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1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSO” PROJETO A VOZ DO MESTRE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E O DESENHO APLICADOS A PSICOPEDAGOGIA AUTORA: Maria Lucia Teixeira da Silva ORIENTADORA: Fabiane Muniz 04 de abril de 2005

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSO”

PROJETO A VOZ DO MESTRE

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E O DESENHO

APLICADOS A PSICOPEDAGOGIA

AUTORA: Maria Lucia Teixeira da Silva

ORIENTADORA: Fabiane Muniz

04 de abril de 2005

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATU-SENSO”

PROJETO A VOZ DO MESTERE

Desenvolvimento cognitivo e o desenho aplicados a psicopedagogia

Objetivos:

Estimular paralelo entre conhecimento cognitivo e o desenho e analisar o

papel pedagógico do desenho na aprendizagem.

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AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que com amor e

companheirismo me ajudaram, não só na realização

deste trabalho, mas também ao longo de toda a

minha vida, enchendo-a de felicidade e alegrias:

meus pais e meus filhos, Izabela e Maurício

A Fabiane que participou de todo o

processo de elaboração desta monografia,

colaborando sempre com novas informações e

amizade.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a meus filhos que tanto me

incentivaram a fazer este curso e em especial a

minha filha Izabela que também colaborou para a

confecção deste trabalho.

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O Menino e a Flor

Helen Buckley

“Era uma vez um menino bastante pequeno que contrastava com a escola bastante

grande.

Uma manhã , a professora disse:

__ Hoje , nós iremos fazer um desenho. “ Que bom! “ pensou o menininho . Ele

gostava de desenhar leões , tigres , galinhas , vacas , trens , e barcos ....

Ele pegou sua caixa de lápis-de-cor e começou a desenhar.

A professora , então , disse:

__ Esperem , ainda não é hora de começar !

Ela esperou até que todos estivessem prontos .

__ Agora , disse a professora , nós iremos desenhar flores. E o menininho começou

a desenhar bonitas flores com seus lápis rosa , laranja e azul .

A professora disse :

__ Esperem ! Vou mostrar como fazer. E a flor era vermelha com caule verde.

__ Assim , disse a professora , agora vocês podem começar .

O menininho olhou para a flor da professora , então olhou para sua flor. Gostou

mais da sua flor , mas não podia dizer isso... virou o papel e desenhou uma flor igual a da

professora .

E muito cedo o menininho aprendeu a esperar e a olhar e a fazer as coisas

exatamente como a professora . E muito cedo ele não fazia mais as coisas por si próprio .

Então aconteceu que o menininho teve que mudar de escola .

Essa escola era ainda maior que a primeira.

Um dia a professora disse :

__ Hoje nós vamos fazer um desenho . “ Que bom” pensou o menininho e esperou

que a professora dissesse o que fazer.

Ela não disse. Apenas andava pela sala.

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Então veio até o menininho e disse:

__ Você não quer desenhar?

__ Sim , e o que vamos fazer?

__ Eu não sei , até que você o faça .

__ Como eu posso fazê - lo?

__ Da maneira que você gostar .

__ E de que cor ?

__ Se todo mundo fizer o mesmo desenho e usar as mesmas cores , como eu posso

saber o desenho de cada um?

__Eu não sei ....

E então o menininho começou a desenhar uma flor vermelha com caule verde ...”

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é estabelecer um paralelo entre o conhecimento cognitivo e o

desenho. Este estudo é baseado nas teorias de Jean Piaget e de Lowenfeld Brittain e analisa

o papel pedagógico do desenho na aprendizagem com a finalidade de que o professor

conhecendo bem o desenvolvimento infantil, possa reconhecer quando seus alunos estão

prontos para aprender conteúdos e intervir, escolhendo atividades que favoreçam o prazer e

garantam a auto-estima e a segurança. Conhecendo a forma como a criança constrói seu

conhecimento e a forma lúdica como ela se expressa através do desenho, poderemos saber

se ela possui ritmo normal de desenvolvimento. O desenho constitui um instrumento

terapêutico fundamental para obtermos esses dados, além de ser um material fácil de se

obter. Toda criança, tímida ou expansiva, calma ou agitada, gosta de desenhar em qualquer

lugar (papel, chão, areia, muro ...) utilizando diferentes instrumentos (lápis, caneta

hidrográfica, lápis cera, mão ....). Daí a importância desses conhecimentos já que eles são

fundamentais para que os profissionais que lidam com o universo infantil. Fazendo uma

análise dos desenhos com a sua consequente comparação ao nível do desenvolvimento

cognitivo poderemos ajudar nossos alunos a encontrar a maturidade intelectual e emocional

na sua construção como seres individuais e sociais.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I

O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 11

CAPÍTULO II

O DESENVOLVIMENTO GRÁFICO 28

CAPÍTULO III

RELAÇÕES MÚTUAS ENTRE O DESENVOLVIMENTO

COGNITIVO E O DESENHO 44

CAPÍTULO IV

A IMPORTÂNCIA DO DESENHO E DO DESENVOLVIMENTO

COGNITIVOPARA PROFESSORES E PSICOPEDAGOGOS 50

CONCLUSÃO 61

BIBLIOGRAFIA 63

ÍNDICE 64

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INTRODUÇÃO

A moderna Pedagogia exige da escola não somente a aquisição de conteúdos . Ela

também deve incentivar e satisfazer as exigências afetivas da personalidade , através do

contato com o ambiente , da percepção aguda e da vibração emocional.

Hoje , não basta a criança saber ler e escrever , ela precisa adquirir a consciência do

seu ambiente que lhe despertará no impulso pessoal e espontâneo , a curiosidade de fazer

perguntas , estabelecer novas relações e levá- la a pensar com autonomia.

Para que nós , professores , possamos alcançar esse objetivo temos a necessidade

de um conhecimento profundo sobre a forma como a criança constrói seu conhecimento ,

pois só compreendendo todo esse processo , sua origem e seu desenvolvimento , poderemos

intervir em seu ritmo , e somente conhecendo o ritmo normal de desenvolvimento

poderemos perceber possíveis atrasos. Portanto o conhecimento da teoria de Piaget , ao

nosso ver , constitui o alicerce no qual devemos nos basear em todo processo de

intervenção psicopedagógica , desde o diagnóstico até o final do tratamento

A parte referida ao desenho resolvemos abordá – la pelo fato deste constituir um

instrumento terapêutico fundamental no trabalho com crianças . Pois , como veremos

adiante , tal atividade expressiva , possibilita à criança se expressar de forma lúdica e ,

portanto, prazerosa . Através do desenho obteremos dados de diversas áreas do

desenvolvimento infantil: emocional , perceptual , física e intelectual .

Desenhar é uma forma que a criança encontra para elaborar o mundo de uma forma

só sua , de vivenciar a realidade . Desenhando ela se aproxima mais do mundo , portanto é

uma forma de apropriar – se , de conhecer . Por tudo isso , pensamos que o exercício do

desenho terá importante papel na terapia psicopedagógica , e em qualquer outra , pois ele

possibilitará à criança uma experimentação intensa da realidade que , se bem utilizada pelo

psicopedagogo , será fonte riquíssima de crescimento pessoal ; tanto emocional como

intelectual.

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Portanto essa ponte que liga o desenvolvimento cognitivo e o desenho é tão

importante para todos os profissionais como para todos que lidam com a criança levando o

adulto a compreender o universo de cada criança que está sob seus cuidados.

O professor é a pessoa que estará em contato mais íntimo com as produções infantis. Ele

acompanha de perto todo o processo de aquisição do conhecimento sistemático, pois é o

portador de tal conhecimento e é ele quem irá transmiti- lo . Portanto seu papel é

fundamental , pois as crianças não aprendem de qualquer um , só aprendem a quem

outorgam confiança e direito de ensinar . Assim o vínculo professor – aluno recebe uma

importância tão grande no processo de aprendizagem, sendo o responsável por muitos

fracassos dessa área .

Por tudo isso o professor deve conhecer muito bem o desenvolvimento infantil,

deve saber se seus alunos estão prontos para aprender determinados conteúdos, saber como

estimulá- los a crescer, observar suas produções e ouvir o que seus alunos têm a dizer,

mesmo que seja indiretamente através de desenhos ou de outras formas de expressão

Professores bem preparados podem impedir que seus alunos precisem de uma

intervenção psicopedagógica individual, eles terão a função de agentes preventivos nos

problemas de aprendizagem .

Portanto este trabalho terá como objetivo destacar pontos principais sobre o

desenvolvimento cognitivo e o desenho infantil, analisando conceitos e descrevendo suas

evoluções . Abordaremos também suas inter-relações, a influência de um sobre o outro e a

importância dos dois sobre o desenvolvimento integral da criança.

Para finalizar, demonstraremos o quanto o conhecimento destas áreas poderão

contribuir para levar os professores e psicopedagogos institucionais a um diagnóstico

cuja resolução poderá ser encontrada dentro da escola com a colaboração da família .

O objetivo deste trabalho é trazer contribuições para aqueles que , em seus

trabalhos, visem conhecê- las um pouco melhor e ajudá- las em seu difícil processo de

crescimento.

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CAPÍTULO I

Desenvolvimento cognitivo

1.1 - Principais conceitos

O desenvolvimento cognitivo de uma criança nos parece um item imprescindível em

qualquer trabalho que se proponha a abordar temas como criança e aprendizagem. Portanto

resolvemos iniciar nossa exposição tratando desse assunto. Para isso utilizamos a teoria de

Jean Piaget.

Piaget, apesar de ser visto pela maioria como um psicólogo infantil, preferia ser

classificado como epistemólogo genético; isto é, aquele que estuda como o conhecimento é

adquirido. Assim dirigiu seu trabalho em busca da origem e de como se dava o

desenvolvimento das estruturas intelectuais e do conhecimento. A sua teoria constitui a

mais completa e profunda abordagem sobre a construção do conhecimento, nos

proporcionando todo o aparato descritivo e explicativo para levarmos adiante nossas

observações e intervenções na prática psicopedagógica.

O ponto básico da concepção piagetiana se apoia no fato da criança ser considerada

a construtora de seu próprio pensamento; isto é, dela ser ativa, agente que constrói seu

conhecimento através de sua própria ação. Assim a criança irá aos poucos construindo e

reorganizando estruturas mentais em sua interação com o mundo. Mas o que são essas

estruturas mentais? Tal conceito deve ser compreendido para que possamos ir adiante, pois

o desenvolvimento cognitivo consiste na construção de estruturas. Estas são, na realidade,

estruturas de apreensão real. Piaget nega que as formas de inteligência humana sejam

desenvolvidas a partir do meio; nega também que sejam inatas. Para ele a inteligência se

origina do funcionamento de suas estruturas interiores. As estruturas disponíveis irão

determinar a maneira como o conhecimento será assimilado; isto é, incorporado ao

organismo. As estruturas posteriores formam-se sobre as estruturas anteriores, as

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incorporando numa síntese superior; uma será construída sobre a outra, não há uma

exclusão da anterior mas sim uma união que levará a uma organização mental mais rica.

Tal aspecto nos permite que percebamos o caráter sequencial e integrativo do conhecimento

cognitivo pois cada estrutura poderá ser identificada como característica de determinado

momento evolutivo, existindo uma sequência invariável, onde cada estrutura será

reconstruída, integrando-se a posterior, servindo assim, de base para nova elaboração de

conhecimentos, típica de uma fase mais avançada.

Segundo Piaget desenvolvimento é um processo contínuo ao longo de um

“continuum”. Assim sendo, a mudança nas estruturas (construções, reconstruções ou

modificações) são graduais e não repentinas. ”O desenvolvimento é concebido como um

fluxo contínuo de modo cumulativo em que cada nova etapa é construída sobre etapas

anteriores, integrando-se a elas”(B. Wadsworth , 1989, P.18).

É importante que façamos aqui uma alusão a um item que possibilitará uma visão

mais clara de funcionamento dos atos cognitivos, que é a questão da organização e da

adaptação ao meio. Para Piaget esses princípios, que são básicos no desenvolvimento

biológico, possuem seus correlatos intelectuais no desenvolvimento cognitivo e afetivo; até

porque em Piaget não temos uma visão recortada do homem, logo, a atividade intelectual e

afetiva não poderia ficar separada ou diferenciada do funcionamento total do organismo.

“Do ponto de vista biológico, organização é inseparável da adaptação: eles são dois

processos complementares de um só mecanismo, sendo que o primeiro é o aspecto interno

do ciclo do qual a adaptação constitui o aspecto externo” (J. Piaget, 1952, P.7). Esses

processos são fundamentais para que possamos entender como e porque o desenvolvimento

cognitivo ocorre, pois só assim o organismo pode se desenvolver, adaptando-se ao meio e

organizando suas experiências.

A unidade cognitiva básica na construção das estruturas mentais chamamos

esquemas. O esquema funciona como “uma ferramenta mental”. São unidades de estruturas

móveis que se modificam e se adaptam, enriquecendo o repertório e a vida mental do

indivíduo, estando sempre em contínuo desenvolvimento, no sentido de permitir uma

adaptação cada vez mais complexa a uma realidade que é percebida de forma diferenciada e

abrangente. Esta evolução constitui a essência do crescimento intelectual”(I. Ferreira,

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1983, P.30). É através dos esquemas que os indivíduos se adaptam e organizam o meio.

Encontraremos em Wadsworth (1989) uma analogia que permite uma compreensão mais

clara do conceito de esquemas: pensemos num arquivo, cada ficha deste arquivo

representaria um esquema. Tais esquemas iriam processar e identificar a entrada de

estímulos, generalizando-os ou diferenciando-os. “No momento do nascimento, o arquivo

contém somente poucas fichas nas quais tudo está escrito. A medida que a criança se

desenvolve, mais fichas são necessárias para conter as mudanças de classificação.”

(Wadsworth, 1989, P.3).

A organização e coordenação dos esquemas irão caracterizar os estágios de

desenvolvimento da criança, formando uma estrutura mental ou cognitiva característica de

cada fase. As respostas de uma criança irão sempre refletir a natureza dos esquemas

disponíveis naquele momento. Portanto os esquemas serão expressos no comportamento da

criança, eles são a estrutura interna da qual se originará determinado comportamento.

Os esquemas infantis vão evoluindo lentamente. No momento do nascimento eles

terão natureza unicamente reflexa, como por exemplo, o que faz que a criança sugue

qualquer coisa que coloquem em sua boca. Mais adiante, a criança já começa a fazer

algumas diferenciações, como distinguir estímulos que produzem leite dos que não

produzem. Estas pequenas diferenciações primitivas serão a base para as atividades mentais

posteriores, quando os esquemas se tornarão mais diferenciados , numerosos e menos

sensório - motores. Os esquemas das crianças serão a fonte de onde nascerão os esquemas

do adulto, isto ocorrerá através da adaptação e da organização. A aptidão para generalizar

estímulos significará a presença de esquemas cada vez mais elaborados.

As transformações sofridas pelos esquemas – que caracterizarão sua evolução – se

dão a partir de dois processos, os quais irão explicar o funcionamento de toda a atividade

intelectual: a assimilação e a acomodação.

A assimilação é um processo cognitivo onde a pessoa integra eventos novos, que

podem ser tanto motores, como perceptuais ou conceituais, aos esquemas já existentes. Na

assimilação não há modificação nos esquemas a nível qualitativo mas somente a nível

quantitativo. A assimilação ocorre continuamente; a pessoa está a todo momento adaptando

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novos estímulos aos esquemas que ela possui Portanto é assim que o indivíduo se adapta

cognitivamente ao ambiente e o organiza: ampliando cada vez mais seus esquemas.

Muitas vezes, ao tentar assimilar um novo estímulo, a pessoa percebe que não

possui um esquema no qual ele possa se encaixar. Assim ela nota que deve modificar suas

ações a fim de que possa manejar estes novos objetos ou situações. Neste caso só existem

duas possibilidades de solução: ou cria-se um novo esquema, no qual o estímulo novo se

encaixe, ou modifica-se um esquema já existente, de modo que fique compatível com o

estímulo novo. Todo esse processo nós chamamos de acomodação, e sempre terá como

resultado uma mudança na estrutura cognitiva ou seja, no desenvolvimento intelectual.

É importante destacarmos que a assimilação será sempre o fim, o produto, pois a

mudança, ocorrida devido a acomodação, será sucedida pela assimilação do estímulo. “A

acomodação explica o desenvolvimento (uma mudança qualitativa), e a assimilação explica

o crescimento (uma mudança quantitativa); juntos eles explicam a adaptação intelectual e o

desenvolvimento das estruturas cognitivas.” (B. Wadsworth, 1989, P.7)

Os processos de assimilação e acomodação são complementares, não podendo

haver um sem o outro. Todo comportamento reflete a ocorrência dos dois processos,

porém alguns expressam a presença mais significativa de um sobre o outro.

Um exemplo que nos possibilita perceber bem como tais processos funcionam na

construção do conhecimento seria o de um professor que traz sempre para a sala de aula

novos conhecimentos, objetos e estímulos, para o aluno. O aluno dificilmente incorporará

os estímulos do jeito como eles realmente são, ele escolherá partes do conhecimento

oferecido. O aluno tanto modificará o novo conhecimento para que se encaixe ao

conhecimento que já possui (assimilação) , como também reorganizará ou modificará

conhecimentos que já possui para que possa receber então, a nova informação

(acomodação). Só assim poderá fazer a integração do novo ao antigo. Portanto todo esse

trabalho de incorporação de um dado novo depende de uma reestruturação (tanto interna

como externa) que só o sujeito pode fazer, e esta será a atividade mental fundamental para

o sujeito se constituir enquanto ser que constrói seu próprio conhecimento.

Esta construção, que se baseia nos processos de assimilação e acomodação, irá

também depender de quatro fatores básicos que não podem ser deixados de lado, pois

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foram considerados por Piaget como condições necessárias para o desenvolvimento

cognitivo, apesar de que nenhum deles sozinho poderá assegurar tal desenvolvimento, mas

sim a interação dos quatro. São eles: maturação, experiência ativa, interação social e

tendência ao equilíbrio.

A maturação ou fatores herdados influenciará o desenvolvimento cognitivo visto

que esta imporá limites amplos a qualquer momento, isto é, a maturação indicará se a

construção de determinadas estruturas é ou não possível naquele determinado momento,

elas indica o potencial a ser realizado naquele estágio específico, mostra as possibilidades;

não traz uma estrutura já formada, esta ainda deverá ser construída. Porém os limites desta

construção só poderão ser ampliados com o progresso da maturação.

A experiência ativa possui um papel de fundamental relevância na teoria de Piaget,

pois como já vimos antes, o conhecimento só será adquirido com a ação da criança no

meio, isto só acontece quando os sentidos da criança entram em contato com o mundo

externo. Essas ações não são apenas manipulações físicas, podem ou não ser observáveis.

As ações mentais possuem a mesma função de estimular o aparato intelectual da criança.

Portanto as experiências ativas serão aquelas que provocarão a assimilação e a acomodação

pelo confronto do indivíduo a uma experiência nova, resultando em mudança cognitiva.

Existem conceitos que são arbitrários, ou seja, socialmente definidos. Tais conceitos

não possuem referentes físicos acessíveis (Ex: honestidade, amizade ... ). Para a construção

e validação de tais conceitos faz-se necessária a interação social. Esta interação é também

importante pelo fato de que somente quando nos deparamos com o pensamento do outro é

que começamos a questionar nosso próprio pensamento, fazendo novas reorganizações e

com isso nos desenvolvendo cognitivamente.

“De acordo com Piaget, a equilibração – principal fator de toda construção

cognitiva – é um processo dinâmico que implica uma estruturação orientada no sentido de

um melhor equilíbrio “(M.G. Seber, 1993, P.14). A equilibração é um fator auto- regulador

que coordena os fatores citados acima e faz o “balanço” entre a assimilação e a

acomodação, assegurando uma eficiente interação da criança com o meio. O desequilíbrio

ocorre quando se dá um conflito cognitivo, isto é, quando ocorre algo que a criança não

esperava, não previa. Quando isso acontece a tendência do ser humano será a de buscar

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novamente o equilíbrio. Portanto o desequilíbrio gera a motivação para a busca do

conhecimento que por sua vez, ativa o comportamento. Assim o organismo assimilará

(com ou sem acomodação) aquele novo estímulo, voltando a seu estado de equilibração.

Com isso podemos concluir que tal fator é o maior responsável pelo desenvolvimento

cognitivo, pois assim como estimula a incorporação de novos eventos, também é o

principal responsável pela criação de novos esquemas e consequente avanço do

desenvolvimento intelectual.

Depois de tudo isso podemos compreender o significado na inteligência na teoria

de Piaget, sabendo que o seu desenvolvimento é totalmente intrínseco, pois a motivação

que o regula não decorre de um fator externo, mas sim de uma força auto-reguladora

interna.

“A inteligência é uma atividade organizadora, pois diz respeito à construção

progressiva de relações, a partir das quais os objetos podem adquirir significações, podem

ser compreendidos”.(M.G. Seber, 1993, P.18)

A motivação para o desenvolvimento da inteligência é de origem totalmente distinta

da motivação para a aprendizagem. Enquanto a primeira é intrínseca, a referente à

aprendizagem é extrínseca. Isto é muito importante, pois nos demonstra que dificuldades de

aprendizagem em áreas específicas se devem a falta de motivação ou de hábitos escolares

errôneos e não podem ser atribuídas a falta de inteligência. Portanto a criança deve ser

incentivada a “pensar”, a desenvolver-se intelectualmente. Devemos realçar e alimentar

sua capacidade mental. Agindo desta forma a criança, logo mais, exigirá conteúdo por si

própria, estando pronta então, para receber o conhecimento sistemático, compreendendo

seu valor e realizando uma atividade verdadeiramente construtiva. “O pensamento é a base

em que se assenta a aprendizagem.” (H.G.Furth, 1986, P.23)

A inteligência não se ocupa de aspectos particulares, ela fornecerá a “forma” onde

conhecimentos específicos poderão ser encaixados, trata de conceitos gerais, como por

exemplo os conceitos de classe, relação. Já a aprendizagem nos fornecerá os conteúdos, se

ocupará de conhecimentos particulares sobre coisas que conhecemos, conhecimentos sobre

coisas físicas, pessoas, expressões verbais. “A inteligência se desenvolve de dentro para

fora. Assim, o que se tem a fazer é promover e nutrir esse crescimento pela criação de

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oportunidades adequadas, e não pelo ensino explícito do que fazer e do que saber.” (H. B.

Furth, 1986, P.118 )

É interessante correlacionarmos ao desenvolvimento cognitivo outra área de

desenvolvimento que, juntamente com o primeiro é considerada componente de

desenvolvimento intelectual: o desenvolvimento afetivo.

O comportamento de uma criança nunca será puramente cognitivo ou puramente

afetivo, encontramos os dois aspectos unidos, indiferenciados, pois como já vimos, a

criança é um todo e não podemos isolar aspectos que fazem parte deste todo para serem

vistos separadamente: um exerce influência sobre o outro, um permeia o outro.

Existem duas dimensões dentro do afeto que merecem atenção especial em nosso

estudo: a primeira é a motivação ou energização da atividade intelectual. Tal aspecto possui

profunda influência no desenvolvimento cognitivo, pois acelera ou freia o desenvolvimento

de determinadas estruturas de acordo com o interesse que o indivíduo tem por aquele

conhecimento, este interesse acionará o ato cognitivo, assim como originará o esforço a ser

desprendido para construção da nova estrutura. A segunda dimensão tem a ver com a

seleção, isto é, o aspecto afetivo determinará sobre quais conteúdos a atividade cognitiva se

concentrará, sobre quais eventos ou objetos ela deverá agir.

A importância da inclusão deste assunto se deve ao enorme peso que a afetividade

exerce em um trabalho terapêutico. Portanto achamos fundamental destacar que em

qualquer tipo de atendimento, entre eles o psicopedagógico, tal área deve ser amplamente

explorada pois a motivação e a seleção estarão sempre na base de qualquer comportamento

que essa criança desempenhe, nos dando dados sobre sua estrutura interna e nos abrindo

possibilidades de intervenção mais dirigidas.

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1.2 - Os estágios de desenvolvimento cognitivo

Piaget para melhor demonstrar a evolução do desenvolvimento cognitivo o dividiu

em etapas, descrevendo minuciosamente a mudança quantitativa e qualitativa dos

esquemas, deixando-nos bem claro que tais mudanças não são abruptas e que organizações

superiores não excluem esquemas antigos mas sim os incorporam.

Outro dado de maior importância a ser destacado é o fato de que as idades

cronológicas citadas como características de cada etapa não são fixas, são apenas uma base

para que possamos ter uma idéia de que comportamentos intelectuais deveríamos esperar

de determinada criança. Essas idades podem variar de acordo com a experiência pessoal ou

com o potencial hereditário. Porém devemos saber que tais estágios possuem

“ordinalidade” invariáveis, isto é, toda criança deve passar pelos mesmos estágios na

mesma ordem, nenhum deles pode ser “pulado”.

O desenvolvimento cognitivo se inicia no dia em que a criança nasce, e é aí que

começa o primeiro estágio que Piaget definiu como sensório-motor (de 0 a 2 anos) . Neste

período os comportamentos da criança são, na sua maioria, atos reflexos, a informação só é

obtida pelos sentidos e pela ação da criança no meio. Neste momento ela se encontra

dependente das experiências física e sensória para que possa começar a se desenvolver seus

primeiros esquemas. Portanto é fundamental que a criança vivencie , entre em contato

direto com o máximo possível de objetos e situações. Tais ações serão a base para o

desenvolvimento intelectual mais avançado. Neste momento a afetividade se encontra em

desenvolvimento paralelamente ao aspecto cognitivo. Portanto não existirão de início

reações afetivas diferenciadas, porém os sentimentos irão se desenvolvendo e ao final do

período já desempenharão importante papel na escolha das ações.

Piaget nos descreve este período como sendo aquele que se estende do nascimento à

aquisição da linguagem e destaca sua fundamental relevância para o desenvolvimento

mental. Dividiu-o em seis subestágios para que ficasse mais clara sua progressiva e

significativa evolução, que ocorre em espaços de tempo tão curtos. Os conceitos

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fundamentais que se desenvolvem nesse período são: o de causalidade e o de objeto

permanente, o que permite que a criança perceba que as coisas existem independentemente

de sua percepção.

Abaixo faremos uma pequena síntese das aquisições em cada subestágio:

1ª FASE – Do nascimento até o primeiro mês:

· Reflexos hereditários que, com o exercício, transformam-se nos primeiros

esquemas de ação.

· Afeto: impulsos instintivos

· Conceito de objeto: incapaz de diferenciação entre si mesmo e o mundo exterior.

· Causalidade: egocentrismo – não há consciência do “eu” como um objeto em

um mundo de objetos. Sem essa consciência não pode haver noção de

causalidade.

2ª FASE – Do primeiro ao quarto mês:

· Primeiras diferenciações de estímulos.

· Coordenação “mão - boca” Ex: chupar o dedo.

· Coordenação de visão. Ex: acompanhar o movimento de objetos com os olhos.

· Coordenação “visão – audição”. Ex: movimentar a cabeça em direção dos sons.

· Afeto: o bebê ainda não diferencia o “eu” como um objeto distinto dosa outros

do meio. Por isso seu corpo permanece sendo o foco de toda atividade e afeto.

Há a aquisição dos primeiros sentimentos: alegria, tristeza, prazer, desprazer,

sentimentos de satisfação e de desapontamento relacionados à ação.

· Conceito de objeto: há consciência de objeto de um modo que não existia antes,

por isso, já acompanha com a cabeça seus percursos e sons. Porém ainda não há

nenhum comportamento que revele a lembrança de objetos desaparecidos.

· Causalidade: não há diferenciação entre os movimentos próprios e os dos

objetos externos.

3ª FASE - Do quarto ao oitavo mês:

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· Reações circulares secundárias: presença de uma intencionalidade sensório-

motora primitiva. A criança repete eventos que ocorrem ao acaso e lhe parecem

interessantes.

· Conceito de objeto: maior consciência dos objetos como objetos. A criança

começa a antecipar as posições pelas quais o objeto passará quando em

movimento. Tal fato indica o desenvolvimento da noção de permanência do

objeto.

· Causalidade: ainda se vê como causa básica de qualquer atividade.

OBS: Esta fase é de transição exata das ações pré- inteligentes para os atos realmente

intencionais, isto é, inteligentes.

4ª FASE – Do oitavo ao décimo segundo mês:

· Aparecimento dos primeiros atos inteligentes, os esquemas são mais móveis e

genéricos.

· A criança apresenta a capacidade de combinar comportamentos já adquiridos

com o fim de realizar objetivos.

· A criança começa a antecipar ou prever acontecimentos.

· Conceito de objeto: adquire a constância de forma e de tamanho, o que antes não

acontecia pois diferentes perspectivas pareciam mudar a forma e o tamanho do

objeto. A criança começa a perceber que os objetos existem mesmo quando não

podem ser vistos, elas passam a procurar por eles (permanência de objeto) ,

porém não podem perceber seus deslocamentos , mesmo diante de seus olhos.

· Causalidade: descoberta da causa e efeito e de que qualquer objeto pode causar a

atividade em outro e não apenas seu corpo.

· Afeto: os sentimentos serão utilizados na escolha de meios para alcançar

determinados fins. Surgem os primeiros sentimentos de sucesso ou fracasso

5ª FASE - Do décimo segundo ao décimo oitavo mês:

· A criança começa a formar novos esquemas para resolver problemas novos.

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· Se utiliza muito da experimentação. A criança gradua os movimentos, vária e

experimenta novos padrões de comportamento para ver seus efeitos (reações

circulares terciárias)

· Age mais por ensaio e erro. É a última fase a não utilizar a representação mental

de fatos externos, isto é, o pensamento.

· Conceito de objeto: O esquema de objeto permanente já se encontra construído,

a criança já pode inclusive seguir seus deslocamentos visíveis, só não pode

imaginar deslocamentos que não veja (invisíveis).

· Afeto: investimento da afeição em outras pessoas, o que constituirá o primeiro

passo para o desenvolvimento social.

6ª FASE - Do décimo oitavo ao vigésimo mês

· Passagem da inteligência sensório- motora para a representacional: A criança

passa a inventar novas combinações e esquemas a nível mental, não necessita

mais da experimentação motora.

· Conceito de objeto: possui agora a imagem de objetos ausentes. Essa

representação interna possibilitará sua busca mesmo em deslocamentos invisíveis.

· Causalidade: a criança é capaz da dedução causal, não se restringe mais a

percepção da utilização sensório-motora de relações de causa e efeito

· Afeto: as relações interpessoais passam a constituir verdadeiras trocas, sendo

necessárias para o desenvolvimento dos sentimentos morais e para o

desenvolvimento afetivo em geral.

Ao final deste período a criança deve ter alcançado um nível de desenvolvimento

conceitual necessário para a aquisição da função simbólica ou semiótica que marca o início

de um novo estágio de desenvolvimento, onde o crescimento intelectual se dará mais a

nível simbólico: o estágio pré - operacional (2 aos 7 anos). Isto não significa que não

ocorrerá mais desenvolvimento a nível sensório-motor, mas sim que a atividade

representacional será mais utilizada do que a motora na construção intelectual.

A principal aquisição deste período é a capacidade de representação de objetos e

eventos ausentes e é esta capacidade que Piaget chamará de função simbólica, que recebe

este nome devido ao fato desta função ser a responsável pela criação de símbolos e da

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descoberta de signos. O símbolo é subjetivo, é construído individualmente pela criança para

sua compreensão e representação do mundo, aos poucos ele vai sendo substituído por

signos da linguagem social. Os signos são arbitrários e só serão construídos e apreendidos

na interação social ( Ex: escrita, fala, números... ) .

A função simbólica se manifestará através de cinco condutas básicas: a imitação

diferida, o jogo simbólico, o desenho, a imagem mental e a linguagem falada.

A imitação diferida demonstra que a criança adquiriu a capacidade de representar

mentalmente um evento ou um objeto que não está presente. Nesta manifestação

encontramos uma presença maior na acomodação, já que a criança deve modificar seus

esquemas para poder reproduzir fielmente um comportamento prévio. A criança já faz

imitações desde seu primeiro mês de vida porém a imitação sem modelo só se tornará

possível com a entrada no pré – operatório e o consequente desenvolvimento de esquemas

que permitam a representação mental.

O jogo simbólico é uma atividade que a criança exerce para ela mesma, é um jogo

de faz-de-conta, é uma forma de auto-expressão. Em tal jogo predomina a assimilação

“como se fosse um processo de colocar o mundo exterior dentro da criança, isto é em sua

vida mental.”( I. Ferreira , 1993, P.49) A criança tem o objetivo de transformar o real

naquilo que ela deseja no momento, ela constrói símbolos sem a intenção de comunicação.

É uma manifestação pura de seu pensamento egocêntrico. O jogo simbólico tem grande

finalidade terapêutica pois é nele que, de maneira prazerosa, a criança manifestará suas

emoções e conflitos, elaborando-os melhor, atingindo uma estruturação mais forte e

mantendo um equilíbrio afetivo e cognitivo de forma natural, com muito menos esforço do

que o exigido na imitação, pois, nesta última , a criança deve reproduzir o modelo e se

adaptar a ele(acomodá- lo), já no jogo simbólico o esforço adaptativo para a assimilação do

modelo será bem menor.

O desenho é outra forma de representação fundamental para o desenvolvimento

infantil. No estágio pré-operacional as crianças farão muito uso do desenho para representar

coisas e o interesse para representá- las crescerá cada vez mais na medida em que forem

tomando mais contato com as coisas em si. Portanto as experiências devem ser sempre

estimuladas, pois além de fornecerem dados para a construção de conhecimentos,

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estimularão representações mais elaboradas e ricas como as feitas nos desenhos.

Destacaremos maiores detalhes sobre o desenho mais adiante, no nosso capítulo que tratará

do desenvolvimento gráfico.

A imagem mental é um modelo interno da realidade percebida, ela servirá de base

para a imitação e para o desenho. Assim como os outros tipos de representação, a imagem

mental também irá evoluindo ao longo do desenvolvimento da criança. De início elas são

apenas “reprodutivas”, isto é, evocam eventos ou objetos já conhecidos e percebidos

anteriormente, já no estágio operatório tais imagens poderão ser “antecipatórias” e

provavelmente evoluirão de um nível estático para um dinâmico ou de transformação. Estas

imagens antecipatórias se destinam a imaginar algo que poderá acontecer no futuro.

A mais evidente forma de representação da função simbólica é a linguagem falada,

que se desenvolve paralelamente as outras condutas representativas citadas acima. Antes do

período pré-operatório as crianças podiam utilizar “palavras” como balbucios de fonemas

diferenciados, porém, esta fala não era utilizada para representar objetos ou eventos,

portanto não constituíam linguagem representacional. Mais ou menos no fim do segundo

ano, podemos verificar a presença de frases de duas palavras que serão seguidas de frases

completas porém sem estruturas gramaticais, o que será adquirido gradativamente entre os

dois e quatro anos. Aí sim, quando podemos dizer que a criança está utilizando símbolos

(muitas vezes palavras inventadas por ela própria) para representar objetos, pode-se dizer

que foi adquirida a verdadeira linguagem representacional.

Piaget destaca três conseqüências da aquisição da linguagem falada que são

fundamentais no desenvolvimento cognitivo:

· Maior facilidade na interação social, possibilitamos a troca verbal, responsável pelo

início da socialização da ação

· Internalização da palavra, aumentando o desenvolvimento conceitual desta fase.

Aparecimento do pensamento propriamente dito, que se desenvolverá devido a presença da

linguagem interna e de um sistema de signos

Internalização da ação, o que irá acelerar o ritmo com que as experiências ocorrerão pois a

criança não terá mais que agir para pensar. O pensamento e a adaptação não estarão mais

presos às ações do presente e vários objetos ou eventos poderão ser manipulados

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simultaneamente e de forma organizada. Seus experimentos agora serão mentais e não mais

puramente perceptivos-motores. O pensamento será mais rápido e extenso.

Outro aspecto importante em relação a linguagem é o fato de que sua aprendizagem

dependerá de uma motivação ligada a seu valor adaptativo, pois com ela a criança estará

apta a realizar mais rapidamente seus desejos e necessidades. A mãe que realiza os desejos

da criança antes mesmo que ela peça, estará prejudicando o processo de aquisição da

linguagem, pois essa criança não sentirá a necessidade de aprendê- la.

Durante o período pré-operacional a linguagem evolui gradativamente de uma fala

egocêntrica - sem o objetivo de comunicação (2 a 4 anos) – para uma fala socializada –

com o objetivo de comunicação (5 a 7 anos).

A linguagem não suficiente para o desenvolvimento cognitivo, ela é apenas

facilitadora. Somente na construção de conhecimento social é que seu papel será

fundamental e direto.

O pensamento e o comportamento de uma criança pré- operacional possuem como

característica básica o egocentrismo. Isto faz com que esta criança pense que todos pensam

como ela, pois seu pensamento é o único correto e possível. Assim o desenvolvimento

intelectual deste período ficará limitado pois como a criança não questiona seus

pensamentos o desequilíbrio ficará inibido, haverá menos possibilidades de mudança

através da acomodação. Somente após os seis ou sete anos que o pensamento egocêntrico

começará a ceder às pressões sociais, serão as interações sociais responsáveis pelos

primeiros conflitos cognitivos, fazendo com que a criança seja obrigada a questionar e a

validar seus pensamentos, já que ela vê que existem outras formas de pensar diferentes da

sua.

O pensamento pré-operacional também possuiu como características a incapacidade

para raciocinar com sucesso sobre transformações, para explorar todos os aspectos de um

estímulo e para descentrar sua observação visual. Neste período as avaliações preceptivas

ainda predominam sobre as cognitivas. A criança também é incapaz de reverter operações,

o que para Piaget é a característica que melhor define a inteligência, pois com o

pensamento reversível a linha de raciocínio pode ser seguida até o seu início. Estas

características pré-operacionais se refletirão na incapacidade da criança que se encontra

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neste período para resolver problemas de conservação, isto é, não conseguem entender a

não variação de uma dimensão frente a mudança em outras dimensões de um mesmo

objeto.

Com a gradual deterioração do egocentrismo a criança vai começando a descentrar

mais e a perceber e acompanhar transformações simples. Tais aspectos influenciarão na

construção de reversibilidades e ocorrerão mais ou menos no final do período pré-

operatório. Todas essas características que vemos como obstáculos ao pensamento lógico,

são na verdade, necessárias ao desenvolvimento cognitivo, são etapas pelas quais todos

devem passar para alcançar o pensamento lógico.

Com a presença da representação surge a capacidade de reconstrução e recordação,

tanto do passado cognitivo como do afetivo. Isto trará a possibilidade dos afetos terem

maior consistência e estabilidade, pois durarão mesmo depois de não haver mais a presença

do objeto ou da pessoa que o provocou. Assim podemos perceber a diferença entre uma

criança sensório-motora, que ora gosta, ora não gosta de determinada coisa ou pessoa e a

criança pré-operatória que geralmente demostra maior consistência em seu gostar ou não

gostar.

Para Piaget uma operação intelectual (lógica) é aquela na qual se pode pensar,

internalizar, sendo totalmente reversível. Tal capacidade só será desenvolvida ao longo do

período operatório concreto (7 a 11 anos). A criança operatória concreta dará preferência às

decisões baseadas na lógica às baseadas na percepção, ou seja, quando se dá um conflito

entre percepção e raciocínio, tal criança se utilizará de raciocínio para resolvê- lo.

O pensamento da criança operacional concreta não será mais egocêntrico, através da

interação com outras crianças ou até com adultos, ela buscará a validação para seus

pensamentos. Como já vimos antes, a liberação do egocentrismo facilitará a criança no

descentrar de suas percepções, no acompanhamento de transformações e o que é mais

importante, ela poderá realizar operações inversas, isto é, alcançar a reversibilidade das

ações mentais. Assim poderá desenvolver dois tipos de operações intelectuais que serão

fundamentais para a formação do conceito de número: a seriação e a classificação.

Também se dará uma conquista maior em seus conceitos de causalidade, de espaço de

tempo e de velocidade. Porém é importante destacar que a aquisição destas operações

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lógicas serão limitadas, isto é, só terão utilidade na resolução de problemas que envolvem

fatos ou objetos concretos, aqueles que existem ou existiram em sua experiência, não

poderão raciocinar sobre problemas hipotéticos, abstratos ou puramente verbais, nem sobre

aqueles que apresentam muitas variáveis. Tal capacidade só será desenvolvida no estágio

das operações formais.

No desenvolvimento afetivo durante o período operatório concreto podemos

encontrar o desenvolvimento da vontade, a qual permitirá a regulação do julgamento

afetivo, e será a partir dela que os valores serão conservados. Neste momento o

desenvolvimento da autonomia (capacidade de fazer suas próprias avaliações morais)

favorecerá o surgimento do respeito mútuo sobre o respeito unilateral (determinado pela

autoridade) que dominava no período pré-operatório.

O último período do desenvolvimento cognitivo é o das operações formais, que se

inicia por volta dos 11 ou 12 anos. Neste período as estruturas cognitivas atingirão sua

maturidade, chegando a seu potencial máximo de raciocínio. Isto quer dizer que não

haverão mais mudanças estruturais na qualidade de raciocínio, todo o seu potencial já foi

realizado. Porém os processos de assimilação e acomodação nunca se esgotam,

desequilíbrios continuarão a ocorrer e a produzir mudanças nos esquemas, só que as

mudanças passarão a ser somente quantitativas, e a qualidade de raciocínio não terá mais

como progredir

O pensamento formal liberta-se da experiência direta, acessível, pode agir sobre

presente, passado e futuro e solucionar qualquer classe de problemas. A criança é capaz de

pensar sobre seu próprio pensamento e sentimentos. Podemos ver nesse período a

emergência de novas estruturas como o raciocínio hipotético-dedutivo (capacidade de

pensar sobre o hipotético e de tirar conclusões de premissas hipotéticas) , o pensamento

científico- indutivo (aquele que vai dos fatos específicos aos gerais) e a abstração

reflexiva(baseada na reflexão, chega na abstração de um conhecimento novo através de um

já existente).

No operatório formal o desenvolvimento afetivo terá dois pontos chaves que serão:

o desenvolvimento dos sentimentos idealistas e a continuação da formação da

personalidade

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Nem todos chegam a desenvolver o pensamento formal, apesar de possuírem

potencial para desenvolvê- lo.

Com tudo isso podemos perceber que o desenvolvimento sensório-motor será o

verdadeiro alicerce para a construção de todo conhecimento. Portanto “Todo conhecimento

é construído pela criança. Neste sentido a criança é verdadeiramente o pai do adulto” (B.

Wadsworth, 1993, P.140)

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CAPÍTULO II

DESENVOLVIMENTO GRÁFICO

2.1- Principais conceitos

O desenho, como forma de comunicação, possui uma natureza universal. É um tipo

de linguagem que não necessita tradução e por isso constitui uma “língua” tão antiga e tão

permanente que atravessa todas as fronteiras geográficas e temporais.

O desenho se constitui devido a necessidade do homem de compreender, ordenar e

comunicar aos outros os fenômenos do mundo que ele percebe. A partir disto o homem será

impelido a criar, assim haverá uma integração entre seus sentidos, percepção e

pensamentos e será nessa criação que deixará transparecer sua ordem interna. Será neste

desenhar que encontraremos reunidos diversos elementos de sua experiência, se tornará

visível uma parte dele próprio.

Portanto concebemos como assunto de fundamental importância o estudo do

desenvolvimento gráfico, pois através do desenho a criança estará tentando se apropriar do

mundo, conhecê- lo. “O desenho é exercício da inteligência humana”( E. Derdyck, 1989,

P.46). Será também o desenho infantil fonte de preciosa informação para conhecermos

melhor a criança, que através desta produção nos mostrará muito de si mesma: como ela

pensa, como sente e como vê o mundo. Tais características já dão ao desenho seu lugar de

destaque dentro da intervenção pedagógica, pois não só nos dará o material de extrema

significação para conhecermos a criança com seus conflitos e desejos, como nos demostrará

muito do seu conhecimento e nível intelectual. Além disso tal forma de intervenção será, na

maioria das vezes, bem acolhida pelas crianças, que geralmente vê no desenho uma forma

de expressão muito prazerosa. Com o desenho a criança irá se descobrindo melhor e

adquirindo maior autoconfiança. Ela falará de seus medos, suas alegrias e tristezas,

podendo ver-se e rever-se. Mesmo inconscientemente estará modificando e sendo

modificada ao desenhar. Este maior conhecimento sobre seu mundo interno, assim como o

próprio ato de desenhar, pintar ou qualquer outra atividade lúdica em que se expresse,

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constituirão importantes instrumentos terapêuticos, fazendo com que a criança possa

reorganizar sua ordem interna e reconstruir a realidade: são portanto instrumentos de saúde

mental.

Desenhando a criança comunica-se mais abertamente com os outros, é assim que ela

irá falar, é o meio que construiu para registrar sua fala, para escrever enquanto não conhece

ou não quer utilizar os sinais gráficos convencionalmente estabelecidos, O desenho é a

primeira escrita da criança

Pintar, desenhar, construir são processos constantes de assimilação e projeção: o

indivíduo absorve informações através dos sentidos, as integra no seu “eu”, as elabora,

interpreta e projeta em sua produção.

Nem toda criança gosta de desenhar mas, provavelmente, encontrará outra atividade

expressiva com a qual sua estrutura mental e sua sensibilidade se adaptem melhor, pois o

ato criativo estará sempre presente, segundo Fayga Ostrower “Pensamos que o criar, tal

como viver, é um processo existencial.” (F. Ostrower, 1978, P. 134)

A criança não depende de nenhum nível de conhecimento para que possa criar. Ela

cria com a ajuda de qualquer grau de conhecimento que possua na fase em que se encontra.

O ato de criar em si mesmo pode lhe fornecer uma nova compreensão ou uma nova

perspectiva, dando- lhe um suporte maior para seu crescimento. Portanto à criança deve ser

proporcionada oportunidade de criar, impedi- la de fazê- lo por ainda não possuir

informações suficientes sobre determinados assuntos ou material só fará com que sua ação

seja inibida. Lewenfeld nos diz que se fosse possível deixar que as crianças se

desenvolvessem sem intervenção do meio do meio externo não haveria necessidade de

nenhum tipo de estímulo para que se dedicassem a experiências artísticas. Porém vemos

muitas vezes crianças que dizem não saber desenhar, neste caso podemos Ter certeza que

houve algum tipo de interferência em sua vida, pois a criança possui um “instinto criador”

que a impulsiona a se exprimir e esta perda de confiança em suas produções pode ser um

indício de que esta criança se fechou em seu próprio “eu” ou não consegue identificar-se

com suas experiências. Este indivíduo deve então ser estimulado a repensar suas

experiências, a encontrar coisas interessantes em sua existência, ele deve tornar-se mais

cônscio de si próprio, se ver como participante ativo do meio. Com isso podemos concluir

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que tais pessoas são as que mais necessitam da experiência artística, não devendo, portanto,

serem deixadas de lado ou ignoradas, a motivação para que possam colocar seus

sentimentos e emoções no papel deve ser proporcionada pelos adultos que as cercam para

que possam levar adiante seu desenvolvimento global. ”A atividade criadora constitui uma

necessidade biológica cuja satisfação é absolutamente necessária para o desenvolvimento

ótimo do ser humano em crescimento.” (R. Gloton e C. Clero, 1971, P.42)

Encontramos em vários autores uma preocupação acentuada com a necessidade de

uma atividade criadora para o homem, pois todos nós possuímos um potencial e desde o

momento em que existe um potencial surgirá juntamente a necessidade interior de exercê-lo

e de realizá- lo. “As potencialidades existentes constituirão sua própria motivação, serão

uma proposta de si para si.” (F. Ostrower, 1978, P.30)

Por tudo isso podemos dizer que para a criança o desenho constitui uma atividade

global, que reúne suas potencialidades e necessidades e como sabemos que todas as coisas

que uma criança realiza será em função de sua necessidade de crescimento, consideramos o

desenho fundamental para seu pleno desenvolvimento. “Daí o sentimento do essencial e

necessário no criar, o sentimento de um crescimento interior, em que ampliamos em nossa

abertura para a vida.”(F. Ostrower, 1978, P. 29). Portanto crescer significa realizar

potencialidades, conhecer-nos melhor, a não realização dessas potencialidades gera dentro

do homem uma sensação de vazio, de apatia, de falta de respeito pelos outros (já que não há

respeito nem por si mesmo), assim concluímos que a expressão criadora exerce papel

fundamental neste crescimento, facilitando o uso da criatividade como função global e

expressiva da vida e também como meio de gratificação pessoal.

Quando desenha a criança passa por um intenso processo vivencial e existencial,

pois em qualquer forma de expressão haverá uma comunicação entre dois mundos do

indivíduo: o interior e o exterior. A expressão projetará no exterior o que há de mais

profundo no interior desta pessoa e isso lhe possibilitará vivenciar-se em seu fazer,

trazendo- lhe um sentimento gratificante de reestruturação e enriquecimento de sua própria

produtividade, permitindo uma articulação cada vez maior de níveis de consciência mais

complexos e elevados. Portanto, desenhando a criança, além de divertir-se, desenvolverá

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com maior facilidade duas atividades fundamentais para seu crescimento: uma melhor

apropriação da realidade e de si própria.

Outro ponto importante é o fato de que desenhar é uma atividade lúdica na qual a

criança não necessita de ninguém, é uma atividade solitária, onde ela dita suas próprias

regras. “O desenho é o palco de suas encenações, a construção de seu universo particular.”

(E. Derdyck, 1989, P.50). Como todo jogo, o desenho reúne dois aspectos: o operacional e

o imaginário. Os dois estarão presentes em todo momento lúdico, sendo o operacional

aquele que contém regras, o espaço, o funcionamento temporal e físico e o material

utilizado, já o imaginário envolve o pensar, o idealizar, o projetar, o imaginar situações. A

imaginação da criança “brincará” com materiais extraídos do mundo real exterior, os quais

serão organizados, coordenados e transformados para a realização de um projeto pessoal,

expressão de seu mundo interior. Logo o desenho é , como outras atividades expressivas,

uma atividade do imaginário. A representação pode estar fortemente ligada a um desejo de

apropriação de determinados conteúdos, que poderão ser reapresentados com outros

significados. Portanto o desenho reunirá elementos provenientes da observação sensível do

real e da capacidade de imaginar e projetar, através dele se dará o confronto entre o real , o

percebido e o imaginário. Assim, a linguagem visual é a expressão concreta de um

imaginário, que por sua vez é produto de experiências no mundo real, sensível e também de

memórias e fantasias. Daí podemos partir para o conceito de imaginação criadora que

juntamente com a expressão criadora constitui um ponto de extrema importância que deve

ser estimulado desde a infância. Tal estimulação possibilitará uma mudança em nossa

sociedade tão automatizada e alienada. A imaginação criativa é um pensar específico sobre

um fazer concreto, são pensamentos sobre hipóteses viáveis de transformação de

determinados objetos ou eventos. A viabilidade é importante para que tal conceito não se

limite apenas a divagação sem rumo ou finalidade. Tal capacidade viabilizará maior

equilíbrio e felicidade individual na vida dos homens, que com isso poderão ter a sua

disposição um maior número de possibilidades e oportunidades de realizar atividades

diversas ao longo de suas vidas. A falta de imaginação criadora na vida dos homens está

caracterizada pela falta de abertura, reducionismo e na diversidade de especializações

presentes em nossa sociedade . Com tudo isso queremos destacar mais uma das finalidades

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da estimulação da expressão criadora na criança, o que, por sua vez, lhe facilitará o

desenvolvimento da imaginação criadora.

Para que a expressão criadora tome seu lugar na criança são necessárias três

condições principais: motivação interna, clima de comunicação e necessidade de liberdade.

A motivação interna é condição indispensável para uma expressão autêntica, natural. A

criança motivada internamente tem o desejo de concretizar seu mundo interior em formas

que a maravilham, tem o prazer de ver-se e prolongar-se numa expressão material. “A

criança que repete ou recita, a menos que faça para seu próprio prazer, nada tem a

dizer.”(R. Gloton e C. Clero, 1971, P.55). Outra condição de fundamental importância para

a expressão criadora é o clima de comunicação, pois a criança precisa sentir confiança nos

outros para expor-se em suas produções, as quais deverão ser sempre encorajadas

adequadamente. Neste ponto podemos observar a importância de nossa terceira condição,

pois a criança só se sentirá encorajada a prosseguir com suas produções se perceber que

tem liberdade para expressar-se e sentir-se aceita. Muitas vezes a discrepância entre o gosto

adulto, seus padrões de estética e o modo como a criança se expressa poderá inibir a criança

em suas criações, pois não sentirá que possui aceitação e o encorajamento necessário para

que vá adiante, não terá a liberdade de expressar-se do jeito que sabe e gosta.

Antes de ingressarmos na análise das fases de desenvolvimento gráfico é importante

destacar que tal desenvolvimento sofre influências não só dos níveis de desenvolvimento

cognitivo, afetivo e motor, mas também das circunstâncias geográficas, temporais e

culturais do meio no qual o indivíduo se encontra inserido.

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2.2 fases do desenvolvimento gráfico

O desenho de uma criança estará em constante mudança ao longo da vida. Tal

mudança não se deve a intenções estéticas mas sim ao seu processo de crescimento físico e

psíquico Ocorrem modificações em suas áreas de experiência e de controle sobre o mundo

externo. A medida em que a criança vai se discriminando dentro de si própria e em relação

aos outros, vai também reestruturando seu potencial sensível e racional em níveis mais

complexos. È interessante percebermos que até uma idade próxima a puberdade, as

mudanças que se dão na expressão artística são muito semelhantes em todas as crianças,

independentemente de diferenças individuais e culturais, as formas de composição tem

grandes similaridades. Devido a isso encontramos em diversos autores a divisão do

desenvolvimento gráfico em fases. Compreender estas fases de evolução é totalmente

indispensável para o trabalho com crianças, pois nos possibilitará um conhecimento maior

sobre o desenvolvimento infantil, seu ritmo e suas possibilidades de crescimento. Para tanto

escolhemos a classificação de Lowenfeld-Brittain que dividirão o desenvolvimento gráfico

em seis fases: a fase das garatujas, dos dois aos quatro anos; a fase pré-esquemática, dos

quatro aos sete anos; a fase esquemática, dos sete aos nove anos; a fase do realismo, dos

nove aos doze anos; a fase do pseudonaturalismo, dos doze aos quatorze anos e a fase da

decisão, dos quatorze aos dezessete anos.

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2.2.1 Fase das garatujas

Por volta dos dezoito meses a criança começa a se interessar pelo lápis,

descobrindo, ocasionalmente, que aquele instrumento deixa marcas que não saem do papel

ou de qualquer outra superfície. Ela se interessa por esta experiência pois percebe que tal

atividade deixa registros que não se esvaem no ar, ao contrário de seus movimentos

corporais que constituem sua única fonte de expressão até o momento. “A criança olha para

o lápis e não sabe de onde nasceu a linha, se foi da mão, do lápis ou do fundo do papel.”(E.

Derdyck, 1989, P.56).

A criança rabisca pelo prazer de rabiscar, o prazer do gesto, do movimento. A

permanência da linha no papel é muito prazerosa e estimula sensorialmente a criança a

continuar com sua produção, isto é a expressão de uma enorme atividade interna na criança.

Assim fica implícita uma atividade mental, pois no desenho a criança relaciona, subtrai,

adiciona um gesto a outro, manifesta um ritmo biopsíquico que reflete sua ordem interna.

Este é um prazer que ela mesma pode se dar, sem necessitar de ninguém.

O rabisco da criança apesar de não ter nenhuma significação para os adultos, que o

julgam como uma simples conduta sensório-motora, está repleto de conteúdos e

significações simbólicas, estão latentes em ações e necessidades de comunicação.

Quanto maiores as oportunidades dadas para uma criança desenhar, maior

quantidade de traços e rabiscos ela explorará, isso ajuda no maior desenvolvimento de sua

percepção, que se tornará cada vez mais aguçada. Portanto o rabisco é uma atividade tanto

motora como mental, cognitiva e simbólica.

As garatujas vão se desenvolvendo de forma bastante previsível, começando como

garatujas desordenadas, passando pelas garatujas controladas e finalmente para as garatujas

com atribuição de nomes.

As garatujas desordenadas serão os primeiros traços que a criança fará. Como nesta

idade ainda não desenvolveu um controle muscular perfeito, ela fará uso de movimentos

amplos. Tais garatujas não são uma tentativa de representação do meio externo, são,

geralmente, apenas reflexos do desenvolvimento físico e psíquico da criança.

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A criança tem a necessidade de garatujar e a oportunidade para desenvolver tal

atividade deve ser dada pelos pais, pois se estes não fornecerem o material adequado, a

criança exercerá esta atividade em qualquer superfície e com qualquer instrumento. Devido

a isto vemos tantas paredes rabiscadas, móveis e chão arranhados. Nestes casos,

provavelmente não foram fornecidos à criança oportunidade e materiais adequados para a

sua atividade criadora.

A criança também deve sentir que a sua produção é aceita para que continue a

desenvolver esta nova forma de comunicação. As garatujas não devem ser nem

minimizadas nem supervalorizadas. A minimização ou tentativa de ensinar à criança para

que desenhe algo estruturado gera uma inibição no desenvolvimento de tal atividade,

prejudicando seu desenvolvimento futuro, porém a supervalorização como forma de

preservação da espontaneidade infantil, também não é adequada, pois a garatuja deve dar

lugar, naturalmente, a outras formas, impedir o desenvolvimento do desenho seria como

impedir a criança de crescer.

Quando a criança começa a perceber que os traços que deixa no papel tem alguma

relação com os seus movimentos, dá um passo muito grande em sua evolução, é o controle

visual sobre os traços. Tal fato ocorre mais ou menos seis meses após tenha começado a

garatujar e corresponde ao início da fase das garatujas controladas.

A conquista da coordenação viso-motora gera um grande entusiasmo nas crianças ,

estimulando a busca de novos traços. Será difícil porém encontrarmos traços soltos ou

pontos, pois a criança nesta fase não retira o lápis do papel antes de terminar o desenho, que

passará agora a ocupar toda a folha.

Será também nesta fase que os rabiscos vão se arredondar até o aparecimento do

primeiro círculo. De acordo com E. Derdyck o círculo só estará pronto para surgir quando a

criança já pode fazer a distinção entre o “eu” e o “outro”, é a diferenciação entre o mundo

interno e o externo. Em termos psíquicos equivale à conquista da consciência. O gesto

circular se origina de um traçado motor instintivo, inerente ao ser humano, além de ser uma

conquista individual é um gesto arquétipo presente desde as sociedades mais primitivas até

as contemporâneas.

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O controle adquirido se refletirá em outras partes do desenvolvimento da criança

que agora insistirá em executar sozinha ações que não fazia antes, como por exemplo

abotoar roupa, comer, etc... . O adulto terá papel fundamental nesta fase, estimulando-a a

prosseguir em suas conquistas e participando do entusiasmo das novas descobertas.

Por volta dos três anos e meio uma nova etapa se inicia no desenvolvimento gráfico das

garatujas, esta talvez seja a mais importante delas, pois indica uma transformação no

pensamento da criança que agora passa a ligar seus traços a coisas de seu mundo. É a fase

de atribuição de nomes às garatujas. O pensamento anteriormente cinestésico, passa a ser

imaginativo, começando a desenvolver-se a base para a retenção visual. Neste momento a

criança passa a identificar seus rabiscos, apesar disto já acontecer no final da fase anterior,

agora ela já começa a garatujar com uma intenção, não mais espera que seu desenho esteja

pronto para poder então nomeá- lo.

A criança passa a consumir cada vez mais tempo com seus desenhos e muitas vezes

falará sozinha descrevendo seus traços. Esta fala não possui nenhuma intenção de

comunicação, faz parte da fala egocêntrica descrita por Piaget. É neste momento que

podemos começar a perceber como a criança vê o mundo exterior, como ela se sente a

respeito de aspectos e partes de seu ambiente, ela está começando a se comunicar, mesmo

que inconscientemente pelo desenho.

A entrada nesta última fase não quer dizer que a criança não irá mais garatujar por

puro prazer cinestésico, ela poderá fazer em qualquer etapa de seu desenvolvimento

gráfico.

“A criança, em suas garatujas, obedece às necessidades do sistema nervoso afinado

com o desejo de significação e afirmação do seu ser no mundo.”(D. Winnicott, 1982, P.69).

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2.2.2 Fase pré-esquemática

Esta fase tem profunda influência da última fase das garatujas , pois se caracteriza,

principalmente, pelo surgimento da compreensão gráfica, isto é, a criança cria consciente

da forma que deseja, os traços perdem a relação com os movimentos corporais para serem

controlados, a criança estabelece uma relação com o que pretende desenhar. Esta etapa é

muito importante pois o desenho que possui um tema ou a representação de um objeto

permite ao adulto explorar melhor o universo daquela criança e perceber como ela vem

organizando suas relações com o meio, pois segundo Lowenfeld-Brittain “Os adultos

podem ser ludibriados por palavras que a criança usa, mas os desenhos refletem,

honestamente, o desenvolvimento infantil.” (V. Lowenfeld e W. Brittain, 1970, P.162). Por

tudo isso podemos dizer que o desenho é um importante instrumento para professores,

terapeutas e pais compreenderem melhor o processo mental infantil.

Outra característica importante da fase pré-esquemática é a flexibilidade infantil. A

criança neste período modifica a todo momento seus conceitos e símbolos usados para

representá- los, tal variação dos desenhos indica um processo contínuo de desenvolvimento

onde mudanças na forma de pensar se dão muito rapidamente. Quanto maior a

diferenciação de desenho para desenho numa mesma criança, mais alto o nível alcançado

pelo desenvolvimento intelectual. Quanto mais detalhes forem sendo incluídos em suas

representações mais consciência esta criança terá das coisas que a cercam. Neste ponto a

percepção assume lugar de destaque, pois esta não se resume ao mero conhecimento visual

dos objetos, mas sim a conscientização de todos os sentidos sobre aquele objeto, e o modo

como a criança fará sua representação tem profunda ligação com a experiência que teve

com ele e como o percebeu. Por isso é tão importante o cultivo e o desenvolvimento da

percepção na criança, não só como instrumento para o desenvolvimento gráfico mas

também para o cognitivo.

O conceito de espaço ainda não foi desenvolvido nesta fase. Nenhuma relação

espacial foi estabelecida fora do conceito do “eu” de cada criança. Para ela o espaço é algo

que gravita ao seu redor. Em seus desenhos o único espaço que tem alguma ordem é o

emocional, que trará para perto de si ou levará para bem longe os objetos dotados de afeto,

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não levando em consideração sua posição física real. Isto pode ser bem observado no

“desenho da família”, onde a criança posiciona os membros de sua família de acordo com o

conteúdo emocional que cada um deles carrega. ”O desenho é a projeção no espaço do

papel da percepção espacial vivida pela criança.” (E. Derdyck, 1989, P. 84 )

Em geral o primeiro símbolo criado pela criança nesta fase é o homem, que é

inicialmente representado por um círculo, simbolizando a cabeça, de onde saem dois traços,

os pés. Tal representação leva em conta as partes mais significativas do corpo para uma

criança, a cabeça, por onde se come, escuta e vê, e as pernas que possibilitam a locomoção.

Aos poucos as outras partes do corpo começam a ser incluídas na sua representação:

braços, umbigo e finalmente o corpo. Geralmente aos seis anos a criança já conseguirá

organizar seu desenho de homem de sua forma mais completa.

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2.2.3 Fase esquemática

Esta fase recebe tal denominação pelo fato de ser nela que surgem os primeiros

esquemas, sendo considerados esquemas aqueles conceitos que a criança forma ao longo do

tempo, os quais serão utilizados repetidamente podendo sofrer pequenas modificações por

influência de suas experiências futuras. Portanto os esquemas são flexíveis e é justamente

isto que os diferencia das repetições estereotipadas que permanecem sempre iguais. “O

esquema de um objeto é o conceito que a criança finalmente chegou, e representa seu

conhecimento ativo do objeto.” (V. Lowenfeld e W. Brittain, 1970, P.183 ). O esquema é

determinado por vários fatores, entre eles a maneira como a criança vê o objeto, seu

significado emocional e suas experiências sensoriais com aquele objeto.

Nesta fase a criança desenvolverá um conceito muito importante que depois de

descoberto fará parte de todos os seus desenhos: a linha de base. Tal conceito se desenvolve

a partir do momento em que a criança se vê como parte de seu meio em relação com outros

objetos do espaço. Faz parte do esquema espacial que não existia na fase anterior.

Outra característica do desenho infantil neste período é a transparência. A criança

representa o exterior e o interior de um local ou objeto simultaneamente sempre que

considera a parte interna de maior importância. Tal característica nos permite conhecer o

que a criança sabe e compreender seus processos mais íntimos de pensamento. A criança

desenha o que sabe e não o que vê.

As variações esquemáticas nos darão dados significativos sobre o desenvolvimento

e as experiências de cada criança. Existem três formas de variações que encontramos com

freqüência no desenho infantil: a exageração de partes importantes, a omissão de partes

menos importantes e a mudança de símbolos para partes significativas. Tais variações têm

profundo conteúdo emocional que poderão ser utilizados como dados para exploração na

terapia. Fazer algum tipo de correção em tais desenhos retirará todo sentimento e emoção

dos mesmos, transformando-os em formas automatizadas e desprovidas de significação

subjetiva.

Os esquemas sofrerão, como qualquer comportamento da criança, influência de

fatores psicológicos, biológicos e ambientais, assim como da experiência de vida de cada

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indivíduo. Daí podemos concluir que os esquemas mais ricos serão daquelas crianças que

receberam maior estimulação, desenvolvendo maior conscientização ativa e maior

interação com seu meio.

Esta fase deve receber um incentivo especial por parte dos adultos, pois esta

exploração e reorganização do meio para a formação de esquemas cada vez mais

elaborados permitirá a criança o desenvolvimento do pensamento criador, o qual tem

grande importância no processo de aquisição do conhecimento.

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2.2.4. Fase do realismo

Nesta fase desenvolve-se na criança uma conscientização muito grande do meio,

portanto a generalização esquemática não poderá mais ser utilizada. Neste momento pode-

se dizer que o desenho da criança assumirá um “compromisso com o real”, fazendo com

que as exagerações e omissões desapareçam aos poucos. Sua nova forma de expressão de

emoções será de um grande número de detalhes nas partes que são emocionalmente

significativas para ela.

Os desenhos adquirem muita rigidez e formalismo, a criança quer caracterizar seu

meio da forma mais realista possível. O uso das transparências não será mais comum nesta

fase.

A representação do espaço também sofrerá mudanças. A criança descobre que

existe um espaço a ser utilizado além da linha de base. Ocorre a descoberta do plano e da

possibilidade de sobrepor objetos (o que implica no reconhecimento da existência do outro

objeto).

Esta fase de desenvolvimento é caracterizada pelo sentimento da criança como

sendo parte de um grupo, de uma sociedade. Ela começa a perceber o significado de

palavras como cooperação e amizade e que o trabalho em grupal pode ser mais prazeroso e

melhor que o individual. Desenvolve-se paralelamente um sentimento de independência

social para com os adultos. Todas estas experiências de interação social fazem com que a

criança passe a perceber o mundo de forma diferente, passando a captar e a tomar cada vez

mais consciência do mundo a seu redor.

Toda essa predisposição para descobertas e conscientização deve ser estimulada

pelos adultos, pois essa sensibilidade perceptual será muito importante tanto na busca do

conhecimento como no próprio crescimento emocional, facilitará a conscientização de seus

pensamentos e sentimentos favorecendo o desenvolvimento de todo o seu potencial.

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2.2.5 Fase do raciocínio ou pseudonaturalismo

Encontraremos nesta fase jovens com uma grande preocupação crítica sobre sua

produções, neste momento a arte deixa de ser espontânea e passa a ter influência do

raciocínio.

Esta é uma fase de grandes mudanças tanto na área física como também na

emocional, mental e social. O jovem busca se conhecer melhor, se preocupa com a maneira

como é visto pelos outros, está desenvolvendo sua personalidade.

O desenho nesta fase não apresentará visivelmente muitas modificações. Haverá um

aumento do número de pormenores devido a maior conscientização de detalhes. O desenho

da figura humana torna-se o reflexo da capacidade do jovem encarar-se, esta poderá omitir

ou destacar pontos que o incomodam ou poderá até mesmo fazer uso de fórmulas

simétricas que aprendeu para o desenho de uma figura humana evitando, assim, projetar-se,

expor-se.

Uma aquisição desta fase será o conceito de profundidade. O jovem começará a

diminuir objetos distantes, desenvolvendo sua noção de espaço tridimensional.

Esta é uma fase de muitos conflitos, temores e ansiedades, pois o mundo infantil

está sendo deixado para trás e o jovem se vê obrigado a se tornar adulto. Muitas vezes a

concepção das produções artísticas como uma atividade infantil provocará neste jovem

uma recusa e consequente sufocação de seus impulsos criadores. Tal fato será lamentável e

deve ser evitado, pois justamente num momento crítico como a adolescência, onde há a

necessidade de expressão de sentimentos, emoções e sensibilidades, a arte não pode ser

deixada de lado, deve ocupar seu lugar, proporcionando ao jovem a oportunidade de se

expressar em sua totalidade. Neste momento o professor ocupa papel de destaque, pois

deve incentivar o aluno na continuidade de suas produções, estimular seu pensamento

criativo e fazer com que ele se aprofunde na sua expressão. Não deverá submeter nunca os

trabalhos a algum tipo de avaliação externa. Essas atitudes favorecerão um

desenvolvimento mais sadio e com menos obstáculos na vida do jovem.

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2.2.6 Fase da decisão

Agora a arte não fará mais parte do currículo escolar, portanto será produto de um

esforço consciente e só será praticada se for desejo do jovem. “Se o desenho das crianças

são objeto da nossa curiosidade é porque não existem desenhos de adultos. O adulto quando

não é um artista não desenha.” (A. A. A. Moreira, 1984, P.50)

O jovem nesta fase só terá contato com o conhecimento já pronto que ele absorver,

é necessário então, que tenha a oportunidade de ter contato com seu próprio pensamento,

que possa saber o que é seu e o que é do outro em sua mente, tal oportunidade poderia ser

dada num programa de arte. O desenho deve refletir o indivíduo que o produz portanto

esse programa deve visar as necessidades de expressão do jovem naquele momento, a

expressão dos pensamentos, das emoções, da maneira como vê seu meio e não a produção

de verdadeiros artistas com o ensino de técnicas. O importante é fazer com que o jovem se

envolva nesta atividade e tire dela suas inúmeras oportunidades de evolução. Este

programa deverá também envolvê-lo na cultura na qual vive, desenvolver sua sensibilidade

sobre questões sociais, ajudá-lo a encontrar caminhos viáveis de mudança e principalmente

dar-lhe chance de observar a si próprio, suas necessidades e aspirações projetadas no

desenho.

Finalizando, concluímos que a grande importância das atividades expressivas como

o desenho, está no fato delas representarem, na realidade, tentativas de reestruturação, de

experimentação e controle. Por meio delas o homem vai se descobrindo, se articulando. Ele

se identifica com sua produção e ao configurá-la, configura-se a si mesmo, a impregna

com suas emoções, seus sentimentos, seus conhecimentos. Estruturando a sua produção ele

estará se estruturando por dentro. Portanto com suas expressões artísticas o homem vem a

ordenar-se, a se conhecer melhor e a ampliar sua consciência nesse processo dinâmico onde

recria suas potencialidades essenciais.

“A criança estabelece um vínculo existencial profundo com o desenho ou com

qualquer outro vínculo criativo. Daí a necessidade de recolocarmos o desenvolvimento da

linguagem gráfica ou qualquer outra manifestação expressiva, sob o signo da experiência e

da vivência permanente.” (E. Derdyck, 1989, P.117)

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CAPÍTULO III

RELAÇÕES MÚTUAS ENTRE O DESENVOLVIMENTO

COGNITIVO E O DESENVOLVIMENTO GRÁFICO

3.1 Como o desenho pode revelar o desenvolvimento cognitivo

O desenho infantil é um revelador de muitos aspectos da criança que o produziu,

entre elas constatamos a estrutura e o grau de desenvolvimento intelectual. O conhecimento

que a criança tem a sua disposição no momento em que desenha será demonstrado em sua

expressão criadora, revelando seu nível cognitivo.

Desenho é a experimentação, a criança vai experimentando gestos, afinando traços,

combinando possibilidades expressivas. “Desenhar concretiza material e visivelmente a

experiência de existir.”(E. Derdyck, 1989, P.64) Essa técnica de experimentação de

tentativas, de acertos e erros constitui, segundo Freinet, a operação natural de aquisição de

conhecimento.

O desenho também é uma manifestação da inteligência: a criança formula hipóteses

e inventa teorias para compreender a realidade, desenvolvendo assim, sua capacidade

intelectiva e projetiva sob forma de atividades expressivas. Podemos perceber que um

desenho rico em detalhes provém geralmente de uma criança com elevada capacidade

intelectual, o que não quer dizer que um desenho com poucos detalhes provenha,

necessariamente, de uma criança com baixa capacidade intelectual. Esta criança pode ter

restrições emocionais ou falta de envolvimento afetivo para o desenvolvimento desta

atividade expressiva.

Com a evolução cognitiva os desenhos se modificam, pois a conscientização do

meio tende a aumentar, assim podemos desconfiar que crianças que não apresentam

mudanças em seus desenhos provavelmente se encontram atrasadas no desenvolvimento

dessa conscientização, o que possivelmente nos indicará uma falta de maturação intelectual.

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Por isso se faz tão importante o olhar atento dos professores, pais e terapeutas, pois se nesse

momento a criança for estimulada a estabelecer relações mais íntimas com seu ambiente,

senti- lo, percebê- lo melhor poderá retomar seu desenvolvimento intelectual, evitando

atrasos mais significativos.

O uso do desenho na escola não deve nunca ser deixado de lado, pois apesar da

maior ênfase dada aos conhecimentos formais o desenho poderá favorecer esta aquisição. O

desenho permitirá a criança a concretização de seus conhecimentos, fazendo com que estes

conhecimentos adquiram uma significação em um nível que a criança entenda melhor,

favorecerá os processos de assimilação e acomodação, visto que poderá elaborar melhor

seus conhecimentos reservando-os para o momento em que deseje usá- los.

O desenho é um exercício para o pensamento, pois será sempre uma interpretação,

uma elaboração de correspondências, onde criança relaciona e simboliza suas experiências.

É um verdadeiro exercício mental que quando projetado no papel revelará o pensamento.

Portanto o ato de desenhar fará uso de um instrumental técnico e operacional tão

importante quanto de uma aquisição intelectual. Se estabelece uma relação íntima entre o

pensar e o fazer, entre o mundo interno e externo. Inúmeros estímulos serão selecionados,

relacionados e simbolizados, estas operações mentais vão gerar novas formas e

configurações constituintes dos desenhos.

Para Lowenfeld a imagem visual é derivada das funções cognitivas da mente,

portanto o desenho terá como objetivo identificar, entender e definir elementos,

investigando suas relações, ampliando a capacidade perceptiva e construindo

representações simbólicas cada vez mais complexas.

Com isso podemos perceber que vários processos cognitivos estão presentes na

aquisição da linguagem gráfica, entre eles a visualização, a percepção, a discriminação e a

memória, indispensáveis na realização de qualquer produção gráfica.

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3.2. Relação entre as fases do desenvolvimento cognitivo e as fases do

desenvolvimento gráfico

Encontramos algumas correlações do desenvolvimento gráfico com as diferentes

fases de jogos em Piaget, pois o desenho tem suas semelhanças com o jogo, os dois são

atividades lúdicas que expressam o pensamento da criança.

A garatuja que é uma forma de prazer pela produção de uma marca, encontra

equivalência no jogo de exercício de Piaget. Este tipo de jogo se caracteriza por uma

repetição contínua de determinado movimento, de modo que possa certificar-se de seu

domínio. Tal conquista, assim como a garatuja, não possuiu nenhum compromisso com a

representação e sua finalidade é limitada ao prazer do movimento. Na evolução das

garatujas os movimentos longitudinais vão se arredondando, passando mais adiante a

círculos soltos. Com esses círculos se inicia uma nova etapa, é o esboço de uma

representação. Neste momento existe a intenção de dizer algo, é a fase pré-esquemática. Aí

a atividade passa a adquirir o caráter de jogo simbólico, pois o desenho agora terá a

finalidade de dizer algo, contar alguma coisa sobre quem o desenhou ou fazer de conta. O

desenho adquire a função de linguagem.

De acordo com a classificação de Lowenfeld-Brittain, as fases de representação

esquemática e a realista se darão no espaço de tempo em que o pensamento operatório

concreto domina. Portanto na equivalência, o tipo de jogo relacionado a estas fases de

representação será o jogo regulado. Neste momento há um compromisso com o real, o

desenho perde em fantasias, característica do jogo simbólico, mas ganha em estruturação. A

fantasia agora só se manifestará ao nível da idéia representada, serão feitos desenhos de

heróis, fadas, príncipes, porém continuará havendo grande preocupação com a realidade nas

suas formas. Este jogo também é considerado um jogo de construção, pois a criança se

divertirá construindo e narrando suas histórias representadas no papel. É importante

destacar que a estruturação não é um empobrecimento da criatividade, mas apenas uma

característica do período operatório concreto.

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Percebemos também que as condições necessárias para o desenvolvimento

cognitivo podem ser consideradas como fatores básicos também para o desenvolvimento

gráfico. Relembrando, são eles: maturação, experiência ativa, interação social e tendência

ao equilíbrio. A motivação, por exemplo, assim como impõem limites ao desenvolvimento

cognitivo, também os imporá ao desenvolvimento gráfico, pois se uma criança se encontra

na fase das garatujas nada de externo poderá fazer com que ela evolua para a fase seguinte,

tal evolução só ocorrerá quando ela estiver preparada para isto, quando ela possuir

estrutura para o desenvolvimento de desenhos pré-esquemáticos. Se alguém tentar ensinar-

lhe formas esquemáticas só estará perdendo tempo, pois neste estágio seria como querer

ensinar a uma criança que apenas balbucia, palavras. Sua estrutura mental não estará pronta

para assimilar tal nível de conhecimento.

A experiência ativa então, é um fator mais do que fundamental no desenvolvimento

gráfico. Pois como já vimos no decorrer do trabalho, quanto mais intensa a vivência da

realidade, a conscientização do meio externo, o uso dos sentidos, mais a criança será

estimulada a analisar situações, descobrir novos aspectos, reestruturar fatos e representar

todas essas descobertas num meio de expressão como o desenho por exemplo. Assim,

quanto mais ela for se conscientizando do mundo e de si mesma, mais rica irá ficando sua

produção gráfica.

A interação social é também uma condição básica para o desenvolvimento, pois

somente no confronto com o pensamento do outro é que poderemos reelaborar conceitos,

perceber formas diferentes de ver o mundo e isto terá grande reflexo no desenvolvimento

gráfico infantil, principalmente na fase do realismo, que também é conhecida como a idade

da turma, onde a criança começa a ver-se como membro de uma sociedade e passa a ter

mais prazer em seus trabalhos em grupo. Este fato fará com que a criança tenha cada vez

mais consciência de seu mundo externo o que refletirá em seus desenhos, que possuirão um

compromisso cada vez maior com o real.

A desequilibração é uma condição fundamental para qualquer crescimento. No

desenvolvimento gráfico ela ocorrerá a cada nova descoberta de um novo traço, a cada

conscientização maior do mundo externo. Esses fatos farão com que a criança se reorganize

e busque sua equilibração modificando seus desenhos. Cada passagem para uma nova fase

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deve-se a descobertas que vão sendo assimiladas, com ou sem acomodação, ao seu

organismo, fazendo com que haja um crescimento que corresponderá à evolução gráfica.

Assim como os estágios de pensamento de Piaget, o desenvolvimento gráfico

também segue uma ordem inalterável, com estágios pelos quais todas as crianças tem que

passar na mesma ordem.

O surgimento do desenho só ocorrerá no momento da aquisição da função

simbólica, que se dará no período pré-operatório de Piaget. Pois somente com a aquisição

desta função que a criança poderá fazer uso do pensamento representacional que, como já

vimos antes, é a capacidade de representação de objetos e eventos distantes. Neste

momento a criança começará a criar símbolos, o que acontece no desenho. “ O ato de

desenhar congrega o presente com um passado e um futuro. As imagens nascem da

observação, da memória e da imaginação. Poderíamos relacionar a observação com o

presente, a memória com o passado e a imaginação com o futuro. (E. Derdyck, 1989,

P.118) Daí a necessidade de um pensamento representacional.

A base para o desenho e a imitação será a imagem mental, pois é a partir dela que a

criança formará um modelo interno da realidade externa que ela percebeu. A capacidade

para desenhar só é possível quando a criança está apta para reproduzir e simbolizar imagens

mentais. O desenho representará tais imagens sob a forma de linguagem. Vemos

novamente a função do desenho como instrumento de aquisição do conhecimento, ele

decorrerá da experiência individual da criança, que efetuará uma seleção de objetos para

então apropriar-se deste ou daquele conteúdo, forma, figura ou tema através da

representação, assim estes conteúdos irão se incorporando ao repertório do conhecimento

infantil.

A criança irá ao longo do tempo desenvolvendo sua capacidade para desenhar, esta

capacidade irá depender de um aparato cognitivo e motor para começar a ser desenvolvida.

Aos poucos a criança sensório-motora irá conquistando o domínio da mão, percebendo a

intencionalidade do gesto e descobrindo que existem os outros além dela mesma. Seu

sistema nervoso irá desenvolvendo até o momento em que adquirirá a capacidade de pegar

um objeto intencionalmente e manipulá- lo. Neste momento ela irá descobrir a

funcionalidade de vários instrumentos que ela pode segurar, como por exemplo, a colher

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para comer e o lápis para fazer traços, desenhar. Assim começará seu desenvolvimento

gráfico, experimentando traços, instrumentos até estabelecer a relação

olho/cérebro/mão/instrumento/gesto/traço. Seu pensamento se tornará cada vez mais apto a

descentrar sua percepção, ampliando, assim, a conscientização do objeto e refletindo na

evolução do desenho. A deterioração do egocentrismo, também característica de uma fase

do pensamento mais evoluída (operatória concreta), se mostrará refletida no desenho

infantil, haverá uma percepção maior dos limites espaciais do papel: o dentro e o fora, o

“eu” e o “outro”. A conquista dos conceitos de causalidade, espaço, tempo, e velocidade

fará com que a criança comece a se interessar mais pelas noções de medida, de grandeza e

de deslocamentos dos objetos entre si. A observação se tornará cada vez mais aplicada na

busca da realidade em si mesma. Com tudo isso as representações gráficas assumirão várias

posições diferentes, adquirirão movimentos e os detalhes reinarão.

“O desenho vai da ação à representação na medida em que evolui da sua forma de

exercício sensório-motor para a sua forma segunda de jogo simbólico. O desenho entra na

categoria de jogo simbólico ou imaginário quando permite a criança exprimir um

pensamento individual.”(Florence de Meridieu, O desenho infantil in Derdyck, 1989, P.76)

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CAPÍTULO IV

A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO GRÁFICO E

DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO PARA PROFESSORES

E PSICOPEDAGOGOS

4.1 Importância da escolarização

Todo educador deve ter como objetivo principal em seu trabalho com crianças

estimular seu pensamento, suas percepções e a expressão de seus sentimentos. Para isso

deve ter bem claro em sua mente as possibilidades de crescimento daquela criança na fase

em que se encontra e nas condições ambientais em que vive. Por isso se faz tão necessário

para os professores o conhecimento sobre como se processa o desenvolvimento da criança

nas mais diversas áreas, entre elas, a cognitiva e a gráfica. Assim, compreender o

desenvolvimento infantil é a melhor maneira de programar o ensino e o currículo.

“Tanto o ritmo lento como o ritmo acelerado tem sido observados em estudos de

aprendizagem e em estudos culturais cruzados. O ritmo lento pode ser provocado por falta

de estimulação e o acelerado pode ser alcançado, dentro de certos limites, pelos métodos de

ensino que acompanham de perto o curso normal do desenvolvimento.” (Bovet, 1976,

P.277 in B. Wadsworth, 1989, P. 170 ) Vemos nessa citação de Bovet que a estimulação e o

conhecimento sobre o curso do desenvolvimento são aspectos de fundamental relevância

na aprendizagem. O professor deve estar atento para o modo como a criança raciocina e

também para o que Piaget chama de interesse espontâneo, que na realidade são formas da

criança sinalizar se está “pronta” para assimilar determinados conhecimentos. Essas duas

pistas para avaliarmos a prontidão, podem ser claramente percebidas nos desenhos desta

criança. O desenho nos dará dados sobre a fase de evolução cognitiva e sobre os interesses,

objetos ou eventos que esta criança possuiu no momento. A partir dessas informações o

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professor poderá organizar suas aulas, decidir as experiências que irão compor sua sala de

aula.

A seleção de experiências que irão constituir uma aula é muito importante porque é

através delas que as crianças irão construir seu conhecimento. Quando o conhecimento não

é adquirido podemos pensar que deve existir algum problema de motivação com o aluno

ou com algum componente do processo de comunicação.

Segundo Piaget as crianças se motivam a reestruturar seus conhecimentos quando se

deparam com experiências novas , contrárias ao que elas previam. Neste ponto se inicia um

processo importantíssimo na aprendizagem: o conflito cognitivo. Este constitui o que antes

vimos como desequilíbrio, que é o principal aspecto promocional na busca do

conhecimento e é ele que o professor deve trabalhar. Este deve desenvolver métodos que

provoquem o desequilíbrio e ao mesmo tempo permitam à criança buscar, por ela mesma, o

restabelecimento do equilíbrio. “...nosso ensino não só afeta o intelecto de maneira

adversa, deixando de nutri- lo como, o que é ainda mais grave, desdenha forças

motivacionais presentes em qualquer criança de cinco ou seis anos. Se deixar de lado a

força intelectual já é um desperdício, pior ainda é negligenciar ou rejeitar a motivação

construtiva que faz parte da personalidade infantil.” (H. Furth, 1986, P.22 )

A escola deve deixar de lado sua função reprodutora de conhecimentos livrescos e

enciclopédicos para ter uma nova função de construtora de conhecimentos, permitindo à

criança que descubra e se aproprie por ela mesma. A escola deve estimular o contato maior

com o ambiente, o desenvolvimento maior da percepção, pois segundo o clássico exemplo

de Lowenfeld, não basta a criança saber ler e escrever a palavra “coelho”, ela precisa senti-

lo, vê- lo, tocar em seu pêlo, descobrir seus hábitos, porque a criança pode agir sobre

palavras e imagens em pensamento, porém os conceitos que elas desenvolvem por meio

apenas da representação não serão tão completos como aquele derivados das ações diretas

sobre o objeto. As palavras, escritas ou faladas, não carregam o significado, este reside nos

esquemas que a criança possui, dos quais os conceitos serão formados e então associados

aos significantes (palavras). Portanto não será a capacidade da criança saber manipular os

vinte e três símbolos do alfabeto para formar uma determinada palavra que fará com que

ela compreenda o seu significado. Para tanto é necessário a interação dos símbolos com o

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“eu” da criança e com o seu meio. O pensamento mental depende de relações ricas e

variadas da criança com seu meio e a expressão criadora, como por exemplo o desenho,

estimulará o desenvolvimento de tais relações. Essas relações serão, portanto a base para a

aprendizagem e por isso devem ser enfatizadas a todo momento no ambiente escolar, deve

se explorar o desenvolvimento da sensibilidade perceptual, pois será através dos sentidos

que a criança poderá entrar em contato com seu meio. O melhor meio para a exploração dos

sentidos são as artes. “Quanto maior for a oportunidade para desenvolver uma crescente

sensibilidade e maior a conscientização de todos os sentidos, maior será também a

oportunidade de aprendizagem,” (V. Lowenfeld e W. Brittain, 1970, P.18)

Já foi demonstrado através de vários estudos que as crianças que encontram um

ambiente visual rico, com vários estímulos visuais (móbiles, brinquedos, cores,...)

desenvolvem-se mais rapidamente do que as crianças que não dispõem de nada

interessante para concentrar a atenção.” As crianças que vivem numa atmosfera de

esterilidade e privação parecem ficar muito para trás do desenvolvimento normal, em todas

as fases do seu crescimento. A interação da criança com seu meio é o elemento decisivo na

aprendizagem.” (Bronfenbrenner, 1968, P. 128 )

Hoje em dia há um profundo desprezo pelas experiências sensoriais. Nas escolas as

atividades artísticas raramente se dispõem a explorar seus materiais, tão ricos em cores,

texturas, formas. Geralmente os professores apresentam materiais já determinados para que

seus alunos executem uma tarefa que eles estabelecem, deixando de lado as inúmeras

possibilidades de exploração e de criatividade que cada criança poderia descobrir. Em casa

as crianças também não tem estas oportunidades pois os pais consideram mais fácil entreter

seus filhos com a televisão do que dar a eles materiais como tintas, papéis, canetinhas que

necessitam de uma supervisão para que não sejam mal utilizados, sujando a casa. Com a

televisão a criança recebe o imaginário contemporâneo a domicílio, ela conhece o mundo

através da TV. Com isso a experiência sensorial é deixada de lado e as artes têm o papel

fundamental de despertar nos indivíduos aquela sensibilidade criadora que torna a vida

mais rica e satisfatória. O desenho permite que a criança se aproprie dos conteúdos prontos

que ela recebe e os represente com novos significados, permite que ela use um pouco de

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seu próprio imaginário e o coloque em cena junto com elementos da realidade formando

suas próprias configurações gráficas.

O desenho também exerce importante função na formação de conceitos. A criança,

ao desenhar, percebe as diferenças e semelhanças, generaliza, abstrai, classifica. Ao

desenhar a percepção e o conceito se refazem e assim surgem novas configurações mentais

que facilitarão a assimilação. A atividade expressiva estimulará a criança a perceber melhor

o mundo circundante, de acordo com seu desejo no momento. A escola tem papel

fundamental na atividade criadora, visto que tal capacidade não se trata de um dom inato,

mas sim de uma potencialidade que todo ser humano possui. É importante que o professor

esteja participativo na atividade criadora, que transmita sugestões, aponte alternativas, dê

estímulo e valorize o produto final. Nunca deve ministrar a tarefa e propor simultaneamente

a solução, deve estimular o aluno em sua busca da expressão individual.

Segundo Piaget o desenvolvimento da inteligência é umas criação contínua. Cada

ato de construção de conhecimento é um ato criativo. A grande importância das atividades

expressivas é que a partir delas podemos estimular a criatividade que se encontra em íntima

relação com a capacidade de raciocínio e com o desenvolvimento de atitudes.

Em muitas propostas de trabalho, o fato de que ao ingressar na escola e tomar

contato com a alfabetização, o desenvolvimento gráfico infantil se inibe, ou seja, a criança

pára de desenhar. Com isso ele está deixando de lado sua forma própria de expressão para

seguir um padrão escolar imposto: a escrita convencional. Neste momento se dá uma

supervalorização de um ensino verbal, baseado em atividades intelectuais e abstratas em

detrimento da descoberta, do jogo, da criação e da busca. Tal fato encontra seu

determinante no próprio desejo dos pais, que valorizarão a escola que promova o mais

rapidamente possível a alfabetização, pois os pais também supervalorizam a aquisição da

língua escrita como se tal aquisição fosse mais importante que a ampliação das experiências

infantis que, é muito mais importante nesta fase do desenvolvimento. O traço, que era a

expressão do pensamento, não terá mais relação com ele neste momento. Por tudo isso

Piaget nos diz que quando estudamos o desenvolvimento cognitivo verificamos uma

evolução contínua, enquanto que no desenvolvimento gráfico temos a impressão de um

retardamento. Ele atribui esse fato a função da escola de impor conhecimentos elaborados

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ao invés de estimular a busca e o desenvolvimento do pensamento criativo. Com a

aprendizagem da escrita a descarga energética e expressiva que era canalizada para o

desenho se desvia para um controle motor mais rígido e regulado na utilização de um

mesmo instrumento (lápis, caneta). Com isso a manifestação gráfica do desenho fica de

lado.

O fato da alfabetização ocorrer é importantíssimo, mas o problema é o modo como

ela ocorre, pois ao invés de ser descoberta e apropriada pelo próprio desejo da criança, ela é

um instrumento de dominação onde o professor fala e o aluno só escuta e repete a fala do

professor quando solicitado. A escola deve dar a palavra à criança para que ela elabore e

expresse seus sentimentos e pensamentos, construindo seu próprio conhecimento e

utilizando tanto a nova linguagem, a escrita, como a linguagem gráfica com a qual possui

tanta intimidade e que tem um papel relevante na aquisição de conhecimentos.

“O ensino fundamentado na cópia inibe toda e qualquer manifestação expressiva e

original. A criança autorizada a agir dessa forma, certamente irá repetir fórmulas

conhecidas diante de qualquer problema ou situação que exige respostas. Ela, com todo seu

potencial aventureiro, deixa de se arriscar, de se projetar. Seu desenho enfraquece, tal como

o seu próprio ser.” (E. Derdyck, 1989, P.107)

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4.2 Importância da intervenção psicopedagógica

O processo de intervenção psicopedagógica é um processo de mudança, onde o

terapeuta agirá no sentido de oferecer ao sujeito melhores condições para sua interação com

o meio, através do trabalho com seus medos básicos que são mobilizados no seu contato

com objetos de aprendizagem. Neste trabalho é fundamental a observação de como a

criança aprende e perceber qual a origem de seu fracasso, e a partir disso buscar o motivo

pelo qual não aprende.

De acordo com Alicia Fernandes, devemos considerar o sujeito aprendente num

processo vincular com o ensinante, este processo coloca em relação quatro níveis que

articulados formam cada sujeito. O sujeito aprendente, portanto, é resultante de uma

articulação construtiva entre organismo, corpo, inteligência e a estrutura do desejo no

indivíduo incluído em um grupo familiar que dá sentido e funcionalidade a seu sistema, o

que ocorre também quando inserido no seu sistema educacional. Portanto, na avaliação de

um sintoma devemos saber que eles possuem em sua etiologia fatores internos do grupo

familiar e do sujeito em si mesmo, e os fatores de ordem educativa que muitas vezes deixa

de lado a capacidade intelectual e lúdica, a criatividade, a linguagem e a liberdade do

aprendente.

A aprendizagem é um processo essencial na vida do ser humano, pois é através dela

que este se constituirá como sujeito. Quando a criança nasce já possui a capacidade de

adquirir conhecimentos, estes serão transmitidos e reconstruídos em cada criança, o que

possibilita uma acumulação e transformação, cada vez maior, dos conhecimentos, de

geração para geração. Assim as constantes de nossa espécie são garantidas. Todo ser

humano possuirá estruturas gerais de elaboração cognitiva e semiótica que possibilitam a

integração do homem ao meio no qual vive. “Enquanto que , no animal, a semelhança de

um membro da espécie com seu progenitor está garantida por uma codificação genética, no

homem esta continuidade está garantida pela aprendizagem.” (A . Fernandes, 1990, P.51)

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A aprendizagem pode então, ser definida como um processo de adaptação ativa,

pelo qual o sujeito, frente a determinados estímulos de uma nova situação, irá incorporá- los

a esquemas de conduta que resultaram efeitos desejáveis em situações similares anteriores,

modificando tais esquemas, se necessário, para produzir uma resposta adequada àquela

situação. O desdobramento do processo de aprendizagem se dará através da articulação

inteligência – desejo e do equilíbrio assimilação- acomodação.

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4.2.1 Etapas da intervenção psicopedagógica

A intervenção psicopedagógica será indicada a um indivíduo quando seu modelo de

aprendizagem não é operativo, quando a criança renuncia ao aprender ou aprende

perturbadamente, atrapalhando sua construção do pensamento. Com a intervenção serão

usadas técnicas que facilitarão o sujeito a buscar um novo modelo de aprendizagem que

quando interiorizado o ajudará na sua aquisição de conhecimentos. Estas técnicas

permitirão que o sujeito adquira uma transferência positiva da aprendizagem, isto é, poderá

aplicar esquemas de conduta já adquiridos e pertinentes a situações novas, organizando

assim, esquemas cada vez mais complexos.

De acordo com M. E. Arzeno e A. G. Creapo, durante o tratamento

psicopedagógico observamos três momentos : aprendizagem lúdica, aprendizagem semi-

real e aprendizagem real.

A primeira etapa é chamada de lúdica pela presença predominante do jogo como

instrumento terapêutico. Através das atividades lúdicas, entre elas o desenho, o

psicopedagogo pode compreender muito sobre a criança. Observando seu processo de

construção de símbolos e sua maneira de lidar com os materiais apresentados poderá

analisar significações do aprender para a criança, compreender alguns de seus processos

que podem ter levado a dificuldades de aprendizagem, observar seus processos de

assimilação – acomodação, seus desequilíbrios e busca de equilíbrio, analisar sua

modalidade, seus medos e suas defesas, e tudo isso de forma lúdica o que favorecerá o

estabelecimento do vínculo com o terapeuta, já que este não a submeteu ao confronto direto

com os conteúdos sistemáticos que lhe causam tanto medo e ansiedade.

As atividades lúdicas também são atividades que possibilitam a aprendizagem, tanto

consciente, como o uso de materiais e o entendimento das regras de um jogo, como

inconsciente, que serão predominantes nessas atividades, já que o psicopedagogo estará

sempre buscando relações com conteúdos escolares sem provocar a ansiedade gerada por

tais tarefas. Para isso é fundamental que este profissional conheça profundamente o

programa escolar do cliente e desenvolva a capacidade criativa própria para integrá-lo

gradativamente nas atividades lúdicas.

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Depois de um vínculo terapêutico bem elaborado e da compreensão pelo sujeito de

que o jogo é uma atividade que permite a aprendizagem e portanto, o crescimento, uma

nova fase terá lugar no processo psicopedagógico, a aprendizagem semi-real.

Esta fase trará para a terapia o trabalho com atividades escolares que o sujeito

domina, isto é, que estão fora da área de conflito. Assim, apesar da mudança de um trabalho

predominantemente inconsciente na primeira etapa, para um consciente, ainda vemos o

princípio do prazer como determinante, já que o persecutório conflitante, ainda é deixado

de fora.

Neste momento o psicopedagogo assume um papel complementar do professor,

suprindo a criança com informações adicionais porém mantendo sua posição de terapeuta

que se difere, e muito, do agente escolar. Para o psicopedagogo o importante é estimular a

transferência de aprendizagem, a criança deve aprender a aprender, não deve ocupar seu

lugar passivo, numa comunicação unidirecional, deve buscar o conhecimento, desenvolver

formas novas e criativas de apropriar-se, trocar opiniões com o terapeuta e interagir o

máximo possível com o meio ambiente, achando suas próprias significações.

Com tudo isso a criança irá aos poucos percebendo que seus erros são aceitáveis e

constituem formas de crescimento e que existem outras exigências da realidade que devem

ser conhecidas, aí se inicia a última fase do processo , a da aprendizagem real. A criança

agora trará para a sessão aquilo que deseja aprender, não o que não sabe.

O psicopedagogo deve ter muito cuidado nesta nova etapa, onde o medo se

apresenta como dificuldade de aprender sem ajuda , o apoio deve estar sempre presente

como estímulo nessa busca ao que antes era portador de tanto medo e ansiedade. Devemos

estar sempre relembrando que o erro é fator sempre presente, sendo fundamental para

qualquer aprendizagem. Nesta etapa a meta será atingir um modelo de aprendizagem mais

independente, a criança deve desenvolver sua autoconfiança, perceber que pode pensar

sozinha.

Portanto, vemos em todo esse processo, a presença significativa de Piaget.

Constatamos que somente a com a possibilidade de crescer e de se reestruturar a todo

momento ela vai se desenvolvendo cognitivamente e aprendendo.

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O processo psicopedagógico passa necessariamente por uma fase lúdica, e estas

atividades estarão presentes em todo o processo, pois mesmo quando esta fase é

ultrapassada, a volta a ela se dá em vários momentos como uma alternativa para o

enfrentamento de tarefas que trazem uma carga conflitiva muito grande. Portanto o uso da

arte é fundamental em qualquer terapia, pois através dela a criança revela-se sem receios,

ela é mais do que um passatempo, é a organização do meio da forma como ela o vê, é a

seleção dos aspectos que são importantes para ela, com os quais ela se identifica, é um meio

de comunicação com os outros e com si mesma.

O desenho, por exemplo, pode favorecer muito o desenvolvimento emocional,

sendo uma preciosa fonte de descarga. Porém para isso, a criança deve ter uma profunda

identificação com sua obra, deve demonstrar um envolvimento real na tarefa. O

psicopedagogo deve estar atento para repetições estereotipadas que além de demonstrarem

um desajustamento emocional que protege contra exposições a um mundo de experiências,

indica o desenvolvimento de padrões rígidos de raciocínio. Esta falta de flexibilidade pode

ser a responsável por muitos problemas de aprendizagem como por exemplo a modalidade

hipoassimilativa em que “os esquemas do objeto permanecem empobrecidos, bem como a

capacidade de coordená- los. Isto resulta num déficit lúdico, e na disfunção do papel

antecipatório da imaginação criadora.”(Sara Pain,¸1992, P.47 ) O equilíbrio entre a

evolução intelectual e a criadora é muito importante. É muito comum uma supervalorização

das atividades intelectuais em detrimento da expressão criadora e então a motivação

adequada deve ser dada para a criança aprender a se expressar criativamente, o que lhe

possibilitará dar significação aos conhecimentos que lhe foram transmitidos. “Está bem

comprovado que as emoções, os sentimentos e as atitudes da criança podem afetar sua fase

de aprendizagem. A arte também pode, sem dúvida, oferecer grande estímulo na área da

evolução emocional. A oportunidade de se expressar, de modo socialmente aceitável, os

sentimentos de cólera, de medo e até de aversão, não só produz uma descarga de tensões

como também permite que a criança descubra que pode fazer uso construtivo de seu próprio

envolvimento emocional.”( V. Lowenfeld e W. Brittain, 1970, P. 210 )

O psicopedagogo que estiver alerta para os desenhos infantis poderá perceber se

determinada criança possui realmente um problema de aprendizagem ou simplesmente

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ainda não está pronta para aprender certos conteúdos. Uma criança que se encontre na fase

pré-esquemática por exemplo, não poderá aprender a ler ou raciocinar sobre as relações

lógicas dos números, apesar de poder reconhecer as palavras e números não pode

compreender seu significado. Neste momento podemos ver em seus desenhos uma

incapacidade clara de relacionar as coisas entre si no espaço, com isso sabemos que tal

criança não amadureceu ainda para cooperar socialmente, não possuindo aptidão para

relacionar letras, portanto não pode ainda aprender a ler. Tal capacidade só será adquirida

na fase esquemática. Quando a criança começa a introduzir a linha de base em seus

desenhos passa a perceber as relações lógicas entre os objetos em seu ambiente e ela

poderá começar a relacionar as letras entre si, neste momento um programa de leitura

poderá ser introduzido, antes disso a criança não estará preparada e isto poderá gerar

atitudes negativas em relação ao ato de ler e escrever, o que acarretará conseqüências

desastrosas.

O desenho é um instrumento fundamental na terapia, pois a criança nele se projeta,

seus traços revelam uma atividade profunda do inconsciente, exibindo disfarçadamente

uma realidade psíquica que não é acessível facilmente. O que a criança inclui em seus

desenhos é o reflexo direto de suas experiências, tanto externas como internas, subjetivas.

Assim o desenho irá registrando o “mapa da ampliação da consciência”(E. Derdyck, 1989)

pois a própria criança estará tomando contato com seus aspectos mais profundos.

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Conclusão

O trabalho foi desenvolvido com o objetivo de conhecer cada vez mais o processo

de desenvolvimento infantil, analisando formas de estimulá- lo e de acompanhá- lo.

Ao destacar os aspectos mais significativos do desenvolvimento cognitivo e gráfico,

esperamos ter deixado claro seus conceitos e suas fases. Tal conhecimento é fundamental

para todas as pessoas que lidam com crianças, buscando seu crescimento cognitivo e

emocional. Para que possamos intervir no dinamismo intelectual e afetivo de uma criança é

necessário o conhecimento profundo sobre seu desenvolvimento e sobre formas de

trabalhar tais aspectos, trazer conflitos a tona e analisar dificuldades.

Todo tipo de desenvolvimento necessita de um suporte tanto biológico como

emocional, portanto, aqueles que lidam com crianças devem saber como, quanto e quando

determinadas condutas devem ser esperadas e desenvolvidas. As atividades a serem

desenvolvidas devem ser bem escolhidas para que as crianças não se sintam incapazes de

desenvolvê- las e consigam dar significação e compreendê- las. Estas atividades devem

favorecer o crescimento, proporcionar conflitos e desejo da resolução dos mesmos.

A experiência artística deve ter seu lugar de destaque, pois como vimos ao longo do

trabalho, tal atividade fornece muitas oportunidades de crescimento, ajuda a criança a

desenvolver confiança e sensibilidade ao mundo que a cerca e tais fatos favorecem não só o

desenvolvimento gráfico como também o cognitivo. É importante que haja uma constância

dessas atividades, pois só assim as aquisições podem ser consolidadas.

A psicopedagogia, deve ter como principal objetivo ajudar a criança a recuperar o

prazer de aprender e a perceber a funcionalidade e a significação dos conteúdos escolares,

importando também aprender a aprender e o desenvolvimento da autoconfiança, segurança

e autonomia.

Esperamos que este trabalho tenha demonstrado a importância do desenvolvimento

criativo nas crianças, pois estas, como ser em formação, precisam desenvolver uma postura

criativa para desenvolverem-se plenamente. Na busca do conhecimento encontramos a

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necessidade humana de criar e é somente com essa capacidade que a criança irá buscar,

descobrir e apropriar-se dos conhecimentos por si só.

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BIBLIOGRAFIA

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

1.1 - Principais conceitos

1.2 - Os estágios do desenvolvimento cognitivo

CAPÍTULO II

O DESENVOLVIMENTO GRÁFICO

2.1 - Principais Conceitos

2.2 - Fases do desenho infantil

2.2.1 - Fase das garatujas

2.2.2 - Fase pré-esquemática

2.2.3 - Fase esquemática

2.2.4- Fase do realismo

2.2.5 - Fase do raciocínio ou pseudonaturalismo

2.2.6 - Fase da decisão

CAPÍTULO III

RELAÇÕES MÚTUAS ENTRE O DESENVOLVIMENTO

COGNITIVO E O DESENHO

3.1 - Como o desenho pode revelar o desenvolvimento cognitivo

3.2 - Relações entre as fases de desenvolvimento cognitivo e as

fases do desenho

CAPÍTULO IV

A IMPORTÂNCIA DO DESENHO E DO DESENVOLVIMENTO

COGNITIVO PARA PROFESSORES E PSICOPEDAGOGOS

4.1 - A importância da escolarização

4.2 - Importância da intervenção psicopedagógica

4.2.1 As etapas da intervenção psicopedagógica

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CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

CURSO: PSICOPEDAGOGIA

Título do trabalho: O conhecimento cognitivo e o desenho

Autor: Maria lucia Teixeira da Silva

Orientadora: Fabiane Muniz

Data da entrega: 04 de abril de 2005

Avaliado por: _______________________________ Grau:____________________

Rio de Janeiro, ___________ de __________________ de 2005