determinismo e liberdade

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Conceito: “Determinismo é o princípio fundamental de todas as ciências experimentais, segundo o qual os fenómenos naturais estão relacionados uns com os outros através de leis.” Jqueline Russ, Dictionnaire de Philosophie, Paris Bordas, 1991 O determinismo será compatível com a natureza humana? A resposta é NÃO!, como afirma F. Savater: “Com os homens nunca podemos ter bem a certeza, ao passo que com os animais, ou outros seres naturais, sim. Por grande que seja a nossa programação biológica ou cultural, nós seres humanos, podemos acabar por optar por algo que não está programado.” F. Savater, Ética para um jovem. 5ªEd. Lisboa, Ed. Presença, 1998 Tipos básicos de determinismo Pré-determinismo: Se, como Laplace, o deísmo e o behaviorismo, supuséssemos que todo efeito já está completamente presente na causa, temos um determinismo mecanicista onde a determinação é colocada no passado, numa cadeia causal totalmente explicada pelas condições iniciais do universo. Pós-determinismo: Se, como na teleologia, supuséssemos que toda causalidade do universo é determinada por alguma finalidade, temos um determinismo mecanicista onde a determinação é posta no futuro pela imaginação de alguma entidade exterior ao universo causal (Deus). Co-determinismo: Se, como na teoria do caos, na teoria da emergência ou no conceito de rizoma, supuséssemos que nem todo efeito está totalmente contido na causa, isto é, que o próprio efeito pode simultaneamente interagir (causalmente) com outros efeitos, podendo inclusive acarretar um nível de realidade diferente do nível das causas anteriores (por exemplo, a interacção no nível Determ inismo e Liberdade

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Page 1: Determinismo e liberdade

Conceito:

“Determinismo é o princípio fundamental de todas as ciências experimentais, segundo o qual os fenómenos naturais estão relacionados uns com os outros através de leis.”

Jqueline Russ, Dictionnaire de Philosophie, Paris Bordas, 1991

O determinismo será compatível com a natureza humana?

A resposta é NÃO!, como afirma F. Savater:

“Com os homens nunca podemos ter bem a certeza, ao passo que com os animais, ou outros seres naturais, sim. Por grande que seja a nossa programação biológica ou cultural, nós seres humanos, podemos acabar por optar por algo que não está programado.”

F. Savater, Ética para um jovem. 5ªEd. Lisboa, Ed. Presença, 1998

Tipos básicos de determinismo

Pré-determinismo: Se, como Laplace, o deísmo e o behaviorismo, supuséssemos que todo efeito já está completamente presente na causa, temos um determinismo mecanicista onde a determinação é colocada no passado, numa cadeia causal totalmente explicada pelas condições iniciais do universo.

Pós-determinismo: Se, como na teleologia, supuséssemos que toda causalidade do universo é determinada por alguma finalidade, temos um determinismo mecanicista onde a determinação é posta no futuro pela imaginação de alguma entidade exterior ao universo causal (Deus).

Co-determinismo: Se, como na teoria do caos, na teoria da emergência ou no conceito de rizoma, supuséssemos que nem todo efeito está totalmente contido na causa, isto é, que o próprio efeito pode simultaneamente interagir (causalmente) com outros efeitos, podendo inclusive acarretar um nível de realidade diferente do nível das causas anteriores (por exemplo, a interacção no nível molecular formando um outro nível de realidade, a vida, ou a interacção entre indivíduos formando um outro nível de realidade, a sociedade), temos um determinismo onde a determinação é colocada no presente ou na simultaneidade dos processos.

Determinismo e Liberdade

Os críticos do determinismo reivindicam a não-causalidade para justificar o livre-arbítrio e a livre escolha, geralmente atribuindo aos deterministas um mecanicismo ou fatalismo tal como no pré-determinismo e no pós-determinismo citados acima. O que acima de tudo diferencia os deterministas, quaisquer que sejam, de seus críticos é a afirmação destes últimos de que a

Determinismo e Liberdade

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alma, a vontade, o desejo e a escolha existem num universo à parte, separado do universo causal.

Para os críticos do determinismo, só essa posição dominante e exterior da alma pode explicar a liberdade. No entanto, há quem considere que essa crítica não leva em conta o terceiro exemplo de determinismo (co-determinismo), que reconhece modos de causalidade que engendram vários níveis de realidade (por exemplo, molecular, biológico, psíquico, social, planetário...), cada qual com uma consistência que lhe dá autonomia, jamais cessando, porém, de interagir com os outros níveis.

Filósofos tais como Deleuze, Espinoza e Nietzsche não vêem contradição alguma entre determinismo radical e liberdade. Para Deleuze, liberdade não é livre escolha nem livre-arbítrio, mas sim criação. Somos livres porque somos imanentes ao mundo determinista, mundo onde não existe nada que seja singularmente determinado que não seja ao mesmo tempo singularmente determinante. Se supuséssemos que somos exteriores ao mundo determinista, cai-se num determinismo inerte passadista (pré-determinismo), onde, segundo ele, só nos resta a liberdade empobrecida chamada livre-arbítrio e livre escolha, que é pré-determinismo porque toda escolha e arbítrio se dá entre duas ou mais entidades dadas, isto é, já determinadas, já criadas

Determinismo e Liberdade na Acção Humana

Provavelmente, a maioria de nós desejaria ir ao cinema ou ir passear em vez de ir estudar para se preparar para um teste ou para um exame. Mas tendo em conta o seu projecto profissional ou de vida, é voluntariamente que opta pelo estudo e pelo trabalho em vez de preferir o lazer.Será o Homem de facto livre? Será a liberdade uma característica exclusivamente humana?Kant, a propósito desta problemática da diferenciação entre o Homem e os restantes seres e objectos naturais, defendia, justamente, que somente os seres racionais são livres estando tudo o resto sujeito a leis fixas, ou seja, a um determinismo natural. Para Kant, o Homem é um ser livre e é essa característica que o torna um ser diferente de todos os outros seres naturais. Todos os seres naturais estão sujeitos a leis. O Homem é o único ser livre.De um ponto de vista filosófico, o termo determinismo designa esta esta convicção de que todo o fenómeno é rigorosamente determinado por aqueles que o precederam ou acompanham, sendo a sua ocorrência necessária e não dependente da vontade do agente.Há filósofos que negam a existência da liberdade humana. Tais pensadores são de opinião de que tudo o que acontece tem uma razão de ser e é por desconhecermos essa razão de ser, oculta, que pensamos que somos livres e que somos nós que decidimos e escolhemos como agir.Se admitirmos que o determinismo é uma teoria defensável, temos de concluir que cada ser humano é simplesmente uma espécie de marioneta, sendo a sua conduta apenas uma consequência de forças externas (uma vontade divina ou um destino) ou interiores, físicas ou psicológicas, que o determinam necessariamente sem lhe deixar qualquer possibilidade de escolha. As nossas escolhas seriam apenas aparentes, ou seja, a liberdade humana não é um facto mas uma ilusão.Se optarmos por reconhecer que o ser humano não é uma espécie de marioneta nas mãos do destino e que, pelo contrário, possui capacidade e necessidade de escolher, então

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reconhecemo-lo como um ser livre e não pré-determinado a reagir às suas necessidades e aos estímulos ambientais de uma maneira única, automática e independente da sua vontade. No domínio da acção (política, ética, estética, etc.) o ser humano não nasce pré-programado para agir de um determinado modo, independentemente da sua deliberação, decisão e acção. Pelo contrário, faz parte da sua natureza ter de escolher entre diferentes alternativas de acção, ponderadas as circunstâncias em que ela tem lugar.Assim, temos de concluir que a liberdade não é a ausência de constrangimentos externos ou internos, nem a possibilidade de agir independentemente de quaisquer obstáculos ou determinismos. É ter a possibilidade de escolher e decidir o que fazer de nós próprios, que tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os factores e condicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que são simultaneamente limitações e desafios.Cada um de nós tem de reconhecer princípios e normas impostas exteriormente pela sociedade em que vivemos (nível sócio-cultural e jurídico) e princípios e normas impostos a cada um por si mesmo (nível ético-moral). Este reconhecimento não significa determinismo. Traduz e manifesta a liberdade humana que se define como a capacidade de auto-determinação, ou seja, a possibilidade e a necessidade de sermos nós a orientar a nossa acção e, desse modo, a definir e a moldar a nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da acção.Se a acção resulta da nossa vontade, se foi resultado de um propósito e decisão individuais, então agir implica também assumir a responsabilidade pelas nossas acções e pelas consequências que delas resultem.A responsabilidade obriga-nos a prestar contas pelos actos e intenções perante a sociedade civil e perante a nossa consciência moral. Só é moralmente responsável o indivíduo que agiu livremente, sem ter sido obrigado ou constrangido a fazer algo contra sua vontade e se, tendo plena consciência do que faz e das respectivas consequências, quer fazer o que faz.