deuses iorubás na África e no novo mundo

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Orixás na Áfricá

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Deuses Iorubs na frica e no Novo Mundo(Traduo de Maria Aparecida da Nbrega)

ORIXS (R)Os orixs na fricaO termo r nos parecera outrora relativamente simples, da maneira como era definido nas obras de alguns autores que se copiaram uns aos outros sem grande discernimento, na segunda metade do sculo passado e nas primeiras dcadas deste. Porm, estudando o assunto com mais profundidade,constatamos que sua natureza mais complexa. Lo Frabenius o primeiro a declarar, em 1910, que a religio dos iorubs tal como se apresenta atualmente s gradativamente tornou-se homognea. Sua uniformidade o resultado de adaptaes e amlgamas progressivos de crenas vindas de vrias direes. Atualmente, setenta anos depois, ainda no h, em todos os pontos do territrio chamado Iorub, um panteo dos orixs bem hierarquizado, nico e idntico. As variaes locais demonstram que certos orixs, que ocupam uma posio dominante em alguns lugares, esto totalmente ausentes em outros. O culto de Xang, que ocupa o primeiro lugar em Oy, oficialmente inexistente em If, on de um deus local, Oramf, est em seu lugar com o poder do travo. Oxum, cujo culto muito marcante na regio de Ijex, totalmente ausente na regio de Egb. Iemanj, que soberana na regio de Egb, no sequer conhecida da regio de Ijex. A posio de todos estes orixs profundamente dependente da histria da cidade onde figuram como protetores Xang era, em vida, o terceiro rei de Oy. Oxum, em Oxogb, fez um pacto com Lar, o fundador da dinastia dos reis locais, e em conseqncia a gua nessa regio sempre abundante. Odudua, fundador da cidade de If, cujos filhos tornaram-se reis das outras cidades iorubs, conservou um carter mais histrico e at mesmo mais poltico que divino. Veremos mais adiante que as pessoas encarregadas de evocar Odudua no entram em transe, o que destaca seu carter temporal.

O lugar ocupado na organizao social pelo orix pode ser muito diferente se trata de uma cidade onde se ergue um palcio real, fin, ocupado por um rei, ald, tendo direito a usar uma coroa, ad, com franjas de prolas, ocultando-lhe a face ou onde existe um palcio, il Olj, a casa do senhor do mercado de uma cidade cujo chefe um bale que s tem direito a uma coroa mais modesta chamada kr. Nesses dois casos, o orix contribui para reforar o poder do rei ou do chefe. O lugar ocupado na organizao social pelo orix pode ser muito diferente se trata de uma cidade onde se ergue um palcio real, fin, ocupado por um rei, ald, tendo direito a usar uma coroa, ad, com franjas de prolas, ocultando-lhe a face ou onde existe um palcio, il Olj, a casa do senhor do mercado de uma cidade cujo chefe um bale` que s tem direito a uma coroa mais modesta chamada kr. Nesses dois casos, o orix contribui para reforar o poder do rei ou do chefe. Esse orix est praticamente sua disposio para garantir e defender a estabilidade e a continuidade da dinastia e a proteo de seus sditos. Mas, nas aldeias independentes, onde o poder civil permaneceu fraco, na ausncia do Estado (autoritrio), o impacto das religies tradicionais muito forte na sociedade e so os chefes fetichista que garantem a coeso social.Alguns orixs constituem o objeto de um culto que abrange quase todo o conjunto dos territrios iorubs, como, por exemplo, rsl, tambm chamado Obtl, divindade da criao, estende-se at o vizinho territrio do Daom, onde rSl torna-se Lisa, e cuja mulher Yemowo tornou-se Mawu, o deus supremo entre os fun, ou ento gn, deus dos ferreiros e de todos aqueles que trabalham com o ferro, cuja importncia das funes ultrapassa o quadro familiar de origem.

Algumas divindades reivindicam as mesmas atribuies em lugares diferentes sng, em oy; ramf, em If; Aira, em sav. So todos senhores do travo. gn tem competidores, guerreiros e caadores em diversos lugares, tais como: Ija em torno de Oy, SSi em Kto, rE em If, assim como Lgunde, Ibalm e Erinl na regio de Ijex. Osanyn entre os oy desempenha o mesmo papel de curandeiro que Elsije em If. Aje Saluga em If e smr mais a oeste so divindades da riqueza.

O caso de Nana Buruku ou Burukung merece ser tratado parte. Esta divindade representa a deusa suprema nas regies a oeste dos pases iorubs, e mesmo alm, onde a influncia de If menor, embora, paradoxalmente, uma parte dessas populaes seja chamada An ou If, e isso em lugares Onde o culto de btl ou rsl totalmente desconhecido.

Diante dessa extrema diversidade e dessas inmeras variaes de coexistncia entre os orixs, fica-seDescrente diante de certas concepes demasiado estruturadas.

A religio dos orixs est ligada noo de famlia. A famlia numerosa, originria de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O orix seria, em princpio, um ancestral divizado, que, em vida, estabelecera vnculos que lhe garantiam um controle sobre certas foras da natureza, como o travo, o vento, as guas dioces ou salgadas, ou, ento, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caa, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilizao o poder, se do ancestral-orix teria, aps a sua morte, a faculdade de encarnar-se momentaneamente em um de seus descendentes durante um fenmeno de possesso por ele provocada.A passagem da vida terrestre condio de orix desses seres excepcionais, possuidores de um se poderoso, produz-se em geral em um momento de paixo, cujas lendas conservaram a lembrana. Veremos, numa lenda, como Sng tornou-se o objeto dessa mutao quando um dia, exasperado porter destrudo seu palcio e todos os seus, subiu a uma colina em Igbeti, perto da antiga Oy, e quis experimentar a eficcia de um preparado destinado a provocar o raio. Em Outra lenda, Sng tornouse orix, ou ebOra, em um momento de contrariedade por se sentir abandonado, quando deixou Oy para retornar regio de Tapa. Somente sua primeira mulher, Oi, o acompanha na fuga e, por sua vez, ela entrou para debaixo da terra depois do desaparecimento de Sng. Sua duas outras mulheres, Sun b, tornaram-se rios, que tm seus nomes, quando fugiram aterrorizadas pela fulgurante clera do marido comum. gn ter-se-ia tornado orix quando compreendeu, lamentando amargamente, que acabava de massacrar, em um momento de clera irrefletida, os habitantes da cidade de Ire, fundada por ele e que no mais a reconhecera quando ali voltou, aps longa ausncia. Esses antepassados divinizados no morreriam de morte natural, morte que em iorub vem a ser o abandono do corpo, ara, pelo sopro, m. Possuidores de um e, poder em estado de energia pura.Era preciso,para que o culto pudesse ser criado, que, assim como os Mogba de Sng de que trataremos mais adiante, um ou vrios membros da famlia tivesse sido capaz de estabelecer o Od rS, definido por O. Epega como sendo um vaso enterrado no cho, at mais ou menos trs quartos de sua altura, pelos seus adeptos . Ele serve de recipiente ao objeto suporte da fora, o se do rx. Este objeto suporte , segundo Cossard-Binon, a base material palpvel, estabelecida pelo arix, que receber a oferenda e ser impregnada pelo sangue do animal sacrificado. Devidamente sacrificado, ser o trao de unio entre os homens e a divindade . A natureza desses objetos est ligada ao carter do deus, quer por ser dele uma emanao como a pedra do raio, dn ara, de Sng, ou um seixo do fundo de um riacho, Ota, de Sun, Oya ou yemOj, quer seja um smbolo, como as ferramentas de gn ou o arco e a flecha de ss.O orix uma fora pura, se imaterial que s se torna perceptvel aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orix, um de seus descendentes, chamado seu elgn, aquele que tem o, privilgio de ser montado ,gn, por ele. Torna-se o veculo que permite ao orix voltar a terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram.

Os elgn muitas vezes so chamados iyawrs (ia), mulher do orix. Este termo tanto se aplica aos homens quanto s mulheres e no evoca uma idia de unio ou de posse carnal, mas a de sujeio e de dependncia, como antigamente as mulheres o eram aos homens.

Voltaremos, mais adiante, ao problema da iniciao desses elgn cujo papel fundamental nas cerimnias de adorao ao ancestral divinizado, que, incorporando-se ao elgn, reencontra, por alguns instantes, sua antiga personalidade espiritual e material. Ser novamente a personagem de outra com suas qualidades e seus defeitos, seus gostos, sua tendncia, seu carter agradvel ou agressivo.

Voltando assim, momentaneamente, a terra, entre seus descentes, durante as cerimnias de evocao, os orixs danam diante deles e com eles, recebem seus cumprimentos, ouvem as suas queixas, aconselham, concedem graas, resolvem as suas desavenas e do remdios para as suas dores e consolo para os seus infortnios. O mundo celeste no est distante, nem superior, e o crente podemconversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua benevolncia .

O tipo de relacionamento de carter familiar e informal. Um exemplo de uma cerimnia observada na frica ilustra bem esse fato. Trata-se de uma cerimnia para um vodun daomeano, Sapata, chamado Ainon, o senhor da Terra , sinnimo de npnn entre os iorubs, onde igualmente de balay, que tambm significa o Senhor da terra . Esse culto de sapata no se afasta completamente a esse deus falam uma lngua sacra que o iorub arcaico dos An ou If da regio de Atakpam. Os futuros iniciados de sapata so chamados Angnu, os nags, nesse estgio de sua iniciao.

Foi em dezembro de 1969, nos arredores de Abomey, em uma fazenda chamada Ttpa, residncia do chefe de uma famlia relativamente numerosa, estabelecida nesse local h muitas geraes em tempo normal, a fazenda era habitada principalmente por pessoas idosas, crianas confiadas a suas avs e um nmero reduzido de adultos de ambos os sexos, indispensveis aos trabalhos do campo. Em grande parte, os membros da famlia exerciam suas atividades em local distante, para voltarem, periodicamente, trazendo uma parte de seus ganhos para a comunidade familiar. Mas, no dia em que passamos por essa fazenda, havia muita gente para assistir e participar de uma cerimnia organizada para agradecer a Sapata Megban, protetor da famlia, uma graa que ele concedera nas seguintes circunstncias.

Trs ou quatro anos antes, houve um acidente ferrovirio quando dois trens se engavetaram. Houve numerosos mortos e feridos. Uma mulher, pertencente famlia do dono dessa fazenda, encontrava-se em um dos vages. Estava grvida e perto de dar luz. O medo que ela sentiu no momento do acidente fez com que a criana nascesse antes da hora. Em seu desespero, ela fez a promessa de oferecer algo de belo ao Sapata da famlia se a criana e ela sobrevivessem ao desastre. Saram ilesas do acidente, e a criana desenvolveu-se normalmente. Tivemos a sorte de assistir ao pagamento da promessa.

A jovem mulher oferecia naquele dia bela coisa prometida. Era um belo pano um gorro bordado e oferendas de animais e alimentos. Homens e mulheres, membros da famlia, vieram de todas as regies do Daom onde trabalhavam, e at do Togo, da Costa do Marfim e da Nigria. Sapata-Ainon, encarnado em seu vodunsi (elgn), estava majestosamente sentado em um trono, pois era tambm chamado Jebosu, o Rei das Prolas . Todos os membros da famlia estavam prostrados diante dele e cantavam seus louvores tradicionais. O Vodunun, encarregado de cuidar do deus, fez um pequeno discurso para lhe agradecer por ter salvo a vida da mulher e da criana e colocou no colo do vodunsi a criana de trs ou quatro anos de idade. Esta se aconchegou em seus braos como o teria feito nos braos de seu av. Inteiramente vontade e sem nenhum receio, a criana brincava com as franjas da roupa do deus encarnado. Essa cena nos tocou profundamente e nos pareceu muito representativa do tipo das relaes entre os homens e seu deus. Um deus protetor, cujas graas so reservadas, verdade, s ao grupo familiar. Mas estamos longe da imagem dos feiticeiros sanguinrios , reinando pelo terror, que a literatura crist esforou-se em apresentar para justificar a ao evanglica dos missionrios.

Orix, ancestral divinizado, um bem de famlia, transmitido pela linhagem paterna. Os chefes das grandes famlias, os bal, delegam geralmente a responsabilidade do culto ao orix familiar, a um ou uma alse guardio do poder do deus, que dele cuidam ajudados pelos elgn, que sero possudos pelo orix em certas circunstncias.

As mulheres da famlia participam das cerimnias e podem se tornar elgn do orix da famlia paterna; mas, se forem casadas, o orix da famlia de seu marido que ser o de seus filhos. Elas tm assim uma posio um pouco marginalizada na famlia do marido. So consideradas somente como doadores de filhos, mas no so integradas completamente em seu novo lar. Quando morrem, seu cadver volta para a casa paterna, onde so enterradas. Mesmo em sua prpria famlia, no tm posio estvel, compatvel dos homens. Esse ponto ilustrado pela pergunta feita pelo pai para saber qual o sexo de seu filho ao nascer: o dono da casa (onl) ou a estrangeira (li)? situando, desde sua chegada ao mundo, a posio relativa dos homens e das mulheres na famlia iorub.

Conservando sua filiao ao culto do orix familiar, pode acontecer que um indivduo deva, por certas razes que lhe so indicadas pela adivinhao, seguir o culto a uma outra divindade, a de sua me, por exemplo, aps a sua morte; ou de qualquer outra que lhe seja imposta em decorrncia de certas situaes: doenas, dificuldades na procriao de um herdeiro, defesa contra uma ameaa precisa ou imprecisa. Nesses casos, o indivduo encontra-se implicado mais diretamente na prtica desse culto pessoal.

Uma das caractersticas da religio dos orixs seu esprito de tolerncia e a ausncia de todo proselitismo. Isso compreensvel e justificado pelo carter restrito de cada um desses cultos aos membros de certas famlias. Como e por que as pessoas poderiam exigir que um estrangeiro participasse do culto, no tendo nenhuma ligao com os ancestrais em questo?

Oldmar, o deus supremo.

Acima dos orixs reina um deus supremo, Oldmar, cuja etimologia duvidosa. um deus distante, inacessvel e indiferente s preces e ao destino dos homens. Est fora do alcance da compreenso humana. Ele criou os orixs para governarem e supervisionarem o mundo. , pois, a eles que os homens devem dirigir suas preces e fazer oferendas. Oldmar, no entanto, aceita julgar as desavenas que possam surgir entre os orixs.

Essa definio parece ser uma tentativa de elaborao de um sistema que centraliza o que era diverso e harmoniza o que era incompatvel entre orixs vindos de horizontes muito diferentes, como sugere Lo Frobenius. Apesar de sua posio de sua posio muito exaltada, Oldmar no conseguiu, entretanto, resolver o conflito surgido entre balay e Nana Buruku de um lado e gn, do outro. A esse respeito, falaremos mais adiante.

Admitindo o papel de deus supremo atribudo a Oldmar e se pairarmos acima das sutilezas locais, evitando fazer aluso s incoerncias que resultam da pluralidade dos orixs, todos igualmente poderosos, parece que poderemos elaborar um sistema em que cada orix torna-se um arqutipo de atividade, de profisso, de funo, complementar uns aos outros, e que representam o conjunto das foras que regem o mundo. o que exprime algumas histrias de If, que os babalas, como as que se referem ao que j foi dito acima : Os orixs e os eboras so os intermedirios entre Oldmar e os seres humanos e receberam, por delegao, alguns de seus poderes .

Em um tal sistema, os orixs, mais comumente chamados mole pelo Rev. D. Onadele Epega, teriam sido divididos em dois grupos: Duzentos ml da direita, igba ml, e quatrocentos da esquerda, Irn ml . Uma Frmula de saudao ritual sobre a qual pouco se sabe e que ainda pronunciada, no Brasil, pelos descendentes dos iorubs, que vivem, sem outra explicao a no ser que, outrora,entre os iorubs, o primeiro algarismo significasse um grande nmero e o segundo, um grandssimo nmero.

Oldmar mora no alm, run, traduzido geralmente por cu . Mas h ai, sem dvida alguma, incompreenso por parte dos pesquisadores, todos formados com a idia de que Deus mora no cu. Em outro trabalho, mostramos que, entre 1845 e 1962, dos dezoito autores principais que abordaram o problema do deus supremo entre os iorubs, treze eram missionrios catlicos e protestante e s dois eram antroplogos, sendo os outros trs um cnsul, um tenente-coronel e um alto funcionrio da administrao colonial, todos de nacionalidade britnica.

Quase todos esses pesquisadores do lrun, dono do cu, como primeiro nome ao deus supremo dos iorubs e Oldmar, como segundo.

Nessa pesquisa da definio do deus supremo, como em muitas outras sobre o assunto, cria-se geralmente uma situao inoportuna entre o pesquisador e a pessoa interrogada. Esta ltima pega rapidamente o sentido do pensamento do primeiro e, benevolamente, d respostas que se ajustam hiptese da pesquisa. Mesmo se o informante no alterar voluntariamente os fatos, tentar ao menosexprimir-se em termos compreensveis ao seu interlocutor, resultado da grande satisfao para este ltimo e enorme prejuzo para a verdade. Um desses pesquisadores, o Padre Bouche, j reconhecia, entre4 1866 e 1875, que os intrpretes negros preocupam-se menos com a exatido do que com o fato de no descontentarem o branco, e no deixam de lisonje-lo pelas interpretaes que sabem ser de seu agrado ou pelo menos existentes em suas idias .

Trs desses pesquisadores, de origem iorub fazem exceo a essas observaes:

Onadele Epega, que em seu livro nunca emprega a palavra Oldmar ao deus supremo e acentua que Olrun o nome utilizado pelos cristos e pelos mulumanos para seus trabalhos de converso dos infiis .

O Reverendo Padre Moulero, o primeiro nag a ser ordenado padre no Daom, chegou a escrever que as populaes neste pas s acreditavam nos dolos e no conheciam a Deus, mas preciso fazer uma exceo em favor dos nags, que sob influncia dos muulmanos, adquiriram (antes da chegada dos missionrios catlicos) um conhecimento de Deus que se aproxima da noo filosfica crist .Para definir Oldmar, os pais do segredo , nome dado aos adivinhos, dos quais falarem mais adiante.

Algumas tradies pretendem que run no esteja situado no cu, mas debaixo da terra. H, efetivamente, em If um lugar chamado run ba Ad, onde haveria dois poos sem fundo que os antigos diziam ser o caminho mais curto para o alm .

Este run o alm, o infinito, o longnquo, em oposio ao ay, o perodo de vida, o mundo, o aqui, o concreto.

no run que habitam os montes, os ar run, que voltam periodicamente ao mundo, ay, para se tornarem novamente seres vivos, ar ay. Esses alm assemelhar-se a terra, porm triste e lgubre . As almas apressar-se-iam em voltar para a terra, para a mesma famlia, da qual alguns membros usam o nome de Babatnd ou o de Iytnd, o que significa o pai ou a me voltou . Estamos longe do cu paradisaco e macio dos cristos e muulmanos.

Os prprios deuses no parecem felizes em seu desterro no run-alm, e durante as cerimnias realizadas em seu louvor apressam-se em volta as terras, encarnando-se nos corpos em transe de seus descendentes que lhes so consagrados.

A idia de que runalm est situado embaixo da terra comprovada durante as oferendas aos orixs, quando o sangue dos animais sacrificados derramado no ajbo, um buraco cavado na terra, em frente ao local consagrado ao deus, e os olhares se voltam para o cho e no para o cu.

Os orixs no Novo MundoTrfico de escravosA presena dessas religies africanas no novo mundo uma conseqncia imprevista do trfico de escravos. Escravos estes que foram trazidos para os diferentes pases das Amricas e das Antilhas, provenientes de regies da frica escalonadas de maneira descontnua, ao longo da costa ocidental, entre Senegmbia e Angola. Provenientes, tambm, da costa oriental de Moambique e da ilha de So Loureno, nome dado poca a Madagascar.

Disso resultou, no Novo Mundo, Uma multido de cativos que no falava a mesma lngua, possuindo hbitos de vida diferentes e religies distintas. Em comum, no tinham seno a infelicidade de estar, todos eles, reduzidos escravido, longe das suas terras de origem.

Relaes privilegiadas estabeleceram-se entre certos pases das Amricas e das Antilhas e determinadas regies do continente africano. Foge, evidentemente, aos limites do presente trabalho traar um quadro geral desse complexo sistema de relaes. suficiente indicar que, no tocante Bahia, lugar principal do nosso estudo, esses contatos foram particularmente intensos com Angola e o Congo, at aproximadamente o final do sculo XVII, desviando-se, mais tarde, em direo costa do Leste do Forte So Jorge de Mina , situada no golfo de Benim, entre o rio Volta e o rio Lagos. Tais relaes limitaram-se, posteriormente, parte central da referida regio, conhecida pela triste denominao de Costa dos Escravos , cujo porto principal era Uid, do qual falamos anteriormente.

Desde muito cedo, ainda no sculo XVI, constata-se na Bahia a presena de negros bantu, que deixaram a sua influncia n o vocabulrio brasileiro. Em seguida, verifica-se a chegada de numerosos contingente de africanos, proveniente de regies habitadas pelos daomeanos (gges) e pelos iorubs (nags), cujas rituais de adorao aos deuses parecem ter servido de modelo s etnias j instaladas na Bahia.

Os navios negreiros transportaram atravs do atlntico, durante mais de trezentos e cinqenta anos, no apenas o contingente de cativos destinados aos trabalhos de minerao, dos canaviais, das plantaes de fumo localizados no Novo Mundo, como tambm a sua personalidade, a sua maneira de ser e de se comportar, as sua crenas.

As convices religiosas dos escravos eram, entretanto colocadas a duras provas quando de sua chagada ao Novo Mundo, onde eram batizados abrigatoriamente "para a salvao de sua alma e devia curvar-se s doutrinas religiosas de seus mestres.

A extraordinria resistncia oposta pelas religies africanas s foras de alienao e de extermnio com que freqentemente se defrontavam haveria de surpreender a todos aqueles que tentavam justificar a cruel instituio do trfico de escravos com o argumento de que as suas atividades as dos negreiros constituam o meio mais seguro e mais desejvel de conduzir Igreja as almas dos negros,o que seria mais recomendvel do que os deixar na frica, onde se perderiam num paganismo degradante ou estariam ameaados pelo perigo da sujeio hertica s naes estrangeiras, para onde seriam, no mnimo, deploravelmente enviados . Era assim que se exprimiam, em 1698, os homens de negcios da Bahia quando tentaram, sem xito, fundar uma companhia que se propunha construir uma fortaleza em Ajuda, para servir de depsito aos escravos em vias de embarque. Somente vinte e trs anos mais tarde que tal projeto haveria de se concretizar, graas aos esforos do Capito-deMar-e-Guerra Joseph de Torres estabelecido na Bahia de todos os Santos.

Com essa preocupao de salvar as almas dos africanos das garras dos herticos, chega-se ao ponto de proibir, no final do sculo XVIII, que os estrangeiros protestantes que residem na Bahia comprem e possuam negros, especialmente os recm-chegados, a fim de evitar que lhes sejam inculcados seus prprios erros e para que eles no sejam doutrinados seno na verdadeira f . Ns pases de religio reformada, as pessoas mantinham os mesmos escrpulos virtuosos e tentavam preservar esses pagos dos perigos do papismo. Quanto aos muulmanos, a preocupao era a mesma: a de conduzir esses idlatras infiis em direo Arbia, Prsia e Turquia, a Fim de converte-los verdadeira f, mas j agora quela pregada por Maom..

V-se, assim, com que cuidados os negreiros, professando as mais diversas formas de monotesmo, tentavam salvar as almas dos africanos, mergulhados nas trevas da idolatria.

Na Bahia, todos os santos do paraso foram invocados como protetores dessa respeitvel atividade: protetores dos negreiros, dos seus barcos e das mercadorias transportadas.

Thales de Azevedo chamou a ateno para a predominncia, at o sculo XIX, dos nomes de santos em embarcaes lusitanas, verificando ainda uma indiscutvel preferncia pelo nome de Nossa Senhora. Passando em revista os nomes dos navios relacionados em diversos documentos, observamos que, at 1800 aproximadamente, todos aqueles dedicados ao trfico de escravos encontravam-se sob a proteo da Virgem Maria, de Cristo, dos santos e, at mesmo, das almas.

Corvetas, galeras e sumacas May de Deus, May dos Homens, Santo Andr dos Pobres e Alma-Nossa Senhora da Ajuda, Santo Antnio e Almas.

Tentamos investigar sob qual denominao Nossa Senhora era mais freqentemente invocada para proteger a tarefa de salvao das almas dos escravos. P outro lado, procuramos saber quais eram os santos solicitados com maior insistncia, a fim de proteger e levar a bom porto os rolos de tabaco, nas viagens de ida, em direo frica, e os carregamentos de escravos, nas viagens de volta, com destino Bahia.

Partindo de indicaes recolhidas nos registros de patentes concedidas para carregar os rolos de tabaco, destinados ao trfico de escravos, constatamos que Nossa Senhora encontra-se mencionada 1154 vezes, sob 57 invocaes diferentes, sendo que as mais populares apresentam-se na seguinte ordem decrescente: Nossa Senhora da Conceio, 324 vezes; Nossa senhora do Rosrio, 105 vezes; Nossa Senhora do Carmo, 98; Nossa senhora da Ajuda, 87; Nossa Senhora da Piedade, 48; Nossa Senhora de Nazar, 39; etc. O Bom Jesus encontra-se citado apenas 180 vezes, sob onze invocaes distintas, sendo que Bom Jesus do Bom Sucesso figura 29 vezes; O Bom Jesus de Bouas, 26; Bom Jesus do Bonfim, 24; etc. Santos e Santas aparecem 1158 vezes, destacando-se, dentre os mais prestgios, Santo Antnio, mencionado 695 vezes, e acompanhado das almas, 508; So Jos, 107; SantAna, 88; So Joo batista, 43. Curiosamente, o nome de So Jorge aparece, apenas, uma vez...

So Jos era merecedor de grande devoo entre os negreiros, alcanando mesmo, por volta de 1757, a posio de protetor particular dos homens de negcios que se dedicavam ao trfico de negros na Costa da Mina . Na capela de Santo Antnio da Barra da cidade da Bahia existia uma imagem do Glorioso Patriarca, com confraria erigida por esses mesmos comerciantes. Essa imagem foi enviada por ordem do Serenssimo Senhor Rey Dom Joo o segundo, no ano 1481, para o castelo da Mina, aonde se conservou at o ano de 1637, em que foi tirado o Castelo do poder dos Portugueses, sendo recolhida ou apreendida dita imagem por um dos potentados gentios daquela terra e conservada no seu barbado poder, passando-a de Pais para Filhos at o ano de 1751, em que o zelo e devoo de um Capito dos navios da mesma Costa a resgataram do poder daquela gentilidade, trazendo-a para a dita Cidade da Bahia no ano de 1752, sem macula alguma do tempo ou ofensa dos mesmos brbaros gentios, e com todo o devido culto foi colocada na dita igreja de Santo Antnio, com plausvel festividade e especial proteo para os negcios e comerciantes da mesma costa, a cujo santo se obrigaro por ser os mensrios da companhia e pelos seus particulares bens e despesa prpria, a festejar anualmente, para ter propicio to grande patrocnio, debaixo do qual crescero as suas felicidades, . Proporo do que lhes auspicia o nome do mesmo santo.

Essa boa conscincia dos negreiros era total. Por volta de 1820, diversos comerciantes estabelecidos em Angola solicitaram ao rei de Portugal, refugiado no Brasil desde 1808, recompensas pelo zelo que sempre souberam demonstrar nessa espcie de atividade. Alguns dentre eles solicitaram promoo ao grau honorfico de coronel; outros imploraram a graa de serem condecorados com a Ordem do Hbito de Cristo... verdade que cerca de noventa e quatro por cento da receita de Angola provinham na poca, de taxas sobre o trfico de escravos exportados para o Brasil, principalmente em Recife, em Pernambuco. Da, o surgimento, dois anos mais tarde, de um movimento que preconizava a unio dessa colnia africana com o Brasil, j independente a essa altura em vez de permanecer ligada a Portugal. Apesar de tais tentativas, Angola continuou presa sua mo poderosa, protegia o navio brasileiro, permitindo-lhe escapar do perigo e entrar calmamente na enseada.