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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, Nº 30: 297-311 JUN. 2008

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, n. 30, p. 297-311, jun. 2008

Walter Marcos Knaesel Birkner

DESENVOLVIMENTO REGIONAL EDESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVAUM ESTUDO COMPARATIVO DOS CASOS DE MINAS GERAIS,

CEARÁ E SANTA CATARINA1

Recebido em 17 de abril de 2007.Aprovado em 25 de maio de 2007.

O trabalho apresenta sucintamente três experiências de descentralização governativa. São os casos dosestados de Minas Gerais, do Ceará e de Santa Catarina. A análise dos referidos casos permitiu observardois importantes aspectos para avaliar as políticas de descentralização governativa e de desenvolvimentoregional: o primeiro é o problema das soluções de continuidade, que afetam as políticas públicas erepresentam ameaça a cada sucessão eleitoral. O segundo relaciona-se à necessidade de qualificação dosagentes governamentais envolvidos com as mencionadas políticas, cujo êxito está em parcial dependênciadesse aspecto. No estado de Minas Gerais, um processo de descentralização sofreu interrupção definitiva.No estado do Ceará, observa-se um continuísmo modernizante. Já no caso catarinense, a substituição deuma iniciativa por outra provocou inflexões, mas não interrompeu a dinâmica.

PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento regional; descentralização político-administrativa; Minas Gerais;Ceará; Santa Catarina.

I. INTRODUÇÃO

Desde a década de 1990 tem-se multiplicado onúmero de experiências e de políticas públicasvoltadas à promoção do desenvolvimento local-regional. Essas experiências são marcadas peladescentralização governamental e pela aproxima-ção menos vertical à sociedade, representando umsintoma da democratização brasileira. Tais pro-cessos de descentralização político-administrati-va não chegam a ser exclusividade dos regimespolíticos abertos2. Todavia, são muito mais fre-qüentes em ambientes políticos não restritivos àparticipação e à liberdade e marcados por uma

cultura de cooperação e de mobilização sem cons-trangimentos institucionais aos direitos políticos.

Além da familiaridade com a democracia, asatuais políticas de desenvolvimento revelam suafaceta mais objetiva: representam um conjuntomais ou menos coerente de alternativas a ummodelo de desenvolvimento esgotado. Ainda quenão se oponham frontalmente ao processo de ur-banização-industrialização, as novas políticas dedesenvolvimento procuram combater os efeitosda concentração demográfica desse processo. Nãoobstante, tentam represar o curso (migratório) queo modelo oriundo da Revolução Industrial, inten-sificado no período posterior à II Guerra Mundi-al, provoca por sua própria natureza.

1 Artigo resultante de trabalho de pesquisa financiado pelaFundação de Apoio à Pesquisa de Santa Catarina (Fapesc)e apresentado no XII Congresso da Associação Portuguesade Desenvolvimento Regional (APDR), realizado de 15 a17 de setembro de 2006 em Viseu (Portugal), e no IIISeminário Internacional de Desenvolvimento Regional daUniversidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) (Rio Grande doSul), de 17 a 20 de outubro de 2006.

2 No primeiro ano do regime militar brasileiro foi criado oServiço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau),incentivando o planejamento micro-regional e os planos

diretores de desenvolvimento local integrado (MARCON& MARQUES, 2001, p. 200). Desse processo sãoresultantes, por exemplo, as Associações de Municípiosde Santa Catarina, existentes até hoje e cuja primeira foicriada em 1964, primeiro ano daquele regime autoritário.Na década seguinte, o Serfhau foi incorporado pelaSuperintendência para o Desenvolvimento da Região Sul(Sudesul), que criou um programa de cooperação técnicaaos municípios, estimulando o crescimento das associaçõesno país.

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DESENVOLVIMENTO REGIONAL E DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

Durante o século XX medrou o mito do de-senvolvimento. Muitas nações cresceram econo-micamente, algumas enriqueceram, enquanto ou-tras ainda se assanham. Todavia, mundialmente,o mito do desenvolvimento gerou expectativas semcorrespondência com sua desencantadora lógicacumulativa e concêntrica, e em desconhecimentopara com os limites ecológicos do planeta. Sejapor sua lógica, pela miopia de estadistas, de con-sultores econômicos, ou ainda por razões antro-pológicas, esse modelo provocou o empobreci-mento das sociedades economicamente periféri-cas, o que é estatisticamente demonstrável(RIVERO, 2002, p. 135). Logo, é fácil afirmarque a globalização asseverou a deterioração dasrelações de troca, em prejuízo das economias pe-riféricas, dando voz, uma vez mais, à teoriacepalina. E, somando a isso a carência de investi-mentos estatais e privados desde a década de 1980na América Latina, identifica-se a principal mis-são das atuais políticas de desenvolvimento: criarcondições endógenas de desenvolvimento.

Por sua vez, o sucesso dessas políticas estána dependência de alguns fatores. Se admitimosque elas têm chances maiores na democracia, entãoé preciso perguntar se a democracia institucionalconstitui um ambiente suficientemente favorável.A resposta é não. Mais do que instituições, é ne-cessária a predisposição democrática dos atores.Se considerarmos a particularidade brasileira, etalvez latino-americana, é certo dizer que as insti-tuições a promovam, como também é certo reco-nhecer que o fazem em velocidade aquém do ne-cessário. No caso brasileiro, respeitadas as dife-renças regionais, o fato é que as práticas demo-cráticas caminham, lado a lado, com as práticasautoritárias, marcando muitas das iniciativas peloproblema da solução de continuidade, isto é, pelainterrupção do que estava em andamento. Assim,a necessidade de fomentar o desenvolvimentoendógeno por meio de políticas públicas, normal-mente bem formuladas, esbarra nos vícios e vi-cissitudes de uma sociedade marcada por rela-ções verticais e de alheamento à coisa pública e àsrelações de cooperação.

No campo das disputas políticas, essas condi-ções se materializam e causam as interrupçõessocialmente indesejáveis, mas dificilmente evitá-veis por conta da sobreposição dos interesses“autistas” de grupos políticos. Constituem barrei-ras ao desenvolvimento e representam uma parte

dos desafios a se superar. No interior desse con-texto, apresentaremos três casos regionais queconfirmam a importância do exposto. São os ca-sos de Minas Gerais, Ceará e Santa Catarina. Par-te da descrição dos dois primeiros casos contacom a contribuição de um artigo do economistaPedro S. Bandeira (1999), que suscitou o interes-se pelas referidas experiências.

II. MINAS GERAIS

No estado mineiro, por iniciativa da Assem-bléia Legislativa em 1993, começaram a realizar-se as audiências públicas regionais com a finali-dade de inserir as demandas da sociedade nos or-çamentos anuais. Essas audiências, de caráter es-tritamente orçamentário, eram realizadas nos mu-nicípios para a escolha de representantes às audi-ências estaduais, entre vereadores, prefeitos esociedade civil. Na fase estadual, esses represen-tantes apresentavam as propostas de seus respec-tivos municípios, depois de exposições verbais deagentes do poder Executivo, do poder Judiciárioe do Tribunal de Contas do estado sobre as con-dições e possibilidades de atendimento às deman-das regionais. Em seguida, as propostas eram oral-mente apresentadas e submetidas à votação paraa definição de uma “ordem de prioridade”.

Até o ano de 1996 a maior parte delas não saiudas intenções, tendo recebido pouca atenção go-vernamental (BANDEIRA, 1999). Logo, o inter-valo de tempo entre uma audiência e outra tam-bém aumentou, passando a ser bi-anual. Não épreciso muito esforço para deduzir que um pro-cesso com tal periodicidade não tem poder deimpacto real sobre os comportamentos dos ato-res. No ano de 1998, quando uma nova rodada deaudiências havia sido marcada, elas foramsuspensas sob a justificativa de se tratar de anoeleitoral. A avaliação aponta também para proble-mas operacionais entre o Executivo e o Legislativoestaduais, o que seria em grande parte responsá-vel pela inexecução das propostas prioritárias de-finidas nas audiências, minando a credibilidade doprocedimento em relação à sociedade.

Além do aspecto rigorosamente orçamentáriodas audiências, outro problema foi seu aspectoestanque, isto é, o esgotamento das audiências emsi mesmas, sem um processo de continuidade dostrabalhos em que atores governamentais e da so-ciedade civil pudessem estabelecer contínuos con-tatos e formar redes de informação, de discussãoe de elaboração de estratégias para uma ação mais

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organizada e refletida. De certa forma, é possívelpresumir, as audiências não se constituíram emespaços de reflexão mais examinada das realida-des regionais e, tampouco, em canais permanen-tes de comunicação entre as comunidades locaise a esfera do governo estadual. Evidentemente,faltaram diagnósticos e formulação de projetos,como a escolha adequada de prioridades que pu-dessem justificar as propostas oriundas de “ins-tâncias permanentes de representação e articula-ção dos atores regionais” (idem). Por conseqüên-cia, obviamente, gerou-se uma situação marcadapelo voluntarismo e pela superficialidade demo-crática, em que a simbologia do procedimento deouvir a sociedade, ainda que ineficiente, se sobre-pôs à necessidade de gerar resultados eficientes.

Todavia, um importante fator de sobreposiçãoa essa iniciativa do poder Legislativo partiu doExecutivo estadual, que no ano de 1995 determi-nou a criação de 25 regiões administrativas com afinalidade de promover a descentralização admi-nistrativa, a fim de agilizar o atendimento à popu-lação no interior do estado. Contudo, segundoBandeira (1999), essa iniciativa não estabeleceurelação direta com as audiências públicas, provo-cando uma duplicação de papéis. Criando os car-gos de coordenadores regionais, o poder Executi-vo estadual atribuiu-lhes as funções de “identifi-car, priorizar e encaminhar os problemas e as rei-vindicações regionais”, sem deixar clara a partici-pação da sociedade civil, permitindo assim o esta-belecimento de um conflito de funções entre es-sas duas instâncias regionais. Segundo informa-ções obtidas em 2005 na Secretaria de Planeja-mento e Gestão de Minas Gerais, o objetivo decriar as regiões administrativas era “aproximar oEstado do cidadão e desconcentrar serviços quesó eram oferecidos na Capital”3. Apesar de as dis-cussões terem se iniciado em 1994, no processoeleitoral, as regiões administrativas foram implan-tadas somente em 1997, tendo à frente do pro-cesso o professor Paulo Haddad, ex-Ministro dogoverno federal de Itamar Franco e conhecedorda temática do desenvolvimento regional. Partici-param do projeto vários técnicos da Secretaria dePlanejamento, do Instituto de Geociências e da

Fundação João Pinheiro4.

Por meio das administrações regionais, o go-verno estadual daquele período criou um serviçode atendimento direto ao cidadão, atendendo areclamações de toda ordem e facilitando o acessoa diversos serviços burocráticos. Além disso, ha-via a intenção de gradativamente descentralizar aslicitações menores, criar serviços de licitações deobras e articular as regionais setoriais dos váriosórgãos estaduais que permitissem integrar as vá-rias agências do serviço público estadual no inte-rior, até então desarticuladas. Mas esse processotambém foi prematuramente interrompido.

O que impossibilitou qualquer resultado e ava-liação mais concretos foi a efêmera duração daexperiência, iniciada em 1997. Isso porque, doisanos depois, a referida política de descentralizaçãofoi abandonada pelo governo seguinte. Neste caso,sequer tratou-se de um caso clássico de soluçãode continuidade, embora na prática tenha sido esseo resultado, por conta de um revanchismo políti-co não somente partidário, mas pessoal. Em ou-tras palavras, não houve uma ação direta de extinçãodas regionais, ordenada pelo governo subseqüen-te. O poder Executivo simplesmente fez “corpomole” para as regionais, diminuindo progressiva-mente os recursos necessários à manutenção daestrutura, gerando natural inércia, até o seudefinhamento. Não houve qualquer avaliação qua-litativa sobre os impactos que esse arranjo dedescentralização político-administrativa possa terpromovido na relação do governo estadual com apopulação atendida. Nesse ponto da análise, a con-sideração de aspectos próprios das disputas polí-ticas ajuda a entender, ao menos parcialmente, ainterrupção de tais experiências. Segundo avalia-ções obtidas por meio de entrevistas com atoresgovernamentais, vaidades pessoais foram, comosão com freqüência nesses casos, a causa nãorevelada do desinteresse pela referida política. Istoé, teria sido importante para o subseqüente chefedo poder Executivo desmerecer o valor da inicia-tiva inspirada por uma personagem política quehavia sido outrora um aliado fiel, mas com quemteve desavenças posteriores. Todavia, em vez de

3 As palavras são do então coordenador das Regionais daSecretaria de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, osociólogo Jorge Santana.

4 Instituto governamental de pesquisa, consultoria eassessoria nas áreas de planejamento urbano, administraçãopública e privada, estudos históricos, culturais, econômicos,entre outros.

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dar termo ao programa, permitiu seudefinhamento, privando-o dos recursos necessá-rios ao funcionamento de sua logística.

Conquanto breve, cabe destacar o aspecto daqualidade do corpo técnico envolvido na formula-ção e operacionalização dessa política dedescentralização. A menção a esse fator tem sidofeita por certos autores, como se lerá adiante, querelevam o preparo profissional dos agentes go-vernamentais para as possibilidades de êxito naspolíticas públicas. Nesse aspecto, o processo deregionalização do estado mineiro apontava boaspossibilidades de êxito. Além da coordenação ge-ral por um especialista em desenvolvimento regi-onal, o quadro técnico que operacionalizou aefêmera experiência de regionalização foi compos-to por agentes governamentais ligados à já menci-onada Fundação João Pinheiro, cuja especialidadesempre foi a assessoria ao desenvolvimento dosmunicípios mineiros. Assim, embora aparentemen-te indispensável, o aspecto da competência go-vernamental aparece na dependência do jogo deforças políticas que, no caso mineiro, prejudicouum processo inicialmente marcado pelo aspectoda eficiência técnica.

De todo modo, o partido político, cujo Gover-nador formulou e implantou as regionais durantea gestão 1995-1998, voltaria ao poder em 2003,fazendo-se presumir que as regionais poderiamser reativadas. Entretanto, em circunstâncias di-ferentes, a idéia de retomá-las não teve o entusi-asmo suficiente. Segundo o sociólogo JorgeSantana, técnico do governo mineiro em 2005 eque à época coordenou diretamente o processode descentralização, a partir de 2003, o foco daadministração pública estadual passou a estar narecuperação das finanças públicas, o que teria tor-nado a conduta dos atuais gestores naturalmentemais concentradora. Desde então, não tem havi-do propriamente qualquer reformulação na dire-ção da regionalização político-administrativa noestado, o que demonstra o desperdício de esfor-ços causado pelas soluções de continuidade5.

É importante, assim, destacar o efeito destrui-dor das soluções de continuidade. Se não há como

afirmar que o prosseguimento daquela política te-ria alcançado relativo êxito a ponto de estar atual-mente em funcionamento, é no mínimo presumívelque isso poderia ter acontecido. Se tal política dedescentralização tivesse resistido durante o segun-do governo, dificilmente haveria justificativas parainterrompê-la pelo governo subseqüente, cujo par-tido, afinal, foi o responsável por sua criação.Nesse caso, fica evidente o dispêndio de recursospúblicos, humanos e materiais, além das sinergiasentre público e privado, que poderiam ter permiti-do a prosperidade de uma iniciativa voltada àmelhoria da governança e à promoção de ambien-tes endógenos favoráveis ao desenvolvimento. Éclaro, por conseguinte, o prejuízo público oriun-do das soluções de continuidade em políticas dedesenvolvimento, vitimadas pelas idiossincrasiasdas alternâncias de poder, num sistema políticodemocrático sem a suficiente predisposição ho-mônima de seus executores.

III. CEARÁ

Na gestão do governo cearense, entre 1995 e1998, foram também implantados conselhos re-gionais de participação com o objetivo de melho-rar a governança na busca de alternativas ao de-senvolvimento sustentável das sub-regiões, pro-curando aperfeiçoar os recursos públicos por meioda descentralização administrativa e de “técnicasgerenciais adequadas e da mobilização da socie-dade” (Ceará apud BANDEIRA, 1999, p. 51).Nesse caso, o governo do estado contratou aUniversidade Federal do Ceará para a organiza-ção, numa primeira etapa, dos Conselhos Munici-pais de Desenvolvimento Sustentável nos 184municípios, com a participação mista entre go-verno e sociedade civil. Na segunda etapa, cria-ram-se vinte sub-regiões administrativas, cada qualcom um Conselho Regional de DesenvolvimentoSustentável (CDRS), composto pelos prefeitos,pelos deputados mais votados, por dirigentes deórgãos estaduais e federais das próprias regiões,além de representantes da sociedade civil indica-dos pelos conselhos municipais de Desenvolvi-mento.

Esses conselhos regionais passaram a ter ca-ráter consultivo perante o governo, e foram com-prometidos a identificar os problemas em cadaregião, suas potencialidades e alternativas para odesenvolvimento sustentável. Teriam de apontaras demandas e problemas em relação às formasde atuação do governo estadual e da classe políti-

5 Mesmo com a solução de continuidade, o esforçointelectual de pensar a regionalização no estado mineirocontinua. Veja-se, por exemplo, o trabalho de Guimarães(2006).

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ca, responsabilizar-se pela constituição de espa-ços permanentes de negociação com o governoestadual e fiscalizar suas ações, além de identifi-car as ações e os investimentos necessários, cujaresponsabilidade seria partilhada entre o governoestadual, consórcios de municípios, comunidadese a sociedade civil organizada. O “guarda-chuva”dos CDRS passou a ser o Conselho Estadual deDesenvolvimento Sustentável, cuja missão é tra-tar dos temas mais gerais relacionados ao desen-volvimento sustentável no estado e orientar osconselhos regionais e municipais.

Apesar de um primeiro ano de muitas reuniõespara a formação dos conselhos regionais, já noano seguinte, por ocasião das eleições municipais,a experiência teria perdido fôlego. Durante os plei-tos eleitorais, teriam proliferado as críticas aosconselhos pela imprensa, denunciando um pro-grama governamental cujo delineamento estariamarcado pela verticalidade, e cujos fins demarketing político para o governo estadual se so-brepunham aos objetivos de promover o desen-volvimento regional. Por sua vez, deputados eprefeitos teriam se queixado de perda de espaçopolítico na condição de “representantes legítimos”dos interesses da sociedade, agora relegados afunções marginais. Além disso, a análise do eco-nomista P. Bandeira (1999) aponta para oimediatismo ante a falta de resultados rápidos emtermos de obras e serviços como outro fator dedesarticulação dos conselhos. Citando a opiniãode um observador atento à experiência dedescentralização no Ceará, Bandeira recorre maisuma vez à perspectiva do longo tempo, apontan-do para os anos de autoritarismo e individualis-mo, contra os quais as ações dos conselhos pou-co podem fazer no curto prazo. De todo modo,houve manifestações favoráveis à experiência,segundo o autor. Sua principal preocupação, nomomento da pesquisa, era quanto à continuidadedos conselhos regionais, que para ele dependiamdos resultados das eleições majoritárias de 1998.

III.1. Sete anos depois

O resultado dessas eleições permitiu a conti-nuidade do grupo político no poder, sob cujo go-verno anterior foram implantados os CDRS. Osconselhos continuaram, assim, existindo, com odetalhe de que a sua composição não exigiu estru-tura física ou administrativa e suas reuniões têmsido realizadas em diferentes municípios. De fato,o que ocorreu no Ceará foi um processo de con-

tinuidade e aperfeiçoamento institucional. Em2000, o governo subseqüente iniciou, com a aju-da desses Conselhos, a elaboração dos planos deDesenvolvimento Regional (PDR), cujo objetivoera aprimorar as políticas de redução dosdesequilíbrios regionais observados entre a Re-gião Metropolitana de Fortaleza e as demais. Pormeio deles, foi possível elaborar diagnósticos quepermitiram detectar as condições de desenvolvi-mento de algumas cidades. Como conseqüência,o governo promoveu uma política de fortaleci-mento das cidades-pólo regionais por meio de umconjunto de medidas de urbanização e de incenti-vos fiscais, na seqüência de um programa decapacitação de atores políticos6.

As eleições estaduais de 2002 permitiram, maisuma vez, a continuidade das forças políticas nopoder e, no ano seguinte, nova medida de aperfei-çoamento institucional foi implantada: a partir deentão foi criada a Secretaria de DesenvolvimentoLocal e Regional (SDLR), que incrementou a po-lítica de fortalecimento de centros urbanos regio-nais, com a estruturação de redes intermunicipaisem torno desse pólo, e da implementação de ar-ranjos produtivos locais (APLs), nos quais têmprioridade a valorização do capital humano e soci-al e as micro e pequenas empresas7. Em parceriacom outros órgãos e secretarias governamentais,a SDLR incentivou programas como o ConsultoriaEmpresarial e o Projeto de Inovação Tecnológica,que procuram estimular a produtividade ecompetitividade regional. Por meio de visitas téc-nicas, constatam-se problemas de gestão dasempresas, passando-se, na seqüência, a um tra-balho de consultoria. Segundo depoimentos demembros da equipe técnica da SDLR8, uma dasprincipais preocupações estratégicas é substituiro assistencialismo por uma pedagogia da geraçãode renda e emprego. Outra preocupação de fundo

6 O programa, denominado Prourb, foi financiado peloBanco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD).

7 Durante o ano de 2005, o governo do estado criou a RedeInstitucional de Apoio aos APLs. Dois exemplos bem-sucedidos são a APL de Cachaça de Alambique (em Viçosado Ceará) e a de Redes de Dormir (de Jaguaruana).

8 As entrevistas foram realizadas com integrantes doConselho de Desenvolvimento Regional (Coder), órgãointerno “pensante” da SDLR, encarregado de coordenartoda a política de descentralização e promoção do capitalsocial no estado.

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é a diminuição dos índices de desigualdade social.Nesse quesito, a política de desenvolvimento queo Ceará adotou mostra avanços, como a reduçãodo índice Gini, que de 1998 a 2003 baixou de0,62% para 0,57%, tendo sido a marca mais altado Nordeste e acima da média brasileira9.

A partir de 2004 a SDLR deu mais um passona dinâmica da regionalização, ao iniciar a implan-tação dos Escritórios de Desenvolvimento Regio-nal (EDR). Por meio deles, criou a estrutura físi-ca que faltava nas cidades-pólo, permitindo a atu-ação rotineira de um gerente regional, indicado pelaSDLR em cada um dos escritórios distribuídospelo estado10. A tarefa geral desse gerente é dearticular os atores locais, incluindo os CDRS, parao fomento do capital social por meio das açõesprevistas nos PDR. Por sua vez, o trabalho dosEDR levou à criação dos chamados “braçosoperacionais”, as agências de DesenvolvimentoRegional (ADRs). Apesar da aparente sobreposiçãoou duplicação dessas entidades, os conselhos re-gionais são as entidades de aglutinação dos váriossetores da sociedade, tendo a missão de elaboraros PDR. Enquanto isso, os escritórios têm o pa-pel de coordenação e captação de recursos11. Porsua vez, as agências tem caráter especificamenteoperacional, dentro das quais os entes públicos eprivados dos conselhos são designados para osprojetos especificamente voltados aoempreendedorismo, priorizando os arranjos pro-dutivos locais por meio de ações associativas quealmejam a integração de parceiros.

No caso cearense, há um processo virtuosode continuidade de um conjunto de ações gover-namentais. Se esse mencionado conjunto começaa se delinear a partir da implantação do Plano deDesenvolvimento Sustentável em 1995, continu-ando até o ano de 2006, é preciso considerar umimportante aspecto: desde 1987, o mesmo parti-do político administra o Executivo estadual. Esseaspecto pode lançar luzes sobre o relativo suces-so de políticas públicas de descentralização e pro-

moção do desenvolvimento, uma vez que tornariaforte a explicação para as políticas de continuida-de – e seu êxito.

Essa diligente dinâmica de descentralização edesenvolvimento local-regional no Ceará tem de-pendido de um consenso mínimo intra-partidário.As escolhas racionais do grupo político majoritá-rio pela permanência no poder se destacam daforma oligárquica tradicional. A sucessão de go-vernos estaduais tem demonstrado vontade polí-tica de modernizar a governança em um estadofederativo cuja tradição política sempre esteveassociada ao coronelismo e ao patrimonialismo.Nesse sentido, é difícil ignorar o paradoxo políti-co de que algo eficiente como a democratizaçãode processos decisórios no médio prazo possaestar associada ao continuísmo do grupo partidá-rio no poder há 20 anos, num estado tradicional-mente dominado por oligarquias. Em outras pala-vras, trata-se da continuidade de políticas de de-senvolvimento promotoras de participação sociale comprometidas com um projeto inovador, as-sociadas a um continuísmo oligárquico. Portan-to, no caso específico das políticas dedescentralização e desenvolvimento local, o pre-ceito democrático da “salutar” alternância do po-der tem sido dispensável. Sendo lugar comumapontar as soluções de continuidade como pro-blema corrente nos processos sucessórios, nãotem sido mera coincidência o prolongamento deuma experiência política cujos esboços iniciaramainda na década de 80, desdobrando-se em umconjunto razoavelmente coerente de estratégiasgovernamentais para o desenvolvimentodesconcentrado.

De todo modo, o caráter continuamentereformável e incompleto desse processo de duasdécadas desafia as proposições neo-institucionalistas do curto prazo e reforça a tesede que mudanças de ambiente político e culturalpara a promoção do desenvolvimento levam umtempo considerável. Além da força conservadorade qualquer cultura, o que inúmeros autores ad-mitem, tais processos políticos são lentos porquehá conflitos internos à própria esfera governamen-tal, em que disputas de poder estão longe de serexceção. E parte considerável delas é oriunda deum conflito comum entre agentes político-parti-dários, preocupados com a construção do capitalpolítico, e os agentes das políticas públicas, por-tadores da inovação e encarregados da constru-

9 A informação é dada pelo economista R. Barel (2005).

10 Até 2005, dez EDRs haviam sido criados, e outrosestavam em fase de implantação.

11 Além dos aportes governamentais estaduais e federais,determinados projetos têm obtido financiamento de órgãoscomo o Banco Mundial, o BIRD, e organizações não-governamentais (ONGs), como a francesa Planet Finance.

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ção do capital social – como os próprios depoen-tes admitem.

Não obstante, é notável certo grau de eficiên-cia no caso cearense. Em alguma medida é ne-cessário presumir se isso se deve à própria dispo-sição dos atores locais envolvidos12. Todavia, éjustamente no engajamento e na capacitação téc-nica – não menos teórica – dos animadores quereside a causa mais visível do relativo sucessooperacional. A equipe de coordenadores da Se-cretaria de Desenvolvimento Local-Regional doestado demonstra notável conhecimento dos pre-ceitos e pressupostos temáticos que fundamen-tam as estratégias de promoção do desenvolvi-mento. As idéias-força do desenvolvimento local-regional, como o capital social, capital humano, ainovação, ciência e tecnologia, e suas adjacências,intercalam-se com naturalidade e sem excessosnas falas e explicações técnicas dos agentes go-vernamentais consultados ou entrevistados. Há,entre tudo, suficiente clareza sobre os propósitosdescentralizadores e participativos a serem alcan-çados. Não obstante, há consciência sobre as bar-reiras históricas a serem ultrapassadas, sobretu-do aquelas que dificultam a passagem de formasde comportamento autoritárias e excludentes paraa participação cooperativa e associada. Nesse sen-tido, o inimigo pedagógico comum é o individua-lismo insulado, há muito reconhecido na politologiabrasileira13.

Assim, tem sido esse o inimigo comum daspolíticas públicas voltadas à promoção do desen-volvimento local-regional. Estudos de Evans(1995; 1996), Tendler (apud FERNANDES, 2002)e também de Putnam (1996), entre outros, têmdemonstrado que os comportamentos insulados eautoritários podem ser substituídos ou alteradospor meio de mudanças de regras por arranjos po-

líticos. Os agentes entrevistados reconhecem queem todos esses anos de experiência os avançosestão aquém do necessário, não nutrindo ilusõesde curto prazo. Admitem que a tarefa seja de mé-dio ao longo prazo, e temem por alternâncias depoder que interrompam esse processo.

Nesse caso, não há garantias de ordeminstitucional. Tampouco a finitude daquilo aquiexposto permite avaliar o grau de compromissoque as populações locais-regionais poderão de-monstrar com os esforços de descentralização nossucessivos processos eleitorais. Obviamente, seadmitirmos que o relativo sucesso da experiênciacearense se deva ao continuísmo modernizante,por assim dizer, e se considerarmos a hipótese deque a receptividade dos atores locais é, ainda, fa-tor frágil diante de intervenções governamentais,então tal política continuará ameaçada. Isso é pou-co, porque mantém os resultados de arranjos po-líticos dependentes, ao menos no curto prazo, devontades pessoais dos que estão ocasionalmenteno poder. É o que não se pode deixar de concluirno caso do Ceará. Decorre disso que a perguntainvestigativa mais importante a ser respondida é:que mecanismos institucionais legais poderão ga-rantir a continuidade de tais processos dedescentralização e participação social para a pro-moção do desenvolvimento local-regional? Nou-tras palavras, como estabelecer e preservar, entreforças políticas que se sucedem, os pactos queincentivem as práticas associativas, inovadoras eempreendedoras que, embora disseminadas nasúltimas duas décadas, requererão ainda muito es-forço pedagógico, até que uma nova cultura dedesenvolvimento esteja suficientementeinternalizada, seja entre as elites políticas, entreos pequenos agentes econômicos ou entre os ci-dadãos em geral?

IV. O FORUMCAT E OS FÓRUNS REGIONAISDE SANTA CATARINA

Em Santa Catarina surgiram, a partir de 1996,os fóruns de Desenvolvimento Regional Integra-do de Santa Catarina (FDRIs). Distintos do casomineiro e cearense pelo caráter não-governamen-tal, os Fóruns se reproduziram nas microrregiõescatarinenses, expandindo sua atuação até 2002 eperdendo fôlego no ano seguinte. A alternância nopoder resultou na implementação de uma políticagovernamental de descentralização que, emborabem formulada e sem contraposição aparente aosFóruns, retirou-lhes o papel de protagonistas, di-

12 As limitações da investigação dificultam algumasafirmações categóricas. Nesse sentido, a sugestão sobre areceptividade dos atores locais tem caráter dedutivo, emboraisso tenha sido afirmado por agentes governamentais,naturalmente comprometidos e entusiasmados com oexperimento.

13 Oliveira Vianna, pensador brasileiro do início do séculoXX, foi talvez o primeiro a demonstrar, do ponto de vistaantropológico, o caráter do homem brasileiro como avessoà participação, cujas raízes estariam no insulamentogeográfico do homem sertanejo, provocado pelo processocolonizador.

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minuindo o caráter participativo da sociedade ci-vil que lhes deu ânimo.

A tarefa dos FDRIs foi a de levantar deman-das regionais para a formulação de diretivas quepermitiriam a construção do desenvolvimento in-tegrado e sustentável. O sentido da criação des-ses novos espaços políticos foi o de aglutinar par-cerias interinstitucionais que ultrapassassem oâmbito municipal, congregando o setor público eo privado. O objetivo foi amplificar a participaçãoregional da sociedade civil nos processosdecisórios. Ainda que de caráter restritivo à cha-mada parte organizada da sociedade civil, signifi-caram a abertura de um canal para ações articula-das entre essas entidades e atores, que antes dis-so agiam de forma menos articulada, quando nãoinsulada.

Essas organizações representaram um movi-mento de descentralização política marcado es-sencialmente por iniciativas regionais que se re-produziram mimeticamente nas microrregiõescatarinenses, sinalizando uma tendência demobilização das comunidades regionais em res-posta às próprias dificuldades do governo estadu-al na busca de alternativas aos problemas do de-senvolvimento. Não obstante, o surgimento dosFDRIs foi marcado desde o início por um caráterneo-institucional, diga-se, em sintonia com a ne-cessidade de criar espaços de discussão e formu-lação de políticas que integrassem as instânciasgovernamentais e os mais variados setores da so-ciedade civil. Foram sendo criados, um a um, apartir de articulações entre atores políticosmicrorregionais com o objetivo de entender osproblemas que, pela globalização ou pela falta deinovação, afetaram as economias locais. Por ex-tensão, está em curso certo esgotamento do mo-delo econômico catarinense, tradicionalmente ba-seado no equilíbrio regional, ameaçado pela for-ça hegemônica do macro-modelo urbano indus-trial.

O primeiro Fórum de Desenvolvimento Regi-onal Integrado foi criado em Chapecó, em 1996,experiência que surgiu da iniciativa da Associaçãode Municípios do Oeste de Santa Catarina, a se-gunda mais antiga do estado, com sede na mesmacidade14. Foi por meio dessa associação que se

iniciou a mobilização de prefeitos, filiados à Fede-ração Catarinense de Municípios (Fecam). Elesformaram uma comissão que viajou à Itália paraconhecer as experiências de desenvolvimento re-gional no norte daquele país. E foi em Bolonhaque essa comitiva identificou o modelo cujas con-dições sócio-econômicas mais se teriam asse-melhado às do oeste catarinense. Lá, a comitivaestabeleceu contatos com o Instituto de Pesqui-sa Nomisma, o que resultou na posteriorcontratação de alguns pesquisadores italianos parauma vinda ao Brasil, a fim de estudar aspotencialidades do desenvolvimento regional nooeste catarinense.

As conclusões do trabalho do Instituto, nooeste catarinense, sinalizaram dois problemas, asaber: (i) a cultura individualista, bastante eviden-te nas atuações isoladas de empresários e do po-der público, acarretando em estrutura desobreposições e (ii) a distância entre o poder e opovo. Nesse sentido, seria necessária uma açãoconjunta entre o setor público e a sociedade civilpara a reversão desse quadro. Na verdade, cons-tatava o Instituto, não faltavam ações, mas falta-va integrá-las.

A decorrência desse processo foi a decisão decriar o referido Fórum do Oeste, que serviu deinspiração aos Fóruns posteriores. A atuação des-se Fórum foi exemplar. Sua iniciativa maisemblemática foi a criação de uma agência própriade desenvolvimento regional, denominada Insti-tuto Saga, coordenada por técnicos de empresasgovernamentais como a Empresa de PesquisaAgrícola de Santa Catarina (Epagri) e a Cia. Inte-grada de Desenvolvimento Agrícola de SantaCatarina (Cidasc), além de professores da Uni-versidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc)15.Nesse sentido, a iniciativa do Fórum criou tam-

14 As associações de municípios, que começaram a surgirainda nos anos 1960, foram importantes articuladores no

processo de constituição dos FDRIs. Sua composição, noentanto, se restringe aos prefeitos e seu caráter é de defesados interesses microrregionais ante os poderes Executivo eLegislativo estaduais, além de assessoria técnica aosmunicípios de menor porte.15 De certa maneira, as universidades regionais em SantaCatarina têm demonstrado igual capacidadedescentralizadora. Sendo elas próprias resultado deiniciativas das comunidades microrregionais nas décadasde 1960 e 1970, a maior parte delas interiorizou ainda maisas suas presenças por meio da extensão de unidadesuniversitárias nos municípios próximos à suas sedes, o queocorreu durante a década de 1990.

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bém o precedente das agências de Desenvolvi-mento Regional (ADRs), espécies de braçosoperacionais dos fóruns.

Imediatamente subseqüente foi o movimentode técnicos e políticos concentrados na capital doestado, que resultou na formação de uma organi-zação que logo passou a fomentar a criação dosfóruns regionais posteriores, exercendo tambémo papel de guarda-chuva dessas entidades que vi-eram depois: trata-se do Fórum Catarinense deDesenvolvimento Regional (Forumcat), compos-to, na sua criação oficial, por cerca de 60 entida-des, civis e governamentais, de representação es-tadual. O diagnóstico analisado na reunião de cri-ação do Forumcat indicava os desafios a seremsuperados pela entidade:

− o individualismo de pessoas e instituições;

− o insulamento dos municípios expresso no“cada um por si”;

− a ânsia de protagonizar, refletida na expres-são “todos querem coordenar, ser donos doprocesso, ou não entram”;

− falta de hábito de trabalhar em conjunto;

− a cultura do imediatismo;

− a inapetência em construir processos, pre-ferindo a tradicional relação vertical;

− a transferência de responsabilidades aos ou-tros, inclusive aos governos e

− a descrença em investimentos integrados,preferindo a intervenção governamental emesferas superiores.

A estrutura de organização do Forumcat foiconstituída por um Conselho Geral, um ConselhoExecutivo, uma Agência de Desenvolvimento,além das câmaras temáticas. O Conselho Geralaprovava e implementava o Plano Geral de Açãodo Forumcat. O Conselho Executivo planejava,definia, propunha e incentivava a implementaçãodas políticas de desenvolvimento para o estado, efora composto por três entidades governamentaise mais dez instituições16. A Agência de Desenvol-

vimento, homônima, funcionou como “braçooperacional das atividades do Fórum”, organizan-do os eventos de capacitação, sensibilização,mobilização, articulação e integração das entida-des que congregavam o Forumcat e os FDRI.Além disso, contratava estudos, pesquisas e pro-jetos que orientaram ações de desenvolvimento nasregiões, como também ajudava a estabelecer con-vênios, entre outras ações. A coordenação geralda entidade foi exercida de forma rotativa a cadadois anos por uma das integrantes do ConselhoExecutivo. Desde o início, em 1996, o Forumcatdesempenhou o papel de articulador para a for-mação das redes locais de cooperação entre osatores políticos em cada região, tendo sido oresponsável maior pela formação dos Fóruns re-gionais.

Durante o período de sua criação até o ano de2002, o Forumcat cumpriu ao menos o primeirodos seus grandes desígnios: foi capaz de articulare “sensibilizar” os agentes locais e regionais. Asatividades iniciavam cada vez que fossem solici-tadas por um conjunto de atores de qualquermicro-região catarinense, que manifestassem ointeresse na formação de um Fórum Regional.Normalmente, a presença do Forumcat era solici-tada pela associação de municípios de cada re-gião. A partir disso, iniciava-se uma série de reu-niões com os integrantes regionais do fórum emconstituição, trabalho que levava calculadamenteum ano até que estivesse constituído o FDRI, ten-do passado pelas várias etapas de “sensibilização”,caracterizadas, sobretudo, nas proposições emfavor da cooperação interinstitucional eintermunicipal e na superação tanto dos bairrismosfreqüentes em tais espaços territoriais quanto dosconflitos interpartidários. Nessa perspectiva, hou-ve um processo de conscientização dos atorespolíticos e econômicos regionais no estabeleci-mento dos “pactos territoriais” para a consolida-

16 Compõem a Conselho Executivo do Forumcat asseguintes instituições: Secretaria de Estado doDesenvolvimento Econômico e Integração ao Mercosul;Secretaria do Desenvolvimento Rural e Agricultura;Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e MeioAmbiente; Fundação Catarinense de Ciência e Tecnologia;

Federação Catarinense das Associações de Municípios;Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas(Sebrae) de Santa Catarina; Universidade Federal de SantaCatarina; Federação das Indústrias do Estado de SantaCatarina; Federação das Associações Comerciais eIndustriais de Santa Catarina; Federação da Agricultura deSanta Catarina; Banco Regional de Desenvolvimento doExtremo Sul (BRDE); Banco de Desenvolvimento do Estadode Santa Catarina; Federação Estadual do Comércio eFederação das Associações de Micro e Pequenas Empresasde Santa Catarina.

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ção das identidades regionais17. Assim, é impor-tante destacar o papel de animador e portador doconhecimento técnico exercido pelo Forumcat.Mais do que isso, foi o difusor conceitual da idéiamaior do desenvolvimento regional integrado esustentável, como também o agente formadororientado pelo propósito de construir ou recons-truir o capital social nas regiões.

Em conseqüência, pode-se afirmar que tal es-tratégia de promoção do desenvolvimento regio-nal e integrado significa a tentativa de tecer umaabrangente rede sistêmica de cooperação em es-cala entre organizações facilitadoras e agentes demudança. Essa rede, ao contrário de ter um agen-te principal e uma relação verticalizada, se consti-tuiu dialogicamente e pode ser compreendida apartir do papel do Forumcat, que funcionou comouma espécie de “guarda-chuva” da complexa redede organizações e agentes de mudança. Entre eles,podemos considerar os órgãos governamentais,os fóruns regionais e locais, e as múltiplas associ-ações e organizações da sociedade civil, presen-tes e atuantes em todas essas microrregiões. Nessadireção, trata-se de perceber o sentido, compre-endido por governos e setores da sociedade, daformação de novos ambientes caracterizados pelacompetição cooperativa, isto é, por um compor-tamento econômico e político orientado pela com-preensão de que é preciso cooperar regionalmen-te para competir com os mercados externos. Ou-tra não tem sido a compreensão quanto à alterna-tiva para o meio rural, marcada pela formação deprocessos cooperativos, pela agricultura familiar,pela revalorização da pequena propriedadeidentificável em programas federais como o Pro-grama Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf).Num dos documentos do Forumcat, procurandodefinir a atual compreensão sobre o conceito decompetitividade, declara-se que “cada vez mais acompetição deixa de ser entre empresas para setornar uma competição entre regiões”18. No mes-mo documento, na definição de Sistemas Produ-tivos menciona-se a necessidade do “planejamen-

to territorial com alta interação público-privado,com respeito à cultura [local]”.

Em meio a esse processo de mudança de men-talidade, de cuja urgência os agentes políticos seconvenceram paulatinamente, bem pode se origi-nar a lenta superação do imediatismo em favor deum processo evolutivo que estaria apenas em suaprimeira etapa. Naturalmente essa não é uma afir-mação conclusiva. Porém, a julgar pela mobilizaçãosocial que a experiência dos FDRIs e outras têmalcançado, pode-se estimar que tais processos nãosucumbam facilmente às alternâncias do poder19.Mesmo sofrendo interrupções, a dinâmicadescentralizadora e participativa carrega uma cres-cente força histórica, cujos percalços não têm ini-bido os sucessivos governantes de recorrer àssinergias com a sociedade. Há, entre tudo, ummovimento emergente – quando não de resgate –de valores como a cooperação, o fortalecimentoda identidade territorial, além da confiança, entreoutros aspectos que constituem o que nos estu-dos sobre o desenvolvimento se tem chamado decapital social.

IV.1. Solução de continuidade ou ajustamentos?

Todavia, o esforço pedagógico e político doForumcat e dos inúmeros atores regionais empe-nhados não foi suficiente para evitar a interrupçãoconseqüente da sucessão governamental em 2003.O governo estadual que então assumiu para a ges-tão 2003-2006 criou uma estrutura governamen-tal de descentralização político-administrativa eretirou dos FDRIs a condição de protagonistasregionais.

Foram criadas 30 secretarias de Desenvolvi-mento Regional (SDR) no estado catarinense.Tendo um caráter operacional, esses órgãos fo-ram organizados com o aproveitamento de funci-onários públicos e pessoas indicadas pela coliga-ção partidária vencedora. O objetivo geral dasSDRs foi promover a descentralização, servindode “braços operacionais” dos governos nas micro-regiões. As ações dessas Secretarias, coordena-das por um secretário regional – cargo nomeado

17 Esse compromisso foi sugerido em documento intitulado“Proposta Plenária do I Seminário de DesenvolvimentoRegional”, realizado em Florianópolis, em novembro de1995.18 Trata-se de um trecho pertencente a um painel deapresentação, utilizado nos trabalhos de sensibilização doForumcat no processo de formação dos fóruns regionais.

19 Entre os membros dos fóruns que responderam aosquestionários e os entrevistados, há uma opinião geral deque as alternâncias de poder não sejam uma ameaça àconsolidação de experiências descentralizadoras, como ados fóruns, em função da força que vem adquirindo asociedade civil.

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pelo Governador – são definidas a partir das deci-sões de seus respectivos conselhos de Desenvol-vimento Regional (CDRs), compostos por quatrorepresentantes de cada município, sendo estes osprefeitos, os presidentes das câmaras de verea-dores e dois representantes da sociedade civil.

O ponto de inflexão dessa nova política deu-se justamente no momento da criação desses Con-selhos. Se antes os FDRIs ocupavam esse espaçode formulação de demandas regionais com a par-ticipação voluntária e aberta de entidades civis,agora os CDRs têm metade de sua composiçãoassegurada aos poderes públicos municipais e aoutra metade restrita a duas entidades por muni-cípio. O que aconteceu, por decorrência, foi umarápida desarticulação dos atores da sociedade,antes responsabilizados pela mobilização regional,e agora substituídos pela presença institucional.Nesse sentido, retirou-se o certo grau de espon-taneidade da sociedade civil, que comodamentedeu lugar à costumeira ação governamental. Des-de então, ainda que convidados às reuniões regio-nais, os FDRIs saíram de cena. Não foi diferenteo que aconteceu com o Forumcat, que perdeusua razão de ser, uma vez que seu papel dearticulador fora substituído pelo governo estadu-al. Assim, é analiticamente prudente considerarainda a relativa fragilidade de uma sociedadevoluntarista e parcialmente predisposta à partici-pação, mas cujo ânimo cívico ainda perde o fôle-go na rarefação política provocada pelas interven-ções governamentais.

Não menos importante é reconhecer que aexperiência dos FDRIs ainda não havia apresen-tado resultados concretos que adviessem de pro-jetos elaborados na sua esfera de atuação. A etapaseguinte dos Fóruns estava começando a sair dopapel, a partir de 2001, com a criação das primei-ras agências de Desenvolvimento Regional(ADRs), que se tornariam os “braçosoperacionais” dos FDRI. A função geral das Agên-cias seria a de elaborar os projetos oriundos dosFóruns, captar recursos públicos ou privados, ematerializar as intenções de promoção do desen-volvimento regional20. Mas não houve tempo para

que prosperassem. Além do mais, haviaindefinições quanto à manutenção de suas estru-turas, falta de recursos financeiros para os pri-meiros tempos de existência e falta de clarezaoperacional para uma experiência ainda pouco di-fundida.

Assim como os FDRIs, as ADRs não tiveramo tempo de amadurecimento necessário para cum-prir seus desígnios. Havia a orientação de que setornassem auto-sustentáveis. Os integrantes des-sas Agências, indicados pelos próprios Fóruns,teriam de assumir uma missão para a qual poucosestavam preparados na tarefa de obter resultadosem curto prazo. E, sem um projeto que lhes ga-rantisse claramente o suporte inicial, inclusive fi-nanceiro, elas não sobreviveram21.

Assim, quando o atual governo estadual assu-miu o poder, encontrou uma experiência muitoincipiente em termos de operacionalização, tratandode por em prática o seu próprio projeto político –leia-se, as secretarias de Desenvolvimento Regio-nal.

Na perspectiva sociológica, um importante sig-nificado dessa alteração do cenário está na substi-tuição de uma iniciativa da sociedade civil parauma medida do tipo top down. Mas o sentido ain-da mais evidente desse processo anteriormente emcurso esteve na crescente sinergia que conseguiuproduzir entre a esfera governamental e a socie-dade civil. E é esse precisamente o maior prejuí-zo. Em termos de eficácia, seria necessário espe-rar mais tempo, mas do ponto de vista da capaci-dade de articulação entre essas esferas, iniciou-seum processo de pedagogia política bastante con-temporâneo.

Porém, é desaconselhável precipitar conclu-sões deterministas que impeçam perceber que adinâmica da descentralização continua em curso.No caso catarinense, seria equivocado supor quea saída de cena dos FDRIs anule os efeitos do

20 Nesse sentido, torna-se necessário lembrar do jámencionado Instituto Saga, vinculado ao Fórum do OesteCatarinense. Integrado por técnicos de empresasgovernamentais voltadas à pesquisa na agricultura e porprofessores de uma universidade regional, tem sido

responsável pela elaboração dos projetos resultantes dasdemandas inicialmente advindas do referido Fórum regional,e serviu de referência para a criação das ADRs.21 Há informações não oficiais de que um plano definanciamento estaria na iminência de ser contratado aoForumcat, no ano de 2003. Com a expectativa de apoio porparte do Sebrae-SC, ele daria apoio financeiro a 14 ADRsno estado. O plano não teria vingado por desacertospolíticos oriundos da sucessão governamental.

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processo capitaneado pelo Forumcat. Não houveuma interrupção categórica, mas uma inflexãoimpelida por uma política governamental que sepode reconhecer como bem formulada. Seu pe-cado político foi menosprezar uma iniciativa ori-ginal em curso, protagonizada parcialmente pelasociedade civil, que teve seu espaço arbitrariamentedelimitado.

Isso não deve, contudo, impedir re-acomoda-ções que estão em curso. Para tanto, as estratégi-as governamentais devem permitir ajustamentosque não percam de vista a necessidade de sinergiasentre governo e sociedade. Assim, evitar o seumalogro depende de um fator identificado na ex-periência de descentralização do estado do Ceará:trata-se da capacitação dos agentes governamen-tais.

O cientista político Peter Evans advogou nes-se sentido. Em seu artigo, afirma que “normas decooperação e redes de engajamento cívico entrecidadãos comuns podem ser promovidas por agên-cias públicas e serem usadas para finsdesenvolvimentistas” (EVANS, 1996, p. 1119).Desse modo, o autor sugere a sinergia entre orga-nismos governamentais e sociedade civil, com basenecessariamente na cooperação e na confiança.Aceitando o capital social como elemento neces-sário ao desenvolvimento, ele afirma que tal “pro-duto” pode ser fomentado institucionalmente, istoé, gerado por ações governamentais cujo proces-so ele chama de “complementaridade”22. Na me-dida em que envolvem agentes institucionais comconhecimentos técnicos e certo preparo socioló-gico, essas ações governamentais tenderiam a aju-dar na organização das comunidades por meio dastrocas de conhecimentos e do estabelecimento derelações dialógicas e de confiança.

A trajetória argumentativa de Evans tem um

propósito importante, apesar da aparenteobviedade: demonstrar a viabilidade, quando nãoa necessidade, de ações e correções institucionaisna promoção do desenvolvimento23. Mais do queisso, ele entende que tais ações devam buscar oenvolvimento direto, coparticipativo da socieda-de, como forma de erigir aspectos constitutivosdo capital social. Evans acredita na eficácia decurto prazo de mecanismos político-institucionaise sua perspectiva de construtividade o leva a crerque a “sinergia torna-se uma possibilidade latentena maioria dos contextos, esperando para sertrazida à vida pelo empreendimento institucional”(idem, p. 1124). A chave para o estabelecimentode sinergias entre público e privado estaria na ca-pacidade de transpor laços de lealdade paroquialpara formas mais coesas de organização social,de modo que pudessem ser aproveitados para aorganização institucional e ao crescimento eco-nômico. Assim, o problema estaria em saber comotransportar essa rede de relações tenazes para ocampo da política e da economia, a fim de “for-mar organizações eficazes para gerar desenvolvi-mento” (idem, p. 1125).

Desse ponto de vista, as estratégias de desen-volvimento dependeriam muito mais da habilidadegovernamental do que do capital social existente.Pouca será, segundo ele, a contribuição do capitalsocial se a eficácia institucional não for suficientepara criar o ambiente de sinergia proposto. Paratanto, importaria a combinação de condições oriun-das dos regimes políticos e de estruturas buro-cráticas para a emergência de fatores como asinergia e o próprio capital social. Sem ignorarque em certos casos a burocracia pode impedir arealização de sinergias, Evans observa que emoutros casos é justamente o estabelecimento deorganizações burocráticas que tem garantido acriação de sinergias entre público e privado. As-sim, o capital social passa a ser entendido comoum importante produto secundário decomplementaridade, de modo que o desenvolvi-mento dependeria de uma construção institucionalque, contudo, o autor reconhece pode demorardécadas e que a diferença, em cada caso, seriamarcada por meros “detalhes organizacionais nes-se processo” (idem, p. 1129).

22 O autor afirma que a promoção de capital social é muitasvezes obtida por meio de ações de comple-mentaridade(complementarity), caracterizadas pelas “relações de apoioente atores públicos e privados”. Em outras palavras, oconceito se confunde com políticas públicas de assistênciasocial ou técnica, tais quais os exemplos de programas deirrigação no Nepal e em Taiwan, além de um programa desaúde pública no estado do Ceará, que são analisados peloautor. Esses programas teriam sido bem sucedidos,sobretudo, por causa do desenvolvimento de coope-raçãoe confiança entre agentes institucionais e popu-lação,estimulando ao mesmo tempo a organização comunitária(EVANS, 1996, p. 1120-1121).

23 Essa proposição deixa de parecer óbvia quandoconsideramos análises que deslocam o papel de agente dedesenvolvimento exclusivamente para a sociedade, seja noplano da cultura, seja na esfera do mercado.

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No que pesem os percalços das intervençõesgovernamentais oriundas das alternâncias de po-der, o caso catarinense mostra as chances de ajus-tamentos institucionais. Apesar da importante ini-ciativa dos FDRIs, sua substituição pelas SDRspoderá trazer correções de rumo e gerar a eficá-cia desejada. Para isso, mostra-se necessária umaestratégia continuada de capacitação dos agentesgovernamentais. Um estudo de caso realizado en-tre os anos 2003 e 2004 sobre uma dessas Secre-tarias de Desenvolvimento Regional apontou doisproblemas: o primeiro foi o caráter excessivamentepartidário na composição dos cargos, em detri-mento do caráter da competência. O segundo, emparte decorrente do primeiro, foi a falta de prepa-ro técnico e teórico dos integrantes das SDRs(BIRKNER, 2005).

Se considerada a lógica das composições degoverno, há de se reconhecer as dificuldades desubstituição do caráter da fidelidade partidária peloda competência dos agentes governamentais. Ocritério da fidelidade é usual e até certo ponto ine-vitável. Assim, restaria a disposição governamen-tal permanente, como também a das organizaçõespartidárias, de incentivar os quadros burocráticosà capacitação não apenas técnica, mas teórica, afim de que os preceitos e valores inseridos no temado desenvolvimento regional sejam compreendi-dos. Aos cursos de pequena duração devem sesomar estratégias pedagógicas que ultrapassem ocurto prazo e seus resultados efêmeros. E, paratanto, as universidades regionais deverão ser apro-veitadas. Nesse rumo, já existem iniciativas des-sas instituições, que vem oferecendo cursos su-periores, de graduação, especialização e mestrado,voltados à formação de agentes do desenvolvi-mento regional24. E, embora não haja qualquerdispositivo legal em vigor, o próprio Governadordo Estado afirmou mais de uma vez, em pronun-ciamentos públicos e pela imprensa, que em umfuturo breve os integrantes das SDRs deverão terformação superior voltada ao desenvolvimentoregional (A Notícia, 2006, p. 3).

V. CONCLUSÃO

Os casos aqui apresentados salientam a preo-cupação com as soluções de continuidade. Reve-

lam também alguma fragilidade política da socie-dade brasileira perante as intervenções governa-mentais. Deixam, é certo, dúvidas acerca das pos-sibilidades legais de assegurar a sobrevivência dearranjos democráticos que fortaleçam a participa-ção social nos processos decisórios orientados aodesenvolvimento. Mas também oferecemindicativos de mudanças de comportamento polí-tico, sugerindo que entre um programa de gover-no e a sociedade representada reside alguma pos-sibilidade de êxito na governança. Disso depende-rá a qualificação de agentes governamentais ca-pazes, antes de tudo, de promover a devida apro-ximação entre as referidas esferas.

No caso de Minas Gerais, fica evidente aidiossincrasia típica do personalismo político. Asolução de continuidade não permitiu a evoluçãode um movimento de descentralização político-administrativa. Ali, a capacidade do corpo buro-crático, facilmente perceptível na investigação, foidesperdiçada pela alternância do poder. A experi-ência demonstra que a sobreposição de interessesgrupais ou pessoais no jogo das forças políticasnão se vê ameaçada pela opinião pública. No en-tanto, é preciso considerar que se trata de um es-tado economicamente forte e de comprovada tra-dição e representatividade política no cenário na-cional. Isso permite supor que seja menos imperi-osa a persistência na articulação governamental ede atores regionais em busca de estratégias dedesenvolvimento regional, uma vez que na distri-buição do “bolo” nacional, seu poder clientelista écompensatório à ausência de políticas inovadorasde descentralização e desenvolvimento endógenolocal-regional.

Essa condição de riqueza não é a realidade doCeará. Trata-se de um dos estados brasileiros eco-nomicamente mais pobres, embora sua configu-ração política oligárquica também tenha produzi-do alguns líderes de expressão nacional. Todavia,historicamente tal condição produziu muito maisclientelismo do que crescimento econômico oudesenvolvimento local-regional. Ali, a emergênciano enfrentamento à pobreza do interior do estadofoi motivada pela ambição modernizante de certaelite política reunida em torno de um partido mo-derno e de centro. Oriundo da redemocratizaçãobrasileira na década de 1980, esse partido perma-nece há 20 anos no poder do estado. Ao longodesse tempo, foi possível organizar um corpo deagentes governamentais cuja formação técnica eteórica explicam os desdobramentos positivos das

24 Alguns deles, na modalidade de cursos superioresseqüenciais, são parcialmente financiados pelo governo doestado.

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estratégias de descentralização e desenvolvimen-to regional. Com ações concretas e de visibilidadenos municípios médios do estado, transformadosem pólos micro-regionais, o governo do Cearápromove a disseminação de uma cultura do de-senvolvimento regional cuja mudança de cenárioestá associada ao trabalho pedagógico dos agen-tes governamentais.

Já no caso de Santa Catarina, dispensadas al-gumas interpretações sociológicas sobre a capa-cidade de articulação da sociedade civil, constata-se uma sobreposição de iniciativas. Embora a di-nâmica descentralizadora esteja em pleno curso,a recente ação governamental de instituir uma es-trutura político-administrativa suplantou uma ini-ciativa anterior, incipiente, porém originalmenteadvinda da sociedade civil organizada. Nessescasos, o perigo das intervenções governamentaisestá em declinar o interesse cívico de atores vo-luntários. E a substituição de muitos desses ato-res por agentes burocráticos sem o devidoenvolvimento e consciência acerca dos desígniosda descentralização e do desenvolvimento com-promete a eficiência do processo. Nesse sentido,a formação adequada dos agentes governamen-tais e as estratégias de aproximação entre gover-no e sociedade são urgentes.

Permanece, todavia, a dúvida sobre a conti-nuidade das políticas de descentralização em cur-

so. Os formatos dos projetos do Ceará e de SantaCatarina são, inclusive, bastante semelhantes. Mas,nos dois casos não há segurança jurídica que as-segure a continuidade. No caso do Ceará, ela pa-rece ter atingido um estágio de credibilidade entreos atores regionais. Desse modo, a ameaça de umasolução de continuidade pode provocar reaçõesarticuladas em defesa da descentralização. No casocatarinense, a política governamental ainda éincipiente. Tem suscitado comentários positivospor conta de certa visibilidade de suas ações, so-bretudo ao se evidenciarem, supostamente, comoresultado da descentralização. Mas tem sido obje-to de crítica, por conta da falta de capacitaçãodos agentes governamentais, embora não seja ge-neralizada. Tais críticas poderão emergir nas pró-ximas eleições e, dependendo do resultado, mu-dar o rumo do processo de descentralização, semque a sociedade tenha tido suficiente aproximaçãocom a experiência. Se isso acontecer, provavel-mente uma das causas será a de não ter havido umtempo mínimo de se constituir uma opinião públicarazoavelmente formulada a respeito da atual políti-ca. Foi o que aconteceu no caso dos FDRIs e suaentidade maior, o Forumcat. Havendo alternânciade poder, tal possibilidade é real. Todavia, é possí-vel que assim mesmo as intervenções futuras,motivadas pela disputa política, preservem a es-sência da dinâmica descentralizadora, por força decerto consenso acerca de sua inevitabilidade.

Walter Marcos Knaesel Birkner (ciê[email protected]) é Doutor em Ciências Sociais pelaUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor do Curso de Ciências Sociais e do Programade Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado, campus de Canoinhas.

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REGIONAL DEVELOPMENT AND POLITICAL AND ADMINISTRATIVEDECENTRALIZATION: A COMPARATIVE STUDY OF THE CASES OF MINAS GERAIS,CEARÁ AND SANTA CATARINA

Walter Marcos Knaesel Birkner

This paper offers a succinct presentation of three different experiences of governmentaldecentralization: the cases of the states of Minas Gerais, Ceará and Santa Catarina. Analysis ofthese cases enabled us to observe two aspects that are fundamental for evaluating policies ofgovernmental descentralization and regional development: the first is the problem of solutions ofcontinuity, affecting public policy and representing a threat at every election time. The second isrelated to the qualification needs of governmental agents involved in the aforementioned policies,whose success is partially contingent on the former. In the state of Minas Gerais, decentralizationprocesses were definitively interrupted. In the state of Ceará, a modernizing continuism can befound. In the case of the state of Santa Catarina, the substitution of one initiative for anotherbrought about a shift in inflections, but did not interrupt basic dynamics.

KEYWORDS: regional development; political and regional decentralization; Minas Gerais; Ceará;Santa Catarina.

DÉVELOPPEMENT RÉGIONAL ET DÉCENTRALISATION POLITICO-ADMINISTRATIVE : UNE ÉTUDE COMPARATIVE DES CAS DE MINAS GERAIS, CEARÁET SANTA CATARINA

Walter Marcos Knaesel Birkner

Le travail présente brièvement trois expériences de décentralisation gouvernative. Ce sont les casdes états brésiliens – Minas Gerais, Ceará et Santa Catarina. L’analyse des ces cas nous a permisd’observer deux aspects importants pour évaluer les politiques de décentralisation gouvernative etde développement régional : le premier, il s’agit du problème des solutions de continuité, qui touchentles politiques publiques et représentent une menace à chaque succession électorale ; le deuxième,c’est la nécessité de qualifier les agents gouvernementaux participant à ces politiques, dont la réussitedépend partiellement de cet aspect. Dans l’état de Minas Gerais, un processus de décentralisation asubi une interruption définitive. Dans l’état du Ceará, on remarque une continuité modernisante alorsque dans l’état de Santa Catarina, le remplacement d’une initiative par une autre a provoqué inflexions,mais n’a pas arrêté la dynamique.

MOTS-CLÉS: développement régional ; décentralisation politico-administrative ; Minas Gerais, Cearáet Santa Catarina