desarraigamento e a proteÇÃo dos migrantes na …

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29 DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS* DISPLACEMENT AND MIGRANT’S PROTECTION IN INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS LAW Por A.A. Cançado Trindade** RESUMO: I. Observações Preliminares. II. O Drama do desarraigamento e a crescente necessidade de proteção dos migrantes. III. Princípios básicos sobre deslocados internos. 1. Nível Global (Nações Unidas). 2. Nível Regional. IV. Princípios Básicos de Migrações. V. A Proteção de Migrantes na Jurisprudência do Direito Internacional. 1. Sistema de Direitos Humanos Europeu. 2. Sistema de Direitos Humanos Inter-americano. a) A Opinião Consultiva relativa ao Direito à Informação sobre Assistência Consular no âmbito das garantias do Devido Processo Legal (1999). b) A Opinião Consultiva sobre a Condição Jurídica e os Direitos de Migrantes Indocumentados (2003). VI. A Proteção de migrantes em sistemas de Rapporteur. VII. Responsabilidade Estatal: Variações sobre um antigo tema do Direito Internacional. VIII. Reflexões finais sobre o assunto. PALAVRAS-CHAVE: desarraigamento; migração; direito internacional dos direitos humanos. ABSTRACT: I. Preliminary Observations. II. The Drama of Uprootedness and the Growing Need of Protection of Migrants. III. Basic Principles on Internal Displacement. 1. Global (United Nations) Level. 2. Regional Level. IV. Basic Principles on Migrations. V. The Protection of Migrants in International Case-Law. 1. European Human Rights System. 2. Inter-American Human Rights System. a) The Advisory Opinion on the Right to Information on Consular Assistance in the Framework of the Due Process of Law (1999). b) The Advisory Opinion on the Juridical Condition and Rights of Undocumented Migrants (2003). VI. The Protection of Migrants in Rapporteur Systems. VII. State Responsibility: Variations on an Old Theme of International Law. VIII. Final Reflections on the Matter. KEYWORDS: uprootedness; migration; international human rights law. * Tradução autorizada pelo Autor da versão original em inglês (UPROOTEDNESS AND THE PROTECTION OF MIGRANTS IN THE INTERNATIONAL LAW OF HUMAN RIGHTS) feita por Gabriel Gualano de Godoy, Bacharel e Mestre em Direito pela UFPR, pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos da mesma Universidade. ** Ph.D. (Cambridge); Ex-Presidente da Corte Inter-americana de Direitos Humanos; Professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília, Brasil; Membro do Institut de Droit International. Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

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DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS*

DISPLACEMENT AND MIGRANT’S PROTECTION IN

INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS LAW

Por A.A. Cançado Trindade**

RESUMO: I. Observações Preliminares. II. O

Drama do desarraigamento e a crescente

necessidade de proteção dos migrantes. III.

Princípios básicos sobre deslocados internos.

1. Nível Global (Nações Unidas). 2. Nível

Regional. IV. Princípios Básicos de Migrações.

V. A Proteção de Migrantes na Jurisprudência

do Direito Internacional. 1. Sistema de

Direitos Humanos Europeu. 2. Sistema de

Direitos Humanos Inter-americano. a) A

Opinião Consultiva relativa ao Direito à

Informação sobre Assistência Consular no

âmbito das garantias do Devido Processo

Legal (1999). b) A Opinião Consultiva sobre

a Condição Jurídica e os Direitos de Migrantes

Indocumentados (2003). VI. A Proteção de

migrantes em sistemas de Rapporteur. VII.

Responsabilidade Estatal: Variações sobre

um antigo tema do Direito Internacional.

VIII. Reflexões finais sobre o assunto.

PALAVRAS-CHAVE: desarraigamento;

migração; direi to internacional dos

direitos humanos.

ABSTRACT: I. Preliminary Observations. II.

The Drama of Uprootedness and the Growing

N e e d o f P r o t e c t i o n o f M i g r a n t s .

III. Basic Principles on Internal Displacement.

1 . Global (Uni ted Nat ions) Level .

2. Regional Level. IV. Basic Principles on

Migrations. V. The Protection of Migrants in

International Case-Law. 1. European Human

Rights System. 2. Inter-American Human

Rights System. a) The Advisory Opinion on

the Right to Information on Consular

Assistance in the Framework of the Due

Process of Law (1999). b) The Advisory

Opinion on the Juridical Condition and Rights

of Undocumented Migrants (2003). VI. The

Protection of Migrants in Rapporteur Systems.

VII. State Responsibility: Variations on an

Old Theme of International Law. VIII. Final

Reflections on the Matter.

KEYWORDS: uprootedness; migration;

international human rights law.

* Tradução autorizada pelo Autor da versão original em inglês (UPROOTEDNESS AND THE PROTECTION OF

MIGRANTS IN THE INTERNATIONAL LAW OF HUMAN

RIGHTS) feita por Gabriel Gualano de Godoy, Bacharel

e Mestre em Direito pela UFPR, pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos da mesma Universidade.

** Ph.D. (Cambridge); Ex-Presidente da Corte Inter-americana de Direitos Humanos; Professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília, Brasil; Membro do Institut de Droit International.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

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I. OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

Começo a aula inaugural da Sessão de

Estudos Anuais de 2007 invocando minha

histórica e contínua ligação de grande afeto

pelo Instituto de Direitos Humanos em

Estrasburgo. Precisamente aqui, nesse mesmo

auditório Carré de Malberg da Universidade

de Estrasburgo, tive a honra de receber em

1974, das mãos do próprio René Cassin, meu

diploma do Instituto. Mais uma vez, nesse

mesmo auditório, fui recebido em 1997, como

recém-eleito membro do Institut de Droit

International. Tive o privilégio de conhecer

e acompanhar o trabalho, durante as últimas

três décadas de todos os sucessivos Presidentes

e Secretários-Gerais do Instituto Internacional

de Direitos Humanos, aos quais permaneci

como fiel e constante colaborador do outro

lado do Atlântico. Um deles, recentemente

falecido (no dia 22 de Março de 2007), foi o

Professor Alexandre-Charles Kiss, um jurista

visionário e inspirador, que reverencio neste

momento. Este auditório está cheio da história

do Instituto de Estrasburgo e de minha própria

vida acadêmica, portanto não posso ministrar

esta aula inaugural sem emoções.

Primeiramente, deixem-me expressar um

alerta firme contra os efeitos negativos do

fato que, em um mundo “globalizado” – o

novo eufemismo em voga – as fronteiras

estão abertas para o capital, bens e serviços,

mas, lamentavelmente, não a seres humanos.

Economias nacionais estão abertas ao capital

especulativo, ao mesmo tempo em que as

conquistas trabalhistas erodem. Crescentes

segmentos da população tornam-se

marginalizados e excluídos do “progresso”

material. Lições do passado parecem estar

esquecidas e o sofrimento de gerações

anteriores parece em vão. O presente “estado

das coisas” parece estar destituído de um

sentido histórico. A essa “des-historização”

da vida adiciona-se a adoração ao mercado,

reduzindo os seres humanos a meros agentes

de produção (ironicamente, em meio a um

crescente desemprego em distintas latitudes).

Como resu l t ado dessa t r agéd ia

contemporânea – essencialmente provocada

pelo homem – perfeitamente evitável se a

solidariedade humana tivesse primazia

sobre o egoísmo individual – emerge e

intensifica-se o novo fenômeno de fluxos

massivos de migrações forçadas – nas quais

milhões de indivíduos buscam fugir não mais

de perseguições políticas individuais, mas

predominantemente da fome, miséria e de

conflitos armados – com graves conseqüências

e implicações para a aplicação das normas

internacionais de proteção ao ser humano.

Uma década atrás, em um estudo que

preparei para o Instituto Inter-Americano de

Direitos Humanos (na Costa Rica, em 1998),

publicado na Guatemala em 2001, propus um

enfoque de Direitos Humanos para entender

os fluxos de migrações forçadas – distinto

dos estudos clássicos sobre o tema (cujo foco

era uma abordagem estritamente histórica, ou

até econômica) – e com grande atenção

destinada à experiência de seres humanos em

estado de grave vulnerabilidade1. Na ocasião,

percebi que era digno destacar que:

1 A.A. Cançado Trindade, Elementos para un Enfoque de Derechos Humanos del Fenómeno de los Flujos Migratorios Forzados (Estudo de Julho de 1998 preparado para o IIHR), Cidade da Guatemala, OIM/IIDH, Set. 2001, pp. 1-57.

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Os avanços [nesse campo] somente serão alcançadas por meio de uma radical mudança de pensamento. Em uma escala de valores, considerações de ordem humanitária devem prevalecer sobre considerações de ordem econômica ou financeira, sobre a alegada proteção do mercado de trabalho e sobre a r i va l i dade de g rupos soc i a i s . Há , definitivamente, forte necessidade de situar o ser humano no seu devido lugar, certamente acima de capitais financeiros, bens e serviços. Esse é o maior desafio do mundo ‘globalizado’ em que vivemos, na perspectiva dos Direitos Humanos2.

Nesta aula inaugural da presente Sessão

de Estudo Anual de 2007 do Instituto

Internacional de Direitos Humanos, aqui em

Estrasburgo, devo retomar o assunto, que se

tornou bastante atual, com o propósito de

identificar e reunir os elementos, acumulados

em anos recentes, que permitem avançar com

o enfoque anteriormente mencionado, próprio

dos Direitos Humanos, no que diz respeito às

considerações do fenômeno contemporâneo

das migrações forçadas. Para este fim, devo

relatar o drama dos dessarraigados e a sua

crescente necessidade de proteção, e

identificar os princípios básicos aplicáveis

nesse novo domínio da proteção do indivíduo;

devo, ainda, revisar a crescente jurisprudência

sobre o assunto (de ambas as Cortes Européia

e Inter-americana de Direitos Humanos, assim

como outras iniciativas de proteção das Nações

Unidas e em níveis regionais; as implicações

do assunto no que diz respeito à responsabilidade

dos Estados; e sua importância para a

comunidade internacional como um todo).

Dessa forma, estará aberto o caminho para a

apresentação de minhas considerações finais

sobre o assunto em questão.

2 Ibid., p. 26.

II. O DRAMA DO

DESSARRAIGAMENTO E A

CRESCENTE NECESSIDADE DE

PROTEÇÃO DOS MIGRANTES

Um alerta vem sendo corretamente

divulgado: a humanidade somente alcançará

verdadeiro progresso quando avançar no que

diz respeito à emancipação humana3. Não

deve ser esquecido que o Estado foi concebido

para a realização do bem comum4. Nenhum

Estado deve considerar-se acima da lei, e as

normas têm, como último beneficiário, o ser

humano; em suma, o Estado existe para o ser

humano e não o contrário.

Paradoxalmente , a expansão da

“globalização” tem sido acompanhada pari

passu pela erosão da capacidade dos Estados

de proteger os direitos econômicos, sociais e

culturais das pessoas sob sua jurisdição e, da

mesma forma, as crescentes necessidades de

proteção dos refugiados, pessoas deslocadas

e migrantes, nessa primeira década do século

XXI, requer solidariedade em escala

universal5. Esse paradoxo parece ser um tanto

3 J. Maritain, Los Derechos del Hombre y la Ley Natural, Buenos Aires, Ed. Leviatán, 1982 (reimpr.), pp. 12, 18, 38, 43, 50, 94-96 and 105-108. Para J. Maritain, “a pessoa humana transcende o Estado”, por ter “um destino superior ao tempo”; ibid., pp. 81-82. Em os “fins humanos do poder”, cf. Ch. de Visscher, Théories et réalités en Droit international public, 4o. rev. ed., Paris, Pédone, 1970, pp. 18-32 et seq..

4 Por Estado, aqui, entendemos o Estado em uma sociedade democrática, ou seja, o Estado que assegura o respeito pelos Direitos Humanos, que é voltado para o bem comum, e cujos poderes políticos, separadamente, são regidos por uma Constituição e pela supremacia da Lei, com efetivas garantias processuais de Direitos Humanos e liberdades fundamentais.

5 S. Ogata, Challenges of Refugee Protection (Declaração na Universidade de Havana, 11.05.2000), Havana/Cuba, ACNUR, 2000, pp. 7-9 (circulação interna);

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trágico, tendo em mente os avanços da ciência

e da tecnologia nas décadas passadas que,

infelizmente, foram incapazes de reduzir ou

erradicar o egoísmo humano6.

Tragicamente, o progresso material de

alguns tem sido acompanhado pelo

fechamento das fronteiras para os seres

humanos e o aparecimento de novas e cruéis

formas de servidão humana (tráfico

clandestino de pessoas, prostituição forçada,

exploração de trabalho, entre outros), das

quais migrantes sem documentos são

freqüentes vítimas. Os crescentes controles e

as atuais dificuldades impostas aos migrantes

levaram alguns a caracterizar a situação

contemporânea de “crise” do direito ao asilo.

Migrações e deslocamentos forçados

aumentaram, intensificaram-se a partir dos

907 e foram caracterizados particularmente

S. Ogata, Los Retos de la Protección de los Refugiados (Declaração no Ministério das Relações Exteriores do Mexico, 29.07.1999), Cidade do México, ACNUR, 1999, p. 11 (circulação interna). – Foi recentemente colocado que sistemas de aviso prévio (originalmente imaginado e usado no campo do Direito Internacional dos Refugiados) descobriu algumas fraquezas, usados para coagir pessoas sob stress a não migrar; S. Schmeidl, “The Early Warning of Forced Migration: State or Human Security?”, in Refugees and Forced Displacement – International Security, Human Vulnerability, and the State (eds. E. Newman and J. van Selm), Tokyo, Universidade das Nações Unidas, 2003, pp. 140, 145 e 149-151. Da perspectiva da sociedade civil como um todo, o argumento foi proposto em favor de assegurar completa e efetiva cidadania a migrantes que estão de acordo com a lei; M. Frost, “Thinking Ethically about Refugees: A Case for the Transformation of Global Governance”, in ibid., pp. 128-129.

6 Pela necessidade de “reavaliar” o que é humano e humanitário atualmente, cf. J.A. Carrillo Salcedo, “El Derecho Internacional ante un Nuevo Siglo”, 48 Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1999-2000) p. 257, and cf. p. 260.

7 M. Lengellé-Tardy, L’esclavge moderne, Paris, PUF, 1999, pp. 26, e 116, cf. pp. 97-98.

pelas disparidades das condições de vida

entre o país de origem e aquele de destino

dos migrantes. As causas são múltiplas, a

saber: colapso econômico e desemprego,

colapso dos serviços públicos (educação,

saúde, entre outros), desastres naturais,

conflitos armados gerando fluxos de

refugiados e deslocados internos, repressão

e perseguição, violação sistemática dos

direitos humanos, rivalidades étnicas e

xenofobia, e violência de distintas formas8.

Em anos recentes, a chamada “flexibilidade”

das relações de trabalho, entre as quais se

insere a “globalização” da economia, também

gerou mobilidade, acompanhada de

insegurança pessoal e um crescente medo

do desemprego9.

Migrações e deslocamentos forçados,

com o conseqüente desarraigamento, causam

fortes traumas. Testemunhas de migrações

relatam o sofrimento do abandono do lar, às

vezes com a separação da família ou

8 N. Van Hear, New Diasporas – The Mass Exodus, Dispersal and Regrouping of Migrant Communities, London, UCL Press, 1998, pp. 19-20, 29, 109-110, 141, 143 and 151; F.M. Deng, Protecting the Dispossessed – A Challenge for the International Community, Washington D.C., Brookings Institution, 1993, pp. 3-20. E cf., também, e.g., H. Domenach and M. Picouet, Les migrations, Paris, PUF, 1995, pp. 42-126.

9 N. Van Hear, op. cit. supra n. (10), pp. 251-252. Assim como foi ressaltado, “a ambiguidade da mifração é o resultado do sucesso do capitalismo em adotar a pentração das mercadorias em sociedades periféricas e minar a capacidade dessas sociedades em se auto-sustentar. Na medida que esse ‘sucesso’ irá continuar, migrantes também irão continuar a emergir nas periferias do capitalismo”; ibid., p. 260. Cf. also R. Bergalli (coord.), Flujos Migratorios y Su (Des)control, Barcelona, OSPDH/Anthropos Edit., 2006, pp. 138, 152 and 244-248. –Para um estudo de caso, cf., e.g., M. Greenwood Arroyo and R. Ruiz Oporta, Migrantes Irregulares, Estrategias de Sobrevivencia y Derechos Humanos: Un Estudio de Casos, São José da Costa Rica, IIHR, 1995, pp. 9-159.

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desagregação, a perda da propriedade e

pertences pessoais, a arbitrariedade e

humilhação por parte das autoridades de

fronteiras e agentes de segurança, gerando

um sentimento permanente de injustiça10.

Como Simone Weil alertou em meados do

século XX, “possuir raízes é, talvez, a mais

importante e menos reconhecida necessidade

da alma humana. É uma das mais difíceis de

se definir11”.

Ao mesmo tempo e na mesma linha de

pensamento, Hannah Arendt alertou sobre os

sofrimentos dos desabrigados (a perda da casa

e da familiaridade da vida diária, a perda da

profissão e do sentimento de ser útil para os

outros, a perda da língua materna como

possibilidade espontânea de expressar

sentimentos), assim como a ilusão de tentar

esquecer o passado12. Na mesma linha de

raciocínio, no seu livro Le retour du tragique

(1967), J.-M. Domenach observou que uma

pessoa não pode negar as raízes do próprio

espírito humano, uma vez que a aquisição do

conhecimento por parte de cada indivíduo – e

conseqüentemente sua forma de entender o

mundo – sendo condicionada por fatores

10 Ibid., p. 152.

11 Simone Weil, The Need for Roots, London/N.Y., Routledge, 1952 (reimpressa 1995), p. 41. – Sobre o drama contemporâneo do desarraigamento, cf. A.A. Cançado Trindade, “Reflexiones sobre el Desarraigo como Problema de Derechos Humanos Frente a la Conciencia Jurídica Universal”, in La Nueva Dimensión de las Necesidades de Protección del Ser Humano en el Inicio del Siglo XXI (eds. A.A. Cançado Trindade and J. Ruiz de Santiago), 4a. rev. ed., São José da Costa Rica, ACNUR, 2006, pp. 33-92.

12 Hannah Arendt, La tradition cachée, Paris, Ch. Bourgois Ed., 1987 (orig. ed. 1946), pp. 58-59 and 125-127. E cf., também sobre o assunto, e.g., C. Bordes-Benayoun and D. Schnapper, Diasporas et nations, Paris, O. Jacob Ed., 2006, pp. 7, 11-12, 45-46, 63-65, 68-69, 129 and 216-219.

como o lugar de nascimento, a língua

materna, os cultos, a família e a cultura13.

No seu livro Le temps des déracinés

(2003), Elie Wiesel14 comentou que os

antigos refugiados, ainda que já estabelecidos

em um novo país, continuavam, de alguma

forma, refugiados pelo resto de suas vidas;

eles escapam de um lugar para outro em

virtude de garantir sua própria proteção, com

tudo parecendo provisório e sem se sentir em

casa onde quer que estejam. Eles sempre

permanecem lembrando de seu lugar de

origem15, cultivando suas memórias como

meio de defender-se da adversa condição de

desarraigamento. No entanto, a “celebração

da memória” possui suas limitações, pois os

refugiados estão privados de horizonte, e do

senso de pertencer a algum lugar16. Sempre

precisam da ajuda de outros. O drama dessas

vítimas parece ser esquecido e negligenciado

com o passar do tempo, e os desarraigados

terminam por ter que aprender a viver com a

lenta e inevitável diminuição de, até mesmo,

suas próprias memórias17.

Em minha opinião, em separado, no caso

da Comunidade Moiwana versus Suriname

perante a Corte Interamericana de Direitos

Humanos (Julgamento de 15/06/2005),

13 J.-M. Domenach, Le retour du tragique, Paris, Éd. Seuil, 1967, p. 285.

14 Prêmio Nobel em 1986, ele mesmo uma vítima do drama do desarraigamento.

15 E. Wiesel, O Tempo dos Desenraizados (Le temps des déracinés, 2003), Rio de Janeiro, Edit. Record, 2004, pp. 18-19.

16 Ibid., pp. 21, 32, 181 and 197.

17 Ibid., pp. 212, 235, 266 and 278. Sobre suas preocupações com a necessidade de preservar a memória, cf. também Elie Wiesel, L’oublié, Paris, Éd. Seuil, 1989, pp. 29, 63, 74-77, 109, 269, 278 e 336.

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debrucei-me precisamente sobre a projeção

do sofrimento humano no tempo dos migrantes

daquela comunidade (da qual alguns fugiram

para a Guiana Francesa) os quais sobreviveram

a um massacre (perpetrado em 29/11/1986,

na vila N’djuka Maroon de Moiwana, no

Suriname). Na oportunidade caracterizei o

sofrimento acarretado como

sofrimento espiritual. Na sua cultura, eles permanecem atormentados pelas circunstâncias das mortes violentas de seus entes queridos, e pelo fato de que os que partiram não tiveram a oportunidade de oferecer um enterro apropriado a seus entes queridos. Essa privação, gerando sofrimento espiritual, permaneceu por quase vinte anos, a partir da perpetração do massacre de 1986, clamando pela responsabilidade do Estado até este momento. Os N’djukas não esqueceram dos seus mortos (par. 29).

Somente com o mencionado Julgamento

de 2005, quase duas décadas depois, eles ao

menos, encontraram reparo, com o

reconhecimento jurídico do seu sofrimento

e as reparações ordenadas. Entre as

reparações, encontra-se a garantia, pelo

Estado, do retorno voluntário e seguro dos

N’djukas para sua terra natal18. Não foi a

primeira vez que eu comentei a questão da

projeção do sofrimento humano no tempo e

a crescente tragédia do dessarraigamento;

anteriormente, fiz o mesmo no meu Parecer

Concordante (pars. 1-25) na Ordem da Corte

de Medidas Provisórias de Proteção (de

18/08/2000) no caso dos Haitianos e os

18 Para o texto completo do meu Parecer Separado no caso da Comunidade Moiwana versus Suriname, cf. A.A. Cançado Trindade, Derecho Internacional de los Derechos Humanos – Esencia y Trascendencia (Votos en la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 1991-2006), Mexico, Edit. Porrúa/Universidad Iberoamericana, 2007, pp. 539-567.

Dominicanos de Origem Haitiana na

República Dominicana, assim como no meu

Parecer Separado (pars. 10-14) no caso

Bámaca Velásquez versus Guatemala

(Reparações, Julgamento de 22/02/2002)19,

e retomei o ponto em questão no mais

recente caso da Comunidade Moiwana20.

De fato, a projeção do sofrimento humano

no tempo (sua dimensão temporal) foi

propriamente reconhecida, e.g., no documento

final da Conferência Mundial das Nações

Unidas contra Racismo, Discriminação Racial,

Xenofobia e Intolerâncias Relacionadas

(Durban, 2001), sua adotada Declaração e

Plano de Ação. A respeito do tema, começou

por afirmar que:

nós estamos conscientes do fato que a história da humanidade é repleta de grandes atrocidades como resultado da violação aos direitos humanos, e acreditamos que lições podem ser aprendidas ao lembrarmos da história para prevenir tragédias futuras (par. 57).

O documento, então, enfatizou a

“importância e a necessidade de ensinar sobre

os fatos e a verdade da história da humanidade”,

com o objetivo de “atingir um conhecimento

objetivo e compreensivo das tragédias do

passado” (par. 98). Nessa linha de pensamento,

o documento final de Durban reconheceu e

19 Para o texto complete dos mencionados Parecerces Concordante e Separado, cf. ibid., pp. 876-883 and 321-330, respectivamente.

20 É significativo que, em seu Julgamento sobre o caso Comunidade Moiwana versus Suriname, a Corte Inter-Americana, nas bases da Convenção Americana e à luz do princípio jura novit curia, devotou uma sessão inteira do presente Julgamento a deslocamentos forçados – uma malaise dos nossos tempos – e estabeleceu uma violação do Artigo 22 da Convenção Inter-Americana (na liberdade de movimento e residência) pelo Estado respondente em combinação com o dever geral do Artigo 1(1) da Convenção (pars. 101-119).

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lamentou profundamente o “sofrimento

humano massivo” e o “drama” de milhões de

seres humanos causado por atrocidades do

passado; o documento, então, chamou os

Estados a “honrar a memória das vítimas de

tragédias passadas” e afirmou que,

independentemente dos lugares e do tempo

em que tais tragédias tinham acontecido,

“elas devem ser condenadas e sua recorrência

evitada” (par. 99).

O documento final da Conferência de

Durban atribuiu particular importância para

relembrar os crimes e abusos do passado, em

termos enfáticos:

nós enfatizamos que relembrar os crimes e erros do passado, independentemente dos lugares e do tempo em que ocorreram, inequivocamente condenando as tragédias racistas e dizendo a verdade sobre a história, são elementos essenciais para a reconciliação internacional e para a criação de sociedades baseadas na justiça, igualdade e solidariedade (par. 106).

Por fim, foi reconhecido que “injustiças

históricas” contribuíram, sem dúvidas, para

a pobreza, marginalização, exclusão social,

instabilidade e insegurança, afetando

diversas pessoas em distintas partes do

mundo (par. 158).

Tal qual diz Jaime Ruiz de Santiago, o

drama dos refugiados e migrantes –

desarraigados em geral – somente pode ser

abordado apropriadamente por meio de um

espírito de solidariedade internacional em

relação às vítimas21. Definitivamente, somente

21 Jaime Ruiz de Santiago, “Derechos Humanos, Migraciones y Refugiados: Desafios en los Inicios del Nuevo Milenio”, in III Encuentro de Movilidad Humana: Migrante y Refugiado – Memoria (Setembro 2000), São José da Costa Rica, UNHCR/IIHR, 2001, pp. 37-72; e cf. Jaime Ruiz de Santiago, Migraciones Forzadas – Derecho

a firme determinação da reconstrução da

comunidade internacional22 nas bases da

solidariedade humana23 pode levar à mitigação

ou ao alívio de alguns sofrimentos dos

desarraigados (sejam refugiados, deslocados

internos ou migrantes).

III. PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE

DESLOCADOS INTERNOS

Nas últimas três décadas, o problema

dos deslocados internos desafiou as bases

das normas da proteção internacional,

demandando um aggiornamento dessas

normas e novas respostas a uma situação,

originalmente, não prevista ao tempo da

elaboração dos instrumentos internacionais

relevantes. Esses instrumentos revelaram-se

insuficientes, tal como, por exemplo, a

original falta de normas expressamente

dirigidas a superar a alegada não-aplicabilidade

das normas de proteção a atores não-estatais,

a não-tipificação de deslocados internos de

acordo com normas originais de proteção

e a possibi l idade de res t r ições ou

degradações minando a proteção em

momentos críticos. Essas insuficiências

Internacional y Doctrina Social de la Iglesia, México, Instituto Mexicano de Doctrina Social Cristiana, 2004, pp. 9-82.

22 Cf., e.g., A.A. Cançado Trindade, “Human Development and Human Rights in the International Agenda of the XXIst Century”, in Human Development and Human Rights Forum (Agosto 2000), São José da Costa Rica, UNDP, 2001, pp. 23-38; cf. também, e.g., L. Lippolis, Dai Diritti dell’Uomo ai Diritti dell’Umanità, Milano, Giuffrè, 2002, pp. 21-23 e 154-155.

23 Quanto ao significado deste último, cf., em geral, L. de Sebastián, La Solidaridad, Barcelona, Ed. Ariel, 1996, pp. 12-196; J. de Lucas, El Concepto de Solidaridad, 2nd. ed., Mexico, Fontamara, 1998, pp. 13-109; entre outros.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

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36

resultaram em iniciativas de proteção tanto

em nível global (Nações Unidas) quanto

em nível regional (América Latina) –,

iniciativas que buscaram uma estrutura

conceitual que permite o desenvolvimento

de respostas, em nível operativo, para as

novas necessidades da proteção. É, portanto,

apropriado que nos movamos para uma

breve revisão dessas iniciativas.

1. Nível Global (Nações Unidas)

Em nível global (ONU), uma década

atrás, no primeiro trimestre de 1998, a antiga

Comissão das Nações Unidas para Direitos

Humanos, tendo em mente os relatórios feitos

pelo Representante do Secretário Geral para

Deslocados Internos (F. M. Deng)24, ao menos

adotou os chamados Princípios Orientadores

sobre Deslocados Internos25, apesar da

persistência do problema ao longo das últimas

duas décadas. O propósito básico dos

Princípios Orientadores era reforçar e

fortalecer os já existentes meios de proteção;

nesse sentido, os princípios propostos servem

tanto para governantes quanto para grupos

insurgentes, em todos os estágios do

deslocamento. O princípio básico de não-

discriminação ocupa uma posição central no

supracitado documento de 199826, que se

24 Esses relatórios afirmaram a importância da prevenção (e.g., reforçando a proteção dos direitos à vida e à integridade pessoal, assim como o direito à propriedade da terra e de bens); cf. F.M. Deng, Internally Displaced Persons (Relatório Interino), N.Y., RPG/DHA, 1994, p. 21; e cf. U.N., doc. E/CN.4/1995/50/Add.1, de 03.10.1994, p. 34.

25 Para comentários, cf. W. Kälin, Guiding Principles on Internal Displacement – Annotations, Washington D.C., ASIL/Brookings Institution, 2000, pp. 1-276.

26 Princípios 1(1), 4(1), 22, 24(1).

certifica em destinar, aos deslocados internos,

os mesmos direitos desfrutados pelas outras

pessoas no país27.

Os mencionados Princípios Orientadores

de 1998 determinam que o deslocamento não

pode dar-se de modo que viole os direitos à

vida, à dignidade, à liberdade e à segurança

das pessoas afetadas28; eles também afirmam

outros direitos, como o direito ao respeito

pela vida familiar, o direito a um adequado

padrão de vida, o direito à igualdade perante

a lei, o direito à educação29. A idéia básica

por trás de todo o documento30 está no sentido

que os deslocados internos não perdem seus

direitos intrínsecos como resultado do

deslocamento, e podem invocar as pertinentes

normas de proteção internacional (tanto do

Direito Internacional Humanitário quanto dos

Direitos Humanos Internacionais) para

salvaguardar seus direitos.

Em uma significante resolução adotada

em 1994, a então Comissão de Direitos

Humanos das Nações Unidas, tendo em

mente, em particular, os casos de deslocados

internos, recordou as relevantes normas, em

todo o conjunto, do Direito Internacional dos

Direitos Humanos e do Direito Internacional

Humanitário, assim como do Direito

Internacional dos Refugiados, pertinentes

para o problema em questão31. A Resolução

27 Afirma, mais adiante, a proibição do “deslocamento arbitrário”, (Princípio 6).

28 Princípio 8 e seguintes.

29 Princípios 17, 18, 20 e 23, respectivamente.

30 Para uma “abordagem ampla” sobre os deslocados incluindo também o problema das migrações forçadas como um todo, tendo em mente os Princípios das Nações Unidas sobre Deslocados Internos, cf. C. Phuong, The International Protection of Internally Displaced Persons, Cambridge, University Press, 2004, pp. 54-55 and 237.

31 2.º parágrafo preambular.

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Page 9: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

37

1994/68, adotada pela Comissão em

09/03/1994, recordou ainda a Declaração e

Plano de Ação de Viena (adotada pela

II Conferência Mundial sobre Direitos

Humanos) , que chamava por uma

“compreensiva abordagem da comunidade

internacional no que diz respeito aos

refugiados e aos deslocados internos” 32.

O documento ainda sublinhou a “dimensão

humanitária” do “problema dos deslocados

internos e as responsabilidades que esse

problema traz para os Estados e para a

comunidade internacional”33. O documento

ainda chamou atenção para a “necessidade

de abordar as causas fundamentais que dão

origem aos deslocamentos internos34”,

assim como “continuar a aumentar o nível de

consciência sobre o drama dos deslocados

internos”35. Mais de uma década depois,

essas considerações continuam válidas,

atualmente, para os migrantes (cf. infra),

que adicionam uma maior dimensão para o

sofrimento dos desarraigados em geral no

nosso – impropriamente chamado – mundo

“globalizado”.

2. Nível Regional

No continente americano, a Declaração

de Cartagena sobre Refugiados de 1984, a

Declaração de São José sobre Refugiados e

Pessoas Deslocadas, a Declaração e o Plano

de Ação do México de 2004 para Fortalecer

a Proteção Internacional dos Refugiados na

32 7.º parágrafo preambular.

33 5.º parágrafo preambular.

34 12.º parágrafo preambular.

35 Parágrafo 3 (ênfase adicional).

América Latina são, cada um deles, produtos

de um determinado momento histórico.

O primeiro, a Declaração de Cartagena, foi

motivado por necessidades urgentes que, por

sua vez, foram geradas por uma crise de

grandes proporções; na extensão em que essa

crise estava sendo resolvida, em parte devido

a essa Declaração, seu legado começou a ser

projetado a outras regiões e sub-regiões do

continente americano.

A segunda declaração foi adotada entre

uma distinta crise, mais difusa, marcada pela

deterioração das condições socioeconômicas

de grandes segmentos da população em

distintas regiões. Em suma, Cartagena e

São José foram produtos de seu tempo.

O aggiornamento do Colóquio de São José

deram, igualmente, uma ênfase especial na

identificação das necessidades de proteção

do ser humano em quaisquer circunstâncias36.

Não restou, então, lugar para vacatio legis37.

A Declaração de São José de 1994 deu ênfase

especial não somente a todo o problema dos

deslocados internos, mas também, de forma

mais abrangente, aos desafios apresentados

pelas novas situações de desarraigamento na

América Latina e no Caribe, incluindo as

migrações forçadas originadas por causas

distintas daquelas previstas pela Declaração

de Cartagena.

A Declaração de 1994 reconheceu que a

violação de Direitos Humanos é uma das

36 Ao invés de categorizações subjetivas de pessoas (de acordo com as razões que os levaram a abandonar suas casas), próprias do passado, hoje em dia o critério objetivo da necessidade de proteção foi adotado, abrangendo, pois, um número considerável de pessoas (incluindo deslocados internos) tão vulneráveis quanto os refugiados, ou ainda mais que estes.

37 Ibid., pp. 14-15.

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Page 10: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

38

causas de deslocamentos forçados e que,

portanto, a proteção desses direitos e o

fortalecimento do sistema democrático

constitui a melhor medida para a procura de

soluções duráveis, assim como para a

prevenção de conflitos, o êxodo de refugiados

e graves crises humanitárias38. Recentemente,

ao fim de consultas, com uma grande

participação pública, feitas por iniciativa do

ACNUR, a Declaração e o Plano de Ação do

México para Fortalecer a Proteção

Internacional dos Refugiados na América

Latina foi adotada39, na ocasião do vigésimo

aniversário da Declaração de Cartagena

(supra). Pela primeira vez no presente

processo, um documento desse porte foi

acompanhado por um Plano de Ação. Isso

pode ser explicado pelo agravamento da crise

humanitária na região, particularmente na

sub-região dos Andes.

Como o Rapporteur do Comitê de

“Experts” Legais do ACNUR observou, em

sua apresentação do relatório final para o

Colóquio do México, na primeira sessão

plenária, em 15 de Novembro de 2004,

embora os momentos da Declaração de

Cartagena de 1984 e a Declaração de são José

de 1994 sejam distintos, suas conquistas

“cumulam e constituem, hoje, um patrimônio

jurídico” de todas as pessoas da região,

reve lando as novas tendências do

desenvolvimento das sa lvaguardas

internacionais dos diretos da pessoa humana

frente às necessidades de proteção, e projetam

os mesmos no futuro40. Assim,

38 Ibid., pp. 431-432.

39 Cf. Texto reproducido in: UNHCR, Memoria del Vigésimo Aniversario de la Declaración de Cartagena sobre los Refugiados (1984-2004), Mexico City/São José da Costa Rica, UNHCR, 2005, pp. 385-398.

40 Cf. “Presentación por el Dr. A.A. Cançado Trindade del Comité de Consultores Jurídicos del ACNUR” (Cidade

a Declaração de Cartagena enfrentou o grande drama humano dos conflitos armados na América Central; no entanto, mais adiante, previu o agravamento do problema dos deslocados internos. A Declaração de São José, por sua vez, lidou mais profundamente com a questão da proteção de, além dos refugiados, também dos deslocados internos, mas previu também o agravamento do problema de fluxos migratórios forçados. Desde que anacrônicas categorizações foram superadas, próprias de uma maneira de pensar sobre um passado que não mais existe, e foi reconhecida as convergências entre os três regimes de proteção internacional dos diretos da pessoa humana, ou seja, o Direito Internacional dos Refugiados, o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Essas convergências – nos níveis normativo, hermenêutico e operativo – foram reafirmados em todos os encontros preparatórios para o presente Colóquio Comemorativo da Cidade do México, e têm repercussões atualmente em outras partes do mundo, conformando a maior e mais lúcida doutrina legal no assunto41.

Essas convergências42 foram, não

surpreendentemente, refletidas, de modo mais

do México, 15.11.2004), in UNHCR, Memoria del Vigésimo Aniversario de la Declaración de Cartagena..., op. cit. supra n. (41), pp. 368-369.

41 Ibid., p. 369.

42 Cf. A.A. Cançado Trindade, “Derecho Internacional de los Derechos Humanos, Derecho Internacional de los Refugiados y Derecho Internacional Humanitario: Aproximaciones y Convergencias”, in 10 Años de la Declaración de Cartagena sobre Refugiados – Memoria del Coloquio Internacional (São José da Costa Rica, Dec. 1994), São José da Costa Rica, IIDH/UNHCR, 1995, pp. 77-168; A.A. Cançado Trindade, “Aproximaciones y Convergencias Revisitadas: Diez Años de Interacción entre el Derecho Internacional de los Derechos Humanos, el Derecho Internacional de los Refugiados, y el Derecho Internacional Humanitario (De Cartagena/1984 a San José/1994 y México/2004)”, in Memoria del Vigésimo Aniversario de la Declaración de Cartagena sobre Refugiados (1984-2004), São José da Costa Rica, UNHCR, 2005, pp. 139-191.

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Page 11: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

39

enfático, no Plano de Ação e na Declaração

do México de 2004 para Fortalecer a Proteção

Internacional dos Refugiados na América

Latina. Assim, como o Rapporteur do Comitê

de “Experts” Legais do ACNUR finalmente

observou no Colóquio do México de

2004,“não há lugar para a vacatio legis, não

há vácuo legal, e todas (...) pessoas estão sob

a proteção da lei, em todas e quaisquer

circunstâncias (também em face de medidas

de segurança)” 43.

Esses desenvolvimentos são significativos

por abordar a questão de migrações internas

forçadas, e a garantia de um retorno voluntário

e seguro. Ainda, o problema de migrações

forçadas tem uma maior dimensão, e

apresenta-se como um considerável desafio

à comunidade internacional como um todo.

Somente durante os anos noventa o problema

de fluxos de migrações forçadas foi

identificado e começou a ser lidado como um

grave problema, de modo sistemático.

IV. PRINCÍPIOS BÁSICOS

EM MIGRAÇÕES

Até então, enquanto a população de

refugiados superava os 18 milhões de

pessoas, e a população de deslocados internos

superava os 7 milhões (totalizando 25

milhões de pessoas)44, os migrantes, em busca

de melhores condições de vida e de trabalho,

por sua vez, totalizavam 80 milhões de

pessoas ao fim do século XX45, e – de

43 Ibid., p. 369.

44 F.M. Deng, Protecting the Dispossessed..., op. cit. supra n. (10), pp. 1 and 133.

45 A.A. Cançado Trindade, “Prefácio” para: V.O. Batista, União Européia: Livre Circulação de Pessoas e Direito de Asilo, Belo Horizonte/Brasil, Edit. Del Rey, 1998, p. 9.

acordo com dados recentes da Organização

Internacional para Migrações (OIM) – atinge

hoje em torno de 100 a 120 milhões de

migrantes em todo o mundo46. Ainda, o

sofrimento dos migrantes é conhecido por

longos anos47.

As causas de migrações forçadas não são

fundamentalmente distintas daquelas dos

deslocamentos forçados populacionais:

desastres naturais, pobreza crônica, conflitos

armados, violência generalizada, violação

sistemática dos direitos humanos48. Na antiga

Comissão das Nações Unidas sobre Direitos

Humanos, foi apontado que, no meio dos anos

noventa, os desafios desse novo fenômeno

deviam ser examinados no contexto da

realidade pós-Guerra Fria, de caráter étnico

e religioso, reprimidos no passado, mas que

emergiu em anos recentes, precisamente com

o fim da Guerra Fria49.

46 Jaime Ruiz de Santiago, El Problema de las Migraciones Forzosas en Nuestro Tiempo, Mexico, IMDSC, 2003, p. 10; e cf. projeções in: S. Hune and J. Niessen, “Ratifying the U.N. Migrant Workers Convention: Current Difficulties and Prospects”, 12 Netherlands Quarterly of Human Rights (1994) p. 393.

47 Sobre as adversidades sofridas pelos (estrangeiros) trabalhadores migrantes (e.g., discriminação com base na raça, nacionalidade, entre outros), cf., inter alia, S. Castles and G. Kosack, Los Trabajadores Inmigrantes y la Estructura de Clases en Europa Occidental, México, FCE, 1984, pp. 11-565.

48 Cit. in F.M. Deng, Protecting the Dispossessed..., op. cit. supra n. (10), p. 3.

49 Ibid., p. 4. – Avisaram-nos que, em relação aos migrantes, o Estado acolhedor está sempre disposto a exercer seu poder, e as distintas atitudes dos Países Europeus Ocidentais, de assimilação ou segregação dos migrantes, têm tido implicações conflituosas; E. Todd, El Destino de los Inmigrantes – Asimilación y Segregación en las Democracias Occidentales (transl. of Le destin des immigrés – Assimilation et ségrégation dans les démocraties occidentales), Barcelona, Tusquet Edit., 1996, pp. 147, 347, 351 e 353. O Drama dos

Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

Page 12: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

40

Ao que foi exposto é adicionado o

crescimento da pobreza crônica50. Para

enfrentar esse novo fenômeno de migrações

forçadas, a Assembléia Geral das Nações

Unidas aprovou, no dia 18/12/1990, a

Convenção Internacional sobre a Proteção

dos Direitos de Todos os Trabalhadores

Migrantes e suas Famílias. Essa importante

Convenção, que finalmente entrou em vigor

em 01/07/2003, tem, no entanto, recebido

poucas ratificações – até o início de Abril de

2007, somente 36 – e não tem sido ainda

suficientemente permeada pela doutrina

contemporânea, apesar de seu considerável

valor. A Convenção de 1990 estabeleceu o

Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos

os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias

como seu órgão supervisor (Artigo 72),

encarregado da análise de relatórios de

Estados (Artigos 73-74), assim como

comunicações e queixas inter-estatais e de

indivíduos (Artigos 76-77).

No meio dos anos noventa, o então

Centro das Nações Unidas para Direitos

Humanos identificou, como causa dos fluxos

contemporâneos de migrações forçadas, a

extrema pobreza (abaixo dos níveis de

subsistência), procura por trabalho, conflitos

armados, insegurança pessoal ou perseguição

em virtude de discriminação (tendo como

base a raça, origem étnica, cor, religião,

língua ou opiniões políticas)51. A idéia básica

Migrantes – seu anseio por raízes e sua própria identidade cultutal – têm, assim, persistido.

50 Que, de acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNPD), somente na América Latina, hoje, mais de 270 milhões de pessoas são vítimas (comparados com 250 milhões dos anos oitenta), os quais podem chegar perto dos 300 milhões.

51 U.N./Centro para Direitos Humanos, Los Derechos de los Trabajadores Migratorios (Foll. Inf. n. 24), Genebra, U.N., 1996, p. 4.

por trás da Convenção Internacional sobre a

Proteção dos Direi tos de Todos os

Trabalhadores Migrantes e suas Famílias é

que todos os trabalhadores migrantes – assim

qualificados na Convenção – devem desfrutar

de seus direitos humanos independentemente

de sua situação legal52.

Dessa forma, a posição central é ocupada,

também nesse contexto, pelo princípio de

não-discriminação (como estipulados no

Artigo 7). Sem maiores surpresas, uma lista

de direitos segue uma necessária visão

holística ou integral dos direitos humanos

(compreendendo direitos civis, políticos,

econômicos, sociais e culturais). A Convenção

tomou em consideração os padrões de

trabalho internacionais (derivado da

experiência da OIT – cf. infra), assim como

aqueles das Convenções das Nações Unidas

contra a discriminação53.

Os direitos de proteção são enunciados

em três das nove partes que conformam a

Convenção: Parte III (Artigos 8-35) lista os

direitos humanos de todos os migrantes

trabalhadores e os membros de suas famílias

(incluindo aqueles sem documentos); Parte

IV (Artigos 36-56) cobre outros direitos de

trabalhadores migrantes e membros de suas

famílias “que possuem documentos ou

estejam em uma situação regular”; e Parte V

(Artigos 57-63) contém disposições aplicáveis

a “categorias particulares” de trabalhadores

migrantes e membros de suas famílias54.

52 Ibid., pp. 15-16.

53 Cf. ibid., p. 16.

54 Quais sejam, trabalhadores de fronteiras, trabalhadores temporários, trabalhadores itinerantes, trabalhadores contratados por projetos, com emprego fixo, por conta própria – nos termos das definições do Artigo 2(2) da Convenção de 1990. O Artigo 2(1) define

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41

O princípio básico de não-discriminação,

que possui uma longa história e ao qual muita

importância tem sido atribuída no processo

de elaboração da Declaração Universal dos

Direitos Humanos de 194855, e que

subseqüentemente foi o principal objetivo de

duas importantes Convenções das Nações

Unidas (CERD, 1966, e CEDAW, 1979) – as

quais cobrem somente certos aspectos de tal

princípio – tem sido, somente em anos

recentes, utilizada de modo que melhor

explora seu potencial de aplicação, tal como

nas Opiniões Consultivas ns. 16 e 18 da Corte

Inter-Americana de Direitos Humanos, no

caso sobre O Direito à Informação sobre

Assistência Consular no contexto das

Garantias do Devido Processo Legal (1999),

e no caso sobre A Condição Jurídica e os

Direitos dos Migrantes sem Documentos

(2003), respectivamente.

Como, na visão dos Estados, não há

“direito humano para imigrar”, o controle de

entrada de migrantes está sujeito a seus

respectivos critérios “soberanos”, também

para “proteger” seus mercados internos56. Ao

invés de conceber e aplicar verdadeiras

políticas populacionais, tendo em mente os

direitos humanos, a maioria dos Estados tem

exercido a estrita função política de “proteger”

suas fronteiras e controlar fluxos migratórios,

“trabalhador migrante” como “uma pessoa que está para ser contratada, está contratada ou foi contratada para uma atividade remunerada em um Estado do qual ela não é cidadã”.

55 Cf. A. Eide et alii, The Universal Declaration of Human Rights – A Commentary, Oslo, Scandinavian University Press, 1992, p. 6.

56 M. Weiner, “Ethics, National Sovereignty and the Control of Immigration”, 30 International Migration Review (1996) pp. 171-195.

e sancionado os chamados migrantes “ilegais”.

Toda a questão tem sido indevidamente e

desnecessariamente “criminalizada”.

Dessa forma, não é surpreendente que

inconsistências e arbitrariedades decorram daí

em diante. Estas se manifestam em “regimes

democráticos” cuja administração da justiça,

não obstante, ainda não conseguiu se livrar de

antigos preconceitos contra os imigrantes,

principalmente quando esses são pobres e

desprovidos de documentos. Os programas de

“modernização” da justiça, com financiamento

internacional, não se aprofundam nesse

aspecto, uma vez que sua maior motivação é

assegurar a segurança de investimentos (bens

e capitais).

Isso fornece uma reveladora imagem da

(reduzida) dimensão que autoridades públicas

têm conferido aos seres humanos no começo

do século XXI, colocada em uma escala

inferior àquela atribuída a bens e capitais – a

despeito de todas as lutas do passado e de todo

o sofrimento de antigas gerações. A área na

qual as maiores incongruências aparecem

manifesta-se, nos dias de hoje, na forma

daquela relativa às garantias do Devido

Processo Legal.

Ainda, a reação da Lei tem se tornado

pontual e manifestando-se, atualmente, como

demonstrado, por exemplo, pelas pioneiras

Opiniões Consultivas ns. 16 e 18 da Corte

Interamericana de Direitos Humanos, no caso

sobre O Direito à Informação sobre Assistência

Consular no contexto das Garantias do Devido

Processo Legal (1999), e no caso sobre

A Condição Jurídica e os Direitos dos

Migrantes sem Documentos (2003),

respectivamente. A Opinião Consultiva n. 16

colocou o Direito de notificação consular,

como estipulado pelo Artigo 36(1) (b) da

Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

Page 14: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

42

Convenção de Viena de 1963 sobre Relações

Consulares, no universo conceitual da

Legislação do Direito Internacional dos

Direitos Humanos. Isso tem, sem dúvidas,

conferido uma dimensão de direitos humanos

a alguns postulados do clássico direito

consular, como apontei em meu Parecer

Concordante (pars. 1-35)57 na mencionada 16ª

Opinião Consultiva da Corte.

Desde que foi emitida pela Corte, a 16ª

Opinião Consultiva, apesar de inspirar a

jurisprudência internacional in statu nascendi,

tem tido um considerável impacto na prática

internacional no continente Americano (mais

particularmente na América Latina58). Ainda,

há grande necessidade de uma maior e genuína

cooperação internacional para assegurar

assistência e proteção a todos os migrantes e

aos membros de suas famílias. Normas

legais não podem ser efetivas sem valores

correspondentes e subjacentes e, no presente

campo, a aplicação das relevantes normas

requer, sobretudo, uma fundamental mudança

de mentalidade.

Em relação ao presente assunto, as

normas já ex is tem, mas o dev ido

reconhecimento dos valores, ao que parece,

ainda está ausente, assim como a referida

nova mentalidade. Não é meramente casual

que a Convenção Internacional sobre a

Proteção de Todos os Migrantes Trabalhadores

57 Cf. texto in: A.A. Cançado Trindade, Derecho Internacional de los Derechos Humanos – Esencia y Trascendencia (Votos en la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 1991-2006), Mexico, Edit. Porrúa/Universidad Iberoamericana, 2007, pp. 15-27.

58 Cf. A.A. Cançado Trindade, “The Humanization of Consular Law: The Impact of Advisory Opinion n. 16 (1999) of the Inter-American of Human Rights on International Case-Law and Practice”, 4 Chinese Journal of International Law (2007) pp. 1-16.

e os Membros de Suas Famílias, apesar de

ter entrado em vigor em 01/07/2003, como

apontado anteriormente, não tenha sido

ratificada por muitos Estados até agora59 (cf.

supra). Apesar da identidade dos princípios

básicos e da legislação aplicável em distintas

situações, a proteção dos migrantes requer,

não obstante, uma ênfase especial em um e

outro aspecto em particular. O ponto inicial,

ao que tudo indica, refere-se ao reconhecimento

que todo migrante tem o direito de desfrutar

de todos os direitos humanos fundamentais,

assim como dos direitos derivados dos

empregos que ocupavam no passado,

independentemente de sua situação jurídica

(seja ela regular ou não).

Aqui, mais uma vez, uma visão holística

ou integral de todos os direitos humanos

(civis, políticos, econômicos, sociais e

culturais) é aplicável. Assim como o princípio

de non-refoulement constitui o núcleo de

proteção dos refugiados (como princípio de

customary law e, mais adiante, de jus cogens),

aplicáveis também em outras situações no

que diz respeito aos migrantes (em sua

maioria os desprovidos de documentação),

esse ponto assume especial importância,

apesar do devido processo legal (supra);

59 Em alguns casos, as insuficiências dos instrumentos de proteção resultam da própria formulação de algumas de suas normas. Por exemplo, até onde a proteção dos apátridas é levada em consideração, a Convenção de 1954 relativa ao Status dos Apátridas (e, implicitamente, também na Convenção de 1961 para a Redução dos Casos de Apátridas) somente se refere a apátridas de jure, evitando que pessoas tornem-se apátridas pelo seu nascimento, mas falhando em proibir – o que talvez poderia ser mais relevante – a revogação ou perda da nacionalidade em determinadas circunstâncias; C.A. Batchelor, “Stateless Persons: Some Gaps in International Protection”, 7 International Journal of Refugee Law (1995) pp. 232-255.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

Page 15: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

43

assim, os direitos humanos fundamentais e a

dignidade dos migrantes em situação irregular

e sem documentos deve ser preservada

também em face das ameaças de deportação

e (ou) expulsão60. Toda pessoa nessa situação

tem o direito de ser ouvida por um juiz e não

ser presa ilegalmente ou arbitrariamente61.

A Convenção Internacional sobre a

Proteção de Todos os Migrantes Trabalhadores

e os Membros de Suas Famílias proíbe

medidas de expulsão coletiva, e determina

que cada caso de expulsão seja “examinado

e decidido individualmente” (Artigo 22(1)),

de acordo com a lei. Devido à grande

60 Para uma significativa argumentação contra as arbitrariedades na deportação de migrantes, e para o apoio ao tratamento de todos os migrantes (incluindo aqueles sem documentos) com justiça, e para um senso de humanitarismo, cf. B.O. Hing, Deporting Our Souls – Values, Morality and Immigrantion Policy, Cambridge, University Press, 2006, pp. 1-215. Sobre as disposições da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Migrantes Trabalhadores e os Membros de suas Famílias contra injustas e arbitrarias expulsões, nos termos das considerações humanitárias, cf. R. Cholewinski, Migrant Workers in International Human Rights Law – Their Protection in Countries of Employment, Oxford, Clarendon Press, 1997, pp. 182-184. E, sobre a proibição de expulsão em massa de estrangeiros, cf. A.A. Cançado Trindade, “El Desarraigo como Problema de Derechos Humanos frente a la Conciencia Jurídica Universal”, in Movimientos de Personas e Ideas y Multiculturalidad (Forum Deusto), vol. I, Bilbao, University of Deusto, 2003, pp. 82-84; H.G. Schermers, “The Bond between Man and State”, Recht zwischen Umbruch und Bewahrung – Festschrift für R. Bernhardt (eds. U. Beyerlin et alii), Berlin, Springer-Verlag, 1995, pp. 192-194; H. Lambert, “Protection against Refoulement from Europe: Human Rights Law Comes to the Rescue”, 48 International and Comparative Law Quarterly (1999) pp. 515-518.

61 Reassentamento, em tempo razoável, em um terceiro país, deve também ser considerado; cf. “Los Derechos y las Obligaciones de los Migrantes Indocumentados en los Países de Acogida / Protección de los Derechos Fundamentales de los Migrantes Indocumentados”, 21 International Migration / Migraciones Internacionales (1983) pp. 135-136.

vulnerabilidade que acompanha os migrantes

em situações de irregularidade, tanto o país

de origem quanto o país de admissão devem

tomar medidas positivas para assegurar que

todas as migrações ocorram de maneira

regular62. Esse é um desafio a todos os

países, e mais relevante àqueles que se

dizem “democráticos”. Por fim, a Convenção

de 1990 deve ser apreciada em conjunto com

o Pacto das Nações Unidas de 1996

sobre Direitos Civis e Políticos, assim

como com as relevantes Convenções da

OIT sobre o assunto63.

V. A PROTEÇÃO DE MIGRANTES

NA JURISPRUDÊNCIA

INTERNACIONAL

1. S i s tema Europeu de Dire i tos

Humanos

O tema “migrantes” tem marcado sua

presença nos níveis normativos ou

operacionais do sistema europeu de proteção

aos Direitos Humanos. Assim, o Protocolo n.

4 (de 1963) para a Convenção Européia de

Direitos Humanos efetivamente proíbe a

expulsão coletiva de estrangeiros (Artigo 4).

Ainda, no que diz respeito aos casos

individuais, se a expulsão de um estrangeiro

resulta na separação dos membros de sua

62 Cf. ibid., p. 136.

63 Precisamente, a Convenção (n. 97) de Migrações para Empregos de 1949 (Revisada), a Convenção (n. 143) sobre Trabalhadores Migrantes, assim como a Recomendação n. 151 sobre Trabalhadores Migrantes (de 1975). Para uma discussão contextual, cf., e.g., B. Boutros-Ghali, “The U.N. and the I.L.O.: Meeting the Challenge of Social Development”, in Visions of the Future of Social Justice – Essays on the Occasion of the I.L.O.’s 75th Anniversary, Geneva, I.L.O., 1994, pp. 51-53.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

Page 16: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

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unidade familiar, esse ato traz consigo uma

violação do Artigo 8 da Convenção Européia

de Direitos Humanos; conseqüentemente, os

Estados Parte desta Carta não possuem mais

total independência para expulsar do seu

território estrangeiros que já estabeleceram

“genuínos laços” com eles64.

Os limites ao poder discricionário com

que cada Estado signatário dos tratados de

Direitos Humanos tem para tratar as pessoas

sob suas jurisdições foram salientados, e.g.,

no famoso caso dos Asiáticos do Leste

Africano. Nesse caso, a antiga Comissão

Européia de Direitos Humanos concluiu que

25 daqueles que fizeram a queixa (os quais

requereram o status de cidadãos britânicos

após a independência do Quênia e Uganda

para ficarem livres de controles migratórios)

foram vitimados por uma nova lei britânica

que impunha fim ao direito de entrada de

cidadãos britânicos que não tivessem laços

ancestrais com o Reino Unido. No

entendimento da antiga Comissão Européia

(Relatório de 1973), essa lei constituía um

ato de discriminação racial o qual, por sua

vez, caracterizava um “tratamento degradante”

nos termos do Artigo 3 da Convenção

Européia de Direitos Humanos65.

Anos depois, a mesma Comissão Européia

confirmou sua posição no assunto, no caso

64 H.G. Schermers, “The Bond between Man and State”, Recht zwischen Umbruch und Bewahrung..., op. cit. supra n. (62), pp. 192-194.

65 Apesar do fato de que o caso nunca foi apresentado junto à Corte Européia de Direitos Humanos, e que o Comitê de Ministros não se pronunciou sobre essa violação da Convenção Européia, aguardou-se que todas as partes fossem admitidas no Reino Unido para concluir se, não mais, seria necessário tomar qualquer outra medida. D.J. Harris, M. O’Boyle and C. Warbrick, Law of the European Convention on Human Rights, Londres, Butterworths, 1995, pp. 81-82 and 695.

de Abdulaziz, Cabales e Balkandali versus o

Reino Unido (1983), no qual alertou que há

limites para os poderes discricionários

estatais no que diz respeito à legislação de

imigração, tal como o fato de que um Estado

não pode, e.g., implementar políticas baseadas

em discriminação racial66. O caso foi remetido

à Corte Européia pela Comissão, quando as

aplicantes (Sra. Abdulaziz, Sra. Cabales e a

Sra. Balkandali, legalmente e permanentemente

estabelecidas no Reino Unido) foram

impedidas de se juntar aos seus maridos

naquele país. A Corte Européia, entretanto,

no seu julgamento (1985) encontrou uma

violação, não do Artigo 8 per se, mas do

Artigo 8 (respeito à vida familiar e privada)

junto com o Artigo 14 (proibição de

discriminação), pela razão de discriminação

com base no sexo67.

Adicionalmente, no caso de Abdulaziz,

Cabales e Balkandali, a Corte estabeleceu

uma violação do Artigo 13 da Convenção,

por falta de acesso à justiça. A Corte

ponderou que:

a discriminação com base no sexo da qual a Sra. Abdulaziz, a Sra. Cabales e a Sra. Balkandali foram vítimas foi resultado de normas que são, nesse aspecto, incompatíveis com a Convenção. Neste ponto, uma vez que o Reino Unido não incorporou a Convenção

66 Cit. in ibid., p. 82. – A Antiga Comissão Européia preocupou-se em caracterizar a “coletiva expulsão de estrangeiros”, por causa da aplicação da proibição contida no Artigo 4 do Protocolo n. 4 da Convenção Européia, como ilustrado, e.g., pelas considerações no caso A. et alii versus Holanda (1988), interposto por 23 reclamantes provenientes do Suriname; cf. Comissão Européia de Direitos Humanos, aplicação n. 14209/88 (decisão de 16.12.1988), em Decisions and Reports, vol. 59, Strasbourg, C.E., 1989, pp. 274-280.

67 Parágrafos 83 e 86, e ponto resolutório n. 3.

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Page 17: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

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na sua legislação doméstica, não há um ‘reparo efetivo’ tal como requerido pelo Artigo 13 68.

No seu Parecer Concordante no caso

Abdulaziz, Cabales e Balkandali, o Juiz R.

Bernhardt, de modo correto, argumentou que:

o Artigo 13 deve, em minha opinião, ser pautado de um significado que seja independente da questão se qualquer outra disposição desta Convenção é, de fato, violada. Quando uma pessoa faz uma queixa que uma das disposições da própria Convenção – ou qualquer outro princípio similar contido no sistema legal – é violada por uma autoridade nacional (administrativa ou executiva), o Artigo 13 é, em meu entender, aplicável e algum reparo deve estar disponível 69.

A despeito do fato que a Convenção

Européia não contemplou o direito de não-

expulsão pelos Estados Partes, muito

rapidamente, nas operações da Convenção

Européia, foi aceito o fato que há limites para

o poder discricionário dos Estados Parte em

controlar a chegada e partida de estrangeiros,

em virtude das obrigações contraídas sob a

própria Convenção, como ilustrado, e.g., por

aquelas referentes ao Artigo 8 (sobre o direito

de respeito à vida familiar e privada). Assim,

embora não exista uma definição geral de

“v ida fami l ia r” , rap idamente uma

jurisprudência foi desenvolvida a esse

respeito, em face das circunstâncias de cada

caso concreto. Essa jurisprudência, tendo

em mente, inter alia, o princípio de

proporcionalidade, estipulou de modo restrito

as condições para a expulsão70.

68 Parágrafo 93, e ponto resolutório n. 6.

69 ECtHR, caso do Abdulaziz, Cabales e Balkandali, Julgamento (28.05.1985), Estrasburgo, C.E., 1985, Parecer Concordante do Juíz R. Bernhardt, p. 41.

70 Tendo em mente a disposição do Artigo 8 da Convenção Européia; cf. M.E. Villiger, “Expulsion and

Um estudo da proteção dos trabalhadores

migrantes na Legislação Internacional dos

Direitos Humanos ressaltou que, em diferentes

ocasiões, a Corte Européia encontrou “uma

infração do direito ao respeito à vida familiar

em casos envolvendo migrantes de segunda-

geração, quer tenham sido expulsos ou

estejam sob ameaças de expulsão, por terem

sido acusados de ofensas criminais em seus

países de residência”71. Embora, em cada

caso, as expulsões, ou ameaças de expulsão,

tivessem como objetivo impedir a desordem

ou crime, elas constituíam – o estudo

continuou, ressaltando inter alia os

julgamentos da Corte nos casos de Beldjoudi

versus França (de 26.03.1992) e Moustaquim

versus Bélgica (de 18.02.1991) – “meios

desproporcionais de atingir esse objetivo,

uma vez que os indivíduos afetados passaram

parte de suas vidas, junto com suas famílias,

nos países em questão e possuem pouco ou

nenhum laço com seus países de origem” 72.

Os casos Beldjoudi e Moustaquim, junto

com o caso Lamguindaz versus Reino Unido

(1992), são tidos atualmente como casos

pioneiros nesse assunto em particular. Como

argumentado em outro estudo sobre o tema,

dados os laços (tais como laços familiares e

sociais, escola, entendimento da língua e

the Right to Respect for Private and Family Life (Article 8 of the Convention) – An Introduction to the Commission’s Case-Law”, in Protecting Human Rights: The European Dimension – Studies in Honour of G.J. Wiarda / Protection des droits de l’homme: La dimension européenne – Mélanges en l’honneur de G.J. Wiarda (eds. F. Matscher e H. Petzold), Köln/Berlin, C. Heymanns Verlag, 1988, pp. 657-658 and 662.

71 R. Cholewinski, Migrant Workers in International Human Rights Law – Their Protection in Countries of Employment, Oxford, Clarendon Press, 1997, p. 341.

72 Ibid., pp. 341-342.

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Page 18: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

46

cultura) entre migrantes de segundas gerações

e seus (novos) países de residência, eles são

cidadãos de facto, e sua deportação ou

expulsão poderá resultar em uma violação do

seu direito à vida familiar e privada (Artigo

8 da Convenção Européia)73. A proteção dos

Direitos Humanos dos migrantes, sob certas

circunstâncias, tem assim encontrado

reconhecimento jurídico no Sistema Europeu

de Direitos Humanos. Isso também ocorreu

no sistema Inter-Americano de Direitos

Humanos, que tem ido além do sistema

Europeu nessa questão, tal como indicado

a seguir.

2. Sistema Inter-Americano de Direitos

Humanos.

A proteção dos migrantes tem, da mesma

forma, marcado presença nos níveis

normativos e operacionais do Sistema Inter-

Americano de proteção aos Direitos Humanos.

Esse tema tem sido, na verdade, notavelmente

presente na jurisprudência da Corte Inter-

Americana de Direitos Humanos nos anos

recentes. Eu já havia me referido ao

Julgamento da Corte (de 15.06.2005) sobre

o caso da Comunidade Moiwana versus

Suriname, assim como à Ordem da Corte de

Medidas Provisórias de Proteção (de

18.08.2000) no caso dos Haitianos e os

73 R. Cholewinski, “Strasbourg’s ‘Hidden Agenda’: The Protection of Second-Generation Migrants from Expulsion under Article 8 of the European Convention of Human Rights”, 12 Netherlands Quarterly of Human Rights (1994) pp. 287-306. – Para a obiter dicta da Corte Européia de Direitos Humanos na questão de “imigrantes de longo prazo”, apesar de não ter sido encontrada nenhuma violação do Artigo 8 da Convenção Européia nos cas d’espèce, cf. ECtHR, caso do Uner versus Holanda, Julgamento de 18.10.2006, pars. 55-60.

Dominicanos de Origem Haitiana na

República Dominicana. Nesta carta, no meu

Parecer Concordante, percebi como válido

alertar sobre a necessidade premente de

enfrentar a tragédia contemporânea do

desarraigamento. Além disso, eu ainda

aleguei que

o princípio de non-refoulement, o núcleo da proteção aos refugiados (como princípio de customary law e também de jus cogens), pode ser invocado ainda em diferentes contextos, como aqueles referentes à expulsão coletiva de (...) migrantes ou outros grupos. Esse princípio também foi definido em tratados de Direitos Humanos, como ilustrado pelo Artigo 22(8) da Convenção Americana de Direitos Humanos 74.

A relevância dessa abordagem para o

tema em questão, em relação à Ordem da

Corte de Medidas Provisórias de Proteção

no caso dos Haitianos e os Dominicanos de

Origem Haitiana na República Dominicana,

tem sido prontamente reconhecida em

escritos da área75.

No que diz respeito ao mencionado

Julgamento da Corte Inter-Americana, de

15.06.2005, no caso da Comunidade Moiwana

versus Suriname, o mesmo foi seguido de

uma Interpretação da Sentença (de

08.02.2006), à qual eu adicionei um Parecer

Separado, na qual eu lido com os seguintes

assuntos: a) a delimitação, demarcação,

74 Parágrafo 7 n. 5 do meu Parecer Concordante (tradução própria), texto in: A.A. Cançado Trindade, Derecho Internacional de los Derechos Humanos – Esencia y Trascendencia (Votos en la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 1991-2006), México, Edit. Porrúa/Universidad Iberoamericana, 2007, p. 878.

75 Cf. Jaime Ruiz de Santiago, El Problema de las Migraciones Forzosas en Nuestro Tiempo, México, Instituto Mexicano de Doctrina Social Cristiana, 2003, pp. 27-30.

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Page 19: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

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titulação e retorno da terra (aos membros

sobreviventes da Comunidade Moiwana e seus

parentes) como uma forma de reparação; b) o

dever do Estado de garantir retorno voluntário

e sustentável; e c) a necessidade de reconstrução

e preservação da identidade cultural dos

membros da Comunidade Moiwana76.

Mais adiante, a grande adversidade

submetida aos migrantes foi devidamente

abordada, e devidamente enfatizada, no curso

de todo os procedimentos consultivos da

Corte Inter-Americana de Direitos Humanos

anteriores a aqueles que conduziram à adoção

das históricas 16ª e 18ª Opiniões Consultivas,

de 1999 e 2003, respectivamente. Ambas as

Opiniões foram pioneiras na jurisprudência

internacional contemporânea (infra), e

representam a reação da Lei a situações de

violação dos Direitos Humanos em larga

escala, e a pessoas que, em tempos, encontram-

se totalmente desprovidas de defesa. Dessa

forma, é apropriado revisar, em nosso atual

estágio, a contribuição dessas duas

memoráveis Opiniões Consultivas para a

salvaguarda dos Direitos Humanos dos

migrantes desprovidos de documentos.

a) A Opinião Consultiva relativa ao

Direito à Informação sobre Assistência

Consular no âmbito das garantias do

Devido Processo Legal (1999).

A Corte Inter-Americana emitiu, em

01.10.1999, a décima sexta Opinião

76 Para o texto completo do meu Parecer Separado no casdo da Comunidade Moiwana versus Suriname (Interpretação da Sentença, de 08.02.2006), cf. A.A. Cançado Trindade, Derecho Internacional de los Derechos Humanos – Esencia y Trascendencia (Votos en la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 1991-2006), México, Edit. Porrúa/Universidad Iberoamericana, 2007, pp. 683-693.

Consultiva de sua história, sobre o Direito à

Informação sobre Assistência Consular no

contexto do Devido Processo Legal. Nessa

décima sexta Opinião Consultiva, de

transcendental importância, a Corte declarou

que o Artigo 36 da Convenção de Viena de

1963 sobre Relações Consulares reconhece

ao estrangeiro sob detenção direitos – entre

os quais encontra-se o direito à informação

sobre assistência consular – aos quais

correspondem deveres incumbidos aos Estados

nos quais esses indivíduos se encontram

detidos (independentemente de sua estrutura

federal ou unitária) (pars. 84 e 140).

A Corte Inter-Americana apontou que a

evolução da interpretação e aplicação do

corpus júris da Legislação Internacional dos

Direitos Humanos tem tido “um impacto

positivo na Legislação Internacional ao

afirmar e desenvolver a aptidão deste último

para regular as relações entre os Estados

e os seres humanos sob suas respectivas

jurisdições”. A Corte adotou, assim, uma

“devida abordagem” ao considerar o assunto

submetido a ela dentro do campo da “evolução

dos direitos fundamentais da pessoa humana

no Direito Internacional contemporâneo”

(pars. 114-115). A Corte declarou que

“Tratados de Direitos Humanos são

instrumentos vívidos cuja interpretação deve

seguir a evolução dos tempos e as atuais

condições de vida” (par. 114). A Corte deixou

claro que, em sua interpretação das normas

da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, ela deveria almejar estender a

proteção a novas situações com base nos

direitos preexistentes.

A Corte expressou que, para o devido

processo legal ser preservado, “um recorrente

deve estar apto a exercer seus direitos e

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Page 20: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

48

defender seus interesses efetivamente e em

completa equidade com outros recorrentes”

(par. 117). Em ordem de atender seus objetivos,

“o processo jurídico deve reconhecer e

corrigir os fatores de real desigualdade”

daqueles levados à justiça (par. 119); assim, a

notificação – a pessoas desprovidas de sua

liberdade no exterior – de seu direito de se

comunicar com o seu cônsul, contribui para

salvaguardar sua defesa e o respeito aos seus

direitos processuais (pars. 121-122). O direito

individual à informação sob o Artigo 36(1)(b)

da Convenção de Viena sobre Relações

Consulares está, portanto, de acordo com o

devido processo legal (par. 124).

A não-observância ou obstrução do

exercício desse direito afeta as garantias

judiciais (par. 129). A Corte, nesse sentido,

conectou o direito em questão a garantias, em

desenvolvimento, do devido processo legal,

e adicionou que sua não-observância em

casos de imposição e execução de penas de

morte resulta numa arbitrária privação do

próprio direito à vida (nos termos do Artigo

4 da Convenção Americana de Direitos

Humanos e do Artigo 6 do Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Políticos), com todas

as conseqüências jurídicas inerentes a

violações desse tipo, ou seja, aquelas que

d izem respei to à responsabi l idade

internacional do Estado e ao direito de

reparação (par. 137)77.

A 16ª Opinião Consultiva da Corte,

verdadeiramente pioneira, serviu como

inspiração para a emergente jurisprudência

internacional, in statu nascendi, sobre o

77 E cf. Pareceres Concordantes dos Juízes A.A. Cançado Trindade e S. García Ramírez, e Parecer Parcialmente Dissidente do Juíz O. Jackman.

assunto78, e tem tido sensível impacto nas

práticas dos Estados da região sobre esta

questão79. O Parecer Concordante contou com

uma considerável mobilização (com 8

Estados interventores, além de diversas

organizações não-governamentais e

indivíduos)80. Esse histórico Parecer

Concordante n. 16, ainda, revela o impacto

da Legislação Internacional de Direitos

Humanos na evolução do próprio Direito

Internacional Público, especificamente pelo

78 Como prontamente reconhecido por escritos da área; cf., e.g., G. Cohen-Jonathan, “Cour Européenne des Droits de l’Homme et droit international général (2000)”, 46 Annuaire français de Droit international (2000) p. 642; M. Mennecke, “Towards the Humanization of the Vienna Convention of Consular Rights – The LaGrand Case before the International Court of Justice”, 44 German Yearbook of International Law/Jahrbuch für internationales Recht (2001) pp. 430-432, 453-455, 459-460 and 467-468; L. Ortiz Ahlf, De los Migrantes – Los Derechos Humanos de los Refugiados, Asilados, Desplazados e Inmigrantes Irregulares, México, Ed. Porrúa/Univ. Iberoamericana, 2004, pp. 1-68; Ph. Weckel, M.S.E. Helali and M. Sastre, “Chronique de jurisprudence internationale”, 104 Revue générale de Droit international public (2000) pp. 794 and 791; Ph. Weckel, “Chronique de jurisprudence internationale”, 105 Revue générale de Droit international public (2001) pp. 764-765 and 770.

79 Cf. A.A. Cançado Trindade, «The Humanization of Consular Law: The Impact of Advisory Opinion n. 16 (1999) of the Inter-American of Human Rights on International Case-Law and Practice», 4 Chinese Journal of International Law (2007) pp. 1-16.

80 Nas audiências públicas (deste 16o. Opinião Consultiva) perante a Corte, além dos 8 Estados interventores, alguns indivíduos estiverem presentes, especificamente: 7 indivíduos representantes de 4 nacionalidades e organizações não-governamentais (atuantes no campo dos Direitos Humanos), 2 indivíduos de uma organização não-governamental trabalhando para a abolição da pena de morte, 2 representantes de uma entidade nacional de advogados, 4 Professores Universitários nas suas capacidades individuais, e 3 indivíduos representantes de uma pessoa condenada à morte.

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Page 21: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

49

fato da Corte Inter-Americana ter sido o

primeiro tribunal internacional a alertar que,

em caso de não-observância ao Artigo 36(1)

(b) da Convenção de Viena sobre Relações

Consulares de 1963, isso ocorre não somente

em detrimento de um Estado Parte, mas

também dos seres humanos em questão81.

Na mesma linha de pensamento, a

Opinião Consultiva n.º 18 abre um novo

campo para a proteção de migrantes, ao

reconhecer o caráter de jus cogens do

princípio básico de igualdade e não-

discriminação, e a prevalência dos direitos

inerentes a seres humanos, independentemente

de seus Estados de origem. A Opinião

Consultiva contou com uma mobilização

ainda maior (com 12 Estados acreditados,

além do ACNUR, diversas organizações não-

governamentais, instituições acadêmicas e

indivíduos), a maior na história da Corte até

os dias de hoje. A recente Opinião Consultiva

n. 18 está, da mesma forma, causando

impacto na teoria e prática da Legislação

Internacional no presente domínio da proteção

dos Direitos Humanos dos Migrantes82.

81 Da mesma forma que a CIJ subseqüentemente também admitiu, no caso LaGrand.

82 Assim como devidamente admitido por escritos da área; cf., e.g., L. Hennebel, “L’`humanisation’ du Droit international des droits de l’homme – Commentaire sur l’Avis Consultatif n. 18 de la Cour Interaméricaine relatif aux droits des travailleurs migrants», 15 Revue trimestrielle des droits de l’homme (2004) n. 59, pp. 747-756; S.H. Cleveland, «Legal Status and Rights of Undocumented Migrants – Advisory Opinion OC-18/03 [of the] Inter-American Court of Human Rights», 99 American Journal of International Law (2005) pp. 460-465; C. Laly-Chevalier, F. da Poïan and H. Tigroudja, «Chronique de la jurisprudence de la Cour Interaméricaine des Droits de l’Homme (2002-2004)», 16 Revue trimestrielle des droits de l’homme (2005) n. 62, pp. 459-498. E cf. também, sobre o impacto do Opinião Consultiva n. 18 da IACtHR nos Estados Unidos, R. Smith, «Derechos Laborales y

b) A Opinião Consultiva sobre a Condição

Jurídica e os Direitos de Migrantes

Indocumentados (2003)

No dia 10 de março de 2002, o México

requereu à Corte Inter-Americana de Direitos

Humanos sua 18ª Opinião Consultiva sobre

a Condição Jurídica e os Direitos dos

Migrantes Indocumentados. No curso da

correspondente Opinião Consultiva, a qual

contou com a maior participação pública de

toda a história da Corte, a Corte celebrou duas

audiências públicas, a primeira em sua sede

em São José da Costa Rica, em fevereiro de

2003, e a segunda fora de sua sede (pela

primeira vez na sua história), em Santiago do

Chile, em junho de 2003. O procedimento

consultivo contou com a participação de 12

Estados acreditados (entre os quais cinco

intervieram nas audiências), a Comissão

Inter-Americana de Direitos Humanos, uma

agência das Nações Unidas (o Alto

Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados – ACNUR), e nove entidades da

sociedade civil e círculos acadêmicos de

diversos países da região, além do Ombudsmen

(Procurador-Geral) do Conselho de Direitos

Humanos da América Central.

No dia 17 de setembro de 2003, a Corte

Inter-Americana de Direitos Humanos emitiu

sua 18ª Opinião Consultiva (requerida pelo

México), sobre a Condição Jurídica e os

Direitos dos Migrantes sem Documentos, no

qual considerou que os Estados devem

assegurar o respeito aos Direitos Humanos à

Derechos Humanos de los Migrantes en Estatus Irregular en Estados Unidos», in Memorias del Seminario Internacional ̀ Los Derechos Humanos de los Migrantes’ (México, Junho de 2005), México, Secretaría de Relaciones Exteriores, 2005, pp. 299-301.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.29-64, 2008.

Page 22: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

50

luz dos princípios gerais e básicos de

igualdade e não-discriminação, e que

qualquer ato discriminatório no que diz

respeito à proteção e ao exercício dos Direitos

Humanos deve responder à responsabilidade

internacional dos Estados. Na visão da

Corte, o princípio fundamental de igualdade

e não-discriminação entrou no domínio do

jus cogens.

A Corte adicionou que os Estados não

podem discriminar ou tolerar situações

discriminatórias em detrimento dos migrantes,

e deve garantir o devido processo legal a

qualquer pessoa, independente do seu status

migratório. Este último não pode ser uma

justificativa para desprover uma pessoa do

exercício e do gozo dos seus direitos humanos,

incluindo direitos trabalhistas. Migrantes

sem documentos têm os mesmos direitos

trabalhistas como quaisquer outros

trabalhadores dos Estados nos quais

trabalham, e esse ponto deve garantir respeito

a esses direitos na prática. Os Estados não

podem subordinar ou condicionar a

observância do princípio de igualdade perante

a lei e o princípio de não-discriminação aos

objetivos de suas políticas migratórias ou

outras políticas em geral.

Pareceres Individuais, adicionalmente,

foram apresentados por quatro juízes, todos

sendo, de modo significativo, Pareceres

Concordantes. Em meu Parecer Concordante,

como Presidente da Corte, ressaltei nove

pontos principais, designadamente: a) o

civitas maxima gentium e a universalidade da

humanidade; b) as disparidades do mundo

contemporâneo e a vulnerabilidade dos

migrantes; c) a reação da consciência jurídica

universal; d) a construção do direito subjetivo

individual ao asilo; e) a posição e o papel dos

princípios gerais da Lei; f) os princípios

fundamentais como substratum da própria

ordem legal; g) o princípio da igualdade

e não-discr iminação na Legis lação

Internacional dos Direitos Humanos; h) a

emergência, o contento e o escopo do jus

cogens; e i) a emergência e as obrigações

erga omnes de proteção (em suas dimensões

verticais e horizontais).

A 18ª Opinião Consultiva da Corte Inter-

Americana, sobre a Condição Jurídica e os

Direitos dos Migrantes Indocumentados, já

tem deixado, em todas suas implicações, um

considerável impacto no continente

Americano, e sua influência está fadada a

irradiar-se também a outros lugares, tendo

em mente a importância do assunto. Ela

propõe a mesma dinâmica ou interpretação

evolutiva da Legislação Internacional dos

Direitos Humanos, anunciada pela Corte

Inter-Americana, quatro anos atrás, no seu

pioneiro 16º Parecer Concordante, sobre o

Direito à Informação sobre Assistência

Consular no contexto do Devido Processo

Legal (1999)83, que tem sido, desde então,

uma fonte de inspiração para a jurisprudência

internacional, in statu nascendi, sobre o

assunto. Em 2003, a Corte Inter-Americana

reiterou e expandiu em suas perspectivas de

futuro, na sua 18ª Opinião Consultiva, sobre

a Condição Jurídica e os Direitos dos

Migrantes Indocumentados, construída sobre

os conceitos de jus cogens e de obrigações

erga omnes de proteção.

83 No pioneiro 16o. Parecer Concordante, de grande importância, a Corte Inter-Americana esclareceu que, na sua interpretação das normas da Convenção, a proteção deveria ser estendida a novas situações (como aquelas relativas à observância do direito à informação sobre assistência consular) nos termos dos direitos pré-existentes (supra).

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Page 23: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

51

VI. A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES EM SISTEMAS DE RAPPORTEUR.

A proteção dos Direitos Humanos dos

migrantes tem de fato se tornado uma

questão-chave na agenda internacional dos

Direitos Humanos nessa primeira década do

século XXI. É um fato um tanto surpreendente,

dada a crescente sensibilização das relações

entre a intensificação dos fluxos migratórios

(desde o fim dos anos 80 em diante), a

crescente internacionalização do capitalismo,

a crescente exploração do trabalho (gerada

pelas “necessidades do capital”, junto

com custos humanos de desemprego e

subempregos, “informalidade” nas relações

de trabalho, procura por mão-de-obra

barata, empobrecimento das condições de

vida de grandes segmentos da população,

e concentração de renda e riqueza em

escala mundial)84.

Era de esperar que, nos anos noventa, o

tema fosse objeto de crescente atenção por

parte dos organismos internacionais nos

níveis universais (Nações Unidas) e regionais

(Organização dos Estados Americanos). No

nível global, lúcidas vozes de dentro do Alto

Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados (ACNUR) alertaram que o

ACNUR não poderia mais somente trabalhar

para a proteção dos refugiados, mas também

deveria levar em consideração as negações

de Direitos Humanos aos deslocados internos,

como também aos migrantes, e trabalhar para

sua proteção, junto com aquela destinada aos

refugiados85. Nesse sentido, não deve passar

84 Cf., e.g., A.M. Aragonés Castañer, Migración Internacional de Trabajadores – Una Perspectiva Histórica, Mexico, Edit. Plaza y Valdés, 2004 [reimpr.], pp. 21, 23, 54, 62, 71-73, 115-120, 125-126, 148 e 154-157.

85 Jaime Ruiz de Santiago, “El Impacto en el Refugio de la Nueva Dinámica Migratoria en la Región – Retos para Asegurar la Protección de

despercebido que o ACNUR, na verdade,

interveio nas audiências orais perante a Corte

Inter-Americana de Direitos Humanos, nos

procedimentos consultivos que levaram à

adoção, pela Corte, da sua 18ª Opinião

Consultiva sobre a Condição Jurídica e os

Direitos dos Migrantes Indocumentados (de

17.09.2003)86.

Além disso, as organizações internacionais,

impulsionadas pelo novo fenômeno da

intensificação dos fluxos de migrações

forçadas, decidiram – tanto as Nações Unidas

e a Organização dos Estados Americanos –

inserir o assunto no sistema de trabalho de

seus respectivos sistemas de Rapporteur.

O mandato do Rapporteur Especial das

Nações Unidas para os Direitos Humanos

dos Migrantes foi criado em 1999, pela

Resolução 1999/44 da antiga Comissão das

Nações Unidas sobre Direitos Humanos

(par. 3). A Resolução acreditou o Rapporteur

com a tarefa de elaborar relatórios e realização

de visitas a países, e ainda solicitou que

ele examinasse “maneiras e meios para

superar os obstáculos existentes à completa

e efetiva proteção dos Direitos Humanos

dos migrantes” 87.

Refugiados”, in IIHR, Primer Curso de Capacitación para Organizaciones de la Sociedad Civil sobre Protección de Poblaciones Migrantes (June 1999), México/São José da Costa Rica, UNHCR/Universidad Iberoamericana/IIHR, 2002, p. 43; Juan Carlos Murillo, “La Declaración de Cartagena, el Alto Comisionado de Naciones Unidas para los Refugiados y las Migraciones Mixtas”, in Migraciones y Derechos Humanos (Agosto 2004), São José da Costa Rica, IIHR/PRODECA, 2004, pp. 174-176.

86 Para os requerimentos do ACNUR perante a Corte Inter-Americana, cf. IACtHR, Series B (Pleadings, Oral Arguments and Documents), n. 18 (2003), pp. 211-223 (argumento oral de 04.06.2003).

87 U.N., Special Rapporteur of the [U.N.] Commission on Human Rights on the Human Rights of Migrants, doc. www.ohchr.org, 2o. parágrafo.

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52

A Resolução 1999/44 chamou atenção

ao “grande e crescente número de migrantes

no mundo” em uma “ s i tuação de

vulnerabilidade” e declarou “a necessidade

de uma centralizada e consistente abordagem

no que diz respeito aos migrantes como um

grupo vulnerável”88. No âmbito do referido

mandato, diversas séries de relatórios foram

preparados e apresentados pelo Rapporteur

Especial que, entre 2000 e 2005, realizou

visitas a países como o Canadá, Equador,

Filipinas, fronteira entre México e Estados

Unidos, México, Espanha, Marrocos, Irã,

Itália, Peru e Burkina Faso.

Em 2005, a Comissão das Nações Unidas

de Direitos Humanos estendeu o mandato do

Rapporteur Especial, prevendo a adoção de

políticas apropriadas para os migrantes –

tendo como prioridade a proteção dos Direitos

Humanos dos migrantes – declarando o dever

dos Estados de prever e sancionar atos de

indivíduos privados que atentem contra a vida

e integridade pessoal dos migrantes, e

assegurando o reconhecimento da comunidade

internacional da situação de vulnerabilidade

enfrentada pelos migrantes89. Esse é um

importante ponto para a presente questão; de

fato, substanciais e recentes estudos sobre as

migrações têm focalizado a estrutura das

iniciativas legais em um sistema de direito

88 4.º, 6.º e 7.º parágrafos perambulares.

89 Cf. comentários in: E.D. Estrada Tanck, “Legislación y Políticas Públicas Mexicanas: Armonización con el Régimen Jurídico Internacional sobre Derechos Humanos de los Migrantes”, in Memorias del Seminario Internacional `Los Derechos Humanos de los Migrantes’, (México, June 2005), México, Secretaría de Relaciones Exteriores, 2005, pp. 330-331; C. Villán Durán, “Los Derechos Humanos y la Inmigración en el Marco de las Naciones Unidas”, in ibid., pp. 95-98.

comparado90, ou no âmbito regional (e.g.,

aquele da União Européia)91 – focalizando na

estrutura normativa, mas sem retratar

suficientemente a dramática situação de

vulnerabilidade dos migrantes (estejam eles

providos ou desprovidos de documentos),

todos fortemente necessitados de proteção.

De fato, ainda no nível global (Nações

Unidas), a Resolução n.º 2005/47 da antiga

Comissão das Nações Unidas de Direitos

Humanos, adotada em 19.04.2005, expressou

preocupação, no seu preâmbulo, acerca do

“crescente número de migrantes mundo

afora”, um fenômeno preocupante com um

“caráter global” (par. 6), e chamou os Estados

a revisar suas políticas imigratórias com

uma visão de eliminar todas as práticas

discriminatórias contra os migrantes e suas

famílias (par. 4). Ela requereu que os Estados

dessem fim às prisões arbitrárias e à privação

da liberdade dos migrantes (par. 15), a

prevenir a violação dos direitos humanos dos

migrantes enquanto em trânsito (par. 18), e a

combater e processar o tráfico internacional

e o contrabando dos migrantes (que coloca

suas vidas em perigo e implica “diferentes

formas de servidão e exploração” – par. 19)92.

90 Cf., inter alia, Federación Iberoamericana de Ombudsman, I Informe sobre Derechos Humanos – Migraciones (coord. G. Escobar), Madri, Ed. Dykinson/Depalma, 2003, pp. 47-420.

91 Cf., e.g., P.A. Fernández Sánchez, Derecho Comunitario de la Inmigración, Barcelona, Atelier, 2006, pp. 15-325.

92 A resolução encorajou os Estados Partes a implementar completamente a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e os dois Protocolos Adicionais, especificamente, o Protocolo contra o Contrabando de Migrantes por Terra, Mar e Ar, e o Protocolo para Prevenir, Suspender e Punir Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, e instou os Estados que não o tenha feito a ratificá-los (par. 33).

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Page 25: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

53

A Resolução n.º 2005/47 lembrou, em seu

preâmbulo, as contribuições das pioneiras

Opiniões Consultivas no. 16 e 18 da Corte

Inter-Americana de Direitos Humanos, sobre

o Direito à Informação sobre Assistência

Consular na Estrutura do Devido Processo

Legal (1999), e sobre a Condição Jurídica e

os Direitos dos Migrantes sem Documentos

(2003), assim como os Julgamentos da Corte

Internacional de justiça sobre os casos

LaGrand (2001) e Avena e Outros Cidadãos

Mexicanos (2004)93.

No nível regional, a Comissão Inter-

Americana de Direitos Humanos (IAComHR),

atendendo a um requerimento da Assembléia

Geral da Organização dos Estados Americanos

(OEA)94, estabeleceu o mandato do seu

Rapporteur Especial para Trabalhadores

Migrantes e suas Famílias em 1997, com

grande ênfase em suas situações de

“vulnerabilidades especiais”. De 1997 em

diante, o Rapporteur Especial esteve

encarregado da tarefa de monitorar a situação

dos migrantes e de suas famílias na região,

assim como acompanhar o dever dos Estados

em protegê-los e “agir prontamente” em

petições e comunicações feitas por eles. O

Rapporteur Especial redigiu recomendações

aos Estados, preparou relatórios e estudos, e

realizou visitas a países da região, incluindo

Estados Unidos, México, Guatemala e Costa

Rica. Os tópicos de pesquisa examinados até

então, em ordem de “aumentar a sensibilidade”

sobre as adversidades enfrentadas pelos

trabalhadores migrantes e suas famílias,

incluíram discriminação em geral, racismo e

93 6.º parágrafo preambular.

94 OEA, A.G. resoluções AG/RES.1404/XXVI-O/96 (de 1996) e AG/RES.1480/XXVII-0/97 (de 1997).

xenofobia, devido processo legal, condições

de detenção, contrabando de migrantes e

tráfico de pessoas, práticas migratórias e suas

conseqüências econômicas95.

VII. JUSTIÇA SOCIAL E A

PREVENÇÃO DE MIGRAÇÕES

FORÇADAS: O LEGADO DAS

CONFERÊNCIAS DAS

NAÇÕES UNIDAS

Uma corrente dos contemporâneos

escritos de direito europeu invocou a

responsabilidade internacional dos Estados

em ordem de declarar as práticas estatais que

gerem refugiados – assim como pessoas

deslocadas – como constituindo um injusto

ato internacional (muito em presença do

elemento de culpa lata)96. A base conceitual

para a construção dessa doutrina pode ser

encontrada no trabalho da Comissão de

Direito Internacional das Nações Unidas

sobre o tema da responsabilidade dos

Estados97. Uma justificativa para essa

elaboração doutrinária está no fato que

instrumentos internacionais de proteção dos

refugiados limitaram as disposições de

obrigações somente aos Estados acolhedores,

mas não em relação aos Estados de origem

95 OEA, Special Rapporteurship on Migrant Workers and Their Families, Washington D.C., IAComHR, documento www.cidh.oas.org/migrants, 2007, pp. 1-10.

96 P. Akhavan and M. Bergsmo, “The Application of the Doctrine of State Responsibility to Refugee Creating States”, 58 Nordic Journal of International Law – Acta Scandinavica Juris Gentium (1989) pp. 243-256.

97 Cf. R. Hofmann, “Refugee-Generating Policies and the Law of State Responsibility”, 45 Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht (1985) pp. 694-713.

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Page 26: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

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dos refugiados; devido a essa descoberta, uma

norma costumeira de Direito Humanitário

proibindo a geração de fluxos de refugiados

foi invocada98. Desse ponto em diante, as

conseqüências são estabelecidas em relação

ao injusto ato de produzir fluxos de

refugiados – que poderia ser aplicável a

fortiori a repentinos fluxos migratórios –

também para efeitos de reparação.

Esse empreendimento doutrinário revela,

na minha opinião, aspectos positivos e

negativos. Por um lado, alarga o horizonte

para o exame do assunto, abrangendo tanto

o Estado acolhedor quanto o Estado de

origem, procurando a proteção dos Direitos

Humanos em ambos. Por outro lado, move-se

para o âmbito de reparações com uma

abordagem de Direito Privado, tentando

justificar sanções a Estados que não são os

únicos responsáveis por fluxos migratórios.

Em um mundo “globalizado” como este dos

dias atuais, carregado de desigualdades entre

e dentro dos Estados, como identificar as

origens de tamanha crueldade socioeconômica,

como desvendar essa linha divisória, como

destacar Estados (precisamente os mais

pobres) responsáveis por migrações forçadas,

para justificar sanções e represálias?

Esse, na minha opinião, não parece ser o

caminho a ser seguido. O problema dos fluxos

de migrações forçadas deve ser tratado como

uma verdadeira questão global, envolvendo

toda a comunidade internacional. Não pode

ser abordado a partir de uma desatualizada e

estrita visão bilateral (focalizando apenas nos

98 W. Czapli_ski and P. Sturma, “La responsabilité des États pour les flux de réfugiés provoqués par eux”, 40 Annuaire français de Droit international (1994) pp. 156-169.

Estados acolhedores e os Estados de origem)

ou uma mera perspectiva Inter-Estatal. Sendo

uma questão global, traz à tona obrigações

erga omnes de proteção dos migrantes

vitimados. O desenvolvimento conceitual

dessas obrigações – e das conseqüências

jurídicas de sua quebra – permanece como

uma alta prioridade para a ciência jurídica

contemporânea.

Foi argumentado que, diante do fenômeno

contemporâneo de migrações forçadas, a

responsabilidade dos Estados individuais

não podem ser dissociadas da (subsidiária)

responsabilidade da comunidade internacional

dos Estados como um todo99. Como as causas

das migrações forçadas devem, em certas

circunstâncias, corresponder a massivas

violações de Direitos Humanos, uma

reavaliação da base conceitual do refúgio

pode levar à necessária e gradual configuração

do direito de sobrevivência dos segmentos

da população afetados ou em perigo100.

Mais do que propriamente a sobrevivência,

o que está em jogo aqui é o direito de viver

com dignidade101.

Toda a questão traz à tona os imperativos

da justiça social, no nível universal. E uma

ênfase especial deve recair sobre a prevenção

de migrações forçadas. Nesse sentido, no

99 L. Peral Fernández, Éxodos Masivos , Supervivencia y Mantenimiento de la Paz, Madrid, Ed. Trotta, 2001, pp. 208.

100 Ibid., pp. 72 and 79-81.

101 Para estudos gerais, cf. J.G.C. van Aggelen, Le rôle des organisations internationales dans la protection du droit à la vie, Bruxelles, E. Story-Scientia, 1986, pp. 1-89; D. Prémont et alii (eds.), Le droit à la vie quarante ans après l’adoption de la Déclaration Universelle des Droits de l’Homme: Évolution conceptuelle, normative et jurisprudentielle, Genève, CID, 1992, pp. 5-91.

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Page 27: DESARRAIGAMENTO E A PROTEÇÃO DOS MIGRANTES NA …

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nível das Nações Unidas, o sistema de aviso

prévio deve ser lembrado: ele nasceu de uma

proposta, no começo dos anos oitenta, pelo

Rapporteur Especial para a questão dos

Direitos Humanos relativos a êxodos em

massa. Subseqüentemente, o tema foi

relacionado aos deslocados internos102. Em

1997, o Alto Comissariado das Nações

Unidas para Direitos Humanos observou

que, no contexto dos êxodos em massa e os

Direitos Humanos,

o termo ‘prevenção’ não deve ser interpretado no sentido de impedir que as pessoas abandonem uma zona ou um país, mas sim no sentido de impedir que os Direitos Humanos deteriorem-se a ponto que o abandono seja a única opção, assim como impedir (...) a adoção deliberativa de medidas para deslocar por força um grande número de pessoas, tais como expulsões em massa, deslocamentos internos e evasão domiciliar, reassentamento e repatriações forçados103.

Além do mais, os documentos finais dos

ciclos recentes de Conferências Mundiais das

Nações Unidas nos anos noventa contêm

elementos adicionais os quais permitem-nos

abordar adequadamente a questão dos fluxos

populacionais como uma verdadeira questão

global, situada no universo conceitual dos

Direitos Humanos104. Assim, e.g., a Declaração

102 Cf. U.N., documento E/CN.4/1995/CRP.1, de 30.01.1995, pp. 1-119.

103 U.N., Derechos Humanos y Éxodos en Masa – Informe del Alto Comisionado para los Derechos Humanos, documento E/CN.4/1997/42, de 14.01.1997, p. 4, par. 8, e cf. pp. 4-5, pars. 9-10.

104 Para um relato geral cf. A.A. Cançado Trindade, “Relations between Sustainable Development and Economic, Social and Cultural Rights: Recent Developments”, in International Legal Issues Arising under the United Nations Decade of International Law (eds. N. Al-Nauimi and R. Meese), Deventer, Kluwer,

e Plano de Ação de Viena de 1993, adotada

pela II Conferência Mundial de Direitos

Humanos, convocou os Estados a garantir a

proteção dos Direitos Humanos a todos os

trabalhadores migrantes e membros de sua

família (parte II, par. 33). O Documento Final

da Conferência de Viena colocou, mais

adiante, a importância de criar condições que

promovam maior harmonia e tolerância entre

trabalhadores migrantes e o resto da sociedade

do Estado acolhedor (par. 34). Por último,

convocou os Estados a ratificar, o mais

breve possível, a Convenção Internacional

sobre a Proteção dos Direitos de Todos os

Trabalhadores Migrantes e os Membros de

suas Famílias (par. 35).

A Conferência Internacional sobre

Desenvolvimento e População (Cairo, 1994)

abordou, obviamente, o assunto em questão,

chamando por uma abordagem global ao

fenômeno migratório em nível mundial

(capítulo X do Plano de Ação de Cairo de

1994). A Conferência do Cairo examinou

as causas das migrações, e solicitou a adoção

1995, pp. 1051-1077; A.A. Cançado Trindade, “The Contribution of Recent World Conferences of the United Nations to the Relations between Sustainable Development and Economic, Social and Cultural Rights”, in Les hommes et l’environnement: Quels droits pour le vingt-et-unième siècle? – Études en hommage à Alexandre Kiss (eds. M. Prieur and C. Lambrechts), Paris, Éd. Frison-Roche, 1998, pp. 119-146; A.A. Cançado Trindade, “Sustainable Human Development and Conditions of Life as a Matter of Legitimate International Concern: The Legacy of the U.N. World Conferences”, in Japan and International Law – Past, Present and Future (Symposium Internacional para Marcar o Centenário da Associação Japonesa de Direito Internacional), Haia, Kluwer, 1999, pp. 285-309; A.A. Cançado Trindade, Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. III, Porto Alegre/Brasil, S.A. Fabris Ed., 2003, pp. 235-299; M.G. Schechter, United Nations Global Conferences, Londres, Routledge, 2005, pp. 95-100 and 134-139.

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56

de disposições em relação a trabalhadores

migrantes providos ou desprovidos de

documentos105.

Um ano depois, o Plano de Ação de

Copenhagen de 1995, adotado pela Cúpula

Mundial para o Desenvolvimento Social, ao

abordar a criação de empregos produtivos e

redução de desemprego, alertou sobre a

necessidade de maior atenção, no nível

nacional, à situação de trabalhadores migrantes

e membros de suas famílias (capítulo III). Ao

abordar a questão de integração social,

convocou a promoção da igualdade e da

justiça social, envolvendo inter alia educação

básica – abrangendo também os filhos de pais

migrantes – e promovendo o tratamento

eqüitativo e integração de trabalhadores

migratórios e os membros de suas famílias

(capítulo IV).

A Cúpula Mundial de Copenhagen, mais

adiante, convidou os Estados a cooperar “para

reduzir as causas de migrações desprovidas de

documentos” e a salvaguardar “os direitos

humanos fundamentais dos migrantes sem

documentos, impedindo sua exploração” e

prover a eles reparações domésticas106. Ela

convocou, por último, os Estados a ratificar e

aplicar os instrumentos internacionais relativos

a trabalhadores migrantes e os membros de

suas famílias107.

105 Para uma avaliação do trabalho da Conferência do Cairo de 1994 no tema das migrações internacionais, cf., e.g., S. Johnson, The Politics of Population – The International Conference on Population and Development, Cairo 1994, Londres, Earthscan, 1995, pp. 165-174.

106 U.N./Centre for Human Rights, Los Derechos de los Trabajadores Migratorios (Foll. Inf. n. 24), Genebra, U.N., 1996, pp. 19-20.

107 Ibid., p. 19.

A situação particular de mulheres migrantes

trabalhadoras (vitimadas por violência com

base no sexo) foi objeto de considerável

atenção por parte da IV Conferência Mundial

sobre Mulheres (Pequim, 1995). A Plataforma

de Ação de Pequim de 1995, adotada pela

Conferência, convidou os Estados a reconhecer

a vulnerabilidade em face da violência e outras

formas de tratamento degradante das mulheres

migrantes, incluindo as mulheres migrantes e

trabalhadoras (capítulo IV.D)108.

Por sua vez, a II Conferência Mundial

sobre Assentamentos Humanos (Habitat-II,

Istambul, 1996) apontou o relevante papel dos

assentamentos humanos na realização dos

Direitos Humanos, em particular, inter alia, o

direito a uma habitação adequada e o direito

ao desenvolvimento. Neste ponto, o Programa

Habitat-II de 1996 formulou recomendações

relativas à “segurança legal do arrendamento,

à prevenção de expulsões, ao fomento de

centros para refugiados e ao apoio prestado

aos serviços básicos e às unidades de

educação e saúde a favor dos deslocados,

entre outros grupos vulneráveis”109.

Ainda, a Conferência das Nações Unidas

contra Racismo, Descriminação Racial,

Xenofobia e Intolerâncias Relacionadas

(Durban, 2001) também devotou atenção

especial aos trabalhadores migrantes, em

particular à discriminação sofrida por eles.

A Declaração e o Plano de Ação de 2001

adotados pela Conferência de Durban instou

os Estados a lutar contra manifestações de

marginalização generalizada de migrantes,

de preconceitos raciais ou xenófobos,

108 Cf. ibid., p. 20.

109 U.N., Derechos Humanos y Éxodos en Masa..., op. cit. supra n. (105), p. 21, par. 61.

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respeitando, assim, suas obrigações nos

termos dos instrumentos internacionais de

Direitos Humanos, independente da situação

na qual os migrantes se encontram (pars.

24 e 26).

Recentemente, a mencionada resolução

2005/47 (de 19.04.2005), da antiga Comissão

das Nações Unidas de Direitos Humanos,

reafirmou as disposições a respeito da

proteção dos direitos dos migrantes e suas

famílias, consagrada nos documentos finais

adotados pelas Conferências das Nações

Unidas sobre Direitos Humanos (1993), sobre

População e Desenvolvimento (1994), sobre

Desenvolvimento Social (1995), sobre as

Mulheres (1995), e contra Racismo,

Discriminação Racial , Xenofobia e

Intolerâncias Relacionadas (2001)110. O

Escritório do Alto Comissariado das Nações

Unidas para Direitos Humanos também

esteve atento a alguns dos aspectos das

adversidades enfrentadas por migrantes e sua

crescente necessidade de proteção111.

Por sua parte, o Comitê das Nações

Unidas sobre a Eliminação de Discriminação

Racial – órgão supervisor da Convenção das

Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas

as Formas de Discriminação Racial – na sua

recomendação geral n.º 30, de 2005, alertou

que “conforme a Convenção, o tratamento

diferencial baseado na cidadania ou no status

migratório irá constituir discriminação caso

o critério para tal diferenciação, julgado à luz

dos objetivos e propostas da Convenção, não

seja aplicável nos termos de um intento

110 4.º parágrafo preambular.

111 Cf. U.N., Recommended Principles and Guidelines on Human Rights and Human Trafficking – Report of the U.N. High Commissioner for Human Rights to the Economic and Social Council, U.N documento E/2002/68/Add.1, de 20.05.2002, pp. 3-16.

legítimo, e não seja proporcional à realização

desse intento” (par. 4). A recomendação

devota uma sessão inteira (IV) ao “acesso à

cidadania” (pars. 13-17) e, mais adiante,

aborda as questões de prevenção e reparação

dos problemas enfrentados por “trabalhadores

sem cidadania” (par. 34), assim como as

garantias do “acesso das vítimas a reparações

legais efetivas” e seu “direito de buscar

reparações justas e adequadas” pelos males

sofridos (par. 18).

VIII. REFLEXÕES FINAIS SOBRE

O ASSUNTO

Como uma questão verdadeiramente

global, o fenômeno das migrações forçadas

requer grande preocupação em nível universal

para assegurar a prevalência dos direitos dos

migrantes e de suas famílias. Um papel

relevante é reservado às políticas públicas,

assim como à mobilização de entidades da

sociedade civil para mitigar seus sofrimentos

e melhorar as condições da vida diária dos

migrantes. Essas entidades podem, em

primeiro lugar, ajudar os órgãos de assistência

e proteção na própria identificação das

distintas características assumidas pelo

fenômeno migratório em diferentes países112.

Em segundo lugar, elas podem denunciar

situações de flagrantes violações dos Direitos

Humanos dos migrantes113.

112 Sobre as distintas características, e.g., em alguns países Latino-Americanos, cf. IIHR, Balance y Perspectivas del Fenómeno Migratorio en América Latina: Punto de Aproximación desde la Perspectiva de la Protección de los Derechos Humanos, São José da Costa Rica, IIHR, 1998, p. 2 (circulação restrita).

113 Cf., e.g., J.E. Méndez, A Proposal for Action on Sudden Forced Migrations, São José da Costa Rica, IIHR, 1997, p. 10 (circulação restrita).

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58

Em terceiro lugar, elas podem prestar

assistência em ações de emergência. Quarto,

podem ajudar a promover o fortalecimento

institucional para enfrentar o fenômeno

migratório, e capacitar as pessoas afetadas114.

Por último, para fins de educação em Direitos

Humanos, elas podem ajudar a erradicar

xenofobia e outros preconceitos existentes

nas sociedades nacionais. Avanços nesse

domínio serão atingidos, como já apontado,

na atmosfera da solidariedade humana. Sob

essa perspectiva, “construções” recentes, tais

como migrantes “irregulares” – ou, pior,

“ilegais” – são um tanto negativas115, e não

ajudam em nada na procura por soluções

duráveis aos problemas enfrentados pelos

migrantes mundo afora.

Os seres humanos não se tornam

desprovidos de seus direitos em razão de seu

status migratório ou qualquer outra

circunstância; pode-se prever os Direitos

Humanos dos desarraigados e – contrário a

aquilo que alguns tentam fazer com que

outros acreditem – o princípio de non-

refoulement pertence ao domínio do jus

cogens116. O poder discricionário dos Estados

tem seus limites, e suas políticas de deportação

e expulsão deve respeitar as normas

imperativas do Direito Internacional.

114 Cf. IIHR, Papel Actual de las Organizaciones de la Sociedad Civil en Su Trabajo con las Poblaciones Migrantes en el Continente, São José da Costa Rica, IIHR, 1998, pp. 1-14 (circulação restrita).

115 L. Ortiz Ahlf, “Derechos Humanos de los Migrantes”, 35 Jurídica – Anuario del Departamento de Derecho de la Universidad Iberoamericana (2005) pp. 14, 19, 23 e 26-29.

116 A.A. Cançado Trindade, “El Desarraigo como Problema de Derechos Humanos frente a la Conciencia Jurídica Universal”, in Movimientos de Personas e Ideas y Multiculturalidad (Forum Deusto), vol. I, Bilbao, Universidade de Deusto, 2003, pp. 87-103.

No lado positivo, há, nos dias de hoje,

uma maior consciência da crescente

necessidade de proteção de migrantes mundo

afora. As Conferências das Nações Unidas,

durante os anos noventa e na passagem do

século, contribuíram decisivamente para criar

essa nova conscientização. Elas deram grande

ênfase nas necessidades de proteção de

pessoas e segmentos da população em

situações de vulnerabilidade. Atualmente,

seminários e encontros de especialistas

governamentais e não-governamentais são

realizados cada vez mais freqüentemente, na

busca de soluções relativas aos imperativos

de proteção dos migrantes117. Ainda, grande

preocupação em nível universal é necessária,

uma vez que a proteção dos migrantes, em

crescentes números em distintas partes do

globo, tem se tornado uma preocupação

legítima da comunidade internacional como

um todo.

É tranqüilizador que a Declaração do

Milênio das Nações Unidas do ano 2000

tenha sido atenciosa o suficiente para incluir

(par. 25) um chamado

a tomar medidas para assegurar o respeito e proteção dos Direitos Humanos dos migrantes, trabalhadores migrantes e suas famílias, a eliminar os crescentes atos de racismo e xenofobia em diversas sociedades e a promover maior harmonia e tolerância em todas as sociedades.

117 Cf., e.g., entre outras inciativas: Instituto Internacional de Direito Humanitário (IIHL), Conflict Prevention – The Humanitarian Perspective (Proceedings, August/September 1994), San Remo, IIHL, 1994, pp. 7-185; Universidad de Sevilla, La Asistencia Humanitaria en el Derecho Internacional Contemporáneo, Sevilla, Univ. de Sevilla, 1997, pp. 1-74 (circulação interna); XVI Cumbre Iberoamericana, Compromiso de Montevideo sobre Migraciones y Desarrollo, de 05.11.2006, pp. 1-10 (circulação interna).

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Meia década depois, em setembro de

2005, o Documento das Nações Unidas

resultante da Cúpula Mundial de 2005,

também de maneira tranqüilizadora, alargou

a expressiva referência à questão das

migrações (pars. 61-63), relacionando

migração ao desenvolvimento (par. 61), e

reafirmando “nossa determinação para

tomar medidas que garantam proteção e

respeito aos Direitos Humanos dos migrantes,

trabalhadores migrantes e membros de suas

famílias” (par. 62).

Avanços nesse domínio, entretanto,

somente serão atingidos com uma radical

mudança de mentalidade, e uma maior

consciência das crescentes necessidades para

proteger os direitos básicos dos migrantes.

Em qualquer escala de valores, considerações

de ordem humanitária deve prevalecer sobre

aquelas de ordem econômica ou financeira,

sobre o alegado “protecionismo” do “mercado

global”, e sobre rivalidades entre grupos. Há,

definitivamente, uma crescente necessidade

para situar os seres humanos no seu devido

lugar, certamente acima de capitais, bens e

serviços. Esse é um dos maiores desafios do

mundo “globalizado” no qual vivemos, da

perspectiva dos Direitos Humanos.

Deixe-me concluir essa aula inaugural,

aqui, no Instituto Internacional de Direitos

Humanos em Estrasburgo, reafirmando o que

eu sustentei, dois anos atrás, no meu Curso

Geral sobre Direito Internacional Público,

apresentado na Academia de Direito

Internacional de Haia, no sentido de que, no

meu entendimento, avanços na Lei são, em

última instância, devidos à consciência

humana, a última fonte material de toda a

Lei118. Muitos séculos foram necessários para

118 A.A. Cançado Trindade, “International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium – General Course on Public International Law – Part I”, 316 Recueil

que os seres humanos ficassem conscientes do

problema do tempo, para adquirir uma

“consciência histórica”119. E, desde os tempos

heróicos da Ilíada de Homero na Grécia

Antiga, foram necessários alguns outros

séculos para os seres humanos adquirirem

“consciência ética”, ou seja, perceber que eles

eram responsáveis pela sua própria conduta

(cada um sendo “juiz” próprio de sua conduta)

e pela forma que eles tratam os outros, seres

humanos entre iguais.

Nesse sentido, no século XVIII, Immanuel

Kant conceituava consciência como um

“tribunal interno” de cada indivíduo como

um “ser moral” 120. Séculos antes, a emergência

da consciência humana ajudou a enfrentar

com a razão a chamada “luta pela

existência”121, a velha luta pela sobrevivência.

A recta ratio presente nos escritos dos

chamados “pais fundadores” do Direito das

Gentes nos séculos XVI e XVII (tais como

F. de Vitoria, F. Suárez, H. Grotius e outros),

ao colocar o civitas maxima gentium em apoio

à jus communications mundo afora, e ao

propor a essencial unidade da humanidade –

essa recta ratio do pensamento e escrita

escolásticos deve-se aos gregos antigos

(Platão e Aristóteles), correspondendo aos

seus orthos logos122.

des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye (2005) pp. 177-202.

119 Ernst Cassirer, Essai sur l’homme, Paris, Éd. de Minuit, 1975, pp. 243-244.

120 Particularmente no seu Fondements de la métaphysique des moeurs (1785); an cf. I. Kant, [Critique de] la raison pratique, Paris, PUF, 1963 [reed.], p. 201.

121 Karl Popper, In Search of a Better World, Londres, Routledge, 2000 [reimpressão], p. 28.

122 A.A. Cançado Trindade, “International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium...”, op. cit. supra n. (120), Parte I, pp. 40-42 e 179-184.

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60

É a consciência humana que melhor

governa as relações entre os seres humanos,

quer seja individualmente ou entre grupos.

É a consciência jurídica universal que guia o

Direito Internacional, como sua derradeira

fonte material123, que o move adiante, para

responder às crescentes necessidades de

proteção do ser humano e para alcançar o

objetivo básico de realização da justiça.

Estou confidente que essa Sessão de Estudos

Anual de 2007 do querido Instituto

Internacional de Direitos Humanos aqui em

Estrasburgo irá contribuir para a prise de

conscience para alcançar a crescente

necessidade de garantir os Direitos Humanos

dos migrantes mundo afora.

Brasília, 20 abril de 2007.

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