denotação e conotação - sbhc

14
1 | 17 0 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS Denotação e Conotação A Teoria da Ressignificação aplicada aos Tropos de Linguagem VINICIUS CLARO 1* Introdução A presente argumentação situa-se no campo geral da Epistemologia e no particular, no campo da Semiótica, a qual é entendida nos seus relacionamentos com a cognição humana ao elaborar e reelaborar signos; a bem dizer, como se dão os mecanismos cognitivo e epistemológico na construção e reconstrução de signos, seus significados e implicações no processo de ressignificação, objeto de nossa tese de doutoramento no HCTE/UFRJ. Para isso, desenvolvemos o tema do engendramento de tropos de linguagem, uma vez que, embora sejam manifestos na língua e na literatura, apresentam sintomas 2 de um complexo cognitivo no processo de ressignificação, em sua fase pré-linguística ou pré-semiósica. Signo e Semiótica – Semiose e Rede de Significação 1. Segundo Charles Sanders Peirce (1839 – 1914), o signo pode ser qual- quer objeto que assuma a substituição de outro objeto (PEIRCE apud SANTAELLA, 2004; ECO, 2014); e acrescentamos: essa propriedade só pode ocorrer desde que o objeto esteja inserido em uma rede de significação convencionada. Isto impli- ca dizer que o signo só se realiza em rede de significação. Uma vez estabelecida esta substituição, o signo passa a funcionar, quando ocorre a semiose. Semiose é, portanto, a ação funcional de um objeto como signo no ato comunicativo, na transmissão de um conteúdo, de uma mensagem transmissível. A transmissão, por sua vez, se materializa em um estímulo significante a um determinado recep- tor que poderá ser provocado, em resposta, à interpretação. 2. Segundo Ferdinand de Saussure (1857 – 1913) o signo é linguístico, consi- derado apenas na sua forma oral, desprezando sua forma escrita; e se realiza em 1* Marcus Vinicius dos Santos Claro é doutorando do Programa de Pós-graduação em História da Ciência, Técnicas e Epistemologia – HCTE / UFRJ / CCMN 2 Indício, sinal ou manifestação de um fenômeno em processo de deslocamento.

Upload: others

Post on 05-Nov-2021

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

Denotação e ConotaçãoA Teoria da Ressignificação aplicada aos Tropos de Linguagem

VINICIUS CLARO1*

IntroduçãoA presente argumentação situa-se no campo geral da Epistemologia e no

particular, no campo da Semiótica, a qual é entendida nos seus relacionamentos com a cognição humana ao elaborar e reelaborar signos; a bem dizer, como se dão os mecanismos cognitivo e epistemológico na construção e reconstrução de signos, seus significados e implicações no processo de ressignificação, objeto de nossa tese de doutoramento no HCTE/UFRJ. Para isso, desenvolvemos o tema do engendramento de tropos de linguagem, uma vez que, embora sejam manifestos na língua e na literatura, apresentam sintomas2 de um complexo cognitivo no processo de ressignificação, em sua fase pré-linguística ou pré-semiósica.

Signo e Semiótica – Semiose e Rede de Significação1. Segundo Charles Sanders Peirce (1839 – 1914), o signo pode ser qual-

quer objeto que assuma a substituição de outro objeto (PEIRCE apud SANTAELLA, 2004; ECO, 2014); e acrescentamos: essa propriedade só pode ocorrer desde que o objeto esteja inserido em uma rede de significação convencionada. Isto impli-ca dizer que o signo só se realiza em rede de significação. Uma vez estabelecida esta substituição, o signo passa a funcionar, quando ocorre a semiose. Semiose é, portanto, a ação funcional de um objeto como signo no ato comunicativo, na transmissão de um conteúdo, de uma mensagem transmissível. A transmissão, por sua vez, se materializa em um estímulo significante a um determinado recep-tor que poderá ser provocado, em resposta, à interpretação.

2. Segundo Ferdinand de Saussure (1857 – 1913) o signo é linguístico, consi-derado apenas na sua forma oral, desprezando sua forma escrita; e se realiza em

1* Marcus Vinicius dos Santos Claro é doutorando do Programa de Pós-graduação em História da Ciência, Técnicas e Epistemologia – HCTE / UFRJ / CCMN2 Indício, sinal ou manifestação de um fenômeno em processo de deslocamento.

2 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

uma dupla articulação: significado e significante. Está submetido a dois princípios fundamentais: o princípio da arbitrariedade do signo e da linearidade do signifi-cante regida pelas diferenças. Para Saussure, o signo pode ser estudado por duas modalidades de Linguística: a Diacronia – que observa o signo e suas propriedades de Mutabilidade ao longo do tempo, e a Sincronia – que o observa um estado lin-guístico de Imutabilidade, enquanto estável em dado quadro da língua. Saussure determinou dois conceitos para a realização linguística: langue (língua) e parole (fala), onde langue detém a potencialidade da construção da parole. Definiu com clareza a unidade linguística em sua manifestação oral com o termo fonema, o qual existe a partir dos traços distintivos, em cumprimento ao princípio das oposições:

“Se, por exemplo, acentuo uma sílaba, parece que acumulo num só ponto elementos significativos diferentes. Mas trata-se de uma ilusão: a sílaba e seu acento constituem apenas um ato fonatório; não existe dualidade no interior desse ato, mas somente oposições diferentes com o que se acha a seu lado.” (SAUSSURE, 1916)

Outra dualidade do autor genebrino está estabelecida no eixo sintagmático e o eixo paradigmático (ou relações associativas), os quais revelam a competên-cia cognitiva do falante. Seu texto explica:

“Estes [termos] se alinham um após outro na cadeia da fala. Tais combinações, que se apoiam na extensão, podem ser chamadas de sintagmas. O sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas. (...) Colocado num sintagma, um termo só adquire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou a ambos.Por outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo em comum se as-sociam na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diversas. (...)Vê-se que estas coordenações são de uma espécie bem diferente das primeiras. Elas não têm por base a extensão; sua sede está no cérebro; elas fazem parte desse te-souro interior que constitui a língua de cada indivíduo. Chamá-la-emos de relações associativas.” (CLG, p.142-143, grifos do original).

Semiótica, portanto é o estudo do signo e da semiose. Temos aqui duas ver-tentes fundantes da semiótica moderna: a Semiologia de Saussure e a Semiótica de Peirce. Podemos nestes termos, conciliar, na rede de significação, ambas as concepções de signo, uma vez que as oposições de um signo a outro, e o fenô-meno da semiose constituem a unidade da rede de significação. Como descreve Paul Ricoeur:

“(...) Nenhuma entidade que pertença à estrutura do sistema tem um significado por si mesma; o sentido de uma palavra, por exemplo, resulta da sua oposição a outras unidade lexicais do mesmo sistema. Como Saussure disse, num sistema de signos, há apenas diferenças, mas não uma existência substancial. Este postulado define as propriedade formais das entidades linguísticas opondo-se aqui formal a substancial, no sentido de uma existência positiva autônoma das entidades em jogo na linguísti-ca e, em geral, na semiótica.” (RICOEUR,1976, p.17).

3 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

O sistema a que se refere Ricoeur é a rede de significação, que ora postula-mos como o ambiente da relação semiótica do objeto substituto, de seu objeto referente. Este objeto substituto é denominado signo. No entanto, é mister en-fatizar que o signo só é signo quando ocorrer o fenômeno da semiose no ato da comunicação entre emissor e receptor.

Semiose e Cognição – Em Pierce, semiose é a ação que o signo provoca e evoca em relação ao referente. O resultado da semiose é o interpretante. A ação de significar, portanto, é o ato semiótico. Por outro lado, Saussure diferencia sig-nificado de valor. Para o autor genebrino, o significado, em geral, é o conceito relacionado a um significante, constituindo, assim, o signo. Valor é o lugar do significado, ou seja, um espaço mental reservado para o significado se alojar. De modo que, ressaltamos as palavras acima: “Colocado num sintagma, um termo só adquire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou a ambos.” Aqui reside o princípio do funcionamento do signo, isto é a semiose, termo usado por Peirce para identificar o funcionamento do signo.

Entretanto, a semiose em Peirce tem uma abordagem trinária, isto é, o signo somente funciona quando três elementos estão indissociavelmente ligados: o objeto, o signo (representamen) e o interpretante3. Ocorre que o interpretante obrigatoriamente evoca outro signo, na teoria do autor americano. Eis aqui a referência ao processo cognitivo e comportamental da teoria peirciana. É esta evocação promovida pelo aparelho cognitivo que ocorre a interpretação e, por conseguinte, se constitui numa das bases do Pragmatismo (MORRIS, 1976). O in-terpretante é um efeito provocado no comportamento no instante da ocorrência do signo e sua semiose completa. O texto a seguir, de Charles Morris sintetiza:

“O processo pelo qual algo funciona como signo pode ser chamado semiose. Esse processo, numa tradição que remonta aos gregos, tem sido comumente considerado como envolvendo três (ou quatro) fatores: aquilo que funciona como signo, aquilo a que o signo se refere, e o efeito sobre um intérprete em virtude do qual a coisa em questão é um signo para este. Esses três componentes da semiose podem ser chama-dos, respectivamente, o veículo do signo, o designatum, e o interpretante; o intér-prete pode ser considerado um quarto fator.” (MORRIS, 1976, p.13; grifos do autor).

No CLG4 os termos “memória”, “cérebro”, “espírito” e “inconsciente” estarão presentes no entendimento do aspecto cognitivo. Em Saussure, o jogo dos eixos sintagmático e paradigmático é resultado da atividade cognitiva do uso da lan-

3 Já na Antiguidade havia uma teorização de base triádica para o componente semiótico fun-dante. Sexto Empírico, em Contra os Matemáticos, VIII, 11-12: "Dizem os estoicos que três coisas estão ligadas: o significado, o significante e o objeto. Dessas coisas, o significante é o som, (...); o significado é a coisa mesma que é revelada e que apreendemos como subsistente na depen-dência do nosso pensamento, mas que os bárbaros não compreendem, embora sejam capazes de ouvir a palavra pronunciada; ao passo que o objeto é o que existe no exterior; (...) Duas dessas coisas são corporais: o som e o objeto, enquanto uma é incorporal, a entidade que é significada, o dizível (lekton), que é verdadeiro ou falso." (Apud TODOROV, 2014, p.22-23).4 CLG – Abreviação de Curso de Linguística Geral – de Ferdinand de Saussure.

4 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

gue para efetuar a parole. Observamos aqui, portanto, o processo extra-linguís-tico do discurso.

O processo cognitivo do uso do signo como manifestação de uma operação mental está na afirmativa de Saussure de que “a língua é uma forma e não uma substância” (CLG, p.141), uma vez que o signo guarda a sua identidade no plano da expressão.

Já em Peirce, a cognição está tacitamente relacionada a uma concepção fe-nomenológica triádica:

“Como ponto de partida, sem nenhum pressuposto de qualquer espécie, Peirce vol-tou-se para a experiência ela mesma. Como entidade experenciável (fenômeno ou phaneron), considerou tudo aquilo que aparece à mente. Sem nenhuma moldura preestabelecida, sua noção de fenômeno não se restringia a algo que podemos sen-tir, perceber, inferir, lembrar, ou localizar na ordem espaço-temporal que o senso comum nos faz identificar como sendo o “mundo real”. Fenômeno é qualquer coisa que aparece à mente, seja ela meramente sonhada, imaginada, concebida, vislum-brada, alucinada... Um devaneio, um cheiro, uma ideia geral e abstrata da ciência... Enfim qualquer coisa. “(SANTAELLA, 2004, p.7).

E mais adiante, Santaella explana esse aspecto pela logicidade do signo em Pierce:

“Aí está enfatizada a relação mediadora do signo entre o objeto e o interpretante. A ação lógica ou semiótica do objeto é sempre a ação de um signo, ou melhor, o modo lógico – e não físico – da ação de um objeto e, portanto, o modo de ação de um signo se dá por causação lógica.” (ibidem, p. 24)

Por fim, os aspectos cognitivos aqui abordados estão de acordo com as teses cognitivistas de Jean Piaget que coloca a fase do desenvolvimento lógico após a fase psicomotora, na qual os objetos são introjetados pelas ações desses obje-tos, que cercam a criança na fase pré-lógica. (PIAGET, 1990).

Níveis/Graus de Significação, Planos de Significação e Rede de SignificaçãoO significado, do ponto de vista do linguista saussureano, é um dos compo-

nentes do signo, referente ao conceito, a dizer, o segundo elemento binário do signo, em composição indissociável com o significante. Já para L. Hjelmslev, os termos são mais amplos, o qual utiliza a ideia de plano. Assim, temos plano da expressão e plano do conteúdo (Hjelmslev apud Eco, 2014), o que implica em dizer que todos os níveis da linguagem estão cobertos em planos, desde o nível do fonema até o do texto. Segundo Algirdas Greimas: “a semiótica que está proi-bida de proferir qualquer julgamento ontológico sobre a natureza do significado” (GREIMAS, 2016), compreende que a significação está circunscrita a uma forma exclusivamente linguística. O significado linguístico é convencionado e arbitrário,

5 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

o que implica dizer que é previsto em uma convenção. O dicionário lexical co-mum corrobora esta característica. E isso converge com a asserção de Quine de que fora da linguagem não há significado. É nesse ponto que devemos distinguir, então, o conceito de significado linguístico e extra-linguístico.

A criação da Semântica se deve a um contemporâneo de geração anterior a de Saussure, que é do francês Michel Bréal (1832 – 1915) em seu Ensaio de Semântica, publicado em 1897, igualmente originário de uma linhagem de tra-dutores, no campo da Filologia, que incluía, sobretudo, estudos de grego, latim e sânscrito. Em seu ensaio, Bréal estabelece leis que regem os fenômenos etimoló-gicos e funcionais, não por meio do significado, mas no plano da expressão. En-tendemos que esse método é semiótico, pois chega a leis transformacionais no plano do conteúdo por meio de observações de sintomas identificados no plano da expressão. Tais normatizações, no entanto, ainda não seguem claramente um método que aponte para uma sistematização semiótica. E colocam surpreenden-temente leis que conduzem à plasticidade do signo, face os processos linguísti-cos que refletem a mente que gera a língua.

O estudo do significado, tomado a partir de um método dotado de rigor científico vai se realizar, sobretudo, nos estudos da língua, onde o significado se manifesta mais notoriamente no circuito comunicacional entre os falantes de dada língua. Todavia, o estudo do significado, mesmo em uma atmosfera de investigação sobre a língua como veículo primordial de criação de relações ló-gicas com o mundo, ainda caminha no campo da Filosofia da Linguagem, cujo expoente no séc. XX é Umberto Eco (1932 - 2016), autor que foi capaz de elencar e descrever inúmeros aspectos, áreas e subáreas da Semiótica moderna. Sua obra se notabiliza ainda pelas análises práticas no mass media, inovando neste campo.

Denotação e Conotação – Até aqui estabelecemos parâmetros do fun-cionamento primário do signo, isto é, da semiose em seu nível ou grau inicial. No entanto, o interpretante pode promover duas espécies de associações5: a) deno-tativa ou de primeiro grau e b) conotativa ou de segundo grau. Enquanto a denotação expressa o sentido próprio do referente (objeto a que se refere) ou próximo do ato ostensivo da linguagem6, a conotação se constitui no que foi de-nominado pela Retórica como sentido indireto (TODOROV, 2014, p.34). É impor-tante lembrar que o efeito interpretante implica não só em uma cadeia de semio-se infinita, mas apresenta a natureza polissêmica do signo. Tal fato nos permite a observação das múltiplas significações que um mesmo signo pode assumir, antes mesmo do efeito interpretante se realizar em outro signo. Como previu Saussure, o valor do signo depende do seu entorno, ou seja, dos termos pressupostos: “(...) colocado num sintagma, um termo só adquire seu valor porque se opõe ao que

5 Essa argumentação, no entanto, não está de acordo com a tese de Peirce, uma vez que defen-de que um signo implica em outro signo. A justificativa de tal discordância somente caberia alhures.6 Ato ostensivo da linguagem é aquele em que o emissor, o objeto e o receptor estão presen-tes simultaneamente para efeito da convenção do signo e seu uso primário. É o ato do acordo da função vicária do signo (da substituição em devir).

6 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

o precede ou ao que o segue, ou a ambos”. Em outras palavras, é o contexto que vai definir o plano do conteúdo exposto no plano da expressão. É na relação entre uma e outra dimensão associativa, entre denotação e conotação, que veri-ficamos a transcendência do signo, na sua plasticidade, ao remodelar-se por uma significação extralinguística, por onde serão construídos os tropos de linguagem.

O processo do desvio para o sentido indireto é o que chamamos de deslo-camento epistêmico7. Esse deslocamento, que caracteriza tal desvio, proporciona a mudança de um plano de significação a outro, ou seja, do plano denotativo para o plano conotativo, manifesto no plano da expressão, mas que reconduz a significação. A essa recondução damos o nome de processo de ressignificação, conforme a nomenclatura da Teoria da Ressignificação que vimos apresentar, por nossa conta e risco. O processo cognitivo que consiste em tal deslocamento para a ressignificação é a analogia.

Analogia – A analogia é o mecanismo algorítmico e processual do aparelho cognitivo que permite elaborar processos de ressignificação, cujo produto é no-vas formas e conteúdos ressignificados. Graças a este mecanismo, ao promover o deslocamento epistêmico no plano do conteúdo, o signo assume sua significa-ção de segundo grau, no plano da figuração simbólica, onde um signo não exer-ce sua semiose primária, mas uma segunda semiose desviante, ou seja, o tropo. Esse deslocamento epistêmico por analogia se dá no seguinte processo mental: O aparelho cognitivo acessa o banco de lexemas (palavras e locuções) armaze-nado na memória para expressar e reconstruir uma significação circunstanciada por uma intenção do emissor, decorrente de um estado de espírito que exige uma remodelagem com realocação do valor de significação. O falante decide romper com a linearidade do discurso ordinário para estabelecer um paralelis-mo análogo; daí o termo analogia para explicar este mecanismo. Ao estabelecer uma formulação diferenciada – que é a figuração ou “linguagem figurada”, ou melhor, discurso figurado8 –, o aparelho cognitivo desenvolve uma estrutura re-modelada na realização da parole (fala), ressignificando os termos no plano da expressão extraídas da langue (língua), para um outro plano de conteúdo, cuja semiose deverá sofrer uma dupla interpretação, a qual tornará possível desmon-tar a nova forma de significação para uma redução no plano da denotação. O discurso poderá prosseguir tanto no plano conotativo, desdobrando o tropo, ou poderá ser “explicado” e proferido com uma resposta formal no plano denota-tivo. No exemplo: “soltar os cachorros” tem-se duas possibilidades. Se usada no plano denotativo, os animais serão soltos e observada tal ação, da sua soltura,

7 Deslocamento epistêmico – em seu sentido mais amplo é a mudança de visão de mundo, com implicações conceituais e intelectuais, notadamente presentes em processos mentais, cir-cunscrita a uma dada comunidade (científica, cultural, étnica etc). O deslocamento epistêmico não é o mesmo que o deslocamento epistemológico, e está associada ao conceito de Epistêmica, e não ao conceito geral de Epistemologia.8 Evitamos aqui a expressão "linguagem figurada", uma vez que a linguagem é o lugar da sig-nificação e capaz de gerar os discursos, sejam de natureza denotativa ou de natureza conotativa, como é o caso da alegoria, que é um modelo de narrativa ou discurso, e não uma linguagem.

7 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

em sua realização material e ostensiva. Se a intenção for figurativa, não serão observados animais, mas sim uma demonstração de fúria ou de desmesura, isto é, fora da reação sóbria de uma pessoa, que se manifesta irada. Esta explicação traz para o campo da significação de primeiro grau o que se obteve por deslo-camento epistêmico, propiciado no raciocínio analogista a um comportamento desmesurado de animais caninos colocados à solta, de modo imprevisível. Esse discurso explicativo, que traz a expressão desviada do plano conotativo para o plano denotativo, é um discurso gerado pelo procedimento semiótico ou cons-ciência semiótica da língua, o qual tem sua classificação, segundo Jakobson, a função metalinguística do signo. (JAKOBSON, 1973). Novamente verificamos a propriedade plástica do signo.

Notadamente observamos um processo lógico de raciocínio, uma vez que está se produzindo uma epistemologia nova, quando se processa o raciocínio analogista por deslocamento epistêmico, e onde está presente uma informação adicional, que antes não estava presente no plano da denotação.

Entendemos que o significado somente se realiza no ato fenomenológico, ou seja, na presença do sujeito que recebe em sua mente o fenômeno (objeto ou evento). Destarte, a semiose só pode se realizar na presença dos três elementos, onde o Objeto é razão e causa determinante da sua substituição pelo Signo, im-plicando necessariamente num Interpretante, o agente causal que determina ou-tro signo (signo-resposta), ou seja, a alteridade do signo (signo-estímulo). (Como já demarcamos, essa argumentação não está de acordo com a tese do inter-pretante de Peirce, uma vez que defende que um signo implica em outro signo. A justificativa de tal discordância somente caberia alhures).

Fig. 1 – Figura inspirada em Ogden & Richards e reproduzida em Colin Cherry para diagramar a semiose segundo Peirce9

Tomemos o exemplo do valor funcional e relacional de um significado em ação, segundo Cintia Rodriguez:

“Também Sultão (outro chipanzé tornado conhecido graças a Köhler) se torna um especialista no uso do bastão, uso que generaliza a vários objetos, de maneira que

9 A figura original de Ogden e Richards, em Significado do Significado, utiliza as palavras SÍM-BOLO, REFERÊNCIA e REFERENTE, a partir do vértice inferior esquerdo, em sentido horário. Nosso SRT altera tanto a posição como os termos para a construção de um SRT que evoluirá para o SRH

Interpretante

Referente Signo

8 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

‘qualquer objeto de aspecto manejável se torna de imediato um ‘bastão’ como o sentido puramente funcional de ‘instrumento de pegar’ (p.70) e dá como exemplos um pedaço de papelão, um ramo de rosas, a aba de um chapéu de palha velho, um pedaço de arame. Assim, o pedaço de pau adquire um determinado valor funcional (torna-se um bastão) para certas situações e, além disso, não apenas pedaços de pau viram bastões, mas muitos objetos adquirem essa função. Chegamos, assim, a um tema de grande importância ao se fazer uma leitura semiótica do desenvolvimento, porque os significados das coisas não estão pré-figurados nem são fixos, mas de-pendem do uso que se faça delas.” (RODRIGUEZ, 2006, 2009, p.191).

É esta relação de uso em tornar um objeto num instrumento mediador, que damos o nome de processo de significação. Quando a função de um objeto se desloca de um uso a outro, chamamos de processo de ressignificação. A lingua-gem é um reflexo deste processo de tornar um objeto qualquer em signo, usando o princípio generalizante de constituição do signo à luz da teoria peirciana da semiose. O que há, portanto, é a função do signo, ou função sígnica, quando um objeto assume o papel de signo. Enquanto, para Saussure, esta função é assumida pelo valor do signo e sua natureza é binária (significante e significado), para Peirce tal função se dá de forma triádica. Pretendemos, no entanto, conciliar essas duas perspectivas com as noções de valor do signo e função sígnica em um contexto teórico mais amplo, onde introduzimos o conceito de rede de significação.

Devemos, antes, verificar o fundamento da função sígnica para explicar aqui o conceito de rede de significação que exporemos adiante, a qual se inicia com as palavras de Umberto Eco, ao referir-se a Hjelmslev:

“(a) UM SIGNO NÃO É UMA ENTIDADE FÍSICA, porquanto a entidade física é, no máximo, a ocorrência concreta do elemento pertinente da expressão; (b) UM SIGNO NÃO É UMA ENTIDADE SEMIÓTICA FIXA, mas o local de encontro de elementos mutuamente independentes, oriundos de dois sistemas diferentes e associados por uma correlação codificante. Propriamente falando, não há signos, mas funções sígni-cas (Hjelmslev, 1943). Uma função sígnica se realiza quando dois funtivos (expressão e conteúdo) entram em mútua correlação: mas o mesmo funtivo pode também en-trar em correlação com outros elementos, tornando-se assim um funtivo diferente, que dá origem a uma outra função sígnica.” (ECO, 2014, p.40; grifos do autor).

Cada lugar de significação constitui o nó da rede, (também denominado valor de significação, nos termos de Saussure) ocupado por um signo. Cada nó possui a forma triangular, o triângulo semiótico de Peirce (amplamente discutido por Ogden e Richards e Colin Cherry), e cuja representação nós inauguramos pela denominação Diagrama Relacional Triádico ou Semiograma Relacional Triádico (DRT ou SRT), que expressa a semiose em sua estrutura mais elementar, ou seja, o nó fundante da rede de significação.

Esta rede de significação somente é possível porque cada nó está interligado

(Semiograma Relacional Hexagonal), que se encontra em desenvolvimento em nossa pesquisa de doutoramento.

9 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

a outro ponto nodal por meio do interpretante, elemento constituinte que evoca outro objeto semiótico, portanto, outra semiose, outro SRT.

Fig. 2. SRT - Relação nodal entre semioses

O interpretante de uma semiose implica no objeto da semiose seguinte.

O Tropos de Linguagem à Luz da Teoria da Ressignificação O tropo – Segundo o Dicionário de Linguística de Jean Dubois:

“A retórica antiga opunha às figuras de pensamento (lítotes10, ironia, interrogação oratória etc) e às figuras de construção (elipse silepse etc) os tropos ou figuras de palavras. Tropo, todavia, acabou por aplicar-se a todas as espécies de figuras que podemos considerar como um desvio (em grego tropos) do sentido da palavra.” (DUBOIS et alli, 1973).

O tropo aparece como um fenômeno da linguagem com a instituição da Retórica na didática greco-latina, ancestral da Estilística moderna. Seu mérito foi a de identificar e classificar a chamada figura de linguagem. Pode apresentar-se em três grandes grupos, segundo Mattoso Câmara:

“1) de palavras ou Tropos, como a metáfora, a metonímia, a hipérbole; 2) de sintaxe, ou de construção frasal, como o anacoluto, a elipse; 3) de pensamento, como a iro-nia, a lítotes, a prosopopeia.” (CÂMARA, 1978).

O desvio do tropo é um processo mental decorrente da intenção do enun-ciador, (por impulso do aparelho imaginário e criativo). Quando o enunciador gera uma intenção de adulterar uma fórmula semiósica, é porque está tomado de um

10 Houaiss: figura que combina, freq. num eufemismo, a ênfase retórica com a ironia, não raro sugerindo uma idéia pela negação do seu contrário (p.ex., não estar em seu juízo perfeito por estar maluco; não ser nada baixo por ser muito alto)

9

Esta rede de significação somente é possível porque cada nó está interligado a outro

ponto nodal por meio do interpretante, elemento constituinte que evoca outro objeto

semiótico, portanto, outra semiose, outro SRT.

Fig. 2. SRT - Relação nodal entre semioses O interpretante de uma semiose implica no objeto da semiose seguinte.

O Tropos de Linguagem à Luz da Teoria da Ressignificação

O tropo – Segundo o Dicionário de Linguística de Jean Dubois:

"A retórica antiga opunha às figuras de pensamento (lítotes10, ironia, interrogação oratória etc) e às figuras de construção (elipse silepse etc) os tropos ou figuras de palavras. Tropo, todavia, acabou por aplicar-se a todas as espécies de figuras que podemos considerar como um desvio (em grego tropos) do sentido da palavra." (DUBOIS et alli, 1973).

O tropo aparece como um fenômeno da linguagem com a instituição da

Retórica na didática greco-latina, ancestral da Estilística moderna. Seu mérito foi a de

identificar e classificar a chamada figura de linguagem. Pode apresentar-se em três

grandes grupos, segundo Mattoso Câmara:

"1) de palavras ou Tropos, como a metáfora, a metonímia, a hipérbole; 2) de sintaxe, ou de construção frasal, como o anacoluto, a elipse; 3) de pensamento, como a ironia, a lítotes, a prosopopeia." (CÂMARA, 1978).

O desvio do tropo é um processo mental decorrente da intenção do

enunciador, (por impulso do aparelho imaginário e criativo). Quando o enunciador gera

10 Houaiss: figura que combina, freq. num eufemismo, a ênfase retórica com a ironia, não raro sugerindo uma idéia pela negação do seu contrário (p.ex., não estar em seu juízo perfeito por estar maluco; não ser nada baixo por ser muito alto)

Interpretante

Referente Signo Interpretante

Referente Signo

10 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

sentimento que exige mais do que a expressão convencional e primária que cons-titui a denotação. É um sentimento de escolha, ou seja, um ato de estética. Como a denotação se configura como a repetição de significados e não realça e nem reduz a mensagem, a intenção do locutor adultera o conteúdo repetitivo das construções denotativas. Este ato estético interrompe o ciclo repetitivo da expressão e gera uma construção semiósica diferenciada, que exige um segundo ato (ou momento) de interpretação. Gera, portanto, um desvio promovido pela diferença e não pela repetição. (DELEUZE, 1988). Assim, o plano expressivo da conotação aparece como a diferença introduzida na cadeia do discurso, a partir de uma intenção adicional dada ao significado. Daí surgirem o desvio do tropo e da figura (sentido indireto, sentido de 2º grau), vulgarmente chamado de linguagem figurada. Podemos, por-tanto, diferenciar e separar os conceitos semióticos de signo e símbolo.

A Teoria da Ressignificação – é uma teoria (ainda em fase de elaboração), cujo objeto é o estudo da construção e reconstrução dos significados dos signos em três momentos: pré-sígnico (pré-codificado ou pré-linguístico), sígnico (codi-ficado ou linguístico) e pós-sígnico (pós-codificado ou pós-linguístico). A Teoria da Ressignificação estabelece leis e princípios, a saber: princípio da função, prin-cípio do deslocamento, princípio da ambiguidade; e as seguintes leis: modelagem plástica, da ressignificação, lei do metaplasmo e lei do valor. Como este artigo se limita a tratar do processo de ressignificação dos tropos, limitar-nos-emos às referências destes princípios e leis para então, desenvolver a questão central das ressignificações nas figuras de linguagem.

Estabelecemos uma distinção entre signo e símbolo. Recorremos a uma con-tradição apresentada por Todorov em sua Teoria dos Símbolos:

“De fato, a existência de signos e de símbolos (...) provoca, de modo espantosamente frequente, duas atitudes contraditórias: por um lado, na prática, se convertem incan-savelmente os signos em símbolos, enxertam-se em cada signo inúmeros símbolos; por outro lado, em declarações teóricas, afirma-se sem cessar que tudo é signo, que o símbolo não existe ou não deveria existir. (TODOROV, 2014, p.354).

Optamos aqui pela primeira opção acima apresentada. Enquanto o signo reside no plano da denotação, localizado na rede de significação, o símbolo cria uma camada adicional, que recai no plano da conotação, o que chamamos e identificamos comosub-rede de significação.

O discurso figurado ou simbólico será, nestes termos, decodificado em sig-nos, estes chamados “signos analíticos”11, na terminologia de Piaget (apud Todo-rov: 2014; p. 357). Os signos analíticos são fazem parte do mecanismo de pro-dução de valores extralinguísticos formulados pelos símbolos, ou seja, a rede de significação dos signos analíticos não dá conta dos valores simbólicos. Os símbo-los criados extralinguisticamente, cuja operação mental é produzida pelo raciocí-

11 "Atendo-nos à função semiótica, já não podemos, ao aceitarmos a distinção saussuriana entre o signo e o símbolo, pensar que houve evolução do sistema figurativo ao signo analítico."

11 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

nio da analogia, revelam o funcionamento de construção de uma sub-rede, cujos nós se constituem em valores de significados orbitais, deslocando a semiose para o plano da denotação, ao qual é capaz de remover a camada simbólica acrescen-tada, traduzindo o conteúdo da enunciação formulada em suas intenções extra-linguísticas inculcadas no discurso. O que é importante neste processo é que uma enunciação dotada de teor simbólico envolve uma rede de significação expressa pelo signo e uma sub-rede de significação inculcada em uma camada adicional promovida por um raciocínio por analogia extralinguístico, recriando, assim a significação originária do signo. É esse o processo de ressignificação quando o tropo é produzido no quadro do discurso.

O acesso ao repertório de signos (materialmente, acesso a um rol de sig-nificantes – eixo paradigmático), enquanto processo cognitivo, servirá, não ao sentido próprio do signo (da denotação e da repetição de significados), mas a um sentido orbital e complementar ao sentido de primeiro grau, gerando, assim, um significado de segundo grau. Como o contexto é parte integrante do processo de interpretação e decodificação dos pontos nodais aplicados, uma sub-rede para-lela é montada para elaborar um plano complementar de significação adicional. Ao acesso a esta sub-rede paralela damos o nome de processo de ressignifica-ção, pelo qual é possível construir e reconstruir cognitivamente um significado que está além do significado próprio. Tal sub-rede se acopla à rede originária no discurso, constituindo a conotação, cuja natureza confere o “sentido figurado” ao discurso. Segundo Fiorin, o sentido figurado é estruturado a partir da intenção do emitente, visto que o uso trivial do signo não atende ao que Aristóteles se referiu como estado de alma.

A conotação, portanto, é resultante da reconstrução da rede de significação (das funções sígnicas de primeiro grau), ou seja, da ressignificação da rede de signos denotativos, a conversão modelar (ou remodelagem) da rede de signi-ficação denotativa para a sub-rede de significação conotativa. A conversão da rede denotativa implica em embutir a sua própria chave de decifração à medi-da que elabora uma sub-rede de significação orbital, subliminar12. Esta chave só poderá ser utilizada se o receptor desconfiar e estranhar o quadro do discurso, isto é, seu aparelho cognitivo é capaz de identificar a diferença que o tropo des-viante traz no discurso13, desvelando um mecanismo lógico da analogia. Via de regra, somente o alocutário (destinatário) experiente e conhecedor do acervo das fórmulas linguísticas de significado de primeiro grau é capaz de identificar a diferença no uso das palavras em significado de segundo grau. Portanto, o aparelho cognitivo, que tem acesso à memória e ao banco de fórmulas lexicais

(PIAGET Apud Todorov; p. 357).12 Para este assunto, Piaget (1990) usa a terminologia freudiana de "símbolo inconsciente", em vez de subliminar.13 Caso o receptor não estranhe a construção conotativa, implicará em um problema de logici-dade e de impropriedade do uso do signo. A semiose, portanto, estará prejudicada na sua inten-ção original do emissor, causando ruído e desentendimento. Daí a necessidade de discernimento entre repetição e diferença (cf. DELEUZE, 1988) no discurso figurado.

12 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

(formulações linguísticas), é o responsável por montar e desmontar a sub-rede orbital e remontar uma significação de segundo grau em uma compreensão de significação de primeiro grau, bem como respondê-la na sub-rede, participando da configuração ressignificada na função sígnica.

Fig. 3. – Relações de Ressignificação e Metalinguagem entre a rede de significação e sua sub-rede, conforme a Teoria da Ressignificação

ConclusãoO significado linguístico não é uma ideia, mas parte de uma ideia. Não obs-

tante, o signo linguístico, de acordo com Saussure, é arbitrário, e depende da convenção social, e sua natureza é binária: significante e significado. Tal significa-do não dá conta da ideia, portanto, que é integrante da Epistêmica do sujeito. São precisos muitos significados para compor uma ideia: eis a base da rede de sig-nificação. Logo, é a rede de significação que compõe o sentido, isto é, uma ideia lógica e estruturada, compreensível, decodificável e re– codificável por meio do interpretante. Assim, a sua unidade, o signo, é reprodutível in crescendo, gerando esse complexo de significação. Quando recodificados, os nós da rede geram uma sub-rede de significação paralela e conectada por meio do efeito interpretante, cujo termo faz parte da teoria da semiose de Peirce.

A ideia-conceito do efeito interpretante de Peirce é a comprovação pela qual se constata que os significados e a significação se dão como processos codifica-dos em rede. Uma vez apresentado o signo, dispara-se uma cadeia interpretan-te – efeito de interpretação sequenciada. Assim, expõe Morris: “efeito sobre um intérprete em virtude do qual a coisa em questão é um signo para este”.

A Teoria da Ressignificação, conciliando as perspectivas de Saussure e de Peirce, procura demonstrar a reconstrução de significados, por meio dos concei-tos de nó fundante de significação em rede e do diagrama DRT/SRT), aqui intro-

12

significação orbital, subliminar12. Esta chave só poderá ser utilizada se o receptor

desconfiar e estranhar o quadro do discurso, isto é, seu aparelho cognitivo é capaz de

identificar a diferença que o tropo desviante traz no discurso13, desvelando um

mecanismo lógico da analogia. Via de regra, somente o alocutário (destinatário)

experiente e conhecedor do acervo das fórmulas linguísticas de significado de primeiro

grau é capaz de identificar a diferença no uso das palavras em significado de segundo

grau. Portanto, o aparelho cognitivo, que tem acesso à memória e ao banco de fórmulas

lexicais (formulações linguísticas), é o responsável por montar e desmontar a sub-rede

orbital e remontar uma significação de segundo grau em uma compreensão de

significação de primeiro grau, bem como respondê-la na sub-rede, participando da

configuração ressignificada na função sígnica.

Fig. 3. – Relações de Ressignificação e Metalinguagem entre a rede de significação e sua sub-rede, conforme

a Teoria da Ressignificação

12 Para este assunto, Piaget (1990) usa a terminologia freudiana de "símbolo inconsciente", em vez de subliminar. 13 Caso o receptor não estranhe a construção conotativa, implicará em um problema de logicidade e de impropriedade do uso do signo. A semiose, portanto, estará prejudicada na sua intenção original do emissor, causando ruído e desentendimento. Daí a necessidade de discernimento entre repetição e diferença (cf. DELEUZE, 1988) no discurso figurado.

Sub-rede de significação 2º. GRAU ou CONOTAÇÃO

Rede de significação de 1º GRAU ou DENOTAÇÃO

Ressignificação

Metalinguagem

13 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

duzidos. Assim, descreve-se o processo interno de ressignificação entre os planos da denotação (dos signos analíticos ou significação de 1º. grau) em deslocamen-to epistêmico para o plano da conotação (dos signos simbólicos ou significação de 2º. grau), tal como foram aqui definidos e distinguidos.

Assim, verificamos que a teoria mostra que os tropos de linguagem são me-canismos de desvios complexos, ocorridos cognitivamente, segundo preceitos piagetianos. A Teoria da Ressignificação verifica ainda, apontando a propriedade plástica do signo, o papel analógico do efeito interpretante, o qual permite a conexão semiótica destas rede e sub-rede de significação, emparelhadas por in-tencionalidade do emissor, o qual interrompe a repetição do significado originá-rio, diferenciando-o para um significado trópico, e sua respectiva interpretação no receptor: mesmo ao estranhar o uso por esse desvio, o sentido do tropo de linguagem é completado e aceito na cadeia comunicacional entre estes agentes

BibliografiaBENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral. Trad. Maria da Glória Novak e Luiza Néri. Nacional/Edusp, São Paulo, 1976.

BRÉAL, Michel. Ensaio de Semântica. Trad. Aída Ferrás, Eduardo Guimarães, Eleni Jacques Martins, Pedro de Souza. Ed. RG, Campinas. 2008

BRÉAL, Michel. « Semantics: Studies in the Science of Meaning », Translation: Mrs. Henry Cust. Preface: John Percival Postgate. London. William Heinemann. 1900.

CAMARA Jr., J. Mattoso. História da Linguística. 3ª Edição. Vozes, Petrópolis,b 1979.

CHERRY, Colin. A Comunicação Humana. Trad. José Paulo Paes. 2ª ed. Ed. Cultrix, São Paulo, 1974.

COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. Ao Livro Técnico, Rio de Janeiro, 1982.

DELEUZE, Giles. Diferença e Repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. Ed. Graal. Rio de Janeiro, 1988.

DUBOIS, et Alii. Dicionário de Linguística. Trad. Izidro Blikstein, Frederico Pessoa de Barros, Gesuína Domenica Ferretti, John Robert Schimitz, Leonor Scliar Cabral, Maria Elizabeth Leuba Salum, Valter khedi. Ed. Cultrix, São Paulo, 1978.

ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. Trad. Antonio de Pádua Danesi e Gil-son Cesar Cardoso de Souza. Ed. Perspectiva, 5ª. Ed. São Paulo, 1976

FIORIN, Luiz. Figuras de Retórica. Ed. Contexto, São Paulo, 2018.

GREIMAS, Algirdas J. e COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. Trad. Alceu Dias Lima, Diana Luz Pessoa de Barros, Eduardo Peñuela Cañizal, Edward Lopes, Ignacio As-sis da Silva, Maria José Casagnetti Sombra, Tieko Yamagughi Miyazaki. Ed Con-texto, São Paulo, 2016

14 | 170 SNHCT ANAIS ELETRÔNICOS

HJELMSLEV, Luois. Prolegômenos de Uma Teoria da Linguagem. Trad. J. Teixieira Coelho Netto. Ed. Perspectiva, São Paulo, 2013.

HOUAISS. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa. Instituto Antonio Houaiss. Ed. Objetiva, São Paulo, 2001.

JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Pau-lo Paes. Ed. Cultrix, São Paulo, 1973.

MORRIS, Charles. Fundamentos da Teoria dos Signos. Trad. Milton José Pinto. Ed. USP/Eldorado, São Paulo, 1976.

PIAGET, Jean. A Formação do Símbolo na Criança. Imitação, Jogo e Sonho. Ima-gem e Representação. Trad. Álvaro Cabral e Christiano Monteiro Oiticica. 3ª. Ed. Ao Livro Técnico (LTC), Rio de Janeiro, 1990.

PIERCE, C. Sanders. Semiótica e Filosofia. Trad. Ed. Cultrix. São Paulo.

RICOEUR, Paul. Teoria da Interpretação. O Discurso e o Excesso de Significação. Trad. Artur Mourão. Edições 70, Lisboa, 1976.

RODRIGUEZ, Cíntia. O Nascimento da Inteligência. Do Ritmo ao Símbolo. Trad. Ed. Artmed, 2008.

SANTAELLA, Lucia. A Teoria Geral dos Signos. Como as Linguagens Significam as Coisas. Ed. Pioneira. São Paulo, 2004.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. Cultrix. São Paulo, s/d.

TODOROV, Tzvetan. Teorias do Símbolo. Trad. Roberto Leal Ferreira. Ed Unesp. São Paulo, 2014.