falsos deuses livro

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um livro muito bom para entendermos aquem estamos adorando.

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FalsosDeuses

As promessas vazias de dinheiro, sexo e poder, e a única esperança que importa

TIMOTHY KELLER

Título original Counterfeit Gods© 2009, por Timothy KellerRiverhead Books – Nova Iorque

Tradução © Paulinas EditoraTradutora Maria do Rosário Pernas

Capa Departamento Gráfico Paulinas Pré-impressão Paulinas Editora – Prior Velho

Impressão e acabamentos Artipol – Artes Tipográficas, Lda. Águeda

ISBN 978-989-673-225-7(edição original 978-1-59448-549-7)

© Abril 2012, Inst. Miss. Filhas de São PauloRua Francisco Salgado Zenha, 11 2685-332 Prior VelhoTel. 219 405 640 - Fax 219 405 649e-mail: [email protected]

SEM VALOR COMERCIAL

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[No mundo greco-romano,] cada cidadeadorava as suas divindades preferidas e cons -truía santuários à volta de imagens de culto.Quando Paulo foi a Atenas, viu que esta es -tava literalmente cheia de imagens dessas di -vindades (Atos 17,16). O Pár te non de Atenasofuscava tudo o resto, mas havia outrasdivindades representadas em cada espaçopúblico. Havia Afrodite, a deusa da beleza;Ares, o deus da guerra; Ár temis, a deusa dafertilidade e da ri que za; Vulcano, o deus for-jador e do fogo.

A nossa sociedade contemporânea não éfundamentalmente diferente dessas so cie -dades antigas. Cada cultura é dominada pelasua própria série de ídolos. Cada uma tem os

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seus «sacerdócios», os seus totens e os seusrituais. Cada uma tem os seus santuários –quer se trate de torres de es cri tórios, de spas

e ginásios, de estúdios ou de estádios –, ondetêm de se fazer sacrifícios, a fim de obter asbênçãos de uma boa vida e de afastar as ca -tás trofes. Não serão esses os deuses da be -leza, do poder, do dinheiro e da realizaçãopessoal, precisamente aquelas coisas queassumiram proporções míticas na nossa vidaindividual e na nossa sociedade? Podemosnão nos ajoelhar fisicamente frente à estátuade Afro dite, mas muitas jovens mulheres dehoje caem na depressão e em distúrbios ali-men tares, devido a uma preocupação obses- siva com a sua imagem física. Podemos nãoqueimar incenso a Ártemis, mas, quando odi nheiro e a carreira são elevados a propor -ções cósmicas, fazemos uma espécie de «sa-cri fício de crianças», negligenciando a fa mí -lia e a comunidade para alcançar um posto

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mais elevado na empresa, e para ganharmais dinheiro e prestígio.

Aquilo que Abraão conseguiu ver foi queesta prova tinha a ver com amar a Deusacima de tudo. No fim, o Senhor disse-lhe:«Agora sei que temes a Deus.» (…) Isto nãoquer dizer que Deus estivesse a tentar des-cobrir se Abraão o amava ou não. Deus, quetudo vê, sabe o estado de cada coração. Pelocontrário, Deus estava a fazer passar Abraãopelo fogo, de tal modo que o seu amor aDeus pudesse finalmente «tornar-se comoouro puro». Não é difícil ver por que razãoDeus estava a usar Isaac como meio para oconseguir. Se Deus não tivesse intervindo,Abraão acabaria certamente por amar o seufilho mais do que tudo no mundo, se é quenão o amava já assim. Isso seria idolatria, etoda a idolatria é destrutiva.

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Segundo essa perspetiva, vemos que aforma extremamente dura como Deus tra touAbraão, na verdade, foi misericordio sa. Isaacfora um dom maravilhoso para Abraão, maseste não poderia tê-lo e man tê-lo com segu-rança, enquanto não estivesse disposto a pôrDeus em primeiro lugar. Enquanto Abraãonão tivesse de escolher entre o seu filho e aobediência a Deus, não poderia ver que oseu amor se es tava a tornar idolátrico. Deigual modo, tam bém nós podemos não per-ceber até que ponto a nossa carreira setornou um ídolo para nós, enquanto nãoformos confrontados com uma situação emque dizer a verdade ou agir de forma íntegrasignifique um golpe sério na nossa promo-ção profissional. Se não estamos dispostos asacrificar a nossa carreira para fazer a von-tade de Deus, o nosso trabalho transformar--se-á num falso deus.

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Se nos casamos, como Jacob, pondo todasas nossas esperanças e desejos mais profun-dos na pessoa com quem casamos, vamosesmagar essa pessoa com as nossas expecta-tivas. Isso distorcerá a nossa vida e a vida donosso cônjuge, de mil e uma ma neiras dife-ren tes. Não há ninguém, nem sequer a me -lhor pessoa, que consiga dar à nossa almatudo aquilo de que ela precisa. Vamos pen -sar que fomos para a cama com Raquel, mas,ao acordar, deparar-nos-emos sempre comLia. Esta desilusão cósmico percorre toda anossa vida, mas sentimo-lo, de modo espe-cial, nas coisas em que pusemos todas asnossas esperanças.

Quando, finalmente, se chega a tal con-clusão, há quatro coisas que se podem fazer.Podem-se culpar as coisas, que são fonte dede silusão, e tentar escolher, antes, outras me -lhores. É a forma da idolatria e da adição es -piritual contínuas. A segunda coisa que sepode fazer é a pessoa culpar-se e castigar-se

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a si própria, dizendo: «Fra cassei de algummodo. Vejo que todos os outros são felizes.Não sei porque é que eu não o sou. Há qual-quer coisa de errado comigo.» É a forma daautoculpabilização e da vergonha. Terceiro,pode-se culpar o mundo. Podemos dizer:«Maldito seja todo o sexo oposto», tornando--nos, nesse caso, pessoas duras, cínicas evazias. Fin alm en te, como diz C. S. Lewis, nofim do seu gran de capítulo sobre a espe-rança, pode mos reorientar toda a nossa vidapara Deus. E conclui: «Se eu encontrar emmim um desejo que nenhuma experiência nomundo pode satisfazer, a explicação maisprovável é que eu fui criado para outromundo...».

Para compreendermos de que forma ocoração de Zaqueu começou a mudar, de -víamos pensar que os falsos deuses se apre-

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sentam às mãos-cheias, tornando a estruturaidolátrica do coração bastante complexa. Pordebaixo dos «ídolos superficiais» que servi-mos – e que são mais concretos e visíveis –,há os «ídolos profundos», dentro do coração.

O pecado, no nosso coração, afeta osnossos impulsos motivacionais, de tal modoque eles se tornam idólatras, «ídolos profun-dos». Algumas pessoas são fortemente moti-vadas por um desejo de in fluência e depoder, ao passo que outras se sentem maisentusiasmadas com a apro va ção e o apreçod os outros. Alguns desejam conforto emo-cional e físico mais do que qualquer outracoisa, enquanto outros, ainda, desejam segu-rança e poder controlar o seu ambiente. Aspessoas com o ídolo profundo do poder nãose importam de ser impopulares, só paraganhar influência. As pessoas mais motiva -das pela apro vação dos outros são o oposto:perderiam de bom grado o seu poder e ca -pacidade de controlo, desde que toda a gente

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pensasse bem deles. Cada ídolo profundo –poder, aprovação, conforto ou controlo –gera uma série diferente de medos e umasérie diferente de esperanças.

Os «ídolos superficiais» são coisas taiscomo o dinheiro, o cônjuge ou os filhos,através dos quais os nossos ídolos profundosprocuram a sua realização. Muitas vezes,somos superficiais na análise das nossasestruturas idolátricas. Por exemplo, o dinhei -ro pode ser um ídolo superficial que servepara satisfazer impulsos mais profundos.Algumas pessoas querem ter muito dinhei -ro, como forma de controlar o seu própriomundo e a sua vida. Essas pessoas, geral-men te, gastam pouco dinheiro e vivem deforma muito modesta. Guardam-no bemguar dado e investem-no, para que se possamsentir completamente seguras no mundo.Outros querem dinheiro para aceder a cír-culos sociais e para se tornarem bonitos eatraentes. Essas pessoas gastam o seu dinhei -

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ro consigo mesmas de forma ex travagante.Outras pessoas querem dinhei ro porque estelhes dá muito poder sobre os outros. Emcada caso, o dinheiro funcio na como ídolo e,no en tan to, devido a vários ídolos profun-dos, dá origem a pa drões de comportamentomuito diferentes.

Mais do que os outros ídolos, o êxito pes-soal e a autorrealização produzem um senti-mento de que somos deuses, de que a nossasegurança e valor dependem da nossaprópria sabedoria, força e desempe nho. Parasermos os melhores, naquilo que fazemos,estar no topo da pirâmide significa que nin -guém é como nós. Nós somos supremos.

Um sinal de que fabricámos um ídolo doêxito é o falso sentimento de segurança queisso nos transmite. Os pobres e marginaliza-dos esperam sofrer, sabem que a vida sobre a

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terra é «miserável, brutal e curta». As pes-soas bem sucedidas ficam muito mais cho -cadas e transtornadas com os problemas.Como pastor, tenho ouvido muita gente dotopo da escala social dizer: «A vida nãodevia ser assim», quando se con frontam coma tragédia. Nos meus anos de pastor, nuncaouvi essa linguagem da boca dos operários edos pobres. O falso sentimento de segurançaprovém de deificarmos as nossas realizaçõese de esperarmos que estas nos preservemdas preocupações da vida de uma forma quesó Deus pode fazer.

Outro sinal de que fizemos da autorrea-lização um ídolo é que ela distorce a suavisão sobre si próprio. Quando as suas reali -zações servem de base ao seu valor comopessoas, elas podem dar azo a uma visãoinflacionada das suas capacidades.

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[O teólogo americano] R. Niebuhr re -conhe ceu outra forma da «vontade de po -der». A pessoa não transforma o povo, mas aprópria filosofia política, numa fé sal vado-ra. Isso acontece quando a política se torna«ideologia».

A ideologia pode ser utilizada em referên -cia a qualquer conjunto de ideias coeren tesacerca de determinado tema, mas tambémpode ter uma conotação negativa com outrapalavra, relativamente: idolatria. Uma ideolo-gia, tal um ídolo, é uma descri ção limitada eparcial da realidade, eleva da ao nível daúltima palavra sobre a realidade. Os ideólo-gos pensam que a sua escola ou partido tema resposta real e com pleta aos problemas dasociedade. Aci ma de tudo, as ideologiasocul tam aos seus aderentes a respetiva de -pendência de Deus.

O exemplo mais recente de uma impor-tante ideologia que fracassou é o comunismo.Durante cerca de cem anos, um gran de nú -

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mero de pensadores ocidentais tinham gran -des esperanças naquilo que ou trora se de no -minava «socialismo científico». Contudo,entre o fim da Segunda Guerra Mundial e aqueda do Muro de Ber lim, em 1989, essascrenças des mo rona ram-se.

Os ídolos não só assumem uma forma individual, mas também podem ser corpora-tivos e sistémicos. Quando estamos com ple-tamente mergulhados numa sociedade depessoas que consideram determinada ligaçãoidolátrica normal, torna-se quase impossíveldiscerni-lo na sua própria essência. [...]

A. Delbanco [The Real American Dream] explica como a grande mudança cultural conhe cida por Iluminismo abandonou a orto-doxia religiosa e colocou, no lugar de Deus,coisas como o sistema americano ou a autor-realização individual. Os resultados não

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foram bons. Colocar a Nação, no lugar deDeus, conduz ao imperialismo cultural, ecolo car o Ego, no lugar de Deus, conduz amuitas das dinâmicas disfuncionais que ana-lisámos ao longo deste livro. Porque é que anossa cultura abandou, em grande parte,Deus como sua Esperança? Creio que o fezpor que as nossas comunidades religiosassempre estiveram e continuam a estar cheiasdesses falsos deuses. Fazer um ídolo do rigordoutrinal, do êxito ministerial ou da retidãomoral provoca constantes conflitos internos,arrogância e presunção e à opressão daque-les cujas opiniões são diferentes. Estes efeitostóxicos da idolatria religiosa têm dado ori gema um descontentamento generalizado, com areligião, em geral, e com o Cristianis mo, emparticular. Pensando que estávamos a expe-rimentar Deus, recorremos a outras espe-ranças, com consequências devastadoras.

Timothy Keller, considerado um doscristãos mais influentes dos EUA,nasceu e cresceu na Pensilvânia eestudou na Universidade de Buckbnell,no Seminário de Teologia Gordon--Conwell e no Seminário de Teologiade Westminster. Em 1989, com a suaesposa, Kathy, e os seus três filhos,fundou uma das mais inflamadasigrejas do coração de Nova Iorque(Manhattan), a Igreja Presbiteriana doRedentor, hoje, com ramificações emtodo mundo. As suas reflexõesteológicas, vertidas numa linguagemmuito agradável e acessível, sãoincisivas na identificação e denúnciados mais abscônditos aspetos de raizpagã que a cultura contemporâneaajudou a alojar no coração do homematual, e que se vão conver tendo emautênticos ídolos, aos quais, ainda quede forma subliminar, todos vamosprestando culto.

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TIMOTHY KELLER