democracia e marximo

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  • UniversidadeFederaldeMinasGerais

    FaculdadedeFilosofiaeCinciasHumanas

    CinciasSociais

    Poltica II Fichamento

    JooVitorFerrariRabelo

    FelipeSoaresVieira

    Novembro2014

    BeloHorizonteMG

    1

  • UniversidadeFederaldeMinasGerais

    CinciasSociaisFAFICH

    Disciplina:PolticaII

    Professor:JuarezGuimares

    Alunos:JooVitorFerrariRabelo(p.17141)eFelipeSoaresVieira(p.141266)

    Novembrode2014

    Obrafichada:

    GUIMARES, Juarez. Democracia e marxismo: crtica razo liberal. 1. ed. So Paulo:

    Xam,1999.

    (Qualquercitaonoespecificadaprovmdaobrafichadasupracitada)

    2

  • SUMRIO

    1.Introduocrtica...............04

    2.Oardildodogma:acrticaliberal....06

    3.Asrazesdodogma:marxismoedeterminismo..........10

    4.Marxeodeterminismo:astensesconstitutivas.....13

    5.Engelseaprimeiraondadeexpansododeterminismo.....16

    6. Kautski, Plekhanov e austromarxismo: a segunda onda de expanso do

    determinismo.......17

    7.Aprxissitiada:Lukcseascidadelasdodeterminismo.......19

    8. A terceira onda de expanso do determinismo: o Diamat e as antinomias do

    materialismo........22

    9.Gramscieaconcepopraxiolgicadahistria......26

    10.Aimpotnciadaprxis:odeterminismosocietriodaTeoriacrtica.....................33

    11.Althusser:anegaodaprxiseodeterminismoestruturalista..........37

    12. Marxismo Analtico: entre o neodeterminismo e o individualismo

    metodolgico..........................................................................................................................41

    13. Jurgn Habermas: da reconstruo do materialismo histrico ultrapassagem do

    marxismo?................................................................................................................................46

    3

  • 1.Introduocrtica

    Em Democracia e marxismo: crtica razo liberal, Juarez Guimares traa o extenso

    e variado percurso da cultura marxista desde seu incio at os dias de hoje. Alvo de

    interminveis crticas por parte, principalmente, da cultura liberal , o legado de Karl

    Marx deixa em aberto vrias questes que possibilitam interpretaes fortemente

    deterministas mas que, de modo algum, cerceam o carter libertrio e humanstico da obra.

    Sendo assim, economistas, militantes e filsofos que se opunham viso marxista

    empenharam grande parte de seu tempo em revelar a antinomia presente em uma viso de

    mundo que se diz libertadora mas que aprisiona a liberdade e o subjetivismo humano por uma

    concepo determinista. Entretanto, a cultura marxista no se limita somente s leituras

    deterministas da obra marxiana um forte carter praxiolgico tambm se faz presente,

    embora esquecido e ostracizado pela intelectualidade majoritariamente ortodoxa. E esse

    carter praxiolgico que transcende a crtica desferida pela razo liberal que Juarez

    Guimaresprocuraretomar.

    Uma investigao analtica levada a cabo para explicitar como se deu o processo

    pelo qual, a at ento incipiente teoria lanada pelos intelectuais revolucionrios Karl Marx e

    Friedrich Engels, por meio do memorvel e impactante Manifesto do Partido Comunista

    (1848) e complementado de uma perspectiva cientfica pelo Capital (1867 Volume I),

    recebida e desenvolvida por leitores subsequentes que viriam a formar a denominada cultura

    marxista. Assim, autores representantes da tradio marxista e que enriqueceram a reflexo e

    a investigao de seu objeto de estudo (a saber, a teoria do Estado do marxismo) so trazidos

    a lume para que seja esmiuado de modo a elucidlo no que Juarez Guimares ilustra como

    sendo o "acerto de contas entre o liberalismo e o marxismo", necessrio por causa dos exames

    crticos apresentados por Norberto Bobbio, pesquisador de relevante importncia na

    exploraodessatemtica.

    Com isso, o marxismo vem a ser discutido no nvel de problematizao de seu carter

    emancipatrio e de sua cientificidade, colocados em xeque em decorrncia do que as crticas

    liberais implementam para formular o assim nomeado dogma da cultura contempornea . Essa

    dogmtica baseada principalmente nos ataques desferidos contra o eventual determinismo

    histrico dotado de sentido apriorstico, monismo materialista, alimentao de uma lgica

    antipluralista, supresso de direitos individuais e forte inclinao opresso de um Estado

    4

  • totalitrio surgido como produto da lgica socialista. Para tanto, Weber, Croce e Popper,

    alm do prprio Bobbio, so os autores trazidos para o dilogo com ambio de sintetizar e

    sistematizar a tenso criativa desenvolvida pela cultura marxista, sendo ento proeminentes

    autores que postulam suas linhas argumentativas no aprofundamento dessa concepo de

    mundoqueoperano"terrenodaaltacultura"daintelectualidade.

    No sem constrangimento que oferecemos nossa parca reunio de alguns pontos

    importantes da crtica razo liberal de Juarez Guimares. Embora nosso trabalho tenha

    acumulado um notvel volume, imagino que no sintetiza, de forma alguma, uma mnima

    frao da totalidade da discusso presente na obra. A capacidade de sntese do autor, que se

    prope a debater mais de um sculo e meio de filosofia, economia e poltica, fazse latente

    pela clareza do discurso bem como sua organizao de ideias a variedade de ideias e autores

    tambm no apresentou uma ameaa ao tamanho da obra, pois a densidade do texto no

    permitiu que o livro se tornasse uma coleo. Diante disso, apresentamos, nessa tentativa de

    sntese, apenas um tiragosto da discusso real que se faz presente e, para o indivduo que se

    interessa pela trajetria da cultura marxista em meio a uma conjuntura tipicamente hostil e

    crtica,fazsemisteraleituraintegraldaobra.

    5

  • 2.OArdildodogma:acrticaliberal

    A crtica liberal ao marxismo, intensificada ao final do sculo XX com a queda da

    Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, acaba por tornarse hegemnica e seu carter

    inquestionvel garantelhe, de forma caricata, o rtulo de dogma. No entanto, a construo de

    tal resposta ao marxismo data do final do sculo XIX, junto ascenso do prprio marxismo.

    A ideia nuclear que permeia tal crtica edificase sobre concepes deterministas da histria,

    dentrodaobradeKarlMarx.

    A partir de uma possvel leitura simplista e determinista da histria nas obras do

    expoente socialista, vrios autores liberais vieram a questionar seu carter cientfico,

    ressaltando, ainda, a contradio presente na teleologia e o suposto carter emancipatrio que

    o texto reivindicava. A existncia de uma histria fechada cujo estgio final culmina no

    socialismo, de fato, abre espao para inconsistncias tericas, que seriam exploradas em

    diversos ensaios de autores como Benedetto Croce, Max Weber, Karl Popper e Norberto

    Bobbio.

    Um marxismo intelectualmente estruturado s foi se consolidar na Itlia no final do

    sculo XIX atravs do filsofo Antonio Labriola, uma vez que Enrico Ferri e Achile Loria,

    anteriormente, exploraram a cultura marxista muito pela tica positivista, que exergava a obra

    de Marx como uma teoria evolucionista da sociedade. Foi atravs de Labriola que Benedetto

    Croce,historiadorliberaleconservador,teveacessoaomarxismo.

    Na tentativa de entender a histria polticocultural italiana, a obra de Croce distingue

    cincia e histria, incluindo esta no campo da filosofia, visto que O historiador, no sentido de

    compreender a interioridade essencial da histria, deveria ser capaz de reviver em imaginao

    os indivduos e os acontecimentos, garantindolhe uma abordagem tipicamente idealista. A

    crtica de Croce ao marxismo aponta na direo da existncia de um monismo materialista,

    que imputaria uma carter metafsico histria. Tal monismo, edificado sobre os pilares de

    um suposto materialismo, seria nada mais que uma interpretao da histria vista por um vis

    econmico. Mais ainda, Croce critica o mtodo de Marx em sua teoria sobre a queda da taxa

    de lucro, sugerindo que faltaralhe pesquisas estatsticas empricas e a considerao de

    mltiplos fatores alm da varivel do progresso tcnico. Marx, segundo Croce, estaria ento

    interessado em construir uma relao de ordem lgica abstrata, ao invs de uma teoria

    6

  • cientfica. O historiador italiano ressalta, tambm, a presena de uma antieticidade

    intrnsecanomarxismo,devidosuasupostaautosuficinciacientfica.

    Segundo Croce, o marxismo foi vtima da conexo entre a filosofia da histria e sua

    interpretao de forma determinista: a primeira, responsvel pela significao transcendente

    dos fatos a segunda, pela atribuio de causalidade direta entre tais fatos. Em ltima

    instncia, tal relao responsabilizarseia por estabelecer um carter de busca pela causa

    ltima e a razo geral pela qual os fatos histricos ocorrem, contrapondo esse monismo

    fatalista pretenso libertadora da obra marxiana. No obstante, apesar da extensa crtica de

    Benedetto Croce ao legado de Karl Marx, o autor admite que a obra deste logrou ressaltar a

    importnciadoeconmiconahistria.

    Apesar do marxismo ter sido bombardeado pelas mais intensas e incisivas crticas, a

    mais duradoura e intensa foi desferida por Max Weber, seja pelo seu contexto social e

    espacial Alemanha no final do sculo XIX e incio do XX e/ou pela enorme capacidade

    do autor em sistematizar e organizar suas ideias. Entretanto, a anlise weberiana procurou

    atingir mais o chamado marxismo vulgar do que o trabalho de Marx, autor que considerava

    comoumgrandepensador,emboranosepreocupassemuitoemdiferencilos.

    Com efeito, a crtica de Weber reitera a concepo da histria como algo heterogneo

    e inapreensvel e que a tentativa de atribuir sentido atravs de uma concepo totalizante da

    histria errneo. O discurso tambm perpassa pelo possvel carter proftico dos textos

    marxistas, que antevem o socialismo e, posteriormente, o comunismo como mudanas

    inexorveis ao longo do curso histrico. A viso economicista, que reduz a totalidade dos

    fenmenos culturais a um monismo metafsico, tambm questionada por Weber, e este

    ressalta que ou a realidade histrica no passvel de ser deduzida, em sua totalidade, a partir

    de motivos econmicos, ou o marxismo estendeu o conceito de econmico a uma tal

    expanso que ele se torna irreconhecvel, a fim de incluir neste conceito todos os interesses

    humanos ligados, de alguma maneira, aos meios exteriores (...) (COLLIOT THLNE,

    Catherine.MaxWebereahistria.SoPaulo.Brasiliense,1990.p.132133).

    Seguindo o mesmo raciocnio, Weber no deixa a relao entre infra e

    superestrutura impune e critica seu carter mecanicista e reducionista, reclamando o papel de

    diversos outros fatores como a cultura e a religio no curso das transformaes do

    comportamento social. Fica claro que o autor da crtica justifica sua viso da histria

    7

  • heterognea e nodeterminista quando exprobra o mtodo marxista que no distingue entre

    ordem lgica dos conceitos e ordenao emprica do conceitualizado, ou seja, lana mo do

    saberhistricocomoservidordateoriaaoinvsdateoriacomoadvindadosaberhistrico.

    O paradoxo das consequncias surge no momento em que Weber, ao contrrio de

    Marx, garante autonomia ao indivduo, desvencilhandoo das amarras que a concepo

    determinista da histria imputalho e concedendo a este o poder real das transformaes que

    ocorrem e ocorrero ao longo da histria. Destarte, do carter imprevisvel que o produto de

    tantas variveis pode resultar, surgem consequncias no previstas pela tica marxista da

    histria: Weber contesta a previso de uma maior plasticidade entre as relaes de produo e

    superestrutura poltica ao longo da histria e antev uma tendncia hiperburocratizao.

    Embora proftico, tal discurso tambm pode ser visto como um paradoxo na crtica weberiana

    por ter cedido a uma viso quase fatalista da supresso da autonomia do indivduo em

    detrimentodocrescimentodaburocracia.

    A tendncia da filosofia ocidental no psguerra surge com a obra de Karl Popper,

    filsofo austraco inicialmente comunista e depois liberal e crtico ferrenho do marxismo e da

    dialtica hegeliana. A obra de Popper traz uma definio de historicismo diferente da adotada

    pelos neokantianos do sculo XIX: historicismo seria, ento, um ponto de vista sobre as

    cincias sociais que supe que a predio histrica o fim principal desta (...), portanto,

    um posicionamento necessariamente determinista da histria. No entanto, Popper enxerga o

    historicismo em Marx de forma pejorativa, avaliando ser perigoso pela possibilidade de

    incitar o totalitarismo, uma vez que estabeleceu relaes entre o historicismo hegeliano e o

    totalitarismo moderno. Rotula Marx, ento, de parcialmente determinista e parcialmente

    libertrio.

    Para Popper, Marx ressignifica o historicismo hegeliano atribuindolhe carter

    material oriundo de uma perspectiva econmica na anlise histrica. Contudo, o erro deste

    ltimo seria ter substitudo o Esprito absoluto em Hegel pela matria e assim compartilhar

    de uma tendncia do sculo XIX em atribuir leis naturais antes atribudas a Deus. Marx teria

    ento subestimado o potencial de agncia do indivduo que atua politicamente em detrimento

    de um determinismo regido pela economia. Sendo assim, aponta para a infertilidade da

    humanidade se apoiar em discursos profticos e teleolgicos ao invs de encabear, com as

    prprias mos, o ato de mudana. O autor tambm ressalta o ato falho dos marxistas em no

    8

  • terem visto os problemas que poderiam surgir da proposta de aumentar o Estado, o que

    poderiacausarsriasrestriesliberdadehumana.

    As crticas de Karl Popper no terminam por a: o alvo, agora, o entendimento de

    Engels sobre o conceito de dialtica. Segundo Popper h um erro lgico no conceito de

    dialtica j que o termo contradio se fez muito vago. Ademais, a relao de contradio

    entre dois termos reais e a construo de uma lgica dialtica atuariam no sentido contrrio ao

    da cincia, onde dois enunciados contraditrios jamais poderiam existir simultaneamente.

    Decerto, a partir de proposies contraditrias se poderia deduzir com legitimidade cientfica

    qualquer proposio (...). Assim, para o autor, a dialtica seria, no mximo, uma descrio

    dopensamentocientfico,quesebaseianacontestaocrticadeumpensamentoanterior.

    Como um socialista liberal, Norberto Bobbio foi o responsvel por reemergir a

    discusso clssica entre marxismo e democracia. Segundo o autor, o cerne da questo reside

    nas prprias interpretaes deterministas da obra de Karl Marx. A descrena dos marxistas

    quanto s instituies liberais assim como a negao da criao de uma alternativa a

    democracia liberal tambm contriburam para essa estagnao terica. Bobbio ainda contesta

    a opinio de Lukcs a respeito da relao entre a obra de Marx e Hegel afirmando que o que

    Marx deriva de Hegel uma completa filosofia da histria (BOBBIO, Norberto. De

    HobbesaMarx.Npoles,CasaeditriceA.Morano,1965,p.218).

    Entretanto, a interpretao da obra marxista por Norberto Bobbio exclusivamente

    determinista, e a sua viso sobre a sociedade civil como tambm sobre o Estado dependem

    intrinsecamente das relaes de produo que condicionam a estrutura, ao contrario de

    Antonio Gramsci, que concebe a sociedade civil como instncia ativa da histria. Com

    efeito,BobbiodescartaopluralismonaobradeMarxeprecisaque

    (...)quemconheceumpoucodahistriadasdoutrinaspluralistassabebemque

    elasseformamforadoraiodeinflunciadomarxismoemsuasvriasespciese

    subespcies(BOBBIO,Norberto.Asideologiaseopoderemcrise.Braslia,Ed.

    daUNB,1994,p.89).

    Para Bobbio, ao contrrio da filosofia liberal clssica, o marxismo contraps as noes

    de igualdade e liberdade e, escolhendo a primeira, acabou por expurgar quaisquer menes s

    liberdades individuais da literatura tributria da obra de Marx. E, por fim, Bobbio ressalta a

    faltadeumateoriaconcretaarespeitodoEstado,dizendoqueaculturamarxista.

    9

  • H de se considerar o valor da crtica liberal s interpretaes deterministas da obra de

    Karl Marx: foi a partir dela que toda uma reforma reestruturante se efetivou no marxismo. No

    entanto no seria correto deslegitimar quaisquer formas de conhecimento tributrias da base

    terica marxista. O legado de Marx serviu de base para muitos militantes e pensadores de

    vanguarda e, se o sucesso da crtica liberal criou a necessidade de uma exegese mais precisa

    dostextosmarxianos,estanofoitofelizemcriarumaconcepoalternativadahistria.

    O liberalismo sempre esteve presente na acirrada dicotomia entre indivduo e

    coletividade. Se por um lado h autores que analisam a sociedade atravs de um

    individualismo metodolgico tipicamente liberal, no outro encontrase autores com uma viso

    mais holista que considera errnea e incompleta a anlise restrita ao indivduo. Tal impasse

    no oferece uma resposta totalizante e correta (caso a anlise se proponha a isto) o que no

    garante a superioridade de uma abordagem em relao a outra. Contudo, o que se v uma

    tendncia hegemnica das abordagens liberais em se propagarem pela produo acadmica e

    at pela concepo de mundo da prpria sociedade. Tal fenmeno, longe de ser atrelado a um

    suposto mrito dessa forma de abordagem, se v influenciado por um contexto

    histricopolticocomplexoquereforaafalnciadomarxismoeaascensodoliberalismo.

    3.Asrazesdodogma:marxismoedeterminismo

    Visto que o alvo da crtica liberal o materialismo histrico e dialtico a partir de

    leituras deterministas o prprio ncleo da teoria marxista , fazse mister definir o que

    uma concepo determinista da histria bem como suas alternativas: concepes

    indeterministas e praxiolgicas da histria. Com efeito, possvel definir uma concepo

    determinista da histria como sendo aquela que define o curso histrico de forma apriorstica,

    estabelecendo positivamente um futuro determinado que independe da atiitude individual dos

    indivduos. Tal concepo, quando aplicada ao marxismo, pode expandirse e desdobrarse

    sob formas de um fatalismo, estruturalismo, funcionalismo, essencialismo, etc., assumindo

    10

  • um carter sincrnico ou diacrnico uma concepo semideterminista abarcaria uma

    pluralidade restrita de futuros prestabelecidos. A viso indeterminista, por outro lado,

    caracterizase por abarcar qualquer previso para o futuro, uma vez que valoriza as

    singularidades das conjunturas por lanar mo de um individualismo metodolgico, que

    rejeita construes macrohistricas restritas a categorias relacionais ou coletivas. Por fim, as

    concepes praxiolgicas compreendem o curso histrico como definido pela vontade

    organizada dos atores coletivos e, por conseguinte, critica tanto o determinismo quanto o

    indeterminismo.

    possvel conceber a ordem histrica da crise do marxismo de forma cronolgica sob

    o seguinte aspecto: fortes tendncias deterministas no muito coerentes e elaboradas junto

    concepes praxiolgicas no muito desenvolvidas expanso determinista coerente

    promulgada pela obra de Engels nova expanso determinista com a Segunda Internacional

    atravs das obras de Kautsky, Plekhanov, Bauer, Hilferding e Adler terceira expanso de

    vises deterministas no marxismo provenientes da Terceira Internacional e do marxismo

    sovitico (culminando na sistematizao do Diamat, por Josef Stalin) elaborao praxiolgica

    do marxismo por Antonio Gramsci, em Cadernos do crcere reelaboraes tericas da obra

    de Marx com o psguerra e o incio da desestalinizao da Unio Sovitica (fase

    caracterizada pelo paradigma negativo) por fim, a crise do marxismo como cultura com a

    derrubada do regime do Leste Europeu, o agravante declnio da Unio Sovitica e,

    consequentemente,umanotvelofensivaporpartedoliberalismo.

    de suma importncia buscar razes que contriburam para a predominncia de vises

    deterministas do marxismo ao longo da histria. Analisando principalmente o contexto

    histrico quando ocorreram as expanses de concepes deterministas supracitadas,

    dinstinguemse alguns aspectos importantes: o contexto positivista em que Karl Marx estava

    inserido enquanto construia sua obra era totalmente permeado por concepes deterministas.

    11

  • Para lograr o ttulo de cincia faziase mister lanar mo de uma causalidade muitas vezes

    forada, uma vez que o determinismo causal um pilar das cincias exatas, rea em que as

    cincias humanas recorriam quanto ao mtodo naquela poca. Outra razo para esse tipo de

    viso o fato de uma interpretao determinista da obra marxiana prescindir de um maior

    aprofundamento terico no assunto, esquivando de suas incompletudes e tenses. Devese a

    Gramsci o mrito de evidenciar essa fuga terica ao determinismo, em sua resposta s

    crticasdeBenedettoCroceleidatendnciadecrescentedataxadelucro.

    Uma outra possvel razo para a acepo geral das interpretaes deterministas reside

    no fato do carter quase proftico da obra de Marx quanto s primeiras dcadas do sculo XX.

    O clima favorvel s teses socialistas entravam em gradual ascenso na conjuntura e, somente

    apartirdasegundametadedosculo,retrocedeuedeulugaraocrescimentodaculturaliberal.

    necessrio ressaltar um fenmeno muito caro a explicao da ordem lgica da crise

    marxista: a tendncia dos autores em assimilar as concepes deterministas da obra marxiana

    e apliclas aos diversos campos da cincia reduzir a compreenso das vrias reas das

    cincias das humanidades ao puro economicismo. As tenses geradas por essa assimilao

    dogmtica causou danos incontornveis. De um marxismo reducionista surgiram teorias

    sociolgicas, polticas, antropolgicas, historicistas e filosficas a teleologia e o

    posicionamento apriorstico foram levados a outro patamar e as prprias inconsistncias e

    paradoxos provenientes desse paradigma que permeiam tanto a produo acadmica at

    hoje vieram a dar razo crtica liberal: como uma cincia que se diz emancipatria e

    humanista pode se escorar em pilares que restringem tanto o agir e a criatividade individual e

    coletiva?

    12

  • 4.Marxeodeterminismo:astensesconstitutivas

    possvel destacar vrios fatores que influenciaram o pluralismo de interpretaes da

    obra marxiana, sendo alguns deles: a grande extenso da obra a conjuntura da produo

    acadmica da poca a variedade de fontes inspiradoras o fato da obra ser inacabada e em

    aberto enfim, uma obra escrita fora do ambiente acadmico e alvo de inmeras discusses

    polticas e paradigmticas. O destaque para as interpretaes deterministas pode ser explicado

    pela existncia de tenses deterministas constitutivas na obra que, no entanto, no so

    suficientementerigorosasparasuprimirapresenadeelementospraxiolgicos.

    O sucesso da mecanica newtoniana, marcada pelo determinismo causal, fezse

    presente, de forma simblica, durante todo o processo de ascenso do positivismo como

    paradigma no sculo XIX. Impulsionado pela prosperidade das cincias naturais

    (principalmente a fsica e qumica), o mtodo cientfico acaba por se estender s cincias

    humanas e atua diretamente no estudo das sociedades. Por outro lado, o paradigma passa,

    tambm, por fortes questionamentos, muitos deles advindos da prpria fsica, ao trabalhar

    com problemas de ordem estatstica. Laplace um exemplo de um posicionamento

    deterministicamente radical ante o problema probabilstico, oposto ao de Maxwell, que admite

    a dificuldade de se processar o volume de dados e variveis em sistemas complexos, como o

    ser humano, e lana mo do recurso probabilstico, abrindo espao para anomalias e eventos

    improvveis no raciocnio. , ento, importante ressaltar que as tenses deterministas em

    discusso no so oriundas propriamente da obra de Marx, mas sim da prpria conjuntura

    cientficadapoca.

    A influncia de Hegel em Marx latente, e sua leitura da histria tributa o carter

    teleolgico daquele. , entretanto, errneo supor que a teleologia e a filosofia da histria so

    trabalhadas na mesma medida, nos dois autores, por trs motivos principais: Marx e Engels

    criticam explicitamente obras de Hegel revestidas pela sua concepo de filosofia da histria

    13

  • diferenciao qualitativa quanto a apreenso da realidade nos dois autores e, por fim, a

    diferena de tratamento, na obra de Hegel, entre autodeterminao e determinismo

    conceituado como o hoje na filosofia das cincias , distinguindose de Marx, cuja obra

    torna to caro o conceito de autodeterminao, em oposio ao primeiro autor. Com efeito, o

    que possvel questionar nessa crtica ao hegelianismo exatamente o que restou de

    influnciadafilosofiadehistriasobreoautormaterialista.

    A economia poltica, palco de inmeras crticas marxistas, fora tambm muito

    influenciada pelo paradigma newtoniano. A forma como a economia era tratada

    assemelhavase a uma anlise mecnica de algo que produto de interaes sociais. A ordem

    supervalorizada como em um sistema fsico. A partir disso, questionase o tratamento dado

    por Marx economia em sua obra, ressaltando uma possvel confluncia na forma como o

    assunto foi tratado. Ora, a concepo de sociedade e economia marxiana pressupe a

    existncia de um conflito, no de ordem se o determinismo, caracterstico desse tipo de

    anlise econmica, se faz presente na obra, o faz de maneira modesta pois a prpria

    concepo do tempo em Marx no se d de forma linear, como pressupe as "cincias duras".

    A tenso determinista se concentra, dessa forma, na forma como os textos foram elaborados, o

    forte carter histrico reinvindicado por Marx, ao invs de garantir sustentao emprica a

    teoria, acaba por obscurecer a tese e possibilitar leituras generalizantes com alto teor

    determinista. O apelo reduo das faculdades subjetivas humanas ao impulso movido pela

    economiatambmajudounaelaboraodeumposteriormonismopelosmarxistas.

    Encontrase uma enorme facilidade em se tratar do decorrer histrico da produo

    acadmica de Marx atravs de perodos definidos. Apesar disso, necessrio atentar para que

    noseforcedeterminadaobraaseinseriremumperododefinido.

    Em uma primeira parte, vemos um Marx que desfere crticas ao historicismo

    teleolgico hegeliano em Crtica filosofia do direito de Hegel e Manuscritos

    econmicosfilosficos. Em seguida, a obra adquire um carter praxiolgico que questiona a

    14

  • filosofia da histria incrustado na fase anterior, alm de criticar o materialismo contemplativo

    atravs da influncia de Feuerbach por no ter sido elaborada de forma totalmente coerente e

    segura, esse perodo expressase ainda em combinao com vises deterministas da

    histria (o perodo concentrase entre os anos de 1845 e 1857). Finalmente, podemos incluir

    as obras dos anos 1857 at 1883 data de sua morte em um terceiro grupo, caracterizado

    por uma tentativa de se estruturar toda a dinmica do sistema capitalista atravs da crtica

    economia poltica inglesa de Adam Smith e David Ricardo. No entanto essa terceira fase

    apresenta fortssimas tenses deterministas que, se no se expressam sob uma forma

    totalmente coerente que impossibilite outras concepes histricas, acabam por suprimir uma

    ideia de prxis e tornar, de certa forma, preponderante a viso determinista sobre o legado

    marxianoposteriormente.

    Tendo isso em vista, falacioso supor a existncia de uma nica concepo da histria

    na obra de Marx h uma latente defasagem entre teoria e anlise concreta da histria.

    Hobsbawm evidencia esse impasse no momento em que observa a inexistncia de uma

    conexo lgica de desenvolvimento entre os perodos histricos de produo analisados por

    Marx no h uma linha progressiva e linear entre a produo escravista da antiguidade e o

    feudalismo medieval europeu, por exemplo. inegvel a presena dos mltiplos caminhos

    que a histria pode alcanar e, ao mesmo tempo, fortes traos de uma histria unilinear na

    obramarxianaaolongodotempoemquefoiproduzida.

    Durante toda sua obra, o socialista coloca a revoluo como possvel e, por outro lado,

    como necessria e inevitvel. O produto da ao dessas duas foras resulta em um esboo de

    teoria revolucionria que obscurece a parte pragmtica e estratgica faltoulhe sistematizao

    quanto aos conceitos de partido, poder poltico e hegemonia proletria. Algumas razes para

    esse carecimento podem ser verificadas na conjuntura histrica em que a obra foi

    desenvolvida, que prescindia de regularidade e prxis revolucionria e, em compensao, era

    15

  • rica em surtos revolucionrios e contradies. Essa irresoluo tornarseia explcita na

    culturadaSegundaInternacional.

    Destarte, por ser uma obra periodizada, no homognea e irresolutiva, o legado

    socialista marxiano compreendido hegemonicamente de forma unilateral por diversos autores

    tornase completamente compreensvel. Junto a isso, temse uma tendencia dogmatizao do

    texto de Marx, o que impossibilitou sua transcendncia a exegese da obra, ainda falha, por

    muito tempo esteve algemada ao prprio texto e conjuntura cientfica do tempo, no buscando

    uma formulao marxista que rompesse com o carter de sacralidade do contedo e

    alcanasseformulaesinditas.

    5.Engelseaprimeiraondadeexpansododeterminismo

    A primeira onda de expanso do determinismo na cultura marxista s se tornou

    possvel a partir das obras de Engels. Com o intuito de divulgao, o cofundador do

    marxismo acabou por disseminar essa cultura e, ao mesmo tempo, explorar e sistematizar as

    tenses deterministas presentes na obra do prprio Marx. importante destacar que no se

    deve desvencilhar a obra de Engels da de Marx por inteiro e, muito menos, dizer que elas no

    se relacionam, visto que h diferenas elementares a respeito do tratamento dado e da prpria

    concepodematerialismoentreambos.

    Segundo Juarez Guimares o primeiro passo de Engels o de identificar as leis que

    regem a natureza com as leis que do racionalidade histria. Com efeito, a pretenso do

    socialista tributa muito do positivismo da poca: anseia reunir e reduzir todas as reas do

    conhecimento jurisdio de leis naturais. Sendo assim, possvel distinguir cinco

    desdobramentos que permeariam a cultura marxista vindoura sob a influncia de Engels,

    sendo eles: (i) o marxismo como cincia e a desnecessidade ou reduo da filosofia ao

    estudo de certas leis de mtodo (ii) o marxismo como uma forma superior de monismo

    materialista (iii) o conhecimento entendido como reflexo e a reduo do conceito de

    16

  • prxis (iv) a viso unilinear da histria e (v) a definio da liberdade como conscincia

    danecessidade.

    Assim, o legado engeliano, caracterizado pela reduo da totalidade ao monismo

    economicista decorrente da tentativa de uma sistematizao do materialismo dialtico

    furtouse abordagem praxiolgica e ajudou a situar a cultura marxista em um paradigma

    determinista (utilizado, posteriormente, como festim para a crtica liberal). Segundo Andrew

    Arato, a sistematizao engeliana do marxismo possibilitou os triunfos da cincia positiva

    sobreafilosofia,danaturezasobreahistriaedoobjetosobreosujeito.

    6. Kautski, Plekhanov e austromarxismo: a segunda onda de expanso do

    determinismo

    Aps a tentativa falha de unificao conceitual do marxismo por Engels, surgem

    inmeras outras interpretaes, dentre as quais destacaremos trs neste captulo: as

    elaboraes de Kautski, Plekhanov e, por fim, as contribuies de cunho neokantiano de Otto

    BauereMaxAdler.

    possvel distinguir as contribuies de Kautski para o marxismo em trs fases, desde

    que aderiu ao socialismo em 1875 at sua morte em 1938. A primeira fase caracterizase pela

    tentativa do autor em difundir o marxismo e sistematizar as ortodoxias do Partido

    SocialDemocrata alemo (SPD) e da Segunda Internacional na segunda fase, do incio do

    sculo XX at 1914, Kautski assume uma posio mais de centro, em meio a uma grande

    polarizao dentro do SPD por fim, na terceira fase, notase uma forte oposio ao partido

    bolchevique e Terceira Internacional, situao esta que se soma a sua gradual perda de

    notoriedadepoltica.

    O pensamento kautskista, embora gradualmente tome um rumo reformista,

    caracterizado pela forte presena de interpretaes deterministas do marxismo aliadas a um

    17

  • racionalismo tpico do contexto positivista da poca. Sua viso da revoluo proletria era

    totalmente passiva (beirando o fatalismo) e seu legado serviu de base para a distino

    ideolgicasocialdemocrticadaburguesa.

    O marxismo refratado pela tica neokantiana, no contexto do final do sculo XIX na

    Alemanha, tentou responder s crticas que cobravam uma epistemologia menos dogmtica da

    obra de Marx. Dentre essas respostas, destacamse algumas matrizes de pensamento: a

    posio de Cohen, que derivava a teoria socialista da segunda formulao do imperativo

    categrico kantiano Bernstein propunha a separao entre o marxismo e a metafsica

    tributada da obra hegeliana, ressaltando ainda uma reviso das concepes que prediriam o

    fim do capitalismo a tradio austromarxista de Max Adler procurava tornar o marxismo

    uma cincia de carter sociolgico e a adeso ao socialismo uma opo prticomoral

    assentada nas previses cientficas sobre a inevitabilidade da superao do capitalismo. O

    papel de Kautski frente s formulaes citadas foi o de insistir no marxismo ortodoxo mas, ao

    mesmo tempo, abrir espao para a insero de uma discusso moral na teoria, a partir de uma

    ticaqueretomaopensamentodeKant.

    Os conceitos de evolucionismo e determinismo esto to arraigados na obra de

    Kautski que este afirmava que a cincia do marxismo possibilitou a descoberta das leis que

    operam no sentido da evoluo da sociedade, sendo o erro de Marx e Engels somente a

    previso da revoluo como prxima. A inevitabilidade da revoluo era to latente, para

    Kautski, que s admitia eventuais e momentneas derrotas do processo revolucionrio nunca

    fatais.

    A obra de Plekhanov pode ser lembrada pela presena de dois conceitos capitais:

    determinismo e monismo. A tentativa de se reunir em um sistema materialista tudo o que

    existe caminhou na direo de um aprofundamento do legado de Engels, rejeitando o

    dualismo kantiano e no se deixando influenciar pelas analogias biolgicas como o fez

    Kautski. O determinismo em Plekhanov era to intenso que considerava o socialismo to

    18

  • inevitvel quanto o amanhecer depois de uma noite o monismo do socialista no via na

    economia a causa primeira dos movimentos sociais, justificando que esta ainda estava

    condicionadasforasprodutivas.

    Com efeito, o autor procurou conciliar sua viso determinista da histria com o papel

    individual. Distinguiu a causa geral, que determina o movimento histrico as causas

    particulares, que correspondem situao histrica especfica e as causas singulares,

    resultado das aes individuais, que particularizam o decorrer histrico mas no tm a

    capacidade de interromplo ou transformlo radicalmente. Para Plekhanov no h valor nos

    grandes personagens da histria: eles somente traduzem o que as grandes necessidades

    sociaisdesuapocadeterminam.

    O austromarxismo foi a corrente que se desenvolveu em torno do Partido

    SocialDemocrata austraco desde o incio do sculo XX at a ascenso do nazifascismo,

    sendo Max Adler, Otto Bauer, Rudolf Hilferding e Karl Renner seus principais expoentes. O

    debate acerca do legado de Marx, proposto por Adler, procurou diferenciar os alicerces do

    marxismo de um positivismo exclusivamente emprico bem como de um formalismo

    neokantianoabstrato.

    Adler procura, tambm, estabelecer uma viso de cincia determinista e

    socioeconmica sobre o marxismo, rejeitando monismos que submetem a subjetividade

    humana uma concepo puramente materialista (como o faz Plekhanov) adota a

    causalidade da cincia positiva como mtodo vital para a concepo determinista da

    sociologiaqueprope.

    7.Aprxissitiada:Lukcseascidadelasdodeterminismo

    Diante de uma conjuntura majoritariamente ortodoxa na cultura do marxismo, George

    Lukcs e Karl Korsch representam a contramo do fluxo. Tributando diretamente da dialtica

    19

  • hegeliana, os autores rejeitaram o monismo materialista de Engels, Kautski e Plakhanov e

    ressurgiram com o conceito de prxis no marxismo (embora no tenha obtido xito em

    desenvolvlo), h muito tempo olvidado. Lukcs foi um grande crtico do Diamat e da

    cultura stalinista, em geral Por essas razes, foram muito criticados pela cultura da Terceira

    Internacionaleexpulsosdospartidosemquemilitavam.

    A obra filosfica de Lukcs pode ser discriminada em trs fases, representadas pelas

    obras: (i) Histria e conscincia de classe, (ii) Posfcio (de 1967), que critica a obra anterior,

    e o (iii) Ontologia do ser social . Tambm possvel separar a disseminao de sua filosofia

    em trs momentos: a fundao da Escola de Frankfurt a abordagem do tema da problemtica

    da alienao, aps a releitura da obra marxiana o surgimento das novas esquerdas durante a

    dcadadesessenta.

    Um ponto importante na Histria e conscincia de classe, de Lukcs, a definio do

    que seria o carter ortodoxo na cultura marxista: no seria a f dogmtica na obra de Karl

    Marx, mas sim o prprio mtodo dialtico e sua concepo de totalidade que reduzem o devir

    social. Para o autor, a histria dotada de sentido e a explicao da inexorabilidade da

    revoluo proletria no advm de uma prova material, mas garantida metodologicamente

    pela dialtica a conscincia de classe por parte do proletrio o ponto chave da revoluo, e

    a questo est em transcender sua alienao em direo noo real do movimento da histria

    atravs, tambm, da ajuda do partido, que assumiria o papel de portador de tal conscincia. A

    concepo de reificao imprescindvel para compreender a falsa conscincia do proletrio

    no marxismo de Lukcs. Atravs de uma interpretao de Max Weber a partir da

    inexorabilidade de uma racionlidade mecnica, h uma tendncia de objetivao da

    subjetividade pelo mundo material (mais precisamente, econmico) e sua consequente

    fragmentao, razo da incapacidade de compreenso da totalidade do devir social. Assim,

    carter teleolgico da obra permeado por uma concepo praxiolgica (mesmo que no

    sistematicamentedelineado)vaicontraacorrentepuramentedeterministadaculturamarxista.

    20

  • Por outro lado, os erros apontados pela autocrtica de Lukcs giram em torno do

    carter metafsico da conscincia, que transcende o que o autor tributou da obra de Hegel a

    imanncia do carter revolucionrio no proletrio, que se ope ao conceito de hegemonia e a

    conotao metafsica inserida na concepo de reificao, garantindolhe um carter

    totalitrioquesubjugaaconscinciaproletriaeseconfundecomaprpriaalienao.

    Ao criticar sua obra Histria e conscincia de classe, George Lukcs se prope a

    reintroduzirse no campo conceitual do materialismo histrico para buscar subjetivlo a

    partir de dentro, ao invs de tentar desenvolver o conceito de prxis em sua obra atravs da

    superao de seu carter metafsico. Com efeito, o autor distingue os principais erros, sendo

    eles: a obra se opor aos fundamentos da ontologia do marxismo o distanciamento de um

    conceito de prxis em relao ao trabalho, empobrecendo a base econmica da teoria a

    abordagem do proletrio como sujeitoobjeto congnere ao longo da histria o tratamento de

    identidadeentrealienaoeobjetivao.

    Em Ontologia do ser social, George Lukcs busca voltar tradio do materialismo

    histrico atravs de uma sntese ontolgica do marxismo, baseandose na superao das

    concepes metafsicas presentes em Histria e conscincia de classe. Sendo assim, a

    concepo ontolgica do marxismo de Lukcs pressupe: prioridade do ser em relao

    conscincia, da economia em relao s outras instncias da vida social o trabalho como

    sendo o mediador entre homem e natureza, garatindolhe carter teleolgico o movimento da

    histria como dado restando ao humana a capacidade de bloquear, acelerar ou freiar. Em

    outras palavras, o autor procura unir formal e filosoficamente o materialismo dialtico e o

    materialismohistrico,bemcomoafilosofiadomarxismocomasuacinciadahistria.

    Por fim, Lukcs no obtm xito em tentar escapar das amarras do determinismo. Um

    dos pontos por onde passa a justificativa dessa falha o fato do autor no se desvencilhar da

    21

  • concepo de materialismo histrico. O enfoque economicista como o determinante da

    realidade social engessa um desenvolvimento praxiolgico e traduz uma nfase excessiva

    ontologia da necessidade. Segundo Carlos Nelson Coutinho, em Ontologia do ser social,

    Lukcs cai no erro de subestimar a potencialidade da prxis humana, conferindolhe somente

    a capacidade de alterao fenomnica, e no essencial. Com efeito, a viso econmica

    presente no materialismo histrico como fora motriz despiu a capacidade de agir da

    humanidade e conferiulhe segundo plano frente ao objetivismo das leis mais gerais do

    movimento da economia, ressaltando o carter determinstico da obra de Lukcs em

    detrimentodeumaobscuridadedopapeldaprxis.

    8. A terceira onda de expanso do determinismo: o Diamat e as

    antinomiasdomaterialismo

    As concepes filosfica marxistas da Unio Sovitica, caracterizadas por uma

    ortodoxia tributada das obras de Engels, Plekhanov e Lenin, devem sua importncia mais pela

    sua durao e influncia do que pelo carter inovador. Tal cultura possui talvez mais

    influncia de Engels do que do prprio Marx, e seu carter determinstico se faz presente,

    principalmente, na frequncia em que o termo materialismo histrico dialtico

    mencionado. Sendo assim, possvel destacar quatro principais perodos do marxismo russo,

    sendo eles as dcadas que envolvem as obras: Materialismo e empiriocentrismo (1909) de

    Vladmir Lenin, Tratado de materialismo histrico (1921) de Nikolai Bukharin, Materialismo

    dialtico e materialismo histrico (1938) de Josef Stalin e, por fim, o trabalho posterior do

    marxismo russo em reorganizar a filosofia sovitica aps a morte de Stalin. Notase a

    ausncia do legado de Leon Trostky na cultura marxista reunida nessa introduo por dois

    motivos: sua expulso, ostracismo e assassinado em relao cultura interna da Unio

    Sovitica bem como o carter pragmtico de sua obra, que somente esboa uma filosofia entre

    aslinhasdeumadiscussomajoritariamentemilitante.

    22

  • H dois modos de se compreender a sistematizao filosfica do Diamat e o legado de

    Lenin: o primeiro consiste em visualizar os aspectos de confluncia entre ambos, chegando

    concluso de que o primeiro a exata reunio da teoria poltica leninista o segundo modo

    baseiase na busca pelos aspectos de ruptura e descontinuidade entre as obras, embora

    reconhecendo os pontos de confluncia. Juarez Guimares traa o segundo caminho com base

    nasindicaesdeMarcelLiebman,AntonioGramscieManuelSacristn.

    Liebman trabalha sua comparao entre o Diamat e a obra de Lenin atrves da

    oposio entre a rica e viva cultura poltica de Lenin e a cristalizao dogmtica aps sua

    morte a dialtica realista e flexvel do revolucionrio e a tendncia conservadora do partido

    bolchevique. Liebman vai ainda mais longe e contesta a imagem do revolucionrio vitorioso e

    celebrado de Lenin, contrastando com o que aconteceu realmente: os fracassos em contrapor o

    capitalismo nas sociedades industriais em estgio avanado e o desenvolvimento do conceito

    de democracia na cultura do socialismo. Gramsci distingue a teoria poltica de Lenin e seu

    legado filosfico, ressaltando sua possvel maior expertise no primeiro e uma carncia no

    segundo. Manuel Sacristn aponta o dissenso entre a orgnica cultura poltica russa

    encabeada, principalmente, por Lenin, Trotsky, Bukharin, Preobrajenski, Pachukanis e a

    inflexvel e mecnica sistematizao filosfica do Diamat, encontrando a resposta para essa

    questo na prpria progresso da filosofia de Lenin. O filsofo espanhol discorre sobre as

    debilidades imensas da argumentao de Lenin no que diz respeito a uma cultura filosfica

    bsica (sendo admitidas pelo prprio Lenin) o revolucionrio teria simplificado a filosofia

    de algumas obras, como foi o caso com os empiriocentristas, assim como o prprio

    materialismo,comoviriaaapontarGustavWetter.

    Em sua obra posterior, Lenin critica a oposio simplista do idealismo/materialismo

    em relao aos autores alemes Hegel e Marx precisando que o idealismo de Hegel est mais

    prximo do materialismo de Marx do que do materialismo estpido. Acaba, ento, por fazer

    as pazes entre a matria e o esprito, conciliao que se opunha em sua obra primeva. Por fim,

    23

  • Lenin assume uma posio crtica quanto ao determinismo, atravs da intensa leitura de Hegel

    e, segundo Sacristn, caminhou numa direo confluente com a proposta gramsciana do

    marxismo,emboratenhampartidodefundamentosdiametralmenteopostos.

    O legado de Nikolai Bukharin mais reconhecido pela sua repercusso para o

    marxismo russo e para a Terceira Internacional, de modo geral, do que pelo seu contedo.

    Revestido de uma ortodoxia superlativa, o intelectual russo leva o determinismo a um patamar

    ainda mais alto que em Plekhanov e duramente criticado por Lukcs e Gramsci, que vem

    em sua obra um materialismo contemplativo que, ao invs de questionar a positividade do

    mtodo das cincias naturais, acaba internalizandoos e tomandoos como ponto de partida

    para a anlise da sociedade. Assim, o autor lana mo de um determinismo causal e

    mecanicista que intensifica a leitura de Engels do marxismo e acaba por exorcizar todo o

    esprito transformador do indivduo, conferindo s foras produtivas a potencialidade central

    paraqueasociedadesetransforme.

    Surge ento um debate que ope as vises dialticas e mecanicistas no final dos anos

    vinte na Rssia situao completamente sintomtica que ilustra as inconsistncias geradas a

    partir da leitura das obras de Engels sobre o marxismo. Os mecanicistas representariam uma

    supremacia do mtodo positivo dentro do marxismo, tomandoo como cincia e no filosofia

    a dialtica seria anticientfica seus principais expoentes, alm de Bukharin, seriam

    SkvortsovStepanov e Arkady K. Cimiryazev. Do outro lado, os dialticos, juntando a diltica

    hegeliana ao materialismo de Feuerbach, abarcariam um noo mais ontolgica do marxismo

    seu representante mais clebre seria Abram Deborin, posteriormente derrotado em uma

    entrevistadeStalinnaqualsuafilosofiaseriaclassificadacomomenchevismoidealista.

    O quarto captulo da sntese marxista de Josef Stalin foi publicado em 1938 com o

    nome de Materialismo dialtico e materialismo histrico, sendo este o volume mais influente

    24

  • da coleo. Com a caracterstica de ser bastante didtica, a sntese stalinista pode ser

    entendida como uma conciliao entre a discusso entre dialticos e mecanicistas, com a

    peculiaridade de naturalizar o mtodo marxista aplicando o materialismo histrico em um

    continuum natureza/sociedade. As duas principais caractersticas do Diamat seriam a

    omisso do fundamento da negao da negao, de Engels, e o conceito de total

    unilinearidade do desenvolvimento das sociedades. Destarte, deria possvel distinguir cinco

    tipos fundamentais de relaes de produo que, por sua vez, responsabilizarseiam pela

    transformao na superestrutura como um todo, sendo elas: a economia primitiva, a

    escravatura, o regime feudal, capitalista e socialista(STALIN, Josef. O materialismo

    dialtico e o materialismo histrico. So Paulo, Global Editora e Distribuidora Ltda., 1978,

    p.17). Notase a omisso do modo de produo asitico na progresso, que seria uma

    anomalia no determinismo da teoria. Com efeito, a sntese de Stalin seria responsvel por

    engessar o dogma do marxismo ortodoxo e o monismo materialista e assim suprimir a

    subjetividade humana de forma terica com seu alcane poltico no foi atoa que a sntese

    no foi adotada em sua totalidade por outras naes, onde o marxismo recebia forte influncia

    deoutrasescolascomtradiesfilosficasmaisincrustadas(marxismoocidental).

    No perodo em que Stalin estava no poder, a dogmatizao presente na ortodoxia da

    sntese do Diamat conferiu carter hegemnico a essa doutrina, afastando quaisquer culturas

    marxistas que confrontassem os seus fundamentos. Contudo, com a morte do secretriogeral,

    a teoria marxista sovitica tornouse mais flexvel embora nem tanto e assim possibilitou

    o dilogo com outras concepes. Assim, o perodo que se segue aps a morte de Stalin

    caracterizado pela polmica promulgada pelas crescentes noes da cultura e filosofia

    marxista, sendo que, mesmo trinta anos depois, ainda no se havia sistematizado uma filosofia

    oficial. O materialismo dialtico da Unio Sovitica, desse modo, apresentaria uma vasta

    gamadeantinomias

    Juarez Guimares sistematiza as antinomias do Diamat em seis pontos chave: (i)

    25

  • Materialismo como reconhecimento da objetividade da matria em relao

    conscincia/Reconhecimento de que outras filosofias materialistas adotam o mesmo

    princpio (ii) Materialismo como definio das qualidades inatas da matria/Dissenso sobre

    quais so estas qualidades e como interpretlas (iii) Definio das trs leis gerais da

    dialtica/Dissenso multidirecionado sobre quais so estas leis, como interpretlas e qual o seu

    universo de aplicao (iv) Teoria do conhecimento como reflexo do real/ Reconhecimento

    das noes de sntese, imaginao e capacidade preditiva da razo (v) Lgica dialtica

    como substitutiva ou superior da lgica formal/Dissenso sobre o que lgica dialtica e sua

    relao com a lgica formal e, finalmente, (vi) Defesa da evoluo unilinear da

    histria/Relativizao,emvriosplanosdoevolucionismo.

    9.Gramscieaconcepopraxiolgicadahistria

    Quando mobilizada a substancial conquista atingida pelo pensador Antonio Gramsci,

    mediante sua interessante abordagem acerca do marxismo, a investigao terica de

    Democracia e marxismo explicita a contribuio desse intelectual no que diz respeito

    ruptura do paradigma ento cristalizado que atribua ao complexo cultural marxista uma

    considervel e limitadora tendncia determinista. Para tanto, demonstrado como a sntese

    filosfica que Antonio Gramsci formula, em sua notria obra intitulada Cadernos do crcere,

    a denominada concepo praxiolgica da histria. Conforme apresentado no captulo VIII,

    essa inovadora sntese filosfica acerca da cultura marxista vem a demonstrar certos

    elementos primordiais contidos no pensamento de Marx durante toda sua vida criativa, mas

    que se fundam essencialmente a partir das tenses deterministas presentes na conceitualizao

    deste.

    Com efeito, notase questionamentos que caracterizam como sendo determinista a

    reflexo de Marx, de modo a identificar com preciso seu "silncio argumentativo" sobre

    "conceitos chaves para a compreenso do Estado e da sociedade civil, da cultura e da prxis

    26

  • poltica, da revoluo e da criao de uma nova ordem". Assim, com sua gnese conceitual

    fundada em resposta as frustadas tentativas de expanso do marxismo, sobretudo na Europa

    Central, e lanandose no embate terico levantado pelas tenses deterministas presentes no

    campo terico de Marx, a concepo praxiolgica da histria desenvolvida ante o fatdico

    contexto histrico da Segunda e da Terceira Internacional. Ora, com formao intelectual

    empreendida numa escola oposta ao "marxismo positivista, cientificista e naturalizante",

    Gramsci no somente escreve de maneira incisiva contra noes deterministas como tambm

    dispensa as especulaes interpretativas provindas do indeterminismo histrico, polemizado

    comoidealismocroceano.

    Apesar de inovadora, a sntese filosfica de Cadernos do crcere, elaborada na

    conjuntura a qual no mais vislumbrava o socialismo como estgio irremedialvemente a ser

    estabelecido, fora impossibilitada de vir a ser modelo terico alternativo a interpretaes

    deterministas da poca, muito em razo de sua tardia divulgao e do processo corrente que

    seu partido PCI levou adiante quando do rompimento ideolgico com princpios stalinistas.

    De fato, a "autonomia estratgica" de Gramsci, no mbito de sua desvinculao em relao a

    tradio stalinista, propicia uma dicotomizao interpretativa de seu pensamento, como bem

    analisa Togliatti ao explicitar que, se por um lado a abordagem gramsciana apresenta uma

    vertente que sugere adequao dos princpios marxistasleninistas cultura poltica italiana,

    por outro estabelece fronteiras devidamente delimitadas entre o pensamento gramsciano dos

    conselhosdefbricaeseuperododedirignciadoPCI.

    Todavia, a sofisticada conceitualizao de Gramsci de certa forma fora marginalizada

    e mesmo desvalorizada no mbito comunista da Europa, haja vista sua potente e abrangente

    tematizao e investigao reduzida a leituras que apontam como sendo fracassada sua

    tentativa em desenvolver uma alternativa ao determinismo histrico, ao contrrio limitando a

    inserilo numa perspectiva historicista e o relativizando no tocante a traos mecanicistas.

    Dessa forma, a valorizao da importncia terica concentrada nos esforos de Gramsci se d

    num perodo posterior no qual ensastas italianos exploram sua sntese filosfica que suscita

    27

  • conceitos fundamentais ao debate circunscrito a cultura marxista, como a concepo

    praxiolgicadahistria.

    Pois bem, o conceito de hegemonia nos apresentado como primordial ponto de

    partida para o satisfatrio entendimento da noo praxiolgica da histria, cujo resultado

    combate o economicismo determinista, alm de permitir superao do dualismo matria/ideia

    que alia estrutura e superestrutura. Com isso, Gramsci expe tal insuficincia por parte de

    Marx ao no desenvolver o conceito de hegemonia em razo de sua aparente dificuldade em

    conseguir desvincularse completamente da viso histrica hegeliana, a qual denota o

    processo teleolgico do esprito rumo a "perfeita realizao da razo universal". Assim,

    Cadernos do crcere aprofunda a discusso ticopoltica que traz a luz novos instrumentos

    analticos para leitura da obra O Capital, no sentido de condenar interpretaes que o

    encerram no determinismo histrico e fundamentar a partir disso um "projeto hegemnico

    alternativo".

    Uma vez deflagrada a crise do marxismo, a anlise de Antonio Gramsci acerca da

    insurreio evidenciada na Revoluo Russa concebida como apenas parte do

    desenvolvimento da teoria de Marx que, ao contrrio de seu formato maduro e definitivo,

    caracteriza essa experincia particular na histria como necessitada de "expanso e

    universalizao", posto o alto preo cobrado nas dcadas iniciais do segundo milnio com a

    denominada vulgarizao marxista. Ademais, bem definido seu entendimento do que

    consititue a ortodoxia, Gramsci identifica traos do positivismo evolucionista e do

    materialismo com razes no sculo XVIII para que fosse possvel a construo do marxismo

    como campo filosfico autnomo, o que de fato no ocorrera de acordo com este autor. Desse

    modo, a sntese filosfica de Gramsci vai na direo contrria ao vis cientficonaturalista

    prprio da denominada primeira onda de expanso do determinismo, levada a cabo por Engels

    28

  • ao incorrer no erro de imputar ao marxismo uma noo metodolgica similar ao das cincias

    naturais.

    De fato, o pensamento gramsciano explicita que em virtude da confuso que

    desconsidera o funcionamento da pesquisa cientfica em seu processo de adequao

    estratgica "conforme ao seu fim", sendo portanto flexvel conforme o objeto de estudo e de

    forma alguma um dogmatismo rgido e aplicvel como "mtodo em si", denota equvoco,

    tendo sido essa inferncia reiterada em outro escrito em que Gramsci acrescenta a cincia ao

    conceito de superestrutura, como sendo tambm uma ideologia. No tocante a continuidade de

    sua linha argumentativa, Gramsci confronta as reflexes de Lukcs e de Korsch, to

    inclinadas a retirar o raciocnio filosfico do mbito poltico, de modo a chamar a ateno

    para a relao intrnseca entre filosofia e poltica exemplificada no importante papel

    desempenhadopelosintelectuaisreferentelegitimidadedosfundamentosdeumEstado.

    Ora, elucidado este aspecto, a argumentao gramsciana visa diferenciar a ideologia

    da filosofia da praxis, aqui inserida no campo da superestrutura e entendida como sendo a

    "teoria das contradies" e expresso das classes dominadas numa tentativa de evitar

    possveis iluses que venham a desviar sua ateno da "verdade". Por sua vez, ideologia

    remete compreenso que se restrinja a certo grupo contido numa classe com finalidade de

    resoluo de impasses pontuais quela conjuntura, atribuindo dessa forma a qualquer

    indivduo que se preste a conscientemente elaborar conceitos acerca do mundo a alcunha de

    "filsofo". Deve ser salientado que Gramsci concebe essa filosofia da paxis tanto em sua

    atuao no plano da mais sofisticada discusso intelectual quanto do combate s noes que

    porventura se reduzem a reproduo das concepes dominantes na poca. Portanto, o

    pensamento gramsciano se firma numa "construo de vontades coletivas" que visa a ser

    desenvolvida em conexo com os movimentos mesmos de emancipao do proletariado, a

    despeito de uma verdade ltima que seria eventualmente apresentada pelo marxismo, como

    defendemLukcseKorscharespeitodaiminnciarevolucionriadalutadeclasses.

    29

  • Como bem chegamos ao captulo intitulado "A nova sntese de Gramsci", atenhome a

    breves explanaes que iro tentar fornecer delineamentos do arcarbouo filosfico desse

    brilhante pensador. Ainda no tocante a constatao crtica da crise do marxismo,

    identificado que a "filosofia da praxis" possui como significado maior a evocao da fora

    imanente ao ser humano para fazer com que a mudana se realize, a constatao de sua

    autonomia operando no mais alto grau e verbalizada, nos termos gramscianos, como sendo o

    "humanismo absoluto". Decerto, a sntese filosfica de Grasmci concebe uma imponente

    reforma "ticomoral", baseada na eminente racionalidade do humanismo renascentista

    mesclada s foras irrompidas pelos levantes populares da Reforma Protestante. Em seguida,

    a cincia e o marxismo so colocados face a face para que sejam investigados analiticamente,

    no sentido de que seja realizado um acerto de contas entre suas conceitualizaes. Posto que a

    cincia exerce marcante influncia na estrutura, a incipiente filosofia da prxis precisa

    recorrer a esse instrumento de interpretao e dominao da natureza, por assim dizer, pelo

    fato de sua influncia no pensamento moderno ser de relevante impacto, sobretudo no perodo

    subsequenteaosculoXVIII.

    Em continuao a linha argumentativa descrita acima, trs demandas sobre a conexo

    do marxismo com o mtodo cientfico vem a ser trazido a lume. Primeiramente, a

    autonomizao relativa dessa "ideologia", que entende o mundo a partir de sua maneira

    particular, livrase de eventuais antagonismos e possibilita assim a aplicao de suas tcnicas

    visando a alcanar objetivos previamente traados. A noo de que a cincia est alm do que

    pode ser acessado por uma perspectiva particular ou coletiva, isto , objeto inteligvel a todo e

    qualquer indivduo, colocado logo depois como outra importante questo. Finalmente, a

    terceira medida se fundamenta na afirmao cientfica que se afirma como

    demonstravelmente superior ideologias alternativas. Ora, ao final dessa sistematizao

    terica, apresentado como Gramsci concentra seus esforos em democratizar e socializar o

    conhecimento cientfico, ao contrrio do empenho capitalista a fim de burocratizlo e

    30

  • elitizlo, sendo uma evidente medida para o desenvolvimento dessa alternativa racionalidade

    civilizatria,pautadanoconceitodehegemonia.

    Ao direcionar a abordagem crtica gramsciana acerca da imanncia, a investigao

    identifica essa noo do marxismo em sua capacidade universalizante em penetrar nas

    singularidades irrepetveis do objeto de estudo, sendo encontrada na grande sntese histrica

    formulada por Marx luz da "filosofia clssica alem, da economia poltica inglesa e da

    poltica francesa". Pontuada a contribuio essencial de Hegel, como sendo o pensador que

    implementa a superao do dualismo matria/ideia mediante o conceito do imanentismo,

    Gramsci infere que apenas a filosofia da prxis possui como resultante a concepo de

    imanncia. Dito isso, a centralidade dada a relao Marx/Hegel no apenas se lana contra o

    marxismo da Segunda Internacional como tambm da Terceira Internacional, postulada no

    antagonismo clssico materialismo/idealismo para compreender esses dois tericos alemes.

    Assim, ao debater o conceito de materialismo histrico, o conhecimento entendido como

    sendo "objetivo" pelos indivduos de fato "universalmente subjetivo", em outras palavras,

    entendidodessamaneiraportodoseles.

    Aqui, a noo kantiana de realidade, entendida como sendo exterior ao indivduo e

    consequentemente elemento apriorstico proveninente da humana e social, tematizada para

    nortear a complexa problemtica da relao entre "matria" e "esprito", tendo sido postulado

    que "o desafio conceitual seria o de pensar as formas de articulao e interao prprias a

    cada realidade histrica entre as dimenses do "ser" e da "conscincia social". No que diz

    respeito contraposio terica em relao ao determinismo econmico, Gramsci, pautado na

    terminologia da filosofia da prxis, denota sua abordagem na soma das vontades coletivas que

    objetivando fins para sejam elucidadas as previsibilidades desencadeadas por foras

    permanenteseregularesnosprocessoshistricos.

    Com efeito, essa noo de previsibilidade lana mo da metodologia cientfica que, ao

    aplicar observao minuciosa em seus experimentos repetidos e a partir disso extrair certas

    inferncias, compreende seu objeto de estudo de modo a possibilitar antecipaes acerca de

    31

  • comportamentos futuros que eventualmente venham a apresentar similitudes em relao

    pesquisa outrora empreendida. Assim, a sntese filosfica do autor italiano, questionando a

    expresso de determinismo voltado para a busca de uma "causa ltima" anloga prova da

    existncia de Deus, entende que possivelmente a supresso de fatores componentes da

    totalidade da esfera econmica a despeito de uma relao causal to restrita falha por no

    equivaler ao procedimento cientficonatural insatisfatrio a tal pesquisa. Outra interessante

    interpretao da teoria gramsciana compete ao tratamento dado liberdade individual de

    modificar a histria, sendo explorada a concepo de que o homem pode imprimir

    desequilbriosaodesenrolarconstantedosacontecimentossociaisehistricos.

    Ora, dando seguimento ao tema emancipao individual, mas agora combinada com a

    coletiva, Gramsci enfatiza em Cadernos do crcere o processo pelo qual ocorre a sntese

    histrica acumulada no ponto particular representado pelo indivduo que, utilizandose de

    atitudes racionais pode vir a disseminar seu objetivo, concretizando mudanas no plano

    abrangente de seu contexto sciocutural de modo antes inimaginado, qual seja, a

    transformao socialista preconizada pelo marxismo. De modo competente, o Prof. Juarez

    Guimares explicita que a filosofia desse brilhante marxista italiano prioriza essencialmente

    que "a superao do homemmassa, passivo, acrtico, incosciente de suas possibilidades

    autnomas, passa a se identificar com o processo de transformao social". Interessante o

    conceito chave de cidadania ativa a partir de uma perspectiva democrtica que vem a ser

    elaborado de maneira sofisticada na expanso e universalizao conquistada por Gramsci, por

    assimdizer,sobreseusesforosintelectuaiscomtemaaomarxismo.

    No tocante aos princpios chaves da concepo praxiolgica elucidado que o plano

    terico de Gramsci expande e torna mais rica a fora motora da luta de classes elaborada

    conceituamente por Marx e Engels, dandolhe contribuies de substancial importncia por

    enfocar as mediaes existentes entre as condies socioeconmicas e as vontades coletivas.

    Estas, so moldadas e dependentes dos processos polticos e culturais que vieram a ocorrer e

    32

  • so permeados por questes de "conflitos nacionais, religiosos, de gnero ou ticos". Os

    grupos que expressam tais vontades coletivas so os veiculadores das tendncias presentes

    naquela conjuntura particular que resultar nas mudanas histricas tematizadas pela filosofia

    da prxis gramsciana, ao invs da equivocada interpretao em que apresenta as classes

    sociais em forma pura e assim limita a pluralidade das demais representaes sociais. O Prof.

    Juarez Guimares deixa bem claro haver louvveis (o contato com a sofisticada sntese

    gramsciana me leva a usar o termo) rearticulaes conceituais entre Marx e Gramsci com essa

    explorao mais aprofundada e sistemtica das categorias polticas e culturais que so, de

    acordo com este, "a ponte entre a estrutura econmica e a histria", alm de fortelecer a noo

    marxista para o confrontamento de crticas que insistem em apontar o aspecto determinista e

    inadequadonacompreensodosfatoresconcernentesahistriaeaeconomia.

    10.Aimpotnciadaprxis:odeterminismosocietrioda"TeoriaCrtica"

    Em seguida, a abordagem de Democracia e Marxismo dirige sua anlise para a

    "Impotncia da Prxis: O deteminismo societrio da Teoria Crtica", com investigao que

    traz discusso o papel de suma relevncia desempenhado pela Escola de Frankfurt para a

    contraposio terica ao vulgar marxismo sovitico que, de modo desastroso, concentrou

    empreendimento empobrecedor da cultura com razes advindas de Marx. Intelectuais da

    "Teoria crtica" alavancam a problemtica levantada pelo marxismo acerca do capitalismo

    num nvel em que seus verses economicistas e tcnicocientficas, bastante marcantes no

    Diamat, so superadas mediante algumas das suas categorias centrais como "totalidade" e

    "reificao" (oriundas da obra Histria e conscincia de classe, de Luckcs) que intencionam

    fugir das armadilhas teleolgicas que se mostram como sendo falhas e historicamente

    pervertidas, sobretudo se fundadas numa linearidade do progresso como a que se verificou na

    tradio iluminista. bem verdade que a Escola de Frankfurt peca no momento em que exclui

    a figura do proletariado decisivamente revolucionrio, assim como a conexo relacional entre

    33

  • o objetivo e o subjetivo no viraser da histria, embora seja balanceada pelos ganhos

    evidenciados em sua empiricidade e ousadia especulativa que funcionam como norteadores do

    empreendimentonotadamenteacadmicodesenvolvidopelostericosalemes.

    Haja vista essa escolha de abordagem delineada pelos frankfurtianos, o determinismo

    societrio se apresenta como erro fatal no qual Adorno, Horkeimer, Luckcs e outros

    incorrem ao projetar uma resultante "coisificao" do indivduo como necessria e inevitvel

    em razo dele estar imerso e ser desse modo atingido pelo universo de mercantilizao, a

    ponto de uma similitude de diagnstico para com as vises de Weber ser apontada pelo

    competente intelectual assinador dessa obra a que me esforo por comentar. Ora, a negao da

    autonomia poltica no abrangente e complexo campo das relaes sociais abarcado, ao menos

    em planificao terica, pela filosofia marxista, denota "fissura" edificao argumentativa

    erigida por esses competentes e altamente citados pensadores do sculo XX, pois acredito ser

    interessante citar que o caso em questo a crtica pontual dirigida ao tema da poltica na

    dimenso do social, e no o questionamento da rica tenso criativa conquistada por esses

    autoresemseustrabalhos.

    Importante representante da "Teoria crtica" vide o carter fundante da obra

    intitulada A situao atual da filosofia social e as tarefas de um Instituto de Pesquisa Social

    (1931) Max Horkheimer. De maneira mais aperfeioada em relao s cincias

    particulares e pura filosofia especulativa, ele preconiza o alinhamento de perspectivas

    tcnicas e metodolgicas de socilogos, psiclogos, economistas, historiadores entre outros

    estudiosos para atingir um plano de entendimento que fosse o mais abrangente possvel, uma

    vez que a multidimensionalidade dos elementos tomados como objeto de explorao parece

    sugerir semelhantes projetos audaciosos, caso se objetive desenvolver trabalhos dotados de

    poder conceitual e nvel de explicitao satisfatrio. Ora, no ensaio Materialismo e moral,

    Horkheimer combina crticas ao neokantismo com a exaltao da "racionalidade adequada ao

    nvel atual de desenvolvimento", de modo a elaborar um pensamento que ir culminar numa

    34

  • concepo que nega inclinaes fatalistas, bem como a noo de uma vontade criadora da

    histria, proveniente da abordagem caracterstica do idealismo, ser radicalizado em prol do

    desenvolvimentoparticipativodos"momentossubjetivoseobjetivos".

    J noutro trabalho, A propsito da polmica sobre a filosofia contempornea,

    Horkheimer coloca em xeque a esperanosa tendncia dos proletariados revoluo, no

    sentido de estebelecer um cerco "metafsica do proletariado" e sua tensa relao

    sujeito/objeto a qual possui conexo intrnseca com a projeo terica lanada na sociedade,

    assim como caminha conforme a manipulao humana exercida ao prprio humano numa

    lgica anloga tentativa cientficonatural em dominar a natureza de seu objeto de estudo.

    Ademais, golpe incisivo de imensa maestria desferido na f racionalista, baseada em seu

    progresso linearmente evolutivo, e versado como sendo "a projeo narcsica na eternidade do

    seuprprioeucondicionadohistoricamente".

    O pensador alemo da tradio de Frankfurt ilustra ainda na obra O Estado autoritrio

    (1942), que a "socializao dos meios de produo e a sua subordinao racional aos fins

    humanos" expressa um singular momento de superao do conceito progressista caracterstico

    da teleologia hegeliana, tematizada atravs da evoluo do esprito rumo ao seu formato

    absoluto. A seguir, Horkheimer apresenta a primeira falha que Marx eventualmente cometera

    em seu memorvel O Capital, ao dizer que ao invs da iminncia revoluionria do

    proletariado ser desencadeada pelas inevitveis crises econmicas, com motivos ligados a

    "pauperizao crescente da classe operria em todos os pases capitalistas", na verdade teria

    ocorrido inversamente. Essas crticas liberais consistem em compreender Marx como autor

    tendo como pressupostos conceituais os no reais valores da justia e da liberdade, de modo a

    ir alm em seu raciocnio com a adoo de uma perspectiva teolgica para demonstrar haver

    outro modelo, por assim dizer, no qual os antagonismos desses princpios (apesar de aparente

    prevalecncia)noseriamaverdadeltima.

    35

  • Theodor W. Adorno, outro integrante da Escola de Frankfurt, elabora em conjunto

    com Max Horkheimer um trabalho cujo ttulo j deixa bem claro qual ser seu ponto de

    discusso crtica, resultante de investigao incisiva, do que veio a ser uma influncia

    marcante no processo de formao do pensamento ocidental moderno, qual seja, Dialtica do

    iluminismo. Nesse estudo, os autores alemes investem sua linha argumentativa para

    demonstrar uma de suas mais puras expresses do determinismo societrio, descrevendo uma

    dimenso iluminista totalitria em que a mercatilizao do pensamento conduz o indivduo a

    noo que o garante no exercer qualquer modificao nos hegemmicos mecanismos

    econmicos, suprimindo assim sua ao criativa. Assim, o conceito de reificao abordado na

    obra, com tema aos perversos resultados do pensamento iluminista (fundadas na

    instrumentalidade da razo e na dimenso civilizatria do capitalismo), utilizado como

    instrumento para questionamento do marxismo sovitico por este ocasionar degenerao de

    concepesquesefiamnapoucoprecavidanoodeobjetivaodahistria.

    Ora, em "Desconstruo e crtica" observase que as reflexes concebidas pelos

    intelectuais da "Teoria crtica" comeam a ser problematizadas mediante a obra Dialtica

    negativa (1966), do prprio Adorno. Essa denominada "dialtica negativa" possui como

    aspectos caracatersticos a negao a quaisquer dimenses que priorizem em sua anlise as

    noes sistmicas e totalizantes, que visam abarcar fenmenos sociais partindo desses

    pressupostos tericos, sendo a fuso base/superestrutura ocorrida na sociedade moderna

    evidncia desse paradigma descartado por Adorno. Vale frisar tambm que este refuta

    abordagens ontolgicas por entendlas como "um objetivismo e uma apologia do mundo

    existente", condenando dessa forma o existencialismo de Martin Heidegger, bem como ao

    pensamento de JeanPaul Sartre com sua resistncia em estar preso a noo idealista do

    sujeitocomimpressesprovindasda"categoriakierkegaardianadadeciso".

    Em comparao com a tentativa de superao do dualismo sujeito/objeto preconizada

    por Antonio Gramsci, mediante sua "filosofia da prxis", fica bastante claro que o

    36

  • determinismo sociolgico defendido por Adorno tomado em considerao junto a sua

    "incapacidade de formular uma teoria antideterminsta da histria", em razo da imposio do

    objeto em relao ao subjetivo prpria de sua decidida negao a tendncias totalizantes. Esse

    conceito vem a ser acolhido posteriormente por crticos como uma "filosofia da histria

    negativa", em virtude de desconsiderar os pensamentos e aes dos sujeitos coletivos na

    histria, numa priorizao da histria com fins desastrosos e "danados" em detrimento da

    visootimistada"salvao"outroraimaginadaporMarx.

    11.Althuser:anegaodaprxiseodeterminismoestruturalista

    Chegado o captulo "Althuser: a negao da prxis e o determinismo estruturalista" os

    esforos deste filsofo, concentrados na tentiva de compreender o marxismo como uma

    cincia determista baseada na autonomia do campo das ideias e na reelaborao terica e

    categorizada do real, cuja importncia vem a ser evidenciada na elaborao de pea essencial

    no "desenvolvimento do chamado marxismo ocidental". Norteado pela audaciosa inteno de

    combinar a sua mais elevada habilidade filosfica com radicalismo poltico, estando imerso

    no perodo ao qual era observado a crise do marxismoleninismo assim como fora postulado

    por Stalin, Althuser vai formular uma teoria de considervel distino tomado como base o

    pensamentooriginaldeMarx.

    Com efeito, o filsofo marxista do sculo XX enfatiza reflexes contrrias s escolas

    existencialistas, sobretudo a encabeada pelo clebre francs JeanPaul Sartre, com seus

    fundamentados primordiais ligados ao subjetivismo, bem como prima pela abordagem

    estruturalista vinculada com as cincias humanas no contexto da Frana. Conforme salienta

    Franois Dosse, tratase de "uma verdadeira aposta que equivale a colocar o marxismo no

    centro da racionalidade contempornea ao preo do seu desligamento da prxis, da dialtica

    hegeliana, a fim de suplantar a vulgata stalinista em uso, fundada num economicismo

    mecnico". Desse modo, em sua obra de maior contribuio para com o pensamento da

    37

  • cultura marxista, Ler O Capital, pretende focalizar o aspecto prtico presente nos trabahos de

    Marx, sendo que a essa deciso inclua a declarada averso ao historicismo advindo de Hegel,

    alm da oposta compreenso acerca do humanismo gramsciano que aqui, no entender de

    Althusser,deveser"ahumanismo".

    Tais so alguns dos pontos essenciais estabelecidos pelo filsofo francs que tinha em

    mente a construo de uma teoria cientfica prpria e especfica do marxismo, chegando para

    isso a sincronizar sua reflexo filosfica com o pensamento crtico de Friedrich Engels. Para

    tanto, Athusser concebe uma articulao entre a "infraestrutura" e as variadas dimenses da

    "superestrutura" no sentido de questionar a mecanicidade da relao a qual ocorre entre essas

    duas instncias. Deve ser ressaltado que apontado um impasse presente na concepo

    marxista da histria sintetizada por este pensador, uma vez que a estruturao que exerceria

    ou no controle dos processos dos modos de produo falha em elucidar como vem a correr

    suatransformao.

    Apresentados de maneira breve alguns dos principais conceitos tematizados por

    Althusser, assim como o contexto no qual estava imerso, o seguimento de Democracia e

    Marxismo centra sua anlise em "Crtica do Humanismo" como ponto de partida para

    apreenso de parcela da elaborao criativa deste pensador. Discusso capital na coletnea de

    ensaios intitulada A favor de Marx (1964), o embate entre marxismocincia e

    humanismoideologia emerge para ser tratado nessa investigao filosfica levada adiante

    pelo autor francs que, tendo sido minuciosamente explicitado pelo Prof. Juarez Guimares,

    comea por expor os vrios nveis da denominada "prtica social". Dessa maneira, esta deve

    ser num primeiro momento entendida como composta dos nves da produo, da prtica

    poltica, da prtica ideolgica e da prtica terica, sendo esta a tentativa de autonomizao da

    teoriacientficaemrelaosprticas.

    Assim, exposto o eventual atraso do materialismo dialtico de cunho filosfico

    tendo como ponto de referncia o avano alcanado pelo materialismo histrico de vis

    38

  • cientfico argumentado como ocorrido em razo das revolues cientficas exigirem

    concentrao e dedicao terica combinada ao aperfeioamento histrico com fito a

    tornaremnas claras e significativas o bastante