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10 MÓDULO NEUROPSICOLOGIA E ENVELHECIMENTO Coordenação – Professora Helenice Charchat Fichman Ementa Esta disciplina apresenta de forma abrangente – e ilustra- da com casos clínicos – o funcionamento cognitivo do processo de envelhecimento. Para tal, inicia-se com uma breve revisão da história da Neuropsicologia, com destaque para as correntes holísticas e localizacio- nistas. São trabalhados conceitos básicos, substrato anatômico, principais disfunções no envelhecimento normal, síndromes demenciais da memó- ria, atenção e funções executivas. O módulo trata ainda de baterias como Miniexame do Estado Mental, Desenho do Relógio, Teste de Fluên- cia Verbal, Teste Breve de Memória de Figuras e algumas escalas para avaliar depressão e demência. O módulo mostra como é realizada uma avaliação neuropsicológica compreensiva e examina os princípios básicos da reabilitação neuropsicológica. Conteúdo programático e docentes Introdução à Neuropsicologia e organização funcional do cérebro Rosinda Oliveira. Psicóloga, professora e coordenadora do Curso de Psicologia da Unesa, doutora pela Universidade de Oxford, Inglaterra. Funções cognitivas: atenção e memória Helenice Charchat Fichman. Psicóloga, professora e coordenadora do Serviço de Psicologia Aplicada do Curso de Psicologia da Unesa, doutora pela Universidade de São Paulo. Funções executivas Rosinda Oliveira. Baterias breves para avaliação cognitiva no diagnóstico diferencial

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10MÓDULO

NEUROPSICOLOGIA E ENVELHECIMENTOCoordenação – Professora Helenice Charchat Fichman

EmentaEsta disciplina apresenta de forma abrangente – e ilustra-

da com casos clínicos – o funcionamento cognitivo do processo deenvelhecimento. Para tal, inicia-se com uma breve revisão da história daNeuropsicologia, com destaque para as correntes holísticas e localizacio-nistas. São trabalhados conceitos básicos, substrato anatômico, principaisdisfunções no envelhecimento normal, síndromes demenciais da memó-ria, atenção e funções executivas. O módulo trata ainda de bateriascomo Miniexame do Estado Mental, Desenho do Relógio, Teste de Fluên-cia Verbal, Teste Breve de Memória de Figuras e algumas escalas paraavaliar depressão e demência. O módulo mostra como é realizada umaavaliação neuropsicológica compreensiva e examina os princípios básicosda reabilitação neuropsicológica.

Conteúdo programático e docentesIntrodução à Neuropsicologia e organização funcional do cérebro

– Rosinda Oliveira. Psicóloga, professora e coordenadora do Curso dePsicologia da Unesa, doutora pela Universidade de Oxford, Inglaterra.

Funções cognitivas: atenção e memória – Helenice CharchatFichman. Psicóloga, professora e coordenadora do Serviço de PsicologiaAplicada do Curso de Psicologia da Unesa, doutora pela Universidadede São Paulo.

Funções executivas – Rosinda Oliveira.

Baterias breves para avaliação cognitiva no diagnóstico diferencial

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de demência e depressão – Ana Claudia Becattini de Oliveira. Médicageriatra, doutora pelo Departamento de Geriatria da Faculdade deMedicina da USP.

Avaliação e reabilitação neuropsicológica – Helenice Charchat Fichman.

Ementas Introdução à Neuropsicologia e organização funcional do cérebro

– Rosinda OliveiraA história da Neuropsicologia perpassa mudanças na relação men-

te–corpo, da Antigüidade aos dias atuais, com visões localizacionistas eholísticas, até finalmente a integração destas concepções. Atualmente,operações elementares são localizáveis e funções complexas exigem aparticipação de várias regiões do cérebro.

Funções cognitivas: atenção e memória – Helenice CharchatFichman

A atenção envolve processos conscientes, com esforço intencionale direcionado, e pré-conscientes, com pouco ou nenhum esforço inten-cional. As funções da atenção são: a) seletiva e dividida e; b) sondageme vigilância. A memória envolve três estágios de processamento das infor-mações: codificação, armazenamento e evocação. Os sistemas de memó-ria podem ser conscientes, e compreendem estruturas cerebrais do lobopré-frontal e temporal, e pré-consciente, com estruturas neocorticais,cerebelares e estriatais.

Funções executivas – Rosinda OliveiraAs funções executivas são responsáveis pela capacidade de inicia-

ção, organização e monitorização dos comportamentos complexos eseqüenciais, além de gerenciar funções cognitivas e comparar informa-ções do ambiente externo com aquelas armazenadas nos sistemas dememória. As áreas cerebrais envolvidas nestas funções cognitivas são asestruturas laterais dos lobos pré-frontais.

Baterias breves para avaliação cognitiva no diagnóstico diferencialde demência e depressão – Ana Claudia Becattini de Oliveira

Alguns instrumentos de rastreio são usualmente utilizados na prá-tica clínica da Geriatria e Gerontologia para investigar o funcionamento

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cognitivo no processo de envelhecimento, entre eles, o Miniexame doEstado Mental, Desenho do Relógio e Teste de Fluência Verbal.

Avaliação e reabilitação neuropsicológica – Helenice CharchatFichman

A avaliação neuropsicológica objetiva auxiliar no diagnóstico dedoenças neurológicas baseado em seus perfis cognitivos, avaliar disfunçõescognitivas, efeito de tratamento e orientar um programa de reabilitaçãocognitiva. A reabilitação cognitiva se fundamenta nos princípios da recu-peração e compensação das funções neuropsicológicas com o objetivo dehabilitar o paciente a funcionar o mais adequado possível em seuambiente.

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A Neuropsicologia tem como principais campos de inte-resse o funcionamento mental normal e as relações entre mente e cé-rebro. O primeiro se apóia na idéia de que o modo como o funciona-mento mental se altera mediante uma lesão cerebral informa sobre comoeste se dá na normalidade. Esta vertente – Neuropsicologia Cognitiva –tem raízes na Psicologia e contribuído de modo considerável para oentendimento dos processos cognitivos. O outro campo de interesse daNeuropsicologia – as relações entre mente e cérebro –, por sua vez, tembases na Neurologia Comportamental.

No que se refere ao estudo da relação entre mente e cérebro,observa-se uma alternância entre localizacionismo – localização de fun-ções mentais específicas em áreas circunscritas do cérebro – e holismo– cada função mental tem o cérebro, como um todo, por substrato.

Na Grécia Clássica, Aristóteles e, bem depois, Descartes especula-vam serem os ventrículos cerebrais sede de funções cognitivas específicas(Walsh, 1994; Lent, 2002). Nos séculos XVIII e XIX, os frenologistas,liderados por Gall, localizaram mais de 35 funções, como o amor mater-no e a generosidade. Diferente do conhecimento especulativo que an-tecedeu seus estudos, os frenologistas baseavam sua teoria na observação(Lent, 2002).

O localizacionismo estrito dos frenologistas foi submetido ao testeexperimental ainda no século XIX, por diversos pesquisadores, entre eles,Pierre Flourens. Partes do cérebro de animais eram removidas e seu com-portamento observado, a fim de determinar as contribuições específicas decada área. Os resultados desses experimentos levaram à conclusão de queas diferentes regiões estudadas estavam envolvidas indiscriminadamente namediação de toda e qualquer função mental (Walsh, 1994).

AULA 1

INTRODUÇÃO À NEUROPSICOLOGIA EORGANIZAÇÃO FUNCIONAL DO CÉREBRORosinda Oliveira

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Esta visão holística do cérebro prevaleceu até meados do séculoXIX, quando Broca e Wernicke apontaram duas regiões do cérebroresponsáveis, respectivamente, pela produção e compreensão de fala,como resultado de seus estudos do comportamento e do cérebro depacientes neurológicos. As descobertas de Broca e Wernicke inaugura-ram a retomada de uma perspectiva localizacionista que se desenvolveuao longo dos séculos XIX e XX e se mantém até hoje. Neste localizacio-nismo moderno e atual, funções elementares são localizáveis em áreasdelimitadas do cérebro, enquanto que funções complexas são possibili-tadas por conjuntos de áreas cerebrais, e cada uma contribui de ummodo específico (Luria, 1966; 1973).

Para fins didáticos, é possível identificar no cérebro, e mais espe-cificamente no córtex cerebral, áreas primárias, secundárias e terciárias.As áreas primárias recebem informações provenientes dos receptoressensoriais periféricos – áreas sensoriais primárias –, e enviam comandosmotores para os músculos – área motora primária. As áreas secundárias,por sua vez, são sítios de integração de informação: a) as áreas sensoriaissecundárias recebem informações das áreas sensoriais primárias e as in-tegram em informações mais complexas – perceptos, dentro de umamesma modalidade sensorial, b) as áreas motoras secundárias – pré-motora e motora suplementar – são responsáveis pela preparação deprogramas motores complexos que serão implementados pela área motoraprimária. As áreas terciárias também são áreas de associação, mas, dife-rentemente das áreas secundárias, integram informações de várias mo-dalidades sensoriais, além de informações motoras, e estão envolvidas emfunções mais complexas como memória, atenção, raciocínio e lingua-gem.

As áreas sensoriais primárias recebem as informações analisadas,fragmentadas, pelos receptores periféricos e assim as conserva; a integraçãosó será feita nas áreas secundárias. Assim, uma imagem é analisada naretina em componentes como cores e segmentos de linhas e, codificadasdeste modo fragmentado, chega à área visual primária – área 17 deBrodmann, lobo occipital. A reconstrução destes componentes na ima-gem original só será feita nas áreas visuais secundárias. O mesmo se passapara as informações somato-sensoriais, que mantêm, na área somato-sensorial primária – áreas 1, 2 e 3 de Brodmann, lobo parietal –, acodificação segmentada do estímulo feita pelos receptores periféricosem pressão, dor, temperatura, etc.; assim como para as informações

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auditivas, que chegam à área auditiva primária – área 41 de Brodmann,lobo temporal –, analisadas em freqüência e intensidade. Na área motoraprimária – área 4 de Brodmann, lobo frontal – os movimentos são codi-ficados em termos da intensidade das contrações de conjuntos específi-cos de fibras musculares (Lent, 2002).

Em cada um dos hemisférios cerebrais existe uma área sensorialprimária para cada modalidade sensorial – visual, área auditiva, somato-sensorial –, assim como uma área motora primária, que executaprocessamento elementar da informação. A correspondência entre estasáreas primárias e os receptores ou executores periféricos é cruzada. Istoé, a área somato-sensorial primária no hemisfério esquerdo recebe infor-mação da metade direita do corpo, enquanto que aquela no hemisfériodireito recebe informação da metade esquerda. O mesmo se aplica àrelação entre as áreas auditivas primárias de cada hemisfério e os doisouvidos, assim como àquela entre os hemicampos visuais e as áreas visuaisprimárias (Lent, 2002).

As áreas sensoriais primárias têm organização topológica que guar-da correspondência direta com a superfície sensorial da qual recebeminformação. Assim, na área somato-sensorial primária existe um mapa detoda a superfície do corpo no qual existem receptores sensoriais – depressão, dor, temperatura, etc. –, organização somatotópica. O mesmo seaplica à área visual primária, na qual existe um mapa da retina – orga-nização retinotópica. A área auditiva primária tem uma organizaçãotonotópica, isto é, grupos específicos de neurônios respondem a ondassonoras de bandas de freqüência específicas. Do mesmo modo, a áreamotora primária apresenta organização somatotópica (Lent, 2002).

As informações, analisadas pelos receptores sensoriais, se mantêmcodificadas de modo segmentado nas áreas sensoriais primárias. Essassensações são integradas em percepções nas áreas sensoriais secundáriasespecíficas para cada uma das modalidades sensoriais. Assim, um estímu-lo visual que chegue à área visual primária segmentado em cores, linhase contrastes, será integrado em uma imagem visual nas áreas visuaissecundárias – áreas 18 e 19 de Brodmann, lobo occipital – e áreas 20,21 e 37 de Brodmann, lobo temporal. Enquanto uma lesão na área visualprimária pode acarretar perda de acuidade visual, um dano em umaárea visual secundária resultará em agnosia, isto é dificuldade de percep-ção visual. O indivíduo será capaz de ver, mas não de integrar o que vêem um percepto. Raciocínio semelhante se aplica às áreas secundárias

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auditivas – área 22 de Brodmann, lobo temporal –, onde os sons elemen-tares são integrados em perceptos auditivos, e às áreas somato-sensoriaissecundárias – área 5 e parte da área 7 de Brodmann, lobo parietal –onde as sensações daquela modalidade são integradas em representa-ções táteis (Lent, 2002).

Na área motora secundária – área pré-motora, 6 e 44 de Brodmann,no lobo frontal – são preparados os programas motores que serãoimplementados por meio da área motora primária. Enquanto que umalesão na área motora primária resulta em dificuldades de executar mo-vimentos, um dano na área secundária implica em dificuldades de exe-cutar seqüências complexas de movimentos, isto é, ações motoras (Lent,2002).

Enquanto as áreas primárias são funcionalmente redundantes nosdois hemisférios cerebrais, as áreas secundárias apresentam especializa-ção funcional em cada um dos hemisférios cerebrais, com aquelas dohemisfério esquerdo voltadas para o processamento de informação lin-güística, enquanto as do hemisfério direito são especializadas noprocessamento de informação visuo-espacial. O mesmo se aplica para asáreas terciárias de associação.

As informações integradas nas áreas sensoriais secundárias são sub-metidas a processamento mais elaborado nos campos terciários de asso-ciação. Estes, diferentemente dos setores primários e secundários, sãoáreas de convergência polimodal, isto é, processam informações das di-ferentes modalidades sensoriais, além de informações motoras. Sãoidentificadas três principais áreas terciárias: área pré-frontal – 10 e 46 deBrodmann, lobos frontais –, área de associação posterior – 7, 39 e 40 deBrodmann, córtex temporo-parieto-occipital –, e áreas límbicas de asso-ciação – 11 e 25 de Brodmann, no lobo frontal, 23 e 24 no giro cinguladoe 7, 38, 39 e 40, no lobo temporal (Lent, 2002).

A área pré-frontal constitui o substrato neural do executivo centrale dos processos atencionais controlados. Lesões nesta região não compro-metem especificamente uma modalidade sensorial ou o movimento, masafetam a organização do comportamento – planejamento e monitorização– a partir de planos e intenções (Goldberg, 2002).

A área de associação posterior está envolvida nos processosatencionais automáticos e na integração de informação visuo-espacial.Lesões nesta região ocasionam comprometimento dos processosatencionais de sondagem e vigilância (Posner & Petersen, 1990; Mesulan,

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2000), além de alterações de imagem corporal. As áreas límbicas deassociação constituem substrato para os sistemas de memória e para ocomportamento emocional (Squire, 1996).

Referências bibliográficas

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1994.

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ATENÇÃOA atenção é a relação entre o processamento limitado de

informações controladas cognitivamente e o montante disponível noambiente externo capturado pelos sistemas sensoriais, memórias já arma-zenadas e pensamentos (Sternberg, 2000). A atenção abrange toda ainformação que o indivíduo está manipulando, enquanto a consciênciacompreende apenas a porção mais restrita da atenção na qual o indiví-duo consegue descrever o conteúdo manipulado. O conhecimento cons-ciente possibilita monitorizar as interações com o ambiente, relacionar asnossas experiências passadas e presentes, e assim planejar e controlarexperiências futuras. A atenção, neste sentido, inclui processos conscien-tes e pré-conscientes (Sternberg, 2000).

Os processos pré-conscientes são manipulações de informações queno momento não envolvem os processos conscientes, ou seja, a capaci-dade de descrever os fenômenos atentivos. Muitos dos processos pré-conscientes podem ser acessíveis à consciência quando desejável. O efei-to de pré-ativação – priming –, habituação e processos automáticos –condicionamentos – são formas de processar informações de maneirapré-consciente (Sternberg, 2000).

O efeito de pré-ativação, também conhecido como efeito de priming,consiste na maior capacidade de o indivíduo detectar um dado estímuloao qual foi exposto previamente de forma não consciente. As chances dedetectar o estímulo são superiores ao acaso (Posner & Dehaene, 1994;Sternberg, 2000).

A habituação ocorre quando, após a repetição continuada de umdado estímulo, a sua percepção consciente é gradualmente diminuída.A desabituação, ao contrário, possibilita o acesso consciente a este es-

AULA 2

FUNÇÕES COGNITIVAS: ATENÇÃO EMEMÓRIAHelenice Charchat Fichman

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tímulo em decorrência de mudanças no ambiente. Estes processos nãoestão associados diretamente à intensidade do estímulo e sim à quanti-dade, duração e caráter recente da exposição. A habituação se diferen-cia da adaptação sensorial porque a última não envolve um fenômenoatentivo e sim dependente da fisiologia dos receptores sensoriais. Nocaso da adaptação, o controle é inacessível à consciência e está intima-mente associado à intensidade do estímulo exposto (Posner & Dehaene,1994; Sternberg, 2000).

Os processos automáticos, ao contrário dos processos controlados,são realizados com pouco ou nenhum conhecimento consciente ou es-forço intencional, embora em algumas situações possam ser acessíveis àconsciência. Os comportamentos complexos são realizados em paralelo –várias operações simultaneamente –, e são relativamente rápidos. Osprocessos automáticos são gerados mediante a prática exaustiva dos pro-cessos controlados que, por sua vez, são mediados inteiramente por pro-cessos conscientes e realizados seqüencialmente, de forma lenta e pre-cisa. Quando mais recente for o processo de automatização, maior é apossibilidade de acessar esta aprendizagem de forma consciente (Logan,1988; Sternberg, 2000). Os condicionamentos clássicos e operantes ad-quiridos ao longo da história de vida são exemplos típicos de processosautomáticos. Por exemplo, dirigir um carro, amarrar os sapatos, tomarbanho.

O sistema atentivo pode ser subdividido em quatro funções queintegram processos conscientes e pré-conscientes. Estas funções são de-nominadas: a) atenção seletiva; b) atenção dividida; c) sondagem; d)vigilância (Sternberg, 2000). A atenção seletiva consiste na focalizaçãode forma voluntária a estímulos relevantes no ambiente e habituação ouinibição de estímulos irrelevantes para dada situação. A atenção divididaconsiste na capacidade de realizar duas ou mais tarefas simultaneamen-te, com distribuição dos recursos atencionais conforme a demanda datarefa. A sondagem é a capacidade de realizar uma busca ativa a umestímulo alvo. A vigilância ou detecção de sinal é a capacidade de per-ceber rapidamente um estímulo de interesse em condições de esperaem estado de alerta (Posner & Dehaene, 1994; Sternberg, 2000;Mesulan,2000).

Um exemplo que ilustra a interface entre estas quatro funções daatenção pode ser descrito em uma situação de festa. Maria focaliza suaatenção na conversa com João e inibe a conversa das outras pessoas e a

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música alta – atenção seletiva. O DJ troca os CDs e dança simultanea-mente – atenção dividida. Teresa conheceu um garoto na internet quecombinou de ir à festa com camisa vermelha; fica sentada no bar atentaa qualquer garoto que passa com camisa vermelha – vigilância. Marta estáem busca do garoto que gosta; anda pela festa e procura ativamente ogaroto – sondagem. Os sistemas cerebrais envolvidos tanto na atençãoseletiva como na dividida são estruturas pré-frontais, enquanto as envol-vidas com a sondagem e vigilância são as estruturas parieto-occipitais(Posner & Petersen, 1990; Mesulan, 2000).

MEMÓRIAMemória, enquanto um constructo cognitivo, envolve o processo

de aprendizagem de informações novas, seu armazenamento e disponi-bilidade de acesso a essas informações (Sternberg, 2000). A PsicologiaCognitiva demonstra que os processos de memória podem ser subdividi-dos em três operações básicas: codificação – entrada –, armazenamento– manutenção –, e evocação – acesso e produção –; e cada uma repre-senta um estágio no processamento da memória. Estes estágios não sãomeramente seqüenciais e sim interagem reciprocamente e são inter-dependentes (Sternberg, 2000).

A codificação é o processo pelo qual uma entrada sensorial físicaé transformada em uma representação que pode ser armazenada namemória. Existem três formas principais de codificação utilizadas pelosseres humanos: a) visuo-espacial – imagens, formatos, cores, posição noespaço; b) acústica – rima, som, ritmo, música, repetição; c) semântica– rede de significado, associações com material já armazenado na memó-ria de longo prazo, associação de idéias.

A codificação semântica tem sido descrita como a mais eficientepara os seres humanos. A combinação das três formas de codificação émais utilizada e demonstra melhor capacidade de armazenamento queo uso isolado de uma das formas. Existem estratégias mnemônicas quefacilitam a codificação de novas informações, entre elas, a organização eagrupamento do material – organizar itens em categorias – e construçãode imagens interativas – criar imagens que associem os itens em umaconfiguração única (Sternberg, 2000).

O armazenamento é a passagem da informação codificada para suamanutenção na memória. A consolidação consiste no processo deintegração desta informação nova com as já armazenadas na memória de

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longo prazo. Existem três níveis de armazenamento: a) sensorial; b)curto prazo; c) longo prazo. No sensorial é registrada grande quantidadede informação, por um período de milésimos de segundos, é pré-cons-ciente. No de curto prazo são guardadas em torno de sete informaçõessimultaneamente, por um período de até aproximadamente um minu-to. No de longo prazo é armazenada uma quantidade limitada de infor-mações ao longo da história de vida.

O sistema de memória de longo prazo pode ser dividido emanterógrada – informações recentes associadas ao cotidiano – e retrógra-da – informações mais antigas que podem ser armazenadas por semanas,meses, anos. O sistema de memória de longo prazo pode ser dividido emsistema explícito – processa informações de forma consciente, intencio-nal – e implícito – processa informações de forma pré-consciente. Aseleção de informações que será armazenada e a que será perdida de-pende da sua relevância e de seu conteúdo emocional (Squire, 1986;Sternberg, 2000).

O processo de evocação envolve o acesso à informação já armaze-nada e sua produção. A evocação ou recuperação pode ser espontânea– livre –, ou seja, desprovida de pistas e baseada no reconhecimento queenvolve escolha dos itens armazenados entre itens distratores – não ar-mazenados. As pistas associadas ao processo de codificação e o efeito decontexto auxiliam significativamente a evocação de informações. Outrosaspectos relevantes no que se refere à evocação são os efeitos de recência– recordar os últimos itens de uma lista seriada – ou efeito de primazia– recordar os primeiros itens de uma lista seriada (Markowitsch, 2000;Sternberg, 2000).

A Neuropsicologia Cognitiva demonstra pelos estudos de dissociaçãoque a memória não é um sistema único e sim se subdivide em diferentesestruturas baseadas nos substratos neuroanatômicos envolvidos (Squire,1986; Squire, 1996). A primeira grande divisão envolve o processo dearmazenamento: memória de curto prazo e longo prazo. A segundagrande divisão envolve o sistema de memória de longo prazo que sesubdivide em explícito – informações conscientes – e implícito – infor-mações pré-conscientes (Squire, 1986). O sistema explícito se divide emmemória episódica e semântica (Tulving, 1995).

A memória episódica consiste na recordação de fatos e eventoscircunscritos no tempo e espaço. Quando o tempo é recente – minutos,horas, dias –, é denominado de anterógrado. Quando o tempo é mais

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antigo, é denominado retrógrado (Tulving, 1995). Memória semânticaenvolve a formação de conceitos sobre objetos, pessoas, adquiridos ao longoda história de vida, não são localizáveis no tempo e espaço (Tulving, 1995).

Referências bibliográficas

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A Psicologia Cognitiva concebe a mente humana comoum processador de informação (Gardner, 1985). Shiffrin & Schneider(1977) e Norman & Shallice (1986) observaram dois modos básicos deprocessamento: controlado e automático. Os processos automáticos sãorecrutados em situações para as quais o indivíduo dispõe de respostasarmazenadas na memória de longo prazo ou que dependem de carac-terísticas intrínsecas da mente.

No entanto, existem situações novas para as quais o repertório derespostas armazenadas não é adequado, o que torna necessária a criaçãode respostas originais, sob o controle da vontade – processos controlados.Estes últimos são implementados pelo Executivo Central (Baddeley &Hitch, 1974; Baddeley, 1980) ou, na terminologia de Norman e Shallice(1986), pelo Sistema Atencional Supervisor.

Um exemplo será de auxílio para a compreensão da diferençaentre processos automáticos e controlados. Para um motorista experien-te, o comportamento complexo de dirigir é quase que inteiramenteautomático. Durante sua aquisição, foram construídos esquemas motorese cognitivos que dão conta do comportamento. Pode-se conceber um es-quema para mudar de marcha que envolva pisar na embreagem, soltar oacelerador e mexer na alavanca de mudança, um outro esquema para frearque implique em retirar o pé do acelerador e pressionar o freio ao mesmotempo em que se pressiona a embreagem, e assim por diante.

Estes esquemas são acionáveis por estímulos determinados durantea aquisição do comportamento. Por exemplo, o esquema de mudançade marcha poderá ser disparado por mudanças no barulho do motor.Uma vez armazenados na memória de longo prazo, esses esquemas sãoselecionados automaticamente. Durante a aquisição do comportamento de

AULA 3

FUNÇÕES EXECUTIVASRosinda Oliveira

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dirigir, no entanto, o indivíduo ainda não dispõe de esquemas e o compor-tamento é executado de modo controlado, pelo Executivo Central.

A cada momento é necessário analisar a situação, determinar ocomportamento necessário, planejar um modo de executá-lo, monitorizarsua execução e fazer os ajustes que se tornem necessários. Assim, duran-te a aprendizagem, o comportamento de dirigir é implementado pormeio de processos controlados, o que requer a participação do ExecutivoCentral.

Em síntese, as funções do Executivo Central – funções executivas– compreendem análise, planejamento e monitorização, com o objetivode organizar comportamentos complexos, a partir das intenções do in-divíduo (Shallice, 1988).

O Executivo Central é um componente da memória de trabalho.Para Baddley e Hitch (1974), a memória de curto prazo não funcionaapenas como um armazenador temporário, mas também como um lugaronde se opera com a informação. Esta memória de trabalho é compostapor subsistemas de armazenagem – alça fonológica e rascunho visuo-espacial – e por um Executivo Central que gerencia suas operações.

O funcionamento da memória de trabalho pode ser compreendi-do por meio de um exemplo. Diante de um problema de Aritmética, oindivíduo deve manter o enunciado armazenado na alça fonológica portempo suficiente para processá-lo. A compreensão do enunciado requero recrutamento do processador especializado em linguagem que con-tém o conhecimento relativo à fonologia, sintaxe e semântica. A seguir,será necessária a construção de uma representação do problema, queconduzirá o indivíduo à seleção de algoritmos matemáticos apropriados,disponíveis na memória de longo-prazo.

Finalmente, o indivíduo executará os algoritmos e irá monitorizareste processo, a fim de chegar ao objetivo, que é a solução do problema.Todo este processo é gerenciado pelo Executivo Central, desde a ativa-ção de mecanismos de repetição subvocal – que garantem a manutençãodo enunciado na memória de trabalho –, o recrutamento do processadorde linguagem, a busca e seleção dos algoritmos adequados na memóriade longo prazo, sua execução e monitorização, até ao recrutamento domódulo de linguagem para a emissão da resposta.

O substrato neural do Executivo Central são as convexidades dasregiões pré-frontais dos lobos frontais do cérebro. Lesões ou disfunçõesnesta região resultam em perturbação das funções executivas, e afetam

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secundariamente todos os processos cognitivos (Norman e Shallice, 1986;Baddeley, 1980; Goldberg, 2000).

No que se refere à atenção, lesões pré-frontais deixam intactos osmecanismos atencionais automáticos, mas se observa dificuldade de modu-lação desses mecanismos pela vontade. Um paciente, em seu leito, se voltarápara olhar na direção de um grande estrondo – mecanismo atencionalautomático – causado por um funcionário que deixou cair uma pilha debandejas, mas apresentará uma inércia muito acima do normal para se voltare responder voluntariamente às perguntas do médico.

Em relação à linguagem, a articulação, a sintaxe e até muitos as-pectos da semântica se encontram preservados. No entanto, o discursose apresenta desorganizado em função da dificuldade do paciente mantê-lo orientado por sua intenção. A lógica que rege a seleção do tema, dassentenças e das palavras é aquela da pregnância dos estímulos que oatingirão durante a produção do discurso.

Os processos de pensamento também se apresentam afetados. Diantede um problema de Aritmética, por exemplo, o paciente tem dificuldadepara estabelecer um algoritmo adequado para solucioná-lo ou até consegueconstruir o início de um algoritmo, mas pode abortar a solução no primeirocálculo que faz, e deixar de executar os passos seguintes, porque não écapaz de monitorizar adequadamente seu comportamento.

As ações motoras também se apresentam mais dependentes dosefeitos do ambiente e da história das aprendizagens do que das inten-ções do paciente. Por exemplo, o paciente levanta de sua cama para iraté à janela. No caminho passa pela porta do quarto e simplesmente aabre e sai. Portas servem para serem abertas ou fechadas e se passaratravés delas, e esta ação superaprendida se impõe em detrimento dadecisão voluntária de ir até à janela para olhar o movimento na rua.

Na avaliação neuropsicológica são utilizados métodos formais parao exame das funções executivas. Testes como o Desenho do Relógio,Cópia da Figura Complexa de Rey, cubos e labirintos do WISC ou WAIS,são muito sensíveis a dificuldades de planejamento e monitorização,características de disfunção executiva. O Paradigma de Stroop avalia acapacidade de inibição de respostas automáticas irrelevantes em favor derespostas controladas. O Teste de Fluência Verbal permite observar omodo como é feito o acesso à memória semântica, isto é, se são ou nãoutilizadas estratégias. O Teste das Trilhas avalia a flexibilidade atencionale a monitorização do comportamento. Testes como Aritmética e dígitos

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em ordem inversa das baterias WISC e WAIS permitem acessar a capa-cidade de operação na memória de trabalho, influenciada diretamentepela integridade do Executivo Central (Spreen e Strauss, 1988).

Comprometimentos das funções executivas podem decorrer delesões pré-frontais de diferentes etiologias, como traumatismos cranianose acidentes vasculares, assim como de alterações funcionais, como obser-vado no Transtorno do Déficit de Atenção. No que se refere às demên-cias, a observação de disfunção executiva em diferentes momentos daevolução da doença pode ser auxílio no estabelecimento de hipótesediagnóstica. Enquanto nas chamadas demências frontais a disfunçãoexecutiva se apresenta como um dos sintomas mais marcantes no inícioda doença, em Demência de Alzheimer, em geral, a disfunção executivase soma a um já avançado comprometimento de memória episódica, emum segundo momento da evolução.

Referências bibliográficas

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SPREEN, O; STRAUSS, E. Compendium of neuropsychological tests, administration, norms andcommentary. Oxford: Oxford University Press, 1998.

238 MÓDULO 10

IntroduçãoA abordagem do paciente idoso pode incluir a aplicação

de instrumentos de avaliação que não substituem os critérios do ManualDiagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), mas auxiliamno diagnóstico de depressão e de demência. Estes instrumentos po-dem ser divididos em semi-estruturados, como a Escala de MontgomeryAsberg para Depressão, e estruturados, como a Escala de Depressãoem Geriatria.

Os instrumentos semi-estruturados são aplicados por profissionaisde Saúde previamente treinados e se baseiam em observação e entrevistacom o paciente. O resultado deste tipo de instrumento está sujeito àexperiência e habilidade na interpretação do profissional responsável.Os instrumentos estruturados, ao contrário, são facilmente aplicáveis,não requerem tanto treinamento e seus resultados não são tão influenciadospela habilidade do profissional. Estes instrumentos consistem em questioná-rios ou tarefas simples que geralmente são rapidamente aplicados.

DepressãoOs transtornos depressivos constituem um grupo de entidades

distintas ou síndromes independentes que se apresentam com o humordeprimido. Nos idosos, os transtornos depressivos são comumente atribu-ídos às perdas das funções físicas e mentais que acompanham o processode envelhecimento. Entretanto, esta percepção tem pouco valor e éimportante diagnosticar o transtorno depressivo precocemente para evitara sua progressão até estágios mais avançados.

AULA 4

BATERIAS BREVES PARA AVALIAÇÃOCOGNITIVA NO DIAGNÓSTICODIFERENCIAL DE DEMÊNCIAE DEPRESSÃOAna Cláudia Becattini

MÓDULO 10 239

Escala de Depressão em GeriatriaA Escala de Depressão em Geriatria (GDS) foi especificamente

desenvolvida para o rastreamento de depressão em população de idosos.Consiste em perguntas de sim e não que o paciente responde de acordocom a percepção de como se sentiu em relação às duas últimas semanasprecedentes à avaliação. A escala originalmente com 30 perguntas foireduzida para versões com 1, 4, 10, 15 e 20 perguntas, com a finalidadede facilitar a sua aplicação.

A versão brasileira da GDS-15 oferece medidas válidas para adetecção de Episódio Depressivo Maior em idosos (Tabela 1). A escalaé pontuada de acordo com as respostas compatíveis com a presença desintomas depressivos. Seis é o ponto de corte mais freqüentementeadotado na GDS-15 – sensibilidade de 85,4% e especificidade de 73,9%.

Tabela 1 Escala de Depressão em Geriatria

*Resposta compatível com a presença de sintoma depressivo (1 ponto cada)

DemênciaAs demências constituem um grupo de síndromes que apresentam

como sintoma comum o declínio cognitivo. A Doença de Alzheimer,uma condição degenerativa ainda irreversível, é a principal causa dedemência em população de idosos. O seu rastreamento e tratamentoprecoce permitem modificar a história natural da doença e atenuar aperda funcional associada à sua evolução.

1. Você está basicamente satisfeito com sua vida? Sim Não*2. Você deixou muitos de seus interesses e atividades? Sim* Não3. Você sente que sua vida está vazia? Sim* Não4. Você se aborrece com freqüência? Sim* Não5. Você se sente de bom humor a maior parte do tempo? Sim Não*6. Você tem medo que algum mal vá lhe acontecer? Sim* Não7. Você se sente feliz a maior parte do tempo? Sim Não*8. Você sente que sua situação não tem saída? Sim* Não9. Você prefere ficar em casa a sair e fazer coisas novas? Sim* Não10. Você se sente com mais problemas de memória do que a maioria? Sim* Não11. Você acha maravilhoso estar vivo? Sim Não*12. Você se sente um inútil nas atuais circunstâncias? Sim* Não13. Você se sente cheio de energia? Sim Não*14. Você acha que sua situação é sem esperanças? Sim* Não15. Você sente que a maioria das pessoas está melhor que você? Sim* Não

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Miniexame do Estado MentalO Miniexame do Estado Mental (MMSE) é um instrumento

freqüentemente empregado na avaliação cognitiva de áreas como orien-tação temporal e espacial, memória imediata, cálculo, evocação das pa-lavras, nomeação, repetição, comando, leitura, elaboração de frase ecópia do desenho. Cada um dos 11 itens do instrumento é avaliado pormeio de uma pontuação que varia de um a cinco pontos cada, com omáximo de 30 pontos. O ponto de corte de 24 é amplamente utilizadono rastreamento de demência.

A versão brasileira do MMSE tem sido amplamente utilizada eapresenta boa sensibilidade e especificidade (Tabela 2). Este instrumen-to foi validado para aplicação em população com menores níveis deescolaridade e foi demonstrado ser 18 um ponto de corte adequadopara baixa escolaridade, e 13 em analfabetos.

Tabela 2 Miniexame do Estado Mental

1. Qual é: o dia da semana? A data do mês? O mês? O ano?A hora aproximada? (Cada acerto, 1 ponto). 5

2. Onde se encontra: local? Endereço ou como chegou ao local?Andar ou setor? Cidade? Estado? (Cada acerto, 1 ponto). 5

3. Retenção de dados: nome de três objetos (vaso, carro, janela).Pedir ao paciente que repita os três (Cada acerto, 1 ponto).(Então, insistir até que o paciente aprenda. Serão solicitados no item 5). 3

4. Subtração seriada (100 - 7): subtrair 7 de 100. Do resultado, subtrair, 7e assim por diante. Terminar após cinco respostas.Alternativa: soletrar a palavra MUNDO em ordem inversa. 5

5. Memória: lembrar dos três objetos do item 3. 3

6. Mostrar uma caneta e um relógio. Pedir para nomeá-los. 2

7. Pedir para repetir: “Nem aqui, nem ali, nem lá”. 1

8. Pedir para o paciente obedecer à ordem (três etapas): “Pegue o papelcom sua mão direita, dobre-o ao meio e coloque-o no chão”. 3

9. Ler o seguinte texto (escrito em papel) e obedecer: “Feche os olhos”. 1

10. Pedir ao paciente para escrever uma frase qualquer. 1

11. Pedir ao paciente para copiar o desenho. 1

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Teste do RelógioO Teste do Relógio (TR) é facilmente aplicado e é utilizado tanto no

rastreamento de demência como na avaliação do risco de delirium. Consisteem solicitar que o paciente desenhe, a partir de um círculo, a figura de umrelógio. O paciente é orientado a colocar os ponteiros e todos os númerosmarcando “dez para as três”. Apesar de existirem vários sistemas de interpre-tação deste teste, a maioria relaciona pontuações mais baixas com a presen-ça de demência. Um destes sistemas considera a seguinte pontuação

10 – Ponteiros e números presentes e posições corretas. Correçõessem sugestões aceitas.

9 – Pequenos erros nos ponteiros. Um número esquecido.8 – Erros moderados nos ponteiros. Troca entre ponteiros. Erros

apenas de espaço.7 – Colocação de ponteiros obviamente errada. Espaços inapro-

priados.6 – Digital. Ponteiros usados errados. Números ao redor do círcu-

lo. Perseveração escrita dos números.5 – Números acumulados de um lado do relógio ou fora de ordem

ou ausentes.4 – Muita distorção da seqüência numerológica. Muitos números

esquecidos. Números fora da borda.3 – Os números e o relógio não estão conectados ao desenho.2 – Apenas uma representação vaga do relógio ou representação

espacial não relevante.1 – Resultado não possível de interpretação ou nenhuma tentativa

foi feita.

Fluência verbalA fluência verbal (FV) avalia a produção verbal, a memória semân-

tica e a linguagem. Consiste em solicitar que o paciente fale o maiornúmero possível de exemplos de uma determinada categoria semântica,tal como animais, durante o período de um minuto. O baixo desempe-nho na realização deste teste aumenta significativamente o risco dedemência.

ConclusãoA aplicação e a interpretação destes instrumentos são freqüente-

mente prejudicadas pelo nível de escolaridade e pela limitação física

242 MÓDULO 10

que pode acometer o idoso. É importante ressaltar que o sucesso daabordagem geriátrica está muitas vezes na melhora da qualidade de vidae da capacidade funcional em detrimento da cura da doença. Os instru-mentos podem fornecer parâmetros de acompanhamento bastante úteisao longo do tratamento.

Referências bibliográficas

BERTOLUCCI, P H. Instrumentos para rastreio de demências. In: FORLENZA, O.V.; CARAMELLI, P. Neuropsiquiatria geriátrica. São Paulo: Atheneu, 2001. p. 65-79.

LEZAK, M. Neuropsychological assessment. New York: Oxford University Press, 1995.

MÓDULO 10 243

A avaliação neuropsicológica é recomendada em casos dequeixa de comprometimento psicológico decorrente de lesão cerebral dediferentes etiologias ou compatível com disfunção cerebral. O objetivo éuma formulação diagnóstica que permita encaminhamento ou indicação deterapêutica adequada (Lezak, 1995; Weintraub, 2000). Na Geriatria eGerontologia, a avaliação neuropsicológica tem como objetivos principais: a)diagnóstico diferencial entre comprometimento cognitivo decorrente deenvelhecimento benigno, demência em estágio muito leve, síndromes psi-quiátricas – depressão e distúrbio de ansiedade – e tipos de demência –frontal, Parkinson, Alzheimer, vascular (Chaves, 2001); b) investigar perfilcognitivo decorrente de alterações do Sistema Nervoso Central; c) prognós-tico neuropsicológico em neurocirurgias, especialmente funcionais; d) ava-liar efeito de estratégias terapêuticas – medicamentoso e comportamental;e) orientar um programa de reabilitação neuropsicológica (Mesulan, 2000).

As referências teóricas utilizadas em um contexto de avaliação ereabilitação neuropsicológica são aquelas das Neurociências e da Psicolo-gia Cognitiva, em especial do conjunto teórico que concebe a mente huma-na como um processador de informação, associado a uma teoria psicológicaque ofereça recursos para lidar com fatores emocionais e ambientais queafetam o comportamento. Neste sentido, as bases teóricas que alicerçam aavaliação e reabilitação neuropsicológica são: a) Neuropsicologia CognitivaClínica; b) Psicologia Cognitiva baseada nas teorias de processamento dasinformações; c) Psicologia Comportamental fundamentada nas teorias deaprendizagem e análise experimental do comportamento (Wilson, 1999).

A Neuropsicologia Cognitiva Clínica contribui para compreensãodas relações entre os distúrbios cognitivos e circuitos neurais envolvidos,identifica as funções cognitivas comprometidas e as preservadas, e auxilia

AULA 5

AVALIAÇÃO E REABILITAÇÃONEUROPSICOLÓGICAHelenice Charchat Fichman

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no diagnóstico de doenças neurológicas e psiquiátricas. A PsicologiaCognitiva é a base teórica para compreensão da natureza dos distúrbioscognitivos; identifica que funções cognitivas são passíveis de reabilitaçãoe que estratégias cognitivas devem ser adotadas para o treinamento oucompensação destas alterações. A Psicologia Comportamental tem comofinalidade desenvolver a análise funcional, mapear o impacto das altera-ções cognitivas no contexto psicossocial e monitorizar a eficácia do tra-tamento ao longo do tempo. Além disso, a Psicologia Comportamentaloferece as técnicas de intervenção para o desenvolvimento de um reper-tório comportamental mais adaptativo que minimize os efeitos dos dis-túrbios cognitivos no cotidiano dos pacientes.

A necessidade desta interface teórica das Neurociências com aPsicologia Clínica decorre de algumas observações clínicas que demons-tram que: a) alterações neurológicas com impacto sobre o funcionamen-to cognitivo podem ocasionar diretamente comprometimento no planodos afetos, do humor e do comportamento, como ocorre, por exemplo,em demências frontais e epilepsias temporais; b) alterações neurológicascom impacto sobre o funcionamento cognitivo podem ter efeitos indire-tos sobre os afetos, o humor e comportamento. Estes efeitos podemdecorrer, por exemplo, do impacto das alterações cognitivas na vida dopaciente; c) padrões comportamentais-emocionais disfuncionais decor-rentes da história do paciente podem ter impacto sobre o desenvolvi-mento das funções cognitivas, muitas vezes associados a alterações funci-onais do cérebro, como por exemplo, alterações cognitivas decorrentesde depressão e distúrbios de ansiedade (Fichman-Charchat, 2003).

Diante dessas observações clínicas, a metodologia da avaliaçãoneuropsicológica deve compreender entrevistas, sessões livres, bateriasde testes formais – que podem ser fixas ou flexíveis e mais ou menoscompreensivas de acordo com os objetivos particulares da avaliação. Podeser ainda necessário formular tarefas específicas, quando não é possíveluma avaliação com testes formais – seja em função de um nível decomprometimento cognitivo extremo ou de padrões de interação extre-mamente disfuncionais. Durante todo o processo de avaliação, o objetivoé traçar um perfil do funcionamento psicológico do paciente, com espe-cial ênfase em aspectos cognitivos, e compreender a participação dasvariáveis emocionais, ambientais e neurológicas na configuração desteperfil, a fim de formular hipótese diagnóstica, que resultará na indicaçãoterapêutica (Lezak, 1995; Weintraub, 2000).

MÓDULO 10 245

A reabilitação neuropsicológica é o processo terapêutico que tempor finalidade habilitar o paciente com distúrbio cognitivo a funcionarda forma mais adaptada possível ao seu contexto psicossocial – ambientefamiliar, escolar, profissional, lazer e atividades instrumentais e básicas docotidiano (Kertesz, 1993; Wilson, 1999). Os dois princípios que funda-mentam a prática da reabilitação neuropsicológica são: a) recuperação eb) compensação (Wilson, 1999). Na recuperação, o objetivo é desenvol-ver um treinamento da função cognitiva comprometida. Na compensa-ção, o objetivo é ensinar formas alternativas de realizar atividades quedependam da função cognitiva comprometida ou ainda maximizar o usodas funções cognitivas preservadas ou proporcionar uma reestruturaçãoambiental. Estes dois princípios podem ocorrer combinados ou de formaseqüencial no contexto da reabilitação.

Neste contexto teórico-prático, a reabilitação neuropsicológica envolveum processo terapêutico mais abrangente e global que um simples treina-mento cognitivo. Os aspectos emocionais, sociais e especialmente o contextoambiental que o paciente está inserido se tornam fundamentais para umadequado programa de reabilitação neuropsicológica.

O processo de avaliação neuropsicológica na Geriatria e naGerontologia objetiva traçar o perfil neuropsicológico e assim orientar aestratégia de reabilitação cognitiva mais eficiente. De forma geral, noenvelhecimento benigno se observa um quadro de disfunção pré-frontalleve, caracterizado por discreto prejuízo das funções executivas, memó-ria de trabalho e atenção seletiva e dividida (Mesulan, 2000; Chaves,2001; Fichman-Charchat, 2003). Em um quadro de depressão, observa-se um perfil cognitivo semelhante ao envelhecimento benigno, contudoo déficit atencional é mais acentuado (Whitehouse, Lerner, Hedera,1993; Chaves, 2001, Mesulan, 2000). Em ambos os diagnósticos, as ativi-dades instrumentais e básicas da vida diária se encontram preservadas.

No comprometimento cognitivo leve associado ao envelhecimento,quadro descrito como de transição para uma síndrome demencial, ob-serva-se quatro perfis neuropsicológicos típicos. Cada perfil caracterizaestágio pré-clínico de diferentes síndromes demenciais. No comprome-timento cognitivo leve tipo amnésico, os pacientes apresentam alteraçõesno lobo temporal medial – hipocampo – e demonstram alta taxa deconversão para Doença de Alzheimer. O perfil neuropsicológico se ca-racteriza por comprometimento acentuado da memória episódicaanterógrada e disfunção executiva muito leve.

246 MÓDULO 10

No comprometimento cognitivo leve de múltiplas funções, os pa-cientes apresentam alta taxa de conversão para Doença de Alzheimer evascular, observa-se déficit leve ou muito leve de memória episódicaanterógrada, atenção seletiva e dividida e funções executivas. No com-prometimento cognitivo leve de linguagem, os pacientes apresentamalterações na área de Broca com evolução para Afasia Progressiva Primá-ria. No comprometimento cognitivo leve específico de funções executi-vas e alterações de comportamento, os pacientes evoluem para demên-cia fronto-temporal (Mesulan, 2000; Fichman-Charchat, 2003).

Na Doença de Alzheimer em estágio inicial, que é a mais freqüen-te das síndromes demenciais e de mais difícil diagnóstico clínico, obser-va-se comprometimento do lobo temporal medial e lateral, bem como deestruturas pré-frontais. O perfil neuropsicológico se caracteriza por compro-metimento acentuado da memória episódica anterógrada e semântica, asso-ciado à disfunção executiva e de forma variada de outras funções cognitivas(Mesulan, 2000; Chaves, 2001). Observa-se comprometimento do funciona-mento cognitivo global e das atividades da vida diária.

Referências bibliográficas

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