desenvolvimento das crianças em acolhimento institucional...

34
Desenvolvimento das crianças em acolhimento institucional e impacto da qualidade dos cuidados relacionais Joana Baptista Investigadora da Escola de Psicologia da Universidade do Minho Ana Mesquita Investigadora da Escola de Psicologia da Universidade do Minho Isabel Soares (*) Professora da Escola de Psicologia da Universidade do Minho Resumo: A investigação científica das últimas décadas tem vindo a alertar para os efeitos ne- gativos, em múltiplos domínios do desenvolvimento, da institucionalização de crianças, cuja his- tória de vida é marcada pela privação parental precoce. Descrita como uma condição de privação multifacetada, caracterizada pela escassez de oportunidades de interação entre a criança e um grupo restrito de cuidadores estáveis, a institucionalização geralmente falha na satisfação integral das necessidades individuais da criança, incluindo as suas necessidades de afeto e de apoio à ex- ploração do ambiente. Este artigo de revisão apresenta uma sistematização de resultados de estu- dos, incluindo estudos realizados no nosso país, que analisaram o impacto das experiências precoces de crianças com uma história de acolhimento institucional, no seu desenvolvimento físico Scientia Iuridica – Tomo LXIV, 2015, n.º 338 (*) As Autoras agradecem a toda a equipa do Grupo de Estudos de Vinculação pela colaboração nos projetos apresentados neste artigo, bem como às direções dos Centros de Acolhimento Temporário e dos Lares que permitiram a realização dos estudos aqui apresentados. Um agradecimento especial a todos os profissionais das instituições, às mães e pais e a todas as crianças que participaram nos estudos.

Upload: dominh

Post on 18-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Desenvolvimento das crianças em acolhimento institucional e impacto da qualidade dos cuidados relacionais

Joana BaptistaInvestigadora da Escola de Psicologia

da Universidade do Minho

Ana Mesquita Investigadora da Escola de Psicologia

da Universidade do Minho

Isabel Soares(*)

Professora da Escola de Psicologia

da Universidade do Minho

Resumo: A investigação científica das últimas décadas tem vindo a alertar para os efeitos ne-

gativos, em múltiplos domínios do desenvolvimento, da institucionalização de crianças, cuja his-

tória de vida é marcada pela privação parental precoce. Descrita como uma condição de privação

multifacetada, caracterizada pela escassez de oportunidades de interação entre a criança e um

grupo restrito de cuidadores estáveis, a institucionalização geralmente falha na satisfação integral

das necessidades individuais da criança, incluindo as suas necessidades de afeto e de apoio à ex-

ploração do ambiente. Este artigo de revisão apresenta uma sistematização de resultados de estu-

dos, incluindo estudos realizados no nosso país, que analisaram o impacto das experiências

precoces de crianças com uma história de acolhimento institucional, no seu desenvolvimento físico

Scientia Iuridica – Tomo LXIV, 2015, n.º 338

(*) As Autoras agradecem a toda a equipa do Grupo de Estudos de Vinculação pela colaboração nosprojetos apresentados neste artigo, bem como às direções dos Centros de Acolhimento Temporário e dosLares que permitiram a realização dos estudos aqui apresentados. Um agradecimento especial a todos osprofissionais das instituições, às mães e pais e a todas as crianças que participaram nos estudos.

e neurobiológico, cognitivo, socioemocional e comportamental. Os resultados evidenciam  o im-

pacto negativo do acolhimento institucional no desenvolvimento da criança, e, em particular, da-

quelas que são acolhidas mais precocemente em instituições. Salientam ainda o papel das

experiências no contexto familiar, prévias à institucionalização, assim como o impacto da quali-

dade dos cuidados prestados em contexto institucional. Particularmente relevante para as trajetó-

rias de desenvolvimento destas crianças parece ser a presença (vs. ausência) de uma figura

preferida, sensível e responsiva. Estes resultados apontam para a necessidade premente da im-

plementação, no nosso país, de um modelo de acolhimento familiar, alternativo ao acolhimento

institucional, mais capaz de promover a proteção, bem-estar e desenvolvimento das crianças.

Palavras-chave: Acolhimento institucional / Criança / Desenvolvimento / Vinculação

O acolhimento institucional permanece, nos dias de hoje, e em diferentes partesdo mundo, como uma alternativa aos cuidados familiares para as crianças cujospais, por motivos diversos, se revelam incapazes de lhes providenciar cuidadosadequados e promotores de um desenvolvimento em condições adequadas(1). Es-tima-se que cerca de 8 milhões de crianças, provenientes de diversos países nomundo, estejam a viver em instituições(2). Em Portugal, cerca de 8500 crianças e jo-vens com menos de 18 anos encontravam-se acolhidos em instituições, em 2013,permanecendo a maioria institucionalizada por mais de um ano. Entre estas, cercade 13% tinham menos de 5 anos de idade(3).

216

SCIENTIA IVRIDICA

(1) UNICEF, At home or in a home? Formal care and adoption of children in Eastern Europe and CentralAsia, 2010. Relatório disponível em http://www.unicef.org/ceecis/At_home_or_in_a_home_report.pdf. Consul-tado em Maio de 2015.

(2) UNAIDS/UNICEF/USAID, Children on the brink 2004: A joint report of new orphan estimates and aframework for action. Population, health and nutrition information project for United States Agency for Interna-tional Development, 2004. Relatório disponível em http://www.unicef.org/publications/cob_layout6-013.pdf.Consultado em Maio de 2015.

(3) Instituto de Segurança Social. Caracterização anual da situação de acolhimento das crianças e jovens,2014. Relatório disponível em http://www4.seg-social.pt/documents/10152/13326/Relatorio_CASA_2013. Con-sultado em Maio de 2015.

O principal objetivo destas instituições é providenciar proteção e suporte a bebés,crianças e jovens expostos a experiências prévias altamente adversas e em situaçõesde perigo. No entanto, estudos sobre os efeitos do acolhimento institucional condu-zidos em diferentes países têm vindo a indicar que as instituições, geralmente, nãoapresentam as condições necessárias a um ambiente relacional capaz de proporcionarà criança a satisfação das suas necessidades básicas de afeto e de apoio à exploraçãodo ambiente. As instituições, devido à sua natureza arregimentada, aos elevados rá-cios cuidador-criança, e às mudanças de turno dos prestadores de cuidados, entreoutros aspetos, constituem contextos de vida em que a satisfação integral das neces-sidades individuais da criança está muito limitada ou mesmo impossibilitada, e ondea escassez de oportunidades de interação entre a criança e um grupo estável e restritode cuidadores impossibilita ou dificulta de forma significativa o envolvimento e arealização de atividades promotoras do seu desenvolvimento(4).

Desta forma, e não surpreendentemente, a institucionalização na infância temvindo a ser associada a trajetórias de desenvolvimento menos adaptativas. Na ver-dade, o interesse dos investigadores pela análise dos efeitos das experiências de pri-vação de cuidados precoces no desenvolvimento da criança reporta-se aos anos 40e 50 do século XX, sendo de mencionar a influência dos trabalhos de John Bowlby(5),william Goldfarb(6), e René Spitz(7). Nas últimas décadas, e como consequência dosefeitos sociais das mudanças ocorridas nos países de leste, observou-se um renascerdo interesse dos investigadores sobre esta temática, em países como a Roménia(8), aUcrânia(9) e a Rússia(10), nos quais o acolhimento institucional constituía uma res-

217

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(4) DANA JOhNSON, “Medical and developmental sequelae of early childhood institutionalization inEastern European adoptees”, capítulo publicado no livro de ChARLES NELSON, The effects of early adversityon neurobehavioral development. Minnesota symposia on child psychology, Erlbaum, New Jersey, 2000.

(5) JOhN BOwLBy, Maternal care and mental health, world health Organization, Geneva, 1951.(6) wILLIAM GOLDFARB, “Effects of early institutional care on adolescent personality: Rorschach data”,

American Journal of Orthopsychiatry, vol. 14, n.º 3, 1944.(7) RENE SPITz, “hospitalism-An inquiry into the genesis of psychiatric conditions in early child-

hood”, Psychoanalytic Study of the Child, vol. 1, 1945.(8) ANNA SMykE et al., “Attachment disturbances in young children. I: The continuum of caretaking

casuality”, Journal of American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, vol. 41, n.º 8, 2002.(9) NATAShA DOBROVA-kROL et al., “Effects of perinatal hIV infection and early institutional rearing

on physical and cognitive development of children in Ukraine”, Child Development, vol. 81, n.º 1, 2010.(10) VLADIMIR SLOUTSky, “Effects of institutional care on cognitive and social development of six- and seven

year-old children: A contextualist perspective”, International Journal of Behavioral Development, vol. 20, n.º 1, 1997.

posta social para os bebés e crianças que, por motivos diversos, tinham sido sepa-rados das suas famílias biológicas. Os resultados destes, assim como de outros es-tudos conduzidos com crianças adotadas, e que previamente estiveram institu-cionalizadas(11), revelam que a institucionalização está associada a problemas decrescimento físico, de desenvolvimento cognitivo e da linguagem, a problemas emo-cionais e de comportamento(12)(13). Particularmente relevantes têm sido os resultadosrelativos à emergência de comportamentos perturbados de vinculação, que se ca-racterizam pela incapacidade de estabelecimento de um vínculo com uma ou maisfiguras cuidadoras. Défices ao nível da qualidade dos cuidados relacionais, carac-terísticos destes contextos institucionais de acolhimento, parecem contribuir signi-ficativamente para estas perturbações, bem como para a desorganização e a inse-gurança da vinculação(14).

A nossa investigação

Em 2007, e na esteira da investigação internacional, foi levado a cabo pelo Cen-tro de Investigação em Psicologia (CIPsi), da Universidade do Minho, um projetosobre o desenvolvimento de bebés e crianças acolhidas em Centros de AcolhimentoTemporário (CAT) em Portugal(15). Especificamente, o nosso projeto procurou res-ponder às seguintes questões de investigação: Como entram e como evoluem osbebés e crianças ao longo da sua permanência nos centros de acolhimento tempo-rário? Que efeitos tem a institucionalização precoce nos vários domínios do seu de-senvolvimento? Qual o impacto das experiências prévias à institucionalização no

218

SCIENTIA IVRIDICA

(11) MIChAEL RUTTER et al., “Developmental catch-up, and deficit, following adoption after severeglobal early privation”, Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 39, n.º 4, 1998.

(12) kIM MACLEAN, “The impact of institutionalization on child development”, Developmental Psy-chology, vol. 15, n.º 4, 2003.

(13) MARINUS VAN IJzENDOORN/FEMMIE JUFFER, “The Emanuel Miller Memorial Lecture 2006: Adop-tion as intervention. Meta-analytic evidence for massive catch-up and plasticity in physical, socio-emo-tional, and cognitive development”, Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 47, n.º 12, 2006.

(14) ChARLES zEANAh et al., “Attachment in institutionalized and community children in Romania”,Child Development, vol. 76, n.º 5, 2005.

(15) Este projeto foi parcialmente financiado pela Fundação Bial (Bolsa 13/06), bem como pela Fun-dação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através de Bolsas de Doutoramento atribuídas a Joana Silva(SRFh/BD/29545/2006), Joana Baptista (SFRh/BD/38409/2007) e Teresa Sofia Marques (SFRh/BD//38491/2007).

desenvolvimento destes bebés e crianças? Qual o efeito da qualidade dos cuidadosinstitucionais? E que recuperação ocorre após a integração do bebé e da criança nafamília adotiva?

Procurando responder a estas questões, este projeto organizou-se em torno detrês estudos com desenhos distintos e objetivos específicos: um estudo longitudinal,um transversal, e um estudo exploratório sobre a transição da criança da instituiçãopara a família adotiva. No estudo longitudinal procedeu-se à avaliação do desen-volvimento das crianças no momento da sua admissão no CAT (T0). O seu desen-volvimento foi reavaliado de três em três meses, até as crianças completarem novemeses de institucionalização (T1, T2 e T3, isto é, cerca de 3, 6 e 9 meses de institu-cionalização). O estudo transversal, por sua vez, incluiu apenas um momento deavaliação correspondente, no mínimo, a 6 meses após a admissão da criança na ins-tituição. Por fim, o estudo exploratório com famílias adotivas comportou uma ava-liação do bebé e da criança no CAT antes da sua saída da instituição, e uma novaavaliação ao quinto mês de integração na família adotiva. No geral, participaramneste projeto 126 crianças, com idades entre os 0 e os 30 meses, acolhidas em 19CAT’s do norte do país.

Os resultados destes estudos, que serão descritos em detalhe nas secções se-guintes, revelaram dados preocupantes, nomeadamente uma elevada prevalênciade comportamentos perturbados de vinculação (do tipo inibido e do tipo desini-bido) em crianças em acolhimento institucional até aos 30 meses de idade. Consi-derando o impacto destas perturbações no desenvolvimento subsequente e, emparticular, na emergência de psicopatologia, em 2009, iniciou-se um novo projetode investigação em contextos de acolhimento institucional, com crianças entre os 3e os 5 anos de idade(16). Este projeto, intitulado “Comportamentos Perturbados deVinculação de Tipo Inibido e de Tipo Indiscriminado em Crianças Institucionaliza-das: Comparação Multinível com Perturbações do Espectro do Autismo e com aSíndrome de williams”, pretendeu estudar os mecanismos através dos quais carac-terísticas do contexto institucional (ambiente) e variáveis individuais da criança(genes) interagem e explicam o aparecimento destas alterações comportamentais.

219

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(16) Este projeto foi financiado pela FCT (PTDC/PSI-PCL/101506/2008), bem como através de Bolsasde Doutoramento atribuídas a Paula Oliveira (SFRh/BD/69840/2010), Inês Fachada (SFRh/BD/75985//2011) e Ana Raquel Corval (SFRh/BD/87495/2012).

A inclusão de grupos clínicos, nomeadamente de crianças com perturbações do es-pectro do autismo e crianças com síndrome de williams que apresentam semelhan-ças fenotípicas com crianças com perturbação de vinculação do tipo inibido edesinibido, respetivamente, permitiu guiar a nossa investigação para fatores gené-ticos, já descritos para estas patologias. O carácter inovador deste estudo assentouainda na avaliação multidimensional destas perturbações, em que se pretendeu ava-liar de que forma a interação entre ambiente e genes tem impacto no funcionamentoneural destas crianças que, por sua vez, se reflete na emergência dos comportamen-tos perturbados de vinculação. Participaram neste estudo 159 crianças entre os 3 eos 5 anos de idade, acolhidas em 30 instituições do norte e sul do país.

Do modelo conceptual ao protocolo de avaliação

Do ponto de vista conceptual, os projetos referidos foram elaborados à luz daPsicopatologia do Desenvolvimento, no quadro da teoria e da investigação da vin-culação. Do ponto de vista metodológico, adotaram a abordagem ecológica do de-senvolvimento humano(17), privilegiando a avaliação dos múltiplos domínios dodesenvolvimento da criança, tendo em conta a sua integração nos contextos distaise proximais, incluindo as experiências de cuidados na família biológica e na insti-tuição. Globalmente, o protocolo de avaliação teve quatro focos: (1) na criança, ava-liando o seu crescimento físico, desenvolvimento mental, emocional, social ecomportamental, bem como aspetos do seu funcionamento neuro-endócrino. Pro-cedeu-se ainda à avaliação do temperamento, de características genéticas e do seufuncionamento neural; (2) na relação criança-cuidador, incluindo a análise dos com-portamentos perturbados de vinculação e da (des)organização da vinculação; (3)nos cuidadores, integrando a avaliação de comportamentos na interação com acriança, incluindo, sensibilidade, cooperação e comportamentos atípicos, bem comoas suas narrativas de vinculação; e (4) nos contextos, através da recolha de informa-ção sobre características da estrutura e da organização da instituição (por exemplo,rácio cuidador-crianças e rotatividade dos cuidadores, rotinas diárias e elaboraçãode atividades de estimulação do desenvolvimento), assim como sobre experiências

220

SCIENTIA IVRIDICA

(17) URIC BRONFENBRENNER, The ecology of human development, harvard University Press, Cambridge,1979.

prévias da criança na família biológica (por exemplo, risco pré-natal, presença demaus-tratos físicos, abuso sexual, negligência).

O desenvolvimento da criança em acolhimento institucional

Tal como referido, ao longo dos últimos anos, clínicos e investigadores têmvindo a alertar para os efeitos problemáticos de uma história marcada por cuidadosinstitucionais e experiências precoces adversas. O seu impacto reflete-se no desen-volvimento físico e neurobiológico, no funcionamento psicossocial e nas relaçõesde vinculação de bebés e de crianças(18), sendo que os défices estão, com frequência,presentes em simultâneo, abrangendo mais que um domínio desenvolvimental(19).No entanto, o impacto da adversidade não parece ser uniforme para todas as crian-ças que partilham os mesmos contextos. Diferenças individuais parecem contribuirpara que algumas crianças em acolhimento institucional apresentem um desenvol-vimento normativo em alguns domínios, apesar de estarem expostas a um contextoque não satisfaz de forma expectável as suas necessidades desenvolvimentais.

Esta heterogeneidade sugere a presença de múltiplos fatores de risco e de pro-teção. Na verdade, enquanto alguns Autores acentuam a influência da presença (ouausência) de recursos pessoais e sociais nas diferenças individuais, incluindo o es-tatuto desenvolvimental prévio da criança antes da integração no contexto institu-cional e fatores genéticos(20)(21), outros investigadores fazem referência às diferençasna qualidade dos cuidados na família biológica e na instituição, no tempo de insti-tucionalização e na idade de admissão na instituição(22). Outros ainda acrescentam

221

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(18) kIM MACLEAN, “The impact of institutionalization on child development”, Developmental Psy-chology, vol. 15, n.º 4, 2003.

(19) ShARON JUDGE, “Developmental recovery and deficit in children adopted from Eastern Europeanorphanages”, Child Psychiatry and Human Development, vol. 34, n.º 1, 2003.

(20) ROBERT MCCALL/ChRISTINA GROARk, “The future of applied child development research andpublic policy”, Child Development, vol. 71, n.º 1, 2000.

(21) ROBERT kUMSTA et al., “5hTT genotype moderates the influence of early institutional deprivationon emotional problems in adolescence: Evidence from the English and Romanian Adoptee (ERA) study”,Journal of Child Psychology & Psychiatry, vol. 51, n.º 7, 2010.

(22) MARINUS VAN IJzENDOORN/FEMMIE JUFFER, “The Emanuel Miller Memorial Lecture 2006: Adop-tion as intervention. Meta-analytic evidence for massive catch-up and plasticity in physical, socio-emo-tional, and cognitive development”, Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 47, n.º 12, 2006.

que quanto maior a adversidade em cada um daqueles fatores (por exemplo, quantomais adversas forem as experiências anteriores à institucionalização, quanto maisinadequadas forem as instituições, quanto mais cedo e durante mais tempo as crian-ças permanecerem institucionalizadas) maior será o impacto negativo da institu-cionalização no desenvolvimento(23).

Em seguida são apresentados os principais resultados da literatura internacional,bem como dos nossos estudos, sobre o impacto das características da criança, da famíliabiológica e do contexto institucional em domínios específicos do desenvolvimento dacriança: (1) crescimento físico e funcionamento neurobiológico, (2) desenvolvimentocomportamental e emocional, e (3) comportamentos perturbados de vinculação.

Crescimento físico e neurobiológico

São vários os estudos que têm vindo a documentar os efeitos negativos da ins-titucionalização no crescimento físico da criança(24). Alguns investigadores(25) argu-mentam que, por cada 3 a 4 meses de institucionalização, bebés e crianças perdemcerca de 1 mês de crescimento linear, e apresentam atrasos desenvolvimentais aonível de diferentes parâmetros do crescimento físico, incluindo no peso, na altura eno perímetro cefálico. A este respeito, importa salientar os resultados do estudoconduzido por Anna Smyke e seus colaboradores(26), realizado com crianças entreos 5 e os 31 meses de idade, a viver em instituições romenas. Os Autores constata-ram que estas crianças apresentavam valores significativamente inferiores, em com-paração com os seus pares da comunidade, ao nível do peso, da altura e doperímetro cefálico. Tal padrão de resultados tem vindo a ser confirmado por outros

222

SCIENTIA IVRIDICA

(23) ChARLES NELSON, “A neurobiological perspective on early human deprivation”, Child DevelopmentPerspectives, vol. 1, n.º 1, 2007.

(24) Por exemplo, DEBORAh FRANk et al., “Infants and young children in orphanages: One view frompediatrics and child psychiatry”, Pediatrics, vol. 97, n.º 4, 1996.

(25) DANA JOhNSON, “Medical and developmental sequelae of early childhood institutionalization inEastern European adoptees”, cit.

(26) ANNA SMykE et al., “The caregiving context in institution-reared and family-reared infants andtoddlers in Romania”, Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 48, n.º 2, 2007.

estudos realizados com crianças com histórias de acolhimento institucional(27)(28), in-cluindo crianças adotadas(29)(30). Salienta-se, a título exemplificativo, os trabalhos deGroza e Ilena (1996), os quais verificaram, num grupo de crianças adotadas da Europade leste com história prévia de institucionalização, que cerca de 72% e 80% dessascrianças eram descritas pelos seus pais adotivos como tendo défices no peso e na al-tura, respetivamente, no momento da adoção. De modo consistente, Michael Ruttere seus colaboradores(31), no âmbito do estudo ERA(32), verificaram que, numa amostratambém de crianças adotadas com quatro anos de idade, que previamente tinhamestado institucionalizadas, 51%, 34% e 38% dessas crianças apresentavam, no mo-mento da adoção, valores da altura, peso e perímetro cefálico abaixo do percentil três,respetivamente. Num estudo de reavaliação conduzido por esta mesma equipa, cons-tataram adicionalmente que, aos seis anos de idade, as crianças que tinham sido ado-tadas tardiamente (ou seja, com mais de seis meses de idade) apresentavam pioresresultados ao nível do peso e do perímetro cefálico, do que as crianças adotadas maiscedo (ou seja, com menos de seis meses de idade)(33).

223

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(27) PANAyIOTA VORRIA et al., “Early experiences and attachment relationships of Greek infants raisedin residential group care”, Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 44, n.º 8, 2003.

(28) NATAShA DOBROVA-kROL et al., “Effects of perinatal hIV infection and early institutional rearingon physical and cognitive development of children in Ukraine”, cit.

(29) MIChELLE LOMAN et al., “Postinstitutionalized children’s development: Growth, cognitive, andlanguage outcomes”, Journal of Development & Behavioral Pediatrics, vol. 30, n.º 5, 2009.

(30) LUCy LE MARE/kARyN AUDET, “A longitudinal study of the physical growth and health of postin-stitutionalized Romanian adoptees”, Paediatrics & Child Health, vol. 11, n.º 2, 2006.

(31) MIChAEL RUTTER et al., “Developmental catch-up, and deficit, following adoption after severeglobal early privation”, cit.

(32) Projeto longitudinal que examinou os efeitos da experiência institucional no desenvolvimentode crianças romenas adotadas por famílias do Reino Unido, ao nível do crescimento físico, do desenvol-vimento cognitivo, emocional, social e académico. Este projeto centrou a sua atenção nas variações daduração daquela experiência. Recorreu, para o efeito, a uma amostragem aleatória estratificada com basena idade das crianças. De forma a melhor compreender os efeitos da institucionalização, sem deixar deconsiderar, no entanto, as características da família adotiva, compararam cinquenta e duas crianças queforam adotadas no Reino Unido antes de completarem os 6 meses de idade, e que não foram expostas aum contexto institucional de privação, a um grupo de 165 crianças romenas adotadas internacionalmentedurante os anos noventa. O desenvolvimento destas crianças foi monitorizado desde a sua chegada aoReino Unido até completarem os 15 anos de idade.

(33) ThOMAS O’CONNOR et al., “Attachment disorder behavior following early severe deprivation: Ex-tension and longitudinal follow-up”, Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry,vol. 39, n.º 6, 2000.

Tem sido considerado que tal padrão de atraso no crescimento físico, observadoem crianças com uma história de acolhimento institucional, parece resultar de umareduzida secreção da hormona de crescimento pela hipófise, cuja alteração se deveà exposição da criança a um contexto de negligência social e emocional. Este fenó-meno é denominado falha no crescimento psicossocial(34), e a sua ocorrência tem vindoa ser suportada por estudos recentes que vieram documentar que, mesmo em crian-ças acolhidas em instituições que providenciam cuidados médicos e nutricionaissatisfatórios, observam-se défices no seu crescimento físico, pelo que ganhos nestedomínio ocorrem quando a criança é retirada da instituição e integrada precoce-mente num contexto familiar adotivo capaz de providenciar experiências emocio-nais mais adequadas às suas necessidades(35). Similarmente, estudos de intervençãotêm salientado que a promoção da qualidade dos cuidados relacionais em contextoinstitucional, mesmo sem ocorrerem mudanças ao nível da nutrição, pode, igual-mente, exercer um efeito positivo no crescimento físico destas crianças(36). A inte-gração destas crianças em famílias de acolhimento, durante os primeiros meses devida, parece ter também efeitos positivos a este nível(37).

Para além dos efeitos no crescimento físico, a investigação internacional temapontado para um significativo comprometimento de outros sistemas fisiológicosimportantes na regulação da homeostasia do organismo. Um dos sistemas mais es-tudados tem sido o eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (hPA), principal meca-nismo fisiológico de resposta ao stress. O funcionamento deste eixo é caracterizadopor uma cascata de eventos que se inicia com a produção da hormona libertadorada corticotropina (CRh) aos nível do núcleo paraventricular (PVN) do hipotálamo,

224

SCIENTIA IVRIDICA

(34) DANA JOhNSON, “Medical and developmental sequelae of early childhood institutionalization inEastern European adoptees”, cit.

(35) MARINUS VAN IJzENDOORN et al., “Plasticity of growth in height, weight and head circumference:Meta-analytic evidence of massive catch-up after international adoption”, Journal of Developmental andBehavioral Pediatrics, vol. 28, n.º 4, 2007.

(36) The St. Petersburg-USA Orphanage Research Team, “The effects of early social-emotional andrelationship experience on the development of young orphanage children”, Monographs of the society forresearch in child development, vol. 73, n.º 3, 2008.

(37) DANA JOhNSON et al., “Growth and associations between auxology, caregiving environment, andcognition in socially deprived Romanian children randomized to foster vs. ongoing institutional care”,Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, vol. 164, n.º 6, 2010.

que ativa a libertação de adrenocorticotropina (ACTh) na hipófise, e que uma vezentrando na circulação sanguínea leva à produção de cortisol ao nível do córtex dasglândulas supra-renais. Esta hormona esteróide exerce diversos efeitos periféricos,mas tem também a capacidade de atravessar a barreira hemato-encefálica atuandoem diferentes locais do sistema nervoso central, nomeadamente em regiões do sis-tema límbico onde se encontra uma grande densidade de recetores do cortisol(38). Aprodução diurna desta hormona é indispensável ao funcionamento do organismoe caracteriza-se por um padrão circadiano de níveis matinais elevados que vão di-minuindo ao longo do dia. No entanto, a elevação crónica dos níveis desta hormona,estimulada pela exposição a situações de stress continuado, pode ter impactos ne-fastos na saúde do indivíduo(39). De notar é ainda o facto de que quando níveis destress são experienciados durante o período de desenvolvimento, em que está emcurso o processo de maturação deste sistema, estas experiências têm a capacidadede re-programar o funcionamento basal e de reatividade deste eixo, o que tem im-plicações, a curto e longo prazo, na vida do indivíduo(40).

De facto, a investigação tem mostrado que experiências de privação de contactoparental parecem comprometer o perfil circadiano típico de produção de cortisol.A avaliação deste perfil em crianças com história de institucionalização tem reve-lado que, contrariamente ao perfil típico, estas crianças apresentam uma diminuiçãodos níveis matinais desta hormona(41). Mesmo após a sua integração em famílias deacolhimento, crianças com experiência prévia de institucionalização parecem apre-sentar um perfil flat de produção de cortisol, quando comparadas com crianças nãomaltratadas que sempre viveram com as famílias biológicas e com uma condiçãosocioeconómica semelhante(42).

225

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(38) RON DE kLOET et al., “Brain corticosteroid receptor balance in health and disease”, EndocrinologyReviews, vol. 19, n.º 3, 1998.

(39) ROBERT SAPOLSky et al., “how do glucocorticoids influence stress responses? Integrating permis-sive, stimulatory, and preparative actions”, Endocrinology Reviews, vol. 21, n.º 1, 2000.

(40) AMANDA TARULLO/MEGAN GUNNAR, “Child maltreatment and the developing hPA axis”, Hor-mones and Behavior, vol. 50, 2006.

(41) MEGAN GUNNAR/DELIA VAzQUEz, “Low cortisol and a flattening of expected daytime rhythm:potential indices of risk in human development”, Development & Psychopathology, vol. 13, n.º 3, 2001.

(42) MARy DOzIER et al., “Foster children’s diurnal production of cortisol: An exploratory study”, ChildMaltreatment, vol. 11, n.º 2, 2006.

Genericamente, estudos com crianças institucionalizadas têm revelado quemesmo após adoção ou inclusão em famílias de acolhimento cerca de 30-40% dascrianças revelam manter uma produção circadiana atípica, caracterizada por umadiminuição dos níveis matinais de cortisol, quando comparadas com crianças semhistória de experiências adversas precoces(43).

Adicionalmente a este perfil atípico de produção diurna de cortisol, outros es-tudos têm também revelado que crianças com história de adversidade na infânciaapresentam uma maior reatividade deste eixo, que se traduz por níveis basais ele-vados de cortisol, o que se repercute numa resposta exagerada a situações de stressou de potencial stress. A este respeito existe uma vasta literatura demonstrandoque situações crónicas de hipercorticalismo têm impacto ao nível dos sistemas imu-nitário, cardiovascular e metabólico, comprometendo o bem-estar a saúde a longoprazo(44). Relevante é ainda o facto de níveis elevados de cortisol se verificarem emcrianças já adotadas e alguns anos após terem deixado o contexto institucional e seencontrarem já em ambientes de maior qualidade(45)(46)(47). Alguns estudos têm de-monstrado que esta elevação crónica dos níveis basais de cortisol podem estar as-sociados a situações de maior privação em que aspetos do desenvolvimento físicotambém estão comprometidos. há já alguma evidência de que a elevação crónicade hormonas do eixo hPA pode também por si só comprometer o crescimento(48).

226

SCIENTIA IVRIDICA

(43) MIChELLE LOMAN/MEGAN GUNNAR, “Early experience and the development of stress reactivityand regulation in children”, Neuroscience and Biobehavioral Reviews, vol. 34, n.º 6, 2010.

(44) ChRISTINE hEIM et al., “The link between childhood trauma and depression: insights from hPAaxis studies in humans”, Psychoneuroendocrinology, vol. 33, n.º 6, 2008.

(45) ALISON wISMER FRIES et al., “Neuroendocrine dysregulation following early social deprivation inchildren”, Developmental Psychobiology, vol. 50, n.º 6, 2008.

(46) MEGAN GUNNAR et al., “Salivary cortisol levels in children adopted from Romanian orphanages”,Development and Psychopathology, vol. 13, n.º 3, 2001.

(47) DARLENE kERTES et al., “Early deprivation and home basal cortisol levels: A study of internation-ally-adopted children”, Development and Psychopathology, vol. 20, n.º 2, 2008.

(48) ASSUNTA ALBANESE et al., “Reversibility of physiological growth hormone secretion in childrenwith psychosocial dwarfism”, Clinical Endocrinology, vol. 40, n.º 5, 1994.

Resultados da nossa investigação

Apesar do inegável contributo dos estudos acima mencionados, importa salien-tar que a maioria dos trabalhos sobre os efeitos da institucionalização no cresci-mento físico baseia-se em avaliações efetuadas após a saída da criança para a famíliaadotiva, pelo que pouco se sabe acerca das trajetórias de crescimento físico destascrianças ao longo do período de tempo em que permanecem em acolhimento ins-titucional. Adicionalmente, subsistem em número reduzido os estudos que visamexaminar o contributo das experiências pré-institucionais, nomeadamente na famí-lia biológica, para o crescimento físico da criança em acolhimento institucional.

Com vista a superar tais lacunas, o nosso estudo longitudinal procurou identificardiferentes padrões de crescimento, ao nível da altura e do peso, em bebés acolhidosem CAT. Para este efeito, aqueles parâmetros foram avaliados em quatro ocasiões dis-tintas ao longo de um período de nove meses de institucionalização, com início no mo-mento da admissão na instituição. Este estudo visou ainda explorar os determinantesdas diferenças individuais nas trajetórias de crescimento físico. Participaram 49 crianças(25 crianças do sexo masculino, 51%) que foram avaliadas, tal como já mencionado,no momento de admissão no CAT (T0), e, novamente, aos três (T1), seis (T2) e nove (T3)meses de institucionalização. No momento da admissão na instituição, as crianças ti-nham entre 0 e 21 meses de idade, situando-se a média nos 7,14 meses. Doze crianças(24,5%) tinham sido admitidas na instituição logo após o nascimento, não tendo vividocom a sua família biológica. Os motivos para a admissão em contexto institucional eramdiversos, desde negligência a abandono, sendo que, para a maioria das crianças (75%),várias razões para a institucionalização foram simultaneamente identificadas. Neste es-tudo, participaram igualmente os cuidadores institucionais destas crianças. Estes eram,em média, responsáveis por 10 crianças quando em serviço, variando entre 2 a 21 crian-ças. A maioria dos cuidadores (67,3%) trabalhava por turnos, dedicando, em média,25 minutos de atenção individual, por dia, a cada criança(49).

No que concerne aos resultados deste estudo, foram observadas diferenças sig-nificativas no peso ao longo de um período de nove meses de institucionalização,sendo de salientar que em T1 (média do percentil do peso = 36,67), T2 (média do

227

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(49) CARLA MARTINS et al., “Diverse physical growth trajectories in institutionalized Portuguese childrenbelow age 3: Relation to child, family and institutional factors”, Journal of Pediatric Psychology, vol. 38, n.º 4, 2013.

percentil do peso = 42,42) e T3 (média do percentil do peso = 48,44) as crianças re-velaram valores significativamente mais positivos para este parâmetro do cresci-mento físico do que em T0 (média do percentil do peso = 28,07). Adicionalmente,os valores observados em T3 revelaram-se significativamente mais favoráveis queos valores em T1 (Figura 1). Em relação à altura, não foram observados ganhos sig-nificativos ao longo do período de nove meses de institucionalização(50)(51) (Figura2), sendo o valor médio do percentil da altura em torno de 25.

Considerando os dados apresentados nas Figuras 1 e 2 relativos ao valor médioobservado para o grupo de crianças institucionalizadas, foi possível observar umagrande variabilidade intra-grupo, que importava esclarecer para melhor compreen-der diferentes trajetórias de desenvolvimento físico em contexto institucional, bemcomo os seus determinantes. Usado o método de análise de classes latentes, foi pos-sível identificar quatro padrões distintos de evolução para os dois parâmetros docrescimento físico alvo da análise: (1) um grupo denominado de persistentementebaixo, composto pelas crianças que, desde a admissão na instituição até completaremnove meses de institucionalização, revelaram, de forma consistente, percentis bai-xos; (2) um grupo persistentemente alto, constituído pelas crianças que apresentaram,ao longo dos nove meses de institucionalização, percentis elevados; (3) um grupo

228

SCIENTIA IVRIDICA

(50) ISABEL SOARES, “Growing up in poverty and deprived from (sensitive) parental care”, Apresen-tação oral feita no International Congress of Attachment, Pavia, Itália, 2013.

(51) TERESA MARQUES, “Physical growth, mental development and neuro-endocrine functioning in Por-tuguese institutionalized children: A longitudinal study”, tese de doutoramento, Universidade do Minho, 2012.

Figura 1. Trajetórias do peso (percentis) aolongo de nove meses de institucionalização.Diferenças significativas ao longo do tempo, F(2.34, 109.0) = 15.66, p < .001, em que T0 < T1,T2, T3, e T1 < T3.

Figura 2. Trajetórias da altura (percentis) aolongo de nove meses de institucionalização.Não foram identificadas diferenças significati-vas ao longo do tempo, F (3, 141) = .43, ns

caracterizado por ganhos no crescimento físico no decorrer daquele período detempo; e (4) um grupo caracterizado por perdas, consistindo nas crianças que evi-denciaram um declínio nos percentis do peso ou da altura ao longo daqueles pri-meiros nove meses de acolhimento institucional(52).

Tanto para o peso como para a altura foram observadas diferenças entre estesquatro grupos de evolução. No que concerne às trajetórias do peso, resultadosmenos adaptativos surgiram associados aos seguintes fatores: ter estado exposto aum maior risco pré-natal (por exemplo, ter estado exposto a substâncias durante agravidez, ter nascido prematuro), ter nascido com baixo peso, ser do sexo mascu-lino, ter sido institucionalizado antes dos seis meses de idade, e ter experienciadocuidados institucionais menos responsivos. Quanto às trajetórias da altura, tanto orisco pré-natal como o baixo peso ao nascimento e ter sido admitido no contextoinstitucional antes dos seis meses de idade revelaram estar novamente associadosa um crescimento comprometido.

Adicionalmente, foi ainda objetivo do nosso projeto analisar se a saída dacriança da instituição, e posterior integração num contexto familiar, tinha efeitosem diferentes parâmetros do seu crescimento físico(53). Para este efeito, procedeu-seà avaliação de 50 crianças (27 crianças do sexo masculino, 54%), em dois momentos:em T1 e em T2. Em T1, a totalidade da amostra encontrava-se institucionalizada,em média, há 8 meses e tinha cerca de 10 meses de idade. A idade média de admis-são no CAT era de 2 meses, pelo que 42 crianças (84%) tinham sido admitidas nessecontexto com três ou menos meses de idade. Em T2, enquanto 30 crianças (deno-minadas, a partir deste ponto, Grupo Adoção ou GA), do total de 50, estavam inte-gradas numa família adotiva há cinco meses, as restantes 20 crianças (denominadas,a partir deste ponto, Grupo Institucionalização ou GI) continuavam institucionali-zadas. Neste segundo momento de avaliação, a idade média do GA era de 18 mesese a do GI era de 15 meses.

No que concerne em específico aos resultados do GA, registou-se um aumentosignificativo do valor do percentil do perímetro cefálico de T1 para T2, com resul-

229

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(52) CARLA MARTINS et al., “Diverse physical growth trajectories in institutionalized Portuguese chil-dren below age 3: Relation to child, family and institutional factors”, Journal of Pediatric Psychology, vol.38, n.º 4, 2013.

(53) JOANA BAPTISTA, “Do acolhimento institucional para a família adotiva: Implicações no desenvol-vimento da criança”, Tese de Doutoramento, Universidade do Porto, 2011.

tados mais favoráveis observados na família adotiva. Observaram-se ainda dife-renças marginais nos percentis da altura, novamente com resultados mais favorá-veis em T2, sendo esta a medida do crescimento físico, cuja média do percentil é amenos elevada em ambos os momentos de avaliação (ver Figuras 3 e 4). Quanto aoGI, verificou-se, entre T1 e T2, um aumento significativo do valor do percentil dopeso, com resultados mais positivos obtidos em T2.

No que diz respeito à comparação entre os grupos, em T1 não se verificaramdiferenças significativas entre os dois grupos em nenhuma das medidas do cresci-mento físico. Porém, em T2, observaram-se diferenças entre os grupos ao nível dopercentil da altura, tendo as crianças adotadas evidenciado valores significativa-mente mais elevados do que as crianças que permaneceram em acolhimento insti-tucional, tal como exposto na Figura 4.

Problemas emocionais e do comportamento

São vários os estudos conduzidos a partir da segunda metade do século XX(54)(55)

que vieram revelar os efeitos nocivos da privação parental precoce no domínio doque o desenvolvimento emocional e comportamental. A este respeito, salientam-seos resultados de estudos conduzidos com crianças em acolhimento institucional,

230

SCIENTIA IVRIDICA

(54) Por exemplo, BARBARA TIzARD/JILL hODGES, “The effect of early institutional rearing on the de-velopment of 8 year-old children”, Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 19, n.º 2, 1978.

(55) Para uma revisão, ver kIM MACLEAN, “The impact of institutionalization on child development”,Developmental Psychology, vol. 15, n.º 4, 2003.

Figura 3. Crescimento físico (percentis) emT1. Não foram observadas diferençasentre os grupos.

Crescimento físico (percentis) em T2. Difer-enças entre os grupos na altura, U = -2.66, p<.01, com valores mais favoráveis observa-dos no GA.

em países como a Grécia e a Roménia. Diversos Autores verificaram que aquelascrianças apresentavam mais comportamentos de internalização (ou seja, ansiedade,depressão, retraimento) e de externalização (ou seja, agressividade, oposição), bemcomo mais problemas de atenção e de reciprocidade social, do que os seus paresda comunidade que sempre viveram com as suas famílias biológicas(56)(57). Para alémdestes resultados, alguns estudos têm vindo a verificar, ao longo dos últimos anos,que tais dificuldades podem persistir durante meses e anos após a integração dacriança num ambiente familiar adotivo(58)(59)(60).

Não obstante os resultados dos estudos acima mencionados, a literatura sobreo impacto da adoção tem salientado que a maioria das crianças adotadas, muitasdelas com histórias prévias de acolhimento institucional, se encontra bem adap-tada(61). Estes dados apontam para o contributo de diferentes fatores envolvidos naheterogeneidade nos resultados desenvolvimentais destas crianças. Quanto a isto,défices ao nível da qualidade dos cuidados institucionais têm vindo a ser associadosà presença de mais problemas emocionais e de comportamento nestas crianças. Es-pecificamente, investigadores constataram que a presença de mais comportamentosde internalização e de externalização era explicada pela exposição da criança a cui-dados institucionais menos responsivos, salientando-se a menor disponibilidade esensibilidade dos cuidadores perante os sinais e comunicações da criança. Esta po-sição, com enfoque na pertinência da qualidade do ambiente institucional, foi re-centemente reforçada pelo estudo de Merz e Mcall(62), no qual constataram que

231

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(56) PANAyIOTA VORRIA et al., “A comparative study of Greek children in long-term residential careand in two-parent families: I. Social, emotional and behavioral differences”, Journal of Child Psychologyand Psychiatry, vol. 39, 1998.

(57) ANNA SMykE et al., “The caregiving context in institution-reared and family-reared infants andtoddlers in Romania”, Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 48, n.º 2, 2007.

(58) kRISTEN wIIk et al., “Behavioral and emotional symptoms of post-institutionalized children inmiddle childhood”, The Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 52, n.º 1, 2011.

(59) CELIA BECkETT et al., “Behavior patterns associated with institutional deprivation: A study of chil-dren adopted from Romania”, Developmental and Behavioral Pediatrics, vol. 23, n.º 5, 2002.

(60) ROBERT kUMSTA et al., “Deprivation-specific psychological patterns”, Monographs of the Society forResearch in Child Development, vol. 75, n.º 1, 2010.

(61) MIChAEL RUTTER et al., “Specificity and heterogeneity in children’s responses to profound priva-tion”, British Journal of Psychiatry, vol. 179, n.º 2, 2001.

(62) EMILy MERz/ROBERT MCCALL, “Behavior problems in children adopted from psychosocially de-priving institutions”, Journal of Abnormal Child Psychology, vol. 38, n.º 4, 2010.

crianças entre 6 e 18 anos de idade que se encontravam a viver com as suas famíliasadotivas, e que eram provenientes de instituições romenas caracterizadas por ele-vada privação nos cuidados(63), apresentavam mais problemas de internalização ede externalização, quando comparadas com outras crianças adotadas, mas que ti-nham estado previamente acolhidas em instituições de melhor qualidade.

Para além das experiências vividas em contexto institucional, outros fatores têmestado associados à presença de mais problemas emocionais e de comportamento,salientando-se o tempo de permanência da criança no contexto institucional. A esterespeito, os estudos levados a cabo com crianças adotadas têm sido altamente in-formativos, ao revelarem que crianças integradas mais tardiamente (ou seja, apósos seis meses de idade) tendem a manifestar mais dificuldades emocionais e decomportamento em idade pré-escolar e escolar, do que crianças que foram adotadasmais precocemente (ou seja, antes dos seis meses de idade)(64)(65).

Resultados da nossa investigação

Apesar da inegável relevância dos estudos acima mencionados, importa, porém,salientar que têm estado focados maioritariamente nos efeitos de fatores institucio-nais ou da criança, com particular foco no tempo de institucionalização ou na suaidade no momento de admissão nos contextos institucionais, para melhor compreen-der o aparecimento de problemas emocionais e de comportamento nestas crianças.Todavia, menos se sabe acerca do impacto de fatores pré-institucionais, relativos àsvivências da criança na família biológica, o que pode ser explicado pelo fato de taisinformações estarem, muito frequentemente, inacessíveis aos investigadores.

232

SCIENTIA IVRIDICA

(63) Ou seja, instituições marcadas pela mudança frequente de cuidadores, por um elevado rácio cui-dador-crianças, e por escassas oportunidades de interação entre a criança e um adulto responsivo.

(64) JANA kREPPNER et al., “Can inattention/overactivity be an institutional deprivation syndrome?”,Journal of Abnormal Child Psychology, vol. 29, n.º 6, 2001.

(65) BRANDI hAwk/ROBERT MCCALL, “CBCL behavior problems in post-institutionalized internationaladoptees”, Journal of Child and Family Psychology Review, vol. 13, n.º 2, 2010.

Problemas de internalização e de externalização

Considerando a escassez de estudos focados nas experiências prévias, a nossainvestigação procurou ampliar o conhecimento acerca dos efeitos da instituciona-lização no desenvolvimento emocional e comportamental da criança, ao examinaro contributo, não apenas da qualidade dos cuidados institucionais providenciadosà criança, mas também das suas experiências na família biológica, designadamentea presença de maus-tratos (presença de negligência, maltrato físico e abuso sexual).Para este efeito, participaram no nosso estudo(66) 50 crianças (28 crianças do sexomasculino, 56%), com idades compreendidas entre os 18 e os 31 meses de idade,acolhidas em 19 CAT’s do norte do país. O tempo de institucionalização variavaentre 4 a 29 meses, pelo que 28 crianças (56%) tinham sido vítimas de maus-tratosna família biológica, antes de serem acolhidas na instituição. Os cuidados institu-cionais foram avaliados em termos da sua estabilidade e consistência (por exemplo,rácio cuidador-criança, número de cuidadores, rotatividade nos horários de traba-lho). A este nível, observou-se variabilidade na qualidade das práticas institucionais,tendo participado no estudo instituições que apresentavam maior e menor estabi-lidade na prestação de cuidados.

No que concerne aos resultados, observou-se que 10% e 12% das crianças destaamostra foram descritas pelas suas cuidadoras como tendo problemas de interna-lização ou de externalização, respetivamente. Estes valores são consistentes com oque tem sido descrito pela literatura internacional. Adicionalmente, constatou-seque mais problemas de internalização e de externalização não estavam associados,nem aos maus-tratos vivenciados na família nem à qualidade dos cuidados institu-cionais, de forma individual. Todavia, observou-se um efeito significativo da inte-ração entre os maus-tratos e a estabilidade dos cuidados institucionais, no queconcerne especificamente aos problemas de externalização. Desta forma, as criançasque evidenciavam mais problemas eram aquelas que tinham sido vítimas de maus--tratos na família e que, cumulativamente, estavam acolhidas em instituições compráticas de cuidados menos estáveis e menos consistentes, por exemplo, instituiçõescom rácios cuidador-criança mais elevados, instituições com mais cuidadores com

233

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(66) JOANA BAPTISTA et al., “The interactive effect of maltreatment in the family and unstable institutionalcaregiving in predicting behavior problems in toddlers”, Child Abuse & Neglect, vol. 38, n.º 12, 2014.

horários rotativos, e instituições cujas crianças transitavam de grupos de cuidadores,ao invés de serem cuidadas consistentemente pelas mesmas figuras, ao longo dasua permanência na instituição.

Retraimento social

Para além dos problemas de internalização e de externalização, a nossa inves-tigação procurou ainda conhecer os preditores dos comportamentos de retraimentosocial nestas crianças. O retraimento social pode ser definido como uma diminuiçãoda resposta da criança ao meio, tanto de respostas positivas (por exemplo, sorrir,manter contacto ocular) como de respostas negativas (por exemplo, chorar), peloque o retraimento persistente pode ser um indicador de risco para a possível pre-sença de perturbação social e emocional precoce(67). Apesar de o retraimento socialser frequentemente observado em condições clínicas (por exemplo, na perturbaçãodo espectro do autismo, na depressão) e ter sido alvo de um interesse por parte dainvestigação clássica acerca do impacto da institucionalização(68), é ainda escassa ainvestigação sobre esta problemática. Considerando tal limitação, o nosso estudoprocurou explorar os fatores etiológicos associados ao retraimento social, tendo emconta os contributos quer das experiências vivenciadas pela criança na família bio-lógica, antes da institucionalização, quer da qualidade dos cuidados institucionaise de fatores individuais da própria criança.

O nosso estudo(69) incluiu 85 crianças (44 crianças do sexo masculino, 51.8%) aco-lhidas em 19 CAT’s do norte do país, com idades compreendidas entre os 12 e os 30meses. A idade de admissão na instituição variava entre 0 a 24 meses, pelo que vintee uma crianças (25%) tinham sido institucionalizadas logo após o seu nascimento, e,portanto, nunca tinham vivido com as suas famílias biológicas. O tempo de institu-cionalização variava entre 5 e 29 meses, pelo que 30 crianças (35.3%) estavam institu-cionalizadas há mais de um ano. Neste estudo participaram, ainda, 65 cuidadoresinstitucionais, a maioria do sexo feminino (62 cuidadores do sexo feminino, 95.4%),

234

SCIENTIA IVRIDICA

(67) ANTOINE GUEDENEy, “Infant’s withdrawal and depression”, Infant Mental Health Journal, vol. 28,n.º 4, 2007.

(68) RENé SPITz, “hospitalism: A follow-up report”, Psychoanalytic Study of the Child, vol. 2, 1946.(69) JOANA BAPTISTA et al., “Social withdrawal behavior in institutionalized toddlers: Individual, early

family, and institutional determinants”, Infant Mental Health Journal, vol. 34, n.º 6, 2013.

com idades compreendidas entre os 20 e os 56 anos. Procedeu-se à avaliação dos com-portamentos de retraimento social da criança e examinou-se quer (1) a qualidade dasexperiências vivenciadas na família, através da análise de três compósitos de risco(isto é, risco pré-natal, risco familiar-relacional e risco de negligência emocional), quer(2) a qualidade do ambiente institucional, em termos da sua organização e consistên-cia nos cuidados e da presença de um cuidador preferido na instituição, com quem acriança estabeleceu (ou não) uma relação de vinculação.

Os resultados revelaram que menos comportamentos de retraimento social nes-tas crianças eram explicados por uma melhor qualidade ao nível dos cuidados ins-titucionais, em termos da presença (versus ausência) de uma cuidadora preferidana instituição. Neste sentido, a existência de um adulto especial na instituição, comquem a criança teve a oportunidade de construir uma relação de vinculação, pareceatuar como um fator protetor para o retraimento social, reduzindo a probabilidadede aparecimento de tais comportamentos atípicos.

Comportamentos perturbados de vinculação

A investigação científica sobre os efeitos da institucionalização precoce no de-senvolvimento infantil tem vindo a alertar para a presença de percentagens elevadasde crianças que manifestam comportamentos perturbados de vinculação. Tem sidosugerido que as características da prestação de cuidados em contexto institucional(por exemplo, as mudanças frequentes de cuidadores, os elevados rácios cuidador-criança e o trabalho por turnos) parecem contribuir grandemente para a manifesta-ção daquela perturbação, ao dificultarem a construção de uma relação de vinculaçãodiscriminada e seletiva com um cuidador, especialmente com um cuidador dife-renciado fundamental ao desenvolvimento da criança(70).

Tais comportamentos atípicos estão atualmente descritos nos sistemas de nosolo-gia utilizados no âmbito das perturbações psiquiátricas. Segundo o DSM-IV-TR(71), estaproblemática, denominada de Perturbação Reativa de Vinculação, caracteriza-se por

235

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(70) ANNA SMykE et al., “Attachment disturbances in young children. I: The continuum of caretakingcasuality”, cit.

(71) American Psychiatric Association, DSM-IV-TR, Manual de diagnóstico e estatística das perturbaçõesmentais, Climepsi editores, 2002, Lisboa.

relações sociais acentuadamente perturbadas na maior parte dos contextos e que pa-rece estar associada a uma história de cuidados patogénica, designadamente negli-gência permanente das necessidades emocionais e físicas básicas da criança, ou aindapor mudanças repetidas da pessoa que trata primariamente da criança, impedindo aformação de vínculos estáveis. São distinguidos no DSM-IV-TR dois subtipos destaperturbação:

I. O tipo desinibido, no qual a criança apresenta vinculações difusas e sociabili-dade indiscriminada, incapacidade para estabelecer vínculos seletivos adequados,procurando contacto e proximidade, de forma indiscriminada, com qualquer cui-dador disponível.

II. O tipo inibido, caracterizado por dificuldade persistente para iniciar e respon-der à maioria das interações sociais de modo adequado, por hipervigilância, porretraimento emocional e procura de proximidade do cuidador de forma bizarra ouambivalente, e por dificuldade em se deixa confortar.

A ocorrência de comportamentos perturbados de tipo desinibido parece sermais frequente que o tipo inibido, e mais resistente à intervenção(72)(73). Para alémdisto, investigadores defendem que a emergência de comportamentos de tipo de-sinibido parece ser independente de uma relação de vinculação estabelecida(74), aocontrário do que é observado no âmbito dos comportamentos de tipo inibido. De-vido a tais evidências, que sugerem a existência de etiologias (para além de fenóti-pos) distintos, a Associação Americana de Psiquiatria, no âmbito do recenteDSM-5(75), veio classificar o tipo desinibido e o tipo inibido como perturbações dis-tintas, tendo o primeiro passado a denominar-se de Perturbação de EnvolvimentoSocial Desinibido, enquanto o tipo inibido manteve a denominação de PerturbaçãoReativa de Vinculação.

236

SCIENTIA IVRIDICA

(72) ChARLES zEANAh et al., “Attachment disturbances in young children. II: Indiscriminate behaviorand institutional care”, Academy of Child and Adolescent Psychiatry, vol. 41, n.º 8, 2002.

(73) ChARLES zEANAh/MARy GLEASON, “Annual research review: Attachment disorders in early child-hood – clinical presentation, causes, correlates, and treatment”, Journal of Child Psychology and Psychiatry,vol. 56, n.º 3, 2015.

(74) ChARLES zEANAh et al., “Attachment in institutionalized and community children in Romania”, cit.(75) American Psychiatric Association, DSM-5, Manual de diagnóstico e estatística das perturbações men-

tais, Climepsi editores, 2014, Lisboa.

Em ambas as perturbações, estudos relatam associações entre a presença de taiscomportamentos atípicos e a exposição da criança a contextos de prestação de cui-dados mais adversos(76). A este respeito, a investigação veio demonstrar que criançasem acolhimento institucional apresentam mais comportamentos perturbados doque crianças da comunidade sem este tipo de vivência, bem como crianças adotadasou integradas em famílias de acolhimento(77)(78). Entre crianças institucionalizadas,a presença de comportamentos atípicos parece ser mais frequente em crianças aco-lhidas em instituições caracterizadas por cuidados menos individualizados e menosconsistentes(79).

Todavia, e apesar de a privação ambiental ser necessária para a emergência des-tas perturbações, a mesma parece não ser suficiente, já que nem todas as criançasexpostas a ambientes de cuidados adversos manifestam estas perturbações. Sendoassim, é de esperar que outros fatores estejam envolvidos na sua ocorrência. O co-nhecimento destes fatores é ainda limitado, mas a investigação tem dado passosimportantes, particularmente para a compreensão dos comportamentos perturba-dos de tipo desinibido. Assim, apesar de muito pouco se saber acerca dos fatoresenvolvidos nos comportamentos perturbados de tipo inibido, no que que concerneaos comportamentos de tipo desinibido foram evidenciadas associações com carac-terísticas da criança, destacando-se fatores genéticos (por exemplo, alterações nosistema serotoninérgico)(80) em interação com as características ambientais. Outrosestudos destacam ainda que a presença de mais comportamentos de tipo desinibidoestá associada a um maior tempo de permanência da criança em acolhimento ins-titucional(81), assim como a fatores de risco na família, tais como a presença de per-

237

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(76) Ver novamente ChARLES zEANAh/MARy GLEASON, “Annual research review: Attachment disor-ders in early childhood – clinical presentation, causes, correlates, and treatment”, cit.

(77) MIChAEL RUTTER et al., “Specificity and heterogeneity in children’s responses to profound priva-tion”, British Journal of Psychiatry, vol. 179, n.º 2, 2001.

(78) ThOMAS O´CONNOR et al., “Attachment disturbances and disorders in children exposed to severedeprivation”, Infant Mental Health Journal, vol. 20, n.º 1, 1999.

(79) ANNA SMykE et al., “Attachment disturbances in young children. I: The continuum of caretakingcasuality”, cit.

(80) STACy DRURy et al., “Genetic sensitivity to the caregiving context: the influence of 5httlpr andBDNF val66met on indiscriminate social behavior”, Physiology & Behavior, vol. 106, 2012.

(81) JACQUELINE BRUCE et al., “Disinhibited social behavior among internationally adopted children”,Development Psychopathology, vol. 21, n.º 1, 2009.

turbação psiquiátrica da mãe biológica(82). Importa, ainda, mencionar que ambas asperturbações de vinculação estão relacionadas com trajetórias de desenvolvimentomenos adaptativas, tendo-se verificado que a presença de comportamentos pertur-bados de tipo desinibido está associada a problemas de externalização e défice deatenção, enquanto os comportamentos de tipo inibido relacionam-se com problemasde internalização(83).

Resultados da nossa investigação

Apesar das evidências acima descritas, permanecem em número reduzido osestudos que procuraram analisar o contributo das experiências familiares pré-ins-titucionais, assim como dos processos proximais envolvidos no contexto institucio-nal, para a emergência de comportamentos perturbados de vinculação. Perante aescassez de investigação sobre esta temática, os nossos projetos tiveram como ob-jetivo examinar se as experiências da criança no contexto familiar, antes do acolhi-mento institucional, e na própria instituição, estariam associadas à presença decomportamentos perturbados de vinculação.

Para este efeito, e num primeiro estudo(84), foram examinadas as relações entre osfatores acima mencionados e a presença de comportamentos perturbados de tipo in-discriminado numa amostra de 74 crianças (40 crianças do sexo masculino, 54.1%),com idades compreendidas entre os 11 e os 30 meses, acolhidas em 17 CAT’s do nortedo país. Estas crianças encontravam-se em acolhimento institucional, em média, há11 meses, pelo que a larga maioria (68%) tinha passado, pelo menos, metade das suasvidas institucionalizadas. A maioria dos cuidadores (81%) tinha um horário de tra-balho rotativo, dedicando, em média, cerca de 27 minutos de atenção individual acada criança, por dia. A presença de comportamentos perturbados de vinculação detipo indiscriminado foi analisada a partir de uma medida observacional e através de

238

SCIENTIA IVRIDICA

(82) ChARLES zEANAh et al., “Reactive attachment disorder in maltreated toddlers”, Child Abuse andNeglect, vol. 28, 2004.

(83) ChARLES zEANAh/MARy GLEASON, “Annual research review: Attachment disorders in early child-hood – clinical presentation, causes, correlates, and treatment”, cit.

(84) ISABEL SOARES et al., “Does early family risk and current quality of care predict indiscriminate so-cial behavior in institutionalized Portuguese children?”, Attachment and Human Development, vol. 16, n.º2, 2014.

uma entrevista ao cuidador. Procedeu-se ainda à avaliação da qualidade das expe-riências vivenciadas na família, através da análise de três compósitos de risco ante-riormente mencionados (risco pré-natal, risco familiar-relacional e risco de negligênciaemocional) e da qualidade do ambiente institucional, em termos da sua organização,consistência nos cuidados e presença de um cuidador preferido.

No que concerne aos resultados, verificou-se que a exposição da criança a ummaior risco pré-natal bem como a ausência de um cuidador preferido na instituiçãoeram preditores significativos da presença de mais comportamentos perturbadosde tipo indiscriminado. Estes resultados vêm, assim, dar suporte à perspetiva deque a compreensão da emergência de tais comportamentos atípicos, tão frequente-mente observados em crianças em acolhimento institucional, exige a consideração,por um lado, das experiências precoces vividas na família biológica, e, por outro,das experiências relacionais da criança na instituição.

Para além deste estudo, foi levado a cabo um outro com 72 crianças mais velhas(42 crianças do sexo masculino, 58%), entre os 3 e os 6 anos de idade, acolhidas há,pelo menos, 6 meses em 16 CAT’s. Cinquenta e uma cuidadoras institucionais par-ticiparam neste estudo, sendo que a maioria (51%) não possuía formação específicapara o cargo, e apenas vinte e duas cuidadoras (43%) relataram ter um horário detrabalho fixo, ao invés de rotativo. Procedeu-se à avaliação da presença de compor-tamentos perturbados de vinculação de tipo indiscriminado e inibido através deuma entrevista à cuidadora, tendo sido, também, usado um procedimento obser-vacional para avaliar a qualidade dos cuidados prestados à criança no contexto ins-titucional, incidindo em diferentes dimensões dos cuidados, incluindo a organi-zação das rotinas, a presença de uma figura cuidadora especial e os comportamen-tos sensíveis da cuidadora em interação com a criança.

Neste estudo, verificou-se que a prevalência de comportamentos perturbadosde tipo desinibido e inibido era de 19% e de 29%, respetivamente. Adicionalmente,obtiveram-se associações significativas entre aqueles comportamentos perturbadose fatores proximais do contexto institucional. Em específico, observou-se que ascrianças que evidenciavam menos comportamentos perturbados de tipo desinibidoeram aquelas que estavam expostas a cuidados mais sensíveis no ambiente institu-cional. Por sua vez, as crianças que manifestavam menos comportamentos pertur-bados de tipo inibido eram as que tinham uma cuidadora preferida. Estes resul-tados, para além de apontarem para percentagens elevadas de crianças com com-portamentos perturbados de vinculação, evidenciam que diferenças individuais

239

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

neste domínio estão relacionadas com variações na prestação dos cuidados aosquais a criança está exposta na instituição.

No entanto, os mecanismos neurobiológicos através dos quais estas experiênciasno contexto institucional alteram o comportamento permanecem ainda por conhe-cer. Sabe-se que o desenvolvimento cerebral é um processo contínuo que se carac-teriza por um aumento de especialização e diferenciação para o qual contribuemfatores de ordem individual nomeadamente genética, mas também de natureza am-biental determinados pelas experiências(85). Experiências essas que, nos primeirosmeses de vida, resultam principalmente da interação estabelecida com uma figuracuidadora com quem a criança estabelece um vínculo preferencial. Estudos têmmostrado que, no âmbito destas interações, os estímulos primordiais a que o bebéresponde envolvem a face(86). De facto, logo após o nascimento, o bebé apresentauma capacidade de especialização no processamento destes estímulos, alocandoparticular atenção a estímulos faciais ou com características de faces, bem como afaces que apresentam contacto ocular direto em contraste com as que evitam o con-tacto ocular(87). é também através de estímulos faciais que a criança aprende a reco-nhecer estados emocionais dos outros e a regular os seus. Por estes motivos, oestudo do processamento cerebral de estímulos faciais, através da utilização de umametodologia em que é registada a atividade elétrica em resposta à apresentação deestímulos (“Event Related Potentials”), tem permitido avaliar o funcionamento ce-rebral associado à aquisição normativa de algumas destas competências, bem comoidentificar trajetórias atípicas.

Assim, no sentido de avaliar o padrão de atividade cerebral em resposta a estí-mulos familiares e não familiares em crianças institucionalizas com e sem compor-tamentos perturbados de vinculação, desenvolvemos um estudo com 47 crianças(28 do sexo masculino, 59.6%) institucionalizadas em 20 CAT’s e com uma idademédia de 55 meses. Estas crianças encontravam-se institucionalizadas, em média,

240

SCIENTIA IVRIDICA

(85) ChARLES zEANAh/PAULA zEANAh, “The scope of infant mental health”, capítulo publicado nolivro de ChARLES zEANAh, Handbook of infant mental health, Guilford press, Nova Iorque, 2009.

(86) hELEN O’REILLy/MIChELLE DE hANN, “The neural basis of face processing in infancy and its re-lationship to the development of empathy”, Cognition, Brain, Behavior, vol. 13, n.º 4, 2009.

(87) TERESA FARRONI et al., “Eye contact detection in humans from birth”, Proceedings of the NationalAcademy of Sciences, vol. 99, n.º 14, 2002.

há 18 meses, tendo sido a negligência o principal motivo (76% dos casos) para a ad-missão na instituição(88).

Foram apresentadas faces da cuidadora e faces desconhecidas a estas crianças,enquanto era registada a atividade elétrica cerebral. Os nossos resultados demons-traram que crianças institucionalizadas com perturbação de vinculação apresenta-vam reduzida ativação neural em resposta a estímulos faciais, quando comparadascom crianças institucionalizadas sem perturbação de vinculação.

A investigação internacional tinha já demonstrado o impacto da institucionali-zação na redução de ativação cerebral em resposta a estímulos faciais (quando com-paradas crianças com história prévia de institucionalização com crianças quesempre viveram com as suas famílias biológicas)(89)(90). No entanto, o nosso estudofoi o primeiro a demonstrar que este efeito de hipoativação cerebral, como conse-quência das experiências adversas do contexto institucional, está associado à emer-gência dos comportamentos perturbados de vinculação.

Além disso, quando comparámos crianças com distintas perturbações de vin-culação, observou-se maior resposta neural em resposta à face da cuidadora do queà da estranha no caso de crianças do tipo inibido (observado num componente pa-rieto-occipital N170); enquanto crianças do tipo desinibido não apresentaram dife-renças na ativação cerebral em resposta a faces conhecidas e desconhecidas.

Estes resultados apontam para um distinto processamento de estímulos faciaisfamiliares e não familiares em crianças institucionalizadas com distintas perturba-ções de vinculação. Ainda que a relação de causalidade não tenha sido avaliadaneste estudo (o que seria importante em estudos futuros), estes resultados apontampara uma relação entre o padrão comportamental destas crianças e o seu funciona-mento cerebral. De facto, crianças do tipo desinibido apresentam comportamentosde proximidade quer com adultos familiares quer com não familiares, o que podeser consequência de processarem de forma semelhante estímulos faciais conhecidose desconhecidos. Por outro lado, crianças com comportamentos de tipo inibido

241

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(88) ANA MESQUITA et al., “Neural correlates of face familiarity in institutionally reared children withdistinctive, atypical social behavior”, Child Development Epub ahead of print, 2015.

(89 MARGARETh MOULSON et al., “The effects of early experience on face recognition: an event-relatedpotential study of institutionalized children in Romania”, Child Development, vol. 80, n.º 4, 2009.

(90) SUSAN PARkER et al., “The impact of early institutional rearing on the ability to discriminate facialexpressions of emotion: An event-related potential study”, Child Development, vol. 76, n.º 1, 2005.

apresentam uma reposta distinta entre estímulos familiares e não familiares, algoque caracteriza o seu comportamento de discriminação entre adultos familiares enão familiares. No entanto, ainda que discriminem os estímulos, estas crianças comperturbação do tipo inibido apresentam maior alocação de recursos ao processa-mento de estímulos familiares do que a estímulos não familiares. Este padrão deativação é inverso ao expectável para crianças da mesma faixa etária, sem históriade institucionalização(91). Isto poderá indicar que, dentro do contexto institucional,estas crianças tendem a considerar a face da cuidadora como um estímulo mais re-levante que o de um desconhecido, possivelmente crucial para a sua sobrevivênciano contexto de adversidade.

Conclusão

Como procurámos evidenciar, diferentes estudos realizados em contexto insti-tucional têm vindo a revelar que as instituições tendem a não apresentar as carac-terísticas de um contexto de cuidados capaz de proporcionar à criança a satisfaçãodas suas necessidades básicas de proteção, de afeto e de exploração do ambiente.Estudos comparativos, desenhados para analisar as diferenças entre o contexto fa-miliar e o institucional, relatam que as instituições frequentemente providenciampoucas oportunidades para a criança adquirir e praticar novas competências, sendoraras as ocasiões em que as práticas institucionais são adaptadas às necessidadesindividuais. Desta forma, as crianças acolhidas em contexto institucional, e preco-cemente expostas a privação de cuidados parentais adequados, podem encontrar--se numa situação de risco para perturbações desenvolvimentais. No entanto, pareceexistir simultaneamente uma marcada variação individual no que concerne ao im-pacto do acolhimento institucional em múltiplos domínios do desenvolvimento dacriança, pelo que esta heterogeneidade alerta-nos para a existência de fatores com-pensadores e de vulnerabilidade. Tal como demonstrado pela nossa investigação,conjuntamente com outros estudos, aqueles fatores podem situar-se quer ao níveldas características da criança quer ao nível dos cuidados precocemente prestadospela família biológica e pelo contexto institucional, que podem ser mais ou menos

242

SCIENTIA IVRIDICA

(91) LESLIE CARVER et al., “Age-related differences in neural correlates of face recognition during thetoddler and preschool years”, Developmental Psychobiology, vol. 42, n.º 2, 2003.

sensíveis, marcados por mais ou menos atividades de promoção desenvolvimental,e pela atribuição ou não de um cuidador de referência estável.

Períodos sensíveis

A existência de períodos sensíveis para o impacto de experiências adversas temsido um tópico de investigação que tem atraído a atenção de investigadores e clíni-cos. De facto, identificar estes períodos é crucial não só para uma melhor compreen-são dos mecanismos subjacentes à emergência de trajetórias menos adaptativas,mas sobretudo para desenhar programas de intervenção adequados, cuja eficáciaserá determinada em grande medida pelo momento em que ocorrerem.

Apesar de alguns estudos com desenhos de investigação longitudinal que per-mitem a avaliação destas crianças ao longo do tempo, não foi ainda possível iden-tificar em definitivo pontos de cortes para idades a partir das quais seja mais oumenos eficaz intervir com estas crianças. Questões como, por exemplo: haverá ver-dadeiramente períodos sensíveis ou o impacto pressupõe uma função linear, emque será sempre pior a trajetória, quanto mais cedo for experienciada a adversidade?Os períodos críticos serão os mesmos para diferentes resultados desenvolvimentais?As respostas a estas questões apresentam alguns desafios, nomeadamente no quediz respeito ao desenho experimental dos estudos, requerendo muitas vezes ensaiosrandomizados e avaliações repetidas ao longo do tempo.

Considerando a investigação internacional, que foi sendo descrita ao longodeste artigo, nomeadamente os estudos de BEIP, St. Petersburgh e ERA, existem jáalgumas evidências para começar a dar resposta a algumas destas questões.

Relativamente à vinculação parece existir uma relação linear entre a idade comque a criança é colocada em famílias de acolhimento e um padrão de vinculaçãoorganizada. Smyke e colaboradores (2010)(92) começaram por mostrar que criançasque entravam no contexto familiar antes dos 24 meses tinham maior probabilidadede desenvolver um padrão de vinculação organizada. No entanto, esta evidênciaocorria, também, em crianças em famílias de acolhimento aos 30, 28, 26, 22, 20 e 18meses, demonstrando assim que, mais do que um momento crítico, existe uma fun-ção linear que indica que quanto mais cedo a criança é acolhida em contexto familiar

243

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(92) ANNA SMykE et al., “Placement in foster care enhances attachment among young children in insti-tutions”, Child Development, vol. 81, n.º 1, 2010.

mais adaptativo o seu padrão de vinculação. Num estudo meta-analítico, VAN DEN

DRIES e colaboradores(93) tinham já apontado, em 2008, a idade de 12 meses comocrítica para a adoção de crianças, ao verificarem que crianças adotadas até essa idadeapresentavam padrões de vinculação semelhantes a crianças não adotadas.

Relativamente a outros aspetos do desenvolvimento, diferentes estudos do ERAmostraram que crianças adotadas antes dos 6 meses de idade se assemelhavam acrianças não institucionalizadas, por exemplo, no quociente de inteligência(94) e nasfunções executivas(95).

Resultados um pouco distintos foram apontados em estudos desenvolvidos noprojeto BEIP em que os 24 meses parecem ser críticos para que a intervenção tenhaos seus efeitos mais positivos, nomeadamente o quociente de inteligência(96) e o pa-drão de atividade cerebral(97) parecem apresentar perfis mais típicos em criançasacolhidas em contexto familiar até aos 24 meses de idade. O desenvolvimento dalinguagem, no entanto, parece beneficiar da inclusão em famílias de acolhimentoum pouco mais cedo, aos 15 meses de idade.

Considerando as limitações de muitos destes estudos, nomeadamente o númerolimitado de crianças que os integra e a incapacidade de controlar adequadamente(por serem desenvolvidos em contexto ecológico) algumas variáveis, como o tempoe a severidade da privação, muitas destas evidências carecem ainda de investigaçãomais profunda e complexa. No entanto, quando comparamos estes dados com al-guns dos obtidos na investigação levada a cabo nas instituições portuguesas torna--se evidente que reduzir o tempo de exposição ao contexto institucional, através demecanismos de adoção ou de inclusão em famílias de acolhimento, potencia o de-senvolvimento típico de crianças institucionalizadas.

244

SCIENTIA IVRIDICA

(93) LOU VAN DEN DRIES et al., “Fostering security? A meta-analysis of attachment in adopted chil-dren”, Children and Youth Services Review, vol. 31, 2008.

(94) CELIA BECkETT et al., “Do the effects of early severe deprivation on cognition persist into early ado-lescence? Findings from the English and Romanian Adoptees Study”, Child Development, vol. 77, n.º 3, 2006.

(95) EMMA COLVERT et al., “Do theory of mind and executive function deficits underlie the adverseoutcomes associated with profound early deprivation? Findings from the English and RomanianAdoptees Study”, Journal of Abnormal Child Psychology, vol. 36, n.º 7, 2008.

(96) ChARLES NELSON et al., “Cognitive recovery in socially deprived young children: The BucharestEarly Intervention Project”, Science, vol. 318, 2007.

(97) PETER MARShALL et al.& the BEIP Core Group, “Effects of early intervention on EEG power andcoherence in previously institutionalized children in Romania”, Development and Psychopathology, vol.20, n.º 3, 2008.

Uma resposta social alternativa: o acolhimento familiar

Resultados de muitos anos de investigação sobre os efeitos da institucionaliza-ção evidenciam que a maioria das instituições não constitui um ambiente adequado,capaz de providenciar cuidados consistentes, individualizados e responsivos, ne-cessários para uma trajetória desenvolvimental adaptativa em bebés e crianças.Neste sentido, revela-se urgente a implementação de políticas, no nosso país, quevisem diminuir o número de bebés e crianças acolhidas em instituições, e que, noscasos em que o acolhimento institucional se revelou inevitável, diminuam de modosignificativo o tempo de permanência da criança nesse contexto. A este respeito, etal como anteriormente referido, a investigação tem revelado, de forma consistente,que a integração mais precoce da criança no contexto institucional e períodos maislongos de permanência nesse ambiente estão associados a um desenvolvimento –em múltiplos domínios – comprometido.

Importa ainda mencionar que resultados da investigação têm, adicionalmente,alertado para a necessidade premente da implementação de um modelo de acolhi-mento familiar, alternativo ao acolhimento institucional. Na verdade, respostas so-ciais de carácter familiar como as famílias de acolhimento constituem alternativasmais capazes de contribuir para um crescimento harmonioso e adaptado do bebé eda criança do que o contexto institucional. Efetivamente, estudos comparativos dosefeitos dos cuidados institucionais e dos cuidados em famílias de acolhimento vie-ram evidenciar a presença de resultados mais favoráveis em crianças a viver em fa-mílias de acolhimento do que em crianças expostas ao ambiente institucional.Estudos longitudinais que acompanharam a evolução, durante anos, de criançasinstitucionalizadas e de outras em famílias de acolhimento revelaram que a inte-gração numa família constitui-se como um modelo mais capaz de contribuir para aredução dos efeitos negativos da privação parental precoce, levando a ganhos de-senvolvimentais significativos. Especificamente, os investigadores concluíram que,em comparação com crianças institucionalizadas, crianças a viver em famílias deacolhimento evidenciavam, ao fim de alguns meses de integração nestas famílias,menos comportamentos perturbados de vinculação(98), melhores resultados do

245

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(98) ANNA SMykE et al., “Placement in foster care enhances quality of attachment among young insti-tutionalized children”, cit.

ponto de vista cognitivo(99), assim como do seu funcionamento comportamental eemocional(100). As crianças integradas em famílias de acolhimento quando aindabebés parecem ser aquelas que mais ganhos evidenciam no seu desenvolvimento.Assim, importante será acrescentar que a integração da criança numa família deacolhimento, com formação e supervisão adequadas, deverá ocorrer o mais preco-cemente na vida da criança, quando permanecem em aberto janelas de oportuni-dade para que cuidados individualizados, consistentes e responsivos possam atuarpara promover um crescimento saudável, tanto a nível cognitivo e socio emocional,como neurobiológico.

Assim, urge no nosso país a transição de um modelo institucional para um mo-delo familiar, enquanto alternativa de cuidados de primeira linha para os bebés ecrianças cujas famílias biológicas se revelaram incapazes de lhes providenciar cui-dados adequados. Não obstante, e dado o reconhecimento de que a implementaçãode alternativas com base no contexto familiar é um processo complexo e exigenteno tempo – e que implica processos adequados de recrutamento, seleção, formação,monitorização, supervisão e apoio de profissionais –, revela-se igualmente pre-mente, no entretanto, isto é, enquanto aqueles processos permanecem por avançar,promover a qualidade da organização e da prestação dos cuidados no ambienteinstitucional.

Contributos da intervenção em contexto institucional

A construção de uma relação afetiva contínua e estável com um prestador decuidados sensível, em contextos caracterizados por uma adequada estimulação de-senvolvimental, nos domínios físico, cognitivo, emocional, social e comportamental,constitui-se como um fator fundamental para promover melhores resultados no de-senvolvimento integral de bebés e crianças privados, desde muito precocemente,de cuidados parentais adequados. Desta forma, programas especiais de reabilitaçãoe de estimulação desenvolvimental em contexto institucional deverão ser uma prio-

246

SCIENTIA IVRIDICA

(99) ChARLES NELSON et al., “Cognitive recovery in socially deprived young children: The BucharestEarly Intervention Project”, cit.

(100) MELISSA GhERA et al., “The effects of foster care intervention on socially deprived institutionalizedchildren’s attention and positive affect: Results from the BEIP study”, Journal of Child Psychology and Psy-chiatry, vol. 50, n.º 3, 2009.

ridade social e fazer parte da agenda política, assim como a transformação destescontextos em ambientes de tipo familiar e de elevada qualidade, de forma a garantira proteção e a segurança necessárias ao bem-estar da criança.

As intervenções nas instituições deverão estar deliberadamente vocacionadaspara promover a qualidade da relação entre a criança e os adultos que lhe prestamcuidados, focando dois eixos principais:

I. O primeiro eixo deverá incluir intervenções organizacionais, que impliquem me-didas, como, por exemplo, a constituição de grupos pequenos de crianças e de pres-tadores de cuidados (rácio de 1 cuidador para 4 crianças), num espaço próprio; aatribuição a cada criança de um cuidador de referência estável; a manutenção dacriança no mesmo grupo até à sua saída da instituição; e a redução da rotatividadeexistente entre os prestadores de cuidados. Estas medidas, entre outras, devem terem vista promover a existência de cuidados individualizados estáveis e a criaçãode oportunidades para a formação e estabelecimento de uma vinculação diferen-ciada e seletiva com um cuidador particular, num ambiente familiar marcado porcuidados relacionais de proximidade física e psicológica.

II. O segundo eixo deverá abarcar o treino e a supervisão de profissionais, incidindoem oportunidades de apoio e de formação contínua dos prestadores de cuidados,que diretamente, e numa base diária, prestam cuidados à criança, com base numcurrículo alicerçado em temas, como, por exemplo, a identificação das tarefas de de-senvolvimento da criança, a implementação de estratégias de promoção do desen-volvimento motor, cognitivo, emocional, social e da linguagem, bem como deincentivo às atividades lúdicas e criativas, estimulantes para a compreensão do self,dos outros e do mundo. Paralelamente, deverão ser implementadas práticas de su-pervisão, a partir de observações realizadas em contexto institucional e conduzidasde modo sistemático, bem como através da criação de grupos de reflexão e discussãocom técnicos e prestadores de cuidados, numa atmosfera apoiante e colaborativa.

A importância da implementação conjunta das medidas anteriormente descritasestá ancorada em trabalhos de investigação que tiveram como objetivo analisar osefeitos de intervenções conduzidas em contexto institucional. De salientar o projetoliderado por ROBERT MCCALL(101) conduzido em instituições da Rússia, que se carac-

247

DESENVOLVIMENTO DAS CRIANçAS EM ACOLhIMENTO INSTITUCIONAL

(101) The St. Petersburg-USA Orphanage Research Team, “The effects of early social-emotional andrelationship experience on the development of young orphanage children”, cit.

terizavam por providenciar cuidados adequados em termos médicos, de nutrição,de segurança, de higiene e equipamentos lúdicos, mas que necessitavam de melho-rar noutros domínios, como na estabilidade dos grupos, na consistência dos cuida-dos e nos comportamentos responsivos dos prestadores de cuidados, adequadosao nível de desenvolvimento da criança.

A equipa de MCCALL levou a cabo uma intervenção com foco nos dois eixosacima referidos, com particular incidência (1) em mudanças estruturais e nos pro-cedimentos, incluindo a constituição de um conjunto consistente de cuidadores e adiminuição do tamanho dos grupos, e (2) no treino de comportamentos sensíveis,responsivos e calorosos por parte dos cuidadores. No final da intervenção, os Au-tores verificaram (1) uma evolução positiva ao nível do desenvolvimento cognitivo,motor e físico, bem como nas competências de comunicação das crianças; (2) dife-renças ao nível da manifestação de afeto por parte dos cuidadores, que evidencia-vam menos afeto negativo, menos comportamentos insensíveis, a par com umamelhor qualidade de jogo e menos irritabilidade; e (3) uma diminuição significativade sintomatologia ansiosa e depressiva por parte dos cuidadores, bem como umaumento da flexibilidade nas suas práticas.

Sumário

A investigação tem consistentemente demonstrado o impacto negativo da insti-tucionalização precoce em múltiplos domínios do desenvolvimento da criança. Con-siderando que atualmente cerca de 8500 crianças e jovens encontram-se em acolhi-mento institucional em Portugal, é urgente a implementação, no nosso país, de res-postas sociais de carácter familiar como alternativas à institucionalização, tais comofamílias de acolhimento. Porém, e dado o reconhecimento de que a construção de umsistema de acolhimento familiar é, na maioria dos casos, um processo moroso e muitocomplexo, devem ser feitos esforços para, entretanto, promover de modo significativoe sistemático a qualidade dos cuidados prestados em contexto institucional.

248

SCIENTIA IVRIDICA