22C o m m u n i c a r e

39 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 6, p. 347.40 Lúcia Santaella. Teoria Geral dos Signos, p. 85.

41 Winfred Nöth. Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce, p. 74.

42 Lúcia Santaella. Estética de Platão a Peirce, p. 158.

Peirce levou a noção de signo tão longe ao ponto do seu interpretante, quer dizer o efeito que o signo produz, não ter de ser necessariamente uma palavra, uma frase ou um pensamento, mas poder ser uma ação, reação, um mero gesto, um olhar, um calafrio de regozijo percorrendo o corpo, um desfalecimento, devaneios incertos e vagos, uma esperança, estado de deses-pero, enfim, qualquer reação que seja, ou até mesmo um estado de indefinição do sentimento que sequer possa receber o nome de reação42.

O primeiro é o signo; o segundo, o objeto, enquanto o produto da síntese intelectual é o interpretante (terceiro). A ação do signo só se efetiva quando ele gera um outro signo, ou seja, o interpretante não permanece como potencialidade. Ao tecer esta teia semiótica, de interpretantes em interpretantes, se cons-tata a incompletude do signo e a resistência do objeto na ação do signo. O objete persiste. Devido a esse movimento, no sentido que potencialmente se geram infinitos inter-pretantes, pode-se concluir que se caminha assintoticamente para a verdade e que jamais se apreende o real inteiramente. O real e a verdade são inatingíveis, mas podem ser aproximados, aproximados até por desvios infinitesimais.

Mas como relacionar a estética, a ética e a lógica ao pensamento/ação?

A estética e o pensa-mento/ação

O movimento dos interpretantes de um signo tende a um interpretante final – o limite ideal a ser atingido pelo signo –, confirmando que a semiose é infinita, que por necessidades práticas é interrompida, e que os interpretantes tomados como finais, tendem ou se aproximam infinitesi-

mesmo objeto, ou melhor, o interpretante de um signo é outro signo. Mas, por sua vez, esse signo gera como interpretante um outro signo e assim sucessivamente e infinitamente.

A definição de signo pode ser dada pelo diagrama (figura 3).

Observando o diagrama pode-se enfa-tizar que ele exibe uma relação triádica. Assim,

(...) um signo pretende representar, pelo menos em parte, um objeto que é, portanto, num certo sentido a causa fundante deste signo. Mas dizer que ele representa seu objeto implica em que ele afete uma mente, de tal modo que nela determine algo devido ao objeto. Esta determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo, e cuja causa

mediada é o objeto, pode ser chamada interpretante39.

Faz-se necessário aten-tar para o fato de que o interpretante não pode ser confundido com intérprete ou interpretação.

Ao dizer que o signo determi-na um efeito sobre uma pessoa (ou intérprete), Peirce está que-rendo afirmar, genericamente, que o signo não é resultado de uma atividade subjetiva. O signo não depende de uma atividade individual que

venha a introjetar no signo aquilo que lhe falta, isto é, o interpretante. O signo é capaz de determinar o interpretante porque dispõe de poder de gerá-lo, ou seja, o interpretante é uma propriedade objetiva que o signo possui em si mesmo, haja um ato interpretativo particular que o atualize ou não. O poder interpretativo, o “devir” é um efeito que o signo, como tal provoca e que depende exclusivamente do ser do signo e não de um ato subjetivo de interpretação40.

Assim, o significado do signo é o inter-pretante. Esta é uma definição pragmática da significação, pois o interpretante foi definido como o próprio resultado signi-ficante, ou seja, o efeito do signo41.

Segundo Peirce o ideal é como uma conduta deliberada

23Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Luciana C. Pagliarini de Souza e Maria Ogécia Drigo

43 Lúcia Santaella. Teoria geral dos signos, p.113.44 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 5, p. 475.45 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 5, p. 476.

46 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 5, p. 486.

47 Charles Hartshorne; Paul Weiss; Arthur Burks (eds.). Op. cit., v. 1, p. 574.

48 Lúcia Santaella. Estética de Platão a Peirce, p.126.

esperanças, temores etc.), expectativas e hábitos, Peirce conclui que o hábito é a essência do interpretante lógico. Acres-centa que

(...) não é nenhuma explicação da natu-reza do interpretante lógico (o qual já sabemos, é um conceito) dizer que ele é um conceito. Esta objeção também se aplica para desejo e expectativa, como explicações do mesmo interpretante, desde que nenhum dos dois é geral senão vinculados a um conceito. Além disso, como para o desejo seria fácil mostrar que o interpretante lógico é um efeito do interpretante energético, no sentido de que o último é um efeito do emocional. Desejo, entretanto, é causa, não efeito, de esforço.(...) expectativa está excluída pelo fato de que não é condicional46.

Sendo o hábito a essência do interpre-tante lógico e considerando-se que a ação humana é arrazoada, ou seja, deliberada e autocontrolada, ela deve ser norteada por fins, que envolvem escolhas. Por sua vez, escolhas, a fim de serem racionais, também devem ser deliberadas e autocontroladas.

Segundo Peirce o ideal é como uma conduta deliberada, o que implica que cada ação seja analisada pela pessoa, que seu julgamento seja reavaliado para se saber se ela deseja que sua conduta futura seja ou não como aquela47.

O ideal é o fim último em direção ao qual o ser humano deve se dirigir, que é o admirável – o ideal supremo para o qual nosso desejo, vontade e sentimento deve-riam estar voltados, ou ainda, o ideal dos ideais, o summum bonum, que não precisa de nenhuma justificativa ou explicação48.

malmente deste43. O interpretante desve-lado quando da interrupção da semiose, na mente humana, pode ser: emocional, energético ou lógico.

O interpretante será dividido em emocional, quando estiver vinculado ao sentimento; energético, quando estiver vinculado à reação e lógico, quando estiver vinculado ao significado.

Como qualquer um deles pode preva-lecer, então, a ação do signo em questão possibilita vivenciar uma qualidade de sentimento, experienciar uma determi-nada conduta ou produzir controle crítico deliberado de hábitos e crenças.

A “primeira propriedade significativa do signo é um sentimento”44 que Peirce denomina de interpretante emocional. Acrescenta que este pode ser o único efeito significativo que o signo produz, mas pode também dizer muito mais do que aquele sentimento de reconhecimento. Se um signo produz qualquer outro efeito significativo, certamente, o fará através da mediação do interpretante emocional e tal efeito envolverá um esforço. Peirce deno-minou tal interpretante de energético, que não pode ser o significado de um conceito intelectual, pois ele é um único ato.

O interpretante lógico, de natureza condicional, deve ser geral nas suas pos-sibilidades de referência. Peirce diz que o efeito pode ser um pensamento se o signo for do tipo intelectual e ele não pode ser o último interpretante lógico do conceito. Ele diz que

(...) o único efeito mental que pode ser produzido e que não é um signo, mas é uma aplicação geral, é uma mudança de hábito; significando mudança de hábito uma modificação de uma tendência da pessoa para uma ação, como resultado de experiências prévias e de exercitações prévias de sua vontade ou ato, ou de um complexo de ambos os tipos de causa45.

Ao examinar as quatro categorias do fato mental que são de referência geral, a saber: concepções, desejos (incluindo

Comunicação e cognição: reflexões sobre...

24C o m m u n i c a r e

49 Vincent G. Potter. Charles Sanders Peirce on norms & ideals, p. 50.

Mas, o ideal estaria vinculado somente à qualidade de sentimento? Então, a lógica não estaria vinculada à estética? De acordo com Potter, a ênfase no admirável per se, foi substituída, por Peirce, pelo hábito de sentimento no agente49. Assim, quando o ser humano toma um ideal como seu – via hábitos de sentimentos –, ele está sujeito à crítica e ao controle. Logo, o ideal se modifica, pode ser corrigido e se desenvolve. Os ideais, desde que adotados pelo ser humano, são objetos de crítica e controle, logo, podem ser denominados racionais. Assim, se explica a idéia de que o admirável envolve a lembrança, no sentido de reconhecimento.

Mas qual é o meio que facilita a instau-ração ou o cultivo de hábitos de sentimen-to e qual a relação disto com os processos comunicacionais?

Considerações finais

Inúmeras possibilidades de interpre-tações ou de significações podem levar à efetividade do processo de autogeração do signo ou para momentos em que significa-dos são compartilhados, quando o proces-so comunicacional envolve a atualização da tríade signo/objeto/interpretante em mentes humanas diferentes.

O meio permeado de signos com potencial de gerar interpretantes facilita a instauração ou o cultivo de hábitos de sentimento no agente. Tal meio seria o que propicia o envolvimento com a arte? Não só, como usualmente pode se inferir. O que pode levar ao aumento da razoabi-lidade são os ricos processos de signifi-cação – que podem se dar envolvendo as mais diversas áreas do conhecimento. A arte desempenha um importante papel, o de tornar os seres humanos mais sus-cetíveis aos processos de significação. Esse meio propiciaria a (re)instauração de hábitos de sentimentos.

Tal conclusão, no entanto, permite con-jeturar sobre a dificuldade de efetivação de processos comunicacionais, uma vez que eles dependem de hábitos de sentimento, que são difíceis de serem modificados. Sim, pois o pensamento autocontrolado e a ação podem se modificar ou por argumen-tos lógicos ou pelo bom-senso, enquanto os hábitos de sentimento são modificáveis se os seres humanos se submeterem ou se envolverem com objetos ou situações capazes de produzir sua regeneração.

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Comunicação, política e sociedade

Irineu Guerrini Jr.Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USPDocente e pesquisador da Faculdade Cásper Líbero.

Docente da Fundação Armando Álvares [email protected]

Resumo

No período de 1943 a 1960, a Rádio Gazeta de São Paulo notabilizou-se por manter uma rica programação musical, feita ao vivo principalmente por seus corpos estáveis: uma orquestra sinfônica, um coral, músicos e cantores solistas. Essa programação era dirigida a uma elite cultural de uma cidade onde, ao contrário de outras regiões do país, o Estado demorou a chegar como promotor de uma atividade radiofônica. O artigo destaca a importância da Rádio Gazeta através do resgate da memória de antigos músicos, cantores, ouvintes e freqüentadores de seu auditório.

Palavras-chave: Rádio Gazeta, história, São Paulo.

Abstract

From 1943 to 1960, Gazeta Radio in São Paulo was remarkable for keeping a wide variety of musical programming, live, especially performed by its permanent bodies: a symphony orchestra, a choir, musicians and solo singers. Such program-ming was addressed to a cultural elite of a city where, contrary to other regions in the country, the State delayed to be the promoter of a radiophonic activity. This article highlights the importance of Gazeta Radio by the revival from the memory of past musicians, singers, listeners, and audience.

Key words: Gazeta Radio, history, São Paulo.

Resumen

En el período de 1943 a 1960, la Radio Gazeta de São Paulo se hizo notable por mantener una rica programación musical, hecha en directo principalmente por sus cuerpos estables: una orquesta sinfónica, un coral, músicos y cantantes solistas. Esa programación se dirigía a una élite cultural de una ciudad en la que el Estado, diferentemente de otras regiones del país, tardó en llegar como promotor de una actividad radiofónica. El artículo señala la importancia de la Radio Gazeta a través del rescate de la memoria de antiguos músicos, cantantes, oyentes y frecuentadores de su auditorio.

Palabras clave: Radio Gazeta, historia, São Paulo.

Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta no cenário sociocultural

de São Paulo dos anos quarenta e cinqüenta

Radio for the elite: the role of Gazeta Radio in the social and cultural scenario of São Paulo

in the 1940s and the 1950s

Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta...

26C o m m u n i c a r e

Introdução

magine-se uma emissora de rádio comercial no Brasil que mantinha uma Orquestra Sinfônica formada

por músicos brasileiros e estrangeiros de altíssimo gabarito e notável prática orquestral; que dispunha de um Coral formado através de concurso público am-plamente divulgado; que transmitia um programa semanal em que eram apresen-tadas, com seu próprio elenco, versões compactas de grandes óperas, algumas em primeira audição em São Paulo, e um programa de música sinfônica aos do-mingos em que se ouviam grandes atra-ções nacionais e internacionais, na qual

se deu a estréia de Car-mina Burana no Brasil; que chegou a contratar cantores líricos na Itália; que promovia um con-curso de jovens pianistas, patrocinado por uma fábrica de pianos, em que se revelaram alguns talentos que hoje estão entre os grandes nomes do teclado brasileiro; que contava também com um “Jazz”, ou big band, que se apresentava várias

vezes por semana; e ainda um Jazz Sin-fônico, que era a união da big band com a Sinfônica; uma emissora cujo primeiro Diretor Artístico era reverenciado como “o príncipe dos pianistas brasileiros”, tendo ganho o primeiro prêmio do Conservatório de Paris e convivido com Ravel; que empregava uma programadora musical de fulgurante carreira interna-cional como cantora, tendo-se apresen-tado numerosas vezes com Stravinsky, Prokofiev, de Falla, Villa-Lobos e outros nomes do modernismo musical das pri-meiras décadas do século XX.

Imagine-se também que o acesso ao seu auditório era gratuito, e nele podia-se

Iassistir a algumas horas de música ao vivo pelo menos seis dias por semana; que essa emissora era ligada a um jornal que chegou a ser o de maior tiragem em São Paulo, que lhe dava constante e extensa cobertura; que ainda encontramos um número relativamente grande de antigos ouvintes, músicos e freqüentadores de seu auditório com lembranças muito vi-vas dessa intensa atividade radiofônica; que há registros sonoros dos programas dessa época; que sobreviveram cerca de 5.000 partituras, na sua maioria, bem conservadas, originadas na emissora; e que esse estilo de programação durou cerca de 17 anos.

Imagine-se, finalmente, que até o momento, apesar da sua evidente im-portância e da abundância de registros e memórias, essa emissora só recebeu pequenas referências em alguns livros e artigos. Está pronta a justificativa do tema desta pesquisa. Nas próximas páginas, tentarei sintetizar a trajetória da Rádio Gazeta de São Paulo e sua inserção no quadro sociocultural da cidade num perí-odo que vai de 1943 – ano de sua criação por Cásper Líbero – a 1960, quando sua programação tomou outro rumo, refle-tindo mudanças que ocorriam em todo o rádio brasileiro.

Quando a Rádio Gazeta é criada, em 1943, estamos no final do governo de Getúlio Vargas, e o fundador da emissora, homem de grande prestígio político e empresarial, morre num acidente aéreo, poucos meses depois de tê-la criado. No entanto, o estilo de programação da emissora é mantido.

Sete anos depois, em 1950, inaugura-se a primeira emissora de televisão do Brasil – e sabe-se que a popularização da televisão iria abalar profundamente a pro-gramação das emissoras de rádio. Como a TV levou tempo para chegar às camadas populares, algumas emissoras de rádio resistem, com os seus programas ao vivo e de produção cara: a Gazeta é uma delas.

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1 Armando Belard. Vocação e arte: memórias de uma vida para a música, p.78.

extenso, já concluído, do qual este texto é uma síntese.

A Rádio Educadora, precursora da Rádio Gazeta

Quando Cásper Líbero inaugura a Rá-dio Gazeta, em 1943, as transmissões ainda se fazem do estúdio que a Rádio Educadora mantinha na rua Carlos Sampaio, a qual havia sido adquirida para ser transformada na Rádio Gazeta. A Educadora, a primeira emissora a ser criada em São Paulo, ainda no modelo de rádio-clube, não apenas era uma emissora disponível para aquisição, como sua programação, ainda que de modo precário, já apresentava certas caracterís-ticas do que viriam a ser as transmissões da Rádio Gazeta, esta sim uma emissora com muito mais recursos e ligada a um dos principais jornais do país.

A Educadora, entre outros programas, transmitia palestras “visando principal-mente a família brasileira”, apresentadas por “figuras representativas do meio social, literário, artístico e científico”. Em 1928, chegou a contar com uma orquestra com cerca de 25 músicos, pertencentes, na maioria, à Sociedade de Concertos Sinfô-nicos e ao Teatro Municipal.

O maestro Armando Belardi, que traba-lhou na Educadora, e que mais tarde seria por muitos anos Diretor Artístico da Rádio Gaze-ta, diz, em seu livro Vocação e arte: memórias de uma vida para a música: “A Rádio Gazeta era a antiga Rádio Educadora Paulista, cuja massa falida tinha sido adquirida pelo sau-doso jornalista Cásper Líbero”1.

Se é verdade que Cásper Líbero adqui-riu a Educadora em tão lamentável estado, a situação da emissora iria mudar, e muito, nos anos seguintes, agora transformada em Rádio Gazeta.

Mas o público da televisão cresce conti-nuamente. Finalmente, acontece o que já estava ocorrendo em outros países: nenhu-ma emissora de rádio – pelo menos onde predomina o modelo comercial – suporta a concorrência da TV, e a programação das emissoras se simplifica. A Gazeta não é uma exceção e acaba sucumbindo à nova realidade do rádio brasileiro.

A metodologia

Para este trabalho, adotei a seguinte metodologia:

a) Pesquisa na coleção de jornais A Gazeta existente no prédio da Fundação Cásper Líbero: o jornal A Gazeta dava grande co-bertura à emissora, sob várias formas: pro-gramação corrida, diariamente; anúncios diários, padronizados, da programação de horário nobre – das 20h00 às 22h30, aproximadamente; anúncios variados, muito freqüentes, de programas especí-ficos, com tamanhos e formatos diversos (alguns em cores); reportagens variadas, freqüentemente com fotos, muitas delas tomando meia página.b) Gravação de depoimentos: registrei em CD, na maior parte das vezes nos estúdios de rádio da Faculdade, depoimentos de músicos, cantores, freqüentadores do au-ditório e antigos ouvintes. c) Pesquisa na atual Discoteca da Rádio Gazeta.d) Cópia de gravações de programas da Rádio Gazeta em mãos de particulares. e) Pesquisa no acervo da Rádio Cultura de São Paulo (vários programas com referên-cias à Rádio Gazeta).Visita ao acervo de aproximadamente 5.000 partituras da emissora, atualmente abrigado no Arquivo do Teatro Municipal de São Paulo.g) Pesquisa em acervos bibliográficos variados.

Esta pesquisa resultou num trabalho

Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta...

28C o m m u n i c a r e

Cásper Líbero, o jornal A Gazeta e a Rádio Gazeta

O fato de a Rádio Gazeta fazer parte da mesma organização que possuía o jornal A Gazeta é fundamental para entender o seu papel na sociedade paulista. Deve-se lem-brar que com a disseminação do rádio e a adoção do modelo “comercial” para o seu funcionamento, muitos grupos jornalísti-cos, nos mais variados países, entenderam que deveriam ampliar suas atividades para esse novo veículo. No Brasil, o caso mais importante, durante décadas, foi o dos Di-ários e Emissoras Associadas, comandado por Assis Chateaubriand. Além disso, se um jornal se dirigia a um determinado tipo

de público, provavelmente pretendia operar uma emis-sora de rádio que falasse a esse mesmo público.

No Brasil, pode-se lem-brar de alguns casos de jornais dirigidos a uma certa elite que criaram emissoras de rádio para esse público: Jornal do Brasil/Rádio Jor-nal do Brasil; O Estado de S. Paulo/Rádio Eldorado de São Paulo, e A Gaze-ta/Rádio Gazeta. Quanto

a este último, um anúncio publicado no Anuário de rádio de 1949, da revista Pu-blicidade e Negócios, referia-se ao jornal e à emissora como “duas grandes forças numa só diretriz”2.

Cásper Líbero adquiriu o jornal A Gazeta em 1918. Segundo seu biógrafo Sil-veira Peixoto3, não era um homem de gran-des posses, mas seu bom relacionamento social e político deve ter-lhe facilitado a obtenção de créditos. A Gazeta apoiava o Partido Republicano Paulista (PRP), que representava a oligarquia cafeeira do Estado, e esse apoio iria ter importância muito grande para o destino do jornal. Maria Helena Capelato, em Os arautos do

liberalismo: imprensa paulista 1920-1945, analisa a atuação de A Gazeta nos anos 20 como a de um jornal de orientação católi-ca, tradicional, ultramontanista e defensor da civilização latina, européia, espiri-tualista, contra a civilização anglo-saxã, americana e materialista4. Em 1930, A Ga-zeta apóia o governo (do fim) da Primeira República, contra a revolução liderada por Getúlio Vargas. Como resultado, em 24 de outubro do mesmo ano, suas instalações são empasteladas por forças favoráveis ao novo Governo. A oposição do jornal a Vargas continua e em 1932, juntamente com o jornal O Estado de S. Paulo, lidera o movimento conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932. Cásper exila-se no mesmo ano, mas em 1934 volta, e a Justiça reconhece os direitos de ressar-cimento pelas perdas de 1930, tendo A Gazeta recebido indenização dos cofres públicos. Em 1934, o PRP decide lançar a candidatura de Cásper Líbero a deputado federal. Ele recusa, afirmando que prefere continuar o seu trabalho de jornalista à frente de A Gazeta5.

A partir da decretação do Estado Novo, em 1937, A Gazeta não somente vive em paz com o Governo de Getúlio, como passa a tecer elogios ao Presidente, até em editoriais, algo que ia além das exigências do DIP – o Departamento de Imprensa e Propaganda do governo fede-ral, que censurava todas as publicações. O jornalista encantava-se principalmente, e mais uma vez, com o aspecto nacionalista da política do presidente. Vargas e Cás-per visitam-se mutuamente, e é notório o aumento do prestígio do jornalista na política nacional.

No Brasil, pode-se lembrar de alguns casos de jornais dirigidos a uma certa elite

2 Anuário de rádio. Publicidade e Negócios, p. 179. 3 Silveira Peixoto. Cásper, p. 41. 4 Maria Helena Capelato. Os arautos do liberalismo: imprensa paulista 1920-1945, p. 157. 5 Para mais detalhes a respeito da vida de Cásper Líbero consultar a biografia elaborada por Silveira Peixoto ou a dissertação de mestrado de Gisele Hime, ambas citadas nas referências bibliográficas.

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Em março de 1938 Cásper visita a Alemanha com o objetivo de adquirir novos equipamentos para A Gazeta. Em 3 de novembro de 1939, Cásper inaugura o Palácio da Imprensa, na rua da Conceição, atual Avenida Cásper Líbero. É o primeiro prédio construído no Brasil para servir de sede a um jornal. Nesse mesmo prédio também se instalaria, dali a poucos anos, a Rádio Gazeta, que só viria a aumentar a importância da organização como pólo cultural de São Paulo.

A partir, principalmente, de 1940, como reflexo das mudanças que iriam culminar com a declaração de guerra por parte do Brasil aos países do Eixo, o jornal freqüentemente publica edito-riais que falam da melhoria das relações Brasil-Estados Unidos, sugerindo uma aproximação com a política do pan-ame-ricanismo, propagada por aquele país. Cásper recebe visitas de empresários e do próprio cônsul americano em São Paulo. Ele mesmo visita os Estados Unidos em 1941 e novamente em 1943.

A aproximação com Vargas certamente foi indispensável para que a organização criasse a Rádio Gazeta. Como é sabido, a concessão para a utilização de freqüências de rádio era, como ainda é, atribuição do governo federal. A outorga é sempre em caráter provisório, e o outorgado está sujeito a fiscalização. Some-se a isso o fato de ter havido forte censura aos meios de comunicação durante a ditadura de Vargas e é fácil concluir que teria sido impossível obter uma dessas concessões se ainda houvesse atritos entre Cásper Líbero e Getúlio Vargas.

Um indício do enorme prestígio de Cásper Líbero e sua organização, não só junto ao governo federal, mas também à classe empresarial e ao corpo diplomáti-co, é a relação de convidados presentes na inauguração da emissora, no dia 14 de março de 1943. Nela estavam o Ministro do Exterior, o Ministro da Justiça e Tra-balho, o Ministro da Fazenda, o Ministro

da Agricultura, o Embaixador dos Estados Unidos, o Embaixador do Reino Unido, o Embaixador do Chile, o Embaixador do Canadá, o Embaixador do México, o Inter-ventor Federal, João Neves da Fontoura, parlamentar e Embaixador do Brasil em Portugal; o presidente da FIESP (Federa-ção das Indústrias do Estado de São Paulo); o presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa); o presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro e o presidente da Associação Comercial de São Paulo, entre outros. Quantas emissoras de rádio, ou mesmo de TV, em qualquer época, po-deriam contar para a sua inauguração com essa lista de convidados? E muitos tiveram que se deslocar do Rio para São Paulo.

Souza Lima e Vera Janacopulos

O concerto sinfônico que inaugurou a Rádio Gazeta já tinha a batuta de Souza Lima, conforme se pode ver nos anúncios da época publicados pelo jornal. Foi ele o primeiro Diretor Artístico da emissora.

Umas poucas passagens da sua tempo-rada na Europa, com bolsa do governo do Estado de São Paulo, demonstram por que, mais tarde, Souza Lima seria considerado “o príncipe dos pianistas brasileiros”. Em seu livro de memórias Moto Perpétuo, ele conta que em 1923 concorreu a uma das três vagas para piano abertas pelo Conservatório de Paris, juntamente com 272 candidatos, e obteve o primeiro lugar! Passou a estudar na classe de Marguerite Long, nome res-peitadíssimo, e no final do primeiro ano, juntamente com 70 alunos, concorreu ao prêmio do Conservatório, tendo ficado com o 2º lugar apenas porque os jurados enten-deram que ele merecia ficar mais um ano na instituição. E ao fim do ano seguinte, num total de 18 concorrentes, obteve o 1º lugar do mesmo prêmio.

Há um trecho muito interessante em Moto Perpétuo em que o autor narra um

encontro com Cásper Líbero:

Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta...

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6 Souza Lima. Moto perpétuo: a visão poética da vida através da música. Autobiografia do Maestro Souza Lima, p. 3. 7 Mário de Andrade. Ensaio sobre a música brasileira, p. 168.8 Nilcéia Baroncelli. A rádio que não foi ao ar: Mário de Andrade e a Discoteca Pública Municipal, p. 2- 4.

(...) Fui convidado, novamente pelo gran-de jornalista Cásper Líbero, para ser o primeiro diretor artístico da nova emissora que estava fundando. Em nosso primeiro contato pareceu-me estar um tanto rece-oso, julgando que na minha atuação só iria interessar-me na promoção de música clássica. Ficou radiante quando lhe expus minha programação, que compreendia to-dos os gêneros: clássico (orquestra, câma-ra, solistas), folclórico, sertanejo, popular e música de outros países. Foi assim que depois de muito trabalho, dedicação e ob-servação dotei a nova estação de excelente orquestra, excelente conjunto sertanejo, cantores populares os de maior evidência; enfim, abordei todos os aspectos da música em todas as suas modalidades6.

Nos depoimentos sobre a Rádio Gaze-ta que pude obter, um dos programas mais lembrados é A Música dos Mestres, que durante muitos anos foi ao ar diariamente, de segunda a sábado, das 13 às 14 horas. Nos anúncios da emissora em A Gazeta, o programa também aparece com fre-qüência: o jornal publica a programação diária e, às vezes, de toda a semana, organizada, conforme o dia, por gêneros, como música sinfônica, música de câma-

ra, música lírica etc. Obedecendo ao padrão de programas

que eram transmitidos fora do horário nobre (na época, o horário nobre do rádio era à noite), A Música dos Mestres era feito com discos, e a seleção das gravações esteve a cargo, durante os oito anos em que morou em São Paulo, de Vera Janacopulos, cantora brasileira de excepcional carreira inter-nacional. Vera conviveu e se apresentou com Stravinsky, Prokofiev, de Falla, Fauré, Milhaud e muitos outros, nas suas apresen-tações na Europa e nos Estados Unidos nos anos 20 e 30. O acervo da Unirio conserva muitas dedicatórias afetuosas dessas e de outras figuras da música a ela dirigidas.

Vera Janacopulos também se apre-sentava no Brasil. E aqui já estamos mais próximos da colaboração de Vera Janacopulos com a Rádio Gazeta, não só como programadora de destaque, mas também como cantora, pelo menos numa primeira fase. E para isso, convém lembrar que Mário de Andrade, quando à frente do Departamento Municipal de Cultura (por ele criado, juntamente com Paulo Duarte), inaugurou também a Discoteca Pública Municipal, em agosto de 19357, que teve à sua frente, durante muitos anos, Oneyda Alvarenga. Na verdade, segundo a pesquisadora Nilcéia Baroncelli8, Mário de Andrade fez constar, já no organograma inicial do Departamento, uma Rádio-Esco-la – que ficou apenas no papel – da qual a Discoteca Pública Municipal era subseção. Segundo a pesquisadora, a Discoteca era a “menina dos olhos” do seu criador, e nela se depositaria todo o acervo necessário para manter a rádio no ar.

De volta ao Brasil, em 1943, Vera en-contra-se em São Paulo, trabalhando para a Rádio Gazeta e dando aulas de canto. Para o seu trabalho na emissora, dados o seu cur-rículo e a admiração que Mário de Andrade tinha por ela (Mário dedicou-lhe várias críticas elogiosas) e não existindo a Rádio-Escola, não deve ter sido difícil firmar um convênio entre a emissora e a discoteca, de modo que a primeira pudesse usar o acervo fonográfico da segunda, mesmo numa época em que Mário de Andrade já não estava à frente do Departamento Municipal de Cul-tura, pois Oneyda Alvarenga, a responsável pela Discoteca, era pupila de Mário. Esse convênio deve ter tido papel essencial para a existência do programa nos seus primeiros

E aqui já estamos mais próximos da colabora-ção de Vera Janacopu-los com a Rádio Gazeta

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tempos (mais tarde, os anúncios já não tra-zem a menção da Discoteca, mas em 1943, devido à guerra, a importação de discos devia ser difícil, e o programa vivia à base de gravações importadas). A Música dos Mestres ajudou muitos ouvintes a amplia-rem seu repertório musical e a entrarem em contato com compositores e intérpretes que, não fosse o programa, estariam inacessíveis à maioria deles.

Armando Belardi

Em toda a cobertura dada pelo jornal A Gazeta à emissora, o nome mais freqüente, tanto nos anúncios como nas reportagens (muitas delas com fotos), é, por larga margem, o do maestro Armando Belardi, que substituiu Souza Lima no cargo de Diretor Artístico da emissora. Ele escreveu um livro autobiográfico, Vocação e arte: memórias de uma vida para a música, e gravou uma série de programas para a Rá-dio Cultura de São Paulo em que também relata trechos de sua vida.

Armando Belardi começou a sua car-reira como violoncelista em São Paulo, tendo mais tarde voltado seus interesses para a regência. Em 1913, viaja para a Itália, onde estuda no Conservatório de Música Santa Cecília, e no ano seguinte diploma-se no Conservatório de Música Gioacchino Rossini, de Pesaro. De volta ao Brasil, em 1915, inicia intensa ativi-dade como músico e professor. Em 1935, começa a sua carreira de regente, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em 1944, ao mesmo tempo em que exerce outras ati-vidades, entra para a Rádio Gazeta, e seu nome destaca-se principalmente em três programas: a Cortina Lírica, a Soirée de Gala e o Teatro de Opereta.

Cortina Lírica era um programa trans-mitido aos sábados, às 21 horas, que apre-sentava óperas com o elenco da própria emissora – cantores solistas, orquestra e, quando a obra assim o exigia, coral. Às vezes apresentava primeiras audições

em São Paulo, como foi o caso de Lakmé, de Delibes. Somente no ano de 1957, por exemplo, Cortina Lírica apresentou 36 óperas diferentes, sempre sob a direção de Belardi.

Soirée de Gala, aos domingos, também às 21 horas, era, em geral, um programa de música sinfônica. Sinfonias, concertos e aberturas de óperas eram muito freqüentes no programa, que às vezes contava com grandes solistas. E foi em Soirée de Gala que se deu a estréia nacional da cantata Carmina Burana, de Carl Orff, com a par-ticipação de cantores-solistas e coral.

Teatro de Opereta ia ao ar às quintas-feiras, no mesmo horário das 21 horas, e apresentava operetas em forma com-pactada e freqüentemente com cantores especializados nesse gênero, muito bem dominado por Belardi, pois na sua moci-dade havia participado de orquestras que se apresentavam em operetas.

E o mesmo maestro às vezes regia a or-questra em outros dias da semana, embora a sua atividade na Rádio Gazeta não fosse a única: ele teve um importante papel no Teatro Municipal e na Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo.

Belardi contrasta com as figuras de Souza Lima e Vera Janacopulos. Enquanto estes tinham uma formação mais refinada e conviveram com a vanguarda musical européia nos anos 30 e 40, aquele mani-festava um gosto musical mais simples e conservador. Na série de programas de me-mórias que gravou para a Rádio Cultura, ele conta que, na sua mocidade, recusava até Debussy e Ravel; Stravinsky “era um maluco”, e “esse tal de Schoenberg não vale nada, eu nunca toco”9. Mas é inegá-vel que tinha uma grande energia para o trabalho e uma notável experiência como regente, algo reconhecido por todos os que trabalharam com ele.

9 Armando Belardi. “O universo sonoro de Armando Be-lardi” [9 CDs]. Série de programas produzida pela Rádio Cultura, programa n. 2.

Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta...

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10 Trecho do arquivo de pesquisa quantitativa do Ibope, v. 2, p. 499, 1947.11 Trecho do arquivo de pesquisa quantitativa do Ibope, v. 4, set. 1958.12 Centro Cultural São Paulo. O rádio paulista no cente-nário de Roquette Pinto, p. 40.

A música popular na programação

Embora desse bom destaque para a música clássica, a Gazeta também apre-sentava muita música popular, fosse em programas à base de discos, fosse em programas ao vivo no horário nobre. Neste, destacava-se o Jazz da Gazeta, que tinha como líder o Maestro Antô-nio Sergi, o Totó. O Jazz apresentava-se sozinho, acompanhando cantores, e às vezes se unia à Orquestra Sinfônica, o que resultava num Jazz Sinfônico. Havia também conjuntos menores, trios, quarte-tos, grupos vocais etc., que se dedicavam à música popular e se apresentavam ao vivo no horário nobre. Alguns cantores

eram do elenco permanen-te, outros eram contratados para temporadas, como Nelson Gonçalves ou Síl-vio Caldas; outros, ainda, vinham do exterior.

Uma emissora para quem?

No meu projeto, apresen-tava como hipótese central a importância da emissora junto a uma elite paulista,

que não seria necessária ou exclusivamen-te socioeconômica, mas cultural – vale lembrar que o slogan da emissora era exa-tamente “a emissora de elite”. Se é verdade que a sua programação não era exatamente para a grande massa de ouvintes, ou que a emissora não estivesse colocada entre as duas ou três de maior popularidade, sua audiência não era formada predominan-temente por uma elite socioeconômica. Vejamos por que:

Em primeiro lugar, recolhi depoimen-tos deste teor: “apesar de meu pai ser um comerciante de peças de automóvel e mi-nha mãe ser uma costureira semi-alfabeti-zada, eles ouviam a Rádio Gazeta todos os

dias” [Júlio Medaglia]; “eu me abalava de bonde do Butantã ao auditório da Rádio Gazeta” [Walter Lourenção]; “meu pai era um tipógrafo” [Massimo Barro]; “eu ouvia muito a Rádio Gazeta” [Norma Guerrini, minha tia, na época escrituraria]; “os in-gressos para os programas eram gratuitos” [vários] e outros.

Em segundo lugar, há os arquivos de pesquisas quantitativas do Ibope – criado em 1942 – que atualmente se encontram disponíveis na Unicamp. “O rádio não in-teressa muito às classes socioeconômicas de padrão elevado (Fato constatado desde há cinco anos pelo Ibope em pesquisas as mais intensas e extensas que se têm levado a efeito na América Latina)”10. Outro trecho indica que a emissora paulista que estava em primeiro lugar de audiência (Bandeirantes) dispunha de 14,61% dos aparelhos ligados, e a Gazeta tinha 6,6% dessa audiência, vindo acima de pelo menos dez emissoras. Ou seja, a Gazeta era, no mínimo, uma emissora de audiência média – não estava entre as últimas colocadas11.

Outro fator que deve ser levado em consideração era a composição social de São Paulo na época, caracterizada “por maciça imigração estrangeira, em especial italianos, espanhóis, portugueses, japo-neses e eslavos, mais seus descendentes, que na rádio naturalmente não poderia ser ignorada”, como lembra o crítico de rádio e TV da época Arnaldo Câmara Leitão, em depoimento transcrito em O rádio paulista no centenário de Roquette Pinto, publicado em 1984 pelo Centro Cultural São Paulo12. Mais adiante, a re-datora, Elizabeth Carmona, observa que a Rádio Gazeta tinha “uma programação

Alguns cantores eram do elenco permanente, outros eram contratados para temporadas

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13 Centro Cultural São Paulo. Op. cit., p. 41.

exclusivamente musical (sic), dirigida principalmente para as colônias alemãs e italianas, amantes da ópera e com interes-ses musicais mais apurados”13. Claro que essas observações devem ser relativizadas – o que seriam, exatamente, “interesses musicais mais apurados”? Talvez se possa dizer que os ouvintes da emissora tinham um gosto musical mais próximo do que seria o “gosto europeu”, mas aqui também nos deparamos com alguns problemas: a emissora também apresen-tava, constantemente, grandes nomes da música popular brasileira, tinha um Jazz Sinfônico, conjuntos populares brasilei-ros sob contrato e durante muitos anos, em horário nobre, um programa com Nhô Bento, um poeta caipira! Afinal, como se sabe, mesmo a elite socioeconômica bra-sileira tem freqüentemente raízes rurais... Adicione-se a tudo isso o fato de que a emissora – assim como o jornal – dava muito espaço a manifestações como as comemorações do Quarto Centenário da cidade de São Paulo, os aniversários da Revolução Constitucionalista, as repor-tagens que valorizavam o crescimento e a pujança econômica da “metrópole bandeirante” – “a cidade que mais cresce no mundo”, as atividades e a ideologia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que mantinha um programa semanal na emissora, cujo roteiro às vezes era publicado na íntegra pelo jornal, como o de 14 de março de 1950, em que seu presidente afirmava que todos poderiam tornar-se industriais, bastando para isso trabalho e perseverança – e, portanto, estava se dirigindo a uma classe social inferior à sua – e creio que o que se pode dizer com alguma segurança é que: a) Da mesma maneira que o jornal, a Rádio Gazeta era um fenômeno acentuadamente paulista e paulistano: uma emissora que mesclava Beethoven e Nhô Bento, Mensa-gem Musical da Itália e Nelson Gonçalves; b) A maioria dos seus ouvintes localizava-se em estratos sociais integrantes da clas-

se média, ou para usar um termo de maior carga ideológica, pequena burguesia, ou de pessoas que mesmo não pertencendo à pequena burguesia se identificavam com os valores “de distinção” ou de “bom gosto” dessa classe. Esses ouvintes aspiravam ao que se poderia chamar de “alta cultura”, ou “cultura de elite” (elite: distinção, bom gosto). Historicamente, essa aspiração remonta à própria ascensão da burguesia nos países ocidentais, e sua identificação com uma cultura que até então era privilégio da nobreza.

A chegada tardia do Estado

Embora fosse uma emissora comercial, a programação musical da Rádio Gazeta nesse período estudado – 1943 a 1960 – está mais próxima, em conteúdo, do que hoje seria a programação de emissoras educativas e culturais, que não visam ao lucro, como a Cultura em São Paulo ou a Rádio MEC no Rio de Janeiro. Na verdade, o Estado demorou muito mais para surgir na radiofonia paulista do que em outras regiões do país: em São Paulo, devido à sua composição social, por possuir uma economia mais desenvolvida e ser liderado por uma burguesia que queria viver num ambiente mais ilustrado, o rádio dirigido a uma elite cultural por muito tempo foi promovido por grupos particulares. Por outro lado, na então capital federal, desde 1936, o Estado já estava presente, com a Rádio MEC. Dirigidas a públicos diversos, são dos anos 30, ainda, as emissoras estatais: Rádio Difusora da Prefeitura, que pertencia ao Instituto de Educação do Distrito Federal; Rádio Inconfidência, do Estado de Minas Ge-rais; Rádio Tabajara (antiga Rádio Difusora), do Estado da Paraíba; e a PRF6, do Estado do Amazonas. A primeira emissora universitária brasileira foi criada em 1951, pela Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul.

Rádio de elite: o papel da Rádio Gazeta...

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Em São Paulo, a Fundação Padre An-chieta, financiada pelo Estado, começou a operar suas emissoras de rádio e TV so-mente em 1969, e mesmo sua emissora de TV educativa não foi a primeira do Brasil: foi precedida pela da Universidade Fede-ral de Pernambuco. O papel de emissora de rádio dirigida a uma classe de ouvintes receptiva a uma cultura de elite foi, por muito mais tempo, iniciativa exclusiva de representantes do setor privado: Rádio Educadora, Rádio Gazeta, Rádio Cultura – já na sua fase comercial – e Rádio El-dorado (ligada ao jornal O Estado de S. Paulo), especialmente na sua primeira fase. Creio que, no se que se refere a São Paulo, se possa fazer um paralelo com outras instituições surgidas nos anos 40 e início dos 50: o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), criado por Franco Zampari; a Companhia Cinematográfica Vera Cruz (também por Zampari); o MASP (Museu de Arte de São Paulo), criado por Assis Chateaubriand; o MAM (Museu de Arte de Moderna) e a Bienal (ambos por Francisco Matarazzo Sobrinho) – todos originados de grupos particulares.

Considerações finais

Creio que a esta altura parece muito clara a importância da Rádio Gazeta na vida cultural da cidade São Paulo no pe-ríodo estudado, pela programação e pela audiência que atingia. Se ainda hoje a sua programação impressiona – especialmente os programas musicais ao vivo –, devia impressionar em grau ainda maior numa cidade cujas opções de lazer cultural, nos anos 40 e 50, eram mais modestas do que as de hoje. Seja para aqueles que freqüen-tavam o seu auditório de entrada gratuita, seja para os que a ouviam em casa, a emis-sora era uma opção única em São Paulo e certamente rara no Brasil. O “modelo Rá-dio Gazeta”, de emissora comercial, com destaque para a música clássica, feita ao vivo por seus próprios músicos e cantores, é praticamente impossível de ser repetido hoje, no Brasil. O que não justifica que a trajetória da Gazeta caia no esquecimento. Espero que este trabalho e sua versão mais longa possam não apenas servir de regis-tro da história da emissora, mas também inspirar outras pesquisas.

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Comunicação, política e sociedade

Vander CasaquiDoutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP

Docente da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Resumo

Este artigo desenvolve, a partir do conceito de meeting points – definido por Di Nallo como pontos de encontro de fluxos de comunicação, pessoas e produtos – um estudo qualitativo, de viés sócio-antropológico, sobre as formas de sociabilidade e con-sumo que caracterizam dois Shopping Centers em São Paulo. Refletimos sobre as formas de apropriação dos espaços por seus freqüentadores, transformados em lugares onde se estabelecem vínculos identitários, constituem-se percepções e se apreendem informações sobre inovações tecnológicas, tendências da moda, novidades e mudanças do comportamento humano.

Palavras-chave: meeting points, consumo, sociabilidade, shopping centers.

Abstract

This article develops, from the concept of meeting points – defined by Di Nallo as meeting spots of communication flows, people and products –, a qualitative social and anthropological study on the types of sociability and consumption which characterize two Shopping Malls in São Paulo. We reflect on the kinds of appropriation of the spaces by the mall goers, transformed into places where identity bonds are established, perceptions are constituted, and information on technological innovations, fashion trends, novelties and human behavior changes are apprehended.

Key words: meeting points, consumption, sociability, shopping malls.

Resumen

Este artículo desarrolla, a partir del concepto de meeting points – definido por Di Nallo como puntos de encuentro de flujos de comunicación, personas y productos – un estudio cualitativo, de dirección socioantropológica, sobre las formas de sociabilidad y consumo que caracterizan dos Centros Comerciales en São Paulo. Reflexionamos sobre las formas de apropiación de los espacios por sus frecuentadores, transformados en lugares en los que se establecen vínculos identi-tarios, se constituyen percepciones y se aprehenden informaciones sobre innovaciones tecnológicas, tendencias de la moda, novedades y cambios del comportamiento humano.

Palabras clave: meeting points, consumo, sociabilidad, centros comerciales.

Meeting Points: shopping centers de São Paulo

Meeting points: shopping malls in São Paulo

Meeting Points: shopping centers de São Paulo

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1 O presente artigo relata resultados parciais de pesqui-sa financiada pelo CAEPM: Centro de Altos Estudos em Propaganda e Marketing, da ESPM-SP. Este trabalho con-tou com a assistência de Denise Freire (especialista).2 Egeria Di Nallo. Meeting Points, p. 21.3 Stuart Hall. A Identidade cultural na pós-moderni-dade, p. 75.4 Egeria Di Nallo. Op. cit., p. 84.

5 Egeria Di Nallo. Op. cit., p. 189.6 Massimo Canevacci. Antropologia da comunicação visual, p. 239-240.

Introdução

enfoque da pesquisa1 foi organizado em torno do conceito de meeting points,

que, segundo sua autora, a socióloga e consultora italiana Egeria di Nallo, são “pontos de encontro de consumidores, de produtos, de sistemas de produtos e (...) de fluxos comunicativos”2.

O conceito de meeting points está baseado na idéia de que, no panorama contemporâneo, as identidades se tor-nam mais fluídas, fugidias, descartáveis, principalmente quando associadas ao comportamento de consumo. Para Stu-art Hall, “somos confrontados por uma

gama de identidades (...) dentre as quais parece possível fazer uma es-colha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como so-nho, que contribuiu para esse efeito de ‘supermer-cado cultural”3.

Compreendendo o shopping center como um espaço privilegiado de interações e fluxos comunicacionais, nele as trocas transcendem

o mero caráter econômico: “definindo o mercado como arena de trocas potenciais, pode-se admitir que o conceito de troca (...) compreenda também valores simbó-licos, sociais e culturais”4. Nessa arena, o consumidor comunica e é comunicado de sentidos do mundo em que vive. A autora aponta para três níveis em que a realidade humana se articula, que, em suas interações, compõem espaços em que as novas diferenças em torno do consumo devem ser procuradas: o nível dos sistemas sociais, o das relações e o das percepções 5. Das relações sistêmi-cas às interações, e destas às maneiras de perceber dos indivíduos, devemos

Obuscar as pistas que apontem para a mu-dança, para a inovação. Sendo assim, o meeting point constitui-se como espaço de confluência de fluxos comunicativos, relacionais e perceptivos, com limites móveis e unidades que interagem no seu interior e entre elas.

A prática do shopping transcende a simples aquisição de produtos. Constitui um micro-universo complexo, com multi-facetados pontos de encontro, projeções de signos de pertencimento, trocas comunica-cionais interpessoais. Nesse espectro,

(...) a troca de mercadorias envolve a troca de imagens e de experiências corpo-rais em um nível qualitativamente dife-rente em relação ao passado, tudo gira ao redor do corpo (...); a prática do shopping tornou-se menos uma simples transição econômica e muito mais uma interação comunicacional, na qual os indivíduos trocam e consomem imagens, experiên-cias, decodificações. Descontrolam-se as emoções, embora ainda dentro de uma moldura bem controlada6.

Tendo como ponto de partida o en-tendimento dos shopping centers como meeting points, compreendemos a maneira como estes espaços se transformam em “lugares”. Um “lugar” se define como um espaço identitário, relacional e histórico. Por oposição, um “não-lugar” seria um es-paço não-identitário, não-relacional e não-histórico; seria o espaço da passagem, do provisório e do efêmero. No “não-lugar” seria experimentada e vivenciada a solidão na supermodernidade, pois o “não-lugar”

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7 Marc Augé. Não-lugares.8 Colin Campbell. A ética romântica e o espírito do con-sumismo moderno, p. 318.

não cria nem identidade nem relação, mas solidão; a solidão na multidão7.

A diversificação de interesses e objeti-vos, de valores e comportamentos que con-grega o espaço shopping, transformado em lugar pelos indivíduos que lá estabelecem vínculos, mesmo que simbólicos e transitó-rios, faz com que ele se torne um ambiente privilegiado para as discussões em torno da cultura contemporânea, que faz do consu-mo uma prática transcendente, agregadora que é de traços de identificações, de carac-terizações de grupos, de significações de comportamentos e de estilos de vida.

A tensão entre sonho e realidade, o prazer e a necessidade caracterizam o espírito do consumismo de nossa época8. Diante desse quadro, o Shopping Center tem posição privilegiada, ao traduzir essa tensão, encravando-se no imaginário coti-diano, servindo ao entretenimento do fim de semana e ao escape da rotina semanal, quando abriga os trabalhadores da região em seu horário de almoço; presta-se ao atendimento de utilidades, e ao encontro e lazer das pessoas. Apresenta-se como lugar idealizado, como uma espécie de oásis em meio ao caos urbano, ao mesmo tempo em que inevitavelmente sofre si-tuações derivadas desse cenário caótico da metrópole – as disputas por vagas nos estacionamentos; a lotação de corredores e lojas na proximidade de datas comemo-rativas como o Natal, o Dia das Mães etc. Insere-se no ambiente urbano como local público, de livre acesso, ao mesmo tempo em que possui normas internas e práticas de exclusão (simbólica e “real”) que o caracterizam como ambiente privado.

Consideramos, portanto, como fator pri-mordial compreender as maneiras como se caracterizam as transformações dos espaços em lugares. Através das atribuições de valor, de sentimentos e sensações de pertencimen-to, as práticas humanas nos espaços como os shopping centers os transformam, traçam vínculos, mesmo que fugidios, estabelecem laços identitários, mesmo que fragmentários.

É nessa relação que podemos investigar a maneira como os indivíduos desenvolvem, ou não, favorabilidades para as questões de mudanças, de inovações, as assimilações de transformações sócio-culturais e de consu-mo que, como hipótese inicial de trabalho, poderiam ser elementos presentes nesses meeting points.

Metodologia

A pesquisa nos Shoppings de São Paulo foi desenvolvida entre os meses de janeiro e junho de 2006, tendo sido baseada no método etnográfico. De caráter qualitativo e exploratório, a pesquisa foi elaborada em torno de duas fases: a observação direta e as entrevistas em profundidade. Em um primeiro momento, o método de observação permitiu que mapeássemos os espaços sele-cionados para o estudo e suas conotações, além de levantar subsídios e questões a serem desenvolvidas a partir da segunda fase, onde foi aplicada a técnica de entrevista com freqüentadores dos shoppings. Nessa fase, verificamos as maneiras de perceber o shopping visitado, questões de identidade e da visão dos “outros” ali presentes, manei-ras de interagir e consumir, favorabilidades em relação a novidades, a tendências de mudanças que possam estar relacionadas ao ambiente do shopping. As entrevistas privilegiaram o público mais jovem, que, por hipótese, estaria mais atento a questões que nortearam a investigação dos meeting points – questões relativas às novidades e mudanças que poderiam ser percebidas através dos shopping centers.

Centramos nossa pesquisa em dois shoppings situados em São Paulo – ca-pital. Selecionamos dois pólos distintos para estabelecer gradações, comparações na mudança do perfil de um para outro

Meeting Points: shopping centers de São Paulo

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empreendimento. Dessa forma, um dos shoppings se situa em área nobre da ci-dade, especificamente na Zona Sul, com perfil de consumo preferencialmente voltado ao público de maior poder aqui-sitivo – o Shopping Iguatemi. O outro shopping, conhecido como Shopping Metrô Tatuapé, está situado em área de maior influência de consumo da classe média e de consumo mais popular, em comparação com o primeiro.

O Shopping Metrô Tatuapé, fundado em 1997, está localizado em uma região com grande fluxo de pessoas, devido à sua posição estratégica: trata-se quase de uma extensão do Metrô, acessível em sua entrada principal por uma passarela

que leva ao embarque do transporte coletivo – o que se reflete na inclusão do nome do transporte público à denominação do shopping. Bem à frente de sua face principal, há um terminal de ônibus. Apesar do bairro do Tatuapé ser considerado um bairro de classe média, classe média alta, o entorno do Shopping tem um cará-ter popular; há um intenso movimento de pessoas que se utilizam dos serviços de

transporte, que estão indo ou voltando do trabalho. Em uma área construída de 127.000 metros quadrados e um total de 370 lojas, sua acessibilidade é reforçada por estar à margem de uma das principais vias da cidade, talvez a principal no acesso à Zona Leste – a Avenida Radial Leste. Em seus corredores, transita um público médio diário de 70 mil pessoas, chegando a 120.000 no período de maior movimento, a época do Natal.

O Iguatemi, primeiro shopping do Brasil, inaugurado em 1966, traz a marca da sofisticação. Localizado na Av. Briga-deiro Faria Lima, um centro comercial de intenso fluxo de pessoas e veículos,

na Zona Sul da cidade, região onde estão localizadas as maiores concentrações de representantes das classes de maior poder aquisitivo. Com área construída de 111.222,23 metros quadrados e 330 lojas, tem um fluxo de visitantes por mês estimado em 1.450.000 pessoas. Seu car-tão de visitas está na própria fachada: ao lado das entradas em arco, que conotam um estilo clássico, está a loja Tiffany & Co., com sua atmosfera de exclusividade, com o atendimento seleto para aqueles que tomam a iniciativa de entrar na loja e viver uma aura de diferenciação, de consumo de alto padrão, independente de adquirirem os produtos.

O Shopping como Es-paço de Sociabilidade e Consumo / Segmentos Percebidos no Shopping

a) Shopping Metrô Tatuapé

A maneira como os freqüentadores do Shopping Metrô Tatuapé o escolhem tem como ponto de partida a acessibilidade. Este é um conceito que transparece pela fala das pessoas entrevistadas, em diver-sos momentos, derivado da condição do shopping center, quase uma extensão do metrô; também pode ser interpretado a partir das condições econômicas para o consumo, ou seja, a acessibilidade dos preços ali praticados, as condições de parcelamento etc.

Morar próximo ou ter facilidade de acesso são condições que determinam a escolha do shopping, com uma conotação que remete ao sentido de “casa”, de um lugar de pertencimento que transcende a preferência do usuário: o shopping que mais se freqüenta, nem sempre é o que mais se gosta.

Delineia-se, a partir de conceitos como acessibilidade, proximidade, uma forma de assimilação identitária do shopping:

Morar próximo ou terfacilidade de acesso são condições que determinam a escolha

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a visão do “outro” como pessoa simples, “normal”, acessível. O sentido de inclu-são, de universalidade do consumo, é mais manifestado em empreendimentos que englobam o consumo popular, a facilidade de pagamento, o sentido de acesso que é dado pelo fator econômico – mas que é percebido, em suas correspondências, em relação ao próprio comportamento de seus freqüentadores. Produtos “baratos” e pessoas acessíveis, “dadas”, “simples”. Dessa forma, a vinculação identitária se dá através da projeção da própria imagem em relação ao lugar: pessoas que se definem como “simples”, “normais”, identificam seus correspondentes nas mercadorias.

O imaginário em torno do shopping passa pelo sentimento de proteção, de segurança, de distanciamento da violência, da exposição ao “acaso” que representa a rua. Esse modo de perceber o shopping é quase um senso comum, uma visão que as pessoas, de uma maneira geral, têm do empreendimento: uma maneira de con-sumir, de encontrar amigos, de se divertir de uma forma mais segura. Quando se trata de grupos e comportamentos especí-ficos, que por algum motivo transgridam alguma regra interna (que evidencia, nesses momentos, o caráter privado do shopping, em contraponto com a idéia de que “todos” são bem aceitos, têm acesso livre), a questão da segurança do shopping é vista como ameaça, mesmo que em grau menor do que poderia ser encontrado nas ruas – no caso, temos um exemplo disso, principalmente às segundas-feiras, com a presença dos homossexuais. O sentimen-to de ameaça, derivado da repressão dos seguranças ao comportamento despojado dos homossexuais (que são vistos como “ameaça”, como “imorais”), não intimida a ação dos mesmos. A tribo dos homossexu-ais redefine o espaço do Shopping Metrô Tatuapé, como lugar de identificação e prática social: para encontrar os amigos, para paquerar e, intencionalmente ou não, marcar presença e demarcar espaço

de ocupação, estabelecendo uma freqü-ência constante, com comportamentos que se repetem, gostos que se aproximam – enfim, compartilha de códigos do grupo que afirmam sua identidade, inclusive nas escolhas de marcas a serem consu-midas. Para os freqüentadores em geral, o comportamento dessa tribo é tido como “novo”; o sentido dessa inovação é de um comportamento visto como transgressor, ao menos pela moralidade introjetada pelos entrevistados. De maneiras mais abrangentes, outras pessoas revelaram que “todo” tipo de pessoa pode ser encontrado no Shopping Metrô Tatuapé. Assim como os deficientes auditivos, outro grupo que é bastante percebido, de forma constante, nos corredores, no acesso ao metrô, enfim, no local e em seus arredores.

Essa diversidade torna o ambiente do shopping um microcosmo de nossa socie-dade, onde o consumo é ultrapassado pelas trocas simbólicas entre as pessoas. É do comportamento humano, e não das merca-dorias, que os signos de mudança, através da percepção do “outro” são derivados. As relações interpessoais, pelo que se pode deduzir da fala de alguns dos entre-vistados, é mais relevante que o consumo em si. Mais do que procurar novidades, o Shopping Metrô Tatuapé representa, para os entrevistados de uma maneira geral, um lugar para encontrar pessoas, amigos, sentir-se bem e divertir-se. Alguns deles citam o cinema como um pólo de atração; para outros, a praça de alimentação foi lembrada como algo de interesse.

O caráter da interpessoalidade que predomina no shopping é da comunicação visual; há uma troca simbólica intensa en-tre as pessoas, que “vêem” e “são vistas”; dessa forma, observa-se o comportamento humano, os estilos de se vestir, os grupos caracterizados por signos visuais. O ato de decifrar esses códigos, por parte dos freqüentadores do shopping, representa o aprendizado mais intenso sobre as formas de sociabilidade, dos gostos e dos estilos

Meeting Points: shopping centers de São Paulo

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de consumo que circulam pelos corredo-res. Os contatos mais próximos entre as pessoas, em sua maioria, são relações que precedem a ida ao shopping: questionadas se conheceram alguém novo no Shopping Metrô Tatuapé, a maioria dos entrevista-dos respondeu negativamente.

b) Shopping Iguatemi

A escolha do Shopping Iguatemi en-volve elementos com nuances distintas daqueles que motivam a freqüentar o Shopping Metrô Tatuapé. Há um sentido de exclusividade, de diferenciação que se distancia da acessibilidade que caracteriza o Shopping Metrô Tatuapé. São lojas vistas como “caras”, mas diferenciadas, de boa

qualidade e de marcas fa-mosas. E há, implicitamente, derivado do conceito de “gente bonita”, uma demar-cação de alteridade: fica insi-nuado o distanciamento dos freqüentadores dos consumi-dores que não se encaixam no estilo de consumo de alta renda; o consumo popular, por oposição, é associado a um padrão de beleza que não é desejado pelo público típico do Shopping Iguate-mi. Há, nitidamente, uma

vinculação entre o poder econômico e o conceito de beleza. Os conceitos de belo e de bom são associados constantemente ao Shopping, seja em relação aos seus usuários, seja em relação às suas lojas, ou no que se refere à principal oferta de entretenimento apontada pelos usuários: o novo cinema.

O sentido de acessibilidade distancia-se também pela receptividade dos fre-qüentadores: durante as abordagens para realização de entrevistas, tornou-se nítida a indisposição das pessoas que saíam do shopping a dar seu depoimento, diferen-temente da freqüência do Shopping Metrô Tatuapé que se mostrou mais disposta a

colaborar. Traço cultural ou não, caracte-rística de classe ou não, a verdade é que esse distanciamento é percebido por um dos entrevistados do Shopping Iguatemi, que não se considera um freqüentador típico do local. Morador do município de Cotia, Rodrigo trabalha como assistente administrativo e costuma freqüentar o Shopping Taboão, onde costuma se “sentir à vontade” – um sentimento de pertença, que contrasta com um certo desconforto e uma percepção de exclusão daquele ambiente de onde acabara de sair:

[Ao ser questionado se o Iguatemi é o shopping do qual mais gosta] Não. Não é porque, vamos dizer assim, não sou de uma classe, vamos dizer, alta. Aqui tem muito burguês, nariz empinado, enjoado pra caramba. Isso é desagradável até. [Ao ser questionado se já foi influenciado por alguma coisa que presenciou no shopping] Já. Já. Discriminação. Sabe, eu me sinto bem arrumado. Mas a pessoa por me ver assim, já muda totalmente o atendimento nas lojas, isso acontece sempre, princi-palmente aqui neste shopping (risos)” (Rodrigo, 22 anos).

Percebe-se, pelo depoimento acima, que esse sentido de distinção social, asso-ciado às classes com maior poder aquisi-tivo, concretiza-se no lugar e contamina inclusive os funcionários de lojas: naquele ambiente, eles se sentem motivados a excluir, a partir de pré-conceitos estéticos e de classe, aqueles que “não estariam à altura” do nível de consumo ali praticado. O Shopping se caracteriza, dessa forma, como um lugar do “belo”, do “bonito”, da qualidade, e também do benefício para os “eleitos”: bonitos, com bom poder aquisi-tivo etc. Essas “barreiras invisíveis” que se evidenciam em determinadas situações de contato interpessoal, além do próprio consumo ostensivo, geram críticas inclusi-ve de freqüentadores que se encaixariam, mesmo que de forma parcial, nesse pa-drão sócio-econômico. Parece-nos que a questão em torno do consumo ostensivo

tem, em determinados shopping centers,

O Shopping se caracteriza, dessa forma, como um lugar do “belo”

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um espaço de realização, uma ilha em que esses desejos se concretizam: porém, per-cebe-se, nas falas de alguns entrevistados na pesquisa do Shopping Iguatemi, que há um certo discurso de desvalorização, de minimização do diferencial sócio-econômico a partir do consumo. Talvez reflexo da tensão social que é gerada pela exposição das classes mais abastadas à violência urbana; talvez decorrente de um discurso politicamente correto, que considera “de bom tom” não ressaltar as diferenças sociais, ante a carência de grande parcela da população que não tem condições mínimas de vivência digna. É nas sutilezas do discurso dos entrevistados que percebemos esse sistema de valores que demonstra a vinculação ao imagi-nário em torno do consumo em sentido diferencial, exclusivista, seletivo. Nesse sentido, a preocupação com a segurança ganha contornos mais nítidos, como na fala de um dos entrevistados, que coloca esse item como um dos pontos de referência do Shopping Iguatemi. Ao citar na mesma frase sobre segurança a questão da “boa freqüência”, o entrevistado revela outro atributo que identifica o grupo “típico” de freqüentadores do Iguatemi: além de ser gente “bonita”, gente com bom po-der aquisitivo, trata-se de gente que não representa uma ameaça. A identidade de grupo, nesse caso, revela o estranhamen-to e o medo do “outro”, dos grupos com menor poder aquisitivo. Demarca-se uma diferença fundamental entre o Shopping Iguatemi e o Shopping Metrô Tatuapé: enquanto no último a freqüência diversifi-cada, de “todo” tipo de pessoa é ressaltada como virtude, no caso do primeiro, há uma expectativa em relação a um público mais segmentado, mais identificável, uma vez que o estranhamento do outro tem uma relação com o risco, com o imprevisto. No caso, a segmentação através do critério sócio-econômico parece determinar uma menor diversificação dos grupos que são percebidos no Iguatemi; a identificação se

unifica em torno do alto poder aquisitivo, sem nuanças de percepção de tribos, de grupos com características marcantes e bem específicas.

Assim, muda-se o enfoque na pas-sagem do consumo com tendência mais popular, para um consumo elitizado: as questões sobre inovação, sobre mudança, deixam de ser centradas no comportamen-to humano, como percebemos na pesquisa do Shopping Metrô Tatuapé. No Shop-ping Iguatemi, o palco é das inovações tecnológicas, das tendências de moda, da mercadoria como ponto de contato com o sentido da inovação e da mudança.

Verificamos outra diferença entre os dois pólos de consumo estudados: a ques-tão do ponto de encontro. Nos shoppings com fluxos de consumidores de perfil mais popular, de baixa e média renda, o shopping é o programa final, o entre-tenimento principal. Daí percebermos a dificuldade dos entrevistados em definir o que se vivencia de entretenimento no Shopping Metrô Tatuapé: a ida ao shop-ping, o olhar as vitrines, o comer na praça de alimentação, a visão das pessoas e seu comportamento, são o entretenimento em si, em um sentido mais próximo da “casa”, de naturalização, da identidade mais familiar, mais despojada – um modo de se sentir bem e seguro, em um ambiente “familiar”, aconchegante na sua identificação com o “seu lugar”.

O Shopping Iguatemi se configura em um lugar de passagem, para ver as coisas da moda, as novidades tecnológicas, as pessoas “bonitas” que estão lá para ve-rem e serem vistas. O conceito de “gente bonita” emerge como traço identitário do grupo reconhecido como “típico” do Sho-pping Iguatemi. Esse conceito expressa o sentido da sociabilidade predominante nesse lugar: a comunicação visual entre as pessoas que, no caso do shopping de consumo sofisticado, determina os “for-madores de opinião” sobre as tendências da moda e as marcas valorizadas por esse

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9 Roberto Da Matta. A casa e a rua.

grupo. É através da visão do que a “gente bonita” usa no momento, que circula a comunicação relacionada a produtos (pre-dominantemente roupas e acessórios, mas também celulares e outros equipamentos eletrônicos portáteis), marcas e comporta-mentos (gestualidade, postura etc), a serem consumidos por aqueles que ambicionam se associar a esse padrão estético.

Em parte devido à estrutura arquitetôni-ca do shopping, que não conta com grandes espaços destinados a eventos, em parte a esse caráter de passagem, o Iguatemi, no que se refere à relação de comunicação verbal entre as pessoas, traz conotações de “não-lugar”, de baixa interpessoalidade, se comparado a outros lugares, como o

Shopping Metrô Tatuapé. No Iguatemi, o sentido de “rua”9 de um espaço de im-pessoalidade e distanciamen-to, de lugar que representa um palco para o “desfile” de “gente bonita”, torna-se emblemática a presença de “muitas modelos”, como diz a modelo Kaly, de 13 anos, uma curitibana que, mesmo recentemente instalada em São Paulo, já tem como refe-rência do mundo da moda o Shopping Iguatemi.

No que se refere ao Shopping Metrô Tatuapé, o consumo não foi colocado de forma tão relevante, especial, diferenciada: as compras são citadas quase como algo co-tidiano, funcional, ocasional, sem maiores preocupações com tendências de moda, por exemplo. No Shopping Iguatemi, como citamos acima, há uma percepção mais clara do sentido de inovação derivado das mercadorias, das tendências de moda, da tecnologia de ponta, caracterizando esse meeting point. Reproduzindo uma idéia de elitização em torno das inovações e novidades da sociedade de consumo, os entrevistados do Shopping Iguatemi revelam sua predisposição em perceber

esses elementos que lhes são ofertados para apreciação, muitas vezes em eventos fechados para potenciais compradores. No lugar destinado ao consumo tendendo ao popular, as mercadorias não são perce-bidas com grande destaque: em algumas lojas, percebe-se a presença de novidades, através de conceitos de moda confusos, com os quais os freqüentadores entrevis-tados pouco se identificam. Questionados sobre a influência do shopping sobre as pessoas, a quase totalidade dos entre-vistados, dos dois shoppings, respondeu afirmativamente. Quando direcionamos a pergunta à influência sobre a própria pessoa entrevistada, as respostas varia-ram do reconhecimento da assimilação de mercadorias, informações e gostos; a respostas contundentes, que negavam qualquer influência do shopping sobre si mesmos. Mas a realidade é que, em maior ou menor grau, os entrevistados revelaram os vínculos que constituem sua identifica-ção com os shoppings que freqüentam. Sua maneira de transformam esses espaços, inicialmente voltados ao consumo, em lugares de pertencimento, de identificação, de constituição de gostos e compartilha-mento de interesses e desejos.

Considerações finais

1. Shopping de consumo popular: ten-dência à diversidade do comportamento humano, como foco da percepção sobre inovação, sobre mudança. Na compa-ração entre os dois posicionamentos de shopping centers estudados (um voltado ao consumo de alta renda, e outro voltado ao consumo mais popular), percebe-se uma tendência à diversidade com relação aos tipos humanos no shopping mais popular; assim, o comportamento huma-no ganha destaque na percepção de seus freqüentadores, que apontaram nessas

Reproduzindo uma idéia de elitização em torno das inovações

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caracterizações de grupos específicos os elementos mais significativos no que se refere a inovações, a mudanças. Os obje-tos de consumo ali ofertados são pouco percebidos como portadores de traços de inovações, de tendências.

2. Shopping de consumo de alta renda: tendência à homogeneização do compor-tamento humano; o foco da percepção sobre inovação recai sobre as novidades tecnológicas e tendências de moda. Em sentido oposto, o shopping de consumo de alto padrão tende ao sentido de exclu-sividade, de uma visão mais homogênea do estilo, do comportamento e dos interesses dos seus freqüentadores, centrados nas classes sócio-econômicas com maior poder aquisitivo. Dessa forma, percebeu-se que a atenção se desloca para as inovações tec-nológicas e as tendências de moda, como apontamentos de elementos inovadores, de novidades que podem ser identificadas a partir do shopping.

3. Shopping de consumo de alto padrão: conotações de “não-lugar”, de impessoalidade, de lugar de passagem / o shopping como meio de auto-exposição e contato com as marcas. Os shoppings que se posicionam para o consumidor com maior poder aquisitivo são espaços que se caracterizam como meio de auto-exposição, de “ver e ser visto”, de uma maneira que tende à impessoalidade, ao distanciamento. É um lugar de passagem, que, em determinadas situações, ganha sentidos de “não-lugar”.

4. Shopping de consumo mais popu-lar: conotações de “acessibilidade”, de consumo próximo e cotidiano; lugar de maior interpessoalidade / o shopping como fim, como entretenimento em si. Nas manifestações dos usuários dos shoppings com fluxo de pessoas mais “popular”, principalmente nos grupos mais jovens, há uma interpessoalidade que busca a aproxi-

mação mais “direta”, no uso e na ocupação dos espaços como lugares de encontros na procura de amizades, de relações afetivas, de lazer em grupo. Há uma disposição mais “receptiva” em relação às outras pessoas, ao contato, à comunicação com outros usuários. A presença das marcas é dissimulada nas expressões de identidade com os lugares. O shopping é o programa em si, o entretenimento não especificado, mas generalizado na própria prática de freqüência ao mesmo;

5. A “casa” (shopping mais popular) e a “rua” (shopping de alto padrão de consumo). O shopping com perfil mais popular é um lugar de pertencimento que produz vínculos, cujas conotações são mais próximas do sentido de “casa”, de fa-miliaridade, de acomodação, de facilidade de acesso, de despojamento, de consumo cotidiano. Os shoppings mais sofisticados geram, em diversos usuários, o sentido de impessoalidade, de distanciamento, de “rua”, de lugar que marca a mudança de ambiente, de procura pelo aspiracional e pelos sonhos de consumo, do interesse em “ver” e “ser visto”.

6. A inovação, a novidade, relaciona-das aos bens de consumo, são percebidas através de conotações de elitização, de consumo sofisticado, inacessível. Con-seqüentemente, foram identificadas de forma mais representativa em relação ao shopping de alto padrão de consumo. Há uma polarização entre o consumo espe-cial, diferenciado, nestes espaços mais sofisticados; e o consumo corriqueiro, cotidiano, relacionado ao shopping de padrão mais popular.

7. A comunicação interpessoal predo-minante nos shopping centers é de caráter visual. Na caracterização das relações interpessoais nos shoppings estudados, a expressão visual foi percebida como mais relevante e intensa do que a comunicação

Meeting Points: shopping centers de São Paulo

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direta entre as pessoas, principalmente na percepção do “novo”. No shopping de consumo popular, há um aprendizado sobre formas de comportamento, grupos sociais e seus respectivos estilos; no shopping de alto padrão de consumo, a “gente bonita” que circula pelos corre-dores são os “formadores de opinião”, ou

seja, sinalizam as tendências de moda, as marcas valorizadas e os produtos que caracterizam um grupo, unido por pa-drões estéticos e por um poder aquisitivo ajustado ao ambiente. O que se exibe nos corredores, junto aos corpos das “pessoas bonitas”, serve de referência e de projeção aspiracional a quem vê.

Referências bibliográficas

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Mauad, 1995.

Comunicação, política e sociedade

Maria Helena Steffens de CastroDoutora em Letras pela PUC-RS

Docente da [email protected]

Resumo

Este trabalho analisa os anúncios de produtos que tinham como enfoque a saúde, discutindo as relações possíveis entre as matérias jornalísticas e o discurso publicitário tanto na formação do imaginário como na práxis cotidiana. A análise aborda as pioneiras iniciativas da publicidade riograndense, em escala de massa, ao anunciar medicamentos para a cura de doenças graves, desempenhando importante papel no campo da comunicação/educação. Tais anúncios eram publicados na Revista do Globo, editada em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, no período de 1929 a 1967.

Palavras-chave: saúde pública, publicidade, jornalismo, imaginário popular, Revista do Globo.

Abstract

This article analyses the advertisements of products that focused on health, discussing the possible relations between journa-listic subject matters and the advertising discourse both in the formation of the imaginariness and in the quotidian praxis. The analysis approaches early initiatives of mass advertising in Rio Grande do Sul, when medicines for curing serious diseases were advertised, playing an important role in the communication/education field. Such advertisements were published in Revista do Globo, issued in Porto Alegre, the capital of Rio Grande do Sul, from 1929 to 1967.

Key words: public health, advertising, journalism, popular imaginariness, Revista do Globo.

Resumen

Este trabajo analiza los anuncios de productos que tenían como enfoque la salud, discutiendo las relaciones posibles entre las materias periodísticas y el discurso publicitario, tanto en la formación del imaginario, como en la praxis cotidiana. El análisis abarca las pioneras iniciativas de la publicidad riograndense, en escala de masa, al anunciar medicamentos para la cura de enfermedades graves, desempeñando importante papel en el campo de la comunicación/educación. Tales anuncios eran publicados en la Revista do Globo, editada en Porto Alegre, capital del Estado del Rio Grande do Sul, en el período de 1929 a 1967.

Palabras clave: salud pública, publicidad, periodismo, imaginario popular, Revista do Globo.

Publicidade: compromisso com o social

Advertising: a commitment with the social field

Publicidade: compromisso com o social

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1 Revista do Globo, n.4, p. 5.

Anunciante este, que precisava ainda ser conquistado porque desconhecia esse maravilhoso instrumento de divulgação “do moderno homem de negócio”, uma vez que a publicidade recém iniciava sua atuação no mercado gaúcho.

Junto com as matérias que menciona-vam a acelerada modernização da capital do Estado, na década de 30, apareciam as que tratavam da competição comercial que obrigava grandes companhias a recorrerem de processos originais de propaganda para vender seus produtos, muitos deles de me-dicamentos, contribuindo assim, para dis-seminar algumas doenças que se alastravam pelo Estado. A divulgação de informações sobre políticas de saúde e de medicamentos através de periódicos, assume grande impor-tância, porque atinge um público numeroso, que se identifica com o que diz o texto ge-nérico, encontrando alguma orientação para seus problemas pessoais.

Os anúncios veiculados durante o extenso período de existência da Revista – quase quarenta anos – constituem tam-bém em eficiente matéria para o estudo e a interpretação de aspectos significativos da relação entre a saúde pública riograndense e a publicidade, uma vez que o consumo de opiniões, crenças, sistemas de compor-tamento, hábitos e costumes de uma época são neles apresentados em prosa e verso. Coube à RG a função de tornar pública a existência de determinados produtos, marcas e serviços, despertando o desejo em seus leitores para os objetos que anun-ciava, e tornou-se um espaço privilegiado de divulgação das novidades do mercado brasileiro, aliando-se, indiretamente às campanhas de prevenção às doenças, pro-gramadas pelo governo brasileiro.

Uma análise preliminar das matérias jornalísticas da RG mostra que, apesar de o espaço dedicado à saúde do periódico ser aberto às autoridades da área, as matérias

Introdução

Revista do Globo (RG), que circulou no Rio Grande do Sul de 1929 a 1967, por sua

abrangência e penetração junto ao públi-co, atuou positivamente como auxiliar da educação em saúde, divulgando planos e ações do Governo do Estado, ações preventivas e hábitos higiênicos, para serem adotados aos poucos pelos leitores da revista.

Alguns editoriais explicavam a impor-tância da criação da RG, afirmando que:

(...) o homem moderno e culto não pode prescindir do seu jornal, de um bom livro, de uma ótima revista, seja como fonte de

informações e conhecimen-tos, ou para a distração do espírito. A leitura predileta, entretanto, é uma boa revis-ta, que reúne informações atualíssimas, leitura variada, instrutiva – e excelente ma-téria recreativa. Penetrando no lar, a revista interessa a todos, desde o chefe de família e donas de casa, até as crianças1.

A RG, no início, era dirigida a ambos os se-xos, mas a grande maio-ria de seu público era

feminino, a quem eram dedicadas ma-térias sobre a vida em sociedade, contos literários, assuntos de economia domés-tica e de cultura geral, que acentuavam o modelo de “rainha do lar e anjo tutelar”, já que ser mãe era o maior compromisso que a mulher tinha para com a sociedade da época.

O editorial de junho de 1929 salientava que a RG editada pela Livraria do Globo, um estabelecimento gráfico modelar na América do Sul, está em condições, tanto pela sua crescente difusão em todas as camadas sociais, como pelo seu aparelha-mento técnico, de servir de veículo aos altos interesses do anunciante.

A

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Maria Helena Steffens de Castro

apresentavam uma linguagem técnica e específica, raramente apelando para ex-periências concretas ou para um discurso acessível, que pudesse ser entendido e popularizasse o conhecimento especia-lizado sobre a prevenção das moléstias. Predominavam nesse período, os discur-sos das fontes oficiais, como órgãos de governo e especialistas na área de saúde, que divulgavam os decretos aprovados pelo Governo do Estado, os programas de campanhas sanitárias, os dados esta-tísticos de saúde pública, bem como as determinações do Serviço Municipal de Higiene e Saúde.

Tais dados não eram acompanhados de críticas ou orientações claras e simples sobre os processos de execução das medi-das, privilegiando a consecução finalista e cumulativa de resultados, que só eram compreendidos por públicos restritos e de elevado nível de aquisição cultural. Dessa forma, o jornalismo legitimava o saber dito competente, minimizando outras fontes científicas de informação.

Metodologia

A pesquisa sobre a publicidade em fontes periodísticas pelos meios conven-cionais, torna-se uma tarefa difícil pela variedade dos anúncios publicados, pois obriga o manuseio de cada exemplar ou fascículo. Para catalogar os anúncios da RG optou-se então, pelo uso da infor-mática, organizando um banco de dados que armazenasse e processasse o mais rapidamente possível, as informações captadas nos vários campos catalográficos. Foi escolhido o programa ISIS (Integrate Scientific Information Sistem), assumido e divulgado pela UNESCO.

Gerou-se então, numa primeira fase, um catálogo que compatibilizasse com a extensão e complexidade do corpus e dos objetivos propostos. Esse catálogo sobre os anúncios publicados nos primeiros vinte anos da RG, tem como finalidade também,

dar acesso a qualquer interessado à publi-cidade veiculada nos 493 fascículos da revista, funcionando como núcleo gerador de inúmeros estudos em diferentes áreas do conhecimento.

Nos primeiros vinte anos foram veicu-lados 25.792 anúncios, sendo que todos eles foram preenchidos, um a um, de acor-do com os campos da ficha catalográfica. Foi possível constatar ao longo do trabalho que a publicidade ainda não manifestava uma periodicidade organizada podendo o mesmo anúncio ser veiculado durante me-ses ou mesmo durante os vinte anos da RG sem apresentar nenhuma alteração, como aconteceu com alguns anunciantes. Tais características possibilitaram a redução do corpus, já que foi formado por anúncios em sua primeira veiculação, aparecendo 7.069 peças inéditas.

Na análise sobre o corpus constatou-se o amadorismo da profissão pela falta de regularidade tanto na localização da página quanto na periodicidade dos anún-cios, como também pela diversidade nos formatos, aparecendo em página inteira, em uma coluna ou predominantemente no formato de 8 x 2,5 cm. Entretanto, com o passar dos anos a revista foi se aprimo-rando e dedicando as páginas 15, 17 e 19 exclusivamente à publicidade.

As mudanças foram decorrentes do aumento do número de anunciantes que expandiu de trinta anúncios por fascículo para sessenta a oitenta e cinco anúncios a partir de 1937. O intervalo entre as al-terações dos anúncios era lento e longo, produzindo-se num espaço de cinco meses em média, porque o número de produtos era pequeno e não havia concorrência, resultando, então, escassa demanda para novas campanhas publicitárias.

A análise enfoca as pioneiras inicia-tivas da publicidade gaúcha, em escala de massa, com anúncios que obrigavam a uma mudança de hábitos culturais e comunicacionais junto a uma sociedade dos anos 30, residente em Porto Alegre,

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2 Acervo do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecno-lógicas – IPCT , do Laboratório de Acervos Digitais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Disponível em <<www.ipct.pucrs.br/letras>>.

3 Revista do Globo, n.250, p. 39.

localizada no sul do Brasil. O apelo é desti-nado a um público mais racionalista, para o qual são utilizados argumentos fundados na realidade, mas aliados a sua dimensão simbólica, na tentativa de convencer sobre a eficácia do produto e obter os benefícios propostos como resultado.

Os gêneros predominantes revelam que a razão da publicidade aproximava anunciantes nacionais e estrangeiros, pela necessidade de extrair demandas para produtos básicos, ligados à saúde, higiene pessoal, alimentação e produtos domésticos. Tais anúncios se sustentavam e se complementavam com valores ancora-dos na sociedade da época, marcada pela promessa de substituí-los por outros que

garantissem a saúde e o bem estar da família. Segundo Castro (2004), a conjugação de todos esses fatores visava tornar possível o estabele-cimento de um novo pacto de leitura que conciliasse os valores de um discurso ancorado no passado com os valores propagados pela publicidade, como o novo e o moderno.

A elaboração desse ca-tálogo completo dos anún-cios publicados na RG, tem

como finalidade, dar acesso a qualquer interessado aos mais de 60.000 anúncios publicados nos 942 fascículos, todos eles digitalizados e acessados via internet2. Não visa oferecer apenas um registro do início da publicidade gaúcha, mas ser a semente, o núcleo gerador de inúmeras pesquisas em diferentes áreas de conhecimento que, a partir do catálogo, poderão se implanta-das, tendo como fonte o acervo da RG.

A publicidade como aliada da política social

Dos 25.792 anúncios catalogados, no período entre 1929 a 1949, encontrou-se

28,80% de anúncios sobre medicamen-tos ou produtos que usavam a saúde como apelo para a venda, bem como de serviços médicos, dentários etc., que eram oferecidos em classificados, divul-gando apenas o nome do profissional, sua especialidade e endereço.

Nos anos 30 a indústria farmacêutica não tinha ainda estabelecido regras rígidas para o desenvolvimento de campanhas pu-blicitárias e ações de marketing, optando por um regramento mais brando e no bom estilo conciliador, unindo a avidez da propaganda comercial com o bem-estar da saúde da po-pulação. Diferente da área de bens e serviço tradicionais, algumas vezes informava-se sobre o uso terapêutico dos medicamentos e concentravam-se esforços em ações de formação e educação dos leitores na preven-ção de doenças. O Departamento Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, dirigido pelo Dr. Coelho de Souza, informava sobre a necessidade dos serviços de higiene em um estado onde “a tuberculose grassa com intensidade, a mortalidade infantil atinge ci-fras desoladoras, as verminoses se espalham pela cidade, a malária e a lepra se constituem motivos de sérias apreensões e onde a varíola não foi de todo erradicada”3.

O governo do Estado, ciente de todos esses problemas tomava medidas através de decretos, para diminuir a mortalidade infantil, as crendices populares e assim combater as moléstias da população e a insalubridade do meio ambiente, fator pre-ponderante da proliferação de doenças. Se no final dos anos 20 a energia elétrica era escassa, a água era suja e, beber da torneira sem ferver a água, era doença na certa.

Em fevereiro de 1930, o Diretor de Hi-giene do Rio Grande do Sul, Dr. Fernando de Freitas Castro divulgava seu programa

Também apresentava programas para combater a febre tifóide, as verminoses

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4 Charlie Monteiro. Porto alegre: modernização e urba-nização, p. 118.5 Henrique Lins de Barros. “Museus e Ciência”. In: Cidoval M. Souza. et all. A comunicação pública da ciência, p. 45.

de saúde, dando destaque às medidas que seriam adotadas pelo governo, como a rapidez no transporte de doentes para os hospitais, a fim de evitar a disseminação de moléstias infecto-contagiosas; a fis-calização sanitária rigorosa dos gêneros alimentícios, bem como o combate à mortalidade infantil. Também apresentava programas para combater a febre tifóide, as verminoses, a tuberculose, a lepra, a raiva e a peste.

Para tanto prometia uma fiscalização rigorosa nas condições higiênicas das fábricas e “ateliers” de trabalho, para que “esses não continuem a exercer uma in-fluência direta no obituário das cidades”. O governo prometia ainda fiscalizar a manipulação e venda de todos os produtos destinados à alimentação, principalmente do leite, da carne, das verduras e frutas. A estação de tratamento de água, a Hidráuli-ca dos Moinhos de Vento, foi inaugurada em 1928, tornando possível que os porto-alegrenses bebessem água tratada pela primeira vez.

Junto com essas medidas foram empre-endidas ações construtoras que vinham ao encontro do desejo de uma classe privilegia-da – que a cidade expressasse o novo ideal de convivência, cujo modelo era Paris, onde construtores e reformadores haviam dado ênfase a tudo que facilitasse a liberdade de trânsito das pessoas e seu consumo de oxigênio, numa identidade entre saúde e locomoção/circulação. Para tanto foram der-rubados cortiços, rasgadas ruas e avenidas, criadas novas praças, atendendo a demanda por uma nova estética urbana e sociabili-dade pública, que auxiliaria na prevenção às doenças, pois evitaria as aglomerações, constituída em sua maioria por pessoas pobres. Entretanto, os recursos municipais destinados a serviços como água e esgoto, para toda a população eram bem menores do que o investido em espaços para o usufruto da elite porto alegrense.

Os discursos de autoridades e da imprensa relacionavam as habitações po-

pulares à sujeira e à doença, defendendo os benefícios estéticos e higiênicos de remover essas habitações do centro da cidade para a periferia, sem mencionar se teriam algum serviço básico de saneamen-to. Para sustentar esse aparato e financiar as transformações urbanas, uma reforma fiscal criou novas taxações, que garantis-sem esse deslocamento, estimulando os negócios dos construtores e especuladores imobiliários. Como afirma Monteiro4, nes-se sentido, afastar as habitações populares era higienizar e modernizar o centro da cidade, excluindo certos grupos sociais dos benefícios gerados pela modernização, “criando um cenário para a o desenvol-vimento da pedagogia social burguesa, com a transmissão de hábitos, costumes e valores que sustentariam a nova organi-zação social”.

Pouco atendidos em suas necessidades básicas, as classes populares adotavam a crença mágica e a medicina natural como forma de resistir às enfermidades infeccio-sas e degenerativas, que se alastravam pela cidade, pois não tinham acesso aos novos empreendimentos e muito menos aos me-dicamentos, que foram surgindo no mer-cado. Havia ainda uma desconfiança geral sobre a medicina moderna, que interferia no trabalho dos tecidos e órgãos com a ajuda de produtos químicos. A população adotava práticas naturais, defendendo que a natureza oferecia os meios de fazer com que o corpo e o espírito ficassem imunes às enfermidades, ao cansaço e à fraqueza, sem o uso de medicamentos.

Como afirma Barros5, a explicação que a ciência oferece tem duas características fundamentais:

Por um lado mantém um corpo coerente de conhecimento, de tal forma que a lógica e a razão estão sempre atuando e nortean-

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6 Nilo Ruschel. Rua da Praia.7 Revista do Globo, n.4, p. 39.

8 Revista do Globo, n.193, p. 47.

do o ato produtivo, embora nem sempre se manifeste criativo. Por outro lado, ela oferece um quadro de explicações possí-veis de um mundo natural que se mostra, cada dia, com mais vigor e extremamente complexo.

Pessoas com algum conhecimento em medicina caseira viravam “consulto-res dos amigos” que andassem as voltas com achaques, sendo que muitos desses ensinamentos passaram de geração em geração, da mesma forma que os velhos ditos populares. Prescritos por médicos ou indicados pela teimosia da autome-dicação, foram conquistando consumi-dores fiéis, ainda que sem comprovação científica de sua ação farmacológica. Como lembra Ruschel6, havia remédio

mesmo para coisas mais desafiadoras, como um licor de “nó de cachorro”, cipó muito conhecido no Brasil como poderoso restaurador de energias. A crença em sua eficácia contribuiu de forma significativa para sua ação terapêutica bem como sua divulgação junto aos freqüentadores da Rua da Praia e demais logradouros do centro da cidade.

O empirismo e o ex-perimentalismo exerciam suas ações preponderantes no seio das classes po-pulares e serviam de fonte para matérias na RG. A superstição continuava latente e avassaladora, junto com a feitiçaria, o curandeirismo e o mundo obscuro da me-dicina caseira. Tomava-se elixir para curar amores; juá para unheiro; cera de ouvido para fazer desaparecer espinhas vulgares; folhas de batata, malva e sal para diminuir o inchaço das pernas; cinza para picada de cobra; água de bananeira para estancar hemorragias; chá de pele de raposa para apressar e aliviar as dores do parto, infu-são de anel do rabo da lagartixa para aliviar as moléstias nervosas etc.7.

Como diferenciar a superstição daquilo que poderia ser a indicação promissora de um novo tratamento? Para Scliar, somente entendendo o que realmente acontece no cotidiano das pessoas, como uma ação farmacológica eficiente e permanente, mas aliada a sua dimensão simbólica, criada pelo imaginário popular, uma vez que a crença mágica nada mais é que a expressão do desamparo do ser humano frente ao desconhecido. A história da medicina está cheia de exemplos assim, alguns dos quais chegaram aos nossos dias, como o hábito de usar purgantes e fazer lavagens intestinais, que tinham o poder de “limpar” o organis-mo além de “purgar a alma”, como penitên-cia por todos os pecados cometidos.

O leitor da RG absorvia um arquivo de informações sobre a saúde, mas sabia, na verdade de alguns fatos ao acaso, apreen-didos em várias fontes, idôneas ou não, que incluíam o folclore familiar, os textos dos anúncios, as indicações de amigos e até os decretos do governo. Ao ingerir algum remédio ou tentar se automedicar, já tinha buscado informações tanto na tradição popular como nos reclames publi-citários de jornais e revistas, que divulga-vam novos produtos, a indicação para que tipo de doenças era usado, a posologia, e muitas vezes, com seu valor terapêutico comprovado através do testemunho de pessoas conhecidas na cidade.

Os problemas de úlceras, sífilis, eram mostrados em anúncios com depoimentos em que aparecia a foto do paciente, nome e endereço, junto com a exposição do corpo afetado pela doença da sífilis, explicando como “encontrou alívio dos terríveis so-frimentos, tomando o reputado Galenogol e a bem da humanidade, “pedia para pu-blicar tal atestado”8. Esses testemunhos apoiavam-se em experiências concretas,

Na década de 30, o mercado publicitário crescia

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Maria Helena Steffens de Castro

o que levava o leitor a identificar-se com a situação, assumindo emocionalmente os sentimentos do personagem, pois criavam um imaginário socializador, que possibilitava um desgaste de resistência, de imposição de pontos de vista e de po-tenciação de valores9.

Robert Park, em seu artigo “A notícia como forma de conhecimento”, afirma que o sujeito sente-se motivado a repetir para alguém uma notícia importante, ge-rando comentários e críticas em relação a ela. A partir da discussão, os problemas envolvidos nos fatos narrados substituem a notícia, formando muitas vezes uma opinião coletiva. Assim, quando assun-tos importantes, envolvendo a saúde, são colocados em pauta pela mídia, tem possibilidade de promover indiretamente uma mudança nos hábitos de vida dos lei-tores, pois incentivam a adoção de hábitos de higiene diária, propagam planos de assistência à infância e adultos, e a partir do conhecimento já adquirido, agregam novas informações.

Na década de 30, o mercado publici-tário crescia e vários produtos ligados à alimentação, à higiene, aos medicamentos e mesmo aos eletrodomésticos, criavam campanhas com apelos dirigidos à saúde da população. Era o ciclo da propaganda de remédios, que desde 1850 era o maior anunciante do mercado. Um anúncio comum na época era o do remédio Saúde da Mulher, indicado para os incômodos mensais de senhoras, e foi, o primeiro anúncio luminosos do Brasil, sendo ins-talado em cima de um edifício na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, pela agência de José Lira.

Nunca um outro setor teve tanta influ-ência e impacto da mídia como aconteceu com os laboratórios farmacêuticos e seus representantes brasileiros, que descobri-ram a comunicação de massa, inventaram o testemunhal, provocaram os descontos, popularizaram o anúncio em cores e, mais tarde, viabilizaram o rádio. A sociedade,

de acordo com Chrétiem10, fornece aos cientistas o viveiro no qual eles vão se alimentar, pois encontram nela e em sua cultura, as regras, códigos valores e ana-logias que alimentam a imaginação, as metáforas que sustentam as crendices e as imagens que dão forma aos conceitos e modelos adotados pela população.

Junto com os decretos oficiais eram divulgados os reclames que explicavam as razões científicas da refrigeração dos alimentos, persuadindo o leitor a adquirir uma geladeira “Frigidaire”, para ter em casa “um médico vigilante que vela dia e noite pela salubridade dos alimentos da família”11, uma vez que os alimentos não refrigerados são “verdadeiros viveiros de micróbios e mofo”.

Além da Nestlé, que vendia a sua Fa-rinha Láctea mostrando paisagens suíças, em que eram alinhadas as palavras: “for-ça, vigor, robustez”, a Colgate-Palmolive orientava sobre a necessidade de fazer uma eficiente higiene bucal para evitar doenças. A Companhia Energia Elétrica Rio Grandense, proclamava “o perigo de ingestão de alimentos mal conservados e o prazer da mesa com economia e proteção da saúde”; O tônico dos pulmões, Saphrol, era um produto reconhecido em qualquer prateleira de farmácia; Lysol orientava para a “máxima limpeza da casa e de desinfec-ção em caso de doença contagiosa, além do hábito de lavar as mãos repetidamente”; o regulador Sian era o melhor remédio contra o padecimento das senhoras; “para alcalinisar de pronto a indigestão, o indi-cado era tomar Leite de Magnésia Plillip”; para mulheres nervosas receitava-se o regulador Gesteira e Ventre-Livre, usado já nos mais adiantados países do mundo.

Aparecem clientes fixos como Saphrol, que anunciou na RG por mais de vinte

9 Joan Ferrés. Televisão Subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. 10 Claude Chrétien. A ciência em ação: mitos e limites.

11 Revista do Globo, n.80, p. 85.

Publicidade: compromisso com o social

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anos na RG; Elixir Nogueira, por dezessete anos; Emulsão de Scott por dez anos, além de anúncios do Laboratório Silva Araújo, que produzia o Biotônico Fontoura e o Xarope Bromil, entre outros, que anunciou por mais de 4 anos.

Os apelos da publicidade então, eram claramente elaborados sobre a visão da mulher como protetora da família, que usava um produto para proteger o marido e os filhos contra as doenças, livrando-se da poeira, dos germes e dos alimentos estragados. O tema da amamentação tam-bém aparecia na propaganda circulante, ressaltando a nobre função das mães, que através de seu gesto garantiam a saúde do filho. Como afirma Carvalho, “ao se con-

centrar na mulher – consu-midora, a publicidade acaba influenciando hábitos e mu-danças de comportamento na família”12. Para que esses hábitos fossem adotados pela sociedade, o discurso da publicidade precisava ser informativo, explicando sua utilidade e benefícios, fun-cionando como um serviço público na propagação de conhecimentos preventivos, no sentido de colaborar na profilaxia de doenças.

A publicidade da RG acompanhava as transformações urbanas de Porto Alegre, que presidiam a estruturação da ordem bur-guesa como criadora de uma nova socieda-de, mais moderna e higiênica, tendo como meta o sepultamento de antigas normas como coisas do passado. “Fazia-se neces-sário criar uma imagem social substitutiva que, se bem que fortemente distanciada da verdade social, constituía uma realidade destinada a confirmar não mais o conjunto da sociedade, mas os novos beneficiários do sistema: a ascendente burguesia urbana”13. Tal classe social tinha poder aquisitivo para morar em lugares com saneamento básico, desfrutar das transformações urbanas e

sociais implantadas pelo governo, além de ter acesso às novas descobertas da investi-gação científica.

Na década de 30 havia em Porto Alegre 19 estabelecimentos comerciais ligados à venda e manipulação de medicamentos, como farmácias, drogarias e especialistas em homeopatias, bem como de produtos médicos da flora brasileira. A assistência médica já era um direito adquirido pela população e não mais uma questão de caridade, sendo apoiada por uma tecno-logia constantemente aperfeiçoada. As conquistas médicas conseguiam aumentar a expectativa de vida e diminuir o sofri-mento das pessoas.

Todo esse progresso era divulgado pela publicidade na RG, que ao adotar um dis-curso claro e acessível, foi popularizando o conhecimento especializado dos decretos oficiais do governo do estado, exproprian-do aos poucos, as subjetividades, medos e superstições da população.

Aspectos conclusivos

A publicidade é reconhecida como um processo de produção de formas culturais e se afirma então, como suporte visível de representação de identidades, já que em seu discurso afluem diferentes figuras do imaginário sociocultural. Por isso a análise do discurso publicitário eviden-cia um verdadeiro falar cultural e revela, através da abundância das configurações semiodiscursivas, várias normas ora do-minantes, ora divergentes ou periféricas. Será analisado o “circuito da palavra con-figurada”, no interior da qual se encontram os sujeitos da fala, instituídos na imagem do sujeito enunciador (EUe) e do sujeito destinatário (TUd), que partilham entre si saberes e práticas psicosociais, junto com os membros da sociedade.

A assistência médica já era um direito adquirido pela população

12 Nelly Carvalho. Publicidade: a linguagem da sedução, p. 24.

13 Cláudio Cruz. Literatura e cidade moderna: Porto Alegre.

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14 Patrick Charaudeau. Language et discours.15 Maria Helena Steffens de Castro. O literário como sedução: a publicidade na Revista do Globo.16 José Marques de Melo. Teoria da comunicação: para-digmas latino-americanos.

Para Charaudeau14, todo enunciado tende a intervir persuasivamente no destinatário, com o propósito de mo-dificar suas crenças, suas atitudes e até sua identidade.

Devido à concepção particular que tem do ato de linguagem, o autor desen-volve a noção de competência semio-linguística. Tal competência resulta da inter-relação entre enunciador e desti-natário, quando está em julgamento o conteúdo e a legitimidade do discurso proferido pelo enunciador.

“A realidade do discurso, portanto, parte da sua historicidade, representada na relação entre o que é repetível, ou ex-terior ao sujeito e a produção da seqüência lingüística específica, onde o sujeito inter-vém”15. No anúncio do creme dental Odol, de comportamento elocutivo, que tem por efeito incitar o sujeito interpretante a se identificar com a imagem de mundo apresentada pelo enunciador, aparece a ex-pressão horrorizada do dentista gritando: “Arear os dentes? Horrível!”

Fica evidente a denúncia da forma imprópria de limpar com areia da praia, prática adotada nos anos 30, que deveria ser alterada para dar lugar a hábitos novos, fundamentados nas descobertas da ciên-cia, legitimadas por especialistas da área da saúde. Arear os dentes é ainda uma ex-pressão corrente no interior do Rio Grande do Sul, reminiscência de tempos idos, em que a areia molhada das praias era o único dentifrício conhecido e com cujo uso as pessoas inutilizavam metodicamente o esmalte de suas dentaduras.

A abordagem da informação no enun-ciado leva a defini-la como uma atividade discursiva centrada na divulgação de fatos reais e busca alterar a ordem natural do mundo, apegando-se à constatação e à restituição de elementos geradores de desequilíbrio, como mudar um hábito de higiene adotado por muito tempo, por outro mais moderno. Além da finalidade de informar pelo viés da racionalidade,

o enunciador, como pessoa no mundo, induz um “fazer-crer” ao destinatário, com o objetivo de adesão ao que é afir-mado no anúncio, através de um pacto de convicção, como estratégia para que o consumidor se identifique com a figura de um destinatário ideal proposto no texto e assuma os valores e um novo modo de vida, propagado pelo anúncio.

A campanha publicitária do creme dental Odol, divulgada na RG, orientava sobre a importância da ida ao dentista duas vezes por ano e a necessidade de escovar os dentes três vezes ao dia, “como forma de proteger os dentes con-tra a cárie e infecções gravíssimas nos órgãos internos”, contribuindo com as ações de medicina social adotada pelo governo do Estado.

Os anúncios também adotavam um pacto de sedução, criando um imaginário complementar ao explorar diferentes for-mas de transformar em espetáculo as in-formações do texto. Personagens, lugares, tempo, fatos, contribuíam para sustentar os mitos da sociedade dos anos 30, que neces-sitava de informações sobre os serviços de higiene e saúde publicas, para combater as doenças que se alastravam pela cidade. O princípio que define o uso desse recurso é o da verossimilhança na construção de mundos imaginários, nos quais o eventual consumidor do produto pode projetar-se e identificar-se com os personagens criados, convencendo-se de que o produto anun-ciado possui ação terapêutica contra o mal que o aflige. Como afirma Marques de Melo: “As barreiras entre a cultura de elite e a cultura do povo começam a ser demolidas, em conseqüência do fenômeno da socialização produzida pelos meios de comunicação coletiva”16.

Publicidade: compromisso com o social

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Observa-se assim, que há predomi-nância do discurso de persuasão sobre o de sedução, pois a publicidade orientava sobre o uso do produto, persuadindo para um conjunto de mudanças sociais, na tentativa de convencer sobre a eficácia do produto e obter os benefícios propostos como resultado. Da mesma forma ensina-va como ministrá-los corretamente para não mascarar quadros de maior gravida-de, como por exemplo, a perda definitiva dos dentes ou a aquisição de infecções graves na boca.

Os reclames da RG procuravam ensinar como adotar hábitos saudáveis, quando procurar um médico, como seguir o trata-mento médico prescrito, evitando o uso de práticas com base em superstições e cren-dices populares. Os textos apresentavam situações compartilhadas pelo imaginário dessa sociedade, revelando em parte a vida

cotidiana e em parte o mundo ficcional, humanizando as cenas com histórias em quadrinho, depoimentos de pessoas com credibilidade, que orientavam sobre a substituição do lampião a querosene pela luz elétrica, bem como as efêmeras barras de gelo pelas modernas “caixas refrige-radoras sem gelo”, disseminando assim, ações educadoras e atitudes positivas em relação à modernidade.

A publicidade ao adotar um discurso informativo, objetivo e direto auxiliou o leitor da RG e a população em geral, a conhecer e adotar novos hábitos de higiene para gozar de saúde física e mental, bem como apresentou os novos fármacos pro-duzidos por laboratórios que ajudaram a combater as graves doenças que assolavam a população, contribuindo assim com as metas da medicina social, decretadas pelo Governo do Estado.

Referências bibliográficas

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Evolução dos meios de linguagem

Hamilton DertonioMestre em Comunicação e Mercado

Faculdade Cásper LíberoDocente e pesquisador da Faculdade Cásper Líbero

[email protected]

Resumo

Como um meio de informação e reprodução dos códigos culturais, a revista Recreio, uma das publicações brasileiras que divulga imagens dos super-heróis, renova-se pelo acompanhamento dos processos tecnológicos e das mudanças culturais. A pesquisa indica que, para a criança, o imaginário não substitui o real, mas permeia suas atitudes em relação à realidade. Uma criança pode, ao ler uma história dos X-Men, sentir-se mais segura com relação ao seu futuro porque passa a perceber que algumas características suas, como a inteligência ou porte físico, podem ajudá-la a resolver problemas.

Palavras-chave: criança, mídia, revista Recreio, entretenimento, imaginário.

Abstract

As means of information and reproduction of cultural codes, Recreio magazine, one of the Brazilian publications which releases images of superheroes, is renewed by following the technological processes and cultural changes. The research indicates that, for a child, the imaginariness does not replace the real, but it permeates its attitudes towards reality. While reading an X-Men story, a child may feel safer towards its future as it notices that some of its characteristics, such as in-telligence or physical build, may help solve problems.

Key words: child, media, Recreio magazine, entertainment, imaginary.

Resumen

Como un medio de información y reproducción de los códigos culturales, la revista Recreio, una de las publicaciones brasileñas que divulga imágenes de los superhéroes, se renueva por el acompañamiento de los procesos tecnológicos y de los cambios culturales. La investigación señala que, para el niño, el imaginario no reemplaza lo real, sino traspasa sus actitudes con respecto a la realidad. Un niño puede, al leer una historia de los X-Men, sentirse más seguro con relación a su futuro porque pasa a percibir que algunas características suyas, como la inteligencia o el porte físico, pueden ayudarlo a resolver problemas.

Palabras clave: niño, medios, revista Recreio, entretenimiento, imaginario.

A Revista Recreio e o X-Men: a imagem dos super-heróis para o público infantil

Recreio magazine and X-Men: the image of superheroes for children

A Revista Recreio e o X-Men: a imagem...

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Introdução

partir dos 7 e 8 anos, a crian-ça é alfabetizada e passa a se importar mais com as suas

relações sociais. Nesta idade, ela começa a estabelecer um ponto de vista pessoal sobre as coisas. Este é o momento mais importante para estimular seu gosto pela leitura, que contribui para potencializar a construção do seu referencial.

Nessa fase, surge na criança a ne-cessidade de defender sua vontade. Ela percebe que é um ser independente em relação ao poder dos pais e pode apresen-tar rivalidade com os irmãos ou amigos. Os contos de fadas exercem grande in-

fluência na formação da personalidade da criança e em sua percepção com relação a si mesma e ao mundo. As personagens divididas entre boas e más, belas ou feias per-mitem à criança entender os valores da conduta hu-mana, aumentando a sua capacidade de convívio social. A interferência dos contos de fada na percepção infantil da re-alidade não prejudicará a

sua formação, tampouco distorcerá seus princípios éticos.

A criança se identifica com o herói bom e bonito, não pelo destaque exclusi-vo à bondade ou à beleza, mas porque ele personifica seus questionamentos infantis. Os heróis da literatura infantil podem aju-dá-la a enfrentar o medo e as ameaças que percebe a sua volta, alcançando gradativa-mente o equilíbrio adulto. Para a Psicaná-lise, os significados simbólicos dos contos maravilhosos estão ligados aos eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional.

A revista Recreio, capitaneada por Ruth Rocha, foi a primeira proposta de

Aatividade interativa da mídia com preço acessível para crianças. Foi lançada duas vezes pela Editora Abril, a primeira vez no final dos anos 1960 e a segunda no ano 2000, perdurando até os dias atuais. Nos dois momentos, teve por objetivo educar e divertir a criança. Suas histórias e brinca-deiras alimentam o referencial infantil.

Em sua primeira fase, a revista publica-va, a cada semana, uma história diferente e lançou grandes escritores, como Ana Maria Machado, que atualmente possui mais de 100 livros publicados. Foi nas páginas da Recreio que Ruth Rocha criou a história Marcelo, Martelo, Marmelo, que se transformou em um grande fenômeno editorial no país.

Além de trazer histórias em quadri-nhos, a proposta da Recreio era estimular a criatividade e a inteligência da criança com ilustrações, jogos e uma rara coleção de peças para montar cidades, navios de pirata, circo ou até mesmo um zoológico.

Envolvidos com a filosofia da revista, traduzida pelo slogan "Leia e pinte, recorte e brinque", os ilustradores desenvolveram uma linguagem especial para narrar peri-pécias de crianças e histórias de adultos medrosos, bichos e personagens saídos do folclore.

Veículo de comunicação de massa, a Recreio trouxe elementos importantes para a educação infantil com as histórias da literatura transformadas em brincadeiras e jogos de montar, com o intuito de construir um referencial criativo ao estimular o ima-ginário, o aprendizado, o entendimento de novos conceitos e a capacidade de lidar com o inesperado.

A Recreio participa do desenvolvi-mento psicológico de seu leitor, já que foca as suas atividades e conceitos no momento de construção e afirmação da personalidade da criança e no pro-cesso de aquisição de valores, quando está aberta para um novo esquema da realidade. Nesse momento, a criança se distancia dos pais e educadores, lu-

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tando para ser aceita e desejada por seu ambiente social.

A Recreio foi pensada para, com sua forma lúdica, seduzir o leitor infantil. Era publicada em papel alta alvura, um tipo de papel que permitia que a criança escrevesse, desenhasse e pintasse em suas páginas. O papel couchê, mais brilhante e de melhor absorção das tintas gráficas e, portanto, com mais qualidade de impres-são, foi preterido em função de uma maior interatividade da criança com a revista.

No início quinzenalmente e, mais tar-de, semanalmente, a Recreio era publicada com dezesseis páginas coloridas, con-tando uma ou duas histórias, de autores iniciantes, em que a ilustração era muito valorizada. Seu formato era o de um livro infantil, cada página continha uma ilus-tração que tomava todo o espaço livre, e o texto, interagindo com ela, ia contando a história, página à página. Além disso, a novidade, que garantia o acompanhamento lúdico da história e a sua interatividade, era a tira lateral, de aproximadamente 5 cm de largura e que tomava toda a altura da página, sempre do lado externo dela (na página par, a tira ficava do lado esquerdo e, na página ímpar, do lado direito). Essas tiras eram separadas da história por uma linha grossa, colorida, o que fazia com que não atrapalhasse a continuação da história principal. Contudo, essas tiras traziam brincadeiras, jogos e diversões alinhadas ao tema da história.

Na edição número 6, da segunda quinzena de julho de 1968, a Revista trazia uma história completa sobre um “Festival na Floresta”, onde bichos de todas as espécies estavam concorrendo ao prêmio de melhor cantor (uma clara referência aos festivais de música da TV Record, muito populares na década de 60). Enquanto a história se desenro-lava, em cada página, as tiras faziam brincadeiras ligadas ao mundo musi-cal. Na página 3, num jogo de linhas aparentemente sem sentido, as crianças

eram convidadas a pintar espaços com sinais que indicavam certas cores e, ao pintar todos os espaços, instrumentos musicais apareciam como mágica. Na página 6, alguns desenhos de instru-mentos musicais surgiam na tira e o título pedia: “Marque os instrumentos que você conhece”. Para a criança conhecer e aprender a importância da autoria, no final da história principal, os autores eram identificados (no caso, a escritora e o ilustrador).

Em todas as edições, a brincadeira mais esperada era um encarte que vi-nha no centro da revista, em um papel mais encorpado, com um brinquedo para recortar e montar. Na edição aqui comentada, este brinquedo era uma ilustração de um leão, dividido em duas partes. Uma parte era o corpo completo do bicho segurando uma guitarra. A outra parte era o braço. Depois de recortadas as duas partes e por meio de um engenhoso mecanismo de montar, o braço do leão ficava móvel e a criança podia fazer o leão “tocar” a guitarra. Um genial estí-mulo à criatividade, à imaginação e ao desenvolvimento lúdico da criança.

Na segunda fase da revista, lançada em 2000, o lúdico continuou a ser seu grande apelo. No mesmo tamanho da fase anterior, mas com muito mais páginas (em média 44), a revista valorizou muito mais a qualidade gráfica (agora o papel passou a ser o couchê), já que a interatividade com o público de hoje, a chamada geração Net, não precisa mais estar diretamente nas suas páginas.

A criança leitora da Recreio de hoje pode continuar a leitura de um assunto que a interessa na Internet, nos sites sugeridos pela própria revista. Agora, não há somente uma história que vai do começo ao fim da edição, mas várias matérias, sobre vários assuntos, vão pautar cada número, satisfazendo a curiosidade e a saciedade por informa-ção do leitor atual.

A Revista Recreio e o X-Men: a imagem...

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1 Trabalho desenvolvido por assessoria de imprensa para divulgar e incentivar o aparecimento de marcas e produtos na mídia para atrair seus públicos-alvos.

A Recreio desta fase traz anúncios publicitários, algo praticamente proi-bido na primeira, mas que revela um leitor infantil muito mais consumidor e decisor de compra do que a criança das décadas de 1970 e 1980. Toda edição da nova Recreio traz, como matéria de capa, um filme, um desenho ou uma novidade do cinema ou da TV, mostran-do a interdependência que os meios de comunicação de hoje têm e que o leitor infantil espera.

Quadrinhos, passatempos, curiosida-des e testes são anunciados também na capa da revista. Contudo, muitas seme-lhanças quanto ao tipo de jogos e brinca-deiras existem nas duas fases da Recreio.

Na edição 173, de 3 de julho de 2003, a matéria de capa é sobre o lançamento do dese-nho animado da Pixar, Pro-curando Nemo, um sucesso de público. Esse número traz uma matéria de seis páginas sobre o filme, com sinopse do desenho, como ele foi criado, os primeiros esboços das personagens principais, as técnicas de animação por computador e uma instruti-va comparação entre essas personagens e os peixes de

verdade em que foram inspirados. A edição traz também duas páginas de

teste, brincando com as particularidades da língua espanhola, um convite para a criança criar uma mini-galeria de arte, re-cortando uma caixa de sapatos para simu-lar as paredes da galeria e técnicas para a criação de pequenos quadros e esculturas, que seriam expostos na “caixa-galeria”.

Dicas de brincadeiras para as férias de julho, contos, uma história em qua-drinhos com Os Flintstones, seção de cartas e passatempos transformaram essa nova Recreio na única revista de variedades do mercado editorial diri-gida para o público infantil, o que faz

com que suas idéias sejam respeitadas por esse público.

No momento em que a revista foi cria-da, a produção cultural do país passava por um período inovador, principalmente para os produtos culturais infanto-juvenis. Um de seus objetivos era inserir a criança no mundo literário. Em seu declínio, na década de 80, as produções televisivas infantis ganhavam um aspecto mais co-mercial e massificado.

Em seu relançamento, no ano 2000, a revista Recreio busca a interatividade, por meio da velocidade, na representação da simbologia criada e estimulada por outras mídias, porém apesar destas mudanças, tenta conservar sua capacidade de ensinar e divertir. A revista enfrenta, atualmente, o consumo intelectual ligado à segmentação de públicos, ou seja, à segmentação de mercado e suas ondas de consumo.

Um estudo de caso

Em uma revista como a Recreio, pra-zos, pautas e obrigações comerciais pro-vocam dificuldades em seu planejamento editorial. Ao abordar, em suas matérias, conteúdos informais e comprometidos com o mercado de entretenimento ela corre o risco de se tornar um produto massificado e viciado.

A revista Recreio, atualmente, luta para manter duas verdades a seu respeito: não é um gibi, apesar do entrosamento com a cultura de massa, e não quer transformar suas páginas em uma gôndola de supermer-cado. Ricas em informações e repletas de elementos lúdicos que estimulam a imagi-nação das crianças, suas matérias podem se tornar, com o tempo, meros press-releases1 de lançamentos comerciais.

O leitor de Recreio caracteriza-se por compartilhar com o seu grupo valores,

Ricas em informações e repletas de elementos lúdicos que estimulama imaginação

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roupas e objetos semelhantes e que perdem o sentido rapidamente por influência de modismos, do consumo e da mídia. Exata-mente por isso, seus planejadores, editores e produtores gráficos esforçam-se para criar, na revista, um espaço para interagir com a criança de hoje, buscando entender como ela vê o seu tempo, interpreta os seus valores e escolhe os seus referenciais. Como um meio de informação e reprodução dos códigos culturais, a revista Recreio precisa renovar-se pelo acompanhamento dos processos tecnológicos e de informação distribuídos pela cultura de massa.

Para o estudo de caso que realizamos, foi selecionada a edição 166, ano 4, pu-blicada em 2003, que tem como capa e matéria principal o X-Men. Essa escolha não foi aleatória, pois o X-Men mescla elementos típicos de histórias de super-heróis e temas como racismo, responsa-bilidade e política. X-Men é uma série de histórias em quadrinhos publicada pela Marvel Comics, que se transformou em uma coqueluche para crianças e jovens no Brasil e no mundo. Hoje, esta mania é uma franquia de produtos para o cinema, televisão, brinquedos e games. É a revista em quadrinhos mais vendida nos Estados Unidos. X-Men - O Filme arrecadou US$ 55 milhões apenas em seu fim de semana de estréia nos cinemas americanos. No Brasil, o filme levou aos cinemas mais de 550 mil pessoas em seu primeiro fim de semana, tornando-se a segunda melhor estréia da Fox no Brasil e a terceira melhor estréia na história do cinema no país.

Criada por Stan Lee e Jack Kirby, em 1963, surgiu, no Universo Marvel, a história dos mutantes: indivíduos porta-dores de mutações genéticas. As pessoas comuns têm preconceito contra eles e os perseguem pela cidade. Os X-Men são um grupo de mutantes que, com habilidades extraordinárias, tenta proteger e reconci-liar estes seres de características distintas e as pessoas comuns. O nome da equipe vem do fato de possuírem o “gene Fator-X”.

As histórias dos X-Men têm per-sonagens de diversas etnias; por isso, talvez seja a revista em quadrinhos mais multicultural já vista nos últimos tempos. Este aspecto foi introduzido nos anos 1970, numa tentativa de tornar os personagens mais populares também fora dos Estados Unidos. Na história, a equipe dos X-Men foi criada pelo te-lepata paralítico Prof. Charles Francis Xavier, com a finalidade de proteger o mundo da crescente ameaça mutante. O Professor X, como ficou conhecido, idealiza um mundo onde humanos e mutantes possam viver em harmonia. Seus poderes telepáticos se manifes-taram na adolescência, quando sentiu sua mente recebendo pensamentos de milhões de pessoas em todo o mundo simultaneamente. Isso era mais do que ele poderia suportar, e o jovem Xavier foi forçado a aprender a bloquear seus poderes mentais para não enlouquecer. Xavier abriga os X-Men em sua mansão em Nova York. Os X-Men originais eram cinco adolescentes que ainda não dominavam seus poderes. A meta de Xavier era treinar jovens mutantes a controlar e usar suas habilidades espe-ciais, eliminando a possibilidade de se tornarem uma ameaça e formando uma equipe que poderia conter os mutantes malignos.

A primeira formação dos X-Men era composta por: Ciclope, Fera, Anjo, Homem de Gelo e Garota Marvel (Atual Fênix). O irmão de Ciclope, Destrutor, a princesa do magnetismo Polaris e o enig-mático Mímico também foram integran-tes por um período. Um tempo depois os X-Men foram capturados, e Xavier se viu forçado a convocar novos elementos para o resgate. Assim surgiram os Novos X-Men: Tempestade, Wolverine, Noturno, Colossus, Solaris, Pássaro Trovejante e Banshee. Há também o Magneto, que é um dos mais poderosos mutantes. Já foi

amigo do Professor X, mas deixou de

A Revista Recreio e o X-Men: a imagem...

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acreditar na convivência pacífica entre mutantes e humanos e decidiu domi-nar o mundo. Também freqüentes nos roteiros de X-Men são as participações de personagens vindos do futuro e de realidades alternativas.

A semelhança com a realidade é uma das características da história dos X-Men. Sua base está envolvida com fatores sociais e políticos. Os mutantes são uma metáfora de minorias (étnicas ou oprimi-das) como afro-americanos, homossexuais, judeus e até mesmo os comunistas. Seus poderes estão ligados a uma metáfora do estereótipo do que é estranho. O Professor X é comparado ao líder afro-americano Martin Luther King Jr. e Magneto seria a

representação do militante mais agressivo Malcolm X. O propósito dos X-Men refe-re-se ao “sonho de Xavier”, talvez em uma referência à famosa frase de Luther King: “Eu tenho um sonho”. As revistas X, com frequên-cia, têm mostrado mutantes como vítimas de violência, evocando o linchamento de afro-americanos na época anterior ao Movimento para o Direito Civil Americano.

Outras interpretações também apareceram nos últimos anos. Julian Darius, crítico de quadrinhos, afir-mou que uma análise detalhada do início da história até os dias de hoje mostra que a personagem Magneto não é a represen-tação de Malcolm X, mas dos radicais Panteras Negras.

Outra metáfora presente nas histórias é a ligação da situação mutante com o homossexualismo. Quando os adolescen-tes mutantes percebem seus poderes, no segundo filme da série para o cinema, o personagem Bobby Drake revela a seus pais sua mutação. Também no primeiro fil-me da série, o Senador Robert Kelly afirma que mutantes serão proibidos de lecionar

para crianças em escolas. Nos anos 1990, a história também abordou a Aids, com a trama do Vírus Legado, uma doença fatal que só atingia os mutantes nos primórdios de sua descoberta científica.

Outra comparação mais explícita nas histórias é com o anti-semitismo, que não aparece em formato apenas de metáfora. Magneto, um sobrevivente do Holocaus-to, considera a situação mutante muito parecida com a dos judeus na Alemanha nazista. Nos quadrinhos, Magneto tem, rotineiramente, buscado estabelecer uma nação mutante, que seria um paralelo com o estado de Israel, nos dias atuais. O campo de concentração para trabalho forçado de mutantes na Ilha de Genosha, onde números eram marcados nas cabeças dos mutantes, teve muito em comum com os campos de concentração nazistas.

Nas histórias de Grant Morrisson, no ano 2000, os mutantes representam uma sub-cultura distinta chamada “Bandas Mutantes”. Ele cria, inclusive, produtos especiais para esse grupo consumir e roupas especiais para a fisiologia mutante. A disseminação das histórias e dos perso-nagens X-Men é a metáfora para a aceitação de todas as pessoas por seus dons únicos e especiais. O poder mutante que deve ser escondido do mundo é uma analogia ao sentimento de diferença e medo, nor-malmente sentidos por todos durante a adolescência. Parte da atração de X-Men é oferecer um santuário para explorar e celebrar abertamente as diferenças em uma subcultura única.

Mutantes do Bem: a história dos X-Men nas páginas da Recreio

A matéria utilizada para análise deste estudo de caso é intitulada “Mu-tantes do Bem”. Em termos gráficos, ela é apresentada em página dupla. O diretor de arte, profissional que elabora o design gráfico da revista, trabalhou com

A disseminação das histórias e dos personagens X-Men

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cores quentes, abusando de vermelhos, laranjas e amarelos, tentando passar um clima desafiador ao leitor. É uma espécie de embate visual, que dá um resultado muito parecido com o roteiro das histó-rias criadas para estes personagens.

As duas páginas abertas apresentam o fun-do totalmente tingido por um degradê vertical, que começa em um vermelho-vivo no alto da página, passando por laranja, marrom, preto e chegando, ao pé da página, em um tom de cinza-chumbo. No canto superior esquerdo, foi colocada a vinheta da seção, composta por duas ovais deitadas, uma sobre a outra, com um pequeno deslocamento. A que está sobre-posta é vermelha e, abaixo dela, a outra oval é de um tom escuro, quase vinho, simulando a sombra da primeira.

Nas duas ovais foi aplicado um efeito computadorizado que lhes dá um aspecto tridimensional. As duas são circundadas por um traço preto. Dentro da primeira, lê-se o texto “Na TV”, em uma fonte exclusiva da revista, na cor amarela, com um forte con-torno preto. Ao lado do texto, à direita, um desenho de uma TV caricata e um controle remoto, também em cores fortes – vermelho, laranja, verde e marrom – completam o dese-nho da vinheta. Ela não deve ocupar mais do que um terço da largura da página esquerda, mas tem elementos coloridos e impactantes suficientes para chamar a atenção. Ao lado dessa vinheta, à direita, inicia-se o título da matéria, que atravessa as duas páginas, chegando próximo ao final da segunda, com as letras em caixa alta, como são chamadas as letras maiúsculas no jargão gráfico.

“Mutantes do Bem” é o título. Foi escrito em um laranja sobre o fundo degra-dê, em sua parte ainda vermelha. Nessas letras, foi aplicado um efeito computadori-zado que lhes dá volume. Logo abaixo, em uma fonte menor, com aproximadamente metade da altura das letras do título, apa-rece o sub-título, na cor amarela, ainda sobre o fundo vermelho.

No lado esquerdo, ocupando a metade vertical da primeira página e, portanto, o

maior destaque da matéria, foi aplicado um dos super heróis da série. É o Wol-verine, um dos preferidos das crianças. Ele aparece em posição expressionista, agressiva, tendo, em primeiro plano, o seu braço esquerdo musculoso, vestindo uma luva metálica com garras afiadíssimas, poderosas, desafiadoras. Aparentemente, está prestes a atacar, e a sua posição, de frente para o leitor, sugere que o inimigo pode ser a própria criança, mas, ao mesmo tempo, parece conferir poder e força a quem o vê. Afinal, Wolverine é o herói e, apesar de suas características agressivas, representa o bem.

O traço do desenho é vigoroso e as cores da personagem, dominantemente amarela e azul, contrastam com o fundo degradê, passando a sensação de que a personagem vai saltar da página e atacar a qualquer momento. Na parte inferior da página du-pla, cinco quadros, simulando fotografias, pelo seu contorno branco, estão como que jogados propositalmente ao longo das duas páginas e apresentam instantâneos de outros personagens da série. Estão neles, o Ciclope, o Professor X, Tempestade e Jean Grey. Todos sempre em combate, utilizando os seus superpoderes.

No canto direito da segunda página vê-se um pequeno quadro amarelo, sobrepos-to por uma moldura laranja, novamente utilizando o efeito tridimensional com-putadorizado. O box, como são chamados estes quadros na linguagem gráfica, tenta imitar um hiperlink da Internet. Sobre ele, na parte superior, aparece o nome da série , X-Men, em letras tridimensionais, com volume e um efeito de perspectiva, com elevação diagonal em direção ao canto superior direito da revista, inclusive cortando o texto, como se ele estivesse querendo escapar da página, assim como o personagem principal. No box, foram colocadas informações, digamos, técnicas da série, como quando e onde está sendo exibida, em que horário e seus desdobra-mentos para o cinema.

A Revista Recreio e o X-Men: a imagem...

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2 Umberto Eco. Apocalípticos e integrados, p. 154-155.

determinada pela sua natureza elementar baseada num código bastante simples, obrigado a narrar mediante personagens-padrão, em grande parte forçada a servir-se de modos estilísticos já introduzidos por outras artes e adquiridos pela sensibi-lidade do grande público só depois de um considerável espaço de tempo (isto é, quando, historicamente, não mais re-vestem funções provocatórias), isolados do contexto original, reduzidos a puros artifícios convencionalizados. Só lhe seria possível, infelizmente, comunicar conteúdos ideológicos inspirados no mais absoluto conformismo; sugerir ideais de vida já exaustivamente compartilhados por todos os seus leitores, ignorando toda e qualquer proposta eversiva, e reforçar, em arte como em política, em ética ou em psicologia, o já conhecido.2

A matéria da revista Recreio aqui es-truturada com seu formato página dupla e sua iconografia, tenta fazer o leitor assistir à série, aumentando a sua audiência e, conseqüentemente, a leitura da revista, num círculo tal de comprometimento entre os diversos meios de comunicação dirigidos ao público infantil, que seria quase impossível, para uma criança, não assistir ao desenho, não ler a revista, não consumir os produtos merchandizados com personagens do seriado, o que trans-forma o pequeno leitor num pequeno consumidor.

A formatação da matéria com cores e elementos tridimensionais lembra as páginas de internet, com seus múltiplos elementos, botões e hiperlinks. O corte e a sobreposição dos elementos assemelham-se a takes cinematográficos, usados também em televisão. Toda esta iconografia tenta ser familiar aos olhos do público infantil, envolvendo a criança num mundo ilusório e imaginário. A imaginação é um processo psicológico novo para a criança. Nele, de-sejos não realizáveis podem ser realizados, quando a criança cria regras de comporta-mento para que este imaginário faça senti-

Na parte central da matéria, um texto na cor branca, disposto em três colunas, faz uma breve descrição informativa da sé-rie e da origem dos personagens com seus poderes e suas fraquezas. O texto procura ser bem didático, trazendo informações básicas para que um leitor que nunca as-sistiu ao desenho possa vê-lo, entender e conversar sobre ele com os colegas.

Depois de analisada toda a iconografia destas duas páginas, resta procurar enten-der o objetivo deste conjunto de elementos gráficos, composto por cores, letras e efeitos de computador. Em primeiro lu-gar, é possível reconhecer que as crianças também são atingidas por um fenômeno midiático conhecido como agenda setting,

pois a partir do momento em que existem publicações infantis, o agendamento de informações é uma forma de cativar este leitor e colocá-lo no centro das discussões do momento com seus amigos.

Seria ingenuidade ima-ginar que este agendamento fosse não existir só por se tratar de uma publicação infantil. Afinal de contas, a revista Recreio é uma publi-cação comercial semanal e é natural que a editora procure

pautar as suas edições nos sucessos da TV, do cinema ou dos quadrinhos do universo infantil. A análise aqui realizada está em ou-tro patamar, ou seja, o conjunto iconográfico apresentado não está somente a serviço da beleza das páginas, mas está relacionado a um contexto cultural mais amplo e exprime claramente uma visão ideológica:

Perguntemo-nos agora se, estabelecidos esses elementos ideológicos, ficam os meios comunicativos, os elementos esti-lísticos individuados, restritos aos fins da comunicação daquela precisa ideologia (ou melhor: obrigados a não exprimir outra coisa além dela). Isto equivaleria a dizer que esta linguagem é ideologicamente

A formatação da matéria com cores e elementos tridimensionais

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Hamilton Dertonio

do. Se, por um lado, as páginas examinadas colocam em circulação elementos gráficos originais, que criam uma linguagem visual na imaginação das crianças, por outro, eles devem ser estudados não só como fato esté-tico, mas também como modificadores de hábitos de vida e de consumo infantil.

É dentro desse imaginário que surgem os super-heróis das histórias. As persona-gens do grupo dos X-Men falam às crianças de uma forma simbólica, longe da realida-de. A ilusão do poder dessas personagens tem uma dimensão mágica para o público infantil. Os X-Men caracterizam-se pela coragem, perseverança e inteligência. Eles são justos e leais e representam tudo o que uma criança gostaria de ser. Encontram-se, quase sempre, em situação de combate, em uma luta do bem contra o mal. Conse-guirão sempre triunfar frente à situações impossíveis e provarão sua superioridade em ação:

O super-herói remete muito mais ao mito e se coloca a um nível de existência superior, sendo a expressão daquilo que muitas ve-zes fica inacessível ao comum dos mortais. Os super-heróis pressupõem as exigências do superego, seguindo um comportamento exemplar e quase milagroso. Aos olhos das crianças, o super-herói encarna aquilo que existe de melhor na natureza humana. É um ser sem defeitos, aceito como um super-homem.3

As histórias infantis, recheadas de super-heróis, produzem nas crianças o que Umberto Eco chama de “evidente exemplo de mitificação na produção dos mass media”, pois cria um repertório popular mitológico claramente instituído de cima, isto é, criado por uma indústria do entretenimento, porém particular-mente sensível aos caprichos do seu público, que, embora ainda descobridor desse repertório, torna-se absolutamente exigente.

Esse tipo de linguagem obtém uma eficácia de persuasão que pode ser com-parada apenas às grandes personagens

mitológicas. As aventuras dos super-heróis são paralelas à história ou à vivência da criança. Ela percebe, na personagem e nas tramas da qual participa, as suas próprias fraquezas, suas inquietudes e angústias. A criança encontrará tranquilidade no final feliz que a história proporciona e no triun-fo do seu herói. Este triunfo se transfere para ela, fazendo com que se sinta mais segura para enfrentar o seu próprio futuro e as dificuldades que encontrará na vida. A criança passa a perceber sozinha a noção do bem e do mal e saberá entender porque é preferível ser bom e não ser mau. A vitó-ria sistemática do super-herói sobre seus inimigos faz a criança entender os valores humanos mais por entender o resultado das histórias do que pelos valores em si.

As aventuras dos X-Men produzem um fascínio nas crianças pelo fato de que eles resolvem seus problemas contando com aptidões físicas excepcionais, mas são pessoas comuns, embora não o sejam fisicamente. Os seus poderes vêm de pe-quenas variações genéticas. Portanto, têm fraquezas, solidão, sentem preconceitos. Essas características oferecem à criança um acesso imaginário à sua própria trans-formação. Por meio dos X-Men, a criança tem esperança de que sua inteligência e suas habilidades lhe permitirão vencer todas as adversidades.

Os pontos fracos dos X-Men os aproxi-mam da vida cotidiana das crianças e dos problemas que elas enfrentam no dia-a-dia, na escola, com seus amigos ou em casa com seus pais. Os super-heróis ajudam as crianças, que muitas vezes crescem em um mundo conturbado, dentro de estruturas familiares instáveis, a encontrar a sua pró-pria identidade. Eles as ajudam a acreditar que, se fizerem bastante esforço e não de-sistirem, acabarão encontrando o sucesso. Montigneaux (2003, p. 133) comenta:

3 Nicolas Montigneaux. Público-alvo: crianças. A força dos personagens e do marketing para falar com o consumidor infantil, p. 131.

A Revista Recreio e o X-Men: a imagem...

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O interesse da criança pelo herói permite descobrir suas grandes interrogações. As grandes questões que se colocam para a criança, assim como as suas angústias, estão ligadas à fragilidade na qual ela se sente, ao medo da morte, ao medo de crescer, aos mistérios da sexualidade, às noções do bem e do mal, ao desejo de poder, ao dever da coragem... Finalmente, as histórias ajudam a criança a encarar, sobretudo, as questões relativas ao sen-tido da vida.

Por outro lado, a matéria dos X-Men, na revista Recreio, pode ser analisada como mais um exemplo de conteúdo ideológi-co voltado para a banalidade comercial, contendo uma estrutura circular, estática e com uma pedagogia imobilista. Afinal, a indústria da cultura de massa produz

histórias com super-heróis para crianças em escala internacional e as difunde a todos os níveis. A Recreio, por fazer parte dessa indús-tria, difunde um produto industrial, encomendado de cima, segundo todas as me-cânicas de persuasão oculta, refletindo todo o esquema de um sistema e reforçando os mitos e valores vigentes.

Creio que a Revista Re-creio se renda às armadilhas

do sistema de cultura de massa por ser parte dela, embora tente manter um nível intelectual superior às demais publicações infantis. A criança transforma a revista em um brinquedo, em um instrumento ilusório e imaginário, de acordo com o que Vygotsky fala sobre o desenvolvimento da linguagem e do pensamento infantil.

A tendência de uma criança é satisfazer seus desejos imediatamente. Conforme vai crescendo, ela percebe que nem sempre isso pode acontecer. A revista substitui essas situações de modo a satisfazer as crianças rapidamente. A presença de personagens e super-heróis que conhece de outras mídias faz com que ela aprenda a agir numa esfera

cognitiva, criando uma nova forma de dese-jos. Dessa maneira, a Recreio faz com que as crianças tenham aquisições importantes que se transformarão, no futuro, em seu nível básico de ação real e de moralidade.

Muitas transformações internas surgem na criança quando ela se utiliza de uma si-tuação imaginária proposta na história da revista. A história em si e seus desdobra-mentos em matérias complementares, com jogos, testes e brincadeiras, transformam essas situações imaginárias em regras que ela respeita e cumpre. Essas regras deter-minam o papel da criança no jogo (que é, segundo Piaget, uma regra de autocon-tenção e autodeterminação), fazendo com que ela se realize nas histórias. Por isso, as regras transformam-se num fator muito importante do desenvolvimento infantil. Quando a criança se realiza, ela pensa e, ao pensar, ela age. Esses dois movimentos, internos e externos, estão interligados. Ela imagina, interpreta e age.

Contudo, esse comportamento da criança no dia-a-dia é oposto ao seu com-portamento na imaginação da história, por-que a história não é a forma predominante de atividade da criança. Não é possível imaginar, como sugere Umberto Eco, que a simples criação de personagens e his-tórias com detalhes gráficos e estilísticos criativos, mesmo dentro de um “circuito industrial-comercial da produção e do consumo”, seja capaz de influenciar todo o comportamento da criança, mesmo que ela transfira parcialmente o imaginário da história para a vida real:

Sob o ponto de vista do desenvolvimen-to, a criação de uma situação imaginária pode ser considerada como um meio para desenvolver o pensamento abstrato. O de-senvolvimento correspondente de regras conduz a ações, com base nas quais torna-se possível a divisão entre trabalho e brin-quedo, divisão esta encontrada na idade escolar como um fato fundamental.4

A criança transforma a revista em um brinquedo

4 Lev Semyonovich Vygotsky. A formação social da mente, p. 136.

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Hamilton Dertonio

referência? Em que ponto as opiniões e a moral difundidas pela revista passam a ser aceitas como as corretas por este grupo? Será que o poder econômico da Editora Abril influencia a aceitação deste veículo no grupo? Realmente a revista Recreio, parece ter uma penetração eficaz porque a criança sente a necessidade de ser aceita e bem-sucedida na sociedade, ela não quer ser diferente dos outros e busca, por meio das histórias, o confor-to e a estratégia para posicionar-se em relação ao grupo.

A revista Recreio sabe se aproveitar muito bem dessa situação. Por se tratar de um meio eleito pelo grupo social infantil, suas opiniões fazem parte do imaginário dominante. A criança lê, faz as brincadeiras e responde aos testes para poder participar da agenda imposta pela mídia. A revista, contudo, também precisa adaptar-se às mudanças desta criança, perseguir as suas expectativas e solucionar suas dúvidas nos momentos especiais. Embora tenda a ler o mesmo que o seu grupo lê, a criança costuma reagir ao que lhe é imposto com atitudes que o seu imaginário lhe permite assumir.

Para a criança, o imaginário não subs-titui o real, mas permeia suas atitudes em relação à realidade. A essência do imaginá-rio traz uma nova relação entre o campo do significado e o campo da percepção visual, entre situações de pensamento e situações reais. Nesse sentido, o imaginário tem pouca influência no comportamento da criança. Ele, por outro lado, ajuda a criar regras para esse comportamento sem, no entanto, influenciá-lo.

Uma criança pode, ao ler uma his-tória dos X-Men, se sentir mais segura com relação ao seu futuro e às mudanças que irá enfrentar na vida, porque passa a perceber que algumas características suas que se destacam, como a inteligência ou porte físico, podem ajudá-la a resolver problemas. Mas, por também ensiná-la a pensar, essa leitura de forma nenhuma a transformará num ser alienado. O imagi-nário será sempre um auxiliar importante no seu desenvolvimento.

Permeando a análise da revista Re-creio, algumas indagações se fizeram presentes: como um grupo de crianças passa a aceitar a Recreio como uma

Referências bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, 2002.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2004.MONTIGNEAUX, Nicolas. Público-alvo: crianças. São Paulo: Negócio, 2003.PALO, Maria José e OLIVEIRA, Maria Rosa. Literatura infantil: a voz de criança. São Paulo: Ática,

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A Revista Recreio e o X-Men: a imagem...

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Evolução dos meios de linguagem

Carlos Eduardo de Almeida SáMestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Docente da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Resumo

Ao adentrar o século XXI, o videoclipe firma-se como um dos gêneros midiáticos de expressão estética e cultural da contem-poraneidade. Esse artigo apresenta algumas das possíveis poéticas do videoclipe em seu surgimento, indica os locais nos quais eram exibidos e por meio de quais suportes ele tentava se compor e se sustentar. Por fim, pretende-se também lembrar de outras fontes que serviram de inspiração para o gênero em questão, bem como propor uma reflexão acerca dos desdobra-mentos do videoclipe no cotidiano.

Palavras-chave: videoclipe, comunicação de massa, tecnologia.

Abstract

At the beginning of the 21st Century, the video clip became one of the media genres of aesthetic and cultural expression of contemporaneity. This article shows some of the possible poetic pieces of early video clips, it indicates the places in which they were exhibited and by which supports they tried to compose and sustain themselves. Finally, it is also intended to remember other sources which constituted inspiration for such genre, as well as proposing a reflection on the outcomes of video clip in our quotidian.

Key words: video clip, mass communication, technology.

Resumen

Al adentrar el siglo XXI, el vídeo clip se firma como uno de los géneros mediáticos de expresión estética y cultural de la contemporaneidad. Este artículo presenta algunas de las posibles poéticas del vídeo clip en su surgimiento, señala los locales en los que eran exhibidos y por medio de qué soportes intentaba componerse y sostenerse. Por fin, se pretende asimismo recordar otras fuentes que sirvieron de inspiración para el género en cuestión, bien como proponer una refle-xión acerca de los despliegues del vídeo clip en el cotidiano.

Palabras clave: vídeo clip, comunicación de masa, tecnología

Primeiras poéticas do videoclipe e alguns desdobramentos

do gêneroFirst video clip poetic pieces and

some outcomes of this genre

Primeiras poéticas do videoclipe e alguns...

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1 Mark A. Cantor. “MTV for the 1940´s!”. Disponível em <http://www.jazz-on-film.com/second.htm>. Acesso em 23 out. 2002.

2 Arlindo Machado. Pré-cinemas e pós-cinemas, p. 165.

A Panoram e os Soundies

e acordo com Mark Cantor1, pesquisador e historiador em música no cinema, os primei-

ros experimentos com a poética do vide-oclipe ocorreram na década de 1940, nos Estados Unidos. Nessa época, era comum algumas casas de jazz terem, como entre-tenimento, a Panoram, um aparelho com um visor e um buraco para moeda. Nesse aparelho, o cliente escolhia uma música e acompanhava o filme, alguns com imagens dos shows, do artista selecionado.

A revista americana Look, em sua edição de 19 de novembro de 1940 cha-

mava a atenção para o mais novo e arrojado em-preendimento de Jimmy Roosevelt (filho do então presidente norte-ameri-cano Franklyn Delano Roosevelt): “A Panoram é uma jukebox, para filmes. Você coloca uma moeda e assiste a um filme de curta metragem, com três mi-nutos de duração e som, chamado ‘soundie’”.

Em 1940, Jimmy Ros-sevelt fundou esse novo

negócio, após ter conseguido uma fortuna com o ramo de seguros. Ele começou a bancar a produção de soundies e a sua empresa começou a produzir jukebox do tipo Panoram.

De acordo com a revista Look, ele e seus sócios esperavam ter, em 1941, 30000 desses cinemas em miniatura, instalados em bares, hotéis e restaurantes, cada um faturando em média 50 dólares em moedas e pagando 10 dólares pelo aluguel semanal dos filmes.

O mecanismo de projeção e de am-pliação da Panoram foi desenvolvido pela RCA. Assim, esses filmes – de 16 mm – podiam ser projetados na tela desse equi-

Dpamento a partir de seu próprio interior.

Sobre a projeção dos soundies e a pa-noram, Arlindo Machado explica, em seu livro Pré-cinemas e Pós-cinemas:

O sistema era simples: Ele consistia apenas num projetor de filmes de 16 mm transformado para ser operado por mo-edas. O projetor era ocultado dentro de um móvel parecido com um aparelho de televisão antigo, onde havia uma pequena tela de 18 por 22 polegadas na parte de cima e um alto-falante na parte de baixo. O filme era projetado por detrás da tela cada vez que alguém colocava uma moeda na ranhura do móvel.

Graças ao sistema de back projection, o dispositivo não necessitava de sala exura para operar (...) cada carretel de filme armazenava cerca de oito soundies, que ficavam enfileirados num sistema de loop sem fim. Quando o cliente escolhia uma determinada peça musical, o sistema loca-lizava no filme o ponto exato onde estava aquela peça e só exibia essa parte2.

Outro interesse que despertou as máquinas é que elas serviam como uma oportunidade para muitas pessoas que pretendiam ocupar o seu lugar na grande tela. Nesse contexto, os curtas também podiam servir como teste de câmera para muitos talentos ainda não descobertos. No entanto, os testes comuns de câmera – em estúdios – eram mais difíceis, pois custavam, naquela época, cerca de mil dólares.

É mister destacar a produção desses curtas-metragens musicados e sincopados, uma vez que foram produzidos no total 1889 soundies, os quais representavam o verdadeiro e mais completo acervo audio-visual da década de 1940.

Os produtores desses filmes, segundo Mark Cantor, precisavam atender ao gosto da maioria dos espectadores da época, nes-

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Carlos Eduardo de Almeida Sá

3 Arlindo Machado. Op. cit, p. 165.4 Carlos Calado. O jazz como espetáculo, p. 260. Grifos do autor.

5 Arlindo Machado. Op. cit, p. 169.

se sentido, produziram um grande número de gêneros musicais. Dentre vários gêne-ros de soundies produzidos e catalogados encontravam-se: big band e swing, músi-cas afro-americanas, latino-americanas, irlandesas, havaianas e russas; country-western, hillbilly e western-swing; polca; orquestras harmônicas; corais e grupos de harmonia; dança (incluindo sapateado, Lindy hop, jitterbug, ballroom, valsa etc.); songwriters e song stories; vaudville, de-senhos animados e variety artists; sports reels; hokum e comedies routines etc.

Conforme evidenciado por Cantor, o número de gêneros disponíveis para veiculação dos soundies nas Panorams excedia os gêneros atualmente em deman-da na MTV.

Apesar do vasto estilo musical, pode-se afirmar que o jazz foi a válvula propulsora para a criação das máquinas. Esse fato refle-te uma maior aceitação do jazz nos ambien-tes culturais brancos, conforme menciona Arlindo Machado: “O amadurecimento de processos profissionais de associação de imagens e som no cinema coincide com um momento de maturidade do jazz e de aceitação dessa forma musical nos meios culturais brancos dos Estados Unidos3”.

A maior parte desses filmes não era rodada em Los Angeles, mas nos estúdios da Vitaphone, no Brooklin, ou na Para-mount, no Queens, onde se encontravam os grandes nomes do jazz.

O motivo que levava esses produtores a filmar os bailes de jazz pode ser explicado se o jazz for compreendido como espetá-culo e com o seu lado visual, conforme afirma Carlos Calado:

Constatada a similaridade entre os elementos estruturais do espetáculo teatral e do jazzísti-co, tentou-se estabelecer graus de teatralidade a fim de que o emprego de elementos cênicos pudesse ser medido de algum modo. Para isso, partiu-se de uma relação básica desse gênero de espetáculo, isto é, a relação entre o músico e seu instrumento, que vai mediar

a expressão do jazzman via música até sua platéia. Da pura auto-expressão (nível básico a qualquer forma de arte), a relação com o instrumento leva a um nível já marcado por relações psicossociais, denominado ‘atitude de jazzman’. Avançado esse grau, o músico passa também a ‘atuar’, ou seja, de acordo com o nível maior de recursos cênicos que utilize em sua apresentação, desempenha um ’papel’ como um performer (no sentido que esse termo recebe da teoria do teatro), ou interpreta um ‘personagem’ como um ator4.

Nas raízes do jazz, estão os rituais religiosos africanos e a sua cultura. Esses rituais eram repletos de coreografias e de recursos cênicos, que resultaram, mais tarde, na matriz do jazz performático americano. Em outras palavras podemos afirmar que muito se perde quando se tem contato com o jazz apenas através dos discos. O jazz é essencialmente visual. O que justifica o surgimento dos primeiros soundies de jazz.

No entanto, a vida dos soundies foi curta, como destaca Machado:

Em primeiro lugar, representavam uma concorrência aberta à industria cinemato-gráfica digamos assim “oficial”: a medida que o público começa a depositar seus di-mes (moeda americana de 10 centavos)... em vez de deposita-los nas bilheterias, passa-se a suspeitar que os soundies estão, bem antes da televisão, tirando os espectadores das salas de cinema. Mas a indústria do cinema, nessa época, é já um truste poderoso e não fica paralisada diante da concorrência inesperada. Em pouco tempo de negociações políticas, ela consegue impor, via assembléias le-gislativas, pesadas taxações estaduais... tornando o negócio inviável em vários estados, além de abrir uma campanha desmoralizante contra os soundies em todo o país5.

Outro problema encarado pelos cria-dores dos soundies foram os músicos e

Primeiras poéticas do videoclipe e alguns...

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6 Alguns volumes foram compilados no Brasil e estiveram disponíveis em fitas de videocassete. Em 1995 a Movie Play Vídeo lançou uma coleção composta por três volumes denominada Rock & Roll and The 50´s Jukebox.7 O filme foi relançado em DVD duplo, em 30 de setembro de 2002 na Inglaterra, pela Miramax Home Entertainment e teve a imagem e o som restaurados.8 Tradução: “O Dia de ‘A Hard Day’s’. Aguardando em filas para assistir ao filme dos Beatles, ontem, estes jovens chega-ram bem cedo pela manhã. Munidos de rádios, lancheiras e buttons com ‘Ringo para Presidente’, eles permaneceram de pé o dia inteiro do lado de fora do Meadowbrook Theater, na East Meadow. Às 18h eles puderam entrar e às 19h o filme começou. As filas nos outros nove cinemas de Long Island em que o filme foi exibido também foram gigantescas”. Foto de Curran, publicada no Newsday.

seus sindicatos que temiam que as salas de música ao vivo se tornassem vazias com a presença da panoram.

Os últimos suspiros, no entanto, vieram com a Segunda Guerra Mundial, que fez com que a indústria reduzisse a produção das gigantescas jukeboxes do tipo, e com o estouro da televisão, ocorrido após esse conflito. Esses fatos contribuíram decisiva-mente para o enfraquecimento dos investi-mentos em filmes de curta metragem.

Apesar disso, os curtas musicais de três minutos (incluindo-se alguns poucos soundies originais) foram utilizados, até o início da década de 60, para preencher os intervalos entre os programas de televisão, especialmente nos mercados televisivos re-

gionais e de pequeno porte.Os soundies produzidos

para as jukeboxes do tipo são alguns dos poucos e remanescentes filmes sono-ros com bandas femininas de swing da década de 40. Dentre os filmes produzidos nessa década, a maioria dos curtas originais, de 16mm, encontra-se em coleções de historiadores de filmes e de música6.

O Videoclipe no Cinema

No cinema, pode-se dizer que o grande público tomou contato pela primeira vez com a linguagem do videoclipe em 1964. Tratava-se de um experimento do diretor Richard Lester quando se propôs dirigir A Hard Day’s Night7 (The Beatles), título que os versionistas desistiram de tentar tradu-zir e preferiram lançar o filme no Brasil com o nome de “Os Reis do Iê Iê Iê”.

A maioria dos takes foi filmada no Twickenham Studios, em Londres. O mu-sical, em forma de documentário, registra o cotidiano dos rapazes e foi produzido em apenas seis semanas e meia, em preto e bran-co, tratando-se de um marco que assinalou

o início da ascensão irresistível do jovem grupo de Liverpool.

O diretor ganhou fama pelo capricho de seus ângulos e pelos movimentos de câme-ra para filmar os números musicais, o que deu à obra um padrão estético clipado.

A produção teve um custo barato, cerca de 175 mil libras, ou 350 mil dólares, e somente na primeira semana de distribuição faturou 8 milhões de dólares, o que a tornou um dos mais lucrativos produtos cinematográficos de todos os tempos, conforme narra Barry Miles em Many Years from Now, a biografia autorizada de Paul McCartney. O motivo do baixo orçamento foi em decorrência de a produtora United Artists não querer investir alto em um filme de um grupo de rock em início de carreira.

Os Beatles rodaram as cenas enquanto tocavam pela Grã-Bretanha. Consideran-do-se que não eram atores, Lester editou o roteiro em cenas rápidas – o que também influenciou decisivamente naquilo que hoje se conhece como videoclipe.

A estréia do filme ocorreu em julho do mesmo ano. A Hard Day’s Night foi surpreendentemente bem recebido pela crítica mundial e é considerado, até hoje, um dos melhores filmes musicais de todos os tempos.

Estréia de A Hard Day’s Night (The Beatles – julho de 1964).8

Cumpre lembrar também que, a partir do filme os fãs passaram a identificar cada um

O diretor ganhou fama pelo capricho de seus ângulos e pelos movi-mentos de câmera

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Carlos Eduardo de Almeida Sá

9 O filme foi relançado mundialmente em setembro de 1999 em CD, VHS e em DVD. As versões em VHS e em DVD foram remasterizadas com qualidade Sorround 5.1 e contam ainda com uma seqüência em que os Beatles cantam ''Hey Bulldog''. Essa seqüência não está inclusa na edição original do filme.10 Fredric Jameson. Pós-modernismo: a lógica do capita-lismo tardio, p. 100.

dos integrantes do grupo, uma vez que todos eles têm cenas individuais e são obsessiva-mente chamados pelo nome. Nesse sentido, o filme colaborou para fixar a imagem que os perseguiria por toda a sua carreira: John como sendo o mais introspectivo e irônico, Paul como o profissional charmoso, George como o tímido e Ringo como o adorável perdedor.

As cenas da banda fugindo das fãs, a gritaria nos shows, o corre-corre e o fanatismo tornaram-se uma fórmula para o comportamento do público de massa ao redor do mundo inteiro.

A chamada “Beatlemania” se manifes-tou rigorosamente em cada um dos países pelos quais a banda passou em sua turnê mundial: Nova Zelândia, Austrália, Suíça, Hong Kong e Dinamarca.

As cenas do filme também revelaram algo nunca antes registrado: quatro jovens em meio a uma multidão assombrosa e sedenta – um trabalho fundamental na popularização da banda.

Com uma história centrada na eterna luta do bem contra o mal, Yellow Submarine9 foi – quatro anos após A Hard Day´s Night – outro grande acerto do grupo The Beatles. Nessa história, os integrantes do grupo via-jam a bordo de um submarino amarelo pela terra encantada de Pepperland, combatendo os malvados Blue Meanies, os quais estão empenhados em levar a tristeza ao local e que petrificam tudo e todas as pessoas por-que odeiam música e a felicidade alheia.

O produtor americano Al Brodax já havia feito para a televisão algumas aven-turas de animação usando os Beatles como protagonistas, quando foi convidado para produzir Yellow Submarine. Sua primeira providência foi chamar o desenhista alemão Heinz Edelmann e sua equipe, resultando num trabalho de 14 textos diferentes, 40 animadores e 140 artistas técnicos.

O filme – produzido em onze meses – resultou em um delírio psicodélico, uma explosão de cores, e revolucionou as artes gráficas e cinematográficas desde Walt Disney.

Inspirando-se em uma geração de no-vas tendências artísticas, pode-se afirmar que a obra está situada ao lado do deslum-brante estilo Pop Art de Andy Warhol, Martin Sharp, Alan Aldridge e Peter Blake, assim como das criações Op Art de Brigit Riley, do psicodelismo fotográfico de Ri-chard Avedon e da surreal imaginação de Salvador Dali.

A idéia do desenho foi do empresário Brian Epstein, para cumprir um contrato de três filmes com a United Artists, (A Hard Day´s Night e Help foram os dois primeiros).

Depois do fracassado Magical Mystery Tour, os garotos de Liverpool não queriam mais ouvir falar em filmes. No entanto, Yellow Submarine foi outro grande suces-so do grupo e pode até hoje ser considerado um grande videoclipe.

Cabe ressaltar que acerca das relações estabelecidas entre a linguagem videográ-fica e o desenho animado, Fredric Jameson percebe que o vídeo busca na animação o seu análogo:

Precisamos explorar a possibilidade de que o precursor mais instigante da nova forma seja a animação ou o desenho animado, cuja especificidade material (e, de forma paradoxal, não-ficcional) tem, pelo menos, dois aspectos: por um lado, envolve uma combinação ou adequação entre a linguagem musical e a visual (dois sistemas totalmente elaborados, que não são subordinados um ao outro, como é o caso no filme de ficção) e, por outro lado, o caráter palpavelmente produzido das imagens de animação, as quais, em suas incessantes metamorfoses, obedecem ago-ra a leis ‘textuais’ da escrita e do desenho, em vez das da verossimilhança, a força da gravidade etc.10.

Primeiras poéticas do videoclipe e alguns...

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Músicas como Lucy in the Sky with Diamonds e All Together Now ganharam imagens soberbas, que levam o espec-tador à rota desse submarino da era das flores, e um festival de inventividade e surrealismo.

A inovação também pode ser consta-tada na mescla de ações fotografadas com animações. Esse processo é mostrado na seqüência de Eleanor Rigby, em que ima-gens reais de um filme, figuras recortadas e fotografias de Liverpool são mescladas.

Outro destaque sobre a animação, de acordo com o desenhista Edelmann11, é o fato que as “pessoas que aparecem fotograficamente na seqüência de Eleanor Rigby são membros da produção”. Nesse

sentido, Edelmann afir-ma que o filme é, de certo modo, uma biografia do pessoal que nele trabalhou. O cavalheiro com o cachim-bo, por exemplo, foi criado com uma fotografia de Bro-dax, os dois homens no teto segurando guarda-chuvas são Dunning e Edelmann; a garota tirando uma foto, é a supervisora prática Alison de Vere; e o homem na cabi-na telefônica e o camarada com um pequeno cachorro

saltitante são imagens do proprietário do pub favorito do pessoal da produção, o Dog and Duck.

No que se refere à pesquisa da anima-ção, foi minuciosa. Para realizar o efeito de um caleidoscópio colorido, os diretores usaram filtros polarizados rotativos em frente a uma arte imóvel, como pode ser visto na seqüência de Lucy in the Sky with Diamonds. Nota-se nessa seqüência uma coloração brilhante que dá vida às imagens de coristas, bailarinas e do carrossel de cavalos.

Por conseguinte, Brodax afirmou em entrevista ao Los Angeles Herald-Exami-ner, de 11 de outubro de 1968, que usaram

10 ou 12 filmes de diferentes origens, cada um com suas próprias característi-cas de cor, para conseguir os efeitos que queriam. O filme também deu nova vida à velha técnica de animação chamada rotoscoping12.

Outras fontes e desdobramentos do videoclipe

Para concluir esse artigo, convém lem-brar que assim como o cinema, o videoclipe – refém da indústria cultural – durante dé-cadas recebeu influências de diversas áreas compondo, aos poucos, suas linguagens. Como não referenciar a literatura hipertex-tual e não linerar de Raymand Queneau ao nonsense do videoclipe? É mister lembrar do trabalho de vídeo-artistas e seus experi-mentos – de Nam June Paik às três décadas de vídeo no Brasil13 –, propondo novos enquadramentos, novos olhares – como admitir a panorâmica chicote na tradicional cartilha dos tediosos programas vespertinos de auditório? Pesquisas e experimentos da arte do vídeo chegaram às novas texturas, novos cortes, novas fusões e migraram para o cinema, para os telões das Raves, e para novos softwares de edição. Da arquitetura e do urbanismo é interessante lembrar que o homem pós-moderno adaptou-se ao rit-mo imposto pelo capitalismo, não se ilude mais com o parar dos relógios (lembrando os tiros espontâneos dados nos relógios em vários pontos de Paris quando ocorreu a grande revolução). Nesse contexto o ho-mem contemporâneo traz consigo um olhar e uma sensibilidade fragmentados calcados

Imagens sincopadas em metamorfose, num ritmo veloz

11 Heinz Edelmann em entrevista a Laura Gross. Disponível em <http://www.revolution9.com.br/noticias/yellow.htm>. Acesso em ago. 2003.12 Criada em 1930, essa técnica consiste em colocar, quadro a quadro, as imagens de uma historieta num filme de ação.

13 Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro é o título de uma publicação do Itaú Cultural organizada por Arlindo Machado em 2003.

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Carlos Eduardo de Almeida Sá

nesse outro tempo. O ritmo das grandes e populosas cidades como São Paulo, Tóquio e Nova York, por exemplo, imprimiu no cotidiano desse urbanóide uma cultura sincopada, como as refeições fast food, o olhar apressado entre os semáforos das grandes avenidas. De carro em movimento ou em vagões de trens e metrôs de super-fície observa-se a arte mural, retratada nos grafites, nos painéis luminosos e no jogo de luzes feérico que inúmeros signos da contemporaneidade trouxeram consigo. O videoclipe insere-se nesse panorama. Imagens sincopadas em metamorfose, num ritmo veloz que acompanham o ritmo da nossa cultura.

Embora atualmente grande número das produções de videoclipes esteja in-serido em ralos subprodutos da indústria cultural como suporte mercadológico para viabilizar o marketing de cantores, cantoras e bandas do Brasil e do mundo (nesse segundo favorecendo fortemen-te, inclusive, a transnacionalização da cultura), o videoclipe atende ao gosto de larga parcela da população, devendo, con-seqüentemente, se perpetuar como meio, produto semiótico e forma expressiva comunicacional, possibilitando, assim, por meio dele, novas oportunidades de diálogo e de informação para as comuni-dades que virão.

Referências bibliográficas

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EDELMANN, Heinz. Entrevista a Laura Gross. Disponível em <http://www.revolution9.com.br/noticias/yellow.htm>. Acesso em ago. de 2003.

Evolução dos meios de linguagem

Alessandro Carvalho SalesAlessandro Carvalho Sales

Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SPPesquisador da Universidade Federal de São Carlos

[email protected]

Resumo

Este texto apresenta as históricas relações entre o jornalismo e a literatura no Brasil, descrevendo especialmente dois momen-tos: a belle époque, de ressonância francesa, e o new journalism, de influência norte-americana. A análise busca apresentar aspectos dos vínculos entre o jornalismo e a literatura nas duas circunstâncias particulares, os contextos que dirigiam suas interrelações, seus principais personagens e as caraterísticas das produções de cada período.

Palavras-chave: jornalismo, literatura, história, belle époque, new journalism.

Abstract

This text shows the historical relations between journalism and literature in Brazil, describing especially two moments: the belle époque, of French resonance, and the new journalism, of American influence. This analysis seeks to present aspects of the links between journalism and literature in both specific circumstances, the contexts that ran their interrelations, their main characters, and the production features of each period.

Key words: journalism, literature, history, belle époque, new journalism.

Resumen

Este texto presenta las históricas relaciones entre el periodismo y la literatura en Brasil, describiendo especialmente dos momentos: la belle époque, de resonancia francesa, y el new journalism, de influencia estadounidense. El análisis busca presentar aspectos de los vínculos entre el periodismo y la literatura en las dos circunstancias particulares, los contextos que dirigían sus interrelaciones, sus principales personajes y las características de las producciones de cada período.

Palabras clave: periodismo, literatura, historia, belle époque, new journalism.

Entre o jornalismo e a literatura: a belle époque e o new

journalism no BrasilBetween journalism and literature:

the belle époque and the new journalism in Brazil

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rimeiramente, afirmemos que as proposições que desenvolve-remos no decurso deste trabalho terão de ser, por uma questão

de referencialização e tendo em vista o próprio cunho da matéria, postas sob um signo temporal, o que não deverá implicar um absolutismo de datas: sabemos que, em se tratando de história, a queda e a ascen-são de sistemas não se fazem por inteiro, ao sabor das horas. Ao contrário, toda transformação é um complexo cujas mu-táveis características, muito mais do que denotadas via pontos exatos de mudança, encerram-se dentro de feixes cronológicos que costumam resguardar a convivência

pouco harmoniosa de dois conjuntos antagôni-cos – o superante e o em superação.

Outra questão a se dei-xar patente é que não nos interessará contar uma completa história das re-lações entre o jornalismo e a literatura. Este trabalho ainda está por se fazer, e não será este o seu espaço adequado. Nosso objetivo é a apropriação e contex-tualização – ainda que tão

acabada, contínua e didática quanto nos for possível – de dois momentos-chave neste histórico: a belle-époque, quando era grande o sotaque europeu, o suposto afrancesamento de nossos textos; e o novo jornalismo, que nos chegou, desta feita, por uma influência norte-americana.

São dois instantes muito particulares nos quais, efetivamente, esteve mais liga-da a literatura ao jornalismo. Analisá-los conduzirá a uma percepção maior de como tem se dado, em nível até mais prático, a vinculação entre as áreas em foco, que contexto regia estas relações, quais eram seus principais personagens, de que forma podemos enxergar suas produções.

P Rumo à belle-époque

A chegada da imprensa ao Brasil dá-se, legalmente, em 1808, por conta da vinda da família real portuguesa. Até a chega-da de D. João VI, quando o Brasil vê-se livre da condição de colônia, quaisquer atividades ligadas ao jornalismo eram terminantemente proibidas. As oficinas da Impressão Régia foram instaladas em maio e, em setembro, circulava a Gazeta do Rio de Janeiro. Desde junho, no entan-to, o português Hipólito da Costa editava, de Londres, o Correio Brasiliense, jornal político, de muita opinião, que nos che-gava mensalmente.

As particularidades da fase inicial de nossa imprensa partem exatamente destas duas palavras – política e opinião. Tratava-se de um trabalho essencial-mente artesanal, pelo qual confeccio-navam-se jornais que, ainda distante de pensarem em serviço público, eram usados como instrumento de poder, fer-ramenta de propaganda, representativos das intenções, da militância política de determinados grupos. Daí, aliás, o forte teor opinativo.

Isto tudo estava amarrado a um con-texto maior, no qual se via a presença de uma economia muito fraca, incipiente, assentada em um quadro político agitado, marcado por acontecimentos como o Fico, a Abdicação, a Independência, a Confede-ração do Equador, as guerras regenciais, o Segundo Reinado, a Revolução Praieira, as guerras platinas, a libertação dos escravos, a preparação da República, entre outros. Retrato de um país em busca de si próprio, encalço de uma autonomia particular, o ser de uma nação atrás de constituir-se – tudo em seus estágios iniciais, depois de longo passado colonial.

Era o tempo da pequena imprensa, dos repórteres-estadistas, do humorismo, do panfletarismo. Os grupos políticos brigavam através dos jornais, fossem eles oficiais, governistas ou de oposição. Jua-

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1 Juarez Bahia. Jornal, história e técnica, p. 84.2 Francisco Silva e Pedro Bastos. História do Brasil, p. 161-176.3 Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil, p. 315.

rez Bahia fornece-nos excelente pictórico sobre o momento:

É um período em que a influência de um jornal não é medida pelo seu tamanho, pela sua qualidade ou pelo seu prestígio. O que faz a medida é a força da opinião, e esta tanto pode aparecer em uma página como em várias páginas. Não é o título que conta. Tampouco a tradição, o peso econômico. Prevalece a idéia. O que se imprime é o que vale.

O que há, portanto, é uma pequena im-prensa. Exclusivamente, simples jornais. E um jornalismo feito por panfletários, por autores que polemizam, divergem, desa-fiam, conciliam, lutam, instigam, ensinam, constroem, destroem. Eles sobrevivem por muitas gerações como jornalistas apenas, alguns como estadistas. Seus efêmeros jornais também.

Hipólito da Costa, Evaristo da Veiga, Luís Augusto May, João Soares Lisboa, Antô-nio Borges da Fonseca, Cipriano Barata, Bernardo Pereira de Vasconcelos, José Bonifácio, Januário da Cunha Barbosa, Joaquim Gonçalves Ledo, Maurício José de Lafuente, Justiniano José da Rocha, José da Silva Lisboa. Exaltados, radicais, moderados, conservadores1.

Esta tessitura apresenta sinais de mudança em meados da segunda metade do século XIX, acompanhando um movi-mento de transformações que marcaram, de forma indelével, o dito período. Na economia, o café se sobressaía veemen-temente, ladeado pela força do algodão, do cacau e da borracha. A chamada tarifa Alves Branco, de 1844, criou uma política protecionista que foi o embrião da produção industrial nacional, que teve surtos em 1850 e 1870. A eletrici-dade ensejava numerosas melhorias. Os transportes e as comunicações também se desenvolviam bastante. Houve um processo muito claro de modernização e urbanização. Sob a insígnia da Era Mauá, empresas, bancos e sistemas de crédito formavam-se cada vez mais rapidamente. Imigrantes ampliavam o

mercado consumidor e a mão-de-obra assalariada. Aliás, a mão-de-obra escrava transigia, ainda que lentamente, para a assalariada2.

Ainda nesta época, em especial na Europa, evoluem significativamente as ciências, a biologia, a medicina. O senti-mento predominante era aquele ligado ao cientificismo, ao progresso, ao liberalismo, ao iluminismo, ao materialismo. Como tudo do período, sob os fluxos deste éter, mudou também a imprensa.

Por volta da década de 1880, ainda mais efetivamente do final do século XIX para o início do século XX, transforma-se a imprensa nacional. Da fase artesanal, procura ela alcançar um estágio mais in-dustrial, de grande imprensa, no que toca à sua nova condição empresarial, às suas renovadas máquinas de impressão, aos anúncios que tomam mais e mais espaço, às formas variadas de vendas avulsas e de assinaturas, à divisão do trabalho, racionalização de custos, às rotinas e pro-cedimentos jornalísticos. Nelson Werneck Sodré considera que tal transição está (…) naturalmente ligada às transformações do país, em seu conjunto, e, nele, à ascensão burguesa, ao avanço das relações capitalis-tas: a transformação na imprensa é um dos aspectos desse avanço; o jornal será, daí por diante, empresa capitalista, de maior ou menor porte3. O jornalismo circuns-tancial, individual, ligado diretamente a figuras de prestígio estava por se superar.

Nas cidades, as populações crescem, o nível de alfabetização aumenta, bem como se ampliam os níveis de renda e de consumo dos habitantes. Pari passu, incre-mentam-se suas necessidades e exigências de informações. Bahia fala-nos do impulso que recebe a imprensa em função “(…) da

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4 Juarez Bahia. Op. cit., p. 108.5 Ibidem, p. 108.6 Carlos Lins da Silva. O adiantado da hora: a influência americana sobre o jornalismo brasileiro, p. 63-64.7 Edvaldo Lima. Páginas ampliadas: o livro-repor-tagem como extensão do jornalismo e da literatura, p. 135-136.8 Afrânio Coutinho. A literatura no Brasil, p. 8-11.

9 Afrânio Coutinho. Op. cit., p. 9: “A palavra realista deriva de real, oriunda do adjetivo de baixo latim realis, reale, por sua vez derivado de res, coisa ou fato. Real + ismo (sufixo denotativo de partido, seita, crença, gênero, escola, profissão, vício, estado, condição, moléstia, porção) é palavra que indica a preferência pelos fatos e a tendência a encarar as coisas tais como na realidade são”. Quanto ao naturalismo, ver p. 11: “A palavra Naturalismo é formada de natural + ismo, e significa, em filosofia, a doutrina para a qual na realidade nada tem um significado supernatural, e, portanto, as leis científicas, e não as concepções teológicas da natureza, é que possuem explicações válidas”.

eliminação do trabalho escravo, do cres-cimento econômico que impõe melhores níveis de renda, do trabalho assalariado e da descentralização republicana”4. A partir daí, os gráficos e donos de jornais ratificam que aquela antiga forma de jor-nalismo “(…) já não atende às exigências da sociedade, de um país em transforma-ção, ávido por incorporar os avanços das comunicações”5.

Comentemos, contudo, que nada disto se deu rapidamente. Trata-se de um pro-cesso longo, demorado, mas cujas semen-tes evidenciam-se pelo instante em foco. Carlos Eduardo Lins da Silva, em crítica a Bahia e a Sodré, embora admitindo a con-textura que apresentava o desejo, a vontade

de transformações, coloca:

Mas a falta de condições na economia local de susten-tar essa vontade faz com que ela se frustre, embora alguns jornais consigam sobreviver (como o Jornal do Brasil e o Estado de São Paulo, ambos inaugurados no século 19 e ainda hoje entre os 4 maiores diários do país). A fragilidade dessa ‘aventura industrial’ até a segunda metade deste século é inquestionável6.

Não nos animemos mui-to, portanto. Tais mudanças

efetivamente ocorreram, ainda que confusa e lentamente, germinadas sob a égide do final do século XIX. Arrastaram-se ao longo de muitos anos, sempre debaixo de uma econo-mia indecisa, relativamente precária.

Quanto à literatura, esta buscava, pelos contornos do espírito mencionado, desvencilhar-se dos ares românticos, coalhados em profundo idealismo, senti-mentalismo e subjetivismo, características agora tidas como anacrônicas, ultrapas-sadas. De qualquer forma, ainda que em menor quantidade, já na época em que vigia o romantismo os literatos começaram a se aventurar pelas tribunas da imprensa. Edvaldo Pereira Lima:

A partir da década de 1850 e até o final do século XIX, apenas para citar um marco temporal, trabalharam em jornal escrito-res como Manuel Antônio de Almeida – autor de Memórias de um Sargento de Milícias –, no Correio Mercantil (do Rio de Janeiro), José de Alencar – que chegou a redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro –, Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Ma-cedo – ambos na Revista Popular – e tantos outros de menor projeção pública7.

Este fenômeno vai se aprofundar a par-tir do realismo-naturalismo, o que atestará interessante fato, configurado no bojo de tantas alterações. Primeiro, algumas carac-terísticas desta escola: a apresentação de uma suposta verdade, material, alicerçada em fatos; o uso de retratos de personagens concretos, com personalidades bem defi-nidas; a precisão e objetividade científicas; a imagem da vida contemporânea, sempre em estado de observação, com todas as suas questões; o amor à forma, a utilização de detalhes narrativos, a exatidão da des-crição, a linguagem econômica, próxima da realidade e da simplicidade8. Ora, é no-tório que estes caracteres, ratificados pelas próprias origens etimológicas dos termos realismo e naturalismo9, aproximam-se, em alguma medida, de concepções do

Este fenômeno vai se aprofundar a partir do realismo-naturalismo

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10 Brito Broca. A vida literária no Brasil, p. 216.11 Ibidem, p. 219.

12 Ibidem, p. 218.

fazer jornalístico. Pois no mesmo período em que se dá a assunção desta corrente literária, ocorre o início da transfiguração da imprensa artesanal em industrial e, com isto, as oportunidades para a presença dos homens de letras nos jornais surgirão mais amplamente. Mas o que queriam os escritores com os jornais?

Antes de mais nada, sobreviver. Afinal, desde sempre, não era a literatura meio que proporcionasse razoáveis condições de subsistência. Particularmente passados os tempos do romantismo, em que muitos escritores entregaram-se desvairadamente à melancolia, à desilusão, à solidão, à boemia, à morte até, uma percepção mais pragmática, inclusive no terreno literário, alastrava-se. De modo que ao escritor cabia, em paralelo à carreira literária, a preocupação com a sobrevivência, com o sustento de uma família.

Ora, na medida em que os jornais aumentavam de número, crescia também a necessidade de profissionais que neles escrevessem. Para o literato, melhor e mais viável que buscar o sustento em pequenas indústrias, na administração, no comércio ou em algo parecido, era fazê-lo por meio de um ofício que lhes fosse mais próximo e que lhes garantisse, no mínimo, um re-lativo ganho mensal. Neste caso, nada tão adequado quanto o jornalismo, ainda mais porque, através dele, ganhava o escritor uma publicização, um certo grau de noto-riedade que o livro sozinho não era capaz de proporcionar, o que ajudava inclusive na própria alavancagem e consolidação de carreiras literárias.

Some-se ao dito o fato de que a impren-sa ainda não se fazia exigente em termos de técnicas, antes pelo contrário. Eram curtas ainda as limitantes. Portanto, para o literato – aquele que domina as letras –, passear pelos meandros escritos de um jornal, longe de significar uma enredada tarefa, parecia ser coisa que se fizesse com relativa tranqüilidade. O crítico Brito Broca assim coloca a questão:

(…) não se pode negar que os jornais, proporcionando trabalho aos intelectu-ais, mesmo quando se tratava de simples rotina de redação, sem nenhum cunho literário, facilitava a vida de muitos deles, dando-lhes um second métier condigno, no qual podiam, certamente, criar ambien-te para as atividades do escritor10.

E mais adiante ele completa: “Já que o escritor brasileiro não podia dispensar um second métier, era melhor alinhavar notí-cias, forjar reportagens, como fizeram tan-tos, a reproduzir aquilo que Silva Ramos (…) chama com finura: o quadro lendário do poeta morrendo de fome”11.

Feitas estas ponderações, passemos a algumas reflexões de ordem prática. Inicialmente, fique claro que os jornais da época davam muito espaço para a literatura. E aí falamos de literatura em si, sem nenhuma conotação jornalística. Não estamos nos referindo à literatura e jornalismo, mas à literatura nos jornais. Lembremos, afinal, que os tempos são de final de século XIX, belle-époque prestes a acender suas luzes, Paris é a capital do mundo. É de bom tom cultivar os hábitos franceses, entre eles, o cuidado com o vernáculo e a reverência à literatura. As-sim, há espaço para folhetins, crônicas, e mesmo contos e poemas, colaborações normalmente pagas e de responsabilidade exclusiva dos escritores. Sobre isto, Brito Broca chega a falar do “papel do jorna-lismo no desenvolvimento da literatura brasileira”12 e comenta, particularmente, a respeito da Gazeta de Notícias, de Ferreira de Araújo, e da Cidade do Rio, de José do Patrocínio, jornais da década de 1880 que acolheram elementos de mudança em relação à imprensa artesanal:

(…) esses reformadores tinham ainda con-servado o feitio doutrinário da imprensa e Ferreira de Araújo se caracterizara,

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13 Ibidem, p. 218.14 Ibidem, p. 217.15 Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 323.

16 Ibidem, p. 330.17 Lúcia Miguel Pereira. Apud Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 331-332.

18 Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 330.

sobretudo, pelo largo acolhimento que dispensava à literatura. Por volta de 1888, a Gazeta de Notícias era a folha que abria maior espaço à colaboração literária no Brasil, e que melhor pagava os escritores, só encontrando um concorrente neste terreno: o Diário Mercantil, de Gaspar da Silva, em São Paulo13.

Por outro lado, a questão assume ares mais delicados quando tinham os literatos de praticar o jornalismo da época, o que Brito Broca chama de “tarimba de reda-ção”14. Não só os literatos, mas os próprios repórteres vagavam suas letras ao sabor do empolamento e da ostentação, o que, freqüentemente, redundava em prolixi-dade, muita retórica, discurso vazio, tudo costurado numa ausência de referenciais

mais técnicos e num tipo especial de deslumbre pelos textos pomposos, fato ligado ao afrancesamento típico da época e a um acento lírico ainda proveniente do ro-mantismo. Escrever, para a época, tinha de ser escrever difícil, de forma obtusa e digressiva, sempre catando palavras nas profundezas dos dicionários. Vamos à referência de Sodré:

O noticiário era re-digido de forma difícil, empolada. O jornalismo feito ainda por literatos é con-fundido com literatura, e no pior sentido. As chamadas informações sociais – ani-versários, casamentos, festas – aparecem em linguagem melosa e misturam-se com a correspondência de namorados, doestos a desafetos pessoais e a torva catilinária dos a pedidos15.

Estes fatores vão a fundo ao longo da passagem da última década do século XIX e do início do século XX. Interessante ainda constatar que a própria literatura nacional, por volta deste período, carecia de uma renovação, entregue que estava a repetições de antigas fórmulas, exceção feita apenas a algumas luzes isoladas

(como Euclides da Cunha e Lima Barreto). Werneck Sodré contextualiza historica-mente este quadro:

O domínio oligárquico, a política de estagnação, a pausa no desenvolvi-mento do país, traços da consolidação republicana, nos termos em que, finda a tormenta do florianismo, fora colocada pelo latifúndio agora indiscutido em sua primazia, trouxe uma fase de repouso, de empobrecimento, de esterilidade em nossas letras16.

Sodré cita Lúcia Miguel Pereira, quando busca justificar o excessivo ar-tificialismo, a verborragia da época, em função de um claro processo de alienação e colonialismo cultural:

Os intelectuais, que mais lucidamente perceberiam a distância entre o grande império sonhado e a verdadeira situação do Brasil, ainda mais deliberadamente se voltaram para a Europa, já não por se julgarem moralmente europeus, mas por acharem que só de lá lhes viriam ensina-mentos e inspirações. A imitação, se con-tinuava a abranger todas as manifestações da vida, muito mais intensa se fazia no domínio das letras, que já não seguiam um impulso, senão inconsciente, pelo menos apenas meio consciente, de toda a nação, e antes dela se afastavam, na medi-da em que a precediam na importação de figurinos (…) O Brasil, que parecera tão ilustre aos românticos, já não interessava tanto aos escritores que o sabiam inculto, quase analfabeto.17

Sodré chama esta linguagem, abundan-te nas páginas de jornais da época, de “bai-xa literatice”18. De fato, a grande imprensa continuava a navegar meio que à deriva, insistindo no uso de expressões que, antes de impressionarem por uma suposta (na

Escrever, para a época, tinha de ser escrever difícil

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19 Para se ter uma idéia, era muito comum a utilização de palavras como rubiácea no lugar de café, nosocô-mio ao invés de hospital, necrópole e não cemitério, nubentes em vez de noivos, ágape mas não refeição, amplexo para não usar abraço, além de expressões como “abnegada mãe”, “líqüido precioso”, “mercê de seus esforços e dedicação”, “amigos do alheio”, “mulher de vida fácil”, “valorosos soldados do fogo”, “verdadeira cena de pugilato”, “a polícia fez uma diligência”, entre muitos outros casos. Alguns, aliás, permanecem até hoje. Ver Mário Erbolato, Técnicas de Codificação em Jornalis-mo, capítulo 5, A Linguagem Jornalística.

20 Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 339.21 Ibidem, p. 339.

22 Brito Broca. Op. cit., p. 218.

realidade falsa) opulência, deixam patente a ausência de uma linguagem própria19. O que terá isto a ver com literatura? Ao que parece, muito pouco.

Continuando o nosso trajeto histó-rico, na guinada do século avistam-se novas mudanças. O Rio, capital federal, da literatura e dos jornais, passava por transformações de ordem estrutural: a fundação e ascensão da Academia Bra-sileira de Letras, a abertura da Avenida Central, a urbanização feita pelo prefei-to Pereira Passos, que, desapropriando terrenos e desabrigando milhares de famílias, construiu praças, alargou ruas, criou novos bairros. Tais fatores, “(…) determinando ou contribuindo para a liqüidação da boemia literária, emprestavam às letras, agora, uma cer-ta solenidade, um pouco postiça e até grotesca”20. Mais que isto, no entanto, as relações capitalistas entre patrões e empregados aprofundam-se, patronato e proletariado esboçam-se de forma cada vez mais evidente.

Há reverberações na imprensa, à época tão identificada com a chamada boemia literá-ria. Werneck Sodré considera que:

O que fizera desaparecer a boemia, entre-tanto, não fora a obra de Pereira Passos, mas a generalização de relações capita-listas com as quais ela era incompatível; é essa mesma causa que começa a exigir alterações na imprensa. Tais alterações serão introduzidas lentamente, mas acen-tuam-se sempre: a tendência ao declínio do folhetim, substituído pelo colunismo e, pouco a pouco, pela reportagem; a ten-dência para a entrevista, substituindo o simples artigo político; a tendência para o predomínio da informação sobre a dou-trinação; o aparecimento de temas antes tratados como secundários, avultando agora, e ocupando espaço cada vez maior, os policiais com destaque, mas também os esportivos e até os mundanos. Aos homens de letras, a imprensa impõe, agora, que escrevam menos colaborações assinadas sobre assuntos de interesse restrito do que o esforço para se colocarem em condições

de redigir objetivamente reportagens, entrevistas, notícias21.

O crítico Brito Broca apreende impres-sões semelhantes em relação às transmu-tações da imprensa na época:

Os jornais, sem desprezarem a cola-boração literária, iam tomando um caráter cada vez menos doutrinário, sacrificando os artigos em favor do no-ticiário e da reportagem. As notícias de polícia, particularmente, que outrora, mesmo quando se tratava de um crime rocambolesco, não mereciam mais do que algumas linhas, agora passavam a cobrir largo espaço; surge o noticiário esportivo, até então inexistente, e tudo isso no sentido de servir o gosto sen-sacionalista do público que começava a despertar. Conseqüência: facultando trabalho aos intelectuais, aos escritores, os jornais lhes pediam menos colabora-ção literária – crônicas, contos ou versos – do que reportagem, noticiário, tarimba de redação22.

É neste momento que se avulta Paulo Barreto, o João do Rio, figura que simbo-lizou o quadro em mutação, bem como as questões inerentes a quem buscava desenvolver tanto uma carreira jornalís-tica quanto literária. O autor trabalhou em vários periódicos e revistas da época. Publicou diversos obras, quase todas antes estampadas em páginas de jornal: livros de crônicas, de contos, peças de teatro, romances. Integrou a Academia Brasileira de Letras.

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23 Paulo Barreto (1881-1921) começou entre 1898 e 1899, na Cidade do Rio, e passou para o Gazeta de Notícias, onde ficou longos anos e se fez conhecer como João do Rio. Portanto, sua produção se dá basicamente nas duas primeiras décadas do século XX, naquele Rio de mudanças, até o seu falecimento em 1921.24 Brito Broca. Op. cit., p. 247.

25 Afonso Lopes de Almeida. Apud Medina, Notícia: um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial, p. 58.

26 Brito Broca. Op. cit., p. 247.

Paulo Barreto, figura indissociável da belle-époque carioca23, surge como modelo maior para nossa discussão. Suas variadas contribuições merecem ser consideradas jornalismo, literatura? Como era a lingua-gem que utilizava nos seus textos? De que área veio sua melhor colaboração? Chegou ele a inovar em alguma peculiaridade?

Firmemos, inicialmente, a idéia de que João do Rio construiu praticamente toda a sua obra a partir da rua. Numa cidade agitada como aquele Rio, seus repórteres eram ainda burocráticos, prefe-rindo o birô de jornal aos acontecimentos in loco, ao povo. O autor em questão foi o pioneiro nesta saudável subversão. Buscava sempre fazer-se presente às

ocorrências, captar as notí-cias onde elas estavam, ao invés de aguardar que elas lhe chegassem. A rua era seu habitat natural e dela é que lhe vinha a matéria da realidade e da ficção que praticava. Brito Broca: “A crônica deixava de se fazer entre as quatro paredes de um gabinete tranqüilo, para buscar diretamente na rua, na vida agitada da cidade o seu interesse literário, jor-nalístico e humano”24.

Paulo Barreto era dono de um dina-mismo que parecia tirado da velocidade crescente com que as coisas estavam acon-tecendo, tudo ao lado de um desenvolvi-mento material que também se verificava com a chegada do automóvel e do cinema. Estes fatores vetorizaram o surgimento de um novo espírito jornalístico, que se encarnou de maneira mais evidente em João do Rio. E foi exatamente a realização jornalística o que mais nos ficou do perso-nagem em foco. Cremilda Medina, acerca disto, cita, de forma muito lúcida, Afonso Lopes de Almeida:

Como escritor, também a obra de Paulo

Barreto não se confunde com a de João do Rio. Do primeiro são os livros de ficção: teatro, romance, contos; do segundo, os volumes de crônicas, de artigos, obra de observação, direta e palpitante. E foram estes últimos que constituíram seu traba-lho melhor25.

De fato, a ficção de Paulo Barreto con-teve-se àquele momento, de modo que, à contemporaneidade, nada dela nos che-gou. Sua produção jornalística, contudo, se nos apresenta como um efervescente espelho do Rio de 1900. Aprofundemo-nos nesta produção e busquemos analisá-la, a partir de uma citação de Brito Broca:

O cronista por excelência do ‘1900’ bra-sileiro seria Paulo Barreto (João do Rio). E uma das principais inovações que ele trouxe para nossa imprensa literária foi a de transformar a crônica em reporta-gem – reportagem por vezes lírica e com vislumbres poéticos. Machado de Assis, Bilac e outros eram cronistas sem o temperamento de repórteres; o primeiro, principalmente, sabendo comentar com sutileza e finura os acontecimentos po-pulares, como os fait-divers, mantinha-se deles um tanto distanciado. Capazes de formular as considerações mais inteligen-tes e irônicas sobre um crime passional que abalara a cidade, jamais lhes passaria pela cabeça ir à cadeia ver de perto o criminoso e conversar com ele. Foi essa experiência nova que João do Rio trouxe para a crônica, a do repórter, do homem que, freqüentando os salões, varejava também as baiúcas e as tavernas, os antros do crime e do vício. Subia o morro de Santo Antônio pela madrugada com um bando de seresteiros e ia aos presídios entrevistar os sentenciados26.

Estes fatores vetorizaram o surgimento de um novo espírito jornalístico

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27 Ver João do Rio. A alma encantadora das ruas.28 Brito Broca. Op. cit., p. 247.29 Cremilda Medina, Op. cit., p. 59.30 Nelson Werneck Sodré, Op. cit., p. 405.31 Eis os volumes de crônicas de João do Rio: As Religiões no Rio, 1906; A Alma Encantadora das Ruas, 1908; Vida Vertiginosa, 1911, Cinematógrafo, 1912; Os Dias Passam, 1912; Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar, 1916; Pall Mall, 1917; No Tempo de Venceslau, s/d. Fonte: Afrânio Coutinho, Op. cit., vol. III, p. 128.

32 Afrânio Coutinho. Op. cit., v. 3, p. 129.33 Ibidem, p. 129.

34 Lúcia Miguel Pereira. Apud Nelson Werneck Sodré, Op. cit., p. 406.

Não é por acaso que um dos livros mais conhecidos de João do Rio chama-se A Alma Encantadora das Ruas27, um volume de crônicas que tatua, em letras, o Rio de 1900. Broca ratifica ainda a questão da entrevista: “(…) foi João do Rio dos pri-meiros a vulgarizar em nossa imprensa o hábito das entrevistas”28. Cremilda Medina dá-nos novas pistas:

Faro, traduzido em linguagem técnica do jornalismo moderno, é a capacidade de antecipar informações pelo convívio com os fatos em movimento no presente histórico; e a fidelidade do repórter pode ser traduzida como observação da realidade e captação de dados objetivos, exteriores ao observador. As reportagens de João do Rio demonstram, ainda que de forma incipiente, essas capacida-des, assumidas numa época em que ser jornalista era ter habilidade verbal e falar sobre não importa o que, movido pela inspiração do momento. (Ou, no máximo, nos juízos de valor sobre os acontecimentos, juízos de valor bastante subjetivos, pouco ligados a argumentos precisos)29.

Concordamos plenamente com as inovações trazidas por João do Rio no que diz respeito ao seu típico dinamis-mo de repórter, à forma como captou os acontecimentos, como observou a reali-dade, ao uso de entrevistas e enquetes, à utilização e mesmo aperfeiçoamento da reportagem. No entanto, existe um certo exagero nas palavras de Medina, particu-larmente no que toca à “linguagem técni-ca do jornalismo moderno”: acreditamos que na obra jornalística de João do Rio há apenas elementos indicadores desta direção, cujo ponto de chegada ainda fica por demais distante. Neste caso, preferimos a opinião de Sodré quando, a seu respeito, afirma que

(…) enquanto escritor, Paulo Barreto acompanhou muito de perto os defeitos da época; como jornalista, sua contri-buição não foi no terreno da linguagem, portanto, mas no uso de métodos, que, não sendo novos, foram apurados por ele,

aproveitados, praticados com inteligência, a entrevista e o inquérito e a reportagem em particular30.

A literatura propriamente dita de Paulo Barreto não atravessou os tempos. Como jornalista, sua colaboração maior deu-se no que toca a métodos. No entanto, é fato que seu jornalismo, suas crônicas em particular, chegaram aos nossos tempos.31 Estas crônicas podem ser consideradas literatura?

É, mais uma vez, uma questão con-troversa. A este respeito, o conhecido crítico Afrânio Coutinho coloca que “(…) suas crônicas, quaisquer que sejam os artifícios e funilarias, além de conciliar esplendidamente o jorna-lismo e a literatura, adaptaram-se com extraordinária maleabilidade ao ritmo acelerado da vida contemporânea”32. E isto apesar de ele reconhecer que o autor não escapou do beletrismo vigen-te na época33. Beletrismo, aliás, que é crucificado por Lúcia Miguel Pereira, citada por Sodré: “(…) conservou todos os defeitos incutidos pelo hábito do jornalismo – estilo enfeitado, desejo de armar efeitos, superficialidade de visão – sem revelar nenhuma qualidade nova34”.

A nosso ver, João do Rio tem lugar reservado em qualquer historiografia da imprensa nacional, principalmente em função do que já dissemos. O que escre-veu com pura intenção literária passou.

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35 Ver Afrânio Coutinho. Op. cit., v. 3, p. 128-129. E a introdução de A alma encantadora das ruas. Op. cit., escrita pelo professor Raúl Antelo.

36 Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 343.37 Ibidem, p. 350.38 Afrânio Coutinho. Introdução à literatura no Brasil, p. 229.

39 Este inquérito foi publicado em livro no ano de 1905, sob o título O momento literário.

40 Tanto é que paira certa controvérsia, entre os críticos, em relação ao caráter efetivamente literário de obras e autores da época.

Algumas de suas peças jornalísticas atra-vessaram o século, em particular, porém, por conta de ter sido ele uma das mais relevantes testemunhas – e documenta-dor – de um momento importantíssimo: a belle-époque carioca. Quem pesquisar sobre esta data não poderá deixar de estudar a pessoa de João do Rio nem de ler suas crônicas. Numa historiografia de nossa crônica, aliás, João do Rio também tem lugar certo. Algumas delas podem e de fato receberam o estatuto de literatura35.

A maior parte, entretanto, do que se produziu à época, tanto jornalística quanto literariamente, parece carecer de maior valor. A literatura passava por uma entressafra,

marcada por repetições ou pelo artificialismo, pela osten-tação à francesa, tudo situado entre resquícios das últimas escolas do século XIX e o mo-dernismo que ainda tardaria algo mais em aparecer: “(…) o ambiente literário era apagado, monótono, pobre, com o deca-dentismo simbolista ainda em voga, e um teor de mundanis-mo que marcava as criações pela superficialidade”36. Do outro lado, a imprensa, “(…) sem ter encontrado ainda a

sua linguagem específica, aceitava as fracas muletas de uma literatura decadentista, em tudo e por tudo na correspondência à fase em que as oligarquias dominavam amplamente o país”37.

O contexto dá guinadas mais claras por volta de 1910, quando surgem eviden-tes espasmos que haverão por configurar o modernismo brasileiro. Confecciona-se pois, um panorama de transição, de preparação para o modernismo. Diz-nos Afrânio Coutinho:

Nos albores do século XX, a literatura brasileira mergulha em uma fase de tran-sição e sincretismo, em que confluem elementos do Parnasianismo, Simbolismo,

Impressionismo. Esse estilo de transição, a que se deve o tom incaracterístico da fase de 1910-1920, revela predomínio de traços ora parnasianos, ora simbolistas, ora impressionistas38.

Neste ponto, mais reflexões e uma recapitulação. A vinculação que existiu entre jornalismo e literatura no seio da belle-époque foi muito patente. Na época, quando confundiam-se as penas jornalística e literária, quando os papéis de jornalista e escritor encerravam-se na mesma pessoa, debatia-se bastante sobre o assunto, a tal ponto que João do Rio, em 1905, levou a efeito uma enquete com vários escritores e jornalistas, onde per-guntava: “O jornalismo, especialmente no Brasil, é um fator bom ou mau para a arte literária?”39. Além de penas, jornalismo e literatura agitavam, às vezes desbragada-mente, mentes e corações.

Mas, hoje, podemos olhar para aquele instante sob um prisma mais racional, menos envolvido. E, neste sentido, alguns tópicos ficam cristalinos. Inicialmente, lembremos que, antes de pensarmos em literatura e jornalismo, havia muita (possí-vel) literatura nos jornais. Os espaços para tanto costumavam ser generosos. Quanto ao que se escrevia como jornalismo, enca-rá-lo como literatura é tarefa que deve ser feita, novamente ratifiquemos, de forma muito crítica, e lembrando que a própria literatura da época era, num contexto geral e conforme procuramos mostrar, carente de valores mais autênticos, muito envolvida em ostentações e imitações40. A

Os sons que mais se ouvem provêm, agora, do rádio

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despeito de tudo, o jornalismo em si teve avanços, a partir da conversão da impren-sa artesanal em algo mais industrializado e, no que toca às suas técnicas, através do trabalho de um João do Rio, matriz de novas transformações (ainda que lentas) que virão.

Parece-nos claro, assim, que confundir, sem maior rigor, sem maiores preocu-pações, o jornalismo e a literatura então praticados, algo que virou uma espécie de lugar-comum, é uma atitude errônea. Podemos sim dizer que jornalismo e litera-tura conviviam, não só na mesma pessoa, como também, lado a lado, nas páginas dos jornais. Mas dizer que a maior parte dos textos à época publicados era jornalismo e também literatura, significa, ao que tudo indica, cair numa vala redutora e simplifi-catória sem igual.

Rumo ao novo jornalismo

Entre os anos 20 e 50, aparecem mais elementos que vão buscando dar um esta-tuto efetivo de indústria ao jornalismo na-cional. Caminha o século XX: contam-se os mortos e os prejuízos da Primeira Guerra Mundial, estoura a revolução bolchevique na União Soviética, patronato e proleta-riado esboçam sempre mais nitidamente o antagonismo dos seus interesses, e, no Brasil, A República Velha está por dar vez à era de Vargas.

As variáveis colocadas no item ante-rior relativas à modernização e indus-trialização da economia nacional vão se sedimentando. Despontam os dois outros grandes jornais nacionais, a Folha de São Paulo (1921) e O Globo (1925), além da revista semanal O Cruzeiro (1928). Os periódicos, em geral, aumentam suas tiragens, consolidando-se como meios de comunicação de massa. Formam-se os primeiros grandes grupos de comu-nicação. Surgem, cada vez mais, preo-cupações de ordem ética em relação ao

poderio das publicações jornalísticas. As rendas publicitárias incrementam-se crescentemente. Os sons que mais se ou-vem provêm, agora, do rádio. A máquina de escrever aposenta, definitivamente, a pena e o tinteiro41. Fala-nos Sodré: “Se, com o após-guerra, profundas alterações se denunciam na vida brasileira, tais alterações, para a imprensa, acentuam rapidamente o acabamento da sua fase industrial, relegando ao esquecimento a fase artesanal”42.

No entanto, relembramos Carlos Eduardo Lins da Silva, cuja opinião (já citada) é a de que esta mudança deu-se, mas não tão rapidamente, de modo que seus contornos de maior consolidação só apareceriam por volta do fim da Segunda Guerra Mundial.

Neste ínterim, depois da figura de João do Rio, Cremilda Medina destaca como es-senciais dois momentos antagônicos: o do Estado Novo, que se refletiu em censura, falta de liberdade, controle dos órgãos de imprensa, e o decênio depois da Segunda Guerra e depois do Estado Novo, no qual, sob ares mais democráticos, a imprensa retomaria seu impulso desenvolvimentis-ta. Vejamos:

A mensagem informação/consumo da cul-tura de massa vai se ampliando, à medida que a sociedade urbana brasileira – São Paulo e Rio sobretudo – se configuram. As alterações no ritmo industrial são fundamentais.

O problema, daí para a frente, pode ser situado em dois decênios: de 1935 a 1945 e de 1945 a 1955. O Estado Novo, que se implantava no país na segunda metade dos anos trinta, trazia consigo a total decadência do jornalismo de militância política (mensagem opinativa). A censura, exercida e controlada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, criado em 1937, cerceava a voz da imprensa impe-

41 Ver Juarez Bahia. Op. cit., capítulo sobre a fase mo-derna.

42 Nelson Sodré. Op. cit., p. 409.

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Havia, claro, resistências fervorosas contra esta crescente influência norte-americana

43 Cremilda Medina. Op. cit., p. 64-65.44 Edvaldo Lima. Op. cit., p. 166.45 Edvaldo Pereira Lima. Op. cit., p. 166-167.

46 Nariz-de-cera é o mecanismo de texto que, a partir de adornos, demora a apresentar o assunto principal de que se vai falar. O lead veio exatamente em contraponto ao nariz-de-cera.

47 Edvaldo Pereira Lima. Op. cit., p. 167.

dindo-a de manifestar-se livremente. Por outro lado, o governo usava o próprio jornalismo como instrumento de controle, financiando novos veículos e corrompen-do jornalistas.

(…) o final da Segunda Guerra Mundial vem marcar o enfraquecimento do ge-tulismo e uma abertura democrática no Brasil. Esse processo de redemocratização é bruscamente interrompido pelo golpe militar de 1945 e pela condução de Dutra ao poder. Somente com a campanha nacio-nalista que tinha como leitmotif o petróleo nacional, Getúlio Vargas consegue retornar à presidência e, desta vez, pelas urnas. A conjuntura nacional, contudo, é outra, bem diversa da fase Estado Novo. As empresas jornalísticas haviam conquistado novo alento, muitas delas com a participação

dissimulada, porém indelével, de dedos estrangeiros.43

Edvaldo Pereira Lima, dentro do assunto, coloca o seguinte: “Depois de João do Rio, parece existir um hiato na evolução da reportagem brasileira, que só vai ser retomada significativamente após a Segunda Guerra”44. Ele enumera duas hipóteses que poderiam sustentar o seu raciocínio:

(…) de que o sucesso literário da ‘geração de 30’, responsável por uma produção ficcional considerável na linha do realismo social, tenha inibido as con-dições ambientais – no sentido sistêmico – para o surgimento de qualquer corrente vigorosa de jornalismo de profundidade; (…) a de que a ditadura do Estado Novo, aplicando a censura sobre a imprensa, seria outro fator inibidor da evolução da reportagem45.

Resta claro que, findo o Estado Novo, finda a Segunda Guerra, o jornalismo em termos de linguagem começaria – aí sim – a sua grande revolução. Até então, seja em função do arcaísmo ainda predomi-nante na última década da República Velha, seja em função da censura imposta

na maior parte da Era de Vargas, não houve muitas novidades em relação às técnicas jornalísticas.

Neste tocante, o fato é que, se houve uma grande renovação na literatura, com o advento do Modernismo e, logo depois, com o regionalismo, isto não significava qualquer movimento correspondente no que toca ao jornalismo. Havia espaço para literatura nos jornais, embora já bem menos que antes. Não havia mais tanto empolamento, mas o nariz-de-cera ainda era lugar-comum46.

Mas, “(…) se o principal empecilho era o Estado Novo, sua queda, após a Guerra, liberou a imprensa para um acelerado desenvolvimento técnico e industrial que resultaria também em benefícios para a modernização da re-portagem”47.

Na mudança deste quadro, há um fator fundamental, do qual ainda não falamos, mas cujo fluxo, mesmo que discretamente, atravessou estes anos entre 1920 e 1950: a crescente influência do jornalismo norte-americano, esmaecendo, pouco a pouco, as outrora vibrantes cores européias do nosso jornalismo.

Isto se deu, em um primeiro momen-to, a partir de intelectuais, jornalistas e escritores que, tendo passado uma temporada nos Estados Unidos, volta-vam cheios de novidades, as quais eram transmitidas aos convivas. Exemplos: Gilberto Freyre estudou de 1918 a 1922 na Universidade de Baylor (Texas) e na Universidade de Columbia (Nova York); na década de 20, o educador Anísio Teixeira foi influenciado pelo trabalho de John Dewey; em 1926, realizou-se o I

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48 Carlos Lins da Silva. Op. cit., p. 74-76.49 Ibidem, p. 75, 76 e 79.

50 Nóbrega da Cunha. Apud Carlos Lins da Silva. Op. cit., p. 77.

Congresso Panamericano de Jornalistas, em Washington, com 14 representantes brasileiros, entre eles, o próprio Gilberto Freyre, representante do Diário de Per-nambuco, Edgar Leuenroth, que foi por conta própria, Nestor Rangel Pestana, pelo Estadão – na plenária do encontro, foi lido um longo telegrama de Herbert Moses, de O Globo, ele um dos entusias-tas do acontecimento, mas que não pôde fazer-se presente; em 1927, Monteiro Lobato foi nomeado adido comercial do Brasil em Nova York, onde ficou durante quatro anos e meio48.

Havia, claro, resistências fervorosas contra esta crescente influência norte-americana em nosso meio, representada particularmente por figuras como Barbosa Lima Sobrinho, Alceu Amoroso Lima, An-tônio Torres, Agripino Grieco. Ressaltemos – e nisto não há dúvidas – o interesse de que dispunham os ianques no sentido de contaminarem, com suas idéias e influên-cias, o maior número possível de regiões que pudessem. Seduzir os profissionais de imprensa era uma das mais inteligentes formas de fazê-lo, o que se deu através de bolsas de estudos, contatos entre jornais, intercâmbios de pessoas e material. Tudo isto ficaria ainda mais evidente pelos idos da década de 40, com o patenteamento da guerra fria49.

Aqui, um comentário importante: vamos buscar nos eximir de atestar juízos de valor em relação às ocorrências sobre as quais se alicerçaram estas influências. Sabemos do éter ideológico que paira no assunto em foco e que lhe confere um alto grau de altercação, de modo que optare-mos por tentar simplesmente enumerar os acontecimentos e atestar os fatos que se mostrarem de interesse à consecução do nosso trabalho.

Neste sentido, Carlos Eduardo Lins da Silva cita Nóbrega da Cunha, que já no início dos anos 40 enxergava diferenças técnicas em nosso jornalismo, nas quais de-tectava uma ascendência estadunidense:

Desapareceu da imprensa brasileira, por efeito da norte-americana, o artigo de fundo. O que se encontra hoje nos nossos diários com a denominação de editorial não é mais o artigo de fundo, de sobrecasaca, que era o esteio de um jornal e que definia uma época (…) Foi substituído pelo editorial, mais leve, e pelo comentário, ligeiro (…) Começamos a compreender a reportagem à maneira norte-americana (…) A influência da imprensa norte-americana (…) na forma de conceber esse gênero jornalístico (a reportagem), está muito abafada. Os nossos diretores, exceção feita do sr. Assis Chateaubriand, não apreenderam bem o espírito norte-americano da re-portagem50.

É na década de 40 que dois impor-tantes jornalistas brasileiros vão à cena norte-americana e, ao retornarem, rea-lizam modificações práticas no âmbito das redações: Pompeu de Souza, que entre 1941 e 1943 trabalha no serviço brasileiro da Voz da América, e Samuel Wainer, que por lá ficou alguns meses de 1944, passando horas estudando forma e conteúdo dos jornais locais. Vamos ao comentário de Carlos Eduardo Lins da Silva:

Como chefe de redação do Diário Cario-ca, a partir de 1951, Pompeu de Souza, ao lado de Danton Jobim (diretor de reda-ção) e Luís Paulistano (chefe de reporta-gem), realiza uma das mais importantes transformações do jornalismo contem-porâneo do Brasil. É no Diário Carioca que o lide vai ser adotado como norma e que um manual de redação vai afinal ser levado a sério apesar das dificuldades (…) O outro importante jornalista que viveu nos EUA nos anos 40 foi Samuel Wainer (…) A importância de suas ob-servações americanas ficou evidente na apresentação gráfica que ele deu a Última Hora, na tentativa de fazer do Aqui São Paulo um veículo similar à revista New

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Yorker, como lembra Roberto Muylaert, ou na introdução do conceito de caderno cultural na imprensa brasileira, como recorda Paulo Francis51.

Apropriemo-nos de uma outra fonte, com o fito de confirmar/comparar/comple-mentar informações. Desta feita, Nelson Werneck Sodré:

O jornalismo norte-americano criou (…) o lead, cujos princípios se fundaram na regra dos cinco W e um H; qualquer foca americano sabe que toda notícia deve conter, obrigatoriamente, os seguintes elementos: who, quem; what, que; when, quando; where, onde; why, por que; e how, como (…) Essa técnica jornalística está, hoje, plenamente incorporada à impren-sa brasileira. É possível apontar, como esforço pioneiro de reforma na técnica de

apresentação de notícias, entre nós, o que foi realizado no Diário Carioca, em 1951, (…) quando o jornal tinha Danton Jobim na direção e Pompeu de Souza na chefia da redação; a reforma foi devida a Luís Pau-listano, chefe da reportagem, e o jornal chegou a vender 45000 exemplares nos dias úteis e 70000 aos domingos. Ao lead norte-americano, Luís Paulistano acrescentou o brasi-leiríssimo sub-lead. (…) Não é possível esquecer, também, as inovações introduzidas por

Samuel Wainer (…) ao fundar o vesperti-no Última Hora, em 1951, (…) uma folha vibrante, graficamente modelar, revolu-cionária em seus métodos de informar e até de opinar.52

E verificamos que, realmente, o jornalismo brasileiro toma novo e de-finitivo fôlego a partir da década de 50, com a disseminação de técnicas vindas dos Estados Unidos. No final do decênio de 50, início dos anos 60, na mesma direção, o Jornal do Brasil, com uma plêiade de profissionais que reunia gente do porte de Jânio de Frei-tas, Ferreira Gullar, Reinaldo Jardim e Alberto Dines, dava início a uma pro-funda reforma técnica53.

De fato, a partir do momento em foco, a aproximação do jornalismo nacional das técnicas norte-americanas ficará cada vez mais evidente. O lide, em particular, já era adotado pela grande maioria dos periódi-cos ianques, quando para cá foi trazido. Por fatores variados – preconceito, nacio-nalismo, o assalto do “industrialismo”, entre outros – as resistências eram ainda grandes, mas o fato é que, paulatinamente, as modificações foram sendo feitas.

É propriamente neste contexto que o jornalismo vai cabalmente definindo a sua especificidade, aprimorando, numa ponta, suas formas de captação, e, na outra, seus instrumentos de expressão. Os debates sobre as escolas superiores de jornalismo estão em andamento. O primeiro curso brasileiro nasce em 1943, vinculado à Fa-culdade Nacional de Filosofia. Em 1947, estabelece-se a Escola de Jornalismo Cás-per Líbero54. Na década de 50, o impulso é crescente, também em função da criação, no ano de 1957, em Estrasburgo, do CIESP – Centro Internacional de Estudos Superio-res de Periodismo, e no ano de 1959, em Quito, da CIESPAL – Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para a América Latina55.

Por aí, vão mudando forma e conteúdo, mas também

(…) mudam os tipos, as medidas, os forma-tos, o material de impressão, a organização administrativa, os critérios de investimen-to, as técnicas da notícia, o marketing das empresas, as metas de propaganda, os objetivos de circulação, a veiculação dos classificados e dos anúncios de varejo, as promoções56.

Ao chegarmos à década de 60, surgem duas publicações que marcaram época,

O tom de pessoalidade, de subjetividade, é bem mais manifesto

51 Carlos Lins da Silva. Op. cit., p. 77-79.52 Nelson Werneck Sodré. Op. cit., p. 452-453.53 Ibidem, p. 453. E Carlos Lins da Silva. Op. cit., p. 81.

54 Juarez Bahia. Op. cit., p. 416.55 Cremilda Medina. Op. cit., p. 35.

56 Juarez Bahia. Op. cit., p. 382-383.

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57 Edvaldo Lima. Op. cit., p. 146.58 Edvaldo Lima. Op. cit., p. 148.59 Edvaldo Lima. O que é livro-reportagem, p. 45.

60 Edvaldo Pereira Lima. Páginas ampliadas: o li-vro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, p. 148.61 Features são as chamadas matérias frias, não tão ligadas ao factual (em contraponto às matérias quentes, sempre vinculadas à instantaneidade dos acontecimentos). Porque não havia tanta urgência em escrevê-las, foi por elas que principiou o novo jornalismo norte-americano.

62 Edvaldo Pereira Lima. Op.cit., p. 148.

ambas no bojo da influência do jornalis-mo estadunidense sobre o brasileiro. Diz Edvaldo Pereira Lima:

Mesmo no Brasil, é possível conjecturar que o novo jornalismo americano tenha influenciado dois veículos lançados em 1966 – portanto no auge da produção dos novos jornalistas norte-americanos -, que se notabilizariam exatamente por uma proposta estética renovadora: a revista Realidade, considerada a nossa grande escola da reportagem moderna, e o Jornal da Tarde57.

É este visível aspecto de influência – o chamado novo jornalismo (new jour-nalism) – que iremos investigar a partir de agora.

O novo jornalismo vem ao mundo dentro da contextura norte-americana da contracultura dos anos 60. Ocorreu que aquela época, farta em transformações, transgressões, novidades, criatividade, questionamentos, recebia – ao menos no seu início – pouca atenção da grande imprensa em geral e dos tradicionais ro-mancistas norte-americanos.

E, paradoxalmente, tratava-se de um instante histórico com ingredientes que, provavelmente, interessariam sobre-maneira ao público: era o alvorecer do movimento hippie, do fortalecimento da consciência negra, o cinema underground opunha-se ao padrão de Hollywood, sur-giam numerosos e contestadores grupos de rock-and-roll, as artes plásticas desciam do seu olimpo elitista para as ruas das cidades. Vejamos o que nos diz Edvaldo Pereira Lima:

O psicodelismo grassava, e um desvai-rado professor da Califórnia desafia as autoridades para poder experimentar, sob certo controle científico, os efeitos do LSD. Timothy Leary. Bandos de ro-queiros drogados saíam em seus easy riders – alusão ao filme Sem Destino, com Peter Fonda, Dennis Hoper e Jack Nicholson, lançando-o ao estrelato como o melhor personificador do anti-herói cínico, que substituía, para essa geração revisionista, os heróis canas-

trões de Hollywood, tipo John Wayne –, fazendo seus happenings. E jovens, para o horror dos tios e pais e avôs que tinham honrado a bandeira do Tio Sam na luta contra o nazismo ou no embate do Pacífico, rasgavam seus certificados de convocação militar, desertavam para o Canadá, recusavam-se a combater no Vietnã58.

Mas a grande imprensa estava muito presa aos fatos em si, e não atentou para os nascentes fluxos que, em breve, iriam irromper no cenário norte-americano59, ao passo que os romancistas, depois da Segunda Guerra Mundial, teriam se afastado da estrutura de onde poderiam tirar os recursos para o mapeamento das ocorrências: o realismo-naturalis-mo60; tudo, provavelmente, mesclado a um certo conservadorismo típico dos ianques.

De modo que é justamente por estas lacunas, por estas omissões, que vão pe-netrar os pioneiros do novo jornalismo. Sentindo o veio que se abriu, um húmus efetivamente fértil em possibilidades, seus arautos começam por frestas em jornais (iniciando pelos conhecidos features)61 como Herald Tribune, Daily News, The New York Times, avançam pelas revistas dominicais de periódicos como a New York, do mesmo New York Herald Tribune, chegam a grandes revis-tas como a The New Yorker e Esquire, até brilharem nos generosos espaços dos livros-reportagem62.

Assim, imersos em um locus histórico de energia, vivacidade e intensidade, os

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novos jornalistas agiam com muita vida nas duas pontas da prática jornalística: a captação devia ser feita no calor do acon-tecimento, de forma sempre participante e impressionista, o que era ratificado no instante da redação, quando os emissários utilizavam-se inclusive de recursos dife-renciados, alguns adaptados diretamente do métier literário.

Na captação, eram capazes de acom-panhar, por dias, semanas, os aconteci-mentos do assunto focado. Imiscuíam-se na trama das ocorrências e, por ali, aguçavam delicadamente seus sentidos, com o fito do registro de detalhes que, normalmente, passariam despercebidos. Na hora do texto, tentavam impregnar as

letras com suas sensações e impressões, de modo que o ambiente desenhado em palavras seduzia vorazmente o leitor, alimentada que era sua imaginação através de personagens, cenas e fatos extremamente bem caracteri-zados. O tom de pessoalida-de, de subjetividade, é bem mais manifesto.

Nesta direção, figuras como Truman Capote, Nor-man Mailer, Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese,

John Sack, Joan Didion, entre outros, construíram longas reportagens, das quais algumas foram parar em páginas de livros, mas todas impregnadas de relatos envol-ventes, expressivos e loquazes.

A grande influência destas formas de narrativa foi o chamado realismo-na-turalismo que, se na Europa e no Brasil extenuar-se-ia por volta do final do século XIX, início do século XX, nos Estados Unidos ainda teria grande fôlego depois da Primeira Guerra, atingindo mesmo o seu apogeu nos anos 30, fazendo brilhar – destaque especial para as nascentes de onde brotariam elementos para o novo jornalismo – nomes como os de Ernest

Hemingway, William Saroyan, John Steinbeck, William Faulkner, Erskine Caldwell, todos plantados no território do romance63.

Como outrora mencionado, esta corrente literária notabilizou-se por em-prestar aos seus escritos um caráter de veracidade, de contemporaneidade, nos quais os personagens eram tipos concretos, não-idealizados, tudo buscando retratar, às vezes em minúcias, os contornos de uma sociedade, geralmente mergulhada em mazelas e injustiças. “O relato de acontecimentos, o acompanhamento do cotidiano, a elucidação do que ocorre com uma sociedade em transformação, que se urbaniza, que se industrializa, que se mo-derniza, os efeitos dessa mudança sobre os indivíduos, sobre os grupos sociais (…)64”, são caracteres inerentes ao realismo-natu-ralismo, de que nos fala Edvaldo Pereira Lima. Será nesta fonte, conquistando aqueles vazios mencionados, que beberão os novos jornalistas.

Em outras palavras, foi exatamente a apropriação de artigos ligados àquela escola literária pelo novo jornalismo que lhe permitiu utilizar-se de certos recursos tipicamente literários: a utilização na narrativa de diferentes pontos de vista, o registro fiel dos traços do cotidiano, a construção cena-a-cena e presentificada dos acontecimentos, o emprego natural e envolvente de diálogos65. Podemos, segu-ramente, dizer que estas foram algumas das técnicas literárias que, pelas mãos do novo jornalismo, foram adaptadas ao rol de possibilidades na confecção de textos de imprensa.

A partir da saudável subversão intro-duzida com o novo jornalismo, os pro-fissionais dos Estados Unidos passaram

Ao nosso ver, onovo jornalismo foi muito importante

63 Ibidem, p. 141.64 Ibidem, p. 141.65 Edvaldo Lima. O que é livro-reportagem, p. 48-51. E Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, p. 150.

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a arejar algo mais os seus textos através de elementos provenientes da literatura. Ora, por lá, país onde a imprensa indus-trializou-se mais rapidamente, o lide tra-dicional era usado já há muitos anos, e de maneira muito sistemática. De modo que a pequena revolução causada pelo novo jornalismo, começando pelos features de alguns jornais, mas que chegou às matérias “quentes” e depois às revistas de informa-ção, representou a adaptação, ao arsenal jornalístico, de algumas possibilidades literárias outrora esquecidas por conta da suprema esquematização/industrialização dos textos, o lide como um dos aspectos que fundam e atestam este dito. Eram vias factíveis, porém latentes, estado de letargia em função da supremacia do lide. Com o advento do novo jornalismo, todavia, estas vias se patentearam e se renovaram, de tal forma que os repórteres receberam algo como um salvo-conduto que lhes permitiu novas incursões pelas searas literárias, inclusive ampliando e renovando a lista de expedientes gradualmente mimetizados ao métier da imprensa.

Estas incursões acabaram fomentando o que se chamou de jornalismo literário – aquele tipo de jornalismo que se vale, tanto quanto possível, de técnicas original-mente literárias e que conseguiu subverter algo da tradicional linha de montagem de notícias e, em particular, de reportagens. Vamos a um comentário de Carlos Eduardo Lins da Silva:

(…) o lide clássico tem estado sob outro tipo de pressão nos EUA há pelo menos 30 anos. Por exemplo, do movimento do ‘novo jornalismo’ do final da década de 50, início da de 60, agora rejuvenescido com o estilo que Norman Sims chama de ‘jornalismo literário’ dos anos 8066.

Podemos dizer, assim, que o novo jornalismo desaguou no jornalismo literário67, ambos entendidos como momentos continuados de apropriação de recursos literários pelo jornalismo.

Lins da Silva coloca ainda uma outra diferença entre as duas tendências, segundo a qual, a primeira poderia até penetrar nos meandros da ficção, ao passo que a segunda estaria necessa-riamente ancorada na realidade. Isto é ainda uma conseqüência histórica alicerçada no fato de que alguns novos jornalistas – como Tom Wolfe – utili-zavam-se esporadicamente de técnicas que estavam bem mais para o terreno da ficção. Edvaldo Pereira Lima:

(…) pelo fluxo de consciência e pelo diálo-go levados ao extremo das possibilidades na reprodução do real, é que o novo jorna-lismo sofre o mais ferrenho combate, que procede não só da comunidade literária mas também da própria instituição jorna-lística. Em princípio, ninguém acredita que os diálogos sejam verdadeiros, acusam que tamanha precisão só poderia surgir da elaboração ficcional. Negam o monólogo interior e suas variantes. Os editores mais conservadores rejeitam o uso de pontos de vista inortodoxos – em primeira pessoa, ou o autobiográfico em terceira pessoa -, acu-sam os novos jornalistas de ‘comporem’ personagens e cenas – isto é, de integrarem num só personagem ou numa única cena traços ou acontecimentos diversos68.

De fato, a escola em foco caracterizou algumas de suas produções com uma certa dose de experimentalismo, o que gerou intrigas, brigas, e muitos questionamentos

66 Carlos Lins da Silva. Op. cit., p. 111.67 Há quem se refira ao trabalho da imprensa do século XIX, tipicamente política e opinativa, também como jornalismo literário, sob aquele argumento de que, sem técnicas específicas, havia uma maior confluência entre o jornalismo e a literatura. Não dispusemos de elementos suficientes para uma avaliação segura em relação a este fato nos Estados Unidos. Em termos de Brasil, no entanto, como buscamos mostrar, trata-se de uma afirmação equivocada. Desta forma, a fim de dirimir dúvidas, ao usarmos a terminologia em ques-tão, agora sim, aqui ou nos Estados Unidos, estaremos localizados na faixa temporal mais recente, conforme afirmou Norman Sims.

68 Edvaldo Pereira Lima Páginas ampliadas: o livro-re-portagem como extensão do jornalismo e da literatura, p. 156.

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ao estatuto jornalístico daqueles trabalhos: o novo jornalismo era mesmo jornalismo? Até que ponto tratava-se, efetivamente, de relatos do real? Qual o nível de suposição, de criação presente em tais escritos? O jornalismo literário qualificar-se-ia pois, como o responsável pela depuração destes exageros.

Mas é fato que muitos trabalhos do novo jornalismo ficaram reconhecidos como literatura. A Sangue Frio, de Tru-man Capote e Os Exércitos da Noite, de Norman Mailer, são exemplos clássicos, livros-reportagem que conquistaram o reconhecimento e mérito de suas letras. Podemos mesmo dizer que, na tradição que tem contado a história do jornalismo, foi ali um ponto extremo de aproximação com a literatura.

Ao nosso ver, o novo jornalismo foi muito importante pois que abriu as portas para o jornalismo literário. No entanto, devemos, neste momento, confirmar uma das linhas que norteia este trabalho: se é jornalismo, há que se fazer um relato do real69. Este é o ponto de partida. Se existe espaço para uma maior inventividade na linguagem, com vistas à sedução dos leito-res – o que poderá levar o trabalho para a área do jornalismo literário –, que seja ele aproveitado. Este aproveitamento – diga-se ainda – é muito dinâmico, de modo que é praticamente impossível mapear algo como um conjunto cristalizado de recursos literários dos quais se podem valer os jor-nalistas: trata-se, ao que nos parece, de um complexo variado, mutável, embora nele constem, logicamente, as técnicas mais usadas, as pioneiras, entre elas aquelas de que nos falou Edvaldo Pereira Lima. Finalmente, findo o trabalho, se será ele considerado literatura ou não, encarregar-se-á o tempo de dizer. A prioridade, para o momento, assenta-se na sua consecução jornalística, visando ao público que con-sumirá aquelas linhas.

Feitas todas estas considerações, cien-tes de que o jornalismo, dentro de suas

possibilidades, pode mesmo se apropriar de técnicas literárias, voltemos à cena nacional, focando de vez os significativos casos da revista Realidade e do Jornal da Tarde, veículos certamente influenciados, conforme outrora citado, pelo novo jorna-lismo norte-americano.

Se tardiamente o lide veio se instalar nos periódicos brasileiros, não demorou muito para que o novo jornalismo dei-xasse seus sinais no Brasil, num primeiro instante, através da revista Realidade, pu-blicação lançada pela Abril em novembro de 1965, tendo sua fase áurea de 66 a 68 e que durou até o ano de 1972. Eis as marcas que davam o diferencial da revista: univer-salidade nos temas, contextualização dos fatos, avanço na documentação, captação do real com cunho participante, texto que utilizava rudimentos literários e riqueza ilustrativa70.

Sobre Realidade, a professora Neila Bianchin comenta o teor de suas matérias: “(…) inúmeras reportagens que se utilizam de uma narrativa bem pouco convencio-nal, em se tratando de jornalismo. Ali técnicas literárias são usadas para conferir humanidade, lirismo, emoção aos relatos jornalísticos”71.

É no mesmo diapasão que surge, em 1966, o Jornal da Tarde, e que se notabi-lizaria pelo texto com técnicas literárias, a busca da interpretação, grandes reporta-

69 Aqui, cabe um comentário acerca do chamado romance-reportagem, matéria tratada em livro homônimo (Romance-reportagem, 1997, editora da Universidade Federal de Santa Catarina) da professora Neila Bianchin. Nele, a autora coloca o romance-repor-tagem como um híbrido absoluto entre o Jornalismo e a Literatura, gênero que, originário dos anos 70, parte da reportagem e chega ao romance, inclusive através da utilização de elementos caracteristicamente ficcionais, inventivos. Assim, por conscientemente fugir de uma tentativa estrita de representação do real, apresentando certo nível de conjecturas e de suposições, tal gênero, ainda de acordo com a linha que costura esta monografia, distancia-se do Jornalismo.

70 Edvaldo Pereira Lima. Op. cit., p. 169-176.71 Neila Bianchin. Op. cit., p. 34.

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Alessandro Carvalho Sales

72 Edvaldo Pereira Lima, Op. cit., p. 177.

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gens, cobertura preferencial de São Paulo. Sobre algumas destas reportagens mais longas, transcrevemos o dizer de Edvaldo Pereira Lima:

Seus textos mais longos extravasam em certos casos uma edição e saem em forma seriada, durante dias seguidos. Alguns de seus profissionais extrapolam o próprio jornal e publicam reportagens em livros, normalmente reproduções das matérias originais para o diário. Marcos Faerman – que encarna o espírito do repórter amante do bom texto e, com isso, não só produz mas também ajuda a disseminar o valor da boa reportagem, pelos circuitos de comunicação a que tem acesso – publica Com as mãos sujas de sangue pela Global de São Paulo, em 1979; Demócrito Moura – que se trans-forma num repórter especializado em temas ligados à defesa do consumidor

– lança Isto é um assalto pela Alfa-Ôme-ga; Percival de Souza publica A Prisão também pela mesma editora, assim como fazem Cláudio Bojunga e Fernando Por-tela com Fronteiras: viagem ao Brasil desconhecido72.

Vetores representados por Realidade, pelo Jornal da Tarde, pelo novo jorna-lismo, hipoteticamente acrescidos pelo desejo e necessidade de informações e de documentos – fatores escassos em épocas de ditadura –, acabarão por resultar no surgimento do livro-reportagem no Brasil, gênero jornalístico que se caracterizará, entre outras de suas particularidades, como o lugar ideal para a cooptação de recursos literários.

Comunicação e mercado

Suzi Garcia HantkeMestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP

[email protected]

Resumo

Este artigo resgata como se deu a legitimação acadêmica do campo do jornalismo empresarial. O primeiro trabalho sobre o tema realizado no Brasil foi desenvolvido por Francisco Gaudêncio Torquato do Rego. Sua tese “Comunicação na empresa e o jornalismo empresarial: visão crítica e tentativa de elaboração de um modelo para as publicações internas”, defendida em 1973, na Universidade de São Paulo, sistematizou conceitos teóricos sobre a área. Torquato levou à academia uma questão da vivência da profissão, delimitou tecnicamente o campo do jornalismo empresarial e o vinculou à prática jornalística.

Palavras-chave: jornalismo empresarial, comunicação organizacional, legitimação acadêmica.

Abstract

This article retrieves how the academic legitimation occurred in the area of business journalism. The first work on the subject made in Brazil was developed by Francisco Gaudêncio Torquato do Rego. His thesis “Comunicação na empresa e o jornalismo empresarial: visão crítica e tentativa de elaboração de um modelo para as publicações internas” (Communication in the company and business journalism: a critical vision and an attempt to elaborate a model for internal publications), defended in 1973 at São Paulo University, systematized theoretical concepts on the area. Torquato raised at the academy a question of the profession quotidian, delimited the business journalistic area and associated it to the journalistic practice.

Key words: business journalism, organizational communication, academic legitimation.

Resumen

Este artículo rescata cómo se dio la legitimación académica del campo del periodismo empresarial. El primer trabajo sobre el tema realizado en Brasil lo desarrolló Francisco Gaudêncio Torquato do Rego. Su tesis “Comunicación en la empresa y el periodismo empresarial: visión crítica e intento de elaboración de un modelo para las publicaciones inter-nas”, defendida en 1973, en la Universidad de São Paulo, sistematizó conceptos teóricos sobre el área. Torquato llevó a la academia una cuestión de la vivencia de la profesión, delimitó técnicamente el campo del periodismo empresarial y el vínculo a la práctica periodística.

Palabras clave: periodismo empresarial, comunicación organizacional, legitimación académica.

A legitimação acadêmica do campo do jornalismo empresarial

Academic legitimation of the business journalistic area

A legitimação acadêmica do campo do jornalismo...

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1 A dissertação retoma a trajetória de Gaudêncio Tor-quato em quatro momentos: a infância do jornalista, a fase na grande imprensa, a atuação como pesquisador e docente e a migração para o marketing político.

2 Gaudêncio Torquato. Comunicação na empresa e o jornalismo empresarial: visão crítica e tentativa de ela-boração de um modelo para as publicações internas.3 Gaudêncio Torquato. Entrevista concedida a Suzi Garcia Hantke.

Introdução

o início dos anos 1970, os jor-nais e revistas empresariais pairavam sob um domínio

misto, em que relações públicas, jornalis-tas e até profissionais de recursos humanos reivindicavam para si a responsabilidade pela produção de tais materiais editoriais. Coube ao jornalista, professor e pesqui-sador Francisco Gaudêncio Torquato do Rego sistematizar conceitualmente o campo, definindo-o como pertencente à área do jornalismo.

O resgate desse momento, cerne do presente artigo, faz parte de nossa dis-sertação de mestrado, defendida em abril

de 2006 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo: A pioneira trajetória de Gaudêncio Torquato na pesquisa comunicacional brasileira1.

A dissertação per-mitiu destacar um dos traços que melhor ca-racteriza a trajetória de Gaudêncio Torquato: uma constante preocu-pação em viabilizar o diálogo entre academia

e mercado, ora transformando questões profissionais em estudos acadêmicos, ora levando aprendizados teóricos para a vivência profissional.

Sua tese de doutorado Comunicação na empresa e o jornalismo empresarial: visão crítica e tentativa de elaboração de um modelo para as publicações internas2, desenvolvida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, exemplifica essa intenção do jornalista. Com a pesqui-sa, Gaudêncio Torquato levou à academia uma questão da vivência da profissão, delimitando tecnicamente o campo do jornalismo empresarial e vinculando-o à prática jornalística.

NO trabalho foi defendido em 1973,

sob orientação de Rolando Morel Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Em entrevista concedida para nossa disser-tação, o jornalista lembrou o processo de desenvolvimento da tese:

O Morel fez uma boa orientação no sentido da organização da tese, mas deixando, evidentemente, que eu tivesse toda a li-berdade para definir o escopo conceitual. Eu me lembro que discutimos muito sobre o objeto da tese, como cercar esse objeto. Na verdade, eu tinha nas mãos um vasto cenário conceitual e eu queria partir de toda uma visão da teoria da comunicação até chegar ao jornalismo empresarial e às vezes eu me perdia. O Morel dizia: precisa limitar mais esse corpo, não fique queren-do abarcar o mundo. Aliás, um conselho que todos nós, doutores, passamos a dar a nossos orientandos. Eu me lembro que a preocupação fundamental dele na épo-ca era esta: que eu restringisse o objeto para não me perder naquele emaranhado conceitual3.

O interesse em levar para a academia as preocupações sobre as fronteiras do campo do jornalismo empresarial foi insuflado pelo contexto vivenciado pelas escolas de comunicação. Havia, na época, uma neces-sidade premente de formar massa crítica qualificada a prosseguir com os cursos de pós-graduação.

Com a tese de Gaudêncio Torquato, o assunto tornou-se, pela primeira vez no país, objeto de estudo em uma uni-versidade. O pioneirismo trouxe consigo dificuldades inerentes. Além da ausência de referências nacionais sobre o tema, o jornalista teve de enfrentar a resistência

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Suzi Garcia Hantke

4 O professor Cândido Teobaldo é considerado o prin-cipal sistematizador da área de Relações Públicas no Brasil. Foi o primeiro a receber, na Universidade de São Paulo, o título de doutor em comunicação (Rela-ções Públicas) com a defesa, em 1973, da tese Relações públicas e o interesse público. 5 Margarida K. Krohling Kunsch. Relações públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional, p. 33.6 Gaudêncio Torquato. “O risco da incompetência”. In: Revista da Comunicação Empresarial, p. 14.7 Gaudêncio Torquato. Entrevista concedida a Suzi Garcia Hantke.

dos próprios docentes da Universidade de São Paulo e dos profissionais de relações públicas. Sua hipótese de que o jornalismo empresarial integrava o grande campo do jornalismo abriu uma disputa conceitual com a área de relações públicas, particu-larmente com seu formulador principal na época, o professor Cândido Teobaldo de Souza Andrade4.

Paralelamente à disputa entre jornalis-mo e relações públicas, a escolha do objeto de estudo da tese também revelou outra polêmica: a vinculação do jornalismo em-presarial como uma atividade subserviente ao sistema de economia de mercado.

Para compreender as razões desse entendimento é preciso fazer um recorte histórico. A década de 1970 foi marcada por forte maniqueísmo ideológico, alimen-tado pelos regimes ditatoriais da América Latina. No Brasil, em particular, as univer-sidades assumiram um papel de resistên-cia política ao regime militar, num embate representado por duas opções opostas, o sistema de economia de mercado e o so-cialista. As empresas simbolizavam, nesse contexto, a vinculação ao primeiro. A ausência de pesquisas sobre comunicação organizacional é explicada em grande par-te por esse cenário. “Tocar nesse assunto significava, nos meios acadêmicos, bene-ficiar o capitalismo empresarial. Por isso as iniciativas foram pessoais e isoladas”5.

Gaudêncio Torquato encontrou re-sistência de alunos e professores. Para implantar a disciplina de jornalismo em-presarial nos cursos de graduação em Co-municação Social, precisou, segundo suas palavras, lutar como um “kamikaze”6.

Na verdade, eu tive a coragem de trabalhar o conceito de jornalismo empresarial quan-do as pessoas diziam: esse é o jornalismo vendido ao capitalismo. Que idéia é essa? Como se o jornalismo que se exercesse den-tro do sistema capitalista não fosse ele todo capitalista. Eu dizia na época aos alunos: qual a diferença de trabalhar num jornal de empresa e num grande jornal? Vocês vão pe-gar em armas num grande jornal? O grande

jornal é também um jornal que pertence a uma empresa privada. Ele tem uma função de utilidade pública, mas, na verdade, ele está servindo também ao grande sistema econômico, político, está inserido nele. E foi assim que eu fui quebrando as resistências, enfrentando grupos radicais7.

O contexto que Gaudêncio Torquato enfrentou sinaliza a importância de seu pioneirismo. Na introdução da tese, está relatada a intenção do autor de siste-matizar conceitos sobre as publicações empresariais baseando-se na teoria do jornalismo. Além de delimitações teóricas, a tese trazia uma proposta adicional: gerar um modelo para ser utilizado na prática pelas empresas. Gaudêncio Torquato fez um levantamento para identificar as ca-racterísticas das publicações empresariais brasileiras da época, o que lhe permitiu apontar o grupo das publicações internas como o majoritário. A análise é aprofun-dada para as publicações pertencentes a esse grupo. As questões propostas pelo diagrama de Harold Lasswell (“quem diz o quê, em qual canal, para quem, com que efeito”) serviram como diretrizes para o jornalista preparar um diagnóstico dos fatores determinantes da qualidade e da eficácia das publicações, que podem ser resumidos da seguinte forma:

Quem: indica o controle da publicação (qual departamento dentro da empresa é o responsável pelas publicações);

O quê: diz respeito à análise de conteúdo;

A legitimação acadêmica do campo do jornalismo...

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Para quem: relacionado ao grupo atingido pela comunicação (público interno, exter-no ou misto);

Canal: delimita a natureza da publicação (boletim, jornal ou revista) e suas peculia-ridades, como periodicidade e utilização de gêneros jornalísticos;

Efeitos: permite a aferição do impacto da publicação.

Inovação terminológica

Antes de partir para a delimitação da natureza técnica do jornalismo empresa-rial, o jornalista faz, na tese, uma breve explanação sobre o posicionamento da

comunicação dentro de uma estrutura organizacio-nal. Gaudêncio Torquato fundamenta-se em uma bi-bliografia quase exclusiva-mente internacional para identificar o papel da co-municação em uma empre-sa: proporcionar condições para que sejam atingidas as metas organizacionais. Cabe à comunicação, segundo ele, reunir as diversas partes que integram uma corporação – entendimento que expres-

sa a adoção da visão sistêmica. Uma organização dialoga com três

sistemas:a. Sistema ambiental: onde estão inseridos os padrões sociais, culturais, políticos e econômicos – ambiente de atuação;b. Sistema competitivo: que agrupa a estrutura industrial do ambiente, o rela-cionamento e os tipos de relação entre a produção e o consumo – ambiente de competição;c. Sistema organizacional: que se refere às suas próprias estruturas internas, com ob-jetivos, programas e políticas – ambiente interno de organização8.

A comunicação permite que uma empresa receba informações dos três sis-temas e, simultaneamente, as dissemine entre eles. Para ampliar a compreensão dessa função, o jornalista detalha como as informações podem ser transmitidas, explicando a diferença entre canais for-mais (instrumentos oficiais) e informais (expressões livres dos trabalhadores); fluxos de informação (vertical, horizontal e lateral); métodos (visuais, auditivos e visu-al/auditivo); e seus respectivos veículos.

A segunda parte da tese é reservada à contextualização do jornalismo em-presarial. É retomado o surgimento das publicações de empresas, valendo-se de bibliografia que inclui autores como Berlo, Canfield, Weiss, Chaumely, Cutlip e Center. Apenas sete autores nacionais, entre os doze que aparecem nas referências bibliográficas, têm papel de destaque como fonte: Whitaker Penteado, Cândido Teo-baldo, Martha Alves D´Azevedo, Roberto Paula Leite, Luiz Beltrão, Juarez Bahia e Marques de Melo – expressão de mais uma limitação imposta pelo pioneirismo da tese. Um entendimento recorrente entre os autores é a vinculação das publicações de empresas – especialmente as externas – como veículos de relações públicas9.

A área de relações públicas era enten-dida como a responsável pelas publicações empresariais voltadas ao público externo. Já as revistas e os jornais de empresa dirigidos ao público interno, eram dis-putados pelos departamentos de relações industriais, de pessoal e de vendas. Gau-dêncio Torquato identifica que a divisão de responsabilidades e a multiplicação de públicos alimentavam a imprecisão terminológica, permitindo a disseminação de termos como “imprensa de empresa”, “imprensa industrial” e “periodismo in-dustrial”. Outra expressão muito em voga

Cabe à comunicação, segundo ele, reunir as diversas partes que integram uma corporação

8 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 6.9 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 36.

101Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Suzi Garcia Hantke

10 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 72.11 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 85.

na época era house-organ – herança dos pri-meiros anos das publicações de empresa dos Estados Unidos e criado inicialmente para designar publicações externas, ao contrário do que a tradução literal e o uso consagrado poderiam indicar.

Para desvincular as publicações em-presariais do campo até então dominante – as relações públicas –, o jornalista estru-tura a ligação com o jornalismo:

É preciso que as relações públicas con-siderem que o processo de produção das publicações empresariais, partindo dos seus objetivos, passando pela análise de características técnicas e chegando até a etapa final da distribuição e os conseqüen-tes efeitos que elas provocam, comprove sua natureza jornalística. Estudadas sob o prisma do jornalismo, também uma atividade de comunicação, as publicações empresariais encontram sua definitiva sistematização10.

Na defesa de que as publicações em-presariais são de natureza jornalística, são aplicados os seguintes argumentos:

1. O jornalismo é uma atividade de co-municação de massa por se dirigir a uma audiência ampla, anônima e heterogê-nea e ser pública, rápida e efêmera. As publicações de empresa se enquadram nesses parâmetros por possuir audiência heterogênea (seus públicos apresentam variações em relação ao nível cultural, de instrução e idade) e anônima em relação ao comunicador.

2. As matérias jornalísticas se enquadram em quatro grandes gêneros jornalísticos: interpretativo, opinativo, informativo e de entretenimento. Esses mesmos gêneros estão presentes nas publicações empre-sariais.

3. O jornalismo é definido, segundo Otto Groth, por quatro características: perio-dicidade, atualidade, difusão e univer-salidade. Essas mesmas características

podem ser encontradas nas publicações de empresa, que seguem uma periodicidade determinada, apresentam assuntos da atualidade da empresa, escolhidos para ser difundidos pela amplitude de interesses que despertam.

Ao identificar a paridade das caracte-

rísticas do jornalismo com as encontradas em revistas e jornais de empresas, Gaudên-cio Torquato destaca que cada um dos itens (universalidade, periodicidade, atualidade e difusão) assume, no jornalismo empresa-rial, significado específico. A periodicida-de, por exemplo, pode abarcar intervalos mais espaçados que os tradicionalmente adotados no jornalismo, e a universalida-de abrange os assuntos relevantes sob o ponto de vista da empresa, excluindo os que não lhe são interessantes, mesmo que importantes para o público-leitor11. Toda essa similaridade sustenta a terminologia defendida na tese para identificar o que se pratica nos jornais e revistas empresariais: jornalismo empresarial.

Dessas diferenças foram extraídas as principais características, da época, de cada um dos veículos:

Boletim

Periodicidade: intervalos menos espaça-dos entre as edições, já que o seu produto básico é a notícia.

Atualidade: mais apropriado para as in-formações imediatas que precisam chegar com urgência junto ao público.

Universalidade: por seu reduzido número de páginas, o boletim é o canal que apre-senta menor variedade temática.

Difusão: exige o mais rápido sistema de difusão.

A legitimação acadêmica do campo do jornalismo...

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12 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 94.13 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 234.

Jornal

Periodicidade: a periodicidade do jornal de empresa deve estar situada entre a periodicidade do boletim e a da revista. Periodicidade média.

Atualidade: a atualidade do seu conteúdo deve ser mantida pela periodicidade. Os fatos devem ser tratados de forma a não perder a atualidade durante o intervalo entre as edições. Presta-se também ao jornalismo de interpretação, de opinião e de entretenimento, gêneros que dão às matérias um caráter atemporal.

Difusão: o seu esquema de difusão deve completar-se entre a etapa final de produ-ção de uma edição e o início da programa-ção de outra edição.

Revista

Periodicidade: por seu conteú-do essencialmente interpretati-vo e por seu grande número de páginas, apresenta intervalos mais espaçados entre as edi-ções.

Atualidade: evita, na medida do possível, informações ur-gentes, imediatas e apresenta sobretudo um conteúdo de interesse permanente.

Universalidade: o número de páginas amplia o universo de conteúdo, sendo o veículo que oferece maior volume te-mático.

Difusão: por sua natureza técnica e por seu conteúdo interpretativo, permite um

esquema de difusão mais demorado12.

A construção do mo-delo para publicações internas

Amparado pela definição da natureza jornalística das publicações empresariais e pela pesquisa que indicou as caracterís-

ticas do jornalismo empresarial do início dos anos 1970, Gaudêncio Torquato dedi-cou o quinto capítulo da tese à construção do modelo para publicações internas.

Dentro do sistema organizacional, a pu-blicação interna assume feições de um programa com poderosas repercussões junto ao trinômio organização – decisão – comportamento. Permite um fluxo de comunicações nos dois sentidos (vertical e horizontal), retratando o sistema inte-gral da empresa e ajudando a organização interna; permite que a cúpula empresa-rial avalie as capacidades e atitudes da comunidade, criando as condições para que a direção tome decisões seguras em relação a ela e ao próprio sistema; reflete os comportamentos recíprocos assumidos pela empresa e pelos empregados13.

Resumidamente, o modelo proposto trata dos seguintes tópicos:

Porte da empresa: uma comunidade entre 2.500 a 3.000 pessoas já justifica o investi-mento para a produção de uma publicação interna. O jornalista ressalva, porém, que, mesmo em empresas cuja população esteja entre mil e dois mil funcionários, veículos internos trazem efeitos positivos.

Responsabilidade pela publicação: o respon-sável pela publicação deve ser um jorna-lista profissional, que idealmente seria subordinado à presidência da empresa.

Natureza do canal: o jornal interno é apon-tado como o canal mais adequado por ser um veículo típico do gênero informativo e de periodicidade média. O jornalista chega, inclusive, a estabelecer o formato mais in-dicado: o tablóide (27 x 37 cm), justificado por sua facilidade de manuseio e leitura.

Conteúdo: as informações estão, no mode-lo, divididas em duas categorias: sobre a

Essas mesmas características podem ser encontradas nas publicações de empresa

103Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Suzi Garcia Hantke

por levar informações ao editor. “O fluxo de comunicação assume, portanto, carac-terísticas integradoras”16.

Estrutura editorial: a proporção indicada é de 60 a 70% de texto e 30 a 40% de ilustrações e espaço branco.

O modelo sistematizado por Gaudêncio Tor-quato inclui ainda muitos outros detalhes, como cronograma de produção, linguagem a ser adotada e forma de distribuição.

Considerações finais

A defesa da tese foi realizada em 6 de julho de 1973, com banca formada pelos professores Dino Pretti, José Marques de Melo e Cândido Teobaldo. Dez anos de-pois, em 1984, a pesquisa foi transformada em livro e publicada pela Summus Edi-torial com o título Jornalismo empresarial: teoria e prática.

Desde então a obra é uma referência obrigatória nas escolas de jornalismo do país, o que prova a importância da pio-neira tese de Gaudêncio Torquato para a sistematização teórica do jornalismo empresarial no país.

14 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 249.15 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 255.16 Gaudêncio Torquato. Op. cit., p. 258.

empresa e sobre os empregados. O índice indicado é de 30 a 40% de matérias ins-titucionais e de 60 a 70% de matérias de interesse da comunidade.

Escolha dos assuntos: o jornalista sugere a realização de uma pesquisa para conhe-cer as características do público-leitor: quantidade, estado civil, sexo, formação escolar, entre outros pontos. Paralelamente à pesquisa, o editor deve percorrer todas as áreas da empresa para conhecer de perto o grupo. “Esse segundo tipo de pesquisa permite a aferição direta do comportamen-to da comunidade”14.

Gêneros jornalísticos: Gaudêncio Torquato indica a porcentagem mais adequada de cada gênero jornalístico: 40% de matérias interpretativas, 30% do gênero opinativo, 20% do gênero informativo e 10% de ma-térias de entretenimento. A predominân-cia do gênero interpretativo é justificada pela necessidade da “interpretação dos acontecimentos para a comunidade. (...) A simples constatação de fatos (gênero infor-mativo) pode gerar o desinteresse”15.

Captação de informações: no modelo pro-posto, os empregados devem participar do planejamento da publicação. Alguns representantes do corpo da empresa têm o papel de correspondentes, responsáveis

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Comunicação e mercado

Renato Márcio Martins de Campos Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero

Docente e Pesquisador da Uniara - Centro Universitário de [email protected]

Resumo

O artigo investiga o conceito de indústria cultural e o papel da ideologia no sistema capitalista. O intuito é atualizar este con-ceito de modo a verificar sua pertinência na sociedade global e na cultura da mídia. A partir do diálogo com Douglas Kellner, aponta a necessidade intrínseca de material teórico crítico, como é o caso do conceito de Indústria Cultural, para destacar as possibilidades de resistência e indicar caminhos para sobrevivência das culturas regionais ou locais frente ao avanço da homogênea cultura de consumo imposta pelo processo de globalização.

Palavras-chave: indústria cultural, cultura da mídia, mercado, entretenimento.

Abstract

This article investigates the concept of Culture Industry and the role of ideology in the capitalist system. It is intended to update this concept in order to verify its pertinence in the global society and media culture. Based on the dialogue with Douglas Kellner, it punctuates the intrinsic need of critical and theoretical material, such as the case of the concept of Culture Industry, so as to highlight the possibilities of resistance and indicate paths for the survival of regional or local cultures towards the progress of homogeneous consumption culture imposed by the globalization process.

Key words: Culture Industry, media culture, market, entertainment.

Resumen

Este artículo investiga el concepto de industria cultural y el papel de la ideología en el sistema capitalista. La intención es actualizar este concepto de manera a averiguar su pertinencia en la sociedad global y la cultura de los medios. A partir del diálogo con Dougals Kellner, señala la necesidad intrínseca de material teórico crítico, como es el caso del concepto de Industria Cultural, para destacar las posibilidades de resistencia e indicar caminos para la supervivencia de las culturas regionales o locales frente al avance de la homogénea cultura de consumo que el proceso de globalización impone.

Palabras clave: industria cultural, cultura de medios, mercado, entretenimiento.

Indústria cultural e cultura da mídia:

produção e distribuição do entretenimento na sociedade global

Culture industry and media culture: production and distribution of entertainment in global society

Indústria cultural e cultura da mídia...

106C o m m u n i c a r e

1 Bárbara Freitag. A teoria crítica. Passim.

Introdução

s novas tecnologias de co-municação desempenham papel preponderante na

integração dos processos inerentes à globalização. Servem de suporte tec-nológico e possibilitam vários aspectos característicos do neoliberalismo. O fluxo de capitais financeiros; o aumento do comércio internacional; o estabele-cimento de empresas transnacionais; o livre tráfego de informação e entrete-nimento encontram bases comuns na tecnologia digital.

Na área de comunicação esta tecno-logia possibilita a formação de grandes

conglomerados de mídia. Em relação ao entrete-nimento e a produções fílmicas, a efemeridade característica deste tipo de produção é compen-sada pela possibilidade de repetição em diversos formatos midiáticos, de modo a ampliar o mercado das empresas que se dedi-cam a este setor. Os custos de adaptação de uma obra audiovisual de seu forma-to original para exibição

em qualquer outro tipo de tecnologia são pequenos quando comparados aos custos de produção. A exploração mercadológi-ca destas várias tecnologias é condição para o sucesso de mercado de uma obra audiovisual.

Percebe-se que a produção de entrete-nimento sob a égide de uma economia ne-oliberal e, sobretudo, destinada a abastecer um cenário global em termos de distribui-ção e penetração de mercado, aproxima-se de um caráter industrial no sentido de se gerar produtos fílmicos em escala para atender um vasto público ansioso por este tipo de material de entretenimento.

Portanto, há uma aproximação do

Amodo de produzir da indústria de entre-tenimento com o conceito de indústria cultural, criado pelos teóricos da Escola de Frankfurt na década de 40. Sabe-se do embasamento crítico desta escola em relação ao modo de produção capitalista, então como aproximar um conceito avesso ao que hoje se aplica em termos de pro-dução midiática, atualizando-o para uma realidade do consumo dos produtos de entretenimento?

Este artigo se propõe a uma espécie de atualização conceitual e aproximação com nossa realidade globalizada do conceito de indústria cultural. Cabendo, primeiramen-te, uma visita às origens deste conceito e de seu viés crítico.

O conceito de indústria cultural e seu viés crítico

O termo Indústria Cultural foi ori-ginalmente concebido por Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), autores do livro A dialética do esclarecimento, publicado em 1947. Trata-se de um conceito que evidencia um viés crítico da sociedade de massas sob o contexto da corrente teórica da comuni-cação que ficou conhecida como “Escola de Frankfurt” (Teoria Crítica). Deve-se esta denominação ao fato que o Instituto de Pesquisa Social, fundado em 03 de fevereiro de 1923, nasceu vinculado à Universidade de Frankfurt. Max Horkhei-mer assumiu a direção do Instituto após 1930, dedicando-se uma visão crítica dos processos capitalistas na organização da sociedade de massas1.

O pensamento frankfurtiano caracte-riza-se por um embasamento marxista na apreciação do homem e suas relações na sociedade. Aprofunda-se no estudo dos meios de comunicação de massa trazendo, talvez como um dos maiores benefícios,

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2 Bárbara Freitag. Op. cit., p. 71.3 Bárbara Freitag. Op. cit., p. 73.

4 Bárbara Freitag. Op. cit., p. 80.

o conceito de Indústria Cultural. Neste, os bens culturais da humanidade são apropriados pelo capitalismo onde pas-sam a operar como mais uma ferramenta de dominação social e desvalorização ou esvaziamento do conceito de arte. “A dis-solução da obra de arte não ocorre porque o sistema de produção de mercadorias havia sido suprimido e sim porque ela foi transformada em mercadoria, assimi-lando-a a produção capitalista de bens”2. Ressalta-se a assimilação do ser humano pelo modo capitalista de produção e, so-bretudo, como o capitalismo deturpa as consciências individuais assimilando os indivíduos ao processo.

A produção artística e cultural é orga-nizada sob moldes das relações capitalis-tas, atendendo aos padrões econômicos de tal regime e reproduzindo-o. Neste sentido, perde seu valor intrínseco, para ganhar um valor de troca (mercadoria). Todo este processo da Indústria Cultural serve, segundo a Escola de Frankfurt, como uma forma de dominação e perpetuação do regime, é o que se pode chamar de função alienante da arte, “a cultura fornecida pelos meios de comunicação de massas não permite que as classes assalariadas assumam uma posição crítica (...) anulam os mecanismos de reflexão crítica para acionarem a percepção e os sentidos”3.

A ascensão do regime nazista na Ale-manha decreta a perseguição dos teóricos vinculados ao Instituto de Pesquisa Social. Ocorre, então, a mudança do Instituto por diversos países europeus até culminar com sua emigração para os Estados Unidos, mais precisamente em Nova York, sob a denominação de “International Institute of Social Research” vinculado a Univer-sidade de Colúmbia (1933/1950).

No início do Instituto seus teóricos viam a luta de classes como o meio, a priori, das classes operárias reverterem o sistema de dominação. Mas, apesar do posicionamento marxista de seus autores, já na década de 60 esta esperança ou visão

é repensada. Talvez pela vivência num país onde o sistema capitalista é agente preponderante, estes teóricos percebe-ram o quão estavam distantes, as classes operárias, do ideal revolucionário. Assim, alienadas e desprovidas de caráter crítico, as massas estariam vinculadas a um sis-tema que seria perpetuado e revigorado: “A desativação da história, a naturalização dos processos de produção, o congela-mento das condições de exploração, de alienação e de dominação (...) não deixou dúvidas de que a salvação da humanidade não poderia ser esperada das massas dos oprimidos”4. Por assumirem um posi-cionamento pessimista os frankfurtianos foram denominados “Apocalípticos”, por parte de Umberto Eco, em sua análise sobre a Escola de Frankfurt.

Pretendemos justamente questionar este teor apocalíptico do conceito de Indústria Cultural, a visão crítica da sociedade de massa e da produção da mídia como não passíveis de estudos, pela própria imposição desta cultura, por parte do sistema, aos indivíduos. Neste sentido, ressaltaríamos a pertinência do conceito Indústria Cultural e também o conceito da Cultura da Mídia, até para explicação de nossa realidade, onde o capitalismo finan-ceiro, sob os preceitos do neoliberalismo, apresenta-se de maneira hegemônica.

Atuação ideológica na indústria cultural

Até este ponto ressaltamos o conceito de Indústria Cultural em sua origem e posicionamento crítico. Propomos a perti-nência do termo para explicação deste ce-nário onde parece acontecer um triunfo do capitalismo. Onde as relações de mercado aparecem de modo claro e preponderante, até mesmo para as produções culturais.

Indústria cultural e cultura da mídia...

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Assume-se, portanto, o desenvolvimento industrial das produções artísticas e cul-turais como necessárias, ao mesmo tempo em que determinadas, pelo sistema.

Neste sentido a Indústria Cultural, uma vez implantada, atua como suporte à veiculação dos ideais de sustentação e reprodução da estrutura de dominação vigente. Algo muito próximo ao con-ceito explicitado por Louis Althusser (1918-1990), em seu texto: A Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado, de 1970, uma vez que a forma de atuar da Indústria Cultural se faz preponderante-mente sob a forma ideológica a ponto de suplantar a explicação materialista dos fatos. Segundo Mattelart, “Esses aparelhos

significantes (escola, igreja, mídia, família etc.) têm por função assegurar, garantir e perpetuar o monopólio da violência simbólica, que se exerce sob o manto de uma legitimidade pretensamente natural”5.

Para um melhor enten-dimento sobre a atuação da Indústria Cultural enquanto fator ideológico deve-se proceder a uma definição de Ideologia. A certa altura de sua obra Althusser assim

afirma: “A Ideologia é uma representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”; logo: “Os homens representam para si mesmos suas condições reais de existência sob for-ma imaginária”6. É, portanto, a Ideologia que preenche a necessidade de algo que explique aos homens, socialmente inseri-dos, o porquê desta situação, e mais, torne natural as relações de dominação. Assim, “a Ideologia resulta da prática social, nasce da atividade social dos homens no momento em que estes representam para si mesmos essa atividade”7. Justificando a realidade cotidiana de dominação, os Aparelhos Ideológicos de Estado, e neste

caso, a própria Indústria Cultural, traba-lham para legitimar todo processo.

Faz-se cada vez menos uso de uma violência coercitiva para manutenção dos atuais padrões de relações sociais a partir do momento que a coerção (física) é substi-tuída pela alienação (função da Ideologia), ou seja, “a função da Ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legí-timo, isto é, como justo e bom”8.

Adorno e Horkheimer já atentavam para o conteúdo ideológico dos Meios de Comunicação de Massa, “inevitavelmente, cada manifestação da Indústria Cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a Indústria em seu todo”9. Deixam claro, portanto, a reprodução das relações de produção, tal como apregoava Althusser. A reprodutibilidade se daria a partir do momento que os fatores ideológicos, disse-minados pela Indústria Cultural, passam a legitimar a estrutura social tal e qual ela é. O que vem a legitimar as relações de poder e de dominação.

Existiria, então, uma justificativa maior para a Indústria Cultural assumir esta posi-ção de legitimadora das condições sociais de dominação?

Encontramos a resposta entre os próprios Frankfurtianos: “os interesses inclinam-se a dar uma explicação tec-nológica da Indústria Cultural. O fato de que milhões de pessoas participam desta Indústria imporia métodos de produção que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para satisfação de necessidades iguais”10. Ora, a própria afirmativa de que a decorrência da Indústria Cultural é algo natural advindo do anseio das massas por produtos de

Os homens represen-tam para si mesmos suas condições reaisde existência

5 Armand Mattelart. História das teorias da comuni-cação, p. 95.

6 Slavoj Zizek. Um mapa da ideologia, p. 126.7 Marilena Chauí. O que é ideologia, p. 92.

8 Marilena Chauí. Op. cit., p. 92.9 Theodor Adorno. A dialética do esclarecimento, p. 119.

10 Theodor Adorno. Op. cit., p. 114.

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11 Williams Biernazki. Globalização da comunicação. Passim.

12 Wilson Dizzard Jr. A nova mídia, p. 34.

mesma natureza e que o inverso também procede já nos denota o teor ideológico dos processos de dominação.

A Indústria Cultural, constituída pelos Meios de Comunicação de Massa, agiria, portanto, de forma a preencher este espaço da Ideologia necessário à manutenção da moderna sociedade capitalista. Naturali-zando as relações de dominação e perpe-tuando o modo de produção, utilizando-se para isso bens culturais e artísticos.

O processo de globa-lização e o poder da mídia

Analisando o teor crítico do conceito de Indústria Cultural e atrelando tal conceito a um posicionamento ideológico, perce-bemos que ele desempenha um papel de manutenção do status quo de milhões de pessoas. Ainda assim, parece-nos necessário atualizar, quanto ao processo de globaliza-ção, a explicação das relações intrínsecas à organização social contemporânea, baseada nos veículos de comunicação de massa, e em tudo aquilo que se transpassa aos indivíduos socialmente inseridos como moda, costumes e comportamentos entre outros fatores de socialização. Parece-nos que o conceito de indústria cultural, atrelado a uma base teó-rica marxista, torna-se limitado, em relação à multidimensionalidade da sociedade midiática. Pois nem tudo é manutenção ideológica, nem tudo tem cunho apenas po-lítico. Se muitas vezes esta Cultura da Mídia aborda assuntos questionadores do sistema, como explicar este aspecto se assumirmos a posição exclusivamente da alienação e da ideologia dominante?

Neste sentido as produções da Indús-tria Cultural aproximam-se do palco de lu-tas sociais e posicionamentos que tomam forma no âmbito dos Estudos Culturais. Para melhor entendermos este processo, necessário se faz uma análise das carac-terísticas implícitas à organização social contemporânea através da globalização.

Uma das características inerentes ao processo de globalização, sem dúvida alguma, é a ampliação da influência dos meios de comunicação de massa via ino-vações tecnológicas que, por sua vez, ga-rantem acesso instantâneo às informações e ao entretenimento. Neste sentido, tam-bém percebemos a formação de grandes conglomerados de mídia que controlam este processo, como afirma Biernazki. Há uma tendência de controle do processo comunicacional em duas vias distintas: a horizontal, onde um mesmo conglomerado controla várias mídias distintas, as quais passam a agir de maneira integrada; e a vertical, onde uma empresa de comuni-cação detém controle sobre as etapas de produção, comercialização e distribuição de programação midiática11. Tais empresas, de caráter transnacional, ao mesmo tempo em que possibilitam, acabam por integrar este processo.

Ilustrativo é o exemplo citado por Dizzard, a respeito da mega fusão entre as empresas AOL e TIME WARNER, que representou uma transação de US$: 350 bilhões em ações, gerando um grande conglomerado de comunicação com fatu-ramento da ordem de US$ 30 bilhões por ano em 200012.

Kellner também historiciza o processo:

Na última década também surgiram novas tecnologias que mudaram os padrões da vida cotidiana e reestruturaram podero-samente o trabalho e o lazer. As novas tecnologias do computador substituíram muitos empregos e criaram muitos no-vos, oferecendo novas formas de acesso à informação e à comunicação com outras pessoas e propiciando as alegrias de uma nova esfera pública informatizada. As no-vas tecnologias da mídia e da informática, porém, são ambíguas e podem ter efeitos divergentes. Por um lado proporcionam maior diversidade de escolha, maior pos-

Indústria cultural e cultura da mídia...

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sibilidade de autonomia cultural e maior abertura às intervenções de outras culturas e idéias. No entanto, também propiciam novas formas de vigilância e controle, em que os olhos e sistemas eletrônicos instalados em locais de trabalho funcio-nam como encarnação contemporânea do Grande Irmão. As novas tecnologias da mídia também propiciam poderosas formas de controle social por meio de téc-nicas de doutrinação e manipulação mais eficientes, sutis e ocultas. Na verdade, sua simples existência já cria a possibilidade de minar as energias políticas e de man-ter as pessoas bem guardadas dentro dos confins de seus centros de entretenimen-to doméstico, distantes do tumulto das multidões e dos locais de ação política de massa13.

Todo este novo aparato tecnológico que maximiza a ação da mídia acaba impondo a queda de barreiras legislativas que ga-rantiam ao Estado e ao poder político o controle de vários aspectos das comunicações nacionais: “O poder global das empresas transnacionais de mídia questiona o papel dos Estados Nacionais e a identidade dos diversos povos do mundo”14.

Neste contexto global propomos a revisão do con-

ceito de Indústria Cultural, uma visão de manipulação e posicionamento ideológico sem dúvida, mas a partir de uma visão multifacetária através dos Estudos Cultu-rais que possibilitariam uma atualização do conceito, original da década de 40, onde o veículo preponderante ainda era o rádio.

Atuação da Mídia na Colonização do Tempo Livre

Os aspectos culturais da vida moderna mercantilizados pelo sistema levam-nos ao conceito de Indústria Cultural, como

observamos anteriormente. Os fatores pertinentes ao processo de globalização que ampliam e contextualizam os grandes conglomerados de mídia como atuantes no palco das discussões societárias, mesmo em detrimento do poder político, abrem caminho para a observação de como este processo desempenha seu alto teor de influência na vida societária.

O que propomos neste item, em linhas gerais, é discutir o posicionamento de Adorno, através de seu texto sobre o tempo livre, em paralelo com o posicionamento de Douglas Kellner sobre o movimento de colonização do tempo livre representado pelos valores midiáticos.

Primeiramente cabe a distinção pro-posta por Adorno entre tempo livre e ócio. O primeiro é controlado pelo sistema o qual, por mecanismos diversos, dita o que fazer para preencher o tempo disponível, principalmente consumindo. Por outro lado, o ócio já seria a “vida folgada”15, o não fazer nada, inadmissível para o capitalismo.

Nestes termos, o controle pelo sis-tema vigente das nossas horas de lazer, estabeleceria uma dicotomia entre dois parâmetros: o trabalho e o lazer, os quais assumem sentidos diametralmente opos-tos para o capitalismo e para os indivíduos nele inseridos.

A ânsia de buscar afazeres totalmente distantes e que não lembrem os enfadonhos momentos de trabalho cria a necessidade de se desempenhar papéis sociais previa-mente estabelecidos pelo sistema. É assim que Adorno chama a atenção para o “ho-bby”16 o qual é explorado pela Indústria Cultural de maneira a demonstrar o que fazer com o tempo livre. Kellner propõe que esta dicotomia assume ares de des-valorizar as horas dedicadas ao trabalho,

O poder global das empresas transnacionais de mídia

13 Douglas Kellner. A cultura da mídia, p. 26.14 Williams Biernazki. Op. cit., p. 46.15 Theodor Adorno. Op. cit., p. 70.

16 Theodor Adorno. Op. cit., p. 71.

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valorizando o lazer e o entretenimento: “À medida que a importância do trabalho de-clina, o lazer e a cultura ocupam cada vez mais o foco da vida cotidiana e assumem um lugar significativo. Evidentemente, de-vemos trabalhar para auferir os benefícios da sociedade de consumo (ou para herdar riquezas suficientes), mas supõe-se que o trabalho esteja declinando em importân-cia numa era em que, segundo se alega, os indivíduos obtêm mais satisfação do consumo de bens e das atividades de lazer do que as atividades laboriosas”17.

Há um distanciamento da cidadania. Consumindo, os indivíduos exercem sua liberdade, realizam-se não percebendo o quão parcial e vigiada esta liberdade é. “Liberdade organizada e coercitiva”18. De-sempenhando papéis sociais até em seus momentos de lazer, os indivíduos tornam-se fetiches de si mesmos. Assistir a certos filmes ou programas televisivos, ler certas revistas ou jornais, estar “linkado” ao ci-berespaço tornam-se obrigatoriedades que causariam espanto em qualquer cidadão, se uma pessoa negasse a utilização total de todos estes veículos de comunicação.

Neste sentido a mídia, de modo geral, constrói um universo de escolhas para o consumidor preencher e consumir durante seu tempo livre. O que, segundo Kellner, foi vislumbrado pelos frankfurtianos: “as chamadas cultura e comunicações de massa ocupam posição central entre as atividades de lazer, são importantes agentes de socialização, mediadoras da realidade política e devem por isso, serem vistas como importantes instituições das sociedades contemporâneas, com vários efeitos econômicos, políticos, culturais e sociais”19.

As produções da indústria do entrete-nimento acontecem de modo a utilizar, so-bremaneira, certas estratégias de mercado com o intuito de ampliar as possibilidades de penetração e distribuição do produto em questão. Tais estratégias aumentam a longevidade do produto de entretenimento

ao mesmo tempo em que aufere a este possibilidade mais ampla de distribuição por todas as escalas sociais.

Tais estratégias acabam por colonizar nossas horas de tempo livre e seriam as seguintes: o fator repetição do produto de entretenimento; as próprias tecnologias criadas e que dão suporte ao consumo do material; a criação de verdadeiras marcas em torno da obra audiovisual. Nestes ter-mos o material produzido pela indústria de entretenimento acaba por se fazer pre-sente em nosso cotidiano de uma maneira preponderante e, inclinando os indivíduos ao consumo de forma avassaladora.

A cultura da mídia: estudos críticos

O processo de colonização do tempo livre analisado por Kellner e explicitado anteriormente conduz a moderna socieda-de a uma mídia posicionada como força de socialização e cultura, realmente como um Aparelho Ideológico de Estado que acaba por suplantar o papel de outras institui-ções anteriormente protagonistas deste processo. Kellner localiza este aspecto:

Como fenômeno histórico, a Cultura da Mí-dia é relativamente recente. Embora as no-vas formas da Indústria Cultural descritas por Horkheimer e Adorno nos anos 1940 – constituídas por cinema, rádio, revistas, histórias em quadrinhos, propaganda e imprensa – tenham começado a colonizar o lazer e a ocupar o centro do sistema de cultura e comunicação nos Estados Unidos e em outras democracias capitalistas, foi só com o advento da televisão, no pós-guer-ra, que a mídia se transformou em força dominante na cultura, na socialização, na política e na vida social. A partir de então, a televisão a cabo e por satélite, o videocas-sete e outras tecnologias de entretenimento doméstico, além do computador pessoal – mais recentemente – aceleram a disse-

17 Douglas Kellner. Op. cit., p. 29.18 Theodor Adorno. Op. cit., p. 74.

19 Douglas Kellner. Op. cit., p. 44.

Indústria cultural e cultura da mídia...

112C o m m u n i c a r e

minação e o aumento do poder da cultura veiculada pela mídia20.

Pelo fato da mídia ocupar papel principal na divulgação de bens culturais, a própria es-trutura dos grandes conglomerados transna-cionais traz à tona as preocupações dos pen-sadores da Escola de Frankfurt. O processo de industrialização da cultura pela estrutura capitalista de produção não reproduz apenas ideologias dominantes, mas também questio-namentos de outros grupos que também têm acesso a este tipo de produção.

Em Kellner encontramos o aspecto de reconhecimento da pertinência da Indús-tria Cultural na seguinte passagem: “Nos Estados Unidos e na maioria dos países capitalistas, a mídia veicula uma forma

comercial de cultura, pro-duzida por lucro e divulgada à maneira de mercadoria”21. Enquanto que a questão da ampliação do conceito acon-teceria da seguinte forma:

Portanto, enquanto a Cultura da Mídia em grande parte pro-move os interesses das classes que possuem e controlam os grandes conglomerados dos meios de comunicação, seus produtos também participam dos conflitos sociais entre grupos concorrentes e veicu-

lam posições conflitantes, promovendo às vezes forças de resistência e progresso. Conseqüentemente, a cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumento banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos diferentes dentro da matriz dos discursos e das forças sociais concorrentes que a constituem22.

Esta afirmação nos leva a pensar o quanto avançamos em termos de discussão e posicionamentos sociais. O que muito recentemente era apenas ideológico e fruto de uma classe dominante que se fazia presente de modo a subjugar várias classes sociais e culturas inteiras, neste

momento têm espaço e diálogo com o todo social através de um canal aberto pela mí-dia, através desta possibilidade de várias culturas e posicionamentos aparecem e oferecem concorrência ao pensamento dominante.

Kellner distancia-se desta visão posi-tiva ao estabelecer razões para o apareci-mento de produtos midiáticos questiona-dores do sistema:

As lutas concretas de cada sociedade são postas em cena nos textos da mídia, espe-cialmente na mídia comercial da Indústria Cultural cujos textos devem repercutir as preocupações do povo, se quiserem ser populares e lucrativos. A cultura nunca foi mais importante, e nunca antes tivemos tanta necessidade de um exame sério e minucioso da cultura contemporânea23.

Daí abre-se todo um espectro de possi-bilidades aos estudos críticos. Considera-mos que “os estudos culturais delineiam o modo como as produções culturais articulam ideologias, valores e represen-tações de sexo, raça e classe na socieda-de, e o modo como esses fenômenos se inter-relacionam”24 e que “a teoria crítica da sociedade conceitua as estruturas de dominação e resistência. Indica formas de opressão e dominação em contraste com forças de resistência que podem servir de instrumentos de mudança”25.

Então teríamos, realmente, uma neces-sidade intrínseca de material teórico críti-co, como é o caso do conceito de Indústria Cultural, para apontar, como salientou Kellner, as possibilidades de resistência e indicar caminhos para sobrevivência das culturas regionais ou locais frente ao avanço da homogênea cultura de consumo imposta pelo processo de globalização.

As lutas concretas de cada sociedade são postas em cena

20 Douglas Kellner. Op. cit., p. 26.21 Douglas Kellner. Op. cit., p. 27.22 Douglas Kellner. Op. cit., p. 27.

23 Douglas Kellner. Op. cit., p. 32.24 Douglas Kellner. Op. cit., p. 39.

25 Douglas Kellner. Op. cit., p. 39.

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Renato Márcio Martins de Campos

Referências bibliográficas

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Loyola, 2001.ZIZEK, Slavoj. (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

Comunicação e mercado

João Baptista WinckDoutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Pesquisador da [email protected]

Resumo

Este ensaio discute a formação acadêmica do produtor de televisão. Constata que as relações da academia com a cadeia pro-dutiva ainda são situações problemáticas para a formação de uma sólida comunidade científica no campo do audiovisual. Sugere que a formação universitária do cientista, do profissional, do tecnólogo e do artista para a cadeia produtiva de valor multidisciplinar que a informação e a comunicação engendram, deveria ser articulada por projetos que considerem fatores acadêmicos, pedagógicos, comunitários, culturais, regionais e tecnológicos.

Palavras-chave: projeto pedagógico, multimídia, formação do comunicador, tecnologia da educação, cultura audiovisual.

Abstract

This essay discusses the academic graduation of the television producer. It evidences that the academic relations with the productive network are still problematic situations to the development of a solid scientific community in the audiovisual field. It suggests that the university education of the scientist, the professional, the technologist and the artist for the pro-ductive network with a multidisciplinary value begot by information and communication should be articulated by projects that consider academic, pedagogical, communitarian, cultural, regional and technological factors.

Key words: pedagogical project, multimedia, communicator’s graduation, educational technology, audiovisual culture.

Resumen

Este ensayo discute la formación académica del productor de televisión. Constata que las relaciones de la academia con la cadena productiva aún son situaciones problemáticas para la formación de una sólida comunidad científica en el campo del audiovisual. Sugiere que la formación universitaria del científico, el profesional, el tecnólogo y el artista para la cadena productiva de valor multidisciplinar que la información y la comunicación engendran, debería ser articulada por proyectos que consideren factores académicos, pedagógicos, comunitarios, culturales, regionales y tecnológicos.

Palabras clave: proyecto pedagógico, multimedios, formación del comunicador, tecnología de la educación, cultura audiovisual.

Reflexões sobre a pesquisa e o ensino da Comunicação Audiovisual

Reflections on research and tuition of Audiovisual Communication

Reflexões sobre a pesquisa e o ensino...

116C o m m u n i c a r e

Neste aspecto, sabemos, não existe uma ética das Comunicações, mas a própria comunicação, como atividade humana dedicada ao pensar e a fazer circular socialmente o pensamento, se constitui numa estética, numa ética e, sobretudo, numa filosofia para a existên-cia, quer seja a prosaica ou a complexa. Por isso hoje não se pode admitir a necessidade de um conjunto de normas reguladoras da comunicação, pois, ela própria, é auto-reguladora. Discutir uma ética das Comunicações, neste aspecto seria semelhante a discutir quem julgaria o juiz e, mais adiante, quem julgaria o julgador do juiz.

Se formos discutir, às últimas con-seqüências, o conceito de ética como filosofia e esta como “o” fenômeno e “o” objeto da Comunicação Social, conclu-ímos que não pode haver filosofia sem uma ética da comunicação, da mesma forma que não poderia haver filosofia sem seu objeto: o pensamento. Não se pode, nem artificialmente para fins de análise, desmembrar o pensamento da atividade de comunicação que nele está implícita, como condição primeira e como princípio da fruição do ser e do fazer humano.

O objeto de estudo das Ciências da Co-municação, portanto, é a Ética, enquanto atividade reguladora das relações sociais no geral e do design da condição essencial-mente humana no particular. Somos seres sociais e interagimos no e com o mundo por meio da comunicação. E o relacionar-se é problema ético!

Antes da hegemonia dos meios de comunicação, como paradigma da or-ganização social contemporânea, até era possível fazer essas distinções, ainda que de forma arbitrária e discursiva. Era fácil para um intelectual antigo, de pos-se dos seus meios retóricos, questionar o paradigma dominante, administrado com os instrumentos coercitivos da força de Estado e pelo terror da guerra.

Sobre o método da abordagem da questão

s intelectuais ou acadêmicos que se dedicam à compreen-são da lógica dos meios de co-

municação de massa sabem, ou deveriam saber, que a Comunicação Social provê so-cialmente normas, valores e atitudes para a existência cotidiana. A comunicação é transversal à vida humana, à sociabilidade e à civilização.

A Comunicação Social, como o con-junto de modos de produção e meios de difusão de mensagens, fornece o acesso ao mundo, mediando nossos ideários emocio-nais, existenciais e culturais. A permuta

de informação, via comu-nicação, enquanto ativi-dade propriamente dita – como modo de expres-são – é transversal a todas as atividades humanas, além disso, age e reage no ínterim de tudo, desde o código genético até o átimo da mais requinta-da imagem matemática do cosmos. É impossível imaginar alguma forma de conhecimento que prescinda de seu meio de

comunicação.A comunicação é a atividade humana

capaz de fazer agir conscientemente a geração de pensamentos (ou atividade-meio), como genuína produção de valor abstrato, e a geração de imagens simbólicas (ou atividade-fim), enquanto produção de éticas. A comunicação age e reage na dire-ção de replicar-se na atividade econômica das trocas simbólicas – como estética, ou harmonia das relações sociais – como ação capaz de transformar pensamentos em imagens e estas em artefatos ou ide-ários. Lógica, ética e estética são partes constitutivas e indissociáveis do ato de comunicar-se.

O

117Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

João Baptista Winck

A atividade do livre pensamento – a política – estava artificialmente des-vinculada das atividades do governo e da gestão social como formas de Co-municação.

Hoje, ao contrário, os paradigmas da Economia da Informação e Comunicação são funções essenciais da governabi-lidade. Daí advém a complexidade do design da comunicação, especialmente da comunicação audiovisual, como projeto ético da interação sociocultural e econômica.

O pensador contemporâneo depara-se com o sutil amálgama dos meios retóricos, dos meios coercitivos e das estratégias políticas aos meios de comunicação. O impedimento à liberdade de pensamento, no passado, vinha de fora, como exercício da autoridade coibindo a autoria. Hoje, esta interdição vem de dentro, como im-posição do ego do autor como expressão da autoridade constituída.

A autoridade contemporânea – ou a autoria das leis sociais e culturais – ex-pressa-se por meio da Comunicação Social, que passou a mediar e regular os poderes e suas formas de expressão e gestão social através da Indústria da Comunicação como parceira.

No método de análise aqui empregado, portanto, não se consideram a separação entre a indústria da comunicação, as ciên-cias da comunicação e o poder de Estado. Não pode haver teoria sem prática, tam-pouco crítica descolada, artificialmente, do seu objeto de análise. Não há comunicação sem pensamento proativo, tampouco sem meios de expressão.

Autor, meio e mensagens, enfim, são constitutivos da mesma equação. Consi-deramos que os meios e as linguagens, assim como os produtores de linguagem, seu pensamento articulado e seus instru-mentos de representação fazem parte de um único e indissociável complexo, ao qual chamamos de Comunicação enquanto Design de Relações.

Academia versus ca-deia produtiva: uma situação problemática

Tradicionalmente, a academia cos-tuma diferenciar a comunicação (como atividade humana) da comunicação como atividade econômica (ou atividade-fim). Neste tipo de abordagem, os filósofos, os pensadores, os cientistas, os sociólogos e críticos da cultura ficam de um lado, comunicando os “nobres pensamentos”, e os pobres trabalhadores da indústria da Comunicação Social ficam de outro, como vilões, pensando, produzindo e comunicando a “baixa cultura” ou o lixo cultural. Separar heróis (os teóricos) dos vilões (os práticos) – convém salientar – é o método da ficção narrativa. Tomar o método ficcional para construir e criticar o que chamamos de realidade é atividade retórica, manipulação política e, não raro, fraude da ética da autoria, visando interes-ses alhures ao Design de Relações sociais como objeto de estudo. Separar teoria de prática é dominação capciosa dos proces-sos de governabilidade das permutas de informações e da produção de mensagens. Não raro se pode observar essa retórica aplicada aos meios audiovisuais.

A governabilidade do real, ao contrário da ficção, demanda método de Comunica-ção estendido ao corpo social. Não se pode prescindir, atualmente, das tecnologias da informação audiovisual, que são responsá-veis diretas pelas ferramentas da interação social e dos conteúdos das mensagens que promovem, desde a gestão do tráfego nas cidades, das telecomunicações e da tele-fonia até a gestão das pesquisas de ponta sobre inteligência artificial etc.

Hoje parece absurdo, senão ardil, se-parar o “nobre”, produzindo informação verídica de um lado e de outro, o “perver-so”, produzindo comunicação de enredo. O nobre gerindo a pesquisa de base, o capataz gerindo a pesquisa especializada e o peão gerindo a pesquisa aplicada.

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Esse design de projeto acadêmico deve ser questionado às últimas conseqüên-cias. Inverter esta cultura institucional tampouco apresenta resultado satisfatório, pois estamos tratando dos dois lados da mesma moeda: a Comunicação, tanto como método quanto como ética das trocas simbólicas, quer seja na pesquisa de base, quer sejam nas pesquisas especializadas ou aplicadas!

O discurso acadêmico tradicional re-plica a dicotomia do herói-vilão colocando o pensamento científico e filosófico como sendo nobre atividade de comunicação, pautado numa ética “aceitável” (pois lida com a “verdade isenta”) e a produção de mensagens midiáticas no lado oposto,

como sendo atividade dos vilões sem nenhuma ética. Em última análise, o comu-nicador social, nesse tipo de argumento, é servil aos pro-pósitos dos dominantes da indústria da comunicação, porque fabricam “verdade de interesses”, ao que cha-mam de entretenimento de baixa qualidade ou cultura capciosa.

A hegemonia da Indús-tria da Comunicação no contemporâneo raptou do

pensador, do cientista e do educador seus aparatos retóricos, capazes de contrapor-se ao sistema dominante pela “crítica”. Quaisquer discursos, sejam ao vivo, em tele-presença ou publicado em livro, adaptaram-se à lógica, à ética e à esté-tica da Indústria da Comunicação. Não se pode mais tapar o sol da informação com a peneira das teorias sociológicas da comunicação. Estamos diante de um impasse: ou a academia aceita o método da indústria da comunicação ou corre o risco da incomunicabilidade. Há uma terceira via que é redimensionar o método da Comunicação Social visando ao bem comum, ao desenvolvimento sustentável

das comunidades e à inclusão dos produ-tores de mensagens.

Aqui interessa discutir a Comunicação Social, como princípio, isto é, como ati-vidade-meio. Não há filosofia, ciência ou cultura que prescinda de alguma forma de comunicação e hoje, mais do que nunca, tornou-se impossível pensar desvinculado dos métodos de difusão social, dos instru-mentos e tecnologias da informação e dos sistemas de produção da informação, seja em escala planetária, seja com o vizinho.

Entrementes, como atividade humana auto-reguladora, sabe-se que persiste uma profunda desconexão entre os nobres ideais da Comunicação, que se resumem à liberdade de pensamento, e a atividade profissional da Comunicação Social, que se restringe apenas ao permitido pelos proprietários da indústria da comunica-ção, em parceria estreita com os artistas, intelectuais, o Estado e os anunciantes.

Numa olhadela de relance, é possível observar que teoria e prática, no âmbito dos estudos da Comunicação, paradoxal-mente, buscam formar o profissional da comunicação para o mercado da Indús-tria da Comunicação – visto que não há outros mercados – ao mesmo tempo em que mascaram essa atividade sob a capa do discurso da “formação crítica”, muito comum na Universidade. Separar o crítico do produtor já é um equívoco. Daí surge uma pergunta de difícil resposta: o que vem a ser a formação crítica, no âmbito da Universidade? A maioria dos pes-quisadores e docentes da Comunicação demonstra não ter clareza desta questão ética de fundo.

O desenvolvimento de pensamento e ação crítica na Universidade tem como meta a manutenção de um espaço social não dominado pela força econômica do capital. O único objetivo da Universidade, portanto, é produzir pensamento e ação que coíba os excessos do capital. Sua missão é permitir que a sociedade tenha um espaço para poder produzir pensa-

A missão da Universi-dade é experimentar formatos e intervir

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João Baptista Winck

mento e se expressar à revelia do modelo instituído.

A missão da Universidade, nesse as-pecto, não é formar mão-de-obra “crítica” para as vagas da Indústria da Comuni-cação. Tampouco sua missão é criticar a produção do mercado que existe. A verdadeira missão da Universidade é, sobretudo, abrir novos espaços produti-vos, para além da concepção de mercado de trabalho, na direção de se conceber a Comunicação como instrumento de go-vernabilidade.

A missão da Universidade é experi-mentar formatos e intervir nos mercados, propondo mudança de valores e rupturas estruturais, a serviço do bem-comum.

Esta discussão, entretanto, requer uma longa e complicada ação no sentido de alterar a concepção lógica do processo administrativo da Universidade, que está pautado na burocracia draconiana e nos métodos arbitrários de ensino. Sabemos que as tecnologias de administração não estão a serviço das políticas de autogestão da comunicação e de governabilidade da pesquisa e experimentação.

Os instrumentos de gestão, espe-cialmente na Universidade Pública, são pautados na exclusão burocrática do exer-cício de autocontrole de desenvolvimento intelectual e crítico. A gestão pública, pela comunidade acadêmica, da informação que produz, bem como de seus processos de difusão social é atividade política e instrumento de controle de qualidade da massa crítica desenvolvida com financia-mento público. O desvio da burocracia, ao aplicar métodos de gestão autoritários, fazendo da comunidade científica apenas críticos estéreis, torna a administração do saber ineficiente do ponto de vista da comunicação, resultando num projeto pedagógico comprometido com os desvios da ética.

O projeto acadêmico da Universidade, ao contrário da gestão burocrática, deveria voltar-se para as questões da governabili-

dade e da gestão da comunicação científi-ca, da produtividade e sua responsabili-dade socioeconômica, visando à qualidade do design destas interações por meio das comunicações.

A formação acadêmica do Comunicador

A regulamentação dos cursos supe-riores de Comunicação Social no Brasil tornou obrigatório o equilíbrio entre as dis-ciplinas de fundamentação humanística e as de caráter profissionalizante. Definiu o currículo mínimo padrão e estabeleceu a exigência de equipamentos e laboratórios tecnológicos para o desenvolvimento de projetos experimentais. Com a regulamen-tação, as escolas de Comunicação Social ficariam comprometidas com o perfil do universo das Ciências Sociais Aplicadas, conforme classificação das agências de fomento à pesquisa.

Os Cursos Superiores foram articulados segundo a proposição de uma formação bá-sica, que disserta sobre as matérias das hu-manidades e uma formação especializada, enfocando os sistemas de comunicação e seus protocolos de produção de linguagens nas diferentes habilitações. Para aten-der à regulamentação, as Universidades cristalizaram projetos pedagógicos nos quais as disciplinas tidas como “básicas” seriam mais ou menos idênticas para todas as habilitações, enquanto que as disciplinas “específicas” seriam distintas, demarcando o território da habilitação correspondente.

Consolidou-se, assim, a separação en-tre “teoria” e “prática”, a partir do pressu-posto de que as matérias das humanidades tratariam das teorias críticas, enquanto que as disciplinas especializadas envolveriam a prática profissionalizante.

Entretanto a regulamentação do ensino superior da Comunicação Social não re-fletiu, e ainda nubla em certos aspectos,

a realidade cotidiana da formação acadê-

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mica do Comunicador. Os debates sobre a obrigatoriedade de diplomação e os altos custos financeiros para as Universidades acompanharem o ritmo frenético do mer-cado de trabalho obrigaram os cursos ao âmbito da discussão teórica dos processos de comunicação. A carência generalizada de recursos humanos e tecnológicos impe-de tanto a formação profissional adequada quanto a crítica experimental, que alude ao fazer comunicação propriamente dita (pesquisa, docência e extensão comuni-tária, simultaneamente).

Hoje o ensino e o aprendizado acadê-mico da Comunicação Social se situam no campo da reprodução de idéias prontas e o manuseio de precárias tecnologias,

ignorando-se o entendi-mento dos múltiplos lugares e papéis da Comunicação – ciência, técnica, teoria, arte, formação, instrumental etc. – nas novas realidades sociais perpassadas pelos meios e mensagens audio-visuais.

A revolução digital pela qual passa o universo das Comunicações Sociais, con-tudo, tem praticado uma realidade profissional dis-tinta do pressuposto gené-

rico para a formação do bacharel. Com o acelerado avanço da informatização dos processos produtivos e a migração dos sistemas analógicos para o sistema digital, as áreas de atuação do Comunicador têm experimentado profunda modificação nos seus pressupostos. A mais imprevisível destas transformações tem sido, sem dú-vida, a tendência de unificação dos modos de produção da informação nos meios de comunicação, no chamado fenômeno da hipermídia.

O exemplo da “crise” do Jornalismo pode esclarecer a questão. Enquanto a pro-dução da informação, no passado, requeria equipamentos articulados em sistemas

distintos – a produção do jornal impresso era profundamente diferente da realização do jornal audiovisual ou radiofônico –, as mídias digitais, ao contrário das analógi-cas, têm um modo de produção que tende ao amálgama, tanto das linguagens quanto dos equipamentos. O mesmo computador pode editar um audiovisual, um livro, um jornal, uma fotografia, um disco de música etc. e tornar esses produtos disponíveis na mesma tela. A distinção entre radialista e jornalista fica cada vez mais difusa. A distinção só se mantém, se aplicarmos o conceito de “produtor de verdades” para o jornalista e “produtor de ficção” para os radialistas.

O jornalismo audiovisual, antes dis-ponível apenas na TV analógica e no cinema, hoje está presente na Internet e, em seguida, na TV digital interativa. Para esse novo sistema de produção da notícia, a mesma mídia poderá tornar acessível texto, som e imagem, como um único produto. O jornal digital, portanto, será produzido por um tipo de profissional bastante distinto daquele atualmente for-mado pela Universidade. E, seja dito, não estamos falando de um futuro longínquo, mas de uma realidade que atropela o sis-tema de ensino.

Do ponto de vista do sistema de pro-dução da informação para a TV digital, o jornalismo impresso e o audiovisual tendem à fusão, iniciando outro formato e, quem sabe, outro gênero, distintos dos atuais. Sua diferença será estabelecida pela linguagem, de um lado e, por outro, pela demanda do mercado e solicitações dos usuários. O público poderá, ao toque de um botão, imprimir a parte textual do jornal audiovisual em sua estação de tra-balho, ou selecionar matérias relacionadas a ele num gigantesco banco de dados. Tal realidade já é presente na Internet e deverá se constituir como prática a partir, da consolidação do sistema digital de TV interativa. Seja como for, a sua efetivação como fenômeno social depende de duas

A distinção entre radialista e jornalista fica cada vez mais difusa

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João Baptista Winck

grandes variáveis. A primeira é a capaci-dade de formação de recursos humanos para levar à frente esse projeto sociológico. A segunda variável, mais complexa, é a capacidade de invenção de Design de Re-lações de comunicação capaz de encontrar respaldo tanto na pesquisa científica de vanguarda quanto nos profissionais da comunicação.

A nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Superior está atenta a essa re-alidade imperiosa. Promulgou um padrão básico para os cursos de Comunicação Social, contudo estabelecendo o objetivo de flexibilizar a elaboração dos projetos pedagógicos das Universidades. Esta flexibilização visa a atender à variedade de circunstâncias geográficas, político-sociais e acadêmicas, como também se ajustar ao dinamismo da área e viabilizar o surgimento de propostas pedagógicas inovadoras e eficientes.

A flexibilização dos projetos pedagógi-cos, na prática, significa que as Universi-dades têm autonomia para propor alterna-tivas curriculares visando aos projetos de desenvolvimento regionais, não só para a formação de um novo tipo de profissional das comunicações, mas, sobretudo, para dar rumo cientificamente coerente para o mercado da Comunicação.

O desafio que está colocado não diz respeito apenas à alteração da grade cur-ricular. Refere-se à mudança estratégica de paradigma ético, científico e tecnológico. Trata-se de uma alteração do Design de Relações audiovisuais.

O viés dessa reordenação curricular vem considerar a importância dos meios de comunicação como agentes fundamen-tais nos processos de criação e circulação do conhecimento e da cultura comunitá-ria, por meios eletrônicos de Comunicação Social, bem como as complexidades ad-ministrativas decorrentes dessa situação pedagógica nova.

Porém as dificuldades da implantação de um novo tipo de projeto pedagógico

para a Comunicação (audiovisual e ce-lular digital) na Universidade não são apenas retóricas, administrativas ou de ordem econômica. Os modos de produ-ção e de circulação do conhecimento no paradigma dos meios eletrônicos diferem radicalmente das tecnologias da cultura letrada, hegemônica na escola. Enquanto o paradigma letrado, entre outras estratégias retóricas, privilegia o trabalho solitário de autoria, a produção do saber por meios eletrônicos é promovida em equipes in-terdisciplinares.

A ciência em humanidades não cul-tivou o hábito da pesquisa coletiva, di-ferentemente das áreas das exatas ou das biomédicas. Esse é um dos principais pro-blemas que as Ciências da Comunicação devem superar. Por outro lado, o estudo da comunicação deve estabelecer um método próprio de gestão, diferente do método advindo das ciências duras. Muito embora, em alguns aspectos, a mídia eletrônica se assemelhe ao laboratório de ciências experimentais, seu modelo relacional, suas formas de sistematização da informação, as maneiras de processamento e seus re-sultados não encontram paralelo na lógica da produção clássica do conhecimento. O método acadêmico segue o paradigma da autoria intelectual, mas o paradigma da comunicação assenta-se na autoridade da produção em linha de montagem indus-trial e distribuição em escala.

Um projeto pedagógico adequado para a formação superior do profissional das Comunicações Sociais encontra históri-ca resistência no interior da corporação acadêmica, sobretudo porque, segundo o pensamento tradicional, a chamada indústria da cultura, do entretenimento e do lazer, na qual o comunicador atua prioritariamente, é vista como nociva ao projeto social que a Universidade supostamente defenderia. Entretanto, a comunicação na Universidade é práxis transversal à missão de irradiação do sa-ber e, paradoxalmente, são rechaçados os

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instrumentos e métodos da comunicação como prática do pensamento.

Nesse aspecto, superar esse paradoxo da cultura institucional, em todos os ní-veis da administração escolar, tem sido o maior desafio, como também o maior entrave à consolidação de um projeto pedagógico que realmente atenda às ex-pectativas da Comunicação audiovisual contemporânea.

Panorama do ensino do audiovisual no Brasil

No Brasil, dos 280 cursos superiores de Comunicação Social em atividade apenas 37 Universidades oferecem formação em

audiovisual. Pouco menos da metade da oferta – dezoi-to cursos superiores – estão sob responsabilidade de Universidades públicas, das quais doze são instituições federais, cinco estaduais e uma municipal.

Ao contrário do que os críticos alardeiam, boa parte do ensino de audiovisual, em particular da TV, tem sido tarefa do Estado, por meio das Universidades públicas.

Tanto a legislação, a gestão das conces-sões públicas, as normas de organização do mercado e da categoria profissional, como também o controle da programação e parte da formação de recursos humanos para a TV, estão sob a batuta do Congresso Nacio-nal e a responsabilidade da comunidade científica mantida pelo Estado.

Embora a produção de audiovisuais no Brasil, em grande medida, seja realizada pela iniciativa privada, de fato a televisão brasileira é tratada como questão de Es-tado. Somos um dos países com o maior número de canais estatais, tanto na TV aberta (Rede Cultura e Rede Brasil de TVs Educativas) quanto na distribuição a cabo

(TV Senado, TV Câmara, TVs comunitárias e TVs universitárias).

Se observarmos bem o mapa da dis-tribuição, por região, das Universidades que capacitam recursos humanos para a TV brasileira encontraremos, entretanto, algumas perguntas políticas intrigantes. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, está a sede da maior rede regional de TV – a Rede Brasil Sul de Telecomunicações, afi-liada das Organizações Globo. De todas as televisões comandadas pela Rede Globo, a televisão gaúcha é a que tem mais horas de produção local. Só recentemente começou a funcionar os cursos de Radialismo no Estado, todos alocados em três cidades do interior, embora o mercado seja cen-tralizado na capital. Se analisarmos a rede gaúcha toda, que engloba os Estados de Santa Catarina e do Paraná, somente três Universidades formam em SC e três no PR, mas há apenas uma Universidade privada em Curitiba. Convém lembrar que a região sul não tem Universidades públicas que ofereçam formação em audiovisual.

Já os Estados do Rio Grande do Norte e Sergipe, cujas produções audiovisuais comerciais são inexpressivas em termos nacionais, possuem três Universidades públicas. O RN tem uma federal e outra estadual e Sergipe tem uma federal. Ne-nhuma delas tem TVs Universitárias em pleno funcionamento.

As faculdades de Comunicação Social dos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Rondônia, Roraima e Tocantins não oferecem habilitação em produção audiovisual, embora todos os Estados possuam suas redes de TVs regionais, TVs comunitárias e TVs abertas, afiliadas às redes nacionais, produzindo, por força da Lei das Comunicações, suas programações denominadas locais.

O Distrito Federal fortaleceu-se como pólo produtor de TV estatal, a partir da concentração das programações da TV Câmara, da TV Senado e da futura TV Brasil Internacional. Desde a inauguração

A ciência em humanida-des não cultivou o hábito da pesquisa coletiva

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João Baptista Winck

da Universidade Nacional de Brasília, em 1962, o DF oferece os cursos de redator em jornal, rádio e televisão. Apenas uma Universidade privada oferece curso de Radialismo na capital federal. Sendo um pólo produtor em expansão, a defasagem entre a oferta e a procura de mão-de-obra qualificada cria um gargalo que tende à concentração e ao fisiologismo, impedin-do ou retardando o movimento rumo à expansão dessa nova economia da infor-mação audiovisual.

A grande oferta de cursos universitá-rios encontra-se no eixo Rio/São Paulo. O Rio de Janeiro é considerado nossa Hollywood nacional. É a sede de uma das maiores empresas privadas de audiovisual do mundo e da maior rede de TVs Edu-cativas do Brasil, além dos outros canais regionais e comunitários. Entretanto, ape-nas sete Universidades oferecem formação superior em Radialismo no Rio, das quais duas são federais e cinco particulares. Para se ter uma idéia da demanda, só na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2003, foram cinco candidatos por vaga, numa média de 30 vagas oferecidas pela instituição.

São Paulo, em termos numéricos, é o maior pólo de produção audiovisual do país. Grande parte das produtoras inde-pendentes está sediada na capital, assim como as sedes da maioria das redes de TVs abertas do país tem seus estúdios em São Paulo. O estado de São Paulo é o recordista em oferta de cursos de Radialismo. Ao todo são 12 Universidades privadas e cinco Universidades públicas – uma federal, três estaduais e uma municipal – totali-zando 17 instituições que têm cursos de Comunicação Social com habilitação em audiovisual.

Sobre a demanda, na FAAC – Faculda-de de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em 2005, a procura foi de 13,6 candidatos por vaga, numa média de 30 vagas ofere-cidas pela instituição. Hoje temos mais de

dois mil alunos nos cursos de Radialismo no Estado de São Paulo. Paralelamente, convém lembrar que a produção de apenas uma novela de primeira linha para TV envolve mais de dois mil profissionais na sua realização e difusão.

Tanto na capital, quando em cidades de porte médio do interior, como Bauru, Campinas e São Carlos, todas com pro-dução local bem expressiva, há Univer-sidades públicas que oferecem formação em audiovisual, entretanto, essas cidades ainda não têm TVs Universitárias em ple-no funcionamento.

Embora o Brasil seja um dos cinco maiores produtores de TV do mundo, o desenvolvimento da ciência, tecnologia e artes do audiovisual ainda é inexpressiva nos programas de pós-graduações. Não se tem no Brasil uma pós-graduação voltada exclusivamente para a pesquisa científi-ca em televisão. O radialista que deseja aprofundar os estudos e seguir carreira acadêmica de pesquisa e docência, só encontra espaço nas áreas mais amplas como a das Ciências da Comunicação, Informação e Semiótica, Comunicação ou Multimeios.

Até hoje não é possível encontrar nenhuma pesquisa sistematizada sobre os dados, sejam qualitativos ou quanti-tativos, de pesquisa pós-graduada em TV. Sabe-se, vagamente, da existência de pouco mais de dez radialistas com doutorado concluído.

A área da pesquisa em cinema, só para colorir com um exemplo, embora o cine-ma nunca tenha vingado como indústria sedimentada no Brasil, já produziu 339 Dissertações de Mestrado, 126 Teses de Doutorado e 11 Teses de Livre docência na área. Dessa massa crítica, apenas 70 trabalhos, 64 no Brasil e 6 no exterior, foram publicados em livro, segundo a pesquisa “Um balanço sobre o cinema brasileiro na Universidade”, realizada pela equipe do site Mnemocine, especializado na pesquisa e produção de cinema.

Reflexões sobre a pesquisa e o ensino...

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É grande o conjunto de desafio para formação de especialista em audiovisual. Um deles é o de conseguir fixar, nas cida-des fora do eixo de produção industrial, uma equipe de professores, pesquisadores, produtores de TV e técnicos instrutores que, além de suas atividades docentes e laboratoriais, colaborassem na progra-mação das TVs locais e regionais. As Universidades fora do “eixo” encontram dificuldades para atrair um número su-ficiente de professores qualificados nos centros acadêmicos do país.

Entretanto, convém lembrar que o pro-dutor de audiovisuais não lida apenas com objetos da cultura, mas, sobretudo, com os sujeitos do conhecimento. Portanto,

sua atividade profissional é essencialmente mais políti-ca do que econômica. Antes de ser estética ou lúdica, sua atuação visa uma ética social.

O maior desafio, nessa direção, é o de manter atu-alizados os métodos e estra-tégias de produção audiovi-sual, sempre em constante sofisticação tecnológica e artística, por meio da co-operação de instituições nacionais e estrangeiras,

principalmente no campo da ciência e tecnologia do audiovisual, bem como para o financiamento dos laboratórios, equipa-mentos e bibliotecas.

Linhas gerais de um projeto pedagógico para o século 21

O ensino e a pesquisa das Ciências da Comunicação, em particular na linguagem audiovisual, complementam-se com a ex-perimentação de modos, meios e formatos midiáticos. Isso porque a epistemologia, os objetos de estudo e o estado da arte da Comunicação Social estão em constante

processo de autoconstrução e re-elabora-ção, fruto das complexidades políticas, culturais e tecnológicas que os animam.

A prática acadêmica da Comunicação, nesse sentido, deve ser capaz não só de aprender a aprender, mas, especialmente, saber gerir os efeitos de sua influência no Design de Relações dos processos sociais, estes em constante tensão entre interesses desiguais, porém combinados, a maioria deles difusos.

A formação universitária do cientista, do profissional, do tecnólogo e do artista para a cadeia produtiva de valor multidis-ciplinar que a informação e a comunicação engendram, deveria ser articulada em função das seguintes considerações:

1. O Projeto Acadêmico é um Design de Relações no qual o ensino e a pesquisa da Comunicação Social volte-se à formação do pensador, do criador, do realizador e do divulgador desses objetos simbólicos, responsáveis pela promoção e irradiação de cultura, informação, educação e entre-tenimento para uma sociedade plural, justa e democrática.

A meta do Projeto Acadêmico, nesse design, deve ser a formação de lideranças em políticas culturais, de cientistas, espe-cialistas, realizadores, artistas e técnicos nas áreas de abrangência da cultura audio-visual, como bacharelato em Comunicação Social.

Seu objetivo, portanto, deve ser a promoção de meios de acesso ao apren-dizado da cultura audiovisual, visando formar massa crítica, produtos e produ-tores capazes de formatar o mercado da Comunicação Social, na via da diversidade cultural, e não, como vem acontecendo, ser formatado pelo mercado, sempre a reboque da indústria da comunicação.

2. O Projeto Pedagógico é o instrumen-to com o qual as metodologias, didáticas e estratégias curriculares consubstanciam a implementação das metas do Projeto

Antes de ser estética ou lúdica, sua atuação visa uma ética social

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João Baptista Winck

Acadêmico. Portanto, a estrutura das ati-vidades acadêmicas deve ser assentada no princípio da flexibilização dos métodos pedagógicos e na diversificação da oferta de atividades didáticas que o Projeto Pe-dagógico engloba: conhecer as linguagens e operá-las tecnicamente; saber recriar representações e lidar com sistemas sim-bólicos que formatam a cadeia produtiva da indústria da comunicação.

Os tópicos de estudo deverão pautar-se no equilíbrio entre a oferta de disciplinas acadêmicas, as atividades complementa-res e as estratégias de aproveitamento de repertórios, autodidatas ou não, adquiridos pelo estudante. O que caracteriza esse equilíbrio é a perspectiva da familiaridade com os diferentes sistemas de produção e de interação sociais aplicados aos pro-cessos de planejamento e intervenção no mercado de objetos e de signos.

A dinâmica pedagógica e didática, nesse Design de Relações, estará assentada no princípio da liberdade de escolha do es-tudante para selecionar, do rol de discipli-nas, atividades complementares e outras estratégias de aprendizagem, aquelas que contemplem seus interesses de formação e de habilidades profissionais.

3. O Projeto Comunitário deverá ofere-cer atividades complementares à estrutura curricular, de modo a proporcionar ao estudante instrumentos acadêmicos de re-lacionamento com a realidade profissional em particular e com a situação genérica do estado da arte da Comunicação Social, no que diz respeito à economia e às políticas públicas nesta área de conhecimento. O Projeto Comunitário articula, na realidade cotidiana da escola, o Design de Relações estabelecido no Projeto Pedagógico.

4. O Projeto Cultural pressupõe o estímulo à formação de círculos de parceiros de trabalho, na perspectiva de composição de futuros grupos de pesquisa e experimentação, por meio do incentivo

às relações interpessoais de cordialidade, solidariedade e parcerias intelectuais. O Projeto Cultural deverá superar as políti-cas públicas que privilegiam o isolamento, a imposição de dificuldade no trânsito de saberes e práticas e, sobretudo, o estímulo ao trabalho individual em detrimento da produção coletiva e interdisciplinar.

O desenvolvimento das forças produ-tivas aponta para o trabalho em grandes equipes interdisciplinares, elaborado e discutido nas redes digitais de comuni-cação e informação. A figura do pesqui-sador-produtor solitário é anacrônica e pouco funcional para a criação de objetos de comunicação na atualidade. O pressu-posto do Projeto Cultural, nesse sentido, deve resgatar a dinâmica de formação de grupos de opinião, de equipes de discus-são, de parcerias inventivas capazes de se articularem em torno de temas candentes e para eles procurar soluções originais.

O resgate da efervescência científica e cultural na Universidade passa pelo investimento num Projeto Cultural que pri-vilegie estratégias de intersubjetividade, de intertextualidade e de interatividade. A coerência do Projeto Acadêmico ancora-se no pressuposto do Projeto Cultural, como estratégia pedagógica e didática de forma-ção de lideranças, item indispensável no perfil desejado para o egresso.

5. O Projeto de Desenvolvimento Regional pressupõe que a formação de recursos humanos, intelectuais e tecno-lógicos seja voltada para a capacidade de intervenção na realidade social, política e econômica no sentido de transformá-la. Para tanto, o Design de Relações do Projeto Acadêmico, do Pedagógico, do Comunitá-rio e do Cultural se completa em função de um Projeto de Desenvolvimento Regional cuja perspectiva seja a de constituir pólos culturais capazes de absorver e promover os recursos gerados na Universidade.

O Projeto de Desenvolvimento Regio-nal deve pressupor poder acionar esses re-

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cursos à disposição da comunidade e, em contrapartida, mobilizar a comunidade em torno dos produtos da Universidade, fazendo interagir os meios, os processos e propósitos.

Além disso, o Projeto de Desenvol-vimento Regional pressupõe a interação com o Ensino Médio, como também com a Pós-Graduação. A relação com o primeiro se dá absorvendo recursos humanos de nível médio para a Comunicação Social. A relação com a Pós-graduação se dá na medida em que o egresso tem a opção de dar continuidade aos estudos de Gradu-ação, engajando-se num dos programas de estudos Pós-graduados oferecidos pela Universidade. O Projeto de Desenvolvi-

mento Regional, portanto, pressupõem uma sólida arti-culação vertical e horizontal entre o sistema de ensino e o sistema produtivo e seus re-sultados no sistema cultural e político.

6. O Projeto Tecnológico é compreendido como des-dobramentos da infra-estru-tura dos projetos anteriores, pressupõe a intervenção da Universidade tanto na formatação do mercado de

trabalho da Comunicação Social quanto na sua participação ativa na construção deste mercado. O Projeto Tecnológico é o suporte quer seja fornecendo recursos para a comunicação, quer seja organizando e ordenando ou reinventando os fluxos da informação. O papel tecnológico da Universidade é absorver e canalizar re-cursos para constituição e fortalecimento

de novos mercados regionais ou locais, compreendidos como Pólos Culturais de Desenvolvimento das comunicações e suas interfaces, pelo uso de recursos de multimídia. O Projeto Tecnológico, para além do simples provimento de máquinas, ferramentas e insumos, deve ser com-preendido como estratégia de interação midiática e mobilização da comunidade, interna ou externa, visando intervir na ló-gica da técnica, em estreita sinergia com as dimensões do acadêmico, do pedagógico, do comunitário e do cultural, na via do desenvolvimento regional sustentável e socialmente responsável.

Esses projetos políticos que animam a tecnologia e o sistema social como um todo, devem configurar uma perspectiva de retornar à sociedade o investimento, as expectativas e os sonhos que ela projeta na Escola.

O grande desafio imposto pelas tecno-logias da informação às Ciências da Co-municação é o de rever seus pressupostos sobre produção de conhecimento midiáti-co. A academia é convocada a re-aprender seus métodos de descoberta, sistematiza-ção e acesso ao saber acumulado, enquanto pedagogia dos modos de vida.

Todos que estudam a Comunicação Social acabam concordando que o saber e o poder são duas faces de uma mesma questão: quem decide o que é saber, e quem sabe o que convém decidir. Para o cientista da Comunicação, mais do que nunca, o estatuto do saber na atualidade tornou-se uma questão de Estado, um problema de governo e uma complexidade contradi-tória para o sistema de ensino, que deve aprender a lidar com eles com elegância, graça e responsabilidade.

A academia é convoca-da a re-aprender seus métodos de descoberta

Resenhas

Volume 5 - Nº 2 - 2º sem. 2005

Resenhas

Liráucio Girardi JúniorDoutor em Sociologia pela FFLCH-USP

Docente da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Mimese: possibilidades de produção de sentido

GEBAUER, Gunter; WULF, Christoph. Mimese na Cultura: agir social, rituais e jogos, produções

estéticas. São Paulo: Annablume, 2004.

omo o próprio título sugere, em Mimese na cultura, Günther Gebauer e Christoph Wulf,

pesquisadores do Centro de Antropologia Histórica de Berlim, destacam a centrali-dade que a noção de mimese pode ocupar na compreensão da produção estética, do consumo cultural, das práticas educacio-nais, dos processos de socialização, enfim, daquilo que podemos chamar de trocas simbólicas.

O subtítulo (agir social, rituais e jo-gos, produções estéticas) traduz, ainda, a importância dada à práxis, ao pensar as produções estéticas e os processos de produção de sentido – as trocas simbó-licas – como ação e ao interpretar o agir social carregado de sentido como uma experiência ritual que se aproxima de um jogo. A utilização da imagem do jogo é

C fundamental para que os autores possam resgatar da mimese a sua identificação com os processos de imitação e, ao mesmo tempo, com a capacidade de invenção e criação humanas. Essa postura coloca-os em constante diálogo com questões levan-tadas pelas teorias da recepção, hermenêu-tica, filosofia da linguagem, pragmática e a teoria da prática de Pierre Bourdieu.

Depois de apontar a ambigüidade que a expressão mimese adquire no pensamento ocidental antigo e moderno (no campo das artes plásticas, na educação, na análise dos processos de socialização, na literatura, na filosofia, nas artes cênicas), os autores procuram justamente fixar essa tensão nos seguintes termos: é a mimese que mantém o vínculo entre a representação e o corpo nos processos de produção de sentido (semiosis), mesmo quando se trata de

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Mimese: as possibilidades de produção...

representações mediadas.Os autores dedicam boa parte do

trabalho à identificação de uma espécie de jogo mimético que a literatura pode estabelecer, quando desenvolve a repre-sentação do tempo na narrativa. Com isso, procuram entender como a literatura pode servir de referência às ciências sociais na compreensão das práticas sociais, com o estabelecimento de múltiplos planos de percepção social desse tempo. A literatura e suas “marcações temporais”, carregadas de significado, permitem uma representa-ção do sentido do tempo mais complexa, mobilizando esquemas de recepção muito particulares nos leitores.

Ao explorarem as possibilidades inter-pretativas da mimese no entendimento da produção social de sentido e ao indicarem as formas pelas quais as experiências cor-porais transformam-se em esquemas de percepção e representação de si mesmos e do outro, procuram entender o processo complexo presente nos atos de reconhe-cimento, troca simbólica e imaginação. É impossível não perceber o diálogo direto com a teoria da prática de Pierre Bourdieu e a sua noção de habitus – esquemas gera-dores de ações/representações, esquemas de percepção e apreciação do mundo, obtidas na experiência mimética com o mundo social. A arte das relações sociais e da comunicação é necessariamente a arte das formas. A produção de sentido é a produção de formas mobilizadoras de sentidos mais ou menos conhecidos e reconhecidos que se assemelham a um jogo, isto é: não importa necessariamente o que é dito, se não sabemos por quem é dito e em que condições.

Esses esquemas geradores garantem a representação e reprodução imagética das práticas sociais e, ao mesmo tem-po, apresentam-se como apropriação e recriação possível àqueles que a elas se submetem. A “aproximação mimética”, a “capacidade mimética” da imaginação acaba mobilizando esquemas de percep-

ção e apropriação que não apenas acionam mecanismos de reconhecimento das ações e de seu sentido, mas ao mesmo tempo mobilizam novas interpretações, novas apropriações criativas.

Tomar a produção de sentido como um jogo permite entender que a produção de sentido está ligada à ação, e a ação, de alguma forma, envolve a presença do corpo dos indivíduos. Logo, as disposições sociais que carregamos encontram a sua tradução em disposições corporais, produ-zindo uma espécie de sentido em atos.

Personificação (entendida como apro-priação e criação pessoal) e objetivação são partes da experiência mimética. Re-cebemos um mundo carregado de sentido enquanto somos obrigados a nos apropriar dele, a fazer dele o nosso mundo.

A identificação da mimese como um instrumento compreensivo das práticas sociais traz importantes conseqüências para o entendimento dos processos de socialização e educação. A socialização em um mundo que depende cada vez mais da imagem ou de experiências e narrativas mediadas por algum tipo de tecnologia de comunicação exige a elaboração de cate-gorias de pensamento capazes de mostrar como e em que condições a produção social de sentido se dá e como se vincula ao mundo sensível das experiências coti-dianas. Trata-se da objetivação do sentido, da sua produção como instituição.

Num mundo marcado pela expansão considerável das representações mediadas em condições sociais, tecnológicas, eco-nômicas e políticas muito particulares, a produção das semelhanças no mundo das imagens, do tempo, das práticas sociais pode adquirir a condição de simulação. O risco de autonomização dessas imagens, apontado com preocupação pelos autores, consiste justamente no momento em que se produz um descolamento com o mundo da experiência mimética.

Finalmente, embora os autores desta-quem que as imagens são produzidas em

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Liráucio Girardi Júnior

estratégias do poder, há pouco desenvol-vimento no livro sobre as conseqüências dessa constatação. É preciso pensar se os processos de reprodução, reapropriação e recriação não estariam sujeitos a controle social, o que levaria a introduzir como central na noção de mimese a questão da

violência simbólica, dos conflitos, da do-minação, do poder e das instituições.

Mimese na Cultura apresenta pontos de discussão interdisciplinares muito importantes para aqueles que se con-centram na questão da produção social de sentido.

Volume 5 - Nº 2 - 2º sem. 2005

Resenhas

Marlene FortunaDoutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Docente da Faculdade Cásper Lí[email protected]

A iconografia e seus significadosFABRIS, Annateresa; KERN, Maria Lúcia Bastos (Orgs.).

Imagem e conhecimento. São Paulo: Edusp, 2006.

m plena era da globalização, de onde emergem a sociedade do espetáculo e do entretenimento,

vemos – entre o bulímico e o fóbico – um turbilhão de imagens produzidas em mas-sa. Decreta-se assim a manifestação de um lamento profundo, flagrado ao tomarmos consciência de que engolimos imagens de toda ordem, sem que tenhamos tem-po de processá-las cognitivamente. Elas emanam signos carentes de codificação porque falam, encantam e transformam o humano em refém e cobaia de um chafariz de cores, sons, palavras, apelos e formas. “Um chafariz mágico!”

As imagens tornam-se cada vez mais invasivas e enquanto não nos prepararmos para uma alfabetização visual tão ou mais profunda que a alfabetização verbal, perma-neceremos “bodes expiatórios” da sedução

E das imagens. Somos hoje, seres passíveis à fetichização que elas propalam.

Seu outro lado é demasiado benéfico: as imagens são professoras da vida! O que se pode aprender com elas, nos diversos ramos da ciência, da religião e da arte, não tem fim. Caminhando, com enorme rapidez à frente das palavras, as imagens não somente as representam, como ofe-recem um farto repertório de leitura ao saber humano.

São sobre estas reflexões que as organi-zadoras do livro Imagem e conhecimento, Annateresa Fabris e Maria Lúcia Bastos Kern trabalham. Reuniram artigos que abordam o conhecimento que as ima-gens, priorizando as artísticas, podem transmitir.

Conhecimento aqui entendido como ampliação do repertório cultural; cons-

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A iconografia e seus significados

trução de instrumentais cognitivos e sensíveis para o aguçamento da percepção cosmovisual; influência nos hábitos, cos-tumes e comportamentos das civilizações; reflexões sobre os intercâmbios entre a imagem e as diversas áreas do aprendiza-do humano: a imagem na arte, a imagem na religião, a imagem na ciência, a imagem na sociedade, imagem e filosofia, ima-gem e antropologia, imagem e semiótica, imagem e cibernética, imagem técnica fotográfica, imagem técnica computadori-zada, imagem na mídia, imagem pictural, imagem tridimensionalizada produzida com a mão do artista e também aquela construída com a mediação da máquina, imagem da arte além de sua aparência – “olhar exorbitado”, imagem na política, imagem hologramática, imagem na estética contemporânea e ainda, a imagem ausente: iconoclastia – como seria o mundo, a vida e o viver, sem imagens?

Os autores e seus respectivos ensaios, elencados na composição deste livro, são: Imagem manual: pintura e conhecimento, Maria Lúcia Bastos Kern; A arte e o Cris-tianismo, Alain Besançon; Arte e ciência: funções do desenho em Leonardo da Vinci, Daniel Arasse; Pensamento por imagem, pensamento dialético, pensamento alte-rante: a infância da arte segundo Georges Bataille, Georges Didi Huberman; A arte de exorbitar o olhar: sobre a parábola dos ce-gos de Brüegel, Jean Lancri; Conhecer, do-minar, pintar em uma obra americana do século XVIII, Gabriela Siracusano e Marta Penhos; A imagem técnica: do fotográfico ao virtual, Annateresa Fabris; A superfície fotográfica, Mario Costa; Quando a foto-grafia (já) fazia os antropólogos sonharem: o jornal La Lumière (1851-1860), Étienne Samain; Quadros de história pátria: fo-tografia e cultura histórica oitocentista, Maria Inez Turazzi; Realismo: duas visões confluentes, Annateresa Fabris e Mariaro-saria Fabris; A imagem da imagem e sua diferença, Paolo Bertetto; A nova górgona ou o céu do processo, Stéphane Huchet;

Idiotice e esplendor da arte atual, Mario Perniola; Sintetizar imagens, Vilém Flus-ser; A questão da representação na holo-grafia, Eduardo Kac; Projeto OPUS: uma aproximação à intercriação de imagens digitais, Carlos Fadon Vicente.

Os autores, especialistas em iconogra-fia e seus significados, distribuem-se entre brasileiros, franceses, italianos e argenti-nos. Os ensaios pontuam estudos sobre relações inter, intra e entre imagéticas e argumentações acerca da imagem “para-da” (pintura) e da imagem em movimento (per) – diferentes formas de cinetismo: na primeira, o movimento é subliminar e na segunda, o movimento é declarado. Ambas geradoras de conhecimento e sentidos pró-prios. Denotação e conotação da vibração das imagens.

É pertinente afirmar que o eixo central dos artigos incide na análise da imbrica-ção entre a imagem manual e a imagem técnica, de uma vez que a primeira fez história por milhões de anos e a segunda, bem mais recente, é fruto da irrupção de instrumentais contemporâneos velozes, audazes e ousados: laiser, neon, fractal, ciberespaço, ciberpunk, hacker, arte em rede, cibercultura, hipermídia, interface, imagem virtual etc. Ambos os eixos icono-gráficos – o manual e o técnico – se encar-regam de trazer à percepção as diferenças de conhecimento que produzem.

Sendo intrínseca a relação entre ima-gem e conhecimento, o leitor é presentea-do com problematizações sobre a expansão do ato de conhecer que este diálogo ofere-ce. São as linguagens da estética clássica dialogando com as linguagens da estética eletrônica e suas inovações tecnológicas. A maior parte dos autores revela em seus ensaios que as estéticas imagéticas ema-nam, além de conhecimento, dispositivos próprios e irredutíveis a qualquer outra possibilidade. Uma imagem pictural abs-trata – moderna –, por exemplo, contém códigos próprios de leitura, submetidos a um aprendizado específico: re-alfabe-

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Marlene Fortuna

tização visual do Abstracionismo. Os instrumentais de análise aprendidos nesta re-alfabetização, em nada têm a ver com os parâmetros repertoriais que o fruidor deve ter frente à leitura da imagética re-nascentista do século XVI, por exemplo, de absoluto rigor quanto a seu cânone maior: a representação perfeita, completa e mimética da realidade exterior comu-mente legível, através do domínio técnico da perspectiva.

Há várias formas de se adquirir conhe-cimento. Uma delas consiste na decodifi-cação do texto gestor desse saber. Alguns ensaístas do livro defendem, com muita propriedade, que um texto não é produzi-do somente por palavras escritas ou orais, pois a textualidade tem suportes plurais. Imagem pictural, portanto, também é texto: texto iconográfico, texto arquitetural, texto musical, texto escultural, texto cenográfico, texto sonoro etc. Além disso, dependendo do suporte de onde ele advém, a qualidade de leitura e a apreensão de conhecimento podem variar do extraordinário ao insig-nificante, do maravilhoso ao aberrante, do requintado ao simplório, da nobreza de estilo a mediocridade. No caso da imagem não-verbal, exatamente a que o livro se refere, a dimensão da intertextualidade imagética é talvez mais significativa do que se a referência incidisse apenas sobre a intertextualidade verbal. Defesa essa percebida nas entrelinhas dos artigos mais

relevantes: é o texto visível se imbricando ao audível, o tátil ao gustativo, o verbal ao oral, o hologramático ao ideogramático, que por sua vez se imbricam ao midiático, ao computadorizado, ao tecnológico, ao eletrônico, etc. Eis as fissuras do rosto da contemporaneidade.

Imagem e conhecimento, organizado por Annateresa Fabris e Maria Lúcia Bastos Kern é leitura imprescindível para teóricos, artistas e intelectuais que têm na imagem o marco referencial de seus estudos. E para todos aqueles que, “assus-tados” com o fenômeno da imediaticidade, da descartabilidade e da evanescência na era globalizada, propõem-se a discutir o lugar da técnica e do conhecimento no pensamento estético iconográfico.

Restam-nos algumas indagações, cons-truídas após o prazer de ter resenhado este livro: será que, assim como tudo, imagem e conhecimento também passam por nós demasiadamente apressados no mundo atual? Quanto à primeira, temos certeza. Mas, e quanto ao conhecimento que nos parece ser aquisição sólida e imperecí-vel? Ele permanece, amadurecendo em nossa personalidade, transforma-se com o tempo, ou desaparece de nosso alcance contaminado também pela fugacidade dos tempos pós-modernos? Mas então, se até o que é indestrutível parte de forma tão rápida, o que fica hoje, de fato, em nossas mentes e corações?

Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Resenhas

Eliany Salvatierra MachadoMestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP

Docente da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Reinterpretando a recepçãoSOUSA, Mauro Wilton de. (Org.). Recepção mediática e

espaço público: novos olhares. São Paulo: Paulinas, 2006.

auro Wilton de Sousa foi um dos primeiros pesquisadores a assumir que o campo da co-

municação necessitava mudar a forma de olhar, ou seja, mudar a forma de analisar o processo da comunicação e a interpre-tação sobre a recepção. Para isso, seria necessário não só mudar o foco, mas rever os pressupostos que orientam o olhar, no caso, o próprio pesquisador e o objeto pesquisado.

O pensamento hegemônico no campo da comunicação que orientava um núme-ro significativo de pesquisas no início da década de 90 compreendia que a recepção era o lugar de chegada, do processo da comunicacional. A mudança do olhar exigiu no campo da comunicação não só ousadia, mas sensibilidade para perceber a existência de um sujeito escondido atrás

M do conhecido receptor. Não é a toa que o nome do seu primeiro livro foi Sujeito, o lado oculto do receptor.

A sensibilidade de Sousa nos pre-senteia atualmente com um novo livro. Apresentando não somente suas reflexões como também de jovens pesquisadores que somam-se a esse novo olhar sobre o processo comunicacional. Reconhecer a importância de Sousa na comunicação é valorizar a trajetória de alguém que tem coragem de ousar, de ver o outro e princi-palmente de mudar.

Nesta perspectiva, a publicação, Recepção mediática e espaço público: Novos Olhares busca compreender, na contemporaneidade, o papel social da comunicação, bem como os fatores que agregam significação as suas práticas. Segundo Sousa, entre as muitas questões

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Reinterpretando a recepção

atualmente estudadas na Comunicação, duas continuam sendo instigantes e com-plexas: a significação das tecnologias que instrumentalizam a comunicação como processo social e as significações do con-texto histórico e sociocultural. Os estudos sobre o processo relacional que envolve as pessoas e os media, denominado de campo da recepção mediática, reflete sobremodo essas preocupações.

O novo livro organizado por Sousa, “busca, a partir da cultura e de suas prá-ticas, dimensionar a relação das pessoas diante da vida e dos media, mais do que apenas entendê-las na reprodução dos valores dos sistemas emissores” (Sousa: 2006).

Análises sobre as práticas de recepção midiáticas são constantes no campo da Comunicação. No entanto, a proposta do trabalho de Sousa, no primeiro texto da coletânea, A recepção sendo reinterpreta-da, tem como objetivo revelar uma análise das práticas de recepção mediática de um outro lugar, de uma outra abordagem teórica e conceitual. Para isso o autor faz a discussão sobre o que é novo no olhar das práticas, nas teorias mais recentes e na própria comunicação. O texto tem como objetivo problematizar o que pode ser considerado como novo, questionar e refletir sobre como foram observadas as práticas de recepção e ao mesmo tempo demonstrar que não foram as práticas que se modificaram, mas a forma como as observamos, analisamos e tecemos consi-derações sobre o que vem a ser recepção no processo comunicacional.

O autor, para discutir a recepção, acaba por discorrer sobre o próprio campo da Comunicação, dando-nos uma aula sobre o processo da comunicação de um novo ponto de vista, demonstrando que mudar é necessário, mas que mudanças não são fáceis e nem simplistas.

No texto, Comunicação e cultura: um novo olhar, Maria Luiza Mendonça pro-cura, dentro das possibilidades teóricas

oferecidas no âmbito da comunicação e da cultura, lugares ou situações que favore-çam “a elaboração de uma subjetividade propícia à emergência de sujeitos sociais, entendidas no texto como atores, que estejam empenhados mais em produzir do que consumir normas sociais e que estejam identificados com as lutas e por mais liberdade e direitos” (MENDONÇA, In: Sousa: 2006). A grande contribuição do texto está na dimensão do que pode significar práticas consideradas alienadas, folclóricas ou mesmo exóticas, demons-trando a existência de outra lógica social, revelando a possibilidade da formação de sujeitos-atores.

Lavina Madeira Ribeiro busca no texto Comunicação e reflexividade analisar o poder das instituições de comunicação para a experiência e a formação de opini-ões e comportamentos dos indivíduos nas sociedades atuais. O objetivo do ensaio – que é como ela mesma o denomina – é pensar sobre a natureza da influência, partindo do pressuposto de que o terreno de atividades e simbolizações das práticas comunicativas não se confunde com outros territórios de produção de sentido e valor. Ribeiro mostra como os meios são consti-tuintes de produção de sentido através da discursividade que propõem.

Em Estudos sobre o conceito de me-diação e sua validade como categoria de análise para os estudos de comunicação, Luiz Signates nos brinda com um be-líssimo e árduo trabalho sobre o termo “mediação” questionando se o mesmo está definido como um conceito e se pode ser utilizado como categoria de análise na comunicação. Signates busca encontrar um significado claro e consensualizado entre os diversos autores e pesquisadores, que utilizam o termo nas suas referências teóricas. A beleza do trabalho está no es-forço em mapear o uso do termo mediação e em justamente reconhecer a limitação do termo. O trabalho acaba inspirando os estudos que se sucederam e Signates

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Eliany Salvatierra Machado

fica devendo uma análise que contemple o termo na visão sociológica de Manuel Martin-Serrano.

O leitor encontrará, além dos artigos aqui citados, textos de: Fernando Resende, José Ronaldo Alondo Marthias, Marcelo Henrique Leite, Maria Salete Tauk Santos, Marta Rocha do Nascimento, Rafael Pom-

péia Gioielli, Ronaldo Nunes Linhares, Roseli Fígaro e Rovilson Robbi Britto. “Os jovens pesquisadores indagam sobre as mediações que podem ser significativas tanto para a caracterização do processo de comunicação como do espaço público onde se expressa o estar junto social” (Sousa: 2006).

Volume 5 - Nº 2 - 2º sem. 2005

Resenhas

Júlia Lúcia de O. Albano da SilvaMestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Pesquisadora do Núcleo de Mídia Sonora da [email protected]

Profissionalismo nas ondas do rádioPRADO, Magaly. Produção de Rádio: um manual

prático. São Paulo: Campus/Elsevier, 2006.

dinâmica de produção e veicu-lação de programas de diferentes formatos e gêneros através das

ondas do rádio brasileiro confunde-se com o percurso histórico do próprio meio. Marcado pelo amadorismo e improviso da década de 1920, fase em que a prática era hobby da elite, e pela inventividade, ousadia e consolidação como meio de co-municação de massa dos anos 1930, 1940 e 1950, a prática da produção foi descobrindo formas de apresentar e representar o mundo através do rádio. Foi Adhemar Casé, por exemplo, que introduziu na década de 1930 a continuidade sonora através do BG, a mú-sica de fundo, uma prática que eliminava as pausas e os silêncios perturbadores entre uma atração e outra.

Em transmissões esportivas, pro-gramas de auditório, radiojornalismo,

A radionovelas, radioteatro, programas de humor, jingles e spots, à medida que o rádio se consolida como um meio capaz de informar, vender e entreter através de recursos que incorporam outras lingua-gens (cinema, teatro, literatura, música), surgem novas formas e métodos de se fazer rádio. Um rádio “audiotáctil” e “em cores”, como lembra o maestro Júlio Medaglia ao descrever a inventividade e a criatividade do narrador esportivo brasileiro frente às produções européias.

Diante do desenvolvimento e da implantação do sistema de rádio digital em diferentes países, da expansão das diferentes ferramentas de produção, assim como do surgimento de novos canais de compartilhamento de áudio em diferentes formatos através da rede, o rádio ainda aparece como um desafio.

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Profissionalismo nas ondas do rádio

Seja o rádio broadcasting, ou o rádio-web, existente somente na rede mundial de computadores; pensar e produzir para este meio que privilegia a sonoridade re-quer uma percepção que considere as suas potencialidades expressivas na constru-ção de sentidos, sensações e significados. Marcada pela simplicidade, concisão, objetividade e pelo imediatismo, a men-sagem radiofônica não pode ser apoiada por uma produção descuidada baseada no improviso, ou em métodos pertinentes a outros meios. Para um meio que estabelece um diálogo mental com o ouvinte faz-se necessário uma produção adequada.

Apesar dos quase 90 anos da ampla penetração social e de seu importante papel enquanto meio de comunicação, a produção do rádio não tem sido pauta para publicações. Com o objetivo de suprir esta lacuna, a jornalista e radiomaker Magaly Prado lançou o livro “Produção de Rádio: um manual prático. Um guia para profes-sores, alunos e profissionais”.

Organizada em 10 capítulos, a obra traz definições e dicas sobre a produção de diferentes programas procurando decifrar termos e jargões utilizados no dia-a-dia pelos profissionais envolvidos com o meio.

Nos dois primeiros capítulos a autora descreve as características dos diferentes gêneros e formatos, e apresenta os possí-veis esquemas de produção. Traz pontua-ções contundentes e importantes sobre os cuidados com a adequação dos programas ao horário, ao público e à emissora; sobre a necessidade de organização prévia de todo o material envolvido na produção do programa, seja ele gravado ou ao vivo; sobre a importância da concisão e precisão do texto, bem como sobre os mecanismos de interação com o ouvinte.

Docente desde 2003 do curso de Rádio e Televisão da Faculdade Cásper Líbero de

São Paulo, a autora chama a atenção para a necessidade de detalhar cada etapa de pro-dução e da finalização do programa, assim como para o entrosamento com a equipe, com os departamentos envolvidos, e ressalta o cuidado e a atitude responsável para com o estúdio e os eventuais arquivos sonoros utilizados.

No decorrer dos capítulos, além da ilustração por meio de exemplos, Ma-galy Prado recorre a depoimentos de profissionais do rádio, o que confere maior dinâmica e credibilidade ao texto marcado pela coloquialidade. Esse tom resulta em um texto objetivo e decidida-mente marcado pelo ponto de vista da autora que procura estabelecer um diálogo com o leitor, quase como uma conversa no rádio, por vezes recorrendo às gírias, como em “vozes infantis não colam nem para mulheres...” (p. 92), ou ainda em “ela pode ter uma pegada interessante para virar vinheta...” (p. 115).

Um dos méritos da obra está no fato de reunir inúmeras pontuações sobre a produção de rádio no Brasil, uma vez que a maior parte das obras em circulação atualmente é oriunda de outros países. Trata-se de uma importante contribuição para aprimorar as produções de um meio que tem muito mais a oferecer que as atuais grades de programação.

A torcida é que a partir do Manual Prático de Magaly Prado o leitor possa se interessar em descobrir o porquê de os programas brasileiros de radioarte serem tão escassos, ou ainda, pela pre-dileção do ouvinte por ouvir pessoas do povo discorrendo sobre um assunto da pauta do dia, como pontua a autora no decorrer do livro. São reflexões acerca da estética da linguagem de um meio que suspende a imagem e ao mesmo tempo descortina o imaginário de um ouvinte vinculado.

Normas

Volume 6 - Nº 1 - 1º sem. 2006

Normas para o envio de originais

A Revista COMMUNICARE, do Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero, tem por objetivos promover a reflexão acadêmica, difundir a pesquisa e ampliar o intercâmbio científico com vistas, prioritariamente, aos temas relacionados às seguintes linhas de pesquisa desenvolvidas no Centro: Comunicação: tecnologia e po-lítica; Comunicação: meios e mensagens e Comunicação e mercado.

A publicação destina-se à divulgação de trabalhos inéditos de pesquisadores e docentes da Faculdade Cásper Líbero e de outras instituições, na qualidade de autores e co-autores. As colaborações poderão ser apresentadas em forma de artigos, resenhas, relatos de pesquisa em andamento, levantamentos bibliográficos ou informações gerais, e estarão condi-cionadas à aprovação prévia da Comissão Editorial e do Conselho Consultivo.

Os trabalhos publicados serão consi-derados colaborações não remuneradas, uma vez que a Revista tem caráter de divulgação científica e não comercial. Tanto o conteúdo quanto o compromis-so com o ineditismo dos textos são de total responsabilidade de seus autores, que deverão anexar autorização para publicá-los, manifestando concordância com as normas aqui estabelecidas. Os di-reitos autorais de desenhos, ilustrações, fotografias, tabelas e gráficos que acom-panhem os textos serão de exclusiva responsabilidade do colaborador.

Artigos

1. Os artigos devem ser encaminha-dos em disquete de 3,5”, devidamente etiquetado com a identificação do autor, acompanhado de uma cópia impressa;

2. Recomenda-se que os textos tenham entre 15 e 22 laudas em fonte Times New Ro-man, corpo 12, espaço 1,5 cm. Cada lauda de-verá constar de 20 linhas e 70 toques (20.000 a 30.800 caracteres, incluindo espaços);

3. A estrutura do texto deve obedecer à seguinte ordem: Título, Resumo (em 600 ca-racteres no máximo), Palavras-Chave; Corpo do Texto e Referências Bibliográficas, sendo que o Título e o Resumo (Abstract) deverão, sempre que possível, ser acompanhados de versões para o Inglês e Espanhol;

4. O título do trabalho e o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es) deverão ser apresentados em uma página de rosto com um resumo, de até 600 caracteres, do tema tratado, além de 3 a 5 palavras-chave;

5. Ilustrações e/ou fotografias serão utilizadas dentro das possibilidades de edi-toração. Caso sejam encaminhadas em dis-quete, recomenda-se a gravação no formato tif ou eps, com, no mínimo, 300 dpi;

6. Tabelas e gráficos devem ser nume-rados e encabeçados pelo seu título;

7. Desenhos, ilustrações e fotografias devem ser identificados por suas res-pectivas legendas e pelo nome de seus respectivos autores;

8. Citações e comentários no corpo do texto deverão ser remetidos ao rodapé,

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Normas para o envio de originais

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seguidos de números sobrescritos. As citações devem seguir o padrão: Autor (nome e sobrenome), Título da obra em Bold Itálico e número da página;

9. As referências bibliográficas (biblio-grafia) deverão estar dispostas no final do artigo. As obras utilizadas no trabalho, em ordem alfabética, devem obedecer à seguin-te seqüência: Autor (Sobrenome em caixa alta, Nome). Título em Bold Itálico. Edição. Cidade: Editora, Data da publicação;

10. Cada artigo deverá trazer a iden-tificação de seu(s) autor(es) na seguinte ordem: Nome, Maior Titulação, Entidade a que está vinculado e Endereço do Correio Eletrônico;

11. Caberá a cada autor 5 exemplares da edição.

Resenhas

1. Os textos devem ser encaminha-dos em disquete de 3,5”, devidamente

etiquetado com a identificação do autor,

acompanhado de uma cópia impressa; 2. Cada resenha deverá ter de 2 a 4

laudas, em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço de 1,5 cm. Cada lauda deverá constar de 20 linhas e 70 toques (2.800 a 5.600 caracteres);

3. A resenha deve vir acompanhada das referências bibliográficas completas da obra em pauta (Autor, Obra, Cidade, Editora, Data, ISBN, número de pági-nas);

4. Solicita-se que a resenha seja acom-panhada de um exemplar da obra ou de imagem digitalizada da capa em formato tif, para publicação, de acordo com as possibilidades de editoração;

5. Cada resenha deverá trazer a iden-tificação de seu(s) autor(es) na seguinte ordem: Nome, Maior Titulação, Entidade a que está vinculado e Endereço do Correio Eletrônico;

6. Caberá a cada autor 5 exemplares da edição.